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CA ij SERIE LEITURAS JURÍDICAS PROVAS E CONCURSOS DIREITO ECONÔMICO Volume 29 Vicente Bagnoli 3- Edição Data de fechamento desta edição: 17-6-2008 SAO PAULO EDITORA ATLAS S.A. - 2008

Vicente Bagnoli - Direito Econômico - 3º Edição - Ano 2008

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SERIE LEITURAS JURÍDICAS

PROVAS E CONCURSOS

DIREITO ECONÔMICO

Volume 29

V icente Bagnoli

3- Edição

Data de fechamento desta edição: 17-6-2008

SAO PAULO EDITORA ATLAS S.A. - 2008

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© 2005 by Editora Atlas S.A.

1. ed. 2005; 2. ed. 2006; 3. ed. 2008

Composição: Formato Serviços de Editoração S/C Ltda.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Bagnoli, Vicente

Direito econômico / Vicente Bagnoli. - 3. ed. - São Paulo : Atlas, 2008. - (Série leituras jurídi­cas: provas e concursos ; v. 29)

Bibliografia.

ISBN 978-85-224-5191-3

Revista e atualizada de acordo com a Lei Complementar n2 123/06 e com as Leis nH 11.417/06,11.445/07 e 11.448/07.

1. Direito administrativo 2. Direito administrativo - Brasil 3. Direito administrativo - Con­cursos - Brasil I. Título. II. Série.

05-7992 CDU-34:33

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei na 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n2 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

Impresso no Brasil/Prinfed in Brazil

|ítejEditora Atlas S.A.Rua Conselheiro Nébias, 1384 (Campos Elísios) 01203-904 São Paulo (SP)Tel.: (0__11) 3357-9144 (PABX)www.EditoraAtlas.com.br

índice para catálogo sistemático:

1. Direito econômico 34:33

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Ao meu pai, Vicente Renato, que construiu e desempenha sua brilhante carreira profissional e acadêmica para o bem-estar da saúde humana, exemplo de que a seriedade, a determinação, a ética e a fé são elementos necessários para se conquistar algo verdadeiramente valioso - atender e auxiliar o próximo -, dedico este trabalho.

À minha família, alicerce da minha formação, presente em todos os momentos da minha vida, dádiva que Deus me proporcionou, agradeço por tudo.

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“A atividade econômica, em particular a da economia de mercado, não se pode realizar num vazio institucional, jurídico e político. Pelo contrário, supõe segurança no referente às garantias da liberdade individual e da propriedade, além de uma moeda estável e serviços públicos eficientes. A principal tarefa do Estado é, portanto, a de garantir esta segurança, de modo que quem trabalha e produz possa gozar dos frutos do próprio trabalho e, conseqüentemente, sinta- se estimulado a cumpri-lo com eficiência e honestidade. A falta de segurança, acompanhada pela corrupção dos poderes públicos e pela difusão de fontes impróprias de enriquecimento e de lucros fáceis fundados em atividades ilegais ou puramente especulativas, é um dos obstáculos principais ao desenvolvimento e à ordem econômica.”

Centesimus Annus, Carta Encíclica do Papa João Paulo II, 6. ed. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 89.

"Quando um povo é durante muito tempo governado por autoridades injustas, todo ele acaba encarando a injustiça como ‘ordem’.”

Salmo 125 - Comentário 3°, Bíblia Sagrada. São Paulo: Paulus, 2002, p. 813.

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Sumário

Nota, xi Introdução, 1

1 Introdução ao Direito Econômico, 31.1 O surgimento do direito econômico, 3

1.1.1 A Primeira Guerra Mundial, 31.1.2 A República de Weimar, 61.1.3 A Constituição da República de Weimar, 71.1.4 A constituição econômica de Weimar, 81.1.5 Crise na república: fim de Weimar e ascensão do

Nazismo, 121.1.5.1 A crise da Bolsa de Nova York e a vitória do

nacional-socialismo, 131.1.5.2 O estado total no pós-Weimar, 16

1.2 O direito econômico, 171.3 Conceito de direito econômico: sujeito e objeto, 181.4 Ordem jurídico-político-econômica, 221.5 Política econômica, 241.6 Teorias do direito econômico, 261.7 Direito econômico e direito da economia: análise econômica

do direito e os princípios da economicidade e eficiência, 281.8 Direito econômico: fronteira entre público e privado, 311.9 Direito administrativo econômico, 32

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v i i i Direito Econômico

2 Direito Constitucional Econômico, 342.1 A constituição econômica, 342.2 Normas programáticas, 362.3 Fontes do direito econômico, 372.4 Leis em direito econômico, 382.5 As constituições econômicas no Brasil, 39

2.5.1 Constituição de 1824, 392.5.2 Constituição de 1891, 412.5.3 Constituição de 1934, 422.5.4 Constituição de 1937, 442.5.5 Constituição de 1946, 472.5.6 Constituição de 1967, 50

3 A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988, 533.1 Aspectos gerais da constituição econômica, 533.2 Princípios gerais da atividade econômica, 62

3.2.1 Art. 170: Ordem Econômica, 623.2.2 Soberania nacional, 643.2.3 Propriedade privada, 653.2.4 Função social da propriedade, 653.2.5 Livre concorrência, 653.2.6 Defesa do consumidor, 663.2.7 Defesa do meio ambiente, 663.2.8 Redução das desigualdades regionais e sociais, 673.2.9 Busca do pleno emprego, 673.2.10 Tratamento favorecido para as empresas de pequeno

porte, 683.2.11 Livre exercício da atividade econômica, 683.2.12 Arts. 171 e 172, 683.2.13 Arts. 173 e 174: atuação do Estado no domínio

econômico, 703.2.14 Arts. 175 a 181: outras formas de atuação do Estado

no domínio econômico, 743.2.15 Art. 219: mercado interno, 743.2.16 Arts. 182 e 183: política urbana, 753.2.17 Arts. 184 a 191: política agrícola, fundiária e reforma

agrária, 753.2.18 Art. 192: sistema financeiro nacional, 76

4 Atuação do Estado no Domínio Econômico, 794.1 A empresa e o direito econômico: teoria da empresa, 79

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Sumário IX

4.2 Teoria geral da regulação, 834.3 Agências reguladoras: a regulação econômica, 86

4.3.1 Surgimento das agências reguladoras, 884.3.2 Agências reguladoras no Brasil, 904.3.3 Características das agências reguladoras, 924.3.4 Agências reguladoras em espécie, 103

4.3.4.1 ANATEL, 1044.3.4.2 ANP 1054.3.4.3 ANVISA, 1064.3.4.4 ANS, 1074.3.4.5 ANA, 1084.3.4.6 ANTAQ, 1084.3.4.7 ANTT 1094.3.4.8 ANEEL, 1104.3.4.9 ANCINE, 1114.3.4.10 DAC/ANAC, 1114.3.4.11 BACEN, 1134.3.4.12 SUSEP, 113

4.3.5 Observações finais acerca das agências reguladoras, 114

4.4 Parcerias Público-Privadas (PPPs), 1174.5 Atividade econômico-privada dos entes públicos, 123

4.5.1 Empresa pública, 1244.5.2 Sociedade de economia mista, 126

Direito da Concorrência, 1285.1 Conceitos e fins do direito da concorrência, 1285.2 Conceito de mercado relevante, 137

5.2.1 Mercado relevante material, 1385.2.2 Mercado relevante geográfico, 1415.2.3 Mercado relevante temporal, 144

5.3 Tipos de mercado, 1455.3.1 Mercados perfeitamente competitivos, 1455.3.2 Mercados imperfeitamente competitivos, 146

5.3.2.1 Mercados oligopolizados, 1475.3.2.2 Mercados monopolizados, 1485.3.2.3 Monopsônios e oligopsônios, 149

5.4 Conceito de poder econômico e seu abuso, 1505.4.1 Poder econômico (poder de mercado) e posição

dominante (participação de mercado): distinção, 150

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X Direito Econômico

5.4.2 O poder econômico no mercado e seus reflexos na concorrência, 153

5.5 Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, 1555.5.1 Conselho Administrativo de Defesa Econômica

(CADE), 1565.5.2 Secretaria de Direito Econômico (SDE), 1585.5.3 Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE),

1605.6 Lei n2 8.884, de 11 de junho de 1994, 161

5.6.1 Enfoque estrutural da lei (atos de concentração), 1635.6.2 Enfoque repressivo da lei (condutas

anticoncorrenciais), 1735.6.2.1 Crimes à ordem econômica, 178

6 Ordem Econômica Internacional, 1826.1 Ordem econômica internacional, 1826.2 Globalização, 1876.3 Integração, 193

6.3.1 União Européia, 1946.3.2 Mercosul, 1976.3.3 UNASUL, 2006.3.4 TIAR, OEA, CEPAL, ALALC, MCCA, Pacto Andino,

CAN, ALADI, NAFTA, CARICON, CAFTA, 2016.3.5 ALCA, 202

7 Noções de Economia Aplicadas ao Direito Econômico: Breve Introdução à Economia, 2087.1 Introdução à economia, 208

7.1.1 Noções gerais, 2087.1.2 Breve histórico do pensamento econômico, 2127.1.3 Alguns conceitos econômicos, 2197.1.4 Conceitos econômicos complementares, 226

7.2 Eficiência econômica, 2277.3 Teorias microeconômica e macroeconômica básicas, 231

Questões, 235

Bibliografia, 255

índice remissivo, 263

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Nota

A série Leituras Jurídicas foi elaborada com o objetivo de pro­porcionar ao estudante e ao profissional de direito um estudo completo, atualizado e didático sobre as diversas áreas

jurídicas. Os autores selecionados, com vasta experiência acadê­mica e profissional, oferecem ao leitor visão moderna do tema desenvolvido, conforme sua atuação profissional e acadêmica. São especialistas, mestres e doutores com atuação na Magistratura, Ministério Público, Advocacia e Procuradoria, familiarizados com as dúvidas e anseios dos profissionais da área jurídica, estudan­tes, candidatos a concursos públicos e ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil.

Para o desenvolvimento de cada tema, o autor, utilizando-se de linguagem acessível, sem prejuízo de conteúdo, esteve atento às grades curriculares dos cursos de graduação, aos programas e questões de concursos públicos e exame de Ordem, observando as orientações jurisprudenciais dos Tribunais Superiores.

Ao mesmo tempo em que é fonte de consulta para o esclare­cimento de dúvidas e revisão da matéria, a obra poderá, também, orientar e direcionar o leitor que está iniciando seus estudos jurídicos.

Boas Leituras!

Editora Atlas

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Introdução

Cada vez mais, o estudo do Direito Econômico se revela ne­cessário aos operadores do Direito, seja na atividade pro­fissional, seja na atividade acadêmica. O militante do Direito não

se limita mais às questões estritamente legais. O conhecimento interdisciplinar das matérias jurídicas e a interface com as Ciências Sociais e, sobretudo, Econômicas exigem a noção de conjunto, pois só assim o profissional do Direito estará atento e apto a atuar na realidade jurídico-econômica que interfere diretamente no cotidiano de pessoas e Estados.

O estudo do Direito Econômico rompe as barreiras nacionais do relacionamento jurídico entre os indivíduos e se expande à esfera da relação internacional entre nações, revelando-se a disci­plina jurídica necessária para se interpretar o dia-a-dia dos fatos da vida pessoal, seus reflexos na convivência nacional e internacional, trazendo com isso a questão da globalização.

A tem ática do Direito Econômico exige do seu estudioso a análise da intervenção do Estado na ordem econômica, seja como agente econômico, seja como fiscalizador, a fim de orga­nizar a política econômica do Estado e evitar o abuso do poder econômico.

Este livro está dividido em sete capítulos, quais sejam: (i) Introdução ao Direito Econômico; (ii) Direito Constitucional

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Econômico; (iii) A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988; (iv) Atuação do Estado no Domínio Econômico; (v) Direito da Concorrência; (vi) Ordem Econômica Internacional; e (vii) Noções de Economia Aplicadas ao Direito Econômico: Breve Introdução à Economia, que em conjunto permitem amplo conhe­cimento acerca do Direito Econômico e dos elementos básicos das Ciências Econômicas para o estudante ou operador do Direito.

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Introdução ao Direito Econômico

1.1 O surgimento do direito econômico

Ao analisar o surgimento do Direito Econômico, percebe-se que sua origem corresponderia às diversas situações que esta- riam ligadas à crise do direito tradicional, decorrência de grandes guerras e ainda da intervenção do Estado no domínio econô­mico.

Certamente, diante dessa realidade se percebem diversas ocorrências no decorrer da história em que o Estado ocupou-se em atuar na economia de forma jurídica. Contudo, para interpretar o surgimento de um novo direito (o Direito Econômico), faz-se necessário verificar em qual momento histórico inicia-se a juri- dicização da política econômica para reconhecer o Direito Econô­mico como disciplina autônoma.

Para tanto, nada mais apropriado do que estudar, ainda que sucintamente, a República de Weimar e seu legado.

1.1.1 A Primeira Guerra Mundial

Com a criação de novas indústrias e o crescimento dos in­tercâmbios internacionais, a economia do continente europeu

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vivia constantes progressos, mas aos poucos as grandes potências européias começavam a disputar os territórios disponíveis. En­tende-se tal fato com o imperialismo dos anos d e l 8 7 1 a l 9 1 4 e as relações internacionais dessa época.

Escreve Hannah Arendt (2004, p. 178):

"As depressões dos anos 60 e 80 [do séc. XIX], que deram início à era do imperialismo, forçaram a burguesia compreender pela primeira vez que o pecado original do roubo, que séculos antes tornara possível o ‘original acúmulo de capital' (Marx) e gerara todas as acumulações posteriores, teria eventualmente de ser repetido, a fim de evitar que o motor da acumulação parasse de súbito. Diante de tal perigo, que ameaçava a nação inteira com um colapso catastrófico da produção, os produtores capitalistas compreenderam que as formas e leis do seu sistema de produção 'haviam desde o início sido previstas para toda a terra’" (inseriu- se o colchete).

Enquanto a Inglaterra destacava-se por ser a maior detentora de capitais, a França dispunha de importantes formas de pressão, decorrência de seu poder econômico sobre diversos Estados. Di­ferentemente da Rússia, da Itália e do Império Austro-Húngaro, que não tinham condições de com bater a hegem onia franco- britânica, a Alemanha, com o desenvolvimento de sua indústria exportadora, despontou como nação a oferecer uma concorrência equilibrada às demais potências. Mas os europeus também ti­nham dois novos concorrentes, um vindo da América e outro do Oriente. Os Estados Unidos da América e o Japão, em razão dos seus consideráveis progressos econômicos e das fortes marinhas de guerra, passavam a ter im portante participação dentro de alianças e conferências.

O crescimento armamentista no início de 1914 sinalizava que a paz era precária. No dia 28 de junho desse mesmo ano estoura a crise, com o assassinato, em Sarajevo, do arquiduque herdeiro do Império Austro-Húngaro, Francisco Ferdinando. Com esse fato, o Imperador da Áustria tentou eliminar a influência sérvia nos Bálcãs, atitude endossada pela Alemanha, que em 3 de agosto declara guerra à França. A Inglaterra, temerosa de que França e

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Rússia não conteriam a ameaça de uma possível hegemonia alemã, e assim perigosa aos interesses britânicos e ao equilíbrio europeu, interfere no conflito em 4 de agosto.

Inicia-se a Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918) com França, Rússia, Inglaterra, Sérvia e Bélgica (Entente) contra a Alemanha e o Império Austro-Húngaro. Com o decorrer dos tempos, outros países vão se envolvendo no conflito.

Evidentemente, os armamentos para os beligerantes tinham grande importância, o que levou as nações a mobilizarem suas indústrias, representando uma verdadeira intervenção do Estado na economia.

Conforme escreve Paula A. Forgioni (1998, p. 77),

"já no primeiro quartel do século XX têm lugar alguns aconteci­mentos que modificam a postura do Estado em face da regula­mentação e condução da economia. Em 1914, inicia-se a Primeira Grande Guerra. Os Estados vão divisando que, como disse Com- parato, as guerras não se ganham apenas nos campos de batalha. Verifica-se, pois, uma atuação no sentido de organizar a economia, direcionando-a para a guerra. Um surto de regulamentação estatal da atividade econômica se faz presente, não obstante tenha sido julgado por muitos como temporário e eventual”.

Os bancos credores dos países da Entente exercem grande pressão na política do presidente norte-americano Wilson, que, com a destruição de navios de guerra de bandeira estadunidense, intervém no conflito em 2 de abril de 1917, defendendo a "liber­dade e a democracia”.

Em meio à guerra, despontam correntes pacifistas, na Suíça, por exemplo, onde socialistas, como Lênin, defendiam a subordi­nação de tudo à causa da revolução proletária, já que a luta pela paz seria apenas a luta pela realização do socialismo. Somavam-se a essas correntes pacifistas ideais de sindicalistas na Alemanha, na França e, principalmente, na Rússia. Com o tempo vão desen­cadear greves.

A desagregação das potências ligadas à Alemanha, em razão de movimentos revolucionários internos, e a ameaça da ofensiva

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aliada contribuem para o enfraquecimento desses países. Em 9 de novembro de 1918, com a abdicação de Guilherme I, é procla­mada, em Berlim, a República Alemã. O novo governo, logo em11 de novembro do mesmo ano, assina em Rethondes um armis­tício, pondo fim à Primeira Guerra Mundial.

1.1.2 A República de Weimar

Antes mesmo da celebração do armistício, a Alemanha foi palco de diversas disputas internas que culminaram com a Re­pública de Weimar. Ainda em outubro de 1918, os marinheiros de guerra não acatam a ordem para se lançarem ao mar em uma espécie de batalha final e rapidamente a grande maioria das forças navais adere à revolta. Outro episódio foi a tentativa do Kaiser Guilherme I em salvar sua dinastia, fosse com a nomeação de seu filho, Max Baden, chefe de governo, fosse com a permanência tão-somente como rei da Prússia.

Dias antes do armistício de 11 de novembro de 1918, pro­clama-se na Baviera, na noite de 7 de novembro, uma República Democrática e Socialista por meio dos partidos de esquerda mais radicais, em especial o Spartakus, de Karl Liebknecht e Rosa Lu­xemburgo. Em conseqüência, os representantes do MSPD, partido socialista alemão, retiram-se do governo e convocam uma greve geral que culmina com a abdicação do imperador e a designação de Friedrich Ebert para chanceler. Aos 9 de novembro, o também membro do MSPD, Philip Scheidemann, proclama a República do balcão da chancelaria de Berlim. Sob a chefia de Friedrich Ebert, constitui-se o Conselho dos Delegados do Povo.

O governo provisório era integrado por representantes de diversos partidos, que apresentavam objetivos político-constitu- cionais distintos. Assim, o MSPD apresentava-se favorável à convocação de uma assembléia nacional constituinte para com isso estabelecer uma democracia parlamentar. Já o Partido So­cial Democrático Independente (USPD) defendia a im ediata proclamação da ditadura do proletariado e da socialização total da economia, descartando qualquer constitucionalização formal da República.

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No final de 1918, já com uma nova lei eleitoral, realizam-se eleições para formar o congresso dos representantes das provín­cias imperiais, que, eleito, vota em janeiro de 1919 pela convoca­ção da assembléia nacional constituinte. Dias antes, entretanto, após combates nas ruas de Berlim entre as forças policiais e os militantes do partido de esquerda Spartakus, ocorre a prisão e execução de seus líderes Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, en­fraquecendo significativamente o movimento esquerdista alemão. Em fevereiro de 1919, ocorrem as eleições constituintes, com os partidos socialistas obtendo 185 das 414 cadeiras.

1.1.3 A Constituição da República de Weimar

O fim da Primeira Guerra Mundial coincide com o surgi­mento da Primeira República Alemã, instituída pela constituição elaborada e votada na cidade da Saxônia, Weimar.

O momento histórico, portanto, não era nada favorável, ou seja, o pós-guerra para uma nação derrotada e submetida às im­posições dos vencedores.

Conforme escreve Gilberto Bercovici (2004, p. 26),

“a Constituição de Weimar era um compromisso politicamente aberto de renovação democrática na Alemanha. O difícil em sua análise não é dem onstrar suas incoerências, mas definir qual seria a saída satisfatória no contexto complexo e contraditório de uma sociedade industrial moderna nas condições alemãs do pós-Primeira Guerra Mundial”.

Em que pese o texto equilibrado e inovador da Carta de Weimar, a sociedade que amargava as grandes perdas humanas e econômicas da guerra teria dificuldades para aceitar a nova proposta de reconstrução, que demandava paciência e amadure­cimento pessoal, e das instituições democráticas. Tais exigências ficam ainda mais difíceis num período de crise.

A Constituição da República de Weimar tem logo no seu iní­cio a declaração Deutsche Reich, ou seja, o Império Alemão é uma República. A contraditória declaração, pois retomaria a idéia de

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Império, suscitando a beligerância do Estado, deve ser interpre­tada, entretanto, no sentido de união do povo alemão.

O projeto para a Constituição, conforme assinala Fábio Kon- der Comparato (Weimar: versão em meio eletrônico),

“foi redigido por Hugo Preuss, discípulo do historiador do direito e teórico do antigo comunitarismo germânico, O tto v. Gierke. Desde a sua concepção, portanto, a Constituição de Weimar se estruturava contraditoriamente, procurando conciliar idéias pré- medievais com exigências socialistas ou liberais-capitalistas da civilização industrial”.

Por 272 votos a favor, 75 contra e algumas abstenções, a Constituição de Weimar é aprovada aos 31 de julho de 1919, tendo em sua primeira parte a organização do Estado e na segunda a declaração dos direitos e deveres fundamentais.

É justam ente em sua segunda parte que a Constituição de Weimar apresenta sua inovação e contribuição ao mundo jurídi­co, pois não mais se limita a ser um instrum ento de defesa aos direitos e garantias do indivíduo contra o Estado, campos que o Estado não podia invadir, nos moldes liberais até então comuns às Cartas Constitucionais.

Conforme discorre RudolfVon Ihering (1999,17- ed.), jurista do liberalismo, as pessoas têm direitos e devem lutar por eles. Porém, a partir da Constituição de Weimar, o Estado tem o dever de agir positivamente por meio de políticas públicas e programas de governo na seara dos direitos sociais, quais sejam, educação, saúde, trabalho, previdência social, dentre outros. Revela, portan­to, a exigência de grupos sociais, e não mais indivíduos isolados, a intervenção do Estado na livre iniciativa da competição nos mercados e na redistribuição da renda pela forma de tributos, com políticas de investimentos e distribuição de bens.

1.1.4 A constituição econômica de Weimar

A Constituição de Weimar, além de ser uma das primeiras constituições econômicas, é certamente aquela que acaba influen­ciando as cartas constitucionais do período pós-Primeira Guerra

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Mundial e que consolida a constituição econômica nas Cartas do pós-Segunda Guerra.

Entendem-se constituições econômicas aquelas Cartas que possuem em artigos esparsos de seu texto ou em títulos ou ca­pítulos específicos temas econômicos, ou seja, atribuir ao tema econômico sentido jurídico. Daí a configuração da ordem jurídico- econômica e suas modernas denominações, ordem econômica e social, ordem econômica e financeira ou, tão-somente, ordem econômica.

Conforme escreve Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 207), “a evolução é notada especificamente a partir das Cons­tituições que se inspiraram na Carta de Weimar e, com mais freqüência, foi registrada naquelas que sucederam a Segunda Guerra Mundial”.

Importante observar que a Constituição de Weimar de 1919 vem na esteira de outros dois acontecimentos históricos que mo­dificam a realidade jurídico-econômica: Constituição Mexicana e Revolução Russa, ambas de 1917. A Carta mexicana, por exemplo, foi a primeira a atribuir a qualidade de direitos fundamentais aos direitos trabalhistas, além das liberdades individuais e direitos políticos.

Escreve Fábio Konder Comparato (México, versão em meio eletrônico):

“A Constituição de Weimar, em 1919, trilhou a mesma via da Carta mexicana, e todas as convenções aprovadas pela então recém-criada Organização Internacional do Trabalho, na Confe­rência de Washington do mesmo ano de 1919, regularam maté­rias que já constavam da Constituição mexicana: a limitação da jornada de trabalho, o desemprego, a proteção da maternidade, a idade mínima de admissão nos trabalhos industriais e o trabalho noturno dos menores na indústria.”

Diversas medidas inseridas na Carta mexicana de 1917, tan­to no campo socioeconômico, quanto no político, passam a ter apoio da doutrina marxista constante na Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, com a eclosão da Revolução Russa.

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Cumpre lem brar que, antes mesmo das Constituições do México de 1917 e da República de Weimar de 1919, o Papa Leão XIII promulga em 1891 a Encíclica Rerutn novarum, a qual trata da condição dos operários, e escreve Sua Santidade (10a ed., p. 10) que “é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de misé­ria imerecida”. Cem anos mais tarde, o Papa João Paulo II, em comemoração ao centenário da Encídica de Leão XIII, promulga a Encíclica Centesimus annus, na qual logo no início o então Sumo Pontífice (2004, p. 14 e 15) comenta a Encíclica de seu predeces- sor: “estava bem consciente do fato de que a paz se edifica sobre o fundamento da justiça: o conteúdo essencial da Encíclica foi preci­samente a proclamação das condições fundamentais da justiça na conjuntura econômica e social de então”.

O capítulo que instaura a vida econômica na Constituição de Weimar, art. 151, tem como princípio o limite à liberdade de mercado a fim de preservar um nível de existência em atenção à dignidade humana.

Escreve Franz L. N eum ann (1983, p. 134) que a base da constituição econômica é o art. 151, que apresenta o conceito de justiça, o qual a concreta determinação acaba assegurando ao ordenamento econômico a finalidade de garantir a todos uma existência digna. Apenas desta forma são garantidos os direitos capitalistas de liberdade e, portanto, os direitos de propriedade privada, de liberdade contratual e de indústria.

Já a função social da propriedade, com a inovadora disposição a propriedade obriga, está no art. 153, alínea segunda. No tocante à função social da propriedade, além de obrigar, a propriedade tam bém poderia ser desapropriada a qualquer mom ento pela lei, até mesmo sem indenização, deixando de ser, portanto, um direito inviolável.

Como salienta Gilberto Bercovici (2004, p. 43), comentando Kirchheimer, "os tribunais alemães entendiam as relações de pro­priedade nos mesmos moldes do liberalismo clássico do século XIX, protegendo os proprietários contra as determinações esta­

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tais, vistas como ‘ingerências indevidas’ do Estado na autonomia individual”.

A observação apontada não causa estranheza se considerado que até os dias atuais m uitos juristas pensam o direito com a compreensão liberal do século XIX. Revela, portanto, a dificuldade de relacionar o direito com a economia, e mais, pensar o direito como algo coletivo e não individual.

Os direitos trabalhistas e previdenciários passam a ser trata­dos a partir do art. 157 em esfera constitucional a título de direitos fundamentais, destacando-se o dever do Estado em desenvolver a política de pleno emprego.

No tocante ao Direito do Trabalho, algo até então inusitado, pois a própria relação laborai constituía um contrato civil entre empregador e empregado, merece destacar-se que a Constituição do México de 1917, e em seguida a de Weimar, em 1919, acabam reconhecendo o que hoje se denomina hipossuficiência do traba­lhador, a partir da desmercantilização do trabalho, ou seja, a proi­bição de equiparar o trabalho a uma mercadoria, sujeita à lei da oferta e da procura no mercado, típica do sistema capitalista.

Observa Fabio Konder Comparato (México, versão em meio eletrônico):

“A Constituição mexicana estabeleceu, firmemente, o prin­cípio da igualdade substancial de posição jurídica entre traba­lhadores e empresários na relação contratual de trabalho, criou a responsabilidade dos empregadores por acidentes de trabalho e lançou, de modo geral, as bases para a construção do moderno Estado Social de Direito. Deslegitimou, com isso, as práticas de exploração mercantil do trabalho, e portanto da pessoa humana, cuja justificação se procurava fazer, abusivamente, sob a invocação da liberdade de contratar.”

Dos arts. 165 e seguintes da Constituição de Weimar, tem- se a participação dos empregadores e empregados na regulação estatal da economia, que dar-se-ia por meio dos Conselhos de Empresa.

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"Para Hermann Heller, os Conselhos representavam o pensa­mento mais original da Constituição. Na sua opinião, os Conse­lhos serviam para a participação dos trabalhadores, em igualdade com os em presários, na direção da economia. Os Conselhos seriam uma forma de se alcançar a democracia econômica e o socialismo” (BERCOVICI, 2004, p. 48).

Carl Schimitt foi um crítico à Constituição de Weimar, res­saltando que ela possuía dois programas distintos, o de cunho político ocidental, aproximando-se do Estado Liberal burguês de 1789, e o político-social, que se identificava com os moldes so­viéticos. Em defesa da Constituição de Weimar tem-se o social- democrata Hermann Heller, que salientava os grandes avanços constitucionais consagrados pela carta no campo dos direitos sociais e da ordem econômica.

1.1.5 Crise na república: fim de Weimar e ascensão do Nazismo

Em 28 de junho de 1919, é assinada a Paz de Versalhes, ra­tificada pela assembléia constituinte de Weimar em 9 de julho, pouco antes de aprovar a Constituição. Com o Tratado de Versa­lhes, que selou o fim da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha ficou obrigada a arcar com indenizações desproporcionais e in­suportáveis. Escreve Fábio Konder Comparato (Weimar, versão em meio eletrônico) que,

"como advertiu Keynes, as potências vencedoras criavam com isso as condições predisponentes de um futuro colapso financeiro da República Alemã, tornando impossível a sua normal integração no concerto europeu do pós-guerra. O fator desencadeante da bancarrota adveio dez anos após, com o colapso da Bolsa de Nova York e a grande depressão mundial que se lhe seguiu. Abria-se, assim, o palco para a entrada em cena da barbárie nazista, que destruiu a República de Weimar em poucas semanas, no início de 1933”.

Em que pesem os aspectos positivos jurídico-econômicos da Constituição de Weimar, a conjuntura econômica mundial

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Introdução ao Direito Econômico 1 3

do período não contribuiu para a implementação da nova ordem social estabelecida na carta, conforme se observa a seguir. A crise mundial, a insatisfação generalizada da população alemã e o exér­cito e a alta burguesia mostram-se mais fortes que a República de Weimar.

Conforme escreve Gilberto Bercovici (2004, p. 21),

“a experiência histórica da República de Weimar (1918-1933) é marcada por um sistema político que perde sua legitimidade e capacidade de funcionamento à medida em que é confrontado com crises profundas no tocante à modernização econômica, social e cultural. A situação sócio-econômica de estagnação do período de Weimar, marcada por estas inúmeras crises, impossibilitou a existência de uma conjuntura que permitisse a realização dos compromissos constitucionais sociais com o crescimento econô­mico. O questionamento da legitimidade política da Constituição foi agravado, portanto, com a crise econômica”.

O sentim ento anti-sem ita tam bém começa a surgir, a tri­buindo a judeus e marxistas o insucesso alemão na guerra. O na­cionalismo vai conquistando espaço na sociedade e o Partido Nacional-Socialista Trabalhador Alemão (NAZI), liderado por Adolf Hitler, começa a despontar com um programa que denun­ciava judeus, marxistas e estrangeiros e prometia trabalho a toda a população.

1.1.5.1 A crise da Bolsa de Nova York e a vitória do nacional- socialismo

Os Estados Unidos da América foram os grandes beneficiados da guerra, pois se enriqueceram com as exportações de matérias- primas e produtos industrializados para atender os mercados da Europa e também da Ásia e da América do Sul.

Após um grande crescimento econômico norte-americano, a Europa não conseguia absorver os elevados estoques americanos de produtos e mercadorias, o que resultou na profunda Depressão de 1920 e 1921. Em meio a esse cenário econômico, o republicano Warren Harding é eleito presidente dos EUA, e, ligado ao grande

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empresariado (big Business), abstém-se de qualquer intervenção no domínio econômico, e receoso da concorrência das indús­trias européias e japonesas e do Canadá na área agrícola, eleva as tarifas protecionistas. Nos anos seguintes, de 1923 a 1929, o crescimento da produção industrial norte-americana atingiu 64%, com destaque também para a indústria de bens de consumo e a implantação do the american way oflife, cujo símbolo era o automó­vel. A indústria adotava como regra a produção em massa, pois a padronização dos produtos, além de facilitar a fabricação em série, proporcionava o aumento da produtividade, com o emprego sistemático da mecanização.

A concentração de empresas ganhou destaque, e os trustes e as holdings dominaram a economia. Exemplos que podem ser citados são o caso da United States Steel Corporation, dependente do grupo Morgan e controladora de 60% da produção de aço, da General Motors e da Ford, detentoras de dois terços da indústria automobilística, e, no mercado de refinação e distribuição de petróleo, a quase hegemonia da Standard Oil e da Socony e Vac- cum, do Grupo Rockfeller, e da Gulf Oil, do Grupo Mellon. As estruturas da economia capitalista aparentemente eram sólidas. Os governos apenas atuavam com relação a problemas monetários e aduaneiros, recusando-se a qualquer intervenção econômica.

Com o crescimento da capacidade da produção mundial, a concorrência ficou bastante acirrada, e os países industrializa­dos, travando diversas guerras econômicas, constituem blocos internacionais que, além de fixar quotas de produção, também repartiam mercados e delimitavam zonas de exploração. Nesse sentido, produtores franceses, alemães, belgas e luxemburgueses fundam em 1926 o Cartel do Aço, e em 1928 a Standard Oil of Newjersey, a Royal Dutch Shell e a Anglo-Iranian criam o Cartel Internacional do Petróleo.

Em meio à prosperidade, que erroneamente os americanos acreditavam permanente, não obstante pontos fracos da econo­mia, como o desemprego agravado pela mecanização das indús­trias e a crise agrícola, resultado dos baixos preços das mercado­rias e da conseqüente impossibilidade de os agricultores adim- plirem seus empréstimos, desponta a crise causada também pela

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superprodução e pelas especulações. Entre 1925 e 1929, as cota­ções em Wall Street cresceram duas vezes mais que a produção in­dustrial, que, por sua vez, não registrava aumentos no consumo.

No início de outubro de 1929, banqueiros e investidores de Wall Street, temerosos com o resultado apresentado por di­versos índices e pelas estatísticas que revelavam baixa no preço do ferro, aço e cobre, mas, sobretudo, de produtos industriais, como o automóvel, indicativo da prosperidade norte-americana, ordenaram a venda maciça de ações. Contudo, o agravamento do pânico ocorreu em 24 de outubro, com o “crack da Bolsa de Nova Iorque”. Nessa data, conhecida como a Quinta-feira Negra, 16 milhões de títulos foram lançados no mercado sem encontrar compradores.

Os bancos americanos, em uma tentativa para superar as suas dificuldades, cessam a oferta de créditos aos outros países e repa­triam capitais investidos a curto prazo. A mobilidade de capitais, que outrora possibilitou a prosperidade de países, agora revelava a face ruim e perigosa da interdependência econômica. Exceção à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), onde já não mais existiam os fundamentos econômicos do capitalismo internacional, o mundo inteiro sofre os efeitos da Crise de 29.

Na Alemanha, os efeitos da Crise de 1929 também eclodiram. Neste ano, a força motriz do capital organizado, o empresariado, declara seu descontentam ento com o modelo da República de Weimar, em meio à crise econômica, e passa a combater o au­mento de salários, as garantias dos trabalhadores e, sobretudo, o Estado Social.

A Depressão de 29 e seu desenrolar nos anos 30 retratam a atmosfera política de Weimar. “A República de Weimar caiu em grande parte porque a Grande Depressão tornou impossível m anter o acordo tácito entre Estado, patrões e trabalhadores organizados que a mantivera à tona funcionando. A indústria e o governo sentiram que não tinham escolha senão impor cortes econômicos e sociais, e o desemprego em massa fez o resto” (HOBSBAWM, 2004, p. 139).

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1 6 Direito Econômico

Escreve Gilberto Bercovici (2004, p. 64) que

"o ataque do grande empresariado à Constituição e ao Estado Social de Weimar foi a resposta às ilusões reformistas da social- democracia alemã. Ao invés da democracia econômica, o que os setores privilegiados buscavam era um Estado Forte que não interferisse demasiadamente no domínio econômico. No final da década de 1920, o capitalismo organizado alemão visava a transição não para o socialismo democrático, mas para o Estado Total”.

Entende-se, portanto, que a Constituição de Weimar buscava a unidade do povo alemão por meio da República, daí a interpre­tação de Reich como a união da Alemanha. Já o nazismo almejava a supremacia do nacional-socialismo, significando o Reich como Império, ou seja, o regime nazista estaria acima até mesmo da própria Alemanha.

1.1.5.2 O estado total no pós-Weimar

A crise econômica mundial decorrente da quebra da Bolsa de Nova York também representou a "pá de cal” na tentativa da República de Weimar de instaurar o Estado Social. O resultado foi a aproximação do empresariado com os nacionais-socialistas e a ascensão do Nazismo. Prova disso, as eleições de 1932. Os nazis, Partido do Nacional-Socialismo, nessa ocasião conquistaram 230 assentos no Reichstag (Parlamento), o que correspondia a 37,3% dos votos. Tal fato foi possível graças ao apoio dado pela burguesia, que, empobrecida, deixa os partidos moderados e deposita sua confiança no nacional-socialismo. Por influência do ex-chanceler Von Papen, bastante ligado aos industriais alemães, o presidente Hindenburg nomeia em 1933 Adolf Hitler, que havia acatado os interesses da alta burguesia, para chanceler alemão.

O governo nacional-socialista implantado pelo Führer introdu­ziu um dirigismo estatal para controlar o trabalho e a produção, mas sem abalar as estruturas capitalistas do país. Integrou os organismos agrícolas, industriais e comerciais para adequar a produção e viabilizar as diretrizes governamentais. O Estado tam­

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Introdução ao Direito Econômico 1 7

bém fixava a jornada de trabalho, os salários e as margens benefi­ciárias das empresas, e suprimiu o direito de greve e a liberda­de sindical. Os planos quadrienais se iniciam em 1933 com os objetivos prim ordiais de reduzir o desemprego e revitalizar a indústria e o rearmamento. O segundo plano quadrienal começa em 1937 com o intuito de tornar a Alemanha independente das importações de matérias estratégicas, nacionalizando a produção de produtos sintéticos, como carburantes, petróleo e borracha. O resultado foi surpreendente, e em 1939 a indústria alemã já era a segunda maior do mundo. A organização do Estado Alemão foi estabelecida por Hitler como a nova ordem para marcar mil anos de história. Essa política foi implementada num Estado totalitário, nacionalista e racista.

O grande teórico e defensor do nazismo foi Carl Schmitt, que ressaltava a soberania como sendo algo essencial para a afirmação da ordem. Neste sentido, soberano seria aquele que decidisse em estado de exceção.

Gilberto Bercovici (2004, p. 67) observa que “o Soberano, para Schmitt, tem o monopólio da decisão última, no que resi­diria a essência da soberania do Estado. A soberania do Estado não consiste no monopólio da coerção ou da dominação, mas da decisão”.

1.2 O direito econômico

A Constituição de Weimar, e aquelas que nela se inspiraram ou sucederam, com mais freqüência, após a Segunda Guerra, con­tribuíram para tratar assuntos econômicos em sentido jurídico, trazendo a preocupação com a ordem jurídico-econômica e social, daí expressões como ordem jurídico-econômica, ordem econômica e social, ordem econômica e ordem econômica e financeira integrarem a maioria das Cartas que sucederam o período nazi-fascista. Surge então um novo Direito, a disciplina do Direito Econômico.

Não se pode falar, portanto, na ruína da Constituição de Weimar. A República, por conjecturas econômicas mundiais e pelas quais não estava preparada, caiu, mas a Constituição de Weimar deixou seu legado, legado daqueles que acreditavam

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em seus princípios de democracia e participação e preocupação social.

Ensina Fábio Konder Comparato (Weimar, versão em meio eletrônico):

“Apesar das fraquezas e ambigüidades assinaladas, e malgra­do sua breve vigência, a Constituição de Weimar exerceu decisiva influência sobre a evolução das instituições políticas em todo o Ocidente. O Estado da democracia social, cujas linhas-mestras já haviam sido traçadas pela Constituição mexicana de 1917, ad­quiriu na Alemanha de 1919 uma estrutura mais elaborada, que veio a ser retomada em vários países após o trágico interregno nazi-fascista e a 2- Guerra Mundial. A democracia social repre­sentou efetivamente, até o final do século XX, a melhor defesa da dignidade humana, ao complementar os direitos civis e políticos— que o sistema comunista negava — com os direitos econômicos e sociais, ignorados pelo liberal-capitalismo. De certa forma, os dois grandes pactos internacionais de direitos humanos, votados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1966, foram o des­fecho do processo de institucionalização da democracia social, iniciado por aquelas duas Constituições no início do século.”

É, portanto, no século XX, com o pós-Guerra (Segunda Guerra Mundial), que se tem a consolidação da atuação jurídica do Estado na economia, com a confirmação de um novo Direito que se faz presente na maioria das cartas constitucionais que seguem à da República de Weimar, o Direito Econômico.

1.3 Conceito de direito econômico: sujeito e objeto

Conforme observado nos itens anteriores, é apenas no pós- Segunda Guerra Mundial que se tem a consolidação da impor­tância da atuação jurídica do Estado na economia, confirmando a necessidade de um novo Direito, o Direito Econômico.

Observa João Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 9)que

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“o Estado tinha de se valer de instrum entos jurídicos adequados para, por seu intermédio, dirigir a nova ordem que se impunha de modo crítico e que exigia tratam ento adequado. Vê-se, a par­tir daí, que o Estado tinha de intervir na economia. O Estado não podia mais permitir que a crença na ordem natural da economia dirigisse os fenômenos econômicos”.

Nesse sentido, escreve Américo Luís Martins da Silva (2002, p. 66) que,

“assim, após a Segunda Guerra Mundial, surgiram realidades que exigiam do Estado a dedicação a direção da economia; esta nova função do Estado reclamou a criação de um novo instrum ento jurídico mais adequado: quer no bloco socialista, quer no bloco ocidental, surgiu um conjunto de normas que tem por finalida­de conduzir, regrar, disciplinar o fenômeno econômico. E, por conseqüência, surge também uma ciência que tem por conteúdo e por finalidade justam ente estudar esse conjunto de normas: o Direito Econômico”.

Interessante observar que é possível verificar a necessidade do Direito Econômico em Weber. A partir da análise da “ordem jurídica” e da “ordem econômica”, Max Weber (2000, p. 209 e 210) assinala que

“a ‘ordem jurídica’ ideal da teoria do direito não tem diretamente nada a ver com o cosmos das ações econômicas efetivas, uma vez que ambos se encontram em planos diferentes: a primeira, no plano ideal de vigência pretendida; o segundo, no dos acon­tecimentos reais. Quando, apesar disso, a ordem econômica e a jurídica estão numa relação bastante íntima, é porque esta última é entendida não em seu sentido jurídico, mas no sociológico: como vigência empírica. O sentido da palavra ‘ordem jurídica’ muda então completamente. Não significa um cosmos de normas interpre- táveis como logicamente ‘corretas’, mas um complexo de motivos efetivos que determinam as ações humanas reais. Cabe interpretar isso em seus detalhes”.

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Tem-se, portanto, uma nova fase do mundo jurídico-econô- mico e social, com a implementação de novas realidades e disci­plinas jurídicas juntam ente com o Direito Econômico, tais como implementação de Blocos Econômicos, Direito do Consumidor, Direito Ambiental, Direito da Concorrência, Agências Regula­doras e uma nova forma de se preocupar com o abuso do Poder Econômico e controlá-lo.

Nesse sentido, o entendimento de Max Weber (2000, p. 226), segundo o qual, “o funcionamento de uma ordem econômica do tipo moderno não é possível sem uma ordem jurídica de caráter muito especial, a qual, na prática, só pode ser uma ordem ‘esta­tal'”.

Verifica-se, então, que o Direito Econômico é instrum ento jurídico a dar segurança às práticas econômicas, garantindo a atuação do Estado e assegurando a ordem econômica e social.

Escreve João Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 11)que

"o Direito, enquanto ciência, se dedica ao estudo das relações intersubjetivas, sob o aspecto normativo. Mas há ainda um outro aspecto, o formal, a configurar e delimitar cada campo de estudo. Como visto acima, o Direito pode estudar as normas que regem aquelas relações sob vários prismas. Um deles é o da direção da po­lítica econômica pelo Estado. Será este o aspecto que identificará e distinguirá o Direito Econômico dos demais ramos jurídicos”.

Ao analisar o Direito Econômico, escreve Eros Roberto Grau (2003, p. 131 e 132):

“Pensar Direito Econômico é pensar o direito como um ní­vel de todo social - nível da realidade, pois - , como mediação específica e necessária das relações econômicas. Pensar Direito Econômico é optar pela adoção de um modelo de interpretação essencialmente teleológica, funcional, que instrumentará toda a interpretação jurídica, no sentido de que conforma a interpretação de todo o Direito. É compreender que a realidade jurídica não se resume ao Direito formal. E concebê-lo - o Direito Econômico- como um novo método de análise, substancial e crítica, que o

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transforma não em Direito de síntese, mas em sincretismo metodo­lógico. Tudo isso, contudo, sem que se perca de vista o compro­metimento econômico do Direito, o que impõe o estudo da sua utilidade funcional.”

Américo Luís Martins da Silva (2002, p. 76) define “Direito Econômico como o conjunto das técnicas jurídicas de que lança mão o Estado contemporâneo na realização de sua política econômica”.

Na definição de Fernando Herren Aguillar (SUNDFELD; VIEIRA, 1999, p. 270), “Direito Econômico é o direito das políti­cas públicas econômicas, a regulação estatal da economia, influen­ciando, orientando, estimulando, restringindo o comportamento dos atores econômicos”.

Na conceituação de W ashington Peluso Albino de Souza (2003, p. 23),

“Direito Econômico é o ramo do Direito que tem por objeto a ‘juridicização', ou seja, o tratam ento jurídico da política eco­nômica e, por sujeito, o agente que dela participe. Como tal, é o conjunto de normas de conteúdo econômico que assegura a defesa e harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem jurídica. Para tanto, utiliza-se do ‘princípio da economicidade'”.

A partir dessas conceituações do D ireito Econômico, em especial a de W ashington Peluso Albino de Souza, conclui-se que o Direito Econômico é um ramo autônomo do Direito, visto que dispõe de sujeitos, objeto, normas e campo próprios e interage em harmonia com os demais ramos do Direito. Seus sujeitos são os agentes econômicos que atuam no mercado, como empresas, grupos econômicos, Estados, organismos, seja nacional, seja in­ternacional, público ou privado, e o próprio indivíduo. Seu objeto é a realização da justiça por meio de política econômica. Além das normas tradicionais, há normas cujo conteúdo é sempre eco­nômico. São normas: programáticas, que enunciam e orientam; premiais, que estimulam e incentivam; e objetivas, que definem as políticas públicas. Quanto ao seu campo, o econômico, inclusive previsto na Constituição Federal de 1988, art. 2 4 ,1.

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Verifica-se, portanto, que o Direito Econômico, ao se ocupar do direito do indivíduo no âmbito da sociedade e das relações particulares na seara da coletividade, rompe a tradicional deli­mitação dos ramos do Direito em Privado e Público. Observa Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 28) que “a defesa desses interesses baseia-se na sua harmonia, e de ambos cuida o Direito Econômico como um ‘Direito de Síntese”’. A harmonia encontrada no Direito Econômico dos interesses tidos como pri­vados e públicos constitui o Direito como algo único.

1.4 Ordem jurídico-político-econômica

A disciplina do Direito Econômico tem sua vertente na ordem jurídica e suas perspectivas político-econômicas. E, portanto, uma ordem jurídico-econômica ligada à ordem política. Daí a neces­sidade de analisar o Direito Econômico sob a óptica conjunta da ordem política, da ordem econômica e da ordem jurídica.

A ordem política reúne os elementos que definem sistemas e regimes políticos, que, por sua vez, estarão inseridos na Cons­tituição. Uma vez incluídos no texto constitucional, passam a exteriorizar a ideologia política adotada pelo constituinte a ser seguida pelos governos daquela nação.

Já a ordem econômica é constituída de princípios econômicos segundo valores da disciplina econômica que, em harmonia, apresentam uma concepção teórica do modelo econômico (sis­tema econômico) ou a realidade do modelo econômico (regime econômico). Uma ordem econômica capitalista é justificada pela obtenção do lucro dentro de uma economia de mercado. A ordem econômica socialista, ainda que utilize os mesmos princípios do modelo capitalista, exceção evidente ao lucro e à economia de mercado e seus aspectos concorrenciais, está centrada no plane­jamento da produção, da distribuição e do consumo. Já a ordem econômica neoliberal procura harmonizar os elementos econômicos capitalistas e socialistas.

Interessante observar a ordem econômica capitalista e a ordem econômica socialista sob a perspectiva de Alvin Toffler (1986, p. 37 e 38):

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"Na Rússia tam bém irrompeu a mesm a colisão entre for­ças da Primeira e da Segunda Onda. A Revolução de 1917 foi a versão russa da Guerra Civil americana. Não foi combatida primordialmente, como pareceu, pelo comunismo, mas uma vez mais pela questão da industrialização. Quando os bolcheviques eliminaram os últimos vestígios que restavam da servidão e da monarquia feudal, empurraram a agricultura para segundo plano e, conscientemente, aceleraram o industrialismo. Tornaram-se o partido da Segunda Onda.”

Prossegue Alvin Toffler (1986, p. 44), e, ao comentar o apare­cimento da United States Steel, a primeira companhia resultante de “uma concentração de fundos inimagináveis em qualquer período anterior”, destaca que:

“Com efeito, grandes companhias tornaram-se aspectos ca­racterísticos da vida econômica em todas as nações industriais, inclusive sociedades socialistas e comunistas, onde a forma va­riava, mas a substância (em termos de organização) permanecia m uito semelhante.”

No que se refere à ordem econômica neoliberal, verifica-se que num a sociedade proclamada pelos ideais neoliberais, em que paradoxalmente defende-se a globalização e se proclama o triunfo do indivíduo, do Iluminismo sobre a sociedade, observa- se a invasão de normas mercantis e da concorrência liberal quase aos moldes smithianos, como pontos-chaves para a integração e reconhecimento da sociedade.

Como alternativa aos efeitos negativos da globalização, pois ficou demonstrado que o capitalismo apresentava sérios proble­mas de exclusão social, e o modelo socialista comprovadamente fracassou, ganhou força a terceira via, atualm ente denominada governança progressista, uma alternativa ao modelo neoliberal e à social-democracia.

Em que pese a existência da ordem econômica, ela só terá força cogente quando respaldada pela ordem jurídica, que lhe garantirá legalidade e efetivação.

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2 4 Direito Econômico

Por essa razão, a ordem jurídica é o conjunto de normas da disciplina jurídica que, em harmonia, define a concepção teórica e o Direito vigente. Ao estudar a ordem jurídica se faz necessária a interpretação do Direito como fenômeno cultural e, como assinala João Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 49), como fenômeno de linguagem:

"O entendimento do Direito como ordem e como sistema surge desse pressuposto do Direito como linguagem. O Direito pode e deve ser entendido como comunicação de uma mensagem prescriti- va. Para que esta mensagem possa ser captada e tornada eficaz, é necessário que os elementos comunicativos estejam em posição de coerência significativa, é necessário que haja um código norma­tivo a operar como isotopia significativa e prescritiva. Esse código normativo, assentado num código moral, a partir do momento em que adquire as qualidades de estabilidade e de fixidez, passa a apresentar-se como ordem ou como sistema.”

Assim, entende-se que a ordem jurídico-político-econômica en­quanto conjunto legal infraconstitucional é a política econômica posta em prática, ao passo que a conjunção da ordem jurídico- econômica elaborada na esfera de um a ordem política que reflete seu momento histórico significa a ideologia adotada para aquela política econômica.

1.5 Política econômica

O fenômeno da política pode ser analisado sob diversos as­pectos, tais como arte, ciência e ideologia. Trata-se também do governo e sua administração do dia-a-dia do relacionamento das pessoas dentro do Estado, até a organização, administração e inserção do Estado num campo global.

O estudo da política revela a busca da aplicação à realidade humana dos pensamentos tidos como ideais, encontrados num mundo do dever-ser. Essa aplicação ocorre por meio da ação po­lítica. Nesse sentido, a política, numa análise mais concreta, é a organização dos homens em busca de objetivos viáveis. Portanto, os elementos que constituem e definem a política são institui­

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ções e ideologias, ou seja, os elementos estruturais para a imple­mentação de ações políticas (instituições) e as idéias motoras corporificadas em políticas econômicas para a consecução de seu objetivo (ideologias).

A Ciência Econômica e sua aplicação na disciplina das con­dutas humanas subordinada à direção estatal permitiu o relacio­namento entre política e economia. Esse fato, entretanto, tem início com o pensamento liberal clássico que se destaca no séc. XIX, concebendo o fenômeno econômico como sistema fechado de relações espontâneas no mercado, não se admitindo o Estado como direcionador da atividade econômica: o exercício da ativi­dade econômica pelo indivíduo livre permitiria que a economia auto-regulasse os mercados para o bem da sociedade.

A crise e o decorrente fracasso dos ideais liberais com a con­seqüente concentração de empresas e capitais asseguraram um poder econômico jamais visto à esfera privada, fazendo o grande corte entre uma minoria controladora das empresas e dos capitais e a grande maioria da população proletária. O direcionamento da economia era feito pelo poder privado.

Entretanto, por uma série de acontecimentos, tais como a Pri­meira Guerra Mundial (1914-1918) e mais tarde a Crise da Bolsa de Nova Iorque (1929) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a atuação do Estado na condução da economia passa a ser algo constante, inclusive inserida nas Constituições dos pós-Guerras, influência das Constituições do México (1917) e da República de Weimar (1919) e até mesmo da Revolução Russa (1917), bem como da Encíclica Rerum novarum (1891). O Estado realiza seu dirigismo da economia por meio de políticas econômicas.

Desponta, assim, o interesse do Direito nas políticas econômi­cas, seja enquanto Estado emanando normas destinadas a reger a economia, seja a Ciência Jurídica ocupando-se do conjunto sistemático dessas normas.

Escreve João Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 24)que

“essa nova relação jurídica, esse conjunto normativo formalmente novo, a reger um fenômeno que se apresenta como novo em sua

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2 6 Direito Econômico

configuração, deve ser estudada por um ramo novo do Direito. O Direito Econômico vem a ser justam ente esse conjunto normativo que rege as medidas de política econômica encetadas pelo Estado, como também a ciência que estuda aquele sistema de normas voltadas para a regulação da política econômica”.

1.6 Teorias do direito econômico

O estudo do Direito Econômico revela que até pouco tempo não existia um consenso, nem mesmo uma definição única, de sua conceituação. A disciplina do Direito Econômico não seria diferente das demais, ganha autonomia a partir da evolução dos valores na ordem jurídica. A disciplina ora em análise caracteriza- se por tratar juridicamente questões político-econômicas.

Diferentemente das disciplinas jurídicas tidas como tradi­cionais, cuja consolidação ocorreu à luz das sociedades dos sé­culos XIV ao XVIII, o Direito Econômico desperta como neces­sidade para a construção de uma nova sociedade, marcada pelas mudanças socioeconômicas do século XIX e pela ocorrência de uma Guerra Mundial no início do século XX. Esse novo direito desponta como o instrum ento jurídico capaz de responder às necessidades para uma realidade cujas soluções anteriores já não são suficientes.

A partir de então, os estudiosos posicionam-se acerca da evolução do Direito Econômico.

O Direito Econômico é considerado para alguns pelo seu “su­jeito”, dividindo-se entre a “empresa” e o “Estado”. No tocante à “empresa", o “Direito da Empresa”, aí incluídas as organizações não governamentais (ONGs), cuja conceituação é ampla, torna difuso o objeto do Direito Econômico, comprometendo sua acei­tação como disciplina com campo específico e normas próprias. Já no que se refere ao “Estado”, o “Direito da Intervenção do Es­tado no Domínio Econômico” coloca o Direito Econômico como sub-ramo do Direito Administrativo e ainda deixa de considerar a ação econômica de agentes privados.

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Introdução ao Direito Econômico 2 7

O Direito Econômico tomado pelo seu “objeto” centraliza-se nos “fatos da realidade econômica”, disciplinando-os juridica­mente. Neste caso o que se verifica são diversas hipóteses de Direito Econômico, como o Direito Econômico da Produção, da Circulação, do Consumo, do Planejamento, ou seja, institutos do Direito Econômico, o que descaracterizaria o Direito Econômico como disciplina autônoma.

Aos que tomam o Direito Econômico pelo “sentido” de suas normas, destacam-se as normas que visam à garantia da segurança e da ordem, normas que, juridicamente disciplinadas, definem os fins a serem alcançados pela atividade econômica e normas que apresentam os meios para se atingir os fins buscados pela política econômica.

Tomar o Direito Econômico pela “Função de Dirigir a Eco­nomia” atribui ao Direito Econômico a finalidade de orientar o processo econômico a partir de regulamentação da economia dirigida.

Já o Direito Econômico tomado pelo “Sistema Econômico” implica o tratamento da política econômica definida na ideologia adotada.

Quanto ao Direito Econômico tomado pelo “Poder Econô­mico”, refere-se à manifestação do poder econômico público e privado, mas, sobretudo, importa-se com a atuação do Estado em relação ao poder econômico privado.

