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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE 1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008 Surgimento e institucionalização da História da Ciência: de Augusto Comte a Pierre Laffitte Gustavo Biscaia de Lacerda (PG)* ([email protected] ; [email protected] ) Rua Coronel Alfredo Ferreira da Costa, 347/5 – Jardim das Américas – Curitiba, Paraná – 81540-090 Palavras Chave: História da Ciência, Augusto Comte, Pierre Laffitte, Positivismo, institucionalização. Introdução A História da Ciência foi inicialmente proposta na década de 1830 por Augusto Comte, como um elemento fundamental e também uma conseqüência de sua filosofia positivista. Entretanto, ela apenas foi institucionalizada nos anos 1890, na III República francesa, quando se criou uma cátedra no Collège de France para Pierre Laffitte, discípulo direto de Comte. Nosso objetivo é caracterizar os projetos de História da Ciência de cada um desses dois pensadores, bem como as relações sociopolíticas que permitiram a institucionalização da disciplina no segundo caso, mas não no primeiro. Resultados e Discussão Na filosofia positivista de Augusto Comte, o estudo da história revela a marcha do espírito humano; nesse sentido, a História da Ciência é exemplar, revelando à perfeição a “lei dos três estados” comtiana 1,3,4 . Ainda no início da carreira, conhecido por apenas alguns cientistas eminentes 7 , Comte propôs em 1832 ao Ministro da Instrução Pública francesa François Guizot a criação da cadeira de História da Ciência, a fim de instruir os vários grupos e camadas sociais e lançar as bases de um regime sociopolítico positivo 2,4,5,7 . Todavia, Comte não obteve sucesso, pois Guizot, ministro de uma monarquia, não reconhecia importância nem à obra nem à pessoa de Comte, que era republicano e fôra secretário do socialista Saint-Simon 5,7 . O amadurecimento da obra e da propaganda positivista nas décadas seguintes, todavia, aos poucos frutificou, graças à adesão de alguns nomes ilustres – Emile Littré, John Stuart Mill – e à difusão dos valores da ciência, da laicidade e do republicanismo. No curto período da II República (1848-1852) o positivismo foi atuante, mas durante o II Império (1852-1870) ele difundiu-se, particularmente devido ao republicanismo. Quando a III República foi proclamada, após os primeiros anos de indecisão política o regime consolidou-se, a par da propaganda teórica e política dos discípulos de Comte. Em particular, o Presidente Jules Ferry era declaradamente positivista, tendo passado da influência de Littré – um positivista dissidente – para a de Pierre Laffitte, que fôra discípulo direto de Comte 4,5,6 . Assim, o prestígio político e intelectual de Laffitte permitiu-lhe que lhe fosse criada a cátedra de História Geral das Ciências no Collège de France, em 1892, seguindo estritamente a orientação comtiana 5,6 . Conclusões A principal conclusão a que podemos chegar é que Laffitte logrou êxito na institucionalização da História da Ciência porque intelectualmente a filosofia positivista já se difundira na sociedade francesa e, politicamente, o republicanismo positivista constituía parte da legitimação da III República. Além disso, Laffitte gozava de prestígio junto aos líderes do regime. Não se verificava nenhuma dessas condições intelectuais e políticas no momento em Comte formulou sua proposta inicial; além disso, sua filosofia não era benquista por Guizot, ministro onipotente na França dos 1830. Agradecimentos Agradeço ao Profº Ricardo Silva, ao meu irmão Leonardo Biscaia e aos correligionários Ângelo Torres e Hernani G. Costa, por seu apoio e suas preciosas sugestões. Por fim, ao CNPq, pela fundamental bolsa de doutorado. ____________________ 1 Comte, A. Système de politique positive ou traité de Sociologie instituant la Religion de l’Humanité. 3 ème ed. 4 v. Paris: Larousse. 1890. 2 Comte, A. Correspondance générale et confessions. T. I : 1814-1840. Paris : Mouton. 1973. 3 Comte, A. The Positive Philosophy. Freely translated and condensed by Miss Harriet Martineau. Kitchener: Batoche. 2000. 4 Laffitte, P. Cours sur l’Histoire Générale des Sciences. Discours d’ouverture prononcé par M. Pierre Laffitte le samedi 26 Mars 1892. Paris: Collège de France. 1892. 5 Laffitte, P. De la fondation de la chaire d’Histoire Générale des Sciences au Collége de France. Revue Occidentale, Paris, XV année, tome V, n. 5, p. 157-226, sept.1892. 6 Nicolet, C. Jules Ferry et la tradition positiviste. In: Furet, F. (org.). Jules Ferry, fondateur de la République. Paris: École des Hautes Études en Sciences Sociales. 1985. 7 Pickering, M. Auguste Comte – An Intellectual Biography. Cambridge: Cambridge University. 1993.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Surgimento e institucionalização da História da Ciência: de Augusto Comte a Pierre Laffitte

Gustavo Biscaia de Lacerda (PG)* ([email protected]; [email protected])

Rua Coronel Alfredo Ferreira da Costa, 347/5 – Jardim das Américas – Curitiba, Paraná – 81540-090 Palavras Chave: História da Ciência, Augusto Comte, Pierre Laffitte, Positivismo, institucionalização.

Introdução A História da Ciência foi inicialmente proposta na

década de 1830 por Augusto Comte, como um elemento fundamental e também uma conseqüência de sua filosofia positivista. Entretanto, ela apenas foi institucionalizada nos anos 1890, na III República francesa, quando se criou uma cátedra no Collège de France para Pierre Laffitte, discípulo direto de Comte.

Nosso objetivo é caracterizar os projetos de História da Ciência de cada um desses dois pensadores, bem como as relações sociopolíticas que permitiram a institucionalização da disciplina no segundo caso, mas não no primeiro.

Resultados e Discussão Na filosofia positivista de Augusto Comte, o

estudo da história revela a marcha do espírito humano; nesse sentido, a História da Ciência é exemplar, revelando à perfeição a “lei dos três estados” comtiana1,3,4. Ainda no início da carreira, conhecido por apenas alguns cientistas eminentes7, Comte propôs em 1832 ao Ministro da Instrução Pública francesa François Guizot a criação da cadeira de História da Ciência, a fim de instruir os vários grupos e camadas sociais e lançar as bases de um regime sociopolítico positivo2,4,5,7. Todavia, Comte não obteve sucesso, pois Guizot, ministro de uma monarquia, não reconhecia importância nem à obra nem à pessoa de Comte, que era republicano e fôra secretário do socialista Saint-Simon5,7.

O amadurecimento da obra e da propaganda positivista nas décadas seguintes, todavia, aos poucos frutificou, graças à adesão de alguns nomes ilustres – Emile Littré, John Stuart Mill – e à difusão dos valores da ciência, da laicidade e do republicanismo. No curto período da II República (1848-1852) o positivismo foi atuante, mas durante o II Império (1852-1870) ele difundiu-se, particularmente devido ao republicanismo.

Quando a III República foi proclamada, após os primeiros anos de indecisão política o regime consolidou-se, a par da propaganda teórica e política dos discípulos de Comte. Em particular, o Presidente Jules Ferry era declaradamente positivista, tendo passado da influência de Littré – um positivista dissidente – para a de Pierre Laffitte, que fôra discípulo direto de Comte4,5,6.

Assim, o prestígio político e intelectual de Laffitte

permitiu-lhe que lhe fosse criada a cátedra de História Geral das Ciências no Collège de France, em 1892, seguindo estritamente a orientação comtiana5,6.

Conclusões A principal conclusão a que podemos chegar é

que Laffitte logrou êxito na institucionalização da História da Ciência porque intelectualmente a filosofia positivista já se difundira na sociedade francesa e, politicamente, o republicanismo positivista constituía parte da legitimação da III República. Além disso, Laffitte gozava de prestígio junto aos líderes do regime.

Não se verificava nenhuma dessas condições intelectuais e políticas no momento em Comte formulou sua proposta inicial; além disso, sua filosofia não era benquista por Guizot, ministro onipotente na França dos 1830.

Agradecimentos Agradeço ao Profº Ricardo Silva, ao meu irmão

Leonardo Biscaia e aos correligionários Ângelo Torres e Hernani G. Costa, por seu apoio e suas preciosas sugestões. Por fim, ao CNPq, pela fundamental bolsa de doutorado. ____________________ 1Comte, A. Système de politique positive ou traité de Sociologie

instituant la Religion de l’Humanité. 3ème ed. 4 v. Paris: Larousse. 1890.

2Comte, A. Correspondance générale et confessions. T. I : 1814-1840. Paris : Mouton. 1973.

3Comte, A. The Positive Philosophy. Freely translated and condensed by Miss Harriet Martineau. Kitchener: Batoche. 2000.

4Laffitte, P. Cours sur l’Histoire Générale des Sciences. Discours d’ouverture prononcé par M. Pierre Laffitte le samedi 26 Mars 1892. Paris: Collège de France. 1892.

5Laffitte, P. De la fondation de la chaire d’Histoire Générale des Sciences au Collége de France. Revue Occidentale, Paris, XV année, tome V, n. 5, p. 157-226, sept.1892.

6Nicolet, C. Jules Ferry et la tradition positiviste. In: Furet, F. (org.). Jules Ferry, fondateur de la République. Paris: École des Hautes Études en Sciences Sociales. 1985.

7Pickering, M. Auguste Comte – An Intellectual Biography. Cambridge: Cambridge University. 1993.

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A GOVERMENTALIDADE COMO NOVA CIÊNCIA: FOUCAULT E OS “GOVERNMENTALITY STUDIES”

Felipe Dutra Asensi (PQ, FM, PG)

Rua Assis Moura, 54 – Jacarepaguá – Rio de Janeiro – RJ – Cep.: 22770-280. E-mail: [email protected] Palavras Chave: governamentalidade, ciência do governo, razão de Estado, regimes de governo.

Introdução Em 1º de fevereiro de 1978, Foucault sistematizou sua concepção sobre governamentalidade num curso no Collège de France que reuniu dezenas de estudiosos, servindo sua palestra como elemento seminal de todo o debate que veio posteriormente. Porém, não foi na França que o conceito ganhou maior atenção, recebendo forte atenção dos autores de tradição inglesa, tais como Miller, Rose, Gordon e Dean. Quando se fala em governamentalidade, se busca estabelecer uma perspectiva não-estatizante e não-ideologizante dos regimes de práticas de governo, visando pensar como tais práticas se desenvolvem e as formas, tecnologias, saberes, poderes, estratégias, etc, que são correspondentes ao seu desenvolvimento no mundo da práxis sob uma orientação crítica

Resultados e Discussão A governamentalidade se configura como uma perspectiva materialista, pois situa os regimes de práticas como centro da análise e busca desvendar a lógica de tais práticas. Por essa razão, toda análise de governo nos termos propostos por Foucault possui uma dupla-dimensão: é diagnóstica, porque se refere a fatos empíricos que já aconteceram ou que estão acontecendo sob uma perspectiva crítica; e é genealógica, porque busca reconstituir as condições de possibilidade de emergência de um conhecimento acerca do mundo que enseja, necessariamente, um poder de intervenção e/ou influência em seus saberes e práticas. Portanto, toda análise de governo é não-reducionista, pois não parte de modelos ideais tampouco de teorias substancializadas, mas dos próprios contextos de ação em que os diversos atores que compõem o exercício do governo (incluindo seus destinatários) encontram-se inseridos. A governamentalidade rompe com a forma de tratar e pensar alguns assuntos típicos de Estado, tais como os problemas de legitimidade, a noção de ideologia e as questões sobre a posse e a fonte do poder, evidenciando uma complexidade das experiências de governo que deriva dos próprios arranjos tecnológicos, políticos, estratégicos e de conhecimento que singularizam cada experiência e faz com que não se possa estabelecer uma teoria geral dos governos. Por isso, alguns autores apontam que esta perspectiva engloba três características: realismo (pensar os

saberes e práticas em seus próprios termos de forma genealógica e crítica); linguagem (enfoque especial não somente ao caráter contemplativo ou justificativo do uso da linguagem, mas também o seu caráter performático; e conhecimento (não somente idéias, mas pessoas, teorias, projetos, experimentos e técnicas componentes do governo).

Conclusões Uma pluralidade de regimes de práticas, uma pluralidade de saberes, uma pluralidade de tecnologias e estratégias de ação - o espaço do governo se caracteriza por uma heterogeneidade de personagens e estruturas que consolidam a sua necessidade de gerir os homens e as coisas em relação, bem como as suas próprias políticas, inclusive políticas de efetivação de direitos. Num contexto deste tipo - fortemente heterogêneo, assimétrico e plural - Foucault sustenta que o ato de governar não se traduz num mero ato político qualquer, mas como uma própria arte. Diante de desafios, limites e problemas no momento de governar, a prática de governo passa a exigir uma efetiva capacidade dos governos de gerirem e lidarem com toda esta pluralidade, o que reforça a idéia de que todo ato de governar é uma arte, uma vez que enseja a necessidade de racionalização a respeito das tecnologias, estratégias e saberes a serem mobilizados no cotidiano de suas práticas. A arte de governar, então, possibilita traduzir a complexidade social nos próprios termos da governamentalidade. E estabelecer os próprios termos traz a necessidade de que o governo constitua determinados regimes de verdade por meio dos quais se possam apoiar critérios de validade das decisões. Mais precisamente, o governo se transforma num governo econômico. Para assegurar a prosperidade para a população, é necessário governar por meio de um registro particular, que é o da economia. A arte de governar é uma arte que enseja uma série de regimes de práticas de governo, com base na perspectiva da economia política, que visa estabelecer, por meio de estratégias, tecnologias, saberes e poderes uma série de relações entre governo e população. Uma vez que o enfoque é nas práticas de governo, não importa tanto na análise o estudo da estatização da sociedade, mas sim, nos temos de Foucault, da governamentalização do Estado.

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O Teorema de Gödel e a re-humanização do racional

Luciane de Paiva Moura1 (PG)*, Ricardo Silva Kubrusly2 (PQ)

1 [email protected] , 2 [email protected]

Introdução Matemática é muito mais que uma arma

poderosa de instrumentalização e linguagem para as ciências naturais. É possível muitas vezes enxergá-la como linguagem, filosofia e principalmente como arte. O pensar matemático permite trazer para a categoria dos sentidos, a razão. O que pode ser extremamente produtivo para o próprio fazer matemático, uma vez que, a intuição, a criatividade e a espontaneidade são potencializadores da racionalidade.

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Resultados e Discussão Teoremas são construções intelectuais de

eternidade, a invenção do infinito se dá através do pensamento. Esse mesmo pensamento abstrato que capaz de inventar infinitos, não se vê capaz de apreendê-lo na sua própria linguagem.

A lógica é, então, o método, uma linguagem, uma façon de parler como diria Russell, uma maneira de falar acerca das coisas que traduz a capacidade humana de articular pensamentos, usar inferências e concatenações, criar cálculos e sintaxes. É uma forma de organização que permite transcender nossa inexorabilidade, pois “sustenta” infinitos, demonstrando teoremas.

Esse “artefato”, a lógica, nos possibilita reduzir e modelar a “realidade” utilizando técnicas de resolução apropriadas para determinados problemas.

O mais interessante e surpreendente é ver a transcendência de uma técnica, uma vez que o mesmo reducionismo que simplifica para resolver, acaba re-significado como generalização, devido a preocupação estrita com a forma, e não mais com particularidades.

Construir verdades sempre se mostrou como uma necessidade e uma pretensão do homem. O formalismo matemático permite explicitar e gerar verdades, mesmo que verdades válidas apenas localmente, dentro de um determinado sistema formal – uma vez que o fazer matemático constrói universais a partir de uma particularização inicial, fruto da escolha do seu corpo de axiomas. Esta construção de conhecimento permite ao homem não apenas ter esperança, mas ter a possibilidade de prever e gerar novidades.

Uma demonstração matemática tem como objetivo transformar afirmativas, onde as verdades não são evidentes por si, em afirmativas mais simples onde a verdade passa a ser evidente. Ou seja, o cálculo matemático de verdades transforma de modo racional informações implícitas em explícitas.

O teorema da Incompletude de Gödel traz a tona o fato de existirem informações que não podem

ser explicitadas por outras informações apenas por si mesmo, dizendo de si: “Eu sou indemonstrável”. A partir daí verdades tornam-se para além da capacidade demonstrativa do sistema. Assim, as crenças matemáticas de que sua estrutura fosse finita cai por terras. Os axiomas, tornam-se potencialmente infinitos e podem ser arbitrariamente escolhidos por meio dos indecidíveis. Todas as afirmativas que não contradizem os postulados pré-existentes podem obter valor de verdade. Mas esse valor não é dado por meio de uma demonstração, mas sim por assumir a condição de axioma. Condição essa dada por um meta-sistema,

O teorema de Gödel, então, é simplesmente constrangedor, pois foge do contexto, recupera o efeito espantoso, desbanaliza a estrutura gerando uma fruição artística em torno da aridez do jogo de regras da linguagem. Permite ao homem que recupere a condição humana da matemática, uma vez que ela será limitada nos desvendamentos de verdades. Explicita que a matemática contém dentro de si a prova de que ela é uma fantasia do rigor objetivo. Pois para determinadas afirmativas, a subjetividade, pelo menos, algo fora da estrutura objetiva considerada, terá que decidir o que melhor lhe convém, e o resultado disso é a perpétua invenção de verdades.

Conclusões Sendo a matemática o método puramente

racional de explicitação de “nomes”: verdadeiro e falso. A constatação de existirem informações impossíveis de serem nomeadas dentro daquele sistema pelo cálculo matemático de verdades, revela que dentro de um determinado sistema formal existe um conjunto de afirmativas inomináveis fruto da impossibilidade da linguagem de apreender o mundo e da impossibilidade da matemática apreender completamente o infinito atual com seus números não computáveis e com seus indecidíveis.

Como previu Wittgenstein, sempre haverá a necessidade do silêncio. Mesmo que alarguemos a fronteira entre o que pode e o que não pode ser dito, mesmo que descubramos a próxima casa decimal desconhecida, Pi só se deixará conhecer por suas partes, mas como todo, será sempre um eterno desconhecido. _________________ 1 Gödel, Kurt. Kurt Gödel Collected Works: Publications 1929-1936 Volume I. New York: Oxford University Press, 1986. 2 RUSSELL, Bertrand. Introdução à Filosofia Matemática. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

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Linguagens formais baseadas em lógicas não clássicas

Diego Munk london2 (PG), Ricardo Silva Kubrusly1 (PQ)*

[email protected] Linguagens formais, lógica, linguagens de programação, história das linguagens, paraconsistencia

Introdução

O principal objetivo desta investigação consiste em analisar a relação entre linguagens formais e seus respectivos sistemas lógicos subjacentes e testar a hipótese de que os princípios fundamentais da lógica clássica possam tornar uma determinada linguagem apta ou inapta para a representação de determinados conjuntos de aspectos da realidade, caso estes possuam uma escala ou nível de complexidade nos quais adquiram características que exijam das linguagens que pretendam representa-los capacidades incompatíveis com os princípios fundamentais de seus sistemas lógicos subjacentes.

Resultados e Discussão Tradicionalmente, a esmagadora maioria

das linguagens utilizadas na representação do conhecimento repousam sobre os princípios da lógica clássica e de suas principais extensões, propomos a idéia de que através da compreensão das limitações das linguagens fundadas na lógica clássica possamos conceber novas formas de representação do conhecimento aplicáveis a varias áreas nas quais as formas tradicionais apresentam severas deficiências, como por exemplo, a engenharia de software, a inteligência artificial, a física quântica, e a computação biológica. Estas áreas do conhecimento possuem em comum o fato de possuírem características incompatíveis com pelo menos um dos três princípios fundamentais da lógica clássica. 1

Que tipos de deficiências podem surgir da tentativa de engessar um conjunto de aspectos não clássico através de uma linguagem fundada na lógica clássica? Essa pergunta remete à uma investigação sobre a possível densidade da lógica clássica sobre lógicas estruturalmente mais fracas. Visamos também compreender a verdadeira extensão da lógica clássica e de seus completamentos. Muitas das lógicas, ditas, não clássicas, não passam de simulações clássicas de ambientes lógicos não clássicos.

1 Principio de Identidade (A=A), Principio de Não Contradição (~(A e Ã)), Principio do Terceiro Excluído (A ou Ã).

ARISTÓTELES, “The complete Works of Aristotle”, Edited by Jonathan Barnes, 1985, Vol I, Princeton Series.

Que conjunto de características linguagens fundadas em lógicas não clássicas devem possuir para que possam sanar, ao menos em parte, estas deficiências? Que características devem possuir os referentes extra lingüísticos de linguagens fundadas em lógicas não clássicas e como os identificar, permitindo a escolha da melhor linguagem para representá-los?

Conclusões A principal conclusão desta investigação

ainda em andamento é a constatação de que a mudança operada nos sistemas lógicos subjacentes a linguagem alteram sua capacidade de descrever diferentes aspectos da realidade. As linguagens formais, e mais especificamente as linguagens de programação compartilham esta característica, permitindo que através de mecanismos que admitam determinadas formas de inconsistências possamos aumentar nossa capacidade de representar o conhecimento, ou pelo menos fazê-lo sob outra perspectiva, que unida à perspectiva atual nos aproxima de uma visão mais global sobre a realidade. Note-se, no entanto, que em última análise, estas linguagens formais são sempre estruturadas referindo-se a linguagens afetas às máquinas, linguagem estas obrigatoriamente clássicas. ____________________

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Ciência e Nação no Centenário da Independência

*Araci Alves Santos(PG)1,2; Nadja Paraense dos Santos(PQ)1 *[email protected] 1HCTE/IQ - UFRJ; 2Colégio Estadual Marechal Rondon

Palavras Chave: exposição; ciências; Rio de Janeiro.

Introdução O centenário da independência foi um marco na

história da ciência no Brasil, pois além das festividades, foi um momento de intensas reflexões sobre o Brasil. A Exposição realizada em 1922 na cidade do Rio de Janeiro, procurou mostrar ao mundo um Brasil moderno e desenvolvido. Para isso foram realizados inúmeros congressos científicos, de onde surgiram os germes para sociedades científicas. Desta maneira a República brasileira procura afirmar-se moderna e portadora de algo novo, utilizando essa exposição, para divulgação e consolidação do progresso científico brasileiro. Neste trabalho será feita uma análise da exposição, procurando evidenciar os principais traços da consolidação da República e afirmação da Nação através da Ciência e Tecnologia.

Resultados e Discussão As exposições universais surgiram na Europa,

no século XIX, como uma vitrine da Modernidade. Tinham como objetivo evidenciar o progresso científico e industrial. Era uma forma também de exaltarem a Nação. Assim cada país tentava superar o outro em suas exposições. Realizavam congressos das mais variadas áreas como uma tentativa de abarcar todo o conhecimento das diversas áreas.

A Exposição Internacional do Centenário da Independência foi aberta em 7 de setembro de 1922, pelo presidente da República Epitácio Pessoa, e durou até julho de 1923. Por isso a exemplo de outras exposições, foram construídos pavilhões e palácios nacionais e estrangeiros para abrigar todos os estados e países participantes.

Figura 1. Quiosque da Ladeira de Santa Teresa. Foto de Augusto Malta 1922

Cartaz comemorativo do centenário da

Independência do Brasil. Exposição Nacional de 1922, Rio de Janeiro -Acervo Museu

Paulista

Conclusões A realização de diversos congressos e

conferências sobre temas variados: química, engenharia, história, educação, indicava a necessidade do país de discutir idéias novas e expor o país a comunidade científica internacional.

Realizar uma “exposição universal” significava provar ao mundo o grau de “desenvolvimento e civilização” que o Brasil e sua capital haviam atingido. Para isso novamente reformaram a cidade, derrubaram o Morro do Castelo e alagaram partes do mar. Festejada por uns, criticada por outros, eis que a Exposição suscitou muitos debates em torno de que tipo de Nação o Brasil deveria ser. ____________________ 1 Motta, Marly. 1922: em busca de um Brasil Moderno. Rio de Janeiro: 1994 2 Pesavento, S.J.. As Exposições Universais. São Paulo: Hucitec 1997.

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HEGEL E SUA INFLUÊNCIA NA HISTORIOGRAFIA OITOCENTISTA Adílio Jorge Marques1 (PG, FM) 1HCTE/ UFRJ Rua Capitão Resende, 403/206 - Rio de Janeiro – RJ [email protected] Chave: Formação historiográfica, Hegel, idealismo lógico, dialética.

Introdução O objetivo deste trabalho é mostrar a importância de G. W. F. Hegel (1770-1831) na formação historiográfica do século 19 e, consequentemente, na estruturação oitocentista da história das ciências. Analiso sua grande importância e influência em Leopold von Ranke, T. Carlyle, K. Marx e Engels, J. G. Droysen. De suas biografias e sistemas socio-históricos pode-se recuperar a contribuição do sistema filosófico hegeliano, destacando o idealismo lógico e a dialética, seja aceitando, condenando ou propondo adaptações ao pensamento hegeliano.

Resultados e Discussão Filósofo da totalidade, do saber absoluto, do fim da história, de um processo de formação da consciência, Hegel propõe uma Filosofia da identidade, que não concebe espaço para o contigente, para a diferença. Hegel introduziu um sistema para compreender a História da filosofia e do mundo, chamado geralmente de dialética1. Em Hegel, a História progride aprendendo com seus erros: somente depois das experiências de um povo, e precisamente por causa delas, pode-se postular a existência de um Estado Constitucional de livres cidadãos e que consagra tanto o poder organizador benévolo (supostamente) do governo racional e os ideais revolucionários da liberdade e da igualdade. É preciso abandonar a idéia de que a contradição produz um objeto vazio de conteúdo. Hegel dá dignidade para a contradição, bem como para o negativo2. É a Filosofia que observa a dimensão temporal da existência humana como existência sócio-política e cultural; teorias do progresso, da evolução e teorias da descontinuidade histórica, seguindo a lógica do devir. Historiadores estudados: Leopold Von Ranke (1795-1886): Frequentemente considerado como o pai da "História cientifica", definiu o tom de boa parte dos escritos históricos posteriores com a introdução do método científico na pesquisa histórica, propondo o uso prioritário de fontes primárias. Na Universidade de Leipzig apoiou o professor Fridrich Savigny, que enfatizava as variedades dos diferentes períodos da História, contra os seguidores de Hegel (defensores do desdobramento de uma História universal). Ranke criticou duramente a visão hegeliana, afirmando que a mesma era uma abordagem de uma única medida para diversos valores. Thomas Carlyle (1795-1881): Propõe que a História pode ser interpretada

através da vida dos heróis, que representam a encarnação em um homem importante dentro de uma cultura do “espírito da História” hegeliano3. As massas e o herói seguem cumprindo uma missão até um Absoluto, onde mais uma vez as doutrinas de Hegel e Carlyle são coincidentes. Karl Heinrich Marx (1818-1883) & Friedrich Engels (1820-1895): Seguidores da corrente chamada “hegelianos de esquerda”, no posfácio à segunda edição (de 1873) de “O Capital”, Marx precisou: “Meu método dialético não só é fundamentalmente distinto do método de Hegel, mas é, em tudo e por tudo, a antítese dele” 4. Marx se serve de três correntes do pensamento que se desenvolviam na Europa, colocando-as em relação umas com as outras em suas obras: a dialética hegeliana, a economia política inglesa e o socialismo. Para Marx e Engels, o movimento dialético de Hegel deveria ser real, não possuindo por base algo espiritual, mas sim um propósito material3, onde o materialismo dialético surge como conceito central da filosofia marxista. Porém, Marx não se contenta em introduzir esta importante modificação apenas no terreno da Filosofia5. Adentrou no terreno da História e ali desenvolveu marcante teoria científica: o materialismo histórico. Johann Gustav Droysen (1808-1886): Foi aluno de Hegel, estudando a História na dialética sujeito/objeto, onde essa História deveria fornecer sentido aos fatos coligidos ao longo das eras. Ao contrário de Marx e Engels, seus escritos mostram certo conservadorismo implícito hegeliano: a existência de uma ética de Estado (citando Hegel e seu sistema em sua obra sobre a Prússia medieval).

Conclusões Verificamos a importância da História no entendimento dos povos, que fica marcada, no século XIX, pela noção de progresso dada pelos historiadores citados, onde Hegel esteve presente como referência em maior ou menor medida. A busca pelo homem e pelo Estado perfeitos chegarão até nossos dias, comprovando sua importância no pensamento humano.

Agradecimentos Ao Filósofo André Senra pelo apoio a este trabalho. 1 Hegel, G. W. F.. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Ed. Vozes, 2001. 2 Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996. 3 Carlyle, T.. Sartor Resartus, and On Heroes, Hero-Worship, and the Heroic in History. www.gutemberg.org. Acesso em junho/2007. 4Marx, Karl. El capital, critica de la economia política. T. 1. P. 177. México, DF: Fundo de Cultura. 5CHAUÍ, M.. Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2002.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

UMA PROPOSTA PARA O ENSINO DA HISTÓRIA DA FÍSICA Adílio Jorge Marques1, * (PG, FM) Sandra Helena Alves de Almeida2 (FM) 1HCTE/UFRJ & Colégio Santo Inácio Rua Capitão Resende, 403/206 - Rio de Janeiro – RJ - [email protected] 2Colégio Santo Inácio Rua São Clemente, 226 - Botafogo - Rio de Janeiro – RJ Palavras Chave: História das Ciências, Ensino de Física, FMC, Ética.

Introdução O presente trabalho mostra projeto desenvolvido com aproximadamente 280 alunos do 1º ano do Ensino Médio durante o ano de 2007, sendo proposta pedagógica aplicada repetidamente desde 2003. Consistiu em discutir com os alunos o conhecimento histórico-científico da humanidade em seis diferentes enfoques ou épocas, da Antiguidade aos dias atuais, buscando ultrapassar os aspectos físicos e históricos. Para tal, foram colocados em sala de aula outros importantes conceitos tomados da Filosofia: o homem e sua relação com o saber; as derivações filosóficas, sociais, morais de personagens da história científica; a política; a ética para o cientista e o cidadão; aspectos da religiosidade ao longo da história; arte e Física; a relação com o aspecto ambiental.

Discussão Parte I – O Trabalho escrito e apresentação oral: Os estudantes deveriam apresentar em grupo a sua pesquisa, mostrando como evoluíram as idéias científicas desde a Idade Antiga até a atualidade. Os temas foram: 1 – IDADE ANTIGA: Contribuições: Grécia, ou: Pérsia, Egito, Babilônia. Arquimedes e suas idéias. Os atomistas gregos. Sócrates e a divisão na Filosofia; os sofistas; a política ateniense. Platão: o idealismo; a Academia. Aristóteles: o Liceu; a lógica; a Física aristotélica. 2 – IDADE MÉDIA/RENASCIMENTO: Árabes e os textos trazidos; a evolução das práticas alquímicas para a farmácia, a medicina e a química; a matemática; Santo Agostinho e o platonismo; Tomás de Aquino e o aristotelismo; as construções das catedrais medievais e as técnicas. A Teoria do Ímpeto. Alquimia e a Química que nascerá: Lavoisier. Medicina e Farmácia. Invenções das viagens no mar. 3 – GALILEU GALILEI: As questões científicas com a Igreja; o atomismo galileano; do geocentrismo ao heliocentrismo copernicano; as experimentações: foram feitas ou não? Sua importância no pensamento humano e a Revolução Científica. 4 – ISAAC NEWTON: O resgate de aspectos da Renascença; as revoluções com a Mecânica, Óptica, Astronomia. O determinismo newtoniano. A relação com a Revolução Francesa; o Iluminismo. 5 - ALBERT EINSTEIN: Seus trabalhos revolucionários de 1905 e 1915; que mudanças causaram no pensamento humano? Suas posições como pacifista, político, religioso. A fuga do nazismo. A participação na questão atômica na 2ª Guerra Mundial.

6 - FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA (FMC)/ATUALIDADE: Utilizando um ou no máximo dois temas, entre outros: Nuclear; Astronomia; Laser e suas aplicações; tecnologias das comunicações; Física Médica; nanotecnologias. Parte II – Os aspectos humanistas e um vídeo-debate: Composto de três partes sobre as várias mudanças climáticas atuais, o filme possui fortes cenas (terremotos, guerras, desastres naturais, poluição, fome, etc.) que buscavam chamar a atenção dos alunos para a utilização da ciência ao longo das Idades. Seguiu-se com debate e reflexão, com questões tais como: “A Ciência é ou não neutra?”; “Ela é verdade absoluta?”; “Qual a relação entre Ciência e Tecnologia para você ao longo do tempo?”; “A troca com o meio ambiente: qual o seu papel ontem e hoje?”; “Ética e ciência ao longo das Idades”.

Resultados Percebemos maior facilidade no entendimento e discussão das leis físicas após este projeto, com o fato dos alunos terem compreendido o contexto social e histórico de cada personagem, como no caso de Newton e suas Leis. Novas questões e interesses pela História das Ciências e das Técnicas surgiram ao se perceber a diferença, por exemplo, entre a Física Clássica (estudada por eles) e a FMC. O índice médio de participação ao longo dos anos é da ordem de 98%.

Conclusões Para os autores, este projeto é mais um indício de que é possível tornar a Física e as demais ciências escolares mais próximas da realidade discente, além de melhor contextualizada, utilizando-se a História. Também destacamos que se abre uma nova maneira de ensinar FMC no ensino médio.

Referências Utilizadas no Projeto

Guimarães, L. A. & Fonte Boa, M.. Física - Ensino Médio, Mecânica. Cap. 9. Rio de Janeiro: Ed. Futura, 2005. Braga, M., Guerra, A., & Reis, J. C.. Breve História da Ciência Moderna. 4 vols. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar Editor, 2003. Chauí, M.. Convite à Filosofia. Unidade 7. Rio de Janeiro: Ed. Ática, 2007. Valverde, A.; Oliveira, F.; Vianna, I. S.; Pessini, L.; Moreira, R.; Branco, S. M.; Capozoli, U.. Ciência e Tecnologia em Debate. p. 21 a 71. Rio de Janeiro: Ed. Moderna, 2001. Pedagogia Inaciana – uma proposta prática. 5ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 1999. Sovone, O. A.. Física Moderna para o Ensino Médio, Rio de Janeiro: Nova Didática, 2002. Júnior, D. B.. Tópicos de Física Moderna, Paraná: Companhia da Escola, 2002. Azevedo, F.. As Ciências no Brasil. 2 vols. EDUFRJ, 1964. Filgueiras, C.A.L.. Lavoisier – O estabelecimento da Química Moderna. São Paulo: Odysseus, 2007.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Alexandre Antonio Vandelli e as ciências naturais Adílio Jorge Marques1 (PG, FM)

HCTE/ UFRJ Rua Capitão Resende, 403/206 - Rio de Janeiro – RJ [email protected] Chave: Ciências Naturais, Ilustração.

Introdução Conhecer a obra de Alexandre Antonio Vandelli (1784-1862), doravante AAV, pode ser uma forma de esclarecermos ainda mais o pensamento científico que fluía de Portugal para o Brasil nos oitocentos. Naturalista luso brasileiro que torna-se herdeiro de duas grandes mentes da Ilustração, mesmo que sem o mesmo brilhantismo: de seu pai, Domingos Agostino Vandelli (1735-1816), naturalista paduano da reforma pombalina em Coimbra e Lente jubilado da mesma Universidade; e do sogro José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), que teve em Alexandre seu orientado e ajudante desde 1813, quando ambos trabalhavam em Portugal no Laboratório químico da Casa da Moeda. Atuou em diversas áreas, tanto em Portugal quanto no Brasil.

Resultados e Discussão Nasceu em Coimbra em 27 de junho de 1784 quando seu pai lá trabalhava para o governo português, sendo o filho mais moço da já renomada família. Formou-se em Ciências Naturais em Coimbra. Desde 1813 torna-se ajudante de José Bonifácio. Em Lisboa, no bairro de Arroios, casa-se em 18/02/1819 com Carlota Emília de Andrada, nascida a 20/12/1790, filha de José Bonifácio, com quatro filhos. Acusado de simpatizar com os invasores franceses, AAV e o pai foram desterrados para os Açores em 1810. Alexandre logo voltou a Lisboa, porém o pai só conseguiu retornar em 1815 do exílio. AAV tornou-se Procurador do pai1. Atividades científicas em Portugal: Em 1812 foi membro da Comissão de Reforma de Pesos e Medidas, cujas resoluções foram adotadas por D. João VI. De José Bonifácio foi Assistente no Laboratório Químico da Casa da Moeda de Lisboa desde 1913. Na mesma função, atuou na Intendência Geral de Minas e Metais do Reino até 1819. Com a vinda do sogro para o Brasil, passa a ocupar interinamente a direção da mesma Intendência, especialmente da Real Ferraria da Foz de Alge e das Minas de carvão de Buarcos. Em 1824 é substituído pelo Barão de Eschwege na Direção da Intendência, após muitas intrigas pessoais e políticas entre ambos. Torna-se Guarda-Mor dos Estabelecimentos da Academia Real das Ciências de Lisboa, de onde foi Sócio mesmo quando estava no Brasil. O Museu da mesma Academia é criado em 19/12/18312 por sua sugestão. Publicou 4 livros: “Resumo da Arte de Distillação” (1813), impresso e distribuído

gratuitamente pela Junta do Comércio, da qual fazia parte com ajudante; “Zoologia Portuguesa” (1817) em dois volumes; “Apontamentos para a História das Minas de Portugal, colligidos pelo ajudante, servindo de Intendente geral das Minas e metais do Reino” (1824). E “Collecção de Instruções sobre a agricultura, artes e Industria”, Lisboa (1831-1832). Dirigiu uma fábrica de azulejos de 1818 a 1834, situada na região conhecida como Rato (Lisboa), quando veio para o Brasil com a família. Deixou outros trabalhos em Química, Física, Mineralogia. Atividades científicas no Brasil: Em 1838 foi Diretor (SP) da Fazenda Normal, destinada ao aprendizado e ao desenvolvimento das técnicas na agricultura. Em 1839 trabalhou para o Colégio Pedro II. No mesmo ano passou a Professor de Botânica e Ciências Naturais da família imperial3. Um dos fundadores (1850) da Sociedade Vellosiana de Ciências Naturais do RJ4, criada com a finalidade de incentivar a pesquisa de temas científicos nacionais. Atuou no RJ como fiscal do Imperial Núcleo Hortículo Brasiliense (entre 1856 e 1859). Escreveu outros trabalhos sobre: criação de estabelecimentos agrícolas, história, zoologia e meteorologia do RJ.

Conclusões

Alexandre A. Vandelli atuou nas mais diversas áreas do saber ilustrado no séc. XIX: Química, Mineralogia, Agricultura, Paleontologia, Educação, Zoologia, Botânica, Meteorologia, Fabricação de Louças, Administração. Sua atuação em Portugal é marcada por importantes feitos, como o Museu da Academia Real de Ciências e o início da Paleontologia. A mineração lusa deve-lhe as inúmeras tentativas de continuar o projeto de Bonifácio de um Portugal independente nesse setor econômico. No Brasil, foi um dos que ajudaram a despertar no Imperador Pedro II o gosto pelas ciências, além da tentativa de estabelecer uma Sociedade Científica. Trás consigo a tentativa de sobrevivência de uma concepção ilustrada e fisiocrata de nação e de cidadania.

Agradecimentos Ao Prof. Dr. Carlos Alberto L. Filgueiras da IQ/UFRJ pelo apoio em todos os momentos desta pesquisa. ____________________ 1 Cartas depositadas na Biblioteca Nacional/RJ: C-0722, 011 números 001 e 002, setor de Manuscritos. 2 Memórias da Academia Real de Ciências de Lisboa. Tomo XI, p. V. Lisboa: 1831. 3 FILGUEIRAS, C. A. L.. A Química na educação da Princesa Isabel. São Paulo: Química Nova, vol. 27, nº 2, p. 349-355, 2004. 4 PAIVA, M. P. Associativismo Científico no Brasil Imperial: a Sociedade Vellosiana do Rio de Janeiro: Brasília: Thesaurus

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Editora, 2005. Originais na Biblioteca Nacional/RJ, setor Obras Raras: microfilme PR-SOR 19 (1-3).

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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RETROSPECTIVA HISTÓRICA DOS MODELOS TECNOASSISTENCIAIS NO CAMPO DA SAÚDE PÚBLICA

Flávia Cristina Morone Pinto*1 (PQ),Vagner Pereira de Souza 2 (PQ), Teresa Cristina C Piva 3(PQ)

1 Mestre em Saúde Pública – Profª do Curso de Graduação em Enfermagem e Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Saúde Pública, do Centro Universitário Celso Lisboa. 2 Bacharel e Licenciado em História - Prof. de História da Saúde Pública do Curso de Pós-Graduação em Saúde Pública, do Centro Universitário Celso Lisboa. 3 Doutora em Ciências – Profª do Curso de Pós-Graduação de Enfermagem - Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho, do Centro Universitário Celso Lisboa. Centro Universitário Celso Lisboa Rua 24 de Maio 797 - Sampaio - Rio de Janeiro/RJ - Cep: 20950-091 Tel: 21 3289-4722 Email: [email protected] DESCRITORES: Saúde pública, Saúde coletiva, Modelos Tecnoassistenciais, Políticas de saúde.

Introdução Alicerçado no conceito ampliado de saúde,

que define a produção de saúde a partir de determinantes sociais, econômicos e culturais, os modelos tecnoassistenciais mostram-se como importantes estratégias neste campo, uma vez que se traduz como “modos de oferecer a saúde a uma determinada comunidade, combinando assistência, tecnologia e técnicas, dentro de uma racionalidade que possa ao mesmo tempo respeitar a política de saúde vigente, a contemporaneidade e ter impacto na qualidade de vida e saúde”.1.

A vivência no campo da saúde proporcionou algumas situações que chamaram a atenção, em especial, a dificuldade em se obter um modelo tecnoassitencial que atenda as necessidades atuais. O objetivo principal deste trabalho foi fomentar o debate acerca dos modelos tecnoassistenciais como estratégia lógica e racional na produção de saúde, em adição apresentaram-se os antecedentes históricos referentes à construção destes modelos na área da saúde, assim como se discutiu sua trajetória até a atualidade. A metodologia utilizada foi do tipo bibliográfica de caráter descritivo e as fontes usadas foram: banco de dados do Scielo e da Biblioteca Virtual em Saúde – Bireme/BVS (Lilacs e Medline) em especial.

Resultados e Discussão Os modos de produção da saúde foram

diferentes ao longo dos anos. O período da colonização foi marcado pela atuação dos boticários em virtude da ausência de profissionais médicos. Mais tarde deu-se início as campanhas higienitas, lideradas por guardas sanitários, período marcado pela intervenção campanhista, como pode ser visualizado na figura abaixo2. O nascimento da previdência social mudou o rumo da saúde pública. A crise no sistema previdenciário levou a criação de

planos estratégicos e mais tarde, na década de 90, a criação do SUS.

Conclusões Observa-se a necessidade de ampliar a

discussão neste campo, uma vez que a solução para a crise no sistema de saúde hoje, pode estar ligada aos antecedentes históricos que impulsionaram a criação de modelos de saúde incertos e ainda incipientes, como o de Saúde da Família. Visto que a ampliação deste programa, enquanto estratégia tática e operacional do SUS, poderá produzir melhores indicadores de saúde e aumentar a qualidade de vida.

Agradecimentos À professora Dra. Teresa Piva pelos preciosos ensinamentos. ____________________ 1 Santos, A. da S. Os Modelos Tecnoassistenciais e o Sistema Único de Saúde. Revista Nursing, V. 96, n. 9, Maio 2006. 2 Hochman, G.; Bandeira de Mello, M. T.; Santos, P.R.E.. A malária em foto: imagens de campanhas e ações no Brasil da primeira metade do século XX. História, ciências e saúde. vol. 9 (suplemento):233-73, 2002.

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A IMPORTÂNCIA DOS CAPITÃES DE ARTILHARIA LUSO-BRASILEIROS NA MODERNIZAÇÃO DO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XVIII

Ricardo Vieira Martins, M.Sc.1 (FM)

Palavras Chave: porto, Rio, defesa, artilharia, modernização, história.

1 [email protected]

Introdução

Os tiros de canhão da artilharia lisa, que modificaram a arte de guerrear e a arte de construir as fortalezas, não tinham valor absoluto. A valorização do tiro de canhão, a busca do tiro eficiente, fez surgir o artilheiro, os capitães de artilharia, assim como obrigou aos reis contratarem filósofos para dar solução às novas perguntas criadas pela nova arte. A modernização de uma nação passou a depender da sua capacidade de absorver um novo saber, produzido pelos filósofos modernos. No entanto, a interação entre os filósofos modernos e os artilheiros fez com que se percebesse que o alcance real do tiro do canhão não era determinado apenas pelas leis da mecânica.

A nova arte da Artilharia durante um longo tempo permaneceu como uma estrangeira em Portugal. A atitude de Portugal de se afastar de alguns dos novos saberes, fundamentais ao uso eficiente da artilharia, mas que implicavam em uma nova concepção de mundo, que conflitava com interesses da Igreja, levou a nação portuguesa a uma posição periférica em relação às nações que mais rapidamente se prepararam para a nova arte de guerrear.

Em 1640, com a Restauração, novamente um rei português passou a reinar em Portugal. A necessidade de defender as novas fronteiras de Portugal e das suas colônias, obrigou a nação portuguesa a iniciar um imenso esforço de modernização. A descoberta de ouro e pedras preciosas no Brasil, no final do século XVII, produziu os recursos financeiros necessários à modernização da engenharia militar em Portugal. Porém, a cobiça estrangeira sobre o Brasil e suas riquezas obrigou Portugal a inserir o Brasil no seu esforço de modernização.

Resultados e Discussão O canhão deu fim à Idade Média jogando

abaixo as muralhas dos castelos. Aos nobres cavaleiros se apresentou como uma arma covarde, que não permitia a aproximação dos oponentes. O canhão terminou com a forma antiga de fazer guerra, em que, no confronto direto dos oponentes, Deus estabelecia o justo vencedor.

A Guerra dos Cem Anos (1337-1453) marca na

história militar a separação de duas épocas, ao definir-se então um distanciamento dos exércitos europeus em relação às práticas militares em vigor durante a época medieval (BEBIANO et alI: 2004,112).

As diversas categorias de bocas de fogo

deram origem a uma nova arte de fazer guerra, uma revolução militar, uma guerra que se fazia com ciência e com homens preparados através de conhecimentos específicos que precisavam ser aprendidos e ensinados.

A nova arte fez surgir novas perguntas. A busca de respostas para as novas perguntas fez com que príncipes e reis, durante o século XVI e XVII, incentivassem aos filósofos e matemáticos para que trabalhassem juntos com seus artilheiros e artesãos. Os artilheiros observavam que os projéteis lançados por suas bocas de fogo não descreviam trajetórias em linha reta, como pensavam os filósofos antigos e, muito menos, paravam na posição de alcance máximo, de onde caiam em linha reta, devido ao esgotamento do seu impetus. Os projéteis batiam contra o alvo, mesmo na posição do seu máximo alcance. Os estragos causados ao alvo pelo projétil lançado pela boca de fogo evidenciavam que a trajetória real do projétil não correspondia à descrição feita pelos filósofos. A convivência dos artilheiros com filósofos, na busca do melhor entendimento do movimento dos projéteis, fez surgir uma nova ciência denominada

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de Balística. Niccolò de Tartaglia (1400- c. 1557) foi um dos primeiros autores de um estudo de Balística. Em 1537 editou em Veneza a Nova Scientia. Para Tartaglia a trajetória de uma bala era formada por duas partes retilíneas, DF e HI, unidas por um arco de circunferência, FH, conforme mostra a ilustração 1. A primeira parte do movimento, DF, com trajetória retilínea, era reconhecida como movimento violento2, causado pela ação externa da detonação da pólvora sobre a bala. A terceira e última parte da trajetória, uma reta vertical, não era produzida por um movimento violento. A queda vertical era um movimento natural, uma tendência dos corpos pesados, os quais se movimentavam na direção do centro da Terra. O peso do corpo não era considerado uma ação externa.

Ilustração 1: A trajetória do projétil, segundo Niccolò Tartaglia.

Em 1546, Tartaglia escreveu um segundo

livro no qual afirmava que em parte alguma da trajetória do projétil esta seria retilínea (FERRAZ: 1905,24). As trajetórias representadas por uma única curva não encontravam muitos adeptos entre os estudiosos de balística. No entanto, no frostispício da obra editada por Tartaglia em 1537, a mais difundida na Europa, a trajetória dos projéteis estão representadas por uma única curva, como mostra a ilustração 2.

Em 1593, Galileu escreveu um tratado de fortificações (GALILEI: 1988, XIV), enquanto vivia em Pádua, onde mantinha um pensionato que abrigava 20 rapazes, muitos dos quais estrangeiros. Nesta época, além do alojamento e alimentação, os pensionistas recebiam aulas de fortificação. Nos seus trabalhos posteriores, Galileu aprofundou os seus estudos de mecânica. Na mecânica de Galileu restou apenas um único movimento natural, aquele produzido pelo peso dos corpos, que fazia com que todo corpo se movimentasse na direção do centro da Terra. Nas palavras do discípulo de Galileu, B. Cavalieri, citadas por KOYRÉ (1986: 368), havia uma nova explicação para a trajetória dos projéteis, proposta pelo seu mestre, Galileu3:

Digo seguidamente que se se

considerar um móvel que fosse lançado por um projectante para um alvo qualquer e se não houvesse nenhuma outra virtude motriz que o puxasse para outra direcção, ele iria em linha reta para o lugar designado pelo projectante, movido unicamente em linha recta pela virtude nele imprimida: e dessa rectidão não é razoável

2 O movimento dos projéteis era descrito como uma mistura de

natural e violento. Considerando as duas categorias de movimento, que fazem parte da Física Aristotélica, apenas o segundo exige o apelo a uma causa externa.

3 No texto foi mantida a tradução portuguesa, isto é, o português de Portugal.

que o móvel se afaste, pois não há outra virtude motriz que daí o desvie; assim, por exemplo, uma bala de canhão saída da boca da peça, se não possuísse nenhuma outra [virtude motriz] que a que lhe é imprimida pelo fogo, iria do ponto de tiro sempre a direito para o alvo situado no prolongamento do eixo do canhão; mas porque há um outro motor, a saber, a gravidade interna [o grifo é meu] da bala, segue-se que esta será forçada a afastar-se daquela retidão para se aproximar do centro da Terra.

Ilustração 2: Frotispício da Nova Scientia, de Niccolò Tartaglia [Fonte: ALQUIÉ, et all. Galileu, Descartes e o Mecanismo. Lisboa: Gradiva, 1987]

Em 1638, Galileu publicou a sua última

obra, a qual foi considerada a mais importante: Discorsi e Dimostrazioni Matematiche intorno à Due Nuove Scienze (Discursos e Demonstrações Matemáticas acerca de Duas Novas Ciências). Nesta época o seu autor já tinha 74 anos de idade e achava-se confinado havia cinco anos, desde a sua condenação pelo Santo Ofício em 1633. Neste trabalho, assim como em seu Diálogo Concernente aos Dois Principais Sistemas de Mundo, Galileu discutiu o movimento do projétil como um movimento composto de dois movimentos distintos: um movimento uniforme, horizontal, e o movimento acelerado ao longo da linha reta vertical, em direção ao centro da Terra. Porém, o movimento uniforme não seria causado por uma inércia linear, mas sim por uma inércia circular. Para COHEN (1967: 125), a razão pela qual Galileu pensava em termos de inércia circular parece ter sido o desejo de explicar como, numa Terra em rotação, um corpo caindo continuará sempre a cair em direção descendente, exatamente como se a Terra estivesse em repouso. Logo, o último movimento não se faz verdadeiramente sobre uma linha reta.

Nas Duas Novas Ciências Galileu se opôs aos seus antecessores, mecânicos e artilheiros, que decompunham a trajetória da bala em partes retilíneas e encurvadas. Galileu suprimiu a parte

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retilínea da trajetória4. A bala do canhão saída da boca da peça terá uma trajetória formada por uma única curva, um arco de parábola. Afirma Galileu na Quarta Jornada das Duas Novas Ciências, Teorema I – Proposição I, (1988, 246):

Um projétil que envolve um movimento

composto por um movimento horizontal uniforme e por um movimento descendente naturalmente acelerado descreve em seu deslocamento uma linha semiparabólica. A modernização de uma nação passou a

depender da sua capacidade de absorver um novo saber. As nações modernas passaram a impor sua hegemonia através da força de seus novos exércitos, permanentes e armados com bocas de fogo. A modernidade, pouco a pouco, retirou do soldado a sua identidade e a substituiu por um perfil controlado pela disciplina militar. O cavaleiro medieval, cuja habilidade e capacidade de improviso durante a batalha determinavam a sua eficiência, perdeu a sua importância na nova guerra.

O canhão durante muito tempo esteve em Portugal como um estrangeiro, e o seu uso geralmente dependia da contratação de estrangeiros (BOTELHO:1944,9). A nova arte de guerrear, da qual dependia o uso das bocas de fogo, também durante um longo tempo permaneceu como uma estrangeira em Portugal. A atitude de Portugal de se afastar de alguns dos novos saberes, fundamentais ao uso eficiente da artilharia, mas que implicavam em uma nova concepção de mundo, que conflitava com interesses da Igreja, levou a nação portuguesa a uma posição periférica em relação às nações que mais rapidamente se prepararam para a nova arte de guerrear.

O canhão não era apenas um artefato de guerra com valor absoluto. Muito pouco se poderia dizer sobre a eficiência da artilharia de uma fortaleza se apenas considerássemos a quantidade de bocas de fogo e seus respectivos calibres que lá existiam. Por exemplo, ao avaliar a capacidade de uma fortaleza, como a de Santa Cruz, na entrada da Baía de Guanabara, no início do século XVIII, quando era a principal fortaleza do sistema de defesa do Porto do Rio de Janeiro, é necessário que se aprofunde o olhar, que se veja além da simples quantidade de armamentos existente, para que não cometamos o erro dos antigos capitães-governadores da cidade, que para informar o estado em que se encontrava o sistema de defesa da cidade do Rio de Janeiro, escreviam cartas ao rei que apenas relatavam as quantidades do que existia nas fortalezas. Nada se comentava sobre a verdadeira capacidade de ação da fortaleza. As cartas eventualmente produziam na Corte uma reação de socorro à Colônia (FERREZ:1972). Mas, a melhor capacitação de uma fortaleza não dependia de um esforço eventual. Para que tivessem as condições adequadas, capaz de garantir um tiro eficiente, deveria haver um esforço

4 O que tinha sido proposto por Tartaglia em 1546 tornava a ser

novamente proposto. Porém, agora a trajetória curva estava sustentada por uma nova ciência, a Física Moderna.

contínuo, capaz de criar e manter, no tempo e no espaço, as condições materiais, sociais e políticas necessárias ao bom tiro, capaz de alcançar e ferir o alvo. O tiro do canhão, que lançava seus projéteis no ar, não tinha a sua eficiência determinada apenas pelas leis da mecânica. O tiro de canhão, produzido pela artilharia lisa, a única utilizada até meados do século XVIII, sofria a influência de diversos fatores materiais, sociais e políticos que, em conjunto, o determinava.

Em Portugal, apenas após a Restauração foi constituído um exército permanente em termos modernos. A necessidade de guardar as novas fronteiras, criadas com o fim da União Ibérica, fez com que, em 25 de agosto de 1645, fosse criado o Regimento das Fronteiras, especificamente para atender as necessidades de defesa. O Regimento das Fronteiras serviu de modelo para organizar o exército português em todo o Império. O aumento da eficiência da artilharia portuguesa somente foi possível com a decisão de se ensinar a nova arte em Portugal, através da criação das Aulas nos Regimentos. Esse movimento, que se iniciou com D. João IV, em meados do século XVII, se tornou expressivo apenas após mais de um século, já no reinado de D. José I. A censura inquisitorial, que controlava os saberes estrangeiros, assim como os estrangeiros que circulavam em Portugal (BETHENCOURT: 2004), retardou a publicação e o ensino dos autores modernos, fundamentais à modernização da Artilharia portuguesa. A abertura de Portugal aos conhecimentos científicos que estavam além dos Pirineus foi necessário para animar as escolas portuguesas (BOTELHO: 1944, 16).

No Rio de Janeiro, somente em 1698, por ordem de D. Pedro II, um engenheiro militar português, Gregório Gomes Henrique, deu início ao ensino de artilharia (TAVARES: 2000, 161). Um ano depois, foi criada a Aula de Fortificação. Mas, de fato não houve empenho por parte da metrópole para que se iniciasse na colônia, nesta época, um ensino militar de qualidade.

No início do século XVIII, na Espanha, a crise criada pela sucessão do rei tornou Portugal um inimigo da França, aliada da Espanha e interessada no trono espanhol. A cobiça francesa sobre as riquezas brasileiras, tornava uma invasão francesa ao Rio de Janeiro um fato previsível. Uma primeira invasão ocorreu em 1710, na verdade uma aventura apressada e sem bons resultados para a França. Mas a segunda, que ocorreu em 1711, foi executada sob um planejamento que foi apoiado nas diversas informações obtidas por aqueles que espionavam a costa brasileira sob as ordens de Luís XIV (GUEDES: 1981). A facilidade com que ocorreu a segunda invasão fez ver a todos que cobiçavam as riquezas que circulavam pelo porto da cidade, que o sistema de defesa era incapaz de defender a cidade. As fortalezas da barra da Baía de Guanabara, que se apresentavam como fundamentais para impedir a entrada do invasor na baía, na verdade produziam muita fumaça com tiros de pouca eficiência, considerando a

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imprevisibilidade do alcance dos tiros de longa distância. Em 1729, o estudo experimental da eficiência das armas de fogo, em tiros de longo alcance, realizado pelo engenheiro militar português Manoel de Azevedo Fortes (1660-1749), levou-o a conclusão: Com armas de fogo se atira longe, e sem pontaria certa; e assim a maior parte das balas não faz efeito algum (FORTES: 449-452). O engenheiro militar português José Fernandes Pinto Alpoim (1700-1765), também confirma a opinião de Fortes e considera que a imprevisibilidade torna as tabelas de alcance, na prática da Artilharia, de nenhuma utilidade (ALPOIM: 1744, 159).

Um conhecedor da nova arte de guerrear, que existia na França, ao analisar a distância em que seriam eficientes os tiros das fortalezas da barra, poderia concluir que era possível invadir a Baía de Guanabara sem sofrer a ação efetiva dos projéteis lançados pelos canhões das fortalezas que defendiam a entrada da barra. Tal fato certamente ocorreu na invasão comandada por Duguay Trouin. A incapacidade do sistema de defesa do Porto do Rio de Janeiro, certamente não era ignorada pelo invasor e nem pelo capitão-governador da cidade, Francisco de Castro Morais, o qual foi eleito o culpado por ter ocorrido a invasão.

Uma nova leitura da invasão francesa, considerando subsídios fornecidos pela História Militar luso-brasileira e pela História da Ciência e das Técnicas, nos permite um novo ponto de vista, o qual passou despercebido aos historiadores: a invasão foi um fato importante para a história da ciência no Brasil, pois causou uma mudança na atitude de Portugal em relação a sua colônia, passando a incluir o Brasil no seu esforço de modernização. Após a invasão, um número maior de engenheiros militares passou a ser enviado para o Brasil, e entre eles constavam os melhores engenheiros a serviço do rei, como João Massé (TAVARES: 2000). Todos foram enviados para modernizar o sistema de defesa dos portos e das cidades, fundamentais à defesa das novas fronteiras. Mas, a modernização do sistema de defesa não poderia ocorrer sem a implementação e modernização das Aulas Regimentais no Brasil, o que levou ao rei enviar para a sua colônia um dos seus melhores engenheiros militares da época, José Fernandes Pinto Alpoim. No Brasil Alpoim ensinou Artilharia e foi o autor de duas obras escritas com o fim específico de formar artilheiros e bombeiros: Exame de Artilheiros (1744) e Exame de Bombeiros (1748). Com a modernização do ensino da Artilharia no Brasil, feita por engenheiros, que eram homens acostumados a pensar com a ciência o emprego das tecnologias necessárias, surgiu no Brasil um novo elemento da história, o engenheiro militar luso-brasileiro.

Conclusões A descoberta do ouro e de pedras preciosas

no Brasil, no final do século XVII, foi importante para

fornecer os recursos necessários para financiar os projetos de modernização do sistema de defesa português, necessários para proteger as novas fronteiras de Portugal, e suas colônias, que surgiram com a Restauração, em 1640. Porém, a cobiça estrangeira sobre as riquezas do Brasil, que motivou as invasões francesas no início do século XVIII, poderia motivar outras invasões, considerando que a invasão de 1711 serviu para constatar a fragilidade do sistema de defesa do Porto do Rio de Janeiro, na época, o principal porto da sua colônia. Logo, a invasão francesa ao Rio de Janeiro obrigou a Metrópole incluir o Brasil no seu esforço de modernização do seu sistema de defesa, o que implicaria na necessidade de enviar para a colônia os seus melhores engenheiros, os quais fizeram surgir na colônia as primeiras escolas que dariam origem a formação de engenheiros militares na colônia. Assim surgiu um novo personagem da história brasileira, fundamental a modernização do Brasil, o engenheiro militar luso-brasileiro.

Agradecimentos Ao professor Dr. Carlos Alberto Lombardi

Filgueiras, meu orientador, não apenas o agradecimento, mas toda a minha admiração pelo profissional e pelo homem culto que me ensinou a ter amor à cultura. __________________________________________ Bibliografia:

1. ALPOIM, José Fernandes Pinto (1700-1765). Exame de Artilheiros. Rio de Janeiro: Biblioteca Reprográfica Xérox, reprodução fac-simile da edição de 1744, 1987.

2. BEBIANO, Rui; et all. Nova História Militar de Portugal, v.2. Portugal: Círculo dos Leitores, 2004.

3. BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália – Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, 5a reimpressão, edição de 2004.

4. BOTELHO, José Justino Teixeira. Novos Subsídios para a História da Artilharia Portuguesa, v.1 e v.2. Lisboa: Publicações da Comissão de História Militar, 1944.

5. COHEN, I. Bernard. O Nascimento de Uma Nova Física. São Paulo: Edart, 1967.

6. FERRAZ, Antônio Máximo Gomes. Estudo das Bocas de Fogo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Bibliex, 1905.

7. FERREZ, Gilberto. O Rio de Janeiro e a Defesa do seu porto 1555-1800. Rio de Janeiro: Serviço de Documenação Geral da Marinha, 1972.

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

8. FORTES, Manoel Azevedo. O Engenheiro Português. Portugal: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, edição fac-símile da edição do Tomo 1, editado em 1728, e da edição do Tomo 2, editado em 1729, 1993.

9. GALILEI, Galileu. Duas Novas Ciências, 1638. São Paulo: Nova Stella, 2a edição, 1988.

10. GUEDES, Max Justo. Hidrógrafos Franceses ao Longo da Costa Brasileira, 1665-1710. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, Navigator, nº 17, 1981.

11. KOYRÉ, Alexandre. Estudos Galilaicos. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1986.

12. TAVARES, Aurélio de Lyra. A Engenharia Militar Portuguesa na Cosntrução do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2a edição, 2000.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Uma leitura do livro O Crisântemo e a Espada a partir da construção de alteridades nacionais durante a Segunda Guerra Mundial.

Ana Gretel Echazú Böschemeier. Licenciada em Antropologia, Universidad Nacional de Salta, Argentina. Pós-graduanda em Antropologia Social – UFRN, Natal - Brasil. [email protected]

Crisântemo Espada orientalismo discurso guerra nacionalismo

Introdução

O texto propõe-se pensar nas implicações éticas do trabalho antropológico à luz do livro O Crisântemo e a Espada, da antropóloga norte americana Ruth Benedict, editado no ano 1946. Se fará uma reflexão sobre os pressupostos teóricos da autora e suas implicações políticas, à luz da análise critico da produção sobre Oriente proposto por Edward Said1. Se fará uma reflexão sobre a repercussão ética e prática desses traços no nosso presente de atuação professional latino americana.

Resultados e Discussão Ao contrário das monografias exemplares onde a descrição ordenada dos dados faz parte essencial da argumentação, o livro de Ruth Benedict apresenta os dados empíricos misturados com a análise teórica na forma de ensaios, de leitura simples, que compõem os treze capítulos do volume. É um texto dirigido sob encargo a um publico especifico de leitores, o serviço de inteligência dos Estados Unidos. Nele, ela reflexiona sobre a cultura japonesa a partir de entrevistas feitas a japoneses que moram nos Estados Unidos. Focaliza-se nas diferencias, abrigando o conceito de relativismo cultural e tentando, ao longo do trabalho, encontrar sistematicidade nos aspectos da cultura aparentemente isolados, descobrindo padrões globais de pensamento e comportamento. O assunto do libro é “o qué faz do Japão uma nação de japoneses” 2.

Conclusões

É interessante ler as particularidades políticas do trabalho de Benedict à luz de análises críticas da produção cultural de paises centrais. Assim, é claro que a organização discursiva do texto acha-se fixada num jogo onde nós, é, claramente, os Estados Unidos e o outro é o Japão. A pesar do esforço de aprofundamento na análise da realidade social japonesa, parece ser que os dados obtidos só confirmam a homogeneidade daquele “ser nacional”, e japonês e Japão são categorias que expressam uma mesma realidade sem fissuras nos níveis micro e macro. O pressuposto teórico de sua proposta de uma “antropologia à distancia” onde o campo encontra-se a centos de quilômetros, é que é possível aceder ao “ser japonês” através de qualquer japonês em quaisquer situação em que ele se encontre. As pessoas, a pesar da ênfase nos processos de endoculturação sublinhados pela autora, acaba se configurando como uma simples reprodutora da cultura. As implicações éticas deste tipo de trabalho têm a ver com o silenciamento das diferencias dentro das nações e a exacerbação delas na comparação nós-outros, sentando posições de alteridade cultural entre paises dentro da luta pela reordenação da geopolítica mundial acontecida na Segunda Guerra.

Agradecimentos ____________________ 1 Said, E. Orientalismo. Companhia das Letras, São Paulo. 2007. 2 Benedict, R. El cristantemo y la espada. Alianza Editorial, Madrid. 1974.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

A Criação e Legalização do Curso de auxiliar de enfermagem no Brasil:

1936 - 1949

Marianne Cardoso Batalha (PQ)

Email: [email protected]

Centro Universitário Celso Lisboa Rua Vinte e Quatro de Maio, 797 – Sampaio, Rio de Janeiro - RJ - CEP 20950-091. Palavras Chave: Enfermagem no Brasil, História da Enfermagem, Auxiliar de Enfermagem.

Introdução

A atuação da enfermagem no Brasil ocorre desde o período colonial, porém não como profissão reconhecida, surgiu como uma simples prestação de cuidados aos doentes. Esta tarefa era realizada na maioria das vezes por escravos, que nesta época trabalhavam nos domicílios. Em 1738, Romão de Matos Duarte fundou no Rio de Janeiro a Casa da Roda que posteriormente passou a ser chamada de Casa dos Expostos e que funcionava no Hospital Geral da Santa Casa.

Fig 1- Atuação da enfermagem na Casa dos Expostos, Berçário – Acervo Museu da Imagem e do Som.

Até meados do século 20, a enfermagem no Brasil era exercida por diferentes agentes, nos mais diversos níveis de formação. A situação sanitária no país era precária e o número de enfermeiras diplomadas era ínfimo. Neste sentido, fazia-se necessária à formação de profissionais com o mínimo de capacitação para cuidar dos doentes, além da necessidade de se legalizá-los. 1

Esta pesquisa é um estudo qualitativo, de cunho histórico-social a respeito da luta travada pelas líderes de enfermagem pela criação e regulamentação do curso de auxiliar de enfermagem no Brasil. Teve como objetivos descrever as circunstâncias de criação do curso de auxiliar de enfermagem no Brasil; analisar o discurso das lideranças acerca da legalização do curso de auxiliar de enfermagem e discutir as implicações da legalização do curso para o campo da enfermagem.

Resultados e Discussão Embora houvesse a necessidade de se ter auxiliares de enfermagem nos hospitais prestando cuidados aos doentes, em função do número reduzido de enfermeiras, havia um grupo de líderes da enfermagem que se opunham à criação desta nova categoria, em função de que a enfermagem poderia perder o prestígio social ora alcançado. Contudo, se a formação destes profissionais se desse sob os olhares das lideranças da enfermagem, poder-se-ia imbuí-los do habitus de auxiliar, posicionando-os dentro do campo da enfermagem, de acordo com a hierarquia da profissão. Assim sendo, o curso foi criado em 1936 pelo Hospital Samaritano em São Paulo, para atender a uma necessidade interna e, de maneira formal, na Escola Anna Nery, por Laís Netto dos Reys, em 1940, durante a sessão de encerramento da 1a. Semana da Enfermeira, na presença do Reitor da Universidade do Brasil, Sr. Raul Leitão da Cunha, para que fosse dada ao curso a legitimação necessária para o funcionamento2. Porém, somente em 1949 o curso foi legalizado pela Lei 775, que regulamentou o exercício profissional à época.

Conclusões Concluiu-se que a legitimação desta categoria era mais uma questão de tempo para acontecer e uma questão de necessidade para o país. Era melhor ter a formação deste auxiliares sob o controle das diplomadas, do que tê-los longe, sendo formados através da prática hospitalar, com pouco ou insuficiente conhecimento teórico e técnico. Para as líderes da enfermagem, a ação dos auxiliares, embora indispensável, deveria ser limitada. A legalização do curso de auxiliar de enfermagem posicionou cada agente no seu espaço, dando nova “forma” ao campo da enfermagem. ____________________ 1 Batalha, Marianne C. Curso de auxiliar de enfermagem no Brasil: criação e legalização. Dissertação de Mestrado, UFRJ, Escola de Enfermagem Anna Nery, Rio de Janeiro: 2005. 2 CEDOC/EEAN – Relatório Anual da diretora - 1940

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25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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Expedição Científica Roosevelt - Rondon

Sérgio Luiz Augusto de Andrade. (PG)

E-mail: [email protected]

UFRJ – HCTE, Prédio do Centro de Tecnologia - Bloco A - 7o andar Avenida Athos da Silveira Ramos, 149, Cidade Universitária - Ilha do Fundão Rio de Janeiro – RJ, CEP 21941-909.

Palavras-chave: expedição científica, Marechal Rondon, Rio da Dúvida, Theodore Roosevelt.

Introdução Em 1908, quando o Presidente Theodore Roosevelt, o vigésimo sexto presidente dos Estados Unidos da América terminava o seu mandato presidencial, Father Zahm, seu antigo condiscípulo e companheiro de leitura de Dante, sugeriu que se fizesse uma excursão à América do Sul. Neste momento Roosevelt não deu importância à idéia, pois estava bastante atribulado com projetos de uma viagem à África do Sul.

Porém em 1913, Roosevelt aceitou ao convite do Brasil e da Argentina de vir a América do Sul fazer conferências e decidiu que ao terminar esta tarefa iria conhecer o Amazonas através do sertão. Escreveu então para Father Zahm contando suas intenções e imediatamente obteve sua adesão ao projeto. Decidiram fazer uma expedição científica cuja finalidade seria estudar a fauna daquela região e recolher exemplares para o acervo do Museu de História Natural de Nova York.1

No Brasil, o homem que foi designado para acompanhar a expedição foi Candido Mariano da Silva Rondon, então coronel do Exercito Brasileiro. Rondon foi considerado membro da comunidade científica por suas atividades de desenvolvimento da Ciência, por suas pesquisas científicas e ter participado da Expedição Científica Roosevelt Rondon.2

Os objetivos desta pesquisa foram apresentar e divulgar a Expedição Científica, que além de recolher material para o acervo do Museu de História da Ciência de Nova York e do Museu Nacional, fez o reconhecimento do rio da Dúvida.

A metodologia de pesquisa foi do tipo bibliográfica e documental.

Resultados e Discussão Rondon só aceitou o convite de acompanhar a expedição porque verificou tratar-se de uma expedição com valor científico, pois o presidente Roosevelt era um apaixonado pelos estudos de história natural. Os espécimes recolhidos tiveram um objetivo nobre e contribuíram para que estudassem e conhecessem a geografia de uma das zonas menos conhecidas da América do Sul.

O caminho escolhido por Roosevelt foi o mais difícil, iniciou a excursão pelo maciço central do Brasil para sair do Amazonas, a via do desconhecido rio da Dúvida.

A excursão pelas selvas brasileiras forneceu uma notável coleção para o museu nova-iorquino. Roosevelt se admirava da quantidade de insetos que mordiam, picavam, devoravam, depositavam bernes e causavam sofrimentos. Teve que admitir que a vida dos trópicos era difícil e cruel.

Fig 1- Presidente Roosevelt e Marechal Rondon

Fonte: Roosevelt, Theodore. Nas Selvas do Brasil, 1943.

Conclusões Durante a expedição Roosevelt observou e aprendeu muito dos hábitos e o dia-a-dia dos índios brasileiros. Toda a expedição foi descrita por Roosevelt no livro “Though the Brazilian Wilderness”. Este livro foi traduzido por Luiz Guimarães Junior para o Português com o nome de “Nas selvas do Brasil”. Poucas pessoas conhecem esta expedição científica que muito contribuiu para o desenvolvimento de pesquisas científicas.

Agradecimentos Ao Arquivo do Exército e ao Museu do Exército. 1Roosevelt, Theodore. Nas selvas do Brasil. Serviço de Imp. Agrícola, Min. da Agricultura, Rio, 1943. (Biblioteca do IHGB) 2 Pillar, Olintho. Os Patronos das Forças Armadas. Coleção Taunay, BIBLIEX, Rio de Janeiro, 1981.

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MEDITAÇÃO E STRESS

Autores: *Luciana Pucci Santos (PG) [email protected] Luís Alfredo Vidal de Carvalho (PQ) Ricardo Wagner (PQ) *Rua Sá Ferreira n. 228 ap. 121 – Copacabana – Cep: 22.071-100 – Rio de Janeiro Palavras Chave: Meditação, Stress, Filosofia Milenar Oriental

Introdução

A sociedade do século XXI possui como características: fronteiras abertas a novas formas de comunicação, uma nova ordem geopolítica (globalização), tecnológica (computação em rede aberta, centrada no usuário) e organizacional (mercado global, aberto e competitivo), e ainda, devido as revolução ocorridas nas últimas décadas promotoras da imersão em um novo paradigma comportamental, um ambiente econômico rapidamente mutável. Estas mudanças ultrapassam a capacidade de compreensão das pessoas e as assoberbam. Havendo também uma verdadeira revolução da indústria da solução fácil e ao alcance da mão - controle remoto, comida congelada, telefone com memória, vidros elétricos – afinada com novos modelos: just in time, turn key, dowsizing, empowerment, reengenharia; tende a atender a uma espécie de demanda por saídas mágicas que resolvam tudo rapidamente e sem muito esforço. O tempo deveria sobrar, mas parece faltar ainda mais. Entretanto, apesar das aparentes simplicidades apregoadas em pequenos livros, manuais e seminários consumidos avidamente, por trás de cada formulação original, escondem-se concepções, elaborações e estratégias sob medida que freqüentemente, pela falta de tempo dos profissionais, diretores, gerentes e chefes em geral, distancia as informações mais consistentes, produzindo a sensação de que o caminho a ser seguido por todos já está traçado. Porém, é como se diz, “o fato de que várias pessoas compartilhem vícios semelhantes não os transforma em virtudes”. Outro elemento preponderante é a facilidade do uso da palavra crise que deflagra um cenário onde muitas dificuldades são não apenas produzidas, mas mesmo induzidas, pelo próprio “mercado das soluções”. Isto significa que freqüentemente, o esquema imposto a alguns grupos de profissionais tende somente a agravar a situação, sufocando a criatividade, afastando as forças vivas, anulando as iniciativas, desperdiçando recursos e oportunidades. Sem entrar neste ponto em discussões do modelo econômico imposto pela hegemonia de alguns países, nem no conseqüente realinhamento mundial que estreita a autonomia dos estados nacionais, não se pode ignorar que a adoção da análise restrita à idéia de crise – em qualquer situação – tende a simplificar exageradamente a realidade.

Ao mesmo tempo, porém, uma situação inserida num quadro de caráter global enfatiza a impotência privada – individual ou coletiva – diante até da própria existência. Paralelamente se alardeiam as incompetências e obsolescências do Estado e seus representantes, cujos procedimentos, além de tudo, estariam corrompidos. Ou seja, a simplificação das explicações se vê emoldurada por um cenário de desamparo e falta de alternativas, seja a nível individual, seja coletivo, seja público, seja privado. Apesar disso, se é verdadeiro que em nível macro, mundial, se está vivendo um momento fantástico e crítico – revolução tecnológica, desemprego estrutural, etc. – cujos desdobramentos são ainda desconhecidos, a nível micro, o cotidiano oferece especificidades que não podem ser ignoradas. Suponha-se que se observe à realidade no dia-a-dia de uma grande empresa, será visto que internamente há grandes e pequenas diferenças entre seus subgrupos. Explicando melhor: diante de condições gerais semelhantes, cada grupo se organiza, se posiciona e atua de forma diversa. Esta constatação indica a necessidade de se atentar para as forças internas que se interagem, e produzem mobilizações, indiferenças, apatias ou envolvimentos, enfim, comportamentos que podem agir contra ou a favor da realização do próprio projeto coletivo. Ao mesmo tempo, a forma como cada pessoa vive seu cotidiano afeta, muito especialmente, o próprio indivíduo, sua saúde e sua vida, inclusive, o lado profissional. A resposta orgânica provocada por esta situação, caracteriza a luta por uma adaptação, acarretando padrões eletroquímicos no corpo humano, de ordem física e/ou emocional, que qualificam o estado de estresse (stress). Entretanto, os relatos preliminares das recentes pesquisas desenvolvidas nas novas estratégias de tratamento das desordens da ansiedade, têm sugerido grandes benefícios no emprego de cada uma das novas abordagens da medicina mente/corpo. Apesar de várias das investigações apontarem benefícios de longo prazo, muitas pesquisas adicionais são ainda necessárias para confirmar estes resultados. Apesar disso, estudos científicos independentes sobre ensinamentos da Filosofia Milenar Oriental, e especificamente com relação à abordagem da meditação da plena atenção (mindfulness, ou Vipassana), sugerem um grande potencial de aplicação desta prática como uma intervenção clínica em psicoterapia para redução das desordens da ansiedade.

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Neste sentido, o presente artigo, que é parte de uma pesquisa de doutorado que está sendo desenvolvida no HCTE/UFRJ, e tem como objeto de estudo o estresse (stress) sob a problemática de seu gerenciamento, objetiva estudar este valor potencial da meditação como uma intervenção clínica em psicoterapia para redução do estresse. Este objetivo será abordado a partir de algumas indagações oriundas do surgimento da meditação no contexto clínico para o tratamento de uma ampla gama de problemas de saúde mental relativas a sua compatibilidade com as abordagens e metodologias ocidentais como: A meditação mindfulness conduz para o aprimoramento no ajustamento psicológico? Como comparar a prática de meditação indiana com terapias ocidentais? A meditação oferece acesso a dimensões da experiência humana que são basicamente intocadas pela terapia ocidental? Há um lugar para a prática espiritual num contexto terapêutico? Numa tentativa de se dirigir a estas indagações, o presente estudo examinou e comparou a meta-teoria do Budismo e da psicologia clínica. Tendo sido revisados artigos que comparam as técnicas de meditação mindfulness e da associação livre, discutindo as possíveis complicações que poderiam surgir ao adotar a meditação num contexto terapêutico. A metodologia de pesquisa adotada neste estudo constitui-se de pesquisa bibliográfica que fora articulada por: a) Pesquisas Teóricas, que possibilitou conhecer as especificidades da meditação e da abordagem terapêutica ocidental; b) Pesquisas Descritivas, facilitadoras da revisão dos artigos que comparam as técnicas de meditação com psicoterapias para o stress e c) Pesquisas Analíticas e Correlacional, precursoras da identificação do valor clínico da meditação examinado a partir de um amplo espectro clínico. Os critérios de seleção dos artigos científicos levantados levaram em consideração os seguintes aspectos: i) Livros e Artigos publicados em revistas indexadas a partir de 1990; ii) Investigações concluídas; iii) Programas de intervenção baseados na meditação da plena atenção (mindfulness / Vipassana). O levantamento bibliográfico na Internet foi conduzido nas seguintes bases de dados: Medline, PsychInfo including Digital Dissertations, Psyndex Plus, Web of Science, Science Citation Index e Cochrane Library. Nestas bases de dados, foram buscadas as ocorrências das seguintes palavras-chave: mindfulness, Vipassana, insight meditation, stress reduction e mind/body.

Resultados e Discussão Uma vez que as pessoas podem, em qualquer momento, se deparar com uma combinação interna e externa de estressores, que por sua vez, desencadeiam uma cascata de sentimentos e comportamentos chamados de “Reação Automática ao Estresse”, a meditação mindfulness permite aos indivíduos considerar um novo caminho quando se confrontam com os estressores, o qual foi

denominado por Kabat-Zinn (1991) de “Resposta ao Stress”’ em distinção à primeira definição. Esta resposta meditativa é uma alternativa saudável à reação automática ao estresse, e que representa o modo adaptável ou saudável, enquanto as estratégias comuns de enfrentamento às reações automáticas ao estresse, em contraste, são tentativas mal adaptadas de combatê-la. Com a prática da meditação mindfulness, o indivíduo não tem mais que seguir pelo caminho da reação de luta ou fuga nem pelo caminho da impotência, sempre que está estressado, pois a consciência momento-a-momento adquirida por esta pratica meditativa, permite o controle de si-mesmo, e influenciar o fluxo de eventos nesses mesmos momentos, quando a pessoa está mais propensa a reagir automaticamente e mergulhar em hiper-excitação e em tentativas mal-adaptadas de enfrentar o estresse. A prática do processo de meditação mindfulness pode ainda reduzir os graus de pessimismo, de depressão e de ansiedade, comumente associados ao estresse. Permite também, observar significativo aumento da sensação subjetiva de bem-estar e redução nos níveis de tensão, devido à aptidão adquirida em desenvolver uma resposta ao estresse em lugar de uma reação automática. De acordo com a definição comum nos meios científicos ocidentais, as reações ao estresse acontecem de modo automático e inconsciente. Entretanto, com a prática da meditação mindfulness, tão logo uma pessoa toma ciência de um fato, e até mesmo quando está numa situação estressante, esta já terá interferido e mudado dramaticamente aquela situação, única e exclusivamente em virtude de não estar inconsciente de todos os fatores envolvidos e nem mais com o piloto automático ligado, como de costume. Neste momento, o indivíduo se encontra completamente presente, e senhor de si, enquanto o evento estressante estiver se desdobrando. Esta mudança de consciência pode ser extremamente importante porque dá ao indivíduo, uma variedade de opções com o intuito de influenciar o que acontecerá em breve. Trazer o foco da consciência a um determinado momento vivenciado, leva apenas uma fração de segundos, contudo pode fazer uma crítica diferença nas respostas a uma situação estressante. De fato, trazer a consciência ao presente, e para a situação, é um fator decisivo entre as duas atitudes possíveis: seguir pelo caminho inconsciente da “reação automática ao estresse” ou entre poder navegar sobre o caminho consciente da “Resposta ao Estresse” conforme apresentado na Figura 1. A obtenção da adequada “Resposta ao Estresse” depende da capacidade da pessoa permanecer centrado na consciência de “si-mesmo” no momento estressante, para reconhecer tanto o estresse da situação quanto seus impulsos para reagir, introduzindo deste modo uma dimensão nova ao contexto estressante. O indivíduo não tem que suprimir todos os seus pensamentos e sentimentos associados à intensificação da estimulação para impedir de que

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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saia do controle. Estando consciente no momento presente, facilmente poderá reconhecer estas agitações pelo que elas realmente são, sejam pensamentos, sentimentos ou sensações. Esta simples troca momentânea da reação descuidada, para o do reconhecimento atento, pode reduzir o poder da “Reação Automática ao Estresse” e sua influência sobre o indivíduo. Com a prática da meditação mindfulness, a pessoa terá a oportunidade, durante a vivencia estressante, de uma escolha muito real, a de responder de acordo com sua maior consciência, sobre o que está de fato ocorrendo. Figura 1: Estratégia de Enfrentamento ao Stress: Resposta versus Reação

Fonte: Kabat-Zinn, J. ,1991, p. 265

Conclusões

Nas últimas duas décadas, numerosas pesquisas realizadas referendaram os aspectos positivos alcançados por programas de redução de estresse baseado na plena atenção (minfulness / Vipassana). Os resultados destas pesquisas sugerem a utilidade dos programas baseados nesta prática meditativa, como um modo eficiente de intervenção para uma larga extensão de desordens e problemas crônicos. O consistente e elevado nível de efeitos positivos mensurados através de diferentes tipos de pesquisas, indicam que o treinamento na meditação minfulness - a atenção correta - pode aumentar a capacidade de lidar com o distress e as deficiências na vida diária, assim como em condições extraordinárias de desordens sérias ou estresse. Entretanto, o já avançado estágio de desenvolvimento alcançado pelas pesquisas científicas sobre os benefícios da meditação, sugere o uso independente desta prática milenar budista de meditação para uma ampla diversidade de problemas mentais e psicopatologias, seja a partir de uma abordagem seqüencial ou simultânea. Contudo, é sugerida atualmente, a ampliação dos escopos de pesquisa para aplicação em uma escala maior, para confirmar de modo inequívoco, o potencial promissor do treinamento em meditação como intervenção terapêutica para o estresse, dada a evidência dos benefícios demonstrados por resultados consistentes em muitos dos vários estudos já realizados. Até o momento, a literatura científica parece tender claramente a dar suporte à afirmação de diversos pesquisadores de que a meditação minfulness (Vipassana) - da plena atenção - constitui atualmente no mundo ocidental, uma nova e muito promissora abordagem terapêutica para o gerenciamento do stress, ainda que já tivesse sido ensinada pelo próprio Buda, a mais de 2.500 anos atrás.

Agradecimentos Ao HCTE/UFRJ por seus esforços no difícil caminho da produção de conhecimento acadêmico-científico, permitindo e favorecendo estudos no campo das Teorias da Mente. Ao professor Dr. Luís Alfredo Vidal de Carvalho, pelas valiosas orientações e esclarecimentos. Ao professor Dr. Ricardo Wagner, pelas meditativas recomendações. Use o espaço abaixo para referências, seguindo o estilo indicado. ____________________ Arantes, M. A. de A. C.; Vieira, M. J. F. Estresse. São Paulo: Casa do Psicólogo – Coleção Clínica Psicanalítica: 19 / dirigida por Flávio Carvalho Ferraz, 2002. Baer, R. A. Mindfulness training as a clinical intervention: a conceptual and empirical review. Clinical of Psychologic, v. 10, p.125– 43, 2003. Carlson, L.E.; Ursuliak, Z.; Goodey, E.; Angen, M.; Speca, M. The effects of a mindfulness meditation-based stress reduction program on mood and symptoms of stress in cancer outpatients: 6-months follow-up. Support Care Cancer, v. 23, 2001. Dienstfrey, H. Onde a Mente Encontra o Corpo. Círculo do Livro, 1990

Sistema Cardiovascular,Músculo-esquelético, Nervoso, Imunológico

Entre outros....

Eventos

Estressantes Internos

Reação ao Estresse Hipotálamo

Pituitária Adrenais

Internamente: Inibição da

Reação

Percepção avaliada

Luta ou Fuga

Eventos Estressantes

Externos

Estratégia de Enfrentamento Mal Adaptada

Desre-gulação:

Estimulação hiper-ativa crônica: Hipertensão arterial, Arritmias, Desordens do Sono, Dor crônica de cabeça e nas costas Ansiedade Colapso Depend

ência a Substâncias: Drogas Álcool Cigarros Cafeína Comida

Exaustão Física e Psicológica, Depressão, Perda de energia, do entusiasmo, Predisposto a desenvolver doenças genéticas Ataque do coração Câncer

Comportamentos Auto-Destrutivos:

Resposta ao Estresse

Hipotálamo Pituitária Adrenais

Meditação da Plena Atenção (Mindfulness) pensamentos, sentimentos e percepção consciente das ameaças e relaxamento.

Possível estimulação, mastambém uma consciênciado corpo: da tensãomuscular, da respiração. Consciência do contextoemocional inteiro –focalizando estratégiaspara o problema –focalizando estratégias doobservador de novasopções de recuperação doequilíbrio mental e dahomeostase, tranqüilidadee equilíbrio da mente.

Estimulação hiper-ativa aguda:

Pressão Sanguínea Pulsação

Trabalhar compulsivamente Hiper-atividade Alimentação exagerada

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 3

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Epstein, M. Attention in analysis. Psvchoanalysis Contemporane Thought, v. 11, p.171-189, 1988. Freud, S. (1912) Recommendations to physicians practicing psychoanalysis. Standard cd, Vol. 12, London, Hogarth Press, 1955. Goleman, D.; Gurin, J. Equilíbrio Mente Corpo: Como usar sua mente para uma saúde melhor. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997. Grossman, P.; Niemann, L.; Schmidt, S.; Walach, H. Mindfulness-based stress reduction and health benefits: A meta-analysis. Journal of Psychosomatic Research, v. 57, 2004. Janaka, U.S. Vipassana Meditation Course: Series of Eight Talks. Disponível em: http://www.budsas.org/ebud/vipass/vcourse0.htm. Acessado em 01/01/2007. Jung, C. G. Psicologia e Alquimia. v. XIIc, Estudos Psiquiátricos. Obras Completas. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1991. Kabat-Zinn, J. Full Catastrophe Living: Using the Wisdom of Your Body and Mind to Face Stress, Pam, and Illness, New York, Delacorte, 1991. Kabat-Zinn, J, Massion, A.O, Kristeller J. et al Effectiveness of a meditation-based stress reduction program in the treatment of anxiety disorders. American Journal of Psychiatry, v. 14, p. 936-943, 1992. Selye, H. Stress: a Tensão da Vida. São Paulo: Instituto Brasileiro de Difusão Cultural, 2ª edição, 1965. Teasdale, J.D.; Segal, Z.V.; Williams, J. M. G.; Ridgeway, V. A; Soulsby, J. M.; LAU, M.A. Prevention of relapse/recurrence in major depression by mindfulness-based cognitive therapy. Jounal of Consult Clinical Psychological, v. 68, p.615– 23, 2000.

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 4

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

O materialismo de Holbach e a química moderna

Robson Jorge de Araújo1 (FM)

1. Rua Desembargador Alarico Barroso, 372/101. Belo Horizonte, MG. CEP.: 31310-380. [email protected] Palavras-chave: materialismo, Holbach, Lavoisier, história da química, flogisto.

Introdução

O problema que proponho discutir nesta comunicação é a contribuição do materialismo do século XVIII para o surgimento da química moderna. Meu objetivo é apresentar uma reflexão histórico-epistemológica, demonstrando o quanto impregnada está a obra científica de Lavoisier desse materialismo. Creio que esta apresentação mostrará vínculos entre filosofia e química, principalmente nas transições conceituais, como uma subestrutura filosófica, segundo Koyré, que os historiadores das ciências geralmente não mencionam em suas obras.

Resultados e Discussão Para fundamentar o trabalho, utilizei a obra

principal de Holbach, Système de la nature, apontando elementos do seu pensamento que aparecem no método de trabalho do químico francês. Embora os estudiosos não tenham encontrado, na Biblioteca de Lavoisier, nenhuma obra de Holbach e, apesar de os dois nomes nunca aparecerem explicitamente ligados por algum motivo, pretendo demonstrar que o pensamento lavoisiano e o materialismo holbachiano relacionam-se dinamicamente, sem que um dependa do outro. Apesar desta impossibilidade de costurar estritamente os trabalhos de Holbach e de Lavoisier com elementos históricos, isso não nos impede de relacionar os aspectos epistemológicos de ambos. Dessa forma, creio que a história da ciência é que ganha com este trabalho de aproximação entre a filosofia e a química, entre Holbach e Lavoisier.

Conclusões Sustento a idéia de que foi necessário um

processo filosófico paralelo para orientar as mudanças conceituais da química que surgia na segunda metade do século XVIII e de que desvelar essa subestrutura, não em nome da ciência ou em nome da razão, avaliará melhor a construção e a compreensão do conhecimento científico, como desejava Koyré.

O naturalismo, com o trabalho de Holbach, passou a fornecer um modus operandi para uma revolucionária forma de pensar a natureza e a química.

A substituição da forte teoria do flogisto, ligada ao pensamento metafísico da época, por um

modelo quantitativo e de linguagem moderna, associado ao materialismo de Holbach, implicou a reformulação dos princípios básicos da química. É na obra Système de la nature1, principalmente nos pontos em que afirma, veementemente, que, para apreender os fenômenos naturais, bastavam a razão e a natureza, e que as leis da razão devem ser idênticas às leis da natureza, que encontramos a contribuição e a orientação filosófica mais relevante para o trabalho científico de Lavoisier. ____________________ 1HOLBACH, Paul-Henri Thiry D’. Système de la nature ou Des loix du monde physique et du monde moral. Edição 1781. Paris: Fayard, 1990.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Uma empreitada pioneira na Física no Rio de Janeiro: A Escola de Ciências da Universidade do Distrito Federal.

Glads Maria D’ Elia Sampaio 1,2 ,(PG)Nadja Paraense dos Santos1 (PQ) 1 HCTE/IQ - UFRJ, Rio de Janeiro, RJ; 2 Colégio Pedro II ,Rio de Janeiro, RJ * [email protected] Palavras Chave: Historia da Física, Escola de Ciências, Universidade do Distrito Federal.

Introdução Nas primeiras décadas do século XX havia uma

preocupação de um grupo de intelectuais com o desenvolvimento da Ciência no Brasil e o papel da universidade. Em 1935 é criada a Universidade do Distrito Federal (UDF) pelo Diretor Geral da Instrução do RJ, Anísio Spínola Teixeira (1900-1971), como parte de seu projeto de reforma do sistema educacional. Na Escola de Ciências da UDF o primeiro diretor Roberto Marinho de Azevedo (?-1962) convidou o jovem Físico Bernhard Gross (1905-2002) para organizar o curso de Física.

Este trabalho é parte do estudo que pretende levantar dados e analisar o papel da Escola de Ciências da UDF na consolidação da pesquisa e ensino de Física no Rio de Janeiro.

Resultados e Discussão A criação da UDF foi uma conquista do Partido

Autonomista que elegeu o primeiro prefeito da cidade do Rio de Janeiro, o médico Pedro Ernesto Batista (1884-1942). A UDF representava um setor da sociedade que avaliava que a universidade iria “propagar as aquisições das ciências e encorajar a pesquisa científica”1. Muitos de seus professores eram membros da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e defendiam uma visão totalmente nova da organização da vida universitária e da própria natureza da atividade científica.

Sem salas e laboratórios próprios, a UDF contou com o entusiasmo de seus professores e com a generosidade de outras instituições através o empréstimo de instalações. A organização do curso de Física ficou sob a responsabilidade de Bernhard Gross, pesquisador alemão, que na época também trabalhava no Instituto Nacional de Tecnologia (INT), local onde eram ministradas as aulas de Física teórica. As aulas de Física experimental, sob a responsabilidade do professor Joaquim Costa Ribeiro (1906-1960), eram ministradas no Laboratório de Física da Escola Politécnica da Universidade do Rio de Janeiro, atual UFRJ. O Instituto de Educação, antiga escola Normal do Distrito Federal, foi incorporada pela UDF, tornando-se um centro para a formação profissional do mestre. Na Escola Secundária deste Instituto o professor Adalberto Menezes de Oliveira (1883-

1974) era o catedrático de Física. As dificuldades materiais eram muitas, mas os maiores obstáculos para a UDF foram os adversários políticos de Pedro Ernesto e os setores conservadores da Igreja católica, que já vinham travando um embate ideológico com os defensores da Escola pública laica e gratuita.

Figura 1. Instituto de Educação da UDF.

Conclusões A criação do curso de Física na UDF representava, entre outros pontos, as aspirações de uma gama de intelectuais na década de 1930. A nomeação de Francisco Luis da Silva Campos (1891-1961) para a vaga aberta pela renúncia de Anísio Teixeira, em dezembro de 1935, iniciou o processo de desestruturação da UDF. O então Ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema alegando questões de caráter técnico-legislativas, além da necessidade de uniformização e padronização do ensino superior por parte da União, extinguiu em 1939 a UDF, incorporando seus cursos a Universidade do Brasil.

O curso de Física da UDF foi interrompido e modificado, sendo seus alunos e professores absorvidos pela Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil, atual UFRJ.

Agradecimentos Agradeço ao Prof. Antonio Augusto P. Videira pela

sugestão do tema de pesquisa, a Prof.ª Heloisa Helena Meirelles do ISERJ e a Equipe do PROEDES que permitiram a pesquisa nos documentos da UDF. ____________________ 1 Decreto n.5513, de 4 de abril de 1935

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

O experimento de Fizeau de 1851 e o éter luminífero

Roberto A. Pimentel Jr.1(FM/PG)

Colégio de Aplicação (CAp-UFRJ) rua J. J. Seabra, s/nº Lagoa. E-mail: [email protected] Palavras Chave: história da Física, éter, velocidade da luz, Fizeau.

Introdução

Graças à descoberta do fenômeno da interferência luminosa, o início do século XIX reviveu o debate sobre a natureza da luz, levando paulatinamente à aceitação do modelo ondulatório em detrimento da teoria da emissão (modelo corpuscular). A necessidade de imaginar um meio material – o éter luminífero – no qual a onda luminosa se propaga e a multiplicidade de fenômenos de que ele precisava dar conta obrigou os cientistas da época a uma série complexa de considerações sobre a natureza deste meio e sua relação com a matéria ordinária. Neste processo diversos modelos de éter surgiram. O trabalho de Fizeau de 1851 constitui uma tentativa de responder experimentalmente a questão de qual modelo de éter está correto. Os resultados por ele obtidos e seus pressupostos epistemológicos são aqui discutidos.

Resultados e Discussão Fizeau percebeu que os modelos de éter até então propostos podiam ser agrupados em três tipos, segundo a relação do éter com a matéria ordinária no interior de corpos transparentes. Nestes modelos ou bem (1) o éter estaria como que fixo às moléculas dos corpos, e partilharia com eles de seu movimento; ou bem (2) o éter é livre e independente, não sendo afetado pelo movimento das moléculas dos corpos; ou, finalmente, (3) uma parte do éter é livre e uma parte como que fixa às moléculas dos corpos. Utilizando métodos interferométricos, Fizeau foi capaz de propor um experimento para determinar a variação do índice de refração, e, por conseguinte, da velocidade da luz, de um meio transparente, inicialmente em repouso e a seguir em movimento em relação ao observador.

Figura I. Montagem experimental de Fizeau.

Os resultados estão consistentes com o terceiro modelo, corroborando a lei do arrasto parcial elaborada por Fresnel a partir da análise do fenômeno da aberração estelar. Apesar da maestria experimental de Fizeau e dos resultados inquestionáveis, ele não é capaz de defender inequivocamente o modelo de Fresnel para o éter, talvez em virtude da permanência de uma imagem mecânica de éter cujo funcionamento – “mecanismo” – fosse claro. Tal dificuldade conceitual se verá presente mesmo nos trabalhos de cientistas muito posteriores, até a primeira metade do século XX.

Conclusões Fizeau propõe originalmente seu experimento como um experimentum crucis, destinado a decidir qual modelo de éter está de acordo com a forma como a luz se propaga em meios materiais transparentes em movimento relativo. O resultado é claramente favorável ao modelo de Fresnel, porém Fizeau admite achá-lo conceitualmente tão estranho que clama por outras evidências e exames antes de defendê-lo como uma representação da realidade dos fenômenos.

____________________ Camel, T. de O. Entre o Discreto e o Contínuo: os Átomos de Éter. Tese – Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE. Rio de Janeiro: 2004. 2 Fizeau, H. Sur les Hypothèses Relatives à l'Éther Lumineux, Annalles de Chimie et de Physique., 3e série, t. LVII, p. 385-403. Paris: Académie des Sciences. 1859.

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s e das Técnicas e Epistemologia 1º Congresso de História das Ciência – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

DARWIN, WALLACE E A EVOLUÇÃO DA MENTE HUMANA

Lucio Ferreira Alves (PG)

HCTE/UFRJ

[email protected]

Rua Conde de Bonfim 568/201 Rio de Janeiro/RJ

Palavras-chaves : Darwin, Wallace, evolução, ética., mente humana

Introdução Em 1º de junho de 2008, a comunidade acadêmica, ou pelo menos parte dela, comemorou os 150 anos da leitura na Linnean Society, do que viria a ser conhecida como teoria da seleção natural. Proposta de maneira independente por Charles Darwin e Alfred Wallace, ela é considerada a única teoria científica capaz de explicar a complexidade e a origem dos seres vivos. Então, por que nome Darwin aparece sempre à frente enquanto que o de Wallace vem quase sempre em segundo plano, como uma espécie de apêndice ao de seu colega? Neste trabalho, eu sugiro que as razões podem ser encontradas nas diferenças de opiniões entre eles e, principalmente, no que diz respeito à origem da mente humana.

Resultados e Discussão Apesar de terem sido os responsáveis por uma das idéias mais revolucionárias da história da biologia, as divergências entre esses dois homens eram profundas, inclusive no que diz respeito a própria teoria que elaboraram. Em 1871, Darwin escreveu The Descent of Man and Selection in Relation to Sex1, livro no qual introduz na literatura científica a teoria da seleção sexual e a questão da evolução da moral através da seleção natural. Um ano mais tarde, ele publicou The Expression of Emotions in Man and Animals2 para mostrar como os animais e os seres humanos expressam da mesma maneira uma série de sentimentos, tais como raiva, culpa, alegria, tristeza, etc. No princípio, Wallace aceitou o papel da seleção natural na origem da moral e escreveu: “É a luta pela sobrevivência, (...) que exercita as faculdades morais e desperta as latentes centelhas da genialidade”3. Mais tarde, ele mudou drasticamente de opinião. Para ele, deveria haver uma inteligência superior responsável pelo hiato entre os homens e

1 Darwin, C.R. The Descent of Man and Selection

in Relation to Sex. Princeton, Princeton University Pr ss, [1871], 1989. e2 Darwin, C. R. The Expression of Emotions in Man and Animals, [1872], 1965, Chicago, The University of Chicago Press. 3 Wallace, A.R. Viagem aos Rios Amazonas e Negro, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, [1889], 1972, p. 89.

os animais inferiores e por dotar aqueles do senso de ética e moral4. A partir de 1975, a hipótese de Darwin ganhou um novo impulso com a publicação de uma série de livros de livros e artigos que sugerem que as questões éticas e morais evoluíram a partir dos conflitos de interesses que existem devido às nossas diferenças genéticas. Esses dados baseiam-se em estudos realizados com o altruísmo parental e com o altruísmo recíproco em seres humanos5

Os cientistas puderam também mostrar que primatas não humanos são capazes de se organizarem em grupos para atacar grupos rivais, exibirem hostilidade contra forasteiros, mas também ajudam seus companheiros em situações de perigo, alimentam jovens órfãos, compartilham alimentos com membros do grupo, etc. o que sugere que essas características não são exclusivas da nossa espécie6.

Conclusões Em mensagem que dirigiu à Academia de Ciências do Vaticano, o Papa João Paulo II, afirmou que em vez de uma teoria da evolução, deve-se falar de outras hipótese opostas e várias teorias da evolução. Por ‘outras hipóteses opostas’ e ‘várias teorias da evolução’ entende-se, é claro, o criacionismo. Ao mesmo tempo, ele foi categórico ao afirmar que as teorias da evolução que consideram a mente como originária da matéria viva, são incompatíveis com a dignidade do homem7. Para muitas pessoas, incluindo diversos biólogos, aceitar a hipótese de que nosso comportamento social tenha evoluído através da seleção natural, reside na conclusão errônea de que ele é fixo e, portanto, imutável. É o que o filósofo Daniel Dennett chamou de A Idéia Perigosa de Darwin8.

4 Wallace, A.R. The Limits of Natural Selection as Applied to Man. Alfred Russell Wallace Page 1871. Acessado em 14/08/01. 5 Alexander, R. The Biology of Moral System, New York, Aldine, 1989. 6 De Waal, F. Eu, Primata, Rio de Janeiro, Companhia das Letras, Rio de Janeiro, 2007. 7 John Paul II. The Pope’s Message on Evolution and four Commentaries. Q. Rev. Biol., 72, 377, 1997. 8 Dennett, D. Darwin’s Dangerous Idea, New York, Simon & Schuster, 1995.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Sobre as noções de ‘analítico’ e de ‘sintético’ em Kant e Leibniz

André Vinícius Dias Senra* (PG)1, Ricardo Silva Kubrusly (PQ)2, *[email protected] 1 UFRJ, Prog. História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia, Inst. de Química, Centro de Tecnologia, Bloco A, 7° andar, Cidade Universitária, Rio de Janeiro, RJ, 21941-590, Brasil. 2 UFRJ, Departamento de Métodos Matemáticos – Inst. de Matemática, Centro de Tecnologia, Bloco C, térreo, Cidade Universitária, Rio de Janeiro, RJ, 21945-970, Brasil; Prog. História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia. Palavras Chave: analítico, sintético, necessidade, contingência.

Introdução As noções de ‘analítico’ e de ‘sintético’, formuladas nestes termos por Kant, indicam um problema que se encontra na origem de todo conhecimento filosófico, que é a questão sobre o inteligível e o sensível, respectivamente. Na tradição filosófica, desde a Grécia antiga, sempre houve pensadores que procuraram orientar suas obras no sentido da compreensão que tinham acerca dessas noções. No entanto, Leibniz e Kant transformaram estas noções na temática principal de suas filosofias, e puderam, com isto, clarificá-las melhor do que outros. A aproximação teórica entre esses autores não é uma conjectura. Tanto que Kant chegou a escrever um manuscrito, apresentado na Academia Prussiana de Ciências, onde analisou as metafísicas de Leibniz e Wolff. Um dos objetivos deste trabalho é o de verificar, através dessas noções, em que sentido ainda é possível a defesa, em fundamentos da lógica, de uma filosofia pura. Um outro objetivo é retomar a discussão sobre os pressupostos fenomenológicos de Leibniz e Kant.

Resultados e Discussão Segundo Kant, os conhecimentos humanos podem ser de dois tipos, a saber, os racionais e os históricos. O saber racional é fundado a partir de certos princípios puros alcançados por dedução. O saber histórico é derivado da experiência. Os conhecimentos racionais são necessários e a priori. Os conhecimentos históricos são contingentes e a posteriori. Os conhecimentos racionais são analíticos e os conhecimentos históricos são sintéticos. Pode-se concluir que é analítico, quando um conhecimento é baseado no princípio lógico da contradição, que estabelece que nada se indica acerca do sujeito que já não esteja contido em seu conceito, o que pode ser obtido por pura análise. Por sintético, deve-se compreender um conhecimento não obtido pela análise, ou seja, acrescenta um predicado ao sujeito. Obviamente, a distinção entre as noções de analítico e sintético, resultou na discussão que atravessou todo o período moderno, que é o debate entre o Racionalismo e o Empirismo. Esta divisão kantiana já havia sido proposta, anteriormente, por Leibniz. Na Monadologia, Leibniz diz que existem dois tipos de verdades: as verdades de razão e as verdades de fato. O objetivo de Leibniz era constituir uma

mathesis universalis, ou seja, um conjunto de disciplinas formais que pudessem ser agregadas com o propósito de instaurar um fundamento geral da Razão. Na condição de racionalista, Leibniz tinha como objetivo formal de sua filosofia, estabelecer uma ciência que ultrapassasse os limites da física e pudesse lhe servir de base racional. Para tanto, Leibniz precisou distinguir como seria o modo de organização das idéias para definir qual seria a origem do conhecimento. Esta idéia de Leibniz acabou se tornando o projeto filosófico da Crítica da Razão Pura. No entanto, a discussão de Kant envolve a idéia de representação, a de Leibniz, não. Leibniz considerava que era impossível abordar o problema do conhecimento a partir da tematização da idéia de subjetividade. As análises leibnizianas estavam voltadas para a elucidação objetiva e conceitual das ciências racionais. De modo que o sistema filosófico de Leibniz pretendeu fundar o conhecimento a partir da categoria do Entendimento, ou seja, cuja validade encontra-se restrita aos princípios puros. Após as críticas de Hume ao Racionalismo, Kant conclui ser impossível a fundação objetiva do conhecimento, sem a consideração aos aspectos intuitivos em sentido empírico. Kant percebe que toda a discussão filosófica do conhecimento não teria fim, se não houvesse uma maneira de conciliar em uma mesma base o sensível e o inteligível.

Conclusões Com o propósito de levar o projeto de constituição de fundamento da Razão, Kant precisou, primeiramente, recusar todas as ‘disputas metafísicas infindáveis’. E ainda que soubesse que falte à Sensibilidade um modo de sistematizar o conhecimento, contudo, não se podia validar totalmente, os esquemas idealistas. Segundo Kant, é impossível pensar nesta base geral, que era pretendida por Leibniz, sem a unificação de um sistema que promova um conhecimento intuitivo (sintético) e conceitual puro (analítico).

Agradecimentos À comunidade acadêmica do HCTE. __________________ 1 Kant, I. Crítica da Razão Pura, trad. Alexandre Morujão e Manuela Santos, Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1989. 2 Leibniz, G.W. Os Princípios da Filosofia ditos A Monadologia, trad. Marilena Chauí, São Paulo, Abril Cultural, 1979.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Observações sobre o método fenomenológico de Edmund Husserl

André Vinícius Dias Senra* (PG)1, Ricardo Silva Kubrusly (PQ)2, *[email protected] 1 UFRJ, Prog. História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia, Inst. de Química, Centro de Tecnologia, Bloco A, 7° andar, Cidade Universitária, Rio de Janeiro, RJ, 21941-590, Brasil. 2 UFRJ, Departamento de Métodos Matemáticos – Inst. de Matemática, Centro de Tecnologia, Bloco C, térreo, Cidade Universitária, Rio de Janeiro, RJ, 21945-970, Brasil; Prog. História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia. Palavras Chave: eidos, epoché, transcendental

Introdução O propósito deste trabalho é apresentar, em linhas gerais, como a fenomenologia husserliana, enquanto método filosófico para a teoria do conhecimento, encontra-se orientada. De um ponto de vista histórico e, ao mesmo tempo, material e objetivista, a questão do método tornou-se central a partir da época moderna, com o desenvolvimento da ciência e a sistematização do conhecimento. Isto incluiu um predomínio dos modelos matemáticos como modo de garantir determinismo e previsibilidade à pesquisa científico-natural. Filosoficamente, pode-se afirmar que a idéia do método dependeu, não só de um progressivo afastamento dos temas teológico-medievais nas questões de conhecimento, mas, antes, de um ‘recuo reflexivo’ em relação ao sujeito, ou ainda, da separação do sujeito em relação ao ambiente. Na tradição filosófica, os domínios da Sensibilidade e do Entendimento sempre foram tematizados a partir de certa cisão que dificultou o desenvolvimento histórico da Filosofia. O método de Husserl propõe um modo de unificar esses domínios, e com isto oferecer uma base fundacional geral, válida tanto para a Filosofia quanto outros saberes racionais que necessitem da justificativa filosófica.

Resultados e Discussão O problema abordado neste trabalho é antigo e repleto de controvérsias na história da filosofia. Uma primeira tentativa de resolução foi dada por Kant, embora sua justificativa epistemológica apresentasse uma resposta negativa em relação à possibilidade da Filosofia enquanto ciência de rigor. Contrariamente à posição teórica de Kant, a resposta de Husserl é afirmativa. Husserl censura a resposta de Kant, porque este não teria compreendido o real sentido da fenomenologia, e isto porque não conseguiu clarificar um método para sua filosofia crítica a partir da distinção transcendental da lógica pura. Ainda que a fenomenologia husserliana esteja comprometida com determinada concepção acerca da subjetividade, no entanto, isto deve ser compreendido como algo programático em seu método. Neste sentido, Husserl estaria retomando certo aspecto inacabado da filosofia de Frege, ou seja, se os objetos ideais podem ser conhecidos, logo, não é a subjetividade empírica quem poderá

justificá-los. A fenomenologia de Husserl pretende oferecer à Filosofia a possibilidade de tornar-se Ciência. Desse modo, o termo ‘fenomenológico’ não pode ser associado a uma concepção subjetivista, mas à condição de possibilidade para fundação filosófica do conhecimento. Por subjetivismo, se entende qualquer doutrina que defenda que a apreensão dos pensamentos seja um problema psicológico. A argumentação de Husserl mostra que se os saberes racionalistas encontram na Filosofia um modo válido e objetivo de justificativa teórica e conceitual, esta disciplina deve pretender ser o fundamento para a racionalidade em geral.

Conclusões Husserl entende que a Filosofia possui método e objetos próprios. E o método filosófico deve ser o fenomenológico. Ao contrário do que sustentaram Popper e Wittgenstein que alegavam que não existiam problemas filosóficos genuínos, Husserl considera que a Filosofia não depende de nenhum outro saber racionalista, mas que outros saberes é que dependem da Filosofia para encontrarem significação teórica. Husserl não reivindica para si o mérito de ter inventado uma filosofia, pois, considera que a história da filosofia é, tautologicamente falando, a história da fenomenologia. Assim pois, Husserl retoma os pressupostos dos trabalhos filosóficos de pensadores como Platão, Aristóteles, Descartes, Leibniz e Kant, retira o sedimento metafísico contido nestas filosofias, e procura tratar desses princípios a partir de uma consideração puramente lógica. De acordo com a interpretação de Husserl, a Filosofia não obteve êxito na tarefa de tornar-se ciência porque, historicamente, não houve condições de sistematizar um método adequado para unificar o conhecimento filosófico.

Agradecimentos Aos colegas e professores que integram a comunidade acadêmica do HCTE. _________________ 1 Husserl, E. A Idéia da Fenomenologia. Trad. Carlos Morujão. Lisboa: Edições 70, 1986. 2 Scherer, R. La fenomenología de las “Investigaciones Lógicas” de Husserl. Tradução de Jesús Díaz. Madri: Ed. Gredos,1969. 3 Cobb-Stevens, R. The beginnings of phenomenology. In: Twentieth-Century Continental Philosophy, Routledge History of Philosophy, vol. VIII, 1994.

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A Aritmética do Relógio

Rafael Tavares Juliani (PG) - [email protected]

Rua Monsenhor Jerônimo, 444 casa 1, Engenho de Dentro – Rio de Janeiro/RJ – Cep: 20730-110, Brasil. Palavras Chave: aritmética, modular, infinito.

Introdução

Em 1801 foi publicado o livro “Disquisitiones Arithmeticae” de Gauss, no qual ele apresentava seus próprios resultados em teoria dos números, assim como os de Fermat, Euler, Lagrange e Legendre. Esse livro continha um tipo diferente de aritmética, a qual é conhecida como aritmética modular. Nela, 22 mais 12 pode ser 10. Isso se essa adição for feita no conjunto dos restos da divisão por 24. Pode parecer muito abstrato, mas é um cálculo bem natural e cotidiano. Se uma pessoa, que toma remédios de 12 em 12 horas, tomar um às 22 horas, só tomará outro às 10 horas. Por isso também é conhecida como aritmética do relógio. Sendo ela tão natural e a matemática tão antiga, por que só foi estudada há pouco mais de 200 anos atrás?

Resultados e Discussão Culturas antigas como a chinesa, a islâmica e a indiana usaram algum tipo de aritmética modular, mas os gregos não. O que é curioso, pois tudo que é cíclico é passível de uma aritmética modular. As orbitas celestes, tão conhecidas por muitas civilizações, são fontes de inspiração para esse tipo de aritmética. Os gregos, dentro de suas diferentes noções de tempo, tinham uma que era a de um tempo cíclico, e no entanto, criaram uma “música das esferas”, mas não uma “aritmética das esferas”. A matemática dos babilônios e egípcios, herdada pelos gregos, não foi uma matemática mística, mas desenvolvida por questões financeiras, questões de engenharia e de organização social. Dados dessa natureza não são cíclicos, a soma deles nunca volta para o princípio (números negativos não eram usados), assim cada vez mais eram necessários números maiores, conforme fossem surgindo quantidades maiores. Assim se poderia pensar no infinito, um infinito potencial defendido por Aristóteles. Com isso, pode-se pensar na origem do infinito de uma forma diferente do que geralmente é dito: infinidade de estrelas; vida após a morte; o horizonte nunca alcançado; espaço e tempo infinitamente divisíveis. Este último, talvez pelo mesmo motivo: a necessidade. Independente da necessidade, os homens desejam estar preparados previamente, era preciso ter um número definido

antes mesmo que a própria quantidade existisse. Isso aparece nos “Elementos” de Euclides. No segundo e no terceiro postulado, respectivamente, Euclides afirma que se pode prolongar um segmento de reta indefinidamente e que se pode traçar um círculo de qualquer tamanho em qualquer ponto. Na prática isso não é possível, mas Euclides já prepara para qualquer tamanho que o problema possa vir a exigir. O infinito residia no pensamento e provinha do conforto de estar preparado, o conforto do a priori. O estar preparado e o prever sempre fascinaram e concederam fama como foi no caso de Tales quando previu um eclipse solar, no de Gauss quando indicou onde ressurgiria Ceres e no de Le Verrier quando previu onde apareceria o novo planeta, o qual foi batizado de Netuno. http://antwrp.gsfc.nasa.gov/apod/ap991114.html Figura 1. O infinito e o cíclico.

Conclusões A Europa herdou a matemática grega que tinha uma matemática voltada para a engenharia, para a organização social e para questões financeiras, embora tivessem se interessado pelo assunto em si, e não apenas pelas aplicações. No entanto, isso gerou estruturas matemáticas infinitas e não cíclicas. Quando os gregos “olhavam para o céu” eles não pensavam em uma aritmética diferente da que usavam. A aritmética modular entrou na Europa por um caminho mais abstrato, através de problemas de divisibilidade e de números primos. Não entrou pelo ciclo do tempo, mas pelo ciclo dos restos das divisões.

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O Desejo do Absurdo

Rafael Tavares Juliani (PG) - [email protected]

Rua Monsenhor Jerônimo, 444 casa 1, Engenho de Dentro – Rio de Janeiro/RJ – Cep: 20730-110, Brasil. Palavras Chave: história, demonstração, absurdo.

Introdução

A demonstração por redução ao absurdo é uma ferramenta muito útil na matemática. Seu método consiste em supor verdadeira a negação de uma tese e através de silogismos mostrar a impossibilidade dessa negação com base nas hipóteses, ou seja, mostrar que sua negação é um absurdo. Com isso conclui-se que a tese é verdadeira. Pode-se notar o uso do princípio do terceiro excluído e o da não contradição. Esse tipo de demonstração é usado desde a época dos pré-socráticos. O ambiente grego era propício porque os pensamentos dos gregos estavam sempre baseados em dicotomias: a unidade ou a pluralidade; o ser ou o não ser.

Resultados e Discussão Anaximandro no século VI a. C., Usou a redução ao absurdo para tentar mostrar a evolução do ser humano. Segundo ele, se o ser humano sempre foi como é hoje, não teria sobrevivido, pois os bebês humanos precisam de um longo período de proteção e cuidado. Assim ele diz que os humanos vieram dos peixes, pois os filhos destes precisam de um período muito menor de cuidado. Anaximandro foi muito além do que sua redução ao absurdo poderia ir, pois esta só afirma que o ser humano era diferente de hoje com relação ao período de cuidados com os seus bebês. Não se poderia apontar um animal, até porque o próprio ser humano poderia ter uma provisão de sua subsistência mais rápida em tempos mais remotos. No poema “Sobre a Natureza” de Parmênides, posterior a Anaximandro, pode-se identificar os três princípios da lógica: identidade; terceiro excluído; não contradição. Assim como uma demonstração por redução ao absurdo, o que mostra que essas idéias já estavam nas mentes dos pensadores. A redução ao absurdo foi usada amplamente por Zenão, discípulo de Parmênides, em seus paradoxos. Cada paradoxo contem uma demonstração por absurdo. Os paradoxos mais famosos de Zenão são sobre o movimento e se encontram na “Física” de Aristóteles. Esses paradoxos envolviam a questão do infinito e da continuidade. Aristóteles faz muitas críticas aos pensamentos de Zenão, mas não critica seu método de via indireta, pelo contrário, o utiliza e ainda

apresenta uma explicação do que seria uma demonstração por absurdo. Aristóteles também indica que o grande problema da incomensurabilidade da raiz de 2 foi resolvido por uma redução ao absurdo, pois supondo comensurável teria um absurdo de que um número par seria igual a um ímpar. A redução ao absurdo foi utilizada na matemática como uma das principais ferramentas demonstração. Os “Elementos” de Euclides também estão cheios de reduções ao absurdo. Inclusive a proposição XXIX - igualdade dos ângulos alternos internos - foi demonstrada por redução ao absurdo com uso do controverso quinto postulado. No século XVIII da era cristã, o monge italiano Girolamo Saccheri obteve um dos primeiros resultados de geometrias não-euclidianas, embora não tivesse percebido. Seu método foi o de redução ao absurdo. No século XX, o intuicionismo de Brouwer trazia novos pensamentos e uma de suas idéias era não aceitar o princípio do terceiro excluído, pois, segundo ele, supor esse princípio era admitir que não existam indecidíveis na matemática. Os teoremas da incompletude de Gödel deram respaldo à idéia de Brouwer, pois Gödel mostrou que a matemática não estava livre de indecidíveis.

Figura 1. O Absurdo.

Conclusões A redução ao absurdo é uma ferramenta poderosíssima dentro da matemática. Sempre presente em demonstrações de unicidade e existência, assim como esteve presente em dois grandes momentos da matemática: na incomensurabilidade e no surgimento das geometrias não-euclidianas. Para que não se abandone muitos resultados matemáticos importantes e torne a matemática muito fraca, o princípio do terceiro excluído permanece, assim como a redução ao absurdo. Embora exista matemáticas que os enfraqueceram.

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Pangênese vs. Pangêneses: Surgimentos da teoria hereditária de Darwin ao longo dos tempos

Bruno Capilé¹

¹ Aluno de mestrado de História da Ciência e das Técnicas e Epistemologia (UFRJ) PG

[email protected] Palavras Chave: pangênese, Darwin, hereditariedade, história da biologia

Introdução Após a publicação de Origem das Espécies (1859), Darwin, em correspondência com Adam Sedgwick, se propõe aprofundar cada capítulo dessa obra em outros livros, como observado em The Variations of Animals and Plants Under Domestication (1868)¹. Em um dos capítulos desse livro, encontra-se a proposta de Darwin, entendida como hipótese provisória da Pangênese. O presente trabalho propõe mostrar que a reflexão sobre o mecanismo da hereditariedade – problema crucial para o entendimento da vida - trouxe idéias próximas, mesmo em tempos distintos.

Resultados e Discussão Darwin admite que autores de sua época indicaram que essa idéia já tinha sido elaborada por outros pensadores - como Hipócrates e Buffon - e também havia sido refutada por Aristóteles. Darwin argumenta que “parecem à primeira vista serem a mesma gêmula de minha hipótese, porém são essencialmente diferentes”¹ (p. 371).

Quadro 1. Comparação entre as idéias dos pensadores pré-Darwin e as premissas do próprio

Idéias descritas Premissas de Darwin

Assume que o

vem de toda parte do humor que se encontra no corpo.

esperma do homem, As gêmulas se reúnem formando os elementos sexuais e posteriormente o embrião.

Hipócrates3 (460 a.C. - 370 a.C)

Estes carregam as características de sua área de origem.

Elas possuem a capacidade de reter a natureza do local em que foi formada.

Trata da organização por afinidade.

Trata da agregação por afinidade.

Indica que cada parte [do corpo] fornece seus germes.

As células expelem grânulos (gêmulas);

Maupertuis2 (1698-1759)

Propõe uma memória germinal

Elas possuem a capacidade de reter a natureza do local em que foi formada.

Formula o conceito de moléculas orgânicas (partículas gerativas)

As gêmulas assimilam nutrientes para o crescimento e desenvolvimento;

Elas multiplicam-se por auto-divisão;

Agregam-se por afinidade;

Buffon2 (1707-1788)

Moldes interiores (estruturas modeladoras)

As gêmulas para seu desenvolvimento, unem-se às células não desenvolvidas ou parcialmente desenvolvidas; Elas possuem a capacidade de reter a natureza do local em que foi formada.

* Termos utilizados pelos próprios autores

Conclusões As semelhanças entre as idéias presentes no Quadro 1 parecem refletir uma atitude dos pensadores para a explicação de questões hereditárias também semelhantes, como: regeneração, atavismo, hibridismo, mestiçagem, variabilidade, entre outros. As conseqüências seriam hipóteses muito parecidas, cada uma com argumentos baseados em suas influências particulares.

Agradecimentos Agradeço à Tânia Goldbach pela atenção, ajuda e amizade. ____________________ 1 Darwin, Charles. The Variation of Animals and Plants Under Domestication. 2 vols. 2ª ed. London: John Murray, p. 349-376, 1875. 2 Castañeda, Luzia Aurelia. As Idéias Pré-Mendelianas de Herança e sua influência na Teoria de Evolução de Darwin. Campinas: Tese de Doutorado IB/UNICAMP, 1992. ³ Adams F. Hippocratic writings. In: Adler M, ed. Great Books of the Western World, vol. 9, Chicago: Encyclopedia Britannica, Inc., 1952.

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Franco Lo Presti Seminerio: contribuições à Psicologia no Brasil

Sofia Débora Levy1 (PG)*

1 Endereço: Rua Almirante Gonçalves, 15/701 – Rio de Janeiro (RJ) CEP 22040-060 E-mail: [email protected] Palavras Chave: Psicologia, Cognição, Educação

Introdução O Prof. Emérito da UFRJ Franco Lo Presti

Seminerio (1923-2003) nasceu em Turim, na Itália, se graduou em Letras, Artes, História e Filosofia, concluindo seu primeiro doutorado na Universitá Degli Studi Di Genova em 1946 com tese em Literatura Portuguesa sobre Antero de Quental.

Tendo se instalado no Rio de Janeiro a partir de 1947, obteve a validação de sua graduação na Itália, e a nacionalidade brasileira em 1954. Trabalhou em atividades comerciais, e como professor primário supletivo por dois anos.

No início da década de 60, obteve registro profissional de professor secundário e de Orientador Educacional, passando a lecionar Orientação Educacional na Faculdade Fluminense de Filosofia.

No dia 27 de agosto de 1962, surgiu a Lei 4.119 que regulamentava a profissão de psicólogo e a estruturação de cursos universitários de Psicologia no Brasil. Seminerio foi convidado a ingressar no ISOP/FGV como Psicólogo-Adjunto regulamentado1.

Em 1973, obteve seu doutorado em Filosofia na Universidade de Gênova, na Itália, e em 1975 a Livre Docência na UFRJ, que o teria em seu quadro docente de graduação e pós-graduação até o fim de seus dias.

Resultados e Discussão O Prof. Seminerio teve relevante participação no

desenvolvimento da Psicologia como ciência no Rio de Janeiro e no Brasil, incluindo: - Fundador do Laboratório de Estudos e Pesquisas dos Processos Cognitivos de Lógica, do Imaginário e da Designação – denominado, na década de 90, Laboratório de Metacognição - 1962/1978/1985 - Diretor do ISOP – Instituto de Seleção e Orientação Profissional da Fundação Getúlio Vargas (1970-1990) - Editor da Revista Arquivos Brasileiros de Psicologia (a partir de 1970) - Diretor do I Curso de Mestrado em Ergonomia no Brasil em 1971 - Promotor do I Seminário Brasileiro de Ergonomia – 1974 - Presidente da Associação Brasileira de Psicologia (representante no Brasil da International Union of Psychological Science) – 1979 e 1986 - Presidente da Comissão Organizadora do II Encontro Nacional dos Psicólogos, em comemoração ao Centenário da Psicologia Científica.

Figura 1. Prof. Franco Lo Presti Seminerio

Conclusões Por de mais de 30 anos como pesquisador 1-A do

CNPq, na área da Psicologia Cognitiva aplicada à Educação, Seminerio desenvolveu uma nova proposta de veiculação de informações, com aplicação às áreas da Psicologia, Pedagogia e Filosofia.

Em seu Laboratório de Metacognição, um amplo levantamento teórico iniciado em 1962, com pesquisas em laboratório a partir de 1978 e pesquisas de campo a partir de 1985, alicerçaram a aplicação psicopedagógica da metacognição durante o processo de aprendizagem, no qual caberia ao adulto transmitir e discutir metarregras, analisando junto com as crianças os seus significados2.

Agradecimentos Eternos agradecimentos de seus alunos de graduação e pós-graduação, pesquisadores colaboradores do Laboratório de Metacognição, os quais hoje continuam a promover o ensino e o desenvolvimento da Psicologia como Ciência no Brasil, retransmitindo seus ensinamentos repletos de sabedoria.

_________________ 1 Dittrich, A.; Oliveira, L.A.; Zendron, R.C.. Franco Seminerio, Paulo Rosas, Mathilde Neder. Pioneiros da Psicologia Brasileira v.5. Rio de Janeiro: Imago, 2001. 2 Seminerio, F.L.P. et all. Novos Rumos na Psicologia e na Pedagogia. Metacognição: uma nova opção. Arq.Bras.Psic. v.49(3). Rio de Janeiro: Imago, 1997.

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25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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Globalização e Informática: Influências Recíprocas na História Brasileira Recente

Raul Colcher1 (PG) [email protected] 1Rua Tonelero, 356, ap. 901 22030-000 Rio de Janeiro – (21)8620-8500

Palavras Chave: Tecnologias de Informação e Comunicação, Informática, Globalização, História da Ciência.

Introdução

A emergência da computação, enquanto ciência, tecnologia, profissão e indústria, a partir da segunda guerra mundial e da guerra fria, que a sucedeu, é parte fundamental da história da ciência contemporânea. Sua interpenetração com os fenômenos culturais, políticos, econômicos e científico-tecnológicos que difusamente chamamos globalização é elemento indispensável à compreensão dos muitos lados e perspectivas apresentados por esse ambiente complexo. As controvérsias, embates, negociações e acomodações em cada uma das instâncias pontuais de interação em que se estabilizam precariamente produtos e serviços tecnológicos, bem como suas respectivas apropriações, configuram um mosaico de histórias, rico e revelador, alternativo aos relatos lineares convencionais. Neste trabalho, procuramos traçar um esboço de enquadramento, um mapa inicial que possa ser progressivamente melhorado e que facilite o desenvolvimento posterior dessa miríade de histórias, para o caso específico das relações entre informática e globalização no Brasil.

Resultados e Discussão

O caso brasileiro apresenta a circunstância especial de ter tido, nas décadas de 70 e 80, um período de descontinuidade, em que se praticou uma política industrial frontal e deliberadamente contrária à lógica dominante de internacionalização da indústria de informática. Na medida em que as tecnologias e soluções de informática corporativa e os processos de negócio se constroem mutuamente, essa política ia também na direção contrária à harmonização ou compatibilização das práticas de negócios em âmbito global, cerne da globalização, pelo menos nos termos que lhe eram propostos pelas lideranças governamentais e empresariais das potências hegemônicas. Assim, pode-se dizer que os contenciosos enfrentados, naquele período, pelo governo brasileiro, transcendiam questões comerciais, tecnológicas ou industriais, abarcando verdadeiramente a própria conformação da ordem política e econômica mundial. Com o retorno a uma política convencional no setor, já no governo Collor, reintegra-se plenamente o mercado brasileiro aos planos de negócios das companhias internacionais do setor, mas também, e principalmente, pavimenta-se o caminho para práticas corporativas e negociais

alinhadas com as que prevalecem, em geral, nos países industrializados do mundo ocidental.

Conclusões A internacionalização de organizações brasileiras apoiada em Tecnologias de Informação e Comunicação e a internacionalização de empresas brasileiras do setor de Tecnologias de Informação e Comunicação constituem uma realidade e parecem estar se intensificando, a despeito de condições sociais, econômicas e regulatórias nem sempre favoráveis. Ambas as tendências são relevantes para um posicionamento geopolítico e econômico favorável do País, à medida que se aprofunda o processo da globalização, que se tornou dominante em nossos dias. Há, entretanto, grandes desafios por superar, dos quais talvez o maior e mais importante seja o da educação. Uma educação acessível e de qualidade é fundamental para posicionar nossas organizações para competir adequadamente nos mercados internacionais, ampliar nossos mercados internos para lidar com produtos e serviços de alto conteúdo tecnológico e evitar que nos tornemos exclusiva ou preponderantemente fornecedores de commodities e produtos e serviços de pouco valor agregado. Esse desafio tem sido exaustivamente abordado e existe hoje ampla visibilidade sobre ele na sociedade brasileira, mas é preciso agora transformar essa visibilidade em políticas e ações de governo coerentes e eficazes. [ABES 2007] Mercado Brasileiro de Software: Panorama e Tendências – 2007 – Publicação da Associação Brasileira das Empresas de Software, 1ª edição, São Paulo, 2007. ADLER, E. Ideological guerrillas and quest for technological autonomy: Brazil’s domestic computer industry, International Organization, v. 40, no 3, 1986, pp. 673-705 BRITO CRUZ, C. H. e MELLO, L. Boosting Innovation Performance in Brazil, OECD Economics Department Working Papers, No. 532, OECD Publishing. doi:10.1787/357276015553, 2006 CASTELLS, M. Information Technology, Globalization and Social Development, UNRISD Conference on Information Technologies and Social Development, Palais des Nations, Genebra, Suíça, 22-24 Junho de 1998 [CEPAL 2002] Globalization and Development, relatório LC/G.2157(SES.29/3) da ONU, 29a sessão da CEPAL, Brasilia, 6-10 de maio de 2002 CERUZZI, P.E. A History of Modern Computing, 2a edição, Cambridge, MA, Estados Unidos, The MIT Press, 1998 COLCHER, R. Globalização e Informática: Reflexões Sobre o Caso Brasileiro, Rio’s International Journal on Sciences of Industrial and Systems Engineering and Management, vol 2008-II, pp. 63-90

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2

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Uma história epistemologicamente pluralista para a ciência

* Virginia Maria Fontes Gonçalves 1 (PG), Ricardo Silva Kubrusly (PQ) 2

1 - R. Honório de Barros, 19/503, Flamengo, Rio de Janeiro, RJ, 22.250-120; [email protected] pluralismo epistemológico, migração de conceitos

Introdução

Esta comunicação tem por base a pesquisa de doutorado desenvolvida pela autora e orientada pelo co-autor. Sua proposta é considerar e avaliar um plano epistêmico plural onde mitologia, religião, alquimia, hermetismo e ciências sejam compreendidos enquanto diferentes formas simbólicas de representação que conferem um sentido explicativo ao mundo percebido pela experiência humana. Para tanto, a referida pesquisa exige uma abordagem claramente interdisciplinar envolvendo a história de saberes extracientíficos, a história das ciências e a epistemologia. A avaliação da proposta de plano epistêmico plural será feita considerando a sua utilidade para a pesquisa acadêmica em termos das possibilidades de alargamento dos horizontes dessa pesquisa permitidos por um pano epistêmico plural. Tal avaliação será realizada em relação às restrições impostas pela epistemologia atualmente adotada, que divide o plano epistêmico entre ciências e não-ciências, negligenciando o exame epistemológico dos saberes extracientíficos, privando o debate epistemológico tanto da riqueza da discussão comparativa bem como da possível migração de conceitos entre saberes constituídos por diferentes racionalidades.

Resultados e Discussão 1. Escolha da Fundamentação Teórica

A proposta da pesquisa de doutorado ocorreu como um desdobramento de uma pesquisa de

mestrado sobre a epistemologia feyerabendiana, portanto, sua primeira fundamentação teórica é o anarquismo pluralista de inspiração humanista conforme a segunda fase da obra de Paul Feyerabend.1 Esta fundamentação anarquista pluralista, já na pesquisa de mestrado, foi reforçada por uma consideração sobre o que se entende por racionalidade, partindo-se do diálogo platônico Teeteto, onde uma crença é considerada racional se adequadamente justificada. Acrescentou-se a tal consideração a retomada da discussão sobre o que seja a racionalidade tal como aparece na segunda fase da obra de Wittgenstein, ou seja, racionalidade como conjunto de regras que definem um jogo de linguagem associado a algum modo de vida.

Contudo, tal fundamentação não fornece toda a base necessária para contemplar, além da existência de diversos saberes constituídos a partir de suas diversas racionalidades, também a migração de conceitos entre estes saberes. Assim sendo, partiu-se em busca de fundamentação teórica complementar, tendo sido consideradas as possibilidades resumidamente expostas a seguir. • Teoria da complexidade sob o enfoque agregativo2: Esta teoria assume uma abordagem sistêmica à

complexidade, procurando alcançar o holismo e a sinergia resultantes da interação dos componentes de um dado sistema. Buscou-se verificar a adequação de uma analogia entre as características dos sistemas complexos e as interações entre os diferentes saberes. Segundo esta analogia, conhecimento científico, religião, mito e hermetismo seriam vistos como subsistemas do sistema geral conhecimento, imerso e relacionando-se com o ambiente externo representado pelo ambiente sócio-cultural. O aprofundamento desta analogia gerou diversas dificuldades. A principal delas foi a imagem de uma clara demarcação entre os subsistemas, ou entre os saberes, e destes com o meio ambiente sócio cultural.

• Rizoma3: Oferece um “substrato conceitual” que parece mais adequado para a multiplicidade dos saberes nas suas relações entre si e com o ambiente social. No rizoma, esta multiplicidade está presente em toda parte, não havendo nenhuma estrutura nem sistemas formados por elementos, delimitados por contornos, ainda que flutuantes e permeáveis. O que chamamos até aqui de saberes, no rizoma são segmentaridades ou territorialidades que se constituem em função de encontros entre linhas de articulação. As territorialidades são como “corpos sem órgãos”, ou seja, corpos sem partes constituintes permanentes. Percebeu-se então que o rizoma enquanto fundamentação teórica dilui quase totalmente a

1 Gonçalves, VMF, Do racionalismo critico ao anarquismo pluralista uma ruptura na transformação do pensamento de Paul Feyerabend, Dissertação de mestrado, Departamento de Filosofia,CFCH, PUC-Rio, 2004 2 Manson, Simplifying Complexity: a review of Complexity Theory, Geoforum 32(3), 405-414, 2001 3 Deleuze, G. & Guattari, F., O que e a filosofia, Tradução Prado Junior, B. e Muñoz, A. A., São Paulo: Editora 34, 2005

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possibilidade de acompanhamento das trocas entre saberes e das migrações de conceitos porque a desterritorialização pela ação permanente das suas linhas de fuga praticamente impede que se fale de ciência, mito religião ou de qualquer “saber” de maneira suficientemente delimitada para uma distinção ou mesmo para o acompanhamento de uma migração conceitual entre os mesmos. Se nas visões tradicionais adotadas pelas ciências oficiais, só temos partes que juntas formam um exato todo, aqui só teremos o todo, sem partes.

• Priorizando a migração de conceitos enquanto um processo fundamental a ser explicitado, caracterizado e reconstituído, estudou-se fundamentar teoricamente tal processo por meio de uma migração metafórica de conceitos. Esta forma de migração visa principalmente contrastar com uma migração estrita de conceitos, uma vez que nessa ultima a migração se da mantendo um isomorfismo de propriedades entre o conceito “original” e o conceito “migrado”. Em contrapartida, a metáfora4 não parte da noção de similaridade entre uma palavra e outra tomada por sua metáfora, mas a partir do uso metafórico de uma palavra com um outro sentido, afirmando que é no momento do emprego metafórico da palavra que se constrói a sua similaridade com o outro sentido. Em outras palavras, é o emprego metafórico que gera a similaridade e não o contrário, tal como na migração de conceitos entre os saberes de diferentes racionalidades que se pretende descrever. Nesse ponto, percebeu-se a necessidade de buscar uma melhor definição do que seja um conceito, como se pode afirmar que uma idéia, um sentido atribuído a uma palavra corresponde ou compõe um dado conceito e de que maneira se pode afirmar que algo dessa idéia se mantém quando ocorre uma migração metafórica ou não-isomorfa do conceito correspondente.

• “Conceito de conceito”: Tal como exposto em Deleuze e Guattari (ibid), enfatiza seu caráter processual, sempre em rearranjo de seus componentes, que são outros conceitos coexistentes, no sentido de funcionarem numa espécie de rede conceitual num mesmo espaço perceptivo, espaço este que dá forma a uma dada visão de mundo. Além dessa “definição” de conceito em rede, Deleuze e Guattari também consideram as passagens de um conceito entre espaços perceptivos, levando à criação de um outro conceito, de uma alteridade, que vem a se realizar relacionando-se em outra rede, levando também à revelação de um outro espaço perceptivo, de uma outra visão de mundo e, conseqüentemente, de um outro saber e de um outro mundo.

• Reforçando a fundamentação teórica do conceito, estudou-se também uma revisão da mímesis5, afastando-a da idéia de “imitação” ou “reprodução de algo”, retirando da mimeses qualquer sentido de imitatio, conforme ocorre em Platão e Aristóteles. Ao invés de alguma forma de imitatio em relação a alguma instância da physis, a mímesis revista de Costa Lima seria um processo, um fenômeno que ocorre entre um sujeito (receptor) diante de uma obra de arte, de uma cena ou situação qualquer. Tal processo diz respeito aos parâmetros que delimitam os significados e servem como guia para as interpretações desse receptor sobre esta obra de arte, sobre esta cena ou sobre uma situação qualquer. Contudo, esse processo não ocorre na aplicação de regras tomadas como normas fixas pré-determinadas para significação e interpretação. Pelo contrário, a mímesis ocorre quando há a modificação não apenas dos significados como também dos próprios parâmetros que guiam as interpretações desse sujeito, ou seja, a mímesis provoca uma “mudança nas realidades espreitadas” por este sujeito. Vista desta forma, a representação não é provocada por uma cena referencial, por algo anterior e dado, mas pela expressão que uma dada obra, cena ou situação provoca nesse sujeito receptor. Por possuir esta fluidez, Costa Lima propõe que a mímesis nesta concepção revista seja compreendida como um fenômeno existentivo, plástico e modificável, fecundo de possibilidades. Em outras palavras, através da mímesis, o processo de atribuição de significados e interpretações de um obra de arte, de uma cena teatral, de uma situação ou de um problema são dotadas de plasticidade na sua apresentação ao sujeito. Esta nos parece ser a plasticidade que a idéia de “migração de conceitos” necessita para explicar a passagem de conceitos entre a arte, a ciência, o mito, a religião, a alquimia, a física, a filosofia, num emaranhado de migrações entre pares e trincas e quadras e ainda por caminhos mais extensos que somos e não somos capazes de acompanhar.

Conclusões Após a investigação teórica acima descrita, optou-se por adotar o “conceito de conceito” de

Deleuze e Guattari e a mímesis revista de Luis Costa Lima para caracterizar a migração mimética de conceitos num plano epistêmico plural relacionado a outro plano, também plural, de espaços perceptivos. São as diversas visões de mundo no plano epistemológico e seus diversos mundos, espaços perceptivos, no respectivo plano ontológico.

Para descrever os diferentes saberes no plano epistemológico, ainda não está totalmente escolhida a fundamentação teórica, mas no momento imagina-se a possibilidade de empregar Ernst Cassirer6 no que se refere à sua concepção de homem simbólico que constrói “formas simbólicas” que conferem significado

4 Keysar, B & Glucksberg, S, Understanding Metaphorical Comparisons: beyond similarity, Psychological Review, vol. 97, No. 1, 3-18, 1990 5 Costa Lima, L, “Mímesis, um desafio para o pensamento”Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2000 6Cassirrer, E, A filosofia das formas simbólicas, I – A linguagem, Tradução Ç Fleischer, M., São Paulo: Editora Martins fontes, 2001

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à presença percebida dos fenômenos, numa tentativa de submeter à multiplicidade fenomênica a uma espécie de generalização, conformando assim uma dada forma simbólica.

Alem dessas conclusões, pretende-se ao final da pesquisa sugerir uma historiografia compatível com um plano epistemológico plural e permeável, onde a história da ciência seja contada pelo fluxo mimético dos conceitos a partir dos mitos e das religiões, reconstituindo a história do pensamento por meio de múltiplas racionalidades ao invés de recorrer à clássica oposição entre o racional e o irracional. A ciência oficial, transformada, na modernidade, na simples aplicação do chamado método científico, muito nos tem ensinado sobre o funcionamento do mundo ao preço de seu desencantamento. Há muito substituímos o porquê de nossas infâncias por um como pragmático e tanto eficaz quanto desinteressante. Já nada mais compreendemos que não seja reduzido às suas partes. O que não tem partes, vive o confuso dos acontecimentos e foge ao escrutínio reducionista da prática científica moderna, é por ela desqualificada. A ciência oficial toma como verdade apenas seus “dogmas” científicos, acredita, sem questionar-se no método e se coloca, por fim, como uma religião, acima e além de todos os outros saberes. E como religião existe. É preciso para a preservação dos enormes feitos científicos, uma imediata relativização dos seus saberes. À conquista do homem moderno de estados laicos, onde religiões não mais ditavam uma verdade absoluta, deve-se seguir uma sociedade cientificamente laica, sem ciência oficial, onde as verdades, partidas ao meio possam resplandecer e re-encantar o mundo, agora pleno de explicações possíveis.

Finalmente, partindo-se de uma discussão da história do pensamento constituída numa perspectiva pluralista, pretende-se refletir sobre a inter e a multidisciplinaridade enquanto diálogos entre redes conceituais que se “tocam” e interpenetram pela mímesis de conceitos que as constituem.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Mesmer, Reichenbach e Reich: O insólito e o conhecimento científico.

Nicolau josé Maluf jr. (PG)

nicolaumalufjr.gmail.com. Reich, Mesmer, Magnetismo animal, energia orgone, psicanálise, epistemologia.

Introdução São examinados os trabalhos e estudos de três pesquisadores que, nos séculos XVIII, XIX E XX, afirmaram a existência de de um tipo incomum de força ou energia, capaz de produzir fenômenos tais como reações corporais e modificações na saúde física e mental. Fraude, charlatanismo, engano e ilusão ficaram associados a estes trabalhos. Discutimos aqui como o contexto histórico, o pensamento da época e as próprias características do fisicalismo embasando o pensamento científico foram essencialmente responsáveis por isso. A escolha destes nomes deve-se não somente à existência de um “ território comum” de pesquisa, encontrado nos estudos de todos, mas também ao fato de ser possível encontrar análises críticas, avaliações, mensurações e, no caso de um deles, W. Reich, a publicação de detalhados protocolos científicos.

Resultados e Discussão O exame detalhado destes trabalhos mostra a existência de uma lógica e de uma racionalidade permeando a contrução de todas as três teorias e experimentos derivados destas. Os resultados encontrados, ao contrário do que usualmente é mencionado nos textos acadêmicos sobre estes autores, não podem ser reduzidos à fraude ou engano. Mais ainda, e interessante do ponto de vista epistemológico, a forma como estes estudos foram desprezados, através de comentários depreciativos ao invés de repetição e reprodução de experimentos, principalmente no caso de Reich, leva a pensar muito mais numa tentativa de manutenção “à força” de critérios de conhecimento já estabelecidos do que em imparcialidade de fato. Deste ponto de vista, uma gama muito grande de fenômenos, cuja existência da-se no limiar do conhecido e estabelecido, é relegada à um segundo plano no nosso horizonte de possibilidades de conhecimento.

Conclusões Concluímos a necessidade de uma análise crítica do fisicalismo como critério suficiente para a nossa tentativa de compreensão e conhecimento da realidade.

Agradecimentos Este estudo é parte da minha Dissertação de Mestrado, tendo como orientador o Prof Dr. Luís Alfredo Vidal de Carvalho, a quem agradeço. ____________________ Bachelard, G. A Formação do Espírito Científico:Contribuição para uma Psicanálise do Conhecimento. Rio de Janeiro, Contraponto,1996. Bak,P. How Nature Works. New York,Copernicus, 1999. Chertock, L -Stengers, I. O Coração e a Razão: A Hipnose de Lavoiser a Lacan. Rio de Janeiro, JorgeZahar,1990. Eden, J. Animal Magnetism and the Life Energy. New York, Exposition Press, 1974. Hankins, T.L Science and Enlightment. New York,Cambridge University Press, 1985. Laceyy, H. Valores e Atividade Científica. São Paulo, Discurso Editorial, 1998. Mesmer, A. Mesmerism.London, MacDonal,1948. Reich, W. Selected Writings. New York, Farrar, Straus and Giroux 1979. ———– A função do Orgasmo.São Paulo,Brasiliense,1975 ———— The Cancer Biopathy. New York, Farrar, Straus and Giroux,1973. Reichenbach, F. Les Effluves Odiques. Paris, Ernest Flammarion,1866. ——————- Physic-Psysiological Reserches on the Dinamics of Magnetism, Eletricity, Light, Crystalization and Chemism , in their relation to Vital Force.New York, J.S. Redfield, Clinton Hall, 1851.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Geógrafos teoréticos e quantitativistas: estruturação lógica da linguagem ou conspiração histórica para o discurso?

Dante Flávio da Costa Reis Júnior1 (PQ), [email protected] 1 Avenida 24A, n. 1515, bairro Bela Vista, CEP 13506-900, Rio Claro/SP (Prédio da Pós-graduação em Geografia). Palavras Chave: pensamento geográfico, nova geografia, fatores condicionantes

Introdução Desde os tempos de Graduação, vimos pesquisando sobre o desenvolvimento da “Escola Teorética e Quantitativa” (ETQ) na Geografia. Procurando avaliá-la em seu específico rebatimento na escala nacional, são estudos que contemplam tanto o aspecto epistemológico (das implicações conceituais), quanto o histórico (dos condicionamentos de contexto). Resultam desse projeto, de já quase dez anos, uma Dissertação de Mestrado e uma Tese de Doutorado1. O exame detido da literatura internacional consagrada à matéria (sejam textos que se tornaram “clássicos” da ETQ, sejam obras que fazem seu inventário historiográfico) permite o apontamento de certas características gerais da Escola. E esses atributos distintivos, além de dizerem respeito a transformações ocorridas no plano da linguagem e método, também sugerem a ingerência da cena histórica como uma driving force às novas práticas. No entanto, convém distinguir as feições que a mesma cena assume, a fim de, ponderando a influência de cada uma delas, exprimir juízo mais fidedigno. Mesmo porque o âmbito das discussões gerais sobre Ciência (sua filosofia e sua história) já prevê instâncias interpretativas que suscitam desacordos e desavenças. Sabe-se que a tradição analítica no inquérito do pensamento científico, com preponderante representação na literatura anglo-saxônica e bastante tributária de Ludwig Wittgenstein (1889-1951), toma os discursos como enunciações cuja sintaxe detém uma sua particular estrutura lógica – passível, então, de sofrer decomposição para fins verificadores. Em contrapartida, a tradição histórica, inspirada grandemente em Michel Foucault (1926-1984) e assentida na literatura francesa, os toma sob a forma de veículos sofisticados de um conjunto de valores – o qual seria, essencialmente, função do contexto (de época, de grupo) em que é forjado2. Conseqüentemente, o próprio inquérito do pensamento geográfico não ignora essa aparente dessintonia nos modos de interpretar evoluções epistemológicas. Isto é, propicia a investigação dos elementos formais no discurso – o código lingüístico pretensamente diferencial das escolas –, na mesma medida que estimula a avaliação de sua, por assim dizer, genealogia conjuntural. Dois ângulos que,

entretanto, se conjugados numa mesma pesquisa, não precisam resultar em ambigüidade. A seguir, precisaremos o advento da ETQ, demarcando época e enunciando as principais características partilhadas pelos “novos geógrafos”. Ao final, discernimos duas espécies de condicionamento histórico – verificadas quando da assimilação do ideário teorético-quantitativista pelos brasileiros –, questionando o suposto “conservadorismo” dos modernos expedientes metodológicos.

Resultados e Discussão Registros bibliográficos clássicos (que definem os marcos da tendência discursiva), tanto quanto a literatura consagrada a fazer sua historiografia, apontam: a New Geography teria instaurado a definitiva conciliação do discurso geográfico com as hipóteses a priori; teria instituído o hábito de elaborar explanações a partir de “modelo teórico” – passível de replicação, portanto. É que a Geografia praticada até os anos sessenta mantivera-se fiel à tradição francesa, cujos vínculos com o positivismo clássico só podia engendrar uma maior predisposição a abordagens empiristas, a condutas pretendidas neutras e a procedimentos preferencialmente indutivos. Daí que, num fito confesso de contrapor todo preceito derivado daquela Geografia “Tradicional”, os “novos geógrafos” se alinharão a diferentes panoramas de pensamento, por sua vez articulados com também diferentes matrizes ou sistemas filosóficos. Logo, formarão agremiações epistemologicamente distintas. Haverá, por exemplo, três Escolas de pensamento frutos da objeção reformista; quais sejam: 1) a Geografia Teorética e Quantitativa, “ETQ”, 2) a Geografia Crítico-Radical, “ECR”, e 3) a Geografia Humanística ou da Percepção, “EHP”. Podemos qualificá-las aqui, lançando mão de cinco critérios elucidativos: a) teor das enunciações; b) epíteto espontaneamente deduzido; c) estigmas lingüísticos; d) fundação filosófica provável; e e) seqüela imprevista. Seguindo a ordem desses critérios, teríamos uma ETQ: 1a) interessada em modelos sistêmicos e de otimização espacial (muitos dos quais analogias ou tomadas de empréstimo junto à Economia e ciências naturais); 1b) dita “tecnicista”; 1c) contumaz usuária de conceitos sintomáticos (tal

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como o de pattern); 1d) associável ao neopositivismo (dado o amplo recurso à análise lógica via matemáticas – atestado pela leitura de autores emblemáticos, tais como Popper, Nagel e Hempel); e 1e) todavia, crente por demais na racionalidade da ação humana no espaço. Já quanto à GCR, respectivamente: 2a) modelos denunciadores da lógica contraditória que conserva iniqüidades e difunde injustiças no acesso ao espaço; 2b) “radicalista” (pretendendo chegar à raiz mais profunda das desigualdades); 2c) uso da figura do establishment enquanto drama perverso; 2d) alicerce neomarxista (leitura de autores da Escola de Frankfurt: Adorno, Horkheimer e Habermas); e 2e) no entanto, caindo na armadilha da substituição dos determinismos (sócio-político, em vez do econômico ou sócio-biológico). E, por fim, os distintivos da GHP: 3a) modelos cognitivos de representação de um espaço vivido afetivamente; 3b) “lírica” (priorizando as versões construídas por meio de símbolos); 3c) aplicação do conceito de lifeworld; 3d) próxima da fenomenologia (leitura de Husserl, Bachelard e Merleau-Ponty); e 3e) por outro lado, transcendendo pouco as escalas restritas do indivíduo e do lugar. Matéria eleita em nossas pesquisas desde o Mestrado, a ETQ, especialmente, parece possuir ao menos quatro características gerais que ajudariam a afiançar aquela probabilidade de uma particular fundação filosófica sob si (critério “d”): o positivismo lógico. Os elos de correspondência entre discurso geográfico e sistema filosófico definiriam uma função injetora provável. E embora não se deva suprimir a hipótese de que as escolas estejam antes erguidas sobre fundações múltiplas, é plausível sustentar que a estrutura do discurso TQ apresenta razoável grau de conexidade com os atributos mais enfáticos do neopositivismo. No mínimo uma “correspondência”, nos seguintes quatro pares de “atributo características”: 1º) enunciado protocolar

modelagens teóricas; 2º) preceito fisicalista padrões analógicos; 3º) ordem lingüística teorias sistêmicas; e 4º) estruturação matemática processamentos estatísticos. Uma New Geography, subversora do tradicionalismo discursivo até então vigorante, começa a se instaurar tão logo se tornam freqüentes as reivindicações de um papel veementemente operacional para as pesquisas geográficas. Data dos anos cinqüenta e sessenta a publicação dos registros textuais mais enfáticos3. É que a herança francesa, disseminada em vários continentes pela obra de pós-vidalianos, cristalizara por longo período (1910-1960, pelo menos) o hábito de explanar sobre a ocupação econômica do espaço por meio de linguagem eminentemente descritiva, e como um produto de observação direta e reflexão indutiva – ambas baseadas nas excursões ao campo. O saldo epistemológico dessa Geografia “clássica” foi a conjectura (direta ou

indiretamente defendida), segundo a qual as paisagens testemunhadas seriam combinações fisionômicas únicas; quer dizer, jamais se replicariam noutros lugares. Sendo assim, a Theoretical Geography representou o desconcerto de uma ordem vigente, porquanto anunciava a possibilidade de substituir o paradigma da singularidade fenomênica (uniqueness) pela noção geral de modelo teórico (pattern). Para tal, nas vezes de instrumental acessório ao novo hábito, seriam muito empregadas as teorias sistêmicas e as técnicas de processamento estatístico. As primeiras, oportunizando a substituição do conceito tradicional de paisagem (meramente “pictórico”, apático) pelo de “organização espacial”, insinuante da ocorrência de processos gerais e, por conseguinte, de formas potencialmente reincidentes; enquanto as segundas, justamente operacionalizando o cálculo da estimativa dessas reincidências, bem como corrigindo desvios demasiado aleatórios. A proposta era renovadora no sentido de que redundaria no municiamento do geógrafo; profissional que podia enfim diagnosticar o estado presente das formas, sugerir readequações e prever processos futuros. Contudo, passada década e meia de alvoroço e razoável propagação (entre 1958 e 1972, certamente), as fissuras no edifício começam a denunciar a fragilidade do projeto. Apareceriam textos críticos, de alinhamento neomarxista4, reprovando o fato dessa renovação, “na verdade”, manter oculta a realidade contraditória daquelas formas – as quais, em essência, denunciariam a recorrência de fenômenos de desigualdade. O supracitado “instrumental acessório” teria jogado o papel de aparelho-mor de uma Geografia que pactuara com a injustiça espacial. Pelo juízo dos alinhados com a ECR, tanto a validação discursiva dos princípios gerais, quanto a prática de quantificar seus efeitos espaciais (a polarização de centros urbanos, as redes hierarquizadas) continham um significado ideológico. Serviam, por exemplo, à causa de corporações financeiras; ou, à lógica de otimização capitalista – que tenderia a render repercussões espaciais dos mencionados fenômenos (periferização urbana, inacessibilidade aos serviços). Mas numa perspectiva contestatória e a posteriori, há também literatura (nacional, por sinal5) em que se identificam argumentos elucidativos. Por exemplo, o que sustenta: o enquadramento histórico dos câmbios paradigmáticos, conquanto inequívoco, não se reduz a um determinismo de ideologia e/ou classe. Neste sentido, a opção pelo recurso técnico ou diretriz teórica não seria fatalmente induzida por eventuais convicções políticas do pesquisador-usuário. (Por mais que seu sistema de valores deva, muito provavelmente, também predispô-lo às inclinações de ordem intelectual.). Em outras palavras, o condicionamento histórico atuaria como

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força-motriz que os impele (“câmbios” e “opções”) desde escalas diferentes. Pelo menos estas: escala das demandas institucionais (ambiência sócio-econômica) e escala da publicidade científica (ambiência acadêmica, sobretudo). Este segundo recorte parece ilustrar os episódios – não menos significativos, pelo tanto de subjetividade que encerram – de entusiasmo e comoção intelectual. Com respeito a essas sensibilidades, os alinhamentos teórico-metodológicos se dariam conforme os livros-texto, artigos de revista e conclaves científicos fizessem a aspersão gradativa (e contingente!) das novidades conceitual e técnica. Seria o contexto se fazendo veicular por meio dos protocolos tipicamente acadêmicos; e congregando (também contingentemente) virtuais simpatizantes. Já a primeira escala exemplifica a moção causada pela ótica dos tomadores de decisão; guiados, de praxe, pelo raciocínio lógico da eficiência. Deste modo, o recorte exprime o encontro próspero entre a finalidade prática (esquematizada em “projetos”) e o arsenal técnico-tecnológico que a auxilia nos planos e/ou execuções. Seria, agora, o contexto se expressando pelo acordo entre as práticas político-administrativas e os métodos gestados em universidades ou instituições (semi)autárquicas de pesquisa. No caso da ocorrência brasileira da ETQ, podemos identificar a manifestação dessas duas espécies de condicionamento contextual. Isso porque houve, a bem dizer, dois epicentros domésticos, a partir dos quais os ideários e práticas teorético-quantitativistas se difundiram: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Rio de Janeiro/RJ) e a então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (Estado de São Paulo). No primeiro, associada às preocupações pragmáticas do planejamento do desenvolvimento e da regionalização, a Geografia Teorética e Quantitativa teria sido um exercício principalmente orientado por circunstâncias requerentes de meios mais performáticos para descrever/projetar a espacialização das dinâmicas econômicas (tornadas intrincadas, ademais). Destacaram-se em seu quadro de pesquisadores: Speridião Faissol, Pedro P. Geiger, Roberto L. Correa, Marilia V. Galvão e Fany R. Davidovich – tendo predominado os estudos urbano-regionais6. No segundo epicentro, por sua vez relacionada à sintonia e engajamento com a vanguarda científica, uma Geografia Teorética Brasileira teria se formado mais como uma tendência à atualização de conceitos e métodos. Portanto, o fator histórico respondeu ali pela mudança lingüística, travestido de uma conjuntura particular (cena científica mundial) e veiculado por um transporte tipicamente congregante (repertório bibliográfico). Destacaram-se em Rio Claro: José Alexandre F. Diniz, Antonio O. Ceron, Antonio Christofoletti, Lívia de Oliveira e Lucia Helena de O. Gerardi – com o notável

predomínio de pesquisas em geografia agrária e geomorfologia7.

Conclusões Decerto, os novos geógrafos apenas puderam exercitar a disciplina em sua versão (tornada) utilitária, na medida em que uma linguagem toda especializada – sistêmica e quantificada – contrastava com os métodos outrora prevalecentes (tal como o verbalismo eloqüente, muito pouco favorável às intervenções). Todavia, a clara transformação dos instrumentos deveu-se ao fato dos mesmos serem produtos que se deixam condicionar pelo continente das épocas. Logo, haveria (como, de resto, em todo campo do saber) uma sociologia do conhecimento geográfico. Os signatários da ETQ teriam, por isso, desempenhado uma função intelectual bem concertada aos pleitos manifestos no contexto – demandas de caráter “eficientista”, especialmente. Por outro lado (indício possível de verificar no caso brasileiro, por exemplo), esse ajuste às circunstâncias não quererá significar sempre um acoplamento aferrado dos discursos e práticas aos interesses de poucos grupos privilegiados – assertiva na qual insistem boa parte das teorias neomarxistas. Em vez de cooptação, o uso de novas linguagens e a propaganda dos procedimentos a elas concernentes podem refletir a consonância (inesperada!) do instrumental técnico concebido junto aos recintos de pesquisa, com as pretensões concretas, absolutamente previsíveis em quaisquer esferas executivas. Quando não refletem a mera (mas emocionante) “descoberta” dos mesmos instrumentos por espíritos intelectualmente inquietos. ____________________ 1 Reis Júnior, D. F. da C. O Humano pelo Viés Quantitativo: um exame do (neo)positivismo em Speridião Faissol, através da análise de textos selecionados. 2003. 141f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro. _____. Cinqüenta Chaves. O físico pelo viés sistêmico, o humano nas mesmas vestes ... e uma ilustração doméstica: o molde (neo)positivista examinado em textos de Antonio Christofoletti. 2007. 481f. Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2 Brenner, A. Quelle Épistémologie Historique? Kuhn, Feyerabend, Hacking et l’école bachelardienne. Revue de Métaphysique et de Morale, Paris, v. 49, n. 1, p. 113-125, 2006. 3 Burton, I. The Quantitative Revolution and Theoretical Geography. Canadian Geographer, Calgary, v. 7, n. 4, p. 151-162, 1963. Schaefer, F. K. Exceptionalism in Geography: a methodological examination. Annals of the Association of American Geographers, Lancaster, v. 43, n. 3, p. 226-249, sept. 1953. 4 Hurst, M. Establishment Geography: or how to be irrelevant in three easy lessons. Antipode: a radical journal of geography, Worcester, v. 5, n. 2, p. 40-59, may 1973. Slater, D. The poverty of modern geographical enquiry. In: Peet, R. (Ed.). Radical Geography: alternative viewpoints on contemporary social issues. London: Methuen, 1978. p. 40-57.

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5 Ceron, A. O.; Gerardi, L. H. de O. Geografia Agrária e Metodologia de Pesquisa. Boletim de Geografia Teorética, Rio Claro, v. 9, n. 17/18, p. 59-68, 1979. Faissol, S. A Geografia na Década de 80; os velhos dilemas e as novas soluções. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 49, n. 3, p. 7-37, jul./set. 1987. 6 Davidovich, F. A Experiência dos Estudos de Fluxos, no IBG, como Subsídio à Regionalização. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, p. 66-80, abr./jun. 1969. Faissol, S.; Galvão, M. V.; Geiger, P. P. Estudos Urbano-Regionais na Área de Influência do Recife. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 37, n. 1, p. 3-49, jan./mar. 1975. 7 Ceron, A. O.; Diniz, J. A. F. Tipologia da Agricultura: questões metodológicas e problemas de aplicação no Estado de São Paulo. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 32, n. 3, p. 41-71, jul./set. 1970. Christofoletti, A. Análise Topológica de Redes Fluviais. Boletim de Geografia Teorética, Rio Claro, v. 3, n. 6, p. 5-29, 1973.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

NÃO AO ARGUMENTO DE AUTORIDADE – UMA REVISÃO DA CONTRIBUIÇÃO DE ALGUNS AUTORES DE DEMOGRAFIA HISTÓRICA

BRASILEIRA Arnaldo Lyrio Barreto1 (PQ, PG) 1IBGE, HCTE/ UFRJ Rua Eduardo Guinle, 55, bl.2, 404 – Botafogo - Rio de Janeiro – RJ [email protected] Palavras Chave: Demografia, História, Estatística.

Introdução O objetivo deste trabalho é apresentar a real contribuição de diversos autores, do passado e recentes, sobre a demografia histórica brasileira. Muitos autores, alguns de grande renome para a história do Brasil, oferecem, em seus textos, estimativas para a população do país em diversas épocas, desde 1500 a 1872, ano em que ocorreu o primeiro censo nacional e oficial do Brasil. Busca-se, portanto, avaliar o que muitos autores indicam como sendo a população das épocas antes de 1872, avaliando seus métodos e suas fontes. Trataremos de sugerir o expurgo de certos autores como contribuintes da demografia história do país não os descartando, muitas vezes, de outras contribuições significativas dentro das mesmas obras em outros assuntos.

Resultados e Discussão No início desta pesquisa comecei a perceber que os dados censitários brasileiros, da descoberta até antes do primeiro censo oficial do Brasil, em 1872, eram muito escassos e meu pensamento era que, se Portugal tinha conhecimento da importância da colônia brasileira, por que não contava sua população? Com tantos homens inteligentes administrando os domínios portugueses, como o padre e ministro Martinho de Mello e Castro e o Marquês de Pombal, por que não realizar uma contagem? No Império brasileiro, particularmente com D. Pedro II, que sempre tem sua biografia cosmopolita ligada às ciências e às inovações, por que não se realizaram, o quanto antes, censos demográficos? A resposta veio após algumas buscas. Na verdade, eu desejava um modelo de organização e administração a que somente há pouco se desenvolveu. Portugal, por exemplo, só teve seu primeiro censo oficial com acurácia em 18641, a Grã-Bretanha em 1841, o Canadá em 18712 e a França em 1801. Antes desses, muito poucos, como a já citada Noruega em 17693 e os

1 PORTUGAL. Ministério da Educação. Primeiro Censo de

Portugal. In: Boletim Informativo da Inspeção-Geral da Educação. Ano 4, nº 6 a 8, junho a agosto de 2003. In: http://www.ige.min-edu.pt/upload/docs/BI-6-8-2003.pdf, acessado em outubro de 2007.

2 STATCAN - Statistics Canada. Census History. In: http://www12.statcan.ca/english/census01/Info/history.cfm#1871, acessado em junho de 2007.

3 NORUEGA. Population. In: http://www.noruega.org.pt/facts/people/population/population.htm, acessado em junho de 2007.

Estados Unidos em 17904. Contagens populacionais sempre existiram no Brasil colônia, mas o rigor que hoje exigimos só foi realmente conseguido, portanto, praticamente no final do século XIX. Em razão disso, esta talvez seja a maior dificuldade de conseguirmos números mais precisos. Antes desse final do século XIX, portanto, teremos mesmo contagens frágeis, que só apresentam algumas estimativas para que tenhamos uma ´idéia aproximada' de quantificação, uma vez que nossa forma de conhecer atual busca a máxima precisão.

Muitos autores, no entanto, optaram por apresentar o que chamo de números mágicos, uma vez que não dizem suas fontes e nem seus métodos de cálculo. O problema que julgo mais grave é o de autores que citam outros autores e, sem fazer ressalvas feitas ao trabalho anterior deficiente, geram um círculo vicioso que acaba tornando verdades estimativas sem muita preocupação de real existência, critérios científicos e acurácia.

Ainda que sabendo dessa pouca possibilidade e probabilidade de conseguir dados confiáveis, busquei o IBGE, por ser o órgão oficial de estatísticas do Brasil. Nas primeiras pesquisas que fiz, não pude deixar de ficar surpreso com uma publicação deste Instituto, chamada Estatísticas Históricas do Brasil5, de 1987, na qual são listadas algumas datas e alguns números que representariam a população brasileira naquelas datas, até 1872, ano do 1º. censo oficial. Como não existia instituto oficial de estatística para aquelas idas épocas, uma referência quanto a cada autor/escritor/compilador também é fornecida.

O objetivo deste item de artigo é o de analisar se existe ou não contribuição significativa e representativa dos autores sobre o tema de contabilização da população do Brasil, nos textos indicados. O método utilizado foi de buscar obras conhecidas que traziam a temática de demografia histórica no Brasil, do descobrimento do país até o primeiro censo demográfico oficial realizado no Império, em 1872.

Por fim, considero temerário citar autores que não se mostram preocupados com as fontes ou que citam outros autores como forma elementar de atendimento a uma necessidade de seu próprio texto. Os estudos de demografia histórica devem 4 CENSUS - U.S. Bureau of the Census. History. In: http://www.census.gov/acsd/www/history.html, acessado em junho de 2007.

5 IBGE. Estatísticas Históricas do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1987.

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estar atentos a essa gravidade e iniciar a purgação de todos aqueles que nada contribuem para a ciência, a fim de evitar que esses autores continuem sendo citados como autoridades quando, na realidade, não merecem a credibilidade que lhes é atribuída. Sem querer parecer purista, sou a favor do uso de fontes primárias ou, em segunda hipótese, de fontes secundárias que tenham realmente preciosismo em suas citações, análises e sínteses, sempre deixando claro seus passos de argumentação e conclusão. Somente assim poderemos ter alguma confiabilidade nos números de habitantes do Brasil nas épocas mais distantes.

Conclusões Diferentemente do que fizeram alguns autores, que tiveram seus nomes considerados durante séculos somente porque compilaram números de autores de época, penso ser justo dar mais crédito àqueles que escreveram em épocas mais remotas, originando fontes primárias, ou àqueles em tempos modernos que buscaram sempre as fontes originais (e muitas vezes dispersas) e trataram-nas com rigor científico. Por fim, entendo a vontade de precisão dos brasileiros em saber quantos éramos, mas ressalto que tais números sempre se basearão em estimativas, mais ou menos próximas de uma realidade que passou, sem as exigências de nossa atual forma de conhecer. Deveremos nos contentar em aceitar os relatos de época e, no máximo, sintetizá-los para entendermos o Brasil composto por capitanias e depois por províncias. Exigir acurária desses autores ou desejar um método de regressão infalível é não entender o contexto e as necessidades da época. Falo ainda de qualquer método de regressão, uma vez que sempre se baseará em algum dado inicial que, como mostrei, será frágil e falho em escala ampliada.

Agradecimentos Ao Professor Carlos Filgueiras por formentar o debate sobre o tema e pelo apoio a este trabalho.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Os inventos e seus inventores: um debate sobre a História das técnicas no Brasil na Virada do Século XIX ao XX. Renato Vilela Oliveira de Souza Aluno de Mestrado do Programa de Pós Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia, UFRJ Palavra Chave. História da Ciência no Brasil- Historia da Técnica .

Introdução

O período de 1880 a 1910 foi marcante em diferentes aspectos: a transição de uma monarquia para república, diversas transformações nos cenários urbanos e um marcante processo de industrialização já se faziam presentes na vida cotidiana dos brasileiros. No entanto, este período também nos revela um despertar criativo, conforme relata Machado de Assis, em seu texto Esaú e Jacó: “Quem não viu aquilo não viu nada. Cascatas de idéias, de invenções, de concessões, rolavam todos os dias, sonoras e vistosas para se fazerem contos de réis, centenas de contos, milhares, milhares de milhares de milhares de contos de réis” i.

Um importante testemunho deste momento de efervescência esta inscritos nos registros de patentes. Pela Constituição de 1824, cada registro de patente deveria apresentar um exemplar como também uma cópia de todo material descritivo e detalhamentos técnicos no Arquivo Nacional.

Entretanto, o período mais marcante dos pedidos de registros data da década de 1870 à 1910, num contexto histórico citado, uma vez que, foi neste momento que se desenvolveu a necessidade de automação e melhorias nas atividades industriais.

Resumo

A partir da análise da documentação pertencente ao fundo Privilégios Industriais, sobre custódia do Arquivo Nacionalii, esta apresentação busca refletir sobre a relação entre o contexto histórico brasileiro e o processo de registro e composição destes inventos. Ao nos debruçarmos sobre a história destes inventos, e como tais inovações foram relatadas e apresentadas, é possível se ter uma melhor noção da maneira pela qual esta sociedade definia a ciência e criação de suas tecnologias.

Por outro lado, ao estudarmos estas inovações técnicas temos um quadro de como estas mentes criativas se relacionavam com a intensa demanda por soluções dos problemas tecnológicos deste momento histórico, tais como: infra-estrutura urbana, uma política de saneamento básico e mecanização da produção agro-exportadoraiii.

Em certa medida, almeja-se uma análise das invenções como testemunhos de uma época.

Elementos tecnológicos que ao mesmo tempo define sua visão de ciência e o seu uso perante a sociedade. Demonstrando como a ciência da época foi engajada nos problemas do cotidiano, e naturalmente, influenciada pela sua diversidade de formas e significadoiv

Considerações Finais

O grande valor da história das invenções

registradas pelos documentos que sobreviveram ao tempo, não se destaca apenas pela eficácia dos resultados, mas sobre tudo, pela forma como estes apresentavam soluções aos problemas cotidianos, sendo dotados de uma definição e função específica.

Cada invenção pode ser encarada como detentor de um valor simbólico, uma idéia ou concepção para ser aplicada em problemas pontuais. Um remédio ou instrumento, mesmo que para nossos olhos passa parecer sem qualquer sentido, deve ser interpretado a partir do ponto de vista de seu tempo, pertencente a uma determinada visão científica.

Neste sentido, os inventos assim como os inventores são sujeitos de um processo histórico amplo, que circula as máquinas, as patentes e seus usos pela sociedade. Em muitos relatos apresentado observa-se a justificativa não apenas de um invento como também de uma idéia.

Referências i Machado de Assis, 1988, p159 ii RAINHO, Maira do Carmo Teixeira. A Inventiva Brasileira na Virada do Século XIX o XX, Coleção Privilégios Industriais do Arquivo Nacional. Fonte, Manguinhos Vol II (2)jul-out 1996, iii CHALHOUB, Sidiney, Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo Companhia das Letras, 1996 SP. iv PECHAM, Sergio e Fritsch, Lilian. “A reforma urbana e seus avessos: algumas considerações a propósito da modernização do Distrito Federal na virada do Século” em Revista Brasileira de História. Vol 5, n 8 e 9, São Paulo , Marco Zero

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Simulação e complexidade

Maria Inês Accioly*(PG) e Ricardo Silva Kubrusly

* [email protected] Rua Ministro Otávio Kelly, 390, 401 A – Icaraí – Niterói – RJ – 24220-301

Palavras-chaves: simulação, cognição, complexidade .

Introdução

A partir da vulgarização das tecnologias digitais um amplo arsenal de recursos de simulação se incorporou à nossa vida ordinária, identificado com funções de aprendizagem, de prevenção de riscos ou, simplesmente, de entretenimento. Hoje, pouco se emprega o termo “simulação” no sentido de fingimento, que era a acepção mais comum até meados do século 20. O presente trabalho tem como objetivo avaliar as implicações dessa reconfiguração semântica e, a partir daí, problematizar o conceito de simulação na cultura contemporânea. Propomos elementos para uma definição mais robusta, capaz de superar a antinomia entre as duas acepções considerando a fluidez e o caráter processual da simulação.

Resultados e Discussão

Para uma genealogia do conceito de simulação devemos recuar até as teorias clássicas do simulacro. A mais conhecida é a de Platão, que deu origem ao sentido de fingimento predominante até há pouco tempo no senso comum e nas ciências humanas. Já a teoria de Lucrécio, que define simulacro como um efeito físico, pode ser vista como precursora da acepção de simulação como experimento com modelos que se estabeleceu nas ciências duras a partir de Galileu.

Segundo a teoria platônica, o conhecimento do real supõe uma metafísica baseada na dicotomia essência-aparência que se desdobra na hierarquização das categorias de modelo, cópia e simulacro, sendo a primeira correspondente ao plano das essências e das verdades. Simulacro foi o termo cunhado para designar os artifícios que iludem a percepção e, conseqüentemente, podem iludir também a consciência, tais como imagens pictóricas que rivalizam com a natureza parecendo materializar a própria coisa representada, ou discursos sedutores que emocionam platéias fazendo ficções parecer realidade. Simulacro e simulação tornaram-se assim, desde Platão, signos do disfarce, do fingimento e da falsa identidade.

Embora filósofos como Nietzsche (1978), no final do século 19, e Deleuze (1974, 2006), no século 20, tenham endereçado críticas a essa herança platônica, denunciando seu fundamento moral e buscando reabilitar o simulacro como um valor da cultura, nas ciências humanas e no senso comum o estigma do fingimento prevaleceu. Nas enciclopédias da primeira metade do século 20,

todas as definições para o verbete “simulação” seguem esta linha: “delito e meio para tentar eludir uma obrigação jurídica (Direito); ...fingimento ou imitação de enfermidade (Medicina); ...com o fim de produzir nos demais uma impressão equívoca ou contrária, o homem simula habilmente uma situação de ânimo favorável ao fim que pretende (Psicologia)”. (Enciclopedia, 1927)

A acepção de simulação como experimento com modelos, embora tenha surgido no Renascimento, durante séculos ficou restrita ao meio científico e só há poucas décadas foi incorporada aos dicionários. Hoje, está naturalizada a ponto de eclipsar quase inteiramente a acepção da simulação como farsa1. Como por ironia da história, foi um platonista convicto, Galileu, que a partir do final do século 16 lançou as bases para fazer da simulação o método experimental por excelência da investigação das “verdades” da natureza (Koyré, 1973). O rigor matemático da física galileana deu origem a um potente instrumental para a reprodução artificial dos fenômenos físicos em laboratórios, largamente explorado e aprimorado posteriormente pela ciência. A não assimilação deste sentido do termo ao senso comum durante pelo menos três séculos pode ser explicada, talvez, pela manobra da ciência moderna, analisada por Bruno Latour (1994), de inventar uma cisão entre natureza e cultura que jamais chegou a se efetuar na prática.

O ponto de partida da legitimação da simulação como método científico foi o interesse da física renascentista pelo comportamento dos sistemas dinâmicos e pelas leis que regem o movimento e as forças. A dinâmica era um desafio intransponível para o conhecimento puramente racional. Para compreendê-la, era necessário combinar a experiência adquirida pelo exercício da razão com a experiência advinda dos sentidos. A estratégia de imitar os fenômenos da natureza, isto é, reproduzi-los sob a forma de experimentos controlados, produziu a síntese desejada e erigiu a simulação com modelos em método privilegiado da ciência.

A simulação concerne, portanto, tanto na tradição platônica quanto nas ciências experimentais, à problemática relação entre mente e corpo. Entendemos que, para investigar suas propriedades, é preciso antes de mais nada desembaraçar o conceito do seu viés moral, ou

1 A Wikipédia define simulação como o emprego de “técnicas matemáticas em computadores com o propósito de imitar um processo ou operação do mundo real”; e apenas num módulo secundário, intitulado “desambiguação” (sic), apresenta uma definição alternativa oriunda “do Direito”: “declaração fictícia da vontade”(consultado em 02/06/2008).

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seja, abrir mão da premissa de que se pode distinguir, radical e aprioristicamente, uma simulação “do bem” (experimento direcionado à aprendizagem e ao saber) e uma simulação “do mal” (farsa utilizada como instrumento de poder). Toda simulação, até mesmo a de um inocente simulador de vôo, visa de alguma forma “enganar” os sentidos. É preciso que o aprendiz de piloto sinta-se realmente voando para desenvolver os reflexos que o habilitarão a resolver problemas com a rapidez necessária. Noutras palavras, é preciso uma imersão no dispositivo, uma suspensão ainda que parcial e temporária da incredulidade, para que a simulação tenha eficácia.

Para o bem e para o mal, a simulação capitaliza a imprecisão dos limites entre a razão e os sentidos e produz híbridos de realidade e ficção, que podem conduzir tanto ao engano que consuma a farsa quanto ao insight criativo que coroa o aprendizado. Entendemos, com Foucault (1979), que poder e saber são instâncias inseparáveis embora irredutíveis da cultura. Isto posto, parece-nos que a expressão “estratégia cognitiva” é apropriada para dizer dessa dualidade que caracteriza a simulação, dado que seu primeiro termo implica o poder enquanto o segundo aponta para o saber.

Seguindo a orientação de teorias do conhecimento que postulam a insuficiência da categoria da representação para explicar os processos cognitivos (Bergson, 1999; Varela et al, 2003), propomos que a simulação forma com a representação um par conceitual e uma relação de complementaridade. A mente concebe modelos (representações) e com elas ensaia eventos (simulações). Enquanto a representação é uma categoria estática, rígida, que concerne à reprodução de objetos e sistemas, a simulação é uma categoria processual e fluida, que concerne à reprodução de comportamentos, movimentos e fenômenos. A representação estabiliza os sentidos, ao passo que a simulação os desestabiliza, fazendo emergir outros sentidos.

Acreditamos que a atitude de sustentar o duplo sentido do conceito de simulação, ainda que à custa de tensões éticas (poder x saber, realidade x ficção e aprendizagem x farsa, entre outras) proporciona um rendimento teórico maior do que postular uma dupla significação sem vínculo recíproco ou mesmo reduzir o conceito a uma de suas acepções, rejeitando a outra. Na abordagem empírica podemos observar que as práticas de simulação portam uma ambigüidade inegável, senão vejamos:

Um exemplo de simulação que realça o sentido de fingimento é o ghost writing, atividade amplamente disseminada no mercado editorial contemporâneo. Artigos na mídia assinados por políticos e empresários, auto-biografias de celebridades e best-sellers em série são alguns produtos que freqüentemente têm por trás do suposto autor um ou vários ghost writers. Outro exemplo contemporâneo, que, ao contrário, privilegia o sentido de experimento com modelo, é o Second Life, um ambiente virtual em 3D que atraiu milhões

de usuários no mundo inteiro em 2007 oferecendo-se como ambiente seguro para relacionamento social, aprendizagem e diversão.

Ao analisar esses exemplos percebemos, curiosamente, que o segundo sentido de simulação comparece em ambos, ainda que de forma discreta. Ghost writing é farsa, sem dúvida, mas ao mesmo tempo é atualização de um modelo – o modelo de mercado aplicado à autoria. Second Life é um modelo computacional de vida social aberto à experimentação, mas também, ou por isto mesmo, é altamente receptivo a todo tipo de falsificação. Não há nenhuma correspondência necessária, afinal, entre a identidade de um avatar digital e a pessoa (ou software) que o comanda. Esses exemplos, entre outros, nos levam a constatar que o duplo sentido é inevitável e que a simulação é um conceito por natureza ambíguo.

Se voltarmos às origens da simulação científica, também podemos encontrar vestígios de contaminação do simulacro platônico. De acordo com Feyerabend (2007), Galileu usa propaganda e “truques psicológicos” para fixar no senso comum a idéia do movimento da Terra, contra a tese ptolomaica vigente no início do século 17. Ele cria uma nova linguagem observacional que, com o apoio do telescópio, reconfigura a experiência sensorial para abarcar a tese de Copérnico, abrindo espaço para uma ciência especulativa até que experimentos posteriores trouxessem as provas científicas indispensáveis. “Surge uma nova espécie de experiência, manufaturada praticamente com base no nada. Essa nova experiência é então solidificada ao insinuar-se ao leitor que este sempre esteve familiarizado com ela” (Feyerabend, 2007, p. 175).

Nem precisamos ir tão longe no tempo. Qualquer simulação científica-computacional moderna usada na descrição de fenômenos naturais supõe a matemática como modeladora universal, reiterando a máxima galileana de que o universo é um projeto matemático e que, portanto, se presta a ser por esta descrito e inventado. Que o mundo é, de fato, uma invenção matemática, ou que pelo menos existe uma intenção matemática idêntica ao mundo. Aí está, nessa confusão matemática-natureza, a farsa de que simulação numérica computacional alguma pode se livrar.

Para avançar um pouco mais no trabalho conceitual, propomos o enquadramento da categoria de simulação no paradigma científico da complexidade, buscando apoio em duas noções que têm instrumentalizado a produção teórica nessa área: jogo e emergência. Acreditamos que a simulação opera com a (igualmente fluida) lógica do jogo, uma vez que combina regra com acaso e, embora se desenvolva no espaço e no tempo, constitui espaço e tempo como variáveis. O próprio estatuto da regra é ambíguo na esfera do jogo: leva vantagem, por exemplo, quem tem habilidade para, sem violar as regras ou mesmo valendo-se delas,

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usar táticas de fingimento como o drible ou o blefe, e assim confundir o adversário.

O interesse contemporâneo das ciências duras pelo jogo teve destaque no trabalho de Von Neumann e Morgenstein (1953), que elaboraram uma teoria dos jogos descrevendo em linguagem matemática seus elementos, funções e relações. Essa teoria enfatizou a relevância da estratégia, das interações e dos truques (como o blefe no pôquer), e teve sua aplicabilidade endereçada pelos autores à investigação do comportamento de sistemas complexos, tais como a economia e as organizações sociais de forma geral.

A noção de emergência se articula com a de jogo na medida em que também supõe uma combinação irredutível entre o determinismo das regras e o não determinismo do acaso. Emergência designa a propriedade de um sistema dinâmico instável de produzir novidade, isto é, evento ou comportamento que não pode ser deduzido ou calculado a partir das propriedades e relações dos elementos constituintes do sistema (Pepper, 1926). Esta noção, de caráter qualitativo, é uma entre outras utilizadas pelas ciências duras para tentar lidar com a complexidade e a limitada previsibilidade da maioria dos fenômenos do mundo real.

A teoria computacional da simulação de Barrett e Rasmussen (1995) também estabelece uma explícita correlação entre simulação e emergência. De acordo com ela, a propriedade mais fundamental de um modelo de simulação é a de produzir comportamento emergente, ou seja, gerar relações e eventos não explicitamente codificados nos programas de base. Tais relações e eventos emergem por efeito cumulativo, após interações recursivas entre os programas que compõem o modelo, o que, mais uma vez, sugere a impossibilidade de se pensar a simulação fora de um contexto processual.

Na teoria da informação podemos identificar mais uma dualidade complexa, isto é, formada por elementos que, embora antagônicos, operam por complementaridade. Trata-se da dualidade analógico-digital, que expressa respectivamente os modos contínuo e discreto de processamento da informação. Toda atividade cognitiva comporta a dualidade analógico-digital. O modo analógico refere-se mais diretamente à ação corporal, ao aparelho sensório-motor e às funções cognitivas de integração e síntese. O modo digital, por outro lado, é enfatizado na memória, na formação de padrões, nos automatismos e nas funções cognitivas de fragmentação e análise. Estes dois modos se entrelaçam de tal forma que a repetição de padrões abre caminho para a variação e a criação, e a criação sedimenta-se por sua vez em novos padrões, numa sucessão infinita.

A potência da simulação na cultura contemporânea parece estar relacionada ao entrelaçamento cada vez mais orgânico entre o digital e o analógico nas tecnologias da vida, da informação e da comunicação, incluindo a capacidade do digital de

imitar - vale dizer, simular - o analógico. Quanto mais se sofisticam os modelos digitais, maior é a sua capacidade de produzir efeito analógico – noutras palavras, efeito de real - no nível das interfaces. Hoje é comum, por exemplo, o tratamento de imagens digitais com efeitos pictóricos ou fotográficos, de forma que pareçam ter sido produzidas pelas mãos de um artista ou capturadas por uma câmera. Fingimento ou experimento? Ambos.

O efeito de real, que entendemos ser produto de toda simulação, é a dimensão sensorial do experimento, que pode ser entendida também como um efeito de imediato. Sobre esse aspecto, William Bogard (1996) observa que “a simulação sempre trabalha para desconstruir o seu medium - a superfície; para produzir um puro e imediato evento” (p. 35). Ou seja, a eficácia da simulação depende da sua dissimulação enquanto tal. O disfarce, o jogo com o real e com a verdade, faz parte da própria lógica dessa estratégia cognitiva.

Conclusões

A simulação põe em causa o estatuto da experiência e desafia dualidades canônicas do conhecimento, tais como natureza-artifício e realidade-ilusão. Geradora de híbridos, joga com a percepção e arrasta verdades (e falsidades) para o terreno movediço do indecidível. Parece-nos insustentável, na era da realidade virtual e da vida artificial, afirmar que simulação-farsa e simulação-experimento possam constituir significados autônomos e sem contágio recíproco. Toda farsa tem uma dimensão experimental e todo experimento de simulação tem uma dimensão mimética, que o aproxima da farsa. Fluido, desviante e transversal, o conceito de simulação convoca a transdisciplinaridade entre as ciências humanas e as ciências duras.

Agradecimentos Ao CNPq, pela bolsa de doutorado. ____________________ Barrett, C. e Rasmussen, S. Elements of a Theory of Simulation.

Technical Report 95-04-040, Santa Fe Institute. Retirado em 03/03/2006 de http//www.santafe.edu. (1995)

Bergson, H. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999 Bogard, W. (1996). The simulation of surveillance - Hipercontrol in

telematic societies. Cambridge: Cambridge University Press, 1996 Deleuze, G. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 2006 __________ Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1974 Enciclopedia Universal Ilustrada Europeo Americana. Vol. 56. Madrid:

Espasa-Calpe, 1927 Feyerabend, P. Contra o método. São Paulo: Unesp, 2007 Foucault, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979 Koyré, A. Études d’histoire de la pensée scientifique. Paris: Gallimard,

1973 Latour, B. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994 Neumann, J. Von e Morgenstein, O. Theory of games and economic

behavior. Princeton: Princeton University Press, 1953 Nietzsche, F. Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral, in

Nietzsche (Coleção Os Pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1978 Pepper, S. Emergence. Journal of Philosophy 23 (p. 241-245).

University of California. http//www.ditext.com (1926)

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Varela, F. Thompson, E. e Rosch, E. A mente incorporada – Ciências cognitivas e experiência humana. Porto Alegre: Artmed, 2003

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As duas faces de Jano: Fritz Haber

Leonardo Vaicberg (PG)

[email protected]

Rua Fernandes Figueira 55 apto 503 – Tijuca – R.J. Cep: 20550-110 Palavras Chave: Fritz Haber, Síntese da Amônia, Guerra Química

Introdução

Fritz Jacob Haber foi um dos maiores químicos do início do século XX, e sua história é uma demonstração das duas faces de Jano da Ciência, para o bem e para o mal. Descobriu como sintetizar a amônia a partir de seus componentes, Nitrogênio e Hidrogênio, possibilitando a fabricação em larga escala de fertilizantes, o que hoje permite alimentar 6,5 bilhões de pessoas. Ao mesmo tempo, desenvolveu a fabricação do gás cloro para uso militar (guerra química), assim como encorajou a criação do cianeto de hidrogênio, conhecido como o infame Zyklon B, que mais tarde foi usado para matar judeus em campos de extermínio. Sua vida foi dramática: envolveu enormes sucessos e terríveis perdas pessoais, numa personalidade muitas vezes contraditória. Dono de invencível força de vontade e enorme energia científica, foi derrotado por seus valores, pela política e pelas forças da história.

Resultados e Discussão A pesquisa sobre a vida e a obra de Haber

reflete o esforço da indústria química alemã na virada do século XX, bem como a busca de uma assimilaçao germânica por parte da comunidade judaica secular local. Estas questões estão imbricadas na vida e no esforço de guerra de Haber. Tal esforço levou a consequências positivas e negativas. Ao sintetizar a amônia, permitiu enorme incremento na produção de fertilizantes e explosivos, ao passo que o desenvolvimento de armas químicas ceifou a vida de milhares de pessoas, tanto militares quanto civis inocentes. O processo de fixação do nitrogênio, através da síntese da amônia pelo processo Haber-Bosch, é utilizado universalmente até hoje com poucas modificações. Busca-se, porém, na atualidade, uma forma de realizar tal processo com um menor dispêndio de energia, se possível em condições ambientais, uma vez que o processo Haber- Bosch envolve altas temperaturas e pressões. Ao lado de uma contribuição tão notável como esta, que lhe granjeou o Prêmio Nobel de Química, Haber também liderou a pesquisa e a produção de gases letais largamente usados na Primeira Grande Guerra. Esta comunicação discute aspectos da carreira científica e pessoal deste químico tão controverso.

Conclusões Ao iniciar o estudo sobre a vida de Haber,

procurei julgá-lo e analisá-lo passo a passo em sua caminhada, em face das informações fragmentadas que possuía. Quanto mais eu me aprofundava, mais difícil ficava meu intento. Como um Midas dual, deu um caráter duplo a tudo quanto tocou ou se dedicou. Se por um lado parece ter sido um tirano com a esposa, foi gentil e camarada com seus alunos, assistentes e amigos. Foi generoso com o conhecimento que possuía, tendo treinado inúmeros cientistas de vários países. Sofreu precocemente a perda da mãe, talvez reproduzindo-a com as mulheres de sua vida. Teve um pai severo e exigente.

Sim, foi um genocida e isto esteve ligado ao fato de ser um patriota exacerbado, mas, ao mesmo tempo, foi um enorme benfeitor da humanidade, desenvolvendo o processo de produção da amônia, que permitiu alimentar uma população que hoje beira os 7 bilhões de pessoas em todo o planeta. Este número estaria praticamente reduzido à metade, sem os fertilizantes direta ou indiretamente gerados pelo processo Haber-Bosch.

Se grande população gera mais progresso, mais gente para trabalhar, mais trocas, mais relações, mais tudo, por outro lado também gera carências, conflitos e o esgotamento do planeta.

E aí, mais uma vez, como um Escher dual, Haber pintou o futuro com seus dedos igualmente duais, dualidade dentro de dualidade, ad infinitum... Como julgá-lo?

Bibliografia 1 Chagas, A.P., Quim. Nova, 2007, 30, 240-247. 2 Cornwell, J., “Os Cientistas de Hitler: Ciência, Guerra e Pacto com o Demônio”, Imago, Rio de Janeiro, 2003. 3 Stern, Fritz, “O Mundo Alemão de Einstein”, Companhia das Letras, São Paulo, 2004.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Paradigmas do Tempo: relações entre a Física, a Filosofia e a História

Caio Graco Valle Cobério 01 (PG) – [email protected]

01. R. Luiz Fagundes, 120/104 Bl. 01 – Praia Comprida – São José – Santa Catarina – CEP 88.103-500 Palavras Chave: Ciclo, linha, teleologia, duração, instante, relatividade.

Introdução O Homem é um ser que se desenvolve no Tempo e sobre ele faz inúmeras projeções. Compreender o Tempo como objeto de estudo é algo tão complexo que ao longo de séculos várias foram as tentativas de criação de modelos explicativos para essa realidade primária da vida humana. Tomando como pressuposto a formação de grandes paradigmas na História da Ciência - de acordo com a teoria de Thomas Kuhni – é possível construir um método de investigação sobre o Tempo, baseado nas relações científicas e filosóficas entre as várias percepções e explicações que já existiram do fenômeno temporal.

Resultados e Discussão Considerando como uma forma viável de iniciar a pesquisa do estudo do Tempo partindo de outras referências, faz-se necessário situar estas como partes específicas do campo do pensamento e das ciências. Formuladoras das teorias e conceitos que foram constituindo a reflexão e definindo a noção de Tempo, essas referências partem de três domínios fundamentalmente: a Filosofia, a Física e a História. Dentre inúmeros outros, podemos destacar Platão, Kant, Hegel, Bergson e Bachelard; Newton e Einstein; Heródoto, Tucídides, Benjamin e Braudel. A interface entre esses autores dá uma pequena amostra da dimensão do problema colocado. Há de se ressaltar ainda o construto do senso-comum sobre o Tempo, aspecto profundamente enraizado no âmbito do social e das formas de controle do tempo, que vão desde os primeiros calendários e instrumentos de medição como o gnomon e a ampulheta, até a invenção do relógio mecânico e dos atuais relógios atômicos do último século. O controle do Tempo mostra-se tanto como meio de domínio da Natureza quanto das Sociedades. Alguns autores, como G. J. Whitrow preferem historicizar o Tempo submetendo-o à própria História. Mas esta última também é produto de uma concepção do primeiro. Enquanto a especulação e o raciocínio lógico-matemático são nevrálgicos na Filosofia e na Física, poder-se-á afirmar que a própria definição da História enquanto uma Ciência está associada à maneira de se conceber o Tempo.

Figura 1 – Ilustração Gráfica da Crescente Precisão da Cronometragemii

FONTE: Baseado no quadro elaborado por F. A. B. Ward, do Museu da Ciência, Londres.

Conclusões A proposta de estudo do Tempo na perspectiva apontada ultrapassa a historicidade que se pode atribuir às diversas concepções de Tempo desde os tempos antigos até a atualidade. Através de um método de investigação baseado sobre a construção de paradigmas que definem o objeto de estudo, propõe-se a formulação hipotética de um modelo explicativo que sublinhe a possibilidade de se pensar o Tempo enquanto uma categoria epistemológica necessária à construção do conhecimento.

Agradecimentos Agradeço ao Prof. Olímpio pela introdução ao pensar e pelo estímulo dado para a continuidade da pesquisa sobre o tema. i KHUN, T. S. A Estrutura das Revoluções Científicas.4.ed. São Paulo: Perspectiva, 1996. ii Apud: WHITROW, G. J. O Tempo na História. Concepções do tempo da pré-história aos nossos dias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Quatro momentos da trajetória da nanotecnologia no Brasil

Maria Fernanda Marques Fernandes1 (PG), Carlos Alberto Lombardi Filgueiras1 (PQ) 1 Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia, Centro de Tecnologia, Bloco A, 7º andar, Universidade Federal do Rio de Janeiro, [email protected], [email protected] Palavras-chave: nanotecnologia, história da ciência, história contemporânea

Introdução Nanotecnologia significa “o design, a

caracterização, a produção e a aplicação de estruturas, dispositivos e sistemas controlando forma e tamanho na escala nanométrica”.1 Pesquisa realizada nos Estados Unidos em 2007 revelou que apenas 6% dos americanos já ouviram falar muito sobre a nanotecnologia, enquanto 71% deles ouviram falar pouco ou nada sobre o assunto.2 Não há pesquisa deste tipo no Brasil, mas não espantaria se o grau de conhecimento dos brasileiros sobre o tema fosse ainda menor que o dos americanos.

Contudo, a nanotecnologia é um campo em expansão em vários países, inclusive no Brasil, que conta com a melhor base de recursos humanos e infra-estrutura da América Latina.3 Lançada em 12/05/2008 pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) prevê investimentos de R$ 70 milhões, até 2010, para pesquisa, desenvolvimento e inovação em nanotecnologia.

Para melhor planejar e executar as futuras ações em nanotecnologia, é importante entender como vem ocorrendo o desenvolvimento desse campo no Brasil. Estudar a trajetória da nanotecnologia no país, sob uma perspectiva histórica, é o objetivo deste trabalho, que analisou relatórios, editais, currículos, artigos, matérias jornalísticas e outros documentos relativos ao tema.

Resultados e Discussão Foi possível identificar quatro momentos da

trajetória da nanotecnologia no Brasil: 1. “DISFARÇADA” DE OUTROS NOMES: Pode-se afirmar que as pesquisas em nanotecnologia (nos moldes como ela é concebida no presente) tiveram início há, pelo menos, duas décadas, embora, muitas vezes, o prefixo “nano” ainda não fosse usado. Dando outros nomes a seus trabalhos, os cientistas enveredaram por esse campo por diversas razões, como a evolução de linhas de pesquisa que exigiam o entendimento, a manipulação e o controle da matéria em escalas cada vez menores. Desde então, de forma gradual, o país acumula facilidades de pesquisa, forma recursos humanos e gera conhecimentos na área. 2. ORDEM NA CASA: Especialmente a partir do lançamento da iniciativa norte-americana em nanotecnologia, em julho de 2000, o governo

federal brasileiro iniciou suas ações específicas para o setor. Nessa época, o Brasil já dispunha de alguma expertise em nanotecnologia, mas as ações eram dispersas e desarticuladas. Assim, o primeiro edital do CNPq especificamente dirigido ao tema, lançado em julho de 2001, tinha como objetivo a formação de Redes Cooperativas Integradas de Pesquisa. Apesar do tradicional destaque de pesquisadores paulistas, já havia um importante engajamento de grupos do Nordeste, notadamente de Pernambuco. 3. O TRUNFO DA INOVAÇÃO: A nanotecnologia ganha certa visibilidade e passa a ser incentivada, principalmente, devido a seu potencial de promover inovações tecnológicas. Eleita atividade portadora de futuro, ela é incluída na política industrial, em 2004. Aparecem exemplos de produtos de base nanotecnológica e o discurso pró-inovação se intensifica, mas ele seria mais forte do que sua prática. De qualquer forma, trata-se de uma fase marcada pelo entusiasmo em torno das possibilidades de aplicação da nanotecnologia. 4. PÉS NO CHÃO: O entusiasmo continua, só que mais voltado à nanotecnologia do presente (inovação incremental) do que à nanotecnologia do futuro (inovação radical). Por outro lado, já é possível ouvir vozes preocupadas com os limites éticos da nanotecnologia, seus impactos sociais e sua segurança para a saúde e para o meio ambiente.

Conclusões Embora, provavelmente, seja desconhecida

para a maioria da população, a nanotecnologia vem sendo desenvolvida no país há, pelo menos, duas décadas. As primeiras políticas brasileiras específicas para o setor foram impulsionadas pelo contexto internacional, na virada para o século XXI. Desde então, o potencial da nanotecnologia para a inovação tem sido destacado e gerado entusiasmo. Gradativamente, porém, visões mais realistas substituem as futuristas e surgem questionamentos sobre as limitações da nanotecnologia. __________________________________________ 1 Nanoscience and nanotechnologies: opportunities and uncertainties. Londres: The Royal Society/ The Royal Academy of Engineering, 2004. 2 Awareness Of And Attitudes Toward Nanotechnology And Federal Regulatory Agencies. Estados Unidos: The Woodrow Wilson International Center for Scholars, 2007.

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3 Silva, C. G. et al. Estudos estratégicos Nanotecnologia – Parte IV. Brasília: Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, 2004/2005.

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

As diferentes abordagens históricas da nanotecnologia

Maria Fernanda Marques Fernandes1 (PG), Carlos Alberto Lombardi Filgueiras1 (PQ) 1 Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia, Centro de Tecnologia, Bloco A, 7º andar, Universidade Federal do Rio de Janeiro, [email protected], [email protected] Palavras-chave: nanotecnologia, história da ciência, história contemporânea

Introdução A nanotecnologia pode ser definida como “o

conjunto de ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação que são obtidas graças às especiais propriedades da matéria organizada a partir de estruturas de dimensões nanométricas".1 Trata-se de um tema cercado por várias polêmicas. Uma delas se refere à história da nanotecnologia, que é apontada como a nova revolução industrial, embora haja argumentos de que sua origem é antiga. Por isso, torna-se necessário estudar quais as teorias existentes sobre a origem da nanotecnologia e como elas podem influenciar a construção dos discursos dominantes sobre o tema. Para este estudo, foram analisados documentos, livros, artigos e matérias jornalísticas que, ao tratarem da nanotecnologia contemporânea, apresentam alguma abordagem histórica do tema.

Resultados e Discussão Foram identificadas quatro formas de

abordagem histórica da nanotecnologia: 1. NATURAL: Segundo esta abordagem, “a nanotecnologia está presente na natureza há bilhões de anos, desde quando os átomos e moléculas começaram a se organizar em estruturas mais complexas que terminaram por dar origem à vida”.2 Assim, as proteínas, as cadeias de DNA e as organelas celulares, como mitocôndrias e cloroplastos, seriam as mais perfeitas e antigas máquinas nanotecnológicas. 2. EMPÍRICA: De acordo com esta abordagem, o homem pratica a nanotecnologia há séculos ou até milênios. Exemplos: a tinta nanquim, inventada pelos chineses há mais de dois mil anos, que contém nanopartículas de carvão suspensas em solução aquosa e estabilizadas pela mistura com goma arábica; e a taça de Licurgo, do Império Romano, cujo vidro contém nanopartículas de ouro e prata graças às quais a taça é verde com luz refletida e vermelha com luz transmitida (quando se coloca uma fonte de luz em seu interior). 3. FILOSÓFICA: A semente primordial da nanotecnologia teria sido plantada na Grécia Antiga, onde Leucipo e Demócrito desenvolveram a hipótese atomística.

4. TEÓRICO-ESPECULATIVA: A nanotecnologia teria um pai (Eric Drexler) e um avô (Richard Feynman). Feynman, em discurso de 1959, falou sobre a possibilidade de se escrever toda a

Enciclopédia Britânica na cabeça de um alfinete e de se manipular e controlar a matéria em escala atômica. A partir do final da década de 1970, as idéias de Feynman foram retomadas e radicalizadas por Drexler, que idealizou os montadores – máquinas moleculares capazes de produzir virtualmente qualquer coisa a partir de átomos e moléculas e de se auto-replicar. As quatro abordagens têm pouca relação com a nanotecnologia praticada hoje nos laboratórios de pesquisa e nas indústrias. A nanotecnologia atual foi possível a partir de gradativos avanços científicos e tecnológicos relativamente recentes, como a invenção do microscópio de varredura por tunelamento, no início dos anos 1980. Apesar da pouca relação com a nanotecnologia praticada hoje, as quatro formas de abordagem histórica podem influenciar a construção dos discursos atuais sobre a nanotