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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO MARIA HELENA PAIVA DA COSTA DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE APRENDE A LER: ARQUITETURA, CIDADE E PARTICIPAÇÃO POPULAR SÃO PAULO SP 2019

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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO

MARIA HELENA PAIVA DA COSTA

DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE APRENDE A LER: ARQUITETURA, CIDADE E PARTICIPAÇÃO POPULAR

SÃO PAULO SP 2019

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MARIA HELENA PAIVA DA COSTA

DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE APRENDE A LER: ARQUITETURA, CIDADE E PARTICIPAÇÃO POPULAR

Dissertação apresentada à Universidade São Judas Tadeu Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, para a obtenção do título de mestre. Orientadora: Dra. Ana Paula Koury.

SÃO PAULO SP

2019

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MARIA HELENA PAIVA DA COSTA

DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE APRENDE A LER ARQUITETURA, CIDADE E PARTICIPAÇÃO POPULAR

Dissertação apresentada à banca examinadora instituída pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, como requisito para a obtenção do título de Mestre.

Aprovada em ____ de _____________ de _____.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________ Profa. Dra. Ana Paula Koury

Universidade São Judas Tadeu

____________________________________________________________ Profa. Dra. Andréa de Oliveira Tourinho

Universidade São Judas Tadeu

____________________________________________________________ Prof. Dr. Fernando Atique

Universidade Federal de São Paulo

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Dedico este trabalho à minha família linda

(Marcelo, Mateus e Murilinho) que

caminhou comigo para a conclusão desta

etapa tão significativa em minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Ao Criador, sempre cuidador de seus filhos, que nunca me desamparou,

assim como à Espiritualidade que me acompanha e protege, tornando meu caminhar

possível;

Aos meus pais amados, Maria da Conceição Paiva e Reckitt Ferreira da

Costa pelo dom da vida;

Aos meus queridos irmãos e sobrinhas, em especial, a Lizandra Beatriz que

em muitos momentos possibilitou um ambiente adequado para que eu escrevesse

este trabalho;

À minha prima Dra. Kalina Paiva que revisou este trabalho e dividiu

discussões e risos comigo;

À Lúcia Maria e Olegário Júnior que me acolheram em São Paulo;

Em especial, muita gratidão à minha família, meus filhos Mateus e Murilo,

assim como ao meu esposo Marcelo Pereira, por todo o companheirismo e apoio ao

longo destes anos, por todo o amor e alegria que dividem comigo, me dando ânimo

todas as vezes em que pensei que não suportaria essa empreitada, por serem a

minha luz e por tornarem minha trajetória possível;

À minha orientadora, a Dra. Ana Paula Koury que, com muita paciência e

parceria, conduziu-me para a realização desta pesquisa, sempre me animado com

seu entusiasmo e inteligência ímpar. Gratidão também pela amizade e cuidados

comigo quando estive em são Paulo longe de minha família;

Aos meus excelentes professores do Programa de Pós-Graduação em

Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, sobretudo, em especial,

à professora Dra. Paula de Vicenzo que foi muito amiga e solícita comigo, ajudando-

me sempre que precisei, inclusive à distância, obrigada por todo o carinho;

Aos entrevistados e a todos que, de alguma forma, colaboraram para a

realização deste trabalho, meus sinceros agradecimentos, especialmente ao Sr.

Roberto Monte por disponibilizar o seu acervo audiovisual para o enriquecimento

desta pesquisa.

Obrigada, Deus, por permitires que maravilhas aconteçam!

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Quero a utopia, quero tudo e mais Quero a felicidade dos olhos de um pai

Quero a alegria muita gente feliz Quero que a justiça reine em meu país

Quero a liberdade, quero o vinho e o pão Quero ser amizade, quero amor, prazer Quero nossa cidade sempre ensolarada

Os meninos e o povo no poder, eu quero ver [...]

Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço, cadê poder? Viva a preguiça, viva a malícia que só a gente é que sabe ter

Assim dizendo a minha utopia eu vou levando a vida Eu viver bem melhor

Doido pra ver o meu sonho teimoso, um dia se realizar

Coração Civil. Milton Nascimento/ Fernando Brant.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Reportagem sobre a campanha de Jânio Quadros, feita por A República

(Natal) e publicada em 28 de setembro de 1960, na 1ª capa, com ênfase

no combate ao analfabetismo. ................................................................. 18

Figura 2 - Paulo Freire (ao fundo) com trabalhadores/alunos em um círculo de

cultura durante a experiência de Angicos. ............................................... 22

Figura 3 - Pintura em guache do artista pernambucano Francisco Brennand,

ilustrando o conceito das palavras geradoras do Método Paulo Freire. ... 23

Figura 4 - Composição da chapa de Djalma Maranhão com o vice-prefeito Luiz

Gonzaga para a campanha eleitoral em que foram candidatos à prefeitura

de Natal/RN em 1960. ............................................................................. 25

Figura 5 - Djalma Maranhão e família durante o exílio no Uruguai. .......................... 26

Figura 6 - Fachada frontal de um galpão no Acampamento Escolar das Rocas, que

apresenta o nome da campanha no frontão feito de palha. ..................... 29

Figura 7 - Estande das obras da Prefeitura na II Praça de Cultura em que se destaca

um cartaz com a quantidade de alunos matriculados por ano até 1962...32

Figura 8 - Convite da Prefeitura do Natal para a segunda Praça de Cultura em

dezembro de 1962. ................................................................................. 33

Figura 9 - 1ª Praça de Cultura, com o palco ao fundo e, à direita, os estandes onde

havia eventos paralelos, como venda de livros, noite de autógrafos e a

população, em 1961. ............................................................................... 34

Figura 10 - Estandes da II Praça de Cultura, em 1962, local conhecido como o

Grande Ponto, no cruzamento da Rua João Pessoa com a Av. Rio Branco

no bairro da Cidade Alta. ......................................................................... 35

Figura 11 - Estandes da III Praça de Cultura em 1963. Destaque para os estandes

fechados e uma placa chamando a atenção para a campanha De Pé no

Chão Também se Aprende a Ler. Não havia a presença da população,

pois os eventos aconteciam à noite. ........................................................ 35

Figura 12 - Fachada da biblioteca Monteiro Lobato no Bairro das Rocas, na Avenida

Duque de Caxias, onde, atualmente, se localiza uma biblioteca do sistema

SESI. Destaque para a bibliotecária D. Nair. ........................................... 36

Figura 13 - Biblioteca Popular Monteiro Lobato no Bairro das Rocas. ...................... 37

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Figura 14 - Biblioteca Popular Castro Alves no Bairro das Quintas, na Rua São

Geraldo. Atualmente, encontra-se uma distribuidora de alimentos no lote,

na esquina da Rua São Geraldo com a Rua Luís Souto. ......................... 37

Figura 15 - Aula de datilografia acontecendo em um galpão. Destaque para as

alunas digitando nas máquinas de escrever............................................. 39

Figura 16 - Aula de barbearia. O aprendiz corta o cabelo de uma criança, enquanto

os demais alunos observam. ................................................................... 39

Figura 17 - Aluno do curso de sapateiro, manuseando um calçado com um molde. 40

Figura 18 -

NESTA RUA RESTAM APENAS 11 ANALFABETOS/ AJUDE O

Bairro das Rocas. .................................................................................... 41

Figura 19 - Escola Brasileira com Dinheiro Brasileiro. Última fase da campanha De

Pé no Chão. Escolas de alvenaria cujos nomes dados pela prefeitura

deixavam clara a sua oposição ao recebimento de verbas e ingerência

dos Estados Unidos................................................................................. 42

Figura 20 - Galeria de Artes na Praça André de Albuquerque. Essa galeria deixou de

existir desde o século XX, quando foi demolida....................................... 43

Figura 21 - Inauguração da Concha Acústica na Praça André de Albuquerque em

1963. A exemplo da Galeria de Artes, este equipamento também foi

demolido. ................................................................................................. 43

Figura 22 - Foto em perspectiva do primeiro Acampamento, em 1961, no Bairro das

Rocas. Sobressaem, na paisagem dunar, a palhoça circular e os galpões

que compunham o Acampamento. Ao fundo, tem-se o mar. Na atualidade,

o entorno desse local é ocupado por edificações que não possibilitam

mais a visão do mar no horizonte. ........................................................... 46

Figura 23 - Interior de um galpão em que se nota a ausência de fechamentos laterais

ou internos nas divisões das salas de aula. ............................................. 47

Figura 24 - Sala de aula em um Acampamento. Mais uma vez, percebe-se a divisão

por quadros-negros e murais, além da ausência de paredes laterais. ..... 48

Figura 25 - Croqui da implantação do Acampamento das Rocas. ............................ 49

Figura 26 - Croqui de corte esquemático de um galpão. .......................................... 50

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Figura 27 - Palhoça circular espaço de convivência para recreação de alunos e

reuniões diversas, seguindo as mesmas técnicas construtivas e materiais

utilizados nos galpões. ............................................................................ 51

Figura 28 - Alunos cuidando da horta para sustento da merenda escolar. ............... 52

Figura 29 - Aspecto de uma edificação em Cajueiro Seco PE. ............................. 53

Figura 30 - Estrutura em madeira de uma edificação em Cajueiro Seco PE. ........ 54

Figura 31 - População construindo uma casa em Cajueiro Seco PE. .................... 55

Figura 32 - Matéria sobre a técnica empregada na cobertura dos Acampamentos.. 57

Figura 33 - Mocambo de palha de coqueiro. ............................................................ 59

Figura 34 - Mocambo de massapê, coberto de capim-açú. ...................................... 59

Figura 35 - Aspecto de um Acampamento Escolar, detalhe para a cobertura de palha

de coqueiro. ............................................................................................ 60

Figura 36 - Galpões de um Acampamento Escolar. ................................................. 62

Figura 37 - Mapa do Rio Grande do Norte, a área em destaque é a capital Natal. ... 65

Figura 38 - Mapa dos limites e Regiões Administrativas de Natal RN. .................. 66

Figura 39 - Mapa da evolução urbana da cidade do Natal RN até a década de

1970. ....................................................................................................... 68

Figura 40 - Mapa da evolução urbana de Natal até 1970 com destaque para os

bairros contemplados com Acampamentos. ............................................ 70

Figura 41 - Maquete física de um dos Acampamentos Escolares, onde se pode notar

a distribuição espacial pela cidade. A maquete encontrava-se exposta

durante uma Praça de Cultura em 1962. ................................................. 71

Figura 42 - Mapa dos Acampamentos erguidos em 1961 e em 1962. ...................... 72

Figura 43 - Mapa com a indicação dos Acampamentos. .......................................... 73

Figura 44 - Mapa de equipamentos para a promoção da educação e cultura na

campanha De Pé no Chão (1961 e 1964). .............................................. 74

Figura 45 - Título da matéria do Diário de Natal de 25 fev. 1966 sobre a substituição

dos Acampamentos Escolares por novas escolas. .................................. 75

Figura 46 - Mapa ampliado do bairro das Rocas, Limite Administrativo 2005.

Destaque para o local da Escola Municipal Henrique Castriciano. .......... 76

Figura 47 - Fachada da Escola Municipal Henrique Castriciano, no Bairro das Rocas,

Natal/ RN. ................................................................................................ 77

Figura 48 - Mapa ampliado do bairro Dix-Sept Rosado, Limite Administrativo 2005.

Destaque para o lote da Escola Prefeito Mário Lira. ................................ 78

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Figura 49 - Fachada da Escola Municipal Prefeito Mário Lira, em Dix-Sept Rosado,

Natal/ RN. ................................................................................................ 78

Figura 50 - Mapa ampliado do bairro Alecrim, limite administrativo 2005. Destaque

para o lote em que se encontra, atualmente, a Escola Municipal Juvenal

Lamartine, Natal/ RN. .............................................................................. 79

Figura 51 - Fachada da Escola Municipal Juvenal Lamartine, no Bairro Alecrim,

Natal/ RN. ................................................................................................ 80

Figura 52 - Mapa ampliado do Bairro das Quintas, Limite Administrativo 2005.

Destaque para o lote da Escola Municipal Ferreira Itajubá. ..................... 81

Figura 53 - Fachada da Escola Municipal Ferreira Itajubá, no Bairro das Quintas,

Natal/ RN. ................................................................................................ 81

Figura 54 - Mapa ampliado do Bairro Nordeste, Limite Administrativo 2005. Indicação

da localização do Acampamento Escolar e da Escola Municipal Chico

Santeiro. .................................................................................................. 82

Figura 55 - Fachada da Escola Municipal Chico Santeiro, no Bairro Nordeste, Natal/

RN. .......................................................................................................... 83

Figura 56 - Mapa ampliado do Bairro Igapó, Limite Administrativo 2005. Indicação da

localização do Acampamento Escolar de Igapó. ..................................... 84

Figura 57 - Local do Acampamento de Igapó, indicação do Cartório e do terreno que

compreendiam a área do Acampamento, Bairro de Igapó, Natal/ RN...... 84

Figura 58 - Mapa ampliado do Bairro Mãe Luíza, Limite Administrativo 2005.

Indicação do terreno em que se localizava o Acampamento da Aparecida.

................................................................................................................ 85

Figura 59 - Terreno baldio onde se localizava o Acampamento Escolar da Aparecida.

................................................................................................................ 86

Figura 60 - Mapa ampliado do Bairro Nova Descoberta, Limite Administrativo 2005.

Destaque para o lote da Escola Municipal Professor Ulisses de Góis, onde

se localizava o Acampamento de Nova Descoberta. ............................... 87

Figura 61 - Fachada principal da Escola Municipal Professor Ulisses de Góis, no

bairro Nova Descoberta, Natal/RN. ......................................................... 88

Figura 62 - Mapa ampliado do Bairro Nordeste, Limite Administrativo 2005. Indicação

do terreno onde se localizava o Acampamento da Granja. ...................... 89

Figura 63 - Terreno em que se localizava o Acampamento da Granja, no Bairro

Nordeste, Natal/RN. ................................................................................ 90

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LISTA DE SIGLAS

BCZM Biblioteca Central Zila Mamede

CEPLAR Campanha de Educação Popular da Paraíba

CFP Centro de Formação de Professores

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CPC Centro Popular de Cultura

DHNET Direitos Humanos na Internet (site)

FAU-USP Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira

MCP Movimento de Cultura Popular

MEB Movimento de Educação de Base

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

OSC Organizações da sociedade civil

PDs Planos Diretores

PE Pernambuco

PNE Plano Nacional de Educação

PSN Partido Social Nacionalista

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

PTN Partido Trabalhista Nacional

RN Rio Grande do Norte

SEEC Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer do

Rio Grande do Norte

SEMTA Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia

SEMURB Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo

SESI Serviço Social da Indústria

SHRU Seminário de Habitação e Reforma Urbana

SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

SSCM Serviço Social Contra o Mucambo

UDN União Democrática Nacional

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNE União Nacional dos Estudantes

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RESUMO

Nos primeiros anos da década de 1960, o Brasil passa por uma série de

experiências educacionais para resolver o problema do analfabetismo no país. A

campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler surge nesse contexto, no ano

de 1961, em Natal/RN. Neste trabalho, buscou-se contextualizar a participação

popular nas políticas de gestão urbana, pois a população teve papel fundamental

para o seu êxito. A presença da cultura popular na campanha, tanto nas práticas

educativas, quanto na arquitetura desenvolvida para as escolas, chamada de

Acampamentos Escolares, foi fundamental para o êxito do programa, isto é, a

grande mobilização e adesão da população local à campanha. Esta pesquisa gerou

um produto inédito que trata do mapeamento dos Acampamentos Escolares.

Palavras chaves: arquitetura popular; participação popular; gestão urbana;

erradicação do analfabetismo.

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ABSTRACT

In the early years of the 1960s, Brazil underwent a series of educational

experiences in the effort to solve the problem of illiteracy in the country. The

campaign De Pé no Chão Também se Aprende a Ler (Standing on the Ground Also

Learns to Read) arises in this context, in the year 1961, in Natal / RN. In the studies

about this campaign, we sought to contextualize popular participation in urban

management policies, since the population played a fundamental role in its success.

Another factor that deserves to be highlighted is the popular culture that was

introduced in the campaign, in both aspects the educational practices and in the

architecture developed for the school buildings, called Acampamentos Escolares

(School Camps). The present work generated an unprecedented product that deals

with the mapping of the School Camps.

Keywords: popular architecture; participatory process; urban management;

eradication of illiteracy.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................... 15

1 POLÍTICA E EDUCAÇÃO NOS CONTEXTOS NACIONAL E LOCAL (1960 -

1964): SITUANDO DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE APRENDE A LER ......... 18

1.1 Política educacional no início dos anos 1960 no Brasil ............................. 18

1.2 Cultura, política e educação no Nordeste: início da década de 1960 ........ 19

1.3 Paulo Freire e As 40 Horas de Angicos ....................................................... 22

1.4 A política em Natal: contextualização da vida política de Djalma Maranhão

........................................................................................................................ 24

1.5 Djalma Maranhão e sua campanha popular ................................................. 27

1.6 A campanha De Pé No Chão Também Se Aprende A Ler: a ênfase popular .

........................................................................................................................ 29

1.7 Para além da educação: desdobramentos da campanha e cultura popular .

........................................................................................................................ 31

2 OS ACAMPAMENTOS ESCOLARES: A UTOPIA POPULAR

MATERIALIZADA ........................................................................................... 44

2.1 Técnicas construtivas e as características espaciais ................................. 46

2.2 O pioneirismo da participação popular na construção do espaço ............ 53

2.3 O conhecimento vernacular .......................................................................... 56

3 DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE CONSTRÓI A CIDADE: A EXPANSÃO

URBANA DE NATAL E A LOCALIZAÇÃO DOS ACAMPAMENTOS ............ 62

3.1 De Acampamentos a escolas: relato da pesquisa de campo ..................... 62

3.2 Natal no início da década de 1960: a expansão da educação democrática ..

........................................................................................................................ 62

3.3 Mapeamento dos Acampamentos ................................................................. 71

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 91

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 93

APÊNDICE................................................................................................................ 97

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APRESENTAÇÃO

Este trabalho analisa a campanha De Pé no chão Também se Aprende a Ler,

que ocorreu em Natal/ RN, entre os anos de 1961 a 1964, durante a segunda gestão

municipal do prefeito Djalma Maranhão. A campanha foi uma política pública para a

área de educação e permanece um exemplo de participação ativa da população não

somente na produção do espaço escolar como também na gestão dos serviços

públicos de educação e cultura, durante o mandato do prefeito.

O interesse pela campanha reside nas especificidades, sobretudo em seu

pioneirismo de adotar, na arquitetura da rede escolar, um sistema construtivo

baseado nas técnicas populares do Nordeste que adotam o coqueiro como matéria-

prima. A estrutura desses Acampamentos Escolares foi construída, utilizando-se

troncos roliços e a cobertura em palhas trançadas. A proposta foge aos padrões

convencionais do que se entende como arquitetura escolar, entretanto o seu

potencial simbólico foi extremamente mobilizador da população local. Essa

característica local, valorizada na construção, foi uma resposta à escassez de

recursos do poder público municipal da época para atender a demanda da

população carente por educação. É válido destacar que a alfabetização era o pré-

requisito de acesso à cidadania, uma vez que o voto era proibido ao analfabeto.

Desse modo, a resposta permitiu transformar o saber popular em um índice

facilmente reconhecível que identificava a campanha, promovida pelo poder público

local com a população pobre da cidade de Natal.

Feitas as considerações iniciais, este trabalho organiza-se em três capítulos.

O primeiro apresenta a campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, haja

vista ser necessário, a priori, situar a educação e a política nos anos sessenta. Por

isso, nesse capítulo, é feito um breve relato da política e da educação no Brasil,

apontando a contribuição de Paulo Freire na educação popular e na (re)significação

da cultura do analfabeto no Brasil, objetivando contextualizar a política de educação

em Natal/RN no mesmo período. Posteriormente, é apresentada a campanha,

narrando o seu surgimento e a ênfase da participação popular na formulação da

política educacional, o que favoreceu a grande adesão da população à campanha

promovida pelo poder público.

O segundo, A utopia popular materializada, trata do conhecimento popular

utilizado na produção dos Acampamentos Escolares que conferiram identidade à

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campanha. Enfatiza-se o seu pioneirismo na recuperação de técnicas construtivas

tradicionais da região do litoral do Rio Grande do Norte. Ademais, descreve-se o

sistema construtivo adotado e as características espaciais singulares dos

Acampamentos Escolares da campanha.

O terceiro, De pé no chão também se constrói a cidade, traz o relato da

pesquisa de campo para a criação dos mapas, compara a expansão da campanha

com a expansão urbana de Natal e o próprio Mapeamento dos Acampamentos

Escolares construídos no âmbito da campanha, onde são identificadas as escolas

que, hoje, estão edificadas no mesmo local. Essa é uma contribuição inédita do

trabalho que servirá, no futuro, para a produção de uma história urbana das

periferias da cidade de Natal. Nesta dissertação de mestrado, o material reunido e

analisado despertou reflexões sobre a relação entre a cultura popular e a gestão

democrática da cidade, extraída desse episódio histórico, referente à campanha De

Pé no Chão Também se Aprende a Ler, contextualizada e relatada nos capítulos

anteriores.

Este trabalho relaciona a produção do espaço construído com o processo

histórico cultural brasileiro, conforme tem sido feito pela historiografia da arquitetura

brasileira desde os anos 1980. (GUERRA, 2010). Para a recuperação histórica,

realizaram-se pesquisas em fontes primárias, tais como arquivos e entrevistas; e em

fontes secundárias, consultando-se os textos existentes sobre a campanha.

Para a realização deste trabalho, foi localizado e sistematizado um vasto

conteúdo audiovisual do qual se retirou quase a totalidade das figuras utilizadas.

Nessa etapa da pesquisa, destaca-se a importância dos encontros realizados com o

Sr. Roberto Monte, dono da central de documentação do DHNET1 e pesquisador da

História e da política do Rio Grande do Norte. Em seu acervo, encontra-se a maior

parte dos documentos relativos à campanha.

O acervo fotográfico das campanhas educacionais e culturais do governo de

Djalma Maranhão, o levantamento de reportagens de jornais e de revistas da época,

que abordam e contextualizam a campanha, compõem o arcabouço de material que

foi incorporado e analisado no desenvolvimento das argumentações dos capítulos

um e dois deste trabalho.

1 Sigla para Direitos Humanos na Net. Disponível em <http://www.dhnet.org.br/>. É na central de documentação do DHNET, que o Sr. Roberto Monte mantém seu rico acervo pessoal sobre a campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, no qual são disponibilizados documentos, imagens, livros e vídeos no website citado acima.

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17

Por sua vez, no Apêndice, constam as entrevistas e as conversas informais,

realizadas tanto com envolvidos e participantes da campanha quanto com

pesquisadores e moradores dos bairros à época da campanha.

Isto posto, esta pesquisa pretende contribuir com a linha de Gestão do

Espaço Urbano do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Para

tanto, enfatiza a relação entre os aspectos simbólicos e monumentais da arquitetura,

abarcando também como a campanha poderá contribuir para as discussões acerca

do planejamento e da gestão da cidade, conforme apresentado pela crítica ao

racionalismo abstrato, elaborada ainda na década de 1940, que pode ser encontrada

Nove pontos sobre a monumentalidade . (SERT, LÉGER, GIEDION, 1943).

Além disso, aborda o tema da gestão urbana em sua relação com o aspecto

cultural da arquitetura, recuperando o valor cultural das técnicas construtivas

tradicionais, conforme apontado por Freyre (1936) em sua análise dos mocambos do

Nordeste e, posteriormente, retomado por Andrade (1963) em sua descrição das

técnicas construtivas tradicionais da população do litoral do Nordeste; e, finalmente,

por Borsoi em sua proposta para o reassentamento da população que ocupava o

morro dos Guararapes, em Jaboatão, região metropolitana de Recife, no ano de

1963. Essa literatura referente aos sistemas construtivos tradicionais foi confrontada

com a contribuição de Paulo Freire que recupera a cultura popular e tradicional para

a produção de um método pedagógico brasileiro de alfabetização de adultos.

Por fim, com esse referencial teórico, procurou-se enfrentar o campo técnico e

disciplinar da Arquitetura e do Urbanismo, sem perder de vista a contribuição da

Pedagogia de Paulo Freire e da Sociologia de Gilberto Freyre que, neste caso,

convergem diretamente para a compreensão do processo de coprodução da cidade,

referenciada nesta dissertação de mestrado.

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1 POLÍTICA E EDUCAÇÃO NOS CONTEXTOS NACIONAL E LOCAL (1960 -

1964): SITUANDO DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE APRENDE A LER

1.1 Política educacional no início dos anos 1960 no Brasil

Após o governo de Juscelino Kubistchek (1902 1976), a partir de 1961, com

o novo presidente Jânio Quadros (1917 1992), a preocupação com a educação

das massas no Brasil assumiu papel relevante nas políticas públicas. Ainda em

campanha eleitoral para a presidência da República, o então deputado Jânio

Quadros, de passagem por Natal/RN, disse que uma das principais preocupações

do seu governo seria o combate ao analfabetismo, conforme enfatizado em

reportagem de A República, de 28 de setembro de 1960.

Figura 1 - Reportagem sobre a campanha de Jânio Quadros, feita por A República (Natal) e publicada

em 28 de setembro de 1960, na 1ª capa, com ênfase no combate ao analfabetismo.

Fonte: Acervo do Arquivo Estadual.

Jânio Quadros teve uma carreira política pautada no contato com as massas

das periferias urbanas. Foi vereador de São Paulo entre 1948 e 1951. Elegeu-se

deputado estadual por São Paulo entre 1951 e 1953. Em seguida, foi prefeito da

cidade entre 1953 e 1955 e governador do estado entre 1955 e 1959. A

consagração da sua carreira política veio com a eleição presidencial no pleito de

1960, porém seu estilo era polêmico e controverso. Em face disso, não resistiu à

crise política que o país atravessava no início da década de sessenta, deixando o

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cargo para o vice-presidente eleito João Goulart, que pertencia à outra coligação

partidária. O mandato de Jânio Quadros durou apenas oito meses, tendo renunciado

em agosto de 1961. Mesmo em tão pouco tempo, segundo a pesquisadora Vanilda

Paiva (1973), foi possível estruturar uma política importante para a Educação, tema

de campanha de Quadros, através da criação do Movimento de Educação de Base

MEB. O Movimento pretendia financiar a educação em uma área de atuação que

as regiões subdesenvolvidas do Norte, Nordeste e Centro-

1973 p. 223), contando com o potencial de comunicação das emissoras de TV e

rádios difusoras da Igreja Católica, através da CNBB (Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil). Não se pode esquecer que, nos anos sessenta, a Igreja Católica

já trabalhava a questão da luta contra o analfabetismo antes da criação do MEB. Em

1961, foram iniciadas 2.687 escolas radiofônicas ligadas à CNBB. Assim, o Rio

Grande do Norte obteve um total de 1.083 rádios escolas, sendo o estado mais

contemplado com essa modalidade.

Também, em dezembro de 1961, foi promulgada a primeira LDB Lei de

Diretrizes e Base da Educação Nacional e, a partir desta, criou-se o PNE Plano

Nacional de Educação, importantes instrumentos para a efetivação das políticas

educacionais abordadas nesse trabalho. (PAIVA, 1973).

1.2 Cultura, política e educação no Nordeste: início da década de 1960

O início da década de 1960 foi bastante propício à implementação da

campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, realizada em Natal-RN,

durante a gestão do prefeito Djalma Maranhão (1960-1964). Esse projeto visou não

só erradicar o analfabetismo como também ampliar o atendimento escolar. Nessa

época, também surgiram diversas experiências educacionais que aliavam ensino e

conscientização popular. Em nível nacional, destaca-se o Movimento de Educação

de Base MEB, que estabeleceu uma parceria entre o Governo Federal e a

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Na mesma época, surgiu o

Centro Popular de Cultura (CPC), idealizado pela União Nacional dos Estudantes

(UNE), um projeto relevante que propiciou a criação de vários centros de cultura, os

quais proporcionaram aos artistas o diálogo com a cultura popular, levando a

conscientização política da cultura acadêmica às massas e instrumentalizando a

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cultura popular em um projeto político progressista do movimento estudantil da

época. (GÓES, 2010) 2.

Com grande repercussão no Nordeste, o Movimento de Cultura Popular

(MCP) ocorreu em Pernambuco no ano de 1961 e promoveu a conscientização e a

alfabetização popular através dos Círculos de Cultura3. No mesmo ano, também

aconteceram experiências da campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler,

em Natal/RN. A seguir, em 1962, na cidade de João Pessoa/PB, foi criada a

Campanha de Educação Popular da Paraíba CEPLAR, uma experiência

semelhante que contou com a participação de estudantes universitários e

profissionais recém-formados, atuando como professores. (GADOTTI, 2014).

Tais exemplos demonstram que havia uma preocupação de vários setores da

sociedade brasileira em abrir um canal de comunicação direta com as massas

populares. Isso mobilizou principalmente igrejas, artistas, intelectuais, estudantes

universitários e partidos políticos. Na Região Nordeste, pelo histórico da seca e pela

concentração da pobreza na região, as campanhas em favor da alfabetização e

conscientização das massas populares foram especialmente significativas.

Neste contexto, destaca-se a atuação de Paulo Freire (1921-1997), um ativo

membro do Movimento de Educação de Base MEB, em Pernambuco, que

assessorou diretamente o Movimento da Paraíba e que, mais tarde, seria o

protagonista de um dos mais marcantes experimentos de inclusão social, o Projeto

Piloto de Angicos, realizado em 1963, que adquiriu grande visibilidade durante o

governo de João Goulart, ao ter seu método incorporado no Plano Nacional de

Alfabetização. (RESISTÊNCIA EM ARQUIVO, 2014).

De 1947 até 1955, Freire havia trabalhado para o Serviço Social da Indústria,

em Recife-PE, o que lhe rendera um profundo conhecimento da realidade do

trabalhador analfabeto e de suas dificuldades de integração no sistema de

desenvolvimento nacional em vigor. Baseado nesta experiência, em 1959, Freire

escreveu a tese Educação e Atualidade Brasileira e a submeteu em um concurso

para professor da Universidade de Recife. A tese foi o marco teórico do que seria,

2 Moacyr de Góes (1930 -2009) foi o secretário de Educação municipal durante a campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler (1960-1964). Em 1964, foi preso político punido como subversivo. Em 1979, aposentou-se como professor da UFRN, sendo transferido e integrado à UFRJ. Disponível em: <http://forumeja.org.br/moacyr.vida>. Acesso em 10 jun. 2019. 3 Os Círculos de Cultura faziam parte de uma estratégia pedagógica. Consistiam em reuniões, cujo professor assumia um papel de mediador e, juntamente com os educandos, partindo de elementos das suas realidades, conduzia o debate. A partir dessas discussões, escolhiam-se os temas geradores em torno dos quais as palavras-chave deles extraídas eram veículo de alfabetização.

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posteriormente, a sua importante contribuição à teoria e História da educação

brasileira, trazendo um método de alfabetização que aliava letramento e

conscientização política de adultos. Fundamentada no campo teórico isebiano, a

tese procurou criar um sistema nacional de educação e cultura capaz de responder

aos desafios do desenvolvimento brasileiro. (FREIRE, 1959). Freire traz, em sua

tese, Anísio Teixeira que é o norteador do pensamento de Djalma Maranhão quanto

à educação. Inclusive, Djalma dedica seu livro4 escrito durante o exílio à figura de

Anísio Teixeira contra o analfabetismo em um país de

desgraça e degradante maioria de analfabetos.

Para Freire, esse desafio estava na emancipação democrática do trabalhador,

isto é, em sua inserção nos processos decisórios em relação à sua vida social. O

pensador, assim, se posiciona:

Cada vez mais nos convencíamos ontem e nos convencemos hoje, de que o homem brasileiro tem de ganhar a consciência de sua responsabilidade social e política, existindo essa responsabilidade. Vivendo essa responsabilidade. Participando. Atuando. Ganhando cada vez maior ingerência os destinos da escola de seu filho. Nos destinos de seu sindicato. De sua empresa através de agremiações, de clubes, de conselhos. Ganhar ingerência na vida de seu bairro. Na vida de sua comunidade rural, pela participação atuante em associações, em clubes, em sociedades beneficentes. Assim não há dúvida, iria o homem brasileiro aprendendo democracia mais rapidamente. Assim é que conseguiríamos introjetar no homem brasileiro o sentido de nosso desenvolvimento econômico, fazendo-o, dessa forma, participante desse processo e não apenas expectador dele. Problema em que lucidamente vêm insistindo, de modo geral, os professores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), nem sempre bem compreendidos na sua "ideologia do

Nos anos seguintes, na década de sessenta, Paulo Freire e a luta contra o

analfabetismo ganharam um fôlego cultural e político ainda maior, em se tratando

que o movimento de afirmação dos direitos sociais do trabalhador rural foi uma das

principais bandeiras política de João Goulart. No Brasil, o código eleitoral impedia o

voto do analfabeto, excluindo do processo eleitoral a maior parte da população

adulta que vivia no campo. Por esse motivo, a ampliação do sistema democrático

dependia da alfabetização de adultos, criando a força da identidade histórica do

método de Paulo Freire, como atesta a grande difusão da experiência piloto

4 O livro intitulado De Pé no Chão Também se Aprende a Ler (A Escola Brasileira com dinheiro brasileiro, uma experiência válida para o mundo subdesenvolvido) não chegou a ser finalizado. A editora que o publicaria seria a Civilização Brasileira S.A.

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realizada em Angicos, cidade localizada no sertão do Rio Grande do Norte, em

1963.

1.3 Paulo Freire e As 40 Horas de Angicos

A experiência de Angicos, no Rio Grande do Norte, ocorreu no ano de 1963.

Angicos é um município localizado a 179,3 km da capital, na região do Médio-Oeste

Potiguar. No recenseamento de 1960, a população urbana do munícipio era de

apenas 25%, ainda dividida entre dois núcleos urbanos: a Vila de Fernando

Pedroza, com 790 habitantes; e a sede municipal, com 1551 habitantes. Os outros

75% da população encontravam-se distribuídos pela zona rural do município

(DHNET, 1995).

Essa campanha de alfabetização de adultos ficou conhecida como As 40

horas de Angicos

aprendessem a ler e a escrever e, ainda por cima, viessem a se politizar em 40

onforme descreve Germano5 (1997, p. 389) que estudou ambas.

Figura 2 - Paulo Freire (ao fundo) com trabalhadores/alunos em um círculo de cultura durante a

experiência de Angicos.

Fonte: BRANDÃO, 2005, p. 48.

5 José Willington Germano é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e um dos grandes pesquisadores da educação brasileira, sobretudo das campanhas De Pé no Chão Também se Aprende a Ler e As 40 horas de Angicos. Seus escritos são referências de maior importância para a compreensão das referidas campanhas.

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Em 1962, surgiu o convite para a experiência de Angicos, porém Freire só o

aceita sob duas condições: autonomia na contratação dos profissionais e autonomia

na sua ação político-pedagógica e ideológica, considerando que os recursos

financeiros vinham da Aliança para o Progresso6 e ele temia que a ingerência

americana interferisse em seu trabalho.

Uma vez garantida a liberdade para implementar o seu método, Freire aceitou

o desafio e conseguiu alfabetizar 300 trabalhadores, predominantemente rurais, em

Angicos, no período de 40 horas. A estratégia adotada era transformar a cultura, o

cotidiano dos trabalhadores em tema para alfabetização, definindo o que mais tarde

seriam as palavras geradoras que caracterizam seu método. Ele acreditava que era

mais fácil para os trabalhadores aprenderem, a partir do que lhes era palpável, do

que daquilo que lhes era apenas reconhecível.

Figura 3 - Pintura em guache do artista pernambucano Francisco Brennand, ilustrando o conceito das

palavras geradoras do Método Paulo Freire.

Fonte: BRANDÃO, 2005, p. 43.

É nessa apreensão cultural da realidade dos trabalhadores rurais que Freire

busca a chave para a conscientização que alia a prática pedagógica à libertação do

homem. Para ele, não bastava que os alunos apreendessem a realidade, como

meros expectadores, mas era necessário que ultrapassassem a esfera da

6 Programa de Assistência para o Desenvolvimento Socioeconômico da América Latina, cujos investimentos para a implementação de projetos eram custeados pelos países latino-americanos, sendo que outra parte de recursos era injetada pelos Estados Unidos. (Fonte: http://www.fgv.br)

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espontaneidade para alcançar a esfera crítica. Assim, o povo não agiria mais como

simples elemento passivo da sociedade, mas passaria a descobrir-se como agente

transformador de seu meio social. Por isso fez questão de pontuar que

A educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade. [...] A conscientização não consiste em

ma posição falsamente intelectual. A

reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens. (FREIRE, 1980, p. 25).

Mesmo breve, a experiência de Angicos teve repercussão nacional e

internacional, dando visibilidade ao método de alfabetização de adultos de Paulo

Freire, sobretudo despertando o interesse do presidente João Goulart que viu a

possibilidade de implementá-lo no Brasil, já que

da miséria e incluí-los na (GADOTTI, 2014, p. 58).

É importante lembrar que, na frágil condição democrática brasileira, a massa

de analfabetos excluídos do processo político, só na região Nordeste, alcançava a

marca de 15 milhões de pessoas. Portanto, era urgente transformar essa realidade.

1.4 A política em Natal: contextualização da vida política de Djalma

Maranhão

Além de situar o momento histórico em que se desenvolveu a política de

erradicação do analfabetismo em Natal/ RN, é necessário, sobretudo, caracterizar a

política municipal dentro do contexto da política nacional.

No final da década de 1950, a população de Natal escolhia, pela primeira vez,

o seu representante municipal, que até aquele momento era indicado pelo

governador do estado. O primeiro prefeito eleito de Natal foi Djalma Maranhão, pelo

PTN (Partido Trabalhista Nacional), com inclinação esquerdista, já havia sido

militante do Partido Comunista, deixando o partido em 1946 (GÓES, 2010). Pela

representatividade popular, era um político que não se encontrava em meio às elites

oligárquicas do estado e que se identificava com o cafeísmo7. Esse era o seu

7 O termo vem da orientação política que se afinava com as ideias de João Café Filho, contrárias às oligarquias da República Velha no Rio Grande do Norte (GÓES, 2010, p. 19). Café Filho, antes de se tornar Deputado Federal pelo estado do Rio Grande do Norte, foi um representante das camadas mais populares. No bairro das Rocas, em Natal, atuou como líder sindical. Foi o fundador do Partido

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segundo mandato como prefeito, quando, anteriormente, havia sido indicado ao

governo municipal pelo Governador Dinarte Mariz, em 1956.

A imagem seguinte mostra a coligação da chapa de Djalma Maranhão e seu

apelo às camadas populares. No cartaz, pode-se verificar o apoio eleitoral a João

Goulart (PTB) e ao Marechal Lott para a presidência da república; para governador

do estado, Maranhão era ligado à Aluízio Alves (UDN).

Figura 4 - Composição da chapa de Djalma Maranhão com o vice-prefeito Luiz Gonzaga para a

campanha eleitoral em que foram candidatos à prefeitura de Natal/RN em 1960.

Fonte: Acervo DHNET.

Segundo o pesquisador Góes (2010), um dos responsáveis pela

implementação da campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, Djalma

Maranhão era considerado um prefeito das massas, pois procurava atender às

reinvindicações da população. Desta forma, em sua campanha eleitoral de 1960,

buscou nos bairros mais pobres, através de reuniões abertas, ainda durante a sua

campanha eleitoral, descobrir as principais necessidades da população dessas

localidades.

Ao final da campanha, chegou-se a uma reinvindicação unânime: a população

queria acesso à educação para seus filhos, vendo-os matriculados em escolas

Social Nacionalista em Natal (PSN) e vice-presidente do Brasil no segundo governo de Getúlio Vargas. Após a morte de Vargas, Café Filho tornou-se Presidente da República.

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públicas e democráticas. Logo, o foco principal de seu governo pendeu para a

educação, porém Djalma Maranhão trabalhou para além dela, pois também entendia

que a valorização da cultura fazia parte do processo educativo. Assim, voltou-se

para a promoção da educação e da cultura na capital norte-rio-grandense.

Imbuído do desejo de trabalhar pela educação municipal, o prefeito Djalma

Maranhão, juntamente com Moacyr de Góes, então secretário de educação

municipal, lançaram a campanha de erradicação do analfabetismo em Natal,

intitulada De Pé no Chão Também se Aprende a Ler.

O prefeito ficou no poder até 02 de abril de 1964, data em que foi afastado

pelo Golpe Militar. Primeiramente, foi preso em Natal. Depois, foi levado para

Fernando de Noronha e, posteriormente, para Recife. Após essas prisões, ficou

exilado em Montevidéu, no Uruguai, lá falecendo em 1971.

Djalma Maranhão relata, em seu livro escrito no exílio, que, quando foi levado

para ser identificado na Secretaria de Segurança, ao passar por um dos edifícios da

campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, falou ao militar que o

a frente, Maranhão cita que:

A experiência de educação de massas estava se transformando em realidade, até que o Golpe Militar considerou-a subversiva. Estranha subversão que arrancava dos olhos do povo a mancha negra do analfabetismo. (MARANHÃO, [?], p 135).

Figura 5 - Djalma Maranhão e família durante o exílio no Uruguai.

Fonte: Acervo DHNET.

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As imagens acima, dispostas na Figura 5, mostram Djalma Maranhão com

sua esposa, Daria Maranhão e o filho do casal, Marcos Maranhão, durante o exílio,

no Uruguai.

1.5 Djalma Maranhão e sua campanha popular

A campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler surgiu em Natal/RN

no ano de 1961 e durou até 1964, durante a gestão do governo municipal de Djalma

Maranhão. Ela colaborou para a discussão dos movimentos de educação popular,

expressando um alinhamento entre a vontade política e as necessidades da

população. Além disso, forma uma bem sucedida aliança entre ambos os atores, a

saber, o poder público e a sociedade civil, à medida que contribui para a formulação

e a implementação de uma relevante política pública de educação ainda pouco

explorada pela literatura especializada, conforme pode ser visto a seguir. A

produção dos Acampamentos Escolares recuperou técnicas tradicionais e tornou-se

um elemento de identidade importante da campanha.

Ainda durante a campanha eleitoral ao cargo de prefeito, de janeiro a outubro

de 1960, afinado com ideais socialistas, Djalma Maranhão buscou o apoio das

camadas populares através da criação de Comitês Nacionalistas que se espalhavam

pelos bairros periféricos da cidade. Ao descrever como funcionava a atuação dos

comitês em uma entrevista, Góes esclarece:

É um agrupamento de homens e mulheres, em número variável, desburocratizado, que recebe em uma casa comum de qualquer rua, Djalma Maranhão e colaboradores, com eles discutem os problemas dos bairros e da cidade. Essas discussões levam à necessidade de organização de núcleos dispostos a reivindicar, trabalhar e ganhar as eleições em 3 de outubro de 1960. (GÓES, 2004. p. 219).

Os comitês ouviam e discutiam com os cidadãos. Ademais, ainda foram

responsáveis pela conscientização política da população. Segundo os jornais da

época, população propor e organizar um programa de governo para o

. (GÓES, 2010, p 42). Tal programa foi entregue ao prefeito. Contudo, foi

durante as discussões no bairro das Rocas que se levantou a principal reivindicação

da população: o acesso à educação. Sendo assim, a erradicação do analfabetismo

se tornou uma das principais frentes de trabalho do recém-empossado prefeito.

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Juntos, o governo municipal e a população do bairro, organizada na forma do

Comitê Nacionalista das Rocas, discutiram os meios de como fazer o programa de

erradicação do analfabetismo ser exitoso. A tática política do candidato funcionou e

Djalma Maranhão foi eleito prefeito de Natal com o compromisso de realizar o

programa político na área de educação, formulado através das consultas populares.

Dessa forma, foi criada a Secretaria de Educação, Cultura e Saúde, sendo o

professor Moacyr de Góes o seu primeiro titular.

Estava lançado o desafio de extinguir a cidade de Natal do mapa do

analfabetismo brasileiro. Era uma proposta educacional grandiosa, pois expressava

o anseio da população.

A criação da Secretaria de Educação foi um importante passo para a

implementação da campanha. De acordo com o professor Germano (2010, p. 114),

um dos grandes estudiosos desta campanha, a primeira ação da secretaria foi criar

o Grupo de Trabalho da Educação Popular,

que escolheu o bairro das Rocas como área- .

Testemunho vivo dessa campanha, Moacyr de Góes relatou que, em uma das

reuniões iniciais, feitas pela Secretaria para a implementação da campanha,

discutia-se a ausência de recursos. A população reunida, entre 40 e 50 homens e

mulheres, após discussão da problemática orçamentária, sugeriu que se fizessem

escolas com tetos de palha, sem paredes, com o chão de terra batida, ou seja, o que

importava era a prática educacional e não a formalidade das construções

estabelecidas pelo modelo da escola tradicional. , naquele

momento, estava nascendo um movimento que, mais tarde, seria batizado como a

campanha . (GÓES, 2010, p. 45).

Segundo o livreto de comunicação sobre o I Encontro Nacional de

Alfabetização e Cultura Popular, ocorrido em 1963, o nome da campanha surgiu de

uma reportagem impressa, realizada pelo jornalista Expedito Silva, o qual afirmou

que, em Natal-RN,

fazendo referência à ideia de que o acesso à educação passaria a ser para todos,

não mais um privilégio de poucos. O título torna-se ainda mais sugestivo se

lembrarmos que, simbolicamente, os sapatos eram os indicadores de ascensão

social. Portanto, a campanha também operava com os elementos simbólicos da

desigualdade social.

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A campanha não fazia distinção entre os alunos, isto é, quem desejasse

matricular seus filhos teria livre acesso, sem a necessidade de passar por uma

seleção, muito menos o fardamento escolar era requisitado, ao contrário do que era

usual na escola convencional.

1.6 A campanha De Pé No Chão Também Se Aprende A Ler: a ênfase

popular

Como já mencionado, o projeto-piloto ganhou vida no bairro das Rocas,

situado na Zona Leste da capital, caracterizado por ser um bairro operário, povoado

pela população de baixa renda. Devido à falta de recursos, de fato, construiu-se a

escola de palha, de chão batido e sem paredes de alvenaria. Eram os chamados

Figura 6 - Fachada frontal de um galpão no Acampamento Escolar das Rocas, que apresenta o nome da campanha no frontão feito de palha.

Fonte: acervo DHNET.

Em seu primeiro mandato, o prefeito Djalma Maranhão (1956 1959) havia

criado um programa educacional chamado Escolinhas, que consistia em uma

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iniciativa da gestão municipal para que a educação popular atingisse diversos

bairros da cidade. No livro de comunicação do I Encontro Nacional de Alfabetização

e Cultura Popular (1963), está registrado como as escolinhas surgiram:

[...] onde fosse cedida, gratuitamente, sem cobrança de aluguel, uma sala, aí seria sedes de clubes de futebol, igrejas de todos os credos, residências particulares, abriram as suas portas. Nestes lugares, passaram a funcionar escolas [...] (NATAL, 1963, p. 06).

Antes mesmo de acontecer a campanha eleitoral de 1960, essa fase já

apontava uma preocupação de Djalma Maranhão com o problema do analfabetismo

e sua disposição em abdicar da formalidade escolar para que um maior número de

pessoas pudesse participar do processo educativo. Sem recursos financeiros para

ampliar a rede formal de escolas, ainda em seu primeiro mandato, Djalma Maranhão

buscou a ajuda da população para implementar uma rede de ensino alternativa em

qualquer espaço cedido, que poderia ser utilizado como sala de aula.

Para Góes (2010), essa foi a primeira fase da campanha De Pé no Chão

Também se Aprender a Ler, visto que, em 1961, as escolinhas foram retomadas e

utilizadas também para o curso de formação de 250 professores que atuariam nos

Acampamentos Escolares. Periodicamente, os docentes passavam por reciclagem

ou havia treinamentos para novos professores, através do Centro de Formação de

Professores (CFP). Uma preocupação dos treinamentos era assegurar o rendimento

de aprendizagem dos alunos em condições diferentes daquela existente nas escolas

formais. (GÓES, 2010).

Em se tratando que esses Acampamentos Escolares foram criados para

suprir uma necessidade de expansão da rede escolar em um período histórico de

luta contra o analfabetismo, passaram a ser o símbolo de uma política pública

gestada em um processo democrático que incluía a consulta de base, por isso

contribuiu para ampliar a oferta de serviços públicos de educação em bairros pobres

e periféricos da capital potiguar. Sua arquitetura tradicional popular materializa as

ideias propostas nas reuniões do Comitê Nacionalista das Rocas e representa um

sistema construtivo familiar para a população a que atendeu, aumentando o

potencial simbólico do edifício escolar para a população local. O sistema construtivo

tradicional adotado nesses Acampamentos será tratado mais adiante.

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1.7 Para além da educação: desdobramentos da campanha e cultura popular

Segundo dados do IBGE8, a população de Natal no recenseamento de 1940

era de 54.836 habitantes. Em vinte anos, a população da capital do Rio Grande do

Norte havia triplicado para 160.253 habitantes. Góes (2010, p. 87) revela que o

número de analfabetos era de 60.254. Destes, 35.810 eram crianças e 24.444

adultos. Em outras palavras, a taxa de analfabetos na capital, no início da década de

1960, era de quase 40% da população total.

Ainda de acordo com Góes, a campanha De Pé no Chão, no período de

vigência de pouco mais de três anos, de 1961 a 1964, teve a quantidade de alunos

aumentada em quase 600% (seiscentos por cento), número que remete a uma

verdadeira revolução no acesso à educação. No mês de fevereiro de 1961, contava

com quase 3000 (três mil) alunos matriculados (2974 alunos). Em dezembro do

mesmo ano, já se contabilizava 8000 (oito mil) alunos, quase duplicando em 1962,

quando havia 15000 (quinze mil) alunos, como pode ser observado na imagem a

seguir (Cf. Figura 7). No final da campanha, em abril de 1964, chegou ao

impressionante número de 17000 (dezessete mil) alunos9.

8 IBGE. Estatísticas do Século XX. População residente, segundo os Municípios das Capitais - 1872/2000. Compilado de Fontes: Recenseamento do Brasil 1872-1920. Rio de Janeiro: Diretoria Geral de Estatística, [187?] - 1930; Censo demográfico 1940-1991. Rio de Janeiro: IBGE, 1950 -1997; Contagem da população 1996. Rio de Janeiro: IBGE, 1997. v. 1: Resultados relativos a sexo da população e situação da unidade domiciliar. Sinopse preliminar do censo demográfico de 2000. Rio de Janeiro: IBGE, v. 7, 2001. 9 -203).

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Figura 7 - Estande das obras da Prefeitura na II Praça de Cultura em que se destaca um cartaz com a quantidade de alunos matriculados por ano até 1962.

Fonte: Acervo DHNET.

Tais números revelam dois fatores que caracterizam essa campanha. O

primeiro fator é a expansão territorial dos Acampamentos pela cidade de Natal. No

primeiro ano, existiam apenas dois Acampamentos e, no final da campanha, já se

somavam nove. O segundo fator está na própria atitude da população em busca da

educação. Havia, de fato, uma demanda crescente que, aliada à vontade

transformadora de gestores comprometidos com o desenvolvimento humano da

população, materializou a oferta de uma educação democrática alternativa em

grande número de vagas.

A campanha De Pé no Chão não era o único instrumento para difundir a

cultura para a população de Natal. O prefeito Djalma Maranhão trabalhou também

para que houvesse diversidade de acesso e de formas de expressão cultural na

cidade.

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Djalma não somente realizou diversos eventos como também construiu

equipamentos voltados à promoção da cultura popular. Dentre os eventos,

destacam-se as Praças de Cultura que decorrem das trocas de experiências com o

MCP em Pernambuco, durante o governo de Miguel Arraes.

Germano relata que um dos primeiros contatos políticos de Djalma, após

assumir a prefeitura de Natal, foi com Miguel Arraes, então prefeito de Recife: Era o

início de um intercâmbio, de uma cooperação que iria se verificar, sobretudo, através

do Movimento de Cultura Popular e campanha De Pé no Chão Também se Aprende

a Ler. (GERMANO, 2010, p 95).

Djalma também dedica seu livro escrito, enquanto estava exilado no Uruguai,

ao MCP, em Pernambuco, dizendo ser este campanha De

Pé no Chão Também se Aprende a Ler

As Praças de Cultura em Natal eram uma versão adaptada das que ocorriam

92). Germano as esporte e a cultura

percebe-se que a Praça de Cultura era também um evento cultural por meio do qual

eram oferecidas ao público atividades de literatura, música, artes plásticas etc... (Cf.

Figura 8).

Figura 8 - Convite da Prefeitura do Natal para a segunda Praça de Cultura em dezembro de 1962.

Fonte: Acervo DHNET.

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Sobre esse aspecto das Praças, Góes revela:

[...] Aqui há uma verdadeira ocupação de uma das principais praças da cidade, pelo período de uma semana, com a instalação de barracas de madeira para feira de livros, de discos, de artes plásticas (popular e erudita), artesanato; palanques para exibição de autos folclóricos e retretas, audição de coral e jograis; noites de autógrafos dos escritores e homenagens às instituições culturais da cidade. (GÓES, 2010, p. 124).

A sequência de fotos, a seguir, apresenta três imagens das Praças de

Cultura, sendo estas organizadas no segundo governo municipal de Djalma

Maranhão. A primeira (Cf. Figura 9) mostra o primeiro evento da Praça de Cultura

ocorrido em 1961. Já as Figuras 10 e 11 mostram os estandes erguidos pela

prefeitura para as Praças de Cultura em 1962 e em 1963, respectivamente.

Figura 9 - 1ª Praça de Cultura, com o palco ao fundo e à direita os estandes onde havia eventos paralelos, como venda de livros, noite de autógrafos e a prefeitura expunha suas obras como uma

Fonte: Acervo DHNET.

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Figura 10 - Estandes da II Praça de Cultura, em 1962, local conhecido como o Grande Ponto, no cruzamento da Rua João Pessoa com a Av. Rio Branco no bairro da Cidade Alta.

Fonte: Acervo DHNET.

Figura 11 - Estandes da III Praça de Cultura em 1963. Destaque para os estandes fechados e uma placa chamando a atenção para a campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler. Não havia a

presença da população, pois os eventos aconteciam à noite.

Fonte: Acervo DHNET.

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Dentro do complexo cultural citado por Germano e Góes, também havia

bibliotecas. Porém, apenas dois bairros eram contemplados: Rocas e Quintas. Na

prática,

funcionamento delas, D. Nair10, que foi professora no Acampamento das Rocas e

trabalhou na biblioteca Monteiro Lobato, relatou que: Quando você precisava de um

livro, ia lá e pegava emprestado, devolvia depois de dez dias e, se precisasse,

colocava mais uma data com dez dias

Acampamentos, era rústica, feita de madeira, como pode ser observado nas Figuras

12 e 13, referentes à biblioteca Monteiro Lobato, no bairro das Rocas; e na Figura

14, à biblioteca Castro Alves, no bairro das Quintas.

Figura 12 - Fachada da biblioteca Monteiro Lobato no Bairro das Rocas, na Avenida Duque de

Caxias, onde, atualmente, se localiza uma biblioteca do sistema SESI. Destaque para a bibliotecária, D. Nair.

Fonte: Acervo DHNET.

10 Nair Almeida de Oliveira foi bibliotecária e professora durante a campanha De Pé no Chão. Em sua casa, funcionou uma das Escolinhas, antes de os Acampamentos Escolares surgirem. O relato da sua entrevista encontra-se no item Apêndice.

D. Nair

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Figura 13 - Biblioteca Popular Monteiro Lobato no Bairro das Rocas.

Fonte: Acervo DHNET.

Figura 14 - Biblioteca Popular Castro Alves no Bairro das Quintas, na Rua São Geraldo. Atualmente, encontra-se uma distribuidora de alimentos no lote, na esquina da Rua São Geraldo com a Rua Luís

Souto.

Fonte: Acervo DHNET.

Os livros foram arrecadados em uma campanha lançada pela prefeitura, da

seguinte forma: um carro de som pedia à população livros que estivessem sobrando

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em casa para que fossem doados. Com isso, arrecadaram livros suficientes para

montar o acervo das bibliotecas e para os Acampamentos Escolares. Djalma relatou

o sucesso com a adesão popular à campanha:

A comunidade integrava-se, mais uma vez, nas promoções da prefeitura. Velhos, meninos, mulheres, todos queriam doar um livro à Campanha. Havia cenas comoventes de avós que havendo guardado com carinho, livros pertencentes aos seus netos, vinham entregá-los para as bibliotecas populares. Crianças arrebatavam livros das bibliotecas de seus pais, destinando-livro que está sobrando na sua estante, é o livro que está faltando nas mãos

No caso dos livros destinados aos Acampamentos, estes eram postos em

caixas de metal, sendo: um total de 100 exemplares em cada caixa. Essas, por sua

vez, ficavam por um mês em cada escola, configurando-se como bibliotecas

rotativas. Na prática, cada Acampamento tinha acesso a 900 livros. (GÓES, 2010).

Outros programas implantados por Djalma Maranhão, além da campanha De

Pé no Chão e das Praças de Cultura, foram as campanhas De Pé no Chão Também

se Aprende Uma Profissão e a Disputa Saudável das ruas contra o analfabetismo.

Nesta primeira, foram oferecidos cursos profissionalizantes, porém, como

disse Djalma Maranhão em seu livro escrito durante o exílio no Uruguai:

Complementando a Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, surgiu uma outra Campanha: De Pé no Chão Também se Aprende uma Profissão. Destinava-se a dar ao jovem e ao homem alfabetizado, através de Cursos de Aprendizes, os instrumentos profissionais para um Nordeste que vai amanhecendo para a sua industrialização. (MARANHÃO, [?], p. 110).

Iniciada em fevereiro de 1963, De Pé no Chão Também se Aprende uma

Profissão dispunha de um total de oito cursos. Em setembro do mesmo ano, chegou

a ofertar dezessete cursos profissionalizantes e, ao terminar a campanha, já perfazia

um total de trinta cursos distribuídos entre sete Acampamentos. As modalidades

eram: corte e costura, alfaiataria, marcenaria, sapataria, telegrafia, elementos de

eletricidade, barbearia, bordado à mão, corte de cabelo feminino, enfermagem de

urgência, datilografia, taquigrafia, encadernação, artesanato; bordado à mão,

bordado à máquina e cerâmica. (MARANHÃO, [?], p. 110).

As imagens, a seguir, são de algumas dessas modalidades, durantes as aulas

que aconteciam nos Acampamentos. A primeira, Figura 15, apresenta uma aula de

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datilografia; a segunda, Figura 16, mostra um aluno cortando o cabelo de uma

criança; e a terceira, Figura 17, destaca um aluno no curso de sapateiro.

Figura 15 - Aula de datilografia acontecendo em um galpão. Destaque para as alunas digitando nas

máquinas de escrever.

Fonte: Acervo DHNET.

Figura 16 - Aula de barbearia. O aprendiz corta o cabelo de uma criança, enquanto os demais alunos observam.

Fonte: Acervo DHNET.

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Figura 17 - Aluno do curso de sapateiro, manuseando um calçado com um molde.

Fonte: Acervo DHNET.

Quanto à Disputa Saudável entre as ruas para a redução do analfabetismo,

esta consistia em uma campanha que Djalma Maranhão chamou popularmente de

Alfabetizar de casa-em-casa. O objetivo era incentivar a competição entre as ruas e

estimular a adesão aos programas de educação em massa, oferecidos pela

Prefeitura. A disputa entre as ruas do bairro das Rocas, em 1962, tinha como meta

zerar o número de analfabetos e poder colocar a simbólica f , não

existe nenhum ana Enquanto se buscava

alfabetizar todos os moradores, penduravam-se faixas que contabilizavam a

quantidade de analfabetos restante, como mostra a Figura 18.

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Figura 18 - RESTAM APENAS 11 ANALFABETOS/ AJUDE O PREFEITO DJALMA MARANHÃO A COMBATER

Bairro das Rocas.

Fonte: Acervo DHNET.

A última fase da campanha De Pé no Chão, como descreveram MARANHÃO

[?] e GÓES (2010), foi a Escola Brasileira Construída com Dinheiro Brasileiro (1963),

que ganhou esse nome devido Djalma Maranhão se contrapor à atuação da Aliança

para o Progresso no governo de Aluízio Alves (GÓES, 2010, p. 99). Optando por

não receber financiamento dos Estados Unidos, foi necessário obter recursos

federais para a construção das escolas que consistiam em escolas de alvenarias

(Cf. Figura 19), como nos descreve GÓES: Sem substituir a escola de palha, a

Prefeitura colocava, assim, na paisagem da cidade, pequenas salas de aula de

alvenaria, partindo de estruturas metálicas pré-fabricadas, adquiridas com os

2010, p. 98).

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Figura 19 - Escola Brasileira com Dinheiro Brasileiro. Última fase da campanha De Pé no Chão. Escolas de alvenaria cujos nomes dados pela prefeitura deixavam clara a sua oposição ao

recebimento de verbas e ingerência dos Estados Unidos.

Fonte: Acervo DHNET.

Para a promoção da cultura, Djalma Maranhão ainda tomou uma série de

iniciativas: construiu uma galeria de artes, que contou com obras do artista plástico

pernambucano Francisco Brennand na exposição de abertura; ergueu a Concha

Acústica onde ocorriam diversos saraus, shows e debates acerca de temas que

interessavam à população. (MARANHÃO, [?], p. 143).

A Praça André de Albuquerque, no bairro de Cidade Alta, tornou-se a principal

Praça de Cultura de Natal. Os equipamentos citados acima, a Galeria de Artes (Cf.

Figura 20) e a Concha Acústica (Cf. Figura 21) faziam parte do complexo da Praça,

juntamente com a Biblioteca Popular José de Alencar, consolidando, assim, o local

que mais recebia eventos culturais.

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Figura 20 - Galeria de Artes na Praça André de Albuquerque. Essa galeria deixou de existir desde o século XX, quando foi demolida.

Fonte: Acervo DHNET.

Figura 21 - Inauguração da Concha Acústica na Praça André de Albuquerque em 1963. A exemplo da Galeria de Artes, este equipamento também foi demolido.

Fonte: Acervo DHNET.

Dentre outras iniciativas em prol da divulgação da cultura popular, surgiram

também o museu de arte popular, o teatrinho do povo e diversos eventos voltados

para a discussão e para as práticas culturais.

A consonante parceria entre a educação e a cultura caracterizou a campanha

De Pé no Chão Também se Aprender a Ler, revelando a atenção do prefeito com

esses temas, uma vez que nortearam a postura política de Djalma Maranhão.

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2 OS ACAMPAMENTOS ESCOLARES: A UTOPIA POPULAR MATERIALIZADA

Os Acampamentos Escolares da campanha De Pé no Chão Também se

Aprende a Ler adotaram as técnicas construtivas tradicionais da faixa litorânea do

Nordeste. Segundo Manoel Correa de Andrade, os coqueirais formavam uma

paisagem que se estendia desde Itamaracá e Maranguape, localidades próximas à

. (1963, p. 88-9). Limitada ao estreito litoral,

essa faixa não concorria com as terras para o cultivo da cana de açúcar e permitia a

, que nenhuma sombra fazia à

aristocracia dos canaviais. Além disso, o coqueiral fornecia, fora o fruto, o tronco e

as folhas usadas na confecção das palhoças. [...] casas e palmeiras se misturavam

(ANDRADE, 1963, p. 125). Tudo isso em meio ao

coqueiral.

O registro de Andrade (1963) revela o vínculo entre o sistema construtivo e a

paisagem cultural brasileira. Mesmo com a relevância dos Acampamentos Escolares

na campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler como expressão da

paisagem cultural regional, não foram localizados trabalhos que os incluísse na

história da arquitetura brasileira, ao contrário do que ocorreu com o famoso conjunto

habitacional Cajueiro Seco, projetado por Acácio Gil Borsoi, em 1963, para a

remoção de famílias que ocupavam o Morro de Guararapes em Jaboatão, região

metropolitana de Recife, que recebeu grande atenção da literatura, desde a sua

realização.

O conjunto foi promovido pelo Serviço Social Contra os Mocambos e chamou

a atenção dos arquitetos e críticos por incluir equipamentos comunitários e espaços

de trabalho para a população carente, como era usual nos conjuntos da Liga (depois

transformados em Serviço Social) Contra os Mocambos. Também, chamou atenção

por adotar um sistema de projeto participativo que permitia, a cada família, montar

um espaço personalizado, construído com um sistema de painéis pré-fabricados em

estrutura de bambu e cobertura em palha trançada, fornecida em rolo.

Transformando-se em um projeto de arquitetura, passou a ser símbolo da introdução

de sistemas construtivos tradicionais da região do nordeste, tendo sido noticiado em

um artigo, assinado por Lina Bo Bardi, intitulado No Limite da Casa Popular

publicado na Revista Mirante das Artes, em 1967. (BIERRENBACH, 2018).

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Muito antes de Lina Bo Bardi ter escrito, em 1967, sobre a experiência

habitacional empreendida pelo Serviço Social Contra os Mocambos, o conjunto

conhecido como Cajueiro Seco e seu arquiteto Acácio Gil Borsoi já gozavam de

grande visibilidade. Acácio Gil Borsoi havia coordenado os debates do 2º. Grupo de

Trabalho SHRU sobre A habitação e o aglomerado humano no Seminário de

Habitação e Reforma Urbana de 1963 também conhecido como o Encontro de

Quitandinha. Política Social do Mocambo ,

de autoria do arquiteto Gildo Mario Porto Guerra, então presidente do Serviço Social

Contra o Mocambo SSCM. Tal iniciativa marcou a nova direção dada ao SSCM.

Os Acampamentos Escolares da campanha De Pé no Chão Também se

Aprende a Ler, embora não tenham sido projetados por arquitetos, registram a

transculturação das técnicas tradicionais das faixas litorâneas para a periferia da

capital potiguar. As palhoças mencionadas por Andrade se transformaram em

infraestrutura para a oferta do serviço público urbano de educação, durante a gestão

de Djalma Maranhão. Nesse sentido, essas estruturas podem ser consideradas

como uma manifestação legítima da cultura periférica de Natal, durante a breve

experiência democrática da capital potiguar nos anos sessenta.

Na literatura levantada para este trabalho, verificou-se os campos que mais

se empenharam em estudar a campanha: o da Pedagogia, o da História e o das

Ciências Sociais, sendo que a maioria da produção foi observada em dissertações e

teses, totalizando 18 trabalhos levantados. Como apresentado anteriormente, no

campo da Pedagogia experimental de alfabetização popular, a campanha antecedeu

à famosa experiência piloto de Angicos, liderada por Paulo Freire em 1963.

Neste capítulo, apresentam-se os Acampamentos Escolares, descrevendo-se

as técnicas construtivas utilizadas e as suas características espaciais, tais como o

uso e a função dos vários ambientes, com o objetivo de demonstrar o funcionamento

dos Acampamentos. Também, será discutida a arquitetura vernacular adotada nos

mocambos de Recife, conforme registrado por Gilberto Freyre (1936). Essa

arquitetura doméstica, que guarda semelhanças importantes com o sistema

construtivo dos Acampamentos, tornou-se uma referência simbólica da campanha

De Pé no Chão.

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2.1 Técnicas construtivas e as características espaciais

Resgatando a concepção do espaço escolar dos Acampamentos, de fato,

essas estruturas seguiram as diretrizes, formuladas durante as reuniões iniciais do

Comitê das Rocas para a construção das novas escolas, dando origem à tipologia

dos Acampamentos Escolares descritos a seguir. A Figura 22 mostra a implantação

do primeiro Acampamento Escolar, que se tornou modelo para a construção dos

demais.

Figura 22 - Foto em perspectiva do primeiro Acampamento, em 1961, no Bairro das Rocas.

Sobressaem, na paisagem dunar, a palhoça circular e os galpões que compunham o Acampamento. Ao fundo, tem-se o mar. Na atualidade, o entorno desse local é ocupado por edificações que não

possibilitam mais a visão do mar no horizonte.

Fonte: Acervo DHNET.

O primeiro Acampamento do projeto-piloto das Rocas era constituído por

quatro galpões que mediam 30m x 8m. Neles, encontravam-se as salas de aulas,

divididas por quadros negros ou quadros de avisos. Na Figura 23, é possível

observar o interior de um galpão.

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Figura 23 - Interior de um galpão em que se nota a ausência de fechamentos laterais ou internos nas divisões das salas de aula.

Fonte: Acervo DHNET.

Os Acampamentos são emblemáticos devido à sua arquitetura rústica, que

materializa as ideias propostas nas reuniões do Comitê Nacionalista das Rocas.

Sobre as suas salas de aula, Góes descreve:

Os galpões destinados às salas de aula, em forma retangular, eram divididos internamente em quatro partes, através de pranchas, utilizadas como quadro-de-giz e quadro mural. Essas pranchas não atingem o teto nem o solo, nem fecham lateralmente a classe. Não existindo paredes externas, [...] e a visão espacial do recinto escolar/ meio ambiente do Acampamento era total. (GÓES, 2010. P. 89).

Na Figura 24, pode ser constatada a descrição que Góes faz dos galpões

onde funcionavam as salas de aula, sem qualquer isolamento acústico entre os

espaços, ou vedação com o meio externo através de paredes. A permeabilidade

visual com o entorno era total. Assim era o ambiente escolar onde aconteciam as

aulas.

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Figura 24 - Sala de aula em um Acampamento. Mais uma vez, percebe-se a divisão por quadros-negros e murais, além da ausência de paredes laterais.

Fonte: Acervo DHNET.

Pode-se dizer que o Programa de Necessidades dos Acampamentos era

composto pelos galpões retangulares para as salas de aula e serviços

administrativos, espaço para recreação e reuniões pedagógicas e de pais,

banheiros, cozinha, horta, aviário e área de recreação para as crianças com um

parque infantil. Mesmo possuindo um vasto programa, não constava um projeto

arquitetônico inicial, subdividindo os espaços. Tais ambientes foram construídos, a

partir da necessidade do cotidiano das escolas.

A Figura 25, disposta logo abaixo, é um croqui da implantação do

Acampamento das Rocas, apresentando a localização espacial dos prédios e

equipamentos no terreno. Foi traçado com a colaboração do arquiteto Gabriel

Monte11, através da observação de imagens e vídeos sobre a campanha.

11 Gabriel Monte é arquiteto urbanista em Natal e realizou um trabalho minucioso para a elaboração da maquete eletrônica do Acampamento, através de referências bibliográficas e depoimentos de pessoas que participaram do projeto. A maquete foi realizada para a exposição em comemoração ao Centenário de Djalma Maranhão, no ano de 2015.

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Figura 25 - Croqui da implantação do Acampamento das Rocas.

Fonte: Croqui da autora (2018).

Em uma conversa informal com Gabriel Monte, relatada no Apêndice deste

trabalho, ele apontou que o piso dos Acampamentos era de chão de terra batida,

aterrado um pouco acima do nível do terreno, que, por sua vez, era arenoso.

Apontou, também, que a sustentação do teto (leia-se: vigamento no sistema

construtivo dos Acampamentos) era toda feita de troncos de madeira, cujos pilares

de sustentação eram troncos de coqueiros, assim como a cobertura era feita das

palhas de coqueiro. A partir desses relatos, foi elaborado mais um croqui. Desta vez,

com um corte esquemático, mostrando a estrutura de sustentação de um galpão (Cf.

Figura 26).

A cobertura era composta por duas quedas simples. Em alguns

Acampamentos, a cobertura dos galpões era fechada com frontões, também feitos

de palha, tendo o ripamento unido por pregos. Segundo Gabriel Monte, era uma

estrutura muito simples, assim como a distribuição de eletricidade, já que as

lâmpadas eram penduradas por um fio e presas a um bocal comum, distribuídas em

uma linha central no galpão.

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Figura 26 - Croqui de corte esquemático de um galpão.

Fonte: Croqui da autora (2018).

Em entrevista concedida pelo Sr. Ribamar (1931 2019)12, foi relatado que

esse era o padrão estabelecido para os Acampamentos. Logo, as dimensões e o

método construtivo foram replicados nos demais, havendo pouca variação entre

eles, salvo em caso de adaptações, como é o caso do Acampamento de Aparecida,

onde hoje é o bairro de Mãe Luíza, no qual foi necessário construir paredes (de

palha também) nas laterais dos galpões para contenção da ventilação, devido à sua

localização estar mais a Leste, de onde predominam os ventos em Natal.

Além dos galpões já citados anteriormente, havia um espaço para

festividades do bairro: uma palhoça circular, com teto feito de palha de coqueiro e

madeiramento simples, na qual aconteciam tanto as reuniões de pais e professores

quanto as atividades recreativas. O chão era igualmente de terra batida, sem

qualquer fechamento de paredes. (Cf. Figura 27). Outra opção de recreação para as

crianças era o parque infantil (playground), rústico, dispondo de algumas peças

improvisadas de sucata. Também, estão apontados a cozinha, o aviário e a horta,

assim como a localização dos banheiros e da cisterna.

12 -dos Acampamentos. O relato da entrevista encontra-se no Apêndice deste trabalho.

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Figura 27 - Palhoça circular espaço de convivência para recreação de alunos e reuniões diversas, seguindo as mesmas técnicas construtivas e materiais utilizados nos galpões.

Fonte: Acervo DHNET.

A cozinha era feita com lâminas de madeira e coberta com telhas de

fibrocimento, próximas ao aviário, onde se criavam espécies para o sustento dos

alunos, no caso galináceos, e a horta que abastecia a merenda escolar de vegetais

e leguminosas. Djalma Maranhão fala sobre essas atividades de cultivo (Cf. Figura

28) e cuidado com animais para o autossustento dos Acampamentos em seu livro,

escrito durante o exílio no Uruguai:

As crianças plantavam hortaliças e algumas espécies de fruteiras, iniciando-se, assim, nos rudimentares princípios de agricultura. Tomate, pimentão, alface, mamão, etc., produzidos serviam para melhorar a merenda escolar. Tinha, também, outra finalidade, combater os tabus alimentares. Exemplo: tomar leite e comer determinadas frutas. (MARANHÃO, [?], p. 49)

Na horta e no aviário, também havia um sentido pedagógico, uma vez que

eram os alunos que cultivavam os alimentos (Cf. Figura 28) e cuidavam dos animais.

No relatório para o I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, está

expressa a importância dos alunos ao aprenderem estas atividades, apontando que:

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A produção deles é consumida pelos alunos na merenda diária o que é um estímulo para o cuidado maior com as hortaliças e as aves. A campanha desperta o educando para a produtividade, demonstrando que as comunidades precisam se organizar na luta contra o pauperismo e a alienação da realidade. A educação simplesmente livresca já tem o seu atestado de óbito passado. (NATAL, 1963, p. 14).

Figura 28 - Alunos cuidando da horta para sustento da merenda escolar.

Fonte: Acervo DHNET.

No caso do Acampamento das Rocas, há de se observar que o seu ambiente

geográfico era dunar e não havia barreiras edificadas ou mesmo naturais, como

árvores. Dessa forma, a ventilação abundante, proveniente do oceano, chegava aos

Acampamentos de forma desimpedida, assim como a luminosidade natural, já que a

ausência de fechamentos laterais possibilitava que, durante o dia, a luz invadisse os

ambientes, não necessitando de iluminação artificial nos períodos da manhã e da

tarde. Em uma entrevista, Góes classifica os Acampamentos como "escola

ecológica", dizendo qu campamento, por exemplo,

PORTAL

FORUMEJA, 2010).

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53

2.2 O pioneirismo da participação popular na construção do espaço

Cajueiro Seco, em Recife/PE, também adotou soluções semelhantes, isto é,

incorporou as técnicas construtivas tradicionais em um conjunto habitacional,

promovido por uma política pública, abrindo um espaço para a aplicação do

conhecimento popular na arquitetura.

Figura 29 - Aspecto de uma edificação em Cajueiro Seco PE.

Fonte: BORSOI (2005).

Em sua dissertação, intitulada Reconstruindo Cajueiro Seco, submetida ao

Programa de Pós-Graduação da FAU-USP, Souza expressa essa ideia, apontando

uentemente considerada um paradigma

nacional de participação popular e aproximação entre o moderno e o vernacular na

. (2008, p. 03). Embora ele tenha razão, é importante datar. Cajueiro

Seco foi iniciado em 1963 e a experiência de participação popular bem como de

conhecimento vernacular aplicado às práticas construtivas já haviam sido postos em

prática pelo arquiteto Álvaro Vital Brazil, desde o ano de 1943, com o Serviço

Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA)13, e na cidade

13 trabalharem na exploração seringueira. (BRAZIL, 1986, p. 44). Foram construídos pousos com as características dos mocambos, estrutura em madeira e cobertura em palhas encontradas na região.

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do Natal, desde 1961, com os Acampamentos Escolares da campanha De Pé no

Chão Também se Aprende a Ler. A experiência dos Acampamentos Escolares não

está associada diretamente com a arquitetura moderna. Porém, no âmbito da

campanha De Pé no Chão, existiam diversas obras públicas para promoção da

cultura que seguia uma arquitetura modernista. Com isso, a campanha revela que

havia espaço para a tradição dentro do processo modernizante do país.

Na experiência de Cajueiro Seco, a instalação da infraestrutura era feita pelo

Serviço Social Contra os Mocambos. Contudo, as edificações do tipo Mocambo

eram erguidas pela própria população, aplicando suas técnicas construtivas, como a

de pau-a-pique. A participação não era apenas na construção da unidade, mas,

como mencionado anteriormente, era ainda na fase de projeto que as famílias

participavam, delimitando os espaços necessários para as suas casas em folhas

com pauta quadriculada. Nas Figuras 30 e 31, tem-se imagens da construção de

mocambos. Na primeira,

construção do mocambo, enquanto que, na segunda, tem-se a população

trabalhando na construção da moradia.

Figura 30 - Estrutura em madeira de uma edificação em Cajueiro Seco PE.

Fonte: BORSOI (2005).

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Figura 31 - População construindo uma casa em Cajueiro Seco PE.

Fonte: BORSOI (2005).

Acácio Gil Borsoi desenvolveu um sistema de pré-fabricação da taipa, visando

não só à redução do custo final da obra, bem como a diminuição do tempo de

execução. No entanto, mais do que isso, a racionalização da produção dos

mocambos, promovida exatamente pelo Serviço Social criado para erradicá-los,

inverteu o sentido da política pública. Sendo assim, o arquiteto transformou o

conhecimento vernacular através de uma abordagem técnica que deu ao conjunto

um valor singular no campo da história da arquitetura brasileira.

As técnicas desenvolvidas por Borsoi para a produção dos Mocambos

evitavam o uso excessivo e desnecessário de materiais, como por exemplo, a

madeira, fazendo com que tivessem um melhor aproveitamento e que a montagem

fosse também mais rápida. Borsoi apresenta a estratégia dessa racionalização da

técnica construtiva explicando que:

No uso da madeira e taipa (barro armado), construída segundo a maneira tradicional, verificamos que racionalizando a fabricação dos entrelaçados e subdividindo a madeira empregada dando-lhe melhor aproveitamento, chegaria à duplicação da área vedada, com o emprego da mesma quantidade de material, dando assim maior rendimento. (BORSOI, 1980 apud Souza 2008, p. 188).

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Em De Pé no Chão, através dos métodos construtivos que serão abordados

no próximo item, tem-se a recuperação do conhecimento vernacular na realização

das estruturas escolares. A construção dos Acampamentos Escolares, que lembram

as palhoças do litoral (mocambos), foi realizada com material da região e com o

conhecimento construtivo vindo dos pescadores.

2.3 O conhecimento vernacular

Os Acampamentos Escolares caracterizam-se pela inexistência das paredes

proporcionando iluminação, circulação do ar e permeabilidade visual , pelo teto

feito de palha trançada e pelo piso de chão batido, como já foi visto em imagens.

Esses elementos de conhecimento popular são adotados na construção vernacular e

caracterizam a tipologia dos Acampamentos. Sendo assim, construídas em vários

bairros periféricos de Natal, essas estruturas materializaram a cultura popular local.

Uma passagem que ilustra bem esse conhecimento é descrita quando Góes

aponta que os operários da prefeitura, já acostumados às práticas urbanas da

construção, não sabiam como fazer a vira da palha . (2010, p. 135). Logo, foi

necessário convocar os pescadores do Canto do Mangue, em Natal/RN, para essa

atividade, uma vez que eram eles os detentores do conhecimento dessa prática, já

que a cobertura de suas casas era a mesma encontrada nas casas dos pescadores

no litoral potiguar. A Figura 32 traz uma imagem que mostra a técnica para uma

matéria jornalística.

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Figura 32 - Matéria sobre a técnica empregada na cobertura dos Acampamentos.

Fonte: Acervo DHNET

Segundo o Sr. Ribamar, mestre de obras dos Acampamentos, se a técnica da

vira da palha não fosse feita corretamente, a água da chuva não escoaria, infiltraria

pela cobertura, molhando os ambientes. Logo, havia um modo específico de realizar

o trançado que não . Divergindo um pouco de

Góes, ele relata que foi levado pelo prefeito para aprender a técnica da vira da palha

e, então, teria passado para os seus subordinados na construção dos

Acampamentos.

Germano relaciona a técnica empregada na construção dos Acampamentos

com o conhecimento popular, observando que:

Conforme se pode notar, o movimento educacional originado da reivindicação popular, expressada através dos comitês e das convenções, tinha agora a arquitetura dos seus prédios escolares sugerida e erguida a construção por operários e pescadores. E, naturalmente, era uma escola simples, com uma arquitetura que refletia as próprias condições de habitação das populações pobres da cidade. Um tal tipo de edificação não só demandava um baixo consumo de mercadorias; como também significava, sobretudo, uma autentica obra de cultura popular, usada pelos pescadores das praias nordestinas. (GERMANO, 2010. P. 119).

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A arquitetura dos Acampamentos se identifica com a habitação vernacular

dos mocambos. A documentação desta, interpretada não apenas como sinônimo de

pobreza, mas como parte de um sistema cultural completo da formação social

brasileira, foi feita pelo sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900 1987), que

estudou e registrou os mocambos na década de 1930 em Sobrados e Mucambos,

publicada em 1936 e Mucambos do Nordeste, publicada no ano seguinte, em 1937.

Segundo Freyre, os mocambos são um tipo de edificação primitiva da região

litorânea do Nordeste Brasileiro, que apresenta uma influência dominante da

arquitetura tribal africana, inclusive a palavra deriva de mu + kambo, que, em

quimbundo14, significa esconderijo. (FREYRE, 1937. P. 20.).

Freyre, assim, descreve-os:

[...] O mucambo no Nordeste permanece, na sua simplicidade de casa toda ou quase toda de palha, de folha, ou de capim-assú, um typo de habitação caracteristicamente primitiva. E por sua simplicidade contrasta fortemente com a casa européa de pedra, tijolo, telha, azulejo, vidro, assoalho. (FREYRE, 1937. P. 20).

[...] No mucambo de typo mais primitivo não entra prego, mas o cipó ou a corda vegetal de modo a ser perfeito o seu primitivismo e perfeito o seu ecologismo, dado o emprego de material do lugar ou da região e das as condições senão ideaes, boas de aeração e insolação desse typo popular de casa. (FREYRE, 1937. P.28).

As Figuras 33 e 34, ilustradas por Manoel Bandeira, que representam os

mocambos estudados por Gilberto Freyre para a primeira revista do SPHAN -

Serviço do patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1937, apresentam

características físicas também encontradas nos Acampamentos Escolares, como é o

exemplo das coberturas feitas de palha, das elevações laterais e das fachadas

frontais com o mesmo material. Outra similitude está na ambiência geográfica,

geralmente dunar.

14 Língua falada na Região Noroeste de Angola.

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Figura 33 - Mocambo de palha de coqueiro.

Fonte: FREYRE (1937).

Figura 34 - Mocambo de massapê, coberto de capim-açú.

Fonte: FREYE (1937).

Outra particularidade é que os mocambos atendiam à ecologia local15,

retirando do espaço geográfico o tipo de material para a construção. Logo, a

variedade era determinada pelos recursos encontrados na região, assim como as

próprias características de técnicas construtivas locais e vernaculares.

15 Termo utilizado por Gilberto Freyre, quando ainda não se pensava na palavra sustentabilidade.

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Sobre a ecologia defendida por Freyre, o professor José Tavares Correia de

Lira, que estudou a tipologia dos mocambos na obra de Gilberto Freyre em seu

Doutorado (FAU-USP), relata que:

Em Gilberto Freyre, há uma leitura ecológica tradicional, da casa adaptada ao meio geográfico, que se desdobra em características formais e culturais bem específicas: a simplicidade de linhas, a economia de ornamentos, o apoio quase exclusivo sobre a qualidade do material, a honestidade plástica, ligando-se por aí ao fato cultural vernáculo, anônimo e autóctone da produção da casa. (LIRA, 1996, p. 99).

O mesmo procedimento também é encontrado em Álvaro Vital Brazil, durante

a sua chefia no Departamento de Engenharia do Serviço Especial de Mobilização de

Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA):

O projeto-padrão foi construído conforme as condições de cada região, empregando-se os materiais existentes no local, pois não havia tempo disponível para o material necessário. [...] Utilizou-se ora a palha de babaçu, ora a palha da carnaúba ou buriti, conforme a região. (BRAZIL, 1986, p. 44).

Nesse ponto, pode-se traçar um paralelo com a mesma metodologia aplicada

nos Acampamentos Escolares, por sua localização, em Natal. O material utilizado na

cobertura, por exemplo, era de palhas de coqueiros (Cf. Figura 35), além da

tecnologia e técnicas empregadas serem próprias de uma população que contava

com poucos recursos.

Figura 35 - Aspecto de um Acampamento Escolar. Detalhe para a cobertura de palha de coqueiro.

Fonte: Acervo DHNET

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Em Cajueiro Seco, havia também uma ecologia na construção. No caso das

técnicas utilizadas para a construção dos mocambos, eram utilizados barro e

madeiras da região do Recife. O arquiteto Gil Borsoi fala sobre como surgiu a ideia

de se fazer o plano habitacional:

A ideia surgiu quando de um trabalho para comunidade de baixa renda que vivem em aglomerados em níveis de completa miséria e que necessitam de atendimento urgente, tal como a remoção para áreas salubres. Pela constatação de que estes grupos sociais não possuem conhecimento além daquele que resulta sua própria necessidade, dentro de sua realidade, do seu conhecimento artesanal e da utilização de suas próprias mãos, foi possível desenvolver o trabalho. (BORSOI, 1980, apud Souza 2008, p. 188).

Nessa citação, além de revelar o surgimento da necessidade de criação do

plano habitacional, ele aponta traços do conhecimento vernacular da população que

construiria com as próprias mãos a sua moradia.

A estética e a técnica empregadas na construção dos Acampamentos

Escolares expressam a cultura popular característica da região geográfica em que

se encontra o Nordeste do Brasil. É importante apontar que, no domínio dessas

técnicas construtivas, está a relação da cultura popular com a produção do espaço.

Nesse sentido, tanto os Acampamentos quanto os Mocambos registram um

modus operandi regional cuja presença na cidade caracterizou, principalmente, a

produção e a ocupação das áreas periféricas. No caso dos Acampamentos

Escolares, essa foi a situação problema que ligou cultura popular, política e

produção do espaço urbano periférico em Natal. A educação na capital do Rio

Grande do Norte foi um caminho possível para a ampliação da sociedade

democrática urbana no início da década de 1960.

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3 DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE CONSTRÓI A CIDADE: A EXPANSÃO

URBANA DE NATAL E A LOCALIZAÇÃO DOS ACAMPAMENTOS

3.1 De Acampamentos a escolas: relato da pesquisa de campo

Figura 36 - Galpões de um Acampamento Escolar.

Fonte: Acervo DHNET.

Durante as primeiras entrevistas, ainda em 2017, quando essa pesquisa foi

iniciada, tanto D. Nair quanto o Sr. Ribamar atentaram para o fato de que, no local

do Acampamento das Rocas, passou a funcionar a Escola Municipal Henrique

Castriciano. A partir desse dado, aflorou a curiosidade em saber a localização exata

dos demais Acampamentos e se outras escolas haviam sido edificadas nos lotes.

A partir dessa primeira pista, foi pesquisado se tais fatos estavam

referenciados na bibliografia. Foram encontrados apenas os nomes dos

Acampamentos e, em muitos deles, o nome não remetia aos bairros na atualidade,

como é o caso dos Acampamentos da Aparecida, Carrasco, Conceição, e da Granja,

tornando mais difícil situá-los pela cidade. Os nove Acampamentos se chamavam:

Acampamento Escolar das Rocas, Acampamento Escolar do Carrasco,

Acampamento Escolar das Quintas, Acampamento Escolar da Aparecida,

Acampamento Escolar de Nova Descoberta, Acampamento Escolar da Conceição,

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Acampamento Escolar de Igapó, Acampamento Escolar do Bairro Nordeste e

Acampamento Escolar da Granja.

Isso implicou a necessidade de uma investigação histórica acerca dessas

localidades em Natal, na década de 1960. A pesquisa histórica aconteceu tanto por

meio de consulta à bibliografia e em sites de entidades públicas, quanto

empiricamente. Foram realizadas visitas nos bairros, em escolas municipais. Nessa

busca, houve uma grande colaboração do Sr. Alexandre Maranhão16 que,

gentilmente, indicou cada escola que resultara dos acampamentos, incluindo um

terreno onde fora construído o Acampamento da Granja. Nessas visitas, também

nos acompanhou o arquiteto Gabriel Monte.

Alexandre Maranhão conhece tais locais devido às suas pesquisas, à sua

vivência na cidade, mas, sobretudo, devido à ajuda do Sr. Ribamar que, como já foi

dito anteriormente, era o mestre de obras da Prefeitura na construção dos

Acampamentos. Durante o percurso, na busca de identificar os lotes dos

mesmo trajeto com Roberto Monte e o Sr. Ribamar, porém o registro

desse momento foi perdido. Constava de anotações sobre os endereços visitados.

Apesar de não ser mais possível o acesso a tais registros, este capítulo

começou a ser escrito. No final da tarde do dia 24 de maio de 2019, uma sexta-feira,

a autora desta pesquisa encontrou Alexandre Maranhão no trabalho deste e, juntos,

foram ao encontro de Gabriel Monte, na sede do DHNET. Iniciou-se o trajeto pelo

primeiro Acampamento, o das Rocas. Visitou-se e fez-se registros de cinco escolas

municipais, incluindo o terreno do Acampamento da Granja, além da identificação do

local de uma das bibliotecas da campanha De Pé no Chão.

Em ordem cronológica, visitou-se onde foram erguidos os Acampamentos das

Rocas, da Conceição, do Carrasco, das Quintas. Ainda, no Bairro das Quintas, foi

possível localizar o espaço físico onde funcionou a Biblioteca Popular Castro Alves.

Em seguida, foi a vez do encontrar o terreno do Acampamento da Granja,

finalmente, encerrando na escola que substituiu o Acampamento do Bairro Nordeste.

Mesmo com tamanha contribuição, ainda faltava localizar três Acampamentos: o da

Aparecida (em Mãe Luiza), Nova Descoberta e Igapó.

16 Nascido em 1962, Alexandre de Albuquerque Maranhão é primo em segundo grau de Djalma Maranhão. Trabalha na SEEC (Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer do RN). É também professor de História e pesquisador da vida e obra de Djalma Maranhão.

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A partir desse momento, a pesquisa entrou em uma nova fase, pois já haviam

sido consultados os mais diversos recursos para localizar os Acampamentos. Então,

ocorreram visitas aos bairros restantes, começando pelas escolas da rede municipal

que poderiam resultar dos Acampamentos. Entretanto, ficou constatado que tais

escolas não tinham relação com esses espaços. Mesmo assim, a solicitude dos

moradores dos bairros davam pistas sobre os locais buscados.

Em Mãe Luiza, bairro onde fora construído o Acampamento da Aparecida,

foram realizadas algumas visitas. Em uma delas, graças ao empenho de alguns

moradores em colaborar com a pesquisa, houve uma grata surpresa: o encontro

com dois moradores antigos do bairro, que resultou na identificação do terreno. Um

deles, o Sr. Francisco Canindé, de 79 anos, que é morador do bairro desde 1951,

em uma breve conversa, apontou o local do Acampamento. Ele mora em frente ao

lote e revelou que não chegou a estudar lá, embora frequentasse os espaços

durante as recreações e festejos dos bairros. A outra moradora que colaborou foi

Dona Elvandira, de 73 anos17, que também apontou o terreno em que se localizava

a escola, na mesma rua em que mora há 53 anos, ajudando na reconstrução

histórica do Acampamento.

Já na busca de Nova Descoberta, foram encontradas duas teses de

doutorado: uma delas, defendida por OLIVEIRA (2016), faz uma reconstrução

histórica do bairro e, nela, aponta a localização exata do Acampamento de Nova

Descoberta; e a segunda, por sua vez, apresentada por ESTÁCIO (2014), utiliza o

bairro como campo empírico para sua pesquisa.

Para finalizar, é válido ressaltar que a sorte foi uma grande aliada na busca

pelo Acampamento de Igapó. Ao se comentar sobre a pesquisa em andamento com

uma amiga18, descobriu-se que sua avó, D. Maria19, de 90 anos, é moradora de

Igapó há muitos anos. Logo, buscou-se contato com ela que, em uma conversa de

pouco mais de uma hora, forneceu informações muito preciosas sobre a história do

bairro, revelando com exatidão onde foi construído o Acampamento de Igapó.

Assim, concluiu-se a busca pelos nove Acampamentos Escolares, com um

sincero sentimento de gratidão às pessoas que colaboraram para mapear as escolas

17 Elvandira Bezerra de Souza é moradora da Rua Guanabara, rua do Acampamento da Aparecida, em Mãe Luiza. O relato da sua entrevista pode ser conferido no Apêndice. 18 Virginia Mayara de Medeiros Barbosa é estudante do 4º período do curso de Arquitetura e Urbanismo na Faculdade Estácio de Sá, Natal/RN. 19 Maria Alves Barbosa, nascida em 1928, é moradora do bairro de Igapó desde 1940. O relato da sua entrevista está no item Apêndice.

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da campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler. Sem essa pesquisa

empírica, não teria sido possível averiguar os endereços dispostos no item que

contempla o mapeamento desses espaços educativos.

3.2 Natal no final de década de 1960: a expansão da educação democrática

Entende-se que era necessário fazer um salto temporal, começando pela

configuração atual de Natal, para que se entenda a distribuição espacial da cidade.

Por isso, fez-se uso desse recurso para mostrar a divisão atual da cidade e

podermos compará-la com o passado.

Como já foi amplamente comentado ao longo desse trabalho, a campanha De

Pé no Chão Também se Aprende a Ler ocorreu na cidade de Natal, no estado do

Rio Grande do Norte. A imagem abaixo (Cf. Figura 37) mostra a localização de Natal

no contexto estadual, situada no litoral oriental do estado.

Figura 37 - Mapa do Rio Grande do Norte, a área em destaque é a capital Natal.

Fonte: <https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1048523>. Acesso em17 jun. 2019.

A cidade limita-se a Norte com o município de Extremoz; a Oeste, com São

Gonçalo do Amarante e Macaíba; a Sul, limita-se com Parnamirim; e a Leste, com o

Oceano Atlântico. Atualmente, Natal encontra-se dividida em quatro Regiões

Administrativas, são elas: Região Norte, Leste, Oeste e Sul (Cf. Figura 38).

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Figura 38 - Mapa dos limites e Regiões Administrativas de Natal RN.

Fonte: <https://natal.rn.gov.br/semurb/paginas/ctd-106.html>. Acesso em 14 jun. 2019.

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Até a década de 1920, a área urbana de Natal, capital do estado do Rio

Grande do Norte, restringia-se aos bairros Ribeira e Cidade Alta. Assim, a cidade se

iniciou na região Leste, modificando-se muito pouco até a década de 1940. Já entre

as décadas de 1940 e 1950, Natal passa por um forte incremento populacional,

quase duplicando sua população: saltou de 54.836 habitantes, em 1940, para

103.215 habitantes, em 1950. O professor Ademir Araújo da Costa, estudioso das

transformações urbanas em Natal, atribui esse crescimento populacional (de 88,2%),

dentre outros fatos, à influência do estabelecimento da base naval americana na

capital, no período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Porém, na década

seguinte (1950-1960), o crescimento fica em torno de 55,2%. (COSTA, 2000).

Durante o período que compreende a campanha (1960-1970), o crescimento

populacional foi de 65%. Para Costa, a década de 1960 marca uma nova fase para a

urbanização da cidade, inserindo-a no contexto urbano do país. Os motivos que

riação da SUDENE,

programa habitacional, a intensificação da indústria, o crescimento do setor terciário,

No mapa abaixo (Cf. Figura 39), tem-se as manchas que demonstram a

expansão urbana da cidade até a década de 1970.

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Figura 39 - Mapa da evolução urbana da cidade do Natal RN até a década de 1970.

Fonte: Elaborado pela autora a partir da sobreposição de NATAL, 2007 (manchas da expansão

urbana) e mapa-base dos limites atuais NATAL, 2005.

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Com um crescimento populacional acelerado em poucas décadas (de 1940 a

1970), a cidade não acompanhou o ritmo em termos de infraestrutura urbana. Novas

periferias surgiram para absorver a leva de migrantes que chegou a Natal.

A partir da década de 1960, a campanha De Pé no Chão expandiu-se,

acompanhando a direção do crescimento urbano da cidade, levando educação e

cultura à periferia de Natal que era desprovida destes recursos. Mais que isso,

também possibilitou a implantação de elementos de infraestrutura urbana nesses

locais tão carentes. A sociedade começou a se articular em busca de melhores

condições nos bairros e em reuniões com o prefeito Djalma Maranhão. Nos

Acampamentos, reivindicavam melhorias como fornecimento de água e luz elétrica,

o que pode ser comprovado pelas passagens descritas por Góes:

Aqueles homens e mulheres aproveitaram a presença catalisadora do prefeito e exerceram o seu direito político de organização. Daquela reunião saiu um grupo de moradores que bateu às portas do Saneamento (repartição estadual responsável pelo abastecimento de água da cidade) e, depois de idas e vindas burocráticas, terminou obtendo um chafariz para o bairro Nordeste. (GÓES, 2010, p. 152).

Ainda no Acampamento do Bairro Nordeste, em outra ocasião, durante uma

reunião de pais e professores, foi reivindicada a instalação de energia elétrica. Após

muita pressão dos pais organizados, a prefeitura pleiteou a instalação dos postes.

Mas, como havia poucos recursos, foi utilizado o sistema de mutirão, por meio do

(GÓES, 2010, p. 153).

Na Figura 40, a seguir disposta, tem-se o cruzamento dos mapas da evolução

urbana de Natal até a década de 1970, destacando-se o mapa dos bairros

contemplados pela implementação dos Acampamentos Escolares, juntamente com a

distribuição espacial desses espaços.

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70

Figura 40 - Mapa da evolução urbana de Natal até 1970 com destaque para os bairros contemplados com Acampamentos.

Fonte: Elaborado pela autora a partir da sobreposição de NATAL, 2007 (manchas da expansão

urbana) e mapa-base dos limites atuais NATAL, 2005.

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É importante ressaltar que a campanha De Pé no Chão durou de 1961 até o

mês de abril de 1964, quando a sua expansão pelo território de Natal foi

interrompida. Sem o governo de Djalma Maranhão no poder municipal, os

Acampamentos e os prédios da Escola Brasileira Construída com Dinheiro Brasileiro

não continuaram a ser construídos e vários bairros ficaram descobertos dessa

iniciativa educacional.

3.3 Mapeamento dos Acampamentos

Neste tópico, será indicada a localização dos nove Acampamentos Escolares,

erguidos durante a campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, no

governo municipal de Djalma Maranhão, na cidade de Natal no início da década de

1960. Também, serão apontadas as escolas que foram erguidas no lugar dos

Acampamentos, após o término da campanha, em abril de 1964.

A partir da imagem abaixo (Cf. Figura 41) e do interesse acadêmico em

projetar espacialmente a distribuição dos Acampamentos, surgiu a ideia de se

elaborar o mapeamento dos Acampamentos Escolares. O mapeamento dessas

escolas é um produto inédito, elaborado durante esta pesquisa, que visa contribuir

com os demais estudos sobre a campanha De Pé no Chão Também se Aprende a

Ler.

Figura 41 - Maquete física de um dos Acampamentos Escolares, onde se pode notar a distribuição espacial pela cidade. A maquete encontrava-se exposta durante uma Praça de Cultura em 1962.

Fonte: Acervo DHNET.

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Os primeiros Acampamentos surgiram em 1961, foram eles: o Acampamento

Escolar das Rocas e o do Carrasco. Os outros foram erguidos posteriormente, em

1962, totalizando os nove Acampamentos erguidos. O mapa da Figura 42 mostra os

bairros contemplados e o ano de implementação deles.

Figura 42 - Mapa dos Acampamentos erguidos em 1961 e em 1962.

Fonte: Adaptado de Mapa base (NATAL, 2005).

No mapa acima (Figura 42), notam-se os primeiros bairros contemplados,

Rocas e Dix-Sept Rosado. Porém, este último não corresponde ao nome do

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Acampamento, visto que se chamava Acampamento do Carrasco, à semelhança do

Bairro Nordeste que continha dois outros, e um deles se chamava Acampamento da

Granja. Já no bairro do Alecrim, tinha o Acampamento da Conceição e, no caso de

Mãe Luiza, era Acampamento da Aparecida, como se pode verificar no mapa a

seguir. (Cf. Figura 43).

Figura 43 - Mapa com a indicação dos Acampamentos.

Fonte: Adaptado de Mapa base (NATAL, 2005).

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No mapa a seguir (Figura 44), estão apontados outros equipamentos voltados

à promoção da educação e da cultura no âmbito da campanha De Pé no Chão. A

biblioteca Monteiro Lobato se localizava na Avenida Duque de Caxias, no bairro das

Rocas; a Castro Alves, na Rua São Geraldo no bairro das Quintas; e a biblioteca

José de Alencar, juntamente com a Concha Acústica e a Galeria de Artes

compunham a Praça de Cultura situada na Praça André de Albuquerque, no bairro

de Cidade Alta.

Figura 44 - Mapa de equipamentos para a promoção da educação e cultura na campanha De Pé no

Chão (1961 e 1964).

Fonte: Adaptado de Mapa base (NATAL, 2005).

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É importante frisar que, dois anos após a deposição de Djalma Maranhão,

durante o governo municipal de Aluízio Alves (1921-2006), no ano de 1966, foram

criadas cinco escolas para substituir os Acampamentos das Rocas, do Carrasco, da

Conceição, das Quintas e do Bairro Nordeste.

A matéria do jornal Diário de Natal, datada de 25 de fevereiro de 1966 (Cf.

Figura 45), noticia a derrubada de todos os acampamentos que seriam substituídos

por novas escolas. A matéria também afirma que se construiriam um total de sete

escolas, porém foram erguidas apenas cinco. (DIÁRIO DE NATAL, 1966).

Figura 45 - Título da matéria do Diário de Natal de 25 fev. 1966 sobre a substituição dos

Acampamentos Escolares por novas escolas.

Fonte: DIÁRIO DE NATAL, 1966.

A seguir, os locais dos cinco Acampamentos e a suas respectivas escolas

construídas para substituí-los são apontados nos mapas. Depois, são exibidos os

mapas contendo a localização dos demais e a situação atual de cada lote.

- Acampamento Escolar das Rocas (Atualmente, Escola Municipal

Henrique Castriciano):

Como já foi citado anteriormente, no lote em que existia a edificação desse

Acampamento, localizado na Rua Décio da Fonseca, nº 663 (Cf. Figura 46), no

bairro das Rocas, hoje se encontra a Escola Municipal Henrique Castriciano (Cf.

Figura 47)20.

Através da observação das imagens e do vídeo sobre a campanha De Pé no

Chão Também se Aprender a Ler, é possível notar que, a partir do local em que fora

construído o Acampamento das Rocas, em 1961, era possível ver o mar, visto que

não havia barreiras físicas.

20 Escola criada através do Decreto nº 801, de 23 de Abril de 1966, descrito no Quadro das Escolas Municipais de Natal. Disponível em: <https://www.natal.rn.gov.br/>. Acesso em: 26 mar. 2019.

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Ao se visitar o endereço durante a pesquisa, pode-se constatar que essa

permeabilidade visual se perdeu. Mesmo que a escola tenha sido construída em

uma área mais elevada em relação ao seu entorno, não é mais possível ver a praia,

ou dunas, pois há diversas edificações e ruas até que se chegue à orla.

Figura 46 - Mapa ampliado do bairro das Rocas. Limite Administrativo 2005. Destaque para o local da

Escola Municipal Henrique Castriciano.

Fonte: Adaptado de Mapa base (NATAL, 2005).

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Figura 47 - Fachada da Escola Municipal Henrique Castriciano, no Bairro das Rocas, Natal/ RN.

Fonte: Acervo da autora (2019).

- Acampamento Escolar do Carrasco (Atualmente, Escola Municipal

Prefeito Mário Lira):

A escola que surgiu no lugar do Acampamento Escolar do Carrasco se

localiza na Avenida Antônio Basílio, s/n, no Bairro Dix-Sept Rosado (Cf. Figura 48),

Região Administrativa Oeste de Natal. A Figura 49 apresenta a fachada da escola

que, atualmente, se chama Escola Municipal Prefeito Mário Lira21.

Segundo o blog da escola22

acampamento, composto por um grande galpão coberto de palha com 3 (três) salas

funcionário público, jornalista e político Mário Eugênio Lira. Sobre a campanha De

Pé no Chão e do desejo

de contagiar a todos com a possibilidade do alfabetismo entre os homens e

21 Escola criada através do Decreto nº 805, de 20 de Maio de 1966, descrito no Quadro das Escolas Municipais de Natal. Disponível em: <https://www.natal.rn.gov.br/>. Acesso em: 26 mar. 2019. 22 Disponível em: <http://emariolira.blogspot.com/>. Acesso em 30 jun. 2019.

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Figura 48 - Mapa ampliado do bairro Dix-Sept Rosado. Limite Administrativo 2005. Destaque para o lote da Escola Prefeito Mário Lira.

Fonte: Adaptado de Mapa base (NATAL, 2005).

Figura 49 - Fachada da Escola Municipal Prefeito Mário Lira, em Dix-Sept Rosado, Natal/ RN.

Fonte: <https://www.google.com/maps/>. Acesso em 30 jun. 2019.

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- Acampamento Escolar da Conceição (Atualmente, Escola Municipal

Juvenal Lamartine):

O lote em que foi construído o Acampamento Escolar da Conceição encontra-

se no endereço: Avenida Presidente Sarmento, nº 1156, Bairro Alecrim (Cf. Figura

50). O terreno limita-se com os bairros de Lagoa Seca e Dix-Sept Rosado,

encrustado entre as Avenidas Bernardo Vieira, Jaguarari e Presidente Sarmento,

(Antiga Av. 4). Atualmente, a Escola Municipal Juvenal Lamartine23 (Cf. Figura 51)

encontra-se no local.

Figura 50 - Mapa ampliado do bairro Alecrim. Limite administrativo 2005. Destaque para o lote em

que se encontra, atualmente, a Escola Municipal Juvenal Lamartine, Natal/ RN.

Fonte: Adaptado de Mapa base (NATAL, 2005).

23 Escola criada através do Decreto nº 802, de 06 de Maio de 1966, descrito no Quadro das Escolas Municipais de Natal. Disponível em: <https://www.natal.rn.gov.br/>. Acesso em 26 mar. 2019.

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Figura 51 - Fachada da Escola Municipal Juvenal Lamartine, no Bairro Alecrim, Natal/ RN.

Fonte: Acervo da autora (2019).

- Acampamento Escolar das Quintas (Atualmente, Escola Municipal

Ferreira Itajubá):

O endereço do local onde funcionava o Acampamento Escolar das Quintas

fica na Rua dos Pêgas, s/n, no Bairro das Quintas, (Cf. Figura 52), em Natal/RN, na

Região Administrativa Oeste. O lote encontra-se no entroncamento da Rua dos

Pêgas com a Rua São Geraldo, duas importantes vias do comércio e circulação

local. A escola que substituiu o Acampamento das Quintas chama-se Escola

Municipal Ferreira Itajubá24. (Cf. Figura 53)

Nesse mesmo bairro, durante a campanha De Pé no Chão, também foi

construída uma biblioteca popular, a Castro Alves, que se localizava na Rua São

Geraldo, próximo ao Acampamento, facilitando o acesso dos alunos a ambos os

equipamentos.

24 Escola criada através do Decreto nº 799, de 19 de Abril de 1966, descrito no Quadro das Escolas Municipais de Natal. Disponível em: <https://www.natal.rn.gov.br/>. Acesso em 26 mar. 2019.

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Figura 52 - Mapa ampliado do Bairro das Quintas, Limite Administrativo 2005. Destaque para o lote da Escola Municipal Ferreira Itajubá.

Fonte: Adaptado de Mapa base (NATAL, 2005).

Figura 53 - Fachada da Escola Municipal Ferreira Itajubá, no Bairro das Quintas, Natal/ RN.

Fonte: Acervo da autora, 2019.

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- Acampamento Escolar do Bairro Nordeste (Atualmente, Escola

Municipal Chico Santeiro):

O Acampamento Escolar do Bairro Nordeste localizava-se na Rua do Norte,

nº 518 (Cf. Figura 54). Em 1966, foi construída a Escola Municipal Chico Santeiro25

(Cf. Figura 55), substituindo o Acampamento. De acordo com o blog da escola26, em

1994, esta foi transferida para o endereço atual, na Rua da Cruz, s/n (Cf. Figura 54).

Figura 54 - Mapa ampliado do Bairro Nordeste. Limite Administrativo 2005. Indicação da localização

do Acampamento Escolar e da Escola Municipal Chico Santeiro.

Fonte: Adaptado de Mapa base (NATAL, 2005).

25 Escola criada através do Decreto nº 802, de 20 de maio de 1966, descrito no Quadro das Escolas Municipais de Natal. Disponível em: <https://www.natal.rn.gov.br/>. Acesso em 26 mar. 2019. 26 Disponível em <http://escolamunicipalchicosanteiro.blogspot.com.br/>. Acesso em 30 jun. 2019.

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Figura 55 - Fachada da Escola Municipal Chico Santeiro, no Bairro Nordeste, Natal/ RN.

Fonte: Acervo da autora (2019).

Após elencar os mapas dos Acampamentos substituídos por escolas durante

o governo do prefeito Agnelo Alves, em 1966, serão arroladas as localizações dos

demais Acampamentos. São eles: Igapó, Mãe Luíza, Nova Descoberta e Granja.

- Acampamento Escolar de Igapó:

O terreno onde foi construído o Acampamento Escolar de Igapó encontra-se

na Rua Dr. Antônio de Souza (Cf. Figura 56). Atualmente, o lote apresenta nova

configuração, uma vez que compreendia a área em que está edificado o Cartório

Único de Igapó e um terreno onde os moradores põe lixo indevidamente (Cf. Figura

57). As informações a cerca do Acampamento de Igapó foram coletadas através de

uma entrevista com a moradora do bairro D. Maria (90 anos), a qual relatou avistar o

Acampamento da sua casa. Ela também contou que o terreno ficava abaixo do nível

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da Avenida Tomaz Landim e que não havia a rampa de acesso à rua como hoje.

Era, apenas, o terreno do Acampamento.

Figura 56 - Mapa ampliado do Bairro Igapó. Limite Administrativo 2005. Indicação da localização do

Acampamento Escolar de Igapó.

Fonte: Adaptado de Mapa base (NATAL, 2005).

Figura 57 - Local do Acampamento de Igapó, indicação do Cartório e do terreno que compreendiam a

área do Acampamento, Bairro de Igapó, Natal/ RN.

Fonte: Acervo da autora (2019).

CARTÓRIO DE IGAPÓ

TERRENO

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- Acampamento Escolar da Aparecida:

O Acampamento Escolar da Aparecida se localizava na Rua Guanabara, s/n

(Cf. Figura 58), atualmente bairro Mãe Luiza. No terreno do Acampamento,

encontra-se hoje um terreno baldio. (Cf. Figura 59).

Figura 58 - Mapa ampliado do Bairro Mãe Luíza, Limite Administrativo 2005. Indicação do terreno em que se localizava o Acampamento da Aparecida.

Fonte: Adaptado de Mapa base (NATAL, 2005).

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Figura 59 - Terreno baldio onde se localizava o Acampamento Escolar da Aparecida.

Fonte: Acervo da autora (2019).

À semelhança do que aconteceu com o terreno do Acampamento de Igapó, o

de Aparecida (atualmente, Mãe Luíza) também se encontrava desnivelado em

pessoal passou muitos e muitos anos colocando lixo ali direto, aí vinha um trator da

prefeitura e empurrava aquele lixo e ia espalhando, até que se criou um morro na

. Ela explicou que o terreno ficou no nível da rua,

devido às várias camadas de lixo compactadas no local ao longo dos anos.

- Acampamento Escolar de Nova Descoberta:

O Acampamento Escolar de Nova Descoberta foi erguido na Rua Padre

Raimundo, s/n, no bairro de mesmo nome (Cf. Figura 60). Atualmente, no terreno,

encontra-se a Escola Municipal Professor Ulisses de Góis (Cf. Figura 61), criada

através do Decreto nº 1902, de 04 de março de 197727.

27 Descrito no Quadro das Escolas Municipais de Natal. Disponível em: <https://www.natal.rn.gov.br/>. Acesso em: 26 mar. 2019.

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Figura 60 - Mapa ampliado do Bairro Nova Descoberta. Limite Administrativo 2005. Destaque para o lote da Escola Municipal Professor Ulisses de Góis, onde se localizava o Acampamento de Nova

Descoberta.

Fonte: Adaptado de Mapa base (NATAL, 2005).

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Figura 61 - Fachada principal da Escola Municipal Professor Ulisses de Góis, no bairro Nova Descoberta, Natal/RN.

Fonte: <https://www.google.com/maps/>. Acesso em 01 jul. 2019.

Vale salientar que a escola não substituiu o Acampamento de Nova

Descoberta, como aconteceu com as Escolas construídas durante o mandato do

prefeito Agnelo Alves, em 1966. Segundo Estácio (2014), a escola teve seu

funcionamento autorizado apenas em 1980, através da Portaria nº 719/80, publicada

no Diário Oficial do Estado, em 30 de outubro de 1980. (ESTÁCIO, 2014).

- Acampamento Escolar da Granja:

O Acampamento Escolar da Granja localizava-se na Rua Pastor Adriano

Nobre, s/n, no Bairro Nordeste (Cf. Figura 62). Esse foi o último a ser construído.

Nem chegou a funcionar, pois, segundo o Sr. Ribamar, o Acampamento não foi

concluído até o encerramento precoce da campanha De Pé no Chão, em 1964. No

local, encontra-se hoje um terreno cercado (Cf. Figura 63), porém sem edificações.

Na visita ao local com Alexandre Maranhão, o pesquisador informou que o

Acampamento recebeu o nome devido ao tipo do terreno que o prefeito Djalma

Maranhão comprou, isto é, tratava-se de uma granja, fato que motivou o nome

Acampamento da Granja.

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Figura 62 - Mapa ampliado do Bairro Nordeste. Limite Administrativo 2005. Indicação do terreno onde se localizava o Acampamento da Granja.

Fonte: Adaptado de Mapa base (NATAL, 2005).

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Figura 63 - Terreno em que se localizava o Acampamento da Granja, no Bairro Nordeste, Natal/RN.

Fonte: Acervo da autora (2019).

Esse mapeamento, produto inédito da pesquisa, colabora para as futuras

discussões e reconstrução histórica do desenvolvimento urbano da cidade. A

relação da campanha De Pé no Chão com as periferias se assenta na oferta de

educação democrática e acesso à cultura. Tal campanha buscou desenvolver ações

de fomento social, de forma orgânica, com a partição do povo, tanto na concepção e

concretização do projeto quanto na busca comunitária pelo acesso à educação, e

não de forma verticalizada como acontece quando instituições de governo

implementam projetos em via de mão única.

A inquietação inicial para localizar os Acampamentos trouxe surpresas e

convívios inesperados. A busca pela localização dos Acampamentos, não

identificados em princípio, foi possível justamente pelo fator humano, através do

contato com moradores dos bairros e anciões que ainda guardam na memória os

acontecimentos e confirmam, pelo seu testemunho, a repercussão social dos

Acampamentos, após tantos anos de extinção desse programa educativo popular. A

pesquisa empírica realizada faz com que acreditemos cada vez mais nas relações

humanas como perspectiva de sociabilidade.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS:

No presente trabalho, registramos que a campanha De Pé no Chão Também

se Aprende a Ler, no governo municipal de Djalma Maranhão, tinha o intuito inicial

de erradicar o analfabetismo na cidade do Natal/RN, na década de 1960. Em sua

realização foram criados os Acampamentos Escolares para suprir a necessidade de

expansão da rede escolar em Natal/ RN, efetivada com o mínimo de recursos

disponíveis.

De Pé no Chão não trabalhou apenas com a alfabetização, como foi além da

educação, alcançando também os bairros periféricos da cidade com a valorização

da cultura popular e a promoção da saúde (através dos equipamentos das Praças

de Cultura), além de qualificar profissionalmente a população por meio do programa

De Pé no Chão Também se Aprende uma Profissão.

A campanha, materializada pelo projeto político gestado no âmbito do Comitê

Nacionalista das Rocas, em 1961, é um exemplo de política pública realizada de

modo participativo, uma vez que enfrentou as condições de pobreza instalada nos

bairros natalenses, atendendo às reinvindicações da população. Assim, entende-se

que a gestão participativa pode ter como inspiração a campanha De Pé no Chão, de

Djalma Maranhão, que foi além das ações cotidianas de melhoria das comunidades

e fez com que a população se movesse em busca de uma experiência urbana mais

digna, ainda lutando por uma educação democrática como vimos no decorrer deste

trabalho.

Registre-se que a busca de compreensão sobre o legado de uma gestão

participativa presente na campanha De Pé no Chão pode ser também fortalecida

através de um olhar sobre As 40 horas de Angicos, pois, com a experiência de Paulo

Freire, houve uma imersão no universo cultural popular para promover a

conscientização política, revelando-se como um exemplo histórico de participação

popular na formulação e produção de políticas de gestão da cidade.

A participação social pode surgir tanto do interesse da sociedade (agentes,

indivíduos, organizações da sociedade civil - OSC, etc.) como pela necessidade de

descentralização do próprio Estado, direcionando a responsabilidade sobre as

políticas de gestão da cidade para os cidadãos. Esse é o caso da campanha De pé

no chão, cuja população que dela participou clamava por uma educação mais

democrática, o que foi acolhido por um gestor sensível ao problema. Portanto,

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uniram-se as forças políticas e sociais, que passaram a colaborar para a realização

de uma política pública de promoção da educação popular, constituindo um legado

arquitetônico pautado na cultura popular.

A arquitetura utilizada na criação dos Acampamentos, edificações mais

emblemáticas da campanha, encontrou como solução construtiva e espacial as

técnicas dos Mucambos do litoral do Nordeste. Além disso, revelou uma sintonia

com a ecologia local (termo usado por Gilberto Freyre), hoje conhecida como

sustentabilidade, pautando-se, sobretudo, no conhecimento vernacular que

representa o sistema cultural da população atendida. Com isso, aumentou o

ício para a população à que se destinou.

Cabe ressaltar que não há aqui uma rejeição do moderno face ao tradicional.

Djalma Maranhão também tinha obras públicas modernas, como, por exemplo, a

Concha Acústica (Cf. Figura 21) e a Galeria de Artes (Cf. Figura 20), referenciando

as colunas do Palácio da Alvorada, de Oscar Niemeyer. Portanto, a arquitetura

utilizada nos Acampamentos Escolares, alicerçada no conhecimento vernacular,

revela que, naquele momento de modernização do país, a tradição teve um lugar

especial na produção da cidade para concretizar uma política pública necessária: a

oferta da educação para mudar a realidade dos 40% de analfabetos no Rio Grande

do Norte.

O mapeamento produzido neste trabalho é um produto inédito que servirá de

contributo para as futuras pesquisas sobre a campanha De Pé no Chão Também se

Aprende a Ler. A busca para a elaboração dos mapas mostrou-se um verdadeiro

desafio. Foram consultados diversos trabalhos e livros, arquivos jornalísticos da

época e órgãos públicos. Contudo, a identificação dos locais dos Acampamentos foi

possível graças ao contato com a população local, fruto da visitação aos bairros

onde eles existiram aliados à memória de pessoas contemporâneas à campanha.

Na prática, a localização dos Acampamentos através da verificação visual tornou-se

impossível, ante a ausência de vestígios físicos destas construções na atual

paisagem urbana, profundamente alterada ao longo do tempo.

A realização da pesquisa trouxe muita satisfação. Estudar uma política de

gestão que trabalha com a efetiva participação popular, alenta e mostra que é

possível empreender esforços para a efetivação de uma gestão urbana democrática,

na crença de que não há perspectiva de promover o povo, sem ouvi-lo e, sobretudo,

sem incitá-lo à participação.

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REFERÊNCIAS

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ACERVOS PESQUISADOS

Acervo audiovisual da central de documentação do site <dhnet.org.br>. Bairro Tirol, Natal/ RN. Acervo digital do jornal Diário de Natal (anos de 1961 a 1970), disponível no site da Hemeroteca Digital Brasileira: <http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx>. Acervo digital do jornal Tribuna do Norte (anos de 1961 a 1964), disponível para consulta na Biblioteca Central Zila Mamede UFRN. Bairro Lagoa Nova, Natal/RN.

Arquivo Público Estadual. Bairro do Alecrim, Natal/ RN.

ENTREVISTAS

OLIVEIRA, Nair Almeida de. Entrevista. Natal: RN, 2017. Concedida em 10 ago. 2017. MONTE, Gabriel. Conversa informal. Natal: RN, 2017. Concedida em 11 ago. 2017. OLIVEIRA, José Ribamar de. Entrevista. Natal: RN, 2017. Concedida em 12 set. 2017. BARBOSA, Maria Alves. Entrevista. Natal: RN, 2019. Concedida em 05 jun. 2019.

SOUZA, Elvandira Bezerra de. Entrevista. Natal: RN, 2019. Concedida em 11 Jun. 2019.

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APÊNDICE

Neste item, serão apresentados os relatos das entrevistas com o Sr. Ribamar,

e D. Nair, assim como a conversa informal com Gabriel Monte, todas realizadas na

cidade do Natal/RN, no ano de 2017.

Também serão incluídas as entrevistas com a Dona Maria que contribuiu para

o mapeamento do Acampamento de Igapó e de Dona Elvandira que colaborou para

a localização do Acampamento de Aparecida, em Mãe Luíza. Ambas as entrevistas

ocorreram em Natal/RN no mês de Julho/ 2019.

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RELATO DE ENTREVISTA

Dados bibliográficos

OLIVEIRA, Nair Almeida de. Entrevista. Natal: RN, 2017. Concedida em 11

set. 2017.

Apresentação

A entrevista ocorreu no dia 10 de agosto de 2017, com a Pedagoga Nair

Almeida de Oliveira, no bairro das Rocas, Natal/ RN, local de sua residência.

Dona Nair, como a tratamos, na data desta entrevista com 82 anos de idade,

foi funcionária da prefeitura durante a campanha De Pé no Chão Também se

Aprende a Ler, nas funções de bibliotecária e professora da campanha tanto na fase

das Escolinhas, quanto no Acampamento das Rocas.

Desenvolvimento (relações causais)

Dona Nair relatou que, antes da campanha em Natal, não havia bibliotecas

públicas, porém o prefeito Djalma Maranhão construiu algumas. A biblioteca do

b Quando

você precisava de um livro, ia lá e pegava emprestado, devolvia depois de dez dias

e se precisasse colocava mais uma data com dez dias

encontra-se hoje uma biblioteca (com a cobertura em formato de livro) do programa

SESI Indústria do Conhecimento, no início da Avenida Duque de Caxias.

Foi realizada uma campanha que arrecadou livros para as bibliotecas,

utilizando-se um carro com alto-falante que passava pelas ruas pedindo para que a

Numa caminhonete, um funcionário com alto-falante

passava fazendo a propaganda: aquele livro que está sobrando em sua casa, está

. A campanha obteve sucesso com um razoável montante de

livros, distribuídos em bibliotecas e escolas municipais.

Sobre as Escolinhas ela falou que, nas casas onde funcionava a escolinha, o

prefeito cedia as carteiras, o quadro de giz e o lanche das crianças, que geralmente

era leite. Só depois foi que ele fez os Acampamentos. Inclusive a sua casa foi uma

Escolinha. O material escolar que incluía caderno, lápis, borracha e um livro

(cartilha) era distribuído pela Prefeitura.

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Ao ser questionada sobre qual o papel da comunidade para o surgimento da

campanha, Dona Nair falou que era a falta de escolas, que apenas duas (no caso

das Rocas) não era suficiente para uma população grande.

Sobre como a população enxergava a campanha, ela explicou que teve uma

boa aceitação, depois explicou: uito pobre, não tinham

um lanche, um café da manhã, eles iam pra escola do jeito que tivesse e tinha que

receber, do jeito que o aluno chegasse sujinho ou limpinho a gente recebia. Lá tinha

café da manhã, almoço pros da tarde, lanche e jantar pra turma da

Relacionei um aspecto do programa Bolsa-família com a campanha, falando

que a frequência do aluno na escola é indispensável para ter direito ao benefício.

Então quis saber se havia alguma obrigatoriedade de frequência para o aluno

manter-se matriculado nas aulas, a resposta da Dona Nair foi

como não tinham em casa, e tinha a recreação, era tudo que eles queriam, então

ve acrescentou

que havia um vigia que ia na casa do aluno saber o motivo de estar faltando às

aulas.

Dona Nair falou de um dos desdobramentos da campanha, que era De Pé no

Chão Também se Aprende uma Profissão:

enfermeiro, barbeiro, datilografia, artesanato, encadernamento e marceneiro. Era

O Acampamento das Rocas funcionava em três períodos: pela manhã e à

tarde, atendia as crianças; e à noite, os adultos, tanto com a alfabetização de

adultos, quanto com os cursos profissionalizantes. tos adultos fizeram esses

cursos e ficaram felizes, né? Porq

Quanto aos níveis de graduação, Dona Nair expôs que, nos Acampamentos,

durante o dia, as aulas eram voltadas ao Primário e ao Ginásio; já à noite, eram os

cursos profissionalizantes.

Sobre a aprendizagem por parte dos alunos, questionei como se dava o

Na tentativa de lembrar alguns dados, Dona Nair consultou, em uma pasta

que guarda com muito zelo, alguns escritos que fizera com importantes informações

da campanha De Pé no Chão. Mostrou uma lista com as primeiras professoras do

Acampamento das Rocas.

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Pedi pra que falasse sobre a própria visão que tinha a respeito da política

naquele momento . Estava a todo tempo

a visitar no meio da pobreza. Ele gostava de festa. São João, Natal, ele estava lá

nos palanques dançando, era muito popular. Você falava com ele, na casa dele, se

precisasse, e ele lhe atendia. Era um prefeito que se interessava muito pelo povo,

ele vinha e perguntava das necessidades da população, não era de deixar secretário

Quanto à parte física, a professora falou que tinham hortas, não tinha

paredes, apenas uma cerca de arame no terreno:

Nair. Havia um vigia que tomava de conta do local durante a noite. Apontou nas

imagens que possuía a área de recreação, os pilares que eram de coqueiro.

Questionada se a ventilação constante e a areia trazida pelos ventos

atrapalhavam as aulas, ela disse que não, pois um funcionário aguava o chão.

Explicou que entre os galpões tinha uns canteiros que eram jardins, que os alunos

também cuidavam deles. Ainda insisti sobre a época de chuvas, se não molhava

dentro das salas de aula, ela garantiu que não, nem a chuva acompanhada de

vento.

Ela falou que o prefeito trouxe da Argentina uma professora chamada Júlia

Dourado para dar cursos de recreação para os alunos. A professora Júlia Dourado

ensinava a confeccionar fantoches, João Redondo, papel machê, recreação com

músicas de brincadeiras odia até dar uma aula de História ou de Geografia

Dona Nair ainda destacou que, mesmo não sendo uma escola de alvenaria,

afirmou que os alunos tinham o mesmo aprendizado das outras escolas. Havia o dia

do planejamento dos professores, depois deixavam o planejamento na secretaria da

escola funcionava em uma casa alugada fora do Acampamento para a diretora

de ensino passava um visto no planejamento. Só então elas poderiam dar aquela

aula.

Questionada se os alunos gostavam das aulas e da escola, a professora

esclareceu dizendo que

ausentar pra ir ao sanitário, aí ninguém podia negar, mas o vigia tava lá perto,

porque, se quisesse brincar, completou o

raciocínio, dizendo que os alunos respeitavam as aulas e quase nunca faltavam.

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Dados citados

Em Natal, havia apenas 10 escolas antes da Campanha. No bairro das

Rocas, existiam duas escolas: Izabel Gondim e São José.

Onde era o Acampamento das Rocas, surgiu a Escola Municipal Henrique

Castriciano.

Curiosidades

O prefeito era frequentador do bairro das Rocas. pro Araruna. Gostava de

dançar Araruna. Nas festas na rua, na festa de São João, Natal, Ano Novo, tudo ele

tava por aqui nas ruas, ele começava aqui nas Rocas e seguia pros outros bairros

Houve um incêndio no São João de 1964 que queimou toda a escola

(Acampamento), depois que encerrou a campanha De Pé no chão.

Nos turnos em que as aulas eram para as crianças, serviam duas refeições:

pela manhã, era oferecido o café da manhã; e o almoço, antes de irem embora. No

turno da tarde, ofereciam o almoço na chegada e, depois, um jantar na saída.

Devido o piso ser de terra-batida e as áreas externas serem de areia, a

manutenção diária era muito simples, apenas se molhava o solo e depois varria.

Na Rua Miramar, a única que existia do Acampamento até à praia, havia uma

faixa escrita: Nesta rua só existem agora 59 analfabetos.

Pessoas citadas

Prefeito Djalma Maranhão;

Secretário de Educação Moacyr de Góes;

Diretor de ensino Omar Fernandes Pimenta;

Vice-diretora Cleomar Dantas;

A primeira diretora chamava-se Ilza Brilhante.

Dados da entrevista

Esta entrevista está registrada em um arquivo de áudio (36min24s), no

formato .mp4, autorizada pela entrevistada e consta no acervo desta autora.

Realização da ficha: 30 de Maio 2018.

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RELATO DE CONVERSA INFORMAL

Dados bibliográficos

MONTE, Gabriel. Conversa Informal. Natal: RN, 2017. Concedida em 11 set.

2017.

Apresentação

A conversa aconteceu no dia 11 de setembro de 2017, com o Arquiteto e

Urbanista Gabriel Monte, na Rua Dr. João Chaves, bairro Tirol, Natal/ RN, local de

sua residência.

Gabriel é formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Potiguar e

técnico em Agroecologia pelo Serviço de Tecnologias Alternativas. A contribuição

maior do Gabriel Monte se dá pelo fato dele ter estudado a tipologia construtiva dos

Acampamentos Escolares para a realização de uma maquete eletrônica, objetivando

a exposição do centenário do Prefeito Djalma Maranhão. Também construiu uma

maquete eletrônica da Galeria de Arte para a mesma exposição.

Para tanto, ele se baseou, além das pesquisas bibliográficas, nos relatos do

Sr. Ribamar (entrevista relatada neste trabalho) e nas imagens e vídeos da época

que estão sob os cuidados do seu pai, Roberto Monte, criador do DHNET em Natal.

Desenvolvimento (relações causais)

O contato inicial para esta conversa se deu pela necessidade de mapear as

escolas. Então, perguntei ao Gabriel se ele sabia dos endereços, ou se era possível

ele dar alguma dica de por onde poderia iniciar essa busca.

Ele informou que os Acampamentos das Rocas e do Carrasco originaram em

escolas. Inclusive sobre este segundo, relatou que o terreno em que se construiu o

Acampamento era particular, de um senhor que havia mandado derrubar as

edificações que tinha nele. Sabendo disso, a prefeitura já aproveitou o terreno livre

para a construção do Acampamento do Carrasco. Ele soube desse fato através do

Sr. Ribamar.

Neste mesmo dia, através do Gabriel, adquiri um vasto acervo audiovisual

(digital) sobre a Campanha e o Prefeito Djalma Maranhão, preservado no centro de

documentação do DHNET.

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Sobre como eu poderia fazer o levantamento dos Acampamentos e perceber

o que hoje teriam edificado no lugar, ele indicou o primo do prefeito Djalma

Maranhão, o Alexandre Maranhão, que fez o percurso junto ao Sr. Ribamar,

demarcando o local dos Acampamentos.

Ao mostrar-me as imagens, ele fez diversos comentários, explicando nuances

que havia estudado para a realização da maquete eletrônica. Eram detalhes que

passariam despercebidos, se não fosse a necessidade do seu estudo minucioso

sobre o Acampamento.

Enquanto olhávamos as imagens, ele explicou, ao nos deparamos com uma

foto do Acampamento das Rocas queimado, que ela foi fundamental para realização

da maquete, pois a partir dela era possível compreender melhor a estrutura do

madeiramento.

Conseguimos identificar o nome dos bairros que receberam os

Acampamentos Escolares, através de uma imagem que mostra uma maquete dos

Acampamentos que revelou mais dados sobre a quantidade deles nos anos de 1961

e 1962.

Falou que, no início da campanha, ainda com dois Acampamentos, havia as

Escolinhas que funcionavam em algumas casas e diversos outros prédios, como

igrejas e associações para que pudessem alfabetizar mais pessoas. Também falou

sobre o centro de treinamento de professores, onde se qualificavam os profissionais

da educação para a campanha De Pé no Chão.

Uma coisa que o arquiteto chamou à atenção foi para que eu sempre

observasse as imagens com cuidado, sobretudo as que têm informes da prefeitura ,

tipo folders e convites, pois sempre continham dados importantes: O mais legal é

você ver que, nessas fo .

Gabriel citou, à medida que observamos as fotos, outras obras que foram

erguidas pelo prefeito Djalma Maranhão, como a construção do muro de arrimo na

comunidade do Paço da Pátria, a construção do Palácio dos Esportes, assim como

as edificações e equipamentos relacionados à campanha e com o trabalho voltado à

promoção da cultural na cidade, como é o caso dos boxes de exposição das Praças

de Cultura, a galeria de artes com importante painel do artista plástico potiguar

Dorian Gray, que, tempos depois, fora completamente destruído.

Nas Praças de Cultura, sempre havia estandes que apresentavam à

população as obras da prefeitura, uma espécie de prestação de contas do governo

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municipal: Ó, esses são estandes da prefeitura, que era pra fazer a propaganda dos

projetos que estavam acontecendo na cidade .

Ao visualizar uma fotografia da Biblioteca Popular Monteiro Lobato, Gabriel

falou sobre as bibliotecas volantes que consistiam em caixas de madeira cheias de

livros e que ficavam circulando pelos Acampamentos e Escolinhas. Atribuiu a

construção da biblioteca ao Sr. Ribamar, mestre de obras da Prefeitura.

Após um longo passeio pelas imagens, Gabriel começou a explicar sobre

detalhes da construção do Acampamento, visto que foi nos elementos das técnicas

construtivas que ele mais se baseou para a realização da maquete eletrônica.

Iniciou falando do piso do galpão (onde ficavam as salas de aula), que era de

terra batida e que se encontrava acima do nível do terreno. Explicou que havia dois

pilares externos e um central nas salas e que esse padrão era repetido por todo o

comprimento do galpão, garantindo a estrutura de pilares de sustentação para a

cobertura feita de ripas e palha de coqueiro virada.

A divisão entre as salas de aula era feita apenas pelo quadro negro fixado em

ripas. Porém, quando o som das salas passou a atrapalhar as aulas, foi necessário

usada nos frontões. O acesso entre as salas passou a ser apenas pelas laterais.

Entre os galpões, havia canteiros que serviam para contenção dos pingos da

chuva, uma vez que estes sempre formavam poças e criavam depressões no chão.

Nesses canteiros, foram plantadas duas espécies vegetais identificadas pelo Gabriel

como taioba e algaroba.

Sobre a instalação elétrica, Gabriel falou que, apesar de simples, era racional.

A partir do poste de entrada, que ficava nos fundos do Acampamento, passava-se a

fiação para um poste menor, fixado na parte posterior e central dos galpões. Dali, a

distribuição era feita de forma linear, por isso cada sala recebia uma lâmpada

incandescente central, pendurada em um bocal simples.

Quanto aos alimentos para a merenda escolar, observou que havia carros

que entregavam o leite e alguns alimentos. Então, pensaram em produzir temperos

e vegetais nas hortas; pensaram no aviário para produção dos ovos e na água

consumida após ser filtrada em filtros de barro: Era quase que sustentáve . Sobre

os aviários, apontou que, em suas pesquisas, percebeu que havia um espaço

sombreado e outro ensolarado pensados para o conforto dos animas, além do

poleiro. Também, era cercado com tela metálica e havia uma portinhola de acesso.

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Quanto à cozinha, sua estrutura era executada em lâminas de madeira para as

paredes e teto em telhado de fibrocimento.

O playground era improvisado, como por exemplo: o gira-gira que era um eixo

de caminhão, que foi aterrado em alguns metros e, na superfície, foram colocados

bancos de madeira com pintura em uma chapa metálica circular. Quem construiu foi

o Sr. Ribamar. O escorrega era duplo, havendo duas rampas paras as crianças

escorregarem. Na área do playground, o piso era de terra batida como nos galpões.

Perguntei a Gabriel se saberia me dizer qual o Programa de Necessidades do

Acampamento. Além de me passar uma lista do Programa, fez um esboço me

explicando sobre a implantação dos espaços no Acampamento, no qual me baseei

para fazer o croqui da implantação. Também, falou do mobiliário de cada sala de

aula, que, além de estantes, tinha as caixas de livros para as bibliotecas volantes,

quadros- ras escolares e o sino para o toque

escolar.

Dados citados

Através da imagem de uma maquete dos Acampamentos realizada pela

prefeitura, ele me mostrou que, em 1961, havia dois Acampamentos; e que,

em 1962, somavam-se mais sete, totalizando os nove.

O bairro Aparecida, que continha na mesma imagem, é o bairro de Mãe Luíza

atualmente.

Havia de 04 a 05 salas de aula em cada galpão.

Curiosidades

O nome Carrasco surgiu, devido a um dono de casas de aluguel, que era

muito autoritário. Ele mandava, vez por outra, derrubar as casas. Daí o nome

carrasco. Gabriel falou que quem relatou este fato foi o Sr. Ribamar.

Sr. Ribamar trabalhou com marcenaria por um tempo. Então, sabia realizar as

ideias que tinha, como é o caso das bibliotecas populares construídas com os zinco

e madeira.

Sobre as Praças de Cultura, relatou que a primeira aconteceu na Praça das

Cocadas, como era conhecida antigamente a Praça Kennedy, mas, depois de três

edições, o evento tomou outras proporções, tendo que ser transferido para a Praça

André de Albuquerque, que fica no mesmo bairro, local também da Galeria de Arte.

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As Praças de Cultura foram inspiradas em um programa cultural francês aplicado no

Recife-PE.

Nos frontões dos galpões, havia frases simbólicas, como o nome da própria

campanha e outras: Combatendo o analfabetismo e libertando o povo. A

educação é um direito de todos Isto não é uma frase é uma realidade , dentre

outras.

Até mesmo a bandeira da campanha foi reproduzida por Gabriel Monte na

realização da maquete. As fotos e vídeos eram monocromáticos e, através de

relatos, ele descobriu que as cores da bandeira eram azul e branca.

Pessoas citadas

Prefeito Djalma Maranhão;

Sr. Ribamar;

Alexandre Maranhão.

Dados da entrevista

Esta entrevista está registrada em um arquivo de áudio (1h28min57s), no

formato .mp4, autorizada pelo entrevistado e consta no acervo desta autora.

Realização da ficha: 02 de Maio de 2018.

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RELATO DE ENTREVISTA

Dados bibliográficos

OLIVEIRA, José Ribamar de. Entrevista. Natal: RN, 2017. Concedida em 12

set. 2017.

Apresentação

Entrevista realizada em 12 de setembro de 2017, com o Sr. José Ribamar de

Oliveira (1931 2019). Na data da entrevista, encontrava-se com 86 anos. A

entrevista aconteceu em sua residência, na Av. Romualdo Galvão, Natal/ RN.

O entrevistado era mestre de obras do município de Natal, durante os dois

mandatos do prefeito Djalma Maranhão. Inclusive, ele era o responsável direto pelas

obras dos Acampamentos escolares da campanha De Pé no Chão Também se

Aprender a Ler.

Desenvolvimento (relações causais)

O entrevistado re -tu

da prefeitura, enfatizando sempre a confiança que o prefeito Djalma Maranhão

depositava nele, incumbindo-o inclusive de tarefas não condizentes à sua função de

-de-

Em muito, relatou a relação de intimidade que mantinha com o prefeito. Em

suas palavras, o prefeito lhe dizia: você é que precisa de mim, eu preciso do povo!

apontando que conferia ao Sr. Ribamar resolver os problemas/tarefas que o prefeito

lhe atribuía.

O Prefeito sofria de insônia, pela madrugada chamava o Sr. Ribamar para

junto a ele dar assistência às pessoas e ir trabalhar. Em uma madrugada de muitas

chuvas, quando diversas ruas alagaram em Natal, o prefeito chama o Sr. Ribamar:

Ribamar, vamos dar uma saidinha, vamos ver como está esse povo . Em outra

ocasião: Ribamar, não estou conseguindo dormir, não. Tire um carro e venha me

buscar pra gente olhar os serviços .

Sobre uma indagação acerca de como surgiu a ideia dos Acampamentos, Sr.

Ribamar relatou o seguinte diálogo:

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- Você sabe fazer um Acampamento de palha, coberto de palha, parede de palha? - Sei não Sr. Nunca fiz, não. - Pois eu vou lhe mandar pra um amigo meu que era do porto e que era amigo dos pescadores da Redinha.

Após esse episódio, o Sr. Ribamar foi levado até os pescadores da Redinha

(praia urbana de Natal, região norte da cidade) e passou um dia aprendendo como

fazer a vira da palha: Como eu era o chefe, fiquei ensinando a todo mundo .

A montagem era carpintaria comum. A madeira era comprada nos depósitos

de madeira do bairro do Alecrim e as palhas de coqueiro eram compradas em sítios

da grande Natal, como por exemplo, em Extremoz.

Relatou que o prefeito gostava muito dos Acampamentos, que tinha orgulho,

que era corriqueiro ele estar trabalhando e o prefeito chegar para acompanhar as

obras.

Respondendo a uma pergunta sobre a participação popular na feitura dos

Acampamentos, ele disse que quem fazia os Acampamentos era a prefeitura de

Natal, com seus próprios operários.

Segundo o Sr. Ribamar, foi o prefeito quem criou a merenda na escola,

inclusive se indagou sobre o registro dessa prática, se é atribuída ao prefeito, e

revelou que não existia isso em Natal, nas escolas da época.

Sempre apontando para o aspecto do caráter social do prefeito Djalma

Maranhão, relatou diversos momentos em que ajudaram pessoas necessitadas. Ele

era um homem bom, pra fazer o bem não media distância .

Após o fim da campanha, durante o Golpe Militar, com Djalma preso, Ribamar

foi chamado para depor sobre o prefeito. Revela uma passagem em que Djalma fala:

Ribamar, o rapaz que fiz pouco por ele!

Dados citados

A casa de Djalma Maranhão localizava-se na esquina da Rua Jundiaí, com

a Av. Afonso Pena, local onde hoje se encontra um estacionamento privado

(do Instituto de Radiologia de Natal).

mou na Escola Municipal Henrique

Castriciano.

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Os Acampamentos existiam nos bairros: Rocas, Mãe Luiza, Carrasco, Na

Av. 4, na Granja, Bairro Nordeste, no final da Av. Antônio Basílio.

O Acampamento da Granja foi um dos últimos a ser feito, porém não

chegou a ser finalizado, devido à iminência do Golpe Militar de 1964.

O prefeito exigia do Sr. Ribamar que toda quarta-feira se entregasse uma

escola nova.

As medidas dos galpões obedeciam a um padrão.

Primeiro Acampamento foi o das Rocas.

As escolas funcionavam nos três períodos.

Djalma foi preso em Natal, em seguida levado para Recife, Fernando de

Noronha, Rio de Janeiro e, então, foi enviado ao exilado no Uruguai.

Pessoas Citadas

Prefeito Djalma Maranhão.

Dados da entrevista

Esta entrevista está registrada em um arquivo de áudio (46min17s), no

formato .mp4, autorizada pelo entrevistado e consta no acervo desta autora.

Realização da ficha: 16 de setembro de 2017.

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RELATO DE ENTREVISTA

Dados bibliográficos

BARBOSA, Maria Alves. Entrevista. Natal: RN, 2019. Concedida em 05 jun.

2019.

Apresentação

Entrevista realizada em 05 de Junho de 2019, com a Sra. Maria Alves

Barbosa (Nascida em 1928. Concedeu a entrevista aos 90 anos), na Rua São Luiz,

bairro Igapó, Natal/ RN, local de sua residência.

A entrevistada é moradora do bairro desde o ano de 1940 e viu o surgimento

do Acampamento de Igapó, da campanha De Pé no Chão Também se Aprender a

Ler.

Desenvolvimento (relações causais)

Começamos a entrevista com o desabafo de D. Maria: Eu chorava pra ir pro

colégio pra estudar, sabe? Quando eu via os meninos passando com as cartilhas do

ABC debaixo do braço, aí eu dizia: - Papai, eu quero ir também? Ela falou da

profunda tristeza que sentiu (e sente) por não ter estudado quando era criança. O

pai mudou-se com a família para morar no bairro de Igapó em 1940.

Após esta autora introduzir o tema da campanha, D. Maria falou que lembrava

bem de Djalma Maranhão e que ele havia construído um Acampamento no bairro e

apontando para a direção do terreno disse: Eu vi muito esse homem, ele fez um

Acampamento bem aí, onde tem esse triângulo que sobe aí pra pista. [...] chamava

De Pé no Chão, né? Confirmei que sim.

Na época da campanha, D. Maria já estava casada. Ao ser questionada se

algum dos seus (onze) filhos estudaram no Acampamento, ela explicou que eles não

frequentaram, pois as aulas de lá era mais pros meninos no começo dos estudos e

os seus filhos já estavam alfabetizados, por isso estudavam em uma escola

estadual.

Perguntada se lembrava de quais os materiais foram utilizados na construção

do Acampamento, falou que as paredes eram de palha de coqueiro e que, no

terreno, não havia muros e era tudo muito limpo: s pessoas que trabalhavam na

prefeitura varria e era tudo limpinho Lembrou-se de duas funcionárias, uma era a

merendeira Maria Agape cujo contato, não consegui e a outra era Isabel, já falecida.

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Expliquei que meu maior objetivo com a entrevista era de localizar o

Acampamento de Igapó, por não ter encontrado registros sobre a sua localização.

Perguntei se havia no local alguma escola construída ou qualquer outro prédio. A

entrevistada relatou que era um terreno grande, que hoje se encontra modificado,

ocupando a área que compreende um terreno baldio e o Cartório de Igapó, na rua

Dr. Antônio de Souza. Dona Maria mudou-se para a Rua São Luiz que é transversal

à Rua Dr. Antônio de Souza, em 1945, ano em que se casou. Relatou que

frequentava o Acampamento nas ocasiões em que aconteciam as reuniões de bairro

com o prefeito Djalma Maranhão.

Sobre os turnos de funcionamento do Acampamento, D. Maria falou que tinha

aula pela manhã, à tarde e à noite. Nesse último turno, as aulas não eram para

crianças e sim pros adultos ou para os maiores que ainda não sabiam ler .

Para se chegar de carro à Igapó, era necessário ir pela cidade de Macaíba,

em uma estrada de barro, pois ainda não estava construída a Ponte Presidente

Costa e Silva, popularmente conhecida como Ponte de Igapó, importante via de

acesso à Zona Norte de Natal.

D. Maria relatou que o seu pai trabalhou na construção da ponte metálica.

Falou que, no início, só passavam o trem e os pedestres. Relembrou, também, dos

dormentes robustos de madeira fixados por grandes parafusos na ponte. Sem

precisar a data, contou que, muitos anos após, forrava-se a ponte com folhas de

zinco sobre novos dormentes para os carros começarem a trafegar. Ainda não havia

a ponte de concreto. Sobre como se dava o percurso, descreveu que Era um

caminho só, pra ir e pra vir. Carro, trem e troler, tudo sabia a hora que podia passar .

Sobre a inauguração da primeira ponte (a metálica), D. Maria expôs que: Na

festa de inauguração da ponte, perguntou-se: quem vai passar primeiro? Todo

mundo com medo de passar. O condutor do trem, que se chamava Benedito, disse:

eu passo! Aí passou, foi muita palma, uma alegria muito grande. Aí continuou a

melhora pra quem morava por aqui

Rememorando a história do bairro, falou da Família Santiago que possuía

muitas terras, inclusive uma mata virgem. Segundo D. Maria, as terras

compreendiam desde o início do bairro, na fronteira com a Avenida Tomaz Landim,

até Regomoleiro, em São Gonçalo do Amarante. A sede da fazenda ficava onde

atualmente encontra-se a fábrica Coteminas e o conjunto Jardim Lola, que se

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encontra dentro dos limites da propriedade. Recebeu esse nome em homenagem à

matriarca da família Santiago.

A família materna de D. Maria está no bairro desde os tempos em que era

uma aldeia. Ela contou que sua tataravó era índia. O bairro de Igapó se chamava

Aldeia Velha, devido ter sido uma aldeia de índios no passado, cujo dono da aldeia

era o índio Potiguaçú .

Dados citados

Havia uma escola próxima à linha do trem, construída antes de 1940.

Atualmente, encontra-se a associação de bairro conhecida como Círculo

Operário.

As escolas funcionavam nos três períodos.

Igapó era conhecido como Aldeia Velha, por ter sido uma aldeia de índios.

Curiosidades:

Antigamente, para se chegar a Igapó, era necessário ir pela cidade de

Macaíba, por uma estrada de barro.

Muitos anos após a construção da ponte metálica sobre o rio Potengi, para

que carros pudessem trafegar, forrava-se a ponte com folhas de zinco sobre novos

dormentes, pois ainda não havia a ponte de concreto. Passava apenas um carro por

vez.

O conjunto Jardim Lola recebeu esse nome em homenagem à matriarca da

família Santiago.

Pessoas citadas

Perfeito Djalma Maranhão;

Maria Agape (merendeira);

Isabel (Funcionária do Acampamento);

Benedito (condutor do trem).

Dados da entrevista

Essa entrevista está registrada em um arquivo de áudio (58min01s), no

formato .mp4, autorizada pela entrevistada e consta no acervo desta autora.

Realização da ficha: 02 de Julho de 2019.

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RELATO DE ENTREVISTA

Dados bibliográficos

SOUZA, Elvandira Bezerra de. Entrevista. Natal: RN, 2019. Concedida em 11

Jun. 2019.

Apresentação

Entrevista realizada em 11 de junho de 2019, com a Sra. Elvandira Bezerra

de Souza, na Rua Guanabara, bairro Mãe Luíza, Natal/ RN, local de sua residência.

D. Elvandira é moradora do bairro desde 1967. O seu pai era motorista da prefeitura

no segundo mandato do prefeito Djalma Maranhão.

Desenvolvimento (relações causais)

A entrevistada relatou que o seu pai, o Sr. José Fernandes Bezerra, era

motorista da prefeitura de Natal. Na Secretaria de Educação, a sua superior, Dona

Dalva, o designou para ser motorista das coordenadoras da campanha De Pé no

Chão.

Dona Elvandira esclareceu que o pai trabalhava em Natal, mas a família

morava em uma cidade do interior do Rio Grande do Norte e que, apenas em 1967,

eles foram morar em Mãe Luíza. Inclusive, afirmou que a escola já não existia mais.

E já estava no chão , ela disse que o pai mostrou o local

do Acampamento e dizia que trabalhara ali.

Quando chegaram a Natal, o pai havia alugado uma casa vizinha ao

cacimbão, que ficava junto ao terreno do Acampamento. Lá, ela morou até 1969,

quando se casou com o Sr. Raimundo e mudaram para o bairro Morro Branco.

Porém, dois anos depois, voltaram a morar na Rua Guanabara, onde hoje fica a

empresa da família.

Dona Elvandira afirmou que, na época, o tamanho do terreno não era muito

grande. Era um lote comum Fato que o Sr. Francisco Canindé, seu vizinho,

confirmou, dizendo eu havia somente um galpão na Aparecida.

Ela disse que não viu o Acampamento erguido, mas a área ficou por muito

tempo limpa, que ele era desnivelado com relação à rua. Falou também que havia

um paredão e que, para acessar a rua, utilizavam uma rampa. Sobre o fato do

o pessoal passou

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muitos e muitos anos colocando lixo ali direto. Aí, vinha um trator da prefeitura e

Respondendo a uma pergunta sobre a permeabilidade visual a partir do

terreno, D. Elvandira disse que não havia barreiras visuais e que, no ano de 1967,

caiu um avião na praia de Areias Pretas. Para comprovar a sua afirmação, relatou

que viu, a partir do terraço de casa, o momento do acidente.

A entrevistada mencionou que o prefeito Djalma Maranhão era muito

idealizador, que levava os elementos da cultura popular como mamulengos para

as escolas. Narrou que o pai dirigia uma Kombi e a levava

-lo

bambolês e Bois de Reis,

Falando sobre a popularidade do prefeito, Dona Elvandira disse que ma

Maranhão era um prefeito muito querido. Mas, pela pobreza, a elite não gostava,

Dados citados

Ao lado do Acampamento de Aparecida havia um cacimbão (local de

retirada de água).

O terreno encontra-se elevado ao nível da via, devido à compactação de

lixo ao longo dos anos.

Pessoas Citadas

José Fernandes Bezerra (Pai);

Raimundo (esposo);

Dona Dalva;

Francisco Canindé (vizinho);

Prefeito Djalma Maranhão.

Dados da entrevista

Esta entrevista está registrada em um arquivo de áudio (36min33s), no

formato .mp4, autorizada pela entrevistada e consta no acervo desta autora.

Realização da ficha: 02 de Julho de 2019.