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Tópicos de Matemática Discreta · Capítulo 1 O Cálculo de Diferenças Finitas 1.1 Introdução O Cálculo de Diferenças Finitas ou Cálculo Natural é o análogo discreto ao

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Tópicos de Matemática Discreta

Paulo Sérgio Costa Lino

A minha esposa Juscileia e ao meu �lho Gabriel

Prefácio

"O mundo é cada vez mais dominado pela Matemática".

A. F. Rimbaud

Este texto foi elaborado aos poucos através das publicações mensais no

blog Fatos Matemáticos, em que buscou evitar o máximo possível as técnicas

e o formalismo matemático, priorizando as ideias, os relatos e as curiosidades

destes grandes homens.

Lavras, julho de 2012

Paulo Sérgio Costa Lino

Sumário

1 O Cálculo de Diferenças Finitas 7

1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

1.2 De�nição e Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

1.3 O Polinômio Fatorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

1.4 O Operador Antidiferença . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

1.5 O Teorema Fundamental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

2 Equações de Recorrências 25

3 A Transformada Discreta de Laplace 26

3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

3.2 Conceitos e Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

3.3 O Produto Convolutivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

3.4 A TDDL de Algumas Sequências Elementares . . . . . . . . . . 37

3.5 Relação Entre a Transformada de Laplace e a TDDL . . . . . . 38

3.6 Somatórios Através da Transf. Discreta de Laplace . . . . . . . 40

3.7 A Transformada Discreta Inversa de Laplace (TDIL) . . . . . . 42

3.8 A Sequência Delta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

3.9 Equações e Sistemas de Diferenças Finitas Lineares Através da

TDL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

3.9.1 Equações de Diferenças Finitas Lineares

Não-Homogêneas de Primeira Ordem de

Coe�cientes Constantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

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3.9.2 Equações de Diferenças Finitas Lineares

de Segunda Ordem de Coe�cientes Constantes . . . . . . 59

3.9.3 Equações de Diferenças Finitas Lineares

de Segunda Ordem Não-Homogênea . . . . . . . . . . . . 64

3.9.4 Equações de Diferença do Tipo Volterra . . . . . . . . . 65

3.9.5 Sistemas de Equações de Diferenças Finitas

Lineares de Primeira Ordem . . . . . . . . . . . . . . . . 65

3.10 Exercícios Propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

4 Funções Geradoras 68

4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

4.2 Conceitos e Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

4.3 A Notação Operacional G . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

4.4 Os Números de Stirling do Segundo Tipo . . . . . . . . . . . . . 76

4.5 A Notação Operacional G−1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

4.6 Exercícios Propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

5 Técnicas Para o Cálculo Somatórios 78

5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

5.2 Conceitos e Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

5.3 Somatórios Através do Teorema das Colunas . . . . . . . . . . . 80

5.4 A Técnica de Soma Por Partes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

5.5 A Notação de Iverson Para Somatórios . . . . . . . . . . . . . . 85

5.6 Usando Derivadas Para Calcular Somatórios . . . . . . . . . . . 88

5.7 Usando Integrais Para Calcular Somatórios . . . . . . . . . . . . 91

5.7.1 Uma Identidade Entre Séries e Integrais . . . . . . . . . 92

5.8 Somatórios Através das Funções Beta e Gama . . . . . . . . . . 94

5.9 Somatórios Através da Transformada de Laplace . . . . . . . . . 99

5.10 Somatórios Através das Funções Geradoras . . . . . . . . . . . . 103

5.11 Exercícios Propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104

6 Apêndices 107

6.1 A Hipótese de Riemann: Um Problema de um Milhão de Dólares107

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6.1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107

6.1.2 A Função Zeta de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

6.1.3 O Teorema dos Números Primos . . . . . . . . . . . . . . 116

6.1.4 A Função Zeta de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . 118

6.1.5 A Conjectura ou Hipótese de Riemann . . . . . . . . . . 120

6.1.6 Problemas Relacionados . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122

6.2 Explorando a Torre de Hanói . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125

6

Capítulo 1

O Cálculo de Diferenças Finitas

1.1 Introdução

O Cálculo de Diferenças Finitas ou Cálculo Natural é o análogo discreto ao

familiar Cálculo Diferencial e Integral. Historicamente, Brook Taylor (1685−1731) foi pioneiro nesta área extraindo muitas analogias entre seu cálculo �nito

e o cálculo ordinário, publicando seus resultados na obra Methodus Incremen-

torum Directa e Inversa.

1.2 De�nição e Propriedades

De�nição 1.1 Dada a função real f , o operador diferença de f em x ∈ Rcom passo h é de�nido por:

∆0hf(x) = If(x) = f(x)

∆1hf(x) = ∆hf(x) = f(x+ h)− f(x)

∆nhxn = ∆(∆n−1f(x+ h)), n > 1

Nestas notas, adotaremos h = 1 e quando necessário, restringiremos o domínio

de f ao conjunto dos naturais, denotando f(n) por x(n) ou xn.

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De�nição 1.2 Dada a sequência f(x), o operador translação E é de�nido

por:

Ef(x) = f(x+ 1)

Proposição 1.1 Se p ∈ N∗, então

Epf(x) = f(x+ p) (1.1)

Demonstração: Para p = 1, o resultado segue da Def.(1.2). Suponhamos

que (1.1) seja válida e provaremos sua validade para p+ 1. De fato,

Ep+1f(x) = E(Epf(x)) = Ef(x+ p) = f(x+ p+ 1)

Proposição 1.2 Os operadores ∆ e E são lineares, ou seja,

i) ∆[af(x) + bg(x)] = a∆f(x) + b∆g(x), ∀a, b ∈ R;

ii) E[af(x) + bg(x)] = aEf(x) + bEg(x), ∀a, b ∈ R.

Demonstração:

i)

∆[af(x) + bg(x)] = [af(x+ 1) + bg(x+ 1)− (af(x) + bg(x))]

= a[f(x+ 1)− f(x)] + b[g(x+ 1)− g(x)]

= a∆f(x) + b∆g(x)

ii) Análogo ao item anterior.

Exemplo 1.1 Calcule a derivada �nita das sequências abaixo:

a) an = k;

b) bn = (−1)n;

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c) cn = n!;

d) xn = sin2

(nπ

2

).

Resolução:

a) ∆an = an+1 − an = k − k = 0;

b) ∆bn = (−1)n+1 − (−1)n = −(−1)n − (−1)n = −2(−1)n;

c) ∆cn = cn+1 − cn = (n+ 1)!− n! = (n+ 1)n!− n! = nn!;

d) Da de�nição de derivada �nita, temos:

∆xn = xn+1 − xn = sin2

[(n+ 1)

π

2

]− sin2

(nπ

2

)= sin2

(nπ

2+

π

2

)− sin2

(nπ

2

)=

1− cos(nπ + π)

2− 1− cos(nπ)

2= cos(nπ) = (−1)n

Proposição 1.3 Sejam xn e yn duas sequências reais. Então:

i) ∆(xnyn) = ∆xnEyn + xn∆yn;

ii) ∆

(xn

yn

)=

∆xnyn − xn∆ynynEyn

.

Demonstração:

i) De fato,

∆(xn · yn) = xn+1yn+1 − xnyn = xn+1yn+1 − xnyn+1 + xnyn+1 − xnyn

= (xn+1 − xn)yn+1 + xn(yn+1 − yn) = yn+1∆xn + xn∆yn

= Eyn∆xn + xn∆yn

ii) De fato,

(xn

yn

)=

xn+1

yn+1

− xn

yn=

xn+1yn − xnyn + xnyn − xnyn+1

yn+1yn

=(xn+1 − xn)yn − xn(yn+1 − yn)

ynyn+1

=yn∆xn − xn∆yn

ynEyn

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Exemplo 1.2 Use a Prop. (1.3) e a propriedade de linearidade do operador

∆ e calcule:

a) ∆(n · 2n)

b) ∆(1 + n+ n2)

c) ∆

[4n(n+ 1)

2n

]Resolução:

a)

∆(n · 2n) = ∆n · 2n+1 + n ·∆2n = 2n+1 + n(2n+1 − 2n)

= 2 · 2n + n(2 · 2n − 2n) = 2 · 2n + n · 2n = (n+ 2)2n

b)

∆(1 + n+ n2) = ∆1 +∆n+∆n2 = 1 + (n+ 1)2 − n2 = 2n+ 2

c) Seja xn = 4n(n+ 1). Assim,

∆xn = 4∆[n(n+ 1)] = 4∆(n2 + n)

= 4[(n+ 1)2 + (n+ 1)− n2 − n] = 8n+ 4

Se yn = 2n, então ∆yn = 2n. Assim,

(ynxn

)=

(8n+ 4)2n − 4n(n+ 1)2n

2n · 2n+1=

−n2 + n+ 1

2n+1

Proposição 1.4 Se ∆ é o operador diferença, então

( n−1∑k=n0

xk

)= xn

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Demonstração: De fato,

( n−1∑k=n0

xk

)=

n∑k=n0

xk −n−1∑k=n0

xk = xn +n−1∑k=n0

xk −n−1∑k=n0

xk = xn

De�nição 1.3 Sejam α ∈ R e p ∈ N. O coe�ciente binomial(αp

)é de�nido

por (α

p

)=

1, se p = 0α(α− 1) . . . (α− k + 1)

p!, se p > 0

No caso em que α = n ∈ N, temos:

(n

p

)=

0, se p > nn!

p!(n− p)!se 0 ≤ p ≤ n

Proposição 1.5 Se(np

)é o coe�ciente binomial.

i) Então

(n

p

)=

(n

p− 1

)ii) Vale a relação de Stifel:(

n

p− 1

)+

(n

p

)=

(n+ 1

p

)Demonstração:

i) De fato,

(n

p

)= ∆

(n(p)

p!

)=

p

p!· n(p−1) =

n(p−1)

(p− 1)!=

(n

p− 1

)ii) Segue imediatamente do item anterior.

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Proposição 1.6 Para a função f(x) e n ∈ N, temos:

f(x+ n) =n∑

k=0

(n

k

)∆kf(x) (1.2)

Em particular, se ∆(m)f(n) é uma constante não-nula para todo n ∈ N, então

f(n) =m∑k=0

(n

k

)∆kf(0)

Demonstração: Seja I o operador identidade, isto é, Ix = x, de modo que

∆ = E − I e E = ∆+ I. Da Prop. (1.1), segue que

f(x+ n) = Enf(x) = (∆ + I)nf(x) =n∑

k=0

(n

k

)∆kf(x)

Para a segunda parte, fazemos x = 0 em (1.2). Em seguida usamos o fato que

∆m+1f(n) = 0, isto é,

f(n) =n∑

k=0

(n

k

)∆kf(0) =

m∑k=0

(n

k

)∆kf(0) +

m∑k=m+1

(n

k

)∆kf(0)

=m∑k=0

(n

k

)∆kf(0)

�Através da proposição anterior, podemos achar o termo geral de uma se-

quência que possui crescimento polinomial. Para isso, fazemos o esquema de

diferenças abaixo:

x 0 1 2 3 . . .

f(x) f(0) f(1) f(2) f(3) . . .

∆f(x) f(1)− f(0) f(2)− f(1) f(3)− f(2) . . .

∆2f(x) f(2)− 2f(1) + f(0) f(3)− 2f(2) + f(1) . . .

o qual pode ser reescrito como

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x 0 1 2 3 . . .

f(x) f(0) f(1) f(2) f(3) . . .

∆f(x) ∆f(0) ∆f(1) ∆f(2) . . .

∆2f(x) ∆2f(0) ∆2f(1) . . .

Os elementos da segunda coluna são os coe�cientes necessários para achar f(n).

Exemplo 1.3 Ache o enésimo termo da sequência 4, 14, 30, 52, 80, 114, . . . as-

sumindo que ela possui crescimento polinomial.

Resolução: Elaboramos o esquema de diferenças:

x 0 1 2 3 4 . . .

f(x) 4 14 30 52 80 . . .

∆f(x) 10 16 22 28 . . .

∆2f(x) 6 6 6 . . .

Logo,

f(n) =2∑

k=0

(n

k

)∆kf(0) = 4

(n

0

)+ 10

(n

1

)+ 6

(n

2

)= 3n2 + 7n+ 4

Exemplo 1.4 Escreva n2 em função dos coe�cientes binomiais(nk

).

Resolução: Fazemos o esquema de diferenças:

n 0 1 2 3 4 . . .

n2 0 1 4 9 16 . . .

∆n2 1 3 5 7 . . .

∆2n2 2 2 2 . . .

Logo,

n2 =

(n

1

)+ 2

(n

2

)Proposição 1.7 Se ∆ é o operador diferença e E é o operador translação,

então

∆pf(x) = (E − I)pf(x) (1.3)

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Consequentemente,

∆pf(x) =

p∑j=0

(p

j

)(−1)jf(x+ p− j)

Demonstração: Para p = 0, temos ∆0f(x) = If(x) = (E − I)0f(x).

Suponhamos que a expressão (1.3) seja válida e provaremos que

∆p+1f(x) = (E − I)p+1f(x)

De fato,

∆p+1f(x) = ∆(∆pf(x)) = ∆[(E − I)pf(x)]

= (E − I)pf(x+ 1)− (E − I)pf(x)

= (E − I)pEf(x)− (E − I)pIf(x)

= (E − I)p(E − I)f(x) = (E − I)p+1f(x)

Pelo binômio de Newton, temos:

∆pf(x) = (E−I)pf(x) =

p∑j=0

(p

j

)(−1)jEp−jf(x) =

p∑j=0

(p

j

)(−1)jf(x+p−j)

Proposição 1.8 Se

P (E) =k∑

j=0

ajEk−j

é o operador polinomial, sendo E0 = I e k ∈ N, então para b ∈ R+,

P (E)bn = P (b)bn

Demonstração: De fato,

P (E)bn =k∑

j=0

ajEk−jbn =

k∑j=0

ajbn+k−j = bn

k∑j=0

ajbk−j = P (b)bn

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Proposição 1.9 Se P (x) = anxn+an−1x

n−1+ . . .+a1x+a0 é um polinômio,

então

∆nP (x) = ann! e ∆n+kP (x) = 0 para k ≥ 1

sendo constantes reais ak, para k = 0, . . . , n.

Demonstração: Inicialmente, analisaremos a ação do operador ∆ sobre o

termo maior de maior grau anxn. Se n = 0, então

∆0ann0 = I · an = an = an0!

Suponhamos que ∆nanxn = ann!. Provaremos que esta expressão é válida para

n+ 1. De fato,

∆n+1[an+1xn+1] = an+1∆

n∆xn+1 = an+1∆n[(x+ 1)n+1 − xn+1]

= an+1∆n

[n+1∑k=0

(n+ 1

k

)xn+1−k − xn+1

]

= an+1∆n

[n+1∑k=1

(n+ 1

k

)xn+1−k

]

= an+1

n+1∑k=1

(n+ 1

k

)∆(n)xn+1−k

= an+1

[(n+ 1

1

)∆nxn +

n+1∑k=2

(n+ 1

k

)∆nxn+1−k

]= an+1(n+ 1)n! = an+1(n+ 1)!

pois ∆nxk = 0 para 0 ≤ k ≤ n− 1. Logo,

∆nP (x) = ∆n[anxn + an−1x

n−1 + . . .+ a1x+ a0]

= ∆nanxn +∆(n)[an−1x

n−1 + . . .+ a1x+ a0] = ann!

Corolário 1.1 Se n ∈ N, então

n! =n∑

k=0

(−1)n−k

(n

k

)(x+ k)n

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Demonstração: Seja P (x) = xn. Pela proposição anterior, ∆nP (x) =

∆nxn = n!. Logo,

n! = ∆nxn = (E − I)nxn =n∑

k=0

(−1)n−k

(n

k

)Ekxn =

n∑k=0

(−1)n−k

(n

k

)(x+ k)n

1.3 O Polinômio Fatorial

De�nição 1.4 Seja x ∈ R. O k−ésimo polinômio fatorial x(k) é de�nido por:

x(k) = x(x− 1) . . . (x− k + 1), k ∈ Z+

Note que se x = n ∈ Z+ e n ≥ k, então

n(k) =n!

(n− k)!e n(n) = n!

De fato,

n(k) = n(n− 1) . . . (n− k + 1)(n− k)!

(n− k)!=

n!

(n− k)!⇒

n(n) =n!

(n− n)!= n!

Proposição 1.10 Sejam k ∈ Z+ e x ∈ R. Então:

i) ∆x(k) = kx(k−1)

ii) ∆nx(k) = k(k − 1) . . . (k − n+ 1)x(k−n)

iii) ∆kx(k) = k!

Demonstração:

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i) De fato,

∆x(k) = (x+ 1)(k) − x(k)

= (x+ 1)x(x− 1) . . . (x+ 1− k + 1)− x(x− 1) . . .

(x− k + 2)(x− k + 1)

= [x+ 1− (x− k + 1)](x− 1) . . . (x− k + 2)

= kx(x− 1) . . . [x− (k + 1) + 1] = kx(k−1)

ii) Pelo item anterior, para k = 1, temos

∆1x(k) = ∆x(k) = kx(k−1)

Suponhamos que a expressão ii) seja válida e provaremos sua validade

para n+ 1. De fato,

iii) Consequência do item anterior.

Observação 1.1 Do item ii), segue que:

∆nx(k) = k(k − 1) . . . (k − n+ 1)x(k−n)

= k(k − 1) . . . [k − (n− 1)](k − n)!

(k − n)!x(k−n)

=k!

(k − n)!x(k−n)

Exemplo 1.5 Calcule as expressões abaixo:

a) ∆(n(3) + n(2))

b) ∆

(n(3)

2n(2) + 1

)Resolução:

a) De fato,

∆(n(3)+n(2)) = ∆n(3)+∆n(2) = 3n(2)+2n(1) = 3n(n−1)+2n = 3n2−n

17

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b) De fato,

(n(3)

2n(2) + 1

)=

3n(2) · (2n(2) + 1)− 4n · n(3)

(2n(2) + 1) · [2(n+ 1)(2) + 1]=

2n4 + n2 − 3n

4n4 + 1

De�nição 1.5 Para k ∈ Z+, de�nimos

x(−k) =1

x(x+ 1) . . . (x+ k − 1)

com x(0) = 1.

Proposição 1.11 Sejam k ∈ Z+ e x ∈ R. Então:

i) ∆x(−k) = −kx−(k+1)

ii) ∆nx(−k) = −k(−k − 1) . . . (−k − n+ 1)x(−k−n)

Demonstração:

i) De fato,

∆x(−k) =1

(x+ 1) . . . (x+ k − 1)(x+ k)− 1

x(x+ 1) . . . (x+ k − 1)

=1

(x+ 1) . . . (x+ k − 1)

(1

x+ k− 1

x

)= − k

x(x+ 1) . . . (x+ k − 1)(x+ k)= −kx−(k+1)

ii) Segue por indução �nita.

Observação 1.2 Procedendo de forma análoga, é possível mostrar que ∆(ax+

b)(k) = ka(ax+ b)(k−1) para k ∈ Z.

Exemplo 1.6 Calcule as expressões abaixo:

a) ∆

(1

n

)18

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b) ∆[2n(−3)

]Resolução:

a) Usando a proposição anterior, temos:

(1

n

)=

1

n+ 1− 1

n= − 1

n(n+ 1)= −n(−2)

b) De fato,

∆[2n(−3)

]= 2∆n(−3) =

2 · (−3)

n−(3+1)= − 6

n(n+ 1)(n+ 2)(n+ 3)

1.4 O Operador Antidiferença

Assim como a derivada �nita é semelhante a derivada de funções reais, apre-

sentaremos nesta seção a antiderivada �nita o qual é semelhante a integral e

muito útil no cálculo de alguns somatórios.

De�nição 1.6 Se ∆Xn = xn, então a antiderivada �nita ou antidiferença de

xn é Xn + C e representa-se por

∆−1xn = Xn + C, C ∈ R

Note que

∆∆−1xn = ∆(Xn + c) = ∆Xn −∆C = xn

e

∆−1∆Xn = ∆−1xn = Xn + C

de modo que ∆∆−1 = I, mas em geral, ∆−1∆ ̸= I. Portanto os operadores ∆

e ∆−1 não comutam. Da Prop. (1.4), segue que

∆−1xn =n−1∑k=n0

xk + C

Esta expressão é útil para provar a próxima proposição.

19

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Proposição 1.12 O operador ∆−1 é linear.

Demonstração: Precisamos mostrar que para a, b ∈ R,

∆−1[axn + byn] = a∆−1xn + b∆−1yn

De fato,

∆−1[axn + byn] =n−1∑k=n0

[axk + byk] + C =n−1∑k=n0

axk +n−1∑k=n0

byk

= a

n−1∑k=n0

xk + b

n−1∑k=n0

yk = a∆−1xn + b∆−1yn

�Vejamos agora a antidiferença de algumas sequências básicas.

Proposição 1.13 Segue da de�nição de antiderivada �nita e das proposições

anteriores que

i) ∆−1an =an

a− 1+ C, para a ̸= 1

ii) ∆−1(np

)=

(n

p+1

)+ C

iii) ∆−1x(k) =x(k+1)

k + 1+ C, para k ̸= −1

iv) ∆−1 cos(an+ b) =sin(an− a

2+ b)

2 sin(a2)

+ C

v) ∆−1 sin(an+ b) = −cos(an− a

2+ b)

2 sin(a2)

+ C

vi) ∆−n0 = c1xn−1 + c2x

n−2 + . . .+ cn

Demonstração:

i) De fato,

[an

a− 1+ C

]=

an+1

a− 1− an

a− 1=

a · an − an

a− 1= an

20

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

ii) Segue da Prop. (1.5).

iii) Segue das Props. (1.10) e (1.11).

iv) Pela fórmula de Euler, temos

cos(an+ b) + i sin(an+ b) = ei(an+b) = eianeib

Aplicando o operador ∆, obtemos

∆cos(an+ b) + i∆sin(an+ b) = eib∆eian = eib[eia(n+1) − eian]

= eibeian(eia − 1) = eibeian(eia − 1) = 2ieia/2 − e−ia/2

2ieia/2ei(an+b)

= 2i sin

(a

2

)ei(an+a/2+b)

= 2i sin

(a

2

)[cos

(an+

a

2+ b

)+ i sin

(an+

a

2+ b

)]Comparando as partes reais e imaginárias da última igualdade e apli-

cando o operador ∆−1 segue o resultado.

vi) Segue da Prop. (1.9).

Exemplo 1.7 Calcule:

a) ∆−1[3n+ 4(n3

)]

b) ∆−1(−1)n

c) ∆−1(2n+ 1)(2)

Resolução:

a) De fato,

∆−1

[3n+ 4

(n

3

)]= 3∆−1n+ 4∆−1

(n

3

)= 3

(n

2

)+ 4

(n

4

)+ C

21

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

b) Fazendo a = −1 no item i) da Prop. anterior, temos

∆−1(−1)n =(−1)n+1

2+ C

c) Da Obs. (1.2),

∆−1(ax+ b)k =(ax+ b)(k+1)

a(k + 1)+ C

de modo que

∆−1(2n+ 1)(2) =(2n+ 1)(3)

6+ C

1.5 O Teorema Fundamental

Nesta seção, veremos como aplicar a antidiferença �nita no cálculo de so-

matórios.

Teorema 1.1 (Teorema Fundamental) Se ∆Xn = xn em < n comm,n ∈N, então

n−1∑k=m

xk = ∆−1

∣∣∣∣nm

= Xn −Xm

Demonstração: De fato,

n−1∑k=m

xk =n−1∑k=m

∆Xk =n−1∑k=m

(Xk+1 −Xk) =n−1∑k=m

Xk+1 −n−1∑k=m

Xk

=n−2∑k=m

Xk+1 +Xn −n−1∑

k=m+1

Xk −Xm

=n−1∑

j=m+1

Xj −n−1∑

k=m+1

Xk +Xn −Xm = Xn −Xm

= ∆−1xn −∆−1xm = ∆−1xi

∣∣∣∣nm

22

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Exemplo 1.8 Calcule os somatórios abaixo:

a)n∑

k=1

(−1)k

b)n∑

k=1

(2k − 1)

c)n∑

k=1

(−1)kk

Resolução:

a) Usando a letra b) do Exemplo 1.7, temos:

n∑k=1

(−1)k = ∆−1(−1)k∣∣∣∣n+1

1

=(−1)k+1

2

∣∣∣∣n+1

1

=(−1)n+2 − (−1)2

2=

(−1)n − 1

2

b) De fato,

n∑k=2

(2k − 1) = ∆−1(2k − 1)

∣∣∣∣n+1

2

=

[2∆−1

(k

1

)−∆−11

]n+1

2

=

[2

(k

2

)− k

]n+1

2

= 2

(n+ 1

2

)− (n+ 1)−

[2

(2

2

)− 2

]= (n+ 1)n− n− 1 = n2 − 1

c) Note que

∆(−1)kk = (−1)k+1(k + 1)− (−1)kk = −(−1)kk − (−1)k − (−1)kk

= −2(−1)kk − (−1)k

de modo que

(−1)kk =∆(−1)kk + (−1)k

−2

23

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Logo,

n∑k=1

(−1)kk = −1

2

n∑k=1

∆(−1)kk − 1

2

n∑k=1

(−1)k

= −1

2[(−1)n+1(n+ 1)− 1]− 1

4[(−1)n − 1]

=2(−1)n(n+ 1− (−1)n − 1)

4

=(−1)n(2n+ 1)− 1

4

24

Capítulo 2

Equações de Recorrências

25

Capítulo 3

A Transformada Discreta de

Laplace

3.1 Introdução

As transformadas de Laplace é uma ferramenta muito conhecida e usada para

resolver de forma prática e operacional problemas de valores iniciais (PVI),

integrais impróprias, sistemas de equações diferenciais ordinárias e algumas

equações diferenciais parciais. De forma análoga, podemos de�nir a trans-

formada discreta de Laplace para sequências numéricas. Neste capítulo, ap-

resentaremos a transformada discreta direta de Laplace (TDDL) explorando

suas propriedades e algumas técnicas para encontrá-las. Em seguida, vere-

mos a transformada discreta inversa de Laplace (TDIL). Encerraremos o capí-

tulo, aplicando a transformada discreta de Laplace para achar as soluções das

equações e sistemas de diferenças �nitas de primeira e segunda ordem. A

aplicação da transformada discreta de Laplace no cálculo de somatórios será

apresentada no capítulo 4.

26

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

3.2 Conceitos e Propriedades

Nesta seção, veremos alguns conceitos e teoremas relativos a transformada

discreta direta de Laplace (TDDL).

De�nição 3.1 Dada a sequência (xn)n∈N, a transformada discreta de Laplace

(TDDL), denotada por ℓd é de�nida para s > 0 por

ℓd{xn} =∞∑n=0

e−snxn := X(s) (3.1)

Nem todas as sequências admitem a transformada discreta de Laplace,

podemos citar, por exemplo xn = n!. Deste modo, devemos impor condições

sobre a sequência (xn) de modo que a série (3.1) seja convergente. As sequên-

cias (xn) para os quais a transformada discreta de Laplace existe são chamadas

de sequências admissíveis.

Teorema 3.1 (Existência da TDDL) Seja xn : N → R uma sequência tal

que |xn| ≤ αes0n para n ≥ N0, sendo α > 0 e s0 > 0. Então

∞∑n=0

e−snxn

é absolutamente convergente e portanto, convergente de modo que a transfor-

mada discreta de Laplace ℓd{xn} existe para s > s0.

Demonstração: De fato,∣∣∣∣ ∞∑n=0

e−snxn

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣n0−1∑n=0

e−snxn +∞∑

n=n0

e−snxn

∣∣∣∣ ≤ n0−1∑n=0

|e−snxn|+∞∑

n=n0

|e−snxn|

≤ M +∞∑

n=n0

|αe−snes0n| = M +∞∑

n=n0

αe(s0−s)n

≤ M +∞∑n=0

αe−n(s−s0) = M +α

1− e−(s−s0)< +∞

27

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Proposição 3.1 (Linearidade da Transformada Discreta de Laplace)

Se ℓd{xn} = X(s) e ℓd{yn} = Y (s), então

i) ℓd{xn + yn} = ℓd{xn}+ ℓd{yn};

ii) ℓd{kxn} = kℓd{xn}, ∀k ∈ R

Demonstração:

i) De fato,

ℓd{xn + yn} =∞∑n=0

e−sn(xn + yn) =∞∑n=0

(e−snxn + e−snyn)

=∞∑n=0

e−snxn +∞∑n=0

e−snyn = X(s) + Y (s)

ii) De fato,

ℓd{kxn} =∞∑n=0

e−sn(kxn) = k∞∑n=0

e−snxn = kX(s)

Proposição 3.2 (Teorema do Valor Inicial e Final) Se ℓd{xn} = X(s)

para s > 0, então lims→+∞

X(s) = x0.

Demonstração: Note que

ℓd{xn} =∞∑n=0

e−snxn = x0 +∞∑n=1

xn

esn

de modo que

lims→+∞

X(s) = lims→+∞

x0 +∞∑n=1

lims→∞

xn

esn= x0

28

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Proposição 3.3 A série geométrica

∞∑n=0

xn

converge se |x| < 1; neste caso, sua soma é 1/(1 − x). A série geométrica

diverge para |x| ≥ 1.

Demonstração: Ver [x]

Proposição 3.4 (Translação na TDDL) Seja (xn)n∈N. Se p ∈ N, então

ℓd{xn+p} = esp∞∑n=p

e−snxn

Demonstração: Usando a de�nição de transformada discreta de Laplace

dada em (3.1), temos:

ℓd{xn+p} =∞∑n=0

e−snxn+p

Fazendo m = n+ p, temos n = m− p, de modo que

ℓd{xn+p} =∞∑

m=p

e−s(m−p)xm = esp∞∑n=p

e−snxn

Corolário 3.1 Se ℓd{xn} = X(s), então:

i) ℓd{xn+1} = esX(s)− esx0

ii) ℓd{xn+2} = e2sX(s)− e2sx0 − esx1

29

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Demonstração:

i) De fato,

ℓd{xn+1} = es∞∑n=1

e−snxn = es( ∞∑

n=0

e−sn − x0

)= esX(s)− esx0

ii) De fato,

ℓd{xn+2} = e2s∞∑n=2

e−snxn = e2s( ∞∑

n=0

e−sn − x0 − e−sx1

)= e2sX(s)− e2sx0 − esx1

Corolário 3.2 Se ∆xn é a derivada discreta da sequência (xn)n∈N, então

ℓd{∆xn} = (es − 1)X(s)− esx0

Demonstração: Segue diretamente da Def. (3.1) e do Cor. (3.1) acima.

Proposição 3.5 (Multiplicação por r−an) Sejam a ∈ R e r > 0. Se ℓd{xn} =

X(s), então

ℓd{r−anxn} = ℓd{xn}es→raes = X(ras)

para s > 0, onde a expressão es → raes signi�ca substituir es por raes na

função X(s).

Demonstração: Pela de�nição de transformada discreta de Laplace, temos:

ℓd{r−anxn} =∞∑n=0

e−sn(r−anxn) =∞∑n=0

(esra)−nxn

= ℓd{xn}es→raes = X(ras)

para s > 0.

30

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Observação 3.1 Para a = −1 e r = −1, segue que ℓd{(−1)nxn} = ℓd{xn}es→−es.

Observação 3.2 No caso em que r = e, temos ℓd{e−anxn} = X(s+ a).

Proposição 3.6 (Multiplicação por n) Se ℓd{xn} = X(s), então

ℓd{nxn} = −X ′(s)

Demonstração: Por de�nição, temos:

X(s) =∞∑n=0

e−snxn

Derivando ambos os lados desta expressão, segue que

X ′(s) =∂

∂s

( ∞∑n=0

e−snxn

)=

∞∑n=0

xn∂

∂s(e−sn) =

∞∑n=0

xne−sn(−n) ⇒

ℓd{nxn} =∞∑n=0

e−sn(nxn) = −X ′(s)

Corolário 3.3 Para k ∈ N,

ℓd{nkxn} = (−1)kdk

dskℓd{xn} = (−1)kX(k)(s)

Demonstração: O resultado segue por indução �nita.

Observação 3.3 Tomando xn ≡ 1, temos a relação

ℓd{nk} = (−1)kdk

dskℓd{1} = (−1)k

dk

dsk

(es

es − 1

)Teorema 3.2 Se xn =

(np

)para n, p ∈ N, então:

ℓd

{(n

p

)}=

es

(es − 1)p+1

31

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Demonstração: Seja f(x) = 1/(1 − x) de�nida para x ∈ (−1, 1). Então

para todo p ∈ N,f (p)(x) =

p!

(1− x)p+1(3.2)

Para p = 0 é claro que f (0)(x) = 1/(1−x). Suponhamos que a expressão (3.2)

seja válida e provaremos que ela também é válida para p+ 1. De fato,

f (p+1)(x) = [f (p)(x)]′ = p![(1−x)−p−1]′ = −(p+1)p!(1−x)−p−2(−1) =(p+ 1)!

(1− x)p+2

Por outro lado, mostraremos que

f (p)(x) =∞∑n=p

p!

(n

p

)xn−p (3.3)

Usaremos indução �nita sobre p para provar este resultado. Para p = 0, temos:

f (0)(x) =∞∑n=0

0!

(n

0

)xn−0 =

∞∑n=0

xn = f(x)

Suponhamos que a expressão (3.3) seja válida e provaremos sua validade para

p+ 1. De fato,

f (p+1)(x) = [f (p)(x)]′ =

[ ∞∑n=p

p!

(n

p

)xn−p

]′=

∞∑n=p+1

p!(n− p)

(n

p

)xn−1−p

=∞∑

n=p+1

(p+ 1)!

(n

p+ 1

)xn−(p+1)

Na última linha, usamos o fato que

p!(n− p)

(n

p

)=

p!(n− p)n!

p!(n− p)!=

n!

(n− 1− p)!= (p+ 1)!

(n

p+ 1

)Das expressões (3.2) e (3.3), segue que

∞∑n=p

(n

p

)xn =

xp

(1− x)p+1

32

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

para |x| < 1. Fazendo x = e−s nesta expressão, temos∞∑n=p

e−sn

(n

p

)=

(e−s)p

(1− e−s)p+1=

es

(es − 1)p+1(3.4)

Por outro lado,

ℓd

{(n

p

)}=

∞∑n=0

e−sn

(n

p

)=

∞∑n=p

e−sn

(n

p

)(3.5)

De (3.4) e (3.5) segue o resultado.

Exemplo 3.1 Calcule ℓd{n2}.

Resolução: Note que

n2 = n(n− 1) + n = 2

(n

2

)+

(n

1

)Assim, pelo Teor. (3.2), temos

ℓd{n2} = ℓd

{(n

1

)}+ 2 · ℓd

{(n

2

)}=

es

(es − 1)2+

2es

(es − 1)3

=es(es − 1) + 2 · es

(es − 1)3=

es(es + 1)

(es − 1)3

Corolário 3.4 (Relação de Stifel) Se(np

)é o coe�ciente binomial de n por

p, então (n

p− 1

)+

(n

p

)=

(n+ 1

p

)Demonstração: Pelo Cor. (3.2) e o Teor. (3.2),

ℓd

{∆

(n

p

)}= (es − 1) · es

(es − 1)p+1=

es

(es − 1)p= ℓd

{(n

p− 1

)}⇒

ℓd

{∆

(n

p

)−

(n

p− 1

)}= 0 ⇒

(n+ 1

p

)−

(n

p

)=

(n

p− 1

)donde segue o resultado.

33

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Proposição 3.7 (Mudança de Escala) Seja p ∈ R∗. Se ℓd{xn} = X(s),

então

ℓd{x(pn)} = X

(s

p

)Demonstração: De fato, note que

ℓd{x(pn)} =∞∑n=0

e−nsx(pn)

Fazendo m = pn, então n = m/p, de modo que

ℓd{x(pn)} =∞∑

m=0

e−mpsxm =

∞∑n=0

e−(s/p)nxn = X

(s

p

)�

3.3 O Produto Convolutivo

O produto convolutivo ou convolução de�nida por duas funções reais, também

é de�nido para sequências, ou seja:

De�nição 3.2 Dadas as sequências (xn)n∈N e (yn)n∈N, o produto convolutivo

é de�nido por:

xn ∗ yn =n∑

k=0

xn−kyk

Proposição 3.8 Segue desta de�nição que

i) O produto convolutivo é comutativo, isto é, xn ∗ yn = yn ∗ xn

ii)

xn ∗ 1 = 1 ∗ xn =n∑

k=0

xk

Demonstração:

34

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

i) De fato, pela de�nição de produto convolutivo, temos:

yn ∗ xn =n∑

k=0

yn−kxk

Fazendo n− k = j, segue que:

yn ∗ xn =0∑

j=n

yjxn−j =n∑

j=0

xn−jyj = xn ∗ yn

ii) Seja yn = 1. Assim, yn−k = 1. Logo, pela de�nição de produto convolu-

tivo, temos:

xn ∗ 1 = xn ∗ yn =n∑

k=0

xk

Proposição 3.9 Se ℓd{xn} = X(s) e ℓd{yn} = Y (s), então

ℓd{xn ∗ yn} = X(s)Y (s)

Demonstração: O produto de séries é de�nido por:

∞∑k=0

akxk ·

∞∑k=0

bkxk =

∞∑k=0

( k∑j=0

ajbk−j

)xk

Desta identidade, resulta que

ℓd{xn ∗ yn} =∞∑n=0

∞∑n=0

e−sn(xn ∗ yn) =∞∑n=0

e−sn

( ∞∑k=0

xn−kyk

)=

∞∑n=0

e−snxn ·∞∑n=0

e−snyn = X(s)Y (s)

Corolário 3.5 Se X(s) = ℓd{xn}, então

ℓd

{ n∑k=0

xk

}=

esX(s)

es − 1

35

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Demonstração: Pelo item ii) da Prop. (3.8), temos xn∗1 =n∑

k=0

xk, de modo

que

ℓd

{ n∑k=0

xk

}= ℓd{xn ∗ 1} = X(s) · ℓd{1} =

esX(s)

es − 1

Proposição 3.10 Sejam as sequências xn = cos(an) e yn = sin(an). Então:

i)

ℓd{xn} =e2s − es cos a

e2s − 2es cos a+ 1

ii)

ℓd{yn} =es sin a

e2s − 2es cos a+ 1

Demonstração: Seja zn = eian. Pela fórmula de Euler,

eian = cos(an) + i sin(an)

de modo que

ℓd{eian} = ℓd{cos(an)}+ iℓd{sin(an)} (3.6)

Assim,

Z(s) =∞∑n=0

e−sneian =∞∑n=0

e−(s+ia)n = ℓd{1}s+ia

=es+ia

es+ia − 1=

eseia

eseia − 1=

es

es − e−ia

=es

(es − cos a)− i sin a=

es(es − cos a+ i sin a)

(es − cos a)2 + sin2 a⇒

Z(s) =e2s − es cos a+ ies sin a

e2s − 2 · es cos a+ 1(3.7)

Comparando as partes reais e imaginárias de (3.6) e (3.7), segue o resultado.

36

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

3.4 A TDDL de Algumas Sequências Elementares

Nesta seção apresentaremos a transformada discreta de Laplace de algumas

sequências que surgem frequentemente.

Proposição 3.11 Considere as sequências abaixos de�nidas em N.

i) Se xn = n, n ∈ N, então ℓd{n} =es

(es − 1)2para s > 0

ii) Se xn = rn, n ∈ N, então ℓd{rn} =es

es − rpara s > 0.

iii) Se xn = 1, n ∈ N, então ℓd{1} =es

es − 1para s > 0

iv) Se xn = (−1)n, n ∈ N, então ℓd{(−1)n} =es

es + 1para s > 0

v) Se xn = cos(nπ2), n ∈ N, então ℓd{cos(nπ2 )} =

e2s

e2s + 1para s > 0

vi) Se xn = sin(nπ2), n ∈ N, então ℓd{sin(nπ2 )} =

es

e2s + 1para s > 0

Demonstração:

i) De fato,

ℓd{n} = ℓd

{(n

1

)}=

es

(es − 1)2

para s > 0 pelo Teor. (3.2).

ii) De fato,

ℓd{rn} =∞∑n=0

e−snrn =∞∑n=0

(e−sr)n =∞∑n=0

(r

es

)n

=1

1− res

=es

es − r

para es > r, ou seja, s > ln r.

ii) Segue imediatamente do item anterior.

iv) Segue imediatamente do item ii).

37

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

v) Basta fazer a = π/2 no item i) da Prop. (3.10).

vi) Basta fazer a = π/2 no item ii) da Prop. (3.10).

3.5 Relação Entre a Transformada de Laplace e

a TDDL

Em alguns casos, é possível usar a transformada de Laplace para calcular a

TDDL de algumas sequências.

Teorema 3.3 Considere a sequência {xn} e suponhamos que L−1{xn} = F (t).

Então

X(s) = es∫ ∞

0

F (t)

es − e−tdt (3.8)

Demonstração: Por hipótese, L{F (t)} = xn, de modo que

X(s) = ℓd{xn} =∞∑n=0

e−snL{F (t)} =∞∑n=0

e−sn

∫ ∞

0

e−ntF (t)dt

=

∫ ∞

0

F (t)∞∑n=0

e−(s+t)ndt =

∫ ∞

0

F (t)

1− e−se−tdt = es

∫ ∞

0

F (t)

es − e−tdt

Corolário 3.6 Sejam a > 0 e b ≥ 0. Se xn = 1/(an+ b), então

ℓd{xn} =es

a

∫ 1

0

ub/a−1

es − udu

Demonstração: Note que

F (t) = L−1{xn} = L−1

{1

an+ b

}=

1

aL−1

{1

n+ b/a

}=

1

ae−bt/a (3.9)

Substituindo (3.9) em (3.8), temos

ℓd{xn} =es

a

∫ ∞

0

e−bt/a

es − e−tdt

38

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

para s > 0. Fazendo u = e−t, temos du = −e−tdt = −udt. Além disso, se

t = 0, temos u = 1 e se t → +∞, u → 0. Assim,

ℓd{xn} =es

a

∫ 0

1

ub/a(−du/u)

es − u=

es

a

∫ 1

0

ub/a−1

es − udu

Exemplo 3.2 Calcule a transformada discreta de Laplace de xn = 1/(n+ 1).

Resolução: Pelo teorema anterior, temos

ℓd{xn} = es∫ 1

0

1

es − udu

Fazendo v = es − u, então dv = −du. Para u = 0, temos v = es e se u = 1,

temos v = es − 1. Assim,

ℓd{xn} = es∫ es−1

es

(−dv)

v= es

∫ es

es−1

dv

v

= es[ln(es)− ln(es − 1)] = es[s− ln(es − 1)]

Corolário 3.7 Sejam b > c > 0. Se

xn =1

(n+ b)(n+ c)

então

ℓd{xn} =es

b− c

∫ 1

0

uc−1 − ub−1

es − udu

Demonstração: Usando frações parciais,

1

(n+ b)(n+ c)=

1

b− c

(1

n+ c− 1

n+ b

)Assim,

ℓd{xn} =1

b− cℓd

{1

n+ c

}− 1

b− cℓd

{1

n+ b

}=

es

b− c

∫ 1

0

uc−1

es − udu− es

b− c

∫ 1

0

ub−1

es − udu

=es

b− c

[∫ 1

0

uc−1

es − udu−

∫ 1

0

ub−1

es − udu

]=

es

b− c

∫ 1

0

(uc−1 − ub−1)

es − udu

39

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Exemplo 3.3 Determine ℓd{xn}, sendo

xn =1

(n+ 1)(n+ 2)

Resolução: Fazendo b = 1 e c = 2 na proposição anterior, temos:

ℓd{xn} = −es∫ 1

0

u− 1

es − udu

Fazendo v = es − u, temos dv = −du. Além disso, para u = 0, temos v = es e

se u = 1 ⇒ v = es − 1. Assim,

ℓd{xn} = es∫ es−1

es

v − es

vdv = es

∫ es−1

es

(1− es

v

)dv = e2s[s− ln(es − 1)]− es

3.6 Somatórios Através da Transf. Discreta de

Laplace

Podemos usar a TDL para calcular o valor da soma de algumas séries conver-

gentes, conforme a proposição seguinte:

Proposição 3.12 Se ℓd{xn} = X(s), então

∞∑n=1

xn = X(0)

Demonstração: Basta substituir s = 0 na de�nição de TDDL.

Observação 3.4 Se ℓd{xn} = X(s) e r > 0, então da Prop. (3.5), segue que

∞∑n=0

r−anxn =∞∑n=0

(ra)−nxn = ℓd{xn}es→ra

No caso em que r = e, temos

∞∑n=0

e−anxn = X(a)

40

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Exemplo 3.4 Use a Prop. (3.12) ou a Obs. (3.4) e calcule os somatórios

abaixo:

a)∞∑n=1

n

4n

b)∞∑n=1

n2

3n

c)∞∑n=2

n(n− 1)

2n

d)∞∑n=0

1

2n(2n+ 1)

e)∞∑n=0

(n

3

)1

4n

f)∞∑n=0

cos2(nπ/2)

3n

Resolução:

a) De fato,

∞∑n=1

n

4n=

∞∑n=0

2−2nn = ℓd{n}es→4 =

[es

(es − 1)2

]es→4

=4

9

b)

∞∑n=1

n2

3n=

∞∑n=1

3−nn2 = ℓd{n2}es→3 =

[es(es + 1)

(es − 1)3

]es→3

=3(3 + 1)

(3− 1)3=

3

2

c)

∞∑n=2

n(n− 1)

2n= 2 ·

∞∑n=0

e−n

(n

2

)= 2 · ℓd

{(n

2

)}es→2

= 2

[es

(es − 1)3

]es→2

= 4

41

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

d)

∞∑n=0

1

2n(2n+ 1)= ℓd

{1

2n+ 1

}es→1

=∞∑n=0

2−n

2n+ 1=

1√2ln

(√2 + 1√2− 1

)

e)∞∑n=0

(n

3

)1

4n= ℓd

{2−2n ·

(n

3

)}es→4

=

[es

(es − 1)4

]es→4

=4

81

f)

∞∑n=0

cos2(nπ/2)

3n=

∞∑n=0

3−n

2[1 + cos(nπ)] =

1

2ℓd{1}es→3 +

1

2ℓd{(−1)n}es→3

=1

2

[es

es − 1

]es→3

+1

2

[es

es + 1

]es→3

=6

8+

3

8=

9

8

3.7 A Transformada Discreta Inversa de Laplace

(TDIL)

Para obter a solução de equações e de sistemas de equações de diferença �nita

é necessário aplicar a transformada discreta inversa de Laplace (TDIL) que

apresentaremos a seguir.

De�nição 3.3 Se X(s) é a transformada discreta de Laplace da sequência xn,

de�ne-se a transformada discreta inversa de Laplace através da expressão

ℓ−1d {X(s)} = x(n) = xn

Se Nn ≡ 0 é a sequência nula, então ℓd{xn + Nn} = ℓd{xn} = X(s), de

modo que a transformada discreta inversa de Laplace não é única. Excluindo

as sequências nulas, obtemos a unicidade. Assim, dispensaremos as sequências

nulas, fazendo uso delas apenas na resolução das equações de diferenças �nitas

que serão estudadas futuramente.

Proposição 3.13 (Prop. da transf. discreta inversa de Laplace) Se ℓ−1d {X(s)} =

xn e ℓ−1d {Y (s)} = yn, então

42

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

i) ℓ−1d {X(s) + Y (s)} = ℓ−1

d {X(s)}+ ℓ−1d {Y (s)};

ii) ℓ−1d {kX(s)} = kℓ−1

d {X(s)} ∀k ∈ R;

iii) ℓ−1d {X(s) · Y (s)} = xn ∗ yn;

iv) ℓ−1d {X ′(s)} = −nxn;

v) ℓ−1d { es

es−r} = rn;

vi) ℓ−1d { es

e2s+1} = sin(nπ

2);

vii) ℓ−1d { e2s

e2s+1} = cos(nπ

2);

viii) ℓ−1d { es

(es−1)p+1} =(np

);

ix) ℓ−1d { es

es−1} = 1;

x) ℓ−1d {X(ras)} = r−anxn.

Demonstração:

i) De fato,

X(s) + Y (s) = ℓd{xn}+ ℓd{yn} = ℓd{xn + yn} ⇒

ℓ−1d {X(s) + Y (s)} = xn + yn = ℓ−1

d {X(s)}+ ℓ−1d {Y (s)}

ii) Segue de modo análogo ao item anterior.

iii) Segue da Prop. (3.9) e da de�nição de transformada discreta inversa de

Laplace.

iv) Da Prop. (3.6), temos que ℓd{nxn} = −X ′(s). Tomando a transformada

discreta inversa de Laplace em ambos os lados segue o resultado.

v) Segue da Prop. (3.5).

vi) Segue da Prop. (3.11).

vii) Segue também da Prop. (3.11).

43

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

viii) Segue da de�nição da TDIL e do Teor. (3.2).

ix) Segue do item anterior;

x) Segue da Prop. (3.5).

Exemplo 3.5 Calcule:

a) ℓ−1d

{e2s

(es − 1)3

};

b) ℓ−1d

{es

es + 1

};

c) ℓ−1d

{2es

4e2s + 1

};

d) ℓ−1d

{e2s

e2s + 4

};

e) ℓ−1d

{1

e2s + 4

}.

Resolução:

a) Note que

e2s

(es − 1)3= es · es

(es − 1)3= es · e

s − 1 + 1

(es − 1)3= es

[1

(es − 1)2+

1

(es − 1)3

]Assim,

ℓ−1d

{e2s

(es − 1)3

}= ℓ−1

d

{es

(es − 1)2

}+ ℓ−1

d

{es

(es − 1)3

}=

(n

1

)+

(n

2

)b) Tomando r = −1 no item v) da proposição anterior, obtemos

ℓ−1d

{es

es + 1

}= (−1)n

44

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

c) Pelo item x) da proposição anterior, temos

ℓ−1d

{2es

4e2s + 1

}= ℓ−1

d

{(2es)

(2es)2 + 1

}= ℓ−1

d {X(21s)}

= 2−nℓ−1d {X(s)} = 2−n sin

(nπ

2

)d)

ℓ−1d

{e2s

e2s + 4

}= ℓ−1

d

{(es/2)2

(es/2)2 + 1

}= 2n cos

(nπ

2

)e) Note que

ℓ−1d

{e2s

e2s + 4

}= ℓ−1

d

{e2s + 4− 4

e2s + 4

}= ℓ−1

d

{1− 4

e2s + 4

}= ℓ−1

d {1} − 4ℓ−1d

{1

e2s+ 4

}de modo que

ℓ−1d

{1

e2s + 4

}=

δ0(n)

4− 2n

4cos

(nπ

2

)

3.8 A Sequência Delta

Uma sequência muito útil na teoria das transformadas discretas de Laplace é

a sequência delta que apresentamos a seguir:

De�nição 3.4 Seja p ∈ N. A sequência delta denotada por δp(n) é de�nida

por

δp(n) =

0, n ̸= p

1, n = p

Segue diretamente desta de�nição que δp(n) · xn = xp e

δp(n) ∗ 1 =n∑

k=0

δp(k) · 1 = 1

Um resultado muito útil sobre a sequência delta é a proposição seguinte.

45

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Proposição 3.14 A transformada discreta de Laplace da sequência delta é

dada por:

ℓd{δp(n)} = e−sp

consequentemente, ℓ−1d {e−sp} = δp(n).

Demonstração: De fato,

ℓd{δp(n)} =∞∑n=0

e−snδp(n) = e−sp · 1 = e−sp

�Desta proposição, observamos que ℓd{δ0(n)} = 1 e ℓd{δ1(n)} = e−s. Além

disso, a imagem da sequência δp(n) é um pulso unitário em n = p. Assim, é

natural esperar que quando variamos p ∈ N, a soma de todos esses pulsos é

igual a sequência unitária xn ≡ 1. Este resultado é apresentado na proposição

seguinte.

Proposição 3.15 Se δp(n) é a sequência delta e xn ≡ 1 é a sequência unitária,

então∞∑p=0

δp(n) = xn

Demonstração: De fato,

ℓd

{ ∞∑p=0

δp(n)

}=

∞∑n=0

e−sn

( ∞∑p=0

δp(n)

)=

∞∑p=0

∞∑n=0

e−snδp(n)

=∞∑p=0

ℓd{δp(n)} =∞∑p=0

e−sp =1

1− e−s=

es

es − 1⇒

∞∑p=0

δp(n) = ℓ−1d

{es

es − 1

}= xn ≡ 1

Proposição 3.16 Se δ0(n) é a sequência delta no ponto p = 0 e r ∈ R, então

ℓd{rn − δ0(n)} =r

es − r

46

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Demonstração: De fato,

ℓd{rn − δ0(n)} = ℓd{rn} − ℓd{δ0(n)} =es

es − r−

∞∑n=0

e−snδ0(n)

=es

es − r− 1 =

es − (es − r)

es − r=

r

es − r

Observação 3.5 Desta proposição segue que para r ̸= 0,

ℓ−1d

{1

es − r

}=

1

r[rn − δ0(n)] = rn−1 − δ0(n)

r(3.10)

Podemos usar as sequências delta para calcular a transformada discreta

de Laplace de algumas sequências. Ilustraremos esta técnica através de dois

exemplos:

Exemplo 3.6 Use a sequência delta e mostre que

a)

ℓ−1d

{es

es − r

}= rn

b)

ℓ−1d {ee−s} =

1

n!

Resolução:

a) De fato,

ℓ−1d

{es

es − r

}= ℓ−1

d

{1

1− re−s

}= ℓ−1

d

{ ∞∑k=0

(re−s)k}

=∞∑k=0

rkℓ−1d {e−sk} =

∞∑k=0

rkδk(n) = rn

47

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

b) Usando o fato que

ex =∞∑n=0

xn

n!para todox ∈ R

temos,

ℓ−1d {ee−s} = ℓ−1

d

{ ∞∑k=0

(e−s)k

k!

}=

∞∑k=0

ℓ−1d {e−sk} =

∞∑k=0

δk(n)

k!=

1

n!

Exemplo 3.7 Ache a transformada discreta de Laplace de xn =(−1)n

(2n)!.

Resolução: De fato,

ℓd

{(−1)n

(2n)!

}= ℓd

{ ∞∑k=0

(−1)kδk(n)

(2k)!

}=

∞∑k=0

(−1)k

(2k)!ℓd{δk(n)}

=∞∑k=0

(−1)ke−sk

(2k)!=

∞∑k=0

(−1)k(e−s/2)2k

(2k)!= cos(e−s/2)

Proposição 3.17 Seja a ∈ R∗. Então:

ℓ−1d

{1

(es − a)2

}= (n− 1)an−2 +

δ0(n)

a2

Demonstração: De fato,

ℓ−1d

{1

(es − a)2

}= −1

aℓ−1d

{es − a− es

(es − a)2

}= −1

a

{1

es − a− es

(es − a)2

}= −1

aℓ−1d

{1

es − a

}+

1

aℓ−1d

{es

es − a· 1

es − a

}= −1

a

[an−1 − δ0(n)

a

]+ an−1 ∗

[an−1 − δ0(n)

a

]= −an−2 +

δ0(n)

a2+

1

a2an ∗ an − an−2 ∗ δ0(n)

= −an−2 +δ0(n)

a2+

1

a2

n∑k=0

akan−k − an−2

= −2an−2 +δ0(n)

a2+

1

a2· an(n+ 1)

= (n− 1)an−2 +δ0(n)

a2

48

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Proposição 3.18 Se p, r ∈ R, então

ℓ−1d

{es + p

(es + p)2 − r2

}=

1

2(−r − p)n−1 +

1

2(r − p)n−1 +

rδ0(n)

r2 − p2

Demonstração: Note que

es + p

(es + p)2 − r2=

es + p

(es + p+ r)(es + p− r)=

A

es + p+ r+

B

es + p− r

de modo que

es + p = A(es + p− r) +B(es + p+ r) ⇒ A = B =1

2

Assim,

ℓ−1d

{es + p

(es + p)2 − r2

}=

1

2ℓ−1d

{1

es + p+ r

}+

1

2ℓ−1d

{1

es + p− r

}=

1

2

[(−r − p)n−1 − δ0(n)

(−r − p)

]+

1

2

[(r − p)n−1 − δ0(n)

r − p

]=

1

2(−r − p)n−1 +

1

2(r − p)n−1 +

rδ0(n)

r2 − p2

Exemplo 3.8 Calcule:

ℓ−1d

{1

(es − 1)2+

es + 2

(es + 2)2 − 1

}Resolução: Usando as duas proposições anteriores, temos:

ℓ−1d

{1

(es − 1)2+

es + 2

(es + 2)2 − 1

}= ℓ−1

d

{1

(es − 1)2

}+ ℓ−1

d

{es + 2

(es + 2)2 − 1

}= (n− 1)1n−2 +

δ0(n)

12+

1

2(−2− 1)n−1 +

1

2(2− 1)n−1 +

2δ0(n)

22 − 12

= n− 1 + δ0(n) +1

2(−3)n−1 +

1

2+

2

3δ0(n)

= n− 1

2+

5

3δ0(n)−

1

2(−3)n−1

49

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Proposição 3.19 Sejam as sequências xn = sin(nπ/2) e yn = cos(nπ/2).

Então:

i)

sin

(nπ

2

)=

∞∑k=0

(−1)kδ2k+1(n)

ii)

cos

(nπ

2

)=

∞∑k=0

(−1)kδ2k(n)

Demonstração:

i) De fato,

sin

(nπ

2

)= ℓ−1

d

{es

e2s + 1

}= ℓ−1

d

{e−s

1 + e−2s

}= e−sℓ−1

d

{ ∞∑k=0

(−1)k(e−2s)k}

= ℓ−1d

{ ∞∑k=0

(−1)ke−(2k+1)s

}=

∞∑k=0

(−1)kℓ−1d {e−(2k+1)s}

=∞∑k=0

(−1)kδ2k+1(n)

ii) Segue de forma análoga ao item anterior.

Proposição 3.20 Seja p ∈ N. Então:

i)

ℓ−1d

{1

e2ps(e2s + 1)

}=

p∑k=0

(−1)kδ2k(n)− cos

(nπ

2

)

50

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

ii)

ℓ−1d

{1

e(2p+1)s(e2s + 1)

}=

p∑k=0

(−1)kδ2k+1(n)− sin

(nπ

2

)Demonstração:

i) Note que

1

e2ps(e2s + 1)=

e−2ps

e2s + 1=

(e−s)2pe−2s

1 + e−2s=

(e−2s)p+1

1 + (e−2s)(3.11)

onde x = e−2s. Mas,

xp+1

1 + x=

1 + xp+1

1 + x− 1

1 + x=

p∑k=0

(−x)k − 1

1 + x(3.12)

De (3.11) e (3.12) segue que

1

e2ps(e2s + 1)=

p∑k=0

(−1)ke−2sk − 1

1 + e−2s=

p∑k=0

(−1)ke−2sk − e2s

e2s + 1

Logo,

ℓ−1d

{1

e2ps(e2s + 1)

}= ℓ−1

d

{ p∑k=0

(−1)ke−2sk

}− ℓ−1

d

{e2s

e2s + 1

}

=

p∑k=0

(−1)kℓ−1d {e−2sk} − cos

(nπ

2

)

=

p∑k=0

(−1)kδ2k(n)− cos

(nπ

2

)

ii) Note que

1

e(2p+1)s(e2s + 1)=

e−(2p+1)s − e2s

1 + e−2s=

e−(2p+3)s

1 + e−2s

=(e−2s)p+1e−s

1 + e−2s=

[1 + (e−2s)p+1]e−s

1 + e−2s− e−s

1 + e−2s

=

p∑k=0

(−1)ke−(2k+1)s − es

e2s + 1

51

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Assim,

ℓ−1d

{1

e(2p+1)s(e2s + 1)

}=

p∑k=0

(−1)kℓ−1d {e−(2k+1)s} − ℓ−1

d

{es

e2s + 1

}

=

p∑k=0

(−1)kδ2k+1(n)− sin

(nπ

2

)�

Exemplo 3.9 Calcule

ℓ−1d

{1

e4s(e2s + 1)

}Resolução: Usando a proposição acima, temos

ℓ−1d

{1

e4s(e2s + 1)

}=

2∑k=0

(−1)kδ2k(n)− cos

(nπ

2

)= δ0(n)− δ2(n) + δ4(n)− cos

(nπ

2

)A próxima proposição que apresentaremos a seguir é uma generalização da

Prop. (3.16).

Proposição 3.21 Se p ∈ N∗ e r ∈ R, então

ℓ−1d

{1

eps(es − r)

}=

1

rp+1

[rn −

p∑k=0

rkδk(n)

]Demonstração: De fato, note que

rp+1

eps(es − r)=

rp+1e−pse−s

1− re−s=

rp+1e−(p+1)s

1− re−s= −(re−s)p+1

re−s − 1

= − [(re−s)p+1 − 1]

(re−s)− 1− 1

re−s − 1= −

p∑k=0

(re−s)k +es

es − r

Assim,

ℓ−1d

{rp+1

eps(es − r)

}= −ℓ−1

d

{ p∑k=0

rke−sk

}+ ℓ−1

d

{es

es − r

}

= −p∑

k=0

rkℓ−1d {e−sk}+ rn =

1

rp+1

[rn −

p∑k=0

rkδk(n)

]�

52

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Observação 3.6 Note que

ℓ−1d

{1

eps(es − r)

}= ℓ−1

d

{1

ep−1s· es

es − r

}= ℓ−1

d

{e−(p−1)s· es

es − r

}= δp−1(n)∗rn

Exemplo 3.10 Use a observação anterior e calcule ℓ−1d {δ1(n) ∗ 2n}.

Resolução: De fato,

δ1(n) ∗ 2n = ℓ−1d

{1

e2s(es − 2)

}=

1

23

[2n −

2∑k=0

2k · δk(n)]

=1

8

[2n − 20δ0(n)− 2δ1(n)− 22δ2(n)

]= 2n−3 − δ0(n)

8− δ1(n)

4− δ2(n)

2

3.9 Equações e Sistemas de Diferenças Finitas

Lineares Através da TDL

Equações de diferenças �nitas ou lineares são equações de recorrência envol-

vendo sequências numéricas. Nesta seção, usaremos as de transformadas dis-

cretas de Laplace para achar a solução de PVI (problema de valor inicial)

formados por estas equações. Este método possui a vantagem de achar dire-

tamente a solução do problema, ao contrário do método tradicional em que a

solução do PVI é obtida da solução geral e das condições iniciais.

3.9.1 Equações de Diferenças Finitas Lineares

Não-Homogêneas de Primeira Ordem de

Coe�cientes Constantes

Para a ∈ R e f : N → R, considere o PVI:xn+1 = axn + f(n), n ∈ N

x(0) = x0

53

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

O primeiro passo para obter a solução deste PVI, aplicamos a transformada

discreta direta de Laplace em ambos os lados da equação dada. Em seguida,

usamos a condição inicial e isolamos X(s).

ℓd{xn+1} = aℓd{xn}+ ℓd{f(n)} ⇒

esX(s)− esx0 = aX(s) + F (s) ⇒

X(s) =x0e

s

es − a+

F (s)

es − a(3.13)

Para obter a solução xn, aplicamos a transformada discreta inversa de Laplace

em (3.13), isto é,

ℓ−1d {X(s)} = ℓ−1

d

{x0e

s

es − a

}+ ℓ−1

d

{F (s)

es − a

}Pelo item v) da Prop. (3.13) e da Obs. (3.5), segue que

xn = x0an + f(n) ∗

[an−1 − δ0(n)

a

](3.14)

Temos dois casos a considerar: a = 1 e a ̸= 1. Se a = 1, segue da expressão

(3.14) que

xn = x0 + f(n) ∗ [1− δ0(n)] = x0 + f(n) ∗ 1− f(n) ∗ δ0(n)

= x0 +n∑

k=0

f(k)−n∑

k=0

f(n− k)δ0(k) ⇒

xn = x0 +n−1∑k=0

f(k) (3.15)

Observação 3.7 Se f(n) = b, então

xn = x0 +n−1∑k=0

b = x0 + bn (3.16)

54

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Para o caso em que a ̸= 1, temos

xn = x0an + f(n) ∗ an−1 − 1

af(n) ∗ δ0(n)

xn = x0an +

1

a

n∑k=0

f(n− k)ak − 1

a

n∑k=0

f(n− k)δ0(k)

= x0an +

1

a

n∑k=1

f(n− k)ak ⇒

xn = x0an +

n∑k=1

f(n− k)ak−1 (3.17)

Observação 3.8 Da expressão (3.17), se f(n) = b ∈ R, então

xn = x0an +

b(an − 1)

a− 1

e se f(n) = n, temos

xn = x0an +

n∑k=1

(n− k)ak−1 = x0an +

(an − 1)n

a− 1− nan

a− 1− an

a− 1+

an+1 − 1

(a− 1)2

=

(x0 −

1

a− 1

)an +

an+1 − 1

(a− 1)2− an

a− 1

Nos cálculos acima usamos o fato que

n∑k=1

kxk−1 =(n− 1)xn

x− 1− xn+1 − 1

(x− 1)2

que explicado no capítulo 4.

Exemplo 3.11 Se um capital C0 é aplicado a uma taxa i ao mês, determine

o montante após n meses, se o regime for:

a) de juros simples;

b) de juros compostos.

55

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Resolução: Seja xn o montante no mês n. Assim, o montante inicial será

x0 = C0. No regime de juros simples, o montante no n + 1 mês é igual ao

montante do período anterior adicionado ao juro de um mês, incidido sobre o

capital inicial. Deste modo que temos o PVI:xn+1 = xn + iC0

x0 = C0

Resolução:

a) Neste caso, a = 1 e f(n) = C0i. Da expressão (3.16), segue que

xn+1 = C0 + C0in = C0(1 + in)

b) Para juros compostos, temos xn+1 = xn + ixn = (1 + i)xn, de modo a

obter o PVI: xn+1 = (1 + i)xn

x0 = C0

Neste caso, a = 1 + i e f(n) = 0. Da expressão (3.17), temos xn =

C0(1 + i)n.

Para praticar o método das transformadas discretas de Laplace, é preferível

em alguns casos resolver passo a passo cada PVI ao invés de usar as fórmulas

deduzidas acima.

Exemplo 3.12 Determine a solução do PVI:∆xn = n

x1 = 1

Resolução: Aplicando a transformada discreta direta de Laplace, temos

ℓd{∆xn} = ℓd{n} ⇒ (es − 1)X(s) = esx0 +e2s

(es − 1)2

Isolando X(s), segue que

X(s) = x0 ·es

es − 1+

es

es − 1· es

(es − 1)2

56

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Tomando a transformada discreta inversa de Laplace e usando a Prop. (3.13),

obtemos

xn = x0 · 1 + 1 ∗ n = x0 +n∑

k=0

k = x0 +n(n+ 1)

2

Sendo x1 = 1, então 1 = x1 = x0 + 1, de modo que x0 = 0 e

xn =n(n+ 1)

2

Exemplo 3.13 Resolva o PVI:∆xn =1

n+ 1

x0 = 1

Resolução: Neste caso, temos:

ℓd{xn+1}−ℓd{xn} = ℓd

{1

n+ 1

}⇒ esX(s)−esx0−X(s) = es[s−ln(es−1)]

Isolando X(s), segue que

X(s) =es

es − 1+

es

es − 1[s− ln(es − 1)] ⇒

xn = ℓ−1d

{es

es − 1

}+ ℓ−1

d

{1

es − 1· es[s− ln(es − 1)]

}= 1 + [1− δ0(n)] ∗

1

n+ 1

devido ao Exem. (3.2) e a Obs. (3.5). Assim,

xn = 1 +n∑

k=0

1− δ0(k)

n− k + 1= 1 +

n∑k=0

1

n− k + 1−

n∑k=0

δ0(k)

n− k + 1

= 1 +0∑

j=0

1

j + 1− 1

n+ 1= 1 +

n−1∑j=0

1

j + 1

Exemplo 3.14 Ache a solução da equação soma abaixo:

n∑k=0

xk = 2xn − 1

57

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Resolução: Aplicando a transformada discreta de Laplace em ambos os lados

da equação dada, temos:

ℓd

{ n∑k=0

xk

}= 2ℓd{xn} − ℓd{1} ⇒ ℓd{xn ∗ 1} = 2X(s)− es

es − 1⇒

esX(s)

es − 1− 2X(s) = − es

es − 1⇒ X(s) =

es

es − 2⇒ xn = 2n

Exemplo 3.15 Um medicamento administrado uma vez a cada 4 horas. Seja

C(n) a quantidade de medicamento presente na corrente sanguínea no enésimo

intervalo. O corpo elimina uma fração p do medicamento a cada intervalo

de tempo. Se a quantidade administrada inicialmente é C0, ache C(n) e

limn→+∞

C(n).

Resolução: Uma vez que a quantidade de medicamentos no organismo no

tempo tn+1 é igual a diferença entre esta quantidade no tempo tn e a fração p

eliminada pelo corpo, adicionada a nova dosagem C0, temos o seguinte PVI:Cn+1 = (1− p)Cn + C0

C(0) = C0

Seja c(s) = ℓd{C(n)}. Assim,

ℓd{Cn+1} = (1−p)ℓd{Cn}+ℓd{C0} ⇒ esc(s)−esC0 = (1−p)c(s)+C0e

s

es − 1⇒

c(s) =C0e

2s

(es − 1 + p)(es − 1)=

es

es − 1· C0e

s

es − (1− p)⇒

ℓ−1d {c(s)} = C(n) = 1 ∗ [C0(1− p)n] = C0

n∑k=0

(1− p)k

= C0[(1− p)n+1 − 1]

1− p− 1=

C0

p[1− (1− p)n+1]

Além disso,

limn→+∞

C(n) = limn→+∞

C0

p[1− (1− p)n+1] =

C0

p

58

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

3.9.2 Equações de Diferenças Finitas Lineares

de Segunda Ordem de Coe�cientes Constantes

A forma geral de uma equação de diferença �nita de segunda ordem é dada

por

xn+2 = f(n)xn+1 + g(n)xn + h(n) (3.18)

Se f(n) e g(n) são funções constantes, a equação é dita de coe�cientes con-

stantes. Quando h(n) ≡ 0 a equação é chamada de homogênea. Em nosso

estudo, estamos interessados em achar a solução dos PVI's de segunda ordem

cuja equação é um caso particular da expressão (3.18). Inicialmente, tratare-

mos do seguinte PVI: axn+2 + bxn+1 + cxn = 0

x(0) = x0, x(1) = x1

(3.19)

sendo a, b, c ∈ R com a ̸= 0. Aplicando a transformada discreta de Laplace

em (3.19), temos:

ℓd{axn+2}+ℓd{bxn+1}+ℓd{cxn} = 0 ⇒ (ae2s+bes+c)X(s) = C1e2s+C2e

s

onde C1 = ax0 e C2 = ax1+bx0. Assim, para achar a solução xn do PVI (3.19)

devemos calcular

ℓ−1d

{C1e

2s + C2es

ae2s + bes + c

}Para esta expressão, temos três casos conforme o discriminante ∆ = b2 − 4ac

da equação ae2s + bes + c = 0 é positivo, nulo ou menor que zero.

Caso 1: Raízes Reais Distintas

Neste caso, o discriminante da equação quadrática ae2s + bes + c = 0 é

positivo, e portanto, ela admite duas raízes reais distintas.

Proposição 3.22 Sejam C1 e C2 de�nidos acima. Se o discriminante ∆ da

equação ae2s + bes + c = 0 é positivo, então a solução do PVI (3.19) é dada

por:

xn = ℓ−1d

{C1e

2s + C2es

ae2s + bes + c

}=

(C1r2 + C2)rn2 − (C1r1 + C2)r

n1

a(r2 − r1)

onde r1 e r2 são as raízes reais da equação quadrática.

59

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Demonstração: Se r1 e r2 são as raízes da equação ae2s+ bes+ c = 0, então

ae2s + bes + c = a(es − r1)(es − r2)

Assim,

X(s) =es(C1e

s + C2)

a(es − r1)(es − r2)

Usando frações parciais, podemos escrever

C1es + C2

(es − r1)(es − r2)=

A

es − r1+

B

es − r2⇒

C1es+C2 = A(es−r2)+B(es−r1) ⇒ A = −C1r1 + C2

r2 − r1e B =

C1r2 + C2

r2 − r1

de modo que

X(s) =A

a

es

es − r1+

B

a

es

es − r2

Aplicando a transformada discreta inversa de Laplace nesta expressão, segue

o resultado.

Exemplo 3.16 Resolva o PVI:xn+2 + xn+1 − 2xn = 0, n ∈ N

x0 = 6, x1 = 3

Resolução: Neste caso, a = b = 1, c = −2 de modo que ∆ = 9 e as raízes

são r1 = −2 e r2 = 1. Sendo x0 = 6 e x1 = 3, segue que C1 = 6 e C2 = 9.

Logo,

xn =(6 · 1 + 9)1n − [6(−2) + 9](−2)n

1 · (1 + 2)= 5 + (−2)n

Exemplo 3.17 A sequência de Pell satisfaz o seguinte PVI:pn+2 = 2pn+1 + pn, n ∈ N

p0 = 0, p1 = 1

Ache pn.

60

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Resolução: Aplicando a transformada discreta de Laplace na equação acima,

temos:

ℓd{pn+2} − 2ℓd{pn+1} − ℓd{pn} = 0 ⇒

e2sP (s)− e2sp0 − esp1 − 2(esP (s)− esp0)− P (s) = 0 ⇒

[(es − 1)2 − 2]P (s) = es ⇒ P (s) =es

(es − 1 +√2)(es − 1−

√2)

Usando frações parciais, temos

1

(es − 1 +√2)(es − 1−

√2)

=A

es − 1 +√2+

B

es − 1−√2

de modo que

A = −√2

4e B =

√2

4

Logo,

P (s) = −√2

4· es

es − (1−√2)

+

√2

4· es

es − (1 +√2)

pn =

√2

4(1 +

√2)n −

√2

4(1−

√2)n =

√2

4(δn − δ̄n)

Equações não-homogêneas também podem ser resolvidas. Além disso, ao invés

de usar frações parciais, podemos usar o teorema da convolução conforme o

exemplo a seguir.

Exemplo 3.18 Resolva o PVI:yn+2 − 3yn+1 + 2yn = 3n

y0 = 0, y1 = 1

Resolução: Aplicando a transformada discreta de Laplace no PVI acima,

temos:

e2sY (s)− e2sy0 − esy1 − 3[esY (s)− esy0] + 2Y (s) =es

es − 3⇒

(e2s − 3es + 2)Y (s) = es[1 +

1

es − 3

]=

es(es − 2)

es − 3⇒

61

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Y (s) =1

es − 1· es

es − 3

Aplicando a transformada discreta inversa de Laplace, segue que

yn = ℓ−1d

{1

es − 1· es

es − 3

}= [1− δ0(n)] ∗ 3n = 1 ∗ 3n − δ0(n) ∗ 3n

=n∑

k=0

3k −n∑

k=0

δ0(k)3n−k =

3n+1 − 1

3− 1− 3n =

3n − 1

2

Caso 2: Raízes Reais Repetidas

Neste caso, o discriminante da equação quadrática ae2s+bes+c = 0 é nulo,

ou seja, ∆ = b2 − 4ac = 0. Assim,

ae2s+bes+c =1

4a(4a2e2s+4abes+4ac) =

1

4a(4a2e2s+4abes+b2) =

1

4a(2aes+b)2

de modo que

X(s) =4aC1e

2s

(2aes + b)2+

4aC2es

(2aes + b)2

=C1

a

e2s(es +

b

2a

)2 +C2

a

es(es +

b

2a

)2 := F (s) +G(s)

Aplicando a transformada discreta inversa de Laplace em F (s), temos:

f(n) = ℓ−1d {F (s)} = ℓ−1

d

{C1

a

e2s

(es + b/2a)2

}=

C1

aℓ−1d

{es

es + b/2a· es

es + b/2a

}=

C1

a

(− b

2a

)∗(− b

2a

)=

C1

a

n∑k=0

(− b

2a

)k(− b

2a

)n−k

=C1

a

n∑k=0

(− b

2a

)n

=C1

a

(− b

2a

)n

(n+ 1)

Sendo

g(n) =C2

aℓ−1d

{es

(es + b/2a)2

}=

C2

aℓ−1d

{− d

ds

(1

es + b/2a

)}=

C2

a· nℓ−1

d { 1

es + b/2a

}=

C2

a· n

[(− b

2a

)n−1

+δ0(n)

2

]= −2C2n

b

(− b

2a

)n

62

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

segue que

xn = f(n) + g(n) =1

a

(− b

2a

)n[(C1 −

2aC2

b

)n+ C1

]é a solução do PVI (3.19) no caso em que ∆ = 0, sendo C1 = ax0 e C2 =

ax1 + bx0.

Na prática, ao invés de usar a expressão acima, é preferível repetir os passos

em cada problema proposto conforme os exemplos abaixo.

Exemplo 3.19 Ache a solução do PVI:xn+2 + 4xn+1 + 4xn = 0

x0 = 0, x1 = 1

Resolução: Aplicando a TDL na equaação dada, temos

ℓd{xn+2}+ 4ℓd{xn+1}+ 4ℓd{xn} = 0 ⇒

e2sX(s)− es + 4esX(s) + 4X(s) = 0 ⇒

(es + 2)2X(s) = es ⇒ X(s) =es

(es + 2)2= − d

ds

(1

es + 2

)⇒

xn = −ℓ−1d

{d

ds

(1

es + 2

)}= nℓ−1

d

{1

es + 2

}= n

[(−2)n−1 +

δ0(n)

2

]= n(−2)n−1 +

nδ0(n)

2= n(−2)n−1

Caso 3: Raízes Complexas

Neste caso, o discriminante da equação quadrática ae2s + bes + c = 0 é

negativo, ou seja, ∆ = b2 − 4ac < 0 ⇒ −∆ > 0. Como os coe�cientes da

equação acima são reais, as raízes são complexas conjugadas, ou seja, r1 =

α + βi e r2 = α − βi, onde α = −b/2a e β =√−∆/2a. Como as raízes são

complexas, faz sentido calcular o módulo delas, ou seja,

r := |r1| = |r2| =√α2 + β2 =

√(α+ βi)(α− βi) =

√r1 · r2 =

√c

a

63

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Note que c/a > 0, pois sendo ∆ = b2 − 4ac < 0, temosc

a=

4ac

4a2>

b2

4a2≥ 0.

Tomando θ = arctanβ

α, segue que r1 = r cos θ e r2 = r sin θ, de modo que

r1 = α+βi = r(cos θ+ i sin θ) = reiθ e r2 = αiβi = r(cos θ− i sin θ) = re−iθ

Por outro lado,

ae2s + bes + c = a

(e2s +

b

aes +

c

a

)= a

[(es +

b

2a

)2

+4ac− b2

4a2

]= a

[(es +

b

2a

)2

− ∆

4a2

]= a

[(es +

b

2a

)2

−(√

−∆i

2a

)2]= a

(es +

b

2a−

√−∆

2ai

)(es +

b

2a+

√−∆

2ai

)= a

[es −

(− b

2a+

√−∆

2ai

)][es −

(− b

2a−

√−∆

2ai

)]= a(es − r1)(e

s − r2) = a(es − reiθ)(es − re−iθ)

Vimos também que

X(s) =C1e

2s + C2es

a(es − r1)(es − r2)=

es(C1es + C2)

a(es − reiθ)(es − re−iθ)(3.20)

3.9.3 Equações de Diferenças Finitas Lineares

de Segunda Ordem Não-Homogênea

Exemplo 3.20 Resolva o PVI não-homogêneo abaixo.xn+2 + 2xn+1 + xn = n

x0 = 1, x1 = 0

Resolução: Aplicando a transformada discreta de Laplace, temos:

(e2s + 2es + 1)X(s) = e2s + 2es +es

(es − 1)2= es

[(es + 2)(es − 1)2 + 1

(es − 1)2(es + 1)2

]Usando frações parciais, escrevemos

(es + 2)(es − 1)2 + 1

(es − 1)2(es + 1)2=

A

(es − 1)2+

B

es − 1+

C

(es + 1)2+

D

es + 1⇒

64

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

(es+2)(es−1)2+1 = A(es+1)2+B(es−1)(es−1)2+C(es−1)2+D(es+1)(es−1)2

Fazendo es = 1, obtemos A = 1/4. Para es = −1, temos C = 5/4. Fazendo

es = 0 e es = −2, obtemos o sistema linearB −D = −32

B + 3D = 144

cuja solução é B = −1/4 e D = 5/4. Assim,

X(s) =es

4(es − 1)2− es

4(es − 1)+

5es

4(es + 1)2+

5es

4(es + 1)⇒

xn =1

4ℓ−1d

{es

(es − 1)2

}− 1

4ℓ−1d

{es

es − 1

}+

5

4ℓ−1d

{es

(es + 1)2

}+

5

4ℓ−1d

{es

es + 1

}=

n

4− 1

4− 5

4ℓ−1d

{d

ds

(1

es + 1

)}+

5

4(−1)n

=n− 1

4+

5

4(−1)n +

5n

4

[(−1)n−1 + δ0(n)

]=

n− 1

4+

5

4(−1)n(1− n) =

(n− 1)

4[1− 5(−1)n]

3.9.4 Equações de Diferença do Tipo Volterra

3.9.5 Sistemas de Equações de Diferenças Finitas

Lineares de Primeira Ordem

3.10 Exercícios Propostos

1. Veri�que o teorema do valor inicial e �nal para as sequências abaixo:

65

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

(a) xn = 2n

(b) yn =(n2

)(c) xn = 3 + n

(d) xn = nrn−1 R: X(s) = es/(es − r)2

2. Calcule a transformada discreta direta de Laplace das sequências abaixo.

3. Use a Prop. (3.6) e ℓd{1} para calcular ℓd{n}.

4. Use a Prop. (3.6) e calcule:

(a)∞∑n=1

n cos(nπ/2)

2n

(b)∞∑n=1

n sin(nπ/4)

2n

5. Use a Prop. (3.7) e calcule ℓd{(−1)n}, sabendo que

ℓd

{cos

(nπ

2

)}=

e2s

e2s + 1

6. (a) Mostre que

ℓd

{cos

(nπ

2

)}=

1 + tanh s

2

(b) Mostre que

ℓd

{sin

(nπ

2

)}=

sech s

2

7. Sejam r1, r2 ∈ R. Mostre que

rn1 ∗ rn2 =rn+12 − rn+1

1

r2 − r1

8. Se r1, r2 são as raízes reais da equação ae2s + bes + c = 0, mostre que

(a)

ℓ−1d

{e2s

ae2s + bes + c

}=

rn1 ∗ rn2a

66

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

(b)

ℓ−1d

{es

ae2s + bes + c

}=

rn1 ∗ rn2 − rn1ar2

9. Use o Exem. (3.2) e mostre que

(a)∞∑n=0

2−n

n+ 1= ln 4

(b)

ℓd

{ n∑k=0

1

k + 1

}=

e2s

es − 1[s− ln(es − 1)]

10. Resolva os PVI's abaixo através da transformada discreta de Laplace.

a)

an+1 = 3an, n ∈ N

a0 = 2

b)

xn+2 − 2xn+1 + xn = 2n, n ∈ N

x0 = 2 e x1 = 1

c)

xn+1 = 2xn + 2n, n ∈ N

x0 = 0

67

Capítulo 4

Funções Geradoras

4.1 Introdução

Se as variáveis de um problema mudam de forma discreta ou descontinua-

mente, ao invés de variarem continuamente, as equações de diferenças ao invés

das equações diferenciais são as ferramentas mais adequadas para expressar

essas mudanças. As equações de diferenças �nitas ou recorrentes surgem em

Administração e na Análise Econômica, onde muitos dados econômicos são

registrados em períodos de tempo uniformemente espaçados. Tais estudos das

variáveis ao longo de conjuntos discretos de valores de tempo são denominados

análise de período, e as equações de diferenças oferecem as bases para tais

análises.

Neste texto usaremos as funções geradoras para resolver as equações recor-

rentes que é uma forma compacta de exprimir uma sequência. Através dessas

funções podemos também achar o valor de um somatório, a média e outros

valores estatísticos, além de provar algumas identidades combinatórias. Além

disso, daremos destaque as notações operacionais G e do seu inverso G−1, semel-

hante ao que se faz quando se usa as transformadas de Laplace.

68

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

4.2 Conceitos e Propriedades

De�nição 4.1 Uma série de potências formal ou função geradora é uma ex-

pressão da forma

a0 + a1x+ a2x2 + . . . =

∞∑n=0

anxn

Uma sequência de inteiros (an)n≥0 é a sequência dos coe�cientes.

Exemplo 4.1 A série

A(x) = 1 + x+ 22x2 + 33x3 + . . .+ nnxn + . . .

converge apenas para x = 0. Na teoria formal, esta expressão de�ne uma

função geradora com a sequência de coe�cientes (an)n≥0 cujo termo geral é

dado por an = nn.

