Universo Quântico Moderno

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    REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 20046

    A estrutura

    do universo,a mecnica

    quntica ea cosmologiamoderna

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    AELCIO ABDALLA

    AS ORIGENS NAS PREOCUPAES

    DO HOMEM

    preocupao humana com o problema de nossas

    origens provavelmente remonta ao incio das

    preocupaes conscientes do homem, haja vista a enorme

    quantidade de lendas acerca do fato em sociedades mais

    primitivas, e sua presena em contedos mitolgicos de

    vrias religies politestas, que culminam nas gneses

    das religies monotestas. Como podemos apreciar, por

    exemplo, nas pinturas da Capela Sistina, o problema da

    criao passa pela arte de contedo religioso. Tambm

    observamos a satisfao do pensamento na caracterstica

    hierrquica da criao, como aps a separao entre a luz

    e as trevas, onde temos a criao do Sol, e finalmente a

    criao humana.

    O ser humano, tornado consciente, passando a viver o

    mito do heri e a planejar a compreenso da natureza,

    almeja poder descrever a criao do mundo, suas leis e

    conseqncias. A arte retrata muito bem essas passagens.Pode-se dizer que a mitologia tenha sido o incio da

    cincia, como vemos nos pitagricos que foram o elo entre

    o orfismo e uma protocincia. O orfismo, por sua vez, foi

    um movimento de reforma dos mitos dionisacos. Pitgoras

    fez uma ligao entre o mstico e o racional, dicotomia que

    sempre permeou a histria do pensamento humano, no

    tendo mais uma unio harmnica no Ocidente aps os gre-

    gos. Na Grcia Antiga, os mitos anteriores acerca de deu-

    ses e ritos menos civilizados foram transformados nos

    ELCIO ABDALLA professor do Instituto deFsica da Universidade deSo Paulo.

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    A descrio dos cus foi ficando mais

    sofisticada. Os planetas passaram a se

    mover em crculos em torno de outros cr-

    culos em torno da Terra, os epiciclos e os

    deferentes. Esse sistema deu origem ao que

    podemos chamar de sistema ptolomaico de

    descrio dos cus. Recebido pelos rabes,

    os guardies da cincia e da filosofia du-

    rante a Idade Mdia, o sistema foi aperfei-

    oado a ponto de ter uma preciso de at 8

    minutos de arco!

    NOSSA POSIO DIANTE DO

    UNIVERSOOs pensadores da Antigidade obser-

    vavam com muita frequncia o seu

    esplendoroso cu. Desde muito cedo sou-

    beram da forma esfrica da Terra. Medin-

    do o ngulo gerado pelos raios solares ao

    meio-dia por uma vara vertical e compa-

    rando-o com uma localidade onde o sol no

    mesmo instante estava a pino, Eratstenes,

    o bibliotecrio de Alexandria, foi capaz decalcular, aproximadamente, o raio da Ter-

    ra por volta do terceiro sculo antes de

    Cristo. Para isso ele precisou apenas man-

    dar medir a distncia entre Alexandria e

    uma outra localidade, distncia esta que se

    constatou ser de 5.000 estdios, e compa-

    rou, no mesmo dia, o sol a pino em Ale-

    xandria com o ngulo de 73pt1/5ona outra

    cidade. Isso levou a uma circunferncia da

    Terra de 250.000 estdios, que segundo

    estimativas estaria correto dentro de um

    limite de 5% (no se tem certeza do valor

    exato do estdio).

    Como observadores perspicazes que

    eram, os antigos elaboraram mapas para a

    localizao dos astros celestes. Na teoria

    de Ptolomeu, a Terra era o centro do uni-

    verso. Ptolomeu viveu em Alexandria,

    durante o segundo sculo depois de Cristo.

    Sua teoria era bem aceita pela Igreja, j que

    propunha que o homem era um ser privile-giado pela Divindade, no centro do univer-

    so. Alm disso, pode-se imaginar que a

    teoria alimentava o orgulho dos poderosos,

    que no eram apenas os donos do poder do

    lugar em que habitavam, mas do centro do

    universo. Essa situao psicolgica ainda

    persiste hoje, quando muitos acreditam que

    haja vida em outros planetas, enquanto

    outros insistem que isso seja impossvel,

    novamente um teimoso antagonismo de

    posies.

    Felizmente, a cincia no se desenvol-

    ve baseada apenas em opinies, mas em

    fatos. No sculo XV, o padre polons Ni-

    colau Coprnico foi incumbido de uma re-

    forma do calendrio pondo-se, portanto, a

    fazer observaes astronmicas, j que as

    antigas tabelas ptolomaicas haviam acumu-

    lado muitos erros at aquela poca. Em par-

    ticular, festas como a Pscoa estavam sen-do comemoradas em dias que no eram os

    prescritos anteriormente. Coprnico des-

    cobriu que as complicadas tabelas de

    Ptolomeu ficavam muito mais simples se,

    ao invs de a Terra ser considerada como

    centro do universo, o Sol o fosse. Coprnico

    no teve problemas com o clero, pois isso

    foi considerado apenas como uma hiptese

    de trabalho, e no como uma realidade.

    Quando outros filsofos, como GiordanoBruno, tomaram as idias de Coprnico

    como verdades cientficas, houve um in-

    tensa reao Giordano Bruno foi consi-

    derado herege e queimado vivo. Todavia,

    com o tempo, os fatos impuseram-se. De

    acordo com a teoria de Ptolomeu, segundo

    a qual os planetas se movem em epiciclos

    (crculos menores cujos centros estavam

    por sua vez em crculos maiores em torno

    da Terra), Vnus nunca poderia ter fases

    como a Lua. Mas essas fases foram obser-

    vadas com o advento do telescpio! Mais

    que isso, as observaes mais modernas

    foram dando corpo a uma nova teoria, muito

    precisa, e com poder de previso. O astr-

    nomo dinamarqus Tycho Brahe recebeu

    do rei permisso para usar a Ilha de Hven

    como observatrio. Ali ele fez um enorme

    nmero de observaes. Por sua vez, o ale-

    mo Johanes Kepler colocou essas obser-

    vaes sob a forma de trs leis, conhecidascomo Leis de Kepler, que diziam que os

    planetas se moviam em elipses, o Sol esta-

    va num dos focos, a rea varrida por unida-

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    de de tempo era constante e o cubo do raio

    da rbita proporcional ao quadrado do

    perodo de revoluo. Essas leis, o ingls

    Isaac Newton mostrou serem conseqn-

    cia de outra mais simples ainda: em primei-

    ro lugar h um conceito de fora agindo

    sobre a acelerao dos corpos proporcio-

    nalmente, com a constante de proporciona-

    lidade igual massa do corpo. Alm disso,

    h uma fora gravitacional entre os corpos

    proporcional ao produto das massas e ao

    inverso do quadrado da distncia. Assim

    nascera a lei da gravitao universal de

    Newton. O universo tem agora uma outra

    aparncia, completamente diferente: no h

    um centro, nem a Terra, nem o Sol, mas

    uma infinidade de astros sujeitos ao deuma lei fundamental, universal, regendo

    seus movimentos e suas trajetrias.

    Aps Newton, vrios desenvolvimen-

    tos seguiram-se dentro da fsica. Dois gran-

    des campos afirmaram-se: por um lado, a

    fsica do pequeno, com a hiptese atmi-

    ca ganhando fora e finalmente se impon-

    do; e de outro lado, a unio de dois tipos

    de fora conhecidas milenarmente: o mag-

    netismo (do antiqssimo m) e a eletri-cidade (do pr-histrico relmpago). Foi

    com grande surpresa que se verificou no

    sculo XIX que as leis que regem o eletro-

    magnetismo pareciam diferentes das leis

    que regem a mecnica dos corpos aquela

    descoberta sculos antes por Isaac Newton.

    Para acomodar esses dois tipos de leis foi

    proposto que os fenmenos eletromagn-

    ticos (e a luz um desses fenmenos) s

    ocorreriam em um tipo de gelia universal

    chamada ter, que preenche todo o espa-

    o. Todavia foram vs as tentativas de se

    medir o ter.

    Foi em 1905 que Albert Einstein, que

    trabalhava no departamento de patentes em

    Berna, na Sua, props que todas as leis

    devem ter a mesma forma. No importava

    de onde observssemos um fenmeno, seja

    de um trem em movimento, seja parado ven-

    do-o acontecer, tanto o fenmeno eletro-

    magntico como o mecnico devem se com-portar da mesma maneira. Assim, ele mo-

    dificou as Leis de Newton na verdade a

    modificao era muito pequena, e com os

    aparelhos da poca no podia ser observa-

    da em fenmenos mecnicos, pois era da

    ordem (tamanho) do quadrado da relao

    entre a velocidade do objeto e a velocidade

    da luz! Lembremos que a velocidade da luz

    de 300.000 quilmetros por segundo!

