UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE … · PARADOXOS DA ATUAÇÃO DO BRASIL NO SISTEMA DE ... Códigos NCM dos brinquedos objetos de medida de salvaguarda e aumento ... GTA –

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    INSTITUTO DE RELAES INTERNACIONAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM RELAES

    INTERNACIONAIS

    LUIZA GIMENEZ NONATO

    PARADOXOS DA ATUAO DO BRASIL NO SISTEMA DE

    COMRCIO INTERNACIONAL: PROTECIONISMO

    VELADO E REFLEXOS NA INDSTRIA NACIONAL

    So Paulo

    2015

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    INSTITUTO DE RELAES INTERNACIONAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM RELAES

    INTERNACIONAIS

    PARADOXOS DA ATUAO DO BRASIL NO SISTEMA DE

    COMRCIO INTERNACIONAL: PROTECIONISMO

    VELADO E REFLEXOS NA INDSTRIA NACIONAL

    LUIZA GIMENEZ NONATO

    Verso corrigida. / A verso original se encontra disponvel na Biblioteca do Instituto de

    Relaes Internacionais e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertaes da USP,

    documentos impresso e eletrnico.

    So Paulo

    2015

    Dissertao apresentada ao Programa

    de Ps-Graduao em Relaes

    Internacionais do Instituto de

    Relaes Internacionais da

    Universidade de So Paulo, para a

    obteno do ttulo de Mestre em

    Cincias Programa de Ps-

    Graduao em Relaes

    Internacionais.

    Orientador: Prof. Dr. Yi Shin Tang

  • Aos meus pais e irmos, por serem

    vocs.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo, primeiramente, ao Instituto de Relaes Internacionais e

    Universidade de So Paulo pelo apoio institucional na ps-graduao. Certamente, o

    ambiente acadmico e o contato com professores e funcionrios so de extrema

    importncia para a concluso desta etapa. Agradeo o apoio financeiro da Fundao de

    Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP), processo 2013/12117-0, sem o

    qual seria impossvel a dedicao integral pesquisa, alm de ter sido um incentivo

    especial realizao de um bom trabalho.

    Devo agradecer tambm ao prof. Yi Shin Tang, que acreditou desde o comeo

    nesta pesquisa e auxiliou na execuo de todas as suas etapas, sempre com boa vontade e

    pacincia. Agradeo tambm o apoio na deciso pelo intercmbio na SciencesPo,

    experincia que me trouxe inmeros ganhos pessoais e acadmicos. Agradeo aos

    professores que aceitaram participar da banca de qualificao, etapa decisiva no

    desenvolvimento da pesquisa, e agora da banca de defesa, pelas contribuies.

    Agradeo tambm minha famlia, em sua totalidade e grandeza, pelo interesse

    constante, ainda que por vezes distante, em acompanhar minha trajetria e celebrar as

    conquistas. Mas devo agradecer, especialmente, aos meus pais Carlos Alberto e Maria

    Helena pelo apoio incondicional, em todos os momentos da minha vida at hoje: vocs

    so a expresso do amor. Agradeo aos meus irmos, Andria, Gustavo e Estfano por

    me guiarem e me encorajarem a trilhar o meu caminho: vocs so minha inspirao. No

    posso deixar de agradecer tambm os respectivos agregados, Alexandre, Janana e Maria

    Clara pela presena constante e pelos bons momentos que me proporcionam: vocs so

    presentes que a vida me deu. Agradeo s minhas sobrinhas, as pequenas princesas

    Beatriz, Alice e Isabela, que mal sabem o quanto me ajudaram nesta etapa, enchendo

    minha vida de alegria, amor, leveza e cor-de-rosa: vocs so minha paz.

    Agradeo ao Vitor, meu namorado, pela pacincia nos momentos de incertezas,

    por compreender as ausncias e pelo apoio em todas as minhas decises. Obrigada pelos

    incentivos, por acreditar em mim at quando eu mesma no acreditei. Voc foi pea

    fundamental pra que eu chegasse at aqui e pra que eu queira alcanar muito mais.

    Por fim, agradeo aos amigos que permanecem na distncia, sobrevivem ao dia-

    a-dia, com quem divido as conversas, angstias e risadas.

  • RESUMO

    O objetivo geral desta pesquisa analisar a atuao do Brasil em comrcio exterior durante os anos de 2003

    a 2013. Considera-se que neste perodo o pas tem feito uso de medidas protecionistas com o objetivo de

    elevar a competitividade dos bens brasileiros. Este fato fica mais evidente a partir de 2011, com o

    lanamento do Plano Brasil Maior, dentro do qual as medidas de defesa comercial passam a integrar

    diretrizes oficiais do governo, em conjunto com perfuraes tarifrias e aumentos de tarifas importao.

    Alm disso, outros programas, integrantes da poltica industrial e de comrcio exterior, apresentam forte

    contedo nacionalista. Por outro lado, o fraco desempenho do setor industrial evidencia que, apesar do

    protecionismo, a indstria domstica no consegue se restabelecer como setor dinmico da economia.

    Nesse contexto, possvel afirmar que polticas comerciais que visam a combater processos de

    desindustrializao so paradoxais com as regras multilaterais? Para responder a esta pergunta, a anlise

    foi dividida em dois artigos cientficos. Primeiramente, apresentada uma reviso bibliogrfica sobre o

    tema da desindustrializao, para entender a evoluo do conceito e a maneira como ele trabalhado pelos

    principais autores nacionais e estrangeiros. O artigo busca incluir a poltica comercial, enquanto

    instrumento macroeconmico, nesta anlise, ressaltando o seu papel nos resultados comerciais. J o

    segundo artigo traz dados empricos, a partir do levantamento das resolues da CAMEX no perodo 2003-

    2013, com o objetivo de mapear o protecionismo da poltica comercial brasileira e entender se tais medidas

    servem ao propsito de exercer uma fora contrria ao processo de desindustrializao.

    Palavras-chave: Poltica comercial; Desindustrializao; Comrcio Internacional; Sistema Multilateral de

    Comrcio.

  • ABSTRACT

    The overall objective of this research is to analyze Brazilian performance in international trade from 2003

    to 2013. During this period, Brazil has made use of protectionist measures in order to raise the

    competitiveness of its goods. It is more evident from 2011, with the launch of the Greater Brazil Plan,

    within which the trade defense measures became part of the governmental guidelines, along with import

    tariff rate increases and perforations of Mercosuls Common External Tariff. In addition, there are other

    programs, within both trade and industrial policies, which present strong nationalist content. On the other

    hand, the low performance of the industrial sector shows that, despite the use of protectionist measures, the

    domestic industry could not be stablished, as a dynamic sector of the economy. In this context, is it possible

    to state that trade policies, which aim to fight de-industrialization are paradoxical with multilateral trade

    rules? To answer to this question, firstly, we present a review of the literature on the topic of de-

    industrialization, focusing on the definition of the concept, as well as how the main authors have used it.

    The article aims to include trade policy in the analysis, by highlighting its role in trade results, while a

    macroeconomic instrument. The second article provides empirical data from the survey of CAMEX

    resolutions during the years of 2003 to 2013, in order to map the protectionism content of Brazilian trade

    policy and to understand whether such measures serve to the purpose of exerting a counterforce to de

    deindustrialization process.

    Keywords: Trade Policy; Deindustrialization; International Trade; Multilateral Trading System.

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Evoluo do emprego formal no setor de Indstria de Transformao (2002-

    2013) ................................................................................................................ 52

    Grfico 2 Evoluo do emprego formal nos setores de Indstria, Servios e Agricultura

    (2002-2013) ..................................................................................................... 52

    Grfico 3 - Evoluo da participao da indstria de transformao no PIB em % (1947-

    2014) ................................................................................................................ 53

    Grfico 4 Resolues CAMEX (2003-2013) ................................................................83

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Exportao e Importao (2000-2013) FOB US$ bi ................................55

    Tabela 2 Exportaes por fator agregado, em % ........................................................55

    Tabela 3 Importaes por fator agregado (US$FOB/%) ............................................56

    Tabela 4 Acordos comerciais assinados pelo Brasil no perodo 2003-2013 ..............78

    Tabela 5 Arrecadao tributria por base de incidncia - Comrcio Exterior (%) .....84

    Tabela 6 - Evoluo nominal Tarifa Externa (2003-2013) .........................................84

    Tabela 7 Balana comercial do captulo 64 NCM/SH Calados, polainas e artefatos

    semelhantes; suas partes................................................................................................92

    Tabela 8 Balana comercial do captulo 87 NCM/SH Veculos automveis, tratores,

    ciclos e outros veculos terrestres, suas partes e acessrios...........................................97

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Resumo das medidas de defesa comercial (2003-2013) ............................88

    Quadro 2 Incidncia de medidas de defesa comercial por captulo NCM no perodo

    2003-2013.....................................................................................................88

    Quadro 3 Investigaes contra prticas desleais e salvaguardas por segmento

    econmico (1988/2014) ...............................................................................90

    Quadro 4 - Cdigos NCM dos brinquedos objetos de medida de salvaguarda e aumento

    de tarifa ......................................................................................................96

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ABIT Associao Brasileira da Indstria Txtil e de Confeco

    ABDI Associao Brasileira de Desenvolvimento Industrial

    ABRINQ Associao Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos

    ALCA rea de Livre Comrcio das Amricas

    ALICEWEB - Sistema de Anlise das Informaes de Comrcio Exterior

    APCs Acordos Preferenciais de Comrcio

    APEX-Brasil - Agncia Brasileira de Promoo de Exportao e Investimentos

    BACEN Banco Central do Brasil

    BIT Bens de Informtica e Telecomunicaes

    BK Bens de Capital

    CACEX Carteira de Comrcio Exterior

    CAMEX Cmara de Comrcio Exterior

    CMC Conselho Mercado Comum

    COFINS Contribuio para Financiamento da Seguridade Social

    CONCEX Conselho Nacional de Comrcio Exterior

    CPA Conselho de Poltica Aduaneira

    DECOM Departamento de Defesa Comercial

    DEINT Departamento de Negociaes Internacionais

    FIESP Federao das Indstrias do Estado de So Paulo

    GATT General Agreement on Tariffs and Trade

    GECEX Comit Executivo de Gesto

    GMC Grupo Mercado Comum

    GTA Global Trade Alert

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios

    IIRSA - Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Regional Sul-americana