O Direito Econômico tomado pelas “Diversas Espécies de Economia” implicaria na divisão do Direito Econômico em um Direito Econômico Privado, ligado à microeconomia, e um Direito Econômico Público, relativo à macroeconomia.

Por fim, o “Sentido de Economicidade” que toma o Direito Econômico significaria o conjunto de normas que vincula enti­dades econômicas públicas e privadas aos objetivos pretendidos pela ordem econômica.

Certamente é chegado o momento de se elaborar uma Teoria Geral do Direito Econômico, tom ando seus elementos funda­mentais de conceituação, sujeito, objeto, peculiaridades, a fim de

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2 8 Direito Econômico

satisfazer aos objetivos da Justiça diante do tratamento jurídico da realidade econômica.

Nesse sentido, Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 41) escreve acerca de uma Teoria Geral do Direito Econômico:

“Adiantando-nos, de certo modo, nesta direção registramos, em nosso conceito, o destaque para o tratam ento jurídico da política econômica como elem ento fundam ental na caracteri­zação das suas normas típicas; a inviabilidade da divisão entre Direito Público e Direito Privado; a ampliação dos tipos dos su­jeitos da relação jurídica; a desnecessidade da sanção penal tradi­cional na efetivação de suas normas; o destaque para o entendi­mento do seu ‘conteúdo’; a identificação dos seus ‘fundamentos’, ‘princípios’, ‘regras’ e normas; o afastamento das linhas de con­sideração da macro e microeconomia; a definição do seu campo de ação; a flexibilidade hermenêutica para a qual oferecemos o instrum ento da ‘economicidade’; a possibilidade de afirmação enquanto Direito Positivo, que garantimos com o princípio da ‘ideologia constitucionalmente adotada’, e assim por diante.”

1.7 Direito econômico e direito da economia: análiseeconômica do direito e os princípios da economicidade e eficiência

A Ciência Econômica assume grande importância diante do conteúdo econômico do Direito, daí explicar o ato e o fato econô­mico disciplinado pelo Direito, sobretudo no campo da política econômica. Essa crescente interação entre Economia e Direito culmina nas análises e interpretações jurídico-econômicas.

Entretanto, até 1960, a análise econômica do direito restrin- gia-se basicamente à análise econômica do direito antitruste (con­correncial) . A aplicação da teoria econômica ao direito, portanto, tem início com os trabalhos do economista Ronald H. Coase, The problem of social cost (1960), e do jurista Guido Calabresi, Some thoughts on risk distribution and the law of torts (1961), e consolida- se com Richard A. Posner, Economic analysis oflaw (1973).

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Introdução ao Direito Econômico 2 9

A 'Análise Econômica do Direito”, para uns também “Eco­nomia Aplicada ao Direito”, ou ainda Law and Economics, implica na análise de atos e fatos de acordo com as regras da Ciência Econômica, o que resultará naquilo “economicamente certo”. Essa informação, entretanto, é passada ao jurista, que faz ponde­rações sócio-jurídico-econômicas, a fim de se concluir o “justo”. A decisão do jurista, portanto, não se detém ao “certo econômico” obtido a partir de expressões m eram ente matemáticas; visa o “certo-justo” das teorias econômicas aplicadas à realidade social jungida às normas jurídicas, baseando-se, dessa forma, no “prin­cípio da economicidade”.

O princípio da economicidade é definido assim por João Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 35):

“O princípio da economicidade é o critério que condiciona as escolhas que o mercado ou o Estado, ao regular a atividade eco­nômica, devem fazer constantemente, de tal sorte que o resultado final seja sempre mais vantajoso que os custos sociais envolvi­dos. Nessas escolhas, estarão sempre presentes os critérios da quantidade e da qualidade, de cujo confronto resultará o ato a ser praticado. As ações econômicas não podem tender, a nível so­cial, somente à obtenção da maior quantidade possível de bens, mas à melhor qualidade de vida. E este um dos aspectos enfati­zados pela conhecida teoria da análise econômica do Direito, a par da importância conferida ao critério da eficiência.”

Neste sentido, o Estado, para implantar sua política econô­mica, deve atentar para o “princípio da eficiência", seja exercendo uma atividade econômica, seja normatizando a atividade econô­mica, seja estimulando, favorecendo ou planejando a atividade econômica.

Tanto é que a própria Constituição de 1988, a partir da reda­ção dada pela Emenda Constitucional n- 19, de 1988, estampa em seu art. 37 que a administração pública direta e indireta dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni­cípios obedecerá ao princípio da eficiência.

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3 0 Direito Econômico

Entretanto, o “princípio da eficiência” é comumente obser­vado pela análise econômica da atividade empresarial, pela qual a empresa obriga-se a compatibilizar sua gestão econômica ao aproveitamento eficiente dos meios humanos e materiais de que dispõe, a fim de minimizar custos de produção e potencializar a escala da produção, alcançando o valor máximo possível, a partir da diferença entre custos e vantagens auferidas.

A Escola de Chicago destacou-se com Richard Posner no aprofundamento da aplicação do princípio da eficiência, por meio da Análise Econômica do Direito.

Escreve Pedro Mercado Pacheco (1994, p. 27) que a Análise Econômica do Direito, com um ente tida a aplicação da teoria econômica na explicação do direito, é a aplicação das categorias e instrum entos teóricos da teoria microeconômica neoclássica em geral e de um de seus ramos desenvolvidos no século XX, a economia do bem-estar, particularmente na explicação e avaliação das instituições e realidades jurídicas.

Conforme escreve Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 57),

“resumindo, diremos que a 'Economia Aplicada ao Direito' deve ser tomada como o estudo da Ciência Econômica voltada para a explicação do conteúdo econômico do Direito. Interessa a todos os ramos do Direito e é fundamental para a elaboração, a inter­pretação e os julgamentos baseados na legislação sobre assuntos econômicos.

Seu significado aumenta-se para o Direito Econômico, visto como as normas deste sempre têm conteúdo econômico”.

O Direito, portanto, preocupa-se com a realidade econômica e atua sobre ela, resultando no Direito da Economia e no Direito Econômico.

Enquanto “positivador” da realidade econômica, ou seja, ingressando no próprio Direito Positivo, elaboram-se leis jurí­dicas para regulamentar a atividade econômica. Essa legislação de assuntos econômicos é consagrada pela expressão Direito da Economia.

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Introdução ao Direito Econômico 3 1

Já o Direito Econômico não se ocupa apenas de legislações de cunho econômico; é uma disciplina autônoma que versa so­bre o campo político-econômico, apresentando regras próprias, princípios específicos e normas distintas dos demais ramos do Direito.

1.8 Direito econômico: fronteira entre público e privado

O Direito com um ente tem seus ramos divididos no meio acadêmico entre Público e Privado. Essa definição ganha força ainda no século XIX, no auge das idéias do liberalismo econômi­co que acabam impregnando o pensamento jurídico. O Direito Público limitava-se à estruturação e funcionamento das políticas do Estado, enquanto o Direito Privado se ocupava das questões relativas à atividade econômica.

Com os acontecimentos históricos da prim eira metade do século XX, ganha destaque a necessidade de o Estado estar pre­sente na atividade econômica, juntam ente com o agente privado. O Direito passa a juridicizar a economia, e não apenas a legali- zá-la: surge o Direito Econômico.

O Direito Econômico não se enquadra na definição tradicio­nal do Direito, pois, ao mesmo tempo em que é Público, já que a política econômica definida pelo Estado interessa à coletividade, também é Privado, dada a relevância da iniciativa privada na re­alidade econômica do Estado. A definição tradicional do Direito está desatualizada no contexto sócio-jurídico-econômico atual.

O Direito Econômico, portanto, reflete a interdisciplina- ridade do Direito com suas próprias disciplinas, estivessem elas definidas como Públicas ou Privadas, e ainda com ciências afins, como a Econômica e a Social. Daí alguns autores como João Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 32) e Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 108) definirem o Direito Econômico como o Direito de Síntese, com implicações tanto no setor público quanto no setor privado.

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3 2 Direito Econômico

1.9 Direito administrativo econômico

Atualmente, dá-se grande repercussão ao estudo do Direito Administrativo Econômico, no qual estaria inserida a análise da ordem econômica constitucional, agências reguladoras e defesa da concorrência.

Do aparecimento do termo Direito Administrativo Econômico percebe-se um aparente conflito entre as escolas do Direito Eco­nômico e do Direito Administrativo, sobretudo para aqueles que entendem o Direito Econômico como Direito Público, daí um ramo do Direito Administrativo.

O Direito Administrativo ganha significado a partir do Es­tado de Direito, pois na época do Absolutismo o soberano era a lei, o soberano era o Estado. Com o Estado de Direito, ainda que o Estado praticasse ação econômica, ela deveria restringir-se às questões para sua administração. O Liberalismo reservou ao Estado apenas o necessário para seu funcionamento, deixando ao agente privado toda a atividade econômica. O Neoliberalismo admitiu a extrapolação do Direito Administrativo quando o Estado praticasse atividade econômica para sua gestão.

Mas onde estaria a interface do Direito Administrativo com o Direito Econômico, que justificaria a inexistência do Direito Ad­ministrativo Econômico em razão de campos e objetivos distintos, embora próximos? Utiliza-se para essa análise o exemplo aponta­do por Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 69):

“Até ao ato de ‘criação’ dessas empresas [empresas públicas, sociedades de economia mista, para que o Estado execute ativi­dade econômica como agente privado], portanto, à iniciativa e aos procedimentos da sua institucionalização e à sua fiscaliza­ção, estamos no terreno do Direito Administrativo, ajustado à ideologia neoliberal. Mas, no momento em que essas empresas começam a atuar como ‘sujeitos’ da atividade econômica e como instrum entos do exercício da Política Econômica para que se cumpram os princípios da ideologia constitucionalmente adotada, já estamos em terreno do Direito Econômico, de modo nenhum

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Introdução ao Direito Econômico 3 3

capaz de se confundir com o do Direito Administrativo” (inseriu- se o colchete).

Diante do exposto, entende-se que o Direito Administrativo Econômico não é uma disciplina autônoma do Direito, tampouco um ramo do Direito Administrativo. Trata-se do estudo teórico da aplicação prática conjunta do Direito Administrativo com o Direito Econômico, a partir da intervenção do Estado na ordem econômica em conformidade com o regime jurídico-econômico adotado pela política econômica do Estado.

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Direito Constitucional Econômico

O estudo do Direito Econômico exige a abordagem do Direito Constitucional Econômico. Em que pese não se tratar de disciplina autônoma, o Direito Constitucional Econômico implica na aná­lise das normas “jurídicas” inseridas no contexto constitucional que trata da política econômica do Estado, elaborada a partir da ideologia adotada.

Na esfera do Direito Constitucional Econômico, tem-se em conseqüência uma Constituição Econômica, na qual o Estado associa a Ordem Jurídica à Ordem Econômica.

2.1 A constituição econômica

A partir da Constituição da República de Weimar (1919), as Cartas que a sucederam, notadamente as do Pós-Segunda Guer­ra Mundial, incorporaram em seus artigos, capítulos ou títulos temas econômicos.

Tal fato decorre da exigência em se reconhecer que o Estado deve se ocupar de temas econômicos em sede constitucional, a fim de controlar positivamente os efeitos econômicos e atribuir segurança jurídica à m atéria, e assim evitar crises como a da Quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929. O Estado integra a

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Direito Constitucional Econômico 3 5

Ordem Jurídica à Ordem Econômica, resultando na “Ordem Ju- rídico-Econômica”.

Pode-se observar em diversas Cartas, inclusive nas brasileiras a partir de 1934, expressões que refletem essa, até então, nova realidade: Ordem Econômica, Ordem Socioconômica, Ordem Econômica e Financeira, dentre outras.

O assunto econômico é tratado juridicamente, ou seja, é a “juridicização” de tem as econômicos em sede constitucional. Assinala João Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 50): “A Constituição econômica se corporifica precisamente no modo pelo qual o Direito pretende relacionar-se com a Economia, a forma pela qual o jurídico entra em interação com o econômico.”

Não se deve acreditar, entretanto, que exista exclusivamen­te uma Constituição Econômica para tra tar da organização e funcionamento da economia, isoladamente das demais disposi­ções constitucionais. A Constituição Econômica é parte do todo Constitucional, sendo-lhe reservados títulos ou capítulos dentro desta. Tanto é que a Constituição Federal de 1988 separa a ordem econômica da ordem social, em que pese toda ordem jurídica ser social, um a vez voltada à ordenação social. Outrossim, a Cons­tituição Econômica tem seu contexto no que está disposto na Constituição Política, não se admitindo conflitos entre os prin­cípios adotados por uma e por outra. A Constituição Econômica fundamenta-se na democracia e no Estado de Direito.

Cumpre observar a classificação das constituições econômi­cas em estatutárias (ou orgânicas) e diretivas (ou programáticas ou doutrinais). Constituições estatutárias ou orgânicas são as que defi­nem o estatuto do poder como instrum ento do governo, enun­ciando competências e regulando processos. Tais constituições não indicam a ordem econômica, apenas afirmam as normas eco­nômicas. Constituições diretivas ou programáticas ou doutrinais são aquelas que, além de significar instrum ento de governo, enun­ciam diretrizes, programas e fins a serem realizados pela sociedade e pelo Estado. Essas constituições enunciam os fins da política pú­blica e postulam a implantação de uma ordem econômica.

Neste sentido, escreve Eros Roberto Grau (2003, p. 67):

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3 6 Direito Econômico

“Daí referirmos uma Constituição Econômica estatutária - que estatui, definindo os estatutos da propriedade dos meios de pro­dução, dos agentes econômicos, do trabalho, da coordenação da economia, das organizações do capital e do trabalho - e uma Cons­tituição Econômica diretiva (ou programática) - que define o quadro de diretrizes das políticas públicas, coerentes com determinados objetivos também por ela enunciados.”

2.2 Normas programáticas

As constituições que seguem a Carta de Weimar de 1919 caracterizam-se por ter em seu corpo a Constituição Econômica. Mais que isso, essas constituições, via de regra, são diretivas ou programáticas, pois definem as diretrizes das políticas públicas, em conformidade com a transformação do Direito e das funções a serem desempenhadas pelo Estado.

Apresentam, portanto, além das estáticas normas estruturais ou de organização que se caracterizam por fixar o direito, nor­mas dinâmicas direcionadas ao futuro, com força jurídica vincu- lante imediata e com o objetivo de criar um novo quadro jurídico ao cidadão. São estas as normas programáticas.

Escreve João Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 57) acerca das normas programáticas:

“Através delas, o legislador maior traça rumos a serem se­guidos e metas a serem alcançadas, fixando princípios básicos que nortearão a iniciativa do legislador ordinário e exigirão do administrador e do juiz o seu acatamento e aplicação nos atos de concretização das normas, lembrando-se sempre de que a fina­lidade intrínseca das normas programáticas é a de criar uma nova realidade política, econômica e social.”

Para Fábio Nusdeo (2001, p. 203),

“em essência, os dispositivos de caráter explicitamente econômico nas constituições modernas têm por finalidade deixar assentada a possibilidade jurídica de o Estado se fazer presente no processo

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Direito Constitucional Econômico 3 7

econômico - dentro, é claro, de limites e condições -, sem ofensa à ordem constitucional, cuja essência permanece liberal.

Tais dispositivos são denominados pelos constitucionalistas de normas programáticas, justam ente por apontarem para um pro­grama, para objetivos a serem colocados e implementados”.

O Título VII da Constituição Federal de 1988 possui diversos artigos que são normas programáticas, como, por exemplo, o art. 170.

2.3 Fontes do direito econômico

A fonte de Direito significa a fonte de regras obrigatórias dotadas de vigência e de eficácia. Para isso, faz-se necessária a existência de um poder em condições de especificar o que é devi­do, a fim de exigir o seu cumprimento, sob pena de sanções.

Nos diversos momentos da história e entre diferentes paí­ses não se observa uma uniformização nas formas de elaborar o Direito. O que se faz, geralmente, é distinguir a civil law e a common law. Esses dois tipos de ordenamento jurídico se dife­renciam porque a civil law, da tradição romanística, ou seja, das nações latinas e germânicas, caracteriza-se pela expressão do Poder Legislativo, atribuindo valor secundário às outras fontes do Direito, como a jurisdição e os usos e costumes jurídicos. Já a common law, da tradição anglo-americana, atribui ao Direito valor preponderante nos usos e costumes e na jurisdição, atri­buindo menor importância ao trabalho dos parlamentos, carac­terizando-se, portanto, um Direito misto, costumeiro e jurispru- dencial.

Observa-se na atualidade uma aproximação entre a civil law e a common law, ou seja, países da tradição latina aceitando com mais freqüência a jurisprudência e a analogia, enquanto os países de tradição anglo-americana passam a legislar com mais inten­sidade.

No caso do Direito Econômico, entretanto, deve-se destacar como fonte auxiliar, ou subsidiária, de Direito, a Ciência Econô­mica. Justifica-se, uma vez que a norma em Direito Econômico

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3 8 Direito Econômico

tem como conteúdo obrigatório e original o “fato econômico”, que é explicado pela Economia.

O portuna a observação de W ashington Peluso Albino de Souza (2003, p. 134):

“O que se pretende, ao recorrer à Ciência Econômica como 'fonte auxiliar do direito, é, tão-somente, ter os indicativos do cientificamente ‘certo’, e, recebendo-os, formular as diferentes ‘opções’ da ‘norma', sem nenhum compromisso formal de ado- tá-los.

[...]Nessa precisa medida, portanto, a Economia funciona como

sua ‘fonte auxiliar’, pois os motivos finais da decisão serão po- lítico-econômicos, e não simplesmente econômicos, para que a decisão ou sua apreciação tenha fundamento ou conseqüência jurídica.”

Os aspectos pelos quais se consideram fontes do Direito Econômico são os mais variados. Pode-se considerar fonte de Direito uma circular do Banco Central ou uma portaria de Agência Reguladora, uma vez detentoras de força normativa e cogente e com reflexos na economia. Assim, também, podem-se considerar como fonte de Direito Econômico os atos jurídicos geradores de direitos e obrigações praticados por empresas privadas ou pelo Estado no exercício da atividade econômica.

2.4 Leis em direito econômico

Ao estudioso do Direito tradicional causam estranheza as particularidades das leis em Direito Econômico, se comparadas às dos demais ramos da Ciência Jurídica.

Inicialmente, as leis em Direito Econômico devem ter “con­teúdo econômico”, disciplinados pela política-econômica do Esta­do, a fim de efetivar a ideologia constitucionalmente adotada. Não se trata de leis de Direito da Economia, ou seja, uma mera legis­lação de tema econômico. No caso do Direito Econômico, a partir do “certo” econômico valoriza-se o justo, para só então se ter uma

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Direito Constitucional Econômico 3 9

lei. Em outras palavras, a lei em Direito Econômico juridiciza a política econômica correspondente à ideologia adotada.

A natureza da lei em Direito Econômico relaciona-se à natu­reza da realidade econômica, bastante dinâmica. Por essa razão, a lei em Direito Econômico é dotada de flexibilidade e mobili­dade, a fim de acompanhar as alterações da política econômica causadas pelo dinamismo da realidade econômica. Certo é que os métodos legislativos costumeiros não contribuem para o Direito acompanhar a realidade econômica, daí utilizar-se em Direito Econômico standards jurídicos (uma lei mais abrangente e gené­rica que permite adaptações à realidade), flexibilidade (ajustar a aplicação à realidade), mobilidade (atender a soluções num patam ar definido) e subsidiariedade (conciliar para a garantia político-econômica).

A lei em Direito Econômico caracteriza-se por ser lei progra- mática, estipulando as normas da política econômica adotada, dirigidas ao objetivo determinado com a projeção dos resultados que pretende obter.

2.5 As constituições econômicas no Brasil

Tratar-se-á no presente item tão-somente dos aspectos cons­titucionais econômicos contidos nas cartas brasileiras, e eventuais legislações do período que merecem destaque, desde a Carta outorgada de 1822 até a do período ditatorial de 1967 (1969). Quanto à ordem econômica na Constituição Federal de 1988, será analisada em maiores detalhes em item específico.

2.5.1 Constituição de 1824

A Constituição Imperial de 1824, outorgada, consolida a independência política do Brasil e reúne em seu teor o contexto histórico do período, qual seja, a ideologia liberal de influência inglesa, adotada desde a abertura dos portos com a vinda da Fa­mília Real portuguesa.

Além de ressaltar o valor da pessoa hum ana detentora de direitos naturais e a limitação do poder político, inclusive do

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4 0 Direito Econômico

próprio Estado, a atuação legal do Estado consistiria em garantir a liberdade das pessoas. Tal qual os documentos revolucionários da época, como a Declaração de Direitos de Virgínia (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), tem como grandes princípios a liberdade, a igualdade e legalidade.

A ideologia político-econômica é a do liberalismo de Adam Smith, devendo o Estado estar ausente da economia, deixando que essa se regulasse livremente pela lei da oferta e da procura, inclusive com a liberdade total do homem para escolher o que melhor lhe interessar.

Entretanto, o trabalho escravo ainda era mantido, não sendo os escravos sequer considerados cidadãos brasileiros, sem di­reitos, em que pese constituírem a maior força de trabalho e de capital investido no desenvolvimento da atividade econômica. Certamente essa situação desagradava os interesses britânicos, que tinham relações comerciais com o Brasil e observavam um potencial mercado consum idor de seus produtos alijado pelo sistema escravocrata.

Mas o poder econômico também se refletia no poder político, ao passo que apenas cidadãos com determinada renda anual líqui­da podiam votar em eleições primárias, valor superior para eleições de deputados, senadores e membros dos Conselhos de Província e valor ainda mais alto para o candidato poder ser eleito.

O art. 179, por sua vez, retrata bem as disposições da Cons­tituição e seu reflexo do período, conforme disposto no Título 8-, “Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros” (conforme original):

“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Im­pério, pela maneira seguinte.

[...]XXII - É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua

plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor delia. A Lei marcará os casos, em que terá

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Direito Constitucional Econômico 4 1

logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação.

[...]XXIV - Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou

commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes públicos, á segurança, e saude dos Cidadãos.

XXV - Ficam abolidas as Corporações de Officios, seus Juizes, Escrivães, e Mestres.

XXVI - Os inventores terão a propriedade das suas descober­tas, ou das suas producções. A Lei lhes assegurará um privilegio exclusivo temporário, ou lhes remunerará em resarcimento da perda, que hajam de soffrer pela vulgarisação.

[...]” (conforme original)

Verifica-se, portanto, a inviolabilidade dos direitos indivi­duais ou naturais, assegurando o direito de propriedade em sua plenitude e, em caso de desapropriação, que seja mediante inde­nização, liberdade de indústria e comércio, extinção das corpo­rações de ofício e propriedade sobre inventos.

2.5.2 Constituição de 1891

A primeira Constituição Republicana do Brasil, promulgada em 1891, com seus ideais federalistas trouxe grandes mudanças no campo político sob a influência da Carta dos Estados Unidos da América. Contudo, no campo econômico permaneceu de ins­piração liberal econômica, com a manutenção da ideologia que ditava a ordem econômica do País. Em que pese o liberalismo econômico já ser criticado em outras partes, como nos próprios Estados Unidos da América com o Sherman Act de 1890 (Lei Antitruste), o Brasil ainda não havia acordado para a necessidade das mudanças socioeconômicas.

Em que pese a abolição da escravidão, a continuidade da ideologia econômica foi mantida, conforme se verifica nos se­guintes artigos:

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4 2 Direito Econômico

“Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

[•••]§ 17. O direito de propriedade m antém -se em toda a sua

plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.

[•••]§ 24. É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral,

intelectual e industrial.

§ 25. Os inventos industriais pertencerão aos seus autores, aos quais ficará garantido por lei um privilégio temporário, ou será concedido pelo Congresso um prêmio razoável quando haja conveniência de vulgarizar o invento.

Os direitos fundamentais à liberdade, inclusive da livre ini­ciativa e da propriedade, continuavam assegurados. Já os direitos sociais continuavam sem atenção do constituinte.

2.5.3 Constituição de 1934

A crítica ao modelo do liberalismo, feita por muitos que trata­vam da questão operária, como Marx, Engels e o Papa Leão XIII, com sua Encíclica Rerum Novarum de 1891, influenciou determi- nantemente as Constituições do México de 1917 e da República de Weimar de 1919, como também a Revolução Russa de 1917.

No contexto jurídico-brasileiro, o período de 1930 a 1934 contou com im portantes legislações econômicas que iniciam a passagem do liberalismo das constituições anteriores para a fundamentação da tendência inicial estatizante e reguladora do modelo neoliberal das Cartas vindouras.

A Constituição de 1934 vem na esteira de acontecimentos mundiais que influenciaram demasiadamente o período, em espe­cial a Constituição da República de Weimar, que tratava de direitos

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Direito Constitucional Econômico 4 3

socioeconômicos, e a experiência da Guerra Mundial. Assim, pela primeira vez o Brasil tem em sua Carta a sistematização de grupo de artigos que consistirão na Constituição Econômica.

Neste sentido, o Título IV da Constituição de 1934 cuidava “Da Ordem Econômica e Social”, e dispunha:

“Art. 115. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica.

Parágrafo único. Os Poderes Públicos verificarão, periodica­mente, o padrão de vida nas várias regiões do País.

Art. 116. Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, asseguradas as indenizações, devidas, con­forme o art. 112, ne 17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos Poderes locais.

Art. 117. A lei promoverá o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos bancos de depósito. Igualmente providenciará sobre a naciona­lização das empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em sociedades brasileiras as estrangeiras que atualmente operam no País.

Parágrafo único. É proibida a usura, que será punida na forma da Lei.

[...]Art. 120. Os sindicatos e as associações profissionais serão

reconhecidos de conformidade com a lei.

Art. 121. A lei promoverá o amparo da produção e estabele­cerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País.

[...]

Art. 122. Para dirimir questões entre empregadores e em­pregados, regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça

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do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I.”

Com isso, ficava marcado o novo direcionamento ideológi­co do Estado brasileiro, segundo o qual a justiça, a liberdade, a igualdade e a segurança são tomadas como atributos concretos do homem, cujos objetivos a serem alcançados são a existência digna, o padrão de vida e condições de trabalho.

2.5.4 Constituição de 1937

Inspirada no Golpe de Estado, a Constituição de 1937 refletia o período histórico internacional daquele momento, mas nem tanto da realidade política e social brasileira. Decorre de idéias de fascismo, corporativismo, nacionalismo e até de um aparente libe­ralismo e reúne a temática econômica em artigos que integravam o título “Da Ordem Econômica”, conforme se destaca a seguir:

“Art. 135. Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A in­tervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e in­troduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão direta.

Art. 136. O trabalho é um dever social. [...]

[...]

Art. 138. A associação profissional ou sindical é livre. Somen­te, porém, o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal...

Art. 139. Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, ...

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Direito Constitucional Econômico 4 5

[...]Art. 140. A economia da população será organizada em cor­

porações, e estas, como entidades representativas das forças do trabalho nacional, colocadas sob a assistência e a proteção do Estado, são órgãos deste e exercem funções delegadas de Poder Público.

Art. 141. A lei fomentará a economia popular, assegurando-lhe garantias especiais. Os crimes contra a economia popular são equipa­rados aos crimes contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes penas graves e prescrever-lhes processos e julgamentos adequados à sua pronta e segura punição.

[...]

Art. 144. A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas m inerais e quedas d'água ou outras fontes de energia assim como das indústrias consideradas básicas ou essen­ciais à defesa econômica ou militar da Nação.

[...]

Art. 147. A lei federal regulará a fiscalização e revisão das tarifas dos serviços públicos explorados por concessão para que, no interesse coletivo, delas retire o capital uma retribuição justa ou adequada e sejam atendidas convenientemente as exigências de expansão e melhoramento dos serviços.

[...]

Art. 150. Só poderão exercer profissões liberais os brasileiros natos e os naturalizados que tenham prestado serviço m ilitar no Brasil, excetuados os casos de exercício legítimo na data da Constituição e os de reciprocidade internacional admitidos em lei. Somente aos brasileiros natos será permitida a revalidação, de diplomas profissionais expedidos por institutos estrangeiros de ensino.

[...]” (destacou-se em itálico).

Interessante observar que apesar da frase inicial do art. 135, que ressalta a força do indivíduo, em oposição à tendência socia- lizante do período, em seguida verifica-se a primeira aparição no

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4 6 Direito Econômico

constitucionalismo brasileiro da expressão “intervenção do Estado no domínio econômico”.

A Constituição de 1937, portanto, atribui ao Estado a coor­denação da produção e a inserção da competição com resultados positivos à nação, cabendo ao Estado ainda o poder de repreender os crimes tidos contra a economia popular, conforme disposto no art. 141.

A partir desse preceito constitucional se tem o Decreto-lei nfi 869, de 18 de novembro de 1938, o primeiro diploma legal brasileiro destinado a reprimir práticas atentatórias à livre con­corrência. Logo em seu art. l e estabelecia que os crimes contra a economia popular, sua guarda e seu emprego seriam punidos, e no art. 2- definia a tipologia desses crimes, dentre os quais se podem citar: destruir matérias-primas ou produtos necessários ao consumo do povo para determinar alta de preços em proveito próprio ou de terceiro; receber indenização para desistir da com­petição; impedir ou dificultar a concorrência para obter aumento arbitrário dos lucros; açambarcar produtos necessários ao con­sumo do povo para dominar mercado e provocar alta dos preços; impedir a concorrência com venda de produtos abaixo do preço de custo; exercer funções de direção em mais de uma empresa com o fim de dificultar a concorrência; e fraudar de qualquer modo escriturações com o fim de sonegar lucros.

O primeiro diploma antitruste brasileiro na verdade repercu­tiu na regulamentação de preços e na supressão dos artifícios e fraudes na venda de mercadorias. Na área específica da defesa da concorrência, pouco ou nada fez, talvez pela inexistência de um órgão especializado para se ocupar com a matéria e aplicar a lei.

Ainda em 1945, por iniciativa do então Ministro da Justiça, Agamenon Magalhães, em 22 de junho instituía-se o Decreto- lei ne 7.666, a “Lei Malaia”, que preceituava “atos contrários à ordem moral e econômica”, dispondo em seu art. 1- dos atos considerados contrários aos interesses da economia nacional, dentre os quais merecem citação: entendimentos entre empresas que tenham por efeito elevar o preço de venda dos respectivos produtos, cercear a liberdade econômica de outras empresas e influenciar o estabelecim ento de um monopólio; os atos de

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Direito Constitucional Econômico 4 7

aquisição de terras por parte de empresas que possam resultar na supressão das pequenas propriedades; a paralisação de empresas que possa resultar na elevação dos preços das mercadorias ou no desemprego em massa; e a concentração de empresas que possa resultar na elevação de preços, restrição da liberdade econômica de outras empresas e no estabelecimento de um monopólio.

O Decreto-lei tam bém criava em seu art. 19 a Comissão Administrativa de Defesa Econômica (CADE), órgão autônomo, com personalidade jurídica própria e subordinado diretamente ao Presidente da República. Dentre suas atribuições, dispunha o art. 11 que a “CADE” era competente para legitimar acordos em restrição da concorrência, desde que tivessem por efeito: o equilí­brio da produção com o consumo; regular mercado; a estabilização dos preços; a padronização ou racionalização da produção; e o estabelecimento de uma exclusividade de distribuição destinada a satisfazer a necessidades conexas.

Entretanto, no final de 1945, com a queda de Getúlio Vargaso Decreto-lei n- 7.666/45 foi revogado.

2.5.5 Constituição de 1946

Com o térm ino da Segunda Guerra Mundial e a derrocada do totalitarismo que governou a Europa, o mundo ocidental não aceitava mais regimes totalitários, exigindo a retomada da demo­cracia. A implantação da democracia também era imperiosa no Brasil, não havendo mais espaço para ditaduras. Nesse contexto, e com o mundo receoso de que os acontecimentos da Guerra se repetissem, as Constituições do Pós-Guerra propõem o estabele­cimento da democracia real, fundamentada em ordens políticas e econômicas sólidas, bem como sociais e eqüitativas justas.

A Constituição de 1946 preserva em seu art. 141 valores liberais, consubstanciados na “inviolabilidade dos direitos concer­nentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à proprieda­de”. No Título V, “Da Ordem Econômica e Social”, verifica-se a Constituição Econômica, com a reunião de artigos que versam sobre a temática econômico-social, conforme segue:

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“Art. 145. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.

Parágrafo único. A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna. O trabalho é obrigação social.

Art. 146. A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. A inter­venção terá por base o interesse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição.

Art. 147. O uso da propriedade será condicionado ao bem- estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover ajusta distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.

Art. 148. A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas indivi­duais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros.

[...]

Art. 151. A lei disporá sobre o regime das empresas conces­sionárias de serviços públicos federais, estaduais e municipais.

Parágrafo único. Será determinada a fiscalização e a revisão das tarifas dos serviços explorados por concessão, a fim de que os lucros dos concessionários, não excedendo ajusta remuneração do capital, lhes permitam atender as necessidades de melhoramentos e expansão desses serviços. Aplicar-se-á a lei às concessões feitas no regime anterior, de tarifas estipuladas para todo o tempo de duração do contrato.

[...]

Art. 154. A usura, em todas as suas modalidades, será punida na forma da lei.

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Direito Constitucional Econômico 4 9

Art. 157. A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão aos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores:

[...]

Art. 159. E livre a associação profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a forma de sua constituição, a sua representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas pelo Poder Público.

[...]” (destacou-se em itálico).

Diferentem ente da Constituição de 1934, que procurava "reprim ir os crimes contra a economia popular”, a ideologia adotada na Carta de 1946 inspirava-se na legislação antitruste dos Estados Unidos da América, da repressão do abuso do poder econômico.

Apesar de revogado, o Decreto-lei n- 7.666/45 teve impor­tante influência na elaboração da Constituição Federal de 1946, que dispunha em seu art. 148 sobre a repressão ao abuso do poder econômico, tanto que, em 1948, é encaminhado o Projeto de Lei na 122.

Após longa tramitação do Projeto de Lei ne 122, apenas aos10 de setembro de 1962 é publicada a Lei ne 4.137. A Lei consi­derava em seu art. 2° as formas de abuso de poder econômico, dentre as quais: dominar os mercados nacionais ou eliminar total ou parcialmente a concorrência por meio de ajuste ou acordo en­tre empresas, aquisição de acervos de empresa, qualquer forma de concentração de empresas, acumulações de direção de mais de uma empresa e criação de dificuldades ao funcionamento de empresas; elevar sem justa causa os preços com o objetivo de aumentar arbitrariamente os lucros; provocar condições monopo- lísticas ou exercer especulação abusiva com o fim de promover a elevação temporária de preços por meio de destruição de bens de produção ou de consumo, açambarcamento de mercadorias ou de matérias-primas; reter bens de produção ou de consumo em condições de provocar escassez e com meios artificiosos a oscilação de preços para prejudicar empresa concorrente; for­mar grupo econômico por meio de discriminação de preço entre

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5 0 Direito Econômico

compradores e subordinar a venda de um produto à aquisição de outro; e exercer concorrência desleal por meio de exigência de exclusividade para propaganda publicitária e ajuste de vantagens na concorrência pública ou administrativa. O art. 8a da Lei criavao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), com a finalidade de apurar e reprimir os abusos do poder econômico.

2.5.6 Constituição de 1967

Influenciada pela ideologia norte-am ericana da segurança nacional que foi marcante não apenas para o Brasil, mas também para os países da América Latina que adotavam regimes militares, a Constituição de 1967 alicerçou-se na geopolítica de estimular e fortalecer o Estado, a partir da ocupação do território nacional, expansão sul-americana e formação de uma potência mundial.

0 Título III, "Da Ordem Econômica e Social", reuniu os temas econômicos assim dispostos:

“Art. 157. A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:

1 - liberdade de iniciativa;

II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana;

III - função social da propriedade;

IV - harmonia e solidariedade entre os fatores de produção;

V - desenvolvimento econômico;

VI - repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo do­mínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.

§ l e Para os fins previstos neste artigo, a União poderá pro­mover a desapropriação da propriedade territorial rural, mediante pagamento de prévia e justa indenização ...

[ - ]§ 8- São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopó­

lio de determinada indústria ou atividade, mediante lei da União, quando indispensável por motivos de segurança nacional, ou para organizar setor

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Direito Constitucional Econômico 5 1

que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.

§ 9- Para atender à intervenção no domínio econômico, de que trata o parágrafo anterior, poderá a União instituir contribuições destinadas ao custeio dos respectivos serviços e encargos, na forma que a lei estabelecer.

[...]

§ 11. A produção de bens supérfluos será limitada por em­presa, proibida a participação de pessoa física em mais de uma empresa ou de uma em outra, nos termos da lei.

Art. 158. A Constituição assegura aos trabalhadores os se­guintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social:

[...]

Art. 159. É livre a associação profissional ou sindical; a sua constituição, a representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas de Poder Público serão regulados em lei.

[•••]Art. 163. Às empresas privadas compete preferencialmente,

com o estímulo e apoio do Estado, organizar e explorar as ativi­dades econômicas.

§ Ia Somente para suplementar a iniciativa privada, o Estado organizará e explorará diretamente atividade econômica.

§ 2e Na exploração, pelo Estado, da atividade econômica, as empresas públicas, as autarquias e sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclu­sive quanto ao direito do trabalho e das obrigações.

§ 3- A empresa pública que explorar atividade não m ono­polizada ficará sujeita ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas.

[...]” (destacou-se em itálico).

Em 1969, a Emenda Constitucional ne 1, para alguns tratada como a Constituição de 1969, em especial no que se refere ao

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5 2 Direito Econômico

Título III, admitiu greve, exceto no serviço público e atividades essenciais, e delimitou a competência do setor privado e do estatal na organização e exploração da atividade econômica, assegurando ao Estado sua atuação ou intervenção no domínio econômico.

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A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988

3.1 Aspectos gerais da constituição econômica

A Emenda Constitucional n3 26, de 27 de novembro de 1985, efetivou a Assembléia Constituinte que se instalou em l e de feve­reiro de 1987. Após meses de trabalho, a Constituição Federal do Brasil era promulgada aos 5 de outubro de 1988, sob a presidên­cia dos trabalhos do Deputado Ulisses Guimarães, que apelidou a Carta de “constituição cidadã", dada a ideologia adotada pelo texto no campo econômico e social.

A Constituição de 1988 destaca-se pelo aspecto social e pelo relevo com que trata o cidadão, bem como, no campo econômico, pelo novo foco que é atribuído ao Estado no desempenho de suas funções.

No Título da Constituição, onde estão os princípios fun­damentais do Estado Democrático de Direito, tem-se a base da ordem política que permeará o conteúdo econômico constitu­cional.

A Constituição Econômica, portanto, deve ser interpretada à luz das demais disposições constitucionais, e não apenas daquelas contidas no Título VII, Da Ordem Econômica e Financeira, pois os princípios e objetivos da política econômica estão expressos

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5 4 Direito Econômico

em outros tópicos da Carta, constituindo todo esse conjunto a Constituição Econômica do Brasil.

Antes de tratar, especificamente, da ordem econômica dispos­ta no Título VII da Constituição, merece análise a observação de Eros Roberto Grau (2003, p. 155):

“Ao bojo da ordem econômica, tal como a considero, além dos que já no seu Título VII se encontram, são transportados, fundamentalmente, os preceitos inscritos nos seus arts. Ia, 3e, 7- a 11, mercê de a afetarem de modo específico, entre os quais, v. g., os do art. 5a, LXXI, do art. 2 4 ,1, do art. 37, XIX e XX, do § 2a do art. 103, do art. 149, do art. 225.”

0 art. Ia, nos incisos I, II, III e IV, dispõe que a República Fe­derativa do Brasil tem como fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e como objetivos fundamentais, dispostos no art. 3-, incisos I, II, III e IV, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a erradicação da pobreza e da mar- ginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos e a garantia do desenvolvimento nacional. Já o parágrafo único do art. 4a dispõe acerca da inte­gração latino-americana, inclusive econômica, que o Brasil tem como princípio nas suas relações internacionais:

“Art. Ia A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e M unicípios e do D istrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fun­damentos:

1 - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

[...]

Art. 3a Constituem objetivos fundam entais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

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A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988 5 5

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desi­gualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimina­ção.

Art. 4a A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

[...]

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino- americana de nações.”

No art. 5e, destacam-se direitos à igualdade, segurança e propriedade, sem os quais uma economia de mercado não con­seguiria prosperar. Nos incisos XII, XVII e XVIII, a liberdade profissional e associativa; nos incisos XXII, XXIII, XXIV e XXV, a garantia à propriedade e sua função social, bem como a pre­visão de desapropriação quando necessário; nos incisos XXIX e XXXII, a garantia do direito de inventos industriais, marcas, nomes e signos distintivos em vista do desenvolvimento tecno­lógico e econômico do país, bem como a promoção da defesa do consumidor; e ainda no inciso LIV desse mesmo artigo, a garantia constitucional sobre os bens; e no inciso LXXI, a concessão de mandado de injunção nos casos de falta de norma regulamentado- ra, que torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitu­cionais:

“Art. 5e Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qual­quer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou pro­

fissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabe­lecer;

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5 6 Direito Econômico

[...]XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos,

vedada a de caráter paramilitar;

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de coope­rativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

[...]XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropria­ção por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

XXV - no caso de im inente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

[...]XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais

privilégio tem porário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

[...]

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

[...]

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

[•••]

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.”

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A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988 5 7

No campo dos direitos sociais, já que a Constituição de 1988 foi apelidada “constituição cidadã", destacam-se os arts. 6a, 1-, 8-, 9Q, 10 e 11, onde estão disciplinados os direitos dos traba­lhadores:

“Art. 6e São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela EC n2 26, de 14- 2-2000)

Art. 1- São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

Art. 8a É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

[...]

Art. 9- É assegurado o direito de greve, competindo aos tra­balhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

[...]

Art. 10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de dis­cussão e deliberação.

Art. 11. Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finali­dade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores.”

O art. 21 dispõe em seus incisos a competência da União, que, dentre outras, deverá elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econô­mico e social, e explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, determinados serviços.

No que se refere ao art. 21, merece destaque o inciso X, atualmente em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF),

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que em breve deverá concluir o julgamento da ação (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n2 46) proposta em 2003 pela Associação Brasileira das Empresas de Distribuição (Abraed) que trata da concorrência nos serviços postais. Em linhas gerais, dos onze ministros, quatro já se manifestaram a favor do monopólio pelos Correios (ECT - Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), dois ministros defenderam a abertura do mercado. Após o voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), que julgava procedente a ação; dos votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Eros Grau e Cezar Peluso, que a julgavam totalmente improcedente; do voto do M inistro Carlos Britto, julgando-a procedente, em parte; e do voto do Ministro Gilmar Mendes, que julgava parcialmente procedente, pediu vista dos autos a Ministra Ellen Gracie. A Ação busca declarar a inconstitucionalidade dos arts. 42, 43, 44 e 45 da Lei n2 6.538, de 22 de junho de 1978, que regula os direitos e obrigações concernentes ao serviço postal e ao serviço de telegrama em todo o território nacional, incluídos as águas territoriais e o espaço aéreo.

Já o art. 24, inciso I, dispõe da competência da União, Es­tados e Distrito Federal de legislarem sobre direito econômico. O art. 37 e seus incisos XIX e XX preceituam os princípios da Administração Pública acerca das autarquias, empresas públi­cas, sociedades de economia mista e fundações. O art. 103, § 22, versa sobre a proposição de ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade. O art. 146-A trata de critérios especiais de tributação para prevenir desequilíbrios da concorrência. O art. 149 garante a competência exclusiva da União para instituir contribuições sociais de intervenção no do­mínio econômico. E por fim o art. 225 coloca o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito e dever do Estado e da coletividade:

“Art. 21. Compete à União:

[...]

IX - elaborar e executar planos nacionais e regionais de orde­nação do território e de desenvolvimento econômico e social;

X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;

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A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988 5 9

XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, conces­são ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Redação dada pela EC n2 8, de 15 de agosto de 1995)

[...]XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, conces­

são ou permissão:

a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; (Re­dação da alínea a dada pela EC n2 8, de 15 de agosto de 1995)

b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aprovei­tamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;

c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aero­portuária;

d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;

e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e inter­nacional de passageiros;

f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;

[...]XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos

hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;

XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, in­clusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;

XXI - estabelecer princípios e diretrizes para o sistema na­cional de viação;

XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qual­quer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização eo comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:

[•••]

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6 0 Direito Econômico

XXV - estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa.

[...]Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal

legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

[•••]Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer

dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoa­lidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao se­guinte: (Redação do caput dada pela EC n2 19, de 4 de junho de 1998)

[•••]XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia

e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação do inciso XIX dada pela EC n2 19, de 4 de junho de 1998)

XX - depende de autorização legislativa, em cada caso, a cria­ção de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso ante­rior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada;

[•••]§ 6e As pessoas jurídicas de direito público e as de direito

privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos da­nos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

[...]

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação do art. 103 dada pela EC ne 45, de 8 de dezembro de 2004)

[•••]

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A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988 6 1

§ 22 Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Po­der competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

[...]

Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo (Incluído pela Emenda Constitucional na 42, de 19-12-2003).

[•••]

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribui­ções sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150,1 e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6-, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

[•••]

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamen­te equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Merece destaque a observação de Eros Roberto Grau (2003, p. 153), no tocante ao conjunto de diretrizes, programas e fins que enuncia a Constituição de 1988:

“Que a nossa Constituição de 1988 é uma Constituição dirigen­te, isso é inquestionável. O conjunto de diretrizes, programas e fins que enuncia, a serem pelo Estado e pela sociedade realizados, a ela confere o caráter de plano global normativo, do Estado e da sociedade. O seu art. 170 prospera, evidenciadamente, no sentido de implantar uma nova ordem econômica.”

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6 2 Direito Econômico

3.2 Princípios gerais da atividade econômica

O Título VII da Constituição Federal de 1988 dispõe acerca “Da Ordem Econômica e Financeira”, compondo-se de quatro capítulos, quais sejam: I - Princípios Gerais da Atividade Econô­mica; II - Política Urbana; III - Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária; e IV - Sistema Financeiro Nacional.

No presente trabalho dar-se-á maior destaque ao Capítulo I, ou seja, aos princípios gerais que devem presidir a atividade econômica, não obstante os breves comentários a serem tecidos aos demais Capítulos do Título VII.

Inicialmente, cumpre ressaltar que a Constituição de 1988 em sua redação original centrava-se, no que se refere à atividade econômica, em três pontos: (i) discorre acerca dos princípios; (ii) estabelece o protecionismo à empresa brasileira de capital nacional (revogado pela Emenda Constitucional ne 6, de 1995); e (iii) dispõe da atuação do Estado no domínio econômico, con­forme segue:

TÍTULO VII Da Ordem Econômica e Financeira

CAPÍTULO IDOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA

3.2.1 Art. 170: Ordem Econômica

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

O caput do art. 170 estabelece a estrutura geral do ordena­mento jurídico-econômico fundado na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, cuja finalidade da política econômica adotada pelo Estado está em assegurar a existência digna, con­forme preceitos da justiça social, adotando-se, para tanto, alguns princípios norteadores.

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Comenta João Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 87), acerca dos ditames da justiça social, que “este dispositivo deve ser visto em conexão com o conteúdo do inciso IV do art. Ia, em que, como já visto, se colocam os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos do Estado Democrático de Direito”.

A valorização do trabalho humano e a livre iniciativa revelam que a Constituição de 1988 prevê uma sociedade brasileira capi­talista moderna, na qual a conciliação e composição dos titulares de capital e de trabalho é uma necessidade a ser viabilizada pela atuação do Estado.

Já Eros Roberto Grau (2003, p. 174) observa “a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1-, III) e como fim da ordem econômica (mundo do ser)”. Daí depreende-se que toda atividade econômica, seja pública ou privada, deve ser exercida na busca da existência digna de toda a coletividade.

O portuno citar o Recurso Extraordinário (na 422.941-2) acerca da responsabilidade objetiva da União que interveio no domínio econômico ao fixar os preços dos produtos sucro-alcoo- leiros, interposto pela Destilaria Alto Alegre S.A., fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, com alegação de ofensa ao art. 37, § 6a, da mesma Carta, cuja decisão da 2- Turma, por votação majoritária, conheceu e deu provimento, nos termos do voto do Relator, Ministro Carlos Velloso, conforme ementa publicada no Diário da Justiça de 24 de março de 2006 e transcrita a seguir:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. ECONÔMICO. INTER­VENÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA: REGULAMENTAÇÃO E REGULAÇÃO DE SETORES ECONÔMICOS: NORMAS DE INTERVENÇÃO. LIBERDADE DE INICIATIVA. CF, art. Ia, IV; art. 170. CF, art. 37, § 6a. I - A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Eco­nômica. CF, art. 170. O princípio da livre iniciativa é fundamento da República e da Ordem Econômica: CF, art. Ia, IV; art. 170. II- Fixação de preços em valores abaixo da realidade e em descon-

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formidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre iniciativa. III - Contrato celebrado com instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de em­basamento para a fixação dos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços acabou realizada em valores inferiores. Essa conduta gerou danos patrim oniais ao agente econômico, vale dizer, à recorrente: obrigação de indenizar por parte do poder público. CF, art. 37, § 6°. IV - Prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia técnica. V - RE conhecido e provido.”

3.2.2 Soberania nacional

I - soberania nacional;

O princípio da soberania nacional ora esculpido na esfera da ordem econômica complementa o já disposto no art. l e, I, da Constituição. Isso se explica porque um a nação que se diz soberana no campo político dificilmente conseguirá exercer em plenitude sua soberania se não for soberana no campo econômico. A soberania econômica contribui decisivamente para a indepen­dência de um Estado em relação aos demais Estados.

Escreve Ari Marcelo Solon (1997, p. 203 e 204) acerca da soberania:

“Arrancando-se o véu que encobre a vontade, a questão da soberania não é um problema de pressuposição ou hipótese da ciência jurídica, mas que demanda uma investigação empírica de determinados fatos. A soberania não é imputação, mas o exercício de uma força social que obtém obediência às suas prescrições. E um problema do ser do direito. Entre os critérios empíricos para averiguar se um poder é soberano podem-se incluir algumas qua­lidades como capacidade de auto-organização, um poder de agir e de se conduzir livremente. Pondo-se de lado os pressupostos de um a teoria normativa, a soberania não é outra coisa senão as diferentes regras constitutivas e fatos institucionais atribuido- res das qualidades acima a uma determinada realidade política.

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Isto não é apenas uma tarefa da sociologia jurídica, pois toda esta digressão surgiu a partir de um problema específico de teoria do direito: é possível identificar juridicamente o poder efetivo?"

Certamente, as diversas regras que determinam uma realidade política para a efetivação da soberania estão atreladas à soberania econômica do Estado, que poderá im plantar “livremente” sua política econômica.

3.2.3 Propriedade privada

II - propriedade privada;

A Constituição de 1988 traz o princípio da propriedade pri­vada em seu art. 5-, XXII, como garantia ao indivíduo, e como princípio da ordem econômica, pressuposto da liberdade de ini­ciativa. A propriedade privada é princípio típico das economias capitalistas, sem o qual não existiria segurança jurídica para os agentes econômicos atuarem nos mercados.

3.2.4 Função social da propriedade

III -função social da propriedade;

O princípio da função social da propriedade está presente na Constituição de 1988, no art. 52, 2QCIII, e no art. 170, III. Tal princípio vem confirmar o direito do indivíduo sobre a proprieda­de (princípio da propriedade privada), mas que ela deve cumprir sua função social, não mais aceitando o direito da propriedade em sua plenitude, típica do liberalismo, como constava nas Cartas de 1824 e 1891.

3.2.5 Livre concorrência

IV - livre concorrência;

Inserindo-se no contexto da globalização econômica, o cons­titu in te acaba optando pelo regime de economia de mercado. Com isso, a Constituição de 1988 tem como princípio da ordem

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econômica a livre concorrência, que vem garantir aos agentes econômicos a oportunidade de competirem de forma justa no mercado.

A garantia da competição leal, isenta de práticas anticon- correnciais e de utilização abusiva do poder econômico, é assegu­rada pelo Estado, por meio de agências reguladoras e de órgãos de defesa da concorrência, como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). A livre concorrência, portanto, não se re­veste mais dos moldes smithianos do liberalismo econômico, no qual o Estado fica ausente da economia, deixando que a própria concorrência no mercado estabeleça os agentes aptos a se perpetu­arem, excluindo os demais, até atingir o ponto de equilíbrio entre produtores e consumidores pela lei da oferta e da procura.

3.2.6 Defesa do consumidor

V - defesa do consumidor;

Uma vez feita a opção pela economia de mercado, não restava outra alternativa ao constituinte senão estampar como princí­pio da ordem econômica a defesa do consumidor. A defesa do consumidor se faz de forma direta, num contexto microeconô- mico e microjurídico, mas também de forma ampliada por meio da defesa da livre concorrência. Garantir a livre concorrência no mercado significa, numa perspectiva de análise, defender o bem- estar econômico do consumidor, que sai prestigiado com produtos e serviços de maior qualidade e preços mais vantajosos.

3.2.7 Defesa do meio ambiente

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento dife­renciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Inciso VI com redação dada pela EC nQ 42, de 19 de dezembro de 2003)

A defesa do meio ambiente como princípio constitucional da ordem econômica implica na limitação da propriedade privada, destacadamente industrial e agrícola, para que assim se proteja um interesse maior, da coletividade. O todo deve prevalecer sobre

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o único; o interesse da coletividade é maior ao interesse "de um indivíduo”.

Exemplo típico é o empresário que inicia as atividades de sua fábrica. Ele pode atuar livremente no mercado, produzir e comer­cializar seus produtos, mas não pode poluir o ambiente. E po­luindo, o Estado intervém em defesa do interesse coletivo para aplicar m ulta à empresa e exigir a instalação de filtros nas cha­minés da fábrica.

3.2.8 Redução das desigualdades regionais e sociais

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

A Constituição de 1988 prescreve no art. 3a como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza, a marginalização, e reduzir as de­sigualdades sociais e regionais, como também promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. A ordem econômica tem também como princípio a redução das desigualdades regio­nais e sociais, em consonância com a proposta de uma Carta que se ocupe da ordem econômica e social.

3.2.9 Busca do pleno emprego

VIII - busca do pleno emprego;

Em conformidade com o caput do art. 170, que dispõe sobre a fundamentação da ordem econômica na valorização do trabalho humano, a busca do pleno emprego como princípio da ordem econômica está ligada ao desenvolvimento e aproveitamento das potencialidades do Estado. Por outro lado, pode-se interpretar a busca do pleno emprego como algo essencial à própria estrutura social capitalista, já que a partir da remuneração (salário) se cons­titui um mercado consumidor, que faz a economia “girar”.

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6 8 Direito Econômico

3.2.10 Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte cons­tituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação do inciso IX dada pela EC n2 6, de 15 de agosto de 1995)

Pode-se interpretar o princípio do tratam ento favorecido às empresas de pequeno porte desde que constituídas em confor­midade com o regime legal brasileiro e cuja sede e administração encontram-se no País, como uma forma do Estado de intervir na liberdade econômica, privilegiando o empresário que está dis­posto a investir no desenvolvimento de sua região e viabilizar o pleno emprego. Por outro lado, o tratamento diferenciado pode ser interpretado como uma forma de o Estado nivelar o campo de jogo (the levei playing field), para assegurar condições mínimas ao pequeno estabelecimento empresarial de competir no mercado com concorrentes maiores e mais aptos à disputa.

3.2.11 Livre exercício da atividade econômica

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públi­cos, salvo nos casos previstos em lei.

A liberdade de iniciativa, típica das sociedades capitalistas modernas, é colocada como fundamento da ordem econômica disposta no art. 170, caput. Ao reiterar esse entendim ento no parágrafo único do mesmo art. 170, o constituinte buscou afas­tar empecilhos burocráticos que retardassem, dificultassem ou impedissem o exercício de qualquer atividade econômica, salvo os casos específicos e previstos em lei.

3.2.12 Arts. 171 e 172

Art. 171. São consideradas: (Revogado pela Emenda Constitu­cional n2 6, de 15 de agosto de 1995)

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I - empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País; (Revogado pela Emenda Constitu­cional ne 6, de 15 de agosto de 1995)

II - empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efe­tivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades. (Revogado pela Emenda Constitucional n2 6, de 1995)

§ 1- A lei poderá, em relação à empresa brasileira de capital na­cional: (Revogado pela Emenda Constitucional n- 6, de 1995)

I - conceder proteção e benefícios especiais temporários para desen­volver atividades consideradas estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País; (Revogado pela Emenda Constitucional n- 6, de 1995)

II - estabelecer, sempre que considerar um setor imprescindível ao desenvolvimento tecnológico nacional, entre outras condições e requisitos: (Revogado pela Emenda Constitucional n2 6, de 1995)

a) a exigência de que o controle referido no inciso II do caput se es­tenda às atividades tecnológicas da empresa, assim entendido o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para desenvolver ou absorver tec­nologia; (Revogado pela Emenda Constitucional n2 6, de 1995)

b) percentuais de participação, no capital, de pessoas físicas domicilia­das e residentes no País ou entidades de direito público interno. (Revogado pela Emenda Constitucional n2 6, de 1995)

§ 2 -Na aquisição de bens e serviços, o Poder Público dará tratamento preferencial, nos termos da lei, à empresa brasileira de capital nacional. (Revogado pela Emenda Constitucional n2 6, de 1995)

Art. 172. A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os inves­timentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros.