Observação 4.1 Sequências e seus elementos serão várias vezes denotadas

por pelas letras latinas minúsculas (a, b, c, . . .), enquanto que suas funções ge-

radoras serão denotadas respectivamente pelas letras latinas maiúsculas

A,B,C, . . .

Exemplo 4.2 Determine a função geradora da sequência an =1

n!, n ∈ N.

Resolução: A(x) =∞∑n=0

xn

n!= ex, que converge para todo x ∈ R.

De�nição 4.2 Duas funções geradoras A =∞∑n=0

anxn e B =

∞∑n=0

bnxn são

iguais se suas correspondentes sequências são iguais, isto é, an = bn para

todo n ∈ N.

De�nição 4.3 A soma e a diferença de duas funções geradoras são de�nidas

por∞∑n=0

anxn ±

∞∑n=0

bnxn =

∞∑n=0

(an ± bn)xn

69

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

o produto pelo escalar c é de�nido por∞∑n=0

canxn = c

∞∑n=0

anxn

e o produto de duas funções geradoras são de�nidas por∞∑n=0

anxn

∞∑n=0

bnxn =

∞∑n=0

cnxn, cn =

n∑j=0

ajbn−j

Ao invés de A · A, escrevemos A2, e mais geralmente An+1 = A · An. Observe

também que 0 é o elemento neutro da adição e 1 é o elemento neutro da

multiplicação.

De�nição 4.4 A função geradora B é a recíproca da função geradora A se

AB = 1.

A função geradora recíproca de A será denotada por 1/A. Desde que a multi-

plicação é comutativa então AB = 1 é equivalente a BA = 1. Portanto, A e

B são multuamente recíprocas.

Exemplo 4.3 Sendo a série geométrica 1/(1− x) dada por

1

1− x= 1 + x+ x2 + . . .

segue que 1 − x e 1 + x + x2 + . . . são séries formais ou funções geradoras

recíprocas.

Teorema 4.1 Uma função geradora A =∞∑n=0

anxn admite uma recíproca se e

somente se a0 ̸= 1. A função geradora recíproca é única.

Demonstração: Assume que A tem uma recíproca dada por 1/A =∞∑n=0

bnxn.

Então A · (1/A) = 1, donde segue que 1 = a0b0, portanto, a0 ̸= 0. Para n ≥ 1,

temos∞∑k=0

akbn−k = 0, de modo que os coe�cientes de A(x) são unicamente

determinados por

bn = − 1

a0

n∑k=0

akbn−k

70

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Por outro lado, se a0 ̸= 0 podemos determinar todos os coe�cientes bn de forma

única usando a expressão anterior, o que gera a série 1/A.

De�nição 4.5 Se A =∞∑n=0

anxn é uma função geradora, A(B(x)) denota a

função geradora A(B(x)) =∞∑n=0

anA(x)n.

De�nição 4.6 Dizemos que as funções geradoras A e B são inversíveis se e

somente se A(B(x)) = B(A(x)) = x.

Teorema 4.2 Se A e B são funções geradoras inversíveis, então

A(x) = a1x+ a2x2 + . . . e B(x) = b1x+ b2x

2 + . . .

Demonstração: De fato, por de�nição A(B(x)) e B(A(x)) não deve conter

o termo nulo. Assume que A(x) = arxr + . . . e B(x) = bsx

s + . . .. Então,

A(B(x)) = x = arbrsx

rs + ..., donde segue que rs = 1 ou r = 1 e s = 1.

De�nição 4.7 A derivada da função geradora A =∞∑n=0

anxn é de�nida por

A′ =∞∑n=1

nanxn−1

A derivada de ordem n > 1 é de�nida recursivamente por A(n+1) = (A(n))′.

Teorema 4.3 Valem as seguintes propriedades sobre as derivadas:

i) (A+B)(n) = A(n) +B(n);

ii) (AB)(n) =n∑

k=0

(n

k

)A(k)B(n−k).

71

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Demonstração:

i) Usaremos indução �nita. Para n = 1, temos

(A+B)′ =

( ∞∑k=0

akxk +

∞∑k=0

bkxk

)′

=

( ∞∑k=0

(ak + bk)xk

)′

=∞∑k=1

k(ak + bk)xk−1

=∞∑k=1

kakxk−1 +

∞∑k=1

kbkxk−1 = A′ +B′

Assumindo que

(A+B)(n) = A(n) +B(n)

mostraremos que esta expressão é válida para n+ 1. De fato,

(A+B)(n+1) = [(A+B)(n)]′ = [A(n) +B(n)]′ =

=

( ∞∑k=n

k(k − 1) . . . (k − n+ 1)akxk−n +

∞∑k=n

k(k − 1) . . . (k − n+ 1)bkxk−n

)′

=∞∑

k=n+1

(k + 1)k . . . (k − n)akxk−n−1 +

∞∑k=n+1

(k + 1)k . . . (k − n− 1)bkxk−n−1

=∞∑

k=n+1

(k + 1)k(k − 1) . . . (k − n)(ak + bk)xk−n−1

ii) É semelhante a regra de Leibniz para derivação do produto de duas funções

e �ca como exercício.

4.3 A Notação Operacional GDe�nição 4.8 Indicaremos por G{an} a função geradora da sequência (an)n≥0,

isto é,

G{an} =∞∑n=0

anxn = A(x)

Proposição 4.1 (Linearidade) Sejam A(x) e B(x) as funções geradoras das

sequências (an)n≥0 e (bn)n≥0. Se c1, c2, então

G{c1an + c2bn} = c1G{an}+ c2G{bn}

72

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Demonstração: Segue diretamente da Def. (4.3).

Proposição 4.2 (Escala) Sejam A(x) a função geradora da sequência (an)n≥0

e c ∈ R, entãoG{cnan} = A(cx)

Demonstração: De fato,

G{cnan} =∞∑n=0

cnanxn =

∞∑n=0

an(cx)n = A(cx)

Observação 4.2 No caso particular em que c = −1, temos:

G{(−1)nan} = A(−x)

Exemplo 4.4 Seja c ∈ C. Mostre que G{cn} =1

1− cx.

Resolução: Da série geométrica, sabemos que para | x | < 1,

1

1− x=

∞∑n=0

xn

Assim, G{1} = 1/(1− x) e pela Prop. (5.2), segue que

1

1− cx=

∞∑n=0

(cx)n = G{cn}

Exemplo 4.5 Determine a função geradora da sequência an = enπi/2.

Resolução: Usando a propriedade acima e a sequência an = 1, temos

G{enπi/2} = G{(eπi/2)n · 1} = G{in · 1} =1

1− ix=

1 + ix

(1− ix)(1 + ix)=

1 + ix

1 + x2

Pela fórmula de Euler, eiθ = cos θ+ i sin θ. Assim, pela propriedade de lineari-

dade, segue que

G{cos

(nπ

2

)+ i sin

(nπ

2

)}=

1

1 + x2+ i

x

1 + x2

73

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

ou seja,

G{cos(nπ/2)} =1

1 + x2e G{sin(nπ/2)} =

x

1 + x2

Proposição 4.3 (Translação) Seja A(x) a função geradora da sequência

(an)n≥0, então:

i) G{an+1} =A(x)− a0

x;

ii) G{an+2} =A(x)− a0 − a1x

x2.

Demonstração:

i) Sendo G{an} =∞∑n=0

anxn, segue que

G{an+1} =∞∑n=0

an+1xn

Fazendo m = n+ 1, temos

G{an+1} =∞∑

m=1

amxm−1 =

1

x

∞∑m=1

amxm =

1

x

( ∞∑n=0

anxn − a0

)=

A(x)− a0x

ii) Seja bn = an+1. Assim,

G{an+2} = G{bn+1} =B(x)− b0

x=

B(x)− a1x

(4.1)

Mas,

B(x) = G{bn} = G{an+1} =A(x)− a0

x(4.2)

Substituindo (5.2) em (5.1), temos

G{an+2} =

A(x)− a0x

− a1

x=

A(x)− a0 − a1x

x2

74

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Observação 4.3 Se m ∈ N, então por indução �nita, segue que

G{an+m+1} =A(x)− a0 − a1x− . . .− amx

m

xm+1

Exemplo 4.6 Determine uma equação algébrica aplicando o operador G no

problema de valor inicial abaixo: an+2 + an+1 − 2an = 5

a0 = 0 e a1 = 1

Resolução: Aplicando o operador G na equação acima, temos:

G{an+2 + an+1 − 2an} = G{5} ⇒

G{an+2}+ G{an+1} − 2G{an} =5

1− x⇒

A(x)− 0− x

x2+

A(x)− 0

x− 2A(x) =

5

1− x⇒

A(x)− x+ xA(x)− 2x2A(x) =5x2

1− x

Logo,

A(x) =5x2

(1− x)(1 + x− 2x2)+

x

1 + x− 2x2

=5x2

(1− x)2(1 + 2x)+

x

(1− x)(1 + 2x)

De�nição 4.9 (Operador xD) O operador xD é de�nido por

(xD)A(x) = xA′(x) = xdA

dx

Teorema 4.4 Seja A(x) a função geradora da sequência (an)n≥0, então

G{nman} = (xD)mA(x) m ∈ N

Demonstração: Usaremos indução �nita. Para m = 1, temos:

G{nan} =∞∑n=0

nanxn = x

∞∑n=0

an nxn−1 = x∞∑n=0

anD(xn)

= xD

( ∞∑n=0

anxn

)= (xD)A(x)

75

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Suponhamos a validade param = k, isto é, G{nkan} = (xD)kA(x), provaremos

que

G{nk+1an} = (xD)k+1A(x)

De fato,

(xD)k+1A(x) = xD(xD)kA(x) = xDG{nkan} = xD∞∑n=0

nkanxn

= x∞∑n=0

nkanD(xn) =∞∑n=0

xnkan nxn−1

=∞∑n=0

nk+1anxn = G{nk+1an}

Exemplo 4.7 Calcule a função geradora da sequência an = n.

Resolução: Sendo G{1} =1

1− xpara | x | < 1, temos:

G{n} = G{n · 1} = (xD)G{1} = xD

(1

1− x

)= x · (−1)

(1− x)2· (−1) =

x

(1− x)2

4.4 Os Números de Stirling do Segundo Tipo

4.5 A Notação Operacional G−1

4.6 Exercícios Propostos

1. Calcule a função geradora de cada uma das sequências abaixo:

(a) an = 2n cos(nπ/2);

(b) an = 2n sin(nπ/2);

(c) an = n2 + n;

(d) an =n

2n;

76

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

(e) an =(−1)n

(2n+ 1)!;

(f) an =(−1)n

(2n)!;

(g) an = 1 se n é par e an = 0 se n é ímpar.

2. Calcule o valor de∞∑n=0

n2

2n

3. Mostre que

G{n3} =x3 + 4x2 + x

(x− 1)4

4. Use indução �nita e mostre que

1

(1− x)k+1=

∞∑n=0

(n+ k

n

)xn, k ∈ N

77

Capítulo 5

Técnicas Para o Cálculo

Somatórios

5.1 Introdução

Os somatórios e as séries numéricas estão presentes no mundo matemático

desde da Grécia Antiga. Por exemplo, o paradoxo de Zenão da corrida entre

Aquiles e a tartaruga envolve de certo modo a soma de uma série in�nita.

Temos também exemplos de séries geométricas nos trabalhos de Arquimedes,

tais como a quadratura da parábola e a reti�cação da espiral que leva o seu

nome. As séries in�nitas só voltaram aparecer na Matemática 1500 anos de-

pois, principalmente com os estudos do matemático medieval Nicole Oresme

(1325-1382) que provou que a série harmônica

∞∑k=1

1

k= 1 +

1

2+ . . .+

1

n+ . . .

diverge. Outro episódio interessante sobre somatórios na história da matemática

ocorreu com Carl F. Gauss (1777-1855) quando tinha 7 anos. Seu profes-

sor para mantê-los ocupados, pediu para que eles calculasse a soma dos cem

primeiros números naturais. Rapidamente, o pequeno Gauss colocou sua pe-

quena lousa sobre a mesa e disse: Aqui está!

A função zeta de Euler, está estreitamente relacionada com os números

78

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

primos, de�nida para qualquer s > 1 é dada por

ζ(s) = 1 +1

2s+

1

3s+

1

4s+ . . .+ =

∞∑n=1

1

ns

Euler calculou de forma engenhosa os valores de ζ(s) para s par. Anos mais

tarde, Bernard Riemann (1826-1866), estudando esta função substituiu a var-

iável real s por uma variável complexa e obteve mais resultados extraordinários,

sendo que um deles conhecido por hipótese de Riemann é um problema aberto

e um grande desa�o para os matemáticos deste século.

Neste capítulo, apresentaremos algumas técnicas para calcular somatórios,

tais como, o teorema das colunas e das diagonais no triângulo de Pascal, o uso

de derivadas e integrais, uso da função beta, da transformada de Laplace e da

técnica de soma por partes.

5.2 Conceitos e Propriedades

Um somatório é um operador matemático que nos permite representar facil-

mente somas muito grandes ou até in�nitas. É representado com a letra grega

sigma (Σ) e é de�nido por:

n∑i=m

ai = am + am+1 + . . .+ an

A variável i é o índice do somatório que designa um valor inicial chamado

limite inferior, m. A variável i percorre os valores inteiros até alcançar o limite

superior, n. Necessariamente tem-se m ≤ n. Prova-se facilmente que

n∑i=m

(ai + bi) =n∑

i=m

ai +n∑

i=m

bi en∑

i=m

cai = c

n∑i=m

ai

sendo c ∈ R.Em matemática, o conceito de série, ou ainda, série in�nita, surgiu da

tentativa de generalizar o conceito de soma para uma seqüência de in�nitos

termos. Esta generalização, longe de acontecer de forma impune, traz diversas

di�culdades:

79

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

• Nem sempre é possível de�nir um valor resultante da soma para uma

série;

• Não é possível em geral trocar a ordem dos termos da série;

• Algumas séries possuem soma in�nita.

Embora a idéia de soma de in�nitos seja bastante antiga, uma formulação

matemática rigorosa só veio a surgir no século XV III, com o advento da

análise real, que denota e de�ne uma série de termos a1, a2, a3, . . . , da seguinte

forma:∞∑n=1

an := limN→∞

N∑n=1

an

Se o limite acima existe, dizemos que a série é convergente, caso contrário,

dizemos que ela é divergente. Existem vários testes sobre convergência de

séries numéricas, tais como, o teste da comparação, o teste da razão, o teste

da raiz, o teste da integral, etc. Como estamos interessados em obter a soma

de uma série, �ca claro que sua convergência foi garantida por algum teste

citado acima.

5.3 Somatórios Através do Teorema das Colunas

Teorema 5.1 (Teorema das Colunas) A soma dos coe�cientes binomiais

situados na p-ésima coluna até a linha n é igual ao coe�ciente binomial situado

na (n+ 1)-ésima linha e (p+ 1)-ésima coluna, ou seja:(p

p

)+

(p+ 1

p

)+. . .+

(n

p

)=

(n+ 1

p+ 1

)ou

n∑k=p

(k

p

)=

(n+ 1

p+ 1

)(5.1)

Demonstração: Usaremos indução �nita sobre n. Se n = p, temos:(p

p

)= 1 =

(p+ 1

p+ 1

)Suponhamos que

n∑k=p

(k

p

)=

(n+ 1

p+ 1

)(5.2)

80

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Assim,

n+1∑k=p

(k

p

)=

n∑k=p

(k

p

)+

(n+ 1

p+ 1

)=

(n+ 1

p+ 1

)+

(n+ 1

p

)=

(n+ 1

p+ 1

)�

Exemplo 5.1 Calculen∑

k=1

k.

Resolução: Usando o teorema das colunas com p = 1, temos:n∑

k=1

k =n∑

k=1

(k

1

)=

(n+ 1

2

)=

(n+ 1)n

2

Exemplo 5.2 Mostre quen∑

k=1

k2 =n(n+ 1)(2n+ 1)

6.

Resolução: Usando o teorema das colunas com p = 2, segue quen∑

k=2

(k

2

)=

n∑k=2

k(k − 1)

2=

(n+ 1

3

)⇒ 1

2

n∑k=2

k2 − 1

2

n∑k=2

k =

(n+ 1

3

)ou

n∑k=1

k2 =n∑

k=1

k + 2× (n+ 1)n(n− 1)

3!

=n(n+ 1)

2+

(n+ 1)n(n− 1)

3

=n(n+ 1)(2n+ 1)

6

81

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

5.4 A Técnica de Soma Por Partes

No Cálculo Integral, temos várias técnicas para calcular as integrais. Mas

uma das fórmulas mais importantes descoberta por Leibniz é a fórmula de

integração por partes dada por∫ t

s

f(x)g(x)dx = F (t)g(t)− F (s)g(s)−∫ t

s

F (x)g′(x)dx

onde F (x) é uma primitiva de f(x). É interessante observar que existe uma

versão discreta desta fórmula para somatórios.

Teorema 5.2 (Teorema da Soma por Partes) Seja Ak =∑k

j=1 aj. En-

tãon∑

k=1

akbk = Anbn −n−1∑k=1

Ak(bk+1 − bk)

Demonstração: Note que a1 = A1 e para k > 1,

Ak − Ak−1 =k∑

j=1

aj −k−1∑j=1

aj = ak

Assim,n∑

k=1

akbk = a1b1 + a2b2 + . . .+ anbn

= A1b1 + (A2 − A1)b2 + . . .+ (An − An−1)bn

= Anbn − A1(b2 − b1)− . . .− An−1(bn − bn−1)

= Anbn −n−1∑k=1

Ak(bk+1 − bk)

o que conclui a demonstração.

Exemplo 5.3 (1978 IMO) Seja n um inteiro positivo e a1, a2, . . . , an uma

sequência de inteiros positivos. Prove quen∑

k=1

akk2

≥n∑

k=1

1

k:= Hn (números harmônicos)

82

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Resolução: De fato, desde que a′js são inteiros positivos distintos, então

Ak := a1 + a2 + . . .+ ak ≥ 1 + 2 + . . .+ k =k(k + 1)

2

Aplicando a técnica de soma por partes, temos:

k2∑k=1

akk2

=An

n2+

n−1∑k=1

Ak

[1

k2− 1

(k + 1)2

]

≥ n(n+ 1)

2n2+

n−1∑k=1

k(k + 1)

2· [ (k + 1)2 − k2

k2(k + 1)2]

=n+ 1

2n+

1

2

n−1∑k=1

2k + 1

k(k + 1)

Usando frações parciais, podemos escrever

2k + 1

k(k + 1)=

1

k+

1

k + 1

Assim,

n∑k=1

akk2

≥ 1

2

[1 +

1

n+

n−1∑k=1

(1

k+

1

k + 1

)]=

1

2

[ n∑k=1

1

k+

n−1∑k=0

1

k + 1

]=

1

2

n∑k=1

1

k+

1

2

n∑j=1

1

j=

n∑k=1

1

k= Hn

Exemplo 5.4 Mostre que a série

∞∑k=1

sin k

k

converge.

Resolução: Seja ak = sin k e bk = 1/k. Usando a identidade trigonométrica

sinm · sin 1

2=

cos(m− 12)− cos(m+ 1

2)

2

83

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

segue que

Ak :=cos(1

2)− cos(3

2)

2 sin 12

+ . . .+cos(k − 1

2)− cos(k + 1

2)

2 sin 12

=cos 1

2− cos(k + 1

2)

2 sin 12

Assim,

|Ak| ≤2

2 sin 12

=1

sin 12

de modo que

limn→∞

Anbn = 0

Aplicando a fórmula de soma por partes, temos:

∞∑k=1

sin k

k= lim

n→∞

n∑k=1

akbk = limn→∞

[Anbn −

n−1∑k=1

Ak(bk+1 − bk)

]

= limn→∞

[Anbn −

n−1∑k=1

Ak(1

k− 1

k + 1)

]

= limn→∞

[An

n+

An−1

n− 1− An

n+

n−1∑k=1

Ak

(1k− 1

k + 1

)]donde segue que

∞∑k=1

sin k

k=

∞∑k=1

Ak(1

k− 1

k + 1)

Desde que

∞∑k=1

∣∣∣∣Ak

(1

k− 1

k + 1

)∣∣∣∣ = ∞∑k=1

|Ak| ·(1

k− 1

k + 1

)≤ 1

sin 12

∞∑k=1

(1

k− 1

k + 1

)=

1

sin 12

a série converge.

84

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

5.5 A Notação de Iverson Para Somatórios

O matemático Kenneth E. Iverson criou uma notação que denota 1 se a

condição entre colchetes P é satisfeita e 0, caso contrário. Matemáticamente,

temos

[P ] =

1, se P é verdadeira

0, se P é falsa

Alguns casos particulares desta notação são muitos utilizados; por exemplo,

se A for um conjunto, então [x ∈ A] é a função característica ou indicadora

do conjunto A que também é denotada por IA. Se i e j são números naturais,

então [i = j] é simplesmente δij (delta de Kronecker) . A aplicação imediata da

notação de Iverson é no cálculo de somatórios. Por exemplo, podemos escrever

n∑i=1

f(i) =∑i

[1 ≤ i ≤ n]f(i)

sendo o somatório à direita uma série em que há somente um número �nito de

termos não-nulos. Com esta notação, podemos fazer muitas coisas de forma

muito mais simples.

Exemplo 5.5 Use a notação de Iverson e calcule o somatório

n∑k=1

(−1)kk

Resolução: Analisando a paridade de n, obtemos

n∑k=1

(−1)k =(−1)n − 1

2

85

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Assim,

n∑k=1

(−1)kk =n∑

k=1

(−1)kk∑

j=1

1 =n∑

k=1

k∑j=1

(−1)k

=n∑

k=1

[1 ≤ j ≤ k](−1)k =∑j,k

[1 ≤ k ≤ n][1 ≤ j ≤ k](−1)k

=∑j,k

[1 ≤ j ≤ k ≤ n](−1)k =∑j,k

[1 ≤ j ≤ n][j ≤ k ≤ n](−1)k

=∑j

[1 ≤ j ≤ n]1

2[(−1)n − (−1)j−1] =

1

2

n∑j=1

[(−1)n + (−1)j]

=1

2

n∑j=1

(−1)n +1

2

n∑j=1

(−1)j =1

2(−1)nn+

1

2· (−1)n − 1

2

=2n(−1)n + (−1)n − 1

4=

(−1)n(2n+ 1)− 1

4

Exemplo 5.6 Seja f(i, j) uma função de�nida em N2. Prove que

n∑i=1

n∑j=1

f(i, j) =n∑

j=1

j∑i=1

f(i, j)

Resolução: Analisando a �gura abaixo, temos:

n∑j=1

( j∑i=1

f(i, j)

)=

n∑i=1

n∑j=1

f(i, j)

Através da notação de Iverson, provamos esta identidade do seguinte modo:

n∑i=1

n∑j=1

f(i, j) =∑i,j

[1 ≤ i ≤ n][1 ≤ j ≤ n]f(i, j) =∑i,j

[1 ≤ i ≤ j ≤ n]f(i, j)

=∑i,j

[1 ≤ i ≤ j][1 ≤ j ≤ n]f(i, j) =n∑

j=1

j∑i=1

f(i, j)

Exemplo 5.7 Calcule a soman∑

k=1

k2k.

86

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Resolução: Note que k2k = 2k + 2k + . . .+ 2k =k∑

j=1

2k.

Assim,

n∑k=1

k2k =n∑

k=1

k∑j=1

2k =∑j,k

[1 ≤ k ≤ n][1 ≤ j ≤ k]2k

=∑j,k

[1 ≤ j ≤ k ≤ n]2k =∑j,k

[1 ≤ j ≤ n][j ≤ k ≤ n]2k

=∑j,k

[1 ≤ j ≤ n](2n+1 − 2j) =n∑

j=1

(2n+1 − 2j)

= n2n+1 − (2n−1 − 2) = (n− 1)2n+1 + 2

O exemplo anterior ilustra uma técnica semelhante usada em integrais duplas,

em que trocamos o ordem de integração para simpli�car os cálculos. Vejamos

uma situação concreta em que o cálculo do somatório é facilitado com o a uso

da notação de Iverson.

Exemplo 5.8 Suponhamos que temos um algoritmo que calcula o valor de

f(k) em um tempo que é o valor aproximado por falta de√k. Quanto tempo

demorará esse algoritmo a tabelar os valores de f entre 1 e n?

Resolução: Note que ⌊6, 7⌋ = 6, 0 =6∑

j=1

1 =∑j

[1 ≤ j ≤ 6]. Assim, em

geral,

⌊p⌋ =∑j

[1 ≤ j ≤ p]

87

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Para o nosso problema, o tempo total T é dado por:

T =n∑

k=1

⌊√k⌋ =

∑k

[1 ≤ k ≤ n]⌊√k⌋

=∑j,k

[1 ≤ k ≤ n][1 ≤ j ≤√k] =

∑j,k

[1 ≤ j ≤√k ≤

√n]

=∑j,k

[1 ≤ j ≤√n][j2 ≤ k ≤ n] =

∑j

[1 ≤ j ≤√n](n+ 1− j2)

ou seja,

T =∑j

[1 ≤ j ≤√n](n+ 1)−

∑j

[1 ≤ j ≤√n]j2

= (n+ 1)⌊√n⌋ −

√n∑

j=1

j2 = (n+ 1)⌊√n⌋ −

√n(√n+ 1)(2

√n+ 1)

6

5.6 Usando Derivadas Para Calcular Somatórios

Uma das séries mais importantes na Matemática é a série geométrica dada por

1

1− x= 1 + x+ x2 + . . . =

∞∑k=0

xk para | x |< 1 (5.3)

Esta série in�nita é a PG cuja razão x ∈ (−1, 1). Dentro do intervalo

de convergência de uma série in�nita podemos derivar ou integrar termo a

termo, que obteremos uma série convergente. Usando esta propriedade, iremos

calcular a soma de algumas séries numéricas.

Exemplo 5.9 Calcule a soma da série numérica

∞∑n=1

n

2n

Resolução: Seja

f(x) =1

1− x=

∞∑n=0

= xn

88

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Derivando ambos os lados desta expressão, temos

f ′(x) =1

(1− x)2=

∞∑n=1

nxn−1 para | x |< 1

Multiplicando por x, segue que

x

(1− x)2=

∞∑n=1

nxn

Fazendo x = 1/2, nesta expressão, obtemos

∞∑n=1

n

2n=

1/2

(1− 1/2)2= 2

Exemplo 5.10 Mostre que

n∑k=2

(k

2

)(n

k

)=

(n

2

)2n−2

Resolução: Seja

f(x) = (x+ 1)n =n∑

k=0

(n

k

)xk

e

g(x) = f ′′(x) = n(n−1)(x+1)n−2 =n∑

k=2

k(k−1)

(n

k

)xk−2 = 2

n∑k=2

(k

2

)(n

k

)xk−2

Note que

g(1) = n(n− 1)2n−2 = 2n∑

k=2

(k

2

)(n

k

)donde segue que

n∑k=2

(k

2

)(n

k

)=

n(n− 1)

22n−2 =

(n

2

)2n−2

Observação 5.1 Este resultado pode ser generalizado, ou seja,

n∑k=p

(k

p

)(n

k

)=

(n

p

)2n−p

89

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

De fato, derivando p vezes (p ≥ 1) a função

f(x) = (x+ 1)n =n∑

k=0

xk

obtemos f (p)(x) = n(n − 1) . . . (n − p + 1)xn−p =(np

)p!(1 + x)n−p. Por outro

lado,

f (p)(x) =d

dxp

[ n∑k=0

(n

k

)xk

]=

n∑k=p

(n

k

)k(k−1) . . . (k−p+1)xk−p =

n∑k=p

(n

k

)(k

p

)p!xk−p

Fazendo x = 1 nas duas expressões segue o resultado.

Exemplo 5.11 Mostre que a soma alternada dos n primeiros inteiros posi-

tivos ao quadrado é dada por

n∑k=1

(−1)kk2 =(−1)nn(n+ 1)

2

Seja

f(x) =n∑

k=0

xk = 1 + x+ x2 + . . .+ xn

Para x ̸= 1, temos:

f(x) =(1 + x+ x2 + . . .+ xn)(x− 1)

x− 1=

xn+1 − 1

x− 1

Derivando f(x), obtemos:

f ′(x) =(n+ 1)xn

x− 1− xn+1 − 1

(x− 1)2⇒ (5.4)

f ′′(x) =(n+ 1)nxn−1(x− 1)− (n+ 1)xn · 1

(x− 1)2− (n+ 1)xn(x− 1)2 − (xn+1 − 1)2(x− 1)

(x− 1)4

=(n+ 1)nxn−1

x− 1− (n+ 1)xn

(x− 1)2+

2(xn+1 − 1)

(x− 1)3− (n+ 1)xn

(x− 1)2

=(n+ 1)nxn−1

x− 1− 2(n+ 1)xn

(x− 1)2+

2(xn+1 − 1)

(x− 1)3

90

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Fazendo x = −1 na expressão acima, segue que

f ′′(−1) =(n+ 1)n(−1)n

2− (n+ 1)(−1)n

2− (−1)n+1 − 1

4

=(−1)n(n2 − 1)

2+

(−1)n

4+

1

4=

(−1)n(2n2 − 1) + 1

4

(5.5)

Mas,

f ′′(x) =n∑

k=2

k(k − 1)xk−2 ⇒ f ′′(−1) =∞∑k=2

k(k − 1)(−1)k (5.6)

Comparando (5.5) e (5.6), temos:

∞∑k=2

[(−1)kk2 − (−1)kk] =(−1)n(2n2 − 1) + 1

4⇒

−1 +∞∑k=2

(−1)kk2 = −1 +n∑

k=2

(−1)kk +(−1)n(2n2 − 1) + 1

4⇒

n∑k=1

(−1)kk2 =(2n+ 1)(−1)n − 1

4+

(2n2 − 1)(−1)n + 1

4=

(−1)nn(n+ 1)

2

5.7 Usando Integrais Para Calcular Somatórios

Alguns somatórios e séries convergentes podem ser resolvidos usando ade-

quadamente uma integral de�nida de 0 a 1. Especi�camente, usaremos o fato

que ∫ 1

0

xndx =1

n+ 1para n ̸= 1

Além disso, estamos admitindo que a permutação entre integrais e séries seja

permitida. O primeiro exemplo é uma série alternada que relaciona o inverso

dos números ímpares com π/4, descoberta pelo matemático G. W. Leibniz

(1646-1716).

Exemplo 5.12 Mostre que

∞∑k=0

(−1)k

2k + 1=

π

4

91

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Resolução:

∞∑n=0

(−1)n

2n+ 1=

∞∑n=0

(−1)n∫ 1

0

x2ndx =

∫ 1

0

∞∑n=0

(−1)nx2ndx

=

∫ 1

0

∞∑n=0

(−x2)ndx =

∫ 1

0

1

1 + x2dx = arctanx

]10

4

Exemplo 5.13 Prove que

n∑k=0

(nk

)k + p+ 1

=

∫ 1

0

xp(1 + x)ndx, p > 0

Resolução: De fato,

n∑k=0

(nk

)k + p+ 1

=n∑

k=0

(n

k

)∫ 1

0

xk+pdx =

∫ 1

0

n∑k=0

(n

k

)xk+pdx

=

∫ 1

0

xp

n∑k=0

(n

k

)xk1n−kdx =

∫ 1

0

xp(1 + x)ndx

Exemplo 5.14 Calcule o somatório

n∑k=0

(−1)k

k + 1

(n

k

)Resolução:

n∑k=0

(−1)k

k + 1

(n

k

)=

n∑k=0

(−1)k(n

k

)∫ 1

0

xkdx =

∫ 1

0

n∑k=0

(n

k

)(−1)kxkdx

=

∫ 1

0

n∑k=0

(n

k

)(−x)kdx =

∫ 1

0

(1− x)ndx = −(1− x)n+1

n+ 1

]10

=1

n+ 1

5.7.1 Uma Identidade Entre Séries e Integrais

Sejam m ∈ N∗, a, b ∈ N com a < b. A série numérica

∞∑k=0

1

(mk + a)(mk + b)

92

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

é convergente. De fato,

1

(mk + a)(mk + b)≤ 1

m2k2≤ 1

k2

e a série∞∑k=1

1

k2= ζ(2). Além disso, é válida a seguinte proposição:

Proposição 5.1 Sejam a, b e m dados acima. Então

∞∑k=0

1

(mk + a)(mk + b)=

1

b− a

∫ 1

0

xa−1 − xb−1

1− xmdx

Demonstração: Usando frações parciais, temos:

1

(mk + a)(mk + b)=

A

mk + a+

B

mk + b⇒ A =

1

b− ae B = − 1

b− a

Assim,

∞∑k=0

1

(mk + a)(mk + b)=

1

b− a

∞∑k=0

1

mk + a− 1

b− a

∞∑k=0

1

mk + b(5.7)

Mas,1

mk + a=

∫ 1

0

xmk+a−1dx (5.8)

e1

mk + b=

∫ 1

0

xmk+b−1dx (5.9)

Substituindo (5.9), (5.8) em (5.7), segue que

∞∑k=0

1

(mk + a)(mk + b)=

1

b− a

[∫ 1

0

xa−1

∞∑k=0

xmkdx−∫ 1

0

xb−1

∞∑k=0

xmkdx

]=

1

b− a

[∫ 1

0

xa−1

1− xmdx−

∫ 1

0

xb−1

1− xmdx

]=

1

b− a

∫ 1

0

xa−1 − xb−1

1− xmdx

93

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Exemplo 5.15 Mostre que

∞∑k=0

1

(2k + 1)(2k + 2)= ln 2

Resolução: Usando a Prop. (5.1) com m = 2, a = 1 e b = 2, segue que

∞∑k=0

1

(2k + 1)(2k + 2)=

1

2− 1

∫ 1

0

(x1−1 − x2−1)

1− x2dx =

∫ 1

0

1

1 + x= ln 2

Exemplo 5.16 Veri�que a identidade∫ 1

0

dx

1 + x+ x2 + x3=

∞∑k=0

1

(4k + 1)(4k + 2)

Resolução: De fato, usando a Prop. (5.1) com m = 4, a = 1 e b = 2, temos:

∞∑k=0

1

(4k + 1)(4k + 2)=

∫ 1

0

x1−1 − x2−1

1− x4dx =

∫ 1

0

1

1 + x+ x2 + x3dx

5.8 Somatórios Através das Funções Beta e Gama

De�nição 5.1 A função beta é de�nida por

B(m,n) =

∫ 1

0

xm−1(1− x)n−1dx

sendo m e n reais positivos.

Outra função relacionada com a função beta é a função gama.

De�nição 5.2 A função gama é de�nida por:

Γ(x) =

∫ ∞

0

e−ttx−1dt para x > 0

Fazendo a mudança de variável x = sin2 θ na função beta, obtemos:

B(m,n) =

∫ π/2

0

sin2m−2 θ cos2n−2 θ·2 sin θ cos θdθ = 2

∫ π/2

0

sin2m−1 θ cos2n−1 θdθ

94

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Teorema 5.3

Γ(x+ 1) = xΓ(x) para x > 0

Demonstração: Note que

Γ(x+ 1) =

∫ ∞

0

txe−tdt = limb→∞

∫ b

0

txe−tdt (5.10)

Fazendo u = tx ⇒ du = xtx−1dt e dv = e−tdt ⇒ v = −e−t e

integrando por partes, temos:∫ b

0

txe−tdt = −txe−x

]b0

−∫ b

0

−e−txtx−1dt = x

∫ b

0

tx−1e−tdt (5.11)

Substituindo (5.11) em (5.10), segue que

Γ(x+ 1) = limb→∞

x

∫ b

0

txe−tdt = xΓ(x)

Corolário 5.1 Γ(n+ 1) = n!, para n ∈ N.

Demonstração: Pelo teorema anterior, tem-se:

Γ(0 + 1) = Γ(1) = 1

Γ(1 + 1) = Γ(2) = 1 · Γ(1)...

......

Γ(n+ 1) = Γ(n+ 1) = nΓ(n)

Multiplicando todos os termos membro a membro, temos:

Γ(1) · Γ(2) · Γ(3) · . . . · Γ(n)Γ(n+ 1) = 1 · 1Γ(1) · 2Γ(2) · . . . · nΓ(n) ⇒

Γ(n+ 1) = 1 · 2 · 3 · . . . · n = n!

Por esta razão que Γ(n) também recebe o nome de função fatorial.

Observação 5.2 Segue diretamente do Teorema (5.3) que Γ(x) = (x−1)Γ(x−1). Esta relação é muito útil para cálculos de valores da função gama para

números fracionários.

95

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Uma expressão muito útil relacionando as funções beta e gama é dada no

seguinte teorema:

Teorema 5.4 Para m > 0 e n > 0, temos

B(m,n) =Γ(m)Γ(n)

Γ(m+ n)

Demonstração: Seja u = x/(1 − x) na de�nição de função beta. Deste

modo,

x =u

1 + ue

du

dx=

1 · (1− x)− x(−1)

(1− x)2⇒ dx = (1− x)2du =

du

(1 + u)2

Assim,

B(m,n) =

∫ 1

0

xm−1(1−x)n−1dx =

∫ ∞

0

(u

1 + u

)m−1(1

1 + u

)n−1du

(1 + u)2⇒

B(m,n) =

∫ ∞

0

um−1

(1 + u)m+ndu (5.12)

Por outro lado, fazendo a mudança de variável, s = pt na integral abaixo,

temos:∫ ∞

0

e−pttx−1dt =

∫ ∞

0

e−s

(s

p

)x−1ds

p=

1

px

∫ ∞

0

e−ssx−1ds =Γ(x)

px(5.13)

Desta expressão, segue que

1

(1 + u)m+n=

1

Γ(m+ n)

∫ ∞

0

e−(1+u)ttm+n−1dt (5.14)

Substituindo (5.14) em (5.12), obtemos:

B(m,n) =

∫ ∞

0

um−1

Γ(m+ n)du

∫ ∞

0

e−(1+u)ttm+n−1dt

=1

Γ(m+ n)

∫ ∞

0

e−ttm+n−1dt ·∫ ∞

0

e−utum−1du

Usando a expressão (5.13) na segunda integral acima, segue que

B(m,n) =1

Γ(m+ n)

∫ ∞

0

e−ttm+n−1dt·Γ(m)

tm=

Γ(m)

Γ(m+ n)

∫ ∞

0

e−ttn−1dt =Γ(m)Γ(n)

Γ(m+ n)

96

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

�Vejamos agora aplicações destas funções no cálculo de somatórios e soma

de séries convergentes.

Exemplo 5.17 Mostre que

∞∑k=0

(k+bn−1

)(k+bn

)(k+1+b

n

) =

(b

n

)−1

Resolução: Usando a de�nição de coe�ciente binomial, temos:

∞∑k=0

(k+bn−1

)(k+bn

)(k+1+b

n

) =∞∑k=0

(k + b)!

(k + b− n+ 1)!(n− 1)!

(k + b)!(k + b+ 1)!

n!(k + b− n)!n!(k + b+ 1− n)

=∞∑k=0

(n!)2(k + b− n!)

(k + b+ 1)!(n− 1)!= n

∞∑k=0

n!(k + b− n)!

(k + b+ 1)!

Usando o Corolário (5.1) e o Teorema (5.4), segue que

∞∑k=0

(k+bn−1

)(k+bn

)(k+1+b

n

) = n∞∑k=0

Γ(n+ 1)Γ(k + b− n+ 1)

Γ(k + b+ 2)

= n

∞∑k=0

B(k + b− n+ 1, n+ 1) = n

∞∑k=0

∫ 1

0

xk+b−n(1− x)ndx

= n

∫ 1

0

xb−n(1− x)n∞∑k=0

xkdx = n

∫ 1

0

xb−n (1− x)n

1− xdx

= n

∫ 1

0

xb−n(1− x)n−1dx = nB(b− n+ 1, n) =n(b− n)!(n− 1)!

b!

=1

b!

n!(b− n)!

=

(b

n

)−1

Exemplo 5.18 Mostre que

∞∑n=1

(−1)n−1

n2n(2nn

) =ln 2

3

97

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Resolução: Usando novamente a de�nição de coe�ciente binomial, temos:

∞∑n=1

(−1)n−1

n2n(2nn

) = −∞∑n=1

n!n!(−1)n

n2n(2n)!= −

∞∑n=1

n!(n− 1)!

(2n)!

(−1

2

)n

= −∞∑n=1

Γ(n+ 1)Γ(n)

Γ(2n+ 1)

(−1

2

)n

= −∞∑n=1

B(n+ 1, n)

(−1

2

)n

= −∞∑n=1

∫ 1

0

xn(1− x)n−1

(−1

2

)n

dx = −∫ 1

0

1

1− x

∞∑n=1

[x(1− x)(−1)

2

]n

= −∫ 1

0

1

1− x

∞∑n=1

(x2 − x

2

)n

dx = −∫ 1

0

1

1− x

[1

1− (x2 − x)/2− 1

]dx

= −∫ 1

0

1

1− x· x2 − x

2 + x− x2dx = −

∫ 1

0

xdx

(x+ 1)(x+ 2)

= −1

3

[2

∫ 1

0

dx

x− 2+

∫ 1

0

dx

x+ 1

]= −2

3ln |x− 2|

]10

−1

3ln |x+ 1|

]10

=2

3ln 2− 1

3ln 2 =

ln 2

3

Exemplo 5.19 Calcule:∞∑k=0

1

(2k + 1)(2kk

)Resolução:

∞∑k=0

1

(2k + 1)(2kk

) =∞∑k=0

(k!)2

(2k + 1)!=

∞∑k=0

Γ(k + 1)Γ(k + 1)

Γ(2k + 2)

=∞∑k=0

B(k + 1, k + 1) =∞∑k=0

∫ 1

0

xk(1− x)kdx =

∫ 1

0

∞∑k=0

(x− x2)kdx

=

∫ 1

0

1

1− x+ x2dx =

∫ 1

0

dx(x− 1

2

)2+ 3

4

dx

=

∫ 1/2

−1/2

du

u2 + 34

= 2

∫ 1/2

0

du

u2 + 34

Fazendo a mudança de variável u =√32tan θ, segue o resultado.

98

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

5.9 Somatórios Através da Transformada de Laplace

De�nição 5.3 A transformada de Laplace é de�nida por

F (s) = L{f(t)} =

∫ ∞

0

e−stf(t)dt

Um resultado clássico a�rma que se a função f é contínua por partes e de

ordem exponencial, então existe sua transformada de Laplace. Através dela,

iremos transformar o cálculo da soma de uma série em uma integral imprópria

através do seguinte teorema:

Teorema 5.5 Se f(t) = L−1{F (n)}. Então,∞∑n=0

F (n) =

∫ ∞

0

f(t)

1− e−tdt =

∫ ∞

0

etf(t)

et − 1dt

Demonstração: De fato,

∞∑n=0

F (n) =∞∑n=0

L{f(t)} =∞∑n=0

∫ ∞

0

e−ntf(t)dt

=

∫ ∞

0

∞∑n=0

e−ntf(t)dt =

∫ ∞

0

f(t)∞∑n=0

(e−t)ndt

=

∫ ∞

0

f(t)

1− e−tdt =

∫ ∞

0

etf(t)

et − 1dt

donde segue o resultado. Na penúltima passagem usamos a soma de uma série

geométrica de razão e−t.

Proposição 5.2 Sendo L{e−bt} = 1/(s+ b) para s > b, então para a ̸= 0,

L−1

{1

as+ b

}=

1

ae−bt/a

Demonstração: De fato,

L

{1

ae−bt/a

}=

1

aL{e−bt/a} =

1

a· 1

s+ b/a=

1

as+ b

donde segue o resultado.

99

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Exemplo 5.20 Mostre que

∞∑n=0

1

(3n+ 1)(3n+ 2)=

π

3√3

Resolução: Usando frações parciais, temos:

1

(3n+ 1)(3n+ 2)=

A

3n+ 1+

B

3n+ 2⇒ 1 = A(3n+ 2) +B(3n+ 1)

Para n = −1/3 ⇒ A = 1 e para n = −2/3 ⇒ B = −1. Assim,

F (n) =1

3n+ 1− 1

3n+ 2⇒ f(t) = L−1

{1

3n+ 1

}+L−1

{1

3n+ 2

}=

1

3e−t/3−1

3e−2t/3

pela Proposição (5.2). Assim, pelo Teorema (5.5), temos:

∞∑n=0

1

(3n+ 1)(3n+ 2)=

1

3

∫ ∞

0

et(e−t/3 − e−2t/3)

et − 1dt

=1

3

∫ ∞

0

et/3(et/3 − 1)

et − 1dt =

∫ ∞

1

du

u2 + u+ 1

A última passagem foi obtida fazendo a mudança de variáveis u = et/3. Com-

pletando quadrados, podemos escrever a última integral na forma

∞∑n=0

1

(3n+ 1)(3n+ 2)= 4

∫ ∞

1

du

(2u+ 1)2 + 3=

4

3

∫ ∞

1

du(2u+ 1√

3

)2

+ 1

Fazendo v =2u+ 1√

3, segue que

∞∑n=0

1

(3n+ 1)(3n+ 2)=

2√3

∫ ∞

√3

dv

v2 + 1=

π

3√3

Exemplo 5.21 Calcule a soma da série

∞∑n=1

(−1)n+1

n

100

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Resolução: Neste caso, usaremos diretamente a transformada de Laplace.

Note que1

n=

∫ ∞

0

e−ntdt

Assim,

∞∑n=1

(−1)n+1

n=

∞∑n=1

∫ ∞

0

(−1)n+1e−ntdt = −∫ ∞

0

∞∑n=1

(−e−t)ndt

= −∫ ∞

0

(−e−t)

1 + e−tdt = − ln(1 + e−t)

]∞0

= ln 2

Exemplo 5.22 Calcule a soma da série

∞∑n=0

1

(4n+ 1)(4n+ 2)

Resolução: Usando frações parciais, temos:

1

(4n+ 1)(4n+ 2)=

A

4n+ 1+

B

4n+ 2⇒ A = 1, B = −1

Assim,

f(t) = L−1

{1

4n+ 1− 1

4n+ 2

}=

1

4(e−t/4 − e−t/2)

Usando o Teorema (5.5), segue que

∞∑n=0

1

(4n+ 1)(4n+ 2)=

1

4

∫ ∞

0

et(e−t/4 − e−t/2)

et − 1dt

=1

4

∫ ∞

0

(e3t/4 − et/2)

et − 1dt =

1

4

∫ ∞

0

et/2(et/4 − 1)

et − 1dt

A seguir, faz-se a mudança de variável u = et/4 na última integral, du =

et/4dt/4, de modo que:

∞∑n=0

1

(4n+ 1)(4n+ 2)=

1

4

∫ ∞

1

u(u− 1)

(u2 − 1)(u2 + 1)du =

∫ ∞

1

u

(u+ 1)(u2 + 1)du

Novamente usando frações parciais, escrevemos

u

(u+ 1)(u2 + 1)=

A

u+ 1+

Bu+ C

u2 + 1⇒ u = A(u2 + 1) + (Bu+ C)(u+ 1)

101

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Para u = −1, temos A = −1/2, para u = 0, temos C = 1/2 e �nalmente para

u = 1, obtemos B = 1/2. Assim,

∞∑n=0

1

(4n+ 1)(4n+ 2)= −1

2

∫ ∞

1

du

1 + u+

1

2

∫ ∞

1

udu

u2 + 1+

1

2

∫ ∞

1

du

u2 + 1

=1

4ln(u2 + 1)

]∞1

−2

4ln(u+ 1)

]∞1

+1

2arctanu

]∞1

=1

4ln

[u2 + 1

(u+ 1)2

]∞1

+1

2

2− π

4

)=

1

4ln

[1 + 1/u2

1 + 2/u+ 1/u2

]∞1

8=

ln 2

4+

π

8

Exemplo 5.23 Vimos na Introdução que para p > 0,

ζ(p) =∞∑n=1

1

np

Mostre que

ζ(p) =1

Γ(p)

∫ ∞

0

tp−1dt

et − 1

Resolução: Note que se f(t) = tm, então L{tm} =m!

sm+1, de modo que

F (n) := L

{tp−1

(p− 1)!

}=

1

np

Assim,

ζ(p) =∞∑n=1

1

np=

∞∑n=1

L

{tp−1

(p− 1)!

}=

∞∑n=1

1

(p− 1)!

∫ ∞

0

e−nttp−1dt =1

Γ(p)

∫ ∞

0

tp−1

∞∑n=1

e−ntdt

=1

Γ(p)

∫ ∞

0

tp−1 e−t

1− e−tdt =

1

Γ(p)

∫ ∞

0

tp−1dt

et − 1

Observação 5.3 Em 1734, Leonhard Euler provou que ζ(2) = π2/6. Por-

tanto, ∫ ∞

0

t

et − 1dt = Γ(2)ζ(2) =

π2

6

102

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Exemplo 5.24 Mostre que

∞∑n=0

1

(n+ 1)(n+ 2)= 1

Resolução:

10 modo: Seja

Sn =n∑

k=0

1

(k + 1)(k + 2)=

n∑k=0

(1

k + 1− 1

k + 2

)= 1− 1

n+ 2

pois trata-se de uma soma telescópica. Logo,

∞∑n=0

1

(n+ 1)(n+ 2)= lim

n→∞Sn = lim

n→∞

(1− 1

n+ 2

)= 1

20 modo: Usando frações parciais, temos:

f(t) = L−1

{1

n+ 1

}− L−1

{1

n+ 2

}= e−t − e−2t

=

∫ ∞

0

et(e−t − e−2t)

et − 1dt =

∫ ∞

0

1− e−t

et − 1dt =

∫ ∞

0

et − 1

et(et − 1)dt

=

∫ ∞

0

e−tdt = L{1}∣∣∣∣s=1

= 1

5.10 Somatórios Através das Funções Geradoras

Podemos usar as funções geradoras para calcular o valor numérico de uma

série convergente. Para isto, veremos a proposição sobre a convergência de

uma série numérica.

Proposição 5.3 Se a série numérica∑

an converge, então lim an = 0.

Demonstração: Considere a sequência das somas parciais Sn =n∑

k=0

ak.

Assim,

limn→∞

an = limn→∞

(Sn+1 − Sn) = limn→∞

Sn+1 − limn→∞

Sn = 0− 0 = 0

103

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Observação 5.4 Podemos interpretar esta Proposição do seguinte modo, con-

hecido por teste da divergência: "Se o termo geral de uma série numérica não

converge para zero, então a série diverge". Baseado neste teste, é fácil ver que

a série∞∑n=1

sin(nπ/2) diverge.

O estudo da convergência de séries numéricas é tratado em um curso de

Séries In�nitas, e por isso, não irei entrar em detalhes sobre este assunto. É

interessante citar a importância dos testes da razão e da raiz para a análise

da convergência de uma série numérica. Além disso, dentro do intervalo de

convergência de uma série de potências, podemos derivar ou integrar termo a

termo que a série resultante continua convergente.

Nos exemplos abaixo, usaremos as funções geradoras para calcular a soma

de algumas séries numéricas, supondo que a convergência está garantida por

algum dos métodos comentados acima.

Exemplo 5.25 Calcule a soma∞∑n=0

n

2n.

Resolução: Seja an = n. Pelo Exemplo (4.7) anterior, vimos que

A(x) =∞∑n=0

nxn =x

(1− x)2

Como x = 1/2, pertence ao domínio D(A) então,

∞∑n=0

n

2n= A(1/2) =

1/2

(1− 1/2)2=

1/2

1/4= 2

5.11 Exercícios Propostos

1. Use o Teorema das Colunas e calcule:

(a)n∑

k=1

k(k + 1)

(b)n∑

k=1

k(k − 1)(k − 2)

104

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

2. Use o fato que k2 = k(k − 1) + k e mostre que

n∑k=0

k2

(n

k

)= 2n−2(n+ 1)n

3. Use a técnica de derivada �nita e calcule os somatórios abaixo:

(a)n∑

k=1

(−1)kk2 R :(−1)nn(n+ 1)

2

(b)n∑

k=1

1

4kR :

4

3− 1

34n

(c)n∑

k=6

k2 R :1

6(2n3 + 3n2 + n− 330)

(d)n∑

k=1

1

(k + 1)(k + 2)R :

n

2(n+ 2)

(e)n∑

k=1

kk! R : (n+ 1)!− 1

(f)n∑

k=0

cos(kπ) R : [1− (−1)n]/2

4. Use a técnica de integração e calcule o somatório

n∑k=1

(n

k

)1

k + 1

R: (2n+1 − n− 2)/(n+ 1)

5. Use a Prop. (5.1) e calcule:

(a)∞∑n=0

1

(2n+ 1)(2n+ 3)R: 1/2

(b)∞∑k=0

1

(2k + 1)(2k + 3)(2k + 5)R: 1/12

6. Use transformadas de Laplace e calcule:

105

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

(a)∞∑n=0

1

(n+ 1)(n+ 2)R : 1

(b)∞∑n=1

1

(n+ 2)(n+ 4)R : 7/24

(c)∞∑n=0

1

(n+ 1)(n+ 3)R : 3/4

(d)∞∑n=1

1

(n+ 1)(n+ 4)R : 13/36

(e)∞∑n=0

1

(n+ 1)(n+ 2)(n+ 3)R : 1/4

(f)∞∑n=0

1

(n+ 1)(2n+ 1)R : 2 ln 2

(g)∞∑n=0

1

(3n+ 1)(3n+ 2)R :

π

3√3

(h)∞∑n=0

1

(2n+ 1)(2n+ 2)R : ln 2

(i)∞∑n=0

1

(4n+ 1)(4n+ 2)R : π/8 + (ln 2)/4

7. Use a transformada de Laplace da função f(t) ≡ 1 e mostre que

∞∑n=0

(−1)n+1

n(n+ 2)=

1

4

106

Capítulo 6

Apêndices

6.1 A Hipótese de Riemann: Um Problema de

um Milhão de Dólares

6.1.1 Introdução

Figura 6.1: Bernhard Rie-

mann

Em agosto de 1900, o grande matemático David

Hilbert inaugurou o Congresso Internacional de

Matemática realizado em Paris, apresentando

uma lista de 23 problemas que, segundo ele, di-

tariam o rumo dos exploradores matemáticos do

século XX. De todos os desa�os lançados por

Hilbert, o oitavo tinha algo de especial. Há um

mito alemão sobre Frederico Barba-Ruiva, um

imperador muito querido que morreu durante

a Terceira Cruzada. Segundo a lenda, Barba-

Ruiva ainda estaria vivo, adormecido em uma

caverna nas montanhas Ky�hauser, e só desper-

taria quando a Alemanha precisasse dele. Conta-

se que alguém perguntou a Hilbert: "E se, como

Barba-Ruiva, você pudesse acordar 500 anos, o

que faria?"Hilbert respondeu: Eu lhe perguntaria: "Alguém conseguiu provar

107

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

a hipótese de Riemann?"

Os matemáticos sabem que a prova da hipótese de Riemann terá um sig-

ni�cado muito maior para o futuro da matemática do que saber se a equação

de Fermat tem ou não tem soluções. Este problema matemático, procura com-

preender os objetos mais fundamentais da matemática - os números primos.

A busca pela origem secreta dos primos já dura mais de dois mil anos. At-

ualmente, é oferecida uma recompensa de um milhão de dólares para a solução

da hipótese de Riemann. Em 1997, Andrew Wiles recebeu 75 mil marcos por

sua prova do último teorema de Fermat, graças a um prêmio oferecido por

Paul Wolfskehl em 1908.

Durante gerações, os matemáticos estiveram obcecados pela tentativa de

prever a localização precisa do próximo número primo, produzindo fórmulas

que gerassem esses números. Por exemplo, em 1772, Euler observou que a

expressão p(n) = n2 + n+ 41, produz números primos para 0 ≤ n ≤ 39. Carl

F. Gauss, teve uma ideia inovadora e deparou com uma espécie de padrão ao

fazer uma pergunta mais ampla buscando descobrir a quantidade de primos

entre um e um milhão em vez de localizar os primos com precisão. Apesar

da importância dessa descoberta, Gauss não a revelou a ninguém, mas um de

seus alunos, Riemann, foi quem realmente desatou toda a força das harmonias

ocultas por trás da cacofonia desses números.

O pai de Riemann, que era o pastor de Quickoborn, tinha muitas expecta-

tivas em relação ao �lho. Embora Bernhard Riemann fosse infeliz na escola,

trabalhava �rme e era muito dedicado a não decepcionar seu pai. Porém, tinha

de lutar contra um perfeccionismo quase incapacitante. Schumalfuss foi quem

encontrou uma maneira de animar o jovem a explorar sua obsessão pela per-

feição, oferecendo a Riemann sua biblioteca, com uma ótima coleção de livros

de matemática, onde o rapaz poderia escapar das pressões sociais dos colegas.

A família de Riemann era pobre, e o pai de Bernhard esperava que o �lho tam-

bém entrasse na vida clerical, o que lhe faria uma fonte de renda regular com a

qual poderia sustentar suas irmãs. A única universidade do Reino de Hanover

que oferece a cátedra de teologia - a Universidade de Göttingen - não era um

desses novos estabelecimentos, havendo sido fundada mais de um século antes,

em 1734. Assim, atendendo aos desejos de seu pai, Riemann rumou, em 1846,

108

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

para a úmida Göttingen.

Em 1859, George F. B. Riemann, com 32 anos, foi eleito para a Academia

de Ciências de Berlim. Como regra desta instituição, os novos membros deviam

fazer um relatório sobre o assunto que estava pesquisando. O seu relatório era

curto (foi publicado com 8 páginas) e tinha por título Sobre a quantidade de

número primos que não excedem uma grandeza dada. Essas oito páginas de

densa matemática foram as únicas que Riemann publicou, em toda sua vida,

sobre os números primos, mas o artigo teria um efeito fundamental sobre a

maneira como eram percebidos. Escondido neste documento de oito páginas,

estava declarado o problema cuja solução possui hoje uma etiqueta com o valor

de um milhão de dólares: a hipótese de Riemann.

Apesar de sua relevância, temos uma escassa literatura em língua por-

tuguesa sobre o assunto. O presente trabalho é uma pequena contribuição

para aqueles que tenham interesse, ou mesmo curiosidade a respeito da função

zeta de Riemann, e não tenham acesso à literatura estrangeira.

6.1.2 A Função Zeta de Euler

Para compreender o problema, convém recuar a 1650, ano em que foi publicado

o livro Novae quadraturae arithmeticae seu se additione fractionum, de Pietro

Mengoli. É um sobre somas de séries, duas das quais são

ζ(1) = 1 +1

2+

1

3+

1

4+ . . .

e

ζ(2) = 1 +1

22+

1

32+

1

42+ . . .

É aí demonstrado que a primeira (a série harmônica) diverge e o autor levanta

o problema de saber qual é a soma da segunda. Este problema foi novamente

levantado por Jacques Bernoulli em 1689. Três anos mais tarde, o mesmo

Jacques Bernoulli começa a estudar as séries

ζ(s) = 1 +1

2s+

1

3s+

1

4s+ . . .

para s ∈ N− {1}.

109

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Figura 6.2: Leonhard

Euler

Em 1735, Euler provou que a soma da série

acima para s = 2 é π2/6 e, pouco tempo depois,

mostrou que

ζ(2n) =(2π)2n

2(2n)!|B2n|, n = 1, 2, . . .

onde Bk são os números de Bernoulli de�nidos como

os coe�cientes da expansão de Taylor da função

t/(et − 1), isto é,

t

et − 1=

∞∑k=0

Bk

k!tk

Os primeiros números de Bernoulli são

B0 = 1, B1 = −1

2, B2 =

1

6, B3 = 0, B4 = − 1

30, . . .

Uma questão ainda em aberto é se o mesmo é verdadeiro quando o argu-

mento de ζ é um inteiro positivo ímpar. Por exemplo, será que ζ(3) é propor-

cional a π3?. Em 1978, R. Apéry provou que ζ(3) é pelo menos irracional. Nos

pontos ímpares negativos o valor da função zeta também pode ser expresso em

termos dos números de Bernoulli, a saber

ζ(1− 2n) = −B2n

2n, n = 1, 2, . . .

Usando o teste da razão, vemos que se s > 1 a série

ζ(s) =∞∑n=1

1

ns

é convergente.

De�nição 6.1 Seja s > 1. A função zeta de Euler é de�nida por:

ζ(s) =∞∑n=1

1

ns

110

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

A função zeta de Euler também pode ser expressa através de uma integral

imprópria dada na proposição seguinte:

Proposição 6.1 Se ζ(s) é a função zeta de Euler, então

ζ(s) =1

Γ(s)

∫ ∞

0

ts−1

et − 1dt

Demonstração: Note que se f(t) = tm, m ∈ N, então L{tm}(p) = m!

pm+1, de

modo que:

L

{ts−1

(s− 1)!

}=

1

ns

de modo que

ζ(s) =∞∑n=1

1

ns=

∞∑n=1

L

{ts−1

(s− 1)!

}=

∞∑n=1

1

(s− 1)!

∫ ∞

0

e−ntts−1dt

=1

Γ(s)

∫ ∞

0

ts−1

∞∑n=1

e−ntdt =1

Γ(s)

∫ ∞

0

ts−1e−t

1− e−tdt =

1

Γ(s)

∫ ∞

0

ts−1

et − 1dt

�A conexão entre a função zeta de Euler e os números primos é dado pela

seguinte proposição:

Proposição 6.2 (Produto de Euler) Se s > 1, então

∞∑n=1

1

ns=

∏p primo

1

1− 1ps

(6.1)

Demonstração: Seguindo as ideias de Euler para provar esta identidade,

notamos que1

1− x= 1 + x+ x2 + . . .

para |x| < 1. Logo, para cada p, temos

1

1− 1/ps= 1 +

1

ps+

1

p2s+ . . .

111

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Assim,

∞∏p primo

k=1

1

1− 1psk

=1

1− 1ps1

· 1

1− 1ps2

· 1

1− 1ps3

. . .

=∞∑k=0

1

ps1·

∞∑k=0

1

ps2·

∞∑k=0

1

ps3. . .

=

(1 +

1

ps1+

1

p2s1

)·(1 +

1

ps2+

1

p2s2

). . .

= 1 +∑1≤i

1

psi+

∑1≤i≤j

1

psipsj

+∑

1≤i≤j≤k

1

psipsjp

sk

+ . . .

= 1 +1

2s+

1

3s+ . . .+

1

ns+ . . . =

∞∑n=1

1

ns

�A última expressão foi obtida lembrando que cada inteiro n > 1 é ex-

presso de modo único como produto de potências de diferentes primos. Além

disso, esta proposição mostra que há uma relação entre a função ζ de Euler

e a distribuição dos números primos. Usando sua função, Euler deduziu dois

resultados importantes que apresentaremos a seguir.

Corolário 6.1 (Euclides) Existem in�nitos números primos.

Demonstração: Se houvesse um número �nito de primos, então o produto

do segundo membro de (6.1) seria um produto �nito e teria evidentemente um

valor �nito, de modo que a série do primeiro membro também seria �nita para

todo s > 0. Entretanto, a expressão do primeiro membro de (6.1) para s = 1

é a série harmônica

1 +1

2+

1

3+ . . .

que diverge pelo teste da integral. Logo, existem in�nitos primos.

�Na proposição a seguir, provaremos que a série dos inversos dos primos

diverge. Mas antes, veremos o lema seguinte:

112

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Lema 6.1 Para x ∈ [−1/2, 0), vale a desigualdade:

2x < ln(1 + x)

Demonstração: Seja f(x) = ln(1 + x) − 2x para x ∈ [−1/2, 0]. Note que

f(−1/2) = 1− ln 2 > 0 e f(0) = 0. Como

f ′(x) =1

1 + x− 2 ⇒ f ′′(x) = − 1

(1 + x)2< 0

para todo x ∈ R−{−1}. Assim, f é côncava para baixo, de modo que f(x) > 0

para x ∈ [−1/2, 0), donde segue o resultado.