    IOF Imposto sobre Operaes de Cmbio

    IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    IPI Imposto sobre Produtos Industrializados

    ISS Imposto sobre Servios de Qualquer Natureza

    LETEC Lista de Excees TEC

  • MDIC Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior

    Mercosul Mercado Comum do Sul

    MODERMAQ Modernizao do Parque Industrial Nacional

    MTE Ministrio do Trabalho e Emprego

    NAMA Non Agricultural Market Access

    NCM Nomenclatura Comum do Mercosul

    NMF Nao Mais Favorecida

    OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    OIC Organizao Internacional do Comrcio

    OMC Organizao Mundial do Comrcio

    PASEP - Programa de Formao do Patrimnio do Servidos Pblico

    PBM Plano Brasil Maior

    PIS - Programa Integrao Social

    PITCE Poltica Industrial Tecnolgica e de Comrcio Exterior

    Reporto - Programa de Revitalizao Porturia

    RFB Receita Federal do Brasil

    RAIS - Relao Anual de Informaes Sociais

    RVEs Restries Voluntrias s Exportaes

    SECEX Secretaria de Comrcio Exterior

    SISCOMEX Sistema Integrado de Comrcio Exterior

    SH - Sistema Harmonizado de Designao e de Codificao de Mercadorias

    SGP Sistema Geral de Preferncias

    SMC Sistema Multilateral de Comrcio

    TBT - Acordo sobre Barreiras Tcnicas ao Comrcio

    TEC Tarifa Externa Comum

    UNCTAD Conferncia das Naes Unidas sobre Comrcio e Desenvolvimento

  • SUMRIO

    Artigo 1. DESINDUSTRIALIZAO: TEORIAS CORRENTES E O PAPEL DA POLTICA

    COMERCIAL

    APRESENTAO ........................................................................................................................... 13

    1. INTRODUO .............................................................................................................................. 16

    2. POR QUE A INDSTRIA IMPORTANTE? ............................................................................. 18

    3. A DESINDUSTRIALIZAO E O DEBATE ATUAL: DEFINIDINDO AS ABORDAGENS 21

    3.1. A literatura estrangeira sobre a desindustrializao ................................................................. 21

    3.2. Estudos sobre a desindustrializao no Brasil ......................................................................... 27

    4. POLTICA COMERCIAL E DESINDUSTRIALIZAO ........................................................... 32

    4.1. Dados sobre a desindustrializao do Brasil no perodo 2003-2013 ....................................... 35

    5. CONSIDERAES FINAIS .......................................................................................................... 41

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................................ 43

    Artigo 2. PARADOXOS DA ATUAO COMERCIAL DO BRASIL: PROTECIONISMO

    VELADO E REFLEXOS NA INDSTRIA NACIONAL

    1. INTRODUO .............................................................................................................................. 49

    1.1. Metodologia de estudo e coleta de dados empricos ................................................................ 53

    2. POLTICA DE COMRCIO EXTERIOR ORIENTADA PARA A PROTEO: CONCEITOS

    EM ANLISE .................................................................................................................................... 54

    2.1. Tarifa ou imposto sobre importaes ....................................................................................... 57

    2.1.1. Regras tarifrias no mbito do regime multilateral de comrcio ...................................... 58

    2.1.2. Compromissos tarifrios na esfera regional: a tarifa externa do Mercosul ....................... 60

    2.1.2.1. Excees TEC e regime de ex-tarifrios ..................................................................... 62

    2.2. Defesa comercial ..................................................................................................................... 63

    3. DIRETRIZES OFICIAIS DA POLTICA COMERCIAL DO PERODO 2003-2013 .................. 65

    3.1. Os anos 2003 a 2010 ................................................................................................................ 70

    3.2. O Plano Brasil Maior (2011-2014) .......................................................................................... 75

    4. DIMENSO EMPRICA DA PESQUISA E ANLISE DOS DADOS........................................ 79

    4.1. O perfil tarifrio do Brasil no perodo de 2003 a 2013 ............................................................ 80

    4.2. Medidas de defesa comercial ................................................................................................... 83

    4.3. Anlise setorial no contexto das medidas de defesa comercial e tarifrias .............................. 87

    5. CONSIDERAES FINAIS .......................................................................................................... 95

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................................ 98

    Anexo I Resolues CAMEX Tarifa Externa Comum (2003-2013) ......................................... 102

    Anexo II Resolues CAMEX de medidas de defesa comercial (2003-2013) .......................... 115

    Anexo III Perfuraes da Tarifa Externa Comum com relao aos nveis tarifrios

    consolidados na OMC (2008) ......................................................................................................... 126

    Anexo IV Histrico das investigaes antidumping, salvaguardas e medidas compensatrias,

    por produto e por pas (2003-2013) investigaes originais e revises .................................... 133

    Anexo V Regras Gerais para Interpretao do Sistema Harmonizado .................................. 143

  • 13

    APRESENTAO

    Polticas comerciais que visam a responder processos de desindustrializao so

    paradoxais com regras multilaterais? Ao adentrar o estudo do comrcio internacional por

    meio da anlise da poltica comercial implementada pelo Brasil no perodo 2003-2013,

    pretende-se entender a compatibilidade deste instrumento no combate ao processo de

    desindustrializao durante o perodo em questo, frente s obrigaes internacionais.

    Parte-se da constatao de que h um descolamento entre o discurso brasileiro em favor

    do multilateralismo, enquanto que a prtica tem se caracterizado como protecionista.

    Espera-se com esta pesquisa contribuir, ainda que em carter inicial, para o estudo e

    melhor entendimento da dinmica do comrcio brasileiro, bem como das suas relaes

    com o complexo processo de desindustrializao em curso no pas, considerado um

    entrave ao desenvolvimento por diversos autores.

    Nesse contexto, entende-se por paradoxo este comprometimento com as regras

    multilaterais e a retrica pelo liberalismo comercial, enquanto que, na prtica, observa-se

    o uso crescente de medidas protecionistas para resguardar o mercado e a produo

    nacional da concorrncia externa. Como ser evidenciado ao longo da pesquisa, o perfil

    tarifrio do Brasil respeita as regras da OMC e do Mercosul quanto aplicao de tarifas

    importao, ainda que, em alguns setores, atue no limite do nvel tarifrio permitido.

    No que tange s medidas de defesa comercial, sobretudo referentes ao direito

    antidumping, constata-se que estas adquiriram um papel proeminente na atuao

    brasileira em matria de comrcio exterior, como um mecanismo de elevao da

    competitividade do pas.

    A poltica comercial um instrumento disposio dos governos, cujo fim

    influenciar as trocas comerciais de um pas com o resto do mundo. Atravs da poltica

    comercial, possvel expandir ou restringir quantitativamente o comrcio, seja por meio

    da liberalizao comercial, ou atravs da aplicao de tarifas, quotas, barreiras no-

    tarifrias e medidas de defesa comercial. , portanto, um determinante direto dos

    resultados comerciais de um pas, tanto em termos de exportao e importao de bens e

    servios, quanto do alcance dos acordos comerciais negociados, inserindo-o em um

    contexto mais amplo de regime internacional. Alm disso, a poltica comercial, como toda

  • 14

    poltica pblica, pode impactar de maneira decisiva os nveis de emprego e renda

    domsticos, j que uma das responsveis por expor ou proteger a indstria nacional da

    concorrncia e das assimetrias externas. A poltica comercial protecionista, neste

    contexto, consiste em medidas que busquem modificar o fluxo comercial em favor da

    produo nacional.

    Sendo assim, esta pesquisa se prope a estudar a poltica comercial do Brasil no

    perodo compreendido entre os anos 2003-2013, com foco no conjunto de medidas

    protecionistas implementadas, buscando avaliar se essa poltica esteve pautada nas regras

    estabelecidas pelos organismos internacionais no mbito do comrcio, bem como se foi

    til no combate ao processo de desindustrializao. Neste sentido, algumas perguntas

    delimitam o escopo deste trabalho: medidas protecionistas ou de defesa comercial so

    elementos da poltica comercial? possvel afirmar que o Brasil se utiliza de uma espcie

    de protecionismo velado? Quais seriam os setores mais favorecidos por essa poltica? A

    poltica comercial pode ser utilizada com o objetivo de reagir desindustrializao?

    Em concordncia com o Programa de Ps-Graduao em Relaes Internacionais,

    do Instituto de Relaes Internacionais da Universidade de So Paulo (IRI/USP), esta

    pesquisa est dividida em dois artigos cientficos. O primeiro se dedica ao estado da arte

    do debate sobre desindustrializao, a partir de uma reviso bibliogrfica dos trabalhos

    disponveis para consulta. Primeiramente, o artigo busca caracterizar o papel da indstria

    no crescimento de uma economia, para entender por que a desindustrializao pode ser

    entendida como um dos problemas centrais ao desenvolvimento. Em seguida, so

    trabalhadas as principais teorias sobre desindustrializao, tanto na literatura estrangeira,

    quando a produo nacional sobre o tema. importante entender a configurao deste

    debate, pois a desindustrializao em pases desenvolvidos se difere substancialmente da

    desindustrializao em pases em desenvolvimento, como o Brasil. Por fim, feito um

    exerccio terico sobre de que maneira a poltica comercial pode se relacionar com o

    processo de desindustrializao, na tentativa de contribuir com uma nova perspectiva

    sobre o assunto.

    O segundo artigo, por sua vez, apresenta um contedo emprico e analtico sobre

    os dados levantados nesta pesquisa, e que podero contribuir para avanar as discusses

    sobre os temas de poltica comercial e indstria no Brasil. O artigo se inicia com

    esclarecimentos conceituais acerca da aplicao de barreiras ao comrcio. Alm da

    definio dos conceitos mais recorrentes na anlise, so tambm caracterizados os

    parmetros legais do uso de tarifas aduaneiras e defesa comercial, isto , as regras

  • 15

    estabelecidas pelo regime multilateral de comrcio, concentradas na OMC e no Mercosul.

    Em seguida, a poltica comercial do perodo 2003-2013 descrita, com base em

    publicaes e documentos oficiais do governo federal, para identificar suas principais

    diretrizes. Ainda com o objetivo de identificar o perfil tarifrio e de defesa comercial do

    pas, foi feito um levantamento das Resolues da CAMEX, principal agncia

    competente em matria de comrcio exterior, para mapear as decises no perodo 2003-

    2013, com a descrio dos dados contidos nessas resolues. Assim, posteriormente,

    apresentada a sistematizao desses dados. Por fim, feita uma avaliao do processo de

    desindustrializao do Brasil.

    Cabe, por fim, esclarecer este trabalho no tem o objetivo de enderear questes

    que envolvam as vantagens ou desvantagens de uma poltica comercial liberal ou

    protecionista. Do mesmo modo, no se pretende avaliar se vivel ou no o

    desenvolvimento industrial, no contexto da sustentabilidade do modelo em questo.

    Parte-se apenas da constatao de que h um setor industrial em crise no Brasil e que para

    resgat-lo desta condio, faz-se necessrio orientar polticas para o setor, desde que este

    seja, de fato, um objetivo. Diante da anlise da poltica comercial e industrial do perodo

    em questo, evidente que impulsionar o setor industrial por meio de polticas foi uma

    das grandes metas dos governos e, por este motivo, pertinente avaliar a coerncia, bem

    como seus resultados. Para finalizar, a breve anlise sobre os setores apresentada ao final

    do segundo artigo tem por objetivo ilustrar com dados a realidade instalada em tais

    indstrias no perodo em que a poltica comercial ou as medidas de defesa comercial

    exerceram algum papel no desempenho dos setores industriais elencados para anlise.

    Assim, espera-se com esses dois artigos sustentar terica e empiricamente a

    hiptese central desta pesquisa, qual seja o de que h um paradoxo na prtica comercial

    do Brasil no contexto de crise da indstria nacional, especificamente, no combate ao

    problema da desindustrializao. Apesar de a poltica comercial, em conjunto com a

    poltica industrial e demais instrumentos macroeconmicos, pretender elevar a

    competitividade e expandir o comrcio brasileiro, tem feito uso de medidas protecionistas

    e de defesa comercial, e que no necessariamente contribuem com os objetivos reais.

    Ademais, h uma srie de medidas que dissimulam as regras multilaterais, as quais

    servem ao propsito de combater as assimetrias nas relaes comerciais, sendo possvel

    trabalhar com a ideia de protecionismo velado, uma vez que no desobedecem

    diretamente tais regras.

  • 16

    DESINDUSTRIALIZAO: TEORIAS CORRENTES E O PAPEL DA

    POLTICA COMERCIAL

    RESUMO

    O objetivo deste artigo oferecer uma reviso bibliogrfica sobre o tema da desindustrializao, bem como

    inserir a poltica comercial como varivel macroeconmica relevante para a anlise. Primeiramente,

    apresenta-se a importncia do setor industrial para o crescimento de uma nao para ento, posteriormente,

    expor a desindustrializao enquanto obstculo ao desenvolvimento. Os primeiros autores que trabalharam

    a questo da desindustrializao foram autores estrangeiros, sobre o desencadeamento do processo em

    pases desenvolvidos. De acordo com esses autores, a desindustrializao inerente ao desenvolvimento

    econmico, a partir de um determinado nvel de renda per capita. O setor industrial passa ento a ser

    substitudo pelo setor de servios em importncia. Por outro lado, considera-se que a desindustrializao

    nos pases em desenvolvimento tem ocorrido de modo prematuro, isto , antes de se atingir a renda per

    capita apresentada pelos primeiros. Nesse contexto, so identificadas causas para a desindustrializao em

    pases em desenvolvimento, em grande parte, relacionadas ao cmbio e abundncia de recursos naturais,

    seja na forma da maldio dos recursos naturais ou da doena holandesa. Por fim, feito um ensaio inicial

    sobre o papel da poltica comercial no contexto desta discusso.

    Palavras-chave: Indstria; Desindustrializao; Poltica Comercial.

    ABSTRACT

    The main purpose of this article is to provide a review of the literature on the topic of deindustrialization,

    as well as to work with the concept of trade policy as an important macroeconomic variable for the analysis.

    First, it is presented the relevance of the industrial sector to the nations growth so that, subsequently, it is

    exposed the reasons why deindustrialization is seen as an obstacle to development. The first authors who

    have addressed the issue of deindustrialization were foreign authors on the triggering of the mentioned

    process in developed countries. According to these authors, deindustrialization is inherent do economic

    development, from a certain level of per capita income. The industrial sector is to be replaced by the service

    sector in importance. On the other hand, it is considered that the deindustrialization in developing countries

    has occurred prematurely, i.e., before reaching the per capita income presented by the developed ones. In

    this context, we identified the causes of deindustrialization in developing countries, widely related to

    exchange rate issues and the abundance of natural resources, in the last situation, whether as natural

    resources curse or Dutch disease. Finally, we attempted to introduce the analysis from the perspective of

    trade policy in the context of those discussions.

    Keywords: Industry; Deindustrialization; Trade Policy.

    1. INTRODUO

    A desindustrializao uma questo importante no mbito das discusses sobre

    desenvolvimento ao redor do mundo. Os primeiros trabalhos sobre o tema datam da

    dcada de 1980 em pases desenvolvidos, mais especificamente, frente a situao do

  • 17

    Reino Unido. No Brasil, o debate ainda relativamente incipiente, especialmente se

    levada em considerao a importncia do tema para o desenvolvimento econmico e

    social do pas. Apesar disso, h produes de relevncia e, mais recentemente, este

    nmero tem crescido. Esse impulso teve origem nas discusses acerca da conjuntura

    econmica mundial e seus reflexos na economia nacional, especialmente nos temas que

    envolvem o aumento da participao das commodities nas exportaes, o aumento das

    importaes e a valorizao cambial. Estudar o tema da desindustrializao, portanto, se

    faz pertinente, na medida em que aprofundar as investigaes possa apontar novos

    caminhos no entendimento dessa complexa questo.

    Os autores brasileiros tm como referncias iniciais as publicaes de Robert

    Rowthorn e seus coautores (1987, 1997, 1999, 2004), cuja principal caracterstica

    avaliar a desindustrializao a partir da reduo do emprego industrial em curso no Reino

    Unido naquela poca. Outras abordagens recorrentes so as contribuies de Gabriel

    Palma (2005) e Fiona Tregenna (2008), combinando a perspectiva da produtividade

    industrial com a do emprego. Palma apontado como o responsvel por reacender o

    debate na Amrica Latina nos anos 2000. H tambm a desindustrializao vista atravs

    do comrcio exterior, por meio dos impactos exgenos das trocas comerciais,

    manifestados em sintomas como a doena holandesa, a sobrevalorizao do cmbio e o

    retorno matriz primria na pauta de exportaes.

    Cabe ressaltar que a discusso acerca da desindustrializao, de um modo geral,

    tem sido conduzida desde o incio por meio de anlises empricas, e no tanto em direo

    a uma anlise sistmica. Pode-se afirmar tambm que o tema da desindustrializao

    circunscrito ao campo econmico e aos economistas, sendo poucas vezes inserido em

    contendas de outras reas do conhecimento. Neste ponto, o estudo deste assunto dentro

    do campo das Relaes Internacionais pode trazer algumas contribuies.

    Um dos objetivos deste artigo apresentar as diversas teorias que compem o

    debate corrente sobre a desindustrializao, a fim de proporcionar uma viso geral sobre

    quais elementos tm sido apontados como os mais relevantes, os principais argumentos e

    suas limitaes. Alm disso, considera-se que a abordagem sob a tica do comrcio

    internacional no caso brasileiro pode ser aprofundada, j que esta pesquisa tem por

    objetivo avaliar as possveis relaes entre desindustrializao e poltica comercial do

    Brasil, no perodo compreendido entre os anos de 2003 e 2013.

    Antes de apresentar as diferentes abordagens sobre o tema da desindustrializao,

    porm, considera-se necessrio entender as razes pelas quais o setor industrial

  • 18

    considerado fundamental ao desenvolvimento das naes. Nesse sentido, torna-se

    possvel esclarecer por que a perda do papel da indstria pode ser entendida como um

    obstculo ao crescimento econmico, nos casos em que a desindustrializao percebida

    como um processo negativo. Posteriormente, ser ento apresentada a discusso iniciada

    pelos autores nos pases desenvolvidos, fazendo os contornos de sua evoluo terica, at

    o ponto em que se encontra atualmente.

    Em seguida, o foco da anlise direcionado para o Brasil, a fim de caracterizar o

    debate corrente nos foros acadmicos e especializados. Aps esta exposio terica sobre

    o tema da desindustrializao, ser feito um panorama da desindustrializao no Brasil

    para caracterizar o pano de fundo sobre o qual debruar a discusso acerca dos paradoxos

    da poltica comercial brasileira. Alm disso, buscar-se- esclarecer de que maneira a

    poltica comercial pode se relacionar com a desindustrializao, sendo esta a principal

    proposta deste artigo. Portanto, a abordagem sobre desindustrializao exerce, nesta

    pesquisa, o propsito de apresentar uma perspectiva diferente sobre o tema, no contexto

    das discusses sobre o papel da poltica comercial na busca por reverter este processo,

    bem como o questionamento acerca da sua aderncia s regras multilaterais.

    2. POR QUE A INDSTRIA IMPORTANTE?

    Para entender por que a desindustrializao pode ser um desafio central ao

    desenvolvimento das naes, interessante entender as razes pelas quais a indstria pode

    ser considerada um elemento essencial a esse mesmo processo. De que maneira o setor

    industrial contribui para o crescimento de um pas e por quais motivos a sua diminuio,

    isto , a desindustrializao, pode ser percebida como um processo negativo,

    principalmente, para os pases em desenvolvimento que eventualmente passem por ele?

    Por tratar-se de um fenmeno complexo, e por que no dizer controverso, necessrio

    estabelecer alguns pilares conceituais. Cabe esclarecer que o objetivo desta seo no o

    de discutir a sustentabilidade do desenvolvimento calcado na indstria, mas apenas

    caracterizar o papel que este setor pode desempenhar no crescimento dos pases, com

    base na literatura clssica sobre este tema.

    Ao retomar as obras de Kaldor (1967), Kuznets (1973) e Thirlwall (2005),

    observa-se que, de um modo geral, h o entendimento de que a indstria o principal

    motor do crescimento econmico. Kaldor (1967) trouxe duas grandes contribuies

  • 19

    teoria do desenvolvimento, com relao ao papel decisivo do setor industrial para o

    crescimento: (i) a associao entre a taxa de crescimento do produto industrial e a taxa de

    crescimento do produto no-industrial, isto , os encadeamentos para frente e para trs do

    setor industrial na cadeia produtiva; (ii) a relao causal entre o crescimento do produto

    manufatureiro e o crescimento do PIB.

    Posteriormente denominadas Leis de Kaldor1, esses dois princpios, em conjunto

    com outros, ressaltam o papel determinante dos retornos crescentes de escala e da

    elasticidade-renda para o crescimento econmico, caractersticas apresentadas pelo setor

    industrial. , portanto, o setor mais dinmico, como tambm o responsvel por difundir

    as inovaes por meio da interao da indstria com os demais setores. Isto , o carter

    intersetorial da indstria gera externalidades positivas para a economia como um todo,

    por meio da absoro pelo setor industrial de commodities, bens e servios.

    Kuznets (1966) apresenta um pensamento complementar ao de Kaldor, explicando

    o crescimento econmico atravs da hiptese dos trs setores. Ainda que os diversos

    pases tenham alterado suas estruturas produtivas de maneira distinta, o caminho seguido

    por eles pode ser considerado semelhante. Em tese, essa trajetria corresponde histria

    das transformaes econmicas. Inicialmente, quando os recursos produtivos eram

    apenas terra, trabalho e capital, houve o predomnio da agricultura. medida que

    surgiram os investimentos produtivos e o progresso tecnolgico se tornou uma realidade,

    as indstrias se desenvolveram. A mecanizao do trabalho agrcola deslocou o trabalho

    para o setor industrial, no processo conhecido por industrializao.

    Com o aumento da produtividade da indstria, parcela da mo de obra foi ento

    liberada para o setor de servios, sendo esta a etapa considerada como a mais avanada

    em economias desenvolvidas. Cabe destacar que, em termos de absoro da mo de obra,

    a agricultura mais intensiva em trabalho que as demais atividades, pois a mecanizao

    limita-se at determinado ponto. Em segundo lugar, est o setor de servios; por isso, a

    tendncia em deslocar o trabalho para este ltimo setor, medida que se promovam os

    avanos tecnolgicos. Kaldor (1966), Kuznets (1973) e Thirlwall (2005) destacam ainda

    1 As Leis de Kaldor estabelecem as seguintes proposies: (i) a indstria o motor do crescimento, pois o

    produto nacional impulsionado pelo o aumento da taxa de crescimento da indstria; (ii) quanto maior a

    taxa de crescimento da indstria, maior a taxa de crescimento da produtividade; (iii) quanto maior forem

    as exportaes, maior ser o produto; (iv) o balano de pagamentos o principal responsvel por restringir

    a demanda, que a responsvel pelo crescimento da economia no longo prazo (Lamonica; Feij, 2007 p.

    3)

  • 20

    que o crescimento industrial determinado pela taxa de crescimento da demanda e pelo

    crescimento das exportaes, nas etapas seguintes.

    Segundo Cano (2012, p. 832), em pases cujo desenvolvimento caracterstica

    dominante, o setor agrcola passa a responder por apenas 10% do PIB, devido ao aumento

    relativo do papel da indstria e dos servios. Atingida a maturidade, a indstria deve ento

    apresentar uma estrutura bastante diversificada2. Alm de diversificar a exportao, tende

    a reduzir a volatilidade, uma vez que o pas deixa de ser afetado diretamente pelos preos

    internacionais (tomador de preos). Por outro lado, a abertura ao setor externo e,

    consequentemente, competio no mercado internacional, induz ao aumento da

    produtividade da indstria, bem como na qualidade dos produtos.

    O problema se configura quando a industrializao atinge um patamar de

    estagnao ou de reduo da participao do produto industrial no produto total. Outro

    importante indicador do desempenho industrial na economia a taxa de emprego

    correspondente a cada setor. Como dito anteriormente, em um primeiro momento, a queda

    da participao do setor agropecurio ou primrio no produto total, resulta em excedente

    de mo de obra, rapidamente absorvido pelo setor industrial. Em seguida, com o aumento

    da produtividade industrial, parte desta mo de obra ento realocada no setor de

    servios. Esta terceira etapa identificada como ps-industrializao (BELL, 1999) ou

    d origem ao processo comumente denominado desindustrializao (ROWTHORN;

    WELLS, 1987).

    As principais teorias que abarcam a discusso sobre a desindustrializao no

    mundo sero melhor exploradas na prxima sesso deste artigo. Por ora, cabe apenas

    caracterizar os contornos desse objeto sob a tica do desenvolvimento. A

    desindustrializao pode ser entendida como um entrave ao crescimento na medida em

    que o impacto no nvel de emprego visto como o principal problema desencadeado pelo

    processo em questo. Sob esta perspectiva, a desindustrializao das economias

    desenvolvidas teria se iniciado na dcada de 1970.

    Alguns pases da OCDE so exemplos claros da transformao estrutural das

    economias, apresentando importantes alteraes nas taxas de emprego e produtividade do

    setor industrial. Bonelli (2008, p. 32) destaca quatro elementos que, em conjunto, teriam

    acarretado essa perda: (i) ganhos de produtividade do setor industrial; (ii) alteraes nos

    padres de comrcio, deslocando a cadeia produtiva para os pases em desenvolvimento3;

    2 Sobre a composio do setor industrial em pases desenvolvidos e subdesenvolvidos, ver: Cepal (1965). 3 C.f. Tregenna, 2008.

  • 21

    (iii) mudanas nos preos relativos; (iv) terceirizao de atividades, antes executadas no

    interior da fbrica, reduzindo a produtividade direta da mo de obra utilizada4.

    Para reverter este quadro, seria necessrio, portanto, a induo de novas atividades

    que apresentem alto grau de inovao (BELL, 1999). Tanto para os pases desenvolvidos,

    tendo em vista que o setor de servios no apresenta o mesmo dinamismo do setor

    industrial, quanto para os pases em desenvolvimento, em que a economia no maturou

    suficientemente para enfrentar os percalos da perda de participao da indstria na

    economia, investir em atividades como, por exemplo, as de alta tecnologia, poderia

    resultar em externalidades positivas intrassetorias (THRILWALL, 2005). Para os pases

    em desenvolvimento, cuja renda considerada mdia, o setor manufatureiro ainda seria

    de suma importncia, ao conferir o dinamismo necessrio para elevar a taxa de

    crescimento do PIB (PALMA, 2005).

    3. A DESINDUSTRIALIZAO E O DEBATE ATUAL: DEFINIDINDO AS

    ABORDAGENS

    3.1. A literatura estrangeira sobre a desindustrializao

    Os primeiros estudos sobre a desindustrializao fazem referncia ao processo

    identificado nos pases desenvolvidos (PDs) durante as dcadas de 1970 e 1980, mais

    especificamente a obra de Rowthorn e Wells (1987) sobre a situao do Reino Unido no

    perodo aps a Segunda Guerra Mundial. Com relao aos pases em desenvolvimento

    (PEDs), como ainda encontravam-se na etapa da industrializao, seus respectivos

    estudos sobre desindustrializao tiveram incio somente nos anos 1990, com maior

    registro a partir dos anos 2000. A maior parte dos trabalhos sobre o assunto, no entanto,

    elegem indicadores para o seu estudo sem ocupar-se, propriamente, em definir um

    conceito geral de desindustrializao. A depender da abordagem adotada, um resultado

    diferente observado. Nesse contexto, a contribuio dos autores estrangeiros oferece as

    bases tericas para se pensar a questo da desindustrializao.

    4 Esses conceitos tambm so desenvolvidos por Rowthorn e Ramaswamy (1999), Palma (2005), entre

    outros.

  • 22

    A principal caracterstica que se destaca, quando de um primeiro contato com a

    literatura internacional sobre o tema da desindustrializao, que, grande parte dela, elege

    a varivel emprego industrial como o principal indicador da ocorrncia desse processo.

    A explicao para a escolha simples: o emprego industrial nos pases industrializados

    havia cado significativamente entre as dcadas de 1970 e 19905. Portanto, naquele

    momento era importante entender se este declnio deveria ser motivo de preocupao ou

    se tratava de um processo natural de economias avanadas.

    A desindustrializao era at ento um processo observado apenas em pases

    desenvolvidos, cujos nveis de industrializao e renda per capita encontravam-se em

    patamares elevados. Sendo assim, o desafio era identificar quais fatores impulsionavam

    este processo se internos ou externos , isto , no caso dos fatores externos, por

    exemplo, se havia alguma relao com a participao crescente dos pases em

    desenvolvimento nas interaes comerciais. As principais publicaes sobre o tema da

    desindustrializao so as de Rowthorn e Wells (1987), Rowthorn (1997), Rownthorn e

    Ramaswamy (1999), Rowthorn e Coutts (2004), Palma (2005) e Tregenna (2008).

    Uma definio inicial para o termo a de Rowthorn e Wells (1987, p. 11), como

    de reduo da parcela da indstria no emprego total como desindustrializao. As

    transformaes presentes na estrutura do emprego correspondem s etapas do

    desenvolvimento econmico, expostas anteriormente, pressupondo-se que, medida que

    a economia cresce e se desenvolve, a distribuio da mo de obra se divida entre os setores

    dominantes. Isto , enquanto h o predomnio da agricultura, este setor conta com a maior

    parcela do emprego. No curso natural do desenvolvimento econmico, a participao da

    agricultura no emprego total tende a se reduzir, enquanto que, paralelamente, o emprego

    em servios tende a se elevar. Sendo assim, Rowthorn e Wells (1987) identificam que o

    declnio do emprego industrial caracterstica inerente ao desenvolvimento das

    economias.

    Rowthorn e Ramaswany (1999) analisaram os dados de dezoito pases no perodo

    de 1963-1994, concluindo, de maneira emprica, assim como Rowthorn e Wells (1987),

    que elementos internos s economias desenvolvidas podem explicar a

    desindustrializao. Dentre esses fatores, os autores destacam: (i) as alteraes nos

    padres da demanda por manufaturas e servios; (ii) o aumento da produtividade

    5 De acordo com Rowthorn e Ramaswamy (1999, p. 18), no grupo dos pases classificados como industriais

    segundo a nomenclatura do FMI, o emprego industrial caiu de 28% em 1970 para 18% em 1994, ou seja,

    dez pontos percentuais em duas dcadas.

  • 23

    industrial; e (iii) o declnio no preo relativo dos produtos industriais. Outra contribuio

    importante a correlao observada entre a parcela do setor industrial no PIB e a renda

    per capita. Rowthorn e Ramaswamy (1999) concluram que a participao da indstria

    no total do produto tende a cair quando alcanado um determinado nvel elevado de renda

    per capita6. Na viso destes autores, portanto, o comrcio tem pouca implicao no

    declnio da manufatura nessas economias. O elemento mais relevante do comrcio

    internacional, que auxiliaria para explicar alteraes estruturais do emprego, a

    especializao produtiva.

    O desenvolvimento econmico implica na capacidade de um pas de oferecer

    sua populao bens cada vez mais diversificados. Nos pases desenvolvidos, a maior

    parcela da fora de trabalho se divide entre os setores industrial e de servios. Um dos

    fatores que podem influenciar a realocao do trabalho o aumento da produtividade. Por

    esse motivo, h autores que trabalham a questo da desindustrializao combinando as

    variveis emprego e produo industrial7. A autora mais proeminente neste debate

    Tregenna (2008), que avalia a desindustrializao a partir do declnio conjunto da

    participao das manufaturas no emprego total e no PIB.

    Tregenna (2008) parte de uma insatisfao com relao s anlises que

    consideram somente o emprego industrial como indicador relevante da

    desindustrializao. Para a autora, trata-se de uma escolha simplificada, uma vez que os

    efeitos so mais visveis na composio do emprego, e revela uma natureza poltica, por

    impactar a sociedade como um todo. Portanto, a autora afirma tratar-se de um processo

    mais amplo, dentro do qual a varivel produo tambm deve ser considerada, uma vez

    que os processos kaldorianos nos quais a manufatura de importncia particular para o

    crescimento operam por meio de ambos os canais emprego e produo" (Tregenna, 2008,

    p. 43, grifo da autora). Para exemplificar, possvel citar do lado do emprego o

    multiplicador da demanda atravs do aumento no salrio; do lado da produo, os efeitos

    de encadeamento8 - que pode ser para frente (forward linkage) ou para trs (backward

    linkage). Os encadeamentos da indstria manufatureira tm o poder de puxar outras

    6 Estudos de Rowthorn e Ramaswamy (1999) e Palma (2005) demonstram que a desindustrializao ocorreu

    em pases desenvolvidos quando o PIB per capita atingiu valores entre US$10 mil a US$12 mil nos anos

    1980. 7 Vale ressaltar que os autores alertam para a eficincia da medida da produo a preos correntes, e no a

    preos constantes. 8 C.f. Hirschman, 1956.

  • 24

    indstrias, bsicas ou intermedirias, por exemplo, para fornecer insumo e/ou prestar

    servios, alm da difuso de tecnologia ao longo da cadeia produtiva (MYRDAL, 1972).

    Rowthorn e Coutts (2004), dando prosseguimento matria da

    desindustrializao, dedicam-se ao estudo do balano de pagamentos nos pases em que

    o processo estava em curso. Os autores revisitam o debate iniciado por Rowthorn e Wells

    (1987), agora conferindo maior importncia ao comrcio Norte-Sul e seus impactos no

    emprego industrial. A desindustrializao prematura observada nos pases da Amrica

    Latina entendida pelos autores como um problema que se origina na sua integrao

    economia global. No entanto, eles destacam que as consequncias a longo prazo devem

    ser melhor estudadas pelos prprios formuladores de polticas pblicas de cada pas.

    H um outro grupo de autores no estudo da desindustrializao que trabalha suas

    relaes mais diretamente com o comrcio internacional: Singh (1977); Cairncross

    (1978); e Blackaby (1978). Segundo eles, no possvel tratar a desindustrializao

    apenas pela tica da reduo do emprego industrial, principalmente nos casos em que a

    economia opera a pleno emprego. Essa reduo pode vir acompanhada de aumentos de

    produtividade, sendo que tal impulso produtivo pode ser resultado da incorporao de

    uma nova tecnologia, ou mesmo por mudanas operacionais, que impliquem em menor

    uso do fator trabalho. Portanto, uma diminuio no emprego manufatureiro no

    significaria necessariamente algo ruim. A desindustrializao analisada a partir do

    comrcio internacional levaria em conta a deteriorao da posio industrial na economia

    como um todo.

    Singh (1987, p. 18) afirma que o comrcio internacional e o balano de

    pagamentos podem afetar o desenvolvimento industrial de trs maneiras: (i) o nvel da

    demanda domstica, influenciado pela competio externa e pelas importaes; (ii) a

    estrutura da demanda; e (iii) atravs dos investimentos. Blackaby (1978, p. 263)) entende

    a desindustrializao como uma incapacidade persistente de gerar excedente produtivo

    exportao, que supere a importao de manufaturados, mantendo a economia em

    equilbrio. Para Singh (1977), Blackaby (1978) e Cairncross (1978), a reduo do

    emprego industrial deve ser motivo de preocupao somente se colocar em risco o

    equilbrio comercial, criando um obstculo obteno de divisas9.

    9 Para Blackaby (1978), a medio do emprego tambm deve ser ponderada, uma vez que se avaliado por

    horas trabalhadas, a reduo menor, j que no setor de servios, o emprego em regime parcial. Se

    medido o emprego em pessoal ocupado, a manufatura certamente se encontrar em desvantagem

    (MORCEIRO, 2012, p.52).

  • 25

    J Palma (2005, p. 7-14), aborda a questo da desindustrializao sob as variveis

    emprego e comrcio. O autor identifica trs elementos que podem estar relacionados ao

    desencadeamento do processo de desindustrializao: (i) a reduo no emprego industrial

    quando os pases atingem determinado nvel de renda per capita, isto , a curva U

    invertido entre emprego industrial e renda per capita; (ii) essa relao entre renda per

    capita e emprego industrial tem de ser estvel, constante; (iii) a doena holandesa.

    Neste ponto, cabe diferenciar o uso dos termos doena holandesa e maldio

    dos recursos naturais, frequentemente aplicados com sentidos equivalentes, mas que no

    so, necessariamente, sinnimos10. A ideia de que pases podem ter seu desenvolvimento

    econmico atrapalhado pela abundncia de recursos naturais foi inicialmente trabalhada

    por Prebisch (1949). O termo, em si, foi cunhado por Sachs e Warner (1995) natural

    resource curse , que observaram empiricamente correlaes entre a participao

    crescente de commodities na pauta de exportaes e o baixo crescimento econmico. J

    o termo doena holandesa se refere ao contexto criado na Holanda, com a descoberta

    no ano de 1959 de grandes reservas de gs, o que valorizou o cmbio e, desse modo,

    reduziu a competitividade do setor industrial11. Em suma, o conceito de doena holandesa

    pressupe a sobrevalorizao do cmbio em decorrncia da descoberta de recursos

    naturais abundantes, o que inviabiliza o desenvolvimento industrial.

    Aparentemente, os termos se referem ao mesmo processo desencadeado pelo

    boom de recursos naturais em uma determinada economia. No entanto, e como ressaltado

    por Souza (2009), o ponto de convergncia entre a maldio dos recursos naturais e a

    doena holandesa precisamente o mecanismo pelo qual um elemento d origem ao

    outro, isto , o crescimento repentino do papel das commodities nas exportaes de uma

    economia pode desencadear a doena holandesa, por meio da apreciao cambial.

    Feito o parntese, na viso de Palma (2005), so trs as situaes em que um

    determinado pas pode se desindustrializar: (i) a descoberta de recursos naturais, como no

    caso da Holanda; (ii) novas atividades de exportao provenientes do setor de servios;

    ou (iii) a implementao de uma nova poltica econmica, pela qual o pas retorne a uma

    situao de vantagem comparativa tradicional, exemplo no qual o autor encaixa o Brasil.

    Nesse contexto, o autor trabalha a ideia de uma nova doena holandesa. Palma (2005,

    10 C. f. Davis. 11 THE ECONOMIST. The economist explains:What Dutch disease is, and why its bad. Disponvel em:

    http://www.economist.com/blogs/economist-explains/2014/11/economist-explains-2. Acesso em 01 dez.

    2014.

    http://www.economist.com/blogs/economist-explains/2014/11/economist-explains-2

  • 26

    p. 15) introduz a ideia de efeito de produto primrio, associado uma onda sbita de

    exportaes de produtos primrios ou servios (...) ou, como no Cone Sul da Amrica

    Latina com uma mudana sbita na poltica econmica.

    Por fim, o ltimo elemento a ressaltar acerca das consequncias da

    desindustrializao. Rowthorn e Wells (1987) fazem distino entre desindustrializao

    positiva e desindustrializao negativa, quando associado a elementos que configuram

    a naturalidade do processo. Em se tratando de economias em situao de pleno emprego

    e bem desenvolvidas, a desindustrializao positiva, pois resultado de um significativo

    aumento da produtividade do setor industrial, de tal modo que o emprego se reduz, em

    termos absolutos ou relativos. Apesar disso, no ocorre necessariamente um aumento no

    desemprego, uma vez que o setor de servios absorve essa mo de obra. Nas palavras dos

    autores,

    Paradoxalmente, esse tipo de desindustrializao um sintoma do sucesso

    econmico. Ela no um fenmeno patolgico, como muitos acreditam, mas

    um resultado normal do dinamismo industrial em qualquer economia

    altamente desenvolvida. Durante o processo, a indstria permanece

    internacionalmente competitiva, a renda per capita aumenta e a economia

    permanece no pleno emprego. Por essas razes, a desindustrializao positiva

    ocorre somente em economias altamente desenvolvidas. Ela no observada

    em economias menos desenvolvidas, em que o dinamismo industrial

    normalmente acompanhado pelo aumento da participao da manufatura no

    emprego total (Rowthorn; Wells, 1987, p. 5-6, traduo nossa).

    A desindustrializao, nesse caso, pode ser considerada positiva, pois a prpria

    conjuntura econmica permite essa classificao. Em geral, ela ocorreu em pases cujo

    nvel de desenvolvimento se encontrava em patamar bastante avanado, com renda per

    capita elevada e que, apesar de ter seu crescimento desacelerado, continua apresentando

    avanos.

    J a desindustrializao dita negativa pode ocorrer em qualquer etapa do

    desenvolvimento, em que, por algum motivo, haja uma falha econmica que implique em

    dificuldades para o setor industrial. Sendo assim,

    Sob tais circunstncias, o trabalho eliminado a partir do setor manufatureiro

    por causa da falha da produo ou maior produtividade no ser reabsorvido

    no setor de servios. Portanto, o desemprego aumentar. Assim, a

    desindustrializao negativa est associada a uma renda real estagnada e ao

    aumento do desemprego (Rowthorn; Wells, 1987, p. 6, traduo nossa).

    Apesar disso, a desindustrializao entendida como um processo natural recebeu

    crticas, a exemplo de Coriat (1989). Segundo o autor, seria possvel evitar a

    desindustrializao por meio da atuao do governo, uma vez que, dentre os pases

  • 27

    desenvolvidos, alguns desindustrializaram-se mais e outros menos. Diante disso,

    possvel inferir que certos pases so capazes de controlar o processo por meio de polticas

    industriais. Considera-se importante conferir maior ateno essa perspectiv. Coriat

    (1989, p. 37), por sua vez, afirma que uma economia apresenta desindustrializao

    somente se houver a conjuno, ao mesmo tempo, de trs fenmenos que impactem

    emprego, produo e deteriorao das contas externas.

    Conforme exposto at aqui, o processo de desindustrializao complexo. Ainda

    que diversos autores tenham se dedicado a entend-lo, no h um consenso evidente,

    apesar de as abordagens se aproximarem em alguns aspectos. O debate ainda pode se

    tornar demasiadamente ideolgico. Economistas ditos ortodoxos, ou neoclssicos,

    tendem a olhar para a questo com uma viso mais ctica e, em geral, propagam duas

    opinies: (i) a tendncia desindustrializao um fenmeno mundial; (ii) a

    desindustrializao o resultado emprico da teoria das vantagens comparativas, atravs

    da qual os pases especializam-se na produo de determinados bens aos quais esto mais

    aptos. Os economistas heterodoxos, por sua vez, identificam um ponto de convergncia

    entre crescimento e a atividade econmica desenvolvida pelos pases. De uma maneira

    geral, essa diversidade est presente tambm no debate nacional sobre a

    desindustrializao, como veremos a seguir.

    3.2. Estudos sobre a desindustrializao no Brasil

    A desindustrializao, apesar de tema relevante no contexto das discusses sobre

    economia e desenvolvimento, pode ser considerada pouco debatida nacionalmente.

    Alguns especialistas, sobretudo da rea econmica, esforaram-se em explicar este

    processo, que se instalou no Brasil em meados da dcada de 1980. Em termos tericos,

    possvel fazer duas inferncias: h um consenso tcito de que a desindustrializao ocorra,

    de fato, no Brasil; no entanto, os autores divergem na atribuio de suas causas, bem

    como nos indicadores utilizadas para a sua constatao. Com o intuito de avanar o

    debate, considera-se necessrio apresentar a discusso corrente no mbito nacional.

    Na seo anterior, foi apresentada a base conceitual e terica dos estudos

    internacionais que servem de alicerce tambm ao desenvolvimento do pensamento

    nacional sobre o tema da desindustrializao. Com base nestes trabalhos sobre as

    economias desenvolvidas, os autores brasileiros tendem a percorrer o mesmo caminho, a

  • 28

    fim de verificar a existncia do referido processo no Brasil. Nas produes nacionais, h

    um predomnio das anlises atravs das variveis emprego e produo, em sua maioria

    fazendo uso de ambos os indicadores. Estes estudos so encontrados nas publicaes de

    Marquetti (2002); Bonelli (2005); Feij, Carvalho e Almeida (2005), Bresser-Pereira

    (2008, 2011); Oreiro e Feij (2010); Oreiro e Marconi (2012); Bacha e Bolle (2013)12.

    Tanto Marquetti (2002) quanto Bonelli (2005) constataram a desindustrializao

    no Brasil no perodo de 1980 a 1990, observando a reduo da participao industrial no

    total do PIB. Para Marquetti (2002), a falta de investimentos no setor industrial brasileiro

    ocasionou a desindustrializao no perodo referenciado. Bonelli (2005), por sua vez,

    identificou como causa a abertura comercial e as mudanas institucionais implementadas

    j no final da dcada de 1980, e intensificadas na dcada de 1990. Neste ponto, a

    abordagem de Bonelli se aproxima das explicaes de Palma (2005), que tambm aponta

    as alteraes na poltica econmica no mesmo perodo como causadoras da

    desindustrializao em alguns pases da Amrica Latina.

    Feij et. al (2005) tambm identificam um retrocesso significativo da indstria no

    PIB brasileiro tica da produo. Porm, ao contrrio do que sugere Palma (2005), para

    os autores, esse atraso teria se iniciado anteriormente s polticas econmicas e abertura

    comercial dos anos 1990, sendo fruto das tentativas de controle da hiperinflao dos anos

    1980. Os autores afirmam tambm que, com a abertura comercial dos anos 1990, seria

    natural ao processo em si que a estrutura industrial sofresse modificaes. No entanto,

    esses efeitos poderiam ter sido controlados por meio de uma poltica industrial e polticas

    de ajuste cambial, caso fosse a inteno do governo incentivar o setor em questo.

    A reduo de 12% do peso da indstria no PIB durante o perodo de 1986 a 199813

    indicaria, segundo Feij et al (2005), um claro processo de desindustrializao. No

    entanto, os autores destacam tambm o carter diversificado da indstria nacional. Por

    este motivo, no se observaria uma desindustrializao irreparvel, sendo, portanto,

    uma desindustrializao relativa. Nesse contexto, os autores identificam ainda outras

    duas possibilidades de desindustrializao relativa: (i) a proveniente da incapacidade do

    pas de acompanhar a evoluo da indstria e dos servios como outros pases fizeram;

    (ii) o setor que poderia substituir a indstria nesse cenrio de perda de participao

    12 Evidentemente, h outros autores que trabalham a questo da desindustrializao no Brasil, sendo estes,

    no entanto, os mais proeminentes no debate. 13 De 32,8% do PIB em 1986 para 19,7% em 1998 (FEIJ et al, 2005, p. 1).

  • 29

    crescente - por exemplo, em servios - no foi capaz de impactar a economia de uma

    maneira positiva e dinmica.

    Bresser-Pereira e Marconi (2008), Oreiro e Feij (2010) e Oreiro e Marconi

    (2012) falam de desindustrializao no Brasil por meio da doena holandesa. Para os

    referidos autores, a apreciao cambial vivida a partir de 2003, resultou em significativa

    reduo dos saldos comerciais, em conjunto com o aumento das importaes. Isso se

    explica pelo fato de que nos pases atingidos pela doena holandesa, a taxa de cmbio

    tenderia a uma apreciao cclica.

    Na opinio dos autores, este processo ocorre no Brasil devido maldio dos

    recursos naturais14. A abundncia de tais recursos no territrio brasileiro faz com que o

    agronegcio seja muito atrativo. Em decorrncia dessa escolha, a apreciao artificial do

    cmbio a um patamar elevado mina a competitividade dos bens industriais

    comercializveis internacionalmente. Sendo assim, os autores sugerem que os pases

    neutralizem a doena holandesa, por meio de um imposto sobre a exportao de

    commodities, o que equalizaria o preo ao dos demais bens e servios (Bresser-Pereira;

    Marconi; Oreiro, 2013, p. 11).

    Na medida que os estudos se concentram em sua maior parte na questo da doena

    holandesa, h estudiosos que acreditam que o problema no a indstria em si, mas uma

    combinao de fatores que criam um cenrio desfavorvel ao setor. Jos Alexandre

    Scheinkman, em publicao ao portal Folha de So Paulo15, acredita em outros males

    nacionais para o problema da desindustrializao como, por exemplo, a ausncia de

    polticas adequadas voltadas para a rea de tecnologia e inovao, os obstculos

    ocasionados pela prpria degradao da infraestrutura ou a carga tributria.

    Cano (2010), Lara (2011), Marconi (2011), Marconi; Rocha (2012) apresentam

    anlises convergentes, uma vez que a apreciao cambial entendida como a principal

    causa da perda de participao industrial no Brasil. Os autores no chegam a falar em

    doena holandesa oriunda desse processo, porm destacam a necessidade de se tomar

    decises acerca dos efeitos provocados pelo cmbio, quando estendidos por um longo

    perodo. J Nakahodo e Jank (2006, p. 15) so cautelosos na caracterizao do processo

    de desindustrializao por meio da doena holandesa, pois, na opinio dos autores, falar

    14 FOLHA DE SP (2005). Bresser-Pereira; Maldio dos recursos naturais. Disponvel em:

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0606200505.htm. Acesso em: 29 de nov. 2014. 15 FOLHA DE SP (2006). Scheinkman; A doena holandesa e os males do Brasil. Disponvel em:

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1202200602.htm. Acesso em: 02 de dez. 2014.

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0606200505.htmhttp://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1202200602.htm

  • 30

    simplesmente em aumento da exportao de commodities, por exemplo, no deveria

    significar necessariamente desindustrializar.

    Segundo os dois autores, produzir commodities pode tambm consistir em uma

    forma de atividade industrial, por envolver atividades tecnologicamente mais complexas

    do que apenas a extrao de recursos naturais. Por esse motivo, detectar a

    desindustrializao a partir das mudanas na estrutura exportadora do Brasil no parece

    ser a metodologia mais adequada para entender tanto a situao atual do comrcio exterior

    brasileiro, quanto o declnio do setor industrial do pas.

    Cunha et al. (2013) apresentam uma anlise que testa a hiptese da

    desindustrializao induzida pelo comrcio internacional. Sobre isso, os autores tecem as

    seguintes concluses: (i) o direcionamento da produo industrial para o mercado interno

    criou um cenrio de deteriorao da balana comercial; (ii) no h evidncias suficientes

    de que o processo de desindustrializao no Brasil seja sustentado pelo comrcio exterior.

    A anlise dos autores converge com os estudos de Oreiro e Feij (2010), Bresser-Pereira

    (2010), Feij e Lamonica (2012), que apontam a doena holandesa como a principal causa

    da desindustrializao no Brasil. No entanto, Cunha et al. (2013, p. 483) reconhecem o

    risco de agravamento do processo por meio do comrcio internacional. Alm disso, os

    autores indicam que o estudo no esgota o tema desindustrializao e comrcio exterior.

