Teoria e Prática Do Partido Arquitetônico - Biselli - Vitruvius

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  • 8/20/2019 Teoria e Prática Do Partido Arquitetônico - Biselli - Vitruvius

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    Teoria e prática do partido arquitetônicoMario Biselli

    Nam June PaikCroquis de Mario Biselli

    Muitos autores acadêmicos têm se debruçado recentemente sobre temas e termos correntes daarquitetura na tentativa de compreender e explicar o processo de projetação. O aprofundamentorecente destas pesquisas e reflexões tem produzido noções sempre mais didáticas e esclarecedoras,tanto para estudantes e professores como para arquitetos com interesses teóricos e mesmo paraleigos e amantes da arquitetura.

    A história é rica em exemplos do interesse em resumir o projeto a um processo linear, possuidor deuma técnica de realização passo a passo, como montar uma máquina, como cultivar soja, primeiroisto, depois aquilo e aquilo outro, e assim por diante numa seqüência de procedimentos idêntica atantas outras técnicas e disciplinas inventadas pelo homem.

    Escola CoreanaCroquis de Mario Biselli

    Um aspecto interessante da atividade de projeto é justamente a quantidade de teorias, metodologias,manuais de procedimentos e técnicas as mais diversas da qual foi objeto historicamente. Maisinteressante ainda é observar que, embora partes do processo de produção do projeto possam estarsujeitas a uma seqüência de procedimentos, o processo inteiro jamais poderá se enquadrar nestemodelo, e, portanto, as metodologias não se sustentam enquanto sistemas universais, embora sejaobrigatório conhecê-las, pois a nenhum arquiteto é permitida a ignorância sobre a experiênciaacumulada que compõe a história da arquitetura.

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    O termo projetação tem sido pouco usado no Brasil, mas é o termo que define a produção do projetode arquitetura como um processo. Este processo tem um momento crítico e imponderável que foge aqualquer metodologia, mesmo quando a projetação estava sujeita às regras da composição clássica.Este momento crítico é o momento que envolve as decisões relativas ao que conhecemos por partidoarquitetônico , termo que em outros lugares é também conhecido como estratégia ou conceito .

    Bienal de Arte de SPCroquis de Mario Biselli

    Para efeito desta reflexão usarei o termo partido arquitetônico por ser o mais comum no Brasil e,creio, mais específico do campo da arquitetura do que estratégia ou conceito, os quais são muitocomuns em outras áreas. Com base na experiência pode- se também dizer que “partido” é o termo comumà linguagem própria dos arquitetos, o assunto central, senão único, entre arquitetos no âmbito daprodução, do julgamento de concursos de arquitetura, do ensino de projeto, das conversas informais.E não creio se tratar de um exagero cogitar a exclusividade do assunto, dado que em “partido” secompreende a discussão de aspectos como estratégia de implantação e distribuição do programa,estrutura e relações de espaço, todas elas questões centrais para os arquitetos. Outros temasrelativos às atividades criativas – como composição, estilo, estética etc. – embora tenham sidoobjeto de interesse da teoria da arquitetura recentemente, são tratados no âmbito da prática compudor e desinteresse, senão como meros epifenômenos.

    A definição de partido arquitetônico, portanto, e as reflexões sobre seu significado, dado ointeresse geral, tem sido tarefa de vários autores e todas elas contêm aspectos novos eesclarecedores. O exame destas definições é um primeiro objeto de meu interesse.

    Escola CáritasCroquis de Mario Biselli

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    Desde o período acadêmico até as primeiras definições modernas, o projeto de arquitetura tem sidodescrito como resultado de um raciocínio lógico. Em Teoria e projeto na primeira era da máquina ,Banham compara Guadet, para quem a composição era o tema perene, e Choisy, que enfatiza aconstrução, ambos teóricos da composição arquitetural, para quem a natureza lógica da concepçãoconstitui o tema mais destacado:“a forma como conseqüência lógica da técnica – que torna a arte da arquitetura sempre e emtoda parte a mesma.

    [Para Choisy] a essência da arquitetura foi sempre a construção, a função do arquiteto sempre

    foi esta: fazer uma avaliação correta do problema com que se deparava, após a qual a forma doedifício seguir-se-ia logicamente dos meios técnicos a s eu dispor” (1).

    Autores modernos, como Carlos Lemos, também propõem definições fazendo uso dos termos“conseqüência” e “resultado”, nos quais uma idéia de lógica permanece implícita:

    “A mencionada definição é a seguinte: Arquitetura seria, então, toda e qu alquer intervenção nomeio ambiente criando novos espaços, quase sempre com determinada intenção plástica, paraatender a necessidades imediatas ou a expectativas programadas, e caracterizada por aquilo quechamamos de partido. Partido seria uma conseqüência formal derivada de uma série decondicionantes ou de determinantes; seria o resultado físico da intervenção sugerida. Osprincipais determinantes, ou condicionadores, do partido seriam:

    a. a técnica construtiva, segundo os recursos locais, tanto humanos, como materiais, queinclui aquela intenção plástica, às vezes, subordinada aos estilos arquitetônicos.

    b. o clima.

    c. AS condições físicas e topográficas do sítio onde se intervém.

    d. o programa das necessidades, segundo os usos, costumes populares ou conveniências doempreendedor.

    e. as condições financeiras do empreendedor dentro do quadro econômico da sociedade.

    f. a legislação regulamentadora e/ou as normas sociais e/ou as regras da funcionalidade” (2).

    É certo que todo arquiteto defende seu projeto como um produto da aplicação da lógica face aosdados fornecidos para sua elaboração. Mas, em arquitetura parece que temos uma lógica para cadaprojetista, pois se dependêssemos meramente da lógica, o processo seria universal e já não caberiaqualquer preocupação sobre o assunto. Talvez, neste caso, a ação de projetar e construir já teriamsido integralmente resolvidos pela indústria, através de seus computadores e máquinas.

    E o que se vê é justamente o contrário, há um claro incômodo a respeito – “Esa incóm oda situacióndel partido”, afirma Corona -Martinez (3) – , sempre surgem novas explicações e teorias, como sesempre mais estivéssemos interessados em desvendar um mistério, perscrutar as mentes criadoras parapôr às claras algo nebuloso, abrir uma “caixa preta”: “Le Corbusier enfatizou ainda mais o uso da lógica matemática de Descartes ao dizer que o

    início do processo de criação é a definição da planta arquitetônica, que por sua vez é arepresentação do programa arquitetônico (função da edificação). Assim, a projeção vertical daplanta resultaria, segundo ele, nas paredes que por sua vez se tornariam volumes: linhas quese transformam em planos que se transformam em volumes; é a seqüência linear e crescente doraciocínio cartesiano.

    Embora se saiba que Descartes ainda é apreciado nas escolas de arquitetura do Brasil para oensino-aprendizagem do projeto arquitetônico, sabe-se também que em algum momento do processode criação surge algo estranho que parece não caber na lógica cartesiana: é a caixa preta; umconceito usualmente utilizado pelos arquitetos para significar o momento em que asubjetividade psicológica do arquiteto define, por meio de um rabisco (croqui) o partido doprojeto. Apesar dos arquitetos conhecerem esse processo, ninguém até hoje explicou o queacontece dentro dessa caixa preta, dizem que é inexplicável” (4).

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    Duas publicações recentes abordam estes temas, suas reflexões são a base para uma compreensão ecríticas contemporâneas desta problemática. São elas Adoção do partido em arquitetura , de LaertPedreira Neves e Composição, partido e programa – uma revisão de conceitos em mutação , de AnnaPaula Canez e Cairo Albuquerque da Silva, este último se tratando de uma coletânea de ensaios devários autores.

    Escola CáritasCroquis de Mario Biselli

    Destes textos emergem duas idéias principais. Em primeiro lugar, a de que o partido é a idéiainicial de um projeto e em segundo, que esta idéia é uma criação autoral e inventiva, e artísticana medida em que faz uso da composição. Vemos em Neves as definições nesta seqüência. Em primeirolugar:

    “Denomina -se Partido Arquitetônico a idéia preliminar do edifício projetado.

    Idealizar um projeto requer, pelo menos, dois procedimentos: um em que o projetista toma aresolução de escolha dentre inúmeras alternativas, de uma idéia que deverá servir de base aoprojeto do edifício do tema proposto; e outro em que a idéia escolhida é desenvolvida pararesultar no projeto. É do primeiro procedimento, o da escolha da idéia, que resulta o partido,a concepção inicial do projeto do edifício, a feitura do seu esboço” (5).

    Antes, no texto introdutório:

    “É importante ressaltar que projetar u m edifício é, na essência, o ato de criação que nasce namente do projetista. É fruto da imaginação criadora, da sensibilidade do autor, de suapercepção e intuição próprias. É resultado do trabalho do pensamento. Sendo assim, constitui-se em algo de difíc il controle, interferência e ordenamento” (6).

    Em Composição, partido e programa – uma revisão de conceitos em mutação , o texto de Rogério deCastro Oliveira faz uso de uma linguagem mais complexa, mas de conteúdo similar e complementar.Primeiramente uma argumentação genérica:“Em suma, no projeto de arquitetura, a concepção do partido arquitetônico pressupõe aproposição de configurações que descobrem, ou inventam, relações espaciais e programáticas a

    partir de uma dispersão inicial, indeterminada, de possibilidades projetuais. A coerência detais construções deriva, antes, de um progressivo fechamento interno do que de determinaçãoexterna. O partido é, por hipótese, uma prefiguração do objeto, que o projetista elege comoponto de partida e fio condutor: cabe à investigação epistemológica construir contextos deexplicitação das razões que asseguram pertinência e validade a essas arquiteturas projetadas”(7).

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    Escola CáritasCroquis de Mario Biselli

    Ainda no mesmo texto, quando se dedica a uma comparação entre os projetos de Le Corbusier e LúcioCosta para a Cidade Universitária do Rio de Janeiro em 1939:

    “Para Lúcio Costa... ao contrário, tomar partido implica dar início a um percurso inventivoque se traça sobre um campo de relações em constante formação e renovação, ainda que aostateios e sujeito a inúmeros e imprevisíveis retornos e desvios. Tais relações simultaneamenteexternas e internas ao objeto projetado implicam a construção de correspondências entre formase conteúdos, organizando-se progressivamente em esquemas que conectam partes antes separadas.Este dinamismo atribui à construção do partido um sentido eminentemente operativo, antecipadordas configurações compositivas que conduzirão à finalização do projeto” (8).

    Todas estas definições, desde as mais simples como as de Neves, às mais sofisticadas, como as deRogério de Castro Oliveira, procuram sempre mais elucidar, ilustrar e compreender o projeto dearquitetura e o momento de adoção do partido arquitetônico. Nota-se que no âmbito da experiênciaprática no Brasil, e em face da maneira como o tema tem sido abordado tradicionalmente, que cadaautor, cada arquiteto poderia igualmente descrever a projetação de maneira muito similar, alterandoa ênfase neste ou naquele aspecto, simplificando ou elaborando mais e mais o texto, mantendo,contudo a sua essência.

    Deste modo pode-se concluir, a partir destes teóricos brasileiros, que o Partido Arquitetônico é aidéia inicial de um projeto, que a sua formulação é uma criação autoral e inventiva com base nacoerência e na lógica funcional, e que, o partido, sendo uma prefiguração do projeto, faz daprojetação um processo que vai do todo em direção à parte.

    Aeroporto de FlorianópolisCroquis de Mario Biselli

    Este conceito de Partido Arquitetônico parece ser um dos traços mais característicos da herançacorbusiana no Brasil:

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    “Le Corbusier abordava o programa de arquitetura p artindo de princípios de ordem geral,adaptando-os em seguida à situação real. O projeto era definido pelo partido que se organizavado geral para o particular. [...] A casa Baeta projetada por Vilanova Artigas em 1956, segundoo conceito de partido de Le Corbusier, define-se pelas empenas das fachadas da frente e dosfundos e pelas aberturas das fachadas laterais, é organizada em meios níveis” (9).

    Também empiricamente, em cada situação específica baseada na prática de concursos e avaliações noâmbito universitário, é possível identificar a preponderância deste conceito nas discussões entrearquitetos, professores e membros das comissões julgadoras, sendo esta a característica fundamental

    que acaba por se estabelecer como um invariante, uma estrutura de pensamento que, pode-se supor,continua válida como aspecto central da teoria de projeto e da projetação no Brasil, teoriatributária também dos princípios acadêmicos e modernos herdados pelos grandes mestres modernosbrasileiros tanto cariocas quando paulistas, em face do seu carisma e de sua longevidade, para alémdos fatores conjunturais históricos, resumidos por Futagawa desta maneira:

    "Durante os períodos antes e depois da Segunda Guerra Mundial, a arquitetura brasileira passoupor desenvolvimento específico através das obras criativas dos arquitetos pioneiros como LucioCosta, Afonso Reidy, Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas e Lina Bo Bardi. Os princípios domodernismo foram aplicados e adaptados às condições locais do contexto brasileiro, como se aidéia do modernismo simpatizasse com o clima tropical do Brasil e da cultura das pessoas quelá vivem. Mais tarde, veio à luz uma forma única e original de arquitetura, que só existe noBrasil, e que vai além do movimento modernista original.

    O regime militar instalado no Brasil em 1964 provocou vinte anos de estagnação cultural, mas,ao mesmo tempo, também isolou a área de arquitetura do movimento pós-moderno que envolvia todoo mundo naquela época. Portanto, o Brasil se tornou um dos raros países que conta comsucessores legítimos do movimento modernista, e esse pano de fundo influencia fortemente aprodução dos jovens arquitetos atuais, seguindo o princípio do modernismo entre as novasgerações" (10).

    Quero propor a seguir algumas reflexões sobre estes temas acima citados em busca dos novossignificados e usos destas terminologias, bem como uma compreensão contemporânea a respeito destesmesmos processos.

    Ginásio BarueriCroquis de Mario Biselli

    Em primeiro lugar, sobre o que é partido arquitetônico.

    Quando se usa a expressão “adoção do partido”, deve -se observar o fato de que esta afirmação podepressupor uma biblioteca de partidos adotáveis, como se estivessem todas as possibilidades já dadase catalogadas. Convenhamos, analogamente, que adotar um filho é muito diferente de conceber umfilho”.

    A afirmação de que o partido é a idéia preliminar do edifício a ser construído, ou uma prefiguraçãodo objeto, que o projetista elege como ponto de partida e fio condutor, não abrange a totalidadedos modos de projetar, portanto não é universal, como também não o é o movimento do todo em direçãoà parte. Um claro exemplo disto são os projetos que envolvem tecnologias de pré fabricação decomponentes para aplicação em série, invertendo, portanto, o raciocínio, a parte precede o todo(projetos de James Stirling, tais como para o Andrew Melville Hall, 1968, e University of St.Andrews Student Residence, 1967).

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    Proponho aqui pensar sob o pressuposto de que o modo como cada arquiteto projeta é menos relevantedo que o resultado final do seu trabalho. A sua metodologia, que é sempre particular, tem uminteresse menor neste momento.

    Considerando, portanto, o cenário contemporâneo de grande diversidade arquitetônica, o partidoarquitetônico é compreendido como a idéia que subjaz ao projeto, aquela identificada como idéiaprincipal ou central, quando o projeto já se apresenta concluído, não importando quando esta idéiasurgiu. É a idéia que o projeto é capaz de veicular ou expressar, o conteúdo intelectual de umedifício ou projeto enquanto manifestação, mediada por uma linguagem. É da avaliação destas idéias

    que se ocupam as comissões julgadoras em concursos, professores em avaliação etc.