Proposição 6.3 A série dos inversos dos primos diverge, ou seja:

+∞∑n=1

1

pn=

1

2+

1

3+

1

5+

1

7+

1

11+ . . . = +∞ (6.2)

Demonstração: A prova de (6.2) é semelhante a apresentada na Prop. (6.2),

tomando s = 1, ou seja,

1

1− 12

· 1

1− 13

· 1

1− 15

. . .1

1− 1pn

=∑

fp's ≤ pn

1

k(6.3)

Como todo inteiro maior que 1 expressa-se de modo único como produto de

potências de primos diferentes, o produto das séries geométricas acima repre-

senta a série dos inversos de todos os inteiros positivos cujos fatores primos

113

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

são menores ou iguais a pn. Em particular, vemos que

∑fp's ≤ pn

1

k≥

pn∑k=1

1

k(6.4)

Substituindo (6.4) em (6.3), temos:

1

1− 12

· 1

1− 13

· 1

1− 15

. . .1

1− 1pn

≥pn∑k=1

1

k(6.5)

Considere agora a função f(x) = 1/x para x ∈ [1, pn] representada no grá�co

abaixo:

Temos a seguinte desigualdade para a área aproximada:

Sn = (2− 1) · 1 + (3− 2) · 12+ (4− 3) · 1

3+ . . .+ (pn − pn + 1)

1

p− n

= 1 +1

2+

1

3+ . . .+

1

pn=

pn∑k=1

1

k>

∫ pn

1

1

xdx = ln pn

(6.6)

Substituindo (6.6) em (6.5), segue que

1(1− 1

2

)(1− 1

3

)(1− 1

5

). . .

(1− 1

pn

) > ln pn ⇒

(1− 1

2

)(1− 1

3

)(1− 1

5

). . .

(1− 1

pn

)<

1

ln pn(6.7)

Aplicando o logaritmo em ambos os lados de (6.7), temos

ln

(1− 1

2

)+ ln

(1− 1

3

)+ ln

(1− 1

5

)+ . . .+ ln

(1− 1

pn

)< ln ln p−1

n ⇒

114

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

n∑k=1

ln

(1− 1

pk

)< − ln ln pn (6.8)

Sendo pk ≥ 2, então −1/pk ≥ −1/2 para k ∈ N∗. Do Lema (6.1), segue

que

− 2

pk< ln

(1− 1

pk

)⇒

−2n∑

k=1

1

pk<

n∑k=1

ln

(1− 1

pk

)(6.9)

De (6.8) e (6.9), concluímos quen∑

k=1

1

pk>

1

2ln ln pn → +∞ quando n → +∞

Para ver isso, seja f(x) = ln ln x, para x > 1. Como f ′(x) = 1/(x ln x) > 0,

segue que f é crescente neste intervalo, de modo que limn→+∞

ln ln pn = +∞.

Observação 6.1 Viggo Brun, em 1919, demonstrou que a série dos recípro-

cos dos primos gêmeos converge. Esta série gera o número denominado de

constante de Brun.

B2 =

(1

3+

1

5

)+

(1

5+

1

7

)+

(1

11+

1

13

)+

(1

17+

1

19

)+

(1

29+

1

31

)+ · · ·

≈ 1, 9021605823

O teorema de Brun a�rma que mesmo que existam in�nitos termos nesta soma,

a série resultante é ainda assim convergente.

Há outras ligações da função zeta com à Teoria dos Números. Por exemplo,

se s > 1, então

ζ(s)2 =∞∑n=1

d(n)

ns,

onde d(n) é o número de divisores de n. Além disso, se s > 2, então

ζ(s)ζ(s− 1) =∞∑n=1

σ(n)

ns

onde σ(n) é a soma dos divisores de n.

115

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

6.1.3 O Teorema dos Números Primos

Ao perceberem das limitações de descobrir uma fórmula que gerasse o enésimo

número primo, os matemáticos voltaram-se para a estratégia de pesquisar sobre

a distribuição média dos primos ao longo dos números naturais.

De�nição 6.2 Para cada x ∈ R, de�nimos a função π(x) como sendo a quan-

tidade de números primos menores ou iguais a x, ou seja:

π(x) = quantidade de primos ≤ x

Figura 6.3: Carl F.

Gauss

O matemático francês Legendre, após um exame

árduo de uma tabela contendo um grande número

de primos observou que aparentemente se tem

π(x) ≈ x

lnx(6.10)

querendo isto dizer que o quociente das duas

funções tende para 1 quando x tende para +∞.

Pela mesma altura, Gauss com apenas 15 ou 16

anos de idade também conjecturou que se tem

(6.10), mas também fez a conjectura

π(x) ≈∫ x

2

1

ln tdt

Proposição 6.4 As conjecturas de Legendre e Gauss são equivalentes, ou

seja:

limx→+∞

xlnx∫ x

21ln t

dt= 1

Demonstração: Usando a regra de L'Hospital, temos:

limx→+∞

xlnx∫ x

21ln t

dt= lim

x→+∞

(lnx−1ln2 x

)1

lnx

= limx→+∞

lnx− 1

ln x= lim

x→+∞

(1− 1

ln x

)= 1

�No entanto,

∫ x

21/ ln tdt é uma melhor aproximação de π(x) do que x/ lnx

como se pode ver no grá�co abaixo. Esta �gura também sugere que π(x) é

116

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Figura 6.4: Grá�cos de π(x) (vermelho),∫ x

21/ ln tdt (verde), e x/ ln x (azul).

sempre maior do que x/ ln x e que a diferença vai aumentando à medida que

x cresce. Isto levou Legendre a conjecturar, em 1800, que uma função que

aproxima π(x) ainda melhor do que x/ ln x é

x

ln x− 1.08366

Gauss não publicou nada sobre este tópico, o que se sabe sobre as observações

dele sobre o assunto vem nas suas cartas pessoais e no seu diário. No en-

tanto, nem mesmo o grande Gauss conseguiu provar sua conjectura. Esforços

matemáticos foram feitos no sentido de que em 1848, o matemático russo

Chebyshev demonstrou que

0, 89×∫ x

2

1

ln tdt < π(x) < 1, 11×

∫ x

2

1

ln tdt

Em 1896, os matemáticos, Jacques Hadamard e De La Vallée Poussin,

trabalhando independentemente e baseando-se nos escritos de Riemann, con-

seguiram �nalmente demonstrar que

limx→+∞

π(x)

x/ ln x= 1

Este resultado passou a ser conhecido por Teorema dos Números Primos.

117

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Figura 6.5: Matemáticos que provaram a conjectura de Legendre-Gauss

6.1.4 A Função Zeta de Riemann

Riemann estendeu a de�nição da função Zeta de Euler para os números com-

plexos. Escrevendo s = σ + it, temos que:

|ns| = |es lnn| = |e(σ+it) lnn| = |eσ lnn| · |eit lnn| = |eσ lnn| = nσ

Usando este resultado, juntamente com o teste M de Weierstrass, segue-se que

a função zeta de Riemann dada por∞∑n=1

1

ns

é analítica para Re(s) > 1. Podemos estender a analiticidade de ζ, para

−1 < Re(s) < 1 e também para todo o plano complexo, exceto no ponto

z = 1, onde ocorre o único pólo da função ζ, como ilustrado na �gura abaixo.

A Proposição (6.1), apresentada anteriormente para a função zeta de Euler

também é válida para a função zeta de Riemann, ou seja:

Proposição 6.5 Seja s ∈ C. Se Re(s) > 1, então

ζ(s) =1

Γ(s)

∫ ∞

0

ts−1

et − 1dt (6.11)

onde Γ(z) é a função gama de Euler , de�nida por

Γ(s) =

∫ ∞

0

e−tts−1dt

118

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Figura 6.6: Grá�co da função |ζ(s)| para s ∈ C.

A prova desta Proposição pode ser encontrada em [13]. A expressão (6.11)

é conhecida por representação integral da função zeta de Riemann. Usando a

Prop. (6.4) é possível estender a função zeta de Riemann para−1 < Re(s) < 1,

obtendo a expressão

ζ(s) =1

Γ(s)

[∫ 1

0

(1

et − 1− 1

t+

1

2

)ts−1dt− 1

2s+

∫ ∞

1

(1

et − 1− 1

t

)ts−1

]Para maiores detalhes, consulte [13]. Além disso, notamos um aparente prob-

lema no ponto s = 0 o qual pode ser resolvido da seguinte forma: Sendo

Γ(s+ 1) = sΓ(s), então:1

2sΓ(s)=

1

2Γ(s+ 1)

obtendo 1/2 no ponto s = 0. Portanto, a função ζ está de�nida e é analítica

na faixa −1 < Re(s) < 1, com um pólo simples em s = 1.

A expressão a seguir válida para s ̸= 1 é uma relação de fundamental im-

portância na teoria da função zeta de Riemann cuja prova pode ser encontrada

em [15].

119

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Proposição 6.6 Se s ∈ C− {1}, então

ζ(s) = 2(2π)s−1ζ(1− s)Γ(1− s) sin(πs

2)

6.1.5 A Conjectura ou Hipótese de Riemann

Figura 6.7: Faixa crítica

A famosa conjectura ou hipotese de Rie-

mann está relacionada com os zeros da função

ζ. Os zeros da função zeta localizados em

zn = −2n, n = 1, 2, . . . são chamados zeros

triviais. Aquele grande matemático a�rmou

que a função ζ tem in�nitos zeros na faixa

0 ≤ Re(s) ≤ 1, conhecida por faixa crítica.

Jacques Hadamard foi o primeiro a provar

esta a�rmação, em 1893.

Uma das mais famosas questões em aberto

da Matemática é a hipótese de Riemann so-

bre os zeros não triviais da função zeta. A

hipótese de Riemann estabelece que todos os

in�nitos zeros da função ζ, pertencentes a faixa crítica 0 ≤ Re(s) ≤ 1, estão

sobre a reta Re(s) = 1/2, que é chamada de reta crítica . Desta forma, os

zeros não triviais da função ζ, de acordo com a conjectura de Riemann, são

in�nitos e da forma s = 1/2+ iσ, com σ real. Até o momento, nenhuma prova

foi apresentada para esta conjectura. Este problema não um tipo de problema

que pode ser abordado por métodos elementares. Já deu origem a uma extensa

e complicada bibliogra�a.

Riemann enunciou, também sem provar, a seguinte fórmula assintótica para

o número N(T ) de zeros da faixa crítica, 0 ≤ Re(s) ≤ 1, 0 < Im(s) ≤ T ,

N(T ) =1

2πT lnT − 1 + ln(2π)

2πT +O(lnT )

Uma prova rigorosa desta fórmula foi dada, pela primeira vez, por H. V. Man-

goldt em 1905 e pode ser vista em [15]. Nove anos mais tarde, G. H. Hardy

provou que existe uma in�nidade de zeros sobre a reta Re(s) = 1/2. Mas, uma

120

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

in�nidade não signi�ca que são todos. É interessante notar que se a parte real

de s é igual a 1, então a função ζ de Riemann não admite nenhum zero sobre

esta linha. Para ver uma prova deste fato, veja [15].

E. C. Titchmarsh mostrou em 1935 − 1936, que há 1041 zeros na região

0 ≤ Re(s) ≤ 1 e 0 < Im(s) < 1468. Todos estes zeros estão sobre a reta

crítica Re(s) = 1/2. Com o auxílio de supercomputadores, veri�cou que os

primeiros 10 trilhões de zeros estão sobre a linha crítica, sugerindo portanto,

que a hipótese deve ser realmente verdadeira.

Figura 6.8: Zeros da função

zeta sobre a linha crítica

Os matemáticos se referem ao problema de

Riemann como uma hipótese, e não como uma

conjectura, pela existência de muitos resulta-

dos que dependem de sua solução. A palavra

"hipótese" tem uma conotação muito mais

forte, pois representa uma premissa necessária

que o matemático aceita para poder con-

struir uma teoria. Uma "conjectura", por

outro lado, representa apenas uma previsão

do matemático sobre o modo como o mundo

se comporta. Muitas pessoas tiveram de as-

sumir sua incapacidade de resolver o enigma

de Riemann e decidiram adotar sua previsão

como uma hipótese de trabalho. Se alguém

conseguir transformar a hipótese em teorema,

todos esses resultados pendentes serão validados. (A Música dos Números Pri-

mos, pp 19).

É natural nesta fase ocorrer uma pergunta. O que é que tudo isto tem a

ver com o teorema dos números primos?

Para ver a relação entre as duas coisas, considere a função µ de�nida abaixo:

De�nição 6.3 A função de Möbius µ : N → {−1, 0, 1} é de�nida por:µ(n) = 0 se n for múltiplo de algum quadrado perfeito maior do que 1;

µ(n) = 1 se n possui um número par de fatores primos;

µ(n) = −1 se n possui um número ímpar de fatores primos.

121

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Figura 6.9: ζ(1/2 + it), para 0 < t < 50

Seja também a função logaritmo integral de�nida por:

De�nição 6.4 Para x ∈ (1,+∞), de�nimos a função logaritmo integral:

Li(x) =

∫ x

0

∫ x

0

1

ln tdt = lim

s→0+

(∫ 1−ϵ

0

1

ln tdt+

∫ x

1+ϵ

1

ln tdt

)Riemann conjecturou que

Li(x)− 1

2Li(

√x)− 1

3Li( 3

√x)− 1

5Li( 5

√x) +

1

6Li( 6

√x) + . . . =

∞∑n=1

µ(n)

nLi( n

√x)

(6.12)

seria uma excelente aproximação de π(x). Empiricamente isto é plausível; por

exemplo, se n ≤ 1.000.000, então a diferença entre π(n) e a soma dos quatro

primeiros termos não nulos da série (6.12) não excede 37. Convém ressaltar

que existe uma relação direta entre a função de Möbius e a função ζ: se s ∈ Ce se Re(s) > 1, então

1

ζ(s)=

∞∑n=1

µ(n)

ns

6.1.6 Problemas Relacionados

1. Condensados de Bose-Einstein

122

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

Os Condensados de Bose-Einstein (BECs) são nuvens de átomos ultra-

frios, com temperaturas próximas ao zero absoluto que se comportam

como um único e gigantesco objeto cujo comportamento só é conhecido

com a interpretação quântica, pois é um objeto de natureza quântica.

Este fenômeno foi teorizado nos anos 20 por Albert Einstein, ao gener-

alizar o trabalho de Satyendra Nath Bose sobre a mecânica estatística dos

Fótons (sem massa) para átomos (com massa). Einstein especulou que

arrefecendo os átomos bosónicos até temperaturas muito baixas os faria

colapsar (ou "condensar") para o mais baixo estado quântico acessível,

resultando numa nova forma de matéria.

Esta transição ocorre abaixo de uma temperatura crítica, a qual, para

um gás tridimensional uniforme consistindo de partículas não-interativas

e sem graus internos de liberdade aparentes, é dada por:

Tc =

(n

ζ(3/2)

)2/3h2

2πmkB

onde:

• Tc é a temperatura crítica,

• n a densidade da partícula,

• m a massa do bóson,

• h a constante de Planck,

• kB a constante de Boltzmann, e

• ζ a função zeta de Riemann, sendo ζ(3/2) ≃ 2, 6124.

2. Sistemas Dinâmicos, Caos, Probabidade e Estatística

As estatísticas dos zeros da função zeta de Riemann é um assunto in-

teressante devido a sua ligação com a hipótese de Riemann e com a

distribução dos números primos. Os pesquisadores descobriram que esta

hipótese também está relacionada com a teoria de matrizes aleatórias

e o caos quântico. Por exemplo, M. Berry apontou que as correlações

entre os zeros de ζ(s) são como as correlações entre os níveis de energia

123

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

de um sistema quântico caótico. Além disso, a regularização da função

zeta de Riemann é usada para regularizar séries divergentes que surgem

na Teoria Quântica de Campos. Num exemplo notável, a função zeta

de Riemann surge explicitamente no cálculo do efeito Casimir (Atração

entre duas pequenas placas metálicas que estão muito próximas entre si,

da ordem de vários diâmetros atômicos).

3. A Diferença Entre Primos Gêmeos

Outra questão envolvendo a hipótese de Riemann é referente aos números

primos consecutivos. Se pk denota o k−ésimo número primo (de modo

que p1 = 2, p2 = 3, p3 = 5 e assim por diante), um resultado provado por

Cramer em 1919 estabelece que a diferença entre dois números primos

consecutivos, pk+1 − pk, cresce "na mesma velocidade"que√pk ln(pk).

Mais especi�camente, existe uma constante real positiva M > 0 de modo

que vale a desigualdade

pk+1 − pk < M√pk ln(pk)

para todo k su�cientemente grande. Para provar este resultado, Cramer

utilizou crucialmente a Hipótese de Riemann, de maneira que este resul-

tado pode em princípio ser falso, caso a Hipótese também seja.

4. A Hipótese de Riemann e a Internet

Não é fácil elaborar um sistema de criptogra�a seguro na era dos su-

percomputadores. Contudo, os cientistas R. Rivest, A. Shamir e L.

Adleman, desenvolveram um criptosistema de chave pública, denominado

"RSA", que tem se mostrado inviolável. Esse criptosistema depende do

conhecimento matemático dos números primos e suas propriedades.

A pesquisa sobre a Hipótese de Riemann fornece informações tão pre-

ciosas, sobre o padrão dos números primos, que avanços nessa investi-

gação poderiam nos levar a um progresso substancial nas técnicas de

fatoração e, conseqüentemente, levar à quebra da segurança na trans-

missão de dados via Internet.

124

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

5. Palavras Finais

Tudo que foi comentado anteriormente explica porque a hipótese de Rie-

mann é uma problema em aberto tão famoso. Este problema desde de sua

formulação tem captado a imaginação de alguns dos maiores matemáti-

cos do mundo. Andre Weil, matemático inglês fascinado pela hipótese de

Riemann, declarou certa vez numa entrevista que, durante muito tempo

�cou obcecado em demonstrá-la e publicá-la em 1959, no centenário da

publicação da hipótese. Mas aquele ano passou sem que ele tivesse tido

sucesso. Depois, a sua ambição �cou apenas em compreender a demon-

stração quando alguém a publicasse. Perto do �m da vida, desejava

somente que a demonstração fosse feita enquanto ele estivesse vivo, mas

nem essa ambição foi satisfeita. Convém dizer que uma conjectura formu-

lada por Weil sobre os zeros de certas funções de uma variável complexa

análoga à hipótese de Riemann foi demonstrada por Pierre Deligne em

1974.

Em maio de 2000, o Clay Mathematics Institute (CMI) - ONG norte-

americana que desenvolve e dissemina conhecimentos matemáticos - ofer-

eceu sete prêmios no valor de um milhão de dólares cada. Para receber

a bolada, basta solucionar um dos problemas de matemática propostos.

Mas a riqueza não vem fácil; os problemas são considerados por um

comitê de matemáticos como os mais complicados e mais importantes

desta área em nossos dias. Esta lista com 7 problemas extremamentes

difíceis, contém a hipótese de Riemann e conjectura de Poincaré que foi

resolvida pelo matemático russo Grigory Perelmann, o qual recusou o

prêmio de 1 milhão de dólares.

A comunidade matemática está esperando surgir outro Grigori para solu-

cionar o enigma de Hipótese de Riemann.

6.2 Explorando a Torre de Hanói

125

Índice Remissivo

algoritmo, 87

antiderivada �nita, 19

Brook Taylor, 7

cálculo de diferenças �nitas, 7

coe�ciente binomial, 97

convolução, 33

David Hilbert, 107

delta de Kronecker, 85

derivada, 88

discriminante, 58

Einstein

condensados de Bose, 122

equações de diferenças �nitas, 52

escala, 73

Euclides, 112

existência da TDDL, 26

frações parciais, 83, 93, 100

função

beta, 94

característica, 85

gama, 94

gama de Euler, 118

zeta, 78

zeta de Euler, 111

fatorial, 95

zeta de Riemann, 118

funções

geradoras, 68

hipótese de Riemann, 79, 108

identidade, 92

indução �nita, 80

integral, 91

integral imprópria, 99

Leibniz, 91

Leonhard Euler, 78, 102, 108

linearidade

das funções geradoras, 72

linearidade

da transformada discreta de Laplace,

27

mudança de escala

na transformada discreta de Laplace,

33

multiplicação por n na TDDL, 30

multiplicação por r−an na TDDL, 29

números de Bernoulli, 110

números harmônicos, 82

notação de Iverson, 85

126

Tópicos de Matemática Discreta Paulo S. C. Lino

operador

diferença, 7

translação, 8

operador antidiferença, 19

pi, 91

polinômio

fatorial, 16

primos gêmeos, 115

problema de valor inicial, 75

produto de Euler, 111

PVI, 52

raízes complexas, 62

raízes reais

distintas, 58

repetidas, 60

recorrências, 24

regra de Leibniz, 72

relação de Stifel, 11, 32

reta crítica, 120

série geométrica, 28, 70, 88

série in�nita, 79

sequência

de Pell, 59

delta, 44

Sistemas de Diferenças Finitas Lineares,

65

soma por partes, 82

somas parciais, 103

somatórios, 79

teorema

das colunas, 80

teorema do valor inicial e �nal, 27

teorema dos números primos, 116

transformada

discreta, 25

transformada de Laplace, 99

transformada discreta inversa de Laplace,

41

transformada discreta inversa de laplace,

41

translação, 74

translação

na TDDL, 28

127

Referências Bibliográ�cas

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