    Para finalizar a exposio do debate sobre o tema da desindustrializao,

    necessrio reconhecer a ausncia de um consenso acerca da sua ocorrncia. Ainda que as

    teses contrrias desindustrializao no Brasil sejam poucas, importante atentar para o

    fato de que elas existem. Este fato atesta o tom diversificado do debate e tambm a sua

    complexidade. No curso das investigaes sobre este processo, h autores que defendem

    a tese de que o pas no se desindustrializou. Por este motivo, o debate nacional

    inconclusivo.

    Os estudos de Nassif (2008) permitiram concluir que o comportamento instvel

    da produtividade e o baixo investimento no perodo aps 1990 impediram a indstria de

    recuperar os nveis de participao observados at os anos 1980. No entanto, esta

    informao apenas no permite caracterizar o perodo que se estendeu de 1990 at hoje

    como de desindustrializao. Na opinio do autor, ainda que o crescimento anual do setor

    industrial no PIB tenha sido abaixo do esperado, o nvel mdio anual se manteve em torno

    de 22%, sendo, portanto, o mesmo valor observado nos anos 1990.

    Nassif (2008, p. 74) resiste em identificar a doena holandesa no pas, pois na

    viso do autor no houve uma realocao generalizada de fatores produtivos da

  • 31

    indstria de transformao para outros setores de tecnologias baseadas em recursos

    naturais. Alm disso, na opinio do autor, no possvel afirmar tambm que houve uma

    alterao significativa na especializao brasileira em termos de exportao que

    caracterize um retorno pauta primria. Nassif identifica uma reduo de 72% para 67%

    no perodo entre 1989 e 2005 na participao dos bens primrios.

    Oreiro e Marconi (2012, p. 19), por sua vez, apresentam dez teses defendidas pela

    ortodoxia, citando especialmente, Pessoa (2011); Ferreira e Fragelli (2012), que negam a

    existncia da desindustrializao no Brasil. Resumidamente, os autores rebatem tais teses,

    concluindo que: (i) a participao da indstria no PIB cai desde a dcada de 1970; (ii)

    esta queda na participao da indstria vem acompanhada da reprimarizao da pauta de

    exportaes; (iii) trata-se de um processo precoce, iniciado a um nvel de renda per capita

    abaixo dos pases desenvolvidos que se desindustrializados; (iv) h indcios de relacionar-

    se sobrevalorizao da taxa de cmbio; (v) a sobrevalorizao cambial implica em perda

    de competitividade. Ademais, o emprego manufatureiro em relao ao emprego total no

    se alterou no perodo 1995-2008, alm de contar com pouco investimento no setor, diante

    da situao de cmbio valorizado.

    Sonaglio et al. (2010), observaram que a pauta de exportaes sofreu

    modificaes no perodo de 1996 a 2008, porm destacam que tal mudana no

    estrutural, no sendo possvel, portanto, falar em doena holandesa. No entanto,

    reconhecem uma retrao nos setores industriais de baixa e alta intensidade tecnolgica

    e manuteno da participao dos setores de mdia-baixa e mdia-alta tecnologias. Os

    autores falam de um processo em trnsito e o que caracterizar a ocorrncia de fato de

    um processo de desindustrializao ser o seu carter permanente.

    Como visto at aqui, o debate sobre a desindustrializao profcuo e complexo.

    No captulo seguinte, ser esboado um breve panorama da desindustrializao no Brasil

    no perodo 2003-2013, a partir das variveis propostas nas diversas teorias aqui

    apresentadas. Posteriormente, o foco ser deslocado para a perspectiva do comrcio

    internacional, a fim de oferecer algumas consideraes acerca da poltica comercial,

    enquanto instrumento prtico para se reverter os efeitos da desindustrializao em uma

    economia em desenvolvimento.

  • 32

    4. POLTICA COMERCIAL E DESINDUSTRIALIZAO

    Neste captulo, interessa fazer um ensaio inicial sobre at que ponto a poltica

    comercial pode ser til e efetiva como resposta ao processo de desindustrializao de uma

    economia. O conceito de poltica comercial a define como instrumento macroeconmico,

    que atua em conjunto com as demais polticas fiscal, cambial e monetria. Atravs da

    poltica comercial, possvel integrar um pas com outros, por meio de acordos e

    negociaes internacionais, ou proteger o mercado interno da concorrncia externa. ,

    portanto, um determinante direto dos resultados comerciais de um pas, assim como do

    bem estar de seus consumidores. Tendo em vista a importncia da poltica comercial na

    economia e no desempenho do setor industrial, a discusso aqui proposta pode trazer

    novos elementos reflexo sobre o tema da desindustrializao.

    A economia poltica j se dedicou ao estudo dos determinantes da poltica

    comercial. A teoria da proteo endgena avalia a organizao dos grupos de interesse

    para influenciar politicamente as decises do governo (lado da demanda), mas tambm a

    concesso de benefcios pelos governos (lado da oferta). De acordo com Hillman (1982),

    a viso clssica sobre a deciso do governo de proteger indstrias influenciada pela

    ideia de justia social. O autor, por sua vez, apresenta outra possibilidade, pela qual a

    proteo de uma indstria acontece quando o governo busca defender seus prprios

    interesses, isto , para maximizar apoio poltico. Em outras palavras, o nvel de proteo

    conferido a uma indstria que compete com importaes resultante da competio

    poltica entre os agentes da economia, sendo que o governo toma a deciso de retardar o

    declnio com base no peso poltico dessa indstria.

    A concluso de Hillman (1982) sobre a proteo politicamente motivada de

    indstrias declinantes que ela no impede o declnio de uma indstria que naturalmente

    declinaria, em decorrncia de alteraes nas vantagens comparativas, porque a proteo

    atrela a indstria endogenamente ao preo internacional. Desse modo, alteraes na

    proteo no logram reverter o processo de declnio da indstria, se no houver um

    entendimento comum das indstrias acerca do comportamento das autoridades.

    Magee et alii (1989), ao estudar a hiptese de Heckscher-Ohlin/Stolper-

    Samuelson (H-O/S-S), afirma que, sob este modelo, a atividade de lobby corresponde

    intensidade dos fatores de produo utilizados por um setor, isto , a relao trabalho vs.

    capital vs. terra. No modelo Ricardo-Viner (R-V), por outro lado, o lobby influenciado

    pela orientao da indstria, isto , se competidora com importaes ou orientada para

  • 33

    exportaes. Outra abordagem a do eleitor mediano, pela qual a opinio da maioria

    influencia no desenvolvimento de polticas pblicas pelo governo.

    O modelo de Grossman e Helpman (1994) complementa o pensamento ao afirmar

    que o padro da proteo conecta-se com o nvel de organizao da prpria indstria ou

    da concorrncia industrial. As implicaes disso para as indstrias que se organizam so

    que: (i) tarifas deveriam ser aplicadas para indstrias com baixa penetrao de

    importaes, de modo que beneficie as firmas domsticas e os trabalhadores,

    maximizando as contribuies; (ii) no entanto, para muitas indstrias, os aumentos nas

    tarifas e as barreiras no-tarifarias so associadas ao aumento da penetrao das

    importaes para indstrias que no se organizaram.

    Hausmann e Rodrik (2003) refutam o argumento do modelo neoclssico de

    crescimento econmico, calcado na ideia de que pases pobres no conseguem atingir o

    desenvolvimento em razo de duas patologias: o fechamento das economias e a

    corrupo. Na viso ortodoxa, rejeitada pelo autor, o caminho do desenvolvimento seria

    retomado atravs de boas instituies de governana e enforcement, como tambm por

    meio da abertura econmica.

    Chang (2004) sugere que os pases desenvolvidos, que hoje pressionam os pases

    em desenvolvimento para adotarem boas prticas, em termos de polticas e instituies16,

    no passado se utilizaram das mesmas polticas e instituies que condenam atualmente.

    Isto , Chang (2004, p. 13) afirma que os pases desenvolvidos no teriam atingido essa

    categoria se tivessem feito uso das boas instituies e polticas que recomendam s

    demais naes. Estariam, portanto, chutando a escada do desenvolvimento, para se

    manterem na condio de lderes do sistema internacional.

    Sobre isso, Hausmann e Rodrik (2003, p. 2) tambm destacam que os pases da

    Amrica Latina jamais repetiram as taxas de crescimento apresentadas nos anos

    anteriores dcada de 1990 e que, a partir da implementao das medidas propostas pelo

    Consenso de Washington, o crescimento desses pases foi afetado negativamente. Apesar

    disso, pases como Coreia do Sul, China e Taiwan, apesar de estimularem as exportaes,

    fizeram uso de protecionismo e de polticas industriais para manter a atividade do setor

    industrial.

    16 O autor define como boas instituies o Judicirio independente, proteo aos direitos de propriedade

    privada, governana empresarial transparente, instituies financeiras, como por exemplo, banco central

    independente (p. 12).

  • 34

    Na dcada de 1990, o Brasil, ao constatar-se margem do processo de

    globalizao, rompeu com o modelo desenvolvimentista, adotado mais intensivamente a

    partir de 1950 at o final dos anos 1980, e buscou iniciar um novo ciclo do capitalismo.

    O cenrio anterior a isso era o de crise da dvida externa para os pases latino-americanos,

    agravados pelas duas crises do petrleo, em 1973 e 1979, e de alta inflao no contexto

    domstico. Nesse sentido, foram implementadas diversas alteraes na economia, com

    destaque para a abertura comercial, em decorrncia das reformas neoliberais, e a adoo

    do Plano Real para a estabilizao dos preos. Vale ressaltar que esse movimento em

    direo ao neoliberalismo apenas acompanhou o processo de globalizao da economia

    mundial, resultante das diretrizes acordadas no mbito do Consenso de Washington17.

    Tendo em vista esse contexto de reforma poltica e econmica em curso no pas,

    h autores que identificam a dcada de 1990 como o incio do processo de

    desindustrializao da economia brasileira. Isso se explica pelo fato de que a economia,

    e mais especificamente o setor industrial, no estavam prontos para enfrentar a

    concorrncia das importaes. Se, por um lado, as importaes eram relevantes para o

    sucesso do Plano Real, ao expor o mercado interno concorrncia de preos e, portanto,

    contribuindo para abaix-los, por outro evidenciou o atraso da indstria brasileira,

    sobretudo de menor intensidade tecnolgica, ocasionando o declnio de vrias delas.

