Teoria Literária - Linha Geral

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METRIFICAO VERSOSGOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons e Ritmos. Ed tica. So Paulo:1992

Simetria Leia um trecho de "Remorso", de Olavo Bilac: Sinto o que desperdicei na juventude; Choro neste comeo de velhice, Mrtir da hipocrisia ou da virtude. Os beijos que no tive por tolice, Por timidez o que sofrer no pude, E por pudor os versos que no disse! Para verificar a mtrica do poema, vamos fazer a escanso do primeiro verso. Escandir, significa dividir o verso em slabas poticas. Note que nem sempre as slabas poticas correspondem s slabas gramaticais. O leitor ouvinte pode juntar (ou separar) slabas, quando houver encontro de vogais, de acordo com a melodia do verso. O ouvido de cada um vai indicar como proceder. Leia e releia em voz alta, percebendo a cadncia do verso:

Ao escandir, isto , dividir um verso em slabas mtricas, em portugus, deve-se parar na ltima slaba tnica. Se houver outra(s) depois dela, no se conta(m) para efeito mtrico. No verso acima, voc pode observar que algumas slabas aparecem grifadas e em letras maisculas. So as slabas fortes ou acentuadas. Podemos resumir o esquema rtmico (mtrico) desse verso da seguinte forma: E.R. 10 (6-10). Ou seja: um verso de 10 slabas poticas, como se indica antes do parntese; so acentuadas as slabas de nmero 6 e de nmero 10, como se indica no interior dos parnteses. Ele se compe de dois segmentos rtmicos: o primeiro at a sexta slaba e o segundo, at a dcima. Leia em voz alta os trs versos seguintes, onde aparece o mesmo E.R. 10 (6-10) :

No penltimo verso, o metro (tamanho) o mesmo: dez slabas. O que muda a posio das slabas acentuadas:

Representa-se assim este E.R.: 10(4-8-10). Isto : verso de dez slabas ou decasslabo, com acento na quarta, oitava e dcima slabas. O primeiro tipo sugere a bipartio em dois segmentos rtmicos; este segundo, a tripartio. J no ltimo verso, retoma o E.R. 10(6-10):

possvel perceber outro acento, menos forte, na quarta slaba (dor). A indicao feita entre colchetes por ser acento secundrio: E.R. 10([4]-6-10). Releia os seis versos de Bilac. Voc vai verificar que a ltima slaba potica sempre acentuada: ela marca o fim do verso, do segmento rtmico. Alm da alternncia entre slabas fortes e fracas, o ritmo provm de outros efeitos sonoros, como a repetio de letras ou palavras. Um deles, a rima: repetio de sons semelhantes no final de versos diferentes. Verifique as rimas do trecho anterior: juventUDE / virtUDE / pUDE velhICE / tolICE / dISSE No conjunto, fica a impresso de simtrica regularidade. No penltimo verso, h uma alterao no esquema rtmico, preparando o verso final, aspecto mais relevante do "remorso" do poeta: "os versos que no disse". Percebe-se o metro apoiando a famosa "chave de ouro" parnasiana. Assimetria A partir das primeiras dcadas de nosso sculo, o ritmo dos poemas comea a ser cada vez mais solto e distanciado das regras da mtrica tradicional. Veja como exemplo "O poeta come amendoim", de Mrio de Andrade: Brasil que eu amo porque o ritmo do meu brao aventuroso, O gosto dos meus descansos, O balano das minhas cantigas amores e dansas. Brasil que eu sou porque a minha expresso muito engraada, Porque o meu sentimento pachorrento Porque o meu geito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir. Percebe-se um poema completamente diferente do anterior. Vamos comear pelo vocabulrio, pelas palavras empregadas em cada texto. No primeiro: "esperdicei", "mrtir", "hipocrisia", "virtude", "timidez", "tolice". Termos cultos, prprios da linguagem escrita. No segundo: "engraado", "pachorrento", "geito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir". Expresses simples, freqentes na linguagem falada. Passemos sintaxe, ordem dos termos na frase. No poema de Bilac h inverses; "Por timidez o que sofrer no pude"

que, em ordem direta, ficaria assim: "o que no pude sofrer, por timidez". No poema de Mrio, a ordem dos termos a mesma da linguagem falada corrente: direta. Quanto ao metro, no primeiro poema, todos os versos se assemelham: decasslabos. No segundo, cada verso tem um tamanho diferente. Observe:

No primeiro verso, 16 slabas poticas. Quanto aos acentos, voc ver que eles podem variar a cada leitura, pois trata-se de um poema em versos livres, cuja acentuao no obedece s regras mtricas clssicas. Isto : os acentos no so fixos, com exceo do da ltima slaba. Uma outra leitura do mesmo verso, separando vogais, resultaria num nmero maior de slabas poticas. O verso dois bem menor; apenas sete slabas:

Verifique como o metro varia de verso para verso. Os termos simples, a ordem direta, o ritmo liberado do poema traduzem o novo modo de vida do sculo XX. Nos dois casos, o ritmo faz parte de uma concepo de arte, de uma viso de mundo. No h um ritmo "melhor", outro "pior", mas apenas ritmos diferentes, cada um traduzindo um modo de ver o mundo e de viver. Insisto novamente: no basta analisar o ritmo, apenas. preciso sempre associ-lo aos demais aspectos do texto. Deve-se, ainda, relacionar a obra ao contexto sociocultural em que ela foi produzida. O modo de compor associa-se temtica do poema para traduzir um modo de vida, um conjunto de valores, uma viso de mundo. 5 - Versos Regulares Os versos regulares, como j foi dito, so os que obedecem s regras clssicas estabelecidas pela mtrica, determinando a posio das slabas acentuadas em cada tipo de verso. As rimas aparecem de modo regular, marcando a semelhana fnica no final de certos versos. Os exemplos que ilustram o captulo anterior so de versos regulares. Brancos Quando os versos obedecem s regras mtricas de versificao ou acentuao, mas no apresentam rimas, chamam-se versos brancos. So brancos os versos do poema Uruguai, do poeta rcade Baslio da Gama (sc. XVIII):

L, como uso do pas, roando Dois lenhos entre si, desperta a chama, Que j se ateia nas ligeiras palhas, E velozmente se propaga. Ao vento Deixa Cacambo o resto e foge a tempo Este trecho conta como o heri indgena Cacambo ateou fogo ao acampamento de seus inimigos. Cada verso tem dez slabas poticas. O primeiro, terceiro e quarto versos so sficos, com E.R. 10 (4-8-10); os outros dois so hericos, com E.R. 10 (6-10). As rimas no aparecem, pois os versos brancos apresentam regularidade mtrica, mas no rimas. Para os versos regulares ou para os brancos, so estes os esquemas rtmicos mais freqentes:

Caracteres da Funo Literria DONOFRIO, Salvatore. Teoria do Texto 1. Ed. tica. So Paulo: 1992.Conotao A linguagem literria, por ser um sistema semitico secundrio que tem como significante o sistema lingstico, constitui-se num discurso conotado, porque seu plano de expresso j inclui uma siginificao primria. O termo conotao deve ser reservado para sentidos de uma palavra ou de uma expresso que podem existir virtualmente na experincia que temos da coisa designada por essa palavra, ou nas associaes que nascem do uso que se faz dessa palavra na linguagem em geral, mas que s se atualizam por seu emprego particular num certo discurso. A conotao um sentido que s advm palavra numa dada situao e por referncia a um certo contexto (Lefebvre, 34, p.58). preciso distinguir a conotao potica, ou artstica em geral, da conotao de outros sistemas semiticos: a da linguagem jurdica, mdica, diplomtica, dos marginais, gria, etc. O sentido conotativo dessas linguagens, uma vez descoberto seu cdigo, torna-se denotativo, por que unvoco. A linguagem literria, pelo contrrio, sempre polissmica, ambgua, aberta a vrias interpretaes. Essa ambigidade no atinge apenas a mensagem em si, mas tambm o emissor (ambigidade entre autor e eu poemtico),

o destinatrio (ambigidade entre receptor textual e virtual), o referente (ambigidade entre realidade material e realidade ficcional).

