40
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO ANO VIII, Nº 241 - MAIO - PORTO VELHO, 2009. VOLUME XXV – Maio/Agosto ISSN 1517-5421 Capa: Flávio Duktra EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND ARTUR MORETTI – Física - UFRO CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP MARIO COZZUOL – Biologia – PUC-RGS MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO ROMUALDO DIAS – Educação - UNICAMP VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC EDITORAÇÃO GRÁFICA ELIAQUIM DA CUNHA & SHEILA CASTRO Os textos devem conter no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” deverão ser encaminhados para e- mail: [email protected] CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA ISSN 1517-5421 lathé biosa O Argumento Luciferiano em Nietzsche Celso Ferrarezi Junior PRIMEIRA VERSÃO

Volume XXV

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Volume XXV do Primeira Versão (Maio/Agosto de 2009)

Citation preview

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO VIII, Nº 241 - MAIO - PORTO VELHO, 2009.

VOLUME XXV – Maio/Agosto ISSN 1517-5421

Capa: Flávio Duktra

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO

CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND ARTUR MORETTI – Física - UFRO CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO

HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP

MARIO COZZUOL – Biologia – PUC-RGS MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO

ROMUALDO DIAS – Educação - UNICAMP VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC

EDITORAÇÃO GRÁFICA ELIAQUIM DA CUNHA & SHEILA CASTRO

Os textos devem conter no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” deverão ser encaminhados para e-

mail: [email protected]

CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa

O Argumento Luciferiano em Nietzsche

Celso Ferrarezi Junior

PRIMEIRA VERSÃO

O Argumento Luciferiano em Nietzsche

Celso Ferrarezi Junior Pós-Doutorado em Semântica. Professor da Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil. Resumo: Embora Nietzsche arrogue para sua obra, em vários ocasiões, uma originalidade absoluta, na verdade é ela perpassada por uma linha mestra - que pode ser chamada de argumento luciferiano – que aparece registrada na Bíblia há mais de três mil e quatrocentos anos. Da mesma forma que em Nietzsche, o argumento luciferiano primordial se fundamenta na idéia de que a aceitação da existência de Deus inibe a completude das Suas criaturas. O presente artigo não apresenta um juízo de valores sobre o argumento luciferiano, mas apresenta sua ocorrência na Bíblia e sua recorrência em Nietzsche. Palavras-Chaves: 1. Filosofia. 2. Teologia. 3. Nietzsche. 4. Argumento luciferiano. 5. Super-homem (Übermensch). 0. Apresentação: Nietzsche por Nietzsche.

Provavelmente, não haja na história da Filosofia algum outro autor que tenha escrito um livro no formato de Ecce Homo (EH), como Nietzsche o fez.

Constituindo-se, primordialmente, como uma apresentação de sua própria excelência e da de seus livros, Ecce Homo pode ser visto, numa primeira e rasa percepção,

como um exercício de narcisismo doentio de uma mente em decadência. Mas, o livro é muito mais do que isso. Também, é muito mais do que uma mera

autobiografia embora, já no primeiro parágrafo, Nietzsche afirme: “E assim eu me conto a minha vida.” (EH, p.21)

Realmente, o livro transpira decadência: não há mais o estilo harmonioso e fluente de Nietzsche, as frases poderosas tornaram-se raras, o livro é marcado por

repetições desnecessárias e divagações quase inúteis, além de ser recoberto por um amargor que não aparece nas obras da fase áurea do filósofo que se dizia polonês,

como em Assim Falava Zaratustra (AFZ), esta aliás, reconhecida por ele como seu legado maior à humanidade:

“Entre minhas obras, o meu Zaratustra ocupa um lugar à parte. Com ele dei à humanidade o maior presente que lhe foi dado até hoje.”(EH, p.18)

Mas, longe de ser um exercício de narcisismo, Ecce Homo é a pintura impressionante do desespero de um homem pelo reconhecimento de si mesmo – e,

conseqüentemente - da missão que ele a si atribuiu, a missão de mudar completamente o mundo. Nos capítulos em que ele se dedica a caracterizar-se como o mais

inteligente e o mais sábio de todos os homens antes e depois dele, Nietzsche se define como sendo detentor de uma divindade que pareceria negar sua própria origem

humana, não fosse a citação sobre o fato de que ele representa uma raça quase extinta de homens superiores:

3

“Eu sou um nobre polonês pur sang, no qual não se misturou uma gota sequer de sangue ruim, muito menos de sangue alemão . Quando eu procuro o mais profundo dos antagonismos a mim mesmo, a baixeza incalculável dos instintos, eu sempre encontro minha mãe e minha irmã – acreditar no parentesco com uma canaille do tipo seria uma blasfêmia contra minha divindade.”(EH, p. 29)

“Ter-se-á que voltar séculos no tempo para encontrar essa mais nobre das raças que jamais existiu sobre a terra, na proporção livre dos instintos em que eu a represento.”(EH, p. 30)

Na verdade, a idéia de que Nietzsche é e representa o que há de mais elevado na humanidade perpassa todo o livro. Isso fica claro na afirmação que segue,

em que ele fala das coisas que escreveu em certo período da vida:

“Coisas que nenhum ser humano é capaz de fazer depois de mim, imitando... ou de fazer antes de mim, fingindo.” (EH, p. 67)

O interessante nessa caracterização de si mesmo como o mais sábio, o mais inteligente e, no final do livro, como “um destino” é que Nietzsche utiliza os

argumentos mais prosaicos para justificar sua grandeza. Além de atribuir sua sabedoria e inteligência ao fato de ter um instinto peculiar, ele atribui o resultado

insuperável de ser humano que ele diz representar a coisas como sua alimentação, lazer, clima, lugares em que morava e escrevia, leituras e não-leituras, vontade

própria, etc., eliminando qualquer relação de sua grandeza com uma suposta força divina exterior. Ele diz;

“Essas pequenas coisas – alimentação, lugar, clima, recreação e toda casuística do egocentrismo – são mais importantes – quaisquer que sejam os conceitos – do que tudo aquilo que foi tido como importante até o momento.” (EH, p. 65)

“Tudo aquilo que foi tido como importante até o momento” é uma referência direta - e repetida muitas vezes no transcurso do livro - a tudo aquilo que se

acreditou ser verdade até Nietzsche, ou seja, que a grandeza verdadeira do homem vem da moral e é comunicada por Deus. Em relação a isso o filósofo introduz o

conceito de “décadence”, que se resume a tudo que se opõe ao que ele chama de “naturalidade” da vida. Para Nietzsche, o cristianismo e o próprio Deus são

representantes desse espírito de “décadence”, porque defendem a humilhação, a negação de si mesmo e dos prazeres corporais, a humilhação como virtude, entre

outras coisas que Nietzsche considerava antinaturais e, portanto, descabidas. E é nesse ponto, em especial, em que Deus é acusado de ser o maior empecilho para a

própria existência humana plena:

“Qual foi a maior objeção à existência feita até hoje? Deus...” (EH, p. 54)

4

Essa posição assumida por Nietzsche acaba colocando-o na posição de um igual-a-Deus. Isso porque, a partir do momento em que ele afirma ser Deus um

empecilho à vida e afirma ser ele próprio o detentor da verdade jamais conhecida pela humanidade e necessária à sua reconstrução num “formato” superior, ele se

coloca diante dessa mesma humanidade como um novo deus. Ele afirma, em certa passagem:

“O ato de tomar em suas mãos um livro meu – eu suponho que, inclusive, ele tire as sandálias para fazê-lo.” (EH, p. 69)

O que é uma referência direta à ordem de Deus a Moisés em Êxodo 3, verso 5:

“Deus continuou: Não te chegues para cá; tiras as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa.”

Essa disposição de Nietzsche em ser visto como um igual-a-Deus se repete em várias passagens de suas obras, principalmente naquelas em que ele fala de

sua disposição e preparação para governar o mundo no lugar de Deus, uma vez que, para ele

“Esse Deus antigo já não é vivo; está morto e bem morto.”(AFZ, p. 219)

E, embora essa seja uma fala atribuída a Zaratustra, Nietzsche nunca negou – muito pelo contrário – sua identidade com o personagem que ele criou:

“... pode-se, sem a menor consideração, colocar o meu nome ou a palavra Zaratustra... (no texto que fala de Wagner)” (EH, p. 87)

Em outra passagem, Nietzsche se apresenta assim:

“Aquilo que eu hoje sou, onde hoje estou – em uma altura na qual eu não falo mais através de palavras, mas sim através de raios.” (EH, p. 94)

Essa pintura de si mesmo pode ser vista como referência a Zeus, o deus maior da mitologia grega (ou Júpiter, na mitologia latina), que era o deus do raio e

do trovão, mas seria mais próprio vê-la como uma provocação e uma referência direta ao Deus hebraico, no alto do Sinai, conforme se vê em Êxodo 19: 16 a 18:

“Ao amanhecer do terceiro dia, houve trovões e raios, e uma espessa nuvem sobre o monte, e foi mui forte clangor de trombetas, de maneira que todo o povo

que estava no arraial estremeceu. E Moisés levou o povo fora do arraial ao encontro de Deus; e puseram-se ao pé do monte. Todo o monte Sinai fumegava, porque o

senhor descera sobre ele em fogo; a sua fumaça subiu como fumaça de uma fornalha, e todo o monte tremia grandemente.”

Entretanto, é imprescindível notar que Nietzsche não quer ser um igual-a-Deus no mesmo formato em que ele vê o Deus de Israel. Ele quer ser um deus que

permita – contrariamente ao que ele crê que o Deus do cristianismo faz - aos homens o crescimento e a auto-superação. Nesses termos, Nietzsche se identifica de

duas formas: primeiramente, como o Anticristo, aquele que nega a Deus - e conseqüentemente a Cristo – e aos valores do cristianismo, principalmente os de caráter

moral:

“Eu sou o antiasno par excellence e por isso um monstro histórico-universal – eu sou, em grego, e não apenas em grego, o Anticristo.” (EH, p. 74)

“Eu sou o primeiro imoralista.” (EH, p. 93)

5

A segunda é a identificação com Dioniso, deus grego do vinho e da noite, um deus dançarino e alegre, segundo Nietzsche, que prezava pela vida e por seus

prazeres, mas, acima de tudo, um deus incapaz de dizer “não” ao homem. O filósofo assim se descreve:

“o problema daquele que tem a mais dura, a mais terrível visão da realidade, que pensou o “pensamento mais abismal”, mas apesar disso não encontra nesse fado qualquer objeção à existência, nem mesmo contra seu eterno retorno – mas vê nele, muito antes, um motivo para ser, ele mesmo, o sim eterno a todas as coisas, “o monstruoso e ilimitado dizer-sim e amém”... Mas isso é a idéia de Dioniso mais uma vez.” (EH, p. 122) E, para não deixar dúvidas, ele encerra o livro com a seguinte afirmação: “– Fui compreendido? – Dioniso contra o crucificado...” (EH, p. 154)

Na construção crescente de sua imagem em Ecce Homo, finalmente, Nietzsche se apresenta como a única alternativa à humanidade:

“Só eu é que alcancei ter o parâmetro para a “verdade” nas mãos, só eu é que posso decidir. Como se em mim tivesse crescido uma segunda consciência, como se em mim “a vontade” tivesse acendido uma luz sobre a pista torta, sobre a qual o parâmetro até hoje apenas corria abaixo... A pista torta – ela era chamada de caminho para a “verdade”. É chegado o fim para todos os impulsos sombrios.” (EH, p. 132)

Como esse outro deus, como um igual-a-Deus que teria o poder de demolir e reconstruir, Nietzsche fala sobre sua “missão”, afirmando-a claramente em

diversos trechos de Ecce Homo, como os que seguem:

“... pelo fato de eu estar destinado a representar tarefas grandiosas.” (EH, p. 65)

“... aquilo que virá após mim, uma revolução e uma reconstrução sem igual.” (EH, p. 66)

“ter entendido seis frases desse livro (AFZ)- isso quer dizer, vivenciá-las – já elevaria a um nível mais alto da escala mortal, mais alto do que homens

“modernos” jamais poderiam alcançar.” (EH, p. 70)

“Minha tarefa de preparar para a humanidade um momento de suprema tomada de consciência.” (EH, p. 105)

“Redimir o passado e transformar tudo aquilo que “era uma vez” em “era assim que eu queria!” – apenas isso seria redenção para mim.” (EH, p. 125)

Para que pudesse realizar essa missão, o filósofo se definia como um guerreiro, alguém que precisava fazer todas as guerras necessárias e sem culpa,

primeiramente contra Deus e a moral, por conseguinte contra o cristianismo e toda forma de idealismo e, finalmente, contra aqueles homens que não

compreendessem a grandeza desse novo ideal. Nas palavras de Nietzsche, esse guerreiro assim se caracteriza:

“ A minha maneira de ser é guerreira.” (EH, p. 37)

6

“Um filósofo que é guerreiro também desafia os problemas a duelar com ele. A tarefa não é, absolutamente, se tornar senhor sobre as resistências comuns, mas sim sobre aquelas que exigem que a gente acione toda a força, toda a flexibilidade e a maestria nas armas – subjugar inimigos iguais.” (EH, p. 38)

Em primeiro lugar, depois de compreender que Nietzsche se colocava como um igual-a-Deus, pode-se perceber que “subjugar inimigos iguais” se refere,

basicamente, a subjugar o conceito de Deus e todas as suas implicações entre a humanidade, até porque o pensador já havia sobejamente exposto sua superioridade

sobre todos os homens, logo, caracterizando a total impossibilidade de que houvesse entre os mortais um que lhe fosse um “inimigo igual”. Isso fica mais claro

quando Nietzsche apresenta as quatro características desse guerreiro. São elas:

