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o ARTIGO MOTIVAÇÃO: MITOS, CRENÇAS E MAL-ENTENDIDOS Cecília W. Bergamini Professora do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV e da Faculdade de Economia e Administração da USP. RESUMO: Se no âmbito das especulações puramente intelectuais, o fenômeno da motivação não parece apre- sentar maiores dificuldades, no domínio concreto do conhecimento prático, uma confusão generalizada ins- talou-se há muito, não permitindo que progressos sig- nificativos sejam feitos por aqueles que buscam eficácia no dia a dia de trabalho dentro das organizações. Trata-se da confusão entre aquilo que se deve chamar Revista de Administração de Empresas de "pura reação" (condicionamento) e o que deve ser reconhecido como "motivação autêntica". Este artigo tem como objetivo delimitar o domínio de cada um desses fenômenos tão heterogêneos, mostrando, em particular, quais são as formas de comportamento definidas pela psicologia como o resultado da ação das variáveis extrínsecas ao indivíduo e que, pelo simples fato de o induzirem à ação, foram erroneamente con- sideradas como típicas da verdadeira motivação. PALA VRAS-CHA VE: Motivação, condicionamento, comportamento, variáveis extrínsecas, variáveis in- trínsecas, estilo motivacional. São Paulo, 30(2) 23-34 Abr./Jun.1990 23

Teorias Motivacionais - Comportamento Organizacional

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o ARTIGO

MOTIVAÇÃO: MITOS,CRENÇAS E MAL-ENTENDIDOS

• Cecília W. BergaminiProfessora do Departamento de AdministraçãoGeral e Recursos Humanos da EAESP/FGV e daFaculdade de Economia e Administração da USP.

RESUMO: Se no âmbito das especulações puramenteintelectuais, o fenômeno da motivação não parece apre-sentar maiores dificuldades, no domínio concreto doconhecimento prático, uma confusão generalizada ins-talou-se há muito, não permitindo que progressos sig-nificativos sejam feitos por aqueles que buscam eficáciano dia a dia de trabalho dentro das organizações.Trata-se da confusão entre aquilo que se deve chamar

Revista de Administração de Empresas

de "pura reação" (condicionamento) e o que deve serreconhecido como "motivação autêntica". Este artigotem como objetivo delimitar o domínio de cada umdesses fenômenos tão heterogêneos, mostrando, emparticular, quais são as formas de comportamentodefinidas pela psicologia como o resultado da ação dasvariáveis extrínsecas ao indivíduo e que, pelo simplesfato de o induzirem à ação, foram erroneamente con-sideradas como típicas da verdadeira motivação.

PALAVRAS-CHA VE: Motivação, condicionamento,comportamento, variáveis extrínsecas, variáveis in-trínsecas, estilo motivacional.

São Paulo, 30(2) 23-34 Abr./Jun.1990 23

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o QUE EXISTE SOBRE A MOTIVAÇÃO

A diversidade de interesses percebida entre osindivíduos permite aceitar, de forma razoavel-mente clara, a crença segundo a qual as pessoasnão fazem as mesmas coisas pelas mesmasrazões. É dentro dessa diversidade que se encon-tra a mais importante fonte de compreensão a res-peito de um fenômeno que apresenta aspectosaparentemente paradoxais: a motivação humana.Dessa forma, parece inapropriado que uma sim-ples regra geral possa ser suficiente para explicaresse fenômeno de maneira mais precisa.

Em realidade, como os indivíduos são dife-rentes uns dos outros, não somente desde o nasci-mento sendo portadores. de sua própria bagageminata (código genético, experiências da vida intra-uterina e do momento do parto) como tambémporque eles acumularam experiências que lhessão pessoais ao longo das suas diferentes etapasde vida (infância, adolescência, maturidade e ve-lhice), torna-se necessário, o mais urgentementepossível, rever certos princípios muito divulgadosdentro do campo das crenças populares. Quandose fala de motivação, parece indispensável, logode início, mudar um provérbio no qual muito seacredita, que é: "Faça aos outros o que queres que tefaçam", para um outro ainda desconhecido quediz: "Faça aos outros aquilo que eles querem que lhesseja feito" .

A sociedade está rica de exemplos que ilustramaté que ponto os indivíduos têm expectativasdiferentes e, portanto, cada um deles está voltadopara a busca dos seus próprios organizadores decomportamentos motivacionais ímpares. Os in-contáveis objetivos motivacionais e as diferentesmaneiras de persegui-los deixam isso claro,chegando mesmo a personificar as múltiplas fa-cetas e variações típicas do fenômeno da moti-vação humana.

Não é tão fácil compreender o outro e valorizarde forma justa suas intenções e seus motivos. Umapessoa que demonstre entusiasmo frente aos de-safios oferecidos pelas oportunidades com asquais se defronta, estando pronta a agir com rapi-dez na resolução de problemas, terá muita facili-dade em acreditar que todo o mundo reage com amesma rapidez. Isso, não há dúvida, pode provo-car nos outros mais prudentes que ela a de-sagradável impressão de que se trata de alguémtemerário e irresponsável. Outros mais, que sedeixam guiar pelo desejo de dar o melhor de si

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mesmos para fazerem jus às responsabilidadesque lhes foram confiadas, ficarão facilmente de-siludidos ao perceberem que o resto do mundonão é tão responsável como eles, considerando,com certo pessimismo, que existe uma grandequantidade de pessoas que não levam nunca nadasuficientemente a sério. Muitos indivíduos queregem suas vidas de forma sistematicamente lógi-ca, procurando usar de toda objetividade possívelnas decisões que tomam, sentir-se-ão pouco à von-tade convivendo com decisores mais intuitivos esuperficiais, que se apóiam em informações poucosignificativas. Por outro lado, existem ainda outraspessoas que prezam, sobretudo, o apreço dos de-mais por elas e estão incondicionalmente preocu-padas em viver uma vida socialmente harmo-niosa. Assim sendo, esses hábeis diplomatas estãosempre prontos a rever suas posições e opiniõespessoais e isso faz com que muitas vezes sejam jul-gados como alguém que não pensa pela própriacabeça, perdendo um tempo precioso a se preocu-par com as opiniões alheias.

No geral, a grande maioria dos pressupostosbásicos que apóiam as teorias voltadas à expli-cação da motivação do ser humano foram sim-plesmente concebidos a partir de um conjunto dedados estatísticos e, por isso mesmo, abstratos,que retratam o perfil de uma amostra da popu-lação, mas não explicam, realmente, a maneiraparticular pela qual cada um dos componentesdesse grupo leva a sua existência de ser humanomotivado. Sob o ponto de vista da compreensãointelectual, essas informações podem ser bastanteconhecidas e sua lógica, na grande maioria doscasos, mostra-se racionalmente irrefutável. É jus-tamente nesse tipo de abordagem que reside ogrande engano gerador dos principais mal-enten-didos a respeito daquilo que se tem estudado co-mo motivação.

Essas tentativas teórico-racionais, que explicamapenas um ser humano abstraído de sua naturezaexistencial, tornaram possível a emergência e arápida difusão de pontos de vista, opiniões ecrenças pessoais tão abundantes quanto dísparessobre a fenomenologia da motivação, os quais têmlevado mais à confusão do que ao esclarecimento.

De fato, com tantas explicações a respeito dascaracterísticas específicasda motivação, os teóricoscontemporâneos tinham à mão tudo aquilo de quenecessitavam para construir uma "nova torre deBabel".Previsivelmente, todo esse acervo de mitos,crenças e mal-entendidos, transforma em missão

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impossível qualquer esforçode conciliarpontos devista tão profundamente diferentes e, por que não,antagônicos. Cada teórico, então, buscou ansiosa-mente atingir o ápice do verdadeiro conhecimento,mas cada um deles serviu-se de uma linguagempessoal, desprovida de qualquer sentido para osdemais. Foi assim que se desenvolveu vasta quan-tidade de imprecisões a respeito de um conceitoque deveria ter sido proposto com maior fidedig-nidade em relaçãoàs pessoas concretas.

Dentro de um clima de confusão generalizada,não se pode estranhar a aparição de grupos queadotaram enfoques tão diferentes sobre um mes-mo tema de estudo. Para alguns deles, parecia im-possível compreender esse verdadeiro mistériochamado motivação humana - portanto, melhorseria que o assunto fosse esquecido. Para outros, aconfusão instaurada representava um grande de-safio, que não poderia ser vencido senão atravésda concentração de esforços que levassem a umaprofundamento de investigações até que nova-mente o tema central fosse redescoberto.

Como é fácil perceber, uma quantidade enormede teorias e hipóteses foram se acumulando nasúltimas três décadas, gerando interpretações emodelos os mais variados quanto à compreensãodo assunto em pauta. A decorrência lógica, nasci-da da dificuldade de escolher-se uma orientaçãoprecisa, como ponto de apoio do estudo da moti-vação, fica evidente quando se descobre uma es-pécie de decepção frente a tantas teorias. A partirdaí, cada um passa a adotar sua própria interpre-tação a respeito do comportamento motivacional.

A multiplicidade de abordagens, no entanto,reflete, sem dúvida alguma, a importância capitaldesse aspecto tão eminentemente característico doser humano. Parece, pois, não somente necessáriocomo também oportuno, repensar a motivação,examinando mais uma vez, de maneira suficiente-mente crítica, o acervo atual básico de conheci-mentos sobre o assunto. Talvez seja este o mo-mento de tentar novamente "colocar em pé, o ovode Colombo".

o QUE NÃO É MOTIVAÇÃO

Como se pode facilmente perceber, o termomotivação tem sido empregado com os maisdiferentes significados. Tal fato tem se constituídono primeiro e mais importante passo para a ins-tauração de uma grande confusão sobre o realconteúdo por ele abrangido.

Algumas pessoas afirmam que é necessanoaprender a motivar os outros, enquanto outrasacreditam que ninguém pode jamais motivarquem quer que seja. Essas duas maneiras de pen-sar são a ilustração da crença de que existemdiferentes maneiras de justificar as ações' hu-manas. No primeiro caso, pressupõe-se que aforça que conduz o comportamento motivado es-tá fora da pessoa, quer dizer, nasce de fatores ex-trínsecos que são, de certa forma, soberanos e a-lheios à sua vontade. No segundo caso, subjaz acrença de que as ações humanas são espontânease gratuitas, uma vez que têm suas origens nas im-pulsões interiores; assim sendo, o próprio ser hu-mano traz em si seu potencial e a fonte de origemdo seu comportamento motivacional.

Embora seja possível reconhecer que as pessoaspodem agir, sejamovidas por agentes externos, se-ja impulsionadas por suas forças interiores, não sepode confundir esses dois tipos de comportamen-to, uma vez que eles são qualitativamente distin-tos e por isso merecem explicações diferentes.Quando os determinantes do comportamento seencontram no meio ambiente, aquilo que se obser-va pode ser concebido como uma simples reaçãocomportamental do indivíduo ao estímulo de taisfatores. Autores como Herzberg, por exemplo,chamam-no de movimento. Quando a ação temcomo origem o potencial propulsor, interno àprópria pessoa, aquilo que se observa em termoscomportamentais é realmente identificado comomotivação. No primeiro caso, a atividade compor-tamental cessa com o desaparecimento da variávelexterior, enquanto no segundo, a pessoa continuaa agir por si mesma o tempo necessário para quesua necessidade interior seja satisfeita.

A característica da reação ou do simples movi-mento é a de ter sua origem nas teorias comporta-mentalistas, também conhecidas em psicologiacomo behavioristas ou experimentalistas. Nessecaso, especificamente, existe uma ligaçãonecessária entre o estímulo, considerado comouma modificação ambiental, e a resposta compor-tamental, que é concebida como uma espécie deacomodação do organismo vivo às modificaçõesoperadas no meio ambiente. Milhollan & Forisha'assim se referem a esse respeito: "A orientaçãocomportamentalista considera o homem como um or-

1. MILHOLAN, F. & FORISHA, B.. From Skinner toRogers Contrasting Approaches to Education. U.s.A., 1972.

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ganismo passivo, governado pelos estímulos fornecidospelo ambiente exterior. O homem pode ser manipulado,o que significa que seu comportamento pode ser con-trolado através do planejamento adequado de um con-junto específico de estímulos ambientais. Ainda mais,as leis que governam os homens são fundamentalmenteidênticas às leis universais que governam os fenômenosnaturais".

As descobertas feitas por Pavlov a respeito doReflexo Condicionado representam um impor-tante passo inicial para as teorias que tomarampor base a observação de animais em laboratórios.Essa é a razão pela qual tais pesquisadores sãochamados de experimentalistas. Submetido a umestímulo externo (som de uma campainha), o cãode Pavlov adota um comportamento específico,inédito até então, que é o da salivação.

Quando Edward Lee Thorndike propõe a Leido efeito, a partir da observação do comporta-mento de gatos famintos no interior de uma caixaespecial, ele está se referindo à estruturação decomportamentos específicos e dependentes dooferecimento de recompensas exteriores. Thom-dike propõe a teoria segundo a qual a personali-dade é concebida como sendo fruto da aprendiza-gem, quer dizer, do processo através do qual asrespostas comportamentais corretas passam a fa-zer parte daquilo que os experimentalistas cha-mam de repertório psíquico. Conseqüentemente,os comportamentos ligados às respostas incorre-tas e que, portanto, não foram recompensadas pe-lo alimento, sofrem um processo de extinção, nãosendo mais passíveis de observação no comporta-mento expresso do animal.

Skinner, mundialmente conhecido por ter ela-borado a Teoria do Reforço, retoma o conceitode recompensa proposto por Thorndike. Elepode ser considerado como o mais típico repre-sentante da escola behaviorista, elaborando osconceitos de Reforço Positivo e Reforço Negati-vo como elementos decisivamente poderosos noprocesso de estruturação e extinção de compor-tamentos.

Trabalhando com ratos e pombos, Skinner des-cobre que, a cada vez que os animais recebem oalimento porque bicaram ou acionaram um certodispositivo, eles passam a repetir o comporta-mento que foi recompensado. Ele chama, então,de Reforço Positivo esse acontecimento (ofertade alimento) que vem imediatamente após a açãoe que aumenta a freqüência da sua repetição. Demaneira inversa, preparando o equipamento ex-

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perimental de tal forma que ele ofereça umchoque elétrico a cada vez que o animal acione odispositivo, ele descobre aquilo que chama deReforço Negativo (choque elétrico) e que repre-senta um acontecimento punitivo que se segueimediatamente à ação animal, diminuindo, porisso, a freqüência desse comportamento, até queo suprima definitivamente do comportamentoexpresso.

Segundo Skinner, à semelhança daquilo que sepassa com os animais estudados dentro do seulaboratório, a personalidade do homem é suscep-tível de ser modelada de acordo com uma progra-mação previamente estabelecida e dentro da qualhá que se prever um rigoroso controle das va-riáveis exteriores. Adotando esse enfoque, a moti-vação passa a ser compreendida como um esque-ma de ligação Estímulo-Resposta. Dessa forma,escolhe-se com antecedência aqueles comporta-mentos que deverão ser estruturados através dereforçadores positivos, da mesma forma que sepode programar com antecedência condutas aserem extintas por reforçadores negativos, comvistas à "programação do tipo de Repertório Psí-quico que se esteja pretendendo estruturar em cada in-divíduo". A teoria de Skinner é bem ilustradaatravés de sua obra Beyond Freedom and Dignity eque em português parece ter.sido traduzida comgrande propriedade sob o título de O mito daliberdade'.

Essas teorias inspiradas no condicionamentoconseguido através de variáveis extrínsecas àspessoas, ilustram, de maneira clara, o comporta-mento reativo, que leva ao movimento e não aqui-lo que se pode chamar de motivação. De acordocom tais pressupostos teóricos, as ações das pes-soas, nas suas mais variadas circunstâncias de vi-da, são dirigidas por aqueles que manipulam asvariáveis existentes no ambiente transformando-as em recompensas ou em punições. Para os com-portamentalistas, a reação é uma maneira de secomportar que foi adquirida ou estruturada emfunção das recompensas recebidas. Nesse caso,seria inexato admitir que as pessoas sejam "moti-vadas" por outras - seria mais adequado admitirque elas podem ser colocadas em movimento pormeio de uma seqüência de hábitos que são o frutode um condicionamento imposto pelo poder dasforças condicionantes do meio exterior.

2. SKINNER, B.F.O Mito da Liberdade. Rio de Janeiro,Bloch Editores, 1971.

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Admite-se então que aquilo que alguns autorescomo Herzberg, por exemplo, denominam movi-mento nada mais é do que a reação que surge eque perdura enquanto um reforçamento positivoestá presente e que semelhantemente, desaparecequando tal tipo de recompensa não é oferecida ouem lugar dela se oferecem ao sujeito reforçadoresnegativos, isto é, punições.

O fenômeno aqui descrito como reação oumovimento tem sido utilizado por um grandenúmero de teorias e escolas de administraçãocom o objetivo de estudar o comportamento mo-tivacional em circunstâncias de trabalho. Os peri-gos da adoção desse tipo de crença são muito nu-merosos. Tal posição teórica pode ter conseqüên-cias indesejáveis e até certo ponto perigosas, namedida em que essas escolas valorizam certos as-pectos que, em realidade, não têm nada a vercom aquilo que pode ser considerado como omais importante quando se deseja contar compessoas motivadas dentro do contexto organiza-cional.

O perigo inicial e que merece particularatenção é o de se chegar a uma falsa compreen-são da pessoa que está verdadeiramente motiva-da. Não é difícil concluir que quando se adota aorientação behaviorista ao descrever o ser hu-mano, está-se implicitamente de acordo com acrença de que as pessoas mudam seu comporta-mento e sua maneira de ser de acordo com oscondicionadores aos quais elas se encontram sub-metidas. Talvez seja demasiado tarde quando seperceba que a realidade é bem diferente, na me-dida em que as mudanças comportamentais nãosão assim tão radicais e profundas como aquiloque pretendem os psicólogos comportamentalis-tas. Conforme afirmam Davis & Newstrom,"Modificação comportamental tem sido criticada sobvários aspectos, incluindo sua própria filosofia, méto-dos e aplicabilidade. Devido à grande força das conse-qüências desejáveis, a modificação comportamentalpode efetivamente forçar as pessoas a mudarem seuscomportamentos. Nesse sentido, ela manipula as pes-soas e é inconsistente com os pressupostos do enfoquehumanístico, discutidos anteriormente e segundo osquais as pessoas querem ser autônomas e auto-rea-lizadas. Alguns críticos também temem que a modifi-cação de comportamento dê excessivo poder aos ad-ministradores, levando à seguinte questão: quem irácontrolar os controladoree?">.

Existem também outros livros que tratam es-pecificamente da Administração de Pessoal nas

empresas e que abonam a crença de que não só sepode como também se deve fazer com que aspessoas mudem a partir de uma programaçãocontrolada das variáveis extrínsecas a elas. Porexemplo, Connellan afirma: "As técnicas para amudança do comportamento humano existem não sóem teoria, mas também na prática; essas técnicas têmapresentado retorno financeiro muitas e muitas vezes.Hoje em dia, só existe um motivo para uma prolonga-da baixa de produtividade devido a um comportamen-to humano inadequado: quando o custo do comporta-mento desejado é maior que os benefícios damudança'", Dessa forma, ele atribui ao especia-lista do comportamento motivacional a classifi-cação por ordem de prioridade, das variáveis quecompõem o ambiente empresarial de maneira aconseguir obter, exclusivamente, certos compor-tamentos por parte daqueles que nela trabalham.Partindo dessa concepção, supõe-se, então, que olíder mais eficaz seja aquele que consiga melhordirigir o comportamento dos seus subordinadosna direção de objetivos fixados com antecedênciapela empresa, independentemente da vontadedesses mesmos indivíduos.

As numerosas pesquisas que foram feitas nocampo das ciências do comportamento, con-seguiram mostrar que ninguém consegue mudarcomo popularmente se afirma: "Ele mudou daágua para o vinho". Essas pesquisas demonstramunanimemente que aquilo que se consegue, narealidade, é promover modificações superficiaisno comportamento, feitas a partir da própria von-tade de cada pessoa que vê benefícios em "que-brar certas arestas" para melhorar seu relaciona-mento interpessoal, mas porque ela assim o quer.Mesmo que as pessoas comecem a se mostrardiferentes daquilo que se está habituado a obser-var, é extremamente perigoso pedir ou mesmoexigir que mudem para se encaixarem dentro deum modelo julgado ideal; isso ameaça o seupróprio sentido de identidade pessoal definido emantido ao longo de toda a vida.

A corrente fenomenológica em psicologia"considera o homem como fonte de todos os atos. Ohomem é essencialmente livre de fazer escolhas em cada

3. DAVIS, K. & NEWSTROM, J.w. Human Behavior atWork - Organizational Behavior. New York, McGraw-Hill Book Company, 1989, p.1I8.

4. CONNELLAN, T.K. Fator Humano e DesempenhoEmpresarial. São Paulo, Editora Harpper & Row doBrasil Ltda., 1984, p.6.

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situação. O ponto focal dessa liberdade é a consciênciahumana. Comportamento é, assim, apenas a expressãoobservável e a conseqüência de um mundo do ser inter-no, essencialmente privado. Portanto, só uma ciênciado homem que comece com a experiência, tal como éimediatamente dada nesse mundo pode ser adequada aoorganismo humano": A idéia subjacente a essacrença é que cada homem vive uma realidadesubjetiva, própria a ele, privada e pessoal, cheiade sentimentos, emoções e percepções que nãopertencem senão a si mesmo, e que somente a eleé dado orientar-se na direção que considere comoa melhor.

A visão sistêmica em administração tambémoferece modelos destorcidos da compreensão damotivação humana. Ela parece ter aceitado comoverdadeiros os pressupostos dos teóricos beha-vioristas a partir dos quais um determinado estí-mulo (input) será o suficiente para disparar neces-sariamente uma resposta que lhe corresponda(output). A visão sistêmica concebe o ser humanocomo um sistema aberto, composto de partes queinteragem entre si de maneira organizada e pre-visível. É suficiente pensar nas experiências dodia-a-dia para que se veja claramente como étemerário apostar na previsibilidade sobre aquiloque as pessoas farão no futuro. A partir da visãosistêmica, cada ser humano deveria funcionar demaneira semelhante a um computador, sendo ali-mentado de informações e estímulos, para poste-riormente processálos devolvendo o produtodesse processamento sob a forma de comporta-mentos desejáveis, ou que tenham, previamente,sido planejados como tais.

O perigo maior de considerar os fatores ex-trínsecos ao indivíduo como a força motriz da suamotivação é o de levar uma razoável quantidadede empresas a cometerem erros grosseiros. Muitotempo e energia foram perdidos no planejamentode medidas tais como: horários flexíveis, fériasadicionais, condições ambientais de trabalho, con-cessão de prêmios, planos de benefícios, aumen-tos de salário por mérito, lugares especiais noestacionamento etc. porque acreditou-se que taisfatores teriam o condão de aumentar a motivaçãodaqueles que trabalham. Essas pessoas, a partirde então, passaram a supor que essas eram asúnicas fontes de satisfação que suas organizaçõeslhes poderiam oferecer.

Quando se consideram fatores extrínsecos aoindivíduo como elementos que condicionam areação, é importante ter em mente que quando a

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recompensa ou a punição que estão ligadas a elasão retiradas, o comportamento do indivíduo de-saparece, ou melhor, que tal comportamento nãose mantém por si mesmo. Se todas as vezes quealguém falta ao trabalho ou se atrasa dá-se umapunição sob forma de perda salarial, a partir domomento em que essa conseqüência indesejáveldesapareça, o comportamento não desejável rea-parecerá, isto é, ela voltará a faltar e atrasar-se.Por outro lado, se um aumento no nível de ven-das é recompensado por uma gratificação espe-cial, a partir do momento em que esse prêmiodeixe de ser oferecido, o comprometimento dosvendedores diminuirá e as vendas cairão a umnível provavelmente inferior àquele atingidoantes do sistema de premiação.

É válido lembrar e ressaltar, uma vez mais, quese torna impossível deixar de utilizar fatores ex-ternos que foram anteriormente colocados emação (prêmios ou punições). Ainda que muitosdos empregados se queixem da qualidade dasrefeições financiadas pela empresa, será aindamais dramático retirar-lhes esse benefício. Talvezseja essa a razão pela qual Herzberg" faz a dis-tinção entre fatores de motivação e fatores ex-trínsecos que chama de higiênicos. Ele propõeque os primeiros sejam espontaneamente escolhi-dos e perseguidos pelo indivíduo. Os fatores demanutenção ou higiene oferecidos pela empresa,quando inexistem, fazem com que as pessoasadotem condutas passivas. Para que o movimentoseja restabelecido, é necessário acenar com tais fa-tores - como se fosse constantemente necessárioempurrar ou puxar as pessoas para que semovam.

Raramente se faz justiça a D. McGregor que jáem 1954 mostra a diferença entre a satisfação denecessidades básicas atingida por meio do ofere-cimento de fatores exteriores às pessoas e as ne-cessidades que ele denomina de sociais e de Ego.Em seu livro, publicado antes dos trabalhos deHerzberg, que apareceram em 1959, McGregor jálevanta a suspeita de que deverá haver uma certadistinção entre fatores intrínsecos e extrínsecosquando utiliza a metáfora da "cenoura na pontada vara". É ele que afirma: "0 indivíduo cujas ne-

5. MILHOLAN, F.& FORISHA, B. Op. cit.,p. 17.

6. HERZBERG, F.; MAUSNER, B. & SNYDERMAN,B. The Motivation to Work. New York, John Wiley &Sons, Inc., 1959.

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cessidades de nível inferior foram satisfeitas não estámotivado para satisfazê-las mais. Praticamente, elasdeixam de existir (.. .) A administração indaga fre-qüentemente por que o pessoal não produz mais. Pa-gamos bons salários, damos ótimas condições de tra-balho, proporcionamos estabilidade de emprego, alémde excelentes benefícios adicionais. O pessoal, entre-tanto, parece não estar disposto a despender senão umesforço mínimo. O pessoal reivindicará insistente-mente maiores salários. Torna-se mais importante doque nunca comprar bens e serviços materiais queeventualmente satisfaçam, até certo ponto, essas ne-cessidades frustradas. Embora o dinheiro representeapenas um valor limitado no preenchimento de muitasnecessidades de alto nível, talvez se torne o foco prin-cipal do interesse se for o único meio disponioel'".

Parece indispensável levar em consideraçãoque o ser humano, diferentemente dos animais,não possui apenas comportamentos orientadospor condições impostas pelo meio ambiente. Ou-tras variáveis muito importantes estão em jogo eserá ingênuo não as levar em conta. Caso sejaaceito como verdade que tudo aquilo que se faznuma empresa seja apenas movimento, umgrande número de maneiras de agir, tipicamentehumanas, ficarão sem explicação.

Qualquer pessoa que tenha sido treinada parabater à máquina, operar um computador oumanobrar uma ponte rolante, bem como utilizar-se das diferentes ferramentas de produção que seencontram à sua volta, sofreu, em verdade, treina-mentos específicos através de condicionamentos.Todavia, a partir do momento em que essas pes-soas se acham engajadas num processo criativo,que sentem a alegria de ter contribuído para o de-senvolvimento da empresa à qual pertencem, oumesmo quando buscam desenvolver laços afe-tivos, não se poderá mais compreendê-las sob oenfoque sistêmico, nem as considerar como sim-ples objetos de condicionamento. Persistindonesse enfoque estar-se-á bem longe de compreen-der o ser humano na sua maneira pessoal e maisautêntica de ser.

o QUE É MOTIVAÇÃO

Felizmente, alguns autores como Handy, porexemplo, procuraram refutar pontos de vista sim-plistas e alertar seus leitores sobre as dificuldadesque podem encontrar quando procuram traba-lhar com pessoas realmente motivadas. A esserespeito, propõe o autor: "Se pudéssemos com-

preender, e então prever os modos como os indivíduossão motivados, poderíamos influenciá-los, alterando oscomponentes desse processo de motivação. Tal com-preensão poderia certamente levar à obtenção degrande poder, uma vez que permitiria o controle docomportamento sem as armadilhas visíveis e impopu-lares do controle. Os primeiros trabalhos acerca damotivação demonstraram preocupação em encontraros modos pelos quais o indivíduo poderia ser motiva-do e aplicar mais do seu esforço e talento a serviço doseu empregador. É mera questão de justiça acrescen-tarmos que muitos desses teóricos também se preocu-pavam em encontrar uma resposta que fosse coerentecom a dignidade e independência essenciais do indiví-duo. Talvez devêssemos sentir alívio quanto ao fato deque não foi encontrada qualquer fórmula garantida demotioação'":

Por princípio, na medida em que se aceite ocaráter individual da motivação, é imperioso quese abandone a maior parte das tentativas de expli-cação e de tratamento estatístico, que conduzem ageneralizações grosseiras retratando o comporta-mento de uma população estudada, não chegan-do a explicar nenhum daqueles elementos quecaracterizam os componentes da amostra comoseres humanos únicos e autodeterminados. A sen-sibilidade para a percepção das pessoas torna-seagora para o cientista o principal instrumento depesquisa. Em primeiro lugar, essa sensibilidadedeve estar voltada para o indivíduo que procuraconhecer o outro, ou melhor, a condição básica éque o próprio pesquisador possua uma clara au-topercepção daquilo que o motiva. Em segundolugar, é necessário que o observador use ade-quadamente tal sensibilidade, impedindo-se deprojetá-la sobre os outros, ou atribuir ao ser obser-vado necessidades e orientações motivacionaisque sejam suas.

Um exame dos diferentes enfoques sobre moti-vação, por superficial que seja, coloca em evidên-cia como é facil as pessoas atribuírem aos outrosobjetivos que na realidade são os seus. Cada pes-soa se caracteriza por um perfil motivacionalpróprio, ou como se pode dizer com maior pre-cisão, cada pessoa é portadora de um estilo decomportamento motivacional. Embora já se te-

7. McGREGOR, D. Motivação e Liderança. São Paulo,Editora Brasiliense, 1966, p. 11.

8. HANDY, E.B. Como compreender as organizações. Riode Janeiro, Zahar, 1975, p. 27.

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nha recursos para determinar tal perfil, há aque-les que, não conhecendo as características do seupróprio esquema de fatores motivacionais, usam-no como ponto de partida para explicar o com-portamento das pessoas com as quais convivem.Para comprovar essa tendência natural do ser hu-mano, é suficiente que se peça aos supervisoresque relacionem os objetivos que acreditam ser osque mais freqüentemente perseguem os seus su-bordinados. Em seguida, solicita-se aos subordi-nados de tais supervisores que citem aquelesobjetivos motivacionais que mais desejariam veratendidos em situação de trabalho. Na maiorparte dos casos, as duas listas serão incom-patíveis, pois aquilo que os supervisores julgamser esperado por seus subordinados não é a mes-ma coisa que estes últimos esperam da organiza-ção na qual trabalham.

Determinado aquilo que as pessoas buscam apartir das suas necessidades pessoais, a etapaseguinte consiste em tentar oferecer condiçõesque respondam adequadamente a tais expectati-vas, com isso se está tentando oferecer o que al-guns autores, como Archer", por exemplo,chamam de fatores de satisfação. Assim, se al-guém busca oportunidades de utilizar seu poten-cial em atividades de maior complexidade, o úni-co meio para que essa pessoa permaneça motiva-da será 0 de promover uma estratégia que permi-ta a ela livrar-se de tarefas repetitivas. Caso não seconsiga fazê-la sair da monotonia da qual sequeixa, o melhor é não tentar falsas soluções. Ca-so contrário, já se estaria iniciando um processoreconhecido como o caminho seguro para adesmotivação. Na maior parte dos casos, no en-tanto, como o trabalho precisa ser feito e os obje-tivos atingidos, muitos supervisores adotam asolução de colocar a caminho um procedimentotípico de movimento, servindo-se de prêmios porprodução ou ameaçando o subordinado comsanções, a fim de que tarefas rotineiras e aborreci-das sejam feitas.

Como as pessoas não se deixam manipular,embora aparentemente continuem a reagirmostrando grande movimentação, sabe-se que aqualidade da energia pessoal investida em taisatividades condicionadas diminui gradualmentee o empregado produz cada vez menos. À medi-da que o tempo passa, baixam a satisfação pessoale o sentimento de auto-estima que as pessoas ex-perimentam. Muito rapidamente, conformemostram as pesquisas, será possível ter diante dos

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olhos .alguém completamente desmotivado. Édessa maneira que se nega às pessoas a possibili-dade de colocarem em ação suas habilidades, ca-pacidades e expectativas pessoais, que são indu-bitavelmente os aspectos mais relevantes dentrodo processo motivacional.

Há grande diferença entre o movimento, cau-sado pelas reações aos agentes condicionantes ex-trínsecos ao indivíduo, e a motivação, que nascedas necessidades intrínsecas e que encontra suafonte de energia nas emoções - assim sendo, elapode então ser compreendida como algo interno acada um. Apesar do seu caráter claramente in-trínseco, a motivação pode servir-se de fatoresexistentes no meio ambiente como meios de satis-fazer uma necessidade interna, mas isso não sig-nifica que sua compreensão possa ser reduzida àbusca desses fatores em si mesmos. E por isso elanão se confina aos limites de tais fatores. Porexemplo, a sede é uma carência interna que seserve do fator externo que é a água para ser satis-feita. A necessidade não satisfeita é a sede e nelareside a motivação, não no fator de satisfação queé a água; não se pode confundir o fator de satis-fação (água) com a necessidade em si mesma(sede). Todo esse processo se origina nas carênciasinternas que predispõem o indivíduo a um com-portamento de busca, que tem como finalidadesatisfazê-las. Trata-se de um ciclo interno, na me-dida em que ele tem um início e um fim dentro dopróprio mundo interior de cada pessoa e só podeser entendido como algo interior a ela.

Muitos dos pesquisadores que trabalharam so-bre o tema da motivação também se esqueceramdo caráter de continuidade que lhe é inerente. Ja-mais se conseguirá estar completamente satisfeito,existirá sempre uma necessidade não satisfeitaque organizará ou dirigirá novas condutas moti-vacionais. A satisfação de necessidades humanaspassadas não toma o homem passivo e acomoda-do à vida; pelo contrário, ela o predispõe a iniciati-vas mais ousadas rumo à sua auto-realização e, as-sim, jamais se atinge um estado de plena saciação,pois, como disse Fromm, "0 homem sempre morreantes de ter nascido plenamente">. Não é possível

9. ARCHER, E. R. "The myth of motivation". In: ThePersonnel Administrator. U.5.A., dezembro, 1978.

10. FROMM, E. Man for himself an inquiry into the psy-chology of ethics. U.5.A., Fawcett Publications, Inc., 1978,p.84.

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concretizar todas as necessidades e todas as po-tencialidades do homem, isso significa que eleterá sempre à sua frente uma nova etapa a seratingida rumo ao desenvolvimento completo de simesmo.

É justamente esse enfoque sobre a motivação,compreendido como uma predisposição interna einerente ao ser humano, que inverte a ordem dosfatores. A grande preocupação não deve ser a debuscar o que deve ser feito para motivar as pes-soas, mas deve estar particularmente orientada nosentido da busca de estratégias que visam evitardesmotivar aqueles que chegaram motivadospara o seu primeiro dia de trabalho.

Uma vez que as impulsões motivacionais, li-gadas às características de uma personalidadesem réplica no universo, sejam interiores a cadaum, não se pode tentar compreender quem querque seja a partir de generalizações. O entendi-mento das ações motivacionais de cada pessoa sóse esboça na medida em que separticularize a ca-da momento e para cada um, em separado, amaneira de vê-las. Talvez seja bem por isso quetem sido tão difícil abandonar a crença no condi-cionamento como uma potente fonte de recursosmotivacionais no trabalho. Essa resistência seprende ao fato de que diante da descobertadaquilo que seja verdadeiramente motivacional,muitos indivíduos entrevistados tiveram que sedefrontar com o fato de reconhecerem que tudoaquilo que haviam conseguido, quando preten-diam influenciar a motivação dos demais, tenhasido simplesmente obtido através de uma estraté-gia de condicionamento por meio de recompen-sas e punições.

O emprego de estratégias condicionantes ofe-receu sempre uma maior simplicidade de apli-cação na prática, trazendo também maior rapi-dez em termos das reações comportamentais daspessoas, que eram o principal objetivo daquiloque se considerou como "ação motivadora". As-sim, é muito mais difícil e complicado lançar-se àpesquisa de hipotéticas necessidades internasdas pessoas, para finalmente construir um plane-jamento que lhes ofereça fatores de satisfaçãoapropriados e compatíveis com suas autênticasnecessidades interiores. No entanto, é só assimque se consegue acompanhar o ser humano emseus níveis mais elevados de expectativas, aque-les que verdadeiramente levam as pessoas acaminharem do "menos" para o "mais" em seucaminho pessoal ao longo de toda uma vida.

Talvez, também seja assim que se consiga umverdadeiro renascimento a cada ato motiva-cionaI.

A PSICOLOGIA DA MOTIVAÇÃO

Seria praticamente impossível saber no que re-side a motivação humana se não se levassem emconta as descobertas feitas pela psicanálise deFreud. Sem tal enfoque, não se considera o ser hu-mano no seu aspecto mais autêntico, uma vez quenão se dá a devida valorização à dimensão emo-cional presente em tudo o que ele faz.

Com Freud (1856-1939)os esquemas pura-mente fisiológicos e neurológicos de estudo doser humano ficam definitivamente abandonadospara valorizar-se um fator mais especificamentehumano e intrínseco da personalidade de cadaum: suas emoções. Tais emoções, que dão o co-lorido afetivo às necessidades e impulsões instin-tivas passam a ser, a partir desse momento, estu-dadas como elementos dotados de energiaprópria e portanto, capazes de ser fontes de con-dutas específicas. Assim, fora dos laboratórios,de maneira mais viva e próxima da realidadeexistencial de cada pessoa, os estudos feitos pelospsicanalistas procuram compreender o homem apartir da pesquisa do desencadeamento lógicodas suas próprias experiências de vida. Umagrande preocupação surge, então, que é aquelade descobrir como os sintomas e os comporta-mentos exibidos pelas pessoas, no momento a-tual, poderiam estar ligados a acontecimentosvividos por essas mesmas pessoas em épocas an-teriores e que fazem parte das suas histórias devida. Na busca desse desencadeamento lógico,descobre-se a importância da infância na deter-minação das características da personalidadeadulta. É assim que se começa a compreenderque os objetivos atualmente perseguidos pelaspessoas têm, todos eles, uma história de vida enão podem ser verdadeiramente conhecidos en-quanto não se chegue a ligá-los, de maneira coe-rente, a toda uma sucessão de experiências ante-riores, registradas numa importante instânciapsíguica que é o inconsciente.

E, portanto, dessa maneira que as bases teó-ricas oferecidas pela visão psicanalítica ofere-cem uma nova dimensão dos comportamentoshumanos, propondo o caráter inconsciente damotivação. As forças instintivas, também co-nhecidas como impulsões inconscientes, con-

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frontadas com as restrições sociais e as escalas devalores, levam Freud a comparar o psiquismo doser humano a um iceberg. Com essa metáfora, opai da psicanálise pretende demonstrar queaquilo que é realmente importante na determi-nação de uma orientação comportamental estásubmerso e é, portanto, inacessível à observaçãoexperimental, contrapondo-se a tudo aquilo queaté então havia sido demonstrado pelo estudodo comportamento humano dentro dos labo-ratórios experimentais.

São, na verdade, os conteúdos psicológicos,que haviam sido jogados para o inconsciente, que,estando dotados de forças próprias (catexias),procuram liberação ao levarem o homem a agirde maneira especial numa determinada direção,sob o comando do que passou a ser aceito como oprincípio do prazer.

Essas impulsões interiores orientam o compor-tamento das pessoas deixando marcas que podemser reconhecidas nas medidas que tomam emmeio aos vários contextos freqüentados por elas.Em situação organizacional, isso fica bastanteclaro ao se examinar o caráter das medidas pro-postas, como salienta Lapierre: "Se, como supomose como a realidade das organizações nos fornece provasdiariamente, existe uma ligação entre a personalidadedos administradores, dos líderes e o direcionamento dassuas empresas, todo o conhecimento e toda a tomada deconsciência da realidade humana, da realidadepsíquica, em resumo, da personalidade dos dirigentesserá útil a uma melhor compreensão dos fenômenosligados à administração e liderança" 11. Para o autor,essas influências especiais decorrem dos desejos,das convicções, dos gostos e dos interesses pes-soais de cada um.

Uma importante publicação a esse respeito é ade Paul Diel que faz também uma ligação entre arealidade interior e a realidade exterior: "Os obje-tos do mundo interior, os desejos não existem senão emrelação sinérgica com os objetos do mundo exterior. Osobjetos exteriores são os excitantes e os desejos são asexcitações. Os desejos têm uma tensão energética, elessão as manifestações mais primitivas da energiapsíquica; enquanto a tensão de um desejo determinadonão seja eliminada pela possessão do objeto exterior, aexcitação não encontrará sua reação e o desejo persis-tirá sob forma de tensão interior, isto é, uma intenção etodos os centros energéticos aí produzidos se interin-fluenciarão mutuamente. Os desejos se encontram emconstante transformação constituindo o trabalho in-trapsíquico que prepara o trabalho extrapsíquico: as

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reações" 12. Dessa forma, mais uma vez, a moti-vação é considerada como alguma coisa tipica-mente interna a cada um; ela é vista como umaforça propulsora, cujas origens se encontram, namaior parte do tempo, escondidas no interior doindivíduo.

Ao se falar sobre o tema instinto, torna-se im-possível esquecer a escola psicológica que tomougrande impulso na década de 60, representadapelos etologistas. Observando o comportamentode diferentes espécies de animais vivendo no seumeio natural, esses pesquisadores, especialmenteinteressados na conduta instintiva dos animais,descobriram fatos inerentes a cada espécie emparticular, fatos esses que passam a servir comoponto de partida para uma melhor caracterizaçãoda conduta do homem em sua maneira tambémparticular de se comportar.

Konrad Lorenz, recentemente desaparecido emundialmente reconhecido pelo prêmio Nobel demedicina em 1973, é, sem dúvida, a maior ex-pressão dentre os etologistas. Nos seus trabalhos,publicados em 1969, esse grande observador docomportamento animal sugere ser a conduta ins-tintiva, não somente nos animais como tambémno homem, aquela capacidade responsável pelabusca de adaptação ao meio ambiente. De acordocom ele, esse processo de adaptação comportanecessariamente a utilização de um tipo de ener-gia interna, que gera uma espécie de tensão, queconduz a uma seqüência predeterminada de com-portamentos com vistas à busca de um esquemaespecífico que tem por função diminuir ou fazerdesaparecer essa tensão".

Dentre as numerosas observações feitas porLorenz sobre animais das mais diferentes espé-cies, destaca-se uma que parece particularmentesignificativa para se compreender como foi pos-sível chegar-se àquilo que conceitualmente de-nomina ato instintivo. Para chegar às suas des-cobertas, o autor observou que uma certa espéciede periquito exibia a conduta típica de cio, como

11. LAPIERRE, L. "Imaginário, Administração e Li-derança". In: Revista de Administração de Empresas, FGV,vol, 29, nº 4, out/dez., 1989, p.6.

12. DIEL, P. Psychologie de la motivation: Theorie etAplication Thérapeutique. Paris, Petite Bibliotheque Pay-ot, 1981, p. 21.

13. LORENZ, K. L'envers du miroir - une histoire na-turelle de la connaissance.Paris. Editions Flamarion, 1983.

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se diante dele estivesse a fêmea, quando lhe eraapresentada, dentro da gaiola, uma bola verde esuspensa por um fio. Isso, em última análise,queria dizer que, possuindo um estado internode carência, o animal evidenciava aquilo que foichamado de conduta de busca, conduta essa quetinha por finalidade encontrar, no ambiente, umcerto elemento que possuísse três traços específi-cos: ser uma bola, ter a cor verde e estar suspen-so. Caso um desses três traços estivesse ausente,o animal deixaria de apresentar a conduta típicado cio e o ato instintivo, considerado como ofruto do encontro entre o estado de carência in-terno e seu condizente esquema produtor, nãoocorreria. Com seus estudos, ao introduzir oconceito de atos instintivos, que são caracteriza-dos por uma cadeia de condutas diferentes umasdas outras, Lorenz retifica o enfoque que consi-dera o instinto em seu sentido mais amplo egenérico.

Um exame pormenorizado das proposições co-locadas por Lorenz mostrará que o comportamen-to instintivo produzir-se-á somente quando certoselementos sejam contingentes, ou estejam pre-sentes ao mesmo tempo. O ato instintivo ocorreráquando houver um estado de carência internaque produzirá aquilo que pode ser reconhecidocomo estado anímico, capaz de disparar um com-portamento típico de busca de um certo objetivoencontradiço no meio ambiente e que possua umconjunto específico de características bemdeterminadas.

Transportando tal entendimento para a situa-ção motivacional, o conceito de atos instintivosestudado por Lorenz leva a abandonar a posiçãoque considera a motivação como um fenômenoem si, quer dizer, como se ela fosse um todo indi-visível. Agora, portanto, o paradigma que susten-ta aquilo que pode ser chamado de atos motiva-cionais parece estar mais próximo do comporta-mento humano em si.

À semelhança dos atos instintivos, na condutamotivacional, o indivíduo também vive um estadode carência que deve ser suprido, o que só serápossível por meio da busca de um fator de satis-fação, que nada mais é do que aquilo que sechamou de esquema produtor. Dessa forma, nomomento em que a necessidade encontra o seucorrespondente fator de satisfação, dá-se o ato mo-tivacional que, conseqüentemente, determina oaparecimento de um estado de satisfação criadopela satisfação da necessidade em jogo.

A satisfação de uma dada necessidade não pa-ralisa a ação humana, pelo contrário. O própriofato de se saciar uma necessidade faz emergiruma outra, que disparará uma nova conduta debusca rumo a um novo esquema produtor, oumelhor, rumo a um novo objetivo motivacional aser atingido. Partindo desse ponto de vista, todageneralização feita a respeito dos tipos de obje-tivos motivacionais mais freqüentemente perse-guidos pela maioria dos indivíduos é ingênua einadequada. Cada uma das pessoas que foram in-terrogadas por meio dessa sistemática de pes-quisa, poderá ter diferentes estados de carênciasnaquele momento e, conseqüentemente, elas esta-belecerão comportamentos de busca que possuemorientações especiais para esquemas produtoresmuito diferentes entre si.

Qualquer tipo de pesquisa desse gênero deveexaminar cuidadosamente a diferença individualde cada uma das pessoas, caracterizar bem a si-tuação na qual elas vivem, para que se possa en-tão tirar conclusões mais realistas. Dessa forma fi-cará claro que o objetivo motivacional é per-seguido a cada momento de forma diferente e adireção dessa busca será prioritariamente deter-minada por um fator interno, individual e, namaioria das vezes, permanente.

É igualmente enriquecedor lembrar o que dizClaude Levy-Leboyer ao terminar seu livro sobrea crise da motivação: liA motivação não é nem umaqualidade individual, nem uma característica do tra-balho: não existem indivíduos que estejam sempre mo-tivados nem tarefas igualmente motivadoras para to-dos. Na realidade, a motivação é bem mais que um pro-cesso estático. Trata-se de um processo que é ao mesmotempo função dos indivíduos e das atividades específi-cas que eles desenvolvem. É por isso que a força, a di-reção e a própria existência da motivação estarão estre-itamente ligadas à maneira pessoal pela qual cada umpercebe, compreende e avalia sua própria situação notrabalho e, certamente, não à percepção daqueles queestão fora dela como os tecnocratas, os administradorese os peicõlogce">.

CONCLUSÃO

A compreensão mais ampla daquilo que foidefinido como motivação, só será conseguida namedida em que se esteja atento a uma dimensão

14. LEVY-LEBOYER,C. La crise des motivations. Paris,Presses Universitaires de France, 1984, p. 134.

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mais intrínseca e mais profunda da natureza hu-mana.Muitos dos trabalhos que não se aprofun-daram no exame do nível mais significativo ofe-recido pelas necessidades e instintos humanosnão chegaram senão a uma visão parcial do as-sunto. É necessário reconhecer, no entanto, a con-tribuição indispensável feita pela psicologia arespeito da motivação humana. A pesquisaexaustiva desenvolvida pelos psicólogos revelaaspectos que, durante muito tempo, haviam per-manecido como mistérios insondáveis ou mesmomágicos do comportamento humano - tempono qual flutuaram opiniões pessoais, gerandoconfusões perigosas a respeito da motivação doser humano .•

ABSTRACT: MotivatiOll is une ioord used inJl1ilny di1fcrent ways, toiih too lIlil/llj difjcrent meanings. So, it is unportant to distinguish beuocen the be-

haoior ihat is knoum 05 condiiionaied and thai oneseen as ilu: real mctinated behaoior. This ariicie has themain purpose of delimitaiing each une of ihese tu-o hei-crogeneous concepis. First: the condiiioned behaoiortha: cumes ou! of the aciion of exirinsic oartables exisi-ing in lhe eninronment anil the motinaied behaoiorihat emerges from inirinsic forces «xisting insidc eachpcrson.Lt seems crucial to distinguish thcse itoo differ-ent ways of behauior if one uiants to ioork unib reallymotioated peopie. Thesc pcople seem to cngage thenl-seloes in soork fr)/" their oton sake, and not becauseIhese actiouies might iead to externai reioards. Themotioated aciioities appcar as Juwing aims in them-selocs raiher ihan being means to an ooiectioc.

KfY TER1\1S: Motivai ion, conâitioning, behaoior,extrinsu: oariaotes, inirinsic uariable«, motioationalstylc.

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