O art. 171 da Constituição de 1988 foi revogado pela Emenda Constitucional n2 6, de 15 de agosto de 1995. Tratava-se de artigo que dava tratamento protecionista que distinguia empresa brasi­

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leira e empresa brasileira de capital nacional. A primeira (empresa brasileira), aquela constituída sob as leis brasileiras e que tivesse sua sede e administração no País; a outra (empresa brasileira de capital nacional), aquela cujo controle efetivo (poder decisório) estivesse em caráter perm anente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no Brasil ou de entidades de direito público interno.

O protecionismo à empresa brasileira de capital nacional fi­cava evidente nos parágrafos do art. 171 e seus incisos e alíneas, que dispunha que a lei poderia conceder benefícios a esta em detrimento da empresa nacional. Era, portanto, uma proteção à empresa brasileira contra a concorrência global que se iniciava, de fato, no Brasil. A abertura da economia brasileira era uma exigência internacional para o Brasil estar inserido nas economias de mercado.

Como prejudicados por essa política protecionista até então adotada pela Carta tinha-se o próprio Estado, que encontrava di­ficuldades para se desenvolver em sua plenitude, e o consumidor, a coletividade, que ficavam alijados de melhores serviços e pro­dutos. Isso porque a partir da livre concorrência o país alcançaria seu crescimento e desenvolvimento e a coletividade teria atendido o seu bem-estar econômico.

Coincidentemente, o art. 171 é revogado no período em que inicia em sua plenitude o processo de desestatização e priva­tização/concessão.

O art. 172 permanece em vigor, apesar de já afastada da Cons­tituição a grande limitação que se fazia ao capital estrangeiro.

3.2.13 Arts. 173 e 174: atuação do Estado no domínio econômico

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a explo­ração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

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§ 1- A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem ativida­de econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional na 19, de 1998)

I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela so­ciedade; (Incluído pela Emenda Constitucional ne 19, de 1998)

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional n2 19, de 1998)

III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e aliena­ções, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional ne 19, de 1998)

IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional n- 19, de 1998)

V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. (Incluído pela Emenda Constitucional ne 19, de 1998)

§ 2- As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

§ 3 - A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.

§ 4a A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à domina­ção dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

§ 5a A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômi­ca, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

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§ 1- A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibi­lizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

§ 2- A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.

§ 3 - 0 Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.

§ 4° As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recur­sos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuan­do, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.

Os arts. 173 e 174 da Constituição de 1988 são de extrema relevância, pois traçam a nova forma pela qual o Estado deve atuar no domínio econômico. Não se trata mais de um Estado agente econômico, monopolista, em muitas situações, tampouco de um Estado ausente nos padrões liberais, deixando que a concorrência entre agentes privados por si só regulasse a economia.

A exploração da atividade econômica, tratada no caput do art. 173, passa a ser desempenhada pelo agente privado e, pelo Estado, apenas em casos de segurança nacional ou interesse coletivo. Outrossim, define-se que o Estado atuará como agente econômico revestido nas formas empresariais de empresa pública ou sociedade de economia mista (art. 173, § l 2).

Interessante notar que tanto a em presa pública quanto a sociedade de economia m ista estão sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, bem como não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado (art. 173, incisos do § l 2, § 22 e § 32). Evidencia-se a preocupação em assegurar condições concorrenciais igualitá­rias aos agentes econômicos, seja privado, seja o Estado agindo como se privado fosse.

O § 42 do art. 173 da Constituição dispõe que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

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Essa determinação constitucional está em conformidade com o princípio da livre concorrência. Cumpre ressaltar que o poder econômico não é mau per se, pelo contrário, sem poder econômico não se viabilizam grandes obras e investimentos necessários para o desenvolvimento do País. Repreende-se, assim, o uso abusivo do poder econômico, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros. A lei que versará acerca da prevenção e repressão ao abuso do poder econômico é a Lei de Defesa da Concorrência (Lei n2 8.884, de 11 de junho de 1994).

A empresa (e pessoas jurídicas em geral) também é tratada como sujeito de direitos e obrigações (art. 173, § 52), tanto é que está sujeita a punições condizentes com sua natureza pelos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

O art. 174 define a nova função do Estado de agente norma­tivo e regulador da atividade econômica, cabendo a ele fiscalizar, incentivar e planejá-la, sendo determinante para o setor públi­co e indicativo para o setor privado. Justifica-se neste artigo a possibilidade da efetivação das "agências reguladoras” no con­texto jurídico-econômico nacional, pois são agentes privados que passam a desem penhar atividades até então habituais do setor público e a atuar em setores de interesse público, como telecomunicações. Delineia-se o papel do Estado na nova ordem j urídico-econômica.

Cabe destacar também que no art. 174, caput, está disposto que o planejamento da atividade econômica é indicativo ao se­tor privado. Tal entendim ento está em perfeita sintonia com o princípio da livre iniciativa, fundamento da ordem econômica. Entretanto, para vincular o setor privado e assim viabilizar suas políticas, o Estado celebra com a iniciativa privada contratos admi­nistrativos em nome do interesse público. Por essa razão, observa Sônia Tanaka (2007, p. 191), "não se pode afirmar a existência de uma relação de subordinação entre o particular contratado e a Administração, mas sim um pacto de colaboração, posto que o objeto será, ao final, de interesse de ambas as partes contratantes, mesmo não sendo esse o objetivo imediato do particular, que

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7 4 Direito Econômico

sempre almejará a circulação da riqueza”, entende-se, a obtenção do lucro.

3.2.14 Arts. 175 a 181: outras formas de atuação do Estado no domínio econômico

A Constituição de 1988 apresenta nos arts. 175, 176, 177 e 178 outras formas de atuação do Estado no domínio econômico, tais como a prestação de serviços públicos sob o regime de con­cessão, a propriedade de jazidas, o monopólio do petróleo e do gás natural, transportes aéreo, marítimo e terrestre e o turismo.

Oportuno informar que a Lei n2 8.987/95 dispõe sobre o re­gime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal e a Lei ne 9.074/95 estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos.

No que se refere ao monopólio estatal do petróleo e sua "que­bra”, a redação dada ao § l s do art. 177 pela Emenda Constitu­cional ne 9, de 1995, dispõe que a União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades de pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, a refinação do petróleo nacional ou es­trangeiro, a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes dessas atividades, bem como o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no país, como também o trans­porte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem.

3.2.15 Art. 219: mercado interno

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-eco- nômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

Em que pese estar disposto no Título VIII da Constituição de 1988, mais especificamente no Capítulo IV, "Da Ciência e

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Tecnologia”, a importância que é assegurada ao mercado interno como integrante do patrimônio nacional e meio de se alcançar o desenvolvimento socioeconômico e o bem-estar da coletividade, guarda ampla relação com a ordem econômica, razão pela qual se transcreve o art. 219 neste item do livro.

3.2.16 Arts. 182 e 183: política urbana

A Constituição de 1988 prescreve que a política de desenvol­vimento urbano é executada pelo Poder Público municipal, con­forme diretrizes gerais fixadas em lei, e tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Dispõe ainda que para as cidades com mais de vinte mil ha­bitantes as Câmaras Municipais devem aprovar o Plano Diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

3.2.17 Arts. 184 a 191: política agrícola, fundiária e reforma agrária

Dispõe a Constituição de 1988 que é competência da União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, me­diante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, aos seguintes requisitos: aproveitamento racio­nal e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

No tocante à política agrícola, esta será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes,

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7 6 Direito Econômico

considerando: os instrum entos creditícios e fiscais; os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comer­cialização; o incentivo à pesquisa e à tecnologia; a assistência técnica e extensão rural; o seguro agrícola; o cooperativismo; a eletrificação rural e irrigação; e a habitação para o trabalhador rural. Incluem-se também no planejamento agrícola as atividades agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais.

Quanto à aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira, tal matéria será limitada e regulada por lei.

O usucapião rural fica assegurado para a pessoa que não é proprietária de imóvel rural ou urbano e possua como se dela fosse, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a 50 hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, ad­quirindo assim a propriedade. Destaca-se que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

3.2.18 Art. 192: sistema financeiro nacional

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado deforma a pro­mover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da co­letividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (Redação do art. 192 dada pela EC n2 40, de 29-5-2003)

Para Regis Fernandes de Oliveira e Estevão Horvath (2003, p. 26):

“A disciplina jurídica da atividade financeira do Estado deno­mina-se direito financeiro. O fenômeno financeiro tem diversos aspectos: o contábil, o econômico, o psicológico etc.

[•••]Dentre seus inúmeros aspectos, o que nos vai interessar é

o jurídico, ou seja, aquele fenômeno real ocorrente na realidade empírica que é adaptado pela norma jurídica.”

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A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988 7 7

A estrutura do Direito Financeiro é constitucional, tanto que na Constituição de 1988 verificam-se nos arts. 70 a 75 matérias de fiscalização contábil, financeira e orçamentária, nos arts. 163 e 164, normas sobre finanças públicas, e nos arts. 165 a 169, questões de orçamento. Outrossim , o art. 159 trata de finan­ciamento ao setor produtivo e os arts. 48 e 52, ainda que não tratem do Sistema Financeiro Nacional, acabam interferindo em seu funcionamento.

Já o último artigo do Título VII da Constituição de 1988 trata especificamente do Sistema Financeiro Nacional. Merece destacar que o sistema financeiro nacional deve promover o desenvolvi­mento equilibrado do País e servir aos interesses da coletividade. Anteriormente à Emenda Constitucional n- 40, de 2003, o art. 192 dispunha em seus oito incisos, duas alíneas e três parágrafos acerca de diversos temas relacionados ao sistema financeiro na­cional e que seriam objetos específicos de lei. A partir da Emenda eliminou-se essa especificação e inseriram-se no caput do artigo as cooperativas de crédito e a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.

Conforme escreve Sidnei Turczyn (2005, p. 117 e 118),

“por trás da discussão relativa à exigência de lei complementar única para a regulamentação do art. 192 da Constituição se es­condia, na verdade, um a outra relevante questão, de natureza eminentemente política, qual seja, a do tratam ento a ser dado à ‘organização, [ao] funcionamento e [às] atribuições do Banco Central', prevista no inciso IV do art. 192. Prevalecendo a tese da lei complementar única, impedir-se-ia que a questão da ‘indepen­dência’ do Banco Central fosse tratada em separado das demais questões relativas à regulamentação global do Sistema Financeiro, sendo dificultada, assim, a abordagem desse tema”.

Prossegue Sidnei Turczyn (2005, p. 118) comentando acerca da Emenda Constitucional ne 40, de 29 de maio de 2003: “Surgiu ela da necessidade de se acabar com a exigência da ‘lei comple­m entar única', possibilitando, assim, que o Sistema Financeiro Nacional fosse regulamentado por partes.”

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7 8 Direito Econômico

Cumpre ressaltar que, conforme o disposto no art. 192 da Constituição de 1988, o Sistema Financeiro Nacional deve ser regido por leis complementares. Contudo, essas leis não foram promulgadas, permanecendo o funcionamento do Sistema Finan­ceiro Nacional sendo regulado e estruturado pela Lei (Ordiná­ria) nQ 4.595/1964, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional, além de outras providências. O entendimento que se faz é que tal lei foi recepcionada pela Constituição de 1988 como lei complementar, em que pese a sua elaboração em momento histórico distinto ao da Constituição Federal de 1988. Cita-se ain­da as Leis n2 4.728/1965, que disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento, e n2 6.385/1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Co­missão de Valores Mobiliários. Conforme observa Fabiano Del Masso (2007, p. 68 e 69), essas leis “continuam a compreender as normas ordenadoras da estrutura dos órgãos e da fixação de suas competências para o funcionamento do mercado financeiro nacional”.

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Atuação do Estado no Domínio Econômico

O Estado pode atuar de várias formas no domínio econômico, diretamente, como agente econômico, controlando e fiscalizan­do a atuação de entes particulares, ou ainda em parceria com a iniciativa privada. A atuação do Estado pode ser mais intensa quando o Estado é o próprio agente de um setor da economia, muitas vezes até como monopolista, e menos direta quando o Estado deixa a atividade econômica ser explorada pelo agente privado e reserva-se o poder de fiscalização. Pode também estar ausente da economia, nos moldes do liberalismo smithiano, em que o próprio mercado regularia a economia, mas esse modelo comprovadamente pela história não é eficaz, fazendo-se necessária a atuação do Estado no domínio econômico.

4.1 A empresa e o direito econômico: teoria da empresa

A análise atual do Direito exige de seu operador a considera­ção da empresa e seus reflexos para a sociedade e para o Estado. Tal abordagem ganha relevância na medida em que a empresa se revelava instrum ento dos mais im portantes na transformação econômica social e os juristas passaram a se preocupar com o tema.

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8 0 Direito Econômico

A empresa, até então tida como mera organizadora das coisas para a produção, algo típico até o final do século XIX e meados do século XX, passa a ser vista de forma mais abrangente pelo jurista na medida em que o Estado atuava no domínio econômico, resultando na chamada “Teoria da Empresa”. Além da atividade profissionalmente organizada para a produção e circulação de bens ou serviços, incluem-se no conceito atual de empresa todos os direitos e obrigações decorrentes de sua atividade na sociedade, seja nos aspectos comerciais (hoje empresariais), fiscais, previ- denciários, trabalhistas, ambientais, penais, cíveis, concorrenciais, constitucionais e administrativos, dentre outros.

Conforme escreve Fábio Ulhoa Coelho (2003, v. 1, p. 18),

“a teoria da empresa é, sem dúvida, um novo modelo de disciplina privada da economia, mais adequado à realidade do capitalismo superior. Mas através dela não se supera, totalmente, um certo tratamento diferenciado das atividades econômicas. O acento da diferenciação deixa de ser posto no gênero da atividade e passa para a medida de sua importância econômica. Por isso é mais apropriado entender a elaboração da teoria da empresa como o núcleo de um sistema novo de disciplina privada da atividade econômica e não como expressão da unificação dos direitos co­mercial e civil”.

Nesse sentido, aprofunda-se a definição de empresa apontada por Amador Paes de Almeida (2004, p. 23), para apresentar o seguinte conceito de empresa: “Empresa é a organização eco­nômica destinada à produção e circulação de bens ou serviços, sujeita de direitos e obrigações decorrentes de sua atuação na so­ciedade. A atividade é seu elemento funcional, a que se acrescen­tam outros elementos: o subjetivo (o empresário), o objetivo (o estabelecimento) e o corporativo (os empregados). Seus direitos e obrigações decorrem de Lei, em conformidade com a ideologia constitucionalmente adotada e a política econômica definida.”

O Direito Econômico é o ramo do Direito em que a análise da empresa guarda demasiada importância, tendo em vista o estreito binômio empresa/poder econômico.

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Atuação do Estado no Domínio Econômico 8 1

Nesta seara, questiona-se se a empresa deve ser tomada como “sujeito” do direito, ou seja, o Direito Econômico, pela teoria da empresa, se ocuparia do agente econômico, regulamentando-lhe o ato jurídico, ou se a empresa deve ser tomada como “objeto” do direito, caso em que o Direito Econômico regulamentaria a atividade econômica, sendo a empresa a atividade praticada pelo empresário.

Resume W ashington Peluso A lbino de Souza (2003, p. 293):

“Tomada por qualquer dessas posições, seja como ‘atividade’, seja como ‘sujeito’, portanto, é fácil perceber como a ‘empresa’ tem significação fundamental para a nossa disciplina [Direito Econômico]. Como ‘sujeito’, é o principal instrumento de dinami- zação da própria vida econômica, na sociedade atual caracterizada pelo emprego de sofisticada tecnologia e de ‘concentração’ cada vez mais intensa de capitais. Como ‘atividade’, deixa de oferecer a necessária consistência para o trato jurídico em termos de atri­buição de responsabilidade, especialmente nas formas atuais das multinacionais, ou mesmo das globais, sob a forma de sociedades por ações, ao comparecer a um só tempo nas Bolsas de Valores dos mais diversos países em transações rápidas dos geralmente desconhecidos proprietários de suas ações, enquanto ali figuram pelo seu nome, seu patrimônio e seu prestígio próprio.” (inseriu- se colchete)

Entretanto, abraça-se o entendimento de Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 293):

“Apesar da im portância das duas posições conceituais de ‘empresa’, entretanto, adotaremos aquela que a toma por ‘sujei­to ’ do ato jurídico-político-econômico. Ficamos com a sua feição mais moderna, respaldada pela maior freqüência desse sentido, registrada na legislação, apesar das poucas exceções, nas quais ainda é caracterizada como ‘atividade’.

[...]

Precisamente porque, e até onde, a empresa se integra na Política Econômica como seu ‘sujeito’, o Direito Econômico preo­

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8 2 Direito Econômico

cupa-se com a sua atuação, vai traçar-lhe normas de conduta, vai impor-lhe incentivos, obstáculos e limitações, bem como cogita do seu próprio destino, quando quaisquer medidas venham pre- judicá-las.”

No Brasil, a teoria da empresa foi adotada pelo Código Civil de 2002, mais especificamente em seu Livro II, “Do Direito de Empresa”, em contrapartida à teoria dos atos do comércio pre­sente no Código Comercial de 1850.

O art. 982 do Código Civil considera sociedade empresária aquela cujo objeto é o exercício da atividade própria do empresá­rio sujeito a registro, sendo sociedades simples as demais. Nesse sentido, remete-se ao art. 966 do Código Civil, que considera empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços.

Oportuno o estudo de Fábio Ulhoa Coelho (2003, v. 1, p.18):

“O marco inicial do quarto e último período da história do direito comercial é a edição, em 1942 na Itália, do Codice Civile, que reúne num a única lei as normas de direito privado (civil, comercial e trabalho). N este período, o núcleo conceituai do direito comercial deixa de ser o ‘ato de comércio’, e passa a ser a ‘empresa’.”

Contudo, a ideologia da empresa já havia sido recepcionada na ordem jurídico-político-econômica da Constituição Federal de 1988 em seu Título VII, arts. 170, IV e IX, e 173, parágrafos.

Nesse contexto, o Estado estabelece a economia de mercado com a livre concorrência e reserva à iniciativa privada a exploração da atividade econômica, salvo nos casos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo. Ainda assim, as empresas públicas que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime próprio das empresas privadas.

Outrossim, ao passo que legitima o agente privado como ex­plorador da atividade econômica, o Estado imputa-se a responsa­bilidade de agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,

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Atuação do Estado no Domínio Econômico 8 3

sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

4.2 Teoria geral da regulação

Quando a Economia e o Direito se deparam com uma situa­ção em que os agentes econômicos, tanto consumidores, quanto produtores, são tomadores de preço, está-se diante de mercados perfeitamente competitivos. Nesses casos, o preço de mercado do bem não é afetado pelas decisões individuais de consumo ou produção.

Ocorre que os mercados podem não funcionar de forma óti­ma, perfeita, eficiente, para organizar a economia; apresentam, portanto, falhas. "Em casos de falha de mercado, a busca individual do interesse próprio fundada no mercado piora a situação da socie­dade, isto é, o resultado do mercado é ineficiente” (KRUGMAN; WELLS, 2007, p. 13). Nessas situações, a intervenção do Estado se justifica em defesa do bem-estar da sociedade, sobretudo por meio da regulação.

As acepções do termo regulação referem-se às formas de orga­nização da atividade econômica pelo Estado, tanto pela concessão de serviços públicos quanto pelo poder de polícia. Especificamente no campo econômico, diz respeito à redução da intervenção direta do Estado e à concentração econômica.

Tradicionalmente, as escolas clássicas ocupam-se do estudo do funcionamento do Estado na economia.

A Escola do Interesse Público tem na regulação a busca do bem público (não confundir com public choice), e guarda certa relação com a Escola do Serviço Público, que desponta na França, em 1921, com Hauriou expondo a noção de serviço público, e se des­taca com Duguit e seu discípulo Jèze. Sucintamente, destacam-se a concessão de serviços públicos e o poder de polícia (concepção liberal).

A Escola Neoclássica ou Econômica da Regulação, por sua vez, defende a negação do interesse público e a afirmação de correção do mercado pela regulação. A partir da crença de se poder prever

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8 4 Direito Econômico

resultados, a regulação seria um substituto do mercado, daí a desregulação e a conseqüente regulação liberal, ou até a auto-re- gulação. Em 1962, Stigler e Friedland manifestam sua descrença na substituição dos mercados pela regulação, mas é Posner, com a teoria da captura, que observa a prevalência dos interesses pri­vados (public choice).

Conforme destaca Calixto Salomão Filho (2001, p. 27), “é preciso admitir a convivência dos aspectos econômicos e sociais da regulação e reconhecer, ainda, que a preponderância de um sobre o outro pode variar conforme a natureza do setor regulado”.

Assim, nos casos de prestação de serviços diretamente pelo Estado, verificam-se externalidades sociais, que podem ser positi­vas ou negativas, cujo objetivo é redistributivo, ou seja, de relevân­cia social. Se for inviável, entretanto, a participação do particular e, conseqüentemente, tratar-se de setor não-regulamentável, o serviço deverá ser prestado diretamente pelo Estado.

Já em setores nos quais os serviços podem ser prestados pela iniciativa privada, faz-se necessária a difusão do conhecimento econômico, que assim está sistematizada: (i) due process clause- regulação/não-intervenção; desenvolvimento das atividades econômicas em condição de igualdade material entre os agentes econômicos; (ii) regulação institucional: intervenção ativa, com a criação da utilidade pública (concorrência); (iii) regulação neoclássica: possibilidade de escolha; a concorrência é o valor institucional a ser protegido, e não o mercado.

Nesse panorama, tradicionalmente se está na realidade de mercados im perfeitam ente com petitivos, e, apesar de a con­corrência ocorrer entre produtores (prestadores de serviço) e compradores (consumidores/usuários), suas condições não são ideais, pois faltam os pressupostos dos mercados perfeitamente competitivos. Depara-se com os mercados monopolizados ou oligopolizados.

Para tanto, em prol da competição nesses mercados e a fim de viabilizar o bem-estar econômico do consumidor, devem-se observar alguns princípios gerais da regulação.

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O princípio do acesso necessário tra ta das relações entre concorrentes e traz a discussão entre o direito concorrencial e a liberdade de iniciativa, mediante a essential facility doctrine (facilidade essencial, sem a qual o agente não pode competir no mercado), as infrações concorrenciais e, em decorrência, o amplo acesso dos consumidores e a universalização dos serviços (exter- nalidade social positiva).

A função social da propriedade dos meios de acesso ao mer­cado também é discutida com o compartilhamento dos bens, ou seja, a co-propriedade que, se por um lado busca a diminuição de custos de transação, por outro aumenta a concentração e, com isso, eleva o risco de cartelização. Nesse sentido, portanto, o compartilhamento de acesso à rede e à infra-estrutura, o que não deixa de ser uma restrição ao direito de propriedade em prol da concorrencialidade e seus efeitos positivos para a coletividade.

Destaca-se, também, a aplicação institucional do Direito da Concorrência, e a conjugação da regra da razão com ilícitos per se, às vezes aquela prevalecendo sobre estes.

Nota-se que diversos fatores podem retardar a concorrência em mercados imperfeitamente competitivos, principalmente a existência do incumbent, ou seja, o agente que atua no mercado utilizando-se de toda a infra-estrutura e, às vezes, até da marca do antigo monopolista, o que exige uma intervenção assimétrica por parte das autoridades regulatórias e concorrenciais.

A intervenção assimétrica justifica-se para garantir o funciona­mento do mercado, que se dá em razão da paridade das condições a serem ofertadas aos novos entrantes em relação às empresas que já atuam nesse mercado. Percebe-se, com isso, a necessidade de verificar atentamente a forma de atuar do agente que ocupa o lugar do ex-monopolista, pois mesmo com a liberalização do setor para novos entrantes, ele está em posição dominante.

Para tanto, é comum as autoridades regulatórias e concorren­ciais recorrerem ao instrum ento da desigualdade normativa ou administrativa, ou mesmo, das assimetrias utilizadas favoravel­mente à concorrência. Essas assimetrias, chamadas modulações, podem ser aparentemente utilizadas para penalizar algumas em­

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presas, na prática aquelas que atuam no lugar da ex-monopolista. Contudo, busca-se o equilíbrio para os diversos agentes atuarem em condições de concorrência no mercado.

Com as modulações, introduzem-se regras aparentemente contrárias às normas de concorrência, que são, na verdade, utili­zadas para favorecê-la, uma vez que atuam no mercado empresas mais fortes e empresas em condições menos favorecidas. Não é difícil notar que as modulações são inspiradas no princípio de que as assimetrias negativas ou de fato podem ser comparadas com as assimetrias normativas ou jurídicas que tenham caráter excepcional e temporário (the levei playing fielã).

A utilização das assimetrias torna possível modular a aplica­ção do direito da concorrência de modo a favorecer a pequena e média empresa que detém inferior poder de mercado. Uma me­dida nesse sentido, por exemplo, é determinar que uma empresa em posição dominante forneça aos seus concorrentes mais fracos algumas informações confidenciais, relativas a um produto a ser lançado por essas empresas no mercado, a fim de que elas possam concorrer com a empresa que detém posição dominante.

Existe, desta forma, uma linha bastante tênue entre regulação e concorrência, sobretudo em épocas de concentração do poder econômico, daí a necessidade de uma regulação mais atuante no que se refere à concorrência. Para Calixto Salomão Filho (2001, p. 16), tal medida deve incluir os princípios concorrenciais e reforçar sua aplicação, diante das necessidades específicas da regulação nos casos de concentração do poder econômico.

Para essa estru tura funcionar eficientem ente, ressalta-se, produzir efeitos positivos, é necessário que a concorrência seja sempre tida em destaque como meio garantidor da competitivi­dade entre diversos players.

4.3 Agências reguladoras: a regulação econômica

Característica presente no contexto mundial até meados da década de 80, a forte intervenção dos Estados na economia se dava de forma direta ou indireta, por meio de entidades da adminis­tração indireta. A explicação estava na criação de infra-estruturas

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que exigia grandes investimentos e dava pouco retorno financei­ro, uma forma de combater monopólios privados e desenvolver regiões, ou seja, questões socioeconômicas.

Constatou-se, entretanto, que a pluralidade de regras, contra­ditórias e ultrapassadas, e um excesso de regulação, dificultavam a obtenção de valores essenciais almejados pelo Estado.

Inicia-se então uma nova fase das políticas econômicas dos Estados, com a crescente onda de desestatizações, privatizações, concessões e parcerias, evidenciando um forte retraim ento da publicização da maioria dos setores da economia. Promove-se em vários países uma reforma de desregulação e re-regulação do Estado.

Em que pesem as alterações da conjuntura econômica e social, ressalta Alexandre Santos de Aragão (2004, p. 5) que

“as mudanças de conjuntura não ‘revogaram’ os Estados demo­cráticos e sociais de direito constitucionalmente estabelecidos. Por outro lado, estes não podem ignorá-las, mas devem tratá-las sob o seu prisma, ou seja, do prism a de Estados não omissos diante da promoção do bem-estar da coletividade, inclusive no que diz respeito à melhoria das condições de vida da população, à competitividade econômica e à eficiência e modicidade dos serviços públicos”.

É nesse contexto que desponta a elaboração teórica e legis­lativa das agências reguladoras, caracterizadas pela dinamicidade, independência, tecnicidade, consenso para dirimir conflitos, ou seja, trata-se de relevante instrumento de adequação de uma nova ordem jurídico-econômica.

Marçal Justen Filho (2005, p. 464) escreve acerca das agências reguladoras independentes que

“a adoção de um modelo regulatório de Estado conduz à fragmen­tação das competências normativas e decisórias estatais. Surgem entidades administrativas encarregadas da gestão setorial. Alguns afirmam que se produz o surgimento de um Estado ‘policêntrico’, cuja configuração pode ser mais bem representada como uma

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‘rede governativa’. Nesse cenário, uma instituição fundamental consiste na agência reguladora”.

Está-se, portanto, diante da regulação econômica, uma forma de o Estado intervir em setores da economia, conforme define João Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 241):

“A atividade neste campo pode dar-se sob o enfoque da edição de normas destinadas a, de alguma forma, influir na con­cretização do fenômeno econômico, e para consegui-lo ‘o Governo condiciona, corrige, altera os parâmetros naturais e espontâneos do mercado’, mas neste caso o faz sob dois enfoques: o de uma simples fiscalização administrativa da atuação dos agentes econô­micos, e o de uma influência mais determinante, quer sob o aspec­to de estímulo quer sob o de apoio da atividade econômica.”

4.3.1 Surgimento das agências reguladoras

Na Inglaterra, a partir de 1834, o Parlamento criava entes autônomos para aplicar a lei e dirimir controvérsias, sempre que assunto de relevo era analisado. Entretanto, o forte policentris- mo e a autonomia dos órgãos da administração pública inglesa, denominados Quasi Autonomous non Governmental Organizations (QUANGOS), até hoje não permitem que as agências reguladoras autônomas possuam peculiaridades distintivas.

Assim, à medida que se editava uma lei para tema de interesse público, criava-se um órgão para implementar essa lei. Surgem então entes autônomos como o Monopolies and Merger Commission, incumbido da defesa da concorrência, e o British Council, para promover a cultura inglesa no exterior.

Recebendo influência da common law inglesa, mas detentor de uma Constituição rígida e escrita que acolhe o presidencialismo e a separação dos poderes, o estudo do surgimento das agências reguladoras nos EUA merece destaque.

Em 1887, o governo dos EUA cria a Interstate Commerce Com­mission para regular os serviços interestaduais de transporte ferro­viário. As agências reguladoras nos EUA são criadas para organizar

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e racionalizar o mercado, evitando a concorrência predatória e contribuindo para um melhor aproveitamento de recursos. Tra­tava-se de um novo modelo organizativo adotado primeiramente nos EUA e que influenciaria o Direito Administrativo de tradição francesa muitos anos depois.

A criação das “agências reguladoras” nos EUA explica-se pela saída do forte liberalismo do século XIX e a intensa regulação estatal em conformidade com a política econômica do New Deal, atenuada no pós-Segunda Guerra.

Na esfera das agências reguladoras independentes nos EUA, menção deve ser feita ao Administrative Procedure Act (APA), de 1946, que veio regulamentar as próprias agências, ao fixar um padrão para a uniformidade relativa da máquina administrativa e assegurar a participação dos indivíduos nos processos decisó- rios.

O Administrative Procedure Act aplica-se às agency e authority norte-am ericanas. Agency (agência) significa cada autoridade do Governo dos Estados Unidos, outras que o Congresso, os Tribunais, ou os Governos das Posses, Territórios, ou o Distrito de Columbia.

Já nos países de tradição francesa de Direito Administrativo, o contexto político-econômico-social ao longo do século XX, princi­palmente a intensa estatização no pós-Segunda Guerra, retardou a implantação das agências reguladoras, algo que começa a ser modificado por volta da década de 1980 com a desestatização e privatização de setores da economia.

Na França as agências reguladoras revestiram-se da denomi­nação “autoridades administrativas independentes”, e caracteri- zaram-se por exercerem competências decisórias e regulatórias, e pela ausência de personalidade jurídica, ligadas às estruturas orçamentárias dos ministérios, mas independentes hierarquica­mente.

Acerca do modelo de agências reguladoras adotado na França, observa Alexandre Santos de Aragão (2004, p. 240) que

“um a característica peculiar das autoridades adm inistrativas independentes francesas é que, ao contrário de muitos países,

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9 0 Direito Econômico

tais como o próprio Brasil, não se limitam à regulação de setores econômicos ou serviços públicos delegados à particulares, abran­gendo também funções de proteção de direitos fundamentais e de proteção dos cidadãos frente à Administração Pública, não sendo, portanto, no seu conjunto, vinculadas exclusivamente ao Direito Econômico”.

As agências reguladoras na Espanha, autoridades administra­tivas independentes criadas a partir da década de 1980, possuem personalidade jurídica de direito público e, como na França, ocu­pam-se também da proteção dos direitos fundamentais, além da seara econômica.

A Itália, seguindo a tendência verificada na Europa de deses- tatização e privatização, cria agências reguladoras denom ina­das autorità (autoridades administrativas independentes) para atuarem nos setores até então exclusivos do Estado, agora ex­plorados pela iniciativa privada, bem como na tutela de direitos fundamentais.

Como características comuns das “agências reguladoras” desses países, e que certamente guardam relação com o modelo brasileiro, aponta Alexandre Santos de Aragão (2004, p. 261):

“(a) a ‘independência’ de que são dotados consiste na realidade em uma autonomia reforçada em relação ao aparato tradicional da Administração Direta e Indireta; (b) a restrição ao poder de exoneração dos dirigentes dos órgãos ou entidades independentes de regulação não compromete o poder de direção do Governo, sen­do este compreendido nos termos das respectivas leis criadoras; (c) todas elas concentram poderes fiscalizatórios, sancionatórios, compõem conflitos e editam regulamentos; e (d) os amplos pode­res regulamentares que geralmente possuem são admitidos desde que a lei fixe os standards em que deverão se desenvolver”.

4.3.2 Agências reguladoras no Brasil

A década de 1990 inicia a transformação do Estado brasileiro, em conformidade com o que dispunha a Constituição Federal

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Atuação do Estado no Domínio Econômico 9 1

de 1988, arts. 173 e 174. Esse importante processo modifica a qualidade do Estado de interventor, atuante direto na economia inclusive como empresário e fixador de preços, para um Estado normativo e regulador da atividade econômica, fiscalizando-a, incentivando-a e, em certos casos, planejando-a.

Fenômeno que se observava desde a década de 1980 em países da Europa, inicia-se no Brasil com o governo Collor e o Plano Nacional de Desestatização (PND), tendo prosseguido de forma mais tênue no governo Itamar, ganha toda força e destaque a partir da segunda metade da década de 1990 com o governo FHC e o Plano Real. Essa tendência constitui reformas tributárias, administrativas e previdenciárias do Estado, e da ordem econô­mica, juntam ente com os processos de desestatizações e priva­tizações.

As reformas da ordem econômica, aprovadas pelo Congres­so Nacional, extinguiram os monopólios estatais de diversos setores, como o da prospecção, exploração e refino do petróleo, das telecomunicações e da geração e distribuição de energia. A alteração do conceito de "empresa nacional” objetivou garantir igualdade de condições para empresas estrangeiras atuarem no mercado brasileiro.

Dentre as diversas justificativas apresentadas e defendidas para a realização do processo de privatizações, pode-se agrupá-las e fazer uma divisão em duas vertentes: uma de natureza estrutural e outra de natureza conjuntural.

As justificativas estru tu ra is para a realização das priva­tizações podem ser apresentadas como: (i) ideologia, com a defesa da livre iniciativa; (ii) eficiência, já que empresas estatais têm suas gestões muito politizadas e dificilmente atuam pelos parâ­metros do mercado; (iii) mudança dos setores estratégicos, uma vez que o Estado não precisaria continuar atuando em setores anteriorm ente tidos como de vanguarda e em outros setores necessitaria arcar com elevados investimentos, como telecomu­nicações; (iv) amadurecimento e fortalecimento do setor privado; e (v) evitar o efeito crowding-out, isto é, evitar que o Estado esteja em setores de atuação da iniciativa privada, o que é fator de de- sestímulo de investimentos privados.

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9 2 Direito Econômico

Já no que se refere às justificativas conjunturais para o pro­cesso de privatizações, destacam-se: (i) a credibilidade política, fundamental para atrair capitais estrangeiros e receber apoio de organismos internacionais; (ii) a crise fiscal e estabilidade da moeda, a fim de se abater a dívida pública e te r orçam entos equilibrados; (iii) as limitações do investimento público, já que o Estado não consegue adequar suas empresas para enfrentar a concorrência e ao mesmo tempo ele, Estado, atender positivamen­te às áreas sociais; e (iv) os efeitos catalisadores e dinamizadores sobre a economia, no caso de se fortalecer o mercado de capitais, por exemplo.

A justificativa principal do governo FHC para a realização das privatizações era centrada em dois pontos: o atendimento das áreas sociais e a redução das dívidas públicas.

Todo esse processo fez com que o mercado recebesse novos entrantes, dispostos a disputar os consumidores em diversos setores da economia, m uitos até então fechados e garantidos exclusivamente ao monopólio estatal. O processo de desesta- tização faz com que empresas privadas venham a ocupar setores até então exclusivos de atuação estatal. Com isso, a concorrência se acirra e muitos setores da economia vão se tornando mais efi­cientes para o bem dos consumidores. Entretanto, é cada vez mais imperiosa a atuação do Estado nestes setores, seja fiscalizando, seja incentivando e, até mesmo, planejando, hipótese em que é determinante para o setor público e indicativo ao privado.

Contudo, o que se percebe desde o aparecimento das primei­ras agências reguladoras na década de 1990 é que ainda tendo sido criadas inicialmente para atuarem em setores desestatizados de serviços públicos, pouco depois já são criadas agências reguladoras para setores econômicos sensíveis à opinião pública.

4.3.3 Características das agências reguladoras

O termo agência utilizado no Brasil foi importado da tradição norte-americana das agency, mas não apresenta as mesmas carac­terísticas do modelo adotado há mais de um século nos Estados Unidos da América.

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Atuação do Estado no Domínio Econômico 9 3

No Brasil, as agências reguladoras são qualificadas por suas leis instituidoras como “autarquias especiais”, integram a Admi­nistração Federal indireta e vinculam-se ao Ministério relativo à atividade a ser por elas desempenhada. Entretanto, conforme assinala OdeteM edauar (2004, p. 83):

“A expressão autarquias de regime especial surgiu, pela primeira vez, na Lei 5.540, de 28.11.1968, art. 4a, para indicar uma das formas institucionais das universidades públicas. Nem esta lei, nem o Dec.-lei 200/67 estabeleceram a diferença geral entre as autarquias comuns e as autarquias de regime especial. As notas características das últimas vão decorrer da lei que instituir cada um a ou de uma lei que abranja um conjunto delas (como ocorre com as autarquias universitárias).”

Observa Edmir Netto de Araújo (2005, p. 176) que

“o interesse público que preside a instituição de autarquias pelo Estado é o de descentralizar e especializar serviços públicos próprios da Administração (como prescreve o Dec.-Lei n. 200/67) objeti­vando com isso maior eficiência e racionalização no oferecimento desses serviços ao administrado, separando parte de seu poder e autoridade pública para o desempenho especial dessas atividades. É o mesmo que inspira a criação de agências, que também são autarquias”.

Interessante observar que a diferença de regime encontra-se na forma da escolha ou nomeação do dirigente da agência, no mandato do dirigente que não pode ser destituído por ato do Po­der Executivo, no modo de controles e da gestão financeira, por exemplo. Assinala Alexandre Santos de Aragão (2004, p. 272) que

“a mera criação de autarquia ou de qualquer outra espécie de ente da Administração Indireta, sem que possua um grau de razoável autonomia para desenvolver suas atribuições, não torna o seu desempenho mais ágil e eficiente, não as caracterizando como entidades descentralizadas em sentido material, ou seja, efetivo,

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verdadeiro, constituindo, outrossim, entidades apenas formal­mente descentralizadas”.

Na definição de Marçal Justen Filho (2005, p. 466): “Agência reguladora independente é uma autarquia especial, sujeita a regi­me jurídico que assegure sua autonomia em face da Administração direta e investida de competência para a regulação setorial.”

Alexandre Santos de Aragão (2004, p. 275) conceitua as agências reguladoras independentes brasileiras como sendo: “as autarquias de regime especial, dotadas de considerável autonomia frente à Administração centralizada, incumbidas do exercício de funções regulatórias e dirigidas por colegiado cujos membros são nomeados por prazo determinado pelo Presidente da República, após prévia aprovação pelo Senado Federal, vedada a exoneração ad nutum”.

Verifica-se, portanto, que a maior autonomia das agências reguladoras não se dá pelo simples uso da intitulação de autar­quias de regime especial, mas pelo regime jurídico que é garantido à agência pela lei que a institui.

Feitas essas considerações iniciais acerca das agências regu­ladoras no Brasil, passa-se a abordar suas características.

Os poderes normativos das agências reguladoras caracterizam- se por serem normativos, propriamente ditos, solucionadores de conflitos de interesse, investigativos, fomentadores e ainda de fiscalização, seja preventiva, seja repressiva.

O poder normativo das agências reguladoras, decorrente da complexidade da sociedade atual e da especificidade das atividades técnicas prestadas pelo Estado ou por ele reguladas, é justificado por Alexandre Santos de Aragão (2004, p. 380):

“A necessidade de descentralização normativa, principalmente de natureza técnica, é a razão de ser das entidades reguladoras independentes, ao que podemos acrescer o fato de a competência normativa, abstrata ou concreta, integrar o próprio conceito de regulação.”

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À luz do Direito Econômico, o poder normativo das agên­cias reguladoras encontra guarida no princípio da legalidade. Tais entidades, designadas para o controle do Estado sobre a econo­mia, necessitam de poderes para editar normas com a velocidade necessária para acompanhar os “constantemente” mutáveis fenô­menos financeiros e econômicos. Compete destacar, entretanto, a observação de Alexandre Santos de Aragão (2004, p. 406) acerca de standards e finalidades públicas estabelecidas em lei para o exercício do poder normativo, a fim de afastar eventual dúvida:

“As leis atributivas de poder normativo às entidades regu­ladoras independentes possuem baixa densidade normativa, a fim de - ao estabelecer finalidades e parâm etros genéricos- propiciar, em maior ou em menor escala, o desenvolvimento de normas setoriais aptas a, com autonomia e agilidade, regular a complexa e dinâmica realidade social subjacente. Ademais, recomenda-se que propiciem à Administração a possibilidade de, na medida do possível, atuar consensualmente, com alguma margem de negociação, junto aos agentes econômicos e sociais implicados.”

Portanto, um a das principais características das agências reguladoras é a autonomia que possuem para estabelecer suas normas próprias, reduzindo assim sobremaneira a subordinação da agência em relação à Administração direta. Outrossim, por serem independentes, as decisões das agências reguladoras não se subm etem à revisão de entidade da Administração direta, mas tão-somente ao Poder Judiciário. Neste sentido, a doutrina predominante entende que “os atos e as decisões das agências reguladoras não comportam recurso na esfera administrativa” (AGUILLAR, 2006, p. 211), “estão sujeitas somente a controles jurisdicionais sobre suas atividades, estando ausente todo controle hierárquico ou de tutela” (FONSECA, 2005, p. 297), “a agência reguladora independente não se sujeita à revisão de seus atos por autoridade integrante da Administração direta, mas apenas peran­te o Poder Judiciário” (JUSTEM FILHO, 2005, p. 467), “autonomia administrativa em tudo que diga com seus objetivos e atividades, de sorte que suas decisões são definitivas, não cabendo recurso

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para a Administração Pública direta, sua criadora” (GASPARINI, 2005, p. 331), “com definitividade de suas decisões no seu âm­bito, em relação a outros órgãos ou entidades da Administração” (ARAÚJO, 2005, p. 167), "inexistência de ingerência hierárquica da Administração Central (dos Ministros de Estado ou do próprio Presidente da República) sobre os seus atos decisórios (autonomia funcional), sendo incabível, por exemplo, o chamado ‘recurso hierárquico impróprio', pelo qual o Ministro ou outro agente ou órgão da Administração Direta podem revogar ou anular decisões das autarquias a ele vinculadas” (ARAGÃO, 2004, p. 264).

Contudo, o Diário Oficial da União, de 19 de junho de 2006, Seção 1, p. 1 a 11, traz o despacho do Senhor Presidente da Re­pública aprovando Parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), referente ao Processo n- 50000.029371/2004-83, que trata da di­vergência entre o Ministério dos Transportes e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) no tocante a competência e recurso hierárquico impróprio.

A discussão teve início a partir da decisão da ANTAQ (Pro­cesso n- 50300.000022/02) pela ocorrência de indícios de explo­ração abusiva de posição dominante no Porto de Salvador pelos operadores portuários por cobrança de taxa (THC2) pela entrega de contêineres aos demais recintos alfandegados e determinação de remessa da questão ao CADE, o que motivou o conseqüente “recurso hierárquico” contra a decisão da Agência Reguladora dirigido ao Ministério dos Transportes.

Em sentido contrário à doutrina predominante e à própria Teoria Geral da Regulação, o Parecer da AGU, ao reconhecer o “recurso hierárquico im próprio”, interfere na autonom ia e na independência das Agências Reguladoras ao expor que:

“Nessa linha de compreensão, as ações e atividades das agên­cias reguladoras, embora submetidas ao mesmo regime de su­pervisão, só desfrutam dessa pretendida autonomia na medida em que desempenhem seus encargos ou poderes no limite da competência legal, situação em que a supervisão ministerial fica inversamente mitigada, o que, de resto, é comum a todas as enti­dades da administração indireta. Assim, o pressuposto necessário

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da premissa é a existência incondicional da supervisão ministerial como traço essencial do regime presidencialista vigente - que, aliás, repita-se, não é mera aplicação das regras do Decreto-Lei ne 200/1967, mas reconhecimento da aplicação sistemática das prer­rogativas constitucionais de regulação privativas do Presidente da República - e então a aferição da autonomia das agências e de suas condutas além de diretamente vinculadas às suas finalidades institucionais se mede principalmente pela adequada compati- bilização com as políticas públicas adotadas pelo Presidente da República e os Ministérios que o auxiliam.

Pelas mesmas razões, o cabimento do recurso hierárquico im­próprio não encontra objeções já que inexiste área administrativa imune à supervisão ministerial, reduzindo-se, contudo, o âmbito de seu cabimento, de modo idêntico, na mesma razão inversa da obediência às políticas de iniciativa do Ministério supervisor.

Em suma, não há suficiente autonomia para as agências que lhes possa perm itir ladear, mesmo dentro da lei, as políticas e orientações da administração superior, visto que a autonomia de que dispõem serve justamente para a precípua atenção aos objeti­vos públicos. Não é outra, portanto, a conclusão com respeito à su­pervisão ministerial que se há de exercer sempre pela autoridade ministerial competente, reduzindo-se, no entanto, à medida que, nos limites da lei, se atendam às políticas públicas legitimamente formuladas pelos Ministérios setoriais. Por isso, se afirma que a autonomia existe apenas para o perfeito cumprimento de suas finalidades legais” (DOU, Seção 1, 19-6-2006, p. 2).

Certamente se está diante de questão que merece atenção. Ao admitir o “recurso hierárquico impróprio”, interfere-se decisiva­mente na autonomia e independência das Agências Reguladoras, pois assegura ao Ministério o poder de revogar ou anular decisões das Agências a ele vinculadas. Ou seja, decisões técnicas podem ser tratadas de forma política, trazendo total insegurança jurídica aos administrados e constituindo verdadeiro inibidor de inves­timentos fundamentais para o desenvolvimento socioeconômico do País.

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Outra característica marcante das agências reguladoras é a atividade fiscalizadora que elas desempenham junto aos agentes econômicos dos mercados por elas regulados.

Quanto ao fundamento da atividade fiscalizatória, Alexandre Santos de Aragão (2004, p. 317) aponta que ela pode variar de acordo com cada agência, seja: (i) reguladora de serviço público, neste caso dever inerente do Poder Concedente; (ii) reguladora da exploração privada de monopólio ou bem público, fundamen­tando-se a regulação por base contratual; ou (iii) reguladora de atividade econômica privada, na qual a fiscalização provém do poder de polícia exercido pela agência.

Já a atividade sancionatória das agências reguladoras decorre da competência fiscalizatória que possuem, uma vez que descum- pridos os preceitos legais, regulamentares ou contratuais, o ente regulador pode aplicar sanções ao agente econômico faltoso.

Neste ponto, entende Alexandre Santos de Aragão (2004, p. 318) que “[...] a aplicação de sanções deve estar apoiada em algum dispositivo legal, ainda que genérico, ficando a graduação e a especificação das penalidades a serem norm atizadas pela agência”.

As agências reguladoras desempenham ainda a atividade jul­gadora, ou seja, decidem em esfera administrativa os conflitos entre agentes envolvidos no mercado em que se presta o servi­ço, sejam os delegatários, o Poder Concedente, a agência ou os usuários. Além da previsão contida nas leis instituidoras de cada agência, a Lei ne 8.987/95, arts. 7e e 23, XV, dispõe sobre essa atividade. Cumpre observar que as leis instituidoras das agên­cias também dispõem da competência para dirimir conflitos, muitas vezes utilizando-se do termo arbitragem.

Especificamente no que se refere à arbitragem, quando a agência não está conciliando as partes, mas sim decidindo con­flito entre os agentes regulados, vem à tona a temática da indis- ponibilidade dos direitos tutelados pelas agências, algo que in­viabilizaria a arbitragem, que deve ser utilizada tão-somente nos casos de direitos disponíveis. Entretanto, muitas vezes o termo arbitragem é empregado equivocadam ente, e a agência acaba

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adotando um procedimento por ela denominado arbitrai para decidir controvérsia, como ocorre quando a ANATEL instaura procedimento para dizer o valor de tarifa de interconexão entre prestadoras do serviço de telefonia. Ou seja, uma vez inexistindo acordo entre os agentes regulados, qualquer um deles poderá pro­vocar a ANATEL, que arbitrará as condições para a interconexão (§ 2-, art. 153, da Lei Geral de Telecomunicações).

Oportuna a observação de Dinorá Adelaide M usetti Grotti (GUILHERME, 2004, p. 166), que escreve:

"Lucia Valle Figueiredo sustenta que as agências não têm poder arbitrai para dirimir conflitos entre os prestadores de ser­viço e o Poder Público, seja ele federal, estadual ou municipal. Não vê, porém, impedimento constitucional para dirimir con­trovérsias, ou, então, impor regras de convivência, entre as pró­prias empresas concessionárias, sobretudo na difícil questão do compartilhamento de infra-estrutura.”

Entretanto, deve-se destacar que, sempre antes de decidir, deve a agência reguladora flexibilizar o quanto puder dentro dos limites assegurados e definidos em lei para buscar o consenso e a conciliação com e entre os agentes regulados, seja na fixação de preços ou tarifas, acesso a redes e informações, tarifas de inter­conexão, dentre outras peculiaridades da atividade regulada.

As agências reguladoras notabilizam-se também pelo caráter técnico de sua atuação, uma vez que regulam mercados especí­ficos, muitas vezes imperfeitos, cujas características mercado­lógicas os diferenciam dos demais. Por essa razão, o conheci­mento técnico, científico e especializado dos seus dirigentes são pressupostos para eles desempenharem suas funções no âmbito das agências reguladoras.

Quanto ao regime de pessoal das agências reguladoras, devem-se distinguir entre dirigentes, de um lado, e técnicos e subalternos, de outro.

Os dirigentes das agências reguladoras (Diretores e Con­selheiros) submetem-se ao previsto nos arts. 4a a 10 da Lei n- 9.986/00, ou seja, são escolhidos dentre brasileiros de reputação

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ilibada, com formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados. Uma vez aprovados pelo Senado Federal e nomeados pelo Presidente da República para mandato certo, conforme período fixado na lei instituidora da agência, os dirigentes somente perderão o mandato em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar, salvo outra previsão para a perda do mandato eventualmente contida na lei de criação da agência. Fica vedada a exoneração ad nutum.

Com o térm ino do mandato, o ex-dirigente está impedido de prestar qualquer tipo de serviço no setor público ou para em­presa integrante do setor regulado pela Agência, por um período de quatro meses, contado da data do término do seu mandato. Durante o período de impedimento, o ex-dirigente permanecerá vinculado à agência, percebendo remuneração equivalente à do cargo de direção que exerceu, sendo assegurados, no caso de servidor público, todos os direitos como se estivesse em efetivo exercício das atribuições do cargo. Tal entendimento também se aplica ao ex-dirigente exonerado a pedido, caso já tenha cumprido pelo menos seis meses do seu mandato.

Já os técnicos e subalternos das agências reguladoras, confor­me dispunham os arts. I2 e 22 da Lei n2 9.986, de 18 de julho de 2000, tinham seus regimes de trabalho regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou seja, o regime trabalhista típico do direito privado. Justificava-se o regime “celetista” dos servidores das agências pelo grau de especialidade e conhecimento exigido de seus técnicos que, caso não recebessem salários adequados, o que seria inviável pelo regime do servidor público, a agência perderia esses funcionários para a iniciativa privada. Diante das críticas daqueles que entendem que tais funcionários estão, na verdade, desempenhando um papel do Estado, e por isso deveriam ser regidos pelo regime estatutário do servidor público, e não o trabalhista do ente privado, foi promulgada a Lei n2 10.871, de 20 de maio de 2004, que dispõe sobre a criação de carreiras e orga­nização de cargos efetivos das autarquias especiais denominadas Agências Reguladoras. A partir de então, o regime jurídico dos cargos e carreiras nas autarquias especiais denominadas Agências

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Reguladoras é o instituído pela Lei n2 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe acerca do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas federais. Cumpre ainda lembrar que é comum a atuação de “advogados da União” locados nas agências, para auxiliarem os trabalhos destas.

Por fim, deve-se tratar da autonomia reforçada das agências re­guladoras ou das características que asseguram a independência das agências reguladoras, face aos poderes centrais do Estado, notada- mente a Administração Pública.

Requisito necessário para que qualquer autonomia realmen­te exista é a autonomia financeira. Essa autonomia é assegurada às agências reguladoras pelas taxas regulatórias que cobram dos entes regulados, e por dotações orçamentárias, a partir do envio de proposta de orçamento ao Ministério a que se vinculam.

Quanto às taxas regulatórias cobradas pelas agências, trata-se de tema polêmico, do qual se estabelecem constantes discussões acerca de sua legalidade e, até mesmo, moralidade em ser pra­ticadas.

A esse respeito, escreve Alexandre Santos de Aragão (2004, p. 332 e 333):

“Já quanto às ‘taxas regulatórias’ cobradas pelas agências reguladoras de atividades da iniciativa privada, entendemos que podem ser taxas propriam ente ditas (art. 145, II, l â p., CF), quando a sua exação visar somente à realização da justiça fiscal correspectiva à atividade de fiscalização desem penhada pela agência (ex.: art. 7°, VI, Lei n2 9.782/99); ou contribuições de intervenção no domínio econômico, instituíveis apenas pela União (art. 149, CF), nas hipóteses em que se destinarem ao fomento e à conformação do próprio setor regulado (ex.: as contribuições para o Fundo de Universialização dos Serviços de Telecomunica­ções - FUST e para o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações - FUNTTEL, instituídas, respectivamente, pelas Leis n2 9.998/00 e 10.052/00).”

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Quanto à autonomia das agências reguladoras em relação ao Poder Legislativo, essa é bastante reduzida, já que o legislador pode inter­ferir na agência alterando seu regime jurídico e até extingui-la. O legislador pode ainda fiscalizá-la e suspender seus atos normativos não condizentes com a lei. Contudo, isso está em conformidade com o Estado Democrático de Direito, no qual a presença do Poder Legislativo é essencial, já que a própria Constituição Federal não assegura a independência das agências.

Como sabido, as agências reguladoras são autarquias e, por­tanto, prestam contas aos Tribunais de Contas das verbas públicas utilizadas. Entretanto, da análise de Alexandre Santos Aragão (2004, p. 340) verifica-se que os Tribunais de Contas podem con­trolar, além das atividades-meios, que geram despesas ao erário, as atividades-fins das agências, serviços públicos. Justifica-se “uma vez que, imediata ou mediatamente, os atos de regulação e de fiscalização sobre os concessionários de serviços públicos se refletem sobre o Erário”.

Por fim, merece destaque algo que deve ser respeitado e posto efetivamente em prática pelas agências reguladoras, transparência e prestação de contas.

A transparência das agências reguladoras está relacionada à publicidade de seus atos, como a realização de audiências públicas, a fim de que o administrado possa acompanhar debates e julga­mentos. Além de assegurar o livre acesso às reuniões deliberativas dos conselhos-diretores das agências, tais reuniões devem ser transmitidas pela internet, algo já implementado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Quanto à prestação de contas, ou accountability, que em gover­nança corporativa significa “prestação responsável de contas, fundamentada nas melhores práticas contábeis e de auditoria” (ANDRADE; ROSSETTI, 2006, p. 140), refere-se à satisfação a ser dada pela agência reguladora aos administrados e à sociedade de suas ações realizadas, quantificação dos resultados obtidos e diretrizes. Neste sentido, os Relatórios de Gestão, algo já im­plementado e disponibilizado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e Secretaria de Direito Econômico (SDE) em seus respectivos sítios.

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4.3.4 Agências reguladoras em espécie

A Constituição Federal de 1988 traz apenas duas disposições referentes às agências reguladoras. Uma no inciso XI do art. 21, com redação dada pela Emenda Constitucional n2 8, de 1995, ao estabelecer que cabe à lei criar um órgão regulador dos serviços de telecomunicações; outra, no inciso III do § 22 do art. 177, incluído pela Emenda Constitucional n2 9, de 1995, pelo qual a lei disciplinará a estrutura e as atribuições do órgão regulador do monopólio federal das atividades relacionadas ao petróleo.

Neste sentido foram criadas a Agência Nacional de Teleco­municações (ANATEL) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Mas essas, como todas as outras que foram e são criadas, ainda que sem previsão expressa constitucional, são instituições infra- constitucionais criadas mediante lei que as institua, organize e discipline.

Não se encontram óbices constitucionais para a criação de agências reguladoras mediante lei federal ou estadual, asseguran­do-lhes forma autárquica e incluídas na esfera do Poder Executivo. Ainda que existam entendimentos contrários à criação de agências reguladoras outras que ANATEL e ANP, por não terem previsão expressa constitucional, justifica-se, contudo, a criação de outras agências mediante lei à luz dos arts. 173 e 174 da Constituição Federal.

Ponto que merece destaque, ainda que negativo, é a falta de uniformização da disciplina jurídica das agências reguladoras no Brasil. Diferentemente de outros países que adotam o modelo de agências reguladoras independentes, em especial os Esta­dos Unidos da América, falta no Brasil uma lei ordinária geral das agências reguladoras, que seria com plem entada pela lei instituidora de cada agência, guardando-se assim suas especi- ficidades.

Em sentido contrário, escreve Marçal Justen Filho (2005, p. 476) que: “A heterogeneidade das figuras e a diversidade das características setoriais em que atuam impedem sua submissão a um regime único e uniforme. Portanto, as regras aplicáveis a todas as agências são irrelevantes.”

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Além das agências reguladoras independentes, as atividades regulatórias desenvolvem-se por meio de outros órgãos admi­nistrativos.

4.3.4.1 ANATEL

A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), que recebe menção na Constituição Federal de 1988 em seu art. 21, XI, a partir da redação dada pela Emenda Constitucional ne 8, de 1995, foi instituída pela Lei ne 9.472, de 16 de julho de 1997, regu­lamentada pelo Decreto n° 2.338/97 e pela Resolução ANATEL ne 270/01, que aprovou seu Regimento Interno, tendo como missão a promoção e o desenvolvimento das telecomunicações no Brasil, a fim de constituir uma moderna e eficiente infra-estrutura de telecomunicações, apta a oferecer à sociedade em todo o território nacional serviços adequados, diversificados e a preços justos.

A ANATEL é uma autarquia especial, administrativamente independente e financeiramente autônoma, sem subordinação hierárquica a qualquer órgão de governo. As decisões proferidas pela ANATEL só podem ser contestadas judicialmente. Os seus dirigentes têm mandato fixo e estabilidade.

O Conselho Consultivo da ANATEL, formado por represen­tantes do Executivo, do Congresso, das entidades prestadoras de serviço, dos usuários e da sociedade em geral, acompanha e fiscaliza as iniciativas da Agência. As sessões do Conselho Diretor são públicas, exceto em casos cuja ampla publicidade compro­meta segredo protegido ou intimidade pessoal. As atas de reu­niões e os documentos da atuação da Agência ficam disponíveis na biblioteca da própria ANATEL para consulta pública e as normas por ela elaboradas antes de serem publicadas são submetidas à consulta pública. O Ouvidor da ANATEL deve apresentar perio­dicamente avaliações críticas acerca dos trabalhos da Agência.

A ANATEL herdou do Ministério das Comunicações os po­deres de outorga, regulamentação e fiscalização, além de grande acervo técnico e patrimonial. Sua sede é em Brasília, podendo estabelecer unidades regionais em outras cidades da Federação. A autonomia financeira da ANATEL advém dos recursos do Fundo

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de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL), o qual é de sua exclusiva gestão, e da apresentação de proposta orçamentária anual. No plano plurianual cumpre destinar recursos ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações e ao Tesouro Nacional.

Quanto aos funcionários, constitui-se a grande maioria em servidores e empregados transferidos ou requisitados do Minis­tério das Comunicações e de outros órgãos de governo, além do quadro terceirizado para atividades de consultoria e de apoio técnico e administrativo.

Podem-se destacar como atribuições da ANATEL: (i) a im­plementação de política nacional de telecomunicações; (ii) a pro­posição da instituição ou eliminação da prestação de modalidade de serviço no regime público; (iii) a proposição do Plano Geral de Outorgas; (iv) a proposição do plano geral de metas para univer­salização dos serviços de telecomunicações; (v) a administração do espectro de radiofreqüências e o uso de órbitas; (vi) a compo­sição administrativa de conflitos de interesses entre prestadoras de serviços de telecomunicações; (vii) a defesa e a proteção dos direitos dos usuários; (viii) o controle, prevenção e repressão das infrações de ordem econômica, no âmbito das telecomunicações, ressalvadas as competências legais do Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE); (ix) a imposição de restri­ções, limites ou condições a grupos empresariais para obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações, a fim de garantir a competição e impedir a concentração econômica no mercado; e (x) o estabelecimento da estrutura tarifária para cada modalidade de serviços prestados em regime público.

4.3A .2 ANP

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustí- veis (ANP), autarquia especial vinculada ao Ministério de Minas e Energia, com previsão constitucional no inciso III do § 2- do art. 177, incluído pela Emenda Constitucional n2 9, de 1995, foi ins­tituída pela Lei n2 9.478, de 6 de agosto de 1997, regulamentada

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pelo Decreto n- 2.455/98, o qual também aprovou seu Regimento Interno, como órgão regulador da indústria do petróleo.

Autarquia integrada à Administração Pública Federal e vincu­lada ao Ministério de Minas e Energia, a ANP tem como finalidade a promoção, regulação, contratação e fiscalização das atividades econômicas relacionadas à indústria do petróleo, em conformida­de com as diretrizes emanadas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e em atenção aos interesses pátrios.

A ANP como órgão regulador do setor do petróleo, buscará na execução de suas atividades satisfazer à demanda atual da socie­dade e com esta manter uma efetiva comunicação. Nesse sentido, disponibilizará pela Internet os serviços e produtos disponíveis na Agência, a fim de proporcionar o atendimento adequado às necessidades de seu público. Estabelecida em Brasília, com escri­tórios centrais no Rio de Janeiro, pode abrir unidades regionais em outras localidades.

Destacam-se as seguintes atribuições da ANP: (i) a regu­lação, sendo esta a base de ação da Agência; (ii) a fiscalização, ação executiva de repressão às condutas contrárias à legislação; (iii) a monitoração educativa, de orientação e acompanhamento proativo; (iv) a promoção, sendo esta sua ação contratante; e (v) prestar informações, mantendo e disponibilizando dados e informações.

4 .3 .4 3 ANVISA

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), insti­tuída pela Lei ne 9.782, de 26 de janeiro de 1999, é uma autarquia de regime especial vinculada ao Ministério da Saúde com sede e foro no Distrito Federal, regulamentada pelo Decreto ns 3.029/99 e pela Portaria ANVISA n- 593/00, que aprova seu Regimento Interno. A ANVISA tem por finalidade institucional a promoção da proteção da saúde da população pelo controle sanitário da produção e comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, incluindo ambientes, processos, insumos e tecnologias a ela relacionados. Também é competência da AN- VISA o controle de portos, aeroportos e fronteiras, bem como a

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interlocução junto ao Ministério das Relações Exteriores e ins­tituições estrangeiras para tratar de assuntos internacionais na área de vigilância sanitária.

A ANVISA tem como missão promover a saúde da população, garantindo a segurança sanitária de produtos e serviços, partici­pando da construção ao seu acesso, fundamentada nos valores do conhecimento como fonte da ação, transparência, cooperação e responsabilização.

Caracteriza-se pela independência administrativa, estabilida­de de seus dirigentes durante o período de mandato e autonomia financeira. A gestão da Agência é responsabilidade de uma Dire­toria Colegiada, composta por cinco membros.

A Ouvidoria é meio pelo qual a população se manifesta e a Instituição responde, informa e educa. Suas características são a agilidade, imparcialidade e transparência. Atua com indepen­dência, não havendo vinculação hierárquica com a D iretoria Colegiada, o Conselho Consultivo, a Corregedoria ou com a Procuradoria. O Ouvidor é indicado pelo Ministro da Saúde e no­meado pelo Presidente da República para mandato de dois anos, admitida uma única recondução.

4 .3 .4A AN S

A Lei ne 9.961, de 28 de janeiro de 2000, institui a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), regulamentada pelo De­creto n- 3.327/00 e pela Resolução RDC (ANS) ne 593/00, que aprova seu Regimento Interno. Autarquia especial vinculada ao Ministério da Saúde, tem por finalidade a promoção da defesa do interesse público no tocante à assistência suplementar de saúde, por meio da regulação das operadoras setoriais, inclusive no que se refere às suas relações com prestadores e consumidores, além de contribuir para o desenvolvimento das ações de saúde no território nacional.

A ANS, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro, estabe­leceu dez Núcleos Regionais de Fiscalização em todo o país, ade­quados para receber as demandas dos cidadãos. Possui Ouvidoria, que é o canal de comunicação entre a sociedade e a Agência.

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1 0 8 Direito Econômico

O setor de saúde suplem entar reúne mais empresas ope­radoras de planos de saúde, médicos, dentistas dentre outros profissionais, e hospitais, laboratórios e clínicas. Toda essa rede prestadora de serviços de saúde atende a mais de 37 milhões de consumidores que utilizam planos privados de assistência à saúde para realizar consultas, exames ou internações. A atuação da Agência busca promover o equilíbrio nas relações entre esses segmentos a fim de construir, juntam ente com a sociedade, um mercado sólido, equilibrado e socialmente justo.

4.3A .5 ANA

A Agência Nacional de Águas (ANA), criada pela Lei ne 9.984, de 17 de julho de 2000, e regulamentada pelo Decreto ne 3.692/00, é entidade federal apta a implementar a Política Na­cional de Recursos Hídricos e coordenar o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Com sede e foro no Dis­trito Federal, além de poder estabelecer unidades administrativas regionais, trata-se de autarquia de regime especial vinculada ao M inistério do Meio Ambiente, constituída por uma Diretoria Colegiada e dez superintendências, sendo uma administrativa e nove com função executora/reguladora.

A ANA tem como missão regular o uso da água dos rios e lagos de domínio da União, assegurando quantidade e qualidade para usos múltiplos, objetivando o planejamento racional da água com a participação de governos municipais, estaduais e sociedade civil, na busca de solução para dois graves problemas do país: as secas prolongadas, especialmente no Nordeste, e a poluição dos rios.

4 .3A .6 ANTAQ

A criação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) se dá por meio da Lei ne 10.233, de 5 de junho de 2001. Autarquia especial vinculada ao Ministério dos Transportes, tem sede e foro no Distrito Federal, podendo instalar unidades administrativas regionais.

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A ANTAQtem por finalidade a implementação das políticas formuladas pelo M inistério dos Transportes e pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (CONIT), sem­pre na sua esfera de atuação, bem como regular, supervisionar e fiscalizar as atividades de prestação de serviços de transporte aquaviário e de exploração da infra-estrutura portuária e aqua- viária, exercida por terceiros. Nestes casos, a ANTAQ objetiva garantir a movimentação de pessoas e bens com eficiência, se­gurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas, harmonizar os interesses dos usuários com os das empresas concessionárias, permissionárias, autorizadas e arrendatárias, e de entidades delegadas, preservando o interesse público, e ainda arbitrar conflitos de interesse e impedir situa­ções que configurem competição imperfeita ou infração contra a ordem econômica.

4.3.4.7 AN TT

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) foi instituída pela Lei n2 10.233, de 5 de junho de 2001. Autarquia especial vinculada ao Ministério dos Transportes, estabelecida no Distrito Federal, tem como missão regular e fiscalizar a prestação dos serviços de transporte terrestre, com eficiência e imparcialida­de, objetivando harmonizar os interesses dos agentes do setor.

As áreas de atuação da Agência estão assim compreendidas: (i) ferroviário, com a exploração da infra-estrutura ferroviária, a prestação do serviço público de transporte ferroviário de cargas e a prestação do serviço público de transporte ferroviário de passageiros; (ii) rodoviário, com a exploração da infra-estrutura rodoviária, prestação do serviço público de transporte rodoviário de passageiros e a prestação do serviço de transporte rodoviário de cargas; (iii) dutoviário, com o cadastro de dutovias; (iv) multi- modal, com a habilitação do Operador de Transportes Multimodal; e (v) a exploração de terminais e vias. Já as competências da ANTT são: (i) a concessão de ferrovias, rodovias e transporte ferroviário associado à exploração da infra-estrutura; (ii) a permissão do transporte coletivo regular de passageiros pelos meios rodoviário

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1 1 0 Direito Econômico

e ferroviário não associados à exploração da infra-estrutura; e (iii) a autorização do transporte de passageiros por empresa de turismo e sob regime de fretamento, transporte internacional de cargas, transporte multimodal e terminais.

4.3A .8 ANEEL

A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), instituída pela Lei n2 9.427, de 26 de dezembro de 1996, e regulamentada pelo Decreto ne 2.235/97 e pela Portaria MME n2 349/97, que aprova seu Regimento Interno, é autarquia de regime especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, com sede e foro no Distrito Federal, cuja missão é proporcionar condições favoráveis para que o mercado de energia elétrica se desenvolva com equi­líbrio entre os agentes e em benefício da sociedade.

A ANEEL tem como atribuições a regulação e fiscalização da geração, transmissão, distribuição e comercialização da energia elétrica. Atende reclamações de agentes e consumidores com equilíbrio entre as partes e em beneficio da sociedade, e promove a mediação de conflitos de interesses entre agentes do setor elé­trico e entre estes e os consumidores. Também concede, permite e autoriza instalações e serviços de energia, garante tarifas justas, além de zelar pela qualidade do serviço, exigir investimentos, estimular a competição entre os operadores e assegurar a uni­versalização dos serviços.

A administração da ANEEL se dá por uma diretoria colegiada, formada pelo diretor-geral e outros quatro diretores, sendo um o diretor-ouvidor. As funções executivas da Agência ficam sob a responsabilidade das superintendências que em sua maioria se concentram em questões técnicas de regulação, fiscalização, mediação e concessão, e uma parte delas ocupando-se da relação da ANEEL com seu público interno e a sociedade. Em matéria jurídica a ANEEL é representada pela sua Procuradoria-geral.

No campo da defesa da concorrência, além de fixar regras, a ANEEL firmou convênios com os órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, buscando um a atuação harmônica e integrada no controle, prevenção e repressão das

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Atuação do Estado no Domínio Econômico 1 1 1

infrações à ordem econômica no setor de energia elétrica. Desta forma, cabe à ANEEL fornecer suporte técnico ao Conselho Ad­ministrativo de Defesa Econômica (CADE), Secretaria de Direito Econômico (SDE) e Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE).

4 3 .4 .9 ANCINE

A Medida Provisória n- 2.219, de 2001, criou a Agência Na­cional do Cinema (ANCINE), estabelecida na cidade do Rio de Janeiro. Em seu início a ANCINE vinculava-se à Casa Civil da Presidência da República e aos 13 de outubro de 2003 ficou vin­culada ao Ministério da Cultura.

Trata-se do órgão oficial de fomento, regulação e fiscalização das indústrias cinematográfica e videofonográfica, cujo objetivo é fomentar a produção, a distribuição e a exibição de obras ci­nematográficas e videofonográficas em seus diversos segmentos de mercado, assim como promover a auto-sustentabilidade da indústria nacional nos vários elos da cadeia produtiva.

A ANCINE também tem como atribuição a execução da po­lítica nacional de fomento ao cinema, formulada pelo Conselho Superior de Cinema, e ainda a fiscalização do cumprimento da legislação pertinente, a promoção do combate à pirataria de obras audiovisuais, aplicar m ultas e sanções na forma da lei, regular atividades de fomento e proteção à indústria cinematográfica e videofonográfica, sempre em respeito à livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação.

4.3.4.10 DAC/ANAC

Até 2005, a aviação civil estava sob a competência do Departa­mento de Aviação Civil (DAC), criado pelo Decreto ne 19.902, de 22 de abril de 1931, originariamente denominado Departamento de Aeronáutica Civil e na época subordinado diretamente ao Mi­nistério da Viação e Obras Públicas. Organização subordinada ao Comando da Aeronáutica do Ministério da Defesa, cuja missão era estudar, orientar, planejar, controlar, incentivar e apoiar as

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atividades da Aviação Civil pública e privada, além de relacio­nar-se com outros órgãos para o tratam ento de assuntos de sua competência. A finalidade consistia na consecução dos objetivos da Política Aeroespacial Nacional no setor da Aviação Civil. A sede do DAC localiza-se na cidade do Rio de Janeiro e em sua estrutura existem quatro Subdepartamentos: Planejamento, Infra-Estrutu­ra, Operações e Técnico. Fazem parte ainda do DAC o Instituto de Aviação Civil (IAC) e os Serviços Regionais de Aviação Civil (SERAC), sete ao todo espalhados pelo país.

Contudo, com o advento da Lei n2 11.182, de 7 de setembro de 2005, foi criada a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), autoridade em aviação civil, integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial, vincula­da ao Ministério da Defesa, com prazo de duração indeterminado, com independência administrativa, autonomia financeira, ausên­cia de subordinação hierárquica e mandato fixo de seus dirigentes, para regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infra- estrutura aeronáutica e aeroportuária. A ANAC tem sede e foro no Distrito Federal, podendo instalar unidades administrativas regionais. O Decreto n2 5.731, de 20 de março de 2006, dispõe sobre a instalação, a estrutura organizacional da ANAC e aprova o seu regulamento.

Em sua estrutura, a ANAC tem como órgão de deliberação máxima a Diretoria, que atua em regime de colegiado, composta por um Diretor-Presidente e quatro Diretores, que decidirão por maioria absoluta, cabendo ao Diretor-Presidente, além do voto or­dinário, o voto de qualidade. Consta, ainda da estrutura da ANAC uma Procuradoria, uma Corregedoria, um Conselho Consultivo e um a Ouvidoria, além das unidades especializadas.

Com o objetivo de harmonizar suas ações institucionais na área da defesa e promoção da concorrência, a ANAC celebrará convênios com as autoridades competentes na matéria e, quando no exercício de suas atribuições, tomar conhecimento de fato que configure ou possa configurar infração contra a ordem econômi­ca, ou que comprometa a defesa e a promoção da concorrência, deverá comunicá-lo aos órgãos competentes, para que adotem as providências cabíveis.

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Importante observar, até que seja decretada a extinção do DAC e demais unidades do Comando da Aeronáutica que tiveram suas atribuições absorvidas pela ANAC, que o controle sobre todas as atividades, contratos de concessão e permissão e auto­rizações de serviços aéreos, celebrados por órgãos ou entidades da administração direta ou indireta da União, será exercido com o auxílio daquelas unidades, sob a coordenação da ANAC.

4.3.4.11 BACEN

O Banco Central do Brasil (BACEN), criado pela Lei n2 4.595, de 31 de dezembro de 1964, é autarquia federal integrante do Sistema Financeiro Nacional. Antes de sua criação, a autoridade monetária nacional era desempenhada pela Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), pelo Banco do Brasil (BB) e pelo Tesouro Nacional.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu dispositivos importantes para a atuação do BACEN, dentre os quais se pode destacar o exercício exclusivo da competência da União para emitir moeda e a exigência de aprovação prévia pelo Senado Federal, em votação secreta, após argüição pública, dos nomes indicados pelo Presidente da República para os cargos de presidente e diretores da instituição. Outrossim, fica vedada ao Banco Central a conces­são direta ou indireta de empréstimos ao Tesouro Nacional.

O art. 192 da Constituição também dispõe da elaboração de Lei Complementar do Sistema Financeiro Nacional, que deverá substituir a Lei n2 4.595/64 e redefinir as atribuições e estrutura do Banco Central do Brasil.

4.3.4.12 SUSEP

A Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda criada pelo Decreto-lei n2 73, de 21 de novembro de 1966, é o órgão responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro no Brasil. O Decreto-lei n2 73/66 tam­bém instituiu o Sistema Nacional de Seguros Privados, integrado

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pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), que a partir da Medida Provisória ne 1940-17, de 6 de janeiro de 2000, passou a ser composto pelo Ministro da Fazenda (presidente), Superin­tendente da SUSEP (presidente substituto), Representantes do Ministério da Justiça, do Ministério da Previdência e Assistência Social, do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários. Integram também o Sistema Nacional de Seguros Privados: o IRB Brasil Resseguros S.A., as sociedades autorizadas a operar em seguros privados e capitalização, as entidades de previdência privada aberta e os corretores habilitados.

4.3.5 Observações finais acerca das agências reguladoras

Para encerrar a abordagem acerca das agências reguladoras, oportuno tratar de dois temas relacionados a elas e de grande importância, a separação dos poderes e o risco da captura.

No que se refere à separação dos poderes, Montesquieu, em sua obra O espírito das leis, defende pela primeira vez a divisão tripartidária do poder em executivo, legislativo e judiciário, exer­cidos por pessoas diferentes para evitar o acúmulo de poderes nas mãos de uma pessoa só e para que um poder possa fiscalizar o outro, conforme interpretação básica dessa teoria. Desde então, o Estado vem sendo gerido desta forma e a separação dos poderes considerada algo muito normal e lógico.

Entretanto, a questão da separação dos poderes é retoma­da com o advento das agências reguladoras, um a vez que elas despontam na concentração do exercício de diversos poderes: normativos, solução de conflitos, fomentadores, fiscalização e até julgadores.

A concentração dos poderes nas agências é criticada por al­guns estudiosos, porém por outros é defendida como necessária para assegurar a autonomia das agências no exercício das com­petências setoriais.

Neste sentido, ao tratar da temática das agências reguladoras diante da separação dos poderes, escreve Alexandre Santos de Aragão (2004, p. 375 e 376) que

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“as competências complexas das quais as agências reguladoras independentes são dotadas fortalecem o Estado de Direito, vez que, ao retirar do emaranhado das lutas políticas a regulação de importantes atividades sociais e econômicas, atenuando a con­centração de poderes na Administração Pública central, alcançam, com melhor proveito, o escopo maior - não meramente formal- da separação de poderes, qual seja, o de garantir eficazmente a segurança jurídica, a proteção da coletividade e dos indivíduos empreendedores de tais atividades ou por elas atingidos, manten­do-se sempre a possibilidade de interferência do Legislador, seja para alterar o regime jurídico da agência reguladora, ou mesmo para extingui-la”.

Outrossim, importante ressaltar que ainda que concentrado o poder na esfera das agências reguladoras, o Poder Judiciário está pronto para rever as decisões emanadas pelas Agências no sentido de coibir eventuais abusos ou irregularidades.

Já no tocante ao risco da captura, o agente regulado muitas vezes mantém uma estreita ligação com o agente regulador. Essa relação imbricada pode resultar em norm as (legitimações de poder) que atendam aos interesses de uma minoria detentora de poder econômico (o agente ou o setor regulado), em prejuízo aos anseios da maioria (coletividade ou usuários).

Escreve Norberto Bobbio (1970, p. 86) que esta correspon­dência entre os problemas da justificação do poder e aqueles da justificação da norma jurídica não constitui uma surpresa para quem considera que o poder e a norma são duas faces da mesma moeda. O poder, prossegue Bobbio, nasce da norm a e produz normas; a norma nasce do poder e produz outros poderes.

A relação descrita por Bobbio do poder e da norma revela que o poder pode influenciar o nascimento da norma e essa norma produzir outros poderes. Muitas vezes é o poder econômico do agente regulado que influencia a criação da norma para o benefício dos detentores desse poder. Não se pode esquecer também de que o técnico ou o dirigente que trabalha numa agência reguladora tem seu mercado profissional de trabalho no próprio setor em que regula, dada a sua especificidade. Ou seja, hoje esse técnico ou

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dirigente pode regular os serviços de empresas em que amanhã ele possa a vir trabalhar.

Nesse sentido, Fábio Nusdeo (1993, p. 86 e 87) tra ta da “Aplicação da Legislação Econômica: As Agências e o Processo de Votação”, abordando a obra de Dows An economic theory of democracy:

“Parte ele do pressuposto de um a postura coerente entre o setor público e o setor privado da economia, ou seja, da mes­ma forma que os operadores privados tentam m axim izar os resultados de sua atividade no mercado, os operadores públicos, administradores das agências governamentais, basicamente, tam­bém procuram maximizar algum ou vários elementos que para eles se revestem de grande valor, como, por exemplo, o grau de probabilidade de se manterem no cargo - eletivo ou burocrático -, a influência, o prestígio, a popularidade e outros do gênero. Nessas condições, aquele operador público poderá ser levado a tomar decisões favorecedoras de uma minoria e não da maioria, como seria de se esperar. Isso poderá ocorrer quando, exem- plificativamente, duas proposições diversas forem apoiadas com grande empenho por dois grupos em cada caso minoritários e encontrarem oposição, porém pouco coesa, por parte de uma maioria menos combativa.”

A observação de Fábio Nusdeo (1993, p. 93) insere-se no contexto da análise da escola da Public Choice para a teoria do funcionamento das agências governamentais, segundo a qual: “dar-se-ia a captura da agência já no seu nascedouro, no momento mesmo da sua criação, pois esta teria por escopo muito mais o atendimento dos interesses do setor a ser regulado pela agência em questão do que a defesa do interesse público ou outras fina­lidades de alcance mais geral”.

Está-se, portanto, diante da chamada teoria da cooptação ou da captura, pela qual a agência reguladora ou seus funcionários podem ser capturados pelos agentes privados e cooptados por interesses individuais ou de uma minoria, em prejuízo aos inte­resses da coletividade.

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4.4 Parcerias Público-Privadas (PPPs)

Ainda no governo FHC a expressão Parcerias Público-Privadas surgiu como mais um a alternativa à participação de agentes econômicos privados em setores de relevância para o país. Mas é no Governo Lula que a sigla PPP ganha destaque nos discursos políticos e empresariais, como meio de viabilizar o crescimento econômico.

Trata-se da articulação entre o setor público e privado, a partir da concretização de projetos tidos como necessários e de interesse da coletividade. Com as PPPs, todos os envolvidos no projeto teriam retornos positivos, seja o Estado, com ganhos econômico, sociais e até políticos, sejam empresas, com a aferi­ção de lucros e, sobretudo, a coletividade, com o serviço que está sendo prestado.

Não se trata de uma invenção nacional. As PPPs são utilizadas nos Estados Unidos da América como arranjos realizados entre o Estado e empresas privadas ou organizações sem fins lucrativos, onde se estabelecem funções e tarefas que cada um deverá desem­penhar. Em países da Europa, no contexto de crise do welfare state, as PPPs despontam como alternativa, ou até mesmo necessidade, para arranjos conjunturais e estruturais.

Conforme observa Diogo Rosenthal Coutinho (SUNDFELD, 2005, p. 49), o Reino Unido destaca-se pelo pioneirismo na insti­tucionalização jurídico-financeira, arranjos e a relativa semelhança que tem com o Brasil, sobretudo na reforma do Estado nas décadas de 1980 e 1990. Já nos Estados Unidos da América a utilização das PPPs historicamente guarda características econômicas, políticas e culturais que remetem à prestação de serviços públicos e criação de infra-estrutura, inclusive com a participação de associações não lucrativas. Por fim, destacam-se Portugal e Chile, como exemplos de países nos quais a utilização das PPPs apresentou resultados satisfatórios, sobretudo na concessão de rodovias.

De maneira ampla, entendem-se as PPPs como os diversos acordos negociais de interesse geral e de caráter continuado, fir­mados entre o Estado (Administração Pública) e agentes privados

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(responsáveis pela consecução do objeto contratual), a fim de tornar viável o desenvolvimento socioeconômico pretendido.

No Brasil, a Lei na 11.079, de 30 de dezembro de 2004, institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Não obstante a Lei Fede­ral datar de dezembro de 2004, aos 16 de dezembro de 2003 o Estado de Minas Gerais promulgava a Lei ne 14.868, e aos 19 de maio de 2004 o Estado de São Paulo promulgava a Lei na 11.688, ambas sobre PPP.

Diante disso, observa Carlos Ari Sundfeld (2005, p. 22 e 23) que: “Em sentido estrito, ‘PPPs’ são os vínculos negociais que adotem a forma de concessão patrocinada e de concessão admi­nistrativa, tal qual definidas pela Lei federal 11.079/2004. Apenas esses contratos sujeitam-se ao regime criado por essa lei.”

A Lei, portanto, pode ser aplicada aos órgãos da Administra­ção Pública direta, aos fundos especiais, às autarquias, às funda­ções públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, constituindo a Parceria Público-Privada um contrato administrativo de con­cessão.

O contrato de PPP pode ser estabelecido na modalidade: (i) patrocinada, concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei ne 8.987/95, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do par­ceiro público ao parceiro privado; ou (ii) administrativa, contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

Importante observar que se a concessão de serviços públicos ou de obras públicas, dispostas na Lei na 8.987/95, não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro pri­vado, é tida como concessão comum. Não se trata, portanto, de Parceria Público-Privada.

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Os contratos de PPPs não poderão ser celebrados caso o valor do contrato seja inferior a R$ 20 milhões; o período de prestação do serviço seja inferior a cinco anos; ou que tenham como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.

Para a contratação de Parceria Público-Privada, devem-se observar, conforme dispõe o art. 4a da Lei n° 11.079/2004, as seguintes diretrizes: (i) eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade; (ii) respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos en­tes privados incumbidos da sua execução; (iii) indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado; (iv) res­ponsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias; (v) transparência dos procedimentos e das decisões; (vi) repartição objetiva de riscos entre as partes; e (vii) sustentabilidade finan­ceira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.

As cláusulas dos contratos de Parceria Público-Privada de­verão atender no que couber ao previsto no art. 23 da Lei ne 8.987/95, dispondo também: (i) que o prazo de vigência do contrato não seja inferior a cinco anos, nem superior a 35 anos, incluindo eventual prorrogação; (ii) que as penalidades aplicá­veis à Administração Pública e ao parceiro privado em caso de inadimplemento contratual sejam fixadas proporcionalmente à falta cometida e obrigações assumidas; (iii) a repartição de riscos entre as partes; (iv) as formas de remuneração e de atualização dos valores contratuais; (v) os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos serviços; (vi) os fatos caracterizadores da inadimplência pecuniária do parceiro público, os modos e o prazo de regularização e, quando houver, a forma de acionamento da garantia; (vii) os critérios objetivos de avaliação do desempe­nho do parceiro privado; (viii) a prestação, pelo parceiro privado, de garantias de execução suficientes e compatíveis com os ônus e riscos envolvidos; (ix) o compartilhamento com a Administra­ção Pública de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado; e (x) a realização de vistoria dos

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bens reversíveis, podendo o parceiro público reter os pagamentos ao parceiro privado, no valor necessário para reparar as irregula­ridades eventualmente detectadas.

Para a celebração do contrato de PPP é necessária a constitui­ção de sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. A sociedade de propósito específico, que poderá revestir-se da forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado, deverá obede­cer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e dem onstrações financeiras padronizadas, estando vedado à Administração Pública ser a titular da maioria do capital votante da sociedade.

Precederá à contratação de PPí* licitação na modalidade de concorrência, obedecendo o certame ao procedimento previsto na legislação vigente sobre licitações e contratos administrativos.

A União, suas autarquias e fundações públicas estão auto­rizadas a participar, no limite global de R$ 6 bilhões, em Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP), cuja finalidade é prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assu­midas pelos parceiros públicos federais. Fica limitado à União contratar parceria público-privada apenas quando a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das par­cerias já contratadas não tiver excedido, no ano anterior, a um por cento da receita corrente líquida do exercício, e as despesas anuais dos contratos vigentes, nos dez anos subseqüentes, não excederem a um por cento da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios.

O Decreto n- 5.385, de 4 de março de 2005, instituiu o Co­m itê Gestor de Parceria Público-Privada Federal (CGP), inte­grado por um representante, titu lar e suplente, do Ministério da Fazenda, da Casa Civil da Presidência da República, e do Mi­nistério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que exercerão a coordenação.

Dentre as competências do CGP, podem-se destacar a defini­ção dos serviços prioritários para execução no regime de parceria público-privada e os critérios para subsidiar a análise sobre a

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conveniência e oportunidade de contratação sob esse regime, bem como disciplinar os procedimentos para celebração dos contratos de parceria público-privada e aprovar suas alterações.

Contudo, em m atéria publicada pelo jornal Valor Econômico (2007, p. A3), intitulada PPP’s federais não saem do papel, revela le­vantamento, lê-se que “os projetos de infra-estrutura que o governo federal pensou executar como parcerias público-privadas (PPP) não deslancharam nesse formato. Foram 22 os empreendimentos apresentados pelo Ministério do Planejamento, em dezembro de 2003, como ‘passíveis de serem licitados no próximo ano (2004) sob o regime de parcerias'. Decorridos 44 meses do lançamento da carteira de PPPs, os projetos tiveram desfechos diferentes: oito devem ser executados só com recursos públicos, sete com capital privado e cinco têm estruturação financeira indefinida. Outros dois não constam mais de nenhum plano de investimentos - fede­ral ou estadual. O levantamento foi feito pela Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base (ABDIB), que demonstra preocupação com a escassez de novos estudos e projetos”.

Os projetos da l â carteira federal de PPPs, seus objetivos e a situação de cada uma delas está na tabela a seguir, que tem como fonte a própria matéria citada do Valor, que utilizou dados da ABDIB.

Situação dos Projetos da 1a Carteira Federal de Parcerias Público-Privadas

Projeto Objetivo Situação

BR-163 Pavimentação e construção de trechos

Obra no PAC, conclu­são prevista para 2010 - recurso público

BR-101 Nordeste Restauração e duplicação em quatro Estados

Obra no PAC, conclu­são prevista para 2009 - recurso público

Ferrovias Norte-Sul Construção de 204 km

Obra no PAC, mas trechos diferentes do original - recurso privado

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Ferrovia Nova Trans- nordestina

Construção de novas linhas

Obra no PAC, conclu­são prevista para 2010 - recurso privado

Contorno ferroviário São Félix - Cachoeira (BA)

Construção de 17 km de contorno ferroviário

Obra no PAC - recurso público

Porto de Itaqui (MA) Ampliação do porto Obra no PAC - recurso público

BR-381 / Femão Dias (MG-SP)

Restauração de capacidade

Leilão para concessão - recurso privado

BR-116/Régis Bittencourt (SP-PR)

Restauração de capacidade

Leilão para concessão - recurso privado

BR-116 / BR - 324 (BA)

Restauração de rodovias

Obra no PAC - recurso privado

Arco rodoviário do Rio

Rodovia para acesso direto ao porto de Sepetiba (RJ)

Obra no PAC - recurso público

Centro logístico de Sepetiba

Criação de zona de apoio logístico do porto de Sepetiba (RJ)

Obra no PAC - recurso público

Rodoanel de SP - tre­cho sul

Construção da rodovia

Obra no PAC - recur­so público estadual e federal

Ferroanel de SP - tre­cho norte

Construção de contorno ferroviário

Obra no PAC, conclu­são prevista para 2011 - recurso privado

Complexo viário de Santos

Adequação do complexo viário do porto de Santos (SP)

Obra no PAC - recurso público

Contorno ferroviário de Curitiba (PR)

Construção de 50 km Não faz mais parte de programa federal ou estadual

Variante Ipiranga- Guarapuava (PR)

Ramal ferroviário de 110 km

Projeto no PAC - recur­so privado

Prolongamento da Ferronorte (MT)

Extensão da ferrovia em 425 km

Obra no PAC - recurso indefinido

Trem turístico do Pantanal (MS)

Criação de serviço regular de transporte de passageiros

Não faz mais parte de programa federal ou estadual

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Atuação do Estado no Domínio Econômico 1 2 3

Pólo de irrigação do Pontal (PE)

Captação de água do Rio São Francisco

Obra no PAC - imple­mentação por PPP e recurso público

Pólo de irrigação do Baixo do Irecê (BA)

Captação de água do Rio São Francisco

Obra no PAC - imple­mentação por PPP e recurso público

Pólo de irrigação do Salitre (BA)

Captação de água do Rio São Francisco

Obra no PAC - imple­mentação por PPP e recurso público

Pólo de Irrigação do Jaíba (MG)

Captação de água do Rio São Francisco

Obra no PAC - recurso público

Uma alternativa às PPPs, bem como às Estatais (empresas públicas ou sociedades de economia mista, que serão abordadas a seguir), são as Empresas Público-Privadas, algo a ser discutido e legislado. Trata-se de sociedades empresárias, parecidas com as empresas públicas ou sociedades de economia mista, nas quais a participação de controle do poder público é reduzida e o controle da sociedade é compartilhado com os demais acionistas. Com isso, prestigiam-se os padrões decisórios de mercado da sociedade, dos quais o Estado continuará votando, mas afastam-se da sociedade questões político-partidárias que influenciam negativamente o funcionamento da empresa.

4.5 Atividade econômico-privada dos entes públicos

A Constituição Federal de 1988 dispõe no caput do art. 173 que a exploração da atividade econômica passa ser desempenhada pelo agente privado, reservando ao Estado a exploração da atividade econômica nos casos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo. Outrossim, definiu no § l 2 do art. 173 que, nos casos em que o Estado atuar na exploração da atividade econômica, atuará como agente econômico revestido nas formas empresariais de empresa pública ou sociedade de economia mista.

Cumpre ressaltar que à luz do art. 173, incisos do § l 2, § 22 e § 32, tanto a empresa pública quanto a sociedade de economia m ista estão a sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas

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1 2 4 Direito Econômico

privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comer­ciais, trabalhistas e tributários, bem como não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. Procura-se, desta forma, assegurar condições concorrenciais igualitárias aos agentes econômicos, seja privado, seja o Estado agindo como se privado fosse.

Observa Amador Paes de Almeida (2004, p. 337) que:

“a atividade econômico-privada dos entes públicos é um fenôme­no do Estado-moderno (o Welfare State), caracterizando-se pela intervenção governamental na ordem econômico-social, visando a melhoria dos serviços públicos e o bem-estar coletivo”.

A receita originária, resultado da atividade econômico-privada dos entes públicos, divide-se em: patrimonial, obtida a partir do aforamento, laudêmio, arrendamento ou exploração territorial e de recursos naturais em geral; e industrial e comercial, decorrente da exploração da atividade econômica, seja de produção ou pres­tação de serviços, feita pelo Estado por meio de empresa pública ou sociedade de economia mista.

Deve-se destacar que tanto a empresa pública quanto a so­ciedade de economia m ista são constituídas para suprir uma necessidade de ordem pública, ou seja, trata-se da intervenção do Estado no domínio econômico para sanar um a deficiência do agente privado ou ainda para atender m anifesto interesse coletivo ou em caso de segurança nacional. Por essa razão, a finalidade lucrativa, típica e completamente aceitável das empre­sas privadas, não é admitida para as empresas públicas, já que estas atendem uma necessidade social a partir de determinação Estatal.

4.5.1 Empresa pública

Apesar da denominação que pode levar a equívoco, empresa pública é pessoa jurídica de direito privado, sujeita a estatuto jurídico próprio, conforme alteração promovida no § l 2 do art. 173 pela Emenda Constitucional ne 19, de 1998.

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Atuação do Estado no Domínio Econômico 1 2 5

A empresa pública pode explorar tanto atividade econômi- co-privada, quanto serviço de interesse público, como é o caso de concessionárias de serviços públicos, exemplo a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, os "Correios”, e a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária, a "INFRAERO”. No Brasil, as empresas públicas são comumente conhecidas como estatais.

Conforme escreve Amador Paes de Almeida (2004, p. 340):

"A empresa pública é, antes de tudo, um instrumento de inter­venção do Estado no domínio econômico - a atividade econômico- privada dos entes públicos, como, aliás, assinala com inequívoca propriedade Aliomar Baleeiro, para quem as empresas públicas ‘são instrumentos de intervenção governamental para a realização daqueles fins cometidos ao Estado ou que este assumiu’.”

A constituição da empresa pública, ou ainda sua transfor­mação societária para empresa pública, dar-se-á mediante lei, conforme determina o inciso XIX do art. 37 da Constituição Fede­ral de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional n2 19, de 1998:

“XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação dada pela Emenda Constitucional n2 19, de 1998).”

Neste sentido, e retomando o caput do art. 37 da Constituição de 1988, que diz: “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, entende-se que aos Estados e Municípios é permitida a constituição de suas empresas públicas.

Na definição de Amador Paes de Almeida (2004, p. 340): “A empresa pública é, antes de tudo, um instrumento de intervenção do Estado no domínio econômico - a atividade econômico-privada dos entes públicos. Pessoa jurídica de direito privado, constituída com capital único do Poder Público.”

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1 2 6 Direito Econômico

Podem-se apontar como características da empresa pública: (i) detém personalidade jurídica de direito privado; (ii) possui patrimônio próprio e capital exclusivo do Estado; (iii) sua criação se dá mediante lei; (iv) é constituída por força de contingência ou pela conveniência da administração pública; (v) destina-se à exploração de atividade econômico-privada ou para prestação de serviços de manifesto interesse público; e (vi) pode-se revestir de qualquer das formas de personalidades jurídicas admitidas na Lei, normalmente revestindo-se de sociedade anônima.

4.5.2 Sociedade de economia mista

Tal qual a empresa pública, a sociedade de economia mista constitui instrum ento de intervenção do Estado no domínio econômico para a exploração de atividade econômico-privada ou serviço de manifesto interesse público. Sua personalidade jurídica é de direito privado, sujeita a estatuto jurídico próprio, de acordo com a redação dada ao § l e do art. 173 pela Emenda Constitu­cional n2 19, de 1998.

Entretanto, enquanto na empresa pública o único participan­te (sócio) é o Estado, na sociedade de economia mista unem-se esforços do Estado e de entes particulares, caracterizando-se assim pela participação financeira de pessoa de direito público e particulares.

Importante observar a citação de Amador Paes de Almeida (2004, p. 354):

“‘O que define a sociedade de economia mista é a participa­ção ativa do Poder Público na vida e realização da empresa. Não im porta seja o Estado sócio majoritário ou minoritário; o que importa é que se lhe reserve por lei ou convenção o poder de atuar nos negócios sociais’, diz Hely Lopes Meirelles.”

A sociedade de economia m ista constitui-se mediante lei Federal, Estadual ou Municipal, em atenção ao que determina o art. 37 e seu inciso XIX da Constituição Federal de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional n2 19, de 1998, sen­

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Atuação do Estado no Domínio Econômico 1 2 7

do-lhe obrigatório revestir-se da forma de sociedade anônima, sujeitando-se às regras dispostas na Lei n- 6.404/76.

Quanto às suas espécies, a sociedade de economia mista pode ser aberta ou fechada. A sociedade de economia mista aberta carac­teriza-se por captar recursos junto ao público (pessoas em geral, poupança popular) e, sendo assim, como ocorre com as compa­nhias abertas, sujeita-se às normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários. Já a sociedade de economia mista fechada obtém recursos dentre os próprios acionistas ou terceiros subscritores.

Amador Paes de Almeida (2004, p. 361) conceitua: “Socie­dade de economia m ista é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei específica, sob a forma de sociedade anônima, destinada à exploração econômica pelo Estado, por imperativo de segurança nacional ou relevante inte­resse público.”

Como características da sociedade de economia mista, po­dem-se citar: (i) a participação conjunta do Estado e de agentes privados (particulares) no capital social; (ii) a participação ativa do Poder Público na gestão da sociedade; (iii) ter como finalidade o interesse público; e (iv) sua criação se dar por lei específica.

O Banco do Brasil e a Petrobras no âmbito federal, a SABESP na esfera estadual paulista e a PRODAM no município de São Paulo são exemplos de sociedades de economia mista.

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Direito da Concorrência

5.1 Conceitos e fins do direito da concorrência

Em um a economia de mercado, na qual estão envolvidos diversos relacionamentos econômicos (trocas), a concorrência é algo fundamental, uma vez que ela, além de possibilitar uma maior variedade de produtos e o aprimoramento na qualidade dos mesmos, contribui diretamente para a redução de preços. A concorrência se revela a essência da relação de equilíbrio entre a oferta e a procura.

As empresas, num mercado concorrencial, têm a necessida­de de investir em pesquisas e desenvolvimento de produtos e serviços, bem como estudar a peculiaridade de cada mercado e o anseio dos respectivos consumidores, para não perder espaço para seus concorrentes. Com isso, o mercado e, conseqüentemente, os consumidores obtêm os benefícios gerados pela concorrência.

Percebe-se que a concorrência existe para garantir o desen­volvimento dos mercados e, como beneficiados, os consumidores,

Para uma análise pormenorizada do Direito da Concorrência, recomenda- se a leitura do livro Introdução ao direito da concorrência: Brasil-globalização-União Européia-Mercosul-ALCA, editora Singular, autor Vicente Bagnoli.

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Direito da Concorrência 1 2 9

já que são eles que irão usufruir as melhorias decorrentes da concorrência.

Além do bem-estar econômico do consumidor propiciado pela concorrência, ela também contribui fortemente para o apri­moramento da economia de um país para ingressar e permanecer competitiva no mercado externo. Contudo, uma lei de defesa da concorrência tem determinadas aplicações em certos sistemas jurídicos e em dados momentos históricos.

O significado de "concorrência”, entendimento comum é a “disputa ou rivalidade entre produtores, negociantes, industriais, etc., pela oferta de mercadorias ou serviços iguais ou semelhantes” (FERREIRA, 1994, p. 167).

Contudo, para o Direito, e evidentem ente também para a Economia, essa visão de concorrência é m uito restritiva, uma vez que a concorrência não se resume apenas a uma disputa ou rivalidade. Concorrência para o Direito e para a Economia envolve interesses, mercados, países, populações, conquistas e os meios para atingir os seus resultados.

Num mundo globalizado, dividido em blocos econômicos onde a velocidade dos negócios é tamanha e ao mesmo tempo tão feroz, que num curto espaço de tempo uma empresa pode não mais resistir no mercado e fechar, centenas de pessoas per­derem seus empregos, consumidores se depararem sem oferta de mercadorias e, até mesmo, a economia de um país ser arruinada, verifica-se a importância da concorrência. Daí a necessidade de falar em Direito ou Defesa da Concorrência.

Apesar de relativamente nova em sua concepção mais atual, a Concorrência já despertava preocupação e certas análises desde a Antiguidade, como os monopólios de sal em Roma e de gêneros alimentícios na Grécia.

Adam Smith em sua obra de 1776, Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, era a favor da liberdade total de iniciativa em oposição aos privilégios monopolistas. Foi nessa época que o iluminista inglês apresentou a concorrência como o mecanismo regulador do mercado a partir da lei da oferta e da

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1 3 0 Direito Econômico

procura, algo que ficou conhecido como a “mão invisível”, pela qual a luta por direitos individuais traria benefícios a todos.

A escola ordo-liberal alemã de Freiburg, surgida na Alemanha dos anos 30, marcada por fracassos econômicos da República de Weimar, e como crítica ao conceito de economia que começava a tomar força pelos nazistas, deu força às idéias de Adam Smith identificando a economia de mercado no direito como regras às normas de Direito Concorrencial. Essas eram as preocupações que tinham em comum alguns professores de Direito e Econo­mia da Universidade de Freiburg, também chamada Escola de Freiburg.

Como resultado do pensamento Smithiano somado ao estudo e posicionamento ordo-liberal teve-se, por exemplo, o Tratado de Constituição da União Européia, que dá m uita importância aos pressupostos de concorrência por meio da garantia das liberdades fundamentais de circulação. Característica marcante tanto para Smith quanto para os ordo-liberais é que as liberdades naturais do homem também são pressupostos funcionais para a concor­rência.

Percebe-se que as regras de concorrência são as forças que organizam e integram a economia quando o Estado não está pre­sente ou sua presença se dá com poderes limitados.

Entretanto, em um Estado atuante a intervenção se faz notar em ao menos alguns setores da economia, organizando-os de tal maneira que a lógica concorrencial é esquecida. Evidentemente, a mão invisível criada por Adam Smith não é parte do Estado para proteger a economia.

Desta forma, deve-se atentar quais regras concorrenciais se aplicam aos agentes atuantes num mercado. Também se deve dar atenção entre a relação dos poderes estatais, regulamentador e fiscalizatório, e o sistema concorrencial, tentando determinar o inter-relacionamento entre o setor auto-regulamentado pelo mer­cado e o regulamentado pelo Estado, onde este deveria, aplicando a legislação concorrencial, garantir o perfeito funcionamento do sistema, impedindo que abusos ocorressem.

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Direito da Concorrência 1 3 1

Destaque deve ser dado aos economistas da Escola de Chicago e de Harvard que travaram intensas discussões acerca do escopo da lei de defesa da concorrência e que tipo de concorrência ela deve proteger. Porém, discussões apenas de teoria econômica podem desviar a lei de defesa da concorrência do objetivo ao qual se quer destiná-la, e a aparente segurança jurídica oferecida pelas fórmulas matemáticas pode acabar comprometendo todo o sistema. Daí a necessidade, a interdisciplinaridade e a complementariedade do Direito e da Economia para abordar questões de antitruste.

No início da aplicação da legislação antitruste, algo que se estendeu por quase meio século da promulgação do Sherman Act, os seus idealizadores e os tribunais centravam suas análises nas atividades visivelmente anticompetitivas dos trustes, não se recorrendo à teoria econômica. Os economistas, por sua vez, não encaravam os grandes conglomerados como problemas de tal magnitude, e viam na regulação direta um meio mais adequado para se lidar com os monopólios, em desprezo à lei.

Com o passar dos anos, os Estados Unidos da América come­çam a utilizar a legislação antitruste como um importante instru­mento de política econômica, já que a manutenção da concorrência protegeria o interesse público de uma sociedade pautada na livre iniciativa e igualdade de oportunidades.

A primeira interpretação econômica da legislação antitruste merecedora de destaque é a leitura harvardiana de Areeda e Tur- ner, que, conjugando elementos pró-eficiência e pró-liberdades, entende que nos mercados competitivos o poder não se concentra nas mãos de apenas alguns; consumidores, fornecedores e novas empresas possuem alternativas e oportunidades reais.

A Escola de Harvard, pregando a workable competition, aponta que as excessivas concentrações de poder econômico devem ser evitadas, pois podem resultar em disfunções que prejudicam as próprias relações econômicas. Esse entendimento está diretamen­te relacionado ao problema do número de agentes econômicos em atuação em determinado setor. Busca-se a concorrência como um fim em si mesma, com a manutenção ou aumento do número de participantes no mercado. A tese defendida pela Escola de Harvard pode ser resumida com a frase “small is beautiful”.

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1 3 2 Direito Econômico

Também chamada de escola estruturalista, a Escola de Har- vard enfatizava o estudo da estrutura de mercados individuais para aplicar o direito antitruste, já que a estrutura do setor teria in­fluência direta no desempenho das indústrias. Nos setores em que tivessem indústrias concentradas, os agentes atuantes estariam protegidos da concorrência pela existência de barreiras à entrada, relativas a economias de escala, necessidade de maiores quantias de capital, escassez de know-how e produtos diferenciados.

Para os representantes da Escola de Harvard, dentre os quais se destacam C. Keysen, D. Turner, Areeda, Sullivan e Blake, a preocupação está na existência da concorrência, e nem tanto com a “eficiência”. Contudo, no final da década de 70 as idéias da Escola de Chicago influenciam determinantemente estudiosos de Harvard, que acabam aceitando tais pressupostos.

Na década de 1950 com os estudos do economista Aaron Director, surge a “Escola de Chicago”, talvez a maior expressão contrária à então teoria econômica em direito antitruste, que vem demonstrar por que as normas de concorrência são essenciais na orientação do comportamento econômico dos agentes. Para isso, desenvolve-se na Universidade de Chicago a tradição econômica neoclássica, apresentando uma expressão que para seus discípulos é sinônimo de sistema antitruste; “eficiência”.

De maneira simplificada, pode-se dizer que “eficiência” para os economistas neoclássicos é a habilidade de produzir a custos menores, não se confundindo com “desenvolvimento tecnológi­co”, já que para eles os ganhos em escala decorrem da produção em massa e, conseqüentemente, da redução dos preços para os consumidores.

Nota-se que a “eficiência” estaria estritamente ligada ao bem- estar do consumidor, pois reduzindo os custos se reduziriam os preços das mercadorias. Não é difícil perceber que para Chicago o bem-estar do consumidor é o princípio direcional do direito antitruste.

Entendem os teóricos neoclássicos que é suficiente ao direito antitruste se deter na “eficiência”, já que daí se presumem os benefícios da distribuição eqüitativa com os consumidores, de­

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Direito da Concorrência 1 3 3

rivada da “racionalidade” monopolista. Assim, as concentrações econômicas não são tidas como um mal per se e que devam ser restringidas ou evitadas. Nessa linha, por exemplo, as integrações verticais são interpretadas como eficiências que resultam em ganhos aos consumidores.

Porém, conforme escreve Calixto Salomão Filho (1998, p. 20) acerca da distribuição eqüitativa dos benefícios com o consu­midor derivada, necessariamente, da racionalidade monopolista, “é o ponto mais contestável dessa teoria, já que não é de modo algum certo que o monopolista queira dividir seus lucros com o consumidor, baixando os preços na mesma proporção do ganho de eficiência ocorrido”.

Para os neoclássicos, comprovada a eficiência de uma política legislativa, caso da proteção do bem-estar do consumidor, pode-se opô-la a outros objetivos do direito antitruste.

Desta forma, uma concentração econômica benéfica aos con­sumidores, com ganhos de produtividade e eficiência, poderia ser lícita. Assim, uma forte dominação de setores do mercado por determinados agentes econômicos poderia ser aprovada com o intuito de defender o interesse do consumidor, o que na verdade pode-se mostrar muito danoso a outros concorrentes. Verifica-se que para os teóricos da Escola de Ghicago a razão das leis de con­corrência é maximizar o bem-estar econômico do consumidor.

Bork, um dos expoentes da Escola de Chicago, considera os anos 60 e 70 como sendo um período de protecionismo e anticon- correncial, pela maneira com que a Suprema Corte e o Poder Judi­ciário norte-americano defendiam a sobrevivência e a estabilidade das pequenas empresas, em detrimento da eficiência econômica. “A eficiência econômica necessariamente beneficia o consumidor, com preços menores e com produtos de maior valor, seja a firma monopolista ou competidora” (SALGADO, 1997, p. 18).

O suposto fracasso da política antitruste norte-americana quanto à incompatibilidade das tradições legais e à argumentação econômica do judiciário resultava, para Bork, numa irracionalida­de de regras econômicas que impediam a competição e a própria

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1 3 4 Direito Econômico

habilidade econômica para produzir com eficiência bens e servi­ços; é “uma política em guerra consigo mesma”.

A Escola de Chicago, cujos notáveis representantes são Bork, Bowman, Mac Gee, Telser e Posner, entende que a defesa da concorrência está centrada nos benefícios ao consumidor garan­tidos pela eficiência alocativa do mercado, ou seja, a aplicação dos recursos nas atividades de maior necessidade ou anseio dos consumidores, independentemente do agente econômico estar em posição monopolista ou em plena competição. Mais ainda, a Escola de Chicago defende a menor regulação estatal possível da economia, a fim de que a concorrência desenvolva-se livremente com a mínima interferência do Estado.

O objetivo da Escola de Chicago é demonstrar que a teoria econômica neoclássica revelaria que todos os fenômenos econômi­cos podem ser previstos, descritos e explicados, partindo de uma premissa única, qual seja, o comportamento racional-maximizador num contexto de recursos escassos.

A argumentação da Escola de Chicago, que para Bork “o anti­truste, indissociável da economia, cujo interesse a ser perseguido é o da eficiência alocativa de modo a autorizar a busca por soluções exatas e constantes, que nos são dadas pela ciência econômica” (FORGIONI, 1998, p. 163), é contestada por Lawrence Sullivan, para quem antitruste não se resume a eficiência econômica. A ciência econômica é um forte instrum ento na mão do jurista; daí a interdisciplinaridade do Direito da Concorrência.

Contudo, o maior expoente, contrário à teoria defendida pela Escola de Chicago, é a Escola ordo-liberal, a qual, já analisada no início deste item, agora se faz seu contraponto com a Escola de Chicago. Para os estudiosos da Escola ordo-liberal, o que garante o funcionamento econômico de uma economia de mercado é, essencialmente, a garantia da competição.

O Direito, por sua vez, deve gerar possibilidades para a ideal organização da ordem privada que se dará com a "autocoorde- nação”. O direito de propriedade e o direito das obrigações são elementos essenciais na organização que garantirá transações privadas, e o “autocontrole”, quando as empresas têm condições

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Direito da Concorrência 1 3 5

e possibilidades de trocarem de parceiros para suas transações. Demonstrada a autocoordenação e o autocontrole das empresas, verifica-se a ordem espontânea que age no mercado.

Os riscos de fixação de objetivos legais baseados em dados tão somente econômicos são para os representantes da Escola de Frieburg exemplo típico do modelo neoclássico. Os ordo-liberais entendem não ser inteligente a atribuição no direito concorrencial de qualquer forma de objetivo econômico predeterminado, como é o caso da “eficiência”. Para eles, não é possível prever todos os efeitos e selecionar os desejados, de maneira a organizar a elabo­ração da lei e sua posterior aplicação.

A diferenciação entre o modelo ordo-liberal e o defendido pela Escola de Chicago está no fato de descobrir quais as opções mais interessantes e qual o comportamento que deverá ser ado­tado pela transmissão de informações e pela liberdade de escolha que é dada.

Contudo, verifica-se que a possibilidade de escolher, para os ordo-liberais, é estendida a consumidores e produtores, enfim, a todos os agentes do mercado, não sendo obrigatória a existência da concorrência; o suficiente é a sua potencialidade.

Assim, para os ordo-liberais, o ponto marcante de sua teoria está centrado no fato de analisar as posições de poder sobre o mercado e a possibilidade de se verificar a criação de barreiras à entrada de outros competidores. Um dos maiores males que poderiam afligir um sistem a concorrencial seria a instituição desse tipo de barreira, já que limita a possibilidade de escolha de consumidores e produtores.

Interessante também destacar que na Europa a defesa da con­corrência está relacionada aos fins da própria União Européia, ou seja, a concorrência não se limita a ser um fim em si mesma, mais do que isso, ela é um instrum ento com o qual a União Européia persegue sua finalidade. Desta forma, qualquer interpretação que reduza a concorrência a um único fim, ainda que seja eficiência econômica ou tutela do consumidor, o Tratado da Comunidade Européia não tende a sua autorização.

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1 3 6 Direito Econômico

Podem-se perceber diversas experiências de defesa da con­corrência em legislações distintas. Distingue-se então a defesa da concorrência quanto ao tipo de proibição de práticas restritivas sob dois enfoques. Um é aquele em que as práticas restritivas da concorrência são proibidas por produzirem um dano ainda que potencial à economia. O outro é a repressão apenas às práticas que culminam num dano efetivo.

No caso da concorrência-fim, ou teoria da concorrência-con- dição, estabelece-se uma proibição genérica e anterior a todos os acordos e práticas que possam atingir a estrutura concorrencial do mercado, combatendo a concentração pela proibição das práticas que podem nela resultar. Esse modelo (per se conáemnatioti) está focado no perigo que as práticas representam por si mesmas, in­dependentemente do resultado de fato alcançado. A concorrência é tida como um valor em si mesma, e deve ser preservada, pois é ela que permitirá o progresso e o equilíbrio econômico.

Já no outro modelo, denom inado concorrência-m eio, ou concorrência-instrumento, privilegiam-se os comportamentos efetivos dos agentes econômicos do mercado, uma vez que a con­corrência é considerada um bem como outros e não um bem em si própria, podendo, inclusive, ser sacrificada em favor de outros bens legalmente protegidos. Depreende-se que esse modelo não combate acordos, oligopólios, monopólios ou qualquer forma de dominação de mercado, mas visa à repressão desses atos quando eles se revelam prejudiciais ao interesse geral. Nessa hipótese, esses atos ou acordos desde que não justificados por qualquer razão são declarados ilícitos por produzirem efeitos negativos à concorrência.

Nesta abordagem acerca das Escolas que se preocupam em estudar o tema, verificam-se os conceitos e os fins da defesa da concorrência, que podem ser utilizados dependendo do momento histórico, da política governamental e do fim a que se destina.

Em linhas gerais, cumpre salientar que a defesa da concor­rência tem como principal objetivo assegurar a concorrência no mercado. Isso porque, garantindo-se a plena e equilibrada competição, as empresas que concorrem entre si esforçam-se para oferecer produtos e serviços de melhor qualidade e a preços

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Direito da Concorrência 1 3 7

mais atrativos ao consumidor. Percebe-se que, ao se defender a concorrência em prol do mercado, um grande beneficiado com a defesa da concorrência acaba sendo o consumidor. Mas não só isso. “O Estado quer e incentiva a competição, não só porque esta representa uma das liberdades que ele garante a todos os indivíduos, como pelo que ela própria lhe significa em termos de desenvolvimento e progresso” (DELMANTO, 1975, p. 11).

Pode-se então conceituar que Direito da Concorrência é o ramo do Direito Econômico cujo objeto é o tratamento jurídico da política econômica de defesa da concorrência, com normas a assegurar a proteção de interesses individuais e coletivos, em con­formidade com a ideologia adotada no ordenamento jurídico.

5.2 Conceito de m ercado relevante

Para efetuar qualquer análise antitruste é necessário saber o conceito de mercado relevante, pois é a partir dessa conceituação, aplicada a cada caso concreto, que se poderá determinar, ou ao menos prever, eventual concentração ou prática potencialmente prejudicial à concorrência.

A expressão mercado relevante nada mais é do que a tradução li­teral da língua inglesa de relevant market, cujo sentido é determinar o mercado em questão, o locus pertinente à análise concorrencial de determinada prática ou operação.

Delimitar o mercado relevante é então fundamental para que se proceda à análise de efeitos competitivos potenciais de opera­ções entre empresas que resultam em concentrações de mercado, ou de efeitos competitivos de condutas adotadas por empresas em condição de impor seus interesses ao mercado, uma vez que é nesse espaço que a autoridade de defesa da concorrência deverá atuar, prevenindo ou reprimindo eventuais abusos ou infrações concorrenciais.

Não são raras as vezes em que a conceituação de mercado relevante aparece identificada conjuntamente com o abuso de posição dominante ou o poder de mercado e o seu abuso. En­tretanto, para um estudo técnico e didático se entende que tal aproximação deve ser evitada para uma melhor compreensão do

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1 3 8 Direito Econômico

estudioso da concorrência e assim analisar-se mercado relevante e poder de mercado e seu abuso em itens distintos, para que de­pois se possa fazer a interpretação de cada caso com esses dois conceitos em mente. Explica-se também pelo fato de o conceito de mercado relevante ser utilizado em qualquer situação da aná­lise concorrencial, já que só se fala em infração ou limitação da concorrência em dado mercado, o mercado relevante.

A conceituação de mercado relevante, cujo objetivo é definir o espaço geográfico e material onde se estabelece a concorrên­cia, reúne empresas cuja produção tenha um efeito imediato e substancial no comportamento dos diversos agentes econômicos desse mercado, notadamente no que se refere a preços e produção. Assim, o mercado relevante é o palco onde as relações concorren­ciais são travadas e o local de atuação do agente econômico, cuja conduta, ainda que potencial, é analisada.

Percebe-se que a análise do mercado relevante engloba duas conceituações distintas, mas inseparáveis: mercado relevante m aterial e mercado relevante geográfico. Pode-se ainda falar num a outra conceituação para o estudo do mercado relevante, qual seja, mercado relevante tem poral, mas que não é comu­m ente utilizada.

Entretanto, para a análise antitruste, pode-se definir objeti­vamente mercado relevante como a menor área geográfica onde se encontra o menor agregado de produtos ou serviços.

5.2.1 Mercado relevante material

O mercado relevante m aterial, assim denom inado e que incorpora produtos e serviços, compreende todos os produtos e serviços considerados pelos consumidores substituíveis entre si em razão das suas características, preços e utilização.

As diversas características dos produtos e serviços e o modo como os consum idores percebem a capacidade de utilização desses produtos e serviços concorrem para a determinação do mercado, ou dos mercados, nos quais os produtos são vendidos e os serviços prestados.

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Para facilitar a explicação, pode-se utilizar um exemplo fic­tício que seguramente permitirá a compreensão do conceito de mercado relevante material.

Pegam-se como exemplo aguardentes produzidas em diversos alambiques e de marcas distintas e concorrentes entre si. Cada aguardente, apesar de suas características comuns, é diferente, possuindo cada qual um a especificidade que a diferencia das demais: seja a qualidade, seja apenas a marca ou o preço. Os alambiques fazem publicidade para destacar essas diferenciações e assim cativar seus consumidores e poder praticar preços mais altos. Apesar de os consumidores não estarem dispostos a trocar suas aguardentes favoritas, eles consideram as diversas marcas de aguardente substitutas entre si, em razão da utilização e do preço.

Contudo, muitos consumidores de aguardente podem consi­derá-la um sucedâneo de outras bebidas alcoólicas, como a vodca, a grappa ou o saquê, por exemplo. Neste caso, o produtor de aguardente deverá considerar não apenas o preço praticado por outros produtores de aguardentes, mas também o preço das outras bebidas alcoólicas tidas pelos consumidores como substitutas.

Tal fato também restringe o preço a ser praticado pela comer­cialização da aguardente com a limitação da oferta. Outrossim, caso os produtores de aguardente acordem entre si em aumentar seus preços, os consumidores poderão direcionar sua demanda para as outras bebidas alcoólicas consideradas substitutas.

Em outras palavras, é o caso do consumidor em sua happy hour com colegas de serviço e sedento por uma caipirinha que, ao ser informado pelo garçom que a caipirinha (de aguardente) custa “2x”, acaba optando por uma caipiroska (caipirinha feita com vodka), que custa “x”.

Evidentemente o exemplo citado se refere ao mercado rele­vante material de produto, mas naturalmente também se aplica a serviços.

Utiliza-se outro exemplo hipotético e fictício para mercado relevante material, agora de serviços. Neste caso, as pessoas que

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têm cáries procuram dentistas para que eles prestem o serviço, qual seja, fazer a obturação.

Cada dentista procura cativar seu paciente com excelências no atendimento, qualidade do tratamento e preço. Entretanto, hipo­teticamente todos os dentistas de determinada cidade resolvem aumentar seus preços. Hipoteticamente, ainda, os ortodontistas, que realizam correções estéticas nos dentes, também prestam o serviço de obturar dentes.

Ora, para o paciente, tanto faz obturar seu dente com o den­tista ou com o ortodontista. Dessa forma, o dentista tem que praticar seu preço em atenção também ao ortodontista, caso con­trário a demanda dos pacientes migrará para seus concorrentes considerados substitutos pelos pacientes.

Em linhas gerais, pode-se dizer que, identificada a necessida­de do consumidor por determinado produto ou serviço, deve-se verificar se ele está disposto a substituí-lo por outro. Em caso positivo, esses produtos ou serviços são fungíveis, detêm inter- cambialidade, então fazendo parte do mesmo mercado relevante material.

Neste sentido, interessante observar o Ato de Concentração na 08012.000212/2002-30, Requerentes: Pepsico, Inc. e Compa­nhia Brasileira de Bebidas. Na ocasião, ao contrário do que havia sido apresentado pelas Requerentes quanto ao mercado relevante do produto, a SEAE entendeu que há ausência de evidências para considerar o mercado relevante como sendo o de soft dritiks, que inclui as bebidas não alcoólicas, carbonatadas e não cabornata- das, como refrigerantes, sucos, isotônicos, assim como bebidas esportivas, chás gelados, águas de coco, águas industrializadas, refresco em pó quase pronto para consumo, entre outros. A SEAE também suscitou a substitutibilidade desses produtos, quer pelo lado da oferta, quer pelo lado da demanda. Votou o Conselheiro Relator que: “Os elementos trazidos aos autos pela Seae e SDE, assim como da análise das pesquisas e demais informações jun­tadas aos autos pelas Requerentes e demais empresas do setor de soft drinks, não deixam dúvidas de que a produção e comercia­lização de isotônico artificial constitui-se num nicho de negócio diferenciado no qual poucas empresas atuantes podem exercer

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poder de mercado. Desse modo, defino como mercado relevante de produto para a análise dos efeitos concorrenciais da presente operação o mercado de isotônicos artificiais” (voto do Relator: Conselheiro Miguel Tebar Barrionuevo).

Uma forma de verificar essa substitutibilidade é o fenômeno da elasticidade cruzada (cross elasticity), pelo qual o aumento no preço de determinado produto ou serviço leva ao aum ento da procura de outro, seu sucedâneo. Esse fato dem onstra que o consumidor está disposto a substituir um produto ou serviço por outro, colocando-os num mesmo mercado relevante material. Ou seja, quanto maior for a elasticidade da demanda, maior será a possibilidade de substituição do produto ou serviço em análise pelos compradores, que estariam dispostos a trocar um produto ou serviço por outro equivalente em propriedades e preço.

Deve-se ainda destacar que as autoridades de defesa da con­corrência tendem a limitar, ao máximo possível, a extensão dos mercados relevantes materiais, para que: (i) seja mais facilmente caracterizada a posição dominante do agente econômico; (ii) os efeitos anticoncorrenciais de determinada prática sejam poten­cializados; e (iii) as práticas não sejam consideradas como de pouca relevância e, assim, não sejam isentas da análise antitruste competente.

Dentro do mercado relevante material ainda existem casos em que se possa compor um certo número de produtos ou ser­viços por apresentarem características físicas, técnicas ou de comercialização que recomendam o agrupamento, os chamados cluster markets. Por estarem exatamente agrupados, tais produtos ou serviços apresentam maior atratividade ao consumidor, seja na existência de economia de escopo na aquisição de produtos em conjunto (explicação tradicional e próxim a da explicação neoclássica), seja na redução dos custos de transação (doutrina mais moderna e da nova economia institucional).

5.2.2 Mercado relevante geográfico

A análise do mercado relevante geográfico considera a área, o espaço, onde se embata a competição, que pode ser entendida

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como anticoncorrencial, ou mesm o a área onde determ inada operação econômica poderá produzir seus efeitos, mesmo que potenciais. Ou seja, não basta determinar abstratamente a loca­lização do agente econômico; a natureza do produto, a existência de barreiras à entrada e a conduta praticada também são funda­mentais para precisar o mercado relevante geográfico.

O mercado relevante geográfico compreende, portanto, a área na qual os agentes econômicos ofertam e procuram produtos ou serviços em condições concorrenciais equivalentes de preços, preferências dos consumidores e características dos produtos ou serviços. Devem-se identificar os obstáculos ao ingresso de empresas situadas fora dessa área para ofertarem produtos ou serviços, como também a possibilidade de empresas ingressarem nesse mercado quando da elevação dos preços pela empresa nele já situada.

Assim, o mercado relevante geográfico detém elevada impor­tância na análise concorrencial, pois é da área geográfica que pro­vêm os produtos considerados pelos consumidores como sendo substitutos. Isso dependerá da característica do bem procurado, dos custos de transação e em particular do custo de transporte. No caso de esses custos serem baixos em relação ao valor do produto, é possível ingressar em mercados distantes. Por outro lado, sendo o custo de transporte m uito elevado, o acesso ao mercado só poderá ser feito por empresas localizadas próximas aos locais de consumo.

Fica fácil perceber que o mercado relevante geográfico é o espaço físico, a área onde as relações concorrenciais em análise se realizam. Nessa área o agente econômico pode aumentar seus preços e mesmo assim não perder um número significativo de clientes, caso em que os consumidores não possam utilizar um fornecedor de sucedâneos, nem exista a concorrência de outros produtores de sucedâneos instalados fora daquela área que ingres­sariam maciçamente no mercado geográfico em questão.

Uma vez compreendido o conceito de mercado relevante geográfico, cumpre verificar a fim de estabelecer uma precisa análise concorrencial e a existência de um mercado geográfico único se: (i) o consumidor estaria disposto a deixar o local onde

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está situado para adquirir o produto ou utilizar o serviço em outra área, às vezes distante de onde se encontra; (ii) os custos dos transportes deixariam os produtos ou serviços locais em condição de independência e indiferença em relação aos ofertados por agentes econômicos de outras áreas; (iii) as características do produto ou serviço, como por exemplo durabilidade e resistência ao transporte, permitiriam a comercialização em áreas relativa­mente distantes de sua origem; (iv) os incentivos governamentais representariam impeditivos ao ingresso de novos agentes econô­micos no mercado; e (v) a existência de barreiras à entrada, como impostos de importação ou o elevado custo para constituir uma rede de distribuição, demonstraria se o mercado é impermeável ao ingresso de novos competidores.

In te re s s a n te v e rif ic a r o A to de C o n c e n tra ç ã o n e 08012.006976/2001-58, Requerentes: BR Participações e Em­preendimentos S. A., G. Barbosa e Cia. Ltda. e Serigy Participações e Empreendimentos Ltda. Quando da operação no mercado de “supermercados”, a empresa G. Barbosa possuía 32 lojas de su­permercados, situadas na Bahia, especificamente nas cidades de Salvador, Feira de Santana, Esplanada, Ribeira do Pombal, Paulo Afonso e Alagoinhas, e em Sergipe, nas cidades de Aracaju, To- bias Barreto, Itabaiana, Nossa Sra. das Dores, Lagarto, Estância, Nossa Sra. do Socorro, Boquim, São Cristóvão e Itabaianinha. Já a empresa Bompreço também atuava em algumas cidades do Nor­deste, havendo interseção das atividades de ambas nos municípios de Salvador, Feira de Santana e Aracaju. Nesses três municípios, portanto, houve concentração econômica, enquanto nas demais cidades apenas ocorreu a substituição de agente econômico, visto que a empresa adquirente não atuava no mercado.

Conforme consta do voto do Conselheiro Relator, Cleve- land Prates Teixeira: “De acordo com um estudo divulgado pela ABRAS, a área de influência é definida como a área geográfica onde se localiza a maior parte dos consumidores de uma determi­nada loja, permitindo, portanto, identificar a demanda de mercado disponível para esta loja. Segundo tal estudo, a maior parte das vendas de uma loja vem de clientes que moram dentro de uma limitada área geográfica em torno da loja. A área de influência de

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uma loja seria, supostamente, capaz de atrair 70% do total dos clientes de tal loja. No referido estudo também se determinou a medida dos raios de cada uma das áreas de influência a partir do tipo de loja (se minimercado, supermercado pequeno, super­mercado grande, hipermercado), número médio de checkouts e densidade populacional (se baixa, média ou alta).

Quadro 5.1 Dimensões típicas de área de influência de supermercados.

DIMENSÕES TÍPICAS DE ÁREA DE INFLUÊNCIA DE SUPERMERCADOS

Tipo de loja Nfi de checkouts Área de Influência (km)

Supermercado pequeno De 03 a 19 1,8

Supermercado grande De 20 a 39 2,5

Hipermercado 40 ou mais 5,0

Fonte: Elaboração Seae, a partir dos dados divulgados pela revista Superhiper.

A partir desses dados, a Seae traçou os raios das áreas de influência das lojas tanto das Requerentes como das concorren­tes...”

5.2.3 Mercado relevante temporal

Outra maneira de proceder à análise mercadológica do anti­truste, embora praticamente não utilizada na experiência nacional, é a dimensão temporal do mercado relevante. A análise do merca­do relevante temporal incide nas análises geográfica e material.

A Comissão A ustraliana de Concorrência e Consum idor- ACCC (Australian Com petition & Consumer Commission) considera o mercado relevante temporal para análises antitrus- tes. Conforme assinala o guia de concentrações da ACCC (merger guidelines), a dimensão temporal do mercado se refere ao período no qual as possibilidades de substituição devem ser consideradas. A ACCC considera as possibilidades de substituição no período mais longo, mas ainda num futuro previsível, que efetivamente

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delimitará o exercício significante de poder de mercado da em­presa que está se concentrando.

Analisando o Anexo V da Resolução ne 15 do CADE, de 19 de agosto de 1998, especificamente no item 1.6, referente às definições de mercado relevante de produto (1.6.1) e geográfico (1.6.2), não se encontra em momento algum uma referência ex­pressa à dimensão temporal.

Nas decisões do CADE e nas análises da SEAE e da SDE, difícil verificar ao menos uma menção ao mercado relevante tem ­poral, mas nem por isso sua análise deve ser preterida. Talvez, caso fosse considerada a dimensão temporal, ficaria mais fácil perceber que a demora de uma análise antitruste até sua decisão final pode comprometer toda a concorrência num mercado, não obstante as tentativas de Acordos de Preservação e Reversibilidade da Operação, Medidas Cautelares e Preventivas.

Talvez uma das poucas vezes, senão a única, em que se men­cionou a dimensão temporal como item de análise do mercado relevante na jurisprudência do CADE, e mesmo assim de maneira bastante superficial, foi no voto do Conselheiro Relator do Pro­cesso Administrativo na 53500-000359/99, apenso à Averiguação Preliminar ne 53500.002586/98, Representante: TVA Sistema de Televisão S.A., Representada: TV Globo Ltda. e TV Globo São Paulo Ltda., Relator: Conselheiro João Bosco Leopoldino da Fonseca.

5.3 Tipos de mercado

Uma vez compreendido o conceito de mercado relevante, faz-se uma breve análise dos diversos tipos de mercado onde se trava a concorrência entre os agentes econômicos.

5.3.1 Mercados perfeitamente competitivos

Inicialmente citam-se os mercados perfeitamente competiti­vos, que dizem respeito ao modelo de concorrência perfeita, sendo assim meramente uma explicação teórica de como os mercados

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funcionariam e como os agentes em regime de concorrência pura nele atuariam.

Esse modelo de mercado, que se diz ideal, mas utópico de ser atingido em sua plenitude, notabilizar-se-ia pela sua perfeita competitividade, dada a existência alta e equivalente de produ­tores e compradores, todos pequenos em relação ao todo, e com isso incapazes de influenciar no preço de produtos ou serviços e na atuação de outros competidores com suas decisões individuais. Uma empresa nesta condição jamais poderia elevar seus preços ou reduzi-los demasiadamente, caso contrário perderia participação de mercado, já que seus compradores procurariam outro fornece­dor, ou os custos de produção implicariam prejuízos certos.

Tratar-se-ia de uma situação em que o preço do produto ou serviço estaria formado em uma perspectiva que atendesse às ne­cessidades dos produtores e aos anseios do comprador, já que se praticaria o “preço justo”, possibilitado pelo equilíbrio constante e inalterável da oferta e da demanda.

5.3.2 Mercados imperfeitamente competitivos

Em sentido oposto existiriam os mercados imperfeitamente competitivos, onde, apesar de a concorrência ocorrer entre produ­tores e compradores, suas condições não são ideais, pois faltam os pressupostos dos mercados perfeitamente competitivos.

Nesse modelo, também denominado de regime de concorrên­cia monopolística, a diferenciação entre os produtos e a constitui­ção de uma rede de compradores fiéis garante ao produtor uma condição mais favorável daquela que teria se os seus produtos ou serviços concorressem mais efetivamente com os de outras marcas. Como resultado, o preço praticado pode ser maior do que de fato seria, e ainda ocorrer uma limitação na produção ou comercialização do bem ou produto.

Contudo, acredita-se que, apesar de este modelo não ser o ideal para a concorrência, não se pode punir uma empresa que conquistou seus compradores, seja pela marca, seja pela qualidade do produto, e com isso pratica um preço mais elevado por esse

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produto ou serviço, e, mesmo existindo sucedâneos no mercado, os compradores continuam, por opção, fiéis à marca.

Evidentem ente, tal situação de dominação de mercado é aceitável, desde que os possuidores das marcas principais não se valham de práticas anticoncorrenciais para m anterem essa condição.

5.3.2.1 Mercados oligopolizados

Outra situação é a dos mercados oligopolizados, identificados pelo pequeno número de produtores ou prestadores de serviço, ou ainda a existência de grandes agentes econômicos, ainda que em pequena quantidade, concorrendo com agentes de porte bem infe­rior e sem qualquer condição de alterar a situação do mercado.

Esse modelo, em especial, exige um exercício bastante intenso das autoridades de defesa da concorrência e dos estudiosos da matéria. Ao analisar a conduta racional dos agentes econômicos atuantes nesse mercado, poder-se-á estar diante de um caso alta­mente competitivo, apesar da oligopolização, ou seja, do reduzido número de competidores, como também deparar com uma situa­ção quase de monopólio, em que os poucos agentes, por meio de práticas colusivas, restringem ao máximo a concorrência.

O cuidado para se analisar caso a caso deve ser muito grande, pois poderá estar-se diante de um comportamento interdependen­te entre os agentes, que limitariam a produção para atingir um preço que seria praticado por um monopolista, ou simplesmente num a situação onde se aplicaria a teoria dos jogos, em que a estratégia racional de determinado agente se pauta no provável comportamento de seu concorrente.

Em cada situação devem-se verificar algumas peculiaridades, como a ocorrência de se seguir o líder (follow the leader) e a carac­terização de um "paralelismo de conduta” e sua distinção de um “paralelismo consciente”, tão comum em mercados competitivos oligopolizados, e que seria considerado anticoncorrencial na in­cidência da condição plus.

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Na hipótese da ocorrência de um suposto paralelismo cons­ciente plus, deve-se verificar, além do comportamento paralelo de preços, a existência e comprovação de algum mecanismo explícito de coordenação de preços.

Como visto, os mercados oligopolizados permitem aos estu­diosos da defesa da concorrência um aprofundamento na matéria e o contato com teorias econômicas que explicam, justificam e repudiam diversas condutas.

5.3.2.2 Mercados monopolizados

Por último, têm-se os mercados monopolizados, marcados pela atuação de uma única empresa no mercado para ofertar um produto ou serviço sem a ameaça do ingresso de um concorrente. Tal situação, entretanto, pode gerar seus efeitos no caso de um agente com absolutamente a totalidade do mercado, estando a outra pequena parcela com pequenos agentes que não represen­tam a menor concorrência ao grande “monopolista”.

Nesta situação o agente monopolista para maximizar seus lucros reduziria a produção “alavancando” o preço dos produtos ou serviços. Quanto maior a demanda e menor a oferta, o preço tende a aumentar.

Os resultados podem ser desastrosos para a sociedade, pois muitas vezes parcela da população não consegue acompanhar os aumentos impostos pelo monopolista, e se vê excluída do consu­mo ou da utilização desse produto ou serviço. Daí a importância da atuação atenta das autoridades antitrustes.

Mas também existem situações em que o mercado é mono- polístico, ou por imposição legal, ou pela sua própria natureza. O petróleo no Brasil, por exemplo, que era de extração exclusiva da Petrobras (monopólio legal), ou, no caso do saneamento básico (monopólio natural), em que não se pode imaginar três empresas instalando encanamentos de esgoto em uma residência para se contratar aquela empresa que lhe ofereça melhores condições.

O monopólio natural se justifica nos casos em que o alto custo da produção ou da prestação do serviço exige altas escalas,

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caso contrário o próprio mercado não teria como absorver uma pluralidade de agentes e os custos decorrentes dessa suposta competitividade representariam prejuízos aos agentes e custos elevados aos consumidores. As próprias condições estruturais desses mercados, caso do setor de infra-estrutura, impedem a organização de um regime de concorrência.

Nessas situações de monopólios naturais, ou de antigos monopólios legais transferidos à exploração de entes privados, a atuação de agentes reguladores e fiscalizadores é fundamental para a boa concorrencialidade e ao bem-estar econômico do con­sumidor. São os chamados mercados regulados.

O utrossim , não pode a autoridade punir um agente que alcançou sua condição de monopolista pelas suas eficiências. O fato de esse agente ser monopolista, condição assegurada pela escolha da população, não o desabona. A autoridade de defesa da concorrência deverá combater eventuais abusos praticados por esse agente em decorrência dessa situação.

5.3.2.3 Monopsônios e oligopsônios

A análise concorrencial dos mercados imperfeitamente com­petitivos exige, ainda, comentários acerca dos monopsônios e oligopsônios.

Conforme já visto, monopólios e oligopólios ocorrem quando o consumidor tem apenas como opção de oferta no mercado um agente ou poucos agentes, respectivamente. Entretanto, não se pode falar que tal situação é per se anticoncorrencial. A infração aos ditames concorrenciais só ocorre se o agente, monopolista ou oligopolista, abusar dessa posição.

No caso dos monopsônios e oligopsônios o raciocínio é muito parecido com os dos monopólios ou oligopólios, só que o agente monopsionista ou oligopsionista detém essa posição em outro patamar da estrutura do mercado; no momento de adquirir pro­dutos ou serviços de fornecedores para repassar ao consumidor final e não propriamente no m om ento da oferta do produto ou serviço ao consumidor final.

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Entende-se o monopsônio pela atuação de um único agente econômico no mercado para adquirir de fornecedores um produto ou serviço para ele, monopsionista, oferecer ao consumidor final. Sem a ameaça da concorrência, ou, ainda, a possibilidade de os "fornecedores” ofertarem seus produtos ou serviços para outros agentes econômicos que atuariam junto ao consumidor final, cria-se uma sujeição dos fornecedores ao agente monopsionista. É o monopsionista que poderá determinar preços e condições de pagamento, e caso o fornecedor não se sujeite a essas determina­ções, poderá ver restringida a oferta de seus produtos ou serviços ao consumidor final.

Os oligopsônios, nesse sentido, são identificados pelo peque­no núm ero de agentes econômicos atuando no mercado como tomadores de serviços ou adquirentes de produtos para repassá- los ao consumidor final.

Certamente essa situação poderá ser agravada quando o agen­te econômico que atua como m onopsionista ou oligopsionista também detém a posição de monopolista ou oligopolista. Assim, deteria tal agente o poder de mercado nos dois estágios da “ca­deia”; tanto como adquirente de insumos junto aos fornecedores (monopsionista ou oligopsionista), quanto na venda ou prestação de serviço ao consumidor final (monopolista ou oligopolista).

5.4 Conceito de poder econômico e seu abuso

Ao analisar este item, “Conceito de Poder Econômico e seu Abuso”, verificar-se-á o poder econômico em si e seu abuso, a posição dominante e seu abuso e também poder de mercado e participação de mercado, esperando que, ao final, além de com­preender esses conceitos, seja possível também distingui-Ios e utilizá-los para interpretar casos de defesa da concorrência.

5.4.1 Poder econômico (poder de mercado) e posição dominante (participação de mercado): distinção

No estudo do Direito da Concorrência, muitas vezes os con­ceitos de poder econômico e posição dominante aparecem como

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sendo institutos que, além de se relacionarem, são utilizados para definir situações comuns.

O que se pretende neste tópico é diferenciar esses dois ins­titutos e demonstrar que apesar de supostamente similares são na verdade distintos.

Quando se fala em posição dominante entende-se a partici­pação que determinada empresa tem num certo mercado. Esta participação pode ser resultado de sua eficiência concorrencial que lhe garantiu uma posição de destaque em decorrência da opção dos consumidores. Até então, nada se tem de anticoncorrencial.

A antijuridicidade iniciaria se tal empresa, detentora de ex­pressiva participação no mercado, abusasse de sua posição, o que ensejaria a repressão (ou a prevenção se o ato ainda não estiver consumado) das autoridades de defesa da concorrência.

Este abuso decorreria da relevante posição da empresa dentro de um mercado, que lhe permitisse abusar dessa situação limitan­do a oferta, aumentando os preços, impondo condições aos seus compradores, dentre outras diversas possibilidades de condutas anticoncorrenciais. Evidentemente, esse quadro só seria favorável à empresa que abusasse de sua posição, no caso de não existirem concorrentes aptos a ingressarem nesse mercado, ou se já estabe­lecidos, não suprirem as restrições impostas aos compradores pela empresa que estivesse abusando de sua posição.

Portanto, a posição dominante estaria relacionada diretamen­te com a participação de mercado (market sharé), e seria alvo da atuação das autoridades antitrustes no caso do agente detentor dessa condição abusar dela em desfavor do mercado.

Já o poder econômico diz respeito à condição econômica da empresa (compreendida em conjunto ao grupo econômico ao qual faz parte) e à possibilidade dessa empresa intervir no mercado, mesmo que detentora de pequena participação (market sharé), de maneira a impor aos outros players condição tal que não consigam resistir à disputa.

É óbvio que, nesta situação, a empresa com poder econômico que queira ingressar no mercado e faça isso, por exemplo, com preços promocionais para os seus produtos ou serviços, não es­

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taria cometendo ilícito concorrencial algum. A antijuridicidade concorrencial dar-se-ia se tal empresa, abusando do seu poder econômico e neste caso utilizando-se de um suposto benefício cruzado, coloque preços tão abaixo das condições mínimas para o funcionamento no mercado (preços predatórios), que as demais concorrentes não consigam acompanhá-la e aos poucos vão per­dendo participação e até mesmo “quebrando”. Evidentemente, para que essa situação hipotética ocorresse também não poderia haver concorrentes dispostos a ingressar no mercado naquele mo­mento, e nem num certo tempo futuro, só assim a prática poderia compensar financeiramente para a empresa idealizadora.

O poder econômico se traduziria em poder de mercado, ou seja, a empresa detentora de poder econômico teria condições de impor seus anseios ao mercado, já que detentora de poder de mercado.

Não se pode negar que é freqüente, e bastante comum, a relação que se faz entre a participação de mercado detida por um agente econômico e o poder de mercado decorrente de tal posição.

A presunção é que o agente econômico, ao deter signifi­cativa participação no mercado, deteria poder econômico para atuar como bem quisesse nesse mercado. Despreocupado com a concorrência dos outros agentes econômicos, que não lhe ofere­ceriam risco concorrencial algum, seria ele o detentor de poder de mercado.

Em sentidò oposto, também é raciocínio comum que o agente econômico detentor de participação de mercado não tão expres­siva seria incapaz de desestru turar a concorrência com a sua atuação.

Pretende-se demonstrar que posição dominante (participação de mercado) e poder econômico (poder de mercado) são institutos distintos que até podem e devem se relacionar para a análise caso a caso de matéria antitruste. Comportam, entretanto, análises distintas pelos operadores do antitruste para verificar se a suposta conduta, seja por poder econômico, seja por posição dominante,

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caracteriza-se um abuso e, sendo assim, deva ser reprimida ou prevenida.

5.4.2 O poder econômico no mercado e seus reflexos na concorrência

A auto-regulação do mercado pela mão invisível da concor­rência, regida pela lei da oferta e da procura, como defendeu Adam Smith, representa o ideal da matéria antitruste. Contudo, a história já mostrou que a ordem econômica não consegue se autocontrolar com os agentes econômicos atuando num mercado sem a fiscalização e disciplina do Estado.

O dever de defender a concorrência é exercido pelo Estado por meio de seus órgãos competentes, impondo a todos os agentes econômicos atuantes no mercado, independentemente de serem entes privados ou estatais desempenhando atividade econômica, ou qual seja a origem da influência sobre o mercado.

Para a teoria neoclássica, sobretudo, o poder econômico no mercado se traduziria na possibilidade de o agente detentor desse poder reduzir a oferta de produtos ou serviços e conseqüentemen­te aumentar seus preços. Porém, essa teoria tem forte influência do consumer welfare (bem-estar do consumidor), e pode acabar ocultando o abuso do poder econômico no mercado, que se daria por forma outra.

Por essa razão, a condição de aumentar preços não exprime necessariamente a existência do poder econômico no mercado. Um agente econômico pode m uito bem exercer seu poder no mercado, e até mesmo abusar dele por outros meios. Por exem­plo: admitindo uma menor lucratividade, mas com uma grande participação no mercado; ou obtendo uma maior lucratividade, mas com uma participação de mercado mais reduzida. Ou seja, um agente econômico “eficiente” e em condição de reduzir seus preços em relação aos seus concorrentes e mesmo assim auferir lucro, mesmo que menor; ou esse mesmo agente aumentar seus preços e auferir um lucro maior, mas com uma perda de parti­cipação de mercado. Em ambos os casos o poder no mercado estaria expresso.

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Merece destacar que nessas ocorrências o poder de mercado não se relaciona necessariamente com o market share detido pelo agente econômico, visto que sua capacidade de aumentar preços pode ser limitada pelas condições dos compradores optarem por outros sucedâneos ou pelo ingresso no mercado de outros agentes econômicos, o que aumentaria a concorrência.

As barreiras à entrada, conceito de grande importância para a análise do exercício de poder no mercado de um agente eco­nômico, diz respeito à possível obtenção pelo agente de lucros de monopolista sem que novos competidores vislumbrem sua entrada nesse mercado, apesar de atraídos por tais lucros.

O desestímulo ao ingresso dos novos entrantes se daria pelas barreiras à entrada, fatores existentes num mercado que colocam um potencial concorrente em desvantagem em relação aos agen­tes econômicos já estabelecidos, dentre os quais se podem citar: (i) custos fixos elevados; (ii) custos irrecuperáveis ou afundados (sunk costs); (iii) barreiras legais ou regulatórias; (iv) recursos de propriedade das empresas instaladas; (v) economias de escala ou de escopo; (vi) grau de integração da cadeia produtiva; (vii) fidelidade dos consumidores às marcas; e (viii) a ameaça de reação dos competidores instalados.

Observa-se, então, que se trata de um poder relativo e não absoluto, que consiste substancialmente na possibilidade do agen­te econômico de reduzir a quantidade de produção e aumentar o preço, sem que concorrentes a curto tempo ingressem no mercado para satisfazer a demanda com preços inferiores. Lembra-se de que tal condição não se relaciona necessariamente com a posição do agente no mercado ou com a sua complexa potência econômi­ca. A finalidade da defesa da concorrência é a de garantir o bom funcionamento do mercado.

O funcionamento do mercado, tutelado por uma eficaz legis­lação de defesa da concorrência, impõe um limite à possibilidade de os agentes adquirirem poder econômico por meio de compor­tamentos e práticas restritivas, ao invés da eficiência e de suas capacidades superiores. Neste ponto, a participação de mercado e o poder econômico não são per se negativos, mas podem, ao contrário, possibilitar a utilização de capacidade técnica ou orga­

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nizacional que não estaria disponível a empresas de menor porte, com benefícios aos consumidores e até mesmo à economia.

Todavia, a essência da legislação de defesa da concorrência está na confiança de que, se o mercado é operante e protegido de práticas anticoncorrenciais, será difícil o poder econômico se converter em abuso. Além do mais, num mercado concorrencial dificilmente os agentes econômicos de grande porte e detentores de poder estarão sozinhos. Atuarão nesse mercado outros grandes agentes, como também agentes menores e eficientes. Com isso, o abuso individual do agente detentor de poder econômico será difícil de ocorrer.

5.5 Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência

Convencionou-se designar por Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) os órgãos do governo competentes para atuarem em todo o território nacional na prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, bem como na difusão da cultura da defesa da concorrência.

O SBDC é integrado pela Secretaria de Acompanhamento Eco­nômico (SEAE) do Ministério da Fazenda, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e o Conselho Admi­nistrativo de Defesa Econômica (CADE), autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, que atuam à luz da Lei ne 8.884, de 11 de junho de 1994, a Lei de Defesa da Concorrência. A SEAE e a SDE são os órgãos encarregados da instrução dos processos, enquanto o CADE é a instância judicante administrativa. As decisões do CADE não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo, podendo ser revistas apenas pelo Poder Judiciário.

Esses órgãos, cuja atividade principal é a defesa da concor­rência, atuam na análise de operações de concentração, a fim de verificar eventual possibilidade de grande concentração nos mercados e exercício de poder econômico, para então decidir se tal operação pode ou não ser aprovada, bem como atuam na análise de condutas praticadas por agentes econômicos e se tal prática implica em prejuízo à concorrência, quando então deve ser reprimida.

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A partir de importantes acontecimentos da década de 1990, como a abertura dos mercados pelo Governo Collor, a promul­gação da Lei de Defesa da Concorrência em 1994, a estabilidade m onetária propiciada pelo Plano Real, as desestatizações e o processo de concessões e privatizações e o fenômeno da globali­zação, o SBDC vai aos poucos ganhando força, e hoje representa importante autoridade que pode contribuir na implementação de políticas de Estado e de Governo e para assegurar o bem-estar econômico dos consumidores.

5.5.1 Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)

A primeira tentativa de se criar um órgão de defesa da concor­rência aparece no art. 19 do Decreto-lei n- 7.666, de 22 de junho de 1945, com a Comissão Administrativa de Defesa Econômica, órgão autônomo e de personalidade jurídica própria, subordinado ao Presidente da República. Porém, o Decreto-lei foi revogado antes de cumprir o seu terceiro mês.

Diante desse fato, Agamenon Magalhães encaminhou o Pro­jeto de Lei ne 122, de 15 de abril de 1948, no qual propunha a re­gulamentação do art. 148 da Constituição Federal para a repressão de toda e qualquer forma de abuso de poder econômico, incluindo uniões e agrupamentos de empresas em que a finalidade fosse do­minar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros e, no título segundo do Projeto, previa a criação da Comissão Administrativa de Defesa Econômica, cuja competência era verificar os atos ou os fatos que constituíssem as formas de abuso do poder econômico, ou seja, o embrião do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Sua aprovação só se deu anos mais tarde, em 1962, com a promulgação em 10 de setembro da Lei ne 4.137. Além de sua finalidade de regular a repressão ao abuso do poder econômico, a Lei criava em seu art. 8e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica(CADE), com sede no D istrito Federal e jurisdição em todo o território nacional para apurar e reprimir os abusos do poder econômico.

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De 1962, quando da sua criação, até o início dos anos 90, a atuação do CADE era insignificante. Não por um a suposta incompetência ou falta de vontade daqueles que atuavam frente a este Conselho, longe disso, mas pela conjuntura político-eco- nômica brasileira que inviabilizava sequer um lampejo de defesa da concorrência.

Prova disso é que, de 1963 a 1990, a média de julgados por mês no CADE era de 1,4 processo, média que caiu entre 1992 e 1994 para 1 processo. De março de 1994 a março de 1996 a média subiu para 2,3 processos julgados ao mês, e de 1996 a 1999, com o Brasil numa nova realidade e com a Lei ne 8.884/94 em vigor e o SBDC atuante, a média mensal subiu para 31,3 processos jul­gados pelo CADE. Contudo, só em 2000 a média mensal quase que dobrou para 55,2 processos.

Essa nova fase do CADE, órgão judicante, teve início em 11 de junho de 1994 com o advento da Lei n2 8.884, que o transformou em autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça. Sua sede e foro continuaram no Distrito Federal, com jurisdição em todo o território nacional.

O CADE é composto por sete integrantes, sendo um Presi­dente e seis Conselheiros, escolhidos dentre cidadãos com idade superior a 30 anos, com notório saber jurídico ou econômico e reputação ilibada. Após receberem a indicação e terem seus no­mes aprovados pela Casa Civil, são sabatinados pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal (CAE) e, uma vez aprovados pelo Senado Federal, são nomeados pelo Presidente da República para exercerem um mandato com dedicação exclusiva de dois anos, permitida uma recondução.

Ao Plenário do CADE, que é composto pelo seu Presidente e seus seis Conselheiros, compete o zelo e a observância da Lei de Defesa da Concorrência e todas as suas determinações.

Junto ao CADE funciona sua Procuradoria, composta por um Procurador-Geral indicado pelo Ministro da Justiça e nomeado pelo Presidente da República, que se submete às mesmas deter­minações quanto ao mandato, recondução e impedimentos dos Conselheiros do CADE, e um quadro de Procuradores, provenien­

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tes da Advocacia Geral da União (AGU). A Procuradoria do CADE presta assessoria jurídica, defende o órgão, representando-o em juízo, e emite parecer nos processos em trâmite na Autarquia.

A Lei n2 8.884/94 prevê, ainda, a presença do Ministério Pú­blico Federal perante o CADE, para oficiar nos processos sujeitos à apreciação da Autarquia, bem como para promover a execução dos seus julgados. Contudo, a prática demonstra que a partici­pação do Ministério Público Federal nos termos da Lei de Defesa da Concorrência não existia, e apenas recentemente o Ministério Público Federal passou a atuar junto ao CADE.

O CADE julga atos de concentração, processos de conduta, e manifesta-se acerca de consultas. No caso da ausência de um Conselheiro e quando ocorre empate nas decisões, o Presidente possui um voto de qualidade, que em outras palavras significa valer por dois, para desempatar o julgamento. Na ausência do Presidente, ele será substituído pelo Conselheiro mais antigo ou mais idoso, nesta ordem. O quórum mínimo para o CADE decidir é de cinco integrantes.

5.5.2 Secretaria de Direito Econômico (SDE)

A origem da Secretaria de Direito Econômico (SDE) está no Decreto n2 99.244, de 1990, que criou a Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE), à qual conferiu-se competência para apurar, prevenir e reprimir os abusos do poder econômico, por intermédio do CADE, e no campo do Direito do Consumidor, zelar pelos seus direitos e interesses na promoção das medidas necessárias para assegurá-los, como também aplicar a legislação referente à intervenção no domínio econômico, a fim de garantir a livre distribuição de bens e serviços. A Lei n2 8.028, de 1990, em seu art. 23, letra l, incluiu a SNDE como um dos órgãos es­pecíficos do Ministério da Justiça.

A SNDE foi criada num momento de abertura abrupta do mercado, em que parcela significativa da indústria nacional não conseguia concorrer com os produtos que “invadiam” o país. Para tanto, tal Secretaria utilizava-se das Leis n— 8.137/90 e 8.158/91 e, portanto, pouco podia fazer para a defesa da concorrência, tendo

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em vista o enfoque das citadas leis, que tinham eficácia limitada para combater as práticas anticoncorrenciais e nenhum a para prevenir os abusos.

A Lei n2 8.158/91 garantia à SNDE a competência para basica­mente fiscalizar o mercado e nele verificar eventuais imperfeições de comportamento nos setores econômicos, que possibilitassem o desequilíbrio nas condições de liberdade da concorrência.

Essa situação se manteve até o advento da Lei ne 8.884, de11 de junho de 1994, que revogou a Lei na 8.158/91 e deu novo nome à SNDE, que passou a se chamar Secretaria de Direito Econômico (SDE), bem como lhe conferiu a finalidade precípua de assessorar o CADE e atuar preventivamente.

A SDE, subordinada ao Ministério da Justiça, é dirigida pelo Secretário de Direito Econômico, indicado pelo Ministro da Justiça dentre brasileiros de notório saber jurídico ou econômico e ilibada reputação, nomeado pelo Presidente da República.

Neste ponto cabe uma observação. A SDE não atua apenas no âmbito da Lei de Defesa da Concorrência, mas também no do Có­digo de Defesa do Consumidor, o que faz acreditar que o requisito para escolha do Secretário deveria ser o notório saber jurídico, e não “ou” econômico. No CADE, a Lei de sua competência é a de Defesa da Concorrência, o que certamente exige notório conheci­mento jurídico ou econômico de seus integrantes.

Cabe à SDE exercer as competências estabelecidas nas Leis n25 8.078, de 11 de setembro de 1990; 8.884, de 11 de junho de 1994; 9.008, de 21 de março de 1995; e 9.021, de 30 de março de 1995.

Em especial no que se refere ao Direito da Concorrência, cabe à SDE zelar pelo cumprimento da Lei, monitorando e acompa­nhando as práticas de mercado, para prevenir infrações da ordem econômica e, diante de indícios de infração, proceder a averigua­ções preliminares e instaurar processos administrativos.

Estruturalm ente, a SDE possui dois Departam entos para desempenhar sua atuação. O Departamento de Proteção e De­fesa do Consumidor (DPDC), aplicando-se a Lei n2 8.078/90, e o D epartam ento de Proteção e Defesa Econômica (DPDE),

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no qual a matéria em análise é a disposta na Lei n- 8.884/94. O DPDE, por sua vez, subdivide-se em Coordenações-Gerais, que atuam em relação ao objeto do caso; tais Coordenações-Gerais são: Assuntos Jurídicos, Serviços e Infra-Estrutura, Agricultura e Indústria e Controle de Mercado. Auxilia o DPDE em análises econômicas na esfera da SDE a GRP (Gerência de Programas). Além do Secretário de Direito Econômico, integram a SDE os D iretores dos Departam entos, os Coordenadores Gerais e os Técnicos que procederão na análise dos casos.

5.5.3 Secretaria de A com panham ento Econômico (SEAE)

A Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), órgão do Ministério da Fazenda, é encarregada de acompanhar os preços da economia, subsidiar decisões em matéria de reajustes e revisões de tarifas públicas, bem como apreciar atos de concentração entre empresas e reprim ir condutas anticoncorrenciais. Sua atuação está em três esferas: (i) promoção e defesa da concorrência; (ii) regulação econômica; e (iii) acompanhamento de mercados.

Dentro da promoção e defesa da concorrência, a atuação da SEAE, conjuntamente com o CADE e a SDE, subdivide-se em duas vertentes: (i) o controle de estruturas de mercado, apreciando fusões, aquisições e incorporações de empresa; e (ii) o controle de condutas ou práticas anticoncorrenciais, a fim de constatar a ocorrência de infrações à ordem econômica.

A análise econômica de operações dispostas no art. 54 da Lei n2 8.884/94 (controle de estruturas) é garantida à SEAE por essa mesma Lei, a fim de que a Secretaria se manifeste acerca dos impactos da operação sobre a concorrência. Já no tocante às infrações contra a ordem econômica (controle de condutas ou práticas), conforme previsão dos arts. 20 e 21 da Lei n2 8.884/94, nos quais a SDE promove procedimentos administrativos, averi­guações preliminares, ou instaura processos administrativos para decisão final do CADE, a participação da SEAE é facultativa.

A SEAE, que foi criada por meio da Medida Provisória n2 813, de l e de janeiro de 1995, é dirigida pelo Secretário de Acom­panham ento Econômico, indicado pelo M inistro da Fazenda e

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nomeado pelo Presidente da República. Ela subdivide-se em Coordenações-Gerais, localizadas no Distrito Federal e na cidade do Rio de Janeiro, que atuam em atenção à matéria, quais sejam: Comércio e Serviços, Produtos Industriais, Produtos Agrícolas e Agroindustriais, Serviços Públicos e Infra-estrutura e Defesa da Concorrência. Além do Secretário de Acompanhamento Econô­mico, é integrada pelo Secretário-Adjunto e pelos Coordenadores e Técnicos.

5.6 Lei ne 8.884, de 11 de junho de 1994

Na busca da adequada preservação do funcionam ento da economia de mercado era necessária um a legislação eficaz de defesa da concorrência. As exigências do próprio mercado numa economia capitalista como a brasileira fazem com que o processo de socialização e a distribuição dos benefícios da atividade eco­nômica passem pelo mercado. Daí a necessidade de uma lei com atuação em prol do mercado concorrencial.

Uma lei de defesa da concorrência deve garantir a liberdade de competição entre os agentes econômicos objetivando assegurar as condições de produção e de consumo próprias de um regime de mercado. Para tanto, é essencial que a autoridade pública competente esteja em condições de fazer cumprir a lei.

Nesse sentido, foi promulgada em 11 de junho de 1994 a Lei ne 8.884, Lei de Defesa da Concorrência, orientada pelos ditames constitucionais da liberdade de iniciativa, livre concorrência, fun­ção social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico, aplicada, sem prejuízo de convenções e tratados de que seja signatário o Brasil, às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional ou que nele produzam ou possam produzir efeitos, tendo a coletividade como titular dos bens por ela protegidos. A Lei transformou o Conselho Adminis­trativo de Defesa Econômica (CADE) em autarquia, e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, além de outras providências.

A Lei de Defesa da Concorrência, publicada no Diário Oficial da União, de 12 de junho de 1994, consta de nove títulos assim

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estruturados: Título I, Das Disposições Gerais; Título II, Do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE); Título III, Do Ministério Público Federal perante o CADE; Título IV, Da Secretaria de Direito Econômico (SDE); Título V, Das Infrações da Ordem Econômica; Título VI, Do Processo Administrativo; Título VII, Das Formas de Controle; Título VIII, Da Execução Judicial das Decisões do CADE; e Título IX, Das Disposições Finais e Transitórias.

O Título I estabelece a finalidade da Lei e a sua territorialida­de. No Título II tem-se a transformação do CADE em autarquia e as normas de sua composição e competência, bem como aquelas relativas à sua Procuradoria. O Título III apresenta como deveria funcionar o Ministério Público Federal junto ao CADE. Já o Tí­tulo IV trata da estrutura e da competência da SDE. No Título V estão as normas que tipificam as infrações, determinam as penas, além de dispor sobre a prescrição e o direito de ação. O Título VI dispõe acerca do processo administrativo, distinguindo a fase de averiguações preliminares e do processo administrativo, além de apresentar normas referentes à medida preventiva e a ordem de cessação e o compromisso de cessação, como também da celebra­ção de acordo de leniência. O Título VII dispõe sobre o controle de atos e contratos e os compromissos de desempenho. No Título VIII encontram-se as normas da execução judicial das decisões do CADE e da intervenção judicial nas empresas. O Título IX, por fim, apresenta as disposições finais e transitórias.

Interessante a crítica de João Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 84), relativa à estruturação dada na Lei aos arts. 20, 21 e 54. “Com efeito as questões relativas à estrutura (art. 54) deveriam anteceder aquelas pertinentes à conduta. Vejo no texto uma falha ontológica, lógica e econômica, pois que primeiro o ser, depois a conduta do ser, e depois os seus efeitos.”

E são esses artigos que terão destaque no presente livro, pois versam sobre os dois enfoques da Lei, quais sejam: prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.

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5.6.1 Enfoque estrutural da lei (atos de concentração)

As concentrações econômicas tradicionalmente são classifica­das em: (i) concentrações horizontais; (ii) concentrações verticais; e (iii) concentrações conglomeradas.

Entendem -se por concentrações horizontais aquelas que ocorrem entre concorrentes, ou seja, entre agentes que atuam num mesmo mercado relevante. As concentrações verticais se dão entre agentes que atuam nos diferentes estágios de uma ca­deia produtiva, freqüentemente existindo uma relação comercial de fornecimento de produtos/serviços entre esses agentes. Já as concentrações conglomeradas significam o crescimento de um agente mediante a concentração com outro agente, que não seja seu concorrente (caso contrário, ter-se-ia uma concentração ho­rizontal), tampouco fornecedor ou cliente (senão ocorreria uma concentração vertical).

A Lei n - 8.884/94 trata da prevenção aos abusos do poder econômico, por meio do controle de atos e contratos, em seu Título VII, conforme dispõe o art. 54:

“Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que pos­sam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE.”

Verifica-se da leitura do caput do art. 54 a abrangência dos casos em que se deve submeter uma operação à análise do CADE, pois é ele o órgão competente para aprová-la ou não. Fica, certa­mente, a dúvida em saber quando se deve apresentar uma opera­ção, já que o prejuízo à concorrência ou a dominação de mercado são conceitos subjetivos, que na defesa das partes envolvidas jamais ocorrerão.

Primeiramente, cumpre ressaltar o entendim ento de que é o CADE que dirá se o ato pode lim itar ou prejudicar a livre concorrência ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, devendo as partes requerentes, portanto, apresentá-lo.

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Neste sentido, observa João Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 265), citando a Juíza Federal Rosimayre Gonçalves de Carvalho, em referência ao Processo na 1998.34.00.001835-3: "não cabe às partes valorar se o ato configura concentração eco­nômica prejudicial aos princípios estampados no artigo Ia. Da Lei Antitruste ou não, uma vez configuradas as hipóteses do art. 54, caput e parágrafo 3a, devem submeter à apreciação do CADE, a quem compete avaliar se o agrupamento societário representará ofensa à livre concorrência ou dominação do mercado”.

A Lei, entretanto, aponta dois critérios objetivos que auxi­liam os entes envolvidos numa operação a saber se deverão, de fato, apresentar o caso ao CADE, conforme consta do § 3a do art. 54:

“§ 3a Incluem-se nos atos de que trata o caput aqueles que visem a qualquer forma de concentração econômica, seja através de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agru­pamento societário, que implique participação de empresa ou grupo de empresas resultante em vinte por cento de um mercado relevante, ou em que qualquer dos participantes tenha registra­do faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais).”

Adotando-se esses critérios, significa que em qualquer ope­ração em que as partes envolvidas detenham, mesmo que isola­damente (antes do ato), 20% de participação em um mercado relevante, ou uma das partes tenha registrado, por si ou con­juntamente com o grupo econômico a que esteja ligada, R$ 400 milhões, essa operação deve ser submetida à apreciação do CADE, que dirá se ela limita ou prejudica a livre concorrência ou resulta na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços. Ou seja, os requisitos para se submeter uma operação à análise do CADE estão na verdade no § 3a do art. 54 e não no caput.

Entretanto, cumpre destacar que, na aplicação do critério de faturamento estabelecido no § 3a do art. 54 da Lei na 8.884/94, é relevante o faturamento bruto anual registrado exclusivamente no território brasileiro pelas empresas ou grupo de empresas

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participantes do ato de concentração, conforme dispõe a Súmu­la n - 1 do CADE, publicada no Diário Oficial da União, de 18 de outubro de 2005.

Outro entendimento sumulado pelo CADE para trazer maior segurança jurídica dispõe que a aquisição de participação minori­tária sobre capital votante pelo sócio que já detenha participação majoritária não configura ato de notificação obrigatória de que trata o art. 54 da Lei, desde que observadas as circunstâncias de­terminadas na Súmula n- 02 do CADE, publicada no Diário Oficial da União, de 27 de agosto de 2007: “(i) o vendedor não detinha poderes decorrentes de lei, estatuto ou contrato de (i.a) indicar administrador, (i.b) determinar política comercial ou (i.c) vetar qualquer matéria social e (ii) do(s) ato(s) jurídico(s) não constem cláusulas (ii.a) de não-concorrência com prazo superior a cinco anos e/ou abrangência territorial superior à de efetiva atuação da sociedade objeto e (ii.b) de que decorra qualquer tipo de poder de controle entre as partes após a operação”.

Quanto ao prazo, a apresentação desses atos deve ser feita previamente (controle preventivo) ou em 15 dias úteis de sua realização (controle posterior), sob pena de aplicação de multa pecuniária, de valor não inferior a 60 mil UFIR nem superior a 6 milhões de UFIR (o § 32 do art. 29 da Medida Provisória n2 1.973- 68, de 23 de novembro de 2000, extinguiu a Ufir e estabeleceu a reconversão dos créditos para o Real, para fins de débitos de qual­quer natureza com a Fazenda Nacional), a ser aplicada pelo CADE, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 32 (§§ 4a e 52 do art. 54). Entretanto, após quatro anos de decisões oscilantes que não definiam o conceito de realização dos atos, a Resolução n2 15 do CADE, de 19 de agosto de 1998 (também chamada de Super 5), não solucionou a controvérsia e a questão dos prazos continua causando séria repercussão e muita discussão nos julgamentos efetuados pelo CADE.

O art. 22 da Resolução n2 15 do CADE considera que, para os termos do cumprimento dos §§ 4a e 52 do art. 54 da Lei n2 8.884/94, define-se o momento da realização da operação aquele do primeiro documento vinculativo firmado entre as requerentes, ou quando em momento diverso ocorrer alteração nas relações de

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concorrência entre as requerentes, ou entre elas, ou uma delas, e terceiro agente.

Essa nova interpretação do § 4a do art. 54 da Lei, dada pelo art. 2- da Resolução n2 15, além de deixar uma indefinição, pois o que deveria ser considerado primeiro documento vinculativo resultou e ainda resulta numa enxurrada de multas aplicadas pelo CADE por intempestividade na apresentação das operações, com valores significativos.

Aos 25 de outubro de 2002, a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da l â Região decidiu por unanimidade negar provimento à apelação, nos autos da Apelação no Mandado de Segurança n2 2001.34.00.014888-4/DF, relator Desembargador Federal Souza Prudente, apelante CADE e apelado Total Fina Elf S.A. e outra. A ementa do caso diz que: “I - Nos termos do § 4a do art. 54 da Lei n2 8.884/94, o prazo para submissão dos atos de concentração do poder econômico ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE é de quinze dias úteis, contados a partir de sua realização. II - Em razão do princípio da hierarquia das normas, o art. 22 da Resolução n2 15/1998 - CADE não pode contrariar disposições da Lei n2 8.884/94, estabelecendo forma divergente de contagem de prazo previsto no § 4a do art. 54 da aludida Lei. III - A anulação de m ulta garantidora do Estado de Direito, em face da manifesta ilegalidade da resolução em que se embasou. IV - Apelação desprovida. Sentença confirmada.” Ainda no voto do Desembargador Relator (p. 4), deve-se destacar seu entendimento: “Todavia, os ditames de uma resolução não podem alterar o disposto na lei, de forma como ocorreu in casu. A lei é clara em se referir à realização do ato, considerado como tal sua concretização, e não mero documento vinculativo como especifica a citada resolução.”

Cumpre destacar que nos atos de concentração realizados com o propósito específico de participação em licitação pública, o termo inicial da contagem do prazo para submissão da opera­ção à análise da autoridade de defesa da concorrência é a data da celebração do contrato de concessão, conforme dispõe a Súmula n2 03 do CADE, publicada no Diário Oficial da União de 21 de setembro de 2007.

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Caso o CADE julgue intempestiva a apresentação da opera­ção, para o cômputo da multa prevista no art. 54, § 5S, aplica-se a Resolução na 44 do CADE, de 14 de fevereiro de 2007. A multa é assim calculada: (i) multa-base equivalente a aproximadamente R$ 60 mil, acrescida de R$ 600,00 por dia de atraso, a partir do segundo dia; (ii) a multa-base será considerada em dobro em caso de reincidência; (iii) nos casos em que a média aritmética dos faturamentos brutos dos grupos a que pertencem os requerentes da operação, no Brasil, no exercício anterior ao da apresentação da operação, exceder R$ 400 milhões, será acrescido à multa- base o equivalente a 0,005% do faturamento médio dos grupos dos requerentes, respeitado o limite de aproximados R$ 700 mil;(iv) sendo a operação aprovada com restrição, o valor apurado nos termos dos itens i, ii e iii mencionados poderá, observado o disposto no art. 2 7 ,1, V e VI da Lei ne 8.884/94, ser majorado em até 50%; e (v) caso a operação não seja aprovada, o valor apurado nos termos dos itens i, ii e iii mencionados, poderá, observado o disposto no art. 2 7 ,1, V e VI da Lei ne 8.884/94, ser majorado de 50% até 100%. Caso ocorra a apresentação espontânea da ope­ração à autoridade de defesa da concorrência, a m ulta calculada nos termos descritos será reduzida em 30% (art. 27, II, da Lei 8.884/94). O valor da m ulta observará os limites estabelecidos pelo art. 54, § 5a da Lei ne 8.884/94. Cumpre esclarecer que os valores citados em Real são aproximados, visto que a Resolução trata dos valores em UFIR.

De qualquer forma, um a vez a operação apresentada para análise do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, a ten­dência, dentro da ordem constitucional vigente de livre iniciativa, propriedade privada e livre concorrência, é o CADE aprovar os atos mencionados no caput do art. 54, desde que atendam às deter­minações previstas nos incisos do § l e do art. 54, quais sejam:

“I - tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente:

a) aumentar a produtividade;

b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou

c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico;

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II - os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativa- mente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro;

III - não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços;

IV - sejam observados os limites estritam ente necessários para atingir os objetivos visados.”

Ou seja, verificando que a operação apresenta como objetivo o aumento da produtividade e/ou sua finalidade seja a melhora da qualidade de bens ou serviços e/ou venha proporcionar a eficiên­cia e o desenvolvimento tecnológico ou econômico, tal ato poderá ser aprovado. Mas não é só. Deve também existir uma distribuição eqüitativa dos benefícios obtidos com a operação entre os agentes do caso e os consumidores ou usuários finais. Para a aprovação da operação também não poderá ocorrer a eliminação substancial da concorrência no mercado do caso, e deverão ser observados os li­mites necessários para obter os objetivos do ato. Contudo, cumpre enfatizar que as decisões do CADE devem atender a eficiências socioeconômicas, e de forma alguma se limitarem às eficiências econômicas, que, não raramente, trazem benefícios apenas para as requerentes, sem contrapartida para a coletividade.

O CADE, à luz do disposto no § 2a do art. 54, também poderá considerar legítimo o ato previsto no caput do art. 54, quando necessário por motivo preponderante da economia nacional e do bem comum, desde que não implique prejuízo ao consumidor ou usuário final, e desde que atenda pelo menos a três das condições previstas nos incisos do § I a do art. 54.

A petição submetendo a operação ao SBDC deverá ser pro­tocolizada em três vias na SDE, que imediatamente encaminhará uma via ao CADE, onde será sorteado um Conselheiro-Relator, e outra à SEAE. Além de toda documentação pertinente e do anexo da Resolução na 15 do CADE devidamente preenchido, deverá acompanhar a petição o comprovante do recolhimento da taxa processual.

A Lei na 10.149, de 21 de dezembro de 2000, estabeleceu em seu art. 3a que, “apartirde l a dejaneirode2001, a Taxa processual

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de que trata o inciso I do art. 5- da Lei n2 9.781/99, será devida no valor R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), repartindo-se o produto de sua arrecadação na base de 1/3 (um terço) para cada um dos órgãos: I - CADE; II - SDE/MJ; III - SEAE/MF”.

O trâm ite processual da análise da operação é o seguinte: primeiramente, a SEAE deverá analisar toda a operação, concluir qual o mercado relevante, que poderá ser outro daquele definido pelas requerentes (partes da operação), verificar eventuais efeitos do ato e emitir um parecer econômico recomendando ou não a aprovação da operação, podendo conter sugestões.

Finalizado o parecer técnico da SEAE, ele é encaminhado ao DPDE/SDE, que analisará o caso atentando aos aspectos ju ­rídicos. O DPDE emitirá uma nota técnica, que é encaminhada ao Secretário de D ireito Econômico, que deverá concluir por acompanhar ou não a nota técnica, no sentido de opinar favo­ravelmente ou não pela aprovação da operação, podendo ainda sugerir providências.

O parecer da SEAE e o Despacho da SDE são encaminhados ao CADE. No CADE, sua Procuradoria é a primeira a se manifes­tar, emitindo um parecer acerca da operação. O Procurador-Geral do CADE poderá ter entendimento diverso ao da Procuradoria, podendo então existirem duas posições.

O Ministério Público Federal então emite sua opinião acerca da operação, por meio de Parecer da lavra do representante do Ministério Público designado para atuar junto ao CADE.

Toda essa documentação é então encaminhada ao Conse- lheiro-Relator, que fará sua análise da operação e poderá votar diferentemente de tudo o que foi sugerido pelos outros órgãos, uma vez que tais pareceres são meramente opinativos, não vin­culando a decisão do CADE. Levada ao Plenário, o CADE julgará a operação e poderá concluir pela sua aprovação integral ou parcial, com compromisso de desempenho ou desconstituição parcial, ou não aprová-la ou entender que ela não se enquadra no art. 54 da Lei.

No Ato de Concentração n2 8012.005846/1999-12, Reque­rentes: Fundação Antonio e Helena Zerrenner - Instituição Na­

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cional de Beneficência, Empresa de Consultoria, Administração e Participações S.A. - Ecap. e Braco S.A., “caso AMBEV”, a SEAE concluiu que o ato não deveria ser aprovado na forma como foi apresentado e recomendou, por exemplo, para a sua aprovação, fosse requerida a alienação da totalidade dos ativos tangíveis e intangíveis correspondentes à integralidade do negócio de cerve­jas associado à marca Skol. Já a SDE recomendou, dentre outros, a adoção do seguinte remédio necessário para restabelecer as condições de concorrência no mercado relevante de cervejas, a alienação englobada, para um único comprador, de um dos três principais negócios de cerveja controlados pelas requerentes. Isto é, deve ser desinvestido o negócio Skol, ou negócio Brahma, ou o negócio Antarctica. Já a Procuradoria do CADE opinou pela desconstituição da operação, o Procurador-Geral do CADE pela aprovação. Mas o CADE, órgão judicante, decidiu em votação não unânime pela aprovação da operação, condicionada, dentre outras medidas, à alienação da marca Bavária.

O prazo para a SEAE e a SDE se manifestarem acerca do ato é de 30 dias cada, enquanto o CADE deverá decidir em até 60 dias, sob a hipótese de a operação ser considerada aprovada no caso da não-observância do prazo. Contudo, esses prazos são suspensos toda vez que os órgãos do SBDC solicitam informações comple- mentares ou esclarecimentos. Significa dizer que na prática são análises com prazos superiores a 120 dias.

Decidindo pela desconstituição parcial ou integral, conforme dispõe o § 9° do art. 54, o CADE exigirá a cisão de sociedade, venda de ativos, cessação parcial de atividades ou qualquer outra providência que elimine os efeitos prejudiciais à ordem econô­mica. No caso de adotar compromisso de desempenho, art. 58 da Lei, o Plenário do CADE irá considerar o grau de exposição do setor à competição internacional e as alterações no nível de emprego, dentre outras circunstâncias relevantes e, no caso de descumprimento injustificado do compromisso de desempenho, ocorrerá a revogação da aprovação da operação pelo CADE e a abertura de processo administrativo.

No caso de não aprovar a operação, o CADE poderá reapreciar sua decisão, conforme dispõe a Resolução ne 15, na ocorrência de

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requisitos: fato ou documento novo conhecido somente após a data do julgamento ou que se encontrava indisponível antes desta data. O Pedido de Reapreciação deverá ser dirigido ao Conselheiro que proferiu o voto condutor do acórdão.

Caso recente e que ainda gera muita repercussão é o Ato de Concentração n2 8012.001697/2002, referente à aquisição da totalidade do capital social da Chocolates Garoto S.A. pela Nestlé Brasil Ltda. Entendeu o CADE que as eficiências decorrentes da operação seriam insuficientes para compensar dano à concorrência e garantir a não-redução do bem-estar do consumidor. Decidiu então o CADE pela não-aprovação da operação, ou seja, solução estrutural com a desconstituição do Ato.

Neste sentido, em matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo (4-3-2005, p. B20), intitulada “Severiano Ribeiro m ostra interesse pela rede UCI”, acerca da venda das 111 salas de cinemas no Brasil da rede internacional UCI, escreveu-se:

“Como toda fusão em que empresas envolvidas somam fatura­mento acima de R$ 400 milhões ou o controle de 20% do mercado precisam da aprovação do Cade, algumas empresas demonstraram receio em adquirir a UCI. ‘Desde o caso Nestlé-Garoto, negocia­ções de grande porte são muito estudadas para que não ocorrao mesmo problema', diz o advogado Vicente Bagnoli, integrante do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional.”

Em imposição de multas por intempestividade, poderá aquele que discordar da decisão, observando a Resolução n2 9 do CADE, de 1997, impugnar o auto de infração em 20 dias por processo administrativo (art. 42) e o Plenário decidirá pela manutenção ou adequação do valor da multa, ou arquivamento do processo (art. 92). Já o pedido de reconsideração da decisão da impugna­ção deverá ser protocolizado em cinco dias (art. 10) ao Plenário do CADE, que poderá confirmar a decisão da impugnação, ou poderá reformar total ou parcialmente a decisão da impugnação (art. 10, § 22,1 e II).

A fim de estabelecer procedimentos de análise simplificados para casos tidos “fáceis/simples” e assim agilizar a conclusão de

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atos de concentração, foi criado o tratam ento sumário para es­ses casos. Segundo os órgãos do SBDC, sua experiência permite identificar categorias de casos que não tendem a causar prejuí­zos à concorrência. Dão-se, então, procedimentos diferenciados para casos simples e complexos, com o objetivo de obter maior racionalidade e eficiência para o Sistema e melhor atendimento ao administrado. Nesses casos, as regras e a documentação ne­cessária para a notificação de atos de concentração permanecem inalteradas.

Outras duas medidas apresentadas pelo CADE, no sentido de não se ver prejudicado o resultado final da decisão, em especial causado pelo longo prazo decorrido da apresentação da operação até o seu julgamento, foram adotadas em 2002 por meio da Re­solução n2 28, e atualmente encontram-se dispostas na Resolução n2 45 do CADE, de 28 de março de 2007.

A Medida Cautelar poderá ser deferida de ofício, pelo Relator ou pelo Plenário, ou em virtude de requerimento escrito e fun­damentado da SEAE, SDE, Procuradoria do CADE ou qualquer legítimo interessado no ato de concentração analisado. Ao apreciar a medida cautelar, o Conselheiro-Relator poderá tomar as medidas que julgar adequadas para preservar a reversibilidade do ato de concentração apresentado ao SBDC. Dentre as medidas a serem adotadas, incluem-se a determinação de que as requerentes man­tenham o status concorrencial anterior à assinatura do contrato e se abstenham, até o julgamento do ato de concentração, de prati­car quaisquer novos atos decorrentes do contrato já realizado.

Já o Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação (APRO) prevê que, até a decisão que conceder ou indeferir a medida cautelar, este Acordo poderá ser celebrado, pois visa pre­venir mudanças irreversíveis ou de difícil reparação que poderiam ocorrer nas estruturas do mercado até o julgamento do mérito do ato de concentração, afastando o risco de ineficácia do processo, quando concluído. Ele poderá ser celebrado por iniciativa do Con­selheiro-Relator ou por requerimento das partes envolvidas no ato de concentração, neste caso permanecendo o CADE com o juízo de conveniência em celebrá-lo. Decidindo-se pelo acordo, será elaborada a m inuta e submetida ao Plenário para homologação.

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Cumpre ainda destacar que, mesmo aprovada uma operação pelo CADE, a Lei prevê em seu art. 55 que ela poderá ser revista de ofício ou mediante provocação, caso a decisão tenha sido baseada em informações falsas ou enganosas prestadas pelo interessado, caso ocorra descumprimento das obrigações assumidas ou não sejam alcançados os benefícios observados.

5.6.2 Enfoque repressivo da lei (condutas anticoncorrenciais)

Além da prevenção às infrações à ordem econômica, a Lei n- 8.884/94 atua também na repressão a essas práticas. A ordem econômica pode ser tida como o conjunto de princípios dispostos na Constituição Federal, tais como a função social da proprie­dade, a liberdade de concorrência e o respeito aos direitos dos consumidores e dos trabalhadores, que têm por objetivo fixar os parâmetros da atividade econômica e coordenar a atividade de seus agentes.

0 direito de propriedade individual e o princípio da liberdade de iniciativa são também fatores importantes que impulsionam a atividade econômica num a economia social de mercado que valoriza o capitalismo democrático.

Assim, as infrações contra a ordem econômica são as condutas adotadas por agentes econômicos contrárias às relações da livre concorrência e capazes de alterar o equilíbrio em determinado mercado (daí a importância de conceituar mercado relevante).

Resumidamente, dispõe o art. 21 da Lei:

“Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:

1 - fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços;

II - obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uni­forme ou concertada entre concorrentes;

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III - dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou semi-acabados, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários;

IV - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mer­cado;

Ou seja, o legislador apresentou no art. 21 da Lei um rol exemplificativo dessas condutas, e não exaustivo, deixando assim em aberto para que qualquer outra modalidade de conduta que venha a ser adotada possa caracterizar infração contra a ordem econômica, desde que configure hipótese do art. 20.

Essa forma de “tipologia aberta”, adotada pelo legislador, é essencial nas relações econômicas para que se possa combater as infrações concorrenciais. Caso fosse adotado o tipo nas infrações contra a ordem econômica, como do Direito Penal, conforme dis­põe a Lei ne 8.137/90, dificilmente ter-se-ia uma eficaz repressão às práticas anticoncorrenciais.

Para tanto, a Lei define infração, o ato, mesmo que não ci­tado nos incisos do art. 21, que tenha como objetivo ou efeito concreto, independentemente da intenção do agente, e mesmo que não alcançado, as finalidades concretas dispostas nos incisos do art. 20:

"Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, indepen­dentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III - aumentar arbitrariamente os lucros;

IV - exercer de forma abusiva posição dominante.”

Importante ainda ressaltar que, caso a conquista de mercado seja resultado de processo natural, decorrente da maior eficiência do agente econômico em relação a seus concorrentes, não se está

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diante de um ilícito concorrencial para dominar mercado relevante de bens ou serviços (art. 20, § l 2).

Já a posição dominante ocorre quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, qual seja, 20% ou outro percentual estipulado pelo CADE para setores específicos da economia, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa (art. 20, §§ 2- e 3e) .

A Resolução n2 20 do CADE, de 9 de junho de 1999, que dispõe de forma complementar do processo administrativo nos termos do art. 51 da Lei, apresenta dois anexos bem interessantes que auxiliam no exame criterioso dos efeitos dos diferentes tipos de condutas anticoncorrenciais nos mercados, à luz dos arts. 20 e 21 da Lei.

Além de determinar o contexto no qual a prática se dá e a sua razoabilidade econômica, deve-se atentar aos custos de impacto e ao conjunto dos eventuais benefícios por ela gerados, bem como aos seus efeitos líquidos sobre o mercado e o consumidor.

O Anexo I da Resolução n2 20 do CADE apresenta a definição e a classificação das práticas restritivas. As práticas restritivas horizontais, consistentes na tentativa de reduzir ou eliminar a concorrência no mercado, visam ao aumento do poder de mer­cado de seus agentes ou à criação das condições necessárias para exercê-lo mais facilmente. Dentre as mais comuns, há os cartéis, os acordos entre empresas, os ilícitos de associações profissionais e os preços predatórios.

Já as práticas restritivas verticais são restrições impostas em mercado de origem, por produtores ou ofertantes de bens ou ser­viços sobre os mercados verticalmente relacionados ao longo da cadeia produtiva (mercados a montante ou a jusante), e implicam a criação de mecanismos para excluir os concorrentes, seja pela criação de barreira à entrada, seja pela elevação dos custos dos competidores, ou pelo exercício coordenado de poder de mercado entre agentes. Podem-se citar como condutas mais comuns a fi­xação de preços de revenda, as restrições territoriais e de base de

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clientes, acordos de exclusividade, a recusa de negociação, venda casada e a discriminação de preços.

O agente econômico que praticar infração contra a ordem econômica estará sujeito às penas previstas no art. 23 da Lei, que atinge a empresa, com m ulta de 1% a 30% do seu faturamento bruto, e o administrador, com multa de 10% a 50% do valor apli­cado à empresa. Nos casos em que não é possível utilizar o critério do faturamento, a multa aplicada será de aproximadamente R$ 6 mil a R$ 6 milhões. Em caso de reincidência, as multas serão aplicadas em dobro.

Caso o CADE considere a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderá ainda impor as seguintes penas, isolada ou cumulativamente, conforme disposto no art. 24 da Lei: “I - a publicação, em meia página e às expensas do infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da decisão condenatória, por dois dias seguidos, de uma a três semanas consecutivas; II - a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de li­citação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, junto à Administração Pública Federal, Estadual, Municipal e do Distrito Federal, bem como entidades da administração indireta, por prazo não inferior a cinco anos; III - a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor; IV - a recomendação aos órgãos públicos competentes para que: a) seja concedida licença compulsória de patentes de titularidade do infrator; b) não seja concedido ao in­frator parcelamento de tributos federais por ele devidos ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos; V - a cisão de sociedade, transferência de con­trole societário, venda de ativos, cessação parcial de atividade, ou qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.”

Qualquer interessado, entendendo que a concorrência está sendo prejudicada, poderá apresentar representação à SDE, que deverá verificar os indícios de infração à ordem econômica para adotar um dos seguintes trâmites legais: (i) abrir Procedimento Administrativo, quando os indícios de infração forem muito pou­cos, quase inexistentes; (ii) promover Averiguações Preliminares,

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quando existirem indícios, não tão fortes, de infração à ordem econômica; e (iii) instaurar Processo Administrativo, quando os indícios de infração forem fortes o suficiente.

O DPDE, órgão de defesa econômica da SDE, fará toda a instrução processual, podendo requisitar a SEAE para que se manifeste (ou esta oficia a SDE demonstrando o seu interesse em analisar o caso). Terminada a instrução, o Secretário de Direito Econômico emite o seu despacho, pela condenação do agente pela suposta infração ou pelo arquivamento do feito, e encami­nha de ofício o processo ao CADE. No CADE será sorteado um Conselheiro-Relator, para quem o processo é distribuído, mas quem se manifestará inicialmente é a Procuradoria. Concluído o parecer da Procuradoria do CADE, abrem-se vistas ao Ministério Público Federal, para só então o Conselheiro-Relator finalizar sua análise e levar o processo para julgamento pelo Plenário. O CADE poderá decidir pela manutenção do entendimento da SDE, ou discordar, devolvendo o processo à SDE para que promova novas investigações.

Em qualquer fase do processo administrativo o Secretário de Direito Econômico ou o Conselheiro-Relator, por iniciativa própria ou mediante provocação do Procurador-Geral do CADE, poderá adotar m edida preventiva, quando houver indício ou fundado receio de que o representado, direta ou indiretamente, cause ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final do processo, deter­minando para tanto a imediata cessação da prática e ordenando, quando possível, a reversão à situação anterior (art. 52 da Lei).

Outrossim, nos termos do art. 53 da Lei, regulamentado pela Resolução ne 46 do CADE, de 4 de setembro de 2007, o CADE poderá tomar do representado compromisso de cessação da prá­tica sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade, entender que atende aos interesses protegidos por lei, fazendo constar do termo de compromisso: (i) a especificação das obrigações do representado para fazer cessar a prática investigada ou seus efeitos lesivos, bem como obrigações que julgar cabíveis; (ii) a fixação do valor da m ulta para o caso de descumprimento, total ou parcial, das

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obrigações compromissadas; e (iii) a fixação do valor da con­tribuição pecuniária ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, quando cabível.

Cumpre ainda mencionar que a Lei ns 10.149, de 21 de de­zembro de 2000, introduziu na Lei de Defesa da Concorrência o acordo de leniência, conforme disposto no art. 35-B da Lei. Esse acordo visa auxiliar a autoridade de defesa da concorrência no combate às infrações contra a ordem econômica, notadamente os casos de condutas colusivas, os cartéis. Assim, a União, por inter­médio da SDE, poderá celebrar acordo de leniência com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econô­mica, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de um a dois terços da penalidade aplicável, desde que essas pessoas colaborem efetivamente com as investigações e com o processo administrativo e que dessa colaboração resulte: a identificação dos demais co-autores da infração e a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.

Por fim, importante lembrar que o Código Civil dispõe em seu art. 927 que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Neste sentido, aqueles que se sentirem lesados por conduta julgada e condenada pelo CADE poderão ingressar no Judiciário contra o autor da conduta e requerer a indenização do dano causado.

5.6.2.1 Crimes à ordem econômica

Aos 27 de dezembro de 1990, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei ne 8.884, de 1994, foi publicada a Lei ne 8.137, de­finindo crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. Esta Lei representou um retrocesso nas análises das práticas anticoncorrenciais, pois retomou a configu­ração dos atos contrários à ordem econômica como crimes.

Tal situação só é verdadeiramente alterada, conforme já de­monstrado, com o advento da Lei ne 8.884, de 11 de junho de 1994, a Lei de Defesa da Concorrência, que veio dispor sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica.

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Em que pese a importante alteração ocorrida no âmbito ad­ministrativo concorrencial, não menos importante verificar que a Lei n2 8.137/90 continua em vigor na esfera Judicial.

Com a Lei n2 8.884/94, previnem-se e reprimem-se as infra­ções à ordem econômica sob a óptica do Direito Econômico, e não como prevê a Lei n2 8.137/90, sob o enfoque do Direito Penal. A diferença entre ambas e o resultado são simples.

Na Lei n2 8.137/90 os crimes contra a ordem econômica estão estabelecidos nos arts. 42, 52 e 62 da Lei, dentre os quais se podem citar: abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eli­minando, total ou parcialmente, a concorrência mediante ajuste ou acordo de empresas (art. 42, I, a); formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando ao controle regiona­lizado do mercado por empresa ou grupo de empresas (art. 42, II, b); discriminar preços ou açambarcar bens de produção com o fim de estabelecer o monopólio ou eliminar a concorrência (art. 4a, III e IV); vender mercadoria abaixo do preço de custo, com o fim de impedir a concorrência (art. 4a, VI); subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço (art. 52, II); e vender ou oferecer à venda mercadoria, ou contratar ou oferecer serviço por preço superior ao oficialmente tabelado, ao fixado por órgão ou entida­de governamental, e ao estabelecido em regime legal de controle (art. 62,1 ).

Esta é uma grande distinção com a Lei n2 8.884/94, na qual as condutas anticoncorrenciais são apresentadas nos incisos do art. 21, como exemplificativas, e não taxativas. Ou seja, quaisquer outras práticas, mesmo que não definidas nos incisos do art. 21, mas que possam configurar hipóteses do art. 20, quais sejam:(i) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre con­corrência ou a livre iniciativa; (ii) dominar mercado relevante de bens ou serviços; (iii) aumentar arbitrariamente os lucros; e (iv) exercer de forma abusiva posição dominante constituem infração da ordem econômica.

A tipologia aberta é um grande destaque que merece ser dado à Lei n2 8.884/94 em comparação à Lei n2 8.137/90, pois, conforme ensinamentos ministrados por Marcelo Fortes Barbosa,

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é a única forma de combater os crimes econômicos em razão da criatividade do pensamento humano.

Além do mais, na Lei n° 8.137/90, notadamente penal (para alguns penal econômica, por tratar de crimes à ordem econômica), para que culmine na caracterização do crime e na punição dos eventuais infratores, é necessária a comprovação da relação de causalidade, na qual o resultado só é imputável a quem lhe deu causa (art. 13, Código Penal). Por sua natureza penal, admite que o crime se dá quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo (crime doloso, art. 18 ,1, Código Penal), ou quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia (crime culposo, art. 18, II, Código Penal). Entretanto, deve ser observado que, salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente (art. 18, parágrafo único, Código Penal).

Ora, a Lei n° 8.884/94 considera infração da ordem econômica os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os efeitos que arrola nos incisos do art. 20, independentemente de culpa. Ou seja, é muito mais fácil carac­terizar uma infração à ordem econômica e punir o seu agente em sede do Direito da Concorrência a efetivar qualquer condenação na seara do Direito Penal (Lei n2 8.137/90).

Neste sentido, publicou-se no jornal Valor Econômico (24- 2-2005, p. A l7) comentário deste autor acerca da “lavagem de dinheiro” (Lei n2 9.613/98):

“Em relação à reportagem 'Governo quer ampliar lei contra lavagem’ (Valor, 17/2, pág. C8), gostaria de fazer a seguinte pon­deração. Em que pese a boa intenção do governo em ampliar o rol de crimes tipificados como lavagem de dinheiro, acredito que estamos insistindo em erro. É muito fácil para o ‘infrator’ usar meios não tipificados e, assim, estar isento de qualquer punibilida- de. Deveríamos adotar a tipologia aberta, algo parecido com o que temos nos artigos 20 e 21 da Lei de Defesa da Concorrência.”

Quanto às punições, elas também diferem. A Lei n2 8.884/94 sujeita aos responsáveis pela prática de infração da ordem eco­nômica: m ulta de 1% a 30% do faturamento bruto no seu último

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exercício, excluídos os impostos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando quantificável, no caso da empresa (art. 2 3 ,1); multa de 10% a 50% do valor daquela aplicável à em­presa, de responsabilidade pessoal e exclusiva do administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida por empresa (art. 23, II); nos casos em que não é possível utilizar o critério do faturamento a multa aplicada será de 6 mil a 6 milhões de UFIR (art. 23, III). Já a Lei n2 8.137/90 prevê como pena aos crimes contra a ordem econômica: reclusão, de dois a cinco anos, ou multa (art. 4a); detenção, de dois a cinco anos, ou multa (art. 52); e detenção, de um a quatro anos, ou multa (art. 62).

Importante notar que a Lei n2 8.884/94, que se submete à de­cisão do CADE, dispõe sobre multas à empresa (pessoa jurídica) e ao administrador (pessoa física). Já a Lei n2 8.137/90, que não é de jurisdição do CADE, e sim do Poder Judiciário, dispõe sobre a aplicação da pena de prisão do eventual infrator.

Por fim, cumpre ainda mencionar que os crimes previstos na Lei n2 8.137/90 são de ação penal pública, aplicando-lhes o disposto no art. 100 do Decreto-lei n2 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal - , e que qualquer pessoa poderá provo­car a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta Lei, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

Assim, o CADE poderá condenar pela Lei n2 8.884/94 uma empresa e seu administrador por infração à ordem econômica, e oficiar o Ministério Público para que proceda à análise do caso à luz da Lei n2 8.137/90, que poderá resultar em outra condenação, agora por crime contra a ordem econômica.

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Ordem Econômica Internacional

6.1 Ordem econômica internacional

O Direito, a partir do incremento recebido por elementos jurídico-político-econômicos, trazidos em sua roupagem mais recente pela globalização, exige de seu estudante ou operador a análise da Ordem Internacional que vem constituir as relações entre nações.

A Ordem Internacional Econômica (que não se confunde com a Ordem Econômica Internacional) é identificada “nas transações que os povos mantêm entre si, exprimindo-se nos costumes, nas praxes, nas regras das negociações, assumindo inicialmente a for­ma simples do comércio, porém levando a conseqüências de toda natureza, inclusive aos Tratados” (SOUZA, 2003, p. 188).

Já a Ordem Econômica Internacional, constituída a partir da Organização das Nações Unidas (ONU) e sob forte influência dos Estados Unidos da América, foi elaborada por meio dos projetos de reconstrução dos economistas White e Keynes, com a distinção entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento e a busca para corrigir essa falha.

Escreve W ashington Peluso A lbino de Souza (2003, p. 190):

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“Sobre esses projetos, foi montada uma estrutura de preten­sões mais voltadas para uma ‘Ordem Econômica Internacional’, pelo fato de criar organismos de ação que, sem anular princípios da soberania política dos Países-Membros, a eles se superpu­nham para efeitos econômicos, tanto pela composição dos seus órgãos decisionais com poderes maiores, embora dominados pelos membros mais ricos, quanto pela própria prática de mecanismos e dispositivos ‘restritivos’, que procuravam conter os arbítrios daquela superioridade.”

Neste sentido, foi montada uma estrutura global com a cria­ção de organismos internacionais, quais sejam: o Fundo Mone­tário Internacional (FMI); o Banco Internacional de Recuperação e Desenvolvimento (Banco Mundial - BIRD); e o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT).

O FMI, em vigor desde 1945, é uma organização internacional com 184 países-membros, com sede em Washington, Estados Unidos da América. Foi fundado para promover a cooperação monetária internacional, estabilidade de troca e arranjos de tro ­ca em ordem a nutrir o crescimento econômico e níveis altos de emprego, bem como prover ajuda financeira temporária a países para a promoção do ajuste da balança de pagamento.

Desde que o FMI foi fundado seus propósitos permaneceram inalterados, mas suas operações, que envolvem vigilância, ajuda financeira e assistência técnica, desenvolveram-se para satisfazer às necessidades variáveis de seus países-membros em uma eco­nomia mundial em pleno desenvolvimento.

O Banco Mundial, concebido durante a Segunda Guerra Mun­dial, em Bretton Woods, Estados Unidos da América, inicialmente ajudou a reconstruir a Europa após a Guerra. O trabalho de re­construção permanece como um enfoque importante do Banco Mundial devido aos desastres naturais, emergências humanitárias e necessidades de reabilitação pós-conflitos. Atualmente, entre­tanto, o Banco Mundial tem como m eta principal a redução da pobreza no mundo em desenvolvimento.

O Grupo do Banco Mundial é constituído por cinco institui­ções estreitamente relacionadas e sob uma única presidência: o

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Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), a Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), a Corpo­ração Financeira Internacional (IFC), a Agência Multilatera1 de Garantia de Investimentos (AMGI) e o Centro Internacional para Acerto de Disputas de Investimento (CIADI).

O BIRD proporciona empréstimos e assistência para o desen­volvimento a países de rendas médias com bons antecedentes de crédito. O poder de voto de cada país-membro está vinculado às suas subscrições de capital, que por sua vez estão baseadas no poder econômico relativo de cada país. O BIRD levanta grande parte dos seus fundos por meio da venda de títulos nos mercados internacionais de capital. Em conjunto, o BIRD e a AID formam o Banco Mundial.

Após o insucesso para a criação de uma Organização Inter­nacional do Comércio, em 1947 foi assinado o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), que entrou em vigor a partir de 1948. Freqüentem ente, o GATT era atualizado e tinha seu foco de incidência ampliado, por meio das mudanças decididas nas oito rodadas (rounds) de negociações. O Brasil esteve presente nessas negociações, cuja última, denominada Rodada Uruguai, inicia­da em julho de 1986 e encerrada aos 15 de dezembro de 1993, culminou com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC).

O acordo que estabeleceu a Organização Mundial do Comér­cio foi assinado em Marrakech em 15 de abril de 1994 pelos 125 países participantes da Rodada Uruguai. A OMC surgiu compre­endendo a estrutura do GATT com as modificações implementa­das pela Rodada Uruguai e todos os acordos e os entendimentos formulados ou concluídos em tal rodada de negociação.

A criação da OMC foi um marco nas relações econômicas internacionais entre os mais diversos povos, e, para os brasileiros, serviu para a modernização da estrutura legal, algo necessário para inserir-se na ordem econômica internacional, traduzindo-se em grandes oportunidades para as empresas e toda a população em geral.

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A abertura comercial traz consigo a exposição do mercado brasileiro às práticas desleais de comércio, tão freqüentes no comércio internacional. As chamadas práticas predatórias de comércio, além de distorcerem a economia mundial, podem “que­brar” setores econômicos inteiros de países que não combatem tais abusos. Daí a necessidade de legislações que assegurem a defesa comercial.

A defesa comercial, desta forma, refere-se às práticas de dumping, subsídios e medidas de salvaguardas. No caso do Brasil, significa ainda a atuação do Estado brasileiro em defesa da em­presa nacional (entende-se empresa instalada no Brasil) perante a OMC, contra eventuais abusos comerciais praticados por outros países ou empresas instaladas nesses países.

Em linhas gerais, o dumping significa colocar num país mer­cadoria com preço inferior ao praticado no mercado do país de origem. Já os subsídios são aplicações de formas de ajuda a produ­ção ou exportação, que tornam irreal o preço final da mercadoria destinada ao mercado externo.

Os instrum entos de defesa comercial são utilizados contra as práticas de dumping e subsídios, sempre que comprovadas: (i) a existência de dano à indústria nacional do produto ou similar ao importado em razão do dumping; (ii) a ocorrência de dano à indústria nacional do produto semelhante ao importado causado por subsídio; ou (iii) a indústria nacional de produto semelhante ou diretamente concorrente sofrer grave prejuízo em decorrência de um surto de importações.

Nas ocasiões em que a defesa comercial é exigida, aplicam- se determ inados instrum entos. Para a ocorrência de dumping, utilizam-se direitos antidumping, a fim de neutralizar os efeitos danosos à indústria doméstica, por meio da aplicação de taxas às importações realizadas a preço de dumping. Já nas situações de utilização de subsídios são utilizados os direitos compensatórios, no intuito de neutralizar os efeitos danosos à indústria doméstica, com a imposição de taxas às importações de produtos que tenham sido beneficiados com subsídios.

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O sistema institucional brasileiro interveniente no comércio internacional é composto por órgãos da administração direta fe­deral que se ocupam dessas questões de defesa comercial, dentre os quais têm destaque: (i) a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Turismo (SECEX), cuja responsabilidade é formular a política de comér­cio exterior, orientando e coordenando a execução das medidas necessárias para a expansão das transações comerciais; e (ii) o Departamento de Defesa Comercial (DECOM), órgão que está diretam ente ligado à SECEX, com a atribuição de executar a política de comércio ditada por referida Secretaria e encarregado de analisar os pedidos de redução e aumento das alíquotas de importação.

Diante da nova ordem econômica internacional, João Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 115) assinala:

"A ordem econômica internacional tem como finalidade precí- pua a constituição de uma unidade que leve em conta a heteroge- neidade, a diversificação dos ordenamentos nacionais. Esta supe­ração da diversidade centrífuga tem como finalidade demonstrar que a interdependência econômica é irrefragável e que a coexistência pacífica é uma condição irrecusável de sobrevivência.”

Por fim, tratando-se de análise econômica global, merece lembrança a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne 30 países-membros comprome­tidos com governos democráticos e economias de mercado, para a discussão dos desafios da globalização na economia, área social e governança, bem como a exploração de suas oportunidades. Países não-membros da OCDE, como o Brasil e outros 70 países em desenvolvimento e economias de mercado emergentes, são convidados para compartilhar e trocar experiências com a OCDE, e ainda subscrever acordos e tratados.

Ainda cumpre citar o G-8, grupo de oito países, quais sejam, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos da América, ou seja, G-7 mais Rússia, que em conjunto detêm 65% da economia mundial. Em seu encontro político anual os debates do G-8 referem-se a questões como

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economia global, direitos de propriedade, política internacional e moralidade. Já o G-20, hoje grupo de vinte e um países em desenvolvimento, reúne cinco países da África (África do Sul, Egito, Nigéria, Tanzânia e Zimbábue), seis países da Ásia (China, Filipinas, índia, Indonésia, Paquistão e Tailândia) e dez países da América Latina (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Cuba, Guatema­la, México, Paraguai, Uruguai e Venezuela). O G-20 dedica-se a intensas consultas técnicas e políticas, visando injetar dinamismo nas negociações comerciais, sobretudo nas rodadas da OMC, com destaque para as negociações em agricultura.

6.2 Globalização

A globalização, remoção das barreiras ao livre comércio e maior integração das economias nacionais, é fato, algo presente na vida de milhões de habitantes em todo o mundo. Muitas ve­zes criticada, outras defendida, a globalização deve ser vista com cautela, mas com naturalidade.

Escreve Fernando Herren Aguillar (SUNDFELD; VIEIRA, 1999, p. 277):

“Engana-se quem considera o fenômeno da globalização (o nome favorece esse tipo de especulação) como fruto de uma con­cepção estrutural da sociedade. Ao contrário, é sobre o fracasso de concepções estruturais do Estado e da economia que ganhou alento o espírito globalizante. Ele é fruto de concepções microcós- micas do universo político e econômico, e tem berço em tradições longamente assentadas nesse domínio.”

Não se deve defender a globalização como algo definitivo para a humanidade, nem rechaçá-la como se fosse um mal per se; deve-se entendê-la e saber separar o que ela oferece de positivo, e qual o seu aspecto negativo. Ela, que já foi tida como a salvação das economias dos povos, também é criticada por globalizar as riquezas para os “ricos” e para os “pobres” deixar a pobreza.

Neste sentido, ensina Joseph E. Stiglitz (2002, p. 17):

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“A reação violenta contra a globalização extrai sua força não só dos danos percebidos causados aos países em desenvolvi­mento por políticas impulsionadas por ideologias, mas também das injustiças do sistema comercial global. Atualmente, poucos- além daqueles com interesses pessoais e que se beneficiam por manter afastadas as mercadorias produzidas pelas nações pobres- defendem a hipocrisia de fingir que se está ajudando países em desenvolvimento ao forçá-los a abrir seus mercados para as mer­cadorias das nações industrializadas e desenvolvidas, ao mesmo tempo que essas nações protegem os próprios mercados. Tais políticas tornam os ricos mais ricos e os pobres mais pobres - e cada vez mais furiosos.”

Na definição de Fernando Herren Aguillar (2006, p. 53):

“Globalização significa o fenômeno econômico de busca de conquista de mercados sem restrições às fronteiras nacionais, o fenômeno político da crescente interdependência dos países, o fenômeno cultural de influências recíprocas entre habitantes de países diversos, o fenômeno social do freqüente deslocamento e fixação de residência de habitantes de um país em outros, o fenômeno tecnológico da revolução da informática e das teleco­municações, o fenômeno financeiro dos investimentos especu­lativos planetários, causando simultaneamente a reestruturação dos agentes econômicos, a transformação do papel do Estado e do direito em todos os países envolvidos."

Com o tem a da globalização, a quebra das fronteiras, dos lim ites, vem à baila a questão da soberania dos Estados, das nações.

Desde a antigüidade, a doutrina da soberania é abordada nos pensamentos políticos, teológicos e jurídicos. Na Grécia, Aris­tóteles definia na “autarquia” grega a pólis como a comunidade superior, ideal e suficiente em si mesma. Em Roma o conceito de soberania, apesar de não constar expressamente do direito público, ganha ênfase com a outorga das majestas, imperium e po- testas ao povo romano, que era representado tanto pelo Príncipe como pelo Senado.

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Na Idade Média prevalece o entendimento da harmonia di­vina para governar o mundo na união da humanidade, sendo o Imperador a pessoa a ocupar a figura de Cristo (Deus-Homem, concepção cristocêntrica da monarquia). A origem da Igreja e do Império é única, divina, e, portanto, são interdependentes.

Mas é em 1576, com Bodin, que se inicia a moderna teoria política, com um conceito de soberania limitável e divisível ca­racterístico da doutrina jusnaturalista, oposto ao entendimento do médio evo. A soberania não se traduzia em absolutismo, pois os príncipes subordinavam-se tanto às leis divinas quanto às naturais.

No jusnaturalismo moderno dos séculos XVII e XVIII preva­lecem os princípios do direito natural. Primeiramente, interpre­tando-se a sociedade como anterior ao indivíduo e, na seqüência, Hobbes declarando a anterioridade do indivíduo à sociedade. Daí o contrato entre os indivíduos desagregados para constituir um Estado e um soberano.

Rousseau, retomando idéias da antigüidade e reformulando parte do conceito de Hobbes, concebe o Estado (Leviatã) como o ponto de chegada em que o homem poderia viver eternamente (solução para os problemas da sociedade civil). O princípio da so­berania é defendido por Rousseau sob uma óptica revolucionária, em que se aceita um direito de revolução permanente segundo o qual se finda a subordinação à lei quando o povo for soberano.

Kant, na linha rousseauniana, apresenta o princípio da sobe­rania como o poder legislativo que pertence à vontade coletiva do povo. Contudo, as idéias positivistas, com destaque a Gerber, Leband e Jellinek, refutam a definição jusnaturalista de atribuir a um órgão ou pessoa a soberania, para defini-la no Estado, ex­clusivamente.

Kelsen, abordando a temática da soberania, a coloca como uma ordem superior da conduta humana. No campo do Estado e do Direito, a soberania significaria a interpretação dessas ordens como supremas. Contudo, sob a perspectiva do Direito Internacio­nal, a soberania deixaria de existir diante da comunidade jurídica internacional, tendo validade essa ordem jurídica.

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Já Carl Schmitt interpreta cientificamente o Direito, buscando conceituar por meio da análise histórica a soberania. O soberano, numa primeira análise schmittiana, seria aquele que decide em estado de exceção.

Com m uita propriedade na análise do conceito de soberania, ensina Ari Marcelo Solon (1997, p. 204): “Pondo-se de lado os pressupostos de uma teoria normativa, a soberania não é outra coisa senão as diferentes regras constitutivas e fatos institucionais atribuidores das qualidades acima a uma determinada realidade política.”

O Estado moderno é algo relativamente recente e a sobera­nia em sua concepção também moderna se revela uma exigência política para o exercício do controle em determinado território. O estabelecimento de acordos internacionais que promoveram o respeito de um Estado em não interferir nos assuntos internos de outro Estado e assim confirmar o poder do Estado sobre a sociedade foi fator que contribuiu para o desenvolvimento da soberania.

O cientista político alemão Carl Schmitt, em sua obra Os nomos da terra, relata que a soberania territorial está transformada num espaço vazio e aberto aos processos socioeconômicos, no qual o campo de ação dos direitos das gentes é determinado pelo espaço da potência econômica. De certa forma contrário à ideologia da globalização, aponta que o território global deveria ser liberado para o livre acesso aos recursos naturais, com a movimentação de mercadorias e capitais, para o que seria necessário eliminar obstáculos humanos, culturais e políticos.

Num a sociedade proclamada pelos ideais neoliberalistas, em que paradoxalmente se defende a globalização e se proclama o triunfo do indivíduo do Iluminismo sobre a sociedade, o que se observa é a invasão das normas mercantis e da concorrência liberal quase aos moldes smithianos, como os pontos-chaves para a integração e o reconhecimento da sociedade, deixando uma sensação de incerteza e insegurança quanto ao futuro próximo e à estabilidade social.

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Ensina José Francisco Siqueira Neto (SUNDFELD; VIEIRA, 1999, p. 241): “As radicais transformações políticas, econômicas, sociais e até mesmo comportamentais processadas nos últimos anos possibilitaram ao capitalismo recobrar uma das suas mais peculiares características: o expansionismo.”

A política adotada pelos países latino-americanos, a partir do que “prescrevera” o Consenso de Washington para as políticas liberais da região, deixou claro que o combate à inflação e as reformas a favor do mercado tiveram um viés nem tanto agradá­vel. A criação de novos postos de trabalho não é algo fácil, muito pelo contrário, bem como a melhoria de vida da população e uma expectativa mais positiva para as novas gerações.

Soma-se a tudo isso a obsessão popularizada no ideal capi­talista da redução de custos a qualquer preço, admitindo-se a centralização do capital produtivo em esfera mundial, em que pese o discurso da liberdade e a intensificação da concorrência, com as conseqüentes demissões em massa de trabalhadores, eliminação de postos de trabalho e a redução de salários e benefícios traba­lhistas. O mal-estar gerado nessas sociedades desiguais e com poucas perspectivas de melhora aumenta o descontrole emocional e social, ampliando a sensação do medo.

A expectativa para um século XXI melhor e mais igual para todos deve iniciar com a preocupação das políticas econômicas em desenvolver a economia das nações, principalmente a dos países em desenvolvimento, e não apenas brigar pelo seu crescimento. Desenvolver a economia deve significar desenvolver o país, a so­ciedade, que terá a contrapartida da melhora econômica. Já ficou claro que apenas o progresso material não conduz a sociedade em sua plenitude a um aprimoramento no bem-estar individual e coletivo.

Em resposta à perda da força política pela economia, algo que poderia ser feito para “coordenar” a globalização é reforçar insti­tuições supranacionais ou agências globais com verdadeiro poder. A União Européia é um exemplo do que seria governar a globali­zação. Pode-se até pensar numa cessão da soberania nacional com a criação, por exemplo, de um Conselho de Segurança Econômica na ONU, apto a intervir em crises, subordinando o FMI e o Banco

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Mundial a esse Conselho, e não perm itir que tais organismos técnicos continuem decidindo a política dos Estados.

A integração econômica, fenômeno bastante comum no ce­nário da globalização, apresenta modelos que podem interferir diretamente na soberania dos Estados. Para entender a construção de blocos econômicos e a independência dos Estados, importante compreender as principais características das fases de uma inte­gração.

Inicialmente, tem-se a Área de Preferência Tarifária, na qual os países-membros tributam o comércio recíproco em sua totali­dade ou em parte com alíquotas de importação menores do que aquelas aplicadas às mercadorias originadas de países que não integram a área.

A Zona de Livre Comércio se caracteriza pela eliminação das barreiras tarifárias e não tarifárias ao comércio recíproco entre os países-membros. E o caso da NAFTA e da proposta para a ALCA.

Já a União Aduaneira, além do livre comércio entre os paí­ses-membros, significa a adoção de uma tarifa externa comum (TEC) para a importação de produtos originados de países que não fazem parte desse mercado regional. Este é o estágio em que se encontra o Mercosul.

O Mercado Comum, por sua vez, significa a união aduaneira na qual se agrega a livre mobilidade de fatores produtivos entre os países-membros, bem como a adoção de uma política comercial comum. Caracteriza-se também por contemplar a coordenação entre os países-membros de políticas macroeconômicas e seto­riais. Neste estágio, pode também ocorrer a harmonização das legislações. Nesta fase se encontrava a Comunidade Econômica Européia (CEE).

Por fim, tem-se a União Econômica, que, além de reunir os elementos do mercado comum, caracteriza-se pela adoção de políticas macroeconômicas, setoriais e sociais comuns, além da utilização de uma moeda única.

Em linhas gerais, após transcorridos alguns anos da globaliza­ção, constatam-se três pontos que devem ser destacados para que

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se busquem benefícios para todos: (i) reduzir as desigualdades sociais, que só aumentaram; (ii) obter o convívio harmônico das diferentes identidades, assegurando o respeito a seus valores e tradições; e (iii) defender a democracia num momento em que o capitalismo, não mais relacionado com o Estado nacional, fica livre de qualquer controle para se compor em oligarquias e impor sua dominação mundial.

Na busca da maximização da rentabilidade econômica, o que se verificou no mundo foi a tentativa de se obterem mer­cados abertos, liberdade alfandegária, linhas de produção que atendessem mundialmente, o fim da soberania e a eliminação do xenofobismo e a incidência de capitais flutuantes e voláteis em diferentes mercados financeiros, o que culminou num a profunda alteração do sistema capitalista.

Os efeitos dessas mudanças são sentidos de forma ressaltada ao Direito Econômico, porém nem tudo o que ocorre deve ser atribuído à globalização. Devem-se verificar, entretanto, os efei­tos da globalização sobre as práticas de mercado e a eficácia dos meios tradicionais de Direito Econômico que deverão controlar esses efeitos.

A limitação jurídica, em grande parte inaugurada a partir das crises do modelo capitalista em sua fase liberal, está centrada na teoria do abuso do direito. A tutela da liberdade individual exige o cerceamento dos eventuais abusos propiciados por essa liber­dade. Daí a necessidade de o Estado intervir quando um agente abusa de seu direito de empreender livremente, impondo-se a regulação econômica e lançando-se mão do princípio da livre concorrência.

6.3 Integração

Para abordar o tema da globalização, não se pode deixar de verificar o maior modelo de integração ocorrida em todo o m un­do, a União Européia. Mas qual a relação que se pode fazer entre integração e globalização, aparentem ente tem as distintos? A resposta pode ser bastante objetiva. Para enfrentar a concorrência internacional, uma vez que esse é um dos efeitos da globalização,

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nada mais eficiente do que atuar em conjunto, em bloco, inte­grando-se aos “vizinhos” para ter mais força nas negociações e obter maiores e melhores resultados.

Mas uma integração não é apenas isso. A união de países pode caminhar pelo desenvolvimento mais equânime dessa região, re­duzindo desigualdades socioeconômicas e buscando a paz entre povos e nações que tenham tradições beligerantes entre si. Essa união pode resultar num mercado comum entre os povos, numa moeda única, em políticas de aplicação geral. Ou seja, integração e globalização são temas distintos, mas que se complementam para um estudo mais aprofundado de questões intrínsecas aos povos.

6.3.1 União Européia

A história européia m ostra que, além de im portantes con­quistas e realizações, o continente também serviu de palco para várias guerras e conflitos, com grande poder de destruição, com resultados nefastos para os povos, com milhares de vidas perdidas e as economias dos Estados em completo esfacelamento.

O cenário do pós-Segunda Guerra e a tradição histórica que se repetia e marcava o continente permitiram que fosse ganhando força entre os líderes dos países a necessidade de caminhar para uma integração estável e institucional de caráter supranacional.

Durante muito tempo foram realizados estudos, várias dis­cussões tomaram ponta em diversos setores político-econômicos dos países da Europa, e aos poucos se concretizava a criação da Comunidade Econômica Européia (CEE), que se mostrou uma continuação da cooperação funcional que teve início em 1950 com a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA).

A Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), ins­titu ída oficialmente em 18 de abril de 1951, quando os Seis (Bélgica, França, Alemanha, Itália, Luxemburgo, Países Baixos) assinam o Tratado de Paris, foi a primeira fundação concreta da União Européia. Inicia-se assim o processo de integração europeu e dos encontros preliminares realizados em Messina (na Sicília, Itália), em 1955, onde os Ministros dos Negócios Estrangeiros

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dos Seis acordam quanto ao objetivo da integração de seus países na área econômica, até a celebração dos Tratados de Roma (ocor­ridos nesta cidade da região do Lazio), em 1957, quando os Seis assinam os Tratados que instituem a Comunidade Econômica Européia (CEE) e a Comunidade Européia de Energia Atômica (EURATOM). O resultado foi a criação formal da Comunidade Econômica Européia (CEE) em janeiro de 1958.

No ano de 1967, em decorrência da consolidação da Comu­nidade Econômica Européia (CEE), bem como da consolidação da Comunidade Européia de Energia Atômica (EURATOM) e da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), foi criada a Comunidade Européia (CE), organização dos países da Europa Ocidental, encarregada da integração econômica e política esta­belecida pelo Tratado de Roma, com constituição semelhante à da CEE.

A implementação de diversas políticas em diferentes setores pela CE ampliou o estágio de integração entre as nações do conti­nente participantes do Tratado, e atualmente a CE é denominada União Européia (UE). Com ela, os Estados-membros coordenam suas políticas econômicas e estabelecem políticas comuns. A UE já chegou em seu último estágio de integração, com a união eco­nômica e monetária, desde 1 de janeiro de 1999, com a entrada em vigor do “Euro” (€), a moeda única entre Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e Portugal, países que adotaram o “Euro” como moeda oficial. Aos 28 de fevereiro de 2002, com o fim do período de dupla circulação, o “Euro” é efetivado definitivamente para toda a população desses países europeus, com a substituição in­tegral das antigas moedas nacionais, tornando-se a única moeda nos 12 países que o adotaram.

Após aproximadamente 50 anos de sua criação, a integração européia representa a estabilidade, a paz e a prosperidade econô­mica dos seus membros e, de certa forma, do continente, além da melhora do nível de vida de sua população, da criação de um mercado interno e de uma moeda comum para fortificar a posição da UE no contexto mundial.

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A UE, fundamentada no princípio do estado de direito e na democracia, significa a delegação da soberania de seus Estados- membros para instituições que representam os interesses comuns de todos os seus integrantes, cujas decisões e procedimentos são tomados a partir de tratados ratificados por cada Estado-mem- bro.

Importante perceber que não se trata de um novo Estado, nem se assemelha a qualquer outra organização internacional. Trata-se da integração de nações que delegam sua soberania a um orga­nismo supranacional, com os objetivos comuns de: (i) instituir uma cidadania européia, alicerçada nos direitos fundamentais, nos direitos civis e políticos e na liberdade de circulação; (ii) criar uma área de liberdade, segurança e justiça, garantida pela cooperação nos domínios da justiça e dos assuntos internos; (iii) promover o progresso econômico e social, a partir de um mercado único, de uma moeda comum, no desenvolvimento regional e na proteção do meio ambiente; e (iv) afirmar o papel da Europa no contexto mundial, com uma política externa e de segurança comum.

Para tanto, a UE é administrada por cinco instituições que desempenham, cada uma, seu papel específico.

O Parlamento Europeu, eleito pelos cidadãos dos Estados-mem- bros, é a confirmação da democracia. Suas principais funções são a legislativa e a orçamentai, ambas partilhadas com o Conselho da União, e também o controle democrático na Comissão Européia.

O Conselho da União, composto pelos governos dos Estados- membros, é a principal instância de decisões da UE, e desempe­nha funções de órgão legislativo em co-decisão com o Parlamento Europeu, bem como com este partilha a autoridade orçamentai, assegura a coordenação das políticas econômicas gerais, celebra acordos internacionais, aprova decisões de política externa e de segurança comum definidas pelo Conselho Europeu e coordena a ação dos Estados-membros na adoção de medidas em matéria penal.

A Comissão Européia, força motora e órgão executivo, tem a incumbência de materializar e defender o interesse geral da UE. Seus membros são aprovados pelo Parlamento Europeu e nomea­

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dos pelos Estados-participantes para propor textos legislativos, assegurar a execução da legislação européia, do orçamento e dos programas adotados pelo Parlamento e pelo Conselho, zelar pelo direito comunitário juntam ente com o Tribunal de Justiça e repre­sentar a UE internacionalmente.

O Tribunal de Justiça, garantidor do cumprimento e da inter­pretação uniforme da legislação comunitária, tem a competência para apreciar lides que envolvam Estados-membros, instituições comunitárias, empresas e particulares. A partir de 1989 foi criado o Tribunal de Primeira Instância, associado ao Tribunal de Justiça.

Por fim, o Tribunal de Contas, responsável pela gestão do orça­mento da UE, fiscaliza a legalidade e a regularidade das receitas e despesas da União.

Além dessas instituições, o sistema europeu é completado por agências e organismos, e por cinco órgãos que integram a UE, que são: (i) o Comitê Econômico e Social Europeu, representante da sociedade civil organizada para questões econômicas e sociais;(ii) o Comitê das Regiões, representante das autoridades regionais em matéria de política regional; (iii) o Provedor de Justiça Europeu, espécie de ouvidor de queixas de cidadãos acerca de casos de má administração de instituições européias; (iv) o Banco Europeu de In­vestimentos, financiador de investimentos públicos e privados para a realização dos objetivos da União; e (v) o Banco Central Europeu, incumbido da política monetária e das operações de câmbio.

Atualmente, são Estados-Membros que integram a UE: Ale­manha, Áustria, Bélgica, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovê- nia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlan­da, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Tcheca e Suécia. Os países que ingressarão na UE em 2007 são: Bulgária, Croácia e Romênia, e analisa-se para ingressar em 2010 a Turquia.

6.3.2 Mercosul

O Mercosul (Mercado Comum do Sul) é um processo de integração que teve início na década de 80 entre os governos da República Argentina e da República Federativa do Brasil e que,

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mais tarde, contou com a participação da República do Paraguai e da República Oriental do Uruguai, com o objetivo de cristali­zar uma união aduaneira e intensificar seus vínculos comerciais, conforme assinatura entre os Estados-Parte do Tratado de As­sunção, aos 26 de março de 1991. Constitui-se, talvez, na mais bem-sucedida iniciativa diplomática de integração no continente sul-americano.

Favorável ao livre comércio, à livre iniciativa e à livre concor­rência, a partir da transparência regulatória e da não-discriminação entre os países, o Mercosul, ciente da interdependência entre os mercados internacionais, procura que seus Estados-Parte conso­lidem importantes progressos regulatórios no âmbito interno por meio de tratados e demais instrumentos de direito internacional público, para a sua definitiva concretização.

O Mercosul é mais do que a eliminação de barreiras ao co­mércio regional, pois tem como objetivo se tornar um espaço econômico comum, livre de entraves tarifários e de distorções à competição, originárias de políticas públicas diferenciadas.

Aos 17 de dezembro de 1994 foi assinado entre os Estados- Parte (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) o Protocolo de Ouro Preto, em atenção à im portância dos avanços alcançados e da implementação da união aduaneira como etapa para a construção do mercado comum e para reafirmar os princípios e os objetivos do Tratado de Assunção.

Assim, em 1- de janeiro de 1995, o Mercosul dava início à consolidação do projeto de criação de um mercado comum com a entrada em vigor de um regime que veio com a proposta de fi­nalizar a liberalização intrazona (regime de adequação) e de uma tarifa externa comum entre seus Estados-Parte, a TEC.

Pelo Protocolo de Ouro Preto a estru tura institucional do Mercosul ficou definida com os seguintes órgãos: (i) Conselho do Mercado Comum (CMC); (ii) Grupo Mercado Comum (GMC);(iii) Comissão de Comércio do Mercosul (CCM); (iv) Comissão Parlamentar Conjunta (CPC); (v) Foro Consultivo Econômico-So- cial (FCES); e (vi) Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM),

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possibilitando, ainda, a criação de órgãos auxiliares que sejam ne­cessários para alcançar os objetivos do processo de integração.

Os órgãos do Mercosul com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, são o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul.

O Conselho do Mercado Comum (CMC) é o órgão superior do Mercosul designado para conduzir a política do processo de inte­gração e a tomada de decisões para o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção e concretizar a consti­tuição final do mercado comum. Ele é integrado pelos Ministros das Relações Exteriores e pelos Ministros da Economia, ou seus equivalentes, dos Estados-Parte. As decisões do CMC serão obri­gatórias para os Estados-Parte.

O Grupo Mercado Comum (GMC), por sua vez, é o órgão execu­tivo do Mercosul, integrado por quatro membros titulares e quatro membros alternos por Estado-Parte, designados pelos respectivos Governos, dentre os quais devem constar necessariamente repre­sentantes dos Ministérios das Relações Exteriores, dos Ministérios da Economia (ou equivalentes) e dos Bancos Centrais. O GMC será coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores. As Resoluções do GMC serão obrigatórias para os Estados-Parte.

Já a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM) é órgão incum­bido de auxiliar o Grupo Mercado Comum e de cuidar da apli­cação dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados-Parte para o funcionamento da união aduaneira, bem como do acompanhamento e revisão de temas e matérias relacionados às políticas comerciais comuns, com o comércio intra-Mercosul e com terceiros países. A CCM será integrada por quatro membros titulares e quatro membros alternos por Estado- Parte e coordenada pelos Ministérios das Relações Exteriores. A CCM manifestar-se-á mediante Diretrizes ou Propostas, sendo as Diretrizes obrigatórias para os Estados-Parte.

O Mercosul ainda dispõe dos seguintes órgãos: a Comissão Parlamentar Conjunta (CPC), órgão representativo dos Parlamentos dos Estados-Parte, composta por parlamentares indicados pelos países e com o objetivo de acelerar os procedimentos internos

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correspondentes para a pronta entrada em vigor das normas emanadas dos órgãos do Mercosul, bem como a harmonização de legislações; o Foro Consultivo Econômico-Social (FCES), órgão de representação dos setores econômicos e sociais, integrado por igual número de representantes de cada Estado-Parte com a função consultiva e para se manifestar mediante recomendações ao Grupo Mercado Comum; e a Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM), órgão de apoio operacional, responsável pela prestação de serviços aos demais órgãos do Mercosul com sede permanente na cidade de Montevidéu.

Aos 4 de julho de 2006 foi assinado em Caracas o Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela ao Mercosul, tornando-se assim a Venezuela Estado-Parte do Mercosul, e que entra em vigor após a subscrição do Protocolo às legislações dos Estados-Parte. Atualmente, os Estados Associados ao Mercosul são a República da Bolívia, a República do Chile, a República da Colômbia, a República do Equador e a República do Peru.

6.3.3 UNASUL

A União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), anterior­mente designada Comunidade Sul-Americana de Nações (CSN), estabelecida pela Declaração de Cuzco de 2004 e formalizada em Brasília aos 23 de maio de 2008, é um a organização com personalidade jurídica internacional, cujos objetivos são a cons­trução de uma identidade e uma cidadania sul-americana e o desenvolvimento de um espaço regional integrado nos planos político, econômico, social, cultural, ambiental, energético e de infra-estruturas. Espelhando-se na União Européia, a UNASUL buscará um desenvolvimento eqüitativo entre os países do Mer­cosul e Comunidade Andina de Nações, além do Chile, Guiana e Suriname, a fim de superar as diferenças entre eles por meio da complementaridade das economias dos doze países da América do Sul.

O Conselho dos Chefes de Estado, que se reunirá pelo me­nos uma vez por ano, o Conselho dos M inistros das Relações Exteriores, que se reunirá no mínimo a cada seis meses, além de

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um Conselho de Delegados, são os responsáveis pelas decisões a serem tomadas por consenso. A presidência da UNASUL será rotativa pelo prazo de um ano, mas a sua secretaria-geral terá sede em Quito, no Equador. A médio prazo será constituído um Parlamento cujas reuniões serão em Cochabamba, na Bolívia. Discute-se, ainda, a criação do Conselho de Defesa da América do Sul. Destaca-se também o Banco do Sul, estabelecido em Ca­racas, Venezuela.

6.3.4 TIAR, OEA, CEPAL, ALALC, MCCA, Pacto Andino, CAN, ALADI, NAFTA, CARICON, CAFTA

O final da Segunda Grande Guerra consagrou o poderio mun­dial norte-americano e sua hegemonia no continente americano. Neste contexto, em 1947 foi assinado o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), e foi fundada a Organização dos Estados Americanos (OEA) durante a IX Conferência Pan-americana, realizada em 1948 em Bogotá. A luta contra o comunismo internacional despontou nas relações hemisféricas no período da Guerra Fria.

Não obstante o momento histórico e a oposição dos Estados Unidos da América, foi constituída na própria Organização das Nações Unidas (ONU) a Comissão Econômica para a América Lati­na e o Caribe (CEPAL), cujas metas eram o desenvolvimento e a integração latino-americana, instigando políticas industrialistas para a substituição das importações.

O ápice da grande tentativa integracionista para as relações comerciais entre os países latino-americanos se deu inicialmen­te em 1960 com a constituição da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), ainda neste mesmo ano com a criação do Mercado Comum Centro-Americano (MCCA), que abrange Costa Rica, El Salvador, Guatemala e Honduras, e depois em 1967 com a formação do Pacto Andino, cuja nova denominação é Comunidade Andina de Nações (CAN), que, enquanto Pacto Andino, contava com a participação do Chile e atualmente é integrada pela Colôm­bia, Equador, Peru e Bolívia, com a saída da Venezuela, a partir de sua adesão ao Mercosul.

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Com as ditaduras militares que se espalhavam pela América Latina, passa a predominar nas políticas dos Estados as rivalidades nacionais e os imperativos da doutrina da segurança nacional, o que corrobora para o recuo da integração entre os povos latino- americanos e o fracasso da ALALC.

Em 1980 é então assinado um novo tratado, fundando a Associação Latino-Americana para o Desenvolvimento e a Integração (ALADI), adotando uma forma mais flexível a partir das relações bilaterais para a obtenção do progresso do processo integracio- nista entre os países latino-americanos.

Outro acordo importante é o Acordo de Livre Comércio Norte- Americano (NAFTA - North American Free Trade Agreement), que iniciou suas discussões em meio a uma grave crise que deses- truturou as economias da América Latina, especialmente a do México, fazendo com que prevalecessem as premissas do livre comércio norte-americano com acordos bilaterais.

O NAFTA, integrado pelos EUA, Canadá e México, tem como objetivo a maior liberalização comercial entre esses países, não contemplando explicitamente questões sociais nem a participação direta da sociedade civil organizada em sua negociação.

Importante destaque deve ser dado ao NAFTA, que contribuiu decisivamente para o presidente George Bush retomar a idéia do pan-americanismo e lançar em 1990 a Iniciativa para as Américas.

Por fim, cum pre inform ar a existência da Comunidade dos Países Caribenhos (CARICOM), que reúne 12 países caribenhos, e a celebração do Acordo de Livre Comércio da América Central e Es­tados Unidos (CAFTA), que elimina tarifas sobre as exportações dos Estados Unidos para a Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e República Dominicana e amplia o acesso desses países ao mercado norte-americano.

6.3.5 ALCA

Ao analisar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) se está diante da liberalização do comércio em um mercado habitado por mais de 800 milhões de pessoas e um Produto Interno Bruto

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(PIB) conjunto de US$ 11 trilhões. Contudo, não se pode deixar impressionar por tais números e esquecer a heterogeneidade das nações que discutem a ALCA e seus potenciais impactos econô­micos e sociais sobre os países latino-americanos.

A forma como a ALCA está prevista a concebe como uma mera área de livre comércio, com algumas condições adicionais de uma simples abertura comercial. Grosso modo, significa o fim de barreiras de comércio entre os países-membros; é o que se convencionou denominar regionalismo aberto, ou seja, concessões comerciais diferenciadas entre os países-membros do acordo, de forma compatível com o grau de abertura comercial desses paí­ses com outras regiões, e os países-participantes não adotarem políticas comerciais externas comuns.

Em 1994, por iniciativa dos EUA, realizou-se na cidade de Miami a primeira Cúpula de Chefes de Estado e Governo das Américas, cuja agenda inicial era política, e pretendia abordar temas relativos à corrupção e ao narcotráfico, por exemplo. A princípio, questões comerciais não seriam discutidas, mesmo porque EUA e Brasil se opunham a tal debate. Porém, a pressão imposta pelos países latino-americanos, preocupados com uma integração que pudes­se permitir-lhes o crescimento, somando-se ainda a pressão de empresários americanos, conduziu a reunião para outra direção. A Cúpula de Miami deixou em segundo plano as questões para as quais foi inicialmente convocada e ficou conhecida pelo tema do livre comércio.

Logo de início surgiu uma divergência quanto ao caminho a ser adotado para a constituição da área de livre comércio (ALCA). Para os EUA, o modelo ideal se baseava na incorporação paulatina dos países do hemisfério para a constituição de um bloco comer­cial denominado NAFTA. O melhor modelo integracionista para os norte-americanos era da forma centro e raios (hub-and-spokes), devendo o NAFTA atuar como o grande centro de agregação dos outros países americanos que se ligariam por meio de acordos bilaterais.

Já o Brasil e os demais países do Cone Sul entenderam que a melhor forma para se negociar a integração hemisférica seria por meio do building blocks, ou seja, a construção aos poucos da

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integração do continente a partir dos acordos já celebrados. Des­sa maneira, os países latino-americanos teriam maior força para negociar com os EUA.

Depois de Miami ocorreram outras reuniões de m inistros de comércio. A primeira em Denver, nos EUA, e a segunda em Cartagena das índias, na Colômbia, mas é a partir da terceira e da quarta reuniões que se define a estrutura de funcionamento daALCA.

A terceira reunião ocorreu em 1997 na cidade m ineira de Belo Horizonte, e seu objetivo foi definir como e quando teriam início as negociações para implementar a ALCA, apesar das dis- cordâncias entre Mercosul e EUA quanto aos princípios gerais. Já a quarta reunião teve como cidade sede San José da Costa Rica, em 1998, e foi promovida para estabelecer o mandato dos grupos negociadores e a atual estrutura da ALCA.

Na seqüência, as reuniões dos ministros de comércio ocorre­ram em 1999 na cidade canadense de Toronto, onde foi finalizado o primeiro projeto de redação do futuro acordo, e no ano de 2001 em Buenos Aires, estabelecendo o prazo final para concluir as negociações do acordo para a entrada em vigor da ALCA, além de estipular prazos para as negociações de temas específicos.

Em 2002, a reunião ocorreu na cidade de Quito, no Equador. Além de definir o calendário e a agenda de negociações para 2003, nessa reunião foram criados grupos temáticos e foram reiterados os pressupostos dos trabalhos, principalmente no que se refere à agricultura e ao equilíbrio de resultados. Brasil e EUA também assumiram a co-presidência das negociações.

Na cidade de Miami, no ano de 2003, os ministros responsá­veis pelo comércio no hemisfério, representando os 34 países que participam das negociações daALCA, realizaram a oitava reunião ministerial, com a finalidade de estabelecer diretrizes para a fase final das negociações.

O objetivo pretendido pela ALCA é a criação de uma área de livre comércio que reúna a troca de bens e de serviços, produtos agrícolas, a liberalização dos fluxos de investimentos, compras go­vernamentais e comércio eletrônico, além de definir um acordo de

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propriedade intelectual e patentes. Apesar de buscar proporcionar a livre circulação de capitais e mercadorias, opõe-se à circulação de mão-de-obra.

Entretanto, ponto que merece atenção é a ALCA não visar à realização de qualquer integração e cooperação econômica, con­forme promove a União Européia, nem sequer aproximar-se dos objetivos defendidos pelo Mercosul.

A ALCA constitui uma iniciativa na qual deve prevalecer o consenso dos 34 países americanos (o único país excluído é Cuba), como meio de se tomar decisões. Esse princípio geral soma-se a outros que resultaram da declaração ministerial de Belo Hori­zonte, quais sejam: (i) os acordos da ALCA somente serão assi­nados quando todos os temas da pauta forem concluídos (single undertaking); (ii) a coexistência da ALCA com acordos bilaterais e sub-regionais; (iii) a compatibilização da ALCA com os acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC); (iv) a negociação e adesão individual ou em bloco dos países; e (v) especial atenção a economias menores para garantir suas participações na ALCA.

Decidiu-se, ainda em Belo Horizonte, que 2005 seria o ano limite para se concluírem as negociações da ALCA, mas o Brasil, com o apoio da Argentina, sinalizou a prorrogação deste prazo, talvez para 2007, algo aceito até pelos Estados Unidos da América. Contudo, as negociações da ALCA estão praticamente paralisadas, e data para a eventual conclusão das negociações é incerta.

Além dos encontros de ministros de comércio, incumbidos da elaboração do plano de trabalho da ALCA com a definição de diretrizes e fixando responsabilidades e metas para outras esferas, mas que constitui a segunda instância dos debates, as negociações da ALCA tam bém se dão nas Cúpulas de Chefes de Estado das Américas.

As reuniões de Cúpula dos Chefes de Estado ocorreram em Miami, 1994, Santiago do Chile, 1998, Quebec, 2001, e Mar dei Plata, 2005, e ainda uma Cúpula Extraordinária dos Chefes de Estado em Monterrey, México, 2004. Nessas reuniões não apenas se dis­cutem assuntos propriamente relativos à ALCA, mas também se debatem o fortalecimento da democracia, o combate à pobreza e

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a promoção da educação, porém com menor intensidade do que as discussões acerca do livre comércio.

A terceira instância de negociações da ALCA se dá no âmbito dos Grupos de Negociação, na Comissão Tripartite de Apoios Técnicos e nos Comitês Não Negociadores.

Os Comitês Não Negociadores são integrados pelo Grupo Consulti­vo sobre Economias Menores, o Comitê de Representantes Governamentais sobre a Participação da Sociedade Civil e o Comitê Conjunto de Especia­listas do Governo e do Setor Privado sobre Comércio Eletrônico, que são auxiliados com o apoio técnico e logístico de instituições regionais da Comissão Tripartite de Apoio Técnico, formada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina (CEPAL). Já o Grupo Consultivo sobre Economias Menores deve se ocupar em propor recomendações ao Comitê de Negociação Comercial pertinentes às pequenas economias, enquanto o Comitê Conjunto de Especialistas do Governo e do Setor Privado sobre Comércio Eletrônico atenta à ampliação dos benefícios do mercado eletrônico e o Comitê de Representantes Governamentais e do Governo Civil, para a promoção dos entendimentos dos diversos setores sociais relacionados às negociações da ALCA.

Por fim, os Grupos de Negociação se detêm na discussão de importantes temas e que constituem pontos fundamentais para a ALCA. Esses grupos têm como objetivos: (i) acesso a mercados: eliminar barreiras não tarifárias e outras medidas de restrição ao comércio entre os países integrantes conforme ditames da OMC; (ii) agricultura: evitar a aplicação protecionista de supostas medidas sanitárias e fitossanitárias, além de evitar subsídios às exportações e identificar outras práticas que comprometam o comércio; (iii) investimentos: estabelecer um ordenamento jurí­dico para a promoção dos investimentos sem dificultar aqueles vindos de fora do continente; (iv) subsídios, antidumping e direitos compensatórios: atentar aos tópicos de subsídios, dumping e medidas compensatórias, como prevê a OMC, e buscar que entre os países integrantes não ocorram barreiras injustificadas ao comércio;(v) compras governamentais: permitir abertura e transparência nos procedimentos de compra dos governos e evitar discriminações;

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(vi) direitos de propriedade intelectual: promover a efetiva proteção dos direitos de proteção intelectual; (vii) serviços: liberalização progressiva do comércio de serviços; (viii) soluções de controvér­sias: fomentar mecanismos alternativos para resolver disputas comerciais privadas dentro da ALCA; e (ix) políticas de concorrên­cia: assegurar que os resultados positivos advindos do processo de liberalização da ALCA não restem prejudicados por práticas anticompetitivas, além de estabelecer um a cobertura jurídica e institucional em âmbito nacional, sub-regional ou regional que esteja atenta a essas práticas.

O cronograma das negociações da ALCA pode ser fixado em três momentos. O primeiro, a fase que vai da proposta de criação daALCA em 1994 até 1998, quando se iniciam verdadeiramente os debates para a sua implementação, com a definição de prin­cípios, objetivos gerais e prazos para se estabelecer a ALCA. Já o segundo momento, a fase que compreende os anos de 1998 a 2002, quando foram redigidos acordos e apontadas as áreas de convergência e divergência acerca dos temas negociados. E, por fim, o terceiro momento, o que se inicia em 2002 com a co- presidência do Comitê de Negociações Comerciais exercida por Brasil e Estados Unidos da América, prevista para até dezembro de 2004, mas já prorrogada, tendo em vista a não-entrada em vigor da ALCA em janeiro de 2005.

Os 34 países americanos que poderão integrar a ALCA são: Antígua e Barbuda, Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, El Salva­dor, Equador, Estados Unidos da América, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, São Cristóvão e Nevis, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela.

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Noções de Economia Aplicadas ao Direito Econômico: Breve Introdução à Economia

7.1 Introdução à economia

Ao estudar o Direito Econômico, faz-se necessária, ainda que sucintamente, uma breve análise da Ciência Econômica, em especial de seus conceitos-chave, que auxiliam o estudante ou o operador do Direito a familiarizar-se com o tema econômico. Cumpre ressaltar que nos itens anteriores já foram abordados temas econômicos que também se aplicam ao Direito Econômico e, por essa razão, não serão retomados neste item.

7.1.1 Noções gerais

Tal qual o Direito, a Ciência Econômica, ou simplesmente a Economia, está inserida no rol das ciências sociais, relacionando- se com os diversos aspectos do comportamento humano: político, sociológico, antropológico, psicológico, além do próprio Direito. Dadas as implicações da Economia nas relações humanas, exige- se sua comunicação com as demais ciências sociais, e ainda com a filosofia, a ética e a história, como também com a tecnologia e o meio ambiente.

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A Economia, anteriormente denominada Economia Política, constitui, portanto, uma disciplina cujo significado clássico trata de forma integrada as diversas dimensões do universo social para compreender melhor os fenômenos econômicos, utilizando-se para tanto do recurso a outras disciplinas.

Neste sentido, escreve Lucia Helena Salgado (1997, p. 10):

“Sem dúvida a economia, como as demais ciências sociais, deve o seu desenvolvimento à emancipação dos ensinamentos morais. Maquiavel, Montesquieu, Adam Smith estavam preocu­pados em compreender a política, a sociedade, a economia como realm ente eram e não como deveriam ser. A perspectiva não impedia esses autores, assim como Marx, Keynes e Shumpeter, entre outros, de explorar as interações entre as dimensões da experiência humana em sociedade e particularmente as mútuas determinações entre a política e a economia.”

Para o estudo da economia, utilizam-se os mesmos métodos empregados nas ciências sociais; o dedutivo ou analítico, a partir de princípios utiliza-se o raciocínio para estabelecer proposições novas, ou seja, trata-se da análise, e o indutivo, observam-se fatos particulares para aplicar proposições gerais, ou seja, síntese.

Como métodos subsidiários para a investigação e demons­tração da verdade econômica têm-se o histórico, relatividade e mobilidade dos fenômenos econômicos, e o estatístico, comparação de fatos econômicos reduzidos a números, ambos indutivos, e o matemático, relações humanas equiparadas a equações algébricas, fundamentado nas leis da oferta e da procura, custo de produção e distribuição, e o psicológico, cujas premissas estão nos desejos humanos, ambos dedutivos.

Ao iniciar o estudo da Economia, deve-se atentar para que os seres humanos têm necessidades, e isso os leva a buscar recursos para satisfazerem suas necessidades. Entretanto, os recursos são escassos.

Apenas para ilustrar a necessidade humana e a escassez de recursos, sobretudo no tocante a alimentos, está retratado no Gênesis (41) que durante sete anos de abundância e superpro­

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dução a quinta parte dos produtos da terra do Egito foi tomada e armazenada sob a autoridade do Faraó, assim quando os sete anos de fome chegaram, a escassez na produção não fez com que o povo padecesse de fome, graças ao discernimento de José para interpretar a ação de Deus e ao seu tino administrativo, hoje o que se pode chamar de espécie de regulador da economia para momentos de crise.

Ainda no tocante a alim entos, em 1798, Thomas Robert Malthus publicou Essay on the principie of population, no qual, pela teoria da população, o crescimento demográfico seria em progres­são geométrica, enquanto o crescimento dos recursos para seu sustento seria em progressão aritmética. Assim, pela chamada lei de Malthus, a produção agrícola no mundo cresceria em propor­ção aritmética (1, 3, 5, 7...), enquanto a população cresceria em proporção geométrica (2, 4, 8, 16...). Ou seja, o alimento, para atender a necessidade humana, revelar-se-ia recurso extremamen­te escasso e em certo período de tempo a fome seria inevitável. Entretanto, M althus não imaginava o avanço tecnológico que permitiu aprimorar e desenvolver a produção agrícola, tanto que hoje não faltam alimentos no mundo; a fome que assola popula­ções inteiras, sobretudo no continente africano, dá-se por outros fatores, que se pode resumir na distribuição desigual.

Desponta, portanto, do binômio "necessidades hum anas/re- cursos escassos” o estudo da Economia, que, tratando-se de uma ciência social, pressupõe a escassez na esfera social.

Conforme escreve Fábio Nusdeo (2005, p. 31), basicamente, “a economia existe porque os recursos são sempre escassos frente à multiplicidade das necessidades hum anas”. Nesse sentido, a origem etimológica da palavra economia, do grego oikos + nomos, que lato sensu significa casa + norma, ou seja, organizar, admi­nistrar, prover. Daí a palavra oikonomos, espécie de administrador da casa, e conseqüentemente oikonomia, no contexto de dirigir, administrar (nemo) a pólis (cidades-Estado).

Por outro lado, observa Fábio Nusdeo (2005, p. 31):

“A etimologia: oikos + nomos põe em realce um dado essencial da realidade econômica, nem sempre devidamente lembrado ou

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trabalhado. É o da íntima relação entre Direito e Economia. Mais do que íntima relação, trata-se, na verdade, de uma profunda im- bricação, pois os fatos econômicos são o que são e se apresentam de uma dada maneira em função direta de como se dá a organiza­ção ou normatização - nomos - a presidir a atividade desenvolvida na oikos ou num dado espaço físico ao qual ela possa se assimilar. E o nomos nada mais vem a ser do que normas ou regras, estas objeto da ciência do Direito.”

Em linhas gerais, a Economia se concentra nas condições da prosperidade material, em acumular riquezas e em sua distri­buição aos que participam desse esforço social de produção. Por essa razão, na atividade econômica o homem aplica seus esforços para obter por meio de bens ou serviços a satisfação de suas ne­cessidades, traduzindo-se em verdadeiro fenômeno econômico que quando ocorre dentro da organização social constitui o sistema econômico.

A atividade econômica ocorre dentro de um ambiente econô­mico, no qual se realizam os fatos econômicos sob a égide de leis (econômicas) naturais controladas pelo homem. Esse processo segue um curso econômico, contínuo e forçado de bens e riquezas, iniciando-se com a transformação de bens naturais em riqueza econômica, passando pela distribuição da produção e encerrando- se com o consumo.

Na definição de José Petrelli Gastaldi (2005, p. 3), "Economia é a ciência que trata dos atos e fenômenos econômicos traduzidos em relações constantes, que representam as leis econômicas. Tem como objeto a atividade econômica exercida pelo homem de forma associativa. Como arte, a economia indica os meios para promover o bem-estar econômico da sociedade humana.”

Paul A. Samuelson e William D. Nordhaus (s.d., p. 7) apre­sentam a seguinte definição geral, hoje comumente aceita pelos economistas: "A economia é o estudo de como as pessoas e a sociedade decidem empregar recursos escassos, que poderiam ter utilizações alternativas, para produzir bens variados e para os distribuir para consumo, agora ou no futuro, entre as várias pessoas e grupos na sociedade.”

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A partir da definição de Economics feita por Joseph E. Stiglitz e Carl E. Walsh (2002, p. 20), tem-se que a Economia é o estudo de como indivíduos, empresas, governos e outras organizações na sociedade fazem escolhas. As escolhas são inevitáveis porque os produtos desejados, os serviços e os recursos são invariavel­mente escassos.

7.1.2 Breve histórico do pensamento econômico

A evolução do pensamento econômico está relacionada aos períodos da história da humanidade.

No longo período do chamado Estado Selvagem, ou economia na­

tural, a caça e o nomadismo eram constantes. O desenvolvimento de utensílios e o início do cultivo de gêneros agrícolas contribuem para o surgimento de núcleos sedentários e o despontar da fase pastoril, do início da vida em sociedade (patriarcal) e a criação do gado, fator diferencial entre as tribos.

O período seguinte é da A ntigüidade Clássica, cujo primeiro momento se dá aproximadamente entre 4000 e 1000 a.C., e marca a evolução da humanidade com a economia de subsistência e o autoconsumo, destacando-se as localidades da China, Mesopotâ- mia, Babilônia e Egito. No contexto das sociedades patriarcais e do sedentarismo dos povos, ganham destaque a propriedade pri­vada e o trabalho escravo, resultado de guerras ou dívidas. Entre 2500 a.C. e 100 d.C., tempos Bíblicos do Antigo Testamento e início da era Cristã com o Novo Testamento, tem-se os embriões de conceitos e institutos ligados tanto à Economia quanto ao Di­reito, tais como propriedade, herança, salário, tributos, moedas e práticas comerciais.

Num segundo momento da Antigüidade Clássica que perdura até 476 do ano do Senhor, destacam-se Grécia e Roma, e o sur­gimento das expressões economia, econômico, valor e utilidade, com os estudos da civilização greco-romana. Observa José Petrelli Gastaldi (2005, p. 38) que “Xenofonte, pensador grego (440-355a.C.), em sua obra Os econômicos, discorreu sobre a utilidade das riquezas econômicas, sobre a agricultura e sua importância eco­nômica, e afirmava que a riqueza estava intimamente relacionada

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com as necessidades humanas.” Destaque também a Platão (427- 347 a.C.), que enfatizava a necessidade da divisão do trabalho e da especialização, e Aristóteles (384-322 a.C.), com suas análises sobre a propriedade privada.

Roma deixou o legado das instituições políticas e adminis­trativas, da expansão agrícola no período da Pax Romana (31 a.C. a 180 d.C.), e da influência de diversos elementos no capitalismo moderno. O início republicano de Roma e sua ascensão a Impé­rio foram marcados pela presença de estadistas, consultores e juristas, com uma política comercial e beligerante expansionista, a forte regulação estatal com a criação de tributos para custeio das guerras e manutenção do Império, a escassez de alimentos e o seu declínio. A Lei das XII Tábuas, marco do Direito Roma­no em 450 a.C. com a codificação de costumes; o tabelamento de juros pelo Corpus Juris Civilis de Justiniano; o tabelamento de preços e o conceito de justo preço pelos Editos de Diocleciano; o reconhecimento do Cristianismo por Constantino em 311; e ainda o Édito de Zenão, de 483 d.C., regulamentando a política dos monopólios adotada por Roma e os acordos de preço, a fim de impedir o açambarcamento de mercadorias e o abuso de preços, são pontos de destaque nesse período da história de Roma, e, por conseguinte, da evolução do pensamento econômico.

Na Idade M édia, ou economia medieval, estavam presentes prin­cípios do Cristianismo da condenação da escravatura, condenação do acúmulo de riquezas e da exploração dos menos afortunados, bem como a defesa da fraternidade entre os homens na busca da dignidade humana. A Igreja exercia o poder temporal e secular. A terra como fonte de riqueza guarda relação com o sistema feudal. Nesse período da história econômica as Cruzadas são importantes para a reabertura do comércio da Europa com a Ásia Menor e o norte da África e a retomada da economia urbana. As Feiras Me­dievais, nos primórdios do capitalismo, relacionam-se à economia

monetária, que vem substituir a economia natural baseada nas trocas diretas. As Corporações de Ofício também têm destaque ao reunirem mestres e artífices trabalhando juntos sob os prin­cípios morais da doutrina canônica, e também por concentrarem “capital” e “trabalho” num a mesma pessoa.

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Q uanto à doutrina canônica dos séculos XI e XII, merece destaque a Escolástica, sobretudo com Santo Tomás de Aquino e sua Suma Teológica, que tem forte influência da filosofia aristotélica e da ciência grega e muçulmana, conciliando fé e razão. Valori­zam-se a utilização social da propriedade privada, o pagamento pontual dos salários condizentes ao trabalho e condena-se a usura. Outro escolástico, Nicolau de Oresmo, destaca o dinheiro como moeda de troca. Com a Reforma se tem a liberalização do dogma religioso, não devendo mais a Igreja interferir no progresso dos negócios e comércio.

Na Idade Moderna, com o Absolutismo Monárquico, regime político de concentração de poderes desenvolvido pelos Reis, tem -se o M ercantilism o, cuja política econômica desenvolvida consistiu na constante intervenção governamental na economia. O Mercantilismo tinha como princípios básicos: a balança co­mercial favorável, exportar mais do que importar; protecionismo alfandegário, taxar significativamente os produtos importados de forma que esses não concorressem com os produtos nacio­nais; pacto colonial, o comércio externo da colônia é monopólio (exclusividade) da metrópole; e, por fim, o metalismo (também chamado bulhonismo ou bulionismo), como objetivo central do mercantilismo que era a acumulação de metais preciosos, ou seja, a procura de metais preciosos, já que uma nação seria mais rica que a outra na medida em que possuísse uma maior quantidade de metal estocado.

Observa José Petrelli Gastaldi (2005, p. 48) que “o mercan­tilismo recebeu seu nome da palavra latina mercator (mercador), uma vez que considerava o comércio como a base fundamental para o aumento das riquezas. Também é denominado colbertismo, por ter sido aplicado na França por Colbert, ministro de Luís XIV, como fora na Inglaterra por Cromwell. Renasceu, modernamen­te, sob a denominação de neomercantilismo. Na verdade, a grande maioria das modernas nações procura fomentar o seu comércio e a indústria, mediante leis de favorecimento e incentivos”.

A Economia, portanto, recebe forte influência de diferentes correntes político-ideológicas, muitas até conflitantes entre si, tanto na sua construção como ramo do conhecimento como na

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realidade. Por óbvio, cada corrente enxergará a realidade segundo o seu ponto de vista, razão pela qual se têm concepções, conceitos e modelos diferenciados, podendo, inclusive, modificarem-se no decorrer do tempo.

A partir do século XVIII, novas concepções econômicas foram se desenvolvendo com os conceitos clássicos e neoclássicos. A questão central não era mais o fortalecimento do Estado, mas a riqueza das nações. Uma nova fase no estudo da economia se inicia, a era clássica, justam ente com o Iluminismo.

François Quesnay publica em 1758 sua obra Tableau éco-

nomique, fundam entando seu pensam ento em levantam entos quantitativos. Seu objetivo era dem onstrar a formação e a dis­tribuição da riqueza entre três classes sociais: a dos produtores rurais, a dos artesãos urbanos e a dos nobres proprietários. O fator econômico produtivo, desta forma, estaria na terra ou na natureza. Tem-se a Escola Fisiocrata, ou seja, governo da natureza, que a partir do individualismo econômico afirmava a existência de uma ordem natural para regular os fenômenos econômicos que se organizavam automaticamente pela ordem providencial. Pregava, portanto, a não-intervenção do Estado na economia; laissez-faire, laissez-passer.

Adam Smith, fundam entando-se em axiomas filosóficos, publica, primeiramente, em 1759, sua obra Theory o f moral senti-

ments, na qual estão os pressupostos de sua descrição da ordem econômica, fundamentada em leis que regeriam a formação, a acumulação, a distribuição e o consumo da riqueza. Notabiliza-se em 1776 com sua obra An inquiry into the nature and causes o f the

wealth o f nations. O polinômio defendido por Smith (formação - acumulação - distribuição - consumo da riqueza) tomou-se a base do conceito econômico clássico. Diversos economistas clássicos, contemporâneos da transição dos séculos XVIII e XIX, defendiam a economia a partir destes quatro fluxos. Dentre os economistas, podem-se citar o pastor Thomas Malthus, o financista John Law, o político Stuart Mill, o banqueiro Richard Cantillon, o negociante David Ricardo e o teórico Jean Baptiste Say.

Com a Escola Clássica ou Liberal ou Individualista, a verdadeira fonte de riqueza é o trabalho, diferentemente da concepção fisio-

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crata da terra ou natureza, mas tal qual os franceses fisiocratas, os ingleses clássicos apóiam-se no laissez-faire, laissez-passer. A base do progresso e da evolução social e econômica está na iniciativa individual. A livre concorrência, natural princípio regulador, relaciona-se com a liberdade de empresa, propriedade privada, liberdade de contrato e de câmbio, lei da oferta e da procura.

Considerado um dos notáveis mestres da era clássica, Jean Baptiste Say escreve em seu Traité d ’économie politique de 1803 que a Economia “torna conhecida a natureza da riqueza; desse conhe­cimento de sua natureza deduz os meios de sua formação, revela a ordem de sua distribuição e examina fenômenos envolvidos em sua distribuição, praticada através do consumo” (ROSSETTI, 1997, p. 47).

Os neoclássicos, mais conservadores, e diante da contradição entre a proposta socialista e a ênfase no processo de acumulação capitalista e nos mecanismos de repartição dos esforços sociais de produção, procuram compreender o equilíbrio do processo econômico, apenas apontando vícios da ordem estabelecida e possíveis mecanismos de ajuste e correção. A economia passa a ser sintetizada no trinômio riqueza - pobreza - bem-estar.

Alfred Marshall, autor da obra Principies o f economics, datada de 1890, aborda os principais pontos da análise neoclássica e discute aspectos éticos relacionados à conduta hum ana e às formas de a sociedade se organizar, que em razão do processo distributivo poderiam aumentar ou reduzir o número daqueles que têm acesso às condições possíveis de serem atingidas em determinado estágio cultural. Sob sua óptica, analisou traços da organização social, como a liberdade de empreendimento e a concorrência e suas influências na geração e difusão do bem-estar social.

Conclusivamente, escreveu Marshall que “constitui o fim últi­mo da economia descobrir como se pode combinar o latente ativo social das virtudes humanas com as forças da concorrência para a promoção do bem-estar social” (ROSSETTI, 1997, p. 48).

Sob a perspectiva socialista, o fundamento a partir do qual se ocupa a economia está baseado no binômio produção - distri­buição, entendendo-se distribuição como repartição. A atividade

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humana consistiria em adaptar os recursos e as forças da natureza a fim de atender a suas necessidades, designada pela expressão produção fundam entada no trabalho. Das conexões entre a produção e o trabalho dar-se-ia a essência do processo econômico, que se completaria com a distribuição (ou repartição) do produto social do trabalho.

Em sua obra Introdução à crítica da economia política, Karl Marx aponta que as relações e as formas de distribuição despontam ape­nas como o anverso da produção, determinando-se a estrutura da distribuição pela da produção. Com o Socialismo ganha destaque o Estado como detentor da propriedade e controlador dos meios de produção, ou seja, oposto ao liberalismo econômico, à liberdade individual, à propriedade privada e à liberdade contratual. Saint- Simon desponta como crítico à propriedade privada, Proudhon e Bakunin notabilizam-se com o anarquismo e ainda as doutrinas do Marxismo e Comunismo Bolchevista com Lênin.

Merecem ainda destaque a Encíclica Rerum novarum, da Sua Santidade o Papa Leão XIII, que trata das condições dos operá­rios e se revela um contraponto entre as idéias do liberalismo e o comunismo, bem como as modernas correntes teóricas do pensamento econômico; as Escolas Hedonistas (Matemática e Psicológica), que estudariam os fatos econômicos livres de qual­quer influência; a Escola Sociológica ou Institucionalismo, cuja compreensão dos fatos econômicos relaciona-se às instituições; e o Keynesianismo, que segundo José Petrelli Gastaldi (2005, p. 66):

“Denomina-se a corrente do pensamento econômico liderada por John Maynard Keynes (1883-1946), eminente economista inglês, autor da obra Teoria geral do emprego, juro e moeda, publicada em 1936. O maior problema econômico, a seu ver, é suprimir o desemprego e atingir o pleno emprego. Sua teoria é macroeconômica e global a sua análise. Procura estudar as reações psicológicas indi­viduais dos grandes sujeitos econômicos: consumidor, poupador e empresário (variáveis independentes). Knut Wicksell, economista sueco, é por muitos considerado como seu inspirador. Com base

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nas reações psicológicas procurou interpretar a. propensão marginal a consumir, a eficácia marginal do capital e a taxa de ju ro .”

No ano de 1932, em ensaio denominado A n essay on the na-

ture and significance o f economic science, Lionel Robbins caracteriza e delim ita mais nitidam ente os aspectos econômicos da vida social. Os pontos em que se deteve Robbins foram: multiplici­dade de fins; priorização de fins possíveis; limitação de meios; e emprego alternativo de meios, que em conjunto representariam o fato econômico, que se traduziria na capacidade hum ana de fazer escolhas. A escolha humana quanto à alocação de recursos implicaria uma relação entre custos e benefícios, bem como custos de oportunidade. Robbins, cujos elementos conceituais (meios escassos - fins alternativos e ilimitáveis - escolha - alocação) in­fluenciam os maiores estudiosos de economia, define a economia como “a ciência que estuda as formas de comportamento humano resultantes da relação existente entre as ilimitadas necessidades a satisfazer e os recursos que, embora escassos, se prestam a usos alternativos” (ROSSETTI, 1997, p. 52).

A aproximação dos estudos de Direito e Economia intensi- fica-se sobremaneira no final da década de 50, quando conceitos de organização industrial, tais como barreiras à entrada e relação uníssona entre estrutura, conduta e desempenho, aos poucos eram incorporados pela análise antitruste.

Como ensina Lucia Helena Salgado (1997, p. 28):

“O modelo básico de organização industrial foi concebido na década de 30 em Harvard por Edward S. Mason e consiste no seguinte: Condições básicas de oferta e demanda (de um lado matérias-primas, tecnologia, durabilidade do produto, arcabouço legal, cultura empresarial, relações trabalhistas etc. e, de outro, elasticidade de demanda, taxa de crescimento do mercado, produ­tos substitutos, sazonalidade etc.) afetam a estrutura do mercado, caracterizado pelo número e tamanho das empresas, barreiras à entrada, formato das curvas de custo, grau de integração vertical, diversificação etc. Da estrutura de mercado, por sua vez, depende a conduta das firmas, em termos das práticas, cooperação interfir- mas aberta ou tácita, política de preços, estratégias de propaganda

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e de lançamento de produtos, investimento, gasto em pesquisa e desenvolvimento etc. Finalmente, resulta da conduta das firmas o seu desempenho no mercado.”

7.1.3 Alguns conceitos econômicos

Partindo-se do pressuposto de que a atividade econômica busca a satisfação de necessidades, deve-se observar que a Eco­nomia se ocupa das atividades cujos recursos para a satisfação

das necessidades são limitados; princípio da escassez ou raridade. Por essa razão, têm-se como determinantes da atividade econômica as necessidades, os recursos e a tecnologia.

As necessidades podem variar de pessoa para pessoa, sofrer influência cultural, climática, temporal e social, por exemplo. Em linhas gerais, a partir da utilidade das necessidades, pode-se dizer que são de espécie primária, ou vitais, e secundária, ou culturais, “conforme se trate de necessidades imprescindíveis para a con­servação da vida ou de necessidades utilizadas para elevar o seu padrão” (GASTALDI, 2005, p. 80). No caso das secundárias ou culturais, pode-se ainda pensar em secundárias de eficiência, que agregariam maior eficiência econômica, e secundária de embele­

zam ento, que satisfariam o gosto pessoal ainda que sob influência da sociedade.

Quanto às características das necessidades econômicas elas são ilim itadas em número, multiplicam-se e variam no decorrer dos tempos, limitadas em capacidade, podendo satisfazer apenas algo específico e não todas as necessidades humanas, concorrentes, uma necessidade em detrimento de outra, e complementar es, quando se exigem satisfações simultâneas.

Diante dessa ocupação da Economia acerca das necessidades, verifica-se que a satisfação das necessidades está relacionada aos bens ofertados ao indivíduo pelo mundo externo, por terceiros. Como o tema em análise é a Economia, os bens que satisfazem as necessidades hum anas são bens econômicos, ou seja, “são todos aqueles objetos relativam ente escassos, suscetíveis de posse e que servem, direta ou indiretamente, para a satisfação

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das nossas necessidades” (GASTALDI, 2005, p. 82). Portanto, os bens econômicos, ou riquezas econômicas, diferenciam-se dos bens livres, ou não econômicos; aqueles implicam necessidades de natureza econômica, enquanto estes não exigem relações de ordem econômica.

Observa Rossetti (2003, p. 146) quanto à natureza dos pro­dutos que “bens é a denominação usual de produtos tangíveis, resultantes de atividades primárias e secundárias de produção. E a denominação genérica dos produtos que provêm das atividades agropecuárias e das diferentes categorias de atividades industriais, de transformação e de construção”. “Serviços é a denominação usual de produtos intangíveis, resultante de atividades terciárias de produção." Fala-se ainda em bens de consumo, produtos que o consumidor adquire para a utilização própria ou para presentear alguém, bens de produção, utilizados no processo transformativo, e bens de capital, bens produzidos para auxiliar na produção de outros bens.

Os bens, ao terem valor econômico, são considerados bens econômicos, ou seja, possuem valor econômico, devendo-se com­parar a utilidade de determinado bem e a quantidade desse bem ofertada no mercado. Desenvolvem-se teorias para determinar o valor econômico.

Para a teoria objetiva do valor ou valor-trabalho, o valor econômi­co decorre da propriedade intrínseca do bem. Enquadram-se nessa teoria Smith, que considera o valor econômico do bem o custo de sua produção que se refere à terra, ao trabalho e ao capital; Ricardo, que limita o custo de produção ao trabalho e ao capital; e Mill e MacCulloch, que restringem o valor do bem ao trabalho empregado na sua realização. A teoria m arxista do valor-trabalho ou da mais-valia, também objetiva, tem obviamente seu expoente em Marx, que, “fundador do socialismo científico, afirmou que o tra­balho não apenas é a medida do valor, mas a sua própria essência. Dessa concepção decorreu a famosa teoria da mais-valia, ou plus- valia. Por ela os lucros dos empresários são considerados frutos da exploração das classes trabalhadoras” (GASTALDI, 2005, p. 86). Já na teoria subjetiva do valor, a partir das necessidades individuais do ser humano determina-se o valor econômico do bem, ou seja,

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seu valor de uso, sua utilidade específica, assim exemplificado: necessidade + utilidade + conhecimento da utilidade. Por fim, a teoria da utilidade-limite, teoria também subjetiva que considera o valor marginal, acrescentado desta forma a escassez ou a raridade do bem.

Para que o bem econômico satisfaça a necessidade humana é essencial que ele seja produzido, assim, a. produção econômica cria utilidades permutáveis ou presta serviços, a fim de atender aos anseios de quem o consumirá. Os fatores originários da produção

são o homem e a natureza, já que as necessidades são atendidas pelos serviços ou bens físicos provenientes do próprio trabalho humano ou de recursos disponíveis no meio ambiente. Desta for­ma, produzir é transformar os bens dispostos na natureza em bens dotados de valor econômico, mediante o emprego do trabalho, da técnica e da tecnologia.

Em linhas gerais, podem-se resumir as alterações no conceito

de produção, conforme o momento histórico econômico vigente. Para os mercantilistas a produção estava relacionada à grandeza do Estado, aos metais estocados e à balança comercial favorável. Os fisiocratas tinham o conceito de produção ligado à terra. Já os liberais consideravam o caráter produtivo do trabalho. Atualmente, a atividade produtiva busca o aumento da utilidade contida no bem econômico e, obviamente, seu valor monetário.

O processo de produção, conforme observa Rossetti (2003, p. 151), “fundamenta-se na mobilização de um conjunto de cin­co recursos, denominados fatores de produção: as reservas naturais (ou fator terra), os recursos humanos (ou fator trabalho), os bens

de produção (ou fator capital), a capacidade tecnológica e a capacidade empresarial”.

A natureza, ou ainda reservas naturais, é o fator originário, conjunto das coisas úteis encontradas pelo homem em seu am­biente natural que serve de base para o exercício das atividades dos demais recursos. Entretanto, a natureza possui limites, daí a lei dos rendimentos decrescentes ou princípio da produtividade decrescente

que, segundo Gastaldi (2005, p. 106), “significa que, em toda a fase produtiva, existe um limite denominado ótimo, isto é, um ponto exato, quando a produtividade apresenta o seu rendimento

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máximo, passando, daí por diante, a ser um rendimento decres­cente ou não proporcional aos gastos, ou, ainda, mais do que proporcional ao custo de produção". Oportuna a observação de Fábio Nusdeo (2005, p. 369) de que “a atividade econômica do homem consiste, em essência, no retirar da biosfera elementos que, mais cedo ou mais tarde, a ela retornarão, sob diversas for­mas ou modalidades".

O trabalho é o fator ativo e dinâmico da produção que trans­forma os bens naturais e agrega utilidade e valor. As espécies de

trabalho são o físico, o manual, o intelectual, o organizacional e o técnico. Pelo princípio da economicidade o trabalho é mais produti­vo conforme se produz maior quantidade de bens com menores dispêndios. Os sistemas de trabalho no decorrer da história basica­mente são a escravidão, a servidão, a vassalagem e a “liberdade” contratual de trabalho (liberdade que deve ser estudada criteriosa­mente). No tocante à divisão do trabalho vem à tona a especialização;

assim, é da cooperação de todos que se consegue a satisfação das necessidades de cada um.

O capital é a riqueza acumulada e utilizada na produção de novas riquezas. A formação do capital e a sua produtividade se dão com a renúncia ao consumo imediato, a fim de constituir reserva necessária para a obtenção de instrumentos reprodutivos, ou seja, formar novas riquezas. Pela ética protestante de Max Weber a criação de capitais se dá com a limitação ao consumo e ao trabalho árduo. O capitalismo, cujos princípios são a propriedade privada e a livre concorrência, caracteriza-se por ser o sistema econômico que tem sua base no capital. As empresas modernas têm suas bases capitalistas no ganho imediato e no racionalismo econômico.

A tecnologia é o conhecimento que sustenta o processo de pro­dução. Conforme enuncia John Kenneth Galbraith (1983, p. 26 e 27), “a tecnologia não só promove mudanças como é uma reação a mudanças. Embora force a especialização, é também resultado da especialização. Embora exija extensa organização, é também resultado de organização”. Neste sentido, assinala Galbraith (1983, p. 58) que, "a verdadeira realização da ciência e tecnolo­gia modernas consiste em tom ar homens comuns, informá-los minuciosa e profundamente e, depois, por meio da organização

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apropriada, dispô-los para reunir seus conhecimentos com os de outros homens especializados, mas igualmente comuns”.

A empresa é a unidade organizada para a atividade econômica de produção e circulação de bens ou serviços. Na definição de Samuelson e Nordhaus (s.d., p. 1118), empresa é "a unidade produtiva básica, de propriedade privada, num a economia ca­pitalista ou num a economia mista. Adquire trabalho e outros factores produtivos com o objectivo de produzir e vender bens econômicos”, (sic)

As riquezas produzidas devem circular, pois dessa forma as mercadorias produzidas são deslocadas do local onde sofrem o processo transform ativo e atingem o consumidor. Para que a circulação das riquezas ocorra, acontecem as trocas comerciais, ou seja, a venda e compra de bens econômicos realizadas no mercado entre ofertantes e adquirentes.

No mercado os bens econômicos são avaliados por uma moe­da que mensura o valor da troca e com isso recebem um preço, que dita o quanto se deve dispor para a obtenção do determinado produto ou serviço. O preço, conforme assinala Fábio Nusdeo (2005, p. 52) “nada mais vem a ser do que o valor econômico expresso em unidades monetárias e quantificados por elas, de tal sorte que quando dois bens apresentam o mesmo preço, eles podem tranqüilamente ser permutados, pois terão idêntico valor”. O preço pode ser justo , quando acrescido ao valor do bem um lucro considerado “justo”, “razoável”, ao produtor; de mercado (ou de livre concorrência), quando estabelecido naturalmente pela lei da oferta e da procura; dirigido, quando determinado pelo governo; subsidiado, quando recebe ajuda governamental ou benefícios cru­zados, não sendo, portanto, real; e de monopólio, quando determi­nado por um produtor que não se vê ameaçado pela concorrência, ainda que potencial, de outro agente econômico.

Uma vez falando em circulação de riquezas, cumpre concei­tuar inflação e deflação, pois implicam desequilíbrios e afetam o nível geral dos preços. A inflação “corresponde a uma alta gene­ralizada dos preços dos bens e serviços, expressos pelo padrão monetário corrente. A alta, que varia de intensidade de país para país e de época para época, implica desvalorização da moeda em

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relação aos demais ativos” (ROSSETTI, 2003, p. 695). A deflação

"traduz-se pela queda generalizada dos preços, para níveis infe­riores aos que vinham sendo correntemente praticados. O recuo implica queda dos índices de preços para posições abaixo da linha de estabilidade, valorizando-se a moeda em relação aos demais ativos. A deflação geralmente é associada à estagnação econômica” (ROSSETTI, 2003, p. 695).

As riquezas também são repartidas, ou seja, o valor das ri­quezas criadas é distribuído entre aqueles que as produziram. No contexto da livre iniciativa justifica-se a repartição de riquezas pelo fundamento jurídico do direito de propriedade.

A forma mais conhecida do trabalhador participar da reparti­ção de riquezas se dá com o pagamento do salário em retribuição ao seu trabalho. Cumpre distinguir o salário real e o salário nominal.

Na explicação de Gastaldi (2005, p. 357):

“Denomina-se real aquele que leva em conta o poder aqui­sitivo do dinheiro que ele representa. O empregado, ao receber seu salário, pensará: Agora poderei pagar o armazém, a farmácia, o aluguel e ainda fazer uma economia de tantos reais'. Quanto ao salário nominal, quer significar a sua expressão em moeda corrente e legal. Daí dizer-se que de nada adianta elevação de salário quando a elevação do preço das principais utilidades é mais acentuada; tais aumentos serão meramente nominativos, e, na realidade, o que ocorre é o rebaixamento ou depreciação do salário real.”

Nas economias de mercado, pode-se dizer que a repartição de

riquezas se dá pela lei da oferta e da procura, enquanto nas eco­nomias socialistas o processo distributivo é feito pelo Estado. A Encíclica Rerum novarum dentro da perspectiva da repartição de ri­

quezas defende a justiça social em relação à desigualdade social. E é no contexto das economias de mercado que o Estado desempenha fator importante na repartição de riquezas, pois fica ao seu cargo desempenhar tarefas e funções que atendam toda a coletividade na busca do bem comum, ou seja, educação, saúde, segurança e justiça, e assim o realiza por meio dos tributos.

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A atividade econômica se encerra com o consumo. “Em ma­croeconomia, a despesa total (de um indivíduo ou de um país) em bens de consumo durante um dado período. Em termos estritos, o consumo refere-se aos bens totalmente utilizados, usufruídos e ‘gastos’ durante esse período. Na prática, as despesas de consumo adquiridos, muitos dos quais duram para além do período em questão (p. ex.: vestidos, fatos ou automóveis)” (SAMUELSON e NORDHAUS, s.d., p. 1112). (sic)

Apresentam-se ainda alguns conceitos macroeconômicos. “O Produto Interno Bruto é a expressão do total dos bens e serviços finais produzidos dentro do território econômico da nação, in­dependentemente de quais sejam os proprietários dos recursos empregados. Já o Produto Nacional B ruto exclui os pagamentos por fatores não nacionais. Outros conceitos agregados são o de Produto Nacional Líquido, que exclui as depreciações do capital; o de Renda Nacional, que exclui os tributos indiretos líquidos; e o de Renda Pessoal Disponível, que inclui os recebimentos de transfe­rência. Cada um desses conceitos é calculado a partir do anterior” (ROSSETTI, 2003, p. 568). Já a renda individual ou ‘per capita’ é o resultado da riqueza total e real de um país dividido pelo número de seus habitantes.

Conclusivamente, na seara da globalização e do comércio internacional, merece destaque o princípio da vantagem compara­

tiva. “A denominada vantagem comparativa representa uma lei econômica. Impele à especialização produtiva em setores para os quais a economia do país se mostra mais bem dotada em re­cursos naturais, em técnica profissional e em tradições de ordem sociológica” (GASTALDI, 2005, p. 290). Neste sentido o destaque que é dado ao B R IC : Brasil, agricultura; Rússia, minerais; índia, serviços; e China, produtos. Ainda no que se refere ao comércio internacional, “a soma das operações de exportação e importação de um país no comércio mundial representa sua balança comer­

cial. Balanço de contas ou de pagamentos resulta do intercâmbio de mercadorias, serviços e capitais, em conjunto com os volumes de créditos e débitos de outros países” (GASTALDI, 2005, p. 290) (destacamos). Lembra-se ainda de que a balança comercial será

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favorável (positiva) ou deficitária (negativa), devendo-se para tanto comparar o valor exportado com o valor importado.

7.1.4 Conceitos econôm icos complementares

Para analisar temas econômicos, faz-se necessário o conhe­cimento de alguns conceitos econômicos, conforme tratados no item anterior. O Direito Econômico, entretanto, por sua aborda­gem de temas regulatórios e concorrenciais, por exemplo, exige o conhecimento de conceitos econômicos complementares. Diante disso, passa-se a abordar conceitos econômicos relevantes ao jurista que se ocupa do Direito Econômico.

As barreiras à entrada, conceito de grande importância para a análise do exercício de poder no mercado de um agente eco­nômico, diz respeito à possível obtenção pelo agente de lucros de monopolista sem que novos competidores vislumbrem sua entrada nesse mercado, apesar de atraídos por tais lucros.

O desestímulo ao ingresso dos novos entrantes se daria pelas barreiras à entrada, fatores existentes num mercado que colocam um potencial concorrente em desvantagem em relação aos agen­tes econômicos já estabelecidos, dentre os quais se podem citar: (i) custos fixos elevados; (ii) custos irrecuperáveis ou afundados (sunk costs); (iii) barreiras legais ou regulatórias; (iv) recursos de propriedade das empresas instaladas; (v) economias de escala ou de escopo; (vi) grau de integração da cadeia produtiva; (vii) fidelidade dos consumidores às marcas; e (viii) ameaça de reação dos competidores instalados.

Na definição da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE/MF), contida em seu Glossário

Básico de Defesa da Concorrência, têm-se: custos fixo s - são os custos que não dependem da quantidade produzida; custos irrecuperáveis

ou afundados (sunk costs) - são os custos que não podem ser recu­perados quando a empresa decide sair do mercado. A extensão dos custos irrecuperáveis depende principalmente: (i) do grau de especificidade do uso do capital, (ii) da existência de mercados para máquinas e equipam entos usados, (iii) da existência de mercados para o aluguel de bens de capital, (iv) do volume de

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investimentos para garantir a distribuição do produto (gastos com promoção, publicidade e formação da rede de distribuidores); barreiras legais ou regulatórias - são exigências criadas pelo governo para a instalação e o funcionamento de uma empresa, tais como as licenças comerciais. As barreiras legais podem representar, na prática, um incremento nos custos irrecuperáveis, quando sua superação implicar custos elevados ou quando puderem sim­plesmente excluir a possibilidade de entrada para determinado conjunto de agentes; economias de escala - ocorrem quando o custo médio da firma reduz-se (ou o produto médio aumenta) quando a produção cresce, a preços dados de insumo. De forma análo­ga, ocorrem quando o custo total de um a firma para produzir determinado produto/serviço é menor do que o somatório do custo total de duas ou mais firmas para produzirem este mesmo produto/serviço; economias de escopo - ocorrem quando o custo total de uma firma para produzir conjuntamente pelo menos dois produtos/serviços é menor do que o custo de duas ou mais firmas produzirem separadamente estes produtos/serviços, a preços dados de insumos. De forma similar às economias de escala, as economias de escopo podem também ser entendidas como redu­ções nos custos médios derivados da produção conjunta de bens distintos, a preços dados de insumos.

Outros conceitos in teressantes e com plem entares aos já citados são: custos de transação - gastos associados às transações ocorridas entre agentes econômicos e de modo geral não se ex­pressam nos preços acordados entre as partes, como o custo de se elaborar e aplicar um contrato; e externalidades - efeitos sobre uma terceira parte, derivados de uma transação econômica sobre a qual esta terceira parte não tem controle, sendo externalidades positivas os efeitos que aumentam o bem-estar desta terceira parte e externalidades negativas os efeitos que reduzem o bem-estar.

7.2 Eficiência econômica

A Ciência Econômica, conforme ensinam Joseph E. Stiglitz e Carl E. Walsh (2002, p. 10), estuda como indivíduos, empresas, governo e outras organizações dentro da sociedade fazem escolhas,

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e como essas escolhas determinam o uso de seus recursos pela sociedade. Por que os consumidores escolheram comprar carros pequenos e eficientes nos anos 70 e grandes veículos esportivos nos anos 90? O que determina quantos indivíduos trabalham em indústrias farmacêuticas e quantos na indústria de informática? Por que a renda entre ricos e pobres se distanciou nos anos 80? Para entender como escolhas afetam o uso dos recursos da socie­dade, devem-se examinar cinco conceitos: trade-offs, incentivos, troca, informação e distribuição.

Assim, a partir das definições apresentadas por Joseph E. Stiglitz e Carl E. Walsh (2002, p. 15), entende-se: (i) trade-offs: os recursos estando escassos, trade-offs, ou seja, trocas comerciais, é fator básico de sobrevivência; (ii) incentivos: na hora de tomar uma decisão, o responsável por decidir responde a incentivos; (iii) troca: os agentes beneficiam-se da troca voluntária, e em econo­mias de mercado trocas de mercado conduzem ao uso eficiente de recursos; (iv) informação: a estrutura à qual o mercado se adapta e como ele funciona dependem substancialmente da informação disponível para tomadores de decisão; e (v) distribuição: os merca­dos determinam como bens e serviços produzidos pela economia são alocados à sociedade.

Nesse sentido, ponto importante para a análise econômica do Direito, ou ainda análise do fato econômico pelo Direito, são as eficiências econômicas: alocativas e produtivas.

A eficiência alocativa está relacionada com a distribuição dos recursos na sociedade, ou seja, a aplicação dos recursos nas ativi­dades de maior necessidade ou anseio dos consumidores.

Escreve Mario Luiz Possas (2002, p. 211-212):

“Como se sabe, praticamente toda a análise normativa em Economia está baseada na relação biunívoca estabelecida entre bem-estar social e eficiência econômica. Dentre os conceitos de eficiência econômica, os mais conhecidos são os de eficiência alocativa e produtiva. O primeiro é de longe o mais usado em Economia, e por extensão na área antitruste, até porque se su­põe (nem sempre corretamente) que implique todos os demais: trata-se da aplicação para uma economia competitiva do conceito

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de eficiência de Pareto, por intermédio dos chamados teoremas fundamentais do bem-estar, formulados originalmente por Pa­reto e desenvolvidos desde então em aparato formalizado, em paralelo aos modelos de equilíbrio geral. O segundo corresponde basicamente à eficiência na utilização dos insum os para cada nível de produto, eqüivalendo à melhor aplicação da tecnologia disponível.”

Jorge Luiz S. S. Fagundes (2003, p. 36) explica que:

“O segundo conceito de eficiência - que, como os demais encontra-se incorporado ao conceito de eficiência de Pareto como condição necessária (marginal), mas não suficiente para a sua ocorrência, mas com ele não se confunde - é o de eficiência produtiva, que pode ser ainda subdividido entre uma dimensão estática e uma dinâmica. A eficiência produtiva estática é atingida quando as empresas, por meio do processo competitivo ou de um sistema de incentivos apropriado, escolhem o processo produtivo de menor custo disponível dada a tecnologia vigente, enquanto que a eficiência produtiva dinâmica é obtida quando tal escolha implica a adoção de uma nova tecnologia, por meio de inovações de processo.”

O conceito de eficiência de Pareto ou ótimo de Pareto conforme escrevem Paul A. Samuelson e William D. Nordhaus (s.d., p. 597) é o seguinte:

“A eficiência na afectação verifica-se quando não é possível efectuar qualquer reorganização da produção que permita melho­rar a situação de qualquer indivíduo, seja ele pobre, rico, produtor de trigo ou sapatos. Em condições de eficiência, por conseguinte, a utilidade de uma pessoa só pode ser aumentada se se diminuir a utilidade de qualquer outra pessoa.”

Oportuna a observação de Joseph E. Stiglitz (p. 63), segundo a qual para desenvolver uma análise mais aprofundada os econo­mistas consideram três aspectos necessários para a eficiência de Pareto. Primeiro, a economia tem que alcançar eficiência de troca, ou seja, qualquer bem produzido deve destinar-se aos indivíduos que

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mais o valorizam. Exemplifica Stiglitz que, se eu gosto de sorvete de chocolate e você gosta de sorvete de creme, eu devo adquirir a casquinha com sorvete de chocolate e você adquirir a de cre­me. Segundo, deve haver eficiência produtiva. Dados os recursos da sociedade, a produção de um bem não pode ser aumentada sem dim inuir a produção de outro. Terceiro, a economia tem que alcançar eficiência alocativa de forma que os bens produzidos correspondam aos desejados pelos indivíduos. Caso os indivíduos valorizem mais o consumo de sorvetes que o consumo de maçãs, então, deve-se produzir mais sorvete.

Krugman e Well (2007, p. 19) explicam que “a fronteira das possibilidades de produção ilustra trade-offs com que se defronta uma economia que produz dois bens. Mostra a quantidade máxima de um bem que pode ser produzida, dada a quantidade produzida de outro bem”.

Diante do exposto, apresenta-se a fronteira (ou curva) das possibilidades de produção que bem demonstra a eficiência de Pareto e a análise econômica das eficiências diante da escassez de recursos.

• r

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O ponto “r” representa um nível de produção inatingível no período imediato, seja por escassez de recursos, seja por falta de tecnologia para explorar tais recursos. O ponto “i” representa a economia em capacidade ociosa. O ponto “s” indica a produ­ção de sorvete, enquanto o ponto “m ” a produção de maçã. Os pontos “e” e “E” revelam a situação ideal, de eficiência. Neste sentido, observa-se no gráfico que caso a alocação dos recursos direcionem-se para uma maior produção de sorvetes, reduz-se a produção de maçã. Está-se, portanto, diante do ótimo de Pareto tanto no ponto “e”, quanto no ponto “E”; para que um ganhe, o outro perde.

Interessante a observação a partir de juízos econômicos e filosofia moral feita por Amartya Sen (1999, p.48) ao interpretar a otimalidade de Pareto e eficiência econômica. “Um estado pode estar no ótimo de Pareto havendo algumas pessoas na miséria extrema e outras nadando em luxo, desde que os miseráveis não possam melhorar suas condições sem reduzir o luxo dos ricos”.

Conclui-se essa breve análise de eficiência econômica com a definição de Paul A. Samuelson e William D. Nordhaus (s.d., p. 6): “A economia é o estudo de como as pessoas e a sociedade decidem empregar recursos escassos, que poderiam ter utilizações alternativas, para produzir bens variados e para os distribuir para consumo, agora ou no futuro, entre as várias pessoas e grupos da sociedade.”

7.3 Teorias microeconômica e macroeconômica básicas

Para um estudo elementar das Ciências Econômicas, fazem-se necessárias, ainda que de forma básica, a conceituação e a distin­ção das teorias microeconômica e macroeconômica.

Conforme escrevem Joseph E. Stiglitz e Carl E. Walsh (2002, p. 18), micro e macro perspectivas simplesmente são dois modos de olhar para a mesma coisa. Microeconomia é a visão da econo­mia de baixo para cima, enquanto macroeconomia é a visão de cima para baixo.

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Paul A. Samuelson e William D. Nordhaus (s.d., p. 97) ensi­nam: "a microeconomia preocupa-se com o comportamento indivi­dual de cada preço e de cada quantidade, procurando saber como é que os preços do milho aumentam enquanto os preços do algodão diminuem. A microeconomia ocupa-se do completo sistema de relações conhecido como mecanismo de mercado”.

O estudo detalhado das decisões de empresas e controladores Qiouseholds), e de preços e produção em indústrias específicas, conforme definem Joseph E. Stiglitz e Carl E. Walsh (2002, p. 17), é chamado microeconomia. A microeconomia (micro é derivado da palavra grega que significa pequeno) foca no comportamento das unidades - as empresas, controladores Qiouseholds) e indivíduos- que compõem a economia. A microeconomia se preocupa de que forma as unidades individuais tomam decisões e o que afeta essas decisões.

Em contrapartida, como tam bém explicam Joseph E. Sti­glitz e Carl E. Walsh (2002, p. 17), a macroeconomia (macro é derivado da palavra grega cujo significado é grande) ocupa-se do com portam ento da economia como um todo, em particular o com portam ento de m edidas combinadas, tais como as taxas de desemprego, inflação, crescimento econômico e o equilíbrio comercial. Os números combinados não revelam o que qualquer controlador de uma empresa Qiouseholds) está fazendo, mas reve­lam o que está acontecendo num todo ou em média.

Na explicitação do tema dada por Paul A. Samuelson e William D. Nordhaus (s.d., p. 97-98), “a macroeconomia, pelo contrário, trata do comportamento da economia como um todo, ou seja, dos grandes agregados da vida econômica. Na macroeconomia estuda-se o nível global da produção de um país, do emprego, do desemprego e dos preços”, (sic)

Por essa razão a macroeconomia constitui uma matéria de suma importância. Dentre as razões da relevância da macroeco­nomia, Paul A. Samuelson e William D. Nordhaus (s.d., p. 98) assinalam que os resultados macroeconômicos são um aspecto central do sucesso ou do insucesso dos diferentes países. Outro ponto de destaque da macroeconomia é que um a nação pode melhorar seus resultados econômicos a partir das políticas eco­

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nômicas que colocar em ação - por via da despesa, da tributação e das variações na oferta monetária. Por fim, observam Paul A. Samuelson e William D. Nordhaus (s.d., p. 98): "Nada se pode fazer para contrariar determ inadas condições metereológicas, mas, no campo da economia, não há dúvidas de que o nível de vida a usufruir no futuro depende das características das políticas econômicas que os governos vão pondo em acção”, (sic)

A partir do quadro de objetivos e instrumentos da macroeco­nomia elaborado por Paul A. Samuelson e William D. Nordhaus (s.d., p. 99), apresenta-se o esquema a seguir:

MACROECONOMIA: OBJETIVOS E INSTRUMENTOS

OBJETIVOS INSTRUMENTOS

Produção:

Nível elevado, quer em termos reais, quer relativamente ao nível potencial.

Taxa de crescimento elevada.

Emprego:

Nível de emprego elevado.

Desemprego involuntário baixo.

Estabilidade do nível de preços com mercados livres

Balança das relações externas:

Equilíbrio das exportações e das importações.

Estabilidade da taxa de câmbio.

Política fiscal:

Despesa pública.

Tributação.

Política monetária:

Controle da oferta monetária, influenciando as taxas de juro.

Política de rendimento:

Desde orientações para fixação voluntária do salário até ao controle pela imposição do valor dos salários.

Economia das relações externas:

Políticas comerciais.

Intervenção ao nível da taxa de câmbio.

Conclusivamente, apresenta-se a crítica à macroeconomia global apresentada por John Williamson (1988, p. 354):

“Os dois principais teóricos de macroeconomia do século XX, Keynes e Friedman, elaboraram suas principais análises teóricas para economias nacionais fechadas. Um legado infeliz deste es­

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quema é que a análise dos fenômenos macroeconômicos, como a atividade econômica, a inflação e o crescimento, quase sempre ainda dá pouca atenção à dimensão internacional, apesar dos melhores esforços de muitos economistas internacionais com o correr dos anos.”

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Questões*(desafie o seu conhecimento1.)

1. Com a promulgação da Constituição de 16 de julho de 1934, inaugurou o Brasil a terceira grande época constitucional de sua história; época marcada por crises, golpes de Estado, in­surreição, impedimentos, renúncia e suicídio de presidente, bem como pela queda de governos, repúblicas e constituições. Sua mais recente manifestação formal veio a ser a Carta de 5 de outubro de 1988.

Paulo Bonavides. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 332 (com adaptações).

Tendo o texto acima como referência inicial, julgue os itens [“C” para certo, “E” para errado] a seguir, acerca da evolução constitucional do Brasil, das normas constitucionais pro- gramáticas, das disposições constitucionais transitórias, da hermenêutica constitucional e do poder constituinte.

* O objetivo das questões é apenas indicar ao leitor os assuntos mais relevantes tratados nos concursos públicos. Quando forem extraídas de provas, haverá a indicação entre parênteses do concurso, ano ou local. Caso não haja nenhuma referência, foi elaborada pelo próprio autor. Não há gabarito oficial, pois o ob­jetivo principal da obra é apresentar doutrina.

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_ A Constituição de 1934 disciplinou a subordinação do direito de propriedade ao interesse social.

[...]

__ São efeitos concretos das normas constitucionais pro­gramáticas, entre outros, condicionar a atividade dis­cricionária da adm inistração e do Poder Judiciário e condicionar o conteúdo da legislação futura.

[...]

(UnB/CESPE - AGU - Aplicação: 10 /10/2004)

2. Acerca da ordem econômica estabelecida na Constituição Federal, julgue os itens que se seguem [“C” para certo, “E” para errado].

[...]

_ De acordo com o texto constitucional, o planejamento do setor público é determinante, o que significa que o Estado deve subordinar-se ao seu próprio planejamento.

__ Segundo a Constituição Federal, os garimpeiros que es­tiverem lavrando jazidas de minerais garimpáveis terão do Estado tratam ento favorecido para se organizarem em cooperativas e estas terão prioridade de autorização para a lavra nas respectivas áreas.

(UnB/CESPE - AGU - Aplicação: 10 /10/2004)

3. Em relação à política agrícola e fundiária, julgue os seguintes itens [“C” para certo, “E” para errado].

[•••]_ A desapropriação de um imóvel para efeito de reforma

agrária, por meio de decreto, dá ao Estado o direito de ação de desapropriação.

(UnB/CESPE - AGU - Aplicação: 10 /10/2004)

4. Um imóvel pode ser objeto de desapropriação para reforma agrária caso não esteja cumprindo sua função social. Nesse sentido, desprezados os critérios e graus estabelecidos em lei, o descumprimento da referida função social ocorrerá quando

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Questões 2 3 7

se comprove que o proprietário do imóvel [“C” para certo, “E” para errado].

_ utiliza de forma inadequada o solo e os recursos naturais.

__ aufere lucros excessivos.

__ descumpre a legislação laborai com relação aos empre­gados que trabalham no imóvel.

(UnB/CESPE - AGU - Aplicação: 10 /10 /2004)

5. A respeito do CADE e de suas atribuições, julgue os itens que se seguem ["C” para certo, “E” para errado].

_ No âmbito da lei antitruste, é dispensável que um sujeito de direito tenha personalidade jurídica.

__ Ao plenário do CADE cabe decidir, em grau de recurso,os processos oriundos da Secretaria de Direito Econômi­co do Ministério da Justiça e os da Secretaria de Defesa Econômica do Ministério da Fazenda.

__ Responsabilizada um a em presa por descumprimentodas normas de direito econômico, seus administradores tornam-se individual e solidariamente responsáveis.

(UnB/CESPE - AGU - Aplicação: 10 /10/2004)

6. Acerca da centralização e da descentralização da atividade administrativa do Estado, da concentração e da desconcen- tração de competência, da organização administrativa e do ato administrativo, julgue os itens a seguir ["C” para certo, “E” para errado].

[...]_ Segundo a doutrina, para maior eficiência na atuação das

agências executivas, estas podem apresentar qualquer forma jurídica legalmente prevista, como atualm ente ocorre com agências que têm a natureza jurídica de au­tarquias, fundações ou empresas públicas.

__ A doutrina adm inistrativista brasileira considera queas fundações públicas têm natureza de autarquia; seus servidores, portanto, não são regidos pela legislação trabalhista, representada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

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__ A despeito da denominação de empresas públicas, essesentes, que compõem a administração pública indireta, têm personalidade jurídica de direito privado; não obs­tante, por outro lado, os atos de seus gestores sujeitam- se a sanção aplicável em virtude da ação judicial por improbidade administrativa.

_ Pondo à parte a discussão acerca da distinção entre processo e procedimento administrativo e equiparando essas expressões, é juridicamente correto afirmar que o ato administrativo complexo, dadas as peculiaridades de seu modo de formação, é exemplo de processo adminis­trativo.

(UnB/CESPE - AGU - Prova Objetiva - Concurso Público- Aplicação: 23 /11 /2002)

No que se refere à ordem econômica constitucional, mais precisamente aos princípios da atividade econômica, à política agrícola e fundiária e à reforma agrária, julgue os seguintes itens [“C" para certo, “E” para errado].

_ Soberania nacional, função social da propriedade e livre concorrência são princípios gerais da atividade econômi­ca.

__ O Estado, como agente normativo e regulador da ativida­de econômica, exerce as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determ inante para o setor público e indicativo para o setor privado.

__ Desde que haja prévia e justa indenização em títulos dadívida agrária, qualquer propriedade rural está sujeita a desapropriação para fins de reforma agrária.

__ A Constituição de 1988 prevê o chamado usucapiãopro labore em favor de quem, não sendo proprietário de imóvel urbano ou rural, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem que haja oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo ali sua moradia.

[...]

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Questões 2 3 9

(UnB/CESPE - AGU - Prova Objetiva - Concurso Público - Aplicação: 23 /11 /2002)

8. Quanto à Constituição, às normas constitucionais, ao poder constituinte e aos direitos sociais, julgue os itens abaixo ["C” para certo, "E" para errado].

[...]_ Embora polêmica a existência das chamadas normas

programáticas, a doutrina e a jurisprudência prosseguem fazendo referência a elas; essas normas juridicizam va­lores que cabe ao Estado realizar, e sua normatização dirige-se ao Poder Legislativo.

[...](UnB/CESPE - AGU - Grupo I - Concurso Público - Apli­cação: 31 /3 /2002)

9. No atinente aos direitos fundamentais, julgue os itens se­guintes [“C” para certo, “E” para errado].

[...]_ H istoricam ente, a origem do direito de propriedade

imprimiu-lhe a característica privatística que até hoje possui, embora atenuada pela disciplina que o texto constitucional lhe impõe. No entanto, o tratamento ju ­rídico mais expressivo da propriedade limita-se a esses dois ramos do direito: o civil e o constitucional.

(UnB/CESPE - AGU - Grupo I - Concurso Público - Apli­cação: 31 /3 /2002)

10. No que diz respeito ao Ministério Público Federal, à ordem econômica, financeira e social e às limitações constitucionais do poder de tributar, julgue os itens seguintes [“C” para certo, “E" para errado].

[•••]_ Em sentido amplo, a intervenção do Estado no domínio

econômico não se dá apenas naqueles casos em que o poder público atue diretamente como agente econômico; também a produção de normas acerca da atividade econô­mica constitui, para parte da doutrina, modalidade dessa

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intervenção, assim como o planejam ento econômico, destinado à racionalização dessa mesma intervenção.

(UnB/CESPE - AGU - Grupo I - Concurso Público - Apli­cação: 31 /3 /2002)

11. Julgue os itens abaixo, relativos ao domínio público hídrico, nos term os da Lei n2 9.433, de 8/1/1997, que instituiu a política nacional de recursos hídricos [“C" para certo, “E” para errado].

[...]_ A gestão de recursos hídricos é centralizada na Agên­

cia Nacional de Águas (ANA), institu ída pela Lei n2 9.984/2000.

[...]

(UnB/CESPE - AGU - Grupo I - Concurso Público - Apli­cação: 31 /3 /2002)

12. A empresa SILVERFLASH impetrou mandado de segurança para anular sanção administrativa que lhe fora imposta pelo Conselho Adm inistrativo de Defesa Econômica (CADE), em decisão proferida em processo administrativo, por viola­ção à ordem econômica, em razão de determinada cláusula contratual imposta aos consumidores de seus serviços e que representava limitação ao acesso destes aos prestadores de serviços médicos. O juízo da l â Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal concedeu liminar, suspendendo os efeitos do acórdão.

A partir da situação hipotética acima, julgue os itens a seguir ["C” para certo, “E” para errado].

_ O CADE não possui legitimidade ativa para pleitear sus­pensão de segurança, se entender que a medida liminar concedida no writ é potencialmente danosa à ordem pú­blica, à economia, à saúde ou a qualquer outro interesse da coletividade, devendo a medida ser requerida pelo Procurador-geral da República.

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Questões 2 4 1

__ O presidente do TRF da seção judiciária a que pertenceo juiz prolator da decisão cuja suspensão se requer é competente para conceder a suspensão de segurança.

__ Nas hipóteses em que a liminar é concedida pelo desem­bargador relator em processo de competência originária do tribunal, cabe ao presidente do STF ou do STJ, confor­me a matéria seja constitucional ou infraconstitucional, apreciar o pedido de suspensão da execução da liminar ou da sentença, e não ao presidente do tribunal ao qual pertence o relator.

__ Não é recorrível o despacho que indefere a suspensão,mas cabe agravo da decisão que defere a suspensão.

__ Não viola o princípio da unicidade recursal o entendi­mento de que é admissível agravo da decisão que con­cede liminar em mandado de segurança, para exame da ocorrência de ilegalidade ou abuso de poder ou qualquer outro vício daquela decisão, apesar da previsão estabele­cida na Lei n-- 4.348/1964, para suspensão da execução da liminar ou da sentença.

(UnB/CESPE - AGU - Grupo I - Concurso Público - Apli­cação: 31 /3 /2002)

13. Acerca das agências reguladoras e executivas, julgue os itens a seguir [“C” para certo, “E” para errado].

_ Na Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), um de seus diretores deve ser indicado no respectivo decreto de constituição como o responsável por desempenhar a função de ouvidor, a fim de zelar pela qualidade do serviço público de energia elétrica e de receber, apurar e solucionar as reclamações dos usuários.

__ A lei regulamentadora da ANEEL estabelece o que ge­ralmente se designa como “quarentena”, isto é, o pe­ríodo no qual o ex-dirigente da agência continua a ela vinculado durante certo tempo após ocupar o cargo; no caso específico dessa lei, esse período é de doze meses e, nele, o ex-dirigente não pode prestar nenhuma espécie de serviço, ainda que graciosamente, às empresas que

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estiveram sob sua regulamentação ou fiscalização, inclu­sive as controladas, coligadas ou subsidiárias daquelas.

__ Embora integre a administração pública na qualidade deautarquia especial e detenha certo grau de independência administrativa e financeira, bem como mandato fixo e estabilidade para seus dirigentes, a ANATEL mantém vínculo hierárquico em relação ao m inistro de Estado das Comunicações, a cujo ministério é vinculada.

__ A ANATEL concentra a maior parte das competênciasrelativas à supervisão do sistema brasileiro de telecomu­nicações, mas divide parte delas com o Ministério das Comunicações; exemplo de competência desse m inis­tério é a certificação de produtos destinados ao uso em telecomunicações, pois essa atribuição não é da ANA­TEL.

__ Além de a Agência Nacional do Petróleo (ANP) deter osatributos de autonomia inerentes à condição de autar­quia especial, seus diretores não são de livre nomeação e exoneração por parte do presidente da República, uma vez que o nome deles deve ser aprovado pelo Senado Federal previamente à nomeação.

(UnB/CESPE - AGU - Grupo I - Concurso Público - Apli­cação: 31 /3 /2002)

14. Com relação às agências reguladoras e executivas, julgue os itens seguintes [“C” para certo, “E” para errado].

_ Como regra geral, as sessões deliberativas da ANP são públicas e permitem que os presentes realizem grava­ção delas, bem como que solicitem transcrição do que nelas se discutir; a lei prevê, porém, que, caso a matéria envolva interesse estratégico do mercado de combustí­veis, a diretoria da agência, por decisão unânime, torne reservada um a dessas sessões, restrita a presença aos representantes das partes e a seus advogados.

__ O controle de portos, aeroportos e fronteiras, no que dizrespeito à vigilância sanitária, é uma das áreas de atuação que compete à Agência Nacional de Vigilância Sanitária

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Questões 2 4 3

(ANVS); além disso, pode a agência, entre outras atri­buições, interditar, a depender das circunstâncias, local de venda de produtos relativos à saúde, como farmácias e drogarias.

__ Os produtos sujeitos à ação da ANVS não são apenasmedicamentos, mas também alimentos, inclusive bebi­das e águas envasadas; cosméticos, produtos de higiene pessoal e perfumes; saneantes; equipamentos e materiais médico-hospitalares, odontológicos e hemoterápicos e de diagnóstico laboratorial e por imagem; imunobiológi- cos e suas substâncias ativas; sangue e hemoderivados; órgãos, tecidos hum anos e veterinários para uso em transplantes ou reconstituições; radioisótopos; cigarros e qualquer outro produto fumígero.

__ A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) atuacomo órgão de regulação, normatização, controle e fis­calização das atividades que garantam a assistência su­plem entar à saúde; divide essa atribuição, em alguns pontos, com o Ministério da Saúde; no caso de usuários de planos privados de saúde que se valham dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), competirá àquele ministério estabelecer as normas para ressarcimento do SUS.

__ A fim de conferir segurança à situação jurídica dos diri­gentes da ANS, a legislação estabelece, em favor deles, estabilidade no cargo após quatro meses de mandato, do qual som ente podem ser afastados pela expiração do respectivo mandato ou por decisão judicial que lhes aplique sanção penal e com trânsito em julgado.

(UnB/CESPE - AGU - Grupo I - Concurso Público - Apli­cação: 31 /3 /2002)

15. Ainda com referência às agências reguladoras e executivas, julgue os itens abaixo [“C" para certo, “E” para errado].

_ Cabe à Agência Nacional de Águas (ANA) a im ple­mentação da Política Nacional de Recursos Hídricos em todo o Brasil; porém, no caso de bacias hidrográficas

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Direito Econômico

compartilhadas com outros países, devido aos reflexos internacionais que atingem os interesses da União no plano externo, aquela política é de competência do presi­dente da República e de comissão de relações exteriores do Congresso Nacional.

__ Não apenas o Banco do N ordeste do Brasil S.A. masigualm ente outros bancos podem exercer o papel de agente financeiro da Agência de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE); caber-lhes-á não só creditar valores decorrentes dos projetos autorizados pela agência como tam bém fiscalizar a im plem entação desses projetos; a atuação do agente financeiro não será gratuita, mas rem unerada, segundo dispuser o Poder Executivo; a ADENE, em que pese a sua denominação, deve atuar não apenas nos estados da Região Nordeste, mas ainda em trechos de Minas Gerais e do Espírito Santo.

__ A Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA) é di­rigida de maneira colegiada por diretoria cujos membros são livremente escolhidos pelo presidente da República, apenas sujeitos à aprovação por parte do Senado Federal; ninguém que haja sido acionista ou sócio de empresa beneficiada por projeto aprovado pela ADA poderá ser nomeado para a diretoria da entidade.

__ Ressalvadas as garantias estabelecidas em lei para o exer­cício da direção das Agências Nacionais de Regulação dos Transportes Terrestre e Aquaviário, cabe-lhes, sobretudo, implementar as políticas formuladas pelo Ministério dos Transportes e pela Presidência da República.

_ Com exceção dos membros das diretorias, as agências re­guladoras e executivas têm seu pessoal disciplinado pela legislação trabalhista, sob o regime de emprego público; a seleção dos empregados deve dar-se, como regra, por meio de concurso público, que poderá abranger provas orais, escritas e de títulos e curso de formação específica.

(UnB/CESPE - AGU - Grupo I - Concurso Público - Apli­cação: 31 /3 /2002)

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Questões 2 4 5

16. No que se refere ao direito constitucional, julgue os itens que se seguem ["C” para certo, “E" para errado].

[...]

_ A defesa do consumidor é tratada, na Constituição da República de 1988, de duas formas: como direito funda­mental e como princípio da ordem econômica.

(UnB/CESPE - M P/TCDF Concurso Público - Aplicação: 2 2 /9 /2002)

17. Ainda a respeito do direito constitucional, julgue os itens subseqüentes [“C” para certo, “E” para errado].

[...]_ Na ordem constitucional vigente no Brasil há, além da

previsão genérica do direito de propriedade, outras nor­mas que tutelam tipos especiais de propriedade, como a propriedade de recursos minerais, a propriedade urbana, a propriedade rural e a propriedade de empresa jornalís­tica e de radiodifusão sonora de sons e imagens.

__ A previsão de garantias institucionais é conquista doconstitucionalismo liberal; a eficácia de tais garantias foi questionada a partir da estipulação, nas constituições escritas, dos chamados direitos sociais, ou direitos de segunda geração.

[...]

(UnB/CESPE - M P/TCDF Concurso Público - Aplicação: 2 2 /9 /2002)

18. Acerca da evolução constitucional do Brasil, julgue os itens abaixo [“C” para certo, “E” para errado].

[...]

_ Na Constituição da República de 1946, era perm itida a intervenção da União no domínio econômico, o que incluía o estabelecimento de monopólio de determinada indústria ou atividade.

(UnB/CESPE - M P/TCDF Concurso Público - Aplicação: 22 /9 /2002)

Page 255: Vicente Bagnoli - Direito Econômico - 3º Edição - Ano 2008

2 4 6 Direito Econômico

19. O novo Código Civil, que entrará em vigência em janeiro de 2003, adota a teoria da empresa para definir o objeto do direi­to comercial, em superação à teoria dos atos de comércio.

Considerando essas duas teorias, julgue os itens que se se­guem [“C" para certo, “E” para errado].

_ Na teoria da empresa, o conceito de comerciante con­funde-se com o de empresário.

__ De acordo com a teoria da empresa, aqueles que ex­ploram atividade de prestação de serviços podem estar sujeitos às normas do direito comercial.

__ A teoria dos atos de comércio somente reputa mercantisos atos que tenham sido praticados por comerciantes no exercício de sua profissão.

__ Atualmente, nos termos da teoria dos atos de comércio,som ente aqueles que fizerem da mercancia profissão habitual e estiverem registrados em juntas comerciais serão reputados comerciantes.

__ De acordo com a teoria dos atos de comércio, uma com­pra e venda celebrada entre um comerciante e um não- comerciante é considerada um ato mercantil.

(UnB/CESPE - M P/TCDF Concurso Público - Aplicação: 2 2 /9 /2002)

20. Acerca da ordem constitucional vigente, julgue os itens que se seguem [“C” para certo, "E” para errado].

[...]

_ São princípios da ordem econômica a soberania nacional, a propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratam ento favo­recido para empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.

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Questões 2 4 7

(UnB/CESPE - M P/TCDF Concurso Público - Aplicação: 2 2 /9 /2002)

21. Julgue os itens subseqüentes [“C” para certo, “E” para erra­do].

[•••]_ A empresa pública, a sociedade de economia m ista e

suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviço sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas quanto a direitos e obrigações traba­lhistas.

(UnB/CESPE - M P/TCDF Concurso Público - Aplicação: 22 /9 /2002)

22. Julgue os itens a seguir, relativos aos princípios constitucio­nais gerais da ordem econômica [“C" para certo, “E” para errado].

_ É consenso na doutrina que é impossível se harmonizar o princípio da função social da propriedade com o princípio da propriedade privada.

__ Decorre do princípio da livre concorrência a expressadisposição constitucional de que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise, entre outros aspectos, ao aumento arbitrário dos lucros.

__ O princípio da busca do pleno emprego se harmoniza di­retamente com o fundamento da valorização do trabalho humano.

__ A defesa do meio ambiente, por não contem plar ne­nhum a reflexão de natureza econômica, não se insere entre os princípios da ordem constitucional econômica nacional.

__ A ordem econômica nacional é, essencialmente, de natu­reza capitalista, não obstante o seu objetivo de assegurar os valores do trabalho humano em um contexto de justiça social.

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2 4 8 Direito Econômico

(UnB/CESPE - MP/TCDF Concurso Público - Aplicação: 22/ 9/2002)

23. Quanto às atividades econômicas a serem desenvolvidas pelo Estado, nos termos da Constituição da República, julgue os itens abaixo ["C” para certo, "E” para errado].

_ A exploração direta de atividade econômica pelo Estado é estimulada, em homenagem ao princípio da subsidia- riedade, só devendo ser evitada em situações especialís- simas.

__ As sociedades de econom ia m ista se sujeitarão, nostermos da lei, a um regime distinto daquele a que estão sujeitas as empresas privadas, no que tange, exclusiva­mente, aos direitos e obrigações tributárias.

__ As subsidiárias de sociedades de economia m ista queexplorem atividade econômica de produção ou comer­cialização de bens ou de prestação de serviços se vincu­lam aos princípios da administração pública relativos à licitação e à contratação de obras e serviços.

__ A prestação de serviços públicos sob o regime de per­missão dar-se-á, necessariamente, por interm édio de licitação pública.

__ A Constituição da República autoriza a União a contratar,nos termos da lei, empresas privadas para a realização de atividades de importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades de pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hi- drocarbonetos fluidos e de refinação do petróleo nacional ou estrangeiro.

(UnB/CESPE - MP/TCDF Concurso Público - Aplicação: 22/9/2002)

24. Acerca da configuração constitucional do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, julgue os itens que se seguem [“C” para certo, “E” para errado].

_ O Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fisca­lização e de incentivo, determinantes tanto para o setor público quanto para o setor privado.

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Questões 2 4 9

__ O incentivo à atividade econômica previsto no caput doart. 174 da Constituição da República alcança também o dever estatal de estimular a atividade econômica de microempresas e empresas de pequeno porte.

__ O Estado, em regra, não tem autorização constitucionalpara atuar normativamente sobre a atividade econômica com o fim de concretizar os valores, princípios, preceitos e objetivos que conformam a ordem econômica consti­tucional.

__ O exercício das três funções estatais previstas no caputdo art. 174 da Constituição da República - fiscalização, incentivo e planejamento - submete-se, de modo ina- fastável, aos estritos limites e parâmetros previstos em lei.

__ Cabe ao poder público, por meio de lei, disciplinar o re­gime das empresas concessionárias de serviços públicos, sendo-lhe vedado, entretanto, dispor sobre sua política tarifária, aspecto que, em respeito ao princípio da livre concorrência, fica sujeito exclusivamente às condições de mercado.

(UnB/CESPE - M P/TCDF Concurso Público - Aplicação: 22 /9 /2002)

25. A Lei n- 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações) estabele­ceu que os serviços de telecomunicações podem ser prestados em regime público ou em regime privado. O serviço de telefo­nia fixa prestado pelas concessionárias submete-se ao regime público, enquanto o serviço móvel (celular) submete-se ao regime privado. Por força disso, pode-se dizer que:

(A) Apesar da diferença de regime, a União tem dever de dar continuidade a ambos os serviços, caso haja abandono da execução pelos prestadores.

(B) O serviço de telefonia fixa difere do de telefonia móvel porque naquele a União tem dever de dar continuidade, caso a concessionária abandone a prestação do serviço.

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2 5 0 Direito Econômico

(C) Por se tratar de serviços de interesse coletivo, a infra- estrutura e os bens que servem à prestação de ambos os serviços são bens reversíveis.

(D) a União pode cassar a autorização dada ao prestador do serviço de telefonia móvel, desde que assuma a prestação do serviço, enquanto na telefonia fixa a União só assu­mirá a prestação do serviço se declarar a caducidade da concessão.

(126- Exame de Ordem - Prova fase - OAB/SP)

26. A efetivação das parcerias público-privadas, em que haja pres­tação de serviço público diretamente aos usuários, e que o prestador dos serviços recebe sua contraprestação pecuniária do usuário e também da Administração Pública contratante é chamada de:

(A) Concessão público-privada.

(B) Concessão administrativa.

(C) Concessão patrocinada.

(D) Permissão de serviços públicos.

(126e Exame de Ordem - Prova 1- fase - OAB/SP)

27. As empresas PETROBRAS e ECT (Correios), ambas sociedades de economia mista, distinguem-se uma da outra porque a:

(A) ECT sofre ingerência de princípios e preceitos de direito público.

(B) PETROBRAS tem personalidade de direito privado.

(C) ECT sofre o influxo de regras de direito público com uma carga mais acentuada.

(D) PETROBRAS é uma espécie de empresa estatal.

(125a Exame de Ordem - Prova fase - OAB/SP)

28. As Agências Reguladoras (ANATEL, ANEEL, ANP etc.) são definidas com a natureza jurídica de autarquias especiais, diferenciando-se das autarquias não especiais:

(A) Pela sua autonomia financeira.

(B) Pela sua independência administrativa.

(C) Pela ausência de subordinação hierárquica.

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Questões 2 5 1

(D) Pelo mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes.

(123a Exame de Ordem - Prova l â fase - OAB/SP)

29. Pela legislação das Agências Reguladoras, seus diretores de­vem ser nomeados pelo chefe do Executivo, após aprovação prévia do Senado Federal. Se diretor de Agência Reguladora não for aprovado pelo Senado, poderá ele ser nomeado assim mesmo?

(A) Não, porque a decisão do Senado é vinculativa para o ato administrativo de nomeação.

(B) Sim, visto que a nomeação é da competência discricio­nária do Poder Executivo.

(C) Não, porque o ato de nomeação será considerado ine­xistente.

(D) Sim, desde que o Senado dê vigência posterior ao ato de nomeação.

(122a Exame de Ordem - Prova 1- fase - OAB/SP)

30. E suscetível de desapropriação para fins de reforma agrária:

(A) A grande propriedade rural produtiva.

(B) Terra pública federal.

(C) Terra pública federal incluída no Plano Nacional de Re­forma Agrária.

(D) A pequena propriedade rural, desde que seu proprietário possua outras.

(121a Exame de Ordem - Prova 1- fase - OAB/SP)

31. Integra a Administração Indireta Federal, como autarquia, e tem competência para analisar e julgar, sob o prisma da concentração econômica, processos de fusão entre empresas de telecomunicações:

(A) Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE).

(B) ANATEL.

(C) Secretaria de Direito Econômico (SDE).

(D) CADE.

(121a Exame de Ordem - Prova 1- fase - OAB/SP)

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2 5 2 Direito Econômico

32. O sistema de parcerias entre os setores público e privado nãoé implementado na:

(A) Execução de serviços por intermédio de concessão.

(B) Nomeação de funcionários públicos após aprovação em concurso público.

(C) Contratação de serviços especializados ligados à ativida- de-meio do contratante, ente público.

(D) Terceirização de atividades atípicas do Estado.

(120- Exame de Ordem - Prova l â fase - OAB/SP)

33. A prestação de serviços públicos

(A) É monopólio do Estado.

(B) Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, dispensada a licitação.

(C) Gera, para o Estado, para o concessionário ou para o permissionário, a responsabilidade objetiva.

(D) Pressupõe atividade de empresa pública.

(119- Exame de Ordem - Prova 1- fase - OAB/SP)

34. Em relação à política de desenvolvimento urbano, a Consti­tuição Federal prevê que:

I. Será executada pelo Poder Público Municipal.

II. O plano diretor será obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes.

III. Observados determinados requisitos, o solo urbano não edificado poderá ser desapropriado com pagamento me­diante títulos da dívida pública.

São corretas

(A) Apenas as afirmativas I e II.

(B) Apenas as afirmativas I e III.

(C) Apenas as afirmativas II e III.

(D) Todas as afirmativas.

(118e Exame de Ordem - Prova 1- fase - OAB/SP)

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Questões 2 5 3

35. A consagração do princípio da livre iniciativa na Constituição Federal:

(A) Impede a sua limitação, ainda que para tutelar direitos do consumidor.

(B) Não impede a atividade regulativa do Estado sobre a economia.

(C) Não coexiste com a atividade interventiva do Estado na ordem econômica.

(D) Permite atividades monopolísticas do particular.

(117- Exame de Ordem - Prova l â fase - OAB/SP)36. As agências reguladoras, recém-surgidas no nosso ordena­

mento jurídico, têm como qualidade intrínseca, que as dife­rencia das antigas autarquias:

(A) Ausência de subordinação hierárquica.

(B) Independência administrativa.

(C) Personalidade jurídica de direito público.

(D) Mandato fixo de seus dirigentes.

(117- Exame de Ordem - Prova 1- fase - OAB/SP)

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ANVISA: < www.anvisa.gov.br>

BACEN: < www.bacen.gov.br>

Banco Mundial: < www.worldbank.org>

CADE: < www.cade.gov.br>

DAC: < www.dac.gov.br>

FMI: < www.imf.org>

Page 270: Vicente Bagnoli - Direito Econômico - 3º Edição - Ano 2008

2 6 2 Direito Econômico

G-20: < www.g-20.mre.gov.br>

IBRAC: < www.ibrac.org.br>

Imprensa Nacional: < www.in.gov.br>

Mercosul: < www.mercosur.int>

Ministério da Fazenda: < www.fazenda.gov.br>

Ministério da Justiça: < www.mj.gov.br>

Ministério das Relações Exteriores: < www.mre.gov.br>

OAB/SP: < www.oabsp.org.br>

OMC: < www.gatt.org>

Presidência da República: < www.planalto.gov.br>

Supremo Tribunal Federal: < www.stf.gov.br>

SUSEP: < www.susep.gov.br>

UE/Comissão de Concorrência: < http://europa.eu.int/com m /com pe- tition>

UnB: < www.unb.br>

Wikipedia: < http://en.wikipedia.org >

Page 271: Vicente Bagnoli - Direito Econômico - 3º Edição - Ano 2008

índice Remissivo

- A -

Acordo de Livre Comércio da América Central e Estados Unidos (CAFTA), 6.3.3

Acordo de Livre Comércio Norte- Americano (NAFTA), 6.2, 6.3.3

Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), 6.1

Administrative ProcedureAct (APA),4.2.1

Agência Nacional de Águas (ANA),4.2.4.5

Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), 4.2.4.10

Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), 4.2.4.8

Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), 4.2.4.4

Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), 4.2.4.6

Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), 4.2.4.7

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), 4.2.4.3

Agência Nacional do Cinema (ANCINE), 4.2.4.9

Agência Nacional do Petróleo (ANP),4.2.4.2

Agências reguladoras autonomia das, 4.2.3 características da, 4.2.3 em espécie, 4.2.4 no Brasil, 4.2.2 observações finais acerca

das, 4.2.5 surgimento das, 4.2.1

ALADI (Associação Latino- Americana para o Desenvolvimento e a Integração),6.3.3

ALALC (Associação Latino- Americana de Livre Comércio),6.3.3

ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), 6.2

Ambiente econômico, 7.1.1 ANA (Agência Nacional de Águas),

4.2.4.5Análise econômica do direito, 1.7 Anatel, 4.2.4.1

Page 272: Vicente Bagnoli - Direito Econômico - 3º Edição - Ano 2008

2 6 4 Direito Econômico

ANCINE (Agência Nacional do Cinema), 4.2A.9

ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), 4.2.4.8

ANP (Agência Nacional do Petróleo),4.2.4.2

ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), 4.2.4.4

ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), 4.2.4.6

ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), 4.2.4.7

Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), 4.2.4.3

APA (Administrative Procedure Act), ̂ 4.2.1

Área de Preferência Tarifária, 6.2 Art. 170 (ordem econômica), 3.2.1 Art. 192 (Sistema Financeiro

Nacional), 3.2.18 Art. 219 (mercado interno),

3.2.15Arts. 171 e 172, 3.2.12Arts. 182 e 183 (política urbana),

3.2.16Ascensão do nazismo, 1.1.5 Associação Latino-Americana de

Livre Comércio (ALALC), 6.3.3 Associação Latino-Americana para

o Desenvolvimento e a Integração (ALADI), 6.3.3

Atividade econômica, 7.1.1 Atividade econômica

livre exercício da, 3.2.11

- B -

BACEN (Banco Central do Brasil),4.2.4.11

Balança comercial, 7.1.3 Balanço de contas ou de pagamentos,

7.1.3Banco Central do Brasil (BACEN),

4.2.4.11Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID), 6.3.3

Banco Internacional de Recuperação e Desenvolvimento (Banco Mundial - BIRD), 6.1

Banco Mundial -Banco Internacional de Recuperação e Desenvolvimento (BIRD), 6.1

Barreiras legais, 7.1.4 Barreiras regulatórias, 7.1.4 Bens de capital, 7.1.3 Bens de consumo, 7.1.3 Bens de produção, 7.1.3 Bens econômicos, 7.1.3 Bigbusiness, 1.1.5.1 BIRD (Banco Internacional de

Recuperação e Desenvolvimento),6.1

Bolsa de New York a crise da, 1.1.5.1 crack da, 1.1.5.1

BRIC, 7.1.3

- C -

CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), 5.2.3, 5.5.1,5.5.2, 5.6.1, 5.6.2

CAN (Comunidade Andina de Nações), 6.3.3

Capital, 7.1.3 Capitalismo, 7.1.3 Características das necessidades

econômicas, 7.1.3 CARICON (Comunidade dos Países

Caribenhos), 6.3.3 CCM (Comissão de Comércio do

Mercosul), 6.3.2 CECA (Comunidade Européia do

Carvão e do Aço), 6.3.1 CEE (Comunidade Econômica

Européia), 6.2, 6.3.1 CEPAL (Comissão Econômica para a

América Latina), 6.3.3 Ciência econômica, 1.7 Circulação das riquezas, 7.1.3 Civil law, 2.3

Page 273: Vicente Bagnoli - Direito Econômico - 3º Edição - Ano 2008

índice Remissivo 2 6 5

CMC (Conselho do Mercado Comum), 6.3.2

CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), 4.2.4.2

Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), 6.3.2

Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), 6.3.3

Common law, 2.3 Comunidade Andina de Nações

(CAN), 6.3.3 Comunidade dos Países Caribenhos

(CARICON), 6.3.3 Comunidade Econômica Européia

(CEE), 6.2, 6.3.1 Comunidade Européia de Energia

Atômica (EURATOM), 6.3.1 Comunidade Européia do Carvão e

do Aço (CECA), 6.3.1 Conselho Administrativo de Defesa

Econômica (CADE), 5.2.3, 5.5.1,5.5.2, 5.6.1, 5.6.2

Conselho do Mercado Comum (CMC), 6.3.2

Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), 4.2.4.2

Constituição de 1824, 2.5.1 Constituição de 1891, 2.5.2 Constituição de 1934, 2.5.3 Constituição de 1937, 2.5.4 Constituição de 1946, 2.5.5 Constituição de 1967, 2.5.6 Constituição econômica, 2.1

aspectos gerais da, 3 Constituição Federal de 1988

ordem econômica na, 3 Constituição Imperial de 1824, 2.5.1 Constituições econômicas no Brasil,

2.5Consumidor

defesa do, 3.2.6 Consumo, 7.1.3 Crise de 1929

efeitos da, 1.1.5.1 Curso econômico, 7.1.1 Custos de transação, 7.1.4

- D -

DAC (Departamento de Aviação Civil), 4.2.4.10

Defesa do consumidor, 3.2.6 Defesa do meio ambiente, 3.2.7 Deflação, 7.1.3Departamento de Aviação Civil

(DAC), 4.2.4.10 Desigualdades regionais, 3.2.8

redução das, 3.2.8 Desigualdades sociais, 3.2.8

redução das, 3.2.8 Direito administrativo econômico,

1.9Direito constitucional econômico, 2 Direito da concorrência, 5

conceitos e fins do, 5.1 Direito econômico, 1.7, 1.8

a empresa e o, 4.1 atuação do Estado no, 3.2.13, 4 conceito de, 1.3 fontes do, 2.3 introdução ao, 1 leis em, 2.4noções de economia aplicadas

ao, 7outras formas de atuação do Estado no, 3.2.14 surgimento do, 1.1, 1.1.5.2 teorias do, 1.6

Divisão do trabalho, 7.1.3

- E -

Economia aplicada ao direito, 1.7 Economia política, 7.1.1 Economicidade

princípios da, 1.7 sentido de, 1.6

Eficiência de Pareto ou ótimo de Pareto, 7.2

Eficiência econômica, 7.2 Empresa, 7.1.3 Empresa pública, 4.4.1

Page 274: Vicente Bagnoli - Direito Econômico - 3º Edição - Ano 2008

2 6 6 Direito Econômico

Empresas de pequeno porte tratamento favorecido para as,

3.2.10 Entes públicos

atividade econômico-privada dos, 4.4

Especialização, 7.1.3 EURATOM (Comunidade Européia

de Energia Atômica), 6.3.1

- F -

Fatores de produção, 7.1.3 Fatores originários da produção,

7.1.3Fenômeno econômico, 7.1.1 Fisiocratas, 7.1.3 FMI (Fundo Monetário

Internacional), 6.1 Formação do capital, 7.1.3 Fundo Monetário Internacional

(FMI), 6.1

- G -

GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), 6.1

Globalização, 6.2 GMC (Grupo Mercado Comum),

6.3.2Grupo Mercado Comum (GMC),

6.3.2 G-7, 6.1 G-8, 6.1 G-20, 6.1

- H -

Holdings, 1.1.5.1

- I -

Inflação, 7.1.3 Integração, 6.3

- L -

Lei de Defesa da Concorrência (Lei n2 8.884, de 11-6-94), 5.6 enfoque estrutural da, 5.6.1 enfoque repressivo da, 5.6.2

Lei dos rendimentos decrescentes,7.1.3

Lei de Malthus, 7.1.1 Lei n2 8.884, de 11-6-94 (Lei de

Defesa da Concorrência), 5.6 enfoque estrutural da, 5.6.1 enfoque repressivo da, 5.6.2

Livre comércio zona de, 6.2

Livre concorrência, 3.2.5

- M -

Mais-valia, 7.1.3MCCA (Mercado Comum Centro-

Americano), 6.3.3 Meio ambiente

defesa do, 3.2.7 Mercado

participação de, 5.4.1 poder de, 5.4.1poder econômico no mercado,

5.4.2 tipos de, 5.3

Mercado Comum Centro-Americano (MCCA), 6.3.3

Mercado interno (art. 219), 3.2.15 Mercado relevante

conceito de, 5.2 Mercado relevante geográfico, 5.2.2 Mercado relevante material, 5.2.1 Mercado relevante temporal, 5.2.3 Mercados perfeitamente

competitivos, 5.3.1 Mercados imperfeitamente

competitivos, 5.3.2 Mercados monopolizados, 5.3.2.2 Mercados oligopolizados, 5.3.2.1 Mercantilistas, 7.1.3 Mercosul, 6.3.2

Page 275: Vicente Bagnoli - Direito Econômico - 3º Edição - Ano 2008

índice Remissivo 2 6 7

Comissão de Comércio do (CCM),6.3.2

Monopsônios, 5.3.2.3

- N -

Nacional-socialismo vitoriado, 1.1.5.1

NAFTA (North American Free Trade Agreement - Acordo de Livre Comércio Norte-Americano), 6.2,6.3.3

Natureza, 7.1.3 Nazismo

ascensão do, 1.1.5 Necessidades humanas/recursos

escassos, 7.1.1 Normas programáticas, 2.2

- O -

OEA (Organização dos Estados Americanos), 6.3.3

Oligopsônios, 5.3.2.3 OMC (Organização Mundial do

Comércio), 6.1 Ordem econômica (art. 170), 1.4,

3.2.1crimes à, 5.6.2.1

Ordem econômica internacional, 6 Ordem política, 1.4 Organização dos Estados Americanos

(OEA), 6.3.3 Organização Mundial do Comércio

(OMC), 6.1 Organização para Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE), 6.1

- P -

Pacto Andino, 6.3.3Parcerias público-privadas (PPPs),

4.3Plano Nacional de Desestatização

(PND), 4.2.2

Pleno emprego busca do, 3.29

PND (Plano Nacional de Desestatização), 4.2.2

Poder econômico, 5.4, 5.4.1 conceito de, 5.4

Poder econômico no mercado e seus reflexos na concorrência,5.4.2

Política agrícola, 3.2.17 Política econômica, 1.5 Política fundiária, 3.2.17 Política urbana (arts. 182 e 183),

3.2.16 Pós-Weimar

estado total no, 1.1.5.1 PPPs (Parcerias público-privadas),

4.3 Preço, 7.1.3Primeira Guerra Mundial, 1.1.1,

1.1.3Princípio da economicidade, 7.1.3 Princípio da escassez ou raridade,

7.1.3Princípio da produtividade

decrescente, 7.1.3 Princípio da vantagem comparativa,

7.1.3Produção econômica, 7.1.3 Produto Interno Bruto, 7.1.3 Produto Nacional Bruto, 7.1.3 Produto Nacional Líquido, 7.1.3 Propriedade

função social da, 3.2.4 Propriedade privada, 3.2.3

- Q . -

QUANGOS (Quasi Autonomous non Governmental Organizations), 4.2.1

Quasi Autonomous non Governmental Organizations (QUANGOS), 4.2.1

Page 276: Vicente Bagnoli - Direito Econômico - 3º Edição - Ano 2008

2 6 8 Direito Econômico

- R -

Recurso hierárquico impróprio, 4.2.3 Reforma agrária, 3.2.17 Renda individual ou per capita, 7.1.3 Renda nacional, 7.1.3 Renda pessoal disponível, 7.1.3 Repartição de riquezas, 7.1.3 República de Weimar, 1.1.2

constituição da, 1.1.3, 1.1.5.1, 1.2,2.1

constituição econômica, 1.1.4 crise na, 1.1.5

- S -

Salário nominal, 7.1.3 Salário real, 7.1.3SBDC (Sistema Brasileiro de Defesa

da Concorrência), 5.5 SDE (Secretaria de Direito

Econômico), 5.5, 5.5.2, 5.6.1 SEAE (Secretaria de

Acompanhamento Econômico), 5.5, 5.5.3, 5.6.1, 7.1.4

Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), 5.5, 5.5.3, 5.6.1, 7.1.4

Secretaria de Direito Econômico (SDE), 5.5, 5.5.2, 5.6.1

Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE), 5.5.2

Sentido de economicidade, 1.6 Sistema Brasileiro de Defesa da

Concorrência (SBDC), 5.5 Sistema econômico, 7.1.1 Sistema Financeiro Nacional (art.

192), 3.2.18 Sistemas de trabalho, 7.1.3 SNDE (Secretaria Nacional de

Direito Econômico), 5.5.2 Soberania nacional, 3.2.2 Sociedade de economia mista, 4.4.2 Súmula ne 1 do CADE, 5.6.1

- T -

Tarifa Externa Comum (TEC), 6.2 TEC (Tarifa Externa Comum), 6.2 Tecnologia, 7.1.3 Teoria da população, 7.1.1 Teoria da utilidade limite, 7.1.3 Teoria marxista do valor-trabalho ou

da mais-valia, 7.1.3 Teoria objetiva do valor ou valor-

trabalho, 7.1.3 Teorias macroeconômicas básicas, 7.3 Teorias microeconômicas, 7.3 Teoria subjetiva do valor, 7.1.3 The american way oflife, 1.1.5.1 TIAR (Tratado Interamericano de

Assistência Recíproca), 6.3.3 Trabalho, 7.1.3 Tratado de Paris, 6.3.1 Tratado Interamericano de Assistência

Recíproca (TIAR), 6.3.3 Trustes, 1.1.5.1

- U -

União Aduaneira, 6.2União Européia, 6.3Utilidade das necessidades, 7.1.3

- V -

Valor econômico, 7.1.3

- W -

Weimar, República de, 1.1.2 constituição da, 1.1.3, 1.1.5.1, 1.2,

2.1constituição econômica da, 1.1.4 crise na, 1.1.5

Welfare State, 4.3, 4.4 crise do, 4.3

- Z -

Zona de Livre Comércio, 6.2