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    FACULDADES INTEGRADAS FAFIBE

    ANA CARLA NOLI

    ANLISE DA PERSONAGEM NA OBRA ASAS DO DESEJO, DE

    WIM WENDERS: O CINEMA COMO PROPOSTA DE ENSINO

    BEBEDOURO SO PAULO2010

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    FACULDADES INTEGRADAS FAFIBE

    ANA CARLA NOLI

    ANLISE DA PERSONAGEM NA OBRA ASAS DO DESEJO, DE

    WIM WENDERS: O CINEMA COMO PROPOSTA DE ENSINO

    Trabalho de Concluso de Curso (monografia)apresentado s Faculdades Integradas Fafibecomo requisito parcial para obteno do grau delicenciado em Letras (Espanhol e suasrespectivas literaturas).Orientadora: Prof. Dr. Aparecida do CarmoFrigeri Berchior

    BEBEDOURO SO PAULO2010

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    NOLI, Ana Carla

    Anlise da Personagem na Obra Asas do Desejo, de WimWenders: O Cinema como Proposta de Ensino / Ana CarlaNoli. Bebedouro: Fafibe, 2010.

    41 f. : il. ; 29,7 cm

    Trabalho de Concluso de Curso de Licenciatura em Letras- Faculdades Integradas Fafibe, Bebedouro, 2010.

    Bibliografia: f. 39-40.

    1. Cinema. 2. Ensino 3. Literatura.I. Ttulo.

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    FACULDADES INTEGRADAS FAFIBE

    ANA CARLA NOLI

    ANLISE DA PERSONAGEM NA OBRA ASAS DO DESEJO, DE

    WIM WENDERS: O CINEMA COMO PROPOSTA DE ENSINO

    Trabalho de Concluso de Curso (monografia)apresentado s Faculdades Integradas Fafibecomo requisito parcial para obteno do grau de

    licenciado em Letras (Espanhol e suasrespectivas literaturas).Orientador: Prof. Dr. Aparecida do CarmoFrigeri Berchior

    MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

    Presidente e Orientador : Prof. Dr. Aparecida do CarmoFrigeri BerchiorFaculdades Integradas Fafibe Bebedouro-SP

    Membro Convidado: Prof. Ms. Alexandre S. CamposFaculdades Integradas Fafibe Bebedouro-SP

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    DEDICATRIA

    Dedico esse trabalho aos verdadeiros amantes das artes. Aqueles que diante de

    tantos empecilhos tiveram a coragem de assumir sua preferncia, ir adiante e

    trazer humanidade novos olhares, e novos mares a mergulhar e navegar. Dedico

    a esses homens e mulheres, grandes ou pequenos, exaltados ou esquecidos.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente a Deus por me dar a possibilidade da existncia, com

    todas as suas sensaes e possibilidades.

    Agradeo minha me que, com tanta pacincia, incentivou os meus sonhos e os

    meus devaneios.

    Agradeo ao meu pai, que me deu a possibilidade de completar meus estudos no

    ensino superior.

    Ao meu irmo Giordano Bruno, que me trouxe a possibilidade de sonhar.

    A minha irm Ana Fernanda, que me fez continuar, mesmo a vida no sendo como

    eu previa.A minha irm Ana Paula, que me ensinou a enxergar a vida pelos olhares da

    realidade.

    Ao meu sobrinho Giovanni, a maior alegria da minha vida.

    Ao meu namorado Marcos Vincius, pela pacincia incondicional em todos os

    momentos.

    Aos meus companheiros de sala, principalmente ao quarteto (fantstico, digo de

    passagem), que me trouxeram as mais diferentes experincias.Ao meu professor Rinaldo, que conseguiu me mostrar o significado pleno da

    palavra educador.

    A minha orientadora Cidinha, que fez com que meu trabalho flusse de maneira

    prazerosa, mostrando traos da arte que nenhuma outra pessoa conseguiu me

    mostrar.

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    Agradeo vida que me tem dado tantodeu-me dois olhos que, quando os abro,perfeitamente distingo o preto do brancoe no alto cu, o seu fundo estreladoe nas multides, o homem que eu amo.(PARRA, 1966)

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    RESUMO

    O presente trabalho pretende discutir a presena da personagem na obra

    cinematogrfica Asas do desejo(1987) do diretor Wim Wenders. Levando em conta

    os pressupostos que o cinema utiliza e o contexto histrico em que o filme se insere,

    sero analisadas as personagens principais e a importncia delas dentro da trama.

    A obra trabalhada apresenta em sua espacialidade a Berlin do ps-guerra e seus

    conflitos. Tais conflitos tendem a modificar o espao e, consequentemente, as

    prprias personagens. No terreno das complexas relaes presentes na sociedade

    atual, temos de um lado, a literatura e a possibilidade de "revelar" mais que a

    visualizao; de outro, o fascnio pela imagem visual e a riqueza do movimentocontida no cinema. Nesse sentido, a pertinncia desse estudo deve-se a experincia

    da leitura literria pela tica de outra arte, no caso a cinematogrfica, que, pela sua

    complexidade, acentua a necessidade de averiguar o processo artstico presente no

    corpus escolhido. Como as artes citadas possuem fortes ligaes, ambas contm

    elementos narrativos que podem ser analisados a partir dos mesmos conceitos de

    enredo, tais como personagem, tempo, espao, e outros. Ser analisado o poema

    Livre! do simbolista Cruz e Sousa, e este ser comparado com a obracinematogrfica j citada; assim ficar clara a relao que se pode estabelecer entre

    o cinema e a arte da palavra. O estudo pretende tambm apresentar e discutir o

    potencial didtico do cinema a ser explorado no ensino de literatura no segundo

    grau. Para alcanar tal objetivo, sero utilizadas principalmente as obras de Gaston

    Bachelard.

    Palavras-chave: Wim Wenders. Personagem. Cruz e Sousa. Ensino.

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    ABSTRACT

    The present work intends to discuss the presence of the character in the

    cinematographic production Wing of Desire (1987) of the director Wim Wenders.

    Considering the assumptions that the cinema uses and the historical context in which

    the film is inserted, the main personages and the importance of them inside of the

    tram will be analyzed. The worked production presents in its place the Berlin of the

    postwar period and its conflicts. Such conflicts tend to modify the space and,

    consequently, the characters themselves. About the matter of the complex relations

    present in the current society, we have on the one hand, the literature and the

    possibility of "reveal" more that the visualization; on the other, the fascination forvisual image and richness of movement contained in the cinema. Accordingly, the

    relevance of this study is due to the experience of reading literature from the

    perspective of another art, in the case the cinematographic one, that, for its

    complexity, it accents the necessity to inquire the present artistic process in the

    chosen corpus. As the cited arts mentioned have strong links, both contain narrative

    elements that can be analyzed from the same concepts of plot, such as character,

    time, space, and others. The poem Livre! of the allegoric pot Cruz and Sousa willbe analyzed, and will be compared with the cinematographic production already

    quoted; therefore it will be clear the relation that may be established between cinema

    and the art of word. The study also intends to present and to discuss the didactic

    potential of the cinema to be explored in the education of literature in high school. To

    reach such objective, shall be used primarily the works of Gaston Bachelard.

    Keywords: Wim Wenders. Character. Cruz e Sousa. Education.

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    SUMRIO

    INTRODUO .......................................................................................................... 10

    1 ANLISE DA OBRA .............................................................................................. 13

    1.1 Sobre o diretor e a obra ..........................................................................................................13

    1.2 Teoria da personagem ............................................................................................................15

    1.3 Damiel e os anjos....................................................................................................................17

    1.3.1 Marion .............................................................................................................................20

    1.3.2 A queda ............................................................................................................................23

    1.3 Cassiel e o escritor ..................................................................................................................24

    2 DAS ASAS DO DESEJO LIBERTAO EM CRUZ E SOUSA ........................ 27

    2.1 Cruz e Sousa e o simbolismo...................................................................................................27

    2.2 Das Asas do Desejo Cruz e Sousa: uma comparao potica ...............................................28

    3 UTILIZAO DO CINEMA NAS AULAS DE LITERATURA................................. 34

    3.1 Cinema na sala de aula ...........................................................................................................34

    3.2 Cinema e a crtica literria ......................................................................................................35

    4 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 38

    REFERNCIAS ......................................................................................................... 39

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    INTRODUO

    O Ensino Mdio no Brasil est mudando. A consolidao do Estado

    democrtico, as novas tecnologias e as mudanas na produo de bens, servios econhecimentos exigem que a escola possibilite aos alunos integrarem-se ao mundo

    contemporneo nas dimenses fundamentais da cidadania e do trabalho.

    (Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio, 2000)

    O nosso pas realmente est modificando, cultura, formas de pensar e de

    aprender, formas de viver. A escola, sendo o maior responsvel na educao formal,

    cultural e moral do jovem, deve acompanhar o caminhar das mudanas que uma

    nova sociedade, mais tecnolgica e dinmica, trs.A partir desse pensamento, os Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

    Mdio, de 2000, fundamenta que:

    A formao do aluno deve ter como alvo principal a aquisio deconhecimentos bsicos, a preparao cientfica e a capacidade deutilizar as diferentes tecnologias relativas s reas de atuao.Prope-se, no nvel do Ensino Mdio, a formao geral, em oposio formao especfica; o desenvolvimento de capacidades depesquisar, buscar informaes, analis-las e selecion-las; acapacidade de aprender, criar, formular, ao invs do simplesexerccio e memorizao.

    As diferentes tecnologias citadas acima so referentes s novas mdias que

    surgiram a partir dos anos 80 e que hoje so declaradas como recursos de massa,

    usados pela maioria das pessoas no s no Brasil, como no mundo. Incluem-se,

    portanto, o rdio, o computador, a televiso, o vdeo-cassete, o DVD, entre outros,

    que surgem, como o blu-ray.

    importante lembrar que esses novos recursos tecnolgicos tm muito a

    acrescentar no ensino, pois so mais familiares aos educandos. Porm, o bom uso

    desses de extrema pertinncia, pois muito ligado tambm ao ldico, os recursos

    podem dispersar o aluno do verdadeiro sentido da educao.

    A televiso, usada para materializar o conhecimento, de grande valia em

    praticamente todas as reas. Focando a rea artstica, o instrumento citado, pode

    ser usado como ponte para levar o cinema para a sala de aula. O cinema, se

    utilizado adequadamente, um aliado do processo ensino aprendizagem,principalmente na rea de literatura.

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    Desde os primrdios as imagens acompanham a humanidade, definindo os

    contornos das distintas identidades estticas que fazem parte do modo como nos

    vemos e nos reconhecemos. A partir de ento, o ser humano tem registrado estas

    imagens, atravs de outras artes e principalmente do cinema, possibilitado pelo

    avano tecnolgico.

    Levando em conta que a evoluo do cinema no se deu apenas de maneira

    tcnica, mas tambm de maneira artstica, tendo suas vanguardas e suas

    influncias, construindo sua histria em cada pas de uma maneira diferente, pode-

    se reforar a idia de que ele realmente de grande valia no ensino atual de

    literatura, de maneira intertextual.

    O cinema alemo, por exemplo, fortemente marcado pela influncia detendncias artsticas e vanguardas plsticas, levando em conta o histrico

    beligerante da nao. A partir do final da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha

    acompanha o desenvolvimento de sua arte cinematogrfica, que se d pela forte

    influncia artstica das vanguardas que esto nascendo, como o expressionismo. A

    Europa do ps-guerra est em plena dinmica cultural e Berlin se torna um grande

    centro de encontros e discusses.

    Com a entrada de Hitler na histria do pas, o cinema sofre uma bruscacensura. Apesar de o governo dizer que se interessava pelo aperfeioamento da

    Stima Arte, pequeno foi o seu desenvolvimento. Nessa poca apenas a cineasta

    Leni Riefenstahl se destaca, com filmes que exaltam o governo nazista e o povo

    alemo.

    Com a queda do governo ditatorial, filmes de fcil acesso intelectual so os

    mais produzidos e os mais assistidos pela populao. Cineastas cansados desse

    ritmo fraco da Stima Arte e percebendo a ausncia de uma perspectiva crtica nocinema assinam o Manifesto de Oberhausen, em 1962, com o objetivo de recriar a

    cinematografia do pas, nascendo assim o chamado Cinema Novo.

    Ernst Wilhelm Wenders, mais conhecido como Wim Wenders, considerado

    um dos cones desse cinema, junto com Rainer Werner Fassbinder, Werner Herzog,

    Volker Schlndorff e outros.

    Com vrios filmes aclamados pela crtica, Wenders realiza, em 1987, uma de

    suas obras-primas, Asas do Desejo. O filme mostra a disputa do efmero com o

    divino e uma reflexo da existncia humana aos olhos do diretor ao jogar com

    cores, sons e cenrios da Berlin do ps-guerra.

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    Em um texto sobre cidade e cinema, Wenders discute a possibilidade dos

    espaos vazios como lugares que contam histrias, ou seja, aquilo que se quer

    mostrar, isso que se quer ter na imagem, explica-se pelo que se deixa fora dela

    (WENDERS, 1994, p. 180).

    Nesse sentido, o cinema pode ser definido como uma exposio imagtica e

    sensvel de idias, uma espcie de arte que se conduz atravs de conceitos

    cognitivo- afetivos, tornando visuais e mveis uma verdade temporalizada. Portanto,

    como instrumento ativo do desenvolvimento cognitivo, o cinema apresenta em

    nossos dias toda a sua potncia como conceito pedaggico, podendo assistir os

    alunos dentro do conceito bsico de Ensino e Educao:

    A educao deve transmitir, de fato, de forma macia e eficaz, cadavez mais saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados civilizaocognitiva, pois so as bases das competncias do futuro.Simultaneamente, compete-lhe encontrar e assinalar as refernciasque impeam as pessoas de ficar submergidas nas ondas deinformaes, mais ou menos efmeras, que invadem os espaospblicos e privados e as levem a orientar-se para projetos dedesenvolvimentos individuais e coletivos. (DELORS, 1998, p. 82).

    O principal objetivo deste trabalho fazer um estudo sobre o cinema e suasrelaes ntimas com a arte da palavra, e provar que elas existem, e so slidas.

    Mostrar que essa relao pode ser usada como forte ferramenta no ensino de

    literatura no ensino mdio tambm ser uma vertente trabalhada. Para isso, o filme

    de Wenders ter uma anlise com bases literrias de suas personagens, e, aps

    isso, ser feita uma comparao com um poema simbolista do autor Cruz e Sousa.

    O simbolismo, com toda a sua sonoridade, sensaes e musicalidade, possui

    uma gama grande de aspectos para comparar com o filme em questo, que seapresenta lrico e de grande peso potico. A anlise do poema tambm ser feita de

    maneira estrutural, para que possa se provar os aspectos ditos acima.

    Aps isso, uma reflexo sobre o uso do cinema em sala de aula ser feito, a

    partir dos dados que sero utilizados e relacionados em ambas as obras artsticas.

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    1 ANLISE DA OBRA

    1.1 Sobre o diretor e a obra

    Ernst Wilhelm Wenders, conhecido como Wim Wenders, nasceu em 14 de

    agosto de 1945, ano do trmino da Segunda Grande Guerra. Nascido em

    Dsseldorf, Alemanha, estudou Filosofia e Medicina quando jovem, mas largou

    esses ofcios para estudar cinema em sua terra e, ao mesmo tempo, pintura na

    Frana. Em seu trabalho, sempre tematiza a solido, a alienao e personagens em

    crise, explorando seu subconsciente e seus questionamentos. Precursor do Cinema

    Novo alemo, seus filmes so muito metafricos; dentre eles, o mais famoso Asasdo Desejo.

    O enredo do filme citado se baseia na histria de dois anjos que so amigos e se

    encontram para trocar experincias vividas com os homens. Um deles mostra-se

    muito interessado nas sensaes humanas das quais os anjos so privados,

    principalmente a do contato. Este indivduo segue uma trapezista e se apaixona por

    ela, aumentando sua necessidade de conhecer o universo humano. Seu amigo anjo

    acompanha, na maior parte do tempo, um escritor idoso, que sempre especula sobre

    assuntos da humanidade.

    As personagens que tero enfoque nesta pesquisa, portanto, so os anjos, o

    escritor e a trapezista.

    Considera-se o contexto histrico de uma Berlim em reconstruo aps a

    Segunda Guerra Mundial, o recm-findado e violento governo ditatorial. Quando o

    avano das tropas soviticas se torna massacrante para o povo alemo e Hitler se

    suicida em 1945, o regime Nazista desmorona. As cidades estavam semidestrudas,

    os portos impraticveis, as grandes fbricas fora de operao e eram enormes as

    perdas humanas. A Alemanha estava arrasada.