“Primeiro: eu apenas ataco coisas que são vitoriosas.” (EH, p. 38)

Com base nessa característica, o próprio Nietzsche apresenta seu inimigo quando fala dos conceitos que ele precisava combater para redimir a humanidade:

Deus, alma, pecado, livre-arbítrio, ausência-de-si, homem bom, entre outros. A respeito deles, o filósofo afirma que foram transformados em idéias vencedoras no

meio dos homens, que tomaram conta da humanidade e que precisam ser destruídas. A segunda característica assim é apresentada:

“Segundo: eu apenas ataco coisas contra as quais jamais encontraria aliados, contra as quais tenho que me virar sozinho.” (EH, p. 38)

A referência aqui parece ser, claramente, Deus e o cristianismo, que eram, à época de Nietzsche forças hegemônicas na Europa, mesmo após a Revolução

Francesa e seus ideais anti-religiosos. Sobre a terceira característica do filósofo guerreiro:

“Terceiro: eu jamais ataco pessoas.” (EH, p.38)

Certamente, Deus e a moral não são “pessoas”, no sentido humano atribuído à palavra nesse trecho. Finalmente, a quarta característica é:

“Quarto: eu apenas ataco coisas contra as quais todo tipo de diferença pessoal é excluído, contra as quais não existe qualquer segundo plano relativo a más

intenções.” (EH, pp. 38-9)

Esta quarta característica parece mais uma justificativa do que uma peculiaridade do guerreiro. É como se Nietzsche estivesse tentando se desculpar com os

cristão a respeito de seus ataques, deixando claro que não era nada contra eles, mas contra o inumano neles. Isso fica ainda mais evidente se continuamos na leitura

do parágrafo, ainda mais quando ele fala de suas “boas relações” com os “cristãos mais sérios”:

“Atacar é uma prova de bem-querer em mim e. conforme as circunstâncias, de agradecimento. Eu honro, eu distingo com o fato de unir meu nome a uma

coisa, a uma pessoa : contra ou a favor.”(EH, p. 39)

“- os cristãos mais sérios sempre foram ponderados em relação a mim.” (EH, p. 39)

Esse Nietzsche que se via como um ser superior ao homem comum, que se identificava por si mesmo como um deus, a única esperança da humanidade,

porém, se via como um incompreendido – e, provavelmente, foi esta a razão maior da escritura de Ecce Homo. Ele diz:

7

“Mas, seria um contradição total a mim mesmo esperar ouvidos e mãos para as minhas verdades já hoje em dia: o fato de hoje não me ouvirem, o fato de ao

saberem o que fazer de mim não é apenas compreensível, ele inclusive me parece ser a coisa mais correta.” (EH, p. 69)

Este parece ser o trecho em que Nietzsche mais se identifica com o Crucificado em Ecce Homo. A Bíblia assim descreve a aceitação de Jesus na terra:

“Perguntou-lhes Jesus: Nunca lestes nas escrituras “A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular.”?” (Mateus 21: 42)

“ Se alguém lhe disser: Que feridas são essas nas tuas mãos? Responderá Ele: São as feridas com que fui ferido na casa dos amigos meus.” (Zacarias 13: 6)

“Replicou-lhe Pilatos: Que farei eu, então, deste Jesus chamado o Cristo?” (Mateus 27: 22)

E, assim como Jesus deixou claro, segundo o registro bíblico, no final de sua vida na cruz que não se magoava e não se importava com a reação daqueles que

não o compreenderam, Nietzsche faz crer que ele também não se importa.

Como se vê, Ecce Homo é a descrição do nascimento de um deus, mas não apenas um deus novo: de um deus substituto, com regras substitutas e uma

pretensa felicidade substituta para a humanidade que nunca poderiam ser proporcionadas pelo Deus que ele pretendia substituir. É importante compreender isso nesta

parte deste artigo em que terminamos a apresentação de Nietzsche por ele mesmo, porque agora importa a idéia que esse homem tinha da pretensa “originalidade

absoluta” de suas concepções. E é justamente isso que o artigo pretende enfocar.

Já vimos, acima, que o filósofo se pretendia como o único que jamais tinha alcançado a “verdade”. Isso, por si só, pressupõe originalidade absoluta. Mas,em

outro trecho, Nietzsche deixa essa questão da originalidade ainda mais evidente:

“Zaratustra foi o primeiro a ver na luta entre o bem e o mal a verdadeira roda motriz na engrenagem das coisas – a transposição da moral para o metafísico,

na condição de força, causa e objetivo em si, é obra sua.” (EH, p. 146)

“O que me separa, o que me coloca à parte de todo o resto da humanidade, é haver descoberto a moral cristã.” (EH, 151)

E, a esta altura desta Introdução, parece que estamos prontos para a apresentação, afinal, dessa tal “verdade” de Nietzsche, o seu argumento maior, aquele

que perpassa toda sua obra e no qual todos os seus outros argumentos se baseiam, a razão de sua “declaração de guerra”. E somente vamos encontrá-lo em sua

formulação mais límpida na voz de Zaratustra:

“Para aprender a crer na vossa “veracidade” necessitava ver-vos romper com a vossa vontade veneradora.

Por mim, chamo de verídico àquele que vai para os desertos sem Deus, aniquilando o seu coração reverente.

No meio da amarela arena e abrasado pelo sol acontece-lhe olhar com avidez para as ilhas de copiosas fontes, sob umbrosas árvores repousa a vida.

Faminta, violenta, solitária, sem deuses: assim se quer a si própria a vontade-leão.” (AFZ, p. 94)

8

Como se pode notar, o argumento é, em essência, bem simples: “o homem com Deus se faz fraco e decadente; o homem sem Deus se faz forte e cada vez

melhor.” Este argumento pode assim ser explicado:

1. a própria existência do conceito de Deus no “deserto” da vida, isto é, diante dos problemas, gera no homem uma vontade veneradora que, para Nietzsche, é

antinatural e antivida, porque essa vontade veneradora inibe a ação natural do homem em favor de si mesmo ;

2. ao libertar-se totalmente de Deus e da vontade veneradora que Ele gera no homem, esse mesmo homem estaria se habilitando a descobrir a verdadeira “vida” que

há no exercício de viver;

3. posto faminto, porque não saciado por um Deus e posto sozinho, porque não acompanhado por forças sobrenaturais, o homem teria necessidade de superar-se a si

mesmo, tornando-se o super-homem (o Übermensch, o homem-além-do-homem), porque não estaria sendo humilhado, aniquilado por um Deus, mas teria que ser,

ele mesmo, seu próprio deus. Despertaria nele a vontade-leão, a força maior do homem.

Minha preocupação aqui deve ficar bem clara: não é avaliar os valores morais que existem nesse argumento, a que eu chamo de “argumento luciferiano” e

com o qual - também deve ficar bem claro - não concordo, mas em mostrar que ele não é original, como Nietzsche apregoava ser. Avaliar os efeitos e as

conseqüências da adoção desse argumento como regra de vida pela humanidade não é trabalho para este artigo. Apenas ressalto que a pré-existência desse

argumento, devidamente registrada e como será aqui demonstrado, reduz em grande monta a importância que o próprio Nietzsche dava à sua obra e a si mesmo. E é

isto que passaremos a ver doravante.

1. O Argumento Luciferiano Original.

O nome Lúcifer não ocorre na Bíblia. É, na verdade, uma tradução do epíteto “Filho da Alva”, ocorrente em Isaías 14: 12. Entretanto, sua popularização no

mundo cristão e não cristão nos permite utilizar, sem maiores problemas, esse nome relacionado ao anjo ao qual alguns escritores bíblicos atribuíram o pecado

original de insubmissão a Deus e a Sua lei, antes mesmo da criação do mundo.

As informações bíblicas dadas como correspondendo à pessoa de Lúcifer, antes e no período de sua rebelião contra Deus, e ao pecado original são

resumidas. Seus registros são feitos no livro do profeta Isaías, no capítulo 14, versos 12 a 20 (datado de 713 a.C.), no livro do profeta Ezequiel, no capítulo 28,

versos 1 a 19 (datado de 588 a.C.) e no livro do Apocalipse, ou da Revelação, capítulo 12, versos 4 e 7 a 9 (datado de 96 d.C.). Outras citações bíblicas acerca de

Lúcifer referem-se ao período após o pecado do homem.

A descrição que a Bíblia faz de Lúcifer é de um ser superior, um anjo destacado e especial que desfrutava de privilégios e bênçãos igualmente especiais que

o diferenciavam dos demais. Ele é assim apresentado:

9

“Tu eras querubim ungido para proteger, e te estabeleci; no monte santo de Deus estavas, no meio das pedras afogueadas andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado.”(Ezequiel 28: 14 e 15)

“Mais sábio és que Daniel; não há segredo algum que se possa esconder de ti. Pela tua sabedoria e pelo teu entendimento alcançaste o teu poder.” (Ezequiel 28: 3 e

4)

Outras referências ainda no capítulo 38 de Ezequiel fazem menção à formosura de Lúcifer. Todas essas características especiais, porém, não faziam de

Lúcifer um igual-a-Deus. O que poderíamos esperar, tomando como base os princípios da moral cristã, é que um conjunto tão grande de bênçãos advindas da parte

do Criador gerasse um profundo sentimento de gratidão e reconhecimento. Em diversas ocasiões, os registros bíblicos fazem menção a ações de graças e submissão

voluntária dos homens como forma de gratidão a Deus por suas bênçãos.

Mas, a despeito de todas as suas virtudes, ele era colocado abaixo do Criador, servindo-O como os demais anjos faziam. E a história Bíblica diz que é neste

fato de ser submisso a Deus, embora tão maravilhoso em formosura e sabedoria, ou melhor, de não aceitar essa submissão como sendo constrangedora e limitante,

que reside o princípio do mal universal e a insubmissão a Deus como pecado original. A descrição da insubmissão é assim dada nos escritos bíblicos:

“Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor.” (Ezequiel 28: 17)

“Visto como se eleva o teu coração e dizes: Eu sou Deus, sobre a cadeira de Deus me assento... e estimas o teu coração como se fora o coração de Deus.”

(Ezequiel 28: 2)

“Pois que estimas o teu coração como se fora o coração de Deus.” (Ezequiel 28: 6)

“E tu dizias no teu coração: eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei. Subirei acima das

mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo.” (Isaías 14: 13)

A descrição bíblica é bem clara em relação ao que é atribuído a Lúcifer como insubmissão original. A despeito de sua posição já elevada, o escrito bíblico dá

a entender que Lúcifer alimentava uma profunda insatisfação em relação à sua própria condição. A superação de sua condição, que, ele pensava, poderia torná-lo um

igual-a-Deus, requeria a negação e a superação de Deus.

O princípio dessa tentativa de superação teria sido a auto-consideração como sendo um igual-a-Deus, que é expressa na afirmativa “estimas o teu coração

como sendo o coração de Deus”. O segundo passo, que se segue à auto-consideração como Deus, é a negação da autoridade de Deus, de sua lei e, por conseguinte,

de sua moral. O “trono” é um claro símbolo de autoridade e direito de legislar nos relatos bíblicos. Seguindo o raciocínio desses relatos, ao colocar-se a si mesmo

sentado “na cadeira de Deus”, Lúcifer estaria:

10

1. negando a autoridade de Deus, sua lei e sua moral;

2. estabelecendo-se como uma nova autoridade, devidamente capacitada para estabelecer novos parâmetros de lei e de moral e;

3. estabelecendo-se como igual-a-Deus e substituindo-o.

Assim Lúcifer acabaria dominando o universo no lugar de Deus, estabelecendo-se “acima das estrelas de Deus”, ou seja, acima dos demais anjos.

É interessante notar que Lúcifer (assim como o fez Nietzsche), não aparece no relato bíblico como desejando ser “maior do que Deus”. É como se,

tacitamente, se reconhecesse que a perfeição absoluta está diretamente vinculada ao conceito de “Deus”, como ele aparece no mundo cristão e nas culturas que

observam os escritos bíblicos do Velho Testamento, como é o caso de certos povos médio-orientais. Lúcifer queria, segundo o relato, ser um igual-a-Deus, sentar-se

no trono de Deus, ter o poder de Deus sobre as demais criaturas, estabelecer novas leis como se fosse Deus. Se usássemos as palavras de Nietzsche, diríamos que

Lúcifer cria que estava pronto para governar o universo após a “morte” de Deus.

Assim se construiu o argumento Luciferiano original. A idéia de que a existência de Deus, sua autoridade e suas leis subjugam as criaturas a uma espécie de

“décadence” escrava, fomentou a contra-idéia de que a morte de Deus permitiria a Lúcifer assumir uma posição de perfeição total e grandeza inigualável por outra

criatura. Ele se tornaria o super-anjo, em analogia ao super-homem de Nietzsche.

Comentando o argumento luciferiano original, a teóloga americana Ellen G. White , contemporânea de Nietzsche, afirma que, com base no relato bíblico

sobre o pecado original universal, Lúcifer demonstrava não poder mais suportar a lei de Deus sobre si e as imposições que ela lhe representava, mesmo que fossem

as mais amorosas possíveis. O pressuposto dessa insubordinação era a necessidade de substituição da lei divina por uma outra de liberdade total e sem restrições (e

“eterno-sim e amém” de Nietzsche), fundamentado na idéia de que a perfeição e a consciência naturais dos anjos seriam suficientes para guiá-los a um pretendido

“estágio mais avançado” do que aquele em que se encontravam.

Ao que tudo indica, Lúcifer, para fazer valer seu argumento de insubordinação a Deus, estava pronto a lutar todas as guerras que foram necessárias. A Bíblia

continua o relato do pecado original universal afirmando que o argumento luciferiano original foi muito bem sucedido no céu. As passagens bíblicas que se referem

a isso são as que seguem:

“E a sua cauda (do dragão) levou após si a terça parte das estrelas do céu.” (Apocalipse 12: 4)

“E houve guerra no céu. Miguel e seus anjos batalhavam contra o dragão, e batalhava o dragão e seus anjos. Mas, estes não prevaleceram, e não se achou

mais seu lugar no céu.” (Apocalipse 12: 7 e 8)

Creio ser oportuno esclarecer aqui, até porque esse esclarecimento será necessário ao subtítulo que segue, que quando a Bíblia fala de “dragão”, está falando

de Lúcifer. Isto é apresentado logo a seguir no Apocalipse:

11

“E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo e Satanás que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra e seus anjos foram

precipitados com ele.” (Apocalipse 12: 9)

Isto esclarecido, podemos voltar aos versículos anteriores. O primeiro (Apocalipse 12:4), fala do fato de que um terço dos anjos do céu teria sido convencido

pelo argumento luciferiano original e, por isso, “arrastado do céu pela sua cauda”. Levando-se em consideração que a própria Bíblia apresenta o número dos anjos de

Deus como “milhares de milhares e milhões de milhões” , esse número de um terço, dado como prova da força e eficácia do argumento luciferiano, não é nada

desprezível.

Em seguida, a história bíblica fala da disposição de Lúcifer em guerrear por seu argumento. O verso 7 diz que houve “guerra no céu”. Mas, guerra entre

quem? O verso 8 fala de dois exércitos: Miguel e seu exército (ou seja, Cristo e seus anjos) e o dragão e seu exército, ou seja (Lúcifer e os anjos convencidos pelo

seu argumento). A Bíblia apresenta o exército de Cristo como vencedor e o banimento de Lúcifer e seus anjos do ambiente celestial.

Agora, Lúcifer não seria mais chamado de “Lúcifer”, ou “Filho da Alva”, mas passaria a ser conhecido como Satanás, ou “adversário”.

Como disse anteriormente, não pretendo aqui fazer uma avaliação moral ou da veracidade histórica do argumento luciferiano em si ou dos fatos relatos na Bíblia e

dos valores neles implícitos. Só o que pretendo mostrar é que o argumento luciferiano, o mesmo utilizado por Nietzsche (como vimos em parte anterior e veremos

detalhadamente a seguir) estava construído e registrado em escritos de sete séculos (Isaías) e cinco séculos (Ezequiel) antes de Cristo, e um século (João de Patmos)

depois de Cristo. Logo, o ataque contra Deus, Sua lei e a moral que dela advém não pode ser considerada original em Nietzsche.

Entretanto, o relato bíblico do pecado original universal não é o único que faz registro do uso do argumento luciferiano. A Bíblia, no relato do pecado

original do homem, no Éden, também aciona esse argumento, como veremos a seguir.

2. O Argumento Luciferiano no Éden Bíblico

Como vimos acima, a insubmissão de Lúcifer ocorre antes do pecado do homem. Ele, Lúcifer, teria sido precipitado sobre a terra como o grande Adversário

e, passaria a dedicar seus esforços em malefício da humanidade. O relato da insubmissão do homem se encontra no livro de Gênesis, no capítulo 3, versículos 1 a 8

(datado de em cerca de 1.480 a.C.)

12

A descrição bíblica da criação do homem retrata uma imagem de grande harmonia e perfeição. A Bíblia diz que Deus considerava tudo o que tinha sido feito

“muito bom” . Se levarmos em conta que Deus era tido como padrão supremo de perfeição – inclusive para o próprio Lúcifer, como vimos – “muito bom” assume

um grau de excelência absoluta.

Segundo Bíblia, assim como Lúcifer no céu, o primeiro casal vivia em estado privilegiado e cercado de regalias, em profunda interligação e submissão a

Deus. A interligação e a submissão, assim como a existência de princípios morais e de conduta, é claramente expressa nos versos que seguem:

“E tomou o Senhor Deus o homem e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e guardar. E ordenou o Senhor Deus ao homem dizendo: De toda a árvore do

jardim comerás livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás, porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” (Gênesis 2: 15 a

17)

Como se vê, no Éden não imperava o “eterno-sim e amém”. Havia pelo menos duas normas estabelecidas: a ordem de cuidar do jardim e a proibição de

comer do fruto de uma certa árvore. Havia restrições. Foi justamente por essa razão que o argumento luciferiano, o mesmo relatado como tendo sido utilizado

anteriormente no céu e que é contra o dizer-não, logo, que é o argumento do “eterno-sim e amém”, encaixa-se tão bem no relato bíblico. A história bíblica traz

detalhes de como esse argumento teria sido introduzido entre os homens:

“Ora, a serpente era a mais astuta que todas as alimárias do campo que o Senhor tinha feito. E esta disse à mulher:

- É assim que Deus disse: Não comerás de toda a árvore do jardim?

E disse a mulher à serpente:

- Do fruto das árvores do jardim comeremos, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que

não morrais.

Então a serpente disse à mulher:

- Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal.

E vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e considerando-a árvore desejável para dar entendimento, tomou de seu

fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela.” (Gênesis 3: 1 a 6)

A profusão de detalhes relativos ao argumento luciferiano aqui é espantosa.

Em primeiro lugar, a Serpente faz a mulher dar-se conta da existência de restrições: “É assim que Deus disse: Não comereis de todas as árvores do jardim?”.

Ao raciocinar sobre a pergunta da Serpente, a mulher pode-se dar conta de que, embora sua liberdade de ação seja visivelmente muito maior do que o conjunto de

13

restrições, as restrições estão ali, elas são reais. E a pergunta da Serpente faz a mulher crer que é justamente nesse pequeno espaço limitado pelas restrições de Deus

que pode estar a verdadeira grandeza da criatura, a essência da liberdade e da superação de si mesmo.

No segundo momento, a Serpente toma a resposta da mulher sobre o “certamente morrereis” como uma acusação direta de um suposto interesse de Deus em

manter a espécie humana subjugada, escravizada, distante das suas possibilidades máximas naturais de desenvolvimento. A Serpente acusa o Criador de “fazer

sombra” aos homens, impedindo-os de conhecer a verdade, a verdadeira grandeza, de galgar os seus limites. E o Criador teria feito isso de duas formas: 1. mentindo:

“Certamente morrereis”, quando a verdade seria outra: “Certamente não morrereis” e; 2. utilizando a mentira com poder de chantagem: a obediência incondicional

em troca da vida.

A Serpente, então, insinua que essa restrição que Deus faz sobre suas criaturas pode ser quebrada se, tão-somente, as ordens do Criador forem desacatadas.

Isso implicava, pelo menos, cinco coisas:

1. a “morte” de Deus para o homem, e não a do próprio homem por Deus;

2. a conseqüente “morte” da lei de Deus e da moral que desta advém;

3. a retirada do destino humano da “sombra de Deus” e seu reposicionamento nas próprias mãos humanas;

4. a superação de si mesmo com o conhecimento do bem e do mal, ou seja, da verdade absoluta e;

5 como detentor da verdade absoluta, a possibilidade de auto-superação do homem e a geração de uma nova raça de homens “além-dos-homens”, pois agora, seriam

estes homens iguais-a-Deus (“E sereis como Deus, sabendo o bem e o mal.”).

Como se pode ver, esse é o argumento luciferiano original em sua essência e plenitude.

A visão da Serpente sobre Deus, da forma como foi elaborada no texto de Gênesis, é revista em Nietzsche com a seguinte formulação:

“A noção de “Deus”, inventada como noção antítese à vida – tudo nocivo, tudo venenoso, caluniador, toda a hostilidade moral contra a vida enfeixada em

uma unidade horrível.” (EH, p. 153)

A mulher, então, convencida pelo argumento da Serpente, não somente come do fruto, como o dá ao homem, que também dele come. E, na seqüência:

“Então, foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus.” (Gênesis 3: 7)

O relato de Moisés no Gênesis, como disse, remonta a um período próximo de 1.480 a.C. Esse relato de utilização do argumento luciferiano – pois ele está

ali, em sua essência, de forma incontestável – demonstra como a idéia de que o homem sem Deus se superaria a si mesmo por pura necessidade e se tornaria um

super-homem, um igual-a-Deus, é antiga - muito mais antiga - do que Nietzsche faz-nos pensar que ela era.

14

3. O Argumento Luciferiano em Nietzsche (de novo e mais fundo)

Agora que já vimos como o argumento luciferiano original e sua reedição no Éden aparecem nos antigos relatos bíblicos, neste subtítulo, quero retomar de

forma mais completa esse argumento como formulado por Nietzsche em “Assim Falava Zaratustra”, já que, como vimos, este era seu legado preferido. Essa

retomada dará oportunidade para alguns comentários complementares e permitirá ao leitor uma visão mais completa da formulação nietzscheana do argumento

luciferiano e sua aplicação em sua obra-prima. Creio não ser necessário retomar aqui a essência do argumento luciferiano como aparece em AFZ, conforme o

apresentei na Introdução deste artigo. Vamos partir dessa idéia geral do argumento como já trabalhada para os passos que Nietzsche define para o homem comum

tornar-se o super-homem.

Em primeiro plano, Nietzsche ataca diretamente o conceito de Deus. Como vimos, ele achava necessário livrar-se Deus e de que qualquer outra forma de

reverência a qualquer coisa que fosse, para que o homem fosse forçado, por necessidade, a superar-se, com seu próprio instinto, com sua força natural, guiado pela

própria consciência. Então, Nietzsche configura Deus como um traço da imaginação humana, como uma mera conjectura. Ele assim apresenta o conceito de Deus:

“Deus é uma conjectura; mas eu quero que a vossa conjectura não vá mais longe do que a vossa vontade criadora. Poderíeis criar um Deus? Pois então não me faleis de deuses! Poderíeis, contudo criar um Super-Homem. Deus é uma conjectura; mas eu quero que a vossa conjectura se circunscreva ao imaginável. Poderíeis imaginar um Deus? Signifique, para vos outros, a vontade de verdade, que tudo se transforme no que o homem pode pensar, ver e sentir! Deveis cuidar até o ultimo dos vossos próprios sentidos.” (AFZ, p. 80)

Tomado como uma conjectura e não com um ser real, Nietzsche acreditava ser mais fácil aos homens abandonar o conceito de Deus, sem culpas, sem

prejuízo. Porém, mais do que isso, Nietzsche caracteriza essa conjectura de Deus como uma conjectura malévola, um perigo ao ser humano. Um Deus concebido

como alguém verdadeiramente ímpio, a despeito das tentativas - humanas e divinas - de ser mostrado como bom. Há trechos bastante reveladores dessa idéia em

AFZ:

“Na verdade, a minha morte será afogar-me em riso, vendo asnos embriagados e ouvindo assim morcegos duvidarem de Deus. Não passou há muito o tempo

de tais dúvidas? Quem teria ainda o direito de despertar do seu sono coisas tão inimigas da luz? Há muito que se acabaram os antigos deuses, e na verdade tiveram

um bom e alegre fim divino. Não passaram pelo “crepúsculo” para caminhar para a morte – é uma mentira dizê-lo! - - Pelo contrário: mataram-se a si mesmos a

poder de... riso!Sucedeu isso quando chegaram a pronunciar-se por um deus as palavras mais ímpias – as palavras: Só há um Deus! Não terás outros deuses a par de

15

mim. Um deus velho, colérico e zeloso, que se excedeu a esse ponto. Então todos os deuses se puseram a rir, e agitando-se em seus assentos, exclamaram: ‘ Não se

baseia precisamente a divindade em haver deuses e não Deus?’”(AFZ, p. 157)

E, ainda:

“Quando moço, esse Deus do Oriente era ríspido e estava sedento de vingança: criou um inferno para deleite dos seus prediletos. Por fim fez-se velho e

brando e terno e compassivo, assemelhando-se mais a um avô do que a um pai, e até mais a uma avó decrépita.” (AFZ, p. 218)

A idéia fundamental desses ataques ao conceito de um Deus como o conceito hebraico seguido pelo cristianismo parece ser a sua caracterização como algo

que, além de inútil, era perigoso ao homem. Mesmo tentando se fazer, nos últimos tempos, de um Deus compassivo, esse Deus hebraico, “do Oriente”, era, na

verdade, prejudicial justamente por ser presumidamente tão grande e poderoso e zeloso de seu próprio nome e benévolo e longânimo, fazendo, como disse, uma

“sombra” que impedia o crescimento dos homens. Por isso, era essencial para Nietzsche “matar” esse Deus. Não matá-lo fisicamente. Isso pouco importava a

Nietzsche. A idéia era matá-lo na mente dos homens: “romper com a vossa vontade veneradora; aniquilando o vosso coração reverente.”

Porém, a despeito de muitos homens já terem conseguido isso em si mesmos, e Nietzsche costumava citar os franceses da Revolução como um exemplo disso, o

filósofo temia que o homem estivesse criando outros deuses para si. Pensando, provavelmente, nos próprios - e por ele tão amados - franceses da Revolução, um dos

deuses que poderiam fazer sombra para o homem era o próprio Estado. Nietzsche chamou o estado de “monstro”. Sobre o Estado, ele afirma:

“‘Na terra nada há maior do que eu; eu sou o dedo ordenador de Deus’ – assim grita o monstro. Sim: adivinha-vos a vós também, vencedores do antigo

Deus. Saístes rendidos do combate e agora a vossa fadiga ainda serve ao novo ídolo.” (AFZ, p. 53)

Um outro problema visto por Nietzsche era de que os homens, no processo de superação de si mesmos, alcançassem tal progresso que acabassem criando,

para si próprios, um mundo que lhes servisse de deus, um mundo ao qual venerariam. Mais uma vez, o ataque do filósofo é incisivo. Ele chama essa necessidade de

veneração de “embriaguez”, mas uma embriaguez que estava sendo curada, segundo ele:

“Eis aqui a vossa vontade, sapientíssimos, como uma vontade de poder; e isto ainda que faleis do bem e do mal e das apreciações de valores. Quereis ainda

criar um mundo perante o qual possais ajoelhar-vos: é esta a vossa última esperança e a vossa última embriaguez.” (AFZ, p. 102)

O princípio de tudo, porém, era mesmo a destruição de Deus, de Sua lei e da moral que dela advém. Então, como era urgente destruir na mente dos homens

toda vontade veneradora, de quaisquer que fossem os deuses, Nietzsche resolve declarar morto a Deus e aos outros deuses e declarar os motivos dessas mortes. E,

para Nietzsche, o nascimento do super-homem seria uma conseqüência natural da morte da vontade veneradora na humanidade:

16

“Que é que toda gente sabe hoje? – perguntou Zaratustra. – Talvez já não esteja vivo o Deus antigo, o Deus em que dantes acreditava toda a gente?

Sabes como morreu? É certo o que se diz, que o asfixiou a compaixão? O ver o homem suspenso na cruz e não poder suportar que o amor pelos homens viesse a ser

o seu inferno e afinal a sua morte?”(AFZ, 216-7)

“ ‘Todos os deuses morreram; agora viva o Super-Homem!’ Seja esta, chegado o grande meio-dia, a vossa última vontade.” (AFZ, p.76)

É interessante notar que na passagem sobre “a asfixia de compaixão” Nietzsche está abrindo caminho para um conceito que vai ser mais claramente

desenvolvido no Ecce Homo: o conceito de “egoísmo natural”. Segundo o filósofo, todos somos fisiologicamente egoístas. Cada parte de nós luta pela

sobrevivência, cada parte de nós é egoísta. Isso é natural e não deveria despertar culpa no homem. Ele diz, em Ecce Homo , que a piedade é uma virtude apenas nos

decadentes. Assim também seria Deus no princípio: um Deus egoísta. Mas, quando Deus tentou se fazer de compassivo, teria se asfixiado na própria compaixão. A

lição da morte de Deus, segundo Nietzsche, deveria servir aos homens. Nada de compaixão, nada de altruísmo, nada de dizer-se não: apenas o “eterno-sim e amém”,

a satisfação do nosso egoísmo natural que seria guiado pela “vontade-leão”. Livre de todo e qualquer deus e de toda e qualquer compaixão, o homem poderia, enfim,

alcançar as alturas:

“Eu aprendi a andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a voar, por conseguinte não quero que me empurrem para mudar de sítio. Agora sou leve agora vôo;

agora vejo por baixo de mim mesmo, agora salta de mim um Deus.” (AFZ, p. 46)

Nietzsche parecia ver nesse processo de transformação um caminho sem volta a partir de sua obra. Ele se via como um marco divisor na história. Como aniquilador

do mundo antes dele e reconstrutor de um novo mundo, com um novo homem, o filósofo cria que todo o homem sedento de crescimento, mais cedo ou mais tarde,

acabaria abandonando o conceito de Deus e seguindo a “Zaratustra”. Ele assim caracterizou essa esperança pessoal:

“Porque a caminho para ti se encontra também o último resto de Deus entre os homens; quer dizer, todos os homens de grande anelo, do grande tédio, da

grande sociedade. Todos os que não querem viver sem poder aprender a esperar novamente; a aprender contigo, Zaratustra, a grande esperança.” (AFZ, 235)

Entretanto, o mesmo Nietzsche parecia antever que suas idéias não seriam aceitas por todos. A um número significativo de pessoas inferiores, a que ele

chamava ora de “populaça”, ora de “gentalha”, o pensador não atribuía qualquer possibilidade de esperança, pois eles manteriam, até sua própria morte, a idéia de

um Deus bem viva em suas mentes,e alimentariam, assim, a idéia de que o super-homem é um “demônio”. Apenas aqueles que viessem a compreender a

profundidade das palavras de Zaratustra seriam capazes de se tornar homens superiores. Estes não deveriam se preocupar com os demais: pelo contrário, deveriam

deles se afastar:

17

“Homens superiores, aprendei isto comigo; na praça pública ninguém acredita em homens superiores. E se teimais em falar lá, a populaça diz: ‘Todos somos

iguais’ . ‘Homens superiores – assim diz a populaça – todos somos iguais; perante Deus um homem não é mais do que o outro: todos somos iguais!’ Perante Deus!

Mas agora esse Deus morreu; e perante a populaça nós não queremos ser iguais. Homens superiores, fugi da praça pública!

Perante Deus! Mas agora esse Deus morreu! Homens superiores, esse Deus foi o vosso maior perigo. Ressuscitastes desde que ele jaz na sepultura. Só agora torna o

Grande Meio-Dia; agora torna-se o senhor o homem superior. Homens superiores! Só agora vai dar a luz a montanha do futuro humano. Deus morreu: agora nós

queremos que viva o super-homen.” (AFZ, pp. 238-9)

Em Ecce Homo, ele faz, entre outras tantas sobre o asco que sentia pela “gentalha” uma declaração que corrobora a passagem acima:

“Não é a todos que é dado ter ouvidos para Zaratustra.” (EH, p. 19)

Mas, retomemos o “Grande Meio-Dia”, o momento máximo da luz da humanidade, de uma luz que, para Nietzsche estava dentro dos próprios homens e que

era mantida oculta pela mera existência do conceito de Deus. Uma luz como a da aurora, da “alva”. Via-se Nietzsche a si mesmo como “o Filho da Alva”, o

propagador da luz, da luz que supostamente nasceria no homem pela morte de Deus. A luz que irradiaria da montanha dos homens e não mais do “Monte Santo de

Deus”. “E tu dizias no teu coração: eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei. Subirei acima das

mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo.” (Isaías 14: 13)

4. A Identidade entre Zaratustra e Lúcifer (pelo próprio Nietzsche)

A esta altura das considerações, é inevitável a associação de Zaratustra, a voz mais audível do filósofo, e Lúcifer, o arquiteto do argumento luciferiano

original, conforme aparece na Bíblia. Creio que as passagens que citei acima, tanto de Nietszche como da Bíblia, seriam suficientes para essa identificação. Mas, há

passagens mais explícitas de Nietzsche que podem ser evocadas aqui. Vejamos algumas delas retiradas de Ecce Homo:

“Eu sou a antítese de uma natureza heróica.” (EH, p. 64)

“(Tenho) o direito de reivindicar para mim a palavra grandeza.” (EH, p. 66)

“Zaratustra, o aniquilador da moral.” (EH, p. 72)

“Eu sou o primeiro imoralista.” (EH, p. 93)

“Eu sou o aniquilador par excellence.” (EH, p. 146)

18

“Eu reconheci que havia chegado o tempo de me voltar para mim mesmo.” (EH, p. 99)

“A gente paga caro por ser imortal.” (EH, p. 118)

“Zaratustra se sente a mais alta espécie de tudo aquilo que é.” (EH, p. 121)

Embora tais passagens ora refiram-se nominalmente a Nietzsche, ora a Zaratustra, todas elas, em essência, falam de um mesmo caráter. Todas são altamente

idenficadoras de Zaratustra com as características atribuídas biblicamente a Lúcifer. A sensação de ser maior que os outros, a ausência de abnegação e compaixão, o

desejo de aniquilação de Deus, da lei e da moral que desta procede, o desejo de voltar-se de um Deus para si mesmo e suas próprias vontades, a presunção da

imortalidade que somente pertenceria a um criador.

Mas, merece atenção a citação:

“Nem sequer se mostram dignos de atar as sandálias de Zaratustra.” (EH, p. 119)

em que se fala de “atar sandálias”. Essa é uma referência direta à célebre frase de João Batista a respeito de Jesus, registrada na Bíblia em Lucas 3, versículo

16. Nesse ponto, Nietzsche coloca Zaratustra no mesmo nível de Cristo. Essa idéia é corroborada nas passagens:

“Eu sou aquele que traz a boa nova.” (EH., 132)

“Pois eu trago o destino da humanidade sobre os ombros.” (EH, p. 143)

que, obviamente, são, a primeira, uma referência direta a um novo evangelho, uma nova “boa nova”, não mais de Cristo, o Filho do Deus bíblico, mas de

Zaratustra e, a segunda, ao fato de que, biblicamente, o pagamento pela remissão do homem recaiu sobre os ombros de Cristo, conforme atesta o livro do profeta

Isaías:

“Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e esmagado por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas

suas pisaduras fomos sarados.” (Isaías 53: 5)

Essa equalização de si mesmo à pessoa de Cristo, dá abertura para que ele possa afirmar categoricamente:

“Eu sou o anticristo.” (EH, p. 74)

E assim, identificando Zaratustra ao anticristo e a si mesmo, como fica claro na passagem abaixo,

“Zaratustra determina uma vez, com dureza, a sua tarefa – e ela é também minha.” (EH, p.125)

19

Nietzsche cria uma identidade inegável com o personagem bíblico de Lúcifer, que se opõe abertamente ao personagem de Cristo. Essa oposição entre

Lúcifer e Cristo fica clara na passagem bíblica citada anteriormente sobre a guerra no céu entre Miguel e o dragão, assim como a aparece objetivamente na passagem

da tentação de Cristo, em Mateus 4, versos 8 a 10:

“Levou-o ainda o Diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e lhe disse: Tudo isto te darei se, prostrado, me

adorares. Então, Jesus lhe ordenou: Retira-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto.”

Nietzsche reforça essa oposição contra Cristo e sua identidade com Lúcifer, na sentença final de Ecce Homo:

“Fui compreendido? – Dioniso contra o crucificado...” (EH, p. 154)

Mas, tal identidade assume uma forma muito mais impressionante nas palavras do próprio Zaratustra, citadas em EH, p. 123:

“Luz eu sou: Ah se eu fosse noite! Mas, esta é a minha solitude, estar cercado de luz!”

Sobre essa passagem, Nietzsche comenta:

“Coisa semelhante jamais foi escrita, jamais foi sentida, jamais foi sofrida: assim sofre um Deus, um Dioniso.” (EH, p. 125)

5. Conclusão

Embora Nietzsche tenha apregoado uma absoluta originalidade em relação ao seu argumento para a construção de um super-homem e alimentado um

irrevogável rancor para com a Bíblia, mau grado seu, é justamente na Bíblia, em registros que remontam a cerca de 1.480 anos a.C. (Moisés), que o argumento

luciferiano, adotado por Nietzsche como linha mestra de toda sua filosofia, aparece pela primeira vez, repetindo-se em registros de cerca de 700 a.C (Isaías), 580 a.C

(Ezequiel).

Essa presença precedente do argumento luciferiano na Bíblia, diminui bastante o valor auto-atribuído por Nietzsche a si mesmo como filósofo e ao seu

trabalho como demolidor de valores e criador de uma nova era. Na verdade, o filósofo alemão não apresentou ao mundo um novo e destruidor argumento no corpo

de sua obra, tampouco, por isso mesmo, mostrou ser o maior, mais sábio e o mais inteligente de todos os homens, como afirma em Ecce Homo. Em sua ânsia de uma

pretensa grandeza para a humanidade e no exercício constante da solitude, Nietzsche pode ter deixado passar despercebido que sua obra não era original em sua

essência.

20

Referências Bibliográficas Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Edição Revista e Atualizada de 1999. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil. NIETZSCHE, F. (S/D). Assim Falava Zaratustra. Tradução de José Mendes de Souza. São Paulo: Ediouro. (Coleção Clássicos de Bolso) NIETZSCHE, F. (2005). Ecce Homo: De como a gente se torna o que a gente é. Tradução de Marcelo Backes. Porto Alegre: L&PM Editores. (Coleção L&PM Pocket).

WHITE, Ellen G. (1999). História da Redenção. Tradução de Ivan Shimidt. São Paulo: Casa Publicadora Brasileira.

21

O MUNDO URBANO: MOSAICO DE MANIFESTAÇÕES DO SAGRADO, CREDOS E DIÁLOGOSO Msc. Valmir Flores Pinto Professor de Filosofia e Filosofia da Educação Universidade Federal do Amazonas – UFAM/HUMAITÁ, AM [email protected] INTRODUÇÃO

Em cada época histórica existem pessoas, sejam da hierarquia de grupos majoritários ou minoritários, que julgam ter descoberto, ou pelo menos pensam

viver o tipo mais genuíno de credo religioso. Desde o século XX, época marcada por avanços tecnológicos e também de desvios, não apenas no campo moral mas

também de soberania e diplomacia, descobre-se no auge da secularização que a vida humana, na busca pelo sagrado, não está na sua última fase sobre o mundo,

como alguns profetizaram. Esta fase constitui uma oportunidade a mais para aguçar um critério que possa distinguir o essencial do acidental da vida religiosa e agora

diante de um cenário gritante: a cidade secularizada.

A secularização urbana deve ser situada dentro de uma filosofia dialética da história. O sucesso de uma sociedade exige racionalidade, planificação,

organização e esta conduta vem ameaçar, comumente, ou restringir a liberdade. Daí a reação provável de pequenos grupos menos engajados nos circuitos

econômicos ou mais sensíveis a valores extra-econômicos – estudantes, minorias religiosas, marginais sociais e outros. Mas o dinamismo humano não é só na área

econômica. Sua psique profunda também é libido, é agressividade e em termos do humanismo religioso, aspiração ao amor, para amar e ser amado.

Todo movimento de secularização, que é coroado com o fenômeno da urbanização, se apresenta como promoção do ser humano. Gradativamente ele foi

evoluindo de maneira a escravizar o sujeito sob o peso de novas estruturas, dando, assim, a seu ‘humanismo’ um cunho imprevisto: não sabemos o que será do ser

humano amanhã. Sob o impacto do consumo, da mudança em questão de segundos, da cultura materialista e descartável, os valores humanísticos, que já foram

característicos, estão sendo rapidamente desagregados e mesmo desaparecendo. Esta realidade acontece em todo o planeta. Feitas estas constatações cabe-nos saber

como nos comportamos neste meio, conceber algumas diretrizes de ação, atuação efetiva e afetiva das diversas denominações religiosas e suas motivações.

1 – Comportamento religioso na cidade

22

Começamos falando de comportamento na cidade e não da cidade. Isto implica necessariamente a uma inclusão pessoal, grupal ou institucional na vida da

cidade. Somos membros dessa coletividade que tem muitos pontos de vista. Não se trata aqui de substituir o papel dos aspectos religiosos, mas propor sugestões e

acertar na reação exigirá muito diálogo.

Em primeiro lugar devemos salientar o valor positivo de certa dessacralização: ela é boa e necessária quando consiste em liquidar todo um folclore religioso.

Também tem um limite: o respeito pelo caminho próprio de cada povo, pela sua cultura e momento de sua maturidade na evolução religioso-cultural das elites

intelectuais e do povo em geral. Quando os primeiros querem arrasar a religião do povo sem distinguir entre práticas ou crenças que não podem ser substituídas

imediatamente, ocorre a catástrofe. O efeito imediato é a fuga dos ‘crentes’, de maneira maciça para outros ambientes religiosos ou seitas, mais tracidionais e abertas

aos olhos do povo, ou perdem individualmente a sua forma de fé e prática religiosa, ou ainda mantém um mundo muito pessoal e intimista ao seu estilo, mesmo não

saindo de sua denominação religiosa.

Embora a mudança de comportamento na cidade seja algo cotidiano, até por frações de segundos, no quesito religioso trazemos elementos que são

constitutivos de nossa cultura. Por isso as supressões devem ser explicadas, justificadas diante do povo, na sua linguagem. Devem ser prudentes e progressivas,

destituídas de arbítrios e de agressividades, atentas ao conjunto do condicionamento cultural. Purista na sua dogmática as Igrejas cristãs históricas erraram muito na

sua pastoral concreta, diante das atitudes, devoções e tradições locais.

O processo de secularização e comportamento urbano ultrapassa em muito a iniciativa de qualquer denominação religiosa de controle. A questão maior é:

como as religiões vão se capacitarem para desempenhar conveniente e efizcamente suas funções neste contexto? Não podemos, nem devemos esperar uma resposta

para todos, universal, mas tentar elaborar uma praxi iluminada pelo teologal, respostas bem situadas a cada realidade, do micro ao macro. A distinção entre acidental

e essencial não é para a obra teórica, é experiência histórica.

2 – Elementos da religiosidade

Passemos a pontuar alguns elementos que são essenciais na formação do universo de compreensão da religiosidade.

2.1 – Espiritualidade

A espiritualidade reduzida à espiritualidade de ação, rejeitando todos os valores não pragmáticos, parece-nos suspeita de uma moda reversível, de uma

atitude incompleta. Nessa linha, desaparece o ritual como ritual. A cultura mergulha, hoje como ontem, no simbolismo, irredutível ao empirismo. Um exemplo típico

é o sucesso que tem, em alguns países ocidentais, as religiões orientais, indicam que o sentido do silêncio, da contemplação, da meditação, da interioridade, não pode

23

desaparecer para sempre das aspirações humanas. “Do ponto de vista da vida, por assim dizer ‘animal’, Deus não entra como elemento ‘útil’ e ‘necessário’”

(BINGMER, 1998, p. 82). O sagrado não acrescenta nada à vida biológica. Ao contrário, exige o despojamento dos bens sensíveis.

Apesar dos diagnósticos ‘terríveis’ feitos por muitos sobre a religião diante da secularização da modernidade, “nos encontramos ainda com pessoas capazes

de passar horas de seu tempo em cultos, celebrações e cerimônias de louvor. Pessoas capazes de, em nome de seu Deus ‘inútil’ e entregar suas vidas num sacrifício”

(BINGMER, 1998, p.82).

2.2 – Sentido de pertença

Outro risco que nos ameaça é a política do tudo ou nada. Podemos contestar os defeitos das Igrejas, das religiões, sem rejeitar as Igrejas ou religiões.

Podemos trabalhar para melhorar o culto, sem pretender que ele não tenha mais sentido; aproveitar idéias e técnicas, sem cair numa desmitização radical, sem

pretender afirmar que as palavras sagrado, Deus, religião estão superadas. O que nos falta, muitas vezes, é um sentido equilibrado das coisas.

O Brasil está praticamente em pé de igualdade com o ocidente em se tratando do elemento secular, mas tem um outro pé num cristianismo e num universo

bem tradicionais. Há desentendimentos entre lideranças religiosas e fiéis devido a algumas generalizações e que na realidade são aspectos parciais. No caso da Igreja

Católica Romana, Bispos que procuram presbíteros em toda parte, até no exterior, não entendem a desorientação ou fuga de presbíteros, enquanto tantas pessoas

procuram os mesmos para a sacramentalização. Por outro lado, os presbíteros que estão mais próximos à secularização não compreendem a importância que a

hierarquia dá à administração curial, à manutenção de atitudes da cristandade.

Algo é certo, mais de 70% dos cristãos do Brasil se dizem cristãos católicos e outra parte cristãos de outras denominações portanto, a maioria da população

cristã. Mas a expressão “maior país católico do mundo” não é motivo de glória e esplendor e já foi justamente denunciada. Deve ser data maior atenção às diferenças

entre religião do clero e a religião popular, entre teoria e prática, entre planos bem elaborados e sua real aplicação a partir do universo religioso. De qualquer forma a

solução não será mais voltar para o dualismo: ou isso ou aquilo. A vida urbana e secular recusa isso. A relação religião e secularização não se torna mais fácil, mas

pode e deve tornar-se tão humana, aceitável, eticamente possível e com muito mais realismo.

3 – Diretrizes de julgamento

As mudanças contínuas no universo secular-urbano, não se apresentam como modo de viver mais definitivo ou provisório. Chegou a ter mais consciência da

precariedade e do relativismo da toda cultura humana. Em si não é contra nem a favor das religiões, enquanto essas são fermento que transformam a humanidade.

24

O papel do cristianismo e por extensão das diferentes denominações religiosas, não é apontar uma organização terrena definitiva. Não há nada definitivo nesta terra,

a não ser o amor (BÍBLIA DO PEREGRINO, 1Cor. 13, 1-13. Trad. BORTOLINI, José eSTORNIOLO, Ivo. São Paulo: Paulus, 2002). O papel das religiões é

manifestar a presença do Absoluto no relativo da história. Pois, renunciar a testemunhar Deus como Absoluto seria abrir mão, renunciar aos propósitos de bondade,

alteridade, gratidão e serviço. Neste sentido a secularização torna-se secularismo. Mas testemunhar é referir-se a uma dimensão invisível da realidade, a partir da

realidade terrestre. Não pode haver testemunho de Deus sem aceitação plena do relativismo da história, da cultura, da finitude e da precariedade de toda posição

atual do ser humano.

Faz-se necessário afirmar que este testemunho não pode se limitar a alguns enunciados dogmáticos. As pessoas crentes devem acreditar no que diz, antes de

propô-lo ao mundo; isso significa fazer esforços sérios para viver os enunciados. O testemunho religioso numa era secular será mais do que nunca testemunho do

Absoluto, tendo como referência a convivência pacífica, numa palavra: o amor.

Para nada servem as teorias e proclamações de uma entidade se sua política utiliza outros caminhos, mesmo no intento de fazer triunfar sua mensagem. Isso

não serve apenas para o campo religioso, mas também nas relações de políticas internacionais. Seria como se as Igrejas ou grupos religiosos realizassem alianças

com grupos que estão ligados ao narcotráfico, sonegações, seqüestros, roubos, etc, para fazer uso do dinheiro em benefício de obras sociais ou religiosas.

Às vezes queremos fazer o bem ao próximo, quando ainda não descobrimos o nosso próximo em casa. Elementos dessa natureza estão ordinariamente

presentes em nossos lares, Igrejas, comunidades religiosas e organizações institucionais. Não que não haja comunidades exemplares no seu testemunho, mas é

preciso que se constate essa realidade.

4 – O conceito de Deus

Graças à reflexão da idéia que tínhamos de Deus, no ocidente, juntamente com as mudanças no mundo urbano-secular, instalou-se certa contestação nas

Igrejas cristãs. Quem ainda guarda um conceito de Deus ‘Todo-Poderoso’ ditatorial, patriarcal não pode passar sem uma estrutura autoritária, com uma submissão

sem reservas às autoridades. Muitos que se encaixam nessa categoria, tanto entre líderes religiosos como entre os fiéis, talvez por insegurança em tomar decisões ou

mesmo submissão sem restrições.

A crise instaurada no mundo secularizado é de crescimento e não pode deixar de repercutir sobre o aspecto religioso. A questão é saber se haverá uma reação

institucional e pessoal de maneira aceitável ou não. É certo que assim como o clericalismo – em todas as denominações – não pode sobrepor sobre as pessoas,

também não pode ocorrer um ‘vale-tudo’ no sei das comunidades religiosas. Não se trata de tirar ou colocar elementos para determinados cultos, mas julgar o

desempenho das atividades que favoreçam o cultivo dos valores religiosos e culturais de determinado povo. A sociedade mudou e muda, e com ela as denominações

25

religiosas vão incorporando novos elementos. Todas as sedimentações que vêm de tempos passados e que paralisam a vitalidade, impedem o desempenho da função

profético-religiosa.

Em pleno século XXI ainda há grandes disputas por terrenos no campo religioso, seja de cunho geográfico ou de adeptos. As pessoas não são mercadorias

em prateleiras do grande shopping que é a cidade, onde posso escolhê-las ou excluí-las. Foram dados grandes passos em direção às “águas mais profundas” (BÍBLIA

O PEREGRINO. Evangelho de Lucas 5, 3-4. Op. Cit.), mas há necessidade de uma presença mais humana e fraterna. A sociedade urbana e secularizada está

machucada e, em certos casos, doente e na UTI. Não bastam normas e regras entre das denominações religiosas, é preciso adequar a mensagem às pessoas, não de

maneira generalizada, mas personalizada e com clareza do que se pretende, e muito menos de maneira utilitarista, aceitando qualquer situação.

5 – Ações das religiões

Face aos problemas do meio urbano, pode-se fazer a aprendizagem da condição dos cidadãos. Por isso a necessidade de dar prioridade à realidade urbana e a

somar esforços de pressão e ação. A política não se aprende apenas nas reuniões, mas na rua e nos seus desafios. Houve épocas e ainda há locais que fazem exageros

de reuniões. Em meio a esse cenário surgem muitos personagens, mas os que mais sofrem com a situação de certo caos sãos os pobres. “A urbanização rápida mostra

claramente que o problema é a cidade. Para os pobres a grande política fica muito distante. Não entendem e se deixam confundir pelos demagogos. A grande

economia é incompreensível. A sociedade nacional é uma abstração e a internacional, mais ainda” (COMBLIM. 1996, p.361).

5.1 – Aspecto efetivo

As religiões não estão em crise, mas uma forma de religião. Aquelas formas de expressões burocratizadas e nacionalistas perdem a capacidade de responder

às expectativas de ordenar a vida das pessoas dando-lhe um sentido. Com a secularização surge uma crise de uma forma social de religião, a estrutural, e o que com

isso surge uma subjetivação da religião. A identificação entre estrutura e religião é a raiz dos equívocos.

A atuação das expressões religiosas não tem como não ser no mundo secularizado. Ou elas se incorporam, fazendo parte do mesmo, ou estarão condenadas

ao desaparecimento. No mundo pós-moderno o processo de socialização – a integração do indivíduo na vida social – é cada vez mais realizado por instâncias

seculares e secundárias, isto é, por instâncias de livre escolha dos indivíduos. Perdem relevância significativa os meios de socialização primários, como a família,

igrejas, Estado e a própria escola.

Na sociedade urbana e tecnológica esta socialização torna-se secundária, isto é, radica-se na esfera da escolha pessoal. Passou-se a tornar o indivíduo livre

para escolher, não dar-lhe um quadro de valores prontos. Assim cresce a idéia de pessoas que não gostariam de, por exemplo, batizar a criança, pois quem deve

26

escolher a religião ou o credo é ela mesma quando crescer, embora esta posição ainda seja minoritária, visto que muitos fazem os ritos mais por superstição e

tradição do que por convicção. “É o que se pode chamar de religião privatizada, localizada na esfera da escolha pessoal, subjetiva” (LIBÂNIO. 1994. p. 67).

5.2 – Aspecto afetivo

Dentro da perspectiva afetiva, acreditamos que as denominações religiosas não podem se refugiar em seus ambientes religiosos, mas juntamente com outras

instituições e com o apoio da ciência formar um corpo social de presença no mundo. Isso poderá soar como perde de identidade. Mas toda identidade se constrói a

partir de referências e de relações. Para os cristãos a referência é Jesus Cristo; os judeus, a fé e testemunho de Abraão e Moises; os islâmicos o profeta Maomé,

apenas para citar as chamadas religiões monoteístas. E todos os outros credos têm suas referências e códigos de ação.

As formas de ação envolvem alguns níveis fundamentais. Estamos no mundo urbano-secular e formamos o contingente de milhões de pessoas que buscam o sagrado,

o absoluto neste ambiente. Enfocaremos dois níveis de maior relevância: o pessoal e o grupal.

5.2.1 – Busca pessoal

A escolha religiosa hoje pode ser mais livre e com mais freqüência, porque existe um pluralismo de alternativas religiosas – principalmente nos países mais

pobres-as quais crescem e emergem em instantes. Criam-se necessidades e a partir delas busca-se respostas no aspecto religioso: é o mercado. Há respostas para

todos os gostos, tornando-as utilizáveis ou descartáveis, conforme a necessidade. No Brasil este reflexo se tornou mais visível dos anos 60 e 70 do século passado

para cá. Quem chega à cidade moderna deve escolher a sua religião, que pode ser a mesma da tradição rural, reinterpretada em função do contexto urbano, ou pode

ser outra, e ainda não é certo que nela fique para sempre. A mudança contínua de paradigmas na sociedade urbana leva a questionar sempre a todas as opções,

mesmo aquelas que poderiam parecer ‘eternas’.

Na busca pessoal emerge a subjetividade. Este é um elemento de suma importância para a vida de qualquer pessoa, religiosa ou não. Percebe-se mesmo em

pequenos grupos, um subjetivismo latente no campo religioso. É momento de não desprezar ou ignorar, mas levar a sério a experiência religiosa das pessoas, mesmo

que estejam distantes dos objetivos das religiões. De princípio a experiência pode até ser superficial. Os líderes poderão sofrer a tentação de recusar ou corrigir tal

exigência. Somente o diálogo juntamente com uma postura autenticamente interconfessional poderão ajudar e emergir o sentido profundo da busca religiosa de uma

pessoa.

Devemos estar atentos à pessoa em sua integridade, evitando acentuar um aspecto em prejuízo de outros. Se no passado a pastoral tridentina no ocidente

acentuou os aspectos jurídicos em prejuízo da dimensão afetiva e simbólica, esse erro deve ser corrigido. Nessa linha destaca-se nos centros urbanos, a atitude de

abertura à pessoa, também chamado de ‘pastoral da acolhida’. A sabedoria estará no uso da interdisciplinaridade, nunca os extremos.

27

É um desafio, na sociedade atual, a distância que se acentua entre expressão religiosa de fé e de cultura. Por outro lado a própria estruturação da vida urbana

moderna é geradora desse fenômeno. Ela tende a separar as esferas da vida, afastando as religiões da ética, política, economia, ciências e atividades profissionais.

Abre-se aqui uma possibilidade de um trabalho que contribua partindo de valores mais generalizados como: paz, amor, respeito, dignidade, acolhida e outros. ´

No entanto, é preciso ressaltar que apesar dos valores dos aspectos pessoais, a pessoa não se realiza a não ser no relacionamento com outras pessoas, seja a nível

religioso e mais ainda a nível afetivo e social.

5.2.2 – Busca a nível grupal

Há muitos elementos que contribuem para uma busca de formas comunitárias de vida no atual contexto. Temos o pluralismo cultural, a estrutura social e o

comportamento diferenciado dos fiéis no plano religioso. No Brasil temos algumas faixas da população: “os que seguem a religiosidade popular; os que seguem o

aspecto tradicional, rejeitando inovações; os que procuram viver a sua fé mais pelo compromisso ético do que pelo culto; os que estão marginalizados religiosa e

socialmente; e os que entraram na modernidade e não têm uma perspectiva religiosa marcante” (AZEVEDO, 1990. p. 15).

Diante desse cenário acrescentamos, embora em menor número, os que buscam uma religiosidade marcada pelo elemento pessoal e subjetivo – há uma sede

de Deus -. E questões emergentes surgem: o que fazer? Como fazer? Onde fazer? Uma primeira resposta é pensar uma solução não de maneira única, mas

diversificada, pluralista. Pois, existem os extremos: os que aderiram ou não à modernidade e estão afastados da prática religiosa e de qualquer comunidade religiosa;

os que mantêm alguns contatos em ocasiões - casamentos, datas importantes, morte, nascimento -; e outra ponta são as comunidades ou movimentos religiosos que

procuram orientar toda a vida de seus membros, oferecendo até serviços, geralmente recusam o mundo moderno. No meio dos extremos temos a grande massa dos

praticantes com seus diversos níveis.

O desafio é reconstruir a cidade como mediação da nossa concepção de vida e de nossa prática, não apenas para os praticantes de algum credo. Quando

afirmamos reconstruir, não trata apenas dos espaços físicos, da renda, da moradia, da saúda, mas também do modo de pensar a si mesmos e a cultura, o sentido das

coisas e das relações humanas. Se falamos de subjetividade pessoal, porque não uma cidade subjetiva? A reconstrução passa pela introdução da ética nas atividades,

seja em âmbito pessoal, grupal ou estrutural.

CONCLUSÃO

O que temos hoje é uma ‘ética’ do mercado. Esta não apenas exclui pessoas, mas as torna mercadoria do mesmo mercado. A contribuição das expressões

religiosas começa na superação de todo e qualquer fundamentalismo, não apenas o religioso. Muitos criticam os mulçumanos ou judeus pelo acirrado

28

fundamentalismo religioso, misturado com questões culturais e políticas. Mas vale ressaltar que estamos vendo e vivendo outro fundamentalismo que está sendo

imposto em toda parte do planeta e até fora dele: das super-potências econômicas, que ‘governam’ o mundo. É a tentativa de substituição de um fundamentalismo

por outro: um de capital, onde as armas são os poderes bélico e econômico que está sendo despejado sobre o mundo, assim como a poluição e destruição do meio-

ambiente.

Diante desse cenário de disputas e intrigas, mesmo no sei de muitas religiões, queremos resgatar um elemento que é de fundamental importância para a vida

do ser humano: o testemunho ético. Em um mundo urbano e secularizado o testemunho ético revela a confiança e a esperança da presença do sagrado. Nesta ótica,

supõe-se a solidariedade com as pessoas, partindo dos excluídos. Este desejo não é apenas mais um recheio no grande ‘bolo dos sonhos’. A presença pública das

religiões deve ser questionadora, não utilização ambígua do poder. Há séculos alguns monumentos expressam a centralidade do sagrado via o poder estabelecido.

Hoje pauta-se por uma presença mais crítica e espiritual. As manifestações e movimentos deverão ser expressões de comunhão e solidariedade com as pessoas,

independente do credo. Enfim, depois de séculos dando ênfase à instituição, as religiões são desafiadas para a ação, testemunho, a ser constantemente recriada: um

mosaico em construção.

BIBLIOGRAFIA -AZEVEDO, Marcelo C. de. Dinâmicas atuais da cultura brasileira. Estudos da CNBB nº 58. São Paulo: Paulinas, 1990. -BETTENCOURT, Estevão Tavares. Crenças, religiões, igrejas & seitas: quem são? Santo André, SP: Mensageiro de Santo Antônio, 1995. -BÍBLIA DO PEREGRINO. Luís Alonso Schökel. Trad. Ivo Storniolo e José Bortolini. São Paulo: Paulus, 2002. -BINGEMER, Maria Clara L. A Sedução do sagrado. In. A Sedução do Sagrado. O fenômeno religioso da virada do milênio. Org. Cleto Caliman. Petrópolis, RJ: Vozes, p. 79-115, 1998. -CASPAR, Robert. Cristianismo/Islamismo. Trad. Maia da Rocha. Porto – Portugal: Editorial Perpétuo Socorro. -COMBLIN, José. Cristãos rumo ao século XXI. São Paulo: Paulus, 1996. -CRESPI, Franco. A Experiência religiosa na pós-modernidade. Trad. Antonio Angonese. Bauru, SP: Editora Universidade do Sagrado Coração. -KÜNG, Hans. Ser cristão. Trad. José W. Filho. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1974. -LIBÂNIO, João Batista. O Sagrado na pós-modernidade. In. A Sedução do Sagrado (org. Cleto Caliman). Petrópolis, RJ: Vozes, p. 61-78, 1998. -______. As Lógicas da cidade. Impacto sobre a fé e sob o impacto da fé. São Paulo: Loyola, 2001. -PINTO, Valmir Flores. O Ser humano entre o sagrado e o secular. Dissertação de mestrado em teologia sistemática pela PUC-RS. Porto Alegre, 2005. -SEGUNDO, Juan Luis. Que mundo? Que homem? Que Deus? Aproximações entre ciência, filosofia e teologia. Trad. Magda Furtado. São Paulo: Paulinas, 1995.

29

Entrevista com João Marcos Rainho Revista Educação, Editora Segmento, número 238

www.editorasegmento.com.br.

Educadora cubana afirma que a construção de uma nova sociedade latino-americana passa pela pedagogia de Paulo Freire

O Brasil está exportando para a América Latina um modelo bem-sucedido de educação. Nada a ver com as atuais mudanças propostas pela Lei de Diretrizes

e Bases (LDB), com os sistemas de avaliação ou os processos de modernização através do uso de computadores em sala de aula. Aliás, tudo o que é feito nas classes

tradicionais vai na contramão desse modelo, que na verdade não é tão novo assim. Estamos falando da educação popular proposta por Paulo Freire, cuja metodologia

está servindo de base para a criação de diversas organizações não-governamentais e incentivando uma nova maneira de enxergar os espaços educativos. Em países

que ainda não usufruem um regime democrático no sentido lato do termo e buscam um novo modelo de sociedade, mais justa, igualitária e participativa, a obra de

Paulo Freire pode ajudar no processo de transição. O que não deixa de gerar conflitos com o poder local, seja em relação ao estado ou à instituição escola, por

promover a reflexão profunda dos sistemas políticos e sociais. É exatamente esse o estágio da educação popular em Cuba, que chegou por ali tardiamente em relação

a outros países da América Central e do Sul, e que hoje se orgulha de possuir um dos principais pólos internacionais de formação de educadores - o Centro Memorial

Dr. Martin Luther King Jr, cujas oficinas atenderam diretamente 1.500 pessoas desde 1993. Esther Pérez, licenciada em letras e ex-representante de Cuba nas Nações

Unidas, coordena a área de educação popular do centro. Ela conversou com a Revista Educação sobre a influência de Paulo Freire em seu trabalho e como um

sistema de ensino não-convencional pode ajudar no desenvolvimento de habilidades e competências pessoais tão almejadas pelos métodos "modernos".

Revista Educação - O que são os educadores populares?

Esther Pérez - Educadores populares são pessoas que trabalham com grupos humanos na sociedade. No caso cubano, com organizações populares,

governos, programas sociais, como o médico de família, e instituições de diversos tipos, inclusive escolas.

Educação - O "inclusive escolas", significa que esse não é o foco principal do programa?

Esther - Professores participam de nossos programas atualmente, mas no começo o trabalho não estava aberto a eles. A educação popular trabalha com um

espaço diferente da escola tradicional e em certo ponto até critica o modelo tradicional do professor todo onipotente de um lado e os alunos passivos, recebendo

informações, de outro.

30

Educação - Qual o objetivo almejado?

Esther - Buscamos o pensamento crítico da sociedade. Trabalhamos com psicologia de grupo, análises de contexto, entre outras técnicas e também ênfase na

questão de gênero.

Educação - É possível avaliar os resultados da educação popular?

Esther - Isso é uma questão complexa porque nosso trabalho atinge a subjetividade das pessoas. Não dá para medir em número e sim na qualidade.

Percebemos mudanças na prática social mais democrática, a utilização de colegiados para a tomada de decisões e ações efetivas mais perto das reais preocupações da

população, com maior capacidade criativa.

Educação - É quase um tipo de terapia...

Esther - Terapia em muitos lugares visa à adaptação das pessoas ao existente. Nosso trabalho, ao contrário, objetiva que as pessoas sejam capazes de

transformar o ambiente. É até certo ponto um trabalho político.

Educação - Há um certo choque entre os educadores tradicionais e os adeptos da educação popular?

Esther - Existem preconceitos por parte dos educadores ditos tradicionais e até por nós, pois, como disse antes, no início nossos programas não estavam

abertos para professores. Depois mudamos de idéia, pois os professores também são agentes sociais fora do ambiente da escola, eles interagem com outros grupos e

é esse tipo de relação que visamos transformar. Mas no caso dos professores formados por instituições tradicionais - com diplomas, passagem pela academia e tudo

mais -, eles também costumam enxergar nosso trabalho de maneira preconceituosa e desinformada.

Educação - Qual o motivo?

Esther - Principalmente por uma questão de poder. O que acontece em sala de aula é um jogo de poder onde o professor exercer o domínio absoluto, que é

aceito ou não pelos outros participantes. Às vezes com certa passividade ou aceitação total. Tentamos fazer um processo de aprendizagem cuja intenção é desmontar

esse poder concentrado, não apenas para que a relação seja mais democrática, mas também para mostrar às pessoas que tudo não passa de um jogo de poder, uma

metáfora do que acontece em outros grupos sociais. É cômodo saber que temos poder e pensar que ninguém vai desafiá-lo. Por isso que é mais fácil trabalhar com

mulheres em nossos programas. Os homens têm mais medo de repensar esse modelo. Quando trabalhamos com grupos de homens vamos mais devagar na

abordagem. A mulher está mais acostumada a compartilhar o poder ou a nem exercê-lo.

Educação - O que acontece exatamente? Os professores têm medo de perder esse poder?

31

Esther - O preconceito às vezes se expressa em declarações como "se não é um modelo tradicional, com professor de pé na frente da sala e os alunos

sentados em fila, não é um modelo sério, é apenas uma brincadeira". Aí convidamos esse professor a experimentar. Perguntamos: "Quer brincar conosco?" A maioria

aceita e percebe que não se trata de uma brincadeira.

Educação - Que tipo de informação o profissional de diferentes áreas procura na educação popular?

Esther - Basicamente aprender a trabalhar com pessoas. E de forma democrática, participativa. Logo de início avisamos: uma coisa é tratar o tema da

medicina e psicologia no ambiente acadêmico. Outra coisa é atuar com a população. Esse tipo de profissional deve ter conhecimentos em psicologia grupal, social.

Eles estudaram formalmente na escola, em nossas oficinas convivem com colegas que não são profissionais e descobrem muitas coisas novas. A troca de

experiências entre acadêmicos e instrutores tem sido muito rica. Por isso o preconceito tem diminuído. Um exemplo é o programa Médico de Família, que existe em

Cuba. O conceito é de um médico por quadra, ou trecho de um bairro. No convívio com as pessoas em seu dia-a-dia esses médicos descobriram que não exerciam

somente a medicina. Atuavam também como agentes sociais, ouvindo os problemas das pessoas, suas queixas em relação ao convívio familiar, a vizinhança, a

política. Um profissional atuando nessas condições deve estar preparado. E nós oferecemos formação específica para esse grupo.

Educação - Como vocês trabalham com educação popular em Cuba? Há um modelo próprio?

Esther - A educação popular, a pedagogia Paulo Freire chegou atrasada em Cuba. Foi na década de 80, através do Brasil. E chegou num momento político

de profunda autocrítica da sociedade cubana, quando as organizações foram questionadas internamente. Temas como a burocratização, relações das organizações e

os movimentos, capacidade de auto-organização e de participação das pessoas estavam sendo discutidos. E nos deparamos com a experiência do trabalho de Paulo

Freire no Brasil e na América Central. Encontramos uma pista para começar a responder as perguntas que a sociedade estava pleiteando. Dizíamos: este é um

caminho não para produzir as respostas, mas um caminho que poderíamos seguir para encontrar as respostas. Trabalhamos modestamente no início, realizamos

intercâmbios e finalmente em 1990 foi decidido que iríamos começar o programa baseado na nossa realidade.

Educação - Que tipo de conteúdo é abordado?

Esther - Temos programas diversos que tratam de desenvolver a educação popular no contexto cubano, que é diferente de outros contextos latino-

americanos. Não tratamos de complementar falências do estado, não fazemos educação complementar, porque a totalidade da população cubana é escolarizada. O

ensino é obrigatório até o nível secundário. Trabalhamos com pessoas que tenham, no mínimo, essa escolaridade. Não atuamos, por exemplo, com alfabetização de

adultos como no Brasil. Trabalhamos mais com a questão da subjetividade, da passividade das pessoas em ler a realidade social em que estão envolvidas e a

capacidade de participar de forma mais politizada, protagonista, ativa. Assim, o Centro Memorial Martin Luther King criou o Programa de Formação de Educadores

Populares, com a participação de educadores, centros de pesquisas e universidades.

32

Educação - O governo subsidia esse trabalho?

Esther Péres - Não, nós recebemos cooperação internacional para nossas oficinas e projetos e também nos financiamos com esforço próprio, através da

venda de publicações e vídeos. Nossas oficinas são gratuitas. O ensino é totalmente gratuito em Cuba, do fundamental à faculdade.

Educação - Atualmente o trabalho tem se expandido para outros países...

Esther - A princípio, pensamos esse trabalho só para Cuba. Pelo momento que Cuba estava passando com o embargo econômico. A crise econômica nunca

vem sozinha, vem junto com a crise de identidade. Fica mais fácil discutir coisas íntimas, dolorosas, quando estamos junto de nossos pares. Entretanto, nos últimos

quatro anos recebemos muitas solicitações de pessoas de outros países latino-americanos. Convocamos um seminário de Educação Popular, em 1998, em Havana,

com 40 educadores populares da América Latina, inclusive do Brasil. Em 1999, fizemos um encontro em Olinda (PE) e outro na América Central. Nesse momento,

pensamos outras possibilidades de formação conjunta, entre as diversas partes da América Latina, para debater a educação popular, as especificidade de cada país e

as coisas comuns no processo de formação.

Educação - Até que ponto a educação popular influencia o currículo da escola tradicional?

Esther - A sociedade cubana, como a maioria dos países do mundo, está discutindo uma nova forma de educação que leve o estudante a pensar e não apenas

a decorar conteúdos. Essa é uma revolução em curso em nosso país e não está sendo patrocinada pelo Ministério da Educação. Não irá acontecer por decreto. As

coisas estão mudando a partir da base, por exigência das comunidades, dos professores e alunos.

Educação - Estamos descobrindo que o ensino pode ser mais que uma mera transmissão de informações...

Esther - A questão é complexa. A educação deve ser muito sofisticada e mais participativa, criativa, deve ser uma manifestação de arte. Minha vida mudou

com a educação popular. Paulo Freire foi um iluminado e sua mensagem é muito importante em sociedades em transformação. E tem tudo a ver com a América

Latina. Ele propõe uma nova sociabilidade, que deve ser construída a partir de novas formas de relações sociais. Formas mais democráticas, mais participativas,

comunitárias, solidárias, menos mediadas pelo mercado, e mais mediada pelo lado humano. Mais inclusivas, respeitando o meio-ambiente, e menos preconceituosa.

E que facilitem o desenvolvimento de cada pessoa, que é a condição de desenvolvimento do todo. Quando chegarmos a isso, buscaremos novos objetivos. Não há

fim na história nem na cultura. Enquanto houver pessoas no mundo devemos estar permanentemente discutindo e reaprendendo.

33

En las manos un fuzil, en los pies una bola: una relectura sobre el joven en la novela Inferno de Patricia Melo.

Daiana Nascimento dos Santo

[email protected].

Resumen:

El pretendido trabajo intentará a partir de novela brasileña Inferno de Patricia Melo analizar el escenario violento de las grandes ciudades brasileñas y

principalmente de Rio de Janeiro. De esta manera, intentaremos construir el perfil del joven de la favela, desde su personaje principal, Reizinho. Al mismo tiempo,

plantearemos el tema de las expectativas de este joven que vive en la favela y antes que todo del poder que la criminalidad ejerce sobre los jóvenes sin recursos de la

actualidad.

INTRODUCCIÓN

A partir de los años 70, la violencia en Brasil se fue presentando paulatinamente en las grandes ciudades brasileñas, alcanzando un alto nivel en la

actualidad, produciendo un escenario de miedo, inseguridad y cambios profundos en la población, sobre todo en los jóvenes.

El presente trabajo intentará- a partir de la novela Inferno de la escritora brasileña Patricia Melo- analizar la violencia en la juventud brasileña de bajo poder

adquisitivo presente en las grandes ciudades, a priori se planteará estas perspectivas a partir de esta obra que desarrolla muy bien esta temática.

La novela Inferno es el libro más denso y profundo de Patricia Melo, pues traza un escenario de personajes de Río de Janeiro y narra la historia de José Luis Reis,

más conocido por Reizinho, un chico de 11 años, ex viciado en crack y que posteriormente se torna el jefe del tráfico en el “Morro do Berimbau”.

Es necesario decir que el libro presenta la violencia en varias fases, disfraces e intensidades. Las situaciones de violencia presentadas en la novela se relacionan con

los problemas sociales que son mostrados a lo largo de la narrativa y que se refieren- básicamente- al tráfico de drogas, a la desigualdad social presentes en el

escenario brasileño.

Sin embargo, en el presente trabajo el cuestionamiento apunta a explicar como la violencia se hace presente en la vida del joven y como interfiere en su

formación personal y adulta, produciendo un cambio de manera prematura de la infancia a la etapa adulta. Al mismo tiempo, será planteada la hipótesis de cómo los

factores externos (sociales y familiares) son importantes para la construcción de este joven, inserto en un escenario de violencia.

ISSN 1517 - 5421 34

El presente trabajo será dividido en tres partes: en la primera, se hablará del escenario violento que es presentado en la novela Inferno y en las grandes ciudades

brasileñas; en la segunda, se intentará construir el sujeto joven a partir del personaje Reizinho, hablando de los cambios que suceden en su vida y que afectan su

proceso de formación y que por fin, lo convierte en el líder del tráfico; en la tercera parte, se hablará de cuáles son las expectativas de este joven involucrado en este

escenario violento de Rio de Janeiro y de las grandes metrópolis brasileñas.

EL ESCENARIO VIOLENTODE LAS GRANDES CIUDADES BRASILEÑAS.

A partir de los años 70 del siglo pasado, Brasil se configuró efectivamente como una nación capitalista y moderna, aunque con un alto nivel de desigualdad

social. Sin embargo, el buen crecimiento económico de la década de 70, proveniente de la propaganda de la dictadura militar, atrajo millones de trabajadores rurales

para los grandes centros urbanos con esperanzas de una vida mejor. No obstante, algunos de estos se integraron a la vida urbana, pero otros, fueron vivir en favelas

que fueron surgiendo en larga escala en las grandes metrópolis brasileñas. En las décadas de 1980 y 1990, las cifras de crecimiento económico bajaron

significativamente, no permitiendo la integración de los sectores más pobres al desarrollo nacional.

En esta perspectiva, se generaron problemas sociales y de valores que produjeron inseguridad en los senos familiares brasileños, sustituyendo sus códigos

patriarcales a nuevos comportamientos y expectativas correspondientes al medio urbano y capitalista.

Así, nuevos códigos pasaron a hacer parte de esta nueva generación de las grandes ciudades.

De esta manera, en la novela Inferno se presenta una sociedad inestable, violenta y en un caos profundo que se va revelando en la familia y en la sociedad.

Para Muniz Ferreira, la familia está perdiendo su fuerza y función social en la sociedad actual, pues se están cambiando los valores tradicionales por otros códigos

que contribuyen a la desestabilización familiar. Se puede percibir este fenómeno en la novela estudiada, pues los lazos familiares de la familia de Reizinho se

deshacen a todo momento, ya que hay una inestabilidad en este relacionamiento, sobre todo en las relaciones frágiles que son presentadas: la madre que lo agredía

físicamente, la ausencia y el deseo de conocer a su padre y también en las relaciones deficientes con su hermana y su abuela. En su caso, estos hechos fueron

esenciales para que él se involucrase con la banda de droga de la favela en que vivía.

De esta manera, a lo largo de la novela se va presentando como está la sociedad actual en las grandes metrópolis brasileñas y la enorme violencia emergente

de los problemas sociales del pasado que se reflejan en la actualidad. Es necesario señalar que los actos violentos presentados en la dicha novela, se reflejan en las

necesidades sufridas por la población, en el abandono del Estado, la pérdida de la niñez, en el embarazo precoz y en el caso de Reizinho, la lucha por su vida. Estos

elementos están relacionados en un ambiente violentado por la mentira, traición, vicios, corrupción que a larga escala hace parte del escenario social vivido por los

moradores de las favelas de Rio de Janeiro y de otras grandes ciudades brasileñas, que sufren con el avance de la violencia y el olvido de las autoridades que los

ISSN 1517 - 5421 35

consideran como sujetos sin importancia, proporcionando así el creciente poder de los traficantes y de las bandas de drogas para con estas personas que viven en las

favelas. En el escenario de Inferno, el Estado no cumple con sus obligaciones: salud, escuela, seguridad, habitaciones; pues falla como institución, dejando a cargo

de una manera indirecta, ciertas obligaciones para las bandas de drogas. Sin embargo, estos sujetos se aprovechan de esta ausencia del Estado y de esta carencia para

dictar sus propias leyes e intenciones, actuando- según sus planes- en territorio que la policía no tiene espacio y el Estado no escucha la voz de los que ahí viven. Así,

las bandas de drogas gana la simpatía, el respecto y la fidelidad de los que ahí viven y que frecuentemente son ayudados por ellos. Esto se puede ver en el fragmento

abajo, luego después de una confrontación entre la policía y las bandas de drogas:

Quando entrevistados, os moradores apoiavam seus líderes. Estamos com o Zequinha, diziam. O Zequinha, para nós, é um homem de ouro, declarara uma

entrevistada. Bom coração. Ele que paga os remédios do meu rim. Eu gosto do Miltão, afirma outra, porque ele faz tudo o que um prefeito deveria fazer. As críticas,

quando apareceriam, não possuíam alvos.

De esta manera, lo que se ve es una total falencia de la policía y del Estado, pues ambos fallan como institución y se muestran incapaces de detener los

hechos que suceden en las favelas brasileñas, poniendo a la población en constante miedo e inseguridad. Luego, Patricia Melo afirma que:

O Brasil conhecia todos os detalhes das batalhas sangrentas por meio de artigos como aqueles e das reportagens de TV, que divulgavam com destaque imagens de

corpos esquartejados, mutilados, carbonizados, cemitérios clandestinos e traficantes em poses de herói, disparando suas metralhadoras para o alto.

En la verdad, lo que se ve claro es una especie de guerra civil no declarada que se desarrolló a partir de los años 70 y que ahora se encuentra en su ápice,

proporcionando escalas aún más grandiosas de violencia para la sociedad brasileña de la actualidad, ofreciendo un escenario de inseguridad y miedo para todos.

LA CONSTRUCCIÓN DEL SUJETO JOVEN DE LA FAVELA.

Al tratar del sujeto joven en el escenario violento de las grandes ciudades brasileñas, es necesario decir que hay una ruptura en la formación de este sujeto, ya

que el propio ambiente contribuye con estos cambios. Briceño-Leon afirma que los adolecentes se encuentran en una etapa de construcción de identidad y esto los

hacen más vulnerables a las influencias del medio en que viven, agrega aún, que hay un cambio en estos adolecentes que ya no quieren ser más niños y sí, hombres.

Tales afirmaciones se pueden identificar en el personaje Reizinho, ya que desde temprana edad él ya trabaja para la banda de drogas de la favela en que vive. Es

necesario decir que al principio él desarrollaba un servicio de vigilante para Miltão, el líder de la banda de drogas de la favela en que vivía, pero por un desliz suyo,

éste se ve punido por Miltão y luego, fuera de la banda, debe ser agregado que por pedido de su madre, Miltão no lo aceptó más en su organización.

Sin embargo, para Reizinho el trabajo para Miltão, era algo que deseaba mucho y que le afirmaba como alguien, pues él vía un cierto status y ventajas para

aquellos que trabajaban para los traficantes y se sentía mal por no ser parte de esta organización. Al mismo tiempo, es incentivado por su hermana a trabajar para el

ISSN 1517 - 5421 36

tráfico, pues así, él podría tener poder y ser respetado: “Você quer minha opinião? Melhor o tráfico, melhor o Miltão. Muito melhor. Isso mesmo, volte para o

Miltão. Seja alguém. Ganhe uma metralhadora e mostre para eles”.

Al hablar del poder que el arma representa, Briceño-Leon señala que este objeto es referencial para la masculinidad y coraje que los jóvenes quieren mostrar.

Sin embargo, no son dichos los problemas y riesgos que vienen junto con el arma en las manos de los jóvenes. Para Reizinho era necesario su participación en el

tráfico para su afirmación como alguien, pues los trabajos para las bandas de drogas, le permitiría esto, a priori, su comportamiento lo lleva a las drogas, tornándose

en poco tiempo adicto de crack.

No obstante, es necesario señalar que la banda de drogas asume una postura que relacionase con el poder representado por Miltão y que desarrolla un papel

significativo para la vida de Reizinho, pues este ejerce un papel de salvación en su vida, aceptándolo en la banda de drogas, a pedido de su madre, al fin de que él se

mantuviera lejos de las drogas. Es importante señalar que para Reizinho la banda de drogas representa un ideal de fuerza, de poder, reconocimiento y respeto de los

demás para con aquellos que trabajaban con los traficantes. Para Muniz Sodré, el grupo proporciona un pasaje de la niñez para la vida adulta y ésto seduce el

adolescente.

En el caso de Reizinho se puede agregar aún que su familia presenta relaciones frágiles que se deshacen a todo instante, revelando lo que Muniz Sodré

denominó como “ la muerte simbólica de los padres”, pues éstos pierden su importancia que luego es transferida a las derivaciones grupales, en dicho caso, de las

bandas de drogas.

Por fin, lo que se ve son jóvenes con relaciones problemáticas con sus familiares, sin sueños y al mismo tiempo víctima y victimario del escenario violento

en que está insertado, pues la violencia ya forma parte de su vida cotidiana, donde el mejor camino percibido por ellos es el de las bandas de drogas, pues les asegura

poder, dinero y posición en la favela. De esta manera, se puede percibir que las experiencias significativas para este sujeto joven de las favelas son las que están

involucradas con su vida arriesgada y casi siempre corta, pues normalmente no tienen otra referencia.

3-LAS EXPECTATIVAS DEL JOVEN DE LA ACTUALIDAD.

Al abordar el tema de la violencia urbana en el universo juvenil de las favelas, es necesario decir que estas nuevas generaciones provenientes de las clases

más pobres, viven sin esperanzas y sueños para su futuro. Cuando se habla de las expectativas del joven, estamos hablando de jóvenes pobres que conviven con un

escenario violento, pobre y casi siempre sin oportunidades para cambiar este cuadro. Esto puede ser identificado en el fragmento abajo, cuando la madre de Reizinho

recuerda un dialogo que mantuvo con su hija, Carolaine, el cual presenta la falta de expectativas en la vida de la gente pobre:

ISSN 1517 - 5421 37

Conhecia a vida, as coisas simplesmente não acontecem para nós, dizia. Foi até o portão, nunca vingavam, coisas boas, Carolaine não havia chegado do

curso de computação. Coisas ruins aconteciam a toda hora. Meninas estupradas. Meninas grávidas. Meninas que se envolviam com os traficantes.

En el fragmento anteriormente citado, se puede percibir la ausencia de expectativas de una vida mejor, pues nos parece que ser honesto en este ambiente

presentado en la novela estudiada es ser un sujeto desubicado y derrotado en el mundo actual, ya que la vida de estos personajes es un conjunto de dificultades y

violencia frecuente. En relación a los jóvenes, ellos están en constante busca de la autoafirmación de su identidad y también como sujeto en este ambiente violento

en que viven, a priori estos problemas los llevan a refugiarse en las drogas o en la delincuencia actuando como un desafío a la sociedad en que viven, aunque actúen

produciendo una autodestrucción de sí mismo; esto se puede ver en el fragmento abajo, cuando el personaje Reizinho andaba sin rumbo por la calles cariocas,

alimentándose solamente de su vicio:

Reizinho não pensaba em voltar para casa. Fazia quatro días que vivía nas ruas, andando, o dinheiro no bolso, largado nas praças e embaixo dos viadutos,

fumando, indo à Praia, frequentando fliperamas, fumando, dormindo em qualquer lugar. Comprava pedras aos montes, nunca consumirá tanto quanto naqueles días.

De esta manera, hay una deficiencia de las relaciones concretas que se reflejan el abandono de sí mismo, en la falta de sueños y esperanzas de una vida mejor, lo que

hace que este joven busque refugio en las drogas con el instinto de sanar las privaciones y ausencias de su vida. En esta perspectiva, Muniz Sodré señala que la droga

simula el vacío provocado por su existencia, actuando erróneamente con el objeto o el sujeto que no está ahí para este joven.

Al mismo tiempo, es necesario plantear el efecto que la falta de oportunidad le provoca, pues estas personas están insertadas en un medio donde las cosas no

acontecen para ellos, los sueños son interrumpidos, los niños son convertidos en hombres, abandonando sus juegos infantiles por un arma, ya que luego son

reclutados para trabajar en las bandas de drogas con el pensamiento de adquirir dinero y poder en la favela; Reizinho reflexiona sobre su condición social y piensa:

Bom nascer rico. Reizinho ganhava salário mínimo. Aquela merreca. Trabalhar oito horas por dia para receber “aquele coco mensal”, como dizia para Fake. Quando

era olheiro, trabalhava menos e recebia mais. Se fosse avião receberia mais ainda. Se fosse soldado de boca, mais e mais. Quanto ganha um gerente de boca? Muito

mais. E se tomasse conta do morro, teria muito dinheiro. Se aumentasse seus pontos-de venda, se aumentasse o estoque de fuzis e metralhadoras, mais homens e

granadas, cresceria, expadiria, seria rico, porra, praticamente rico.

De esta manera, se puede decir que los caminos propuestos por el trabajo y los estudios ya no ejercen influencia en estos jóvenes, pues se muestran frágiles e

inoperantes, a priori, ellos no sanan rápidamente las carencias que son presentadas en su cotidianidad, haciendo de ellos, sujetos a margen de la sociedad capitalista y

desigual en que están involucrados, ya que para ellos las referencias son de sujetos cercanos a su vida diaria y este es el universo que conocen, pues lo que está

afuera, se presenta como enemigo o ajeno a su realidad.

ISSN 1517 - 5421 38

En la novela Inferno, los moradores de la favela reconocían en los jefes de las bandas de drogas, una persona que les ayudaba, cuidaba a la favela y mantenía el

orden dictando sus leyes e intercambiando favores, pues en este escenario la presencia del Estado casi no existe. Así, ellos son vistos como defensores de los más

pobres por los moradores y como sujetos valientes y fuertes por los niños y adolecentes, a priori, esto seduce a los jóvenes a participar de estas bandas, pues ellos

también quieren hacer parte del universo que el trafico produce que está vinculado a mucho dinero, muchas mujeres, gratitud por las personas de la favela y la

posibilidad de comprar lo que desean. Esto se refiere en la fascinación que estos elementos favorecen en estos sujetos, pues se muestra como una posibilidad de

cambio de vida y mejores condiciones para sí y para su familia.

Así, en la novela estudiada podemos ver que la desigualdad social del pasado se refleja asustadoramente en el ambiente de las favelas produciendo un

universo de inconstancias y pérdidas para los que ahí viven, sobre todo para los jóvenes. Es importante señalar que las necesidades básicas, el deseo de consumo y

las crecientes exigencias del mundo globalizado, hacen que los jóvenes estén fuera de las escuelas, pues ya no creen más en la educación y empiezan a trabajar desde

temprana edad, abandonando los estudios para siempre y lanzándose deficientemente en el mercado laboral. No obstante, ellos no presentan un perfil para

desarrollarse profesionalmente, porque no han accedido a la educación, restando solo el camino de la delincuencia, que se presenta como el camino más lucrativo y

rentable para estos jóvenes.

De esta manera, la delincuencia se muestra como el camino más fácil para adquirir lo que le fue negado por su mala condición social, esto se refleja en la

violencia creciente de las grandes ciudades brasileñas y que afecta asustadoramente a todos los que ahí viven, a priori, es necesario decir que la violencia no está

relacionada con la pobreza, pues las áreas más pobres no son las más violentas, este hecho se refleja en los elementos de ordenes sociales que en Brasil se viene

presentando desde los años 80 y que se extiende largamente hasta los días actuales, generando más exclusiones, más desigualdades y más violencia juvenil.

Finalmente, es importante señalar que estos jóvenes aparecen sin esperanzas y cambios para su vida futura, pues las expectativas y los sueños les son negados, configurando como sujetos excluidos del desarrollo nacional y así, se consideran incapaces de integrarse a esta sociedad capitalista y desigual en que viven. CONCLUSIÓN

El presente trabajo intentó mostrar desde la novela Inferno de Patricia Melo como se presenta el escenario violento de la ciudad de Rio de Janeiro y de las

grandes metrópolis brasileñas. Así que fue planteado sobre cómo se dio los primeros señales de la violencia en las grandes ciudades y también como la creciente

desigualdad social atinge a millones de brasileños que viven en las favelas, sin condiciones de acceder a una vida mejor.

En esta perspectiva fue dicho como se encuentra los jóvenes de bajo poder adquisitivo y que viven en las favelas, desde el personaje Reizinho que fue citado

a lo largo del trabajo como ejemplo de cómo se encuentra los jóvenes que conviven como el trafico y la violencia común y corriente de su ambiente habitacional. Al

ISSN 1517 - 5421 39

mismo tiempo, se fue presentando cuáles son las expectativas de este sujeto joven, sus sueños y cómo les son sacados, pues lo que fue visto, a priori, es que son

privados de esperanzas de días mejores, pues la situación en que viven no contribuyen para que reflexionen distintamente.

Así mismo, es necesario decir que en este trabajo se puede percibir que la desigualdad social y los incentivos al consumo exacerbado hacen que estas

personas sean víctimas de las injusticias del mundo globalizado en que estamos insertos y que afecta enormemente a las generaciones brasileñas más pobres,

generando la violencia y la delincuencia juvenil como respuesta a las privaciones de que son víctimas.

Finalmente, es necesario agregar aún que este trabajo es importante para los estudios sobre la violencia y delincuencia juvenil en las metrópolis brasileñas;

sobre todo, se intenta llamar la atención de cómo este factor se están tornando aún peor y de cuáles son los problemas que están presentes en esta juventud de un país

dividido entre pobres y ricos que está viviendo una guerra civil no declarada, donde los más pobres son víctimas del sistema opresor y también de las bandas de

drogas, llevando a la reflexión de cómo se encuentra el escenario brasileño de la actualidad que se presenta en proporciones grandiosas con el pasar del tiempo.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS Fuente Primaria: MELO. Patricia. Inferno. São Paulo: Companhia das Letras, 2003 Fuentes Secundarias: MUNIZ , Sodré: Sociedade, mídia e violencia. Porto Alegre, Sulinas, 2004. CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estrategia para entrar y salir de la modernidad. Buenos Aires: Paidós, 2001. Briceño-León, Roberto: La nueva violencia urbana de América Latina http://www.scielo.br/pdf/soc/n8/n8a03.pdf Sheila Candelario :Violencia, globalización y literatura: O el dilema del Eterno Retorno en El Salvador http://www.denison.edu/collaborations/istmo/n08/articulos/violencia.html Villa Moral Jiménez, María de la: Jóvenes, violencia y tribalidad urbana como forma emergente de identidad difusa http://www.psico.uniovi.es/REIPS/v2n1/art2.html

ISSN 1517 - 5421 40

VITRINE

SUGESTÃO DE LEITURA

O PÓS-MODERNO

JEAN-FRANCOIS LYOTARD José Olympio Editora

RESUMO: Publicado na França ainda em 1979, Lyotard leva adiante o projeto de acelerar a decadência da idéia de verdade, pelo menos tal como ela é entendida por algumas correntes da filosofia moderna. Com o termo Pós-Moderno, pretende antes de tudo designar o conjunto das transformações ocorridas nas regras do jogo da produção cultural e que marcam o advento das sociedades pós-industriais. Sua preocupação básica não é a de avaliar todo o conjunto das modificações sofridas pela herança cultural deixada pelos modernos, mas sim a de avaliar as condições do saber produzido nas sociedades mais avançadas, muito particularmente as condições do saber científico e seu suporte tradicional, a universidade SUMÁRIO: O campo: o saber nas sociedades informatizadas: O problema: a legitimação: O método: os jogos da linguagem: A natureza do vínculo social: a alternativa moderna; a natureza do vínculo social: a perspectiva pós-moderna; pragmática do saber narrativo; pragmática do saber científico: A função narrativa e a legitimação do saber; Os relatos da legitimação do saber; A deslegitimação; A pesquisa e sua legitimação pelo desempenho; O ensino e sua legitimação pelo desempenho; A ciência pós-moderna como pesquisa de instabilidade; A legitimação pela paralogia Áreas de interesse: Literatura, Filosofia, História.