    Dessa maneira, a modificao em fenme-

    nos do dia-a-dia (movimento de uma pes-

    soa, por exemplo) no poderia ser notada.

    No entanto, quando aplicada ao macro-

    cosmo a teoria da relatividade traz vrias

    conseqncias. Desse modo, a teoria da

    gravitao de Newton tambm foi mudada

    para ser relativstica, ou seja, obedecer

    teoria da relatividade.

    Einstein acreditava que o universo fos-

    se esttico. Tentou resolver suas equaespara a relatividade geral (assim foi chama-

    da a nova teoria da gravitao) para obter

    um universo estacionrio e encontrou difi-

    culdades, sendo possvel encontrar tal so-

    luo apenas no caso de modificar as equa-

    es com um termo chamado cosmolgi-

    co. Outras solues existiam, que todavia

    no eram estticas, e que sugeriam um uni-

    verso em expanso.

    Em 1926 o astrnomo Edwin Hubbleverificou que as estrelas distantes estavam

    se afastando de ns, e que a velocidade de

    afastamento era proporcional distncia

    que estivssemos da estrela. Ora, se to-

    marmos um elstico, pintarmos nele pon-

    tos eqidistantes e comearmos a estic-

    lo, vamos verificar que tambm a veloci-

    dade relativa de um ponto a outro pro-

    porcional distncia isso significa que

    as observaes de Hubble implicam um

    universo em expanso, de acordo com as

    equaes originais da teoria da relativida-

    de geral! E mais, se o universo est em

    expanso, houve um dia em que tudo es-

    tava comprimido numa regio do espao,

    e de repente Bum! uma grande explo-

    so deu origem a tudo!

    Dessa maneira nos aproximamos da ori-

    gem do nosso universo. No entanto, como

    descrev-la em mais detalhe? Por que se

    formaram as estrelas, os planetas, as mol-culas, os tomos, ou o que quer que exista de

    menor? E por que as galxias, aglomerados

    de galxias ou o que quer que exista de maior?

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    A resposta a essas questes merece um

    estudo muito detalhado. E devemos retro-

    ceder um pouco, para olhar para outras

    descobertas, agora no mundo do muito pe-

    queno.

    O NASCIMENTO DA CINCIA

    MODERNA

    Em um estudo sobre o universo como

    um todo, partimos agora da revoluo ci-

    entfica de Galileu e Descartes. Com o

    mtodo cientfico em mos, levando em

    conta as observaes detalhadas anterioresao sculo XVII, foi possvel a Isaac Newton

    realizar a grande revoluo cientfica den-

    tro da cincia. O trabalho de Newton tor-

    nou-se a base slida da fsica clssica. H

    duas partes essenciais na equao de

    Newton. Em primeiro lugar, fala-se do re-

    sultado da fora: esta proporcional ace-

    lerao do corpo a ela submetida. Sendo a

    acelerao um objeto geomtrico obtido da

    posio geomtrica do objeto como funodo parmetro absoluto chamado tempo, o

    resultado da fora imediatamente conhe-

    cido, uma vez que se saiba a constante de

    proporcionalidade, chamada de massa. De

    fato, podemos cham-la massa inercial. A

    fora dever ser o produto da massa pela

    acelerao. Por sua vez, para definirmos a

    fsica do problema, devemos dizer quem

    a fora. No caso da gravitao, Newton

    postulou que ela fosse proporcional s

    massas (aqui massas gravitacionais) dos

    objetos que se atraem e inversamente pro-

    porcional distncia que os separa.

    Finalmente, as foras devem obedecer

    aoprincpio de ao e reao. Com as Leis

    de Newton, puderam-se confirmar as Leis

    de Kepler de modo dedutivo. Esse foi o

    grande sucesso de Newton. O universo

    newtoniano, todavia, era pobre, por vrias

    razes. Em primeiro lugar, a lei de Newton

    da gravitao era postulada no havendoqualquer razo fundamental para a mesma.

    No entanto, para a poca, este no era real-

    mente um problema. Havia dificuldades

    decorrentes do fato de tal universo ser infi-

    nito. Poderia haver colapsos de propores

    gigantescas no universo! Alm disso, ha-

    via o paradoxo de Olbers conforme vemos

    na Figura 1.

    Suponhamos que o universo seja for-

    mado por estrelas ou aglomerados unifor-

    memente distribudos. Nesse caso, se olhar-

    mos para uma dada direo no cus, sem-

    pre veremos algum ponto luminoso vindo

    de uma estrela (ou aglomerado). O fluxo de

    energia dali proveniente inversamente

    proporcional ao quadrado da distncia, por-

    tanto, a energia que obtida multiplican-

    do-se pela rea de transmisso proporcio-

    nal apenas ao ngulo slido usado na ob-servao. A constante de proporcionalida-

    de s depende do fluxo de energia transmi-

    tida pela estrela ou aglomerado, que supo-

    mos constante pelo universo. Portanto, se

    olhssemos para qualquer parte do cu,

    durante o dia ou noite, veramos a mesma

    claridade que observamos para o Sol! Este

    o paradoxo de Olbers. Finalmente, com o

    tempo absoluto tal como definido pela fsi-

    ca clssica, no h um incio, e no se po-dem compreender problemas relacionados

    com a formao csmica.

    NOVOS VENTOS NA CINCIA

    O prximo desenvolvimento cientfico

    de relevncia o eletromagnetismo (1). As

    equaes de Maxwell descrevendo o ele-

    tromagnetismo so de natureza diferente

    das equaes de Newton. Elas descrevem a

    fonte da fora que se juntaria fora

    gravitacional para dar origem ao sistema

    de foras que alavancam o movimento ho-

    rrio atravs das equaes de movimento.

    Todavia ocorre que a simetria fundamental

    das equaes de Maxwell tal que no h

    um tempo absoluto parametrizando as trs

    dimenses espaciais euclidianas, mas, sim,

    um conjunto de quatro parmetros que en-volvem de modo quase democrtico as trs

    dimenses espaciais e o tempo. Desse

    modo, as equaes de Newton no seriam

    1 De fato, a formulao do para-doxo de Olbers s se faz apso desenvolvimento do eletro-magnetismo.

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    as mesmas para observadores diferentes, o

    que lhes retiraria o carter universal e faria

    com que a fsica fosse diferente para dife-

    rentes observadores. Esta foi uma questo

    fundamental ao final do sculo XIX, que

    culminou, no incio do sculo XX, mais

    exatamente em 1905, com o advento da

    teoria da relatividade especial.

    A reinterpretao da mecnica clssica

    em termos da teoria da relatividade especi-al requereu novos conceitos e interpreta-

    es, mas a parte formal da teoria pode ser

    revista em pouco tempo. Desse modo, a

    cinemtica relativstica passa a ser simples.

    Por outro lado, um grande passo seria a

    reinterpretao de outro pilar da fsica cls-

    sica, a teoria da gravitao de Newton.

    Como a fora newtoniana tinha uma ex-

    presso que no fora deduzida de preceitos

    gerais, mas postulada de modo a poder

    explicar uma srie de leis, seria natural

    obter-se a fora gravitacional de equaes

    de campo similares s equaes deMaxwell. Tais equaes foram propostas

    por Einstein como conseqncia do princ-

    pio de equivalncia e atravs de uma for-

    O paradoxo de Olbers. Qualquer que seja a direo em que olharmos o

    universo, atravs de um ngulo slido W, encontraremos uma fonte

    luminosa, que emitir energia de fluxo proporcional a 1r2 com rea total

    Wr2; portanto o produto ser constante, qualquer que seja a distncia

    necessria para encontrarmos a fonte luminosa. Isso acarreta o fato de

    esperarmos, em um universo infinito e homogneo, uma luminosidade

    constante no cu, como se todas as estrelas estivessem arbitrariamente

    prximas.

    Figura 1

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    meira teoria de Einstein (de 1905). Depois,

    tentar incorporar a relatividade geral, isto

    , a gravitao. Esses processos envolvem

    problemas enormes que no foram ainda

    completamente resolvidos, sendo que para

    o segundo problema, qual seja, uma teoria

    quntica da gravitao, ainda no h uma

    teoria completamente desenvolvida, mas

    vrias tentativas em estudo, como a teoria

    de cordas, atualmente.

    Paul A. M. Dirac props, em 1928, uma

    equao hoje chamada equao de Dirac

    que descreve objetos na teoria quntica

    relativstica. Mais uma vez a teoria trouxe

    novas e fantsticas descobertas. Na teoria

    da relatividade, uma certa quantidade de

    matria-massa tem um equivalente em ener-gia, dada pela equaoE=mc2. Assim, ener-

    gia e massa so equivalentes. Dentro da

    teoria quntica, essa relao adquire novas

    dimenses, pelo seguinte: a equao de

    Dirac, alm de descrever o eltron, que tem

    carga negativa, descreve tambm uma ou-

    tra partcula de carga oposta e mesma mas-

    sa, a qual chamou-se de psitron. Quando

    o eltron e o psitron se encontram eles se

    aniquilam, e as suas massas transformam-se em energia pura na forma de radiao

    eletromagntica! Alm disso, a reao

    oposta perfeitamente possvel, e quando

    h quantidade suficiente de energia, e con-

    dies apropriadas, como no choque de par-

    tculas de altssima energia, pode-se for-

    mar um par eltron-psitron (ou ee+). De

    fato, poucos anos mais tarde o psitron foi

    encontrado.

    No princpio, chegou-se a pensar que o

    psitron pudesse ser nosso conhecido, o

    prton, idia que se configurou errada. O

    psitron era uma nova partcula, um exem-

    plo de antimatria: ele o antieltron.

    A introduo da teoria da relatividade na

    mecnica quntica tornou-se ento uma nova

    rea, agora conhecida como teoria de cam-

    pos. Esta teoria trata da descrio das partcu-

    las elementares como o eltron, o psitron,

    o prton e outras que seriam descobertas no

    contexto da mecnica quntica relativstica.Mas outras descobertas excitantes estariam

    ainda por aparecer na dcada de 30.

    O decaimentopara substncias radia-

    tivas era conhecido. Verificava-se que o

    nutron decaa em um prton e um eltron,

    mas havia algo de errado, pois a quantida-

    de de movimento e a energia aparentemen-

    te no se conservavam. Alm disso, todas

    as partculas tinham spin 1/2 (2), de manei-

    ra que o momento angular tambm no

    podia ser conservado. Em 1930, Wolfgang

    Pauli postulou a existncia de uma nova

    partcula, o neutrino. Em 1934, Enrico

    Fermi formulou a teoria das interaes fra-

    cas, responsvel pelo decaimento , usan-

    do esta nova partcula o neutrino expli-

    cando as experincias at ento. Posterior-

    mente, em 1955, o neutrino foi de fato detec-

    tado numa reao inversa.

    Outro problema que se fazia presenteera como o ncleo atmico podia ser est-

    vel se ele formado por partculas com

    carga positiva (prtons) e partculas sem

    carga (nutrons). Deveria, portanto, haver

    uma outra fora agregando tais partculas,

    j que um clculo rpido mostra que a atra-

    o gravitacional no pode junt-los, pois

    ela fraca demais. A nova fora foi chama-

    da forte pois deveria sobrepujar a fora

    de repulso eletromagntica para conferirestabilidade ao ncleo atmico.

    Assim como os ftons so os mediado-

    res da interao eletromagntica, pensou-

    se que deveria haver um mediador da inte-

    rao forte, que foi chamado de pon. Os

    pons foram de fato descobertos. No entan-

    to, descobriu-se bem mais tarde que prtons

    e nutrons no so partculas fundamen-

    tais, mas compostas de outras mais sim-

    ples, os quarks. E ainda os mediadores no

    so os pons (apesar de estes existirem),

    mas outras partculas chamadas glons.

    Como se pode bem perceber, a imagem do

    universo das partculas elementares vai fi-

    cando cada vez mais complexa!

    TEORIA MODERNA DAS

    PARTCULAS ELEMENTARESA meta das teorias fsicas, de uma ma-

    neira geral, unificar. Isso significa dar pou-

    2 O spin mede a rotao intrnse-ca de uma partcula, e s temsentido de fato em uma teoriaquntica, podendo assumirapenas valores inteiros ou semi-inteiros. Os primeiros so cha-mados bsons, e os outros sofrmions. As propriedades debsons e frmions so muitodiferentes.

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    cas e simples explicaes para uma gama

    variada de fenmenos. Este era o grande

    sonho de Einstein: unificar as interaes

    conhecidas, eletromagnetismo e gravitao

    (posteriomente as interaes fraca e forte),

    em um esquema amplo, assim como eletri-

    cidade e magnetismo haviam sido unifica-

    dos no eletromagnetismo. Era um sonho

    alto. Muitas foram as tentativas.

    Usando a idia de quebra de simetria,

    os professores Abdus Salam e Steven

    Weinberg propuseram uma teoria que uni-

    ficava as interaes eletromagntica e fra-

    ca, na dcada de 60. Foi o primeiro avano

    real no sentido da unificao das interaes.

    A idia era introduzir quatro partculas,

    chamadas campos de calibre, que so an-logas a ftons de luz, principalmente quan-

    do a temperatura for muito alta. No entan-

    to, quando a temperatura decresce o sufi-

    ciente, trs dessas partculas ficam pesa-

    das, e uma, o fton que conhecemos, con-

    tinua sem massa. O processo guarda analo-

    gia com o congelamento da matria. Isso

    porque, quando a matria congelada, a

    simetria menor. Expliquemos melhor.

    Considere um chapu mexicano de abasmuito altas, e bolinhas movendo-se em seu

    interior. Quando a temperatura muito alta,

    isto , quando as bolinhas movem-se muito

    rpido, elas vo a qualquer ponto do cha-

    pu, no se importando com o cume no

    centro. No entanto, quando elas esto va-

    garosas, s podem dar a volta no cume,

    perdendo uma direo de movimento. Essa

    perda de uma direo de movimento a

    quebra de simetria e leva ao ganho de mas-

    sa dos trs irmos do fton de luz. tam-

    bm o que acontece quando congelamos

    um material cristalino: antes, todas as dire-

    es do cristal eram equivalentes; depois,

    devido formao da estrutura cristalina,

    onde os tomos se justapem em direes

    definidas, algumas direes ficam diferen-

    tes de outras, e a simetria diminui.

    A quebra de simetria tornou-se uma pe-

    dra angular na construo das teorias

    unificadas. Notemos ainda que um outroconceito, a temperatura, entrou agora em

    questo, e ser muito importante na descri-

    o do universo primordial, j que, no in-

    cio, a temperatura era muito alta. Vemos,

    ento, que j h um ponto de contato entre

    o infinitamente pequeno as partculas

    elementares e o infinitamente grande o

    macrocosmo.

    Mas voltemos teoria de Weinberg-

    Salam. Medimos uma simetria atravs de

    um conceito matemtico chamado grupo.

    A teoria prediz a existncia das correntes

    neutras que foram posteriormente consta-

    tadas em experimentos. Tambm prediz a

    existncia dos companheiros massivos do

    fton, chamados W+,WeZ0, que foram

    descobertas no CERN, em Genebra, em

    1983 pelo grupo do prof. Carlo Rubbia. Os

    professores Steven Weinberg e Abdus

    Salam receberam juntamente com o prof.Sheldon Glashow o prmio Nobel de Fsi-

    ca pelos seus trabalhos em teorias unifi-

    cadas. Posteriormente, pelo trabalho expe-

    rimental, o prof. Rubbia dividiu o prmio

    Nobel de Fsica de 1984 com o engenheiro

    Van der Meer, que inventou o processo do

    esfriamento estocstico, que permite a acu-

    mulao de antiprtons necessrios para a

    experincia que visa identificao dos

    bsons mediadores W+

    , W

    eZ0

    . Alm dateoria da interao eletrofraca, acima des-

    crita, procurou-se compreender o papel da

    interao forte, que descrita por 8 compa-

    nheiros do fton os glons e por com-

    panheiros anlogos do eltron, os quarks,

    que formam o prton e o nutron. Vrias

    formulaes tm sido propostas para a gran-

    de unificao, no havendo resposta defi-

    nitiva. Mas o que certo que, havendo

    uma teoria unificada com maior simetria e

    temperaturas mais altas ainda, existem

    outros companheiros do fton, e estes ou-

    tros companheiros os campos de calibre

    X , devido grande simetria, vo tornar

    possvel o decaimento do prton. Isso im-

    plica que, em temperaturas altssimas, o

    prton evapora, transformando-se em

    psitrons e outras partculas. E o que acon-

    tece com a teoria da gravitao, at agora

    completamente fora desse esquema, e que

    teria sido o objeto da idia de Einstein deuma unificao das interaes? O fato

    que a gravitao, sob o ponto de vista da

    mecnica quntica, a mais complicada

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    das teorias. Tecnicamente falando, a teoria

    da gravitao no renormalizvel, fazen-

    do com que haja um nmero infinitamente

    grande de ambigidades na definio da

    teoria. A idia mais atraente hoje que

    existe um outro tipo de simetria, chamada

    de supersimetria, que liga bsons e

    frmions, embebida em uma teoria com

    objetos extensos, a Teoria das Cordas.

    SUPERSIMETRIA BSONS E

    FRMIONS

    H duas grandes classes de partculas,cujo comportamento muito diferente: os

    bsons so partculas de spin inteiro. O spin

    uma quantidade que aparece em mecni-

    ca quntica anloga ao movimento de rota-

    o dos corpos; seu valor fixo para cada

    tipo de partcula, contrastando, nesse pon-

    to, com a rotao clssica; os frmions pos-

    suem spin semi-inteiro (1/2, 3/2, 5/2, etc.).

    Esse nmero muito simples implica dife-

    renas fundamentais dentro da teoria qun-tica. Um exemplo dessas diferenas dado

    pelo gs helio a temperaturas muito baixas.

    OHe3(hlio-3) um frmion, e apresenta

    o fenmeno da superfluidez. Ele um flui-

    do perfeito. OHe4(hlio-4) difere do ante-

    rior basicamente pelo spin: um bson.

    At h 30 anos no se conhecia nenhum

    tipo de relao de simetria entre bsons e

    frmions. Pensava-se que fossem partcu-

    las de caractersticas distintas, criadas sem

    qualquer conexo entre si. Todavia, a idia

    de unificao dentro da fsica tem sido muito

    frutfera, e acreditamos que uma viso fun-

    damental dos fenmenos da natureza deve

    tratar de uma maneira nica todos os fen-

    menos, e as partculas elementares devero

    ter sido criadas por um mecanismo comum.

    No entanto vrias dificuldades so encon-

    tradas para tornar realizvel tal programa.

    Do ponto de vista tcnico, as teorias su-

    persimtricas possuem propriedades mui-to interessantes, havendo possibilidade de

    soluo de vrios problemas, como a ob-

    teno de resultados finitos na teoria qun-

    tica da gravitao, ou ainda a explicao da

    existncia de partculas cujas massas dife-

    rem em vrias ordens de magnitude.

    TEORIAS DE CORDAS E OUTRASDIMENSES

    A idia de supersimetria tem como con-

    seqncia natural a introduo de novas

    dimenses no espao. Para concretizar com-

    pletamente as idias apresentadas, precisa-

    mos de uma mxima supersimetria cha-

    mada supersimetria estendida , precisa-

    mos definir a teoria em 10 ou 11 dimensesde espao-tempo, e depois tornar as 6 ou 7

    dimenses extras muito pequenas.

    Uma maneira alternativa para o proce-

    dimento acima a idia de cordas as par-

    tculas elementares seriam pequenas estru-

    turas alongadas movimentando-se no es-

    pao-tempo. Para as cordas supersimtricas

    s existe uma dimenso onde as quantida-

    des fsicas so consistentes: 10 dimenses

    sendo 9 de espao e 1 de tempo.

    A CINCIA DOS DIAS DE HOJE

    As equaes de Einstein podem ser resol-

    vidas para certas situaes fsicas particula-

    res da gravitao. Para um centro atrator com

    simetria esfrica, acha-se o potencial de

    Newton, como no caso de planetas ou estre-

    las com densidade relativamente baixa. Para

    grandes concentraes de matria, acha-se

    a soluo de Schwarzschild para o buraco

    negro, que vir a ser de grande importncia.

    No caso da descrio cosmolgica deve-

    se levar em conta a equao de campo da

    matria e sua distribuio. Nesse caso, foi

    postulado o princpio cosmolgico que nos

    diz que o universo , em escala muito gran-

    de (escalas cosmolgicas), homogneo e

    isotrpico, ou seja, no h posies privi-legiadas no cosmo. Como consequncia,

    acham-se as solues de Friedmann-Lema-

    tre-Robertson-Walker.

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    Desse modo, pode-se supor que o uni-

    verso seja formado por um fluido csmico

    universal, homogneo, dependente apenas

    do tempo. O tensor de energia-momento,

    compatvel com essa mesma isotropia e

    homogeneidade, teria uma componente re-

    presentando a densidade de energia (t), e

    outras representando a pressop(t). Postu-

    ladas as equaes de Einstein, o mundo

    descrito por uma mtrica, ou seja, por uma

    rgua universal cujo tamanho se modifica

    de um lugar para outro. Podemos obter a

    mtrica de um modelo cosmolgico encon-

    trando, para a soluo das equaes de

    Einstein, a soluo de Friedmann-Lematre-

    Robertson-Walker, que caracteriza um

    universo dinmico, primeiramente em ex-panso, e depois em contrao ou expan-

    so at o infinito. Einstein havia julgado

    essas solues como errneas, propondo

    modificaes para sua teoria. Tomemos um

    certo flego para a interpretao dos resul-

    tados. A mtrica g!

    representa a geometria

    intrnseca do espao-tempo. Ela a medida

    de distncia, e num espao plano em trs

    dimenses ela representa nada menos que

    o teorema de Pitgoras para se achar adiagonal de um paraleleppedo de arestas

    dx, dy e dz, ou seja, ds2 = dx2 + dy2 + dz2.

    Incluindo-se o tempo num espao sem

    gravitao, temos a geometria de

    Minkowski da relatividade especial, ou seja

    (adiante faremos a velocidade da luz c=1,

    que representa uma escolha especial de

    unidades): ds2 = -c2dt2 + dx2 + dy2 + dz2.

    No caso Friedmann-Lematre-Ro-

    bertson-Walker temos um parmetro de-

    pendente do tempo,R(t)que, se aumentan-

    do ou diminuindo, aumenta ou diminui o

    valor das distncias. Alm disso temos uma

    constante kque torna os valores 01.

    O valor de kdetermina o tipo de univer-

    so obtido. Quando k = 1 o universo dito

    fechado. Nesse caso,R(t) aumenta at um

    valor mximo voltando posteriormente a

    diminuir. Nesse caso o universo se inicia a

    alta temperatura e densidade, expande-se

    at um mximo, depois volta a se encolher

    at seu desaparecimento numa imploso

    final. Para k= -1 a expanso eterna. O que

    diferencia um caso de outro a densidade

    de matria mdia no universo. H um valorcrtico para a mesma, =

    crit, acima do

    qual o universo fechado, ou seja, a atra-

    o gravitacional mais forte que a expan-

    so; enquanto para a densidade mdia me-

    nor que a densidade crtica a expanso

    eterna. O caso =crit

    corresponde a k = 0

    e o universo dito chato(flat). As figuras

    2 e 3 ilustram esses fatos.

    Se tivermos a equao de estado da

    matria, ou seja, se caracterizarmos bem aspropriedades fsicas da matria, poderemos

    obter solues explcitas. Essa equao

    de fato bastante geral, descrevendo mat-

    ria ora inerte, como hoje, ora radiao pura,

    como h 14 bilhes de anos.

    O resultado das equaes de Einstein

    mostra que a rgua universal depende do

    tempo, aumentando sempre segundo cer-

    Evoluo dos universos aberto e fechado (do Cambridge Atlas of Astronomy).

    Figura 2Aberto

    Fechado

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    tos modelos cosmolgicos. A rguadepen-

    de tambm da constante de Hubble, hoje,

    que fixa a escala de tempo e a idade do

    universo. A rgua exatamente a funo

    R(t) apresentada acima.

    O diagrama mostrando a evoluo de

    R(t), que nos diz o tamanho da rgua para

    os trs casos possveis de evoluo, dado

    pela Figura 3.

    Os dados observacionais originais, ob-

    tidos pelo astrnomo Edwin Hubble, mos-

    tram o universo em expanso e esto na

    Figura 4. Atravs dos dados obtidos das

    linhas espectrais de corpos celestes, pode-

    se observar a sua velocidade, atravs do

    chamado efeito Doppler. Hubble fez umdiagrama das velocidades assim calcula-

    das como funo da distncia de tais cor-

    pos celestes em relao a ns, obtendo uma

    relao aproximadamente linear. A cons-

    tante de Hubble corresponde constante

    de proporcionalidade entre a velocidade e

    a distncia. O valor correspondente a H

    obtido por Hubble foiH = 500km/sMpc.

    Supondo-se que o universo tenha tido

    um incio e que tenha se expandido desde

    ento, o tempo passado at hoje, que cor-

    responde idade do universo, equivale a T

    H12 bilhes de anos.

    Esta idade ainda menor que a prpria

    idade da Terra, 5 bilhes de anos. O valor

    correto deHopode ser obtido do diagrama

    (Figura 5) que indica valores da ordem de

    H 75 km/sMpc, de modo que a idade do

    universo cerca de 14 bilhes de anos, como

    conseqncia desses dados.H vrias questes atuais nesse contex-

    to. Em primeiro lugar, as escalas de distn-

    cia. Tais escalas so grandes demais para

    que possam ser observadas diretamente. Isto

    apenas um pequeno detalhe do grande

    problema observacional em astronomia, mas

    que tem bvias conseqncias em relaes

    como a de Hubble, indicando a dificuldade

    em se obter informao sobre um parmetro

    to importante quantoH, que determina aidade do universo. Alm disso, h a questo

    sobre se o universo est se acelerando ou

    desacelerando, se fechado ou aberto.

    As observaes indicam que a densida-

    de do universo muito prxima da densi-

    dade crtica, ou seja =crit

    1,que a

    relao entre a densidade da matria obser-

    vada no universo e um valor crtico, teori-

    camente previsto. Esse valor prximo do

    valor crtico constitui um grande problema

    de interpretao, como veremos adiante, j

    que esse valor instvel. Alm disso, uma

    acelerao, ou desacelerao, pode ser um

    indcio de uma constante cosmolgica ou

    energia escura, o que pode mudar sobre-

    maneira nossa viso de mundo.

    Mecnica quntica

    Toda a descrio feita at o momento

    supe uma natureza clssica relativstica,

    ou seja, no h modificaes de princpios

    Evoluo segundo o valor de k

    (do Cambridge Atlas of Astronomy).

    Figura 3

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    na mecnica clssica, alm dos ajustes usu-

    ais advindos da teoria da relatividade espe-

    cial e geral.

    A necessidade de quantizao advm

    de vrios pontos na descrio do universo.

    O principal deles o fato de que uma teoria

    do tipo big-bang, na qual o universo emer-

    ge de um plasma cosmolgico de tempera-

    tura altssima, requer a descrio de um

    fluido cuja energia mdia por partcula

    constituinte (ou seja, a temperatura) mui-

    to alta. Assim, a interao se d no mago

    da matria e requer uma descrio eminen-

    temente quntica.

    A mecnica quntica uma teoria li-

    near, com uma interpretao no-linear,

    em que, para todos os efeitos prticos,supe-se que haja um limite clssico

    macroscpico que constitui o instrumento

    de medida do fenmeno quntico. Desse

    modo, a descrio mais simples do fen-

    meno quntico se d atravs de uma medi-

    da clssica, que o que chamamos acima

    de interpretao no-linear.

    No entanto, tal interpretao passa a ser

    problemtica no caso do universo. Afinal,

    para um observador interno do universo,pode-se perguntar o que a sua funo de

    onda, j que no h limite clssico, ou seja,

    no h uma medida clssica externa ao

    objeto quntico em questo, no caso, o

    cosmo universal. Poderamos perguntar:

    existe o universo quando fechamos os

    olhos? Mas se fecharmos os olhos e o uni-

    verso no existir, ento, h olhos? Tais

    perguntas so inerentes interpretao da

    mecnica quntica com relao medida

    clssica. O fato que o problema da me-

    dida resolvido, de modo prtico, colo-

    cando-se o observador num mundo clssi-

    co, o mais longe possvel do fenmeno

    quntico a ser estudado. Em outras pala-

    vras, o observador externo ao mundo

    quntico em estudo, o que faz sentido

    quando estudamos fenmenos da escala

    do microscpico.

    Por outro lado, ns, como observado-

    res, fazemos parte do universo e a dicoto-mia entre observador e observado desapa-

    rece completamente ao estudarmos o uni-

    verso como um todo, fazendo com que o

    Novos dados sobre a lei de Hubble, em que se grafica

    a velocidade contra a distncia (Cambridge Atlas

    of Astronomy).

    Dados originais de Hubble, em que temos a velocidade

    em km/s graficada contra a distncia em parsecs.

    Figura 4

    Figura 5

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    observador faa parte do fenmeno, ou seja,

    o experimentador parte intrnseca da ex-

    perincia. Assim, no mais se define a par-

    te clssica do aparelho de medida.

    Tal contexto faz de uma teoria qunticada gravitao algo muito difcil para ser

    estudado. No entanto, estes no so os ni-

    cos problemas a serem apresentados. A

    evoluo relativstica da mecnica qunti-

    ca, ou seja, a teoria quntica relativstica

    apresenta novas e grandes dificuldades. A

    primeira descrio quntica relativstica

    correta de uma partcula foi feita por Dirac.

    Ele modificou a equao de Schrdinger

    de modo que ela pudesse descrever o spin

    do eltron e satisfazer a relao relativstica

    entre energia e momentum. A primeira

    conseqncia importante da equao de

    Dirac foi o fato de haver estados de energia

    negativa, havendo um nmero infinito de-

    les, que no podiam ser compreendidos pela

    teoria padro. Dirac reinterpretou os esta-

    dos de energia negativa em termos de uma

    antimatria, de tal modo que um estado de

    eltron e um estado de psitron o

    antieltron (ou, equivalentemente, um es-tado disponvel de energia negativa), na

    presena um do outro, desapareceriam dei-

    xando para trs energia pura. Do mesmo

    modo, energia pura em quantidade sufici-

    ente pode gerar matria na forma de pares

    eltron-psitron, no processo acima visto

    no sentido inverso. Como na teoria qunti-

    ca, uma variao de energia infinitesimal uma quantidade com indefinio devido

    relao de incerteza E ~ h/tpara peque-

    nos intervalos de tempo, possvel haver

    energia suficiente para formar pares, como

    na reao e++e2,que nos mostra que

    os ftons, aqui denotados por , podem se

    converter em um par eltron (e) e psitron

    (e+). Isso faz com que a teoria quntica

    relativstica seja uma teoria de muitos cor-

    pos. Da o advento da teoria de campo

    quantizado, ou teoria quntica de campos.

    Universo quntico em expanso:

    o modelo padro

    Conforme mencionamos, seguindo a

    evoluo csmica para trs no tempo, che-

    garemos a um ponto inicial de tempera-

    turas altssimas em que a teoria qunticarelativstica ser essencial para a descri-

    o do mundo. Vrios elementos sero

    necessrios para uma descrio terica

    Dados obtidos da radiao csmica de fundo.

    Figura 6

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    REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 2004 21

    competente de tal evoluo, assim como

    para que se confirmem observacional-

    mente os fatos.

    Em primeiro lugar, foi observado um

    resqucio importante da exploso inicial que

    perdura at os dias presentes, e continuar

    nos cus para sempre. O fato que uma

    grande exploso e sua conseqente evolu-

    o produzem uma grande quantidade de

    radiao. No incio, tal radiao esteve em

    equilbrio com a matria, j que pares de

    partculas e antipartculas estariam se ani-

    quilando produzindo ftons radiao ele-

    tromagntica , ao mesmo tempo em que

    ftons altamente energticos teriam volta-

    do a interagir na reao inversa, produzin-

    do pares, como na reao j vista anterior-mente. Quando a energia diminui aqum

    da energia mnima necessria para que os

    ftons possam interagir com a matria, os

    ftons ou seja, a radiao eletromagnti-

    ca desacoplam-se ou seja, separam-se

    do restante , praticamente no interagin-

    do mais com a matria, e passam a existir

    isoladamente. Radiao em um dado espa-

    o vazio um problema conhecido como

    corpo negro, e foi o objeto estudado porPlanck na descoberta inicial que levou

    mecnica quntica. Para uma dada tempe-

    ratura, a distribuio de energia em termos

    da freqncia obedece chamada distri-

    buio de Planck, que caracterizada por

    uma temperatura T.

    Em um estudo com antenas, Penzias e

    Wilson, em 1965, observaram a existncia

    de uma radiao de fundo em todo o cu,

    que obedece distribuio de Planck, com

    um parmetro de temperatura Ttendo um

    valor de aproximadamente 3K. Essa desco-

    berta foi fundamental para que se pudesse

    confirmar experimentalmente (observacio-

    nalmente) a teoria do big-bang. A radiao

    aqui descrita chamada de radiao csmi-

    ca de fundo. Hoje, mapas da radiao cs-

    mica de fundo so feitos com extremo deta-

    lhe, e se supe que as pequenas diferenas

    nas vrias regies sejam responsveis pelas

    futuras estruturas do universo, j que a radia-o de fundo um resqucio deixado desde

    14 bilhes de anos atrs, ou seja, desde antes

    da formao de qualquer estrutura no hori-

    zonte conhecido. muito digno de nota que,

    se retirarmos o efeito do nosso movimento

    na radiao de fundo consignado pelo efeito

    Doppler, que tecnicamente um efeito de

    dipolo, as diferenas de temperatura entre

    os vrios pontos do universo so menores

    que uma frao de aproximadamente 105

    em relao temperatura mdia. O fato de

    essa diferena ser to diminuta aponta para

    mais uma forte razo para o que ser a teoria

    inflacionria.