O texto literrio transforma incessantemente no s as relaes que as palavras entretm consigo mesmas, utilizando-as alm dos seus sentidos estritos e alm da lgica do discurso usual, mas estabelece com cada leitor relaes subjetivas que o tornam um texto mvel (modificante e modificvel), capaz mesmo de no conter nenhum sentido definitivo ou incontestvel. Um enunciado potico, pela peculiaridade de sua estrutura fnica, rtmica e sinttica, sugere vrias significaes evocando corres- pondncias entre termos que se tornam presentes na memria do leitor, associando significantes lingsticos a significados mticos e ideolgicos, elevando ao nvel da conscincia os anseios do sub-consciente individual e/ou coletivo. Conseqncia do carter conotativo da linguagem literria que, para a inteligibilidade ou decodificao de um texto potico, no suficiente apenas o conhecimento do cdigo lingstico. H necessidade do conhecimento de uma pluralidade de cdigos: retricos, msticos, culturais, etc., que esto na base da estrutura artstico-ideolgica de uma obra literria. "Essa forma de vida que a lngua est sempre e necessariamente inserida em situaes scio-culturais e abarca formas de trabalho lingsticas e no-lingsticas, que se interpretam mutuamente" (114, p.154). Novidade A linguagem literria, para poder se afirmar como sistema semitico segundo, obrigada a desviar-se da norma lingstica. Na linguagem cientfica e diria faz-se largo uso de esteretipos, seguindo padres lingsticos e petrificando a palavra. O cientista e o homem comum no pensam no cdigo que utilizam: o uso lingstico cria automatismos psquicos e intelectuais que levam perda do sentido do significante. A fora da repetio aniquila o significado original da palavra, que perde seu poder de criatividade. A linguagem potica insurge-se contra o automatismo e a estereopartio do uso lingstico, reavivando arcasmos, criando neologismos, inventando novas metforas, ordenando de um modo diferente e surpreendente os lexemas no sintagma. Os signos poticos, mais do que expressar conceitos, carregam representaes sensoriais atravs da metrificao, da rima, da assonncia, do ritmo, da sinestesia, etc. A novidade do significante lingstico causa no leitor um efeito de estranhamento, que o obriga a refletir na formulao da mensagem. Para os formalistas russos, a linguagem potica se caracteriza pelo poder da singularizao, pois usa o mtodo da representao inslita: os objetos so descritos como se desconhecidos, como se vistospela primeira vez, deformados de suas propores habituais. Segundo a bela imagem de Jan Mukarovski, "somente a funo esttica tem condio de reservar ao homem, em relao ao universo, a posio de um estrangeiro que visita pases sempre novos com uma ateno no gasta e no rija, que toma sempre conscincia de si, projetando-se na realidade circunstante e medindo essa realidade a partir de si prprio" (42, p.142). Em suma, o poeta produz uma linguagem que, mesmo usando palavras comuns, recria essas palavras para tornar possveis relaes sempre novas com a realidade. Da o efeito surpreendente, fascinante, fantstico da linguagem e da cosmoviso artsticas. Refletir nas palavras leva, consequentemente, a pensar no sentido que as palavras encerram. E, como estereotipao do cdigo lingstico corresponde, na vida diria, uma ancilose do cdigo ideolgico, assim, na obra potica, violao do hbito lingstico corresponde uma ruptura com o cdigo ideolgico. A novidade do plano da expresso est quase sempre relacionada com uma novidade imaginada no plano do contedo. Se o poeta interroga ou, melhor, questiona o mundo, o faz para colocar em discusso o critrio dos valores dominantes. E se o material de sua arte a palavra, s atravs do uso invulgar desta que ele pode chamar a ateno dos destinatrios para a realidade mais profunda da condio humana. Resta ainda precisar o conceito de "desvio" da norma lingstica, que confere o carter de novidade linguagem potica e que levou Jean Cohen a formular a tese de que a poesia essencialmente "antiprosa". Diacronicamente, a poesia surge antes da prosa. Os primeiros documentos lingsticos de um povo so versificados, sendo que a prosa, fruto do pensamento reflexivo, afirma-se posteriormente e como conseqncia da codificao normativa do discurso. Por esse fato histrico inegvel, se quisssemos ver oposio contrastiva entre prosa e poesia, deveramos coerentemente considerar a poesia como norma e a prosa como desvio, sendo portanto a prosa antipoesia e no o contrrio. Seramos tentados, ento, a inverter a perspectiva de especificidade: a linguagem literria constituiria o cdigo geral ou macrocdigo (por ser mais natural e mais livre), de que as outras linguagens (tcnica, cientfica, usual, etc.) seriam subcdigos especficos, que estabelecem regras estreitas de emprego lingstico para limitar os recursos expressivos da linguagem potica, visando sua adaptao a determinadas prticas sociais. Alm dessa considerao, o conceito de norma muito vago para ser tomado como medida do potico. constatao de que a lngua varia no tempo e no espao deve-se acrescentar o fato de que, mesmo num recorte sincrnico e espacial, sempre difcil estabelecer qual "o grau zero da escritura": a norma culta, a cientfica ou a popular? Como estabelecer limites exatos entre uma norma e outra e como

escolher entre as vrias modalidades de linguagem sem cometer arbitrariedades? Considerar, como faz Jean Cohen, o discurso cientfico norma, em relao qual o discurso literrio seria um desvio, cometer, para usar seu prprio termo, uma impertinncia, pois se confrontam dois discursos que so de natureza diferentes, cada qual possuindo caracteres e escopos prprios. "Melhor do que definir o potico, baseando-se num conceito to fluido como o de desvio da norma lingstica, parece mais produtivo encar-lo como uma explorao das velncias profundas do sistema" (49, p.177). A linguagem literria no se afirma em oposio linguagem normal, mas uma sobreposio de linguagens, em que se manifestam estruturas complexas. O plano da expresso e o plano do contedo do sistema lingstico denotativo no so anulados, mas trespassados pelo acrscimo de significados conotativos a significantes normalmente monovalentes e/ou de significantes novos para expressar o mesmo significado. Desse cruzamento resultam a plurissignificao e a ambigidade da linguagem potica que pem em xeque o aspecto monoltico, unvoco e monolgico do sistema lingstico normal, renovando e atualizando constantemente as possibilidades expressivas da linguagem humana. Como releva Roman Jakobson (141, p.84), "as criaes metafricas no representam desvios; so processos regulares de certas variedades estilsticas que so subcdigos de um cdigo geral; e no interior de um subcdigo desse gnero no h desvio quando Marwell designa com um epteto concreto um nome abstrato (um verde pensamento numa sombra verde), nem quando Shakespeare transpe metaforicamente um nome inanimado para o gnero feminino (amanh abre suas portas de ouro)". Mas, apesar dessas crticas, o trabalho realizado por Jean Cohen sobre a estrutura da linguagem potica apresenta uma grande capacidade operacional, pois, se a teoria do desvio gora ao nvel da explicao, ela pode oferecer bons resultados ao nvel da descrio do potico. Ficcionalidade A literatura chamada de fico, isto , imaginao de algo que no existe particularizado na realidade, mas no esprito de seu criador. O objeto da criao potica no pode, portanto, ser submetido verificao extratextual. A literatura cria o seu prprio universo, semanticamente autnomo em relao ao mundo em que vive o autor, com seus seres ficcionais, seu ambiente imaginrio, seu cdigo ideolgico, sua prpria verdade: pessoas metamorfoseadas em animais, animais que falam a linguagem humana, tapetes voadores, cidades fantsticas, amores incrveis, situaes paradoxais, sentimentos contraditrios, etc. Mesmo a literatura mais realista fruto de imaginao, pois o carter ficcional uma prerrogativa indeclinvel da obra literria. Se o fato narrado pudesse ser documentado, se houvesse perfeita correspondncia entre os elementos do texto e do extratexto, teramos ento no arte, mas histria, crnica, biografia. A obra literria, devido potncia especial da linguagem potica, cria uma objetualidade prpria, um heterocosmo contextualmente fechado. Essa realidade nova, criada pela fico potica, no deixa de ter, porm, uma relao significativa com o real objetivo. Ningum pode criar a partir do nada: as estruturas lingsticas, sociais e ideolgicas fornecem ao artista o material sobre o qual ele constri o seu mundo de imaginao. A teoria clssica da arte como mmese da vida sempre vlida, quer se conceba a arte como imitao do mundo real, quer como imitao de um mundo ideal ou imaginrio. Verossimilhana A obra de arte, por no ser relacionada diretamente com um referente do mundo exterior, no verdadeira, mas possui a equivalncia da verdade, a verossimilhana, que a caracterstica, que caracterstica indicadora do poder ser do poder acontecer. Distinguimos uma verossimilhana interna prpria obra, conferida pela conformidade com seus postulados hipotticos e pela coerncia de seus elementos estruturais: a motivao e a causalidade das seqncias narrativas, a equivalncia dos atributos e das aes das personagens, a isotopia, a homorritmia, o paralelismo, etc.; e uma verossimilhana externa, que confere ao imaginrio a cauo formal do real pelo respeito s regras do bom senso e da opinio comum. Se faltar a verossimilhana interna, dizemos que a obra incoerente ou aloucada, aproximando-se do no-sentido; se faltar a verossimilhana externa, entramos no domnio do gnero fantstico, definido por Todorov (107, p.39) como uma hesitao entre o estranho e o maravilhoso, entre uma explicao natural e uma explicao sobrenatural dos acontecimentos evocados. Mais importante a verossimilhana interna, a coerncia estrutural da obra, porque, quanto verossimilhana externa, a fuga para o fantstico, para o mundo da imaginao, comum literatura. Transformar um homem em animal (O asno de ouro, de Apuleio) ou em inseto (A metamorfose, de Kafka) e conferir a esses seres no-humanos inteligncia e sentimentos fazem parte do heterocosmo potico, cujas leis podem ser homlogas, no mximo, mas nunca idnticas s do mundo real. A literatura de fico supera a anttese do ser e do no ser, do real e do imaginrio: a personagem artstica , porque foi criada por seu autor, e, ao mesmo tempo, no , porque nunca existiu no plano histrico

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