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VERSÃO BETA Sob o signo da palavra ISSN 16772016 QUALIS B5 ANO XI – ESPECIAL 2013 I 74 LINGUAGENS E CIÊNCIA: PROPOSTAS TEÓRICOANALÍTICAS Nádea Regina Gaspar [org] u f s c a r

VERSÃO BETA - dc.ufscar.brferrari/papers/2013/beta.pdf · corporificadas em textos, letras, cores, sons, formas, movimentos, silêncios. No dizer de Adélia Prado: “a palavra [uma

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VERSÃO BETA 

Sob o signo da palavra 

ISSN 1677‐2016                                    QUALIS B5  

 ANO XI – ESPECIAL 2013 ‐ I    74

 

  

   

LINGUAGENS E CIÊNCIA: PROPOSTAS TEÓRICO‐ANALÍTICAS 

 Nádea Regina Gaspar [org] 

                      ufscar

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS   

REITOR Targino de Araújo Filho 

  

DIRETORA DO CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS Wanda Aparecida Machado Hoffmann 

  

PROFESSORES DO DEPARTAMENTO DE LETRAS  

Antón Castro Míguez ‐ [email protected] Ariane Di Felippo ‐ [email protected] Camila Höfling ‐ [email protected] 

Carla Alexandra Ferreira – [email protected] Carlos Félix Piovezani Filho ‐ [email protected] 

Dirceu Cleber Conde – [email protected] Eliane Hércules Augusto‐Navarro ‐ [email protected] 

Fernanda dos Santos Castelano Rodrigues ‐ [email protected] Flávia Bezerra de Menezes Hirata‐Vale ‐ [email protected] Gladis Maria de Barcellos Almeida ‐ [email protected] 

Irene Zanette de Castañeda ‐ [email protected] Jorge Vicente Valentim ‐ [email protected] Joyce Rodrigues Ferraz Infante ‐ [email protected] Luciana Salgado – luciana@confraria de textos.com.br 

Luzmara Curcino Ferreira ‐ [email protected] Maria Isabel de Moura ‐ [email protected] 

Maria Silvia Cintra Martins ‐ [email protected] Marília Blundi Onofre ‐ [email protected] 

Mônica Baltazar Diniz Signori ‐ [email protected] Nelson Viana ‐ [email protected] Oto Araújo Vale ‐ [email protected] Rejane Cristina Rocha ‐ [email protected] Renato Miguel Basso ‐ [email protected] 

Rita de Cássia Barbirato Thomaz de Moraes‐ [email protected] Roberto Leiser Baronas ‐ [email protected] 

Rosa Yokota ‐ [email protected] Sandra Regina Buttros Gattolin de Paula ‐ [email protected] 

Soeli Maria Schreiber da Silva ‐ [email protected] Tânia Pellegrini ‐ [email protected] 

Valdemir Miotello ‐ [email protected] Vanice Maria Oliveira Sargentini – [email protected]  

Wilson Alves‐Bezerra ‐ [email protected] Wilton José Marques ‐ [email protected] 

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Sumário  

 Linguagens e Ciência: propostas teórico‐analíticas 

Nádea Regina Gaspar 

Para uma ideologia da contingência João Flávio de Almeida e Lucilia Maria de Sousa Romão

A realidade fotográfica e a ilusão hiper‐realista sob o olhar bakhtiniano Helder Marques Batista e Valdemir Miotello

A abordagem teórica bakhtiniana e o processo de indexação: diálogos Roberta Cristina Dal’ Evedove Tartarotti e Vera Regina Casari 

Boccato

Jeca Tatu e Chico Bento: o caipira sob a ótica do dialogismo bakhtiniano Milene Rosa de Almeida e Luzia Sigoli Fernandes Costa

Discurso familiar nos filmes de Almodóvar Eliana Mantovani Malvestio e Nádea Regina Gaspar

Discursos científicos e saberes: relações que refletem em novas propostas de ordenações nas linguagens da web 

Flávia Vieira da Silva Santos e Nádea Regina Gaspar

Os sentidos de inovação: análise do discurso das políticas de inovação no governo Dilma Rousseff 

João Ricardo Lopes e Roberto Ferrari 

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  * Imagem da capa: http://especializacaocidadania.wordpress.com/2011/09/30/131/ 

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LINGUAGENS E CIÊNCIA:  PROPOSTAS TEÓRICO‐ANALÍTICAS 

  

Linguagens:  fala,  escrita,  línguas,  imagens  fixas,  imagens  em movimento, gestos, silêncio,..... 

Vida!  Linguagens  concebidas,  gestadas  e  criadas  por  sujeitos, corporificadas em  textos,  letras, cores, sons,  formas, movimentos, silêncios. No  dizer  de  Adélia  Prado:  “a  palavra  [uma  das  manifestações  das linguagens] é disfarce de uma coisa mais grave, surda‐muda, foi inventada para  ser  calada.  Em  momentos  de  graça,  infrequentíssimos,  se  poderá apanhá‐la: um peixe vivo com a mão. Puro susto e terror”. 

Linguagens, que também se materializam no campo da Ciência.  Ciência:  pesquisa,  inovação,  tecnologia,  saberes,  conhecimento, 

divulgação,.... Progresso!  Intercâmbios  e  embates, mediante os desafios apresentados 

por  viventes. Desejo de  sujeitos  em  conhecer para  curar,  ensinar,  legislar, mediar, aproximar saberes,..., derivando disto tudo, diferenças. No dizer de Boaventura de Sousa Santos “o universalismo que queremos hoje é aquele que  tenha  como  ponto  em  comum  a  dignidade  humana.  A  partir  daí, surgem muitas diferenças que devem ser respeitadas. Temos direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”. 

Linguagens  e  Ciência:  relações  profícuas  entre  a  vida  e  o  progresso, assentadas nas distinções, próprias, do ser humano. 

 “Linguagens e Ciência”. Temática desta coletânea de artigos, que visa 

agregar  e  divulgar  pesquisas  cujos  conteúdos  versam  teoricamente  sobre três  grandes  autores  do  campo  das  ciências  das  linguagens:  Bakhtin, Foucault  e  Pêcheux.  Se  por  um  lado,  esses  teóricos  foram  os  eixos condutores desta coletânea, o que a distingue são as individualidades, já que cada artigo revela como resultado a aplicação de aspectos das propostas dos teóricos  em  análises diversas. Deste modo:  a noção de  ideologia;  o hiper‐realismo na fotografia; a indexação de assuntos na web; o caipira brasileiro; a análise de discursos fílmicos; as ordens discursivas entre ciência e saber na web; a noção de inovação no discurso político da atual presidente brasileira, são os temas que compõem esta coletânea.   

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A responsabilidade pelos textos ficou a cargo dos autores, mestrandos e seus orientadores, do Programa de pós‐graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade,  da  Universidade  Federal  de  São  Carlos  (UFSCar),  que  os desenvolveram no decorrer de uma disciplina deste Programa, “Seminários em Análise do Discurso  Imagético na Divulgação Científica”,  cursada por eles  na  Linha  de  pesquisa  em  Linguagens,  Comunicação  e  Ciência,  no segundo semestre de 2012.  

Coube  a  organizadora da  coletânea, que  também  foi  responsável pela oferta da disciplina:  coletar,  agrupar,  tematizar  e  ordenar  teoricamente  os textos. 

 Desejamos a todos boas leituras. 

  

Nádea Regina Gaspar Organizadora 

 

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PARA UMA IDEOLOGIA DA CONTINGÊNCIA   

João Flávio de Almeida1 Lucilia Maria de Sousa Romão2 

 Que  é  ideologia? Consiste demasiado  embaraço deliberar  sobre  que  é 

medicina,  filosofia ou dialética,  ainda mais  sobre um  termo  tão  abstrato  e resignificado  dentro  de  cada  campo  científico  e  até  mesmo  dentro  do arcabouço  teórico  de  cada  pensador  que  se  apropriou  do  termo.  Assim sendo, porventura, um termo que caminha tão livremente por caminhos tão distintos não poderia ser tomado como signo legítimo, e afinal, cada corrente e pensador deveria instaurar um novo termo para designar isto que cada um conclui  por  ideologia.  Slavoj  Zizek  assinala  esta  dificuldade  em  sua  obra ʺUm mapa da ideologiaʺ: 

 Não  será  seu  caráter  sumamente ambíguo e elusivo, por  si  só, uma  razão suficiente  para  abandoná‐la?  ʺIdeologiaʺ  pode  designar  qualquer  coisa, desde  numa  atitude  contemplativa  que  desconhece  sua  dependência  em relação à realidade social, até um conjunto de crenças voltado para a ação; desde o meio essencial em que os  indivíduos vivenciam suas relações com uma estrutura  social até as  ideias  falsas que  legitimam um poder político dominante. Ela parece surgir exatamente quando tentamos evitá‐la e deixa de aparecer onde claramente se esperaria que existisse (ZIZEK, 1996, p. 7). 

 Este problema da ideologia pode ser detectado mesmo desconsiderando 

o caráter hermético adotado dentro de cada campo, pois que  fica evidente que  a  ideologia  estruturalista  (sim,  podemos  falar  de  uma  ideologia estruturalista)  define  o  conceito  de  ʹideologiaʹ  segundo  sua  própria ideologia,  e  o mesmo  se dá  com  os demais  campos  que  se  apropriam do termo. Daqui uma evidente contradição emerge: o conceito de ideologia fora cunhado por homens  livres, estudiosos, que o  concluíram a partir de  seus 

                                                            1 Mestrando pelo programa PPGCTS (Ciência, tecnologia e sociedade) da UFSCar, São Carlos; 

bolsista Capes; [email protected] 2 Livre‐docente em Ciência da  Informação. Profa. Dra. do curso de Graduação em Ciência da 

Informação  e  Documentação  e  do  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Psicologia  da FFCLRP/USP. Profa. colaboradora do Programa de Pós‐ Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade da UFSCar. Bolsista CNPq. Laboratório Discursivo E‐l@dis‐FAPESP 2010‐510290. 

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caminhos  teóricos, ou a  ideologia  consiste numa estrutura  social perene, e sua descoberta fora mero encontro com uma força a priori, que já estava ali e sempre estará? Evidentemente que um termo tão contraditório não poderia definir  uma  estrutura,  e  aqui  já  circunscrevo  minha  ideologia,  pois  que havendo uma estrutura dessa dimensão, sua definição deveria facilmente ser unânime. Tal como uma enorme montanha no meio da estrada: ela existe ou não?  Qual  é  seu  tamanho,  características  e  interferências?  Seria  possível tantas  conclusões  diferentes  sobre  um  mesmo  conceito  de  tamanha dimensão,  constituído  por  elementos  tão  imutáveis  quanto  o  que  este  se propõe ser? 

Este  tema parece encerrar em  si uma antiga discussão  sobre o  jogo de tensão entre o social e o individual, entre as forças coletivas e a capacidade pessoal  de  escolha,  conflito  que  caminha  sobre  outra  tensão: contingência/necessidade.  Sem  tratar  das  razões  ontológicas  por  trás  de alguns movimentos  que  aqui  descreveremos,  podemos  dizer  que muitas vezes  o  que  é  tomado  por  ideológico  nada mais  é  que  uma  intenção  de conformar algo limitado e datado em algo perene e demasiadamente maior do  que  realmente  é.  Zizek  fala  sobre  uma  certa  necessidade  humana  em transfigurar  algo  contingente  ‐  mera  casualidade,  como  se  uma  eterna necessidade  (ZIZEK,  1996,  p.  7).  Em  contrapartida  o  próprio  autor  tenta olhar as relações de necessidade dentro de um evento no qual a ideologia se marca,  e  argumenta  que  em muitos  casos  também  se  toma  o  necessário como  mera  contingência,  e  de  que  talvez  se  faça  necessário  desvelar  a necessidade oculta daquilo que se manifesta como mera casualidade. 

Evidentemente que a maioria dos pensadores que trabalharam o assunto o  fizeram  a  partir  da  segunda  hipótese  de  Zizek,  partindo  dos  conceitos marxistas de  ideologia  em  que  as divisões de  classes  são  os pressupostos iniciais para a  tomada do assunto, seu  fundamento principal, conceito este que  dá  certa  ordem  aos movimentos  sociais.  Este  texto  tem  por  objetivo desvelar o  caráter  contingente da  ideologia, que,  sem negá‐la,  coloca‐a no nível das forças incontroláveis e inapreensíveis, tal como é a linguagem para Michel Pêcheux: 

 Movimento  dos  sentidos,  errância  dos  sujeitos,  lugares  provisórios  de conjunção  e  dispersão,  de  unidade  e  de  diversidade,  de  indistinção,  de incerteza, de trajetos, de ancoragem de vestígios:  isto é o discurso,  isto é o ritual da palavra. Mesmo o das que não se dizem. (ORLANDI, 2005. p. 10). 

 

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Pois  que  uma  teoria  da  ideologia  em  que  esta  aparece  como  uma estrutura  que  constitui  o  sujeito,  e  o  molda  de  forma  tão  inevitável  e previsível não  se adaptaria a uma  teoria da  linguagem em que o discurso aparece  repleto  de  furos  e  falhas  constituintes  e  com  um  alto  nível  de contingência igualmente constituinte. Para tanto descreveremos brevemente a  forma  com  que  alguns  autores marxistas  conceberam  e  trabalharam  a ideologia em suas  teorias, para posteriormente, sem negá‐la, proponhamos outro  olhar  sobre  o  tema,  qual  seja,  o  da  casualidade  em  detrimento  da causalidade. 

 A teoria das quatro causas, de Aristóteles 

 Preocupado com o  conceito de movimento, que para os gregos abarca 

toda  e  qualquer  alteração  de  uma  realidade,  Aristóteles  estabelece  uma teoria  em  que  todos  os movimentos  do mundo  seguem  uma  relação  de causas,  em  que  as  últimas  são  consequências  das  primeiras.  São  quatro causas que ordenam todos os movimentos do mundo: a primeira é a causa material,  que  conforma  uma  matéria  em  outra  (madeira  em  mesa);  a segunda seria a causa formal, que é a  ideia primeira de mesa que serve de moldura para  a madeira;  a  terceira  aparece  como  a  causa motriz, que  é  a força  que  transforma  a  cadeira  em  mesa,  no  caso,  a  mão  de  obra  do marceneiro; e a quarta causa é a final, ou seja, o motivo ou a razão pela qual a madeira foi transformada em mesa. Dessa forma, é porquê uma causa final ocorreu que uma causa motriz se iniciou, que deu início a uma causa formal que  ocasionou,  finalmente,  a primeira  causa,  a material  (CHAUÍ,  1980, p. 68).  

Marilena Chauí  ressalta que a  teoria da causalidade  tem  relação direta com a divisão social, que por sua vez tem relação direta sobre a ideologia, e que  desta  forma,  toda  a  cadeia  de  relações  humanas  são  complemente explicáveis  e  apreensíveis,  logo,  perfeitamente  passivas  de  manipulação, bem  como  de  seu  avesso,  ou  seja,  de  revoluções  e  transformações.  Esta cadeia de  relações humanas  é  a história,  contudo não  a história  enquanto sucessão de acontecimentos factuais, tampouco um progresso temporal das ideias e realizações nem como sucessão de  fatos no  tempo, mas sim o  ʺ[...] modo como os homens determinados em condições determinantes criam os meios e as formas de sua existência social, reproduzem ou transformam essa existência social que é econômica, política e cultural.ʺ (CHAUÍ, 1980, p. 74). 

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A proposta da autora nesta obra, seguindo a teoria das quatro causas é ʺ[...] compreender  por  que  a  ideologia  é  possível:  qual  sua  origem,  quais  seus fins, quais seus mecanismos e quais seus efeitos históricos.ʺ (CHAUÍ, 1980, p. 75). 

Em outras palavras, para a autora, baseando‐se em Aristóteles e Marx, a ideologia estaria à mercê de uma captura  tal que  se permitiria  sua análise assim  como  se  analisa  um  motor  de  um  carro,  compreendendo  cada engrenagem e suas funções dentro de um todo maior, o motor da sociedade que gera a história do homem no mundo.  

Vejamos  agora  como  a  autora  explica  a  teoria  da  ideologia  segundo Marx.  

 A ideologia em Marx 

 A  ideologia  em Marx  é  assunto de destaque  para  a  filósofa  brasileira 

Marilena Chauí, em sua obra ʺO que é ideologiaʺ (CHAUÍ, Marilena. O QUE É, Coleção Primeiros passos. O que  é  ideologia,  1980),  e  é nesta obra que basearemos este fragmento do texto. Marx critica a  ideologia que parte das ideias e tenta explicar o real, e convida a partirmos do real e material para chegarmos às ideias que explicariam o real mas não de forma dissoluta, em contradição, mas  em  paridade  com  o mundo  histórico  e  real.  A  filósofa brasileira,  tratando  da  ideologia  em  Marx,  inicia  apontando  que  este pensador  não  separou  a  produção  das  ideias  das  condições  sociais  e históricas nas quais são produzidas. Conceito, aliás, mantido da essência da filosofia hegeliana,  que  apresenta uma  realidade  como  fruto da  cultura,  a saber,  as  relações  do  homem  com  a  natureza  a  partir  do  trabalho,  da linguagem, das instituições sociais, do estado, da religião, da arte, da ciência e da filosofia. 

 Não se trata, segundo Hegel, de dizer que o espírito produz a cultura, mas sim de que ele é cultura, pois ele existe encarnado nela.  (CHAUÍ, 1980, p. 84). 

 A partir deste axioma, de que o sujeito é constituído pela cultura, pode‐

se  concluir que o  real  é histórico,  sem história, mas  sendo história,  e  esta história  se  faz  real  no  material,  e  não  nas  ideias.  Por  isso  a  dialética  é materialista, porquê seu motor não é o trabalho do espírito, mas o trabalho material,  o  trabalho  como  relação  do  homem  com  a  natureza,  negando‐a 

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como coisa natural para transformá‐la em cultural. O sujeito da história, este agente transformador da natureza, se revela nas classes sociais em  luta, e é no  instante  em  que  a  divisão  social  do  trabalho  separa  trabalho material/manual do trabalho intelectual é que surge a ideologia, para Marx. Os  homens  produzem  as  próprias  condições  de  existência,  tanto material quanto  espiritual,  e  estas  condições  se  dão  pelas  vias  deste materialismo histórico  e  dialético,  cujo  interesse  é  saber mais  do  que  as  relações  dos homens com a natureza por meio do trabalho, mas captar a divisão social do trabalho: esta  sim  responsável por basear e  fundamentar  todas as  relações humanas desde as divisões de  trabalho dentro da  família até os níveis das dicotomias  proprietário/trabalhador,  manual/intelectual,  cidade/campo (CHAUÍ, 1980, p. 85). 

Estas  relações  humanas,  presentes  nestas  e  noutras  dicotomias,  são objetivadas  e  usadas  como matérias  em  relações  de  produção,  ou  seja,  a matéria é o homem trabalhando, produzindo, pois é neste instante em que se reproduz  e  se  organiza  a  vida  do  homem  como  homem,  e  assim, socialmente, cada qual se aliena em sua classe social e se constitui sujeito a partir  dela.  Assim,  as  classes  sociais  são  as  relações  sociais,  estas determinadas pelo modo  como os  indivíduos  se dividem  e  se  alienam na produção  de  suas  necessidades  e  condições materiais  de  existência.  Esta alienação do homem no  trabalho se dá pelas vias do que Marx chamou de fetichismo  da  mercadoria.  Ele  apresenta  a  própria  mercadoria  como realidade  social,  contudo  realidade  dissimulada,  apreendida  não  como resultado de  relações  sociais  enquanto  relações de produção, mas  aparece como um  simples bem que  se  compra  e  se  consome,  com valor  intrínseco que silencia toda a cadeia de produção que lhe constituiu. Agora alienada, a mercadoria  começa um  enorme  ciclo de  alienação  e de  transformação  em mercadoria de tudo o que toca (CHAUÍ, 1980, p. 96). O dinheiro mercadoria se relaciona com a calça mercadoria que se relaciona com uma  ʹvida  jovemʹ, mercadoria, que  se  relaciona  com um  automóvel mercadoria, que por  sua vez se relaciona com um  ʹjeito de viverʹ mercadoria, e assim por diante, até que a mercadoria contraí vida própria e existe em  si e por  si, que a  todos domina  e  a  tudo  abarca:  o  trabalhador  mercadoria,  com  seu  salário mercadoria,  em  relações  sociais  materiais,  igualmente  alienadas  em mercadorias.  

Todo este real materialista, histórico e dialético, entretanto, se submete à lógica do amo/escravo, de Hegel,  traduzida como proprietário/trabalhador, 

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em Marx. Se tudo é mercadoria, todo este real é de propriedade daquele que detém o intelecto, aquele do trabalho intelectual, pois toda a consciência ʺ[...] estará  indissoluvelmente  ligada  às  condições  materiais  de  produção  da existência, das formas de intercâmbio e de cooperação, e as ideias nascem da atividade material.ʺ (CHAUÍ, 1980, p. 100). Assim se dá com o estado e seus mecanismos impessoais e anônimos de dominação. O estado deveria exercer o  papel  de  apaziguador  e  regulador  da  sociedade  contudo  aparece  na realidade  como  forma  pela  qual  os  interesses  da  classe  dominante  (os proprietários) ganham a aparência de interesses coletivos de toda sociedade. Estes interesses, agora entronizados por toda a sociedade, fazem funcionar a divisão  social  que  separa  proprietários  e  destituídos,  exploradores  e explorados,  intelectuais  e  trabalhadores,  sociedade  civil  e  estado,  interesse privado e interesse geral.  

A classe se autonomiza em face dos indivíduos, de sorte que estes últimos encontram  suas  condições  de  vida  preestabelecidas  e  tem,  assim,  sua posição na vida e o seu desenvolvimento pessoal determinado pela classe. (...)  Indicamos  várias  vezes  que  essa  subsunção  dos  indivíduos  à  classe determina  e  se  transforma,  ao mesmo  tempo,  em  sua  subsunção  ao  todo tipo de representações. (MARX, Apud CHUAÍ, 1980, p. 109). 

 Assim  finalmente  Marx  chega  ao  conceito  de  ideologia:  ʺ[...]  um 

fenômeno  objetivo  e  subjetivo  involuntário  produzido  pelas  condições objetivas da existência social dos indivíduos.ʺ (CHUAÍ, 1980, p. 109), ou seja, um conceito em íntima relação com o conceito de alienação. Segundo ele, a ideologia  vigente,  a  capitalista  burguesa,  faz  com  que  os  indivíduos  não sejam capazes de enxergar que constituem e fazem sua própria classe. Esta ideologia  faz  transparente  os  processos  de  constituição  das  classes  e  as apresenta como se prontas, dadas, e seus membros mais nada podem fazer do  que  nelas  se  alienarem  e  se  converterem  numa  parte  dela,  ʺ[...]  quer queira, quer não. É uma fatalidade do destino.ʺ (CHAUÍ, 1980, p. 109). Esta estrutura  é  tão  rígida,  para  Marx,  que  ele  afirma  que  não  bastaria  a opacidade do sistema para que os sujeitos transformassem suas realidades, afirmando que os produtos da  consciência não podem  ser dissolvidos por mera  forças  críticas  racionais,  mas  somente  pela  derrocada  prática  das relações  reais  de  onde  emanam  estas  fontes  de  alienação,  ou  seja,  a ferramenta  ideologia, que aliena, não  trabalharia nas mãos de reacionários: somente as transformações práticas no mundo real das relações, que passam 

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pelo trabalho e  lutas de classes, poderiam ser eficazes numa transformação do real vigente. Aliás, fora exatamente assim que a burguesia procedeu até sua ascensão ao poder,  realizando  transformações práticas no mundo, que por  sua  vez  proporcionaram  a  construção  de  toda  uma  ideologia  que pudesse alienar os sujeitos nela. 

Marx  aponta,  então,  a  ideologia  sendo  construída  e  reforçada  por diversos campos do real, tais como as ciências sociologia, história, biologia e física, as religiões, o estado e as famílias. Todas estas instituições, alienadas na  ideologia  capitalista,  fazem  funcionar  esta  ferramenta  a  uso  dos dominantes,  contudo,  sem  ser  percebida.  A  ideologia  faz  funcionar  a separação das classes, mas o faz de forma transparente, e se torna uma força quase impossível de ser removida por conta dos seguintes aspectos (CHAUÍ, 1980, p. 105): 

1.  A  suposição  a  priori  de  que  o  trabalho  material  é  separado  do intelectual. 

2. O alto poder de alienação da ideologia, que faz as separação de classes soar natural e exterior. 

3.  A  luta  de  classes,  que  faz  uso  da  ideologia  como  ferramenta  de dominação. 

4. Seu alto poder de aliciamento, pois que permite e faz trabalhar certas insurgências programadas que não  apresentam perigo  ao  sistema vigente, além de  fazer uso de mecanismos de  aliciamento  consentido  tais  como  as promessas de sucesso e fartura como recompensa do trabalho, e a liberdade de comprar e se de constituir único dentro dos muros do capitalismo. 

Assim,  finalmente, Marx define a  ideologia  como a  transformação das ideias  da  classe  dominante  em  ideias  que  são  assimiladas  pela  classe dominada,  fazendo  os  interesses  dos  proprietários  soarem  como  se interesses coletivos a todas as classes.  

 A contribuição de Louis Althusser 

 Althusser,  marxista,  conceitua  a  ideologia  como  sendo  o  ideário 

mediador das relações dos sujeitos com suas condições de existência. Sobre as  lutas  de  classes,  ele  afirma  que  os  sujeitos  percebem‐se  livres  e  em condições  de  alcançar  posições  mais  altas  na  hierarquia  social  sem  que, todavia, se deem conta de que o sistema capitalista os conduz a ocupar uma determinada função nas relações de produção (ou de exploração). 

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Para ele as principais evidências da existência da ideologia são o sentido e o sujeito:  

Como  todas  as  evidências,  inclusive  as  que  fazem  com  que  uma  palavra “designe  uma  coisa”  ou  “possua  um  significado”  (portanto  inclusive  as evidências da “transparência” da linguagem), a evidência de que você e eu somos sujeitos – e até aí não há problema – é um efeito ideológico, o efeito ideológico elementar. (ALTHUSSER, 1985, p. 94) 

 Althusser  então  resgata  o  conceito  de  Aparelho  de  Estado  (AE), 

constituído por governo, exército, polícia,  tribunais, prisões e outros. A este aparelho  renomeia  como  ʺAparelho Repressivo  do  Estadoʺ,  pois  que  o AE vale‐se  de  violências,  físicas  ou  não  (p.  67‐68).  Ele  identifica,  então,  outros aparelhos que se manifestam junto ao Aparelho de Estado, contudo estes não fazem  uso  de  violência  em  suas  tentativas  de  coação mas  trabalham  certa sedução  e  alienação:  são  os  Aparelhos  Ideológicos  do  Estado  (AIE),  cuja definição é assim expressa pelo teórico: “[...] um certo número de realidades que  se  apresentam  ao  observador  imediato  sob  a  forma  de  instituições distintas  e  especializadas.”  (ALTHUSSER,  1985,  p.  68).  Por  exemplo:  AIE religioso  (o  sistema  das  múltiplas  igrejas),  AIE  escolar  (o  sistema  das diferentes escolas públicas e privadas), AIE político  (o sistema de diferentes partidos),  etc.  (ALTHUSSER,  1985, p.  68). Todos  estes Aparelhos do Estado funcionam ora através da repressão, ora através da ideologia.  

Cada AIE é a realização de uma ideologia ʺregionalʺ – religiosa, moral, jurídica,  política,  etc.  –  e  a  unidade  dessas  é  “assegurada  por  sua subordinação  à  ideologia  dominante”.  Assim,  Althusser  afirma:  “uma ideologia  existe  sempre  em  um  aparelho  e  em  sua  prática  ou  práticas”  e salienta:  “esta  existência  é  material”,  ou  seja,  “[...]  as  ideias  ou representações  etc.,  que  em  conjunto  compõem  a  ideologia,  não  têm uma existência ideal, espiritual, mas material.” (ALTHUSSER, 1985, p. 88‐89). 

 Michel Pêcheux, leitor de Althusser 

 Pêcheux  tentou  formular  as  bases  do  que  se  constituiria  uma  teoria 

materialista do discurso. A partir desse objetivo, Pêcheux e Fuchs, no texto A propósito  da Análise Automática  do Discurso:  atualização  e  perspectivas  (1997), sistematizaram  a  Análise  do  Discurso  (AD)  de  linha  francesa, fundamentando  seu  quadro  epistemológico:  ideologia,  discurso  e  língua, 

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atravessados  pela  noção  de  sujeito.  A  ʹideologiaʹ  fundamentou  no materialismo  histórico,  o  ʹdiscursoʹ  na  teoria  do  discurso,  a  ʹlínguaʹ  na linguística, e o ʹsujeitoʹ buscou na psicanálise. 

Althusser (1985) definiu as materialidades da ideologia e suas diferentes modalidades,  das  quais  uma  delas  seria  ʺum  discurso  verbal  interno  ‐  a consciênciaʺ,  e  ʺum  discurso  verbal  externoʺ. Assim  o  autor  pressagiou  o discurso como uma das  formas de  realização do  ideológico  (ALTHUSSER, 1985, p. 92). Tese esta que  fora resgatada pela AD quando esta  instaura as noções  de  formação  ideológica  e  formação  discursiva.  As  formações ideológicas  (FIs)  são  constituídas pelas  formações discursivas  (FDs). Estas, por  sua vez, definem‐se  como “[...] aquilo que, numa  formação  ideológica dada, [...] determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma  fala,  de  um  sermão,  de  um  panfleto,  de  uma  exposição,  de  um programa, etc.).” (PÊCHEUX, 1995, p. 160). Assim, o discurso, sob a ótica da AD, sempre insere‐se em alguma FD, que, por sua vez, pertence a alguma FI. Torna‐se,  por  conseguinte,  inconcebível  a  existência  de  discursos  não ideológicos.  Convém  destacar,  no  entanto,  que  para  os  autores  “[...]  é impossível  identificar  ideologia  e  discurso  (o  que  seria  uma  concepção idealista da ideologia como esfera das ideias e dos discursos).” (PÊCHEUX, 1995,  p.  166). Ou  seja,  deve‐se  considerar  a  ideologia  e  o  discurso  como instâncias diferentes que se interligam a todo tempo, mas não se misturam. 

Pêcheux recorre, então, às duas evidências althusserianas da ideologia: o sentido  e  o  sujeito.  Para  ele  a  transparência  da  linguagem  não  é  uma característica  do  sistema,  mas  sim  uma  evidência  da  intervenção  da ideologia  dominante,  que  precisa  parecer  natural  e  não  manipulada.  A estabilização  de  sentidos  necessita  ser  transparente  para  que  a  ideologia dominante alcance seu objeto de vender seus interesses como se coletivos. A constituição do sujeito é também, para ele, uma evidência da ideologia, pois que  quando  estes  sujeitos  supõem  serem  livres  e  onipotentes  estão, verdadeiramente, se alienando na ideologia capitalista. 

 A ideologia marxista de Bakhtin 

 Bakhtin, no início do século XX, intentou levar o marxismo para dentro 

do domínio das  linguagens, bem como  inserir a  linguagem no domínio do marxismo,  ou  seja, um  estudo mais  cuidadoso dos problemas  ideológicos situando a ideologia não na consciência mas na língua (SILVA, 2009, p. 165). 

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Para  ele  a  ideologia  determina  a  linguagem,  uma  vez  que  as transformações  na  infraestrutura  expressam‐se  nas  ideologias (manifestações  superestruturais),  logo,  igualmente  na  língua, “ideologicamente saturada” (BAKHTIN, 1998, p. 81). Assim, a ideologia não é exterior ao semiótico, mas  intrínseco: “O domínio do  ideológico coincide com  o  domínio  dos  signos:  são mutuamente  correspondentes. Ali  onde  o signo se encontra, encontra‐se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico.” (BAKHTIN, 1999, p. 32). A consciência também se  submete  à  ideologia,  que  lhe  é  inerente,  pois  que,  constituída  pelo semiótico, a ausência do signo  implicaria  inexistência de atividade mental. Com este argumento, Bakhtin contesta a ideia de que a ideologia é oriunda do psiquismo e argumenta que essa instância está nele porque é inerente aos signos  que  o  constituem,  signos  estes  que  foram  criados  nas  relações interindividuais,  logo, são  impregnados de valores atribuídos por distintas interlocutores. Assim, finalmente, a consciência é ideológica e social. 

A  ideologia aporta várias esferas  ideológicas, várias áreas da produção intelectual humana: a arte, a ciência, a moral, a ética, a filosofia, a religião, e outros mais (BAKHTIN, 1999, p. 46). Cada campo  ideológico possui signos peculiares  para  referir‐se  à  exterioridade  e,  portanto,  um modo  típico  de representá‐la  e  refratá‐la  (BAKHTIN,  1999,  p.  40).  Assim,  é  comum  nas esferas  ideológicas  que  os  signos  não  só  se  refiram  a  algo  como  também admitam  diferentes  interpretações,  recriações,  enfim,  refrações,  daquilo  a que se referem. Logo, a refração é própria do signo ideológico, pois que uma comunidade  linguística é organizada de uma variabilidade de relações que resignificarão os signos a partir das suas próprias experiências. 

Para Faraco  (FARACO, 2003) sobre a  ideologia pode  ser afirmado que ʺ[...]  a  significação  dos  enunciados  tem  sempre  uma  dimensão  avaliativa, expressa  sempre  num  posicionamento  social  valorativo.  Desse  modo, qualquer enunciado é, na  concepção do Círculo,  sempre  ideológico – para eles,  não  existe  enunciado  não  ideológico.ʺ  Bakhtin  afirma,  ainda,  que diferentes  classes  sociais  fazem  uso  do mesmo  sistema  linguístico  e  que, consequentemente,  os  signos  são  saturados  de  valores  axiológicos conflitantes. Portanto, segundo o filósofo russo, “[...] o signo se torna a arena onde  se  desenvolve  a  luta  de  classes.”  (FARACO,  2003,  p.46).  E  é  neste instante  que  a  classe  dominante  tenta  retirar  do  signo  seu  caráter plurivalente,  ocultar  seus  traços  ideológicos  e  transformá‐lo  em monovalente (FARACO, 2003, p. 47). 

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O problema da ideologia marxista interpelando a linguagem  A análise do discurso, apesar de abarcar diferentes teóricos, e estes com 

diferentes  olhares  para  a  linguagem,  são  unanimes  em  afirmar  o  caráter fluido  do  signo,  e  que  importa mais  a  forma  com  a  língua  faz  sentido, enquanto trabalho simbólico que parte das relações sociais; ou ainda, que o discurso é efeito de sentidos entre interlocutores. Para a análise do discurso as  falhas na  linguagem não  são defeitos, mas  elementos  constituintes,  tais como  as derivas de  sentidos,  as  ambiguidades, os  silenciamentos  e outros mais. (ORLANDI, 2005). 

A língua, enquanto trabalho social, passa por uma paráfrase e por uma polissemia,  uma  que  dá  certa  estabilização  à  língua,  permitindo‐lhe  certa inteligibilidade,  e  outra  que  dá  poder  de  criação  e  de  ruptura  com  este estável da língua, dando‐lhe movimento e fluidez. É por isso que se afirma que a língua não é pura fluidez, no entanto, não é pura determinação. 

O problema é que vários teóricos usaram o ponto de vista marxista para fundamentarem o conceito de ideologia, tão caro a cada um deles, como se viu anteriormente.  Todavia,  a  ideologia  marxista  se  apresenta  extremamente fatídica, e as derivas possíveis às sujeições às classes só se dá nos níveis das grandes  revoluções  sociais.  No  nível  da  vida  cotidiana  a  ideologia  é perfeitamente  explicável  para  Marx,  e  seus  efeitos  são  radicalmente abarcantes, transparentes, e herméticos. Esta ideologia também é da ordem da totalidade dos  sentidos  ideológicos,  e  sua  teoria dá  conta de  tudo o que  se pode falar sobre ideologia ‐ assim se supõe e se prega, embora muito se negue. 

Assim, embora assegurem a não rigidez dos signos, os referidos teóricos da  linguagem  se basearam num  sistema de elucidação da  sociedade que é totalmente  determinante  e  estanque;  nas  palavras  de  CHAUÍ,  já referenciadas, fatalidades. O que fica evidentemente opaco, portanto, é que tal  como  a  burguesia  instaura uma  ideologia  que  aliena  o  proletariado,  o marxismo  instaura uma  ideologia que aliena profundamente os estudiosos da sociedade e da cultura, pois que, tal como a insolubilidade à alienação na classe dominada, o sociólogo e o estudioso da  ideologia do ponto de vista marxista não pode ver outra  forma de pensar o mundo, uma vez que uma teoria tão abarcante e totalizadora responde a todas as perguntas, estabiliza todos os sentidos, aponta todos os atores e suas devidas partes nas relações, faz  parecer  natural  e  a  priori  que  somente  pela  divisão  e  luta  das  classes podemos  explicar  o  real,  de  que  tudo  e  todos  são  frutos  do  conflito  de 

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classes,  então,  pronto!  Não  há  como  sair  da  ideologia  marxista! Transparente,  ela  dá  respostas  a  tudo,  e  sua  abrangência  e  poder  de aliciamento  se  comparam  ao  que  ela  mesma  define  para  a  ideologia capitalista,  obviamente,  igualmente  vilãs,  pois  que  ambas  sacrificam  o homem  concreto  em  virtude  de  verdades  pré‐estabelecidas  e  fatalmente estabilizadas. 

Um  intricado  conflito  se  prefigura,  aqui.  A  teoria  da  causalidade  de Aristóteles  parece  dar  respaldo  para  uma  explicação  perfeitamente abarcante de uma  sociedade  com  altos  traços de  contingência, ou  seja, de casualidade. O próprio signo assim se apresenta, pois que seu caráter fluido assim o é  justamente por não ser possível prever nem explicar algumas de suas materializações,  ou  ainda, de  abarcar  a  totalidade do  sentido de um discurso.  O  signo  não  é  pura  liberdade,  sim,  contudo,  claramente  passa longe de  ser pura determinação. Certamente  que  é variável,  e  novamente contingente, a posição exata do signo e da sociedade neste enorme degrade cinza em que liberdade e determinação são as pontas de uma mesma corda: hora mais livre, hora mais determinada. Quem dirá? 

 Pequena tragetória da contingência 

 A  contingência  enquanto  conceito  filosófico  parte  também  de 

Aristóteles, contudo, agora falando da impossibilidade de se traçar respostas para  o  futuro,  já  que  sua  teoria  das  quatro  causas  aclarava muito  bem  o passado  e  o  presente.  Tomás  de  Aquino  também  estuda  o  assunto mas colocando Deus  no  final  da  equação,  o  que  afinal  dá  certa  causalidade  a todas  as  casualidades  do  mundo.  Hegel  aborda  o  assunto  de  forma controversa,  pois  que  afinal  suprime  o  caráter  contingente  da  vida  em virtude da causalidade e da necessidade  ‐ necessidade,  leia necessidade de causas, numa rede de eventos em que um necessita de outro. Thadeu Weber (WEBER,  1993,  p.  38)  afirma,  sobre  a  dialética  de  Hegel,  que  o  que necessariamente  é  poderia  ser  diferente,  mas  retrocede  afirmando  que existem  limites para a  liberdade, pois que a pura contingência geraria uma absurda anarquia. 

Max Weber, no entanto, parte na contramão, criando uma gaiola de ferro feita de um  sistema de necessidades do qual não  se  tem  saída, um  sistema fechado.  Todavia,  a  contingência  aparece  neste  autor  encarcerada  na subjetividade do ator social. Aqui estão sendo tomadas as decisões seguindo – 

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o  que  Weber  chama  –  valores  últimos,  decisões  que  seguem  critérios inacessíveis  para  a  mão  fria  da  racionalidade  (WEBER,  1991).  Husserl  e Heidegger também estudaram profundamente o assunto, sendo que o último trouxe importantes considerações para um equilíbrio desta dicotomia.  

Contudo  foram  Sartre  e  Camus  que  lançaram mão  do  conceito mais radical da contingência, e ergueram esta bandeira sem receio e sem recuos. A  liberdade de  realizar  este ou  aquele projeto  tem para Sartre um  caráter ontológico. O homem não pode fugir da sua  liberdade, e está condenado a ser  livre.  (SARTRE,  1997,  p.  252).  Sua  única  determinação  é  a  não determinação, ou seja, até a aceitação de uma dada situação é resultado da livre  vontade  do  homem. Assim  o  indivíduo  pode  ser  interpretado  como resultado  da  realização  do  seu  próprio  projeto.  Contudo,  estudando  as relações humanas, Sartre se depara com um real em que coexistem bilhões de indivíduos livres e em situação de angústia decorrente da liberdade, e a contingência  toma  força  quando  minha  liberdade  interfere incontrolavelmente sobre a  liberdade do outro numa reação em cadeia que leva  a  contingência  ao  infinito,  à  impossibilidade  radical  de  se  explicar  o mundo,  gerando um  sistema de  relações  que  condicionam  o  indivíduo. E aqui a diferença entre condição e determinação é importante, pois, assevera Sartre, o homem é o que ele faz com o que fizeram dele. (SARTRE, 1997, p. 455). A liberdade que se descobre na contingência da individuação nem é em si positivo ou negativo; ela é tanto capaz de construir um novo nexo social na base da  escolha de um  sentido para  todos,  como  é  capaz de demitir o indivíduo no caos e na desordem de um mundo sem sentido,  tema central da obra de Albert Camus que  trata diretamente do absurdo e do caos que regem o real, e da radical contingência que rege o mundo. 

 Uma sociologia contingente 

 A  proposta  de  um  olhar  menos  determinista  sobre  o  real  e  toda  a 

sociedade não  é nova,  contudo  foi Lyotard,  com o  texto  ʺA  condição pós‐modernaʺ, de 1970, quem primeiro  inseriu a proposta da produtividade da anarquia, do caos e até do erro na história da ciência ‐ conceitos expandidos para  explicar  também  o  real  social.  Sua  tese  principal,  um  ataque  contra todas  as grandes  teorias  (estruturalismo,  funcionalismo ou marxismo),  faz emergir o seguinte conceito: “[...] simplificando ao extremo, considera‐se a incredulidade em relação aos metarrelatos.” (LYOTARD, 2000, p. 16). Para o 

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lugar  das metanarrativas,  destas  grandes  teorias  que  nomeiam  um  único caminho e explicação, podemos assumir uma  teoria, senão várias, além de pequenos relatos descontínuos, conflituosos e circunstanciais para explicar o real e o social. Nem mesmo a ciência seria mais o lócus privilegiado do saber acumulado,  pois  que  pode  ser  reduzida  a  um  mero  subconjunto  do conhecimento  (LYOTARD,  2000,  p.  35).  Lyotard  coloca  o  saber  acima  da ciência moderna, este saber enquanto conjunto de enunciados denotativos, contudo,  misturado  com  as  ideias  de  saber‐fazer,  de  saber‐viver,  saber‐escutar  etc.  (LYOTARD,  2000,  p.  36). Assim,  o modelo  do  conhecimento científico  atrelado  à  prognosticabilidade  está  enfraquecido,  e  novas  ideias são permitidas. 

A  partir  destas  ideias  chegou‐se  ao  axioma:  ʺAlgo  é  como  é,  mas também poderia ser diferente.ʺ. Por que motivo o mundo é assim? Por quê sim,  por  acaso,  por  somas  contingentes  de  eventos,  e  facilmente  tudo poderia  ser de outra  forma. As  coisas  estão necessariamente no  seu  lugar mas  também poderiam  estar  em  outro. O peso destas  conclusões  levou  o sociólogo Zigmund Bauman à aniquilação do  conceito de  classes,  logo, de suas  lutas  e  alienações.  Para  ele  o  sujeito,  nesta  fase  histórica  da modernidade, é incuravelmente subdeterminado (BAUMAN, 2001, p. 14), e não  existem  mais  grupos  de  referência  que  forneçam  parâmetros  de escolhas.  Ao  contrário,  cada  indivíduo  vive  em  constante  situação  de comparação  universal,  em  que  seus  costumes  e  preferências  são contrastados e baseados com os de todos os outros indivíduos.  

Chegou a vez da  liquefação dos padrões de dependência e  interação. Eles são  agora  maleáveis  a  um  ponto  que  as  gerações  passadas  não experimentaram e nem poderiam imaginar; mas, como todos os fluidos, eles não mantém  a  forma  por muito  tempo. Dar‐lhes  forma  é mais  fácil  que mantê‐los nela. Os sólidos são moldados para sempre. Manter os fluidos em uma forma requer muita atenção, vigilância constante e esforço perpétuo – e mesmo  assim o  sucesso do  esforço  é  tudo, menos  inevitável.  (BAUMAN, 2001, p. 14) 

 Sobre  estas  tentativas  de  totalitarismo  da  racionalidade,  visto  nas 

metanarrativas, tais como a de Marx, Maffesoli, leitor de Heidegger, afirma que  faz parte da natureza humana  ter um destino; é preciso dar ordem ao mundo, explicá‐lo em sua mais radical abrangência, pois que a dúvida é a principal origem de dor e sofrimento. 

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Curiosamente  Gilberto  Freire,  em  1933  já  fazia  uma  sociologia contingente,  inserindo  casualidades  nas  descrições  dos  eventos  de  Casa Grande  e  Senzala  e  Sobrados  e Mocambos,  três  anos  depois.  (BRÜSEKE, 2002, p.  303). Aquilo que  a  racionalidade  tentou  evitar nas  explicações do mundo, Freyre  insere de forma natural e constituinte: as paixões humanas, os  sentimentos,  a  sexualidade,  as  dores,  a  angústia,  a  ambição,  a  raiva,  a vingança, a liberdade de um confrontada com a liberdade alheia, bem como todas  as  demais  emoções  humanas,  usadas  numa  metodologia  aberta  e humanista  para  explicar  o  mundo.  As  causas?  Infinitas,  somadas caoticamente, da ordem do absurdo e da contingência de que falaram Sartre e  Camus.  Em  Freyre  esta  contingência  não  aparece  somente  como casualidade na história, mas sim como sua força motriz.  

Cabe uma palavra mais  sobre o propalado método de Gilberto Freyre, de que ele próprio  tanto  fala: método não, mas  sim pluralidade de métodos, tão referida e tão louvada. Em Casa‐Grande e Senzala simplesmente não há método  nenhum. Quero dizer,  nenhuma  abordagem  a  que  o  autor  tenha sido fiel. Nenhum método que o leitor possa extrair da obra, como enfoque aplicável em qualquer parte.( RIBEIRO, 2001, p. 27) 

 O principal modo de explicação causal de Gilberto Freyre é girar qual um peru entre referências a causas diversas para, de repente, investir sobre uma delas. Quando  se  espera  que  ele  nela  se  fixe,  o  vemos  abandoná‐la  para começar outra vez a circular. (RIBEIRO, 2001, p. 26) 

 Discussão: breve ensaio para uma ideologia da contingência 

 Se pensarmos que  existe um  conjunto de  saberes  já prontos quando o 

indivíduo nasce, e que este descobre o mundo a partir destes ideários,   um conjunto de  ideias, pensamentos, doutrinas e visões de mundo à partir de um  indivíduo  ou  ainda  à  partir  de  um  grupo,  orientado  para  suas  ações sociais  (ZIZEK,  1996,  p.  9),  então  pode‐se  dizer  que  sim,  existe  uma ideologia. Se pensarmos, como define Pêcheux  (ORLANDI, 2005, p. 35‐36), que a  língua  já  estava pronta,  e que nada do que dissermos  é exatamente nosso, mas  sim  fruto  de  uma  paráfrase  ou  de  uma  polissemia  do  que  já estava ai antes de nós, então não podemos negar a existência de uma cultura que acolhe a consciência ainda em seu nascedouro.  

Contudo,  é possível  explicá‐la? É possível dar ordem  a  esta  ideologia? É possível  estabelecer  uma  rede  de  necessidades  e  causas  que  sustentem  uma 

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metanarrativa que dê conta da totalidade do real, que abarque e explique todas as decisões de todos os indivíduos? É possível um método que possa acolher e ordenar todas as paixões humanas, de bilhões de indivíduos livres em constante processo de escolhas que se conflitam, de ambições e de desejos caóticos, que a nível do um, deste único constituinte do  todo,  já é demasiado  intricado de se elucidar? É possível, finalmente, captar, ordenar e compreender todas as vozes e todos  os  dizeres  do  mundo?  Suas  posições  discursivas  e  seus  próprios momentos  históricos?  Não  seria  necessário,  ao  contrário,  assumir  a heterogeneidade  dos  jogos  de  linguagem,  esta  que  renuncia  ao  terror  e  à isomorfia da “metanarrativa” (Lyotard, 1979/2000, p. 116). 

Aqui  parece  que  caminhamos  por  um  campo  desconhecido.  Uma sociologia contingente  já  tem sido  trabalhada há algumas décadas, contudo, uma  ideologia  contingente  é  nitidamente  um  assunto  novo.  Seguindo justamente isto que acabo de criticar, ou seja, uma submissão a métodos que pretendem a totalidade do real pelas vias da razão, e uma pretensa isenção de valores  e  pontos  de  vista  próprios,  não  poderia  eu  ousar  falar  de  uma ideologia  da  contingência.  Necessitaria  citar  pensadores  que  dissessem exatamente  isto  que  vou  dizer,  mas  não  poderia  ser  eu:  somente  algum pensador já legitimado poderia fazer tal ensaio e dizer exatamente as palavras que agora vou dizer. Contudo, peço licença para quebrar alguns protocolos. 

Uma  ideologia da  contingência,  tomando emprestados os  conceitos de Bauman e perpassando pela  teoria da  linguagem de Michel Pêcheux, seria da  ordem  das múltiplas  vozes,  de  suas  somas  caóticas,  de  seus  saberes produzidos com falhas e igualmente transmitidos. Não se sabe nem importa quem disse, de onde veio este ou aquele saber, pois que sua transmissão, no um  a  um,  se  dará  de  forma  igualmente  contingente,  repleta  de  falhas, ambiguidades, derivas e  furos. Sobre  tudo aquilo que a  ideologia marxista explica, pelas vias da contingência, de Bauman, veríamos que o capitalismo se dá por fatores múltiplos e inexplicáveis, uma infinita soma de interesses e de  vozes  em  conflito. As  classes  faliriam.  Todos  são  sujeitos múltiplos  e fluidos,  e  suas  vozes  se  dão  de  diferentes  lugares  e  posições  de  forma caótica,  com  certas  regularidades,  contudo,  inapreensíveis  em  suas totalidades. As ciências assumiriam na prática suas insuficiências, e o amor e o  ódio  voltariam  aos  palcos  de  discussão  sobre  a  humanidade.  Sobre  os saberes humanos, veríamos, pelo olhar da contingência de Gilberto Freyre, que  estes  são  visivelmente  produzidos  a  partir  do  caos  e  das  paixões humanas, e sua propagação se dá de igual forma contingente, transmitidas a 

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partir desta linguagem igualmente não estável e que permite leituras plurais mesmo  de  uma  tabela  de  dados  científicos.  Pelas  vias  da  contingência veríamos que  a política não  tem  controle  exato do que  faz,  lida  com uma massa  volúvel de pessoas,  e  que  a  corrupção  e  as  alianças  se dão muitas vezes  por  conflitos  pessoais.  Assumiremos  que  as  falências  de  grandes empresas  são  os  furos  de  um  sistema  caótico,  que  muitas  vezes  não responde  como  se  espera a um  conceito  ideológico  lançado,  e que mesmo uma  alta  soma de  capital  e um  alto poder de  aliciamento não  é  capaz de evitar  equívocos,  e  que  não  basta  anunciar,  é  preciso  sorte  para  que  um produto emplaque no mercado. 

Cada  área  do  real,  social  e  individual,  necessitaria  de  um  olhar mais apurado sobre as assunções de suas contingências. Entender e assumir que infinitos eixos sociais incidem de forma caótica sobre cada evento do mundo é demasiado intricado, contudo necessário para que tal pensamento não soe mero abandono de busca de respostas.  

  

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BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 9. ed. São Paulo: Hucitec, 1999 [1929‐1930]. 

______. O discurso no romance. In: Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução de Bernadini et al. 4. ed. São Paulo: Unesp, 1998. p. 71‐133 [1934‐1935]. 

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991/1999. 

_______. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000/2001. 

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FARACO, C. A. Linguagem & diálogo: as idéias linguísticas do círculo de Bakhtin. Paraná: Criar edições, 2003. p. 45‐108. 

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HEGEL, G. W. F. Como o senso comum compreende a filosofia: seguido de  A Contingência em Hegel de Jean‐Marie Lardic. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. 

HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Niemeyer, 1927/1993 

LYOTARD, François. A condição pós‐moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979/ 2000. 

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ZIZEK, Slavoj. Um mapa da ideologia / Theodor W. Adorno... [et. al.J ; organização Slavoj Zizek; tradução Vera Ribeiro. ‐ Rio de Janeiro : Contraponto, 1996. 337 p. 

 

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A REALIDADE FOTOGRÁFICA E A ILUSÃO HIPER‐REALISTA  SOB O OLHAR BAKHTINIANO 

  

Helder Marques Batista1 Valdemir Miotello2 

  

Introdução  

Segundo  a  famosa  lenda  renascentista,  Michelangelo,  extasiado  ao concluir “Moisés”, bateu com o martelo no  joelho da estátua de mármore e perguntou  perché  non  parli?  (porque  não  falas?),  intrigado  com  tamanha perfeição dessa escultura. Porém, não diferente àquela época, o fato de que determinadas  materialidades  são  consideradas  a  pura  duplicação  da realidade,  do  poder  de  aprofundamento  e  abstração  perante  um determinado  objeto,  de  estar  ou  sentir‐se  presente  no  próprio  ambiente retratado,  ou,  a  contra  ponto,  de  nos  enganarmos  com  uma  “ilusão  bem sucedida”  (GOODMAN, 1985 p. 34), ainda permite a construção de várias hipóteses científicas. 

Algumas imagens são tão reflexivas que podem ser utilizadas como um instrumento da lei, que as toma como referência para comprovar o próprio ato. Assim  acontece  com  as multas  geradas  pelos  radares  de  trânsito  ou vídeos registrados pelas de câmeras de segurança. A respeito disso, Aumont (2009, p. 197) comenta que:  

[...]  até  as  imagens mais  automáticas,  as  das  câmaras  de  vigilância,  por exemplo,  são  produzidas  de  maneira  deliberada,  calculada,  para  certos efeitos  sociais. Pode‐se pois perguntar  a priori  se, em  tudo  isso, a  imagem tem alguma parte que  lhe  seja própria:  será  tudo, na  imagem, produzido, 

                                                            1  Aluno  Especial  do  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade 

(PPGCTS), [email protected] 2  Professor Associado  II da Universidade Federal de São Carlos,  lotado no Departamento de 

Letras. Atua também como professor do Programa de Pós‐Graduação em Ciência, Tecnologia e  Sociedade  (PPGCTS)  –  Linha  de  Pesquisa  3:  Linguagens,  Comunicação  e  Ciência, [email protected] 

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pensado  e  recebido  como momento  de  um  ato  –  social,  comunicacional, expressivo etc?3 

 Consideremos  que  determinados  meios  de  refiguração  são  bastante 

complexos. Dão uma impressão “exata” do que é real, como a fotografia, por exemplo. Para Roland Barthes (1990, p. 36), ela representa o ter estado aqui:  

Ao que parece,  só  a oposição do  código  cultural  e do não‐código natural pode  traduzir  o  caráter  específico  da  fotografia  e  permitir  avaliar  a revolução  antropológica que  ela  representa na história do homem, pois o tipo de consciência nela  implícita é sem precedentes; a  fotografia  instaura, na verdade, não uma consciência do estar aqui do objeto  (o que qualquer cópia poderia fazer), mas a consciência do ter estado aqui. 

 Contudo,  conceitos  filosóficos pensados por Mikail Bakhtin nos  fazem 

crer que qualquer forma de enunciado por intermédio da imagem (pinturas, desenhos, esculturas, vídeos,  fotografias, entre outros), ou mesmo diálogos que se  relacionam melhor com outro  sentido humano que não o da visão, são  tão  analógicos,  ou melhor,  dialógicos,  quanto  qualquer  outro  tipo  de materialidade.  Pois  podem  carregar  valor(es)  ideológico(s)  que  nos possibilitam contatar “outras vozes”. 

Dessa  forma,  este  trabalho  pretende  valer‐se  da  filosofia  Bakhtiniana para  que  seja  possível  compreender  alguns  pontos  interessantes  sobre  a constituição do  que  é  real  ou  ilusório  inerente  a  imagem  fixa. Para  tanto, também  será  necessário  buscar  as  falas  de  outros  teóricos,  e  de  teorias distintas, para dar suporte ou mesmo confrontar este pensamento base.  

Para que não haja possibilidade de abstração no diversificado universo imagético,  que  possui  inúmeras  possibilidades  de  materialização,  será necessário  delimitar  o  campo  desta  análise.  E  o  foco  será  dado  à  duas modalidades  de  expressão  artística  que,  aparentemente,  ou  melhor, visualmente, parecem ter sido geradas pelas mesmas vias, mas que se valem de técnicas amplamente distintas para serem concretizadas. 

Uma delas,  já mencionada, é a  fotografia. É considerada uma  revolução antropológica, um  registro e não uma  transformação. A máquina  fotográfica é 

                                                            3   Em A  Imagem, Aumont  (2009), encontramos muitas  ferramentas, pontos de vista e  teorias 

para que  esta  questão  ilusória da  imagem  seja bem desenvolvida. Como o  interesse deste estudo  não  é  de  reaplicar  a  análise  de  Jacques  Aumont,  novas  perspectivas  deverão  ser colocadas em prática. Elas serão mencionadas no decorrer desta introdução. 

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um aparato mecânico que garante objetividade, ausente de carga ilusória em determinadas instâncias, segundo Barthes (1990). É notável que a impressão condicionada pela  luz  (photo)  trouxe muito benefício à sociedade e evoluiu bastante desde o século XIX, quando o seu primeiro registro foi feito. Porém, também deixou uma dúvida que perdura: se propriamente pertence ou não ao  instante  de  sua  captura.  Seria  a  absorção  e  aprisionamento  da variabilidade luminosa um fragmento do tempo/espaço? 

A  fotografia  é  carregada  de  signos  e  estes  são  tão  bem  refigurados perante  a  nossa  compreensão  de  realidade  que  a  faz  pertencer  a  uma categoria  singular,  hegemônica,  onde  há  mais  de  um  século  dá  espaço apenas para seus próprios avanços.  

No entanto, antes do primeiro registro fotográfico, o homem utilizava a gravura,  a  ilustração,  o  desenho,  a  pintura,  para  melhor  descrever  as características de  suas descobertas  científicas  (Darwin, Leonardo Da Vinci, entre outros), ou simplesmente retratar a realidade do cotidiano. A menção faz referência ao nosso segundo objeto de análise: o hiper‐realismo. Trata‐se de  um  gênero  artístico  contemporâneo  que  ainda  possui  base  teórica bastante  estrita.  Nasceu  nos  Estados  Unidos  por  intermédio  de  pintores como  Ralph  Goings,  Don  Eddy,  Robert  Bechtle,  entre  outros.  Foi influenciado  pelo  foto‐realismo,  outra  vertente  artística  desenvolvida  nos anos 1960, naquele mesmo país. 

O  gênero Hiper‐realismo  foi  escolhido  com  a  intenção  de  estabelecer uma relação comparativa com o primeiro objeto desse estudo: a  fotografia. Isto  se  torna  possível  pelo  fato  de  serem  formas  de  refiguração  tão semelhantes à percepção visual, porém, totalmente distintas tecnicamente. E as expressões artísticas hiper‐realistas nos fazem repensar num aspecto que antes parecia pertencer exclusivamente à fotografia: a fidelidade para com a realidade. 

As  pinturas,  desenhos  ou  esculturas  hiper‐realistas  são  tão  reais,  tão refigurativas,  que  levam  o  observador  a desacreditar  na  própria  realidade, pois, ao contemplar este tipo de arte, não fica explícita a sua procedência, se foi criada através de habilidades manuais (humana) ou se foi capturada por um  aparato  fotográfico  (mecânico).  Apesar  dos  artistas  hiper‐realistas também  se  expressarem  por  intermédio  de  esculturas,  nesta  explanação daremos prioridade apenas as refigurações relacionadas com a imagem fixa, como pinturas e desenhos. 

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Sobre a realidade na fotografia e a ilusão hiper‐realista  A ideia para este estudo surgiu a partir da leitura de Roland Barthes, O 

óbvio  e o Obtuso  (1990), mais especificamente no capítulo denominado pelo autor de A Retórica da Imagem. Lá encontra‐se um depoimento detalhado que singulariza  a  fotografia.  Afirma  Barthes  que  essa  se  destaca,  em determinadas  instâncias, de outros  tipos de representação pelo  fato de que há,  em  toda  fotografia,  a  evidência  sempre  estarrecedora  do  isso  aconteceu  assim: temos então, precioso milagre, uma realidade da qual estamos protegidos. Nota‐se que a fotografia é enaltecida. Não por falta de merecimento, pois não temos hoje  tecnologia  que  possa  superar  o  seu  nível  de  representatividade,  tão pouco com tamanha rapidez. 

Outra literatura importante para constituir os pensamentos acerca desse estudo  foi  o  livro  A  Imagem  (2009),  de  Jacques  Aumont.  Nele,  há  uma reunião de importantes e diversificados relatos sobre analogia, mimetismo e outros  temas  relacionados  às  tentativas de  refigurar  a  realidade. Aumont, citando Barthes, afirma:  

Durante muito tempo considerou‐se a analogia como um processo do “tudo ou nada”: uma  imagem era ou não era analógica e, se o  fosse, seu sentido correspondia à sua semelhança com a realidade. Foi contra essa concepção de  um  “purismo  icônico”  (Ch. Metz)  que  reagiu,  com meios  variados,  a maioria  das  abordagens  recentes  da  imagem.  Em  particular,  o  trabalho semiológico  desenvolvido  nos  anos  60  na  Europa,  em  redor  de  Roland Barthes, de Umberto Eco, de Christian Metz, muito contribuiu para desligar teoricamente a noção de imagem da de analogia (p. 204). 

 Na  mesma  publicação,  também  há  um  pequeno  resumo  sobre  o 

pensamento de Nelson Goodman em relação a analogia. E este também foi um ponto estimulante. Em Languages Of Art (1984), ele afirma que a analogia é um acidente na história das produções humanas e que a mesma:  

jamais  perfeita  –  é  uma  das modalidades,  não mais  importante  do  que outras, de um processo mais  amplo que  chamamos de  referência  (2009, p. 201) . 

 As  problemáticas  surgiram  a  partir  dessas  leituras  que  acabamos  de 

mencionar.  Já  a  pretensão  de  desenvolve‐las  terá  como  base  a  teoria Bakhtiniana. Não apenas em publicações da própria “autoria” de Bakhtin, 

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como  Marxismo  e  Filosofia  da  Linguagem  (2009),  onde  encontramos pensamentos  importantes  referentes  aos  signos,  por  exemplo.  Passemos  a encarar os objetos desse estudo – fotografia e a pintura hiper‐realista – como signos:  

Cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas  também um  fragmento material dessa  realidade. Todo  fenômeno que funciona  como  signo  ideológico  tem uma  encarnação material,  seja  como som,  como massa  física,  como  cor,  como movimento  do  corpo  ou  como outra coisa qualquer (2009 p. 33). 

 Buscando soluções 

 De acordo com os resultados obtidos pelo empenho do homem ao longo 

da  sua  evolução  em  capturar  ou  manufaturar  imagens  (hiper)realistas, refigurativas  ao  extremo,  alguns  aspectos  são  ainda  pouco  esclarecidos  e necessitam  de  uma  nova  interpretação.  Por  exemplo,  a  característica conferida à imagem de ser dotada de valor realista ou ilusório –  já que esta também  pode  transmitir  incontáveis  relações  valorativas  –  é  passível  de análise seguindo‐se uma metodo de pesquisa  teórico com base na  filosofia Bakhtiniana. Mas de que forma?  

Como vimos  a  cima, pode‐se pensar nos  signos que  sobrepujam  esses suportes. Na fotografia: o seu formato dimensional, as texturas, se impressa, se  observada  num  monitor  (televisão,  computador,  celular,  etc.),  seus métodos de produção, se digital, em preto e branco, sépia ou colorida. Todos esses  signos  constituem‐na  como  tal.  Assim  como  os  da  pintura  hiper‐realista: se produzida com pincel, caneta esferográfica,  lápis, em  tinta óleo, em  papel,  em  tela  de  algodão,  digital,  a  partir  da  observação  de  uma fotografia, etc. Além disso, não relacionados especificamente ao formato de cada um, mas igualmente entre os dois objetos citados, existe a intenção de representar algo. Obviamente, esses propósitos também estão  impregnados por signos. 

De acordo com Bakhtin (2009, p. 31), “[...] tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo.” Então, já se torna possível emparelhar as vias do  signo  e da  ideologia para  tentar  encontrar  respostas. Por  exemplo: quais  são  os  signos  ou  ideologias,  que  constituem  primorosamente  a realidade  na  refiguração?;  porém,  para  enriquecimento  desta  abordagem, 

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além da definição de signo ideológico, existem outros conceitos que interagem mutuamente  e  que  podem  auxiliar.  Não  faz  sentido,  ou  talvez  não  seja necessário, deixá‐los de lado, pois contribuirão juntamente para uma melhor compreensão do tema.  

Prosseguindo,  Bakhtin  nos  diz  que  a  ideologia  surge  através  da comunicação entre dois ou mais sujeitos (de sujeito para sujeito). Nesse caso, deve‐se  observar  qual  influência  um  representou,  representa  ou  pode representar  para  o(s)  outro(s)  mediante  aquela  inter‐relação.  Então,  a alteridade já pode ser distinguida.  

Além do mais, a fidelidade visual entre os objetos desse estudo, aponta para um outro caminho conceitual, que  também está paralelamente  ligado aos que  já  foram mencionados: o  dialogismo. Se grande parte das pinturas hiper‐realistas são produzidas a partir da observação de uma fotografia, isso significa que a obra hiper‐realista se torna dialógica, pois a arte faz menção a um  outro  objeto  (fotografia). Como  vimos, muitas pinturas  hiper‐realistas são produzidas a partir da observação de fotografias. Nesse caso, tornaria‐se a  representação  da  representação,  ou  a  refiguração  da  refiguração,  pois  a fotografia também refigura algo essencialmente. 

Os  conceitos  de  signo  ideológico,  de  dialogismo  e  alteridade  podem  ser ferramentas  básicas  para  se  estudar  esse  aspecto  valorativo  aplicado  às imagens. Porém, essa é apenas uma pretensão especulativa. 

No entanto, concretamente, pode‐se buscar auxílio  teórico em  Imagem Máquina  (2001),  organizado  por André  Parente, mais  especificamente  no capítulo escrito por Arlindo Machado denominado Anamorfoses cronotópicas ou a quarta dimensão da imagem, onde o autor faz uso do conceito de cronotopia para melhor descrever o processo de captura de imagens “realistas”.  

O  termo  cronotopo  deriva  da  teoria  de  Mikail  Bakhtin  (1981:84ss),  no contexto da análise literária, e foi, por sua vez, inspirado na idéia expressa pelo  físico  Albert  Einstein  de  uma  indissolubilidade  das  categorias  do tempo e do espaço. Como se sabe, a teoria da relatividade encara o tempo como a quarta dimensão do espaço, o que implica uma concepção de tempo como algo que pode ser materializado (2001 p. 100). 

   Afirma o autor que a materialização anamófica do  tempo, pela via 

imagética, pode ser encontrada na cronofotografia, no trabalho desenvolvido pelo  célebre  fisiologista  francês  Étienne‐Jules  Marey  em  1882.  Ele  conseguiu observar  que  as  distintas  fases  do  movimento  aparecem  fundidas  no  mesmo 

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suporte, dando como resultado uma espécie de gráfico do deslocamento do corpo no tempo‐espaço. O diálogo entre diferentes teorias utilizadas pelo autor, para a concepção desse trabalho é devidamente argumentado. 

 Conclusão 

 É  importante  ressaltar  mais  uma  vez  que  ao  longo  desse  apanhado 

foram  citados  alguns  fatos  para deixar  explícito  que diferentes  formas de refiguração da  realidade  foram desenvolvidas durante o passar do  tempo. Hoje  temos  a  fotografia,  por  excelência.  Ao  que  parece,  de  acordo  com diversas teorias, ela acaba por ser dotada de um imenso grau de fidelidade com a realidade, por conta de sua habilidade de capturar diretamente a luz e por  não  desperdiçar  ou  deixar  intervalos  entre  o  fim  e  o  início  de  sua captura,  o  que  a  diferencia  de  outras  categorias  de  refiguração  como  o cinema, por exemplo, de acordo com Barthes (1990) e Machado (2001). 

Porém,  no  caso  do  último,  em  sua  ideia  de  anamorfose  cronotópica  ele identifica que o tempo é dissolvido até o ponto de alterar a própria matéria em  algumas  fotografias.  Ao  que  parece,  basicamente,  quanto  maior  o intervalo de captura, maior a possibilidade de conseguir criar esse  tipo de experiência.  E,  nesse  caso:  essa  seria  uma  boa  maneira  de  refigurar  a realidade?  Marey  desenvolveu  o  fuzil  fotográfico  e  conseguiu  estender  a captura da realidade numa única imagem, fundido os instantes. Essa técnica, ensinou toda uma geração de artístas a reinventar a visão, como Duchamp. Esse, por sua vez, propôs movimento ao cubismo a partir daí.  

Hoje, através do hiper‐realismo,  também  temos uma  resposta artística, artesanal,  à  refiguração  da  realidade,  do  tempo‐espaço.  Porém,  apesar  de todo o empenho dos artistas plásticos em tentarem ser fiéis à realidade, essas materializações,  ao  menos  teoricamente,  não  conseguem  atingir  em nenhuma instância o nível refigurativo da fotografia, por mais desenvolvida e trabalhosa que seja. Dessa forma, há, desde o surgimento fotografia, uma constante tentativa desses artistas em tentar validar as suas refigurações ao mesmo  nível,  seja  representando  o  movimento  ou  buscando  mínimos detalhes, que ora nos iludem com tamanho sucesso.     

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Referências  AUMONT, Jacques. A imagem. 14 ed. São Paulo: Papitus, 2009. 

BAKHTIN, Mikhail.  Estética  da  criação  verbal.    2  ed.  São  Paulo: Martins  Fontes, 1997. 

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2009. 

BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. 

FERREIRA,  José  Luiz.  Hiper‐realismo  (breve  abordagem).  E‐book: http://migre.me/bNqkI 

GOMBRICH, Ernst Hans. A história da arte. 16 ed. São Paulo: Ltc, 2000. 

GOODMAN, Nelson. Languages of art. 2 ed. Indianápolis: Hackett, 1984. 

PARENTE, André. Imagem máquina. 3 ed. São Paulo: 34, 2001. 

RIBEIRO,  Ana  Paula  Goulart;  SARMENTO,  Igor.  Mikhail  Bakhtin:  linguagem, comunicação e cultura. São Paulo: Pedro & João, 2010. 

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A ABORDAGEM TEÓRICA BAKHTINIANA  E O PROCESSO DE INDEXAÇÃO: DIÁLOGOS 

  

Roberta Cristina Dal’ Evedove Tartarotti1 Vera Regina Casari Boccato2 

 O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, 

 é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode‐se 

compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta,  

de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja.  

Bakhtin/Volochinov3   

Introdução  

O  filósofo  russo  Mikhail  Mikhailovitch  Bakhtin  (1895‐1975)  é considerado um dos maiores pensadores do século XX. Embora seu objeto de  estudo  tenha  sido principalmente  a  linguagem,  a  originalidade de  sua obra reflete seu espírito inovador, considerada de certo modo inacabada e a influência  de  seu  legado  tem  sido  sentida  nas  Ciências  Humanas, especialmente nos campos da Linguística, Literatura, Psicologia, Educação e História. Em seus ensaios, Bakhtin constituiu a base da perspectiva dialógica da linguagem, cuja concepção teórica também é denominada de dialogismo:  

Bakhtin defende a tradição do pensamento filosófico cuja visão de mundo vê a realidade  aliada  a  características  como  diversidade,  heterogeneidade,  vir  a  ser, inacabamento e dialogismo, opondo‐se ao ponto de vista da realidade como unidade, homogeneidade, estabilidade, acabamento e monologismo (FIORIN, 2006, p. 11). 

                                                            1Mestranda  do  Programa  de  Pós‐Graduação  em  “Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade”, 

Universidade  Federal  de  São Carlos  (UFSCar),  campus  de  São Carlos,  SP.  Bibliotecária  da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Email: [email protected] 

2 Profa. Dra. do Departamento de Ciência da Informação, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de São Carlos, São Carlos, SP. Email: [email protected] 

3  BAKHTIN,  M.  M.  (VOLOSHINOV,  V.N.).  Marxismo  e  filosofia  da  linguagem:  problemas fundamentais do método sociológico na ciência da  linguagem. Trad. do  francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 9.ed. São Paulo: Hucitec, 1999. 

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 Na  introdução do Dicionário  de Biblioteconomia  e Arquivologia, Cunha  e 

Cavalcanti (2008) esclarecem que o critério básico para inclusão de um termo foi seu uso potencial ao longo do exercício profissional da multifacetada área de Ciência da Informação, contribuindo para o fortalecimento da área. Nessa obra, encontramos o significado4 do verbete diálogo: “1.conversação, real ou fictícia, entre duas ou mais pessoas, havendo troca de  ideias e opiniões em busca de um acordo; 2.documento em forma de conversação com objetivos de  explanação  ou  didático;  3.troca  de  dados  ou  informações  entre  dois sistemas.”  (CUNHA  e  CAVALCANTI,  2008,  p.  122). Mais  recentemente, fundamentadas  em  seu  pensamento  dialógico,  pesquisas  tem  apontado  a interdisciplinaridade  de  seus  conceitos  com  o  campo  da  Ciência  da Informação.  

Em estudo recente apresentado à comunidade científica, Bufrem, Arboit e Sorribas (2011) realizaram um  levantamento, em artigos de periódicos da área, de  citações de documentos da  teoria do Círculo de Bakhtin ou Círculo Bakhtiniano  (CB)5,  em  busca  da  influência  teórica  desse  pensamento  no campo  da  Ciência  da  Informação  no  Brasil.  O  estudo  revela  que  a interlocução  com  a  teoria  bakhtiniana  é  observada  em  quatro  principais grupos temáticos: grupo 1: comunicação, jornalismo, publicidade, televisão e análise  do  discurso;  grupo  2:  leitura  e  biblioterapia;  grupo  3:  educação, ensino, aprendizagem, educação à distância e educação especial; e  grupo 4: aspectos epistemológicos do campo, mediação da informação e organização e representação do conhecimento (grifo nosso). 

No  entanto,  com  base  neste  levantamento,  as  investigações  que dialogam  com  a  teoria  do  Círculo  de  Bakhtin  (CB)  destinadas  à  área  de Organização e Representação do Conhecimento, representada pelo grupo 4, e  as  possíveis  contribuições  desse  diálogo  interdisciplinar  não  abordam pontualmente  o  processo  de  indexação.  Pressupondo‐se  a  carência  de estudos  verticalizados  em  torno  da  teoria  discursiva  bakhtiniana  e  o processo de indexação, a proposta deste artigo é construir reflexões teóricas 

                                                            4  Para  Bakhtin,  a  noção  de  significado  refere‐se  ao  significado  abstrato,  dicionarizado,  que  é 

reconhecido  pelos  linguistas,  enquanto  que  o  sentido  ou  tema  refere‐se  ao  enunciado,  ao significado concreto inserido em um determinado contexto (BAKHTIN, 1999) 

5O Círculo de Bakhtin (CB) refere‐se a um grupo de amigos‐intelectuais de Bakhtin, tais como V. N. Volochinov  e P. N. Medvedev,  com  interesses  filosóficos  comuns, que  se  reuniam para debater suas ideias, principalmente entre 1920 e 1930, na Rússia. CLARK, K.; HOLQUIST, M. Mikhail Bakhtin (1984). Trad. de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1998. 

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iniciais  entre  o  dialogismo  e  a  abordagem  teórica  inglesa  da  indexação presente  na  área  de  Organização  e  Representação  do  Conhecimento, contribuindo  para  as  possibilidades  de  aplicação  desta  abordagem discursiva no domínio da Ciência da Informação. 

 Em busca do paradigma social na Ciência da Informação 

 A Ciência  da  Informação  é  considerada  uma  área  que  historicamente 

surge  dos  problemas  informacionais  da  Sociedade  da  Informação, principalmente  advindos  da  explosão  informacional  cujo  interesse  recai basicamente no acesso à informação. A concepção pragmática caracterizou a gênese da Ciência da Informação, voltada, em um primeiro momento, para a elaboração de produtos e sistemas de representação da informação, quando surge  a  necessidade da  criação de  “[...] meios,  instrumentos  e  instituições que  pudessem  facilitar  esse  acesso.”  (DIAS;  NAVES,  2007,  p.  14).  No entanto,  em  busca  de  metodologias  e  do  fortalecimento  de  sua institucionalização,  campo  passou  a  adquirir  um  caráter  mais  teórico  e interdisciplinar. 

Neste  momento,  é  relevante  considerar  que,  por  ser  a  Ciência  da Informação  um  campo  inerentemente  social,  incide  uma  preocupação  em torno  de  um  paradigma  teórico‐prático  que  agregue  “[...]  enfoques históricos,  culturais  e  sociais do  conhecimento  às  questões  tradicionais de investigação nessa área.”  (ANDERSEN, 20026,  citado por SOUZA, 2007, p. 117). 

Ao  percorrer  o  caminho  histórico  da  construção  epistemológica  da Ciência  da  Informação,  Capurro  (2003)  considera  três  paradigmas:  um primeiro  momento,  caracterizado  pelo  paradigma  físico  (que  considera  a informação como coisa, e, portanto, passível de mensuração); um segundo momento, caracterizado pelo paradigma cognitivo (que lança um olhar sobre o usuário  e  sua  cognição),  e  um  terceiro momento:  o  paradigma  social  (que considera  a  informação  como  parte  dos  processos  e  práticas  sociais  e culturais).   

A  partir  desta  perspectiva  social,  ocorre  uma  alteração  no  paradigma positivista de  seu próprio objeto – a  informação  ‐ onde, de  algo  observável, passa ser considerada sob a ótica de um processo construído, historicamente e 

                                                            6 ANDERSEN, J. Communication technologies and the concept of knowledge organization – a 

medium‐theory perspective. Knowledge Organization, v. 29, n. 1, p. 29‐39, 2002. 

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culturalmente  pelos  sujeitos  que  a  produzem,  a  disseminam  e  a  utilizam (ARAÚJO, 2009, p. 203).   

Deste modo,  a  informação  registrada  em  si  deixa  de  ser  o  principal objeto de  estudo da Ciência da  Informação, para dar  espaço à  informação “[...]  registrada  em um  contexto  específico,  envolvendo  suas  relações  com um  indivíduo  e  seu meio  social.”,  voltando‐se  “[...]  para  uma  dimensão teórica  focada  em abordagens  sóciocognitivas  centradas no  contexto  social da  informação,  do  profissional  e  do  usuário.”  (BUFREM;  ARBOIT; SORRIBAS, 2011, p. 147; DAL’EVEDOVE, 2010, p. 141).  

O processo de leitura documentária está intimamente relacionado com o seu contexto,  fator  esse determinante para  a  realização da  indexação  e,  nessa vertente, os postulados teóricos advindos do paradigma social alicerçam as bases  epistêmicas  do  contexto  sociocognitivo  que  enfatizam  a  interação verbal  e  do  ambiente  social/organizacional  nos  processos  de  indexação  e recuperação da informação (BOCCATO, 2011, p. 18). 

 O  contexto  sociocognitivo  visa  à  representação  e  a  recuperação  da 

informação ao considerar o sujeito inserido no seu contexto social, cultural e histórico. Nessa linha de pensamento, Hjørland (2002) propôs a abordagem da análise de domínio, que possibilita uma análise de domínios de conhecimento de acordo com suas comunidades discursivas7. Tanto o contexto sociocognitivo quanto  a  análise  de  domínio  possibilitam  que  a  informação  seja  tratada tematicamente  em  um  contexto  permeado  por  fatores  sociais  e  culturais (BOCCATO, 2011, p. 19).  

Corroborando  com  o  pensamento  de Hjørland  (2003), Capurro  (2003) defende que, na prática, a  institucionalização desse novo paradigma social em substituição aos paradigmas  físico e cognitivo permite a busca de uma linguagem ideal para representar o conhecimento, considerando que 

[...]  uma  base  de  dados  bibliográfica  ou  de  textos  completos  tem  caráter eminentemente polissêmico ou, como o poderíamos chamar também, polifônico8. Os 

                                                            7As  comunidades  discursivas  representam  distintos  grupos  sociais  sincronizados  em 

pensamento, linguagem e conhecimento inseridos na sociedade moderna (Capurro 2003). 8A perspectiva bakhtiniana  também  comporta a noção de “polifonia” e a  considera elemento 

essencial  de  toda  enunciação,  pois  em  um mesmo  texto  ocorrem  diferentes  vozes  que  se expressam e todo discurso é formado por diversos discursos. De acordo com Bezerra (2005, p.194), a polifonia se define pela convivência e pela interação, em um mesmo espaço (...) de uma multiplicidade de vozes e consciências, que, em um texto, não são objeto do discurso do autor, mas sujeitos de seus próprios discursos. 

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termos  de  um  léxico  não  são  algo  definitivamente  fixo.  O  objeto  da  ciência  da informação  é  o  estudo  das  relações  entre  os  discursos,  áreas  de  conhecimento  e documentos  em  relação às possíveis perspectivas ou pontos de acesso de distintas comunidades de usuários (CAPURRO, 2003). 

 Certamente,  a  comunicação  representa  uma  inter‐relação  enunciativo‐

discursiva  não  apenas  no  contexto  de  usuários  para  com  o  sistema  de recuperação  da  informação, mas  de  todos  os  sujeitos  que  participam  do processo, desde o  autor de um determinado documento, o  indexador,  e o usuário,  posto  que,  em  uma  visão  mais  ampla,  todos  os  sujeitos  estão imersos no contexto social e influenciados por ele, pois, como observa Fiorin (2012,  p.  61),  o modo  de  funcionamento  real  do  discurso  é  dialógico,  ao contrário do que ocorre com a língua. 

A  linguagem  é  essencial  para  permitir  a  circulação  da  informação  na sociedade. Do ponto de vista do Círculo de Bakhtin (CB), a linguagem “[...] é um  produto  da  vida  social  não  petrificado  como  sistema  de  categorias gramaticais  abstratas.” e “[...] uma  realidade  axiologicamente  saturada,  em perpétuo vir a ser.”, seguindo a evolução da vida social (BUFREM, ARBOIT, SORRIBAS, 2011, p. 146). Neste cenário, o profissional da  informação tem um papel de interpretador de textos:  

Pode‐se dizer que o  interpretador é parte do enunciado a ser  interpretado, do  texto  (ou melhor,  dos  enunciados,  do  diálogo  entre  estes),  entra  nele como um novo participante.  (...) O  texto não  é um objeto,  sendo por  esta razão  impossível  eliminar  ou  neutralizar  nele  a  segunda  consciência,  a consciência de quem toma conhecimento dele (BAKHTIN, 2003, p.  233; 329 (3.ed.)  

 Nesta vertente, o texto não é um objeto criado pelo autor, mas um objeto 

reconstruído a partir do contato com outros  textos. A  informação depende das  interpretações dadas pelos  sujeitos que  se  relacionam  com  ela  e nessa interação, a informação passa a se caracterizar como enunciados.  

De acordo com Freitas (1994, p. 137), a experiência discursiva individual de cada sujeito desenrola‐se em uma constante interação com os enunciados individuais  de  outros  sujeitos,  ou  seja,  um  enunciado  está  repleto  de nuances  ideológicas  “[...]  e  nosso próprio pensamento  é  constituído  nessa interação dialógica com pensamentos alheios.”  

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Na realidade, o ato de fala, ou, mais exatamente, seu produto, a enunciação, não  pode  de  forma  alguma  ser  considerado  como  individual  no  sentido estrito  do  termo;  não  pode  ser  explicado  a  partir  das  condições psicofisiológicas  do  sujeito  falante.  A  enunciação  é  de  natureza  social (BAKHTIN, 1999, p. 109). (grifo do autor) 

 A este respeito, Gaspar e Reis  (2010) consideram que a atividade de se 

formular  um  enunciado  é  individual,  “[...] mas,  ao mesmo  tempo,  é  uma atividade que obedece a convenções sociais conforme a situação em que o enunciado terá sua circulação.”  

Ao  resgatar  a  ideia  de  intersubjetividade,  tais  estudos  apontam  para  o caráter construído da informação e para o papel ativo dos sujeitos que atuam no âmbito dos sistemas de informação e para além destes. Juntos, tais estudos recuperam  as  dimensões  material  e  cultural  em  que  se  dão  os  fluxos informacionais (ARAÚJO, 2009, p. 202) (grifo nosso). 

 Nesta  abordagem  fenomenológica,  o  sujeito  passa  a  ser  um  elemento 

ativo na construção da  informação,  tornando um desafio ainda maior para os  sistemas  de  recuperação  da  informação  integrarem  seus  interesses  e conhecimento, manifestados nas relações discursivas.   

Os  sentidos,  a  partir  da  abordagem  dialógica,  projetam‐se  como  efeitos, sendo  assim,  irredutíveis  a  uma  só  possibilidade,  apesar  de  em determinados  contextos  enunciativos haver  sentidos predominantes. Com isso, os efeitos de sentidos existem a partir de construções discursivas, das quais o  sujeito “não é a  fonte de  seu dizer”, uma vez que  se constitui, de modo  dinâmico,  com  a  instituição  histórico‐social.  Em  outras  palavras,  o sujeito e os sentidos constroem‐se discursivamente nas interações verbais na relação com o outro, em uma determinada esfera de atividade humana (DI FANTI, 2003, p. 98). 

 Desse modo,  é  neste  novo  paradigma  que  se  instaura  no  campo  da 

Ciência  da  Informação,  que  podemos  denominar  de  sociodialógico,  que  a busca de metodologias  adequadas  no  tratamento  temático da  informação, mais especificamente no processo de indexação em sistemas de recuperação da  informação  torna‐se  um  desafio  ainda  maior  para  o  profissional  da informação, conforme veremos a seguir.  

  

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Perspectivas bakhtinianas no processo de indexação: alguns apontamentos  No  intuito  de  se  investigar  os  fenômenos  que  resultam  no 

desenvolvimento  de  práticas  aplicáveis  aos  problemas  de  organização  e acesso às informações documentais, a área de Organização e Representação do Conhecimento da Ciência da  Informação dispõe do  arcabouço  teórico‐prático  necessário  no  que  tange  à produção,  tratamento  e  recuperação da informação/conhecimento na  sociedade,  tendo o  tratamento da  informação como elo complementar entre a produção e o uso de informações.  

O tratamento da informação, como uma subárea da área de Organização e  Representação  do  Conhecimento,  refere‐se  a  um  conjunto  de procedimentos que  incidem sobre um conhecimento socializado,  tendo seu produto  social  que  tem  uma  utilidade  social  e  individual.  Por  estarem inseridos  em uma  abordagem  social,  estes mesmos procedimentos variam de acordo “[...] com os contextos em que são produzidos ou os fins a que se destinam,  pois  é  a  partir  destes  que  se  desenvolvem  os  parâmetros  de organização.” (GUIMARÃES, 2009, p. 106). 

Segundo Café  e  Sales  (2010, p.  120), na  atualidade  a  relação dialógica entre  os  contextos  de  produção  e  de  uso  da  informação  é  perceptível  na dimensão temática “[...] especialmente na era da internet, em que o estímulo por  buscas  de  informações  reside  preponderantemente  no  conteúdo informacional.” 

Em  busca  de  seu  fortalecimento  epistemológico,  a  organização  da informação  tem  seus  fundamentos  teórico‐práticos  nas  abordagens  de tratamento temático da informação: a análise documental9 (de origem  francesa) da catalogação de assunto  (de concepção norte‐americana) e da  indexação  (de concepção  inglesa)  (GUIMARÃES,  2009).  Neste  contexto,  destaca‐se  a Linguística  como  representante  das  primeiras  relações  interdisciplinares com a área de Organização e Representação do Conhecimento da Ciência da Informação. 

A  indexação  pode  ser  definida  como  “[...]  um  processo  executado  nos objetos  suscetíveis de  ser  representados mediante  conceitos  e as  solicitações 

                                                            9 O uso da  expressão Análise Documental  substitui  a  clássica Análise Documentária  de  origem 

francesa, considerando‐se que, na  língua portuguesa, a derivação dos adjetivos precedentes dos substantivos terminados em –nto (comportamento, monumento, departamento, etc.), faz‐se mediante o sufixo –al (comportamental, monumental, departamental, etc.) (GUIMARÃES; NASCIMENTO; MORAES, 2005, p. 135). 

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dos  usuários  para,  em  última  instância,  satisfazer  necessidades  de informação.”  A  eficiente  recuperação  em  um  sistema  de  recuperação  da informação como os catálogos coletivos online ou bases de dados depende da qualidade  deste  processo.  Além  disso,  teoricamente,  qualquer  objeto  é passível de ser indexado ou representado por meio de conceitos em busca da satisfação de necessidades específicas de informação (GIL LEIVA, 2008, p. 64). 

Diante  do  exposto,  considera‐se  que  a  indexação  consiste  em  um processo  formado  por  subprocessos  ou  etapas  que  tem  como  objetivo identificar o conteúdo de um documento, por meio de uma metalinguagem construída  –  a  linguagem  documental  ‐  no  intuito  de  promover  a  efetiva recuperação da  informação. Embora  não  consensuais  na  literatura,  tem‐se como  principais  etapas  do  processo  de  indexação:  leitura  documental; análise  de  assunto  ou  identificação  de  conceitos;  seleção  de  conceitos  e tradução de conceitos. Em síntese, a qualidade da indexação está relacionada à  capacidade  de  reconstruir  o  assunto  tratado  em  um  documento  em conceitos para recuperação posterior pelo usuário do sistema de informação. 

Do ponto de vista da análise de assunto ou identificação de conceitos, a complexidade do processo de indexação está relacionada à interação entre o texto  e  o  leitor  durante  um momento  específico:  a  leitura.  Sob  a  ótica  de Alliende  e Condemarín  (1987,  p.  26),  “[...]  a  leitura  está  longe  de  ser  um processo  passivo:  todo  texto,  para  ser  interpretado,  exige  uma  ativa participação do leitor.” Além disso, a complexidade da análise de assunto ou identificação  de  conceitos,  conforme  Guimarães  (2009,  p.  108),  está relacionada  a  três  parâmetros  de  análise:  à  tematicidade  inerente  do documento  (aboutness); ao  contexto no qual o documento  está  inserido;  e à política de indexação do sistema de recuperação da informação.  

Na indexação, elementos constituintes da operação são o indexador e o documento:  sem  o  indexador  nem  o  documento  não  há  indexação,  assim como  não  haverá  interação  do  indexador  com  o  documento  sem  leitura, entendendo‐se  por  leitura  o  processo  de  compreensão  do  conteúdo  do documento. Para Bakhtin  (2003, p.  319),  “[...]  a  compreensão de um  texto sempre  é  um  correto  reflexo  do  reflexo. Um  reflexo  através  do  outro  no sentido do objeto refletido.” 

O  indexador,  portanto,  é  um  leitor  que  interage  com  o  texto  para cumprir o objetivo da indexação, pois “[...] o acontecimento da vida do texto, isto é, a sua verdadeira essência, sempre se desenvolve na  fronteira de duas consciências,  de  dois  sujeitos.”  (BAKHTIN,  2003,  p.  311).  Assim,  o 

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estabelecimento  dos  conceitos  tratados  num  documento  envolve  três aspectos  principais:  a  compreensão  do  conteúdo  do  documento,  a identificação dos  conceitos que  representem  este  conteúdo  e a  seleção dos conceitos  válidos  para  recuperação,  superpostos  durante  a  leitura  do documento. 

Na  linguagem documentária utilizada  em  sistemas de  recuperação da informação,  os  descritores  são  uma  linguagem  controlada  utilizada  para representar o conteúdo temático de um documento. Enquanto os descritores primários  são  aqueles  escolhidos pelo  indexador  como mais  significativos para a representação do conteúdo temático de um documento, os descritores secundários  são  aqueles  escolhidos  como  menos  significativos  para  a representação do conteúdo temático (BIREME, 2008, p. 35). 

A perspectiva teórica bakhtiniana nos  leva a refletir que, na  indexação, primeiramente é preciso olhar para dentro do  texto e compreender dentro do mesmo sua proposta  temática,  inerente ao  texto, considerando as pistas que  levam  ao ponto de vista do  sujeito‐autor. O papel do  sujeito‐analista, indexador, é o de mediador entre o  texto e seu sujeito‐leitor, considerando que “[...] o  interpretador é parte do enunciado a ser  interpretado, do  texto (ou melhor, dos  enunciados, do diálogo  entre  estes),  entra  nele  como um novo participante.” (BAKHTIN, 2003, p. 329).  

Em um segundo momento, realizar o que se denomina de cotejamento10 com outros textos, saindo do texto em si e o confrontando com outros textos, com outros assuntos que tenham o mesmo discurso, colocando uma relação dialógica e interdiscursiva, por meio da mediação da linguagem, sem que se altere a materialidade.  

O sentido da palavra é  totalmente determinado por seu contexto. De  fato, há  tantas  significações possíveis  quantos  contextos possíveis. No  entanto, nem, por  isso a apalavra deixa de ser una. Ela não se desagrega em tantas palavras  quantos  forem  os  contextos  nos  quais  ela  pode  se  inserir. Evidentemente, essa unicidade da palavra não é  somente assegurada pela unicidade de sua composição fonética; há também uma unicidade inerente a todas as suas significações. (BAKHTIN, 1999, p. 106) 

 Considerando  que  “[...]  o  essencial  na  tarefa  de  decodificação  não 

consiste em reconhecer a forma utilizada, mas compreendê‐la num contexto                                                             

10  Por  cotejamento,  entende‐se  um  estabelecimento  de  comparação  em  busca  de semelhanças/diferenças entre os textos. 

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concreto  preciso,  compreender  sua  significação  numa  enunciação particular.” (BAKHTIN, 1999, p. 92), na prática profissional, outros assuntos do  contexto  poderiam  ser  adicionados/associados  aos  termos  gerais  de indexação, agregando valor à leitura documental e a seus produtos oriundos do processo de indexação, compondo um corpus temático caracterizado pelos assuntos/descritores  primários  (principais),  assuntos/descritores  secundários  e assuntos/descritores  contextuais.  O  sistema  de  informação  permitiria  uma reorganização  dos  assuntos  conforme  as  buscas  realizadas  pelos  sujeitos, recuperando  documentos11  relacionados  entre  si  em  uma  perspectiva discursiva, pautando‐se por distintas relações que se instauram no outro, de acordo com cada perspectiva dos sujeitos.  

De um ponto de vista realmente objetivo, percebendo a língua de um modo completamente  diferente  daquele  como  ela  apareceria  para  um  certo individuo, num dado momento do tempo, a língua apresenta‐se como uma corrente evolutiva ininterrupta (BAKHTIN, 1999, p. 91). 

  A relação dialógica que estabelece para Bakhtin é a relação entre eu e o 

outro, mediada pela  linguagem,  sem a qual não haveria esta  inter‐relação, ou  seja,  todas  essas  relações  são  pautadas  pelo  uso  da  linguagem.  Para mudar  o  sentido,  não  é  necessário  mudar  o  objeto,  o  documento,  a materialidade  sócio  histórica,  mas  o  ponto  de  vista  sobre  aquele determinado objeto de análise.  

Bakhtin é o  filósofo da diferença, não é uma perspectiva do  igual, mas desse  jogo  entre  o  objeto  e  seus  pontos  de  vista  pelos  sujeitos,  entre  o objetivismo  e o  subjetivismo no  contexto discursivo. Ou  seja, não  se pode mudar  a  materialidade,  mas  o  sentido,  percebendo  “[...]  seu  caráter  de novidade e não somente sua conformidade à norma.”  (BAKHTIN, 1999, p. 92). O novo é exatamente as vozes que estão entrando na interação. 

 Ora, se o princípio constitutivo de um sujeito se dá pelas trocas interativas constantes com outros sujeitos, ao escritor (ou sujeito‐autor) não é possível escapar dessa  realidade. O  autor‐criador  só poderá  se  constituir  como  tal por  meio  da  intervenção  avaliativa  e  valorativa  de  um  outro‐leitor  no processo  de  composição  de  seu  texto.  (...)  São  as  vozes  sociais  já 

                                                            11 Por documento, entende‐se qualquer tipo de textos ou objetos passíveis de interação entre os 

sujeitos. Na perspectiva bakhtiniana, existe uma relação com o outro e não com o objeto, que se humaniza. 

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determinando o produto  final da  sua obra, ou o próprio  texto. São outras consciências. Na realidade, o outro que constitui este sujeito enquanto autor é  o  leitor,  sua  audiência. É  ele  que  avalia  e  atribui  o  valor necessário,  os sentidos  possíveis  do  texto  a  partir  de  sua  posição  verbo‐axiológica. (LEITÃO, 2011, p. 77) 

 Desta maneira,  Lucas  (1997,  p.  52)  concorda  que  em  uma  abordagem 

discursiva,  a  representação  não  significa  a  simples  substituição  de  uma palavra por outra, mas realizada “[...] a partir da interpretação e configura a dispersão  do  sujeito  e  suas  diferentes  posições.”  É  possível  observar  os diferentes sentidos atribuídos à indexação – gesto de leitura do bibliotecário ‐  avaliando  o  que  Lancaster  (1993),  um  clássico  pesquisador  da  área  de indexação,  escreve  sobre  as diferentes  indexações  atribuídas  a um mesmo texto,  sinalizando  os  interesses  dos  usuários  como  motivadores  destas inconsistências:  

[...]  não  existe  um  conjunto  ʺcorretoʺ  de  termos  de  indexação  para documento  algum.  A  mesma  publicação  pode  ser  indexada  de  forma bastante diferente em diferentes centros de informação, e deve ser indexada de modo diferente, se os grupos de usuários estiverem  interessados nesses documentos por diferentes razões.  

 Na perspectiva discursiva do processo de  indexação,  todos os sentidos 

são possíveis e, dependendo das condições de produção, há a dominação de um dentre  eles. O que  existe,  afinal,  “[...]  é um  sentido dominante que  se institucionaliza como produto da história: o literal.” (ORLANDI, 1990). 

 Considerações finais (iniciais) 

 A corrente teórica da indexação da área de Organização e Representação 

do Conhecimento, ao adaptar ou propor uma metodologia que garanta uma eficiente  análise  de  assunto  dos  documentos,  em  qualquer  que  seja  sua materialização  ‐  deve  admitir  que  esta  ocorre  na  leitura  documental, envolvendo, para isso, um processo de compreensão a ser mais investigado sob a ótica de outros campos científicos como a Linguística, que têm o texto escrito  como objeto de  estudo,  com  a qual  é preciso  estabelecer  interfaces teóricas e metodológicas. 

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Nesta  busca  interdisciplinar  que  contribua para  o  aperfeiçoamento da indexação,  verifica‐se  que  a  concepção  discursiva  bakhtiniana  possibilita novos  olhares  colaborativos,  no  sentido  de  não  apenas  realizar  a identificação  de  conceitos  inerentes  aos  documentos,  mas  permitindo  a incorporação  de  aspectos  referentes  ao  contexto:  sociais,  ideológicos, culturais, políticos, cognitivos, econômicos, éticos e estéticos que circundam a própria materialização dos textos. Dessa forma, considera‐se que o sujeito que produz,  interpreta ou  lê os  textos é constituído de outros sujeitos para compor  seu  próprio  repertório  discursivo.  Diante  de  uma  indexação centrada apenas no texto, desvinculada de elementos discursivos, o desafio é encontrar uma resposta que incorpore estes aspectos. 

A  partir  destas  prerrogativas,  acredita‐se  que,  em  uma  visão  mais ampla, contextual, social, e discursiva, a abordagem bakhtiniana da Análise do  Discurso  (AD)  –  cujo  interesse  recai  no  teor  ideológico  ‐,  aliada  aos aportes  teóricos  da  Análise  Documental  (AD)  –  cujo  interesse  recai  em identificar  e  selecionar  conceitos que possibilitem  a  recuperação  ‐,  embora correntes  teóricas  distintas, mais  do  que  apenas  compartilhar  do mesmo acrônimo,  constituem  uma  potencial  ferramenta  na  análise  de  um determinado texto pelo profissional da informação. 

Por fim, este novo olhar possibilita uma interlocução, um diálogo entre o texto  e  os  sujeitos  que  atuam  nas  comunidades  discursivas  –  sejam  eles produtores (autores), analistas (bibliotecários) e leitores (usuários) – em um contexto, um  espaço de vozes que  se  inter‐relacionam  e que  transforma o conhecimento  e  a  linguagem  em  um  constante  “vir  a  ser”,  elevando efetivamente  o  processo  de  indexação  a  um  patamar mais  que moderno: contemporâneo.   Referências  ALLIENDE,  F.;  CONDEMARÍN, M.  Leitura:  teoria,  avaliação  e  desenvolvimento.  Trad. de José Cláudio de Almeida Abreu. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. 

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JECA TATU E CHICO BENTO:  O CAIPIRA SOB A ÓTICA DO DIALOGISMO BAKHTINIANO 

  

Milene Rosa de Almeida1 Luzia Sigoli Fernandes Costa2 

  

Lá no interior é que eu fui criado E desde pequeno eu fui esforçado Fazendo lavoura neste rico Estado 

Com a minha enxada, a foice e o machado Todas madrugada os galo cantava Muito satisfeito eu me alevantava 

E a minha enxada eu logo amolava E rumo ao serviço eu já caminhava 

No findar o dia o sor descabava Deixava o trabaio pra casa eu voltava 

(Viver na roça – Tião Carreiro e Pardinho)  

O ambiente rural,  tão ressaltado nas canções sertanejas como sendo de muito trabalho na roça, simplicidade e cercado pela rica natureza, é o pano de fundo do presente trabalho.  

A  economia  rural  da  região  sul  e  sudeste  do  Brasil  teve  seu desenvolvimento iniciado em meados do século XVIII. No estado de Minas Gerais, a Corte Portuguesa voltou seus interesses econômicos à mineração e posteriormente à agricultura das terras situadas na região Sudeste e Sul do Brasil.  O  Estado  de  São  Paulo,  especificadamente,  teve  como  principais atividades a cana‐de‐açúcar e posteriormente o café. 

Além das transformações econômicas, damos destaque ao estereótipo do habitante desse ambiente, o caipira. Estereótipo, de acordo com o Dicionário 

                                                            1 Mestranda do Programa de Pós‐Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade, UFSCar, São 

Carlos,  SP;  Bibliotecária  Documentalista  do  Instituto  Federal  de  Educação,  Ciência  e Tecnologia de São Paulo, campus Catanduva, [email protected] 

2 Doutora em Ciência da Informação – UNESP e mestre em Engenharia de Produção – UFSCar. Docente do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal de São Carlos e do Programa de Pós‐Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade – UFSCar – São Carlos, SP, [email protected] 

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UNESP  de  Português Contemporâneo  (BORBA,  2004,  p.  556,  grifo  nosso) designa: 

1  fórmula que  se  repete;  lugar‐comum;  chavão: A novela  quer  fugir  dos estereótipos.  2  imagem  preconceituosa  que  se  tem  a  respeito  de  tipos  de pessoas ou coisas: A associação de termos negativos com certos grupos só faz reforçar os estereótipos. 

 Já para a análise do discurso, Charadeau e Maingueneau (2004) afirmam 

que  estereótipo  se  configura  como  sendo  a  representação  coletiva cristalizada, e que acabam por  fixar, estratificar, uma  imagem negativa ou positiva de determinado grupo social. 

Em ambas as definições,  fica claro que o estereótipo é um pré‐conceito nocivo,  formado no  imaginário das pessoas a respeito de um grupo social. Ora, vemos a todo o momento, principalmente nos meios televisivos, negros serem  representados  como bandidos,  escravos ou  empregados de  famílias brancas; japoneses vendendo pastéis; e o caipira, tema do presente artigo, ser apresentado  como  o  ignorante,  que  se  veste  mal,  se  comporta  mal  nos lugares “da cidade”, e tem um linguajar que foge das normas cultas. 

Assim,  o  presente  artigo  tem  como  objetivo  realizar  uma  reflexão utilizando  a  teoria  dialógica  de  Bakhtin  aplicada  a  dois  personagens  que representam a figura do caipira: Jeca Tatu e Chico Bento. 

 O ambiente rural como patrimônio 

 Os  registros deixados por nossos  antepassados  acerca de  seu passado 

cultural  e  intelectual,  sejam  eles  por  meio  de  objetos,  pinturas,  escrita, oralidade, dentre outros, constituem‐se em um desafio da atual sociedade, uma vez que requer cuidados em sua preservação e tratamento. 

O Brasil tem como grande fonte de estudo e pesquisas o ambiente rural, devido à sua variedade de bens, tanto materiais como imateriais. 

Junto  às  transformações  econômicas,  citadas  anteriormente,  outro aspecto  a  destacar  são  as  construções  nas  fazendas  e  principalmente  os costumes e tradições ali existentes. 

Segundo Nakagawa, Costa e Scarpeline (2011, p. 5), nas últimas décadas, tem  ocorrido  no  Brasil  uma  maior  consciência  da  importância  de  bens expressivos da riqueza da diversidade cultural do país, pelo poder público, iniciativa privada e sociedade civil. 

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A palavra patrimônio, de acordo com Galves (2008), em sua concepção inicial  relacionava‐se  às  estruturas  familiares,  econômicas  e  jurídicas,  ou seja, há apenas o sentido material e econômico.  

Já patrimônio cultural é definido por Isidro Fernández‐Aballí (2009, p. 1, tradução nossa) como sendo: 

 […] o conjunto de objetos tangíveis que contam a nossa memória e definem a nossa  identidade, como museus e suas coleções, arquivos, obras de arte, elementos  ou  estruturas  de  carácter  arqueológico,  parques,  edifícios, materiais  iconográficos,  literária,  teatro,  cinema  e  música,  tendo  valor universal  excepcional do ponto de  vista  histórico,  estético,  antropológico, etnológico, artístico e científico para a Humanidade. 

 Discordamos do  autor ao  se  referir apenas aos objetos  tangíveis  como 

constituintes do patrimônio cultural, uma vez que objetos intangíveis, como as tradições, folclores, costumes locais, festas e celebrações também formam a identidade de um povo. 

O Brasil trouxe para si a herança europeia de preservação do patrimônio histórico,  através  de  um  conjunto  de  leis.  A  Constituição  da  República Federativa do Brasil de 1988 afirma que o bens materiais e imateriais que se referem  à  identidade  da  sociedade  brasileira  constituem  o  patrimônio cultural brasileiro, devendo estes serem protegidos e preservados. 

Tognon (2007) define o patrimônio cultural rural como sendo o conjunto de registros materiais e  imateriais decorrentes das práticas, dos costumes e das  iniciativas  produtivas  que  se  estabelecem,  historicamente  e territorialmente, na área rural.  

O  pesquisador  ainda  ressalta  que  tal patrimônio  cultural  rural possui um  perfil  múltiplo,  em  escalas  e  tipologias,  que  contemplam  não  só  as fazendas históricas e os complexos produtivos antigos, mas também usinas e barragens  para  a  implementação  das  pioneiras  redes  de  produção  e distribuição  de  energia  elétrica  do  campo  e  da  cidade,  pontes,  diques, ferrovias, enfim, registros edificados no território agrário que se somam aos acervos artísticos, bibliotecas, arquivos, equipamentos e máquinas,  festas e arte popular, hábitos, costumes, crenças e modos de fazer. 

Segundo Costa (2011), nas últimas décadas, tem ocorrido no Brasil uma maior  consciência  da  importância  de  bens  expressivos  da  riqueza  da diversidade  cultural  do  país,  pelo  poder  público,  iniciativa  privada  e sociedade civil. 

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A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, segundo Oriá (2010,  p.  9),  elevou  “[...]  à  categoria  de  direitos  fundamentais  da  pessoa humana os direitos culturais.”, ao consagrar dois princípios: o princípio da cidadania  cultural,  que  garante  a  todos  o  pleno  exercício  dos  direitos culturais  e  o  acesso  às  fontes  da  cultura  nacional;  quem  garantirá  esses direitos  é  o  Estado,  que  por  sua  vez,  também  apoiará  e  incentivará  a valorização  e  a  difusão  das  manifestações  culturais;  e  o  princípio  da diversidade  cultural,  no  qual  o  Estado  tem  a  obrigação  constitucional  de proteger  as manifestações  culturais populares,  indígenas, afro‐brasileiras  e de outros grupos que fazem parte do processo civilizatório nacional. Vemos assim  que preservar  a memória  é  garantir  às  gerações  futuras  conhecer  o processo de civilização e formação cultural de um determinado espaço. 

 O habitante do ambiente rural: o caipira 

 O  caipira  surgiu  na  região  Sudeste  brasileira  e,  através das  bandeiras 

expandiram‐se  para  o Centro‐Oeste. De  acordo  com  Linhares  (2004,  p.  1) este é o resultado “[...] da miscigenação entre os colonos portugueses, índios e alguns negros que a eles se juntaram”,  

Com  o  final  do  ciclo  da  mineração,  no  final  do  século  XVIII,  os habitantes das regiões de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso espalham‐se, retomando o modo de vida rústico da antiga população paulista, compondo a cultura caipira (RIBEIRO, 1995).  

Esse deslocamento  faz  com que o  trabalho de  construção da memória seja algo não  individual, mas sim coletivo, como vemos em diversas  letras de modas de viola, que ressaltam as riquezas da natureza, o modo de vida do campo, dentre outros temas. Para Bosi (1994, p. 64), “[...] a matéria‐prima da  recordação  não  aflora  em  estado  puro  da  linguagem  do  falante  que lembra;  ela  é  tratada,  às  vezes  estilizada,  pelo  ponto  de  vista  cultural  e ideológico do grupo em que o sujeito está situado.” 

Destaca‐se,  dentro  da  cultura  caipira,  o  linguajar,  demasiado  peculiar que, de acordo com Linhares (2004, p. 1):  

Entre os vários elementos que fazem parte da cultura caipira, a linguagem é, seguramente, um dos mais marcantes na  identificação do caipira como tal. Fluente  e  objetiva,  muitas  palavras  são  abreviadas  ou  reduzidas  pela metade, em alguns casos suprime‐se a concordância de número e em outros casos pronuncia‐se os  fonemas de maneira um  tanto diferente do “padrão 

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formal”.  Essas  são  algumas  das  características  que  singularizam  o  falar caipira.  

 Bakhtin  apresenta  como  sendo  um  de  seus  fundamentos  a  natureza 

social e dialógica da linguagem, uma vez que a linguagem é o instrumento que faz ocorrer a comunicação, seja ela visual ou falada. 

O autor ainda afirma que:  

[...] e não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos que criá‐los pela primeira vez no processo de fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, comunicação verbal seria quase impossível. (BAKHTIN, 2003, p. 283). 

 Para ele,  todos  fazem  parte  de  um  jogo,  e  apresentamos  ideologias 

diversas,  ideologias  essas  que  nascem  na  infraestrutura,  não  na superestrutura  do  cotidiano,  modificando  o  modo  de  pensar  a  todo momento.  

Com  relação  ao  estereótipo  e  seus  fenômenos,  Bakhtin  os  retoma  nas noções de intertexto e interdiscurso, afirmando que todo enunciado retoma e responde  necessariamente  à palavra do  outro,  o  que  se  apresenta  inscrito nele;  ele  é  construído  sobre  algo  já  dito  e  já  pensado,  sendo modulado  e eventualmente  transformado.  O  locutor  se  apoia  em  estereótipos, representações coletivas e crenças partilhadas para se comunicar e agir sobre seus alocutários. (TORRECILLAS, 2008, p. 1). 

Os estereótipos se  fazem presente a  todo momento, seja representando racismo (preto que mora na favela e é associado ao crime), pobreza (vivem na mendicância, pedindo em semáforos e revirando  lixo para comer restos de comida), ignorância (a pessoa que não fala respeitando as concordâncias da língua, ou então não sabe se comportar em ambientes diferentes do seu), religião  (evangélica  que  usa  saia  comprida,  camisa  fechada,  cabelos compridos  e  tem  a  Bíblia  à  mão),  machismo  (homem  forte,  que  agride fisicamente  ou  verbalmente  aqueles  que  discordam  de  sua  opinião), homossexualidade (homem com trejeitos femininos ou mulher com trejeitos masculinos), dentre  outros. Estes  estereótipos muitas  vezes  não  condizem com  a  atual  realidade,  trazendo  um  sentido  pejorativo  e  distorcido  da realidade. 

Para  ilustrar o artigo, mostraremos dois personagens  caipiras bastante conhecidos: o Jeca Tatu, que faz parte do conto Urupês, encontrado na obra 

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homônima (1918), do autor Monteiro Lobato, e Chico Bento, personagem de estória em quadrinhos, de autoria de Maurício de Souza.  

Em Urupês, o caipira/caboclo é bastante criticado por Monteiro Lobato e, conforme Torrecillas (2008, p. 2),   

[...] o  texto  contrapõe‐se a uma  tradição,  inaugurada por  José de Alencar, que apontava a mestiçagem do índio com o branco como geradora de uma nação forte. Monteiro Lobato mostra o contrário. Sua teoria institui a tese do caboclismo,  ou  seja,  a mistura  de  raças  gera  um  tipo  fraco,  preguiçoso, passivo. 

 Monteiro Lobato descreve o caipira como sendo um tipo  inerte a todas 

as situações, um tipo que não gosta do trabalho, e dedica‐se à colher apenas o que a natureza lhe oferece, e é alheio ao progresso tecnológico e econômico do país.  

A nossa montanha é vítima de um parasita, um piolho da terra, peculiar ao solo brasileiro como o “Argas” o é aos galinheiros ou o “Sarcoptes mutans” á  perna  das  aves  domesticas.  Poderiamos,  analogicamente,  classifica‐lo entre as variedades do “Porrigo decalvans”, o parasita do couro cabeludo produtor da ʺpeladaʺ, pois que onde ele assiste se vai despojando a terra de sua coma vegetal até cair em morna decrepitude, nua e descalvada. [...] Este funesto parasita da  terra é o CABOCLO, especie de homem baldio,  semi‐nomade, inadaptavel á civilização, mas que vive á beira dela na penumbra das zonas fronteiriças. Á medida que o progresso vem chegando com a via ferrea, o  italiano, o arado, a valorização da propriedade, vai ele refugindo em  silêncio,  com  o  seu  cachorro,  o  seu  pilão,  a  picapau  e  o  isqueiro,  de modo a sempre conservar‐se fronteiriço, mudo e sorna. Encoscorado numa rotina de pedra, recua para não adaptar‐se. (LOBATO, p. 271‐272, 1956).3 

 Embora  essa  ideologia  pejorativa  de Monteiro  Lobato  não  possa  ser 

tomada como verdade indiscutível, a figura do Jeca Tatu como um símbolo do  caipira  brasileiro  resulta  em  uma  concepção  ideológica  de  uma identidade de um povo, que pouco sabe sobre política, avanços científicos e demais assuntos considerados modernos demais para um povo que  reside em um ambiente tão arcaico como o rural.  

                                                             

3  ‐ A citação foi transcrita respeitando fielmente as normas gramaticais da edição de Urupês de 1956. 

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Perguntem ao Jéca quem é o presidente da Republica. ‐ “O homem que manda em nós tudo? ‐ “Sim. ‐ “Pois de certo que ha de ser o imperador.  Em materia de civismo não sobe de ponto. ‐ “Guerra? T’esconjuro! Meu pai viveu afundado no mato p’ra mais de cinco anos por causa de guerra grande. Eu, para escapar do “reculutamento”, sou inté capaz de cortar um dedo, como o meu tio Lourenço... (LOBATO, p. 287, 1956) 4 

 Já  o  personagem  de  estórias  em  quadrinhos  Chico  Bento,  criado  por 

Maurício de Souza em 1961, tem entre cinco e sete anos de  idade, mora na roça, onde gosta de brincar e pescar. Ele tem uma família bastante simples e harmoniosa, namora a Rosinha, e tem como melhor amigo o Zé Lelé. Ele é representado como sendo o caipira que anda descalço, usa chapéu de palha, e calça xadrez.  

Nota‐se, no quadrinho abaixo, que há diferenças não apenas no dialeto urbano e caipira, como também há diferenças culturais entre esses tipos. 

 

  

Figura  1.  Chico  Bento,  de Maurício  de  Souza.  Fonte:  http://www.monica.com.br/ comics/halloween/pag1.htm 

 Através do signo  linguístico, composto por significante e significado, o 

sistema da língua se mostra de forma material. Já como forma normativa, ele se mostra como norma social. Bakhtin (2002) defende a contínua mutação da 

                                                            4 ‐ A citação foi transcrita respeitando fielmente as normas gramaticais da edição de Urupês de 

1956. 

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língua,  pois  uma  vez  que  a  tratamos  como  algo  acabado,  demonstramos indiferença em  relação às  inovações  linguísticas;  lembrando que a  reflexão linguística de  caráter  formal‐sistemático  é  incompatível  com  a  abordagem histórica e viva da língua.  

A  forma  linguística  vista  apenas  como  sinal  não  tem  nenhum  valor linguístico.  Para  Fiorin  (2006),  na  concepção  de  Bakhtin,  a  língua  em  sua totalidade,  concreta, viva e em  seu uso  real,  tem propriedade dialógica. O diálogo é um acontecimento entre sujeitos, uma das formas interação verbal. De acordo com Bakhtin/ Volochínov (2002, p. 123), 

 O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode‐se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda a comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. 

 Os  enunciados  constituem‐se  como  sendo  unidades  reais  de 

comunicação, de modo que a palavra em si e o seu significado são neutros. Já o diálogo estabelece‐se entre as relações de sentido entre os enunciados.  

O  plano  da  responsividade  é  uma  importante  forma  de  relação dialógica,  que  acontece  entre  dois  enunciados  pertencentes  a  diferentes vozes, o qual temos Bakhtin afirmando que o homem é um ser de resposta, entendido  não  apenas  em  relação  de  concordância,  mas  também  como rejeição, confronto, confirmação ou complementação. Para Bakhtin (2003, p. 300), “[...] o enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva e não pode  ser  separado  dos  elos  precedentes  que  o  determinam  tanto  de  fora quanto de dentro, gerando nele atitudes responsivas diretas e ressonâncias dialógicas”.  

Desse modo, o diálogo se  firma no âmbito da  linguagem. Cada réplica expressa  a  posição  do  locutor,  sendo  possível  tomar,  com  relação  a  essa réplica, uma posição responsiva. Assim, em cada réplica há reconhecimento da reciprocidade entre o eu e o outro dentro do enunciado, caracterizando, assim,  o  diálogo.  Reconhecer  o  caráter  dialógico  implica  entender  que qualquer  desempenho  formal  dentro  do  enunciado  é  constituído  numa relação, ou seja, numa alternância de vozes.  

   

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Considerações finais  Antes de qualquer  tipo de análise  com  relação ao discurso  e à  língua, 

devemos considerar a instabilidade desta última, pois há variações conforme a  época  e  os  costumes.  Vemos  em  Monteiro  Lobato  e  Chico  Bento  a representação do habitante da área rural, o caipira. 

Ressaltamos ainda a questão da modernização que em ambos os casos é um  “privilégio”  apenas  da  população  citadina,  que  vive  cercada  por inúmeras  produções  culturais,  como  o  teatro,  o  cinema,  as  inovações tecnológicas,  ou  seja,  vivem  próximos  da modernidade  e  da  democracia, enquanto o morador do ambiente rural é visto como um ignorante, alheio à cultura que vem da cidade, assim como das tecnologias que por lá se fazem presentes. Além disso, há a questão da língua do habitante rural, ou “dialeto caipira”, com uma pronúncia diferenciada, que foge ao uso da norma culta da língua. 

Embora a norma culta represente um padrão de maior aceitação social, não  se  deve  interpretar  as  variações  encontradas  em  uma  determinada comunidade como um fator de discriminação, mas sim como uma variação que  traz  riqueza  à  cultura  de  um  determinado  país.  Ainda,  devemos considerar  que  as  variedades  linguísticas  existem  por  servirem  como interação verbal entre certos grupos sociais. 

Com  relação  à  representação  da  figura  do  caipira  e  sua  parodização, finalizamos  o  presente  artigo  com  o  seguinte  trecho  de  Bakhtin  (2002,  p. 208):  

Assim,  a parodização,  justamente onde  ela não  é um  fim  em  si, mas  está unida  à  função de  representação, pode,  sob  certas  condições,  ser perdida muito  rápida  e  facilmente pela percepção ou  então  ser  significativamente debilitada.  Já  dizíamos  que,  numa  autêntica  representação  em  prosa,  o discurso  parodiado  opõe  uma  resistência  dialógica  interna  às  intenções paródicas: pois  o discurso não  é um material  inerte,  objetal nas mãos do artista  que  o manipula, mas  o  discurso  vivo  e  lógico,  em  tudo  fiel  a  si mesmo, que pode tornar‐se extemporâneo e cômico, revelar a sua estreiteza e unilateralidade, cujo sentido, porém, uma vez obtido, não pode jamais se extinguir  totalmente.  E  em  condições  diferentes  este  sentido  pode  fazer jorrar centelhas novas e claras, queimando a crosta objetal que o envolve e, por conseguinte, privando a acentuação paródica de fundo real, eclipsando‐a e apagando‐a. 

 

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Com  isso,  vemos  que  não  somente  a  língua,  como  também  a personificação de um  tipo,  como  é  o  caso do  caipira,  são  representados  e reinterpretados de diversas formas conforme o decorrer dos tempos. 

  

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DISCURSO FAMILIAR NOS FILMES DE ALMODÓVAR  

Eliana Mantovani Malvestio5 Nádea Regina Gaspar6 

  

Introdução  

A pesquisa que segue descreve parte de um projeto de pesquisa, e busca apresentar a figura da mulher, ou antes, a função do sujeito “feminino”, nos filmes de Pedro Almodóvar. Recorremos para  tanto, à  teoria da análise do discurso de Michel Foucault  (1995) em sua compressão sobre “enunciado”. Através dos conceitos da análise do discurso podemos relacionar  textos de diferentes:  épocas,  suportes,  gêneros,  materialidades  e  sujeitos  distintos. Foucault  (1995,  p.  134)  diz  que  a  análise  do  discurso  revela  como  os diferentes  textos  se  “[...]  remetem  uns  aos  outros,  organizam‐se  em  uma figura única, entram em convergência com instituições e práticas, e carregam significações que podem  ser comuns a  toda uma época.” Tomando‐se  isso como  pressuposto,  os  sentidos  produzidos  nas  análises  e  advindos  da circulação  de  enunciados  discursivos  estão  contidos  na  memória  da humanidade, e estão ligados, inicialmente, por uma interdiscursividade. Ou seja, um  livro, um artigo de  revista, uma música, um  filme, não  têm uma fronteira definida e um fim em si mesmos, no que diz respeito ao discurso; eles  estão  imersos  em um  sistema  que  os  remetem  a  outros  textos.  Isto  é possível de ser apreendido, por esta teoria, quando se encontra, por meio do trabalho de  leitura e análise, “o enunciado discursivo”  (FOUCAULT, 2005, 87‐152). 

No sentido exposto, debruçamo‐nos inicialmente, frente a dezessete (17) dos  dezenove  filmes  de  Almodóvar,  e  buscamos  encontrar  o  enunciado discursivo, tal como o compreende Foucault (1995), por meio do nosso olhar atento aos: “sujeitos”,  fixando‐nos nos  femininos, “série”, “materialidade”, “campos que  se  associam”. Considerando, porém, que precisávamos  fazer 

                                                            5 Mestranda do Programa de Pós‐graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade.Integrante do 

Laboratório  de  Análise  do  Discurso  da  Imagem  (LANADISI/CNPq).    UFSCar; [email protected] 

6  Professora  Doutora  do  Programa  de  Pós‐graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade. Coordenadora  do  Laboratório  de  Análise  do  Discurso  da  Imagem  (LANADISI/CNPq). UFSCar; [email protected] 

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recortes, próprio a todo trabalho de pesquisa, delimitamos três (3) filmes de Almodóvar  para  a  análise:  “Tudo  sobre  minha  mãe”  (1999),  “Fale  com  ela” (2002) e “Volver” (2006). 

Nos  pronunciamentos  dos  sujeitos  femininos,  a  cada  vez  que  eles  se apresentavam nos filmes, a análise foi‐nos revelando que começava a surgir uma  configuração  em  que  era  possível  associar  a  figura  dos  sujeitos femininos  com  a  dos  “cuidados”  que  esses  despendiam  para  com  outros sujeitos,  no  caso,  personagens  fílmicos.  Foi  deste modo  que  conseguimos observar a presença  constante de um enunciado que permeará  todo nosso trabalho:  “a  prática  dos  cuidados  realizados  por  sujeitos  femininos  aos  seus familiares”. Esse enunciado, advindo desses filmes, desse diretor, tornou‐se o “pano  de  fundo”  ou  a  “linha  temática”  deste  trabalho.  Neste  sentido,  a esfera familiar nos convida a ser visitada. 

 Uma visita à esfera familiar 

 Houve, naturalmente, a coexistência, em determinadas épocas e regiões, 

de diferentes modelos familiares de coabitação, relacionamento, matrimônio, filiação e convivência (ENGELS, 2006). Os laços afetivos, aos quais estavam envoltos  seus membros,  não  era  condição  necessária  para  a  existência  da família; a princípio, seu objetivo  imediato era garantir a sobrevivência dos que dela participavam: “[...] a conservação dos bens, a prática comum de um ofício, a ajuda mútua quotidiana num mundo em que um homem, e mais ainda uma mulher  isolados não podiam  sobreviver,  e  ainda, nos  casos de crise, a proteção da honra e das vidas.” (ARIÈS, 1981, p. 10‐11). 

A  fragilidade do  lar proporcionado pela união por pares, mantinha  a necessidade do  contato  com  o  seio  familiar materno,  com  a  gens. A  forte presença  feminina nas  gens dava  o  tom de um  lar  comunista, um  lar  em comunidade, que “[...] significa predomínio da mulher na casa;  tal como o reconhecimento  exclusivo  de  uma  mãe  própria,  na  impossibilidade  de conhecer com certeza o verdadeiro pai; significa alto apreço pelas mulheres, isto  é, pelas mães.”  (ENGELS,  2006, p.  51). Este predomínio  feminino nos clãs, que se constitui em grande força feminina – verdadeiras comunidades de mulheres, é revelado nos filmes selecionados para esta análise.    

Pierre Bourdieu (2005, p. 124, grifo do autor), outro filósofo francês que consultamos,  posterior  a Michel  Foucault,  traz  a  família  não  como  uma realidade social descrita, apreendida, mas como uma  realidade construída: 

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“A definição dominante,  legítima, da  família normal  [...] apóia‐se em uma constelação de palavras – casa, unidade doméstica, house, home, household”. Assim,  a  família  é  tomada  como  “[...]  um  conjunto  de  indivíduos aparentados,  ligados  entre  si  por  aliança,  casamento,  filiação,  ou, excepcionalmente,  por  adoção  (parentesco),  vivendo  sob  um mesmo  teto (coabitação).”  (Ibid, p. 124). Uma  invenção  recente que  tendemos a aceitar por natural, pois a  família  fora, aparentemente, sempre assim apresentada, sempre com estas configurações que, conforme Bourdieu (2005, p. 125), pode ter uma existência breve, “[...] votada à desaparição mais ou menos rápida (como levam a crer o aumento da taxa de coabitação fora do casamento e as novas formas de laços familiares inventados a cada dia)”.  

Nas  narrativas  de  Almodóvar  em  que  nos  detivemos,  há  uma reformulação  do  tradicional;  o  vínculo  afetivo  entre  as  personagens possibilita  novas  construções  familiares:  “[...]  a  família  tradicional  se despedaça  sistematicamente  nos  seus  filmes, mas  sempre  para  permitir  a criação  de  uma  nova  família,  mais  bizarra  e  sem  dúvida  satisfatória.” (STRAUSS, 2008, p. 123). São “[...] famílias multiformes que se fundamentam na  afeição.”  (Ibid,  p.  216).  Phillippe  Ariès  (1981)  nos  esclarece  que  essa afeição, antes com certo grau de irrelevância, passa a ser necessária entre os membros da  família, sobretudo pela  importância que as crianças passam a adquirir e pela dor da perda de um filho – que deixa de ser “substituível”.  

Almodóvar, em seus filmes, questiona o modelo padrão atual de família. Em “Tudo sobre minha mãe” (1999), por exemplo, o primeiro dos três filmes da  seleção  para  este  estudo,  há  uma  família  atípica  “que  só  dá  valor  ao essencial e para a qual as circunstâncias não  têm  importância”  (STRAUSS, 2008, p. 216). Esta construção com uma travesti na figura de pai, como uma entre muitas possibilidades de arranjo  familiar, marca, para ele, o  final do século  XX  com  a  ruptura  da  família  tradicional.  Afirma,  assim,  a possibilidade  de  famílias  “[...]  com  outros membros,  com  outras  relações, com outras  relações biológicas. E as  famílias devem  ser  respeitadas,  sejam elas como forem, porque o essencial é que os membros da família se amem.” (Ibid,  p.  216).  Como  a  família  normal  não  lhe  satisfaz,  os  amigos  mais próximos  passam  a  compor  a  nova  família  do  homem,  pois  “[...]  como  o animal  precisa  de  outros  animais,  o  ser  humano  precisa  de  outros  seres humanos.” (STRAUSS, 2008, p. 123). 

Encontrar, por meio de associações enunciativas discursivas fílmicas que demonstram as mulheres “cuidando dos familiares” nos fez perceber que a 

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“família”  que  Almodóvar  nos  apresenta  é  bastante  diferenciada  da  que conhecemos  e  aprendemos  “desde  sempre”  no  nosso meio  social  (escola, instituições  religiosas,  etc).  Isso  porque  ele  apresenta  e  antecede  em  seus filmes, ou no arquivo discursivo fílmico que nos propomos a analisar, uma configuração  bastante  atual  sobre  o  modelo  de  “família”.  Ou  seja,  uma “formação”  de  um  “discurso”  sobre  as  constituições  familiares  atuais, pautada em princípios diferenciados, decorrentes do cuidado e do afeto.  

A seguir, então, apresentaremos parte deste percurso  teórico,  tal como propostos por Foucault (1995), em análises dos filmes de Pedro Almodóvar, buscando demonstrar o nosso encontro com esse enunciado e essa formação discursiva. Momento  de  explanar  aspectos  dos  conceitos  e  como  eles  se embatem; momento  em que nossas descobertas  superaram as  expectativas iniciais  e  nos  trouxeram  revelações  inesperadas  –  “o descaminho daquele que  conheceʺ,  conforme  fala Foucault  (1984) na  introdução de “O uso dos prazeres”. O que gera e gesta o real sentido ao conhecimento.  

Comecemos por Foucault.  

Apontamentos sobre a análise do discurso em Foucault  A  arqueologia,  ou melhor,  a  arqueogenealogia,  como nos  explica  Inês 

Lacerda Araújo (2008), constitui‐se pela filosofia crítica do sujeito de Michel Foucault – por sua potencialidade de “[...] localizar ordens ou configurações de saber e delas fazer uma experiência crítica, uma análise.” (ARAÚJO, 2008, p. 96), dirigindo‐se “[...] ao espaço geral do saber [...] e ao modo de ser das coisas que aí aparecem.” (FOUCAULT, 2000, p. xx). 

Segundo Fischer (2001), o discurso não é apenas um conjunto de signos como  comumente aprendemos, pois os  significantes  (observados por meio de palavras, imagens, sons, etc.) carregam significados, em sua maioria não visível,  e  carecem  de  análises  neste  sentido.  Os  signos,  assim,  não  são desprezados nas análises discursivas foucaultianas, pois devem ser operados no movimento da relação analítica, se se considerar, porém, a relação entre eles  e  o  enunciado  discursivo.  Além  de  que,  o  enunciado  discursivo encontra‐se em um grupo de  textos,  formando um dado discurso, gerando um “percurso temático” (GUILHAUMOU, J.; MALDIDIER, D., 1994, p. 163‐183). 

Para Foucault (1995), deste modo, o discurso põe em funcionamento os enunciados,  bem  como  a  relação  entre  eles,  presentes  nas  formações 

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discursivas.  É  por  meio  da  análise  dos  discursos  que  se  revelam  os engendramentos das práticas ocorridas nos meios  sociais. Sendo assim, os pronunciamentos  ‐  feitos por  sujeitos do discurso  ‐  em dada  época,  lugar, meio  social,  são  constitutivos  dos  enunciados  e  carregam  características históricas. 

As  análises  enunciativas  discursivas  revelam  para  o  analista,  deste modo, de que modo os discursos se estabilizam em determinadas formações discursivas  (discursos  religiosos,  científicos,  familiares,  etc.),  ou  de  que modo  os  discursos  “migram”  de  uma  dada  formação  para  outra.  Isso porque, em um momento histórico, há discursos que podem ser enunciados e  outros  que  são  apagados,  silenciados.  Isso  justifica  o  aparecimento  e também a proibição de determinados enunciados como sendo verdadeiros, em detrimento de outros que passam a ser legitimados, revelando a posição e  mecanismos  de  poderes  e  saberes  que  os  indivíduos  ocupam  nos enunciados, enquanto sujeitos de discursos.  

Analisar discursos, assim, significa buscar compreender a maneira como as verdades  são pronunciadas, ou porque algumas verdades  são omitidas, interditadas,  já que “[...] a produção do discurso é controlada, selecionada, organizada  e  redistribuída  por  procedimentos  que  visam  a  determinar aquilo  que  pode  e  deve  ser  dito  em  um  certo  momento  histórico.” (GREGOLIN, on line). 

“O que pode e deve ser dito” em dado “momento histórico” advém de pronunciamentos (verbais e não verbais) que são enunciados por sujeitos, e esses  desempenham  funções  e  posições  na  “ordem  dos  discursos” (FOUCAULT,  1999).  Na  eleição  dos  sujeitos  nas  análises  priorizam‐se aqueles  que  se  encontram  aptos  para  tal  função,  e  devido  a  isso  é  que Foucault  (1995)  distingue  sujeito  e  autoria,  pois  para  ele  o  sujeito  não  é idêntico ao autor. O autor, segundo Foucault (1999, p. 26), é o “princípio de agrupamento do discurso, unidade e origem de suas significações,  foco de sua coerência”. Já, o sujeito do enunciado é concebido por esse autor (1995, p. 109) como: “[...] um lugar determinado e vazio que pode ser efetivamente ocupado por indivíduos diferentes [...]. Descrever uma formulação enquanto enunciado  [...]  [consiste] em determinar qual é a posição que pode e deve ocupar todo indivíduo para ser sujeito.” 

Deste modo, conforme diz Gaspar (2004), o sujeito enunciador se destaca pelo lugar e posição que ocupa no funcionamento discursivo; um lugar, pois seu  pronunciamento  advém  de  diversas  práticas  estabelecidas 

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institucionalmente;  e  a posição, uma vez que,  seu  saber  é  oriundo de um domínio próprio (de vivências) do sujeito que enuncia. Gaspar (2004, p. 276), que  traz  os  procedimentos  foucaultianos  da  análise  do  discurso  para  o ambiente  cinematográfico,  esclarece  que,  “[...]  considerando  o  filme,  é possível  observar  a  existência  de  vários  sujeitos  enunciadores  [...]: personagens,  roteiristas,  fotógrafos,  tradutores,  músicos,  figurinistas, pessoas que  trabalham  com  a mixagem do  som,  editores de  imagem.” De fato,  existem  filmes  em  que  a  fotografia  é  tão  presente  que  o  sujeito enunciador, nesse caso, seria o  fotógrafo ou o profissional que manuseia a câmera; em outros, a música é tão marcante, que talvez o sujeito enunciador pudesse ser o músico ou a música. Isso  indica que, se os sujeitos assumem posições diferenciadas no  funcionamento discursivo, o  autor  – no  caso do filme,  o  diretor  –  assume  a  posição  de  “princípio  de  agrupamento  dos discursos”, pronunciados pelos vários sujeitos enunciadores.  

Diante  do  breve  exposto  teórico,  adentremos,  agora,  nas  práticas discursivas sobre os sujeitos femininos, nos filmes de Almodóvar. 

 Práticas discursivas femininas sobre o “cuidar” da família em Almodóvar 

 Em  cada  um  dos  filmes  analisados  de  Almodóvar,  há  uma  família 

biológica central – composta pelas figuras do pai, da mãe, do filho ou filha, ainda  que, muitas  vezes,  alguns  desses  sujeitos  são  apresentados  apenas pelo nome. Também em cada filme há um sujeito curador de outro, e que é central: Manuela,  em  “Tudo  sobre minha mãe”  (1999); Benigno,  em  “Fale com ela” (2002); e Irene, em “Volver” (2006). Traçando relações discursivas entre eles nota‐se, evidentemente, o zelo empreendido a outras personagens, o  cuidado  especial  que  apresentam  para  com  algumas  delas,  e  as  suas ‘atuações’ como mães.  

Ainda  que,  a  primeira  vista,  pareça  inapropriado  colocar  um  homem como mãe, caso de Benigno, sua conduta ao  longo da narrativa demonstra que ele se mostra como um ser humano que cuida como se  fora uma mãe protetora, ou seja, ele conversa com todos, se preocupa, se doa, e demonstra: “atitudes de mãe”. Julgamos, por  isso, que ele também se  insere na análise juntamente àqueles que têm a “aura da feminilidade”, tendo em vista o seu comportamento na função que ocupa (a de enfermeiro) e o modo delicado e atencioso  como  cuida  de  pessoas,  como  veremos  adiante.  Sendo  assim,  e 

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tendo esse caráter materno, o colocamos em paridade com as mães Manuela e Irene.  

Vejamos como ocorre esse movimento enunciativo em cada um desses filmes de Almodóvar. Em  “Tudo  sobre  minha  mãe”  (1999),  a  família  biológica  “original”  é constituída pelos sujeitos: Esteban, que era um pai ausente e machista e se transforma  em  uma  travesti  (Lola); Manuela,  uma mãe  que  cuida  de  seu filho;  e  Esteban,  um  rapaz  que  morre  ao  completar  dezoito  anos.  No decorrer da narrativa percebe‐se que o pai, mesmo ao assumir a posição de travesti, mantém sua postura machista, afastando Manuela, que foge com o menino Esteban em seu ventre. 

 Com a morte do  filho homônimo ao nome do pai, Manuela o procura para avisá‐lo do ocorrido, trajetória em que ela se adequa a novos membros que  passam  a  ser  sua  família,  agora  não  consanguínea.  Ocorre  que,  na relação  entre  esses  sujeitos,  o  que  se  observa  no movimento discursivo,  é que,  por  um  incidente,  Lola  engravida  (e  abandona)  Irmã  Rosa,  que  não passa bem durante a sua gravidez, necessitando de cuidados. Quem a ajuda, como se fosse a sua mãe, é Manuela, como pode ser visto na figura 5.   

 

 Figura 1. Prática dos cuidados em “Tudo sobre minha mãe” (ALMODÓVAR, 1999). 

 

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Nesta trama, Manuela parece cuidar de todos os que a encontram. Além de ter cuidado de seu filho amado Esteban, cuida também agora de outros membros de sua família não biológica (Huma Rojo e Nina Cruz), e abdica de seu  trabalho  para  prestar  cuidados  a  quem  seria  seu  “novo  filho”  não consanguíneio, advindo da relação de Lola (Esteban) e Irmã Rosa. 

Neste  breve  relato  desse  filme,  sobre  as  (des)construções  e (re)construções familiares, em que os membros vão assumindo identidades, observamos que de modo algum as famílias interagem unicamente entre si, mas se afinam principalmente com pessoas que se encontram entorno delas, como pessoas de outras famílias, os vizinhos e amigos. Este modelo familiar atual, que começa a ser discursivisado nos textos, no caso, em filme, parece ter suas origens em um passado. 

Ariès (1981, p. 11) explica que, no passado, embora o ambiente familiar fosse criado para proteger os seus membros,   

[...]  o  sentimento  entre  os  cônjuges,  entre  os  pais  e  os  filhos,  não  era necessário  à  existência  nem  ao  equilíbrio  da  família:  se  existisse,  tanto melhor.  As  trocas  afetivas  e  as  comunicações  sociais  eram  realizadas, portanto, fora das famílias, num ‘meio’ muito denso e quente, composto de vizinhos, amigos, amos e criados, crianças e velhos, mulheres e homens, em que a inclinação se podia manifestar mais livremente. As famílias conjugais se  diluíam  nesse  meio.  Os  historiadores  franceses  chamariam  hoje  de ‘sociabilidade’ essa propensão das comunidades tradicionais aos encontros, às visitas, às festas. 

 Parece‐nos  que Almodóvar  recria,  sob  parâmetros  atuais  de  conduta, 

este ambiente familiar de outrora. Isso se confirma, no movimento da série enunciativa discursiva, em mais um dos filmes desse autor.  

Em “Fale com ela” (2002), há duas famílias biológicas: a de Benigno, um enfermeiro, e a de Alicia, uma dançarina. Na família de Benigno, sua mãe foi cuidada por ele até sua morte, mas  isso aparece em breves relatos orais ou em cenas de “flash back”, como quando ele diz: “Quando comecei a tomar conta  dela  era  quase  um  menino  [...]  Nunca  saí  do  lado  dela” (ALMODÓVAR,  2002).  Seu  pai,  ausente,  tem  rápida  menção  no  filme, dando‐nos  a  compreender  sobre  seu  afastamento  da  família,  e demonstrando, com  isso, a pouca representatividade que  teve na educação do filho. O doutor Roncero, função ocupada pelo sujeito que é pai de Alicia, se  faz  presente  na  narrativa,  mas  a  identidade  da  mãe  da  moça  passa despercebida  já que não se sabe seu nome, ainda que ela seja rapidamente 

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mencionada em uma conversa entre Benigno e Alicia que relata sua morte ocorrida  há  muito  tempo.  Nesse  filme,  Benigno,  o  enfermeiro,  oferece constantes cuidados à Alicia, que se encontra em coma no hospital em que ele trabalha, como é demonstrado abaixo na figura 6, além de que, ele a ama há muitos anos. 

 

 Figura 2. Prática dos cuidados em “Fale com ela” (ALMODÓVAR, 2002). 

 

Na  trama da narrativa  fílmica, e  focando o que nos  interessa no  texto, percebe‐se, novamente, que novos  laços de  família vão surgindo: Benigno, que  engravida  Alícia  ainda  em  coma,  é  preso,  e  se  mata  na  cadeia, acreditando, que com esse ato, conseguiria produzir um “estado de coma em si mesmo” para “estar  junto com ela”. Contudo, ele tinha um amigo Marco Zuloaga,  e  esse  conheceu Alícia,  que  após  o  aborto,  “renasce”  para  uma nova vida, apaixonando‐se por Marco. Por sua vez, Katerina, professora de balé de Alicia, assume a  função de mãe da dançarina. Ou seja, aqui vemos que  “os  cuidados”  de  sujeitos  com  características  femininas  para  com  os sujeitos  que  precisam  ser  cuidados,  instigam  o  nascimento  de  novos modelos  familiares.  Benigno,  também  estende  seus  cuidados  a  outros sujeitos (na acolhida a Marco, quando se conhecem no hospital e numa visita breve ao quarto de Lydia, a toureira, também em estado de coma). Mantém‐

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se  preocupado, mesmo  estando  na  prisão,  quando  ao  receber  a  visita  de Marco molhado pelo dia chuvoso,  indica‐lhe um copo de  leite quente com mel, para ele não se resfriar, como se fosse mesmo uma “mãe” aconselhando seu filho.  

Novamente neste filme, assim como em “Tudo sobre minha mãe” (1999), o que se observa são sujeitos que desconstroem suas  famílias, previamente estruturadas por modelos tradicionais, para reconstruí‐las em novas formas de vivência  familiares. Sujeitos que  se unem agora, por  laços não  somente consanguíneos,  mas  firmando‐se  sob  o  amparo  de  cuidados:  doados  e recebidos.  

Vejamos  em  mais  um  dos  filmes  de  Almodóvar,  na  cadência  do movimento “serial”, observando os “campos de coexistências” que gestam o enunciado  discursivo,  e  que  retratam  “sujeitos”,  em  que  se  pode  vê‐los, ouvi‐los  e  lê‐los nas “materialidades” verbais  e não verbais,  situações que demonstram os “cuidados familiares”. 

Em “Volver” (2006), temos na família central três gerações matrilineares – a avó Irene, as filhas Raimunda e Sole, e a neta Paula, filha de Raimunda. A figura do pai aparece marginalizada, tanto quanto nos outros dois filmes analisados. Nessa família, a mesma história se repete nas duas gerações: pais que  abusam  de  suas  filhas.  O  marido  de  Irene,  cujo  nome  sequer  fora mencionado, abusa de sua filha Raimunda e a engravida, Paula é fruto deste incesto.  Paula,  por  sua  vez,  é  também  vítima  de  abuso  de  seu  pai  não‐biológico, Paco, marido de Raimunda. Desta vez, o corruptor é morto e não concretiza  o  ato  do  abuso  contra  a  jovem.  Parece‐nos  que  Irene,  exerce amplamente  a  posição  de mãe.  Preocupa‐se  e  cuida  de  suas  filhas  Sole  e Raimunda, cuida durante alguns anos de tia Paula, dá conselhos à sua neta Paula da importância e de como se aproximar de sua mãe. Além de que, ela devota‐se,  também,  à  Agustina,  a  filha  não  consanguínea,  numa  certa compensação por  ter causado a morte de sua mãe, como se vê na  figura 3, que segue. 

  

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 Figura3. Prática dos cuidados em “Volver” (ALMODÓVAR, 2006). 

 

Irene, nesse filme, tal como Manuela em “Tudo sobre minha mãe” (1999) e Benigno  em “Fale  com  ela”  (2002), desempenham amplos  cuidados  com sujeitos  que,  às  vezes  sim,  mas  muitas,  não  descendem  deles.  Ou  seja, observando  atentamente  os  pronunciamentos  dos  sujeitos  femininos  nos filmes  analisados  e  o  modo  como  eles  se  relacionavam  com  os  demais, deparamo‐nos com a posição do sujeito, ou seja: a posição de quem é mãe. Como  se  pode  observar,  eles  não  ocupam,  necessariamente,  a  posição  de mães biológicas àqueles que cuidam. Ao contrário, esses sujeitos são homens (Benigno) na  função de enfermeiro; outros  são mulheres  (Manuela) que se propõem a cuidar de um bebê de seu ex‐marido, que agora é travesti; outros, ainda,  se escondem para  se posicionar  como  cuidadora  (Irene) da  filha da mulher  que  assassinou.  Contudo,  todos  esses  sujeitos,  apesar  de conservarem  suas  características  peculiares,  cumprem  no  movimento  do discurso  a mesma  função materna:  os  que  praticam  o  cuidado  aos  seus assistidos. São sujeitos que demonstram amor e têm afeto àqueles de quem cuidam,  sentimentos  esses,  que  estão  se  fortalecendo  nos  novos modelos familiares.  

Esses sujeitos, parece‐nos, personificam o ideal de mãe para Almodóvar e é por isso que ele as traz para o centro de suas narrativas. 

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A seguir, traçaremos breves considerações sobre esta pesquisa.  Considerações finais 

 Procuramos  apreender  das  famílias  presentes  nas  narrativas 

selecionadas em três filmes de Almodóvar, Tudo sobre minha mãe (1999), Fale com  ela  (2002)  e  Volver  (2006),  modos  distintos  pelos  quais  os pronunciamentos  de  “sujeitos  femininos”  apontaram  para  um  “eixo discursivo” que perpassou a essas três narrativas; e para tanto, recorremos à teoria da análise do discurso de Michel Foucault (1995), em sua compressão sobre o “enunciado”.   

No momento  em  que  aplicamos  os  princípios  de  Foucault  (1995)  nas análises, foi possível observar um dos enunciados discursivos que se fizeram presentes  nos  três  filmes  de  Almodóvar,  selecionados  para  este  estudo: “prática dos cuidados realizados por sujeitos femininos aos seus familiares”. 

Neste universo do “feminino materno”, foi possível recortar “famílias de Almodóvar”, que nos sugeriam:  

a) as  famílias  biológicas  são  compostas  por  três  sujeitos:  pai, mãe  e descendente(s);  

b) as  famílias  biológicas,  em  dado  momento  e  por  razões  diversas, desestruturam‐se, e buscam compor novas famílias, muitas vezes, sem laços de consanguinidade, mas assumindo suas identidades pessoais, relacionam‐se devido à prática do cuidado. 

Há  predominância,  nestes  três  filmes,  de  certa  composição  familiar matriarcal que prevalece no desfecho das histórias, Em “Tudo sobre minha mãe”  (1999)  observa‐se  que  as mulheres  (Manuela, Huma, Agrado,  Irmã Rosa) constroem suas famílias, tanto na intimidade do lar, como também no camarim  de  um  teatro.  Em  “Fale  com  ela”  (2002),  os  locais  em  que  as mulheres (Katerina e Alicia) estabelecem os laços familiares são construídos tanto  nas  aulas  de  dança  como  nos  palcos  de  espetáculos.  Em  “Volver” (2006), a familiaridade advém da comunidade, que se fortalece nas refeições partilhadas entre as mulheres e seus momentos na cozinha.  

Uma primeira  conclusão que  segue  é que Almodóvar  retrata  em  seus filmes que as famílias, nos dias atuais, ainda se constituem legalmente pelos laços  de  consanguinidade:  pai,  mãe  e  descendentes  (consanguíneos  ou adotados), mas elas também se constituem de modos ainda não legitimados, ou fora de padrões sociais previamente estabilizados.  

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Esses  ambientes  familiares,  que  centralizam  as  tramas  de  Pedro Almodóvar  e  a  partir  do  qual  os  filmes  são  desenvolvidos,  demonstram enunciativamente,  a  formação de um discurso, no  caso:  a de um discurso familiar da modernidade. 

  

Referências  ARAÚJO,  Inês Lacerda. Foucault  e  a  crítica  do  sujeito.  2  ed. Curitiba: Ed. da UFPR, 2008. 

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BOURDIEU,  Pierre.  Razões  práticas:  sobre  a  teoria  da  ação.  6  ed.  Campinas,  SP: Papirus, 2005. 

ENGELS, Friedrich. A origem da  família, da propriedade privada  e do Estado. 3 ed. São Paulo: Centauro, 2006. 

FALE  com  ela.  Direção:  Pedro  Almodóvar.  Produção:  Agustín  Almodóvar. [Espanha]: El Deseo S. A.; Vía Digital; Antena 3 Televisión, 2002. 

FISCHER, Rosa Maria Bueno. Foucault e a análise do discurso em educação. Cadernos de  pesquisa,  n.114,  2001.  Disponível  em:  <http://www.scielo.br/pdf/cp/n114/a09n 114.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2012. 

FOUCAULT,  Michel.  A  arqueologia  do  saber.  4  ed.  Rio  de  Janeiro:  Forense Universitária, 1995. 

_____. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984. 

_____. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de Dezembro de 1970. 5ª ed. São Paulo: Loyola, 1999. 

_____. Microfísica  do  poder.  Organização,  Introdução  e  revisão  técnica  de  Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1999. 

GASPAR, Nádea Regina. Foucault na  linguagem cinematográfica. Araraquara: UNESP, 2004,  354f. Tese  (Doutorado  em Linguística  e Língua  Portuguesa)  –  Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2004.  

GREGOLIN, Maria do Rosário. O discurso, o  sujeito  e a História  em A Arqueologia do Saber: Foucault e Pêcheux na Análise do Discurso – Diálogos e Duelos. Disponível em:  <http://cibermidia.blogspot.com/2008/02/o‐discurso‐o‐sujeito‐e‐histria‐em.html>. Acesso em: 15 fev. 2012. 

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GUILHAUMOU, J.; MALDIDIER, D., 1994, p. 163‐183. Efeitos do arquivo: a análise do  discurso  no  lado  da  história.  In:  ORLANDI,  E.  P.  (Org.).  Gestos  de  leitura:  da história no discurso. Campinas: Ed. UNICAMP, 1994. p. 163‐183. 

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TUDO sobre minha mãe. Direção: Pedro Almodóvar. Produção: Agustín Almodóvar. [Espanha]: Renn Productions; El Deseo S. A.; France 2 Cinema, 1999. 

VOLVER. Direção: Pedro Almodóvar. Produção: Agustín Almodóvar. [Espanha]: El Deseo S. A.; TVE; Canal+ España, 2006. 

 

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DISCURSOS CIENTÍFICOS E SABERES:  RELAÇÕES QUE REFLETEM EM NOVAS PROPOSTAS DE 

ORDENAÇÕES NAS LINGUAGENS DA WEB  

Flávia Vieira da Silva Santos1 Nádea Regina Gaspar2 

  

A  web  contemporânea  e  suas  características:  divagações  e  novas possibilidades de apresentação da informação na web   

Atualmente, produção, disseminação e o acesso a  informações na web tornaram‐se mecanismos de comunicação humana muito  importantes, uma vez que hoje em dia é possível produzir e acessar  informações na web de maneira  simples  através  de  ferramentas  que  possibilitam  publicação  de textos,  vídeos,  fotos,  música  e  etc.;  além  disso  é  possível  disponibilizar conteúdos com maior alcance entre as pessoas.  

Entretanto,  alguns  desafios  devem  ser  destacados  quando  se  trata  do volume de  informações e na sistematização das mesma, uma vez que fazer uma busca na web e conseguir resultados satisfatórios, torna‐se uma tarefa cada vez mais difícil. 

Neste  artigo,  discutiremos  as  possíveis  teorias  para  melhor disponibilização  de  informação  na  web,  recorrendo  a  teorias  como  a  da Análise do Discurso de linha francesa, particularmente a de Michel Foucault, tendo  em  vista  a  possibilidade  de  aplicar  determinados  conceitos  desse teórico, no universo da análise de textos da web. 

O  grande  problema  ao  se  realizar  busca  na  web  é  o  excesso  de informação disponibilizada e o chamado “lixo virtual”, como pontua Bonilla (2005,  p.  33):  “[...]  o  principal  problema  é  a  excessiva  abundância  de informação  que  nos  dá  a  rede  [...]  nós  seres  humanos  necessitamos  de filtros.”.  É  comum,  a  qualquer  usuário  da  internet,  ter  dificuldades  para encontrar uma  informação, sem antes ter navegado por outras  informações que não condiziam com o tem pesquisado. 

                                                            1 Mestranda  do  Programa  de  Pós‐graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade;  UFSCar; 

[email protected] 2  Professora  Doutora  do  Programa  de  Pós‐graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade; 

UFSCar; [email protected] 

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Problemas com o tratamento e disseminação da informação, refletem em diversos  seguimentos  da  sociedade  que  necessitam  da  pesquisa informacional para produzirem resultados, como no caso de pesquisadores da área acadêmica. E, além disso, para efeito na sociedade, a Ciência precisa do retorno da sociedade para o decorrer da pesquisa e disponibilização de seus resultados. Bonilla (2005, p. 36) atenta para o fato de novos horizontes para  a  chamada  Sociedade  da  Informação,  no  que  diz  respeito  às oportunidades oferecidas pela comunicação e divulgação científica via web: “[...]  podemos  esperar  que,  em  geral,  a  voz  dos  cidadãos  serão  melhor representados  em  tais  litígios  através  das  oportunidades  oferecidas  pela internet.”. Podemos perceber que na sociedade atual em que vivemos, o uso ideal  da  internet  e  seus  novos  horizontes  apontam  para  pesquisas interdisciplinares na Ciência, se orientando em torno de problemas sociais e não de disciplinas tradicionais. 

Neste  sentido,  a web  abriu  portas  para  uma  comunicação  interativa, além de  auxiliar na disseminação de  conteúdos das mais diversas  áreas  e contribuir  nas  relações  sociais  e  democratização  da  leitura,  permitindo acesso a músicas, jogos, vídeos, livros etc. em meios eletrônicos e digitais, a partir  de  novas  ferramentas  que  auxiliam  esta  disseminação,  de  forma otimizada. 

Um  fator  importante  e  que  gerou  mudança  de  comportamento  do usuário  da web  foi  a  criação  das  chamadas  “redes  sociais”,  pois  também permitiram  expansão  na  disseminação  de  diversos  tipos  de  conteúdo. Segundo Marteleto (2001, p. 72), o termo rede social deriva do termo rede, que segundo  a  autora  pode  significar  um  “[...]  sistema  de  nodos  e  elos;  uma estrutura  sem  fronteiras; uma  comunidade não geográfica; um  sistema de apoio ou um  sistema  físico que  se pareça  com uma árvore ou uma  rede”. Ainda,  segundo  a  autora,  a  rede  social  permite  um  “[...]  conjunto  de participantes  autônomos,  unindo  ideias  e  recursos  em  torno  de  valores  e interesses compartilhados.” (MARTELETO, 2001, p. 72).  

As  redes  sociais da  internet  atualmente  são utilizadas  como  fontes de informações de âmbito social, mas, também, cultural, político e econômico.  

Redes  sociais  tornaram‐se  a  nova mídia,  em  cima  da  qual  a  informação circula,  é  filtrada  e  repassada;  conectada  à  conversação,  onde  é debatida, discutida  e,  assim,  gera  a  possibilidade  de  novas  formas  de  organização social baseadas em interesses das coletividades. (RACUERO, 2011, p. 15). 

 

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Desse modo, a identidade cultural na rede social é destacada.  

[...] cada  indivíduo  tem sua  função e  identidade cultural. Sua relação com outros  indivíduos vai  formando um  todo coeso que  representa a  rede. De acordo  com  a  temática da organização da  rede,  é possível  a  formação de configurações diferenciadas e mutantes. (TOMAEL; ALCARA; DI CHIARA, 2005, p. 93). 

 Percebe‐se,  nessa  nova  concepção  de  rede  social,  a  estrutura  não‐

hierárquica  que  as  redes  permitem  moldar  através  de  seu  modelo  de colaboração  e  de  compartilhamentos  de  informação,  uma  característica importante advinda da Web 2.0 , conforme destaca Martetelo (2001, p. 73),  

[...]  estudar  a  informação  através das  redes  sociais  significa  considerar  as relações  de  poder  que  advêm  de  uma  organização  não‐hierárquica  e espontânea e procurar entender até que ponto a dinâmica do conhecimento e da informação interfere nesse processo. 

 Primeiramente, devemos nos pautar no conceito de informação de para 

que  possamos  verificar  como  ela  se  apresenta  na  web.  Segundo  Silva, Correia e Lima (2010),   

A  informação  concorre  para  o  exercício  da  cidadania,  à  medida  que possibilita ao indivíduo a compreensão das mudanças tecnológicas e sociais e oferece os meios de  (re)ação  individual e  coletiva. É veículo de bens de produção  e  consumo  no  mercado  globalizado  e  geradora  de  relações interpessoais e de conhecimento. 

 Lévy (1996) aborda a relação entre  informação, conhecimento como ato 

de criação:   

Quando utilizo a  informação, ou seja, quando a  interpreto,  ligo‐a a outras informações para fazer sentido, ou, quando me sirvo dela para tomar uma decisão,  atualizo‐a.  Efetuo,  portanto  um  ato  criativo,  produtivo.  O conhecimento,  por  sua  vez,  é  o  fruto  de  uma  aprendizagem,  ou  seja,  o resultado  de  uma  virtualização  da  experiência  imediata.  Em  sentido  in‐verso, esse conhecimento pode ser aplicado, ou melhor, ser atualizado em situações diferentes daquelas da aprendizagem  inicial. Toda aplicação efe‐tiva de um saber é uma resolução inventiva de um problema, uma pequena criação. 

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Esta visão de criação e atualização da informação pode ser verificada em sites da web, onde a criação, representação e a recuperação de informações no âmbito digital  também se  tornaram coletivas. Algumas das  ferramentas identificadas na internet destacam‐se por serem direcionadas à publicação e à disponibilização de conteúdos na web: Twitter, Facebook, Pinterest, Bookess, Tumblr, Google+ entre outras. Nelas, os usuários podem  fazer downloads de conteúdo,  contribuir  com  o  envio  de  documentos,  artigos,  publicações projetos,  notícias,  eventos,  fotografias,  vídeos  e  etc.  que  queiram compartilhar. 

Mas  e  quanto  à  recuperação  destas  informações  em  sites  de  busca? Como as  informações espalhadas pela web se apresentam esteticamente no resultados de buscas para seus usuários? 

Por  isso,  neste  artigo,  vamos  nos  ater  as  formas  de  apresentação  de resultado  de  buscas  de  informação  em  sites  da web,  com  a  intenção  de verificar as novas possibilidades de  configuração destas  informações, uma vez que a  forma de apresentação de resultados de busca se  faz  importante para uma maior eficiência na qualidade da  informação. A seguir, daremos exemplos. 

 Novas  formas  de  apresentações  da  informação  na  web:  algumas experiências 

 Podemos ter experiências bastante ricas em termos de interatividade em 

sites disponíveis na web. Um exemplo é o Visual Thesaurus  (um dicionário com  interface  similar  a hiperbólica, um  tipo de mapa  conceitual,  segundo Moreira  (2010)).  Neste  site  é  possível  criar  mapas  que  representam  os significados  das  palavras  (em  língua  inglesa)  e  identificam  palavras relacionadas. Na Figura 1 é possível observar que ao se realizar uma busca com  a  palavra  “search”,  a  ferramenta  apresenta  outras  palavras  que possuem  relação  com  a  pesquisada,  aumentando  a  possibilidade  de compreensão do significado do usuário, através das relações que estabelece. 

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 Figura 1. Visual Thesaurus (http://www.visualthesaurus.com/).  Segundo  Lévy,  as  interfaces  hipertextuais  atuam  como  “[...]  uma 

superfície de  contato, de  tradução, de articulação entre dois espaços, duas espécies, duas ordens de realidade diferentes: de um código para outro, do analógico para o digital, do mecânico para o humano.” (LÉVY, 1993, p. 181). 

Alguns  sites  permitem  uma  visualização  de  resultados  de  maneira diferente da de lista. O site acaba de lançar uma nova maneira de apresentar seus resultados Google. Os usuários podem ver seus resultados no chamado Painel  do  Conhecimento.  O  novo  recurso  já  estava  disponível  na  página americana do Google. Ela  traz  um  resumo das  informações  sobre  o  termo pesquisado no buscador. Na Figura 2 é possível notar que ao realizar a busca “São  Paulo”,  além  da  tradicional  lista  de  links,  na  parte  direita  da  tela aparecem os resultados  relacionados, com dados sobre “São Paulo Futebol Clube” e a localização da cidade de São Paulo. 

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 Figura 2. Google (http://www.google.com/).  Podemos  ver  esse  tipo  de  apresentação  de  resultados  em  outros  sites 

como o Freebase, onde  é possível pesquisar  sobre diversos  assuntos. Neste site, também há o aproveitamento da inteligência coletiva, uma característica importante da web 2.0 que permite que usuários comuns, que até então não possuíam  conhecimentos  necessários  para  publicar  conteúdos  na  Internet, pela ausência de  ferramentas de uso  simplificado, publiquem  informações de forma colaborativa com outros usuários sobre um assunto. Na Figura 3, podemos  verificar  a  forma  de  apresentação  do  resultado  da  busca  pelo assunto “Brazil”. 

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 Figura 3. Freebase (http://www.freebase.com/).  Outro  exemplo  de  apresentação  de  resultados  em  sites  de  conteúdo 

específico,  como  no  caso  do  Music  Maze  que  permite  a  pesquisa  sobre diversos  artistas  da música mundial,  é  possível  observar  através  de  sua forma de apresentação do resultado, a relação e influência entre artistas. Na Figura  4,  a  pesquisa  por  “Beatles” mostra  as  bandas  relacionadas  com  os Beatles e ao selecionar uma delas, “The Kinks”, o site permite ouvir músicas e visualizar a imagem da capa do disco da banda. 

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 Figura 4. Music Maze (http://www.musicmaze.fm/).  É  possível  observar,  portanto,  que  num  sistema  de  apresentação  da 

informação na web com os  formatos apresentados, os  temas buscados não existem  isoladamente, ou seja, cada  tema existe em  função de outro que o condiciona,  formando  relações entre  temas,  como afirma Moreira  (2010, p. 22)  ao  apontar  para  as  linguagens  documentárias,  exemplificando  os modelos de representação da informação em forma de tesauros:  

Uma  linguagem documentária,  como o  tesauro, permite  representar, para fins  documentários,  a  informação  registrada.  Para  isso  é  necessário estruturar  um  sistema  conceitual  de  relações  que  permita  delimitar  o universo  de  interpretação  dos  signos  documentários.  Neste  sistema  os conceitos  não  existem  isoladamente,  mas  coexistem  e  condicionam  sua compreensão  ao  tipo  de  relacionamento  que  estabelecem  com  outros conceitos. 

 

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Podemos considerar então, que a  representação da  informação na web não pode ocorrer de modo isolado, mas sim, de forma a se formar redes de informação  e  de  colaboração  entre  usuários.  Indo  em  direção  a  este pensamento, Pereira e Cruz (2010), afirmam que “[...] a Web hoje permite o uso  de  linguagens mais  flexíveis  e  de  padrões  cada  vez mais  aceitos  de representação  da  informação.  Isso  a  transforma  em  uma  rede  de conhecimento,  e  não  apenas  em  um  espaço  onde  co‐habitam  dados  sem conexão.” 

 Confluência de  saberes  entre  a web  atual  e  a Arqueologia  do Saber de Michel Foucault 

 Neste sentido, acreditamos que a web de hoje possibilita uma visão mais 

panorâmica sobre os saberes que a humanidade produz e permite que estes sejam  disseminados  sem  juízo  de  valor,  aproximando  seus  usuários  e ajudando  a  formar  conceitos  cada  vez  mais  importantes  na  forma  de apresentação  da  informação  da web,  como  a  arquitetura  de  participação, descentralização do controle sobre o conteúdo e coexistência entre temas. 

Ao fazermos uma análise sobre o modo como a informação se produz e se organiza na web, é fácil perceber a semelhança com os estudos de Michel Foucault em seu  livro Arqueologia do saber, pois ao definir as características de um  enunciado  ele  afirma que afirma que “[...] os  enunciados  têm  suas margens povoadas por outros enunciados.” (FOUCAULT, 2008, p. 112).  

Em  seu  método  arqueológico,  Foucault  sugere  que  os  documentos devem ser interpretados a partir de uma série diversa de documentos – não apenas os “oficiais”; e atualmente, o local em que temos infinita produção de informação por todos seus usuários, é na web. Ou seja, podemos, a partir de análise  dos  conteúdos  da  web,  ver  a  História  “de  baixo”;  ao  invés  da linearidade  lógica,  em  que  um  acontecimento  é  explicado  pelo acontecimento  anterior  e  explicará  o  posterior,  deve‐se  privilegiar  as mudanças  (atualizações  em  publicações  na web)  e  explicá‐las  a  partir  da confluência de diversos  fatores  (formas de apresentação da  informação na web que representem as relações entre os temas). 

Neste  sentido  as  produções  de  informação  sobre  um  acontecimento, deve ser estudado tendo‐se em vista o momento de sua irrupção no discurso e  suas  regras  de  formação  e  circulação  (existência  ou  suspensão);  sendo 

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singular e repetível e  tendo regras de  formação e circulação a que obedece até sua significação. 

Em  seu método,  Foucault  sugere  princípios  para  analisar  e  descrever discursos, e, portanto, estes procedimentos teóricos metodológicos poderiam ser  aplicados  também nos discursos da web, pois na web,  suas páginas  e links, possuem interação de assuntos e usuário:  

Descrever  um  conjunto  de  enunciados,  não  como  a  totalidade  fechada  e pletórica  de  uma  significação,  mas  como  figura  lacunar  e  retalhada; descrever um conjunto de enunciados, não em referência à interioridade de uma  intenção,  de  um  pensamento  ou  de  um  sujeito,  mas  segundo  a dispersão de uma exterioridade; descrever um conjunto de enunciados para aí  reencontrar não o momento ou a marca de origem, mas  sim as  formas específicas  de  um  acúmulo,  não  é  certamente  revelar  uma  interpretação, descobrir um fundamento,  liberar atos constituintes [...] é definir o tipo de positividade de um discurso. (FOUCAULT, 2008, p. 141). 

 Tendo em vista essas relações entre documentos, podemos constatar que 

eles  nos  deixam  “rastros”,  repartindo‐se  em  unidades,  conjuntos,  séries, relações de acordo com a maneira que é analisado ou pesquisado. Portanto, os  documentos  na  web,  quando  publicados  (sejam  escritas,  vídeos, fotografias,  ou  misto  de  todos),  não  são  estanques.  A  web,  mais  o  que qualquer outro ambiente, permite interações e relações entre eles.  

 Considerações finais 

 Entende‐se  que  a  principal  contribuição  de  novas  maneiras  de 

apresentação  da  informação  na  em  ferramentas  de  disseminação  de conteúdos na web,  sob a perspectiva de desenhos em  forma diversos, que não  o  de  lista,  são  primordiais  para  uma  disseminação  da  informação eficiente  na  web.  Isso  coloca  em  pauta,  questões  sobre  a  arquitetura  da informação e a essência da web contemporânea, de seu uso atual e de seu futuro, visando sempre, seu aprimoramento.  

Cabe aos desenvolvedores de sites da web, em conjunto com os analistas da  informação expandir o olhar e considerar pontos de vistas  importantes, como o do discurso, pois é por esses documentos – disponíveis atualmente na web, que a história contemporânea está se escrevendo e se atualizando.   

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Referências  BONILLA,  J. Z. Ciencia  pública‐ciencia  privada. Reflexiones  sobre  la  producción  del saber científico. s.l.: Fondo de Cultura Económica, 2005. 240 p. 

FOUCAULT, M. A arqueologia do  saber. 7. ed. Rio de  Janeiro: Forense Universitária, 2008. 244p. 

LÉVY, P. 1996. O que é o virtual?. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 1996. 

MARTELETO, R. Análise de redes sociais: aplicação nos estudos de transferência da informação.  Ciência  da  Informação,  Brasília,  jun.  2001  .  Disponível  em: <http://revista.ibict.br/index.php/ciinf/article/view/226>. Acesso em: 9 maio 2012. 

MOREIRA, W.. Provocações deleuzeanas para as  linguagens documentárias. InCID: Revista de Ciência da Informação e Documentação, América do Norte, 1, dez. 2010. Disponível  em:http://revistas.ffclrp.usp.br/incid/article/view/26.  Acesso  em:  9  dez. 2012. 

PEREIRA, Débora de Carvalho; CRUZ, Ruleandson do Carmo. Folksonomia e  tags afetivas:  comunicação  e  comportamento  informacional  no  Twitter. DataGramaZero, Rio  de  Janeiro,  v.  11,  n.  6,  dez.  2010.  Disponível  em: <http://www.datagramazero.org.br/dez10/Art_06.htm>. Acesso em: 9 dez. 2010. 

RACUERO, R. A nova  revolução: as  redes  são as mensagens.  In: BRAMBILLA, A. (Org.).  Para  entender  as  mídias  sociais.  2011.  Disponível  em:  < http://midiaboom.com.br/2011/04/26/e‐book‐colaborativo‐para‐entender‐as‐midias‐sociais/>. Acesso em: 02 maio 2011. 

SILVA, A. K. A. da; CORREIA, A. E. G. C.; LIMA,  I.  F. de. O  conhecimento  e  as tecnologias na sociedade da informação. Revista Interamericana de Bibliotecología. Ene.‐Jun. 2010, vol. 33, no. 1, p. 213‐239. 

TOMAEL, M.  I.; ALCARA, A. R.; DI CHIARA,  I. G. Das  redes  sociais à  inovação. Ciência  da  Informação,  Brasília,  v.  34,  n.  2, ago.  2005.  Disponível  em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100‐19652005000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 9 maio 2012. 

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OS SENTIDOS DE INOVAÇÃO: ANÁLISE DO DISCURSO DAS POLÍTICAS DE INOVAÇÃO NO GOVERNO DILMA ROUSSEFF 

 João Ricardo Lopes1 

Roberto Ferrari2   

Introdução  

A  materialização  da  informação  no  ciberespaço  apresenta  contornos mais nítidos a partir de conteúdos fragmentados, em que há cada vez mais um encurtamento da distância entre a velha e a nova informação, deixando de  ser  atual  em  uma  velocidade  proporcional  ao  surgimento  de  novas notícias.  

A  presença  da  informação  na  rede  atinge  parte  considerável  da população, direta ou  indiretamente. As pessoas possuem certa  ligação com esse  novo  modo  de  disseminar  informações  e  de  organizá‐las,  sendo submetidas aos efeitos que delas provêm em suas atividades cotidianas. 

Essa  ideia  é  confirmada  por  Lévy  (1999),  que  analisa  o  aparato tecnológico como um produto da sociedade e de suas relações culturais, em que a técnica torna‐se indissociável dos homens em sua respectiva época.  

A  distinção  traçada  entre  cultura  (dinâmica  das  representações), sociedade  (as  pessoas,  seus  laços,  suas  trocas,  suas  relações  de  força)  e técnica  (artefatos  eficazes)  só  pode  ser  conceitual. Não  há  nenhum  autor, nenhuma causa realmente independente que corresponda a ela. Encaramos as tendências  intelectuais como atores porque há grupos bastante reais que se  organizam  ao  redor  destes  recortes  verbais  (ministérios,  disciplinas cientificas,  departamentos  de  universidade,  laboratórios  de  pesquisa)  ou então  porque  certas  forças  estão  interessadas  em  nos  fazer  crer  que determinado  problema  é  puramente  técnico  ou  puramente  intelectual  ou ainda  puramente  econômico.  As  verdadeiras  relações,  portanto,  não  são 

                                                            1 Mestrando  do  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade, UFSCar; 

Bibliotecário  da  Etec  Professor  Francisco  dos  Santos,  São  Simão‐SP, [email protected] 

2 Professor do Departamento de Computação e Orientador no Programa de Pós‐Graduação em Ciência,  Tecnologia  e  Sociedade  da Universidade  Federal  de  São  Carlos  – UFSCar  –  São Carlos, SP, [email protected] 

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criadas entre “a” tecnologia (que seria da ordem da causa) e “a” cultura (que sofreria os  efeitos), mas  sim  entre um grande número de  atores humanos que  inventam,  produzem,  utilizam  e  interpretam  de  diferentes  formas  as técnicas (LÉVY, 1999, p. 22). 

 Tais  preceitos  remetem  a  maneiras  diferentes  de  materialização  da 

informação, em suportes cada vez mais diversificados. A grande quantidade de materiais  disponíveis  na  internet  serviu  como  locus  para  extração  dos discursos do poder executivo a respeito da temática de inovação no Brasil.  

Proferidos  pela  presidenta Dilma Rousseff,  em  determinados  eventos: “Discurso da presidenta da república, Dilma Rousseff, na cerimônia de entrega do prêmio  Finep  de  inovação  2011”  e  “Discurso  da  presidenta  da  república, Dilma Rousseff, durante cerimônia de anúncio de novas medidas do plano Brasil Maior e instalação  dos  conselhos  setoriais  de  competitividade”,  apresentados  em 15/12/2011  e  03/04/2012,  respectivamente,  e  extraídos  do  site3  oficial  do Palácio do Planalto do Governo Federal, formaram o corpus  a ser analisado neste trabalho. 

Analisar  os  sentidos  que  circulam  nesses  recortes  encontrados  no referido portal será uma forma de entender o movimento de significados de inovação  tecnológica,  de  sua  importância  para  o  desenvolvimento econômico de países e regiões. 

Para Velho  (2008),  a maneira  com  que  os  países  usam  e  produzem  o conhecimento  é  fundamental  para  a  evolução  social,  econômica  e  política das nações em relação ao mundo:  

[...] existe um grau de concordância razoável entre os mais diferentes países no  sentido de que  o  sistema  científico  tem uma  importância  crescente na sociedade  baseada  no  conhecimento.  Espera‐se  deste  sistema  científico,  a produção  de  conhecimento  (desenvolvimento  e  oferta  de  novos conhecimentos);  a  transmissão de  conhecimento  (treinamento de  recursos humanos  qualificados);  e  a  transferência de  conhecimentos  (disseminação de  conhecimento  e  informação  relevante  para  solução  de  problemas) (VELHO, 2008, p. 10). 

 Nesse sentido,  faz‐se necessário entender o conceito de  inovação como 

uma  espécie  de  implementação  de  um  produto  ou  processo,  novo  ou 

                                                            3Disponível em: < http://www2.planalto.gov.br/presidenta/discursos‐da‐presidenta>. 

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significativamente aperfeiçoado, seja ele um bem ou serviço. Essa definição compreende  um  conjunto  de  possíveis  inovações  que  abrangem  desde  a criação  de  um  produto,  seu melhoramento  até  a  implementação  de  uma nova metodologia ou prática organizacional (OCDE, 1997). 

Para  subsidiar  os  efeitos  de  interpretação  no  pronunciamento  da presidenta Dilma Rousseff acerca da inovação serão definidos, inicialmente, importantes conceitos que  trarão a base para o  referencial  teórico‐analítico do  funcionamento  da  linguagem  nesse  contexto  (discursos  Dilma Rousseff/Inovação/Análise do Discurso) e, em  seguida,  será  realizada uma análise dos discursos mencionados. 

 Análise do discurso: um olhar teórico 

 A Linguística, a partir dos anos trinta, formou diversos teóricos e eixos 

para o estudo da    linguagem, mas foi apenas na década de sessenta que se começou a estudar o discurso voltado para as áreas sociais do conhecimento. A corrente francesa, para a qual o discurso tornou‐se um produto cultural ao possuir formas empíricas do uso da linguagem, tanto a verbal como a oral e a escrita, tem Michel Pêcheux como o precursor da Análise do Discurso. 

O  discurso  é  responsável  pela  exposição  e  fluência  do  ato  de comunicação. Segundo Orlandi (2003), o discurso é a palavra, a forma pela qual o homem  fala, discute, debate  e  se  comunica. A Análise do Discurso estuda o que o homem diz no meio em que está  inserido, ressaltando seus valores  sociais  e  históricos,  mediando  a  linguagem  entre  o  homem  e  a realidade vivenciada. O analista deve relacionar a produção da linguagem e observar a produção dos discursos, os movimentos dos sujeitos e sentidos e sistematizar o ponto de vista do indivíduo.  

Para  Orlandi  (2003),  a  Análise  do  Discurso  sofre  com  três  relações teóricas: Marxismo,  Psicanálise  e  Linguística,  que  influenciam  e  levam  a reflexão as variadas formas de discurso. Com essa articulação em mente, há uma  necessidade  intrínseca  de  se  conhecer  os  métodos  linguísticos, filosóficos e sociológicos capazes de relacioná‐las com o estudo do discurso. A  autora  assevera  que  “os  estudos  discursivos  visam  pensar  o  sentido, dimensionando no tempo e no espaço das práticas do homem, descentrando a  noção  de  sujeito  e  relativizando  a  autonomia  do  objeto  da  Linguística” (ORLANDI, 2003, p. 30). 

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Assim  um  discurso  pode  ter  várias  realidades  de  acordo  com  as ideologias que constitui os sujeitos falantes na relação com seus ouvintes. A memória,  vista  por  Pêcheux,  sustenta  a  significação  e  permite  que  as palavras façam sentido. O autor pensa num ‘já‐lá’, pois as palavras carregam inscrições  sociais  anteriormente  estabelecidas,  guardadas  na  carga imaginária dos sujeitos do discurso.  

Dessa  forma,  Romão  (2011,  p.  125)  traz  para  discussão  a  noção  de interdiscurso em Pêcheux que representa o entrecruzamento de significações “advindas,  já  faladas,  de  outros  contextos  sociais  que  se  marcam discursivamente  em  posições‐sujeito,  e  isso  implica  a  posição  do  próprio analista”. 

Orlandi (2003) ressalta que o interdiscurso representa a memória, o que se chama de memória discursiva, necessitando de um contexto histórico em que  o  sujeito  tenha  um  significado  perante  o  discurso  por meio  de  sua experiência. 

Verifica‐se  que  alguns  sentidos  dos  discursos,  estão  sujeitos  a transformações proporcionadas por  fatores históricos  e  ideológicos que de certa forma, regula a relação de poder entre os sujeitos.  Para Pêcheux (1997), a ideologia constitui o sujeito, de tal forma que não há sujeito sem ideologia.  

Para Grigoleto (2005, p. 1), o sujeito do qual se fala não “é o indivíduo, sujeito empírico, mas o sujeito do discurso que carrega consigo marcas do social, do ideológico, do histórico e tem a ilusão de ser a fonte do sentido”.  

Para a compreensão dos sentidos, deve haver um compartilhamento de saberes  comum  aos  interlocutores.  “Isso  implica  que  o  sentido  de  um enunciado  depende  de  um  saber  que  deve  ser  compartilhado  pelos interlocutores,  pois  além  do  posto  que  concretize  o  enunciado,  devemos considerar os elementos pressupostos que estão envolvidos no processo da significação”  (PACIFICO,  1996, p.  78). A  esse  saber,  tem‐se na Análise do Discurso o arquivo que possui um papel  fundamental para a compreensão do que é dito. 

Authier‐Revuz  (1982,  p.  8), mostra  que  a  linguagem  é  heterogênea,  o discurso é apoiado sobre outros discursos, o “já dito” sobre o qual qualquer discurso constrói “o sentido de um texto jamais é interrompido, já que ele se produz  em  situações  dialógicas  ilimitadas,  que  constituem  suas  leituras possíveis”.  

Feita essa pequena ressalva teórica, em relação aos conceitos contidos na Análise do Discurso de origem  francesa, o próximo passo se constituirá na 

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análise propriamente dita dos  recortes dos discursos da presidenta Dilma Rousseff, que possuem em comum a relação com o tema inovação. Tal tema encabeça uma rede de sentidos quando se faz a abordagem de assuntos, tais como  economia  brasileira,  geração  de  emprego,  crescimento  econômico, desenvolvimento social e de outros que margeiam a discussão.  

Faz‐se  necessário  um  olhar  discursivo,  atento  às  pistas  deixadas  na materialidade da  fala, das palavras  e de  imagens  que  remontam  a  outros momentos e que promovem a significação de vários sentidos em diferentes sujeitos. 

 Análise do discurso da inovação no Brasil 

 O Plano Brasil Maior é a conjunção de políticas industriais e tecnológicas 

para  incentivar  o  comércio  exterior  com  o  objetivo  de  fomentar  o crescimento econômico a partir da  inovação, estimulando o  fortalecimento do  parque  industrial  brasileiro,  almejando  um  aumento  substancial  da produtividade. 

As medidas  para  concretização  do  Plano  Brasil Maior  estão  voltadas para  a  “desoneração  dos  investimentos  e  das  exportações  para  iniciar  o enfrentamento  da  apreciação  cambial,  de  avanço  do  crédito  e aperfeiçoamento do marco  regulatório da  inovação, de  incentivos  fiscais  e facilitação  de  financiamentos  para  agregação  de  valor  nacional  e competitividade das cadeias produtivas” (BRASIL MAIOR, 2012). 

Inovar,  competir  e  crescer  são  os  pontos  cruciais  para  o desenvolvimento econômico e social brasileiro: 

  

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  Figura  1.  Cerimônia  do  Plano  Brasil  Maior.  Fonte:http://br.bing.com/images/ search?q=logo+do+plano+plano+brasil+maior&view=detail&id=7DA2C8AAB27A896190CFF1041C240A87A14734FD&FORM=IDFRIR. Acesso em: 29 nov. 2012. 

 A  imagem  da  cerimônia  de  anúncio  do  Plano  Brasil Maior,  com  os 

enunciados  ao  fundo,  traz mais  que  a  junção  de  palavras  e  imagens. Vai além. Ao  se  colocar,  de maneira  cronológica  e  condicional  (realçada  pela palavra  “para”),  uma  sequência  que  vai  desde  o  estabelecimento  de  um novo  produto  ou  processo,  que  seja  de  certa  forma  um  diferencial  no mercado e que pode competir com produtos desenvolvidos em outros países sob a lógica da concorrência capitalista, logrará êxito na disputa daquele que agregar  o  melhor  custo/benefício  ao  atender  as  necessidades mercadológicas.  

A  palavra  “competir”  carrega  ainda  a  alcunha  capitalista  das  tensões entre  empresas,  países  e  regiões  na  busca  do  progresso  a  partir  da acumulação de capital. 

Dessa relação surge a ideia de vencedores e perdedores, ricos e pobres. Aqueles  que  investem  em  ciência  e  tecnologia  são  os  que  inovam  e  por consequência  aumentam  sua  competitividade  no  mercado  mundial, triunfam  com  o  almejado  crescimento  econômico  que  eleva  os  países  à detenção de poder em relação às outras nações. 

Esse aumento do poder aquisitivo  faz com que haja a  reafirmação das distâncias  entre  estados  desenvolvidos  e  subdesenvolvidos,  já  que  o crescimento  financeiro obtido pode ser  investido em atividades que gerem ainda  mais  riquezas,  ficando  à  margem  os  países  de  economias  mais 

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fragilizadas  em  que  a  inovação  não  é  encarada  como  ponto  fundamental para o crescimento socioeconômico. 

As  faixas  cruzadas  nas  cores  verde  e  amarela  carregam  um  sentido proveniente da matemática. O sinal de maior, ao se juntar às cores, significa um Brasil “maior” em pleno crescimento e desenvolvimento econômico. 

Os registros a seguir são trechos da fala de Dilma Rousseff, recortes que serão questionados quanto à uniformidade de sua maneira de interpretação em um sentido único, através do viés da Análise do Discurso. 

 Nós, sem sombra de dúvida, queremos concorrer no comércio internacional, mas  queremos  concorrer  em  condições  justas  e  equilibradas.  Para  isso, devemos  focar  nossos  esforços  –  do  governo,  dos  empresários,  dos trabalhadores, da população brasileira – no aumento da competitividade e na redução de custos, na garantia do emprego, na inclusão dos milhões de brasileiros que ainda estão à margem do mercado consumidor e trabalhador desse  país.  Isso  se  faz  com  investimento,  desenvolvimento  tecnológico, inovação e boas práticas de gestão. Ao governo, cabe estimular essas ações com  seu  arcabouço de  recursos  financeiros,  tributários  e  legais. Mas  cada um tem de fazer a sua parte (DILMA ROUSSEFF, 03/04/2012). 

 Ao  se  entender  o  discurso  como  objeto  de  estudo  da  Análise  do 

Discurso,  fortemente  permeado  por  fatores  históricos  e  ideológicos  e  ao relacioná‐lo ao objeto de análise escolhido para a discussão, verifica‐se que a inovação é colocada pela presidenta como a “solução” de todos os males da sociedade, capaz de erguer economias, outrora fragilizadas e desarticuladas em um futuro repleto de prosperidade social. 

O discurso político da inovação é atravessado pela revolução tecnológica que  trouxe uma nova configuração para a sociedade, nas últimas décadas. Conhecida  como  a  “sociedade  do  conhecimento”,  esta  é  marcada  pelas relações  econômicas,  políticas  e  sociais,  sendo  a  inovação  o  fator preponderante do ponto de vista estratégico para o crescimento das nações e consolidação da sobrevivência na competitividade mundial.  

Relações  de  poder  se  fazem  presentes  na  fala  da  presidenta,  ao mencionar  a  necessidade  da  participação  brasileira  no  comércio internacional  em  condições  justas  e  equilibradas.  Retrata,  dessa  forma,  a existência de uma  organização  superior  que  regula  as  relações  comerciais entre  os  países,  função  atribuída  a Organização Mundial  do  Comércio  – OMC. 

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A  busca  incessante  pelo  aumento  da  competitividade  do  produto brasileiro é ancorada pelos consequentes aumentos na  taxa de crescimento econômico  chinês,  o  que  trouxe  um  fortalecimento  deste  país  emergente enquanto  uma  potência mundial.  Investimentos maciços  em  educação,  ao longo das últimas décadas, associados à produção de tecnologia, fizeram da China  um  modelo  a  ser  seguido  por  algumas  nações,  evidentemente, guardadas as devidas proporções e especificidades de cada uma delas. 

Em outro momento, Dilma enuncia que: [...] “ao lema do meu governo: país rico é país sem miséria.” (DILMA ROUSSEFF, 03/04/2012). 

A priori, a fala carregada de preocupação com a população mais carente, baseada na melhoria das condições de vida dos brasileiros, encontra no “não dito”  um  embasamento  mais  sedimentado.  Dialogando‐se  com  Patti  e Romão  (2010, p.  174),  aponta‐se que  o  sujeito, por vezes, não  encontra  as palavras mais  coerentes  para  se  expressar,  “colar  seu  pensamento  a  elas, imprimir  literalidade  de  sentidos  aos  enunciados.  É  justamente  pela impossibilidade de um dizer pleno, ou de um sujeito pleno”, a importância das abordagens do discurso.  

Dessa forma, fica implícito que, mais que a preocupação com a pobreza, o sujeito (Dilma) fala de um contexto capitalista em que a melhoria do poder aquisitivo da população  representa o  fortalecimento do sistema econômico ao  criar  uma  maior  quantidade  de  consumidores  (relação produção/mercado/consumo)  que  irá  beneficiar  o  funcionamento  do  ciclo capitalista. 

No próximo recorte é mostrada a  importância  inconteste da criação de uma  indústria  forte,  inovadora e competitiva para o crescimento do Brasil, que justifica as políticas do Plano Brasil Maior do governo federal.  

 O governo não vai abandonar a indústria brasileira. Reitero o que disse em 2 de agosto passado no lançamento do Plano Brasil Maior. Não concebemos o nosso desenvolvimento sem uma indústria forte, inovadora e competitiva. Não  concebemos.  [...]  nós  vamos  mobilizar  aqui  em  instrumentos creditícios, vamos fazer desonerações, vamos estimular as exportações, para que  as  empresas  brasileiras  invistam  e  ganhem  competitividade  (DILMA ROUSSEFF, 03/04/2012). 

 A  repetição de “não concebemos” caracteriza o discurso político como 

autoritário, segundo Orlandi (2001, p. 15), porque “o referente está ‘ausente’, 

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oculto  pelo  dizer.  Não  há  realmente  interlocutores,  mas  um  agente exclusivo, o que resulta na polissemia contida”, sem questionamentos. 

A  onerosa  carga  tributária  brasileira  está  presente  na  discussão,  a redução  dos  impostos  cobrados  é  ponto  central  para  que  as  empresas direcionem recursos para as áreas de pesquisa, desenvolvimento e inovação. O crescimento das organizações, em especial as do setor produtivo, com a geração de empregos qualificados e aquecimento do mercado consumidor, são os passos de um caminho a ser percorrido pela política nacional. 

 No  caso  do  Brasil,  nós  temos  de  ampliar  a  taxa  de  investimento. Daí  a importância  desse  momento,  porque  marca  um  claro  entendimento  dos empresários, dos  trabalhadores e do governo a respeito da  importância de se acelerar a taxa de investimento no país (DILMA ROUSSEFF, 03/04/2012).  Nós estamos  também,  como vocês viram, apoiando e aprimorando vários regimes especiais de tributação, que, embora foquem diferentes segmentos produtivos  e  criem  diferentes  incentivos,  estão  todos  voltados  para  o mesmo propósito: desonerar a produção  industrial e  reduzir o  custo para quem investe e gera empregos (DILMA ROUSSEFF, 03/04/2012).  Defesa  comercial  através  da  qual  nós  pretendemos  focar  no  conteúdo nacional,  na  criação  de  inovações  e  na  qualificação  dos  nossos trabalhadores,  e  também  dos  nossos  técnicos  e  cientistas,  no  sentido  de participar  de  um  esforço  que  transforme  o  Brasil,  além  de  no  quarto mercado,  em  um  grande  produtor  de  conhecimento  do  setor automobilístico (DILMA ROUSSEFF, 03/04/2012). 

 Ao mencionar o  setor automobilístico, verifica‐se a  existência de áreas 

estratégicas  e  prioritárias,  em  que  as  políticas  do  Plano  Brasil Maior  vão atuar especificamente. 

O segundo discurso a ser analisado pelo viés da Análise do Discurso é o Prêmio  Financiadora  de  Estudos  e  Projetos  (FINEP)  de  Inovação Tecnológica,  que  tem  por  propósito  estimular  os  esforços  inovadores  das empresas e  instituições  científicas no  campo  tecnológico, notadamente dos projetos  que  gerem  resultados  de  impacto  para  a  sociedade  brasileira. (IMPACTO PROTENSÃO, 2012). 

 Este Prêmio mostra a importância que nós atribuímos à inovação, tanto nos setores empresariais como também no setor de pesquisa e desenvolvimento 

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de ciência e  tecnologia dos centros de pesquisa espalhados por este Brasil. Ele  se  insere num esforço que estamos  fazendo no sentido de  ter um país mais  rico  e  mais  forte,  com  maior  capacidade  de  competir,  com  maior capacidade de agregar valor, de  inovar e de dar um salto  fundamental em direção  a  um  país  de  grande  potência.  Com  este  Prêmio,  o governo brasileiro estimula e reconhece pessoas, empresas e instituições que criaram  e  adotaram  inovações  que  resultam  e  resultaram  em processos novos,  em  produtos novos  e  em novos  serviços  (DILMA ROUSSEFF, 15/12/2011). 

 A  criação de uma premiação para os  esforços  em  ciência,  tecnologia  e 

inovação  representa  a  tentativa  de  incentivar  pontos  ainda  frágeis  para  o desenvolvimento socioeconômico brasileiro.  

Quando se analisa a inovação em um contexto mais amplo, de forma a avaliar em que medida ela estaria conduzindo a ganhos de competitividade global da  indústria  brasileira,  o  cenário  é pouco  acalentador. No Brasil,  a inovação é voltada para a atualização de produtos e processos e, como  tal, não  enseja  uma  liderança  competitiva  a  médio  e  longo  prazo,  o  que permitiria uma diferenciação das  empresas no processo de  concorrência  e aproximação das características dos países mais desenvolvidos.  (ARRUDA; VERMULM; HOLLANDA, 2006, p. 8).  

Existem muitas divergências entre o cenário internacional de inovação e a  realidade  brasileira  no  tocante  ao  desenvolvimento  tecnológico.  Para comprovar  essa  tendência,  verifica‐se  uma  preocupação  internacional  das nações  desenvolvidas  em  realizar  pesquisa  e  desenvolvimento  para  o sucesso  das  organizações  frente  às  demandas  do  mercado,  colocando  a tecnologia com fator crucial. 

Dessa  forma,  países  como  Estados  Unidos,  Europa,  Japão,  China  e Coréia  do  Sul  possuem  uma  cultura  (já  há  algumas  décadas)  arraigada  a respeito da  inovação  tecnológica como estratégia de alavancar a economia, tornar esses países mais competitivos e fortalecer seu setor empresarial.  

Nesses países há uma forte junção. Legislação, políticas governamentais, crença  no  setor  empresarial  e parcerias  com universidades  e  institutos de pesquisas  apontam  para  a  inovação  que  é  a  pedra  fundamental  para  a sobrevivência dessas nações na competitividade global. 

 [...]  com  este  prêmio,  o  governo brasileiro  estimula  e  reconhece  pessoas, empresas e  instituições que  criaram e adotaram  inovações que  resultam e 

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resultaram  em  processos novos,  em  produtos novos  e  em novos  serviços (DILMA ROUSSEFF, 15/12/2011). 

 [...]  não  tenhamos  dúvida:  o Brasil só  vai  conseguir  usufruir verdadeiramente dos frutos da era de prosperidade que podemos, devemos e  estamos  construindo  se  investir,  metódica  e  sistematicamente,  em educação,  em  pesquisa,  em  tecnologia,  e  se  for  capaz  de  traduzir  tal investimento  em  conhecimento  e  em  inovação  – novos  processos, novos produtos, novos serviços (DILMA ROUSSEFF, 15/12/2011). 

 Esses dois fragmentos sustentam uma memória do passado científico e 

tecnológico do Brasil. A participação de  empresas  e  instituições  cientificas para  alavancar  a  inovação  realça  o  papel  pouco  relevante  da  ciência  no processo de industrialização nacional. 

 Na perspectiva desse  trabalho,  as dificuldades de  estruturação do  campo científico,  sua  tênue  vinculação  com  o  setor  produtivo  e  a  baixa  relação estabelecida entre ciência e qualidade de vida da população, resultando em demandas  tímidas  e  restritas  por  parte  da  sociedade,  acentuaram  a tendência de  isolamento da coletividade científica e acadêmica,  tendência, essa,  que  acabou  por  se  traduzir  em  dificuldade  de  perceber  a  prática científica  como  prática  social,  e  na  eventual  exaltação  de  uma  concepção “narcísica” da autonomia da ciência (BAUMGARTEN, 2008, p. 149). 

 A  importação  de  tecnologia  estrangeira  aliada  ao  consumo  da  classe 

média  foram  os  fatores  do  crescimento  da  economia  brasileira, diferentemente  de  outros  países.  As  políticas  de  ciência  e  tecnologia  e  a atividade das universidades pouco influenciaram o crescimento do Brasil. 

Nesse sentido o discurso tenta, de certa forma, silenciar o passado e, no contexto atual de sucesso dos países que inovam, estabelecer práticas com o crescimento econômico mundial. 

 Considerações finais 

 Para  compreender  a  constituição  dos  sentidos  nos  dizeres  de  Dilma 

Rousseff  a  respeito  da  inovação  tecnológica,  foram  utilizados  alguns  dos pressupostos  teóricos  da  Análise  do  Discurso  de  linha  francesa,  que apontam  para  inexistência  de  uma  única  interpretação  expressa  pelo conhecido a jargão “o que o texto quis dizer”. A interpretação, portanto, não 

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é  simplesmente o  ato de decodificação dos  sentidos. A  interpretação deve estar ligada intrinsecamente ao contexto em que foram constituídos. Assim, de  acordo  com  determinadas  condições  de  produção,  alguns  sentidos podem  ser  enunciados,  em detrimento de  outros. O  conceito de memória discursiva ou interdiscurso traz que todo discurso carrega marcas de outros já enunciados. Trata‐se, segundo Orlandi (2003, p. 31) “do saber discursivo que  torna possível  todo dizer”. Assim, para que as palavras pronunciadas neste artigo tenham sentido é preciso que elas já façam sentido (ORLANDI, 2003). 

Ao estabelecer tentativas de ampliar as questões da inovação no cenário nacional, a presidenta, por meio de seu discurso, tenta impedir que o Brasil permaneça defasado internacionalmente em termos de estrutura produtiva e de  competitividade,  o  que  deverá  limitar  o  processo  de  crescimento econômico e de geração de renda do país. 

A legitimação da importância de um sistema desenvolvido de inovação nas  empresas para  o  fortalecimento do Brasil  está presente nas vozes das lideranças nacionais, enquanto país que busca o desenvolvimento.   Referências  ARRUDA,  Mauro;  VERMULM,  Roberto;  HOLLANDA,  Sandra.  Inovação tecnológica no Brasil: a indústria em busca da competitividade global. Anpei: São Paulo, 2006. 

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