    Deveremos, subseqentemente, descre-

    ver a evoluo csmica. No entanto, certo

    que tal evoluo ter diferentes fases. Hoje

    h muita matria que no faz qualquer pres-

    so. Assim, h uma densidade de energia

    inerte e presso zero: estamos no chamadodomnio da matria, e a fsica descrita

    pelas quatro interaes fundamentais, as

    interaes forte, eletromagntica, fraca e

    gravitacional. As partculas elementares

    que compem o universo, apesar de pare-

    cerem estar presentes em grande nmero,

    so de fato compostas de poucos elemen-

    tos primordiais quarks, lptons e seus res-

    pectivos antiquarks e antilptons, alm dos

    carregadores de fora , os ftons e suageneralizaes no abelianas. Alm dis-

    so, h mais algumas partculas teoricamen-

    te previstas para dar consistncia teoria.

    Uma pergunta aparentemente sem co-

    nexo com a evoluo do universo ser a

    chave da compreenso csmica: por que as

    diferentes interaes tm fora diferente, e

    por que de fato h um certo nmero de

    interaes? Ou ainda: haver uma teoria

    unificada das interaes? Como tal teoria

    estaria relacionada com as diversas

    interaes elementares?

    A resposta est na dependncia das

    interaes com a energia efetiva e com a

    temperatura, e no processo chamado de que-

    bra espontnea de simetria.

    A quebra de simetria um processo sim-

    ples, como acontece quando uma interao

    elementar descrita por um potencial com

    simetria por rotao, tal como no exemplo

    da Figura 7.Se escolhermos um desses pontos como

    origem, na direo radial haver uma inr-

    cia para se deslocar a partcula, mas na

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    direo do mnimo no haver, portanto

    h uma partcula de massa zero. O ponto

    que o fton devora o bson sem massa e

    engorda! Este o chamado fenmeno de

    Higgs, e, em conseqncia dele, os ftons

    de interao fraca ganham massa e sua

    interao fica fraca, ao contrrio do ele-

    tromagnetismo e da interao forte. No

    entanto, quando as partculas esto num

    plasma de alta temperatura, os detalhes do

    potencial no so mais to importantes, e

    o fenmeno de Higgs no se pode proces-

    sar! Assim, quanto mais alta a temperatu-

    ra mais simtricas sero as interaes

    elas tendem a se igualar.

    Este fenmeno pode ser revisto e

    reestudado em termos da teoria de campos

    das trs interaes elementares fraca, ele-

    tromagntica e forte, tais como descritas

    pelo respectivo grupo de simetria, SU(3) XSU(2) X U(1). As respectivas foras de in-

    terao vo se tornando iguais com o au-

    mento da energia. As interaes fraca e ele-

    tromagntica tornam-se uma s a uma ener-

    gia de aproximadamente 100Gev(3). Aps

    isso, elas se juntam interao forte, numa

    nica interao elementar unificada a uma

    energia aproximadamente correspondente

    a 1015Gev, portanto j macroscopicamente

    relevante, algo gigantesco para uma part-

    cula elementar. Os aceleradores existentes

    s chegam hoje a algumas centenas de Gev,

    devendo chegar ao milhar de Gev (1Tev)

    na prxima gerao de aceleradores. A

    possibilidade de uma experincia direta

    nessa energia s seria possvel com tcni-

    cas inteiramente novas, indisponveis nos

    dias de hoje.

    A EVOLUO DO UNIVERSO

    No incio do universo, com altas tem-

    peraturas, fora possvel o fenmeno da res-

    taurao de simetria, de modo que outras

    fases do universo passam a existir, cada

    vez com maior simetria quanto mais alta

    for a temperatura.

    Dessa maneira, possvel fazer umparalelo entre a histria csmica e a descri-

    o das interaes elementares como fun-

    o de energia de interao. Os detalhes da

    histria do universo, tambm chamada de

    histria trmica do universo, j que a tem-

    peratura do universo uma funo monoto-

    nicamente decrescente do tempo, foi e tem

    sido objeto de estudos em cosmologia, as-

    sim como em teorias de campos. Os deta-

    lhes de tal histria, desde a quebra da sime-

    tria eletrofraca, so bem conhecidos e con-

    firmados em fsica de aceleradores. Antes

    disso, at energias correspondentes teo-

    ria unificada das trs interaes, excluda a

    gravitao, tem-se um conhecimento razo-

    vel da evoluo do universo, baseado em

    hipteses tericas bem fundamentadas.

    Mais alm, a questo bem mais profunda,

    envolvendo o universo inflacionrio e pos-

    teriormente uma teoria quntica da gravita-

    o unificada com as outras interaes. Soproblemas profundos, enraizados na pr-

    pria origem de todo o universo, cuja solu-

    o poderia explicar no apenas nosso uni-

    Figura 7

    Diagrama com potencial tipo chapu mexicano, em

    que a quebra de simetria se d para uma simetria de

    rotao contnua, criando a possibilidade de gerao

    de massa atravs do fenmeno de Higgs.

    3 1 Gev = 109eV = 1.6 X 103erg.

  • 7/26/2019 Universo Quntico Moderno

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    REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 2004 23

    verso mas tambm prever dimenses ex-

    traordinrias, partculas supersimtricas,

    novas propriedades fsicas e at mesmo

    novos universos. Uma verso simplifica-

    da da histria trmica dada pela seqn-

    cia abaixo.

    1044seg................................ gravitao quntica .......................... 1019Gev

    1034seg ................................. origem da matria............................ 1015Gev

    1012seg................................transio eletrofraca ........................... 102Gev

    106seg ...............................transio quark hdron ............................ 1 Gev

    106seg .................................... matria nuclear ................................. 1 Gev

    1 seg ......................................... nucleossntese...................................1 Mev

    1012seg .................................... matria atmica .................................. 10 ev

    1013seg ....................... desacoplamento matria energia ....................... 1 ev

    10

    16

    seg ................................... formao galtica ............................... 10

    2

    ev 1017seg ............................ formao do sistema solar ........................ 103ev

    Um ano corresponde a 3.15 X 107seg, e

    1 ev corresponde a uma temperatura de 5 X

    103K, praticamente o mesmo em graus

    Celsius.

    Pode-se observar ainda que, nos primei-

    ros instantes, a evoluo temporal, medida

    atravs de nosso presente parmetro tem-

    po, tem uma evoluo cada vez mais rpi-da, quanto mais nos aproximamos do ins-

    tante inicial.

    Os primeiros segundos so incgnitos,

    correspondendo poca de gravitao

    quntica, em que presumivelmente have-

    ria supercordas como elementos fsicos re-

    levantes, e a dimenso do espao-tempo

    deveria ser 10 (9 de espao e 1 tempo) para

    que fossem descritas corretamente as

    supercordas, ou eventualmente 11 no caso

    de uma teoria meou teoria mestra, j re-

    centemente formulada. A matria passou a

    existir aos 1034segundos, quando a teoria

    unificada se dividiu em interao forte e

    interao eletrofraca. Antes disso os brions

    podiam decair, o que seria equivalente a

    dizer que os prtons, ou a matria normal,

    no so estveis. Sinais experimentais de

    tal decaimento esto sendo procurados mas

    ainda no h confirmao.

    A matria atmica, tal como a conhece-mos hoje, s se formou segundos aps o

    incio (cerca de 30 mil anos aps o big-

    bang), mas a matria desacoplou-se da ener-

    o universo posteriormente ao tempo em que

    os ftons passaram a se mover livremente.

    Antes disso, eles eram capturadosantes de

    chegarem aos nossos olhos, de modo que

    no podemos enxergar nada antes do tem-

    po tl1013 s300.000 anos, o tempo de

    liberaodos ftons.

    Do ponto de vista observacional, amelhor confirmao do modelo, aps a ra-

    diao csmica de fundo, a abundncia

    de hlio observada no universo. Tal abun-

    dncia prevista como conseqncia de

    sucessivas reaes de captura de nutrons,

    comeando por n +pd+, ou seja, um

    nutron nchoca-se com um prtonpdando

    origem ao deutrio de radiao eletromag-

    ntica, ou fton, , dando incio a reaes

    mais complicadas.

    Como resultado, obtm-se a previso

    de que a quantidade de hlio como frao

    da matria barinica no universo deve ser

    de aproximadamente 25%, o que plena-

    mente confirmado pelos dados observa-

    cionais.

    Alguns problemas ainda permanecem,

    todavia, sem soluo. O primeiro o pro-

    blema da extrema isotropia observada no

    universo. Conforme mencionado, retiran-

    do-se o efeito do movimento da Terra emrelao radiao csmica de fundo, a

    isotropia no valor da temperatura observa-

    da tal que a diferena relativa nas tempe-

    gia radiante apenas 300 mil anos aps o

    big-bang. Foi s ento que a luz passou a

    poder viajar longas distncias sem se espa-

    lhar pela matria, e o universo ficou trans-

    parente. De fato, antes disso o universo era

    opaco. Desse modo, s podemos observar

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    REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 200424

    raturas da ordem de 105. Isso visto na

    Figura 6. Naquele mapa, as duas grandes

    manchas na temperatura correspondem ao

    termo de dipolo gerado pelo movimento da

    Terra em relao radiao de fundo.

    O segundo problema refere-se ao fato

    de o valor da densidade de matria no uni-

    verso ser to prximo do da densidade cr-

    tica. Em geral, definimos = crit

    . O valor

    = 1 muito instvel. Se olharmos para o

    diagrama (Figura 8) veremos que o valor

    de , perto de 1 hoje, deve corresponder,

    no incio dos tempos, a um valor enorme-

    mente mais prximo de 1. Seria como

    manter uma esfera equilibrada sobre um

    dedo por muito tempo sem toc-la. Tal fato

    dificilmente ocorreria por mero acaso.

    Um terceiro problema o fato de no

    haver monopolos magnticos no universo.A teoria os prev, mas eles nunca foram

    encontrados.

    Estes e alguns outros problemas so

    resolvidos pelo processo chamado de in-

    flao. Segundo tal processo, teria havido

    no princpio uma expanso exponencial do

    fator de escala do universo. De modo geral,

    esse crescimento exponencial deveu-se ao

    fato de o universo estar em um falso vcuo

    um mximo relativo de energia.

    Com o crescimento alucinante do uni-

    verso ficamos em um espao relativamen-

    te homogneo que estava em conexo cau-

    sal no incio dos tempos. A densidade de

    matria deve se manter igual densidade

    crtica, e outros monopolos estariam fora

    do horizonte conhecido. So resolvidos,

    portanto, os maiores problemas do modelo

    padro. Abrem-se ao mesmo tempo outras

    possibilidades, como por exemplo a cria-

    o de novos universos (ver Figura 9).

    O ltimo degrau nessa seqncia ser acompreenso de uma teoria quntica da

    gravitao que lance luz na estrutura lti-

    ma do espao-tempo.

    Comparao entre o valor dehoje e aquele do incio do universo;

    qualquer diferena extremamente pequena naquela poca se configura hoje

    como gigantesca. Assim, para que se tenhaprximo de 1 hoje, esta

    constante deve ser escolhida infinitesimalmente prxima de 1 no incio.

    Figura 8

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    RUMO AO FUTURO

    Teoria quntica da gravitao

    H to grandes dificuldades em se for-

    mular uma teoria quntica da gravitao,

    que no poucas vezes chegou-se a sugerir

    que a gravitao talvez jamais devesse ser

    quantizada, permanecendo um captulo

    clssico margem do desenvolvimento da

    teoria geral de campos e partculas.

    De fato, apenas pensar em uma gravita-

    o quntica j nos demanda uma rees-

    truturao da geometria. Ademais, uma

    teoria de campos gravitacionais quantiza-

    dos no consistente devido a quantidades

    infinitas que no podem ser absorvidas emconstantes experimentais. O chamado pro-

    blema da renormalizao de uma teoria de

    campos, que curaos infinitos que apare-

    cem devido ao carter operacional dos cam-

    pos quantizados, no pode ser resolvido em

    teorias de campos que contenham a

    gravitao. Diz-se que a gravitao uma

    teoria no renormalizvel.

    Dessa maneira, a antiga meta j antevista

    por Einstein, de se obter uma teoria

    unificada dos campos, que foi obtida para

    as outras interaes no decorrer das lti-

    mas dcadas do sculo XX, encontra uma

    alta barreira exatamente na teoria da gra-

    vitao, que podemos chamar a menina dos

    olhosda fsica fundamental.

    Vrias tentativas foram iniciadas. Em

    particular, foi tentada a introduo da nova

    simetria relacionando bsons e frmions, a

    supersimetria.

    Entrementes, havia uma teoria iniciada

    no final dos anos 60 que pretendia chegar

    compreenso da teoria das interaesfortes, como uma alternativa s teorias de

    campo: era a chamada teoria dual, que ti-

    nha poucos elementos dinmicos e basica-

    Figura 9

    A criao de novos universos.

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    mente tratava de simetrias. Mostrou-se

    posteriormente que a teoria dual podia ser

    descrita por um objeto filamentar percor-

    rendo livremente o espao-tempo, sendo o

    nico vnculo o fato de faz-lo descreven-

    do uma superfcie de rea mnima equi-

    valente a um princpio de mnima ao.

    Certas manobras de consistncia teri-

    ca levam a vnculos que s podem ser des-

    critos de modo simples em um espao de

    26 dimenses (25 de espao e 1 de tempo).

    Uma corda supersimtrica foi obtida, des-

    sa vez em 10 dimenses (9 de espao e 1 de

    tempo).

    Apesar de o problema tornar-se difcil

    demais para seu uso em teorias de fora

    nucleares, para as quais, no incio dos anos70, foi demonstrada a melhor utilidade da

    cromodinmica quntica, uma generaliza-

    o coloridado eletromagnetismo, passou-

    se a utilizar a teoria de cordas no contexto

    de uma teoria unificada dos campos quan-

    tizados. Isso se deve a alguns fatos, dentre

    os quais destacamos haver, na teoria de

    cordas, no limite de teorias de campos,

    basicamente dividindo-se a corda em mo-

    dos normais, uma partcula de massa zeroe spin 2, que foi interpretada como o grvi-

    ton, acomodando portanto a gravitao e

    mesmo sua verso quntica!

    As teorias de cordas tm uma formula-

    o muito simples no que diz respeito sua

    interao. Elas se mesclam e se dividem,

    tal como sugerimos na Figura 10. H um

    nmero pequeno de teorias de cordas, j

    que sua formulao simples termina por

    ser quase nica. Isso advm de um fato que

    gerou a chamada primeira revoluo das

    cordas. que a simetria subjacente tem um

    nmero pequenssimo de possibilidades que

    levem a uma teoria de campos simples, e

    no ao que se costumou chamar de teorias

    anmalas.

    Mais recentemente, acharam-se novas

    simetrias, dessa vez interligando as poucas

    e ainda diferentes teorias de cordas. Essa

    classe de simetrias foi de modo geral cha-mada de dualidade. Esta gerou a segunda

    revoluo das teorias de cordas. Ela traz a

    suspeita de que haja uma nica teoria dita

    teoriaM, possivelmente em 11 dimenses,

    que gera as poucas e diferentes teorias de

    cordas ao mesmo tempo.

    Como a teoria de cordas contm a teoria

    da gravitao, alm das outras teorias de

    campos, ela se torna a candidata natural

    teoria unificada dos campos quantizados.Resta-nos, ento, olhar para as conse-

    qncias e expectativas que possam ser

    comprovadas ou que poderiam nos levar a

    conseqncias ainda mais profundas, mo-

    dificando nossa viso de mundo.

    Desse modo, assim como em todas as

    descries acima, chegamos concluso

    de que a teoria de cordas apresenta uma

    notvel unificao. Poderamos resumir o

    que dissemos com uma antiga citao de

    um grande sufi de nome Rumi, que em um

    contexto completamente diferente disse:

    Even though you tie a hundred knots the

    string remains one.

    Conseqncias e expectativas

    Nossos olhos passam ento a questes

    que possam nos dar indicaes de que com-

    preendemos a estrutura do universo e suasleis. O fato experimental que nos pode le-

    var estrutura do universo em larga escala

    a partir de primeiros princpios so as ob-

    Figura 10

    Espalhamento de cordas.

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    servaes do satlite Cobe, que nos do a

    estrutura da radiao csmica de fundo,

    300.000 anos aps a exploso inicial. Se

    pudermos seguir a evoluo das inomoge-

    neidades observadas, talvez possamos che-

    gar s estruturas vistas hoje. Essa evoluo

    ter como ingrediente essencial a teoria da

    relatividade geral.

    Seguindo um pouco mais adiante, gos-

    taramos de saber as demais conseqncias

    da mecnica quntica diretamente sobre a

    relatividade geral, tal como discutimos. O

    estudo de buracos negros a maneira mais

    direta de se chegar a uma compreenso mais

    profunda, no somente da relatividade ge-

    ral clssica mas principalmente de uma

    teoria quntica da gravitao. Isso se deve observao de que h leis para a dinmica

    de buracos negros inerentes relatividade

    geral, que so idnticas s leis da termodi-

    nmica, uma vez que indentifiquemos a

    entropia termodinmica com a rea do bu-

    raco negro dividida por quatro vezes a cons-

    tante de Newton. Tal identificao ter pa-

    pel fundamental em processos puramente

    qunticos envolvendo a evaporao dos

    buracos negros. Mais recentemente, a rela-o da entropia de um sistema cosmolgi-

    co arbitrrio com a rea que cerca esse mes-

    mo sistema vista como uma relao funda-

    mental, o chamado princpio hologrfico,

    que requer que a relao entre a entropia e a

    rea seja sempre menor que o inverso do

    qudruplo da constante de Newton.

    Tal relao natural em certas teorias

    de cordas, e representaria um avano teri-

    co muito importante. Alm disso, estara-

    mos em direo a uma completa quanti-

    zao de toda a natureza incluindo o cos-

    mo. Isso nos indica uma mudana manda-

    tria dos conceitos, j que o observador

    agora interno ao objeto quntico a ser estu-

    dado. Coloca-se ento a pergunta: podem-

    se criar universos em processos qunticos

    anlogos aos de formao de partculas

    elementares? Podem tais universos, inclu-

    indo o nosso, desaparecer em um processo

    quntico? Afinal, uma teoria de camposquantizados prev, e at mesmo requer, que

    tais processos ocorram, e eles de fato ocor-

    rem com freqncia no mbito de partcu-

    las elementares. Deveramos ento poder

    calcular a funo de onda do universo!

    No contexto de teorias inflacionrias j

    se mostrou natural tal criao de universos.

    Agora poderamos ter processos tais como

    na Figura 11.

    CONCLUSES

    Chegamos finalmente ao ponto em que

    cincia e filosofia imergem em preocupa-

    es atvicas do homem. Passamos, das

    preocupaes prticas, tcnicas e teis em

    nossa vida diria colocadas pela fsica e

    realizadas pela tecnologia, a preocupaes

    cada vez mais tericas e especulativas.

    Em primeiro lugar so misteriosas a ori-gem e a estrutura da geometria do espao-

    tempo. Uma geometria quntica no tem

    mais funes simples representando o es-

    Figura 11

    A criao de novos universos na teoria de cordas.

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    pao, mas operadores qunticos, e sua in-

    terpretao j no mais to simples. Mais

    ainda, no mago da gravitao quntica,

    em buracos negros e a altssimas tempera-

    turas, essencial que consideremos todas

    as partculas e interaes, que so geradas

    em nmeros infinitos nas teorias de cordas.

    Sobretudo, podem ainda intervir as dimen-

    ses extras das teorias de cordas, ou ainda

    outras das teoriasM, colocando a comple-

    xidade do problema em patamares ainda

    mais altos. Prevem alguns que as dimen-

    ses extras j se encontram em regies pr-

    ximas s observaes. De todo modo, sua

    presena passou a ser bastante provvel no

    mbito de teorias gerais de campo quanti-

    zados, e a velha idia de Kaluza e Klein dosanos 20 passa a fazer parte de um iderio

    quase quotidiano, onde outras dimenses

    passam a ser ubquas.

    Passamos a uma zona bastante mais

    especulativa, em que o observador no ape-

    nas parte do objeto de estudo, mas muito

    mais que isso: o objeto de estudo transcen-

    de o observador, por ser no apenas muito

    maior, como de fato nosso universo, mas

    por conter o observador de forma que esteltimo no seja capaz, nem mesmo em prin-

    cpio, de observar seu objeto de estudo, pois

    no h ligao causal entre um universo e

    outro.

    Esta a mecnica quntica vista sob

    uma nova dimenso, em que a medida, es-

    sencial para a prpria interpretao da teo-

    ria, passa a ser impossvel de ser realizada.

    O DOSSI COSMOLOGIA

    Os fatos aqui descritos de modo resu-

    mido e unificado sero discutidos por es-

    pecialistas em seus detalhes mais precisos.

    Inicialmente o prof. Henrique Fleming, do

    Instituto de Fsica da USP, far uma sntese

    dos rumos tomados em direo compre-

    enso do cosmos. Subseqentemente o ar-

    tigo do prof. Augusto Damineli (IAG-USP)nos dar uma idia sobre a possibilidade da

    vida no universo exterior nossa Terra. A

    partir deste ponto, o dossi passa a descre-

    ver o universo fsico, sua histria, e possi-

    velmente uma certa compreenso da ori-

    gem de todo o mundo fsico, uma pergunta

    atvica do ser humano.

    Primeiramente o prof. Lus Weber Abra-

    mo (IF-USP) descreve a geografia do uni-

    verso, aquilatando vrios problemas fun-

    damentais sobre sua estrutua conforme vista

    hoje, e descrevendo vrias idias que fun-

    damentalmente so necessidades tericas,

    como a idia de um universo inflacionrio,

    descrevendo uma poca distante em que o

    mundo multiplicou seu tamanho. Os ele-

    mentos primordiais e sua formao no uni-

    verso sero discutidos pelo prof. Walter

    Maciel (IAG-USP) e pelos profs. Valdir

    Guimares e Mahir S. Hussein (IF-USP),que explicaro a origem dos elementos por

    dois pontos de vista complementares.

    Posteriormente, dois aspectos relevan-

    tes da relatividade geral sero abordados,

    o primeiro concerne aos mais estranhos

    objetos previstos para o espao, que so

    os chamamos buracos negros, apresenta-

    dos pelo prof. George Matsas (do IFT-

    Unesp), especialista na rea, que contar

    sobre seus detalhes e certas idiossincrasiasdestas incrveis solues. Depois, o prof.

    Alberto Saa (Imec-Unicamp) apresentar

    a mais nova experincia concernente ve-

    racidade da teoria da relatividade geral,

    cujas conseqncias tm sido medidas h

    cerca de 90 anos. H vrias experincias

    em curso para teste da relatividade geral,

    incluindo uma na Universidade de So

    Paulo, onde um grupo importante, especi-

    alizado em fsica de baixas temperaturas,

    em colaborao com um grupo do Institu-

    to de Pesquisas Espaciais, est em busca de

    ondas gravitacionais atravs da construo

    de sofisticada antena de ondas gravitacio-

    nais. A experincia descrita pelo prof. Saa

    se adiciona a tantas outras que visam con-

    firmar a teoria.

    Uma viso do universo primordial e da

    sua evoluo, atravs da fotografia da radia-

    o csmica de fundo, ser dada pelo arti-

    go dos professores Thyrso Vilella, IvanFerreira e Alexandre Wuensche do Inpe.

    Essa descrio um dos componentes mais

    importantes de nossa viso atual do univer-

  • 7/26/2019 Universo Quntico Moderno

    24/24

    so, podendo dar uma fotografia detalhada

    do cosmos primordial, e confirmando de-

    talhes antes inimaginveis da teoria. o

    incio da chamada cosmologia de preciso.

    O problema das partculas elementares, e

    um de seus mais significativos represen-

    tantes no aspecto de confirmao da teoria,

    o neutrino, ser objeto do artigo da profa

    Renata Zukanovich Funchal (IF-USP), que

    mostrar tambm os vrios experimentos

    sobre o assunto. Chegamos ento a proble-

    mas importantes na descrio e observao

    do universo, que mencionamos anterior-

    mente, e que so cruciais para o futuro da

    teoria, a matria escura e a energia escura.

    Esses aspectos sero abordados por vrios

    pesquisadores. O prof. Jos Ademir Salesde Lima descreve a surpreendente expan-

    so acelerada do universo, e sua explica-

    o atravs de uma energia escura, miste-

    riosa entidade que nos lembra a antiga (ou

    quase vetusta) quintessncia, e que com-

    pe nada menos que 70% da energia total

    do universo. Posteriormente os professo-

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    The Cambridge Atlas of Astronomy.

    GUTH, A. H. The Inflationary Universe. Perseus Books, 1997.

    ABDALLA,E. Supercordas, in Revista USP, 5. So Paulo, CCS-USP, 1990, pp. 183-90.

    ABDALLA, E. & CASALI, A. G. Scientific American. Brasil, maro 2003.

    WEINBERG, S. Gravitation and Cosmology. New York, Wiley, 1972.

    PEEBLES, P. J. E. Principles of Physical Cosmology. Princeton University Press, 1993.

    res Rogrio Rosenfeld (IFT-Unesp) e Joo

    Antonio Freitas Pacheco (Observatrio de

    Nice, Frana) continuam a falar sobre as

    formas da matria escura. Sob forma inerte,

    esta representa cerca de 25% do universo.

    Os professores Jacques Lpine e Laerte

    Sodr, do IAG-USP, completam o impres-

    sionante quadro. De fato, pode acontecer que

    nada menos que 95% do universo seja com-

    pletamente desconhecido. A profaBeatriz

    Barbuy (IAG-USP) nos traz vrios outros

    aspectos observacionais importantes do

    universo com resultados importantes sobre

    a idade e a expanso do universo. A draBertha

    Cuadros-Melgar, do Instituto de Fsica, che-

    ga ao instante do prprio big-bang, a fron-

    teira ltima deste nosso universo, edescortina um novo conjunto de idias ba-

    seado na teoria das supercordas, com novas

    dimenses de espao, e um tempo transcen-

    dente, assim como com criaes mltiplas

    de universos. Ao final, o prof. Reuven Opher

    (IAG-USP) dar detalhes sobre a formao

    dos primeiros objetos do cosmo.