    Igreja TamboréCroquis de Mario Biselli

    De fato, a idéia central de um projeto pode nascer no início do processo ou durante o processo -tal como descrito nos textos anteriormente citados – ou pode mesmo anteceder ao processo, como é ocaso dos arquitetos teóricos, cujas reflexões oportunamente se aplicarão na prática. Analisemosalguns exemplos de definições enunciadas por arquitetos que questionaram a teoria do projeto,revisando as tradicionais concepções da coerência e lógica, funcional e construtiva, do modernismo.É possível observar também que em seus projetos há sempre uma idéia central, não obstante adiferença de abordagem.

    Robert Venturi propõe o abrigo decorado, um caixa funcional inexpressiva acrescida de uma fachadabidimensional ornamentada e comunicativa segundo a natureza do edifício.

    "Venturi prefere os abrigos decorados, porque ele afirma que a sua comunicação é mais eficaz,embora os arquitetos modernos tenham se dedicado durante muito tempo a projetar 'patos'. Opato é, em termos semióticos, um signo icônico, porque o significante (forma) tem certosaspectos em comum com o significado (conteúdo). O abrigo decorado depende de outros

    significados – a escrita ou a decoração – que são signossimbólicos

    " (11).Aldo Rossi propõe: a forma fica, a função muda. Por que então a função deve determinar a forma? Aforma deve ser determinada pelo ‘lugar’.

    “A primeira grande crítica de Rossi foi ao que denominou de funcionalismo ingênuo do movimentomoderno, que ao priorizar a explicação da cidade apenas pela função, deixava de entendê-lapelo que tinha mais significativo: o conhecimento da arquitetura pelo mundo de suas formas. Afunção era de uma circunstância que fazia uso da forma como um ato social. Ela nunca ia alémde seu tempo, enquanto a forma permanecia” (12).

    Peter Eisenman sobrepõe à realidade do projeto – função, programa, lugar, topografia – disciplinasou conceitos sobre os quais explorar ou deconstruir a forma, tal como assim se define:

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    “Os conceitos, nos quatro projetos, transitam, se justapõe, interagem em ato. Malhas, escalas,rastros e dobras são freqüentemente concomitantes. Na exposição foram pensados comodetonadores de pensamento, como balizas para a percepção e inteligibilidade da obra de PeterEisenman. Mas a concomitância entre inteligibilidade e percepção, este movimento duplo pareceser recorrente e indissociável na reflexão e produção da arte” (13).

    Igreja TamboréCroquis de Mario Biselli

    Mais recentemente Herzog e de Meuron adotam modelos de exploração e geração de forma, caracterizadocomo um processo contínuo com auxílio do computador e sem final determinado, como no projeto para oPavilhão Jinhua Structure II – Vertical Basilea (ver AV Proyectos 007 2005, p. 40).

    E numa postura contemporânea mais radical, no sentido de uma autonomia da forma, sobrepujando tudoo mais, destaca-se os projetos de Frank Owen Gehry (Guggenheim Bilbao, 1997, e Walt Disney ConcertHall, 2003) e Zaha Hadid (tais como Contemporary Arts Center, 2003, em Cincinatti e MAXXI Museo,2010, em Roma).

    A idéia central (ou Partido) pode ser identificada mesmo em situações onde a configuração funcionalé um dado, uma condicionante ou determinante, fato comum quando em projetos para estádios, ginásiosesportivos, teatros e em alguns casos, aeroportos. Via de regra configurações funcionais rígidaspor tradição ou quando o próprio cliente é a autoridade no que tange às funções, muito comum noramo das indústrias. Em todos esses casos, a despeito dos limites, o arquiteto encontrará espaçopara introduzir uma idéia, ora migrando da forma para a matéria (Herzog & de Meuron, EstádioAllianz Arena, 2005, na Alemanha, e Estádio Nacional "Ninho do Pássaro", 2008, na China), oraenfocando radicalmente o design (como em Massimiliano Fuksas, no projeto do Aeroporto Internacional

    Shenzhen na China, ver AV proyectos 026 2008, p. 46) ou a tecnologia construtiva (Renzo Piano,Estadio de Bari, 1990, na Itália, e Richard Rogers, Aeroporto de Barajas, 2006, Espanha), etc.

    Em segundo lugar, cabe indagar, o que é a “caixa preta”?

    O que ainda pode ser dito sobre a adoção/ invenção/ formulação do Partido Arquitetônico, o momentocrítico imponderável, a caixa preta?

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    Igreja TamboréCroquis de Mario Biselli

    Vamos admitir que os arquitetos fazem projetos e isto é um fato; portanto, em algum momento um

    determinado conjunto de informações se torna uma idéia para um edifício. O campo das idéias emarquitetura implica em um vasto campo de estudo da teoria e da história, mas este não é o espaçopara desenvolver esse tipo de exercício intelectual e acadêmico. Vamos apenas considerar, demaneira mais simples, que este fato se relaciona com um fenômeno humano de grande interesse dasciências humanas, por um lado, e da filosofia, passando no século XX pelo estruturalismo,semiologia e semiótica: o fenômeno da linguagem, compreendida como manifestação e processointrínsecos às diversas mediações sígnicas. A capacidade humana de inventar linguagens, apossibilidade de inventar distintas linguagens – verbais e não verbais – e transitar e fazertransposições entre estas (transtextualidade) são os mecanismos do intelecto típicos da arte e daarquitetura. Compreendida em maior ou menor grau como linguagem, a arquitetura é uma atividadedesta mesma natureza de mediação e manifestação da idéia (14).Assim procedem os artistas, um poeta descreve uma paisagem (transposição do ícone para o texto), umescritor descreve um personagem (ícone para texto), um desenhista produzindo um retrato falado(ícone para texto e de novo para ícone), e tantas outras atividades do homem, um artista pintandoum retrato (ícone para ícone), um ator em cena (texto para texto mais imagem), sempre pressupondointerpretação de um conteúdo numa linguagem seguido de uma expressão em outra.

    O partido arquitetônico, neste contexto, se dá no momento em que o texto, compreendido comoarticulação semântica – pensamento e idéia - expressa na linguagem verbal, se transforma em ícone,transposição da linguagem verbal para a linguagem não verbal, ou de maneira mais precisa, aoperação que faz o arquiteto é de texto e ícone para ícone, pois o programa é texto e o lugar éícone.

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    Teatro de NatalCroquis de Mario Biselli

    E mesmo o referido sistema de convenções, ou contrato social, compreendido como base da linguagem,

    constitui um elemento limitador para a expressão em arquitetura:

    “Não havia nenhuma razão especial para que os ingleses designassem um animal de Bull , osfranceses o chamassem de boeuf e os alemães de Ochs . [...] Mas porque a relação entresignificante e significado era arbitrária, devia ser respeitada por todos. Ninguém pode mudarisso unilateralmente; há um contrato social entre todas as pessoas que falam inglês de queelas devem usar a palavra bull toda a vez que quiserem se referir a esse animal específico. Sealguém usar outra palavra, ou inventar uma nova palavra para esse fim, ninguém o compreenderá;ele terá quebrado o contrato social. Note-se de passagem que, com poucas exceções, não existeum contrato social para o significado da arquitetura, e esta é uma diferença fundamental entrea arquitetura e a linguagem” (16). O homem de início pensou sobre as coisas, depois começou a pensar sobre o próprio pensamento,principalmente depois de Descartes, que levou tudo para dentro do intelecto (“je pense, donc jesuis” – Discours de la Méthode , 1637). Com os arquitetos não haveria de ser diferente. Em meio adificuldades de solução para um projeto o arquiteto freqüentemente se interroga sobre seupensamento, seu método (que em projetos anteriores funcionara tão bem!).Mas o projeto de arquitetura, embora circundado de problemas técnicos e profundamente vinculado aouso, é por natureza um processo criativo avesso a enquadramentos, formatações, metodologias oufórmulas. Permanece, portanto, e como desde sempre, aberto à infinita inovação, ao espírito dostempos, à antecipação de tendências, à revisão de paradigmas, e, no pólo oposto, a novas visitas eitinerários interpretativos pelas tradições do passado.

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    Torres Empresariais na Rua Afonso BrásCroquis de Mario Biselli