    A rpida abertura comercial experimentada pelo Brasil, e outros pases da

    Amrica Latina, ao invs de promover um catch up, isto , uma aproximao das

    estruturas produtivas dos pases em desenvolvimento em relao aos pases

    desenvolvidos, reconduziu essas economias para o caminho da especializao produtiva,

    intensiva em recursos naturais. Nesse contexto, a economia brasileira no logrou

    resultados econmicos e comerciais expressivos, principalmente no que diz respeito

    participao das manufaturas no comrcio brasileiro.

    A retomada do desenvolvimentismo, a partir da eleio de Lula da Silva, apesar

    de dividir opinies entre os que o chamam de novo desenvolvimentismo (Sics, Paula

    e Michel, 2005; Bresser-Pereira, 2006 e 2012) e os que o consideram como uma verso

    do embedded liberalism18, ou liberalismo enraizado (Gonalves, 2012), no

    17 O Consenso de Washington o termo que cunhou o conjunto de recomendaes formuladas em 1989,

    na cidade de Washington, nos Estados Unidos, por um grupo de economistas do FMI, do Banco Mundial e

    do Departamento de Tesouro dos EUA. 18 O conceito de embedded liberalism foi consolidado por John Rugie (1982) e pressupe um modelo de

    liberalismo que congregue livre comrcio, livre circulao de capitais e uma ordem multilateral no sistema

    internacional, com a interveno Estatal e seu perfil regulador (GOLNALVES, 2012).

  • 35

    representou uma ruptura significativa com relao ao modelo anterior. No entanto, cabe

    destacar que a partir de 2005, a valorizao nos preos das commodities e a forte demanda

    internacional por produtos dessa natureza, conferiu maior expresso ao comrcio exterior

    brasileiro. As crticas, no entanto, advm do fato de que o comrcio foi marcado

    justamente pela exportao de bens primrios.

    Defende-se nesta pesquisa, portanto, que o papel da poltica comercial neste

    cenrio de tentativa de reverso do processo de desindustrializao importante. Apesar

    dos esforos em termos de poltica industrial, incentivos exportao, defesa comercial

    e melhoria da competitividade, a atuao do Brasil em negociaes comerciais

    internacionais foi muito abaixo do esperado. Pode-se afirmar que a poltica de comrcio

    exterior esteve mais voltada para o mercado interno, que, de fato, para a esfera

    internacional, culminando no isolamento que o governo ter de superar, caso queira

    desempenhar um perfil mais assertivo no comrcio internacional.

    4.1. Dados sobre a desindustrializao do Brasil no perodo 2003-2013

    Neste ponto da discusso, pertinente reportar alguns dados sobre a

    desindustrializao no Brasil, a fim de contextualizar o cenrio sobre qual se debruar a

    pesquisa nos prximos captulos. Para tanto, partir-se- da proposta terica daqueles que

    advogam pela utilizao de dados referentes a emprego, produtividade e saldo comercial

    em conjunto, a exemplo do que prope Coriat (1989) e Squeff (2012), pois considera-se

    relevante oferecer uma anlise que abarque as diversas variveis que compem esta

    realidade. Sobretudo, importante tambm conferir um olhar mais direcionado ao

    comrcio exterior brasileiro, por dois motivos: em primeiro lugar, o cenrio internacional

    do perodo em questo foi tanto favorvel, quanto negativo, em termos de desempenho

    comercial; em segundo lugar, tendo em vista que a proposta desta pesquisa abordar a

    poltica comercial, importante ter clareza do pano de fundo que permitiu a tomada de

    decises.

    Oreiro e Feij (2010, p. 221) destacam que o conceito ampliado de

    desindustrializao implica em dizer que uma economia no se desindustrializa quando

    a produo industrial est estagnada ou em queda, mas quando o setor industrial perde

    importncia como fonte geradora de empregos e/ou de valor adicionado para uma

  • 36

    determinada economia. Por outro lado, a desindustrializao, quando associada

    reprimarizao da pauta de exportaes, deve ser diferenciada quanto ao valor

    adicionado a ela. Isto , a desindustrializao positiva quando associada ao aumento

    de produtos com maior valor agregado e fator tecnolgico; e negativa, quando orientada

    para as commodities, produtos primrios ou manufaturas com baixo valor agregado, ou

    seja, a desindustrializao causada pela apreciao da taxa real de cmbio resultante da

    descoberta de recursos naturais escassos19.

    Como visto, o emprego industrial uma das principais medidas do desempenho

    de um setor na economia, como tambm uma das mais utilizadas na literatura sobre

    desindustrializao para identificar o processo. As razes para isso, j expostas

    anteriormente, remontam vulnerabilidade que o nvel de emprego provoca em uma

    economia, isto , a reduo do emprego pode gerar tenses sociais. No Brasil, em termos

    da evoluo do emprego formal, os dados do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE),

    apresentados na Relao Anual de Informaes Sociais (RAIS), informam que a perda de

    participao da indstria de transformao na economia reflete-se na gerao de

    empregos.

    O Grfico 1 representa a evoluo do emprego formal no setor industrial (saldo

    em postos de trabalho), por meio do qual possvel visualizar uma movimentao

    significativa dos dados.

    Grfico 1 - Evoluo do emprego formal no setor de Indstria

    de Transformao (2002-2013)

    Fonte: RAIS/MTE20 srie ajustada. Elaborao prpria.

    19 Op. Cit., p. 222 20 A Relao Anual de Informaes Sociais RAIS, uma coleta de dados realizada pelo Ministrio do

    Trabalho e Emprego MTE. A RAIS representa um panorama anual do mercado de trabalho, sendo

    indicada para o monitoramento do mercado de trabalho estrutural. Fonte: Ministrio da Fazenda.

    189.746154.482

    545.665

    219.330

    289.619

    442.884

    200.405

    51.362

    554.316

    224.409

    88.983144.411

    0

    100.000

    200.000

    300.000

    400.000

    500.000

    600.000

    2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

  • 37

    J o Grfico 2 apresenta a evoluo do emprego formal comparativamente entre

    os setores industrial, de servios e agricultura. possvel observar uma participao

    significativa de postos de trabalho no setor de servios

    Grfico 2 Evoluo do emprego formal nos setores de Indstria,

    Servios e Agricultura (2002-2013)

    Fonte: RAIS/MTE srie ajustada. Elaborao prpria.

    A produo industrial tambm um referencial importante do nvel de atividade

    econmica de um pas. Com relao participao da indstria no PIB do Brasil, o

    Grfico 3 permite avaliar a evoluo desta participao no perodo 1947-2014.

    Grfico 3 - Evoluo da participao da indstria de transformao no PIB

    em % (1947-2014)

    Fonte: IBGE, Metodologia: Bonelli & Pessoa, 2010. Elaborao com base na

    publicao do DEPECON/FIESP.

    -200.000

    0

    200.000

    400.000

    600.000

    800.000

    1.000.000

    1.200.000

    2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

    Indstria de Transformao Servios Agricultura

    11,913,2

    16,7 16,3

    19,921,6

    17,516,4 16,9

    13,9

    10,9

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    1947 1956 1961 1964 1979 1985 1990 1995 2003 2011 2014

  • 38

    evidente que no perodo compreendido entre os anos de 1970 a 1985, momento

    em que foram feitos investimentos em infraestrutura e de crescimento acelerado da

    economia, o setor industrial viveu o seu apogeu. Diversos estudos apontam que a abertura

    econmica, implementada sobretudo a partir dos anos 1990, foi a grande responsvel pela

    crise da produtividade da indstria. Como possvel observar atravs do grfico acima,

    a partir de ento a participao industrial no PIB foi decrescente, atingindo em 2013

    10,9% - uma porcentagem menor que a apresentada em 1947 de 11,9%. Segundo dados

    do SCN/IBGE, a participao industrial no PIB apresentou a maior taxa dentro da srie

    histrica no ano de 1985, de 35,8%. No ano em que foi implantado o Plano Real, em

    1994, esta taxa foi de 26,7%. J em 1995, a taxa caiu para 18,6%.

    O Brasil implementou algumas importantes reformas durante os anos 1990,

    rompendo at mesmo com a estratgia de desenvolvimento adotada desde os anos 1930.

    Com essas mudanas, o papel do Estado foi reduzido, atravs da privatizao de estatais

    e a implementao de uma nova estratgia de liberalizao comercial, em que marcou-se

    uma nova etapa de abertura econmica e acirramento da competitividade. Atravs de

    novas medidas, foi capaz ainda de controlar a inflao e aumentar os investimentos

    direcionados ao pas.

    Os resultados dessas alteraes so controversos e bastante discutidos pela

    literatura especializada. Se em determinadas reas a nova estratgia de insero do Estado

    brasileiro foi bem sucedida, em outras os efeitos foram mais desfavorveis. Dentre eles,

    destaca-se o setor industrial. A abertura comercial implicou em reduo do trabalho por

    unidade de produo, elevando a produtividade, atravs de novas modalidades de

    gerenciamento e modernizao de tcnicas produtivas. A terceirizao da mo de obra

    tambm operou nesse sentido. Bonelli (2007), ao avaliar este contexto, fala em indstria

    sobrevivente. Alm disso, houve maior exposio dos produtos nacionais competio

    externa.

    Por outro lado, o acesso inovao e insumos de melhor qualidade, os

    investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e os ganhos de escala com vistas

    exportao foram algumas das vantagens trazidas pela abertura comercial e que

    poderiam ajudar a reverter o cenrio. Hausmann e Rodrik (2003) destacam, contudo, que

    abertura comercial e reformas institucionais operaram no sentido de descartar as firmas

    que no eram saudveis, e foraram a especializao produtiva nos pases da Amrica

    Latina. Isto significa dizer que abertura comercial e boas instituies no foram

  • 39

    suficientes para reacender os investimentos em setores no-tradicionais e o

    empreendedorismo.

    O risco da desindustrializao uma questo cuja origem no to recente no

    caso brasileiro. A Federao das Indstrias do Estado de So Paulo (FIESP), em

    publicao de agosto de 201321, aponta o ano de 1985 como seu ponto de partida. Entre

    1970 e 1980, a participao dos produtos manu