    No de se espantar que os alemes se refiram ao ano de 1945 como o ano

    zero, aquele no qual comearam a reconstruir os escombros fsicos, econmicos e

    sociais da Alemanha.

    Berlim, a capital, torna-se um espelho de acontecimentos sociais, polticos,

    econmicos e blicos dentro do pas. A cidade dividida em Berlim Oriental e

    Ocidental, espao em que o povo alemo bruscamente separado dentro da

    ideologia da Guerra Fria, como indica Serge Cosseron (1995, p. 7):

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    Os Alemes precisaram de quatro anos para sair do pesadelo emque a derrota nazista os mergulhara. Vencidos, ocupados porpotncias estrangeiras, divididos, exauridos, condenados pela

    Histria e pelos sobreviventes do genocdio, seu destino dependia davontade dos Aliados. As divergncias que minaram a alianaantinazista e desembocaram na guerra fria constituram excelenteoportunidade para que os alemes, tanto no Oeste quanto no Leste,reivindicassem o direito a um papel ativo no novo jogo internacional.

    Uma Berlim que se faz quase irreconhecvel, at mesmo aos olhos de seus

    habitantes, torna-se cenrio da obra cinematogrfica de Wim Wenders, em que os

    personagens esto intimamente ligados ao contexto histrico.

    J no comeo da pelcula, filmagens panormicas da capital soapresentadas. No filme elas se mostram a partir de um avio que logo pousar na

    cidade. Em seguida, entra-se na vida e se ouve os pensamentos de pessoas

    comuns, que vivem nessa metrpole: seus anseios, suas revoltas, seus

    questionamentos. A partir da se percebe que o espectador apenas receptor de

    informaes vividas pelo anjo Damiel, que ser o interceptor neste enredo.

    As vises panormicas se do em vrias partes do filme, com o efeito de

    sensao de levitao, que sempre foi reservado aos anjos. Damiel se apresenta nocomeo do filme com asas, para que anuncie a existncia angelical; e esta

    enfatizada com a sensao de vo, com seus dilogos sobre a condio humana e

    por no ter a habilidade do contato.

    Antonio Dimas (1985, p. 5) discorre sobre a importncia do espao, nas

    narrativas, e atenta para o fato de que esta categoria pode estar intimamente ligada

    ao desenvolvimento da trama, concepo que ocorre no filme em anlise:

    [...] Entre as vrias armadilhas virtuais de um texto, o espao podealcanar estatuto to importante quanto outros componentes danarrativa, tais como foco narrativo, personagem, tempo, estrutura,etc. bem verdade que, reconheamos logo, em certas narraesesse componente pode estar severamente diludo e, por esse motivo,sua importncia torna-se secundria. Em outras, ao contrrio, elepoder ser prioritrio e fundamental no desenvolvimento da ao,quando no determinante..

    No caso do filme, uma Berlim arrasada, onde os anjos acompanham o

    desenrolar da histria, estar intimamente ligada aos personagens, que se mostram

    saudosistas, e procuram por uma metrpole e por habitantes que existiram e que

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    agora parecem outras pessoas, trancadas dentro de si mesmas. O personagem ser

    um reflexo do cenrio que se mostra vazio e divido, no caso, pelo Muro de Berlim.

    1.2 Teoria da personagem

    Tanto o conceito de personagem, como o de sua funo, esto extremamente

    vinculados reflexo sobre os modos de pensamentos e existncias. Aristteles, o

    primeiro crtico a versar e refletir sobre a personagem, em sua obra Potica

    considera que essa instituio do texto aparece como reflexo da pessoa humana e

    que, ela como construo, obedece s leis particulares que regem o texto.

    Ao obedecer s leis que regem o texto e a prpria literatura ficcional,Aristteles discorre sobre o conceito de verossimilhana interna de uma obra: os

    detalhes de um texto no seguem o raciocnio da realidade em que se vive, mas da

    prpria obra em que esto inseridos: no ofcio do poeta narrar o que realmente

    acontece; , sim, representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que possvel,

    verossmil e necessrio (p. 177).

    O cinema trabalha na trama tambm com a verossimilhana interna, pois

    muitos dos acontecimentos no seriam plausveis em uma tica racional, mas sovistos de maneira natural pelos espectadores.

    Vendo os personagens da obra sobre a tica da teoria de Gergy Lukcs

    (apud BRAIT, 1985, p. 40), o heri problemtico da pelcula Damiel. Este, por sua

    vez, quebra as regras impostas pela sociedade divina, virando humano, mesmo

    tendo conscincia do valor de ser anjo. Lukcs encara essa forma de narrativa como

    sendo o lugar de confronto entre o heri problemtico e o mundo cheio de

    convenes. O heri est ao mesmo tempo em comunho e em oposio ao mundoem que vive.

    Para R. Bourneuf e R. Ouellett (apud BRAIT, 1985, p. 48), a obra como um

    sistema e contribui para a existncia da personagem e, no caso, o personagem

    Damiel, agente da ao. E. Soriau e W. Propp (apud BRAIT, 1985, p. 50) propem

    uma subdiviso nessa categoria, que enquadra o personagem na condio de

    condutor da ao: aquele que impulsiona a ao, que pode nascer de um desejo, no

    caso a metamorfose que ele sofre, virando humano. A personagem Marion entra

    tambm como agente da ao, na subdiviso de objeto desejado, pois ela a fora

    de atrao, o desejo visado por Damiel. J o personagem Cassiel, enquadra-se na

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    subdiviso de adjuvante, pois ele auxilia Damiel. O Senhor j considerado uma

    personagem com funo decorativa; apesar do tom pejorativo, essa caracterizao

    de personagem se mostra intil ao, mas no obra.

    Na construo de cada personagem h recursos que possibilitam a anlise

    para reconhecimento das caractersticas de cada uma. Para isso necessrio que

    seja encontrado no texto os detalhes e ndices que o narrador disponibiliza para o

    leitor.

    Na comparao entre cinema e literatura, diz Beth Brait que assim como no

    h cinema sem cmera, no h narrativa sem narrador (1985, p. 53). De tal forma,

    para se analisar as personagens cinematogrficas, necessrio fixar-se nos

    detalhes que a cmera, as cenas, os planos e os dilogos colocam. Brait ainda dizque de acordo com a postura desse narrador, ele funcionar como um ponto de

    vista capaz de caracterizar as personagens; reforando a idia de que as imagens,

    com todos os seus pressupostos, e as falas iro carregar ideologias.

    O narrador, observador da histria, pode se apresentar em primeira ou

    terceira pessoa. No caso da pelcula estudada o narrador posiciona-se em terceira

    pessoa, pois no h necessariamente uma personagem que conta a histria: quem

    d as imagens realmente a prpria cmera. Brait versa: o narrador em terceirapessoa simula um registro contnuo, focalizando a personagem nos momentos

    precisos que interessam ao andamento da histria e a materializao dos seres que

    a vivem (Ibid., p. 56). Isso mostra que apesar da realidade que o filme traz e retrata,

    por ser uma filmagem de seres humanos reais, quem tem, nas mos, a construo

    da histria a cmera e quem a opera, direta ou indiretamente, dependendo do

    filme. Assim sendo, o narrador ter uma postura de construo da narrativa e,

    consequentemente, da personagem, em que:

    [...] a composio do espao, o desenho do ambiente, acaracterizao da postura fsica da personagem e a utilizao dodiscurso livre para expressar os pensamentos e as emoes dessacriatura combinam-se de forma harmnica, construindoprogressivamente o saber da personagem e do leitor. (Ibid., p. 55)

    Brait tambm vai dizer que, como tcnica para tornar o texto mais verossmil,

    o narrador de terceira pessoa utilizar do maravilhoso e do fantstico:

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    [...] recorre ao sonho ou apario maravilhosa como formas dedramatizao que permitem representar a intensidade de um conflitointerior, dimenso que em princpio estaria fora do alcance de umaexterna, de um foco narrativo puramente exterior. (Ibid., p. 56)

    Dentre os gneros literrios conhecidos (lrico, pico e dramtico) o filme se

    enquadra no dramtico; para Wolfgang Kayser:

    temos diante de ns um drama sempre que, num espao especial,(de per-sonare) apresentam, por meio de palavras egestos, um acontecimento. O que se oferece por esta maneira tambm determinado pelos mesmos trs elementos bsicos, tal qualcomo o mundo que o pico expe: pelo evento, pelo espao e pelapersonagem (1976, p. 273).

    Portanto percebe-se na pelcula que Damiel, no espao da cidade de Berlim,

    apresenta, por meio de dilogos, pensamentos e atitudes ao de virar humano.

    Notam-se tambm esses trs pilares: personagem, espao e ao, andando juntos e

    entrelaados para que a trama seja slida, compreensvel e interessante.

    Kayser, ainda sobre esse assunto, vai separar o gnero dramtico nos

    dramas de personagem, de espao e de ao. A pelcula de Wenders possui

    caractersticas das trs subdivises, que so apresentadas em momentos distintosda obra.

    O anjo Damiel uma personagem complexa e o filme gira em torno de seus

    pensamentos, seus desejos e suas decises. Assim sendo, como diz Kayser, a

    unidade do texto reside na figura (Ibid., p. 277). Considerando-se que a unidade do

    filme tambm foca a principal deciso de Damiel, sua transformao, pode ser

    considerado um drama de ao, onde o evento se torna portador da estrutura,

    criador da tenso temporal e senhor de todo o mundo dramtico. Paracomplementar, o espao utilizado na pelcula, uma Berlim desgastada, ligada

    diretamente com o sentimento do povo alemo, que est sozinha, se fechou em si

    mesma, carrega caractersticas de um drama de espao, que se apresentam, na

    maioria das vezes, como dramas histricos: foi principalmente como drama histrico

    que se realizou o drama de espao, demonstrando traos como abundncia de

    figura e cenrios, [...] deleite em quadros lricos, o gosto de discursos retricos

    (Ibid., p. 35).

    1.3 Damiel e os anjos

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    A personagem principal, sendo um anjo, apresenta-se muitas vezes com

    asas. Para Gaston Bachelard elas so sinais alegricos do vo (1990b, p. 76);

    assim, muito se falar sobre o ato de voar, subir e cair. Para o autor so as asas as

    que mais participam do que divino (Ibid., p. 68), o que, na pelcula, reitera a figura

    do anjo j existente em nossa cultura.

    Para a cultura alem, o ato de voar tem identidade com liberdade, restituindo

    ao pssaro, por exemplo, essa contemplao de liberdade por poder voar, tendo

    para isso, at um pensamento entre o povo alemo: frei wie der Vogel in der Luft

    (livre como um pssaro no ar).

    No filme, como em vrias lendas, histrias e mitos, tanto religiosos, populares

    e outros, os anjos se apresentam como figuras eternas, com toda a literariedade da

    palavra, pois sempre existiram e sempre existiro. Jean Lescure (apud BACHELAR,

    1990b, p. 70) diz sobre os pssaros que eles fazem uma viagem imvel em que as

    horas no soam mais, em que a idade j no pesa. Aqui, empresta-se esta

    concepo aos anjos.

    A criao dos anjos teria ocorrido antes da criao do mundo e dos humanos,

    pois os anjos conhecem a histria de nossa civilizao, desde o primeiro homem.

    Pensando que a pureza do ar que realmente criadora, essa pureza deve criar [...]

    o mais puro antes do material (BACHELAR, 1990b, p. 71). No filme os anjos

    dialogam: Voc se lembra da manh em que surgiu o bpede na savana [...] nossa

    to esperada imagem. Sua primeira palavra foi um grito. (WENDERS, 2007, 6221)

    O personagem Damiel um anjo e na maioria das vezes se apresenta

    acompanhado com um de seus semelhantes chamado Cassiel. Os anjos, por sua

    vez, podem ouvir os pensamentos humanos. Estes pensamentos, junto com algunsdilogos do filme e suas imagens, formam o psicolgico das personagens, como nos

    indica Salles Gomes(1968, p. 108):

    [...] o romancista passa a utilizar dilogos aps longas passagensnarrativas. precisamente esta a maneira dos filmes falados [...] isto, depois de sequncias sem fala, mais ou menos longas, irrompe odilogo. A palavra pois, nesses casos, usada exclusivamente emdilogos de cena.

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    A relao de Damiel com as crianas muito afetiva. No filme, apenas as

    crianas podem ver os anjos. Apesar disso, a empatia deste personagem com os

    menores parece que vai alm. As primeiras cenas do filme j mostram o

    personagem anjo sendo visto por crianas. A obra de Wenders tambm comea

    com um poema sobre crianas e seus pensamentos (2007, 32):

    Quando a criana era criana, andava balanando os braos.Desejava que o riacho fosse rio, que o rio fosse torrente, e essapoa, o mar. Quando a criana era criana, no sabia que eracriana. Tudo era cheio de vida e a vida era uma s. Quando acriana era criana no tinha opinio, no tinha hbitos, sentava-sede pernas cruzadas, saa correndo, tinha um redemoinho do cabelo e

    no fazia pose para as fotos.

    Observando a rua, logo no comeo do filme, Damiel acompanha uma

    gestante e seu marido dentro de uma ambulncia. Em seguida, so inmeras as

    cenas em que ele aparece visto perto de crianas; uma em especial ir lev-lo at

    um circo, cenrio de extrema relevncia para o andar da trama e onde uma criana

    tenta conversar com ele.

    Os anjos frequentam bibliotecas e acompanham aqueles que esto em busca

    do conhecimento. Os anjos Damiel e Cassiel so cumprimentados pelos seus

    semelhantes. Alm dos pensamentos dos seres humanos, ou seja, dos seres

    mortais que pairam no ambiente, tambm existe uma msica de fundo, agradvel e,

    ao mesmo tempo, imponente, semelhante a um canto gregoriano. Ela parece

    agradar e relaxar os anjos, como mostra Cassiel e Damiel ao fecharem os olhos e,

    como se tentassem sugar a essncia da msica, ficam imveis. De acordo com

    Bachelard o devaneio comea [...] fazendo ouvir uma msica cristalina (1997, p.

    49). A msica no filme uma metfora da sensao, onde se observa o ladohumano dos anjos, pois as sensaes atravs dos sentidos so caractersticas dos

    humanos.

    Na primeira cena da biblioteca fica claro que existem vrios anjos no

    ambiente. tambm neste momento da obra que os espectadores percebem que o

    contato dos anjos com o mundo humano limitado; isto provado na tentativa de

    Damiel em pegar uma caneta e, por sua condio, pega apenas sua essncia, no

    interferindo diretamente no objeto, em sua parte fsica.

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    Ficam evidentes, tambm, as interferncias que os indivduos divinos podem

    fazer em uma cena prxima da biblioteca, em um metr. Damiel se aproxima de

    um homem que possui pensamentos pessimistas em relao a sua vida e, com um

    som de harpa, este comea a repensar seus prprios pensamentos, a partir de uma

    aparente ajuda do anjo. A relao entre a harpa e o anjo se estabelece no filme

    como em vrias obras: com referenciais religiosos. A harpa um instrumento de

    som harmnico e esttico, o que combina com as aes benficas dos anjos,

    anunciando o ato divino e bendito. , portanto, um objeto simblico e mitolgico,

    estabelecendo sua relao com os anjos dentro do filme.

    Algumas interferncias dos anjos, para suavizar a condio humana, so

    apresentadas, tais como uma situao em que um senhor acidentado espera ajudae Damiel lhe passa pensamentos felizes, de lugares, pessoas queridas, etc. Estes

    pensamentos continuam com o anjo depois que ele sai de perto do acidentado, o

    que j se indicia a influncia do humano no divino. Cenas de vista panormicas

    aparecem e, sentado numa grande esttua de um anjo, Damiel se mostra pensativo.

    A esttua e Damiel se materializam: um assume o outro, o que plasma o divino que

    se eterniza no terreno, representativo da esttua: anjo e humano, em sua postura

    pensativa. Mais um indcio dos procedimentos estticos adotados na obra que levamaos ndices de humanizao do anjo.

    1.3.1 Marion

    no circo que Damiel ver Marion pela primeira vez. Uma bela acrobata, que

    ensaiando no trapzio com uma roupa com asas, prende seu olhar. No primeiro

    momento ele no se mostra mais interessado na moa do que em qualquer outra

    pessoa que observou; porm o clmax de seu ensaio, quando ela se joga e faz

    acrobacias no trapzio, que a primeira cena colorida do filme, chama a ateno de

    Damiel. Para Gaston Bachelard a subida o sentido real da produo de imagens,

    o ato positivo da imaginao dinmica (Id., 1990b, p. 94).

    Marion por se apresentar com asas e fazer movimentos que iludem e do a

    impresso de que est flutuando j apresenta a personagem como prxima a

    Damiel, que um anjo. Para Bachelard o movimento de vo d imediatamente,

    numa abstrao fulminante, uma imagem dinmica perfeita, acabada, total. A razo

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    dessa rapidez e dessa perfeio que a imagem dinamicamente bela (Ibid., p.

    65).

    A primeira cena que aparece colorida o pice do ensaio de Marion, onde

    apenas esta personagem aparece retratada, o vo deve criar sua prpria cor (Ibid.,

    p. 66), e isso que acontece com essa elevao da personagem. De acordo com

    Martins (1998, p. 144):

    Em Asas do Desejo as imagens da histria do circo e omomento em que Damiel transforma-se em homem passam aser coloridas, pois so a parte objetiva do filme, apesar de noconjunto tratar-se de fico, h mais realismo no presente dasimagens coloridas que nas em p&b, que revelam o ponto devista do anjo [...] Porque a presena do circo apresentada doponto de vista humano, de Marion as cores, os objetos, aspessoas o que os deixa mais prximos da realidade [...]

    , portanto, a primeira personagem que consegue quebrar a viso

    unilateralista que a obra mostra at ento, em que predomina o olhar do anjo (preto

    e branco). Sendo assim, h um jogo de cenas, onde Marion se materializa em anjo

    em seu salto, e Damiel se materializa em humano, aparecendo uma cena colorida

    onde a acrobata est presente.A segunda cena que se apresenta em colorido tambm mostra Marion, que

    est se vestindo e fazendo malabares. Esta antecedida por uma outra em que

    Damiel ouve seus pensamentos e, quando estes cessam, a pelcula ganha cor.

    como se o anjo sasse de cena e nica viso seria a da acrobata.

    A personagem de Marion interiorizada e reflexiva sobre sua vida, o

    pensamento feito do ser criador por seu movimento (Ibid., p. 79). Marion, no caso,

    a partir da sua tentativa de subir em seus movimentos acrobticos, cria e d formaaos seus pensamentos, tanto que o movimento da subida logo precedido de

    pensamentos reflexivos sobre sua prpria vida, seu andar e seu destino. Seus

    pensamentos possuem uma estrutura lgica e se assemelha a dilogos. Possui

    fortes sentimentos de medo, de vazio, de felicidade, mas no parece demonstr-los,

    apenas os sente e reflete sobre eles, dentro da utilidade em sua vida (WENDERS,

    2007, 2820):

    Momentos como este sero uma bela recordao em dez anos. Otempo cura, mas e se o tempo for a doena? como se as vezes

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    tivssemos que nos curvar para continuar vivendo. Vida, um olharbasta. Vou sentir falta do circo.

    Estes pensamentos so escutados por Damiel e assim a personagem da

    artista se mostra totalmente, no h segredos, e eles se unem ainda mais. Esta a

    metfora do trapzio, que faz com que Marion se aproxime do divino, enquanto

    Damiel se humaniza, no movimento entre o cu e a terra.

    J na primeira cena em que Marion aparece anunciado que o circo ser

    fechado. A perda desse ambiente para a personagem como a perda do lar. Sente

    que mais um sonho, um projeto no realizado; logo pensa em suicdio, mas acaba

    por se colocar limites. V-se que o jogo entre ascenso e queda est presente no

    filme constantemente. Neste momento, Marion busca pelo suicdio, a ascenso ao

    universo de Damiel, enquanto ele prprio deseja descer.

    Damiel, aps a queda, encontra-se com Marion. Agora, Damiel humano, e,

    portanto, no pode mais ouvir os pensamentos da acrobata. Ela se mostra vontade

    e em vez de pensar, ela se abre, e como se ele estivesse escutando seus

    pensamentos. No momento deste encontro, Marion faz um grande discurso; suas

    falas no so desconexas, mas tm a mesma estrutura lgica de seus

    pensamentos, que foram mostrados anteriormente.O encontro tambm marcado pela msica imponente que o antecede, pois

    eles esto em um showde rock. A msica fala de um homem que apaixonado por

    uma mulher que mora no andar de cima de seu apartamento e que suas lgrimas

    chegam at ele pelos vos do teto:

    Ela mora no quarto 29/ o quarto bem acima do meu/Eu comeo achorar/Eu a ouo andar/Andar de ps descalo sobre as tbuas do

    assoalho/Nesta noite solitria/Eu a ouo chorar tambm/Suaslgrimas caem/Elas passam pela rachadura/Caem no meu rosto e naminha boca/Dela, at a eternidade. (Ibid., 11238 )

    Essa msica marca a metfora da mulher impossvel, do amor impossvel,

    vivido por Damiel, enquanto ele era anjo, alm de marcar a viso de Damiel e de sua

    existncia de anjo. A melodia acentuada e tem um tom apocalptico, pois antecede

    a cena em que os dois se encontraro, marcando um suspense atravs da

    composio, ou seja, antecede o clmax.

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    1.3.2 A queda

    Gaston Bachelard diz em sua obra O Ar e os Sonhosque tudo que se eleva

    desperta para o ser, participa do ser. Inversamente, tudo o que se abaixa sedispersa em sombras vs, participa do nada (1990b, p. 75). Contrapondo esse

    pensamento, Wenders vai mostrar um Damiel muito mais participativo de seu ser e

    dos seres em sua volta quando humano, ou seja, quando abaixado.

    A humanidade acompanha uma metfora certa sobre o ato da queda, onde o

    medo de cair um medo primitivo (Ibid., p. 93). Neste aspecto, o cair para Damiel

    significa realizar a opo correta e prspera.

    A cena em que Damiel assume sua deciso de se tornar um ser humano antecedida por uma retrospectiva do nascimento do mundo, da gua, dos animais,

    da humanidade, da guerra; eventos que foram testemunhados pelos amigos anjos.

    Em seguida, ele s aparece acompanhado de Marion; principalmente em um show

    de rock, onde a msica apresentada extremamente tocante e melanclica.

    Sensao intimamente ligada aos sentimentos de vazio existencial, que pairavam

    depois da Segunda Guerra em Berlim.

    A passagem de anjo para humano ocorre ao lado do famoso Muro de Berlim,mostrando mais uma vez que as personagens esto intimamente ligadas ao

    momento histrico blico j vivido na capital. Alm disso, as imagens externas esto

    sempre intimamente ligadas s motivaes da queda: as imagens da queda tem

    uma riqueza de associao; o poeta lhes associa circunstncias inteiramente

    externas (Id., 1990b, p. 92). A metfora do muro marca a passagem considerada

    intransponvel entre anjo e humano. Alm disso, seu amigo Cassiel tambm

    acompanha a transformao e o ajuda at o final da trama.

    Cassiel tambm passa pela experincia da queda, porm de maneira

    dolorosa. Ele no consegue ajudar um rapaz que se suicida ao seu lado. Cassiel

    percebe que seus pensamentos esto inquietos e desconexos, por essa razo lhe

    d ateno. Porm o rapaz subitamente salta, sem tempo para ajud-lo.

    Aps esse episdio, Cassiel se joga ao inexistente, talvez na tentativa de

    tambm suicidar-se. As sequncias que precedem essa ao so caticas, onde

    aparecem cenas de guerra, brigas, crianas, escadas de metr e seu prprio rosto,

    numa fisionomia assustada e, ao mesmo tempo, complexa; o espao se torna

    catico assim como a conscincia da personagem. E para Bachelard a queda deve

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    ter todos os sentidosao mesmo tempo: ser simultaneamente metfora e realidade

    (Ibid., p. 93). A partir da, Cassiel tambm passa por uma mudana, diferente da de

    Damiel, porm mais profunda: ele se mostra agoniado e v sua existncia de

    maneira severa, como se no tivesse valor, pois quando camos alguma coisa

    permanece em ns que nos tira a esperana de tornar a subir, que nos deixa para

    sempre a conscincia de ter cado. O ser afunda em culpabilidade (Ibid., p. 95).

    E para serenar e lavar as feridas, h um novo recomeo, que se materializa

    na metfora de purificao, dada para a vida, uma gota de gua poderosa basta

    para criar um mundo, [...] um embrio; d vida a um impulso inesgotvel (Id.,

    1997, p. 10). essa a proposta do filme em narrar o nascimento da Terra mostrando

    um rio, um novo caminho. Alm disso, a gua se oferece como um smbolo naturalpara a pureza (Ibid., p. 139), que se avista no recomeo, em uma nova condio.

    Isto , o batismo do anjo em humano.

    1.3 Cassiel e o escritor

    Cassiel, em sua primeira cena, aparece contando as experincias humanas,

    presenciadas por ele, no dia. Primeiro ele apresenta dados tcnicos da aurora, docrepsculo, da lua e de alguns rios. Aps, relembra fatos histricos que aconteceram

    no mesmo dia, porm em anos passados. Comea ento a descrever atos

    existenciais: um homem que caminha por uma estrada vazia e olha sobre os seus

    ombros para o nada; uma pessoa com pensamentos suicidas que escreve cartas de

    despedida e depois consegue conversar com um soldado ingls fluentemente; um

    preso, antes de dar uma cabeada na parede, diz agora; um condutor de trem que

    ao parar em uma estao anuncia Terra do Fogo, ao invs do nome correto; nascolinas um senhor l os clssicos a um menino, que se mostra interessado.

    As experincias narradas por Damiel demonstram um contato com situaes

    novas: uma transeunte que decide tomar chuva conscientemente; a surpresa de um

    professor ao ver uma explicao de um aluno sobre o brotar de uma samambaia;

    uma cega que apalpa um relgio.

    Apesar de toda a sensibilidade com as cenas anunciadas, Cassiel apenas se

    mostra interessado na observao e no na experimentao das sensaes das

    cenas narradas, diferente de Damiel, que se encanta com elas. Esse parece aceitar

    a condio divina da observao e no espera mais nada de sua existncia mortal.

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    Ouve e aceita tambm as agonias de Damiel, que se mostra cansado da

    imortalidade e curioso pela mortalidade.

    Cassiel se aproxima das pessoas que possuem reflexes sobre o passado,

    influenciando o presente, como o senhor idoso que viveu em uma Alemanha

    diferente e hoje faz comparaes. Tambm se prxima de um homem que, dentro

    de um carro, comenta sobre como os alemes ficaram depois que a guerra acabou.

    Esse homem fala sobre as fronteiras que existem entre as propriedades e as

    que existem entre os alemes (WENDERS, 2007, 4506):

    Cada morador ou proprietrio perdura seu nome na porta como um

    escudo e analisa o jornal como se fosse um lder mundial. O povoalemo se dividiu em Estados equivalentes ao nmero de cidados.E esses estados individuais so mveis. Cada um leva o seu consigoe pede pedgio a quem entrar. Isso apenas para a fronteira, mas,para ter acesso ao interior desses estados, preciso ter senha.

    Nesse tempo, uma Berlim arrasada mostrada. As falas do cidado

    evidenciam a preferncia de Cassiel pelas pessoas com mais vivncia e com

    reflexes histricas acerca do mundo, ao analisar o povo alemo a partir dos

    acontecimentos de seu pas.

    Cassiel acompanha um senhor na maior parte do filme, antagonizando a

    preferncia de Damiel, que pelos mais novos. O idoso, de acordo com seus

    pensamentos, foi um contador de histrias e depois as escreveu e sente que,

    mesmo com idade avanada, existem palavras saindo de seu interior, buscando

    forma. Cassiel o encontra em uma biblioteca. Esse senhor um conhecedor das

    histrias do mundo e de Berlim e est sempre refletindo sobre os sculos que

    passaram. Cassiel se identifica com essa personagem, pois ela possui pensamentos

    reflexivos sobre o andar da humanidade, assim como os anjos.

    Esse conhecimento fica claro em uma cena em que o senhor se aproxima de

    um grande terreno vazio e comea a se lembrar de como era esse lugar antes da

    guerra. Ele se lembra de uma praa, uma tabacaria, um caf. Lembra-se das

    sensaes que aquele lugar lhe trazia em outras pocas, as pessoas que por ali

    passavam. Comparando a Alemanha como sua casa, para Bachelard: Essa casa

    est distante, est perdida, no a habitaremos mais, temos certeza, infelizmente, de

    que nunca mais a habitaremos (1990a, p. 75).

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    O vazio deste lugar remete ao vazio e solido que vive a Alemanha, uma

    Alemanha dividida, resignada e calada aos acontecimentos do mundo. Ao mesmo

    tempo, esse vazio remete aos sentimentos do escritor ao ver lugares j frequentados

    virarem apenas lembranas. Bachelard diz:

    Com um passo solitrio, devaneando, [...] logo sentimos quedescemos a um passado. Ora, para ns no h nenhum passadoque nos d o gosto do nosso passado, sem que logo se torne, emns, um passado mais longnquo, mais incerto, esse passadoenorme que j no tem a data, que j no sabe as datas de nossahistria. (Ibid., p. 96)

    O pas em que o escritor vive, diz ele, um pas dos contos, um lugardesconhecido para muitas pessoas, pois s a maturidade, a experincia, a

    insistncia, faz com que se visitem lugares antes no conhecidos. Apresenta-se,

    portanto, como um escritor clssico, dizendo que s os caminhos antigos e de Roma

    podem levar a algum lugar.

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    2 DAS ASAS DO DESEJO LIBERTAO EM CRUZ E SOUSA

    2.1 Cruz e Sousa e o simbolismo

    No final da dcada de 1880, repercutiram no Brasil as primeiras influncias do

    movimento simbolista francs. Porm, seu inicio oficial se deu em 1883, com o

    lanamento dos livros Missale Broquis, do poeta Cruz e Sousa.

    A escola simbolista contraria o naturalismo, realismo e parnasianismo,

    aproximando-se mais de algumas tendncias romnticas. De acordo com Candido e

    Castello:

    No aceitando a separao entre sujeito e objeto, entre artista eassunto, para ele [simbolismo] objetivo e subjetivo se fundem, pois omundo e a alma tm afinidades misteriosas, e as coisas maisdspares podem revelar um parentesco inesperado. (1968, p. 128)

    O poeta simbolista no traa, portanto, um contorno firme dos objetos e

    sentimentos descritos. Utiliza o recurso de aproximar-se da sua realidade oculta por

    meio de tentativas, que a sugerem sem esgot-la (Ibid., p. 128). Isso mostra como

    se contrariam dos parnasianos, to interessados na forma consistente e completa.

    Isto mostra que os simbolistas buscam o sinestsico, que se materializa pela

    msica, pelos contornos indefinidos, pelo sensorial.

    No Brasil destacaram-se, dentro da escola simbolista, dois grandes escritores:

    Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimares. Cruz e Sousa utilizou caractersticas

    parnasianistas apenas na forma, com o esforo da transcendncia potica, que

    parece prolongar o verso em antenas votadas para um mundo essencial, alm do

    quotidiano. Ele tambm influiu nos mais jovens, ao lado de vrios estrangeiros

    [simbolistas] (Ibid., p. 129).

    Cruz e Sousa tem como caracterstica principal uma potncia verbal. Possui

    um verbalismo requintado e oratrio, o senso exaltado da melodia da palavra, o

    poder criar imagens de grande beleza (Ibid., p. 297). Alm disso, trabalha muito

    com a cor branca e suas derivaes, sendo seus poemas muito sensoriais, devendo

    muito filosofia da poesia. Sua forma predileta era o soneto.

    Os poetas da escola simbolista buscaram ritmos mais musicais e

    insinuantes, tornando-os eficazes por meio de certos recursos expressivos, como a

    atenuao e deslocamento das tnicas (Ibid., p. 129). Alm disso, seu vocabulrio

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    peculiar, adaptado aos temas prediletos da morte, do distanciamento, das

    cerimnias litrgicas, das paisagens vagas cheias de cisnes, lagos e luares, envoltas

    em neblinas e em ressonncias (Ibid., p. 129-130).

    O uso de smbolos religiosos tambm marca as obras simbolistas; no

    correspondendo a conveces religiosas, esses smbolos acentuam o mistrio e o

    espiritualismo presentes no texto, s vezes tendendo para o esotrico. Isto se liga,

    sob certo aspecto, ao prprio nome do movimento, que sugere o uso quase

    iniciatrio da palavra smbolo, correndo para dar maior impreciso a um rtulo j

    por si inconveniente. Com efeito, toda poesia de algum modo simblica (Ibid., p.

    130). Os poetas foram assim chamados, pois em lugar de descrever com preciso,

    alegavam que cada coisa exprime mais ou menos claramente uma realidade ocultade que seria mera exteriorizao simblica (Ibid., p. 130).

    Apesar dessas caractersticas, o simbolismo possui uma riqueza inesgotvel,

    sendo considerado o movimento mais rico e variado do que outro qualquer na

    literatura moderna (Ibid., p. 128).

    2.2 Das Asas do Desejo Cruz e Sousa: uma comparao potica

    No poema Livre!, o poeta trabalha principalmente com a liberdade, onde

    esta s pode ser plena se o ser estiver livre do envolto da matria humana, que ele

    chama de matria escrava. Esse pensamento contrape-se idia de liberdade

    trabalhada no filme de Wenders, em que as sensaes e a liberdade somente

    possuem vnculos com o humano, em sua corporeidade. Fato que as sensaes

    especficas, exclusiva desse corpo, no seriam possveis aos anjos, por estarem

    limitados a uma existncia sem sentimentos, apenas de curiosidade equestionamentos.

    Em sua estrutura, o poema classifica-se em um soneto, contemplando dois

    quartetos e dois tercetos, sendo esta uma forma utilizada muito no classicismo e no

    parnasianismo; o soneto, no geral, contm um tema tratado de maneira

    condensada (GOLDSTEIN, 2001, p. 21). O quarteto, que usado nas duas

    primeiras estrofes, possui um sentido completo dentro de seus versos (Ibid., p. 21).

    Isso fica claro, pois na primeira estrofe o autor versa sobre ser livre do envolto

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    humano, da parte fsica, e na segunda estrofe sobre ser livre dos sentimentos

    humanos inferiores.

    Apesar de ser simbolista, Cruz e Sousa utiliza o soneto, o que referencia uma

    influncia do parnasianismo. Para salientar o tom do clssico, os versos so

    decasslabos, com rimas interpoladas e emparelhadas, alm do vocabulrio erudito:

    Livre! Ser livre da matria escrava, (A)

    Arrancar os grilhes que nos flagelam (B)

    E livre, penetrar nos Dons que selam (B)

    A alma e lhe emprestam toda a etrea lava. (A)

    Livre da humana, da terrestre bava (A)

    Dos coraes daninhos que regelam (B)

    Quando os nossos sentidos se rebelam (B)

    Contra a Infmia bifronte que deprava. (A)

    Livre! bem livre para andar mais puro, (C)

    Mais junto Natureza e mais seguro (C)Do seu amor, de todas as justias. (D)

    Livre! para sentir a Natureza, (E)

    Para gozar, na universal Grandeza, (E)

    Fecundas e arcanglicas preguias. (D)

    (SOUSA, 2001, p.120)

    As rimas (A) esto interpoladas nos dois quartetos. Na primeira estrofe elas

    so rimas ricas no critrio gramatical, pois escravae lavaso adjetivo e substantivo

    respectivamente; na segunda estrofe tambm so rimas ricas, sendo um adjetivo e

    um verbo que esto rimando. As rimas (B) esto emparelhadas e so rimas pobres

    no critrio gramatical, sendo todos verbos, tanto na primeira como na segunda

    estrofe.

    As rimas (C) e (E) so rimas emparelhadas e pobres, pois so advrbios e

    substantivos respectivamente. As rimas (D) esto interpoladas entre a penltima e

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    ultima estrofe, fazendo rimas pobres no critrio gramatical, onde temos dois

    substantivos.

    Todas as rimas externas do poema so ricas no critrio fontico, pois o efeito

    sonoro inicia na vogal da slaba tnica da palavra, fazendo com que a musicalidade

    do poema seja marcante, fluindo no compasso e no ritmo.

    O poema possui rimas internas, como na primeira estrofe, com os verbos

    arrancar e penetrar, e na segunda com sentidos e daninhos. O poeta tambm

    segue uma sequncia de sons no poema, utilizando, nos segundos versos, das duas

    primeiras estrofes, palavras que rimam, no caso grilhes e coraes. Isso

    acontece tambm nos terceiro versos dos dois quartetos, com palavras com sons

    parecidos em Dons e sentidos.Existe, no comeo de cada estrofe, a repetio da palavra livre, s vezes

    procedida de um ponto de exclamao. O poema, portanto, enfatiza como bom ser

    livre, e os sentimentos fortes que isso trs aos seres.

    Isso traz mais musicalidade ao poema, juntamente com algumas assonncias

    e aliteraes, como no verso Quando os nossossentidos se rebelam, onde o som

    da consoante esse, fica evidente, alm do som das vogais o e e. Outro exemplo est

    no verso Para gozar, na universal Grandeza onde o som da consoante zetambmse evidencia, alm da vogal a. Esta sonoridade, que leva a uma proximidade com a

    msica, no poema, tambm est presente no filme. Msicas instrumentais

    atravessam as cenas de maneira marcante, principalmente naquelas de maior teor

    psicolgico e existencial. No poema a sonoridade tambm acompanha esses

    aspectos do eu-lrico, onde as rimas e os recursos sonoros do a sensao da

    prpria liberdade, do estado de esprito divino.

    So utilizados no poema verbos no infinitivo e no presente, significando queser livre um almejo, uma aspirao que est prxima, ou j est se realizando. H

    a utilizao do enjamblement, como no exemplo: [...] Dons que selam / a alma [...].

    Isso demonstra a fluio do poema e do estado de liberdade que o individuo se

    encontra.

    O eu-lrico v o corpo do ser humano como realmente um envolto, que pesa

    ao esprito, limitando-o: Ser livre da matria escrava, / Arrancar os grilhes que nos

    flagelam. Utilizando o substantivo grilhes o poeta deixa claro que o corpo

    realmente uma priso, que flagelam os humanos.

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    mostra possvel aps a queda do anjo, como sentir o vento, a gua; porm o contato

    com a natureza no sentido abordado no poema, do equilbrio do universo, no

    contradiz o filme, pois os anjos sabem dos mistrios da humanidade e entendem a

    sua harmonia.

    O eu-lrico usa os verbos sentir e gozar, ligados liberdade do ser. O

    verbo sentir est ligado ao substantivo Natureza, em que se observa novamente

    a maiscula alegorizante, enfatizando a importncia da natureza e a fonte

    abundante de sensaes que se ligam a ela. O verbo gozar se liga com o

    substantivo preguias, que mais uma sensao, que s pode ser aproveitada

    com a alma totalmente livre e em paz.

    Ele cita essas preguias como sendo fecundas e arcanglicas. O termofecundas d idia de procriao, de capacidade de criao, sendo uma preguia

    que nunca acaba, que se recria, eterna. O termo arcanglicas faz refrencia ao

    divino, aos arcanjos. Livre do envolto humano o eu-lrico capaz de sentir o mesmo

    que um indivduo divino, tendo uma vida prxima ou igual a esses.

    O tema da queda tratado nas duas obras em questo. No filme, a queda

    almejada pelo anjo, pois lhe trar o benefcio das sensaes e dos sentimentos. A

    queda no poema tratada como queda para o alto (BACHELAR, 1990b, p. 106).Isso acontece, pois o eu-lrico se apresenta com desejo intenso de subir ao

    cu com um movimento que se acelera (Ibid., p. 106). Esse desejo causado pela

    idia de libertao propiciada pela subida ao divino, com toda a carga de valores

    dinmicos que essa ao proporciona.

    Bachelard diz que A queda do cu no tem ambigidade. O que se acelera

    ento a felicidade (Ibid., p. 107); essa idia dialoga diretamente com a poesia de

    Cruz e Sousa, em que os sentimentos puros e benditos so cada vez maiores;quanto mais liberto o ser estiver, mais divino ele ser. Essa gradao existe para

    tornar mais palpvel essa queda para o alto. O azul do cu pode ser considerado um

    abismo, profundo, sem fim. Isso porque o subir e o descer nas obras analisadas so

    metforas da intensidade das sensaes, sendo essa de intensidade ilimitada,

    quanto mais profunda, mais a alma avana: a altura adquire tal riqueza que aceita

    todas as metforas da profundidade (Ibid., p.107).

    No poema a palavra preguias mostra um trao humano, dentro de uma vida

    divinizada. No filme, apesar do anjo ter virado humano, traos de sua personalidade

    e de seu perfil psicolgico no se modificam com a queda. Nestes casos,

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    importante notar o aparecimento do ser hbrido, que mesmo com uma mudana

    psicolgica brusca, guarda traos de sua essncia: algo em ns se eleva quando

    alguma ao se aprofunda e que, inversamente, algo se aprofunda, quando

    alguma coisa se eleva. [...] somos duas matrias num nico ato (Ibid., p. 109).

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    3 UTILIZAO DO CINEMA NAS AULAS DE LITERATURA

    3.1 Cinema na sala de aula

    A utilizao do cinema em sala de aula um procedimento considerado novo,

    levando em conta que a histria da educao milenar.

    O cinema ao se tornar comercial e abraar a massa popular com os pequenos

    cinemas, filmes em canais abertos e VHS no mercado, o seu maior propsito passou

    a ser a diverso de seus espectadores. Isso ento, fomentado pela possibilidade

    de lucro, pois o retorno financeiro era significativo para os produtores, que se

    focavam na bilheteria e na venda da marca do filme, com pequenos objetos, livros,souvenir, etc... H filmes que depois de mais de trinta anos ainda vendem sua marca

    e rendem muito aos seus produtores e criadores.

    Apesar de muitos filmes serem lanados, apenas com a finalidade de entreter o

    pblico, muitas pelculas de grande valor artstico so feitas em todo o mundo.

    Pouco ou muito exaltadas, elas ainda existem e tambm movimentam um grande

    valor pecunirio. Ainda assim, os filmes puramente comerciais criaram uma cultura

    de que o cinema tem apenas a serventia do lazer e da distrao. Essa cultura passada dos pais para os filhos com muita facilidade e visto em nosso pas com

    muita frequncia.

    Um filme pode ser visto por vrios motivos e para vrias finalidades, como

    acontece em qualquer outra expresso artstica, em que o pblico se envolva.

    Porm no pode haver restries a uma nica motivao, isso empobrece o

    telespectador e pode frustr-lo quando em contato com alguma obra mais valorosa,

    pela falta de contato. Essa postura acaba afetando uma cultura e todo o seu povo,

    dentro de seu pas.

    A escola, portanto, no comeo da utilizao do cinema se viu diante de um

    grande problema: o desinteresse do aluno e sua viso distorcida sobre o cinema.

    Estas caractersticas acabam por tornar a utilizao dessa mdia um problema e no

    mais uma soluo, em sala de aula. Com professores despreparados, sem

    conhecimento e competncia necessria para trabalhar com uma arte to

    abrangente, se perdiam com os alunos na procura da eficcia da utilizao das

    pelculas e seus assuntos.

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    Alm disso, os professores tentaram encontrar no cinema uma soluo para um

    problema de razes mais profundas na sociedade, e isso s agravou mais ainda sua

    utilizao:

    Uma das justificativas mais comuns para o uso do cinema naeducao escolar a idia de que o filme ilustra e motiva alunosdesinteressados e preguiosos para o mundo da leitura. [...] estaidia deve ser problematizada. Em primeiro lugar, o desinteresseescolar um fato complexo, envolvendo aspectos institucionais,culturais e sociais muito amplos. (NAPOLITANO, 2008, p.15)

    Todo o potencial da stima arte pode ser explorado quando o professor trata o

    filme como parte essencial da aula e transmite isso aos alunos, j vem com suasconsideraes prontas, com uma aula slida. Todo esse potencial abrange a parte

    social, artstica, tica dos alunos e muitas outras.

    Trabalhar com o cinema em sala de aula ajudar a escola areencontrar a cultura ao mesmo tempo cotidiana e elevada, poiscinema o campo no qual a esttica, o lazer, a ideologia e osvalores sociais mais amplos so sintetizados numa mesmo obra dearte (Ibid., p. 11)

    A utilizao do cinema nas aulas de literatura considerada hoje muito til, mas

    ainda, passam por problemas, como os citados acima. O desinteresse dos alunos e

    a docncia despreparada arcam com uma aula que em nada contribui para o

    processo ensino aprendizagem. de extrema necessidade se aprofundar e estudar

    o tema tratado, sempre instruindo os alunos, mostrando a importncia de

    parmetros artsticos e onde encontr-los.

    A ligao entre cinema e literatura muito ampla. Muitos aspectos podem ser

    tratados em um filme apenas. No necessrio apresentar filmes adaptados de

    obras literrias, para que se tenha a serventia apenas dos alunos conhecerem a

    histria do livro. Pode-se ir mais longe.

    3.2 Cinema e a crtica literria

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    A literatura e o cinema so artes que se aproximam em muitos aspectos. No

    comeo, o cinema apenas registrava fatos com as cmeras, no tinham narrativas,

    ou at mesmo uma linha de raciocnio: eram apenas imagens.

    Com o tempo, essa viso foi se modificando, comearam a se registrar fatos,

    e surgiu o documentrio cinematogrfico. Aps uma longa busca por uma linguagem

    individual, o cinema consegue criar escrituras narrativa e a relao com o espao

    (BERNADET, 2006, p.33).

    Inicialmente o cinema s conseguia dizer: isto acontece (primeiroquadro), e depois: acontece aquilo (segundo quadro), e assim pordiante. Um salto qualitativo dado quando o cinema deixa de relatar

    cenas que se sucedem no tempo e consegue dizer enquanto isso.(Ibid., p.33)

    A partir deste momento crucial do cinema, as filmagens comeam a contam

    histrias, possuindo assim, vrios aspectos das narrativas literrias. Com a cmera

    captando imagens, ela considerada o narrador em terceira pessoa, que mostra os

    acontecimentos de uma poca, ou de uma vida.

    Falando de acontecimentos, a cmera vai utilizar cenrios e criar,

    consequentemente, um espao dentro da trama, que poder ser analisado erelacionado com outros elementos narrativos; alm de trabalhar o tempo,

    cronolgico ou psicolgico.

    Utilizar tambm personagens, com toda a carga psicolgica que ele possuir;

    poder utilizar ferramentas narrativas, fazendo com que o filme traga mais emoo

    ou no. Optar por uma narrativa linear ou trabalhar com dilogos, dentre vrios

    aspectos inerentes ao prprio cdigo cinematogrfico e que tambm, no aporte

    narrativo, so os que se revelam na literatura.O cinema trabalha com as artes visuais, e a literatura com a arte da palavra,

    levando isso em conta fica claro que em muitos elementos no cabe comparao,

    uma vez que cada arte tem seu cdigo especfico, o que gera os seus

    procedimentos artsticos.

    Porm nos dias atuais, na crise da modernidade, a palavra perde espao para

    a imagem e, sendo assim, partindo do cinema para exemplificar alguns recursos

    narrativos, pode inclusive contribuir, dependendo da metodologia utilizada, para a

    insero do discente leitura.

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    Toda a anlise de personagem feita no primeiro captulo exemplifica a gama de

    contedo que pode ser tratado em um filme bem escolhido, alm da proposta de

    compar-la com uma obra literria, como no caso do segundo captulo. Essa

    iniciativa por parte do professor com certeza tornar o processo ensino

    aprendizagem mais interessante.

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    4 CONSIDERAES FINAIS

    A obra cinematogrfica Asas do Desejo teve sua anlise pela tica literria

    de maneira efetiva. A utilizao de teorias sobre a personagem coube no estudo e

    cumpriu seu papel em uma anlise propcia e adequada. Cada personagem

    analisado mostrou as facetas de uma Berlim destruda, perdida, em busca de uma

    nova identidade. O psicolgico das personagens mostrou de maneira clara a

    necessidade de reencontro com o lugar que viviam e consigo mesmas; para que

    decises fossem tomadas.

    A busca pelo desconhecido, materializada pelo suicdio, pela queda, enfatiza

    ainda mais o desencontro da conscincia de cada uma das personagens. As

    vontades se encontram no que at ento era ignorado.

    A sonoridade do filme, presente em vrios momentos, aponta metforas que

    ampliam a compreenso da obra, enfatizando a diferena entre o mundo dos anjos e

    o dos humanos. A cor se mostra metfora do sensorial, em que apenas os humanos

    so portadores do sentir, do enxergar colorido, enquanto o mundo dos anjos preto

    e branco. O entendimento das funcionalidades do universo, a sabedoria que beira

    criao do mundo faz que o sentir seja desnecessrio aos seres que precisam vigiar

    e ajudar a Terra.

    A comparao com o poema de Cruz e Sousa ilustra o filme de forma

    contrria, onde as verdadeiras sensaes esto perto do divino. Essa comparao

    prova como possvel o dilogo entre duas artes que utilizam linguagens diferentes,

    mas que fazem valor s mesmas ferramentas, que trazem sensaes e emoes ao

    leitor/espectador. Com essa comparao funcionando de maneira efetiva, observam-

    se novas formas do ensino de artes, no caso da literatura, atravs de outras

    linguagens. O ensino assim se torna mobilizador e inovador, com capacidade degerar, nos alunos, o contato com a arte.

    O homem escreve sobre seu tempo, suas convices, seus interesses e

    seus ideais. A literatura a histria da humanidade escrita de maneira lrica e

    potica, refletindo o seu contexto, e se atualizando a cada novo leitor/espectador.

    Nesse sentido, a literatura como arte se mostra fundamental para a

    educao e a formao de cidados, podendo, inclusive, dialogar com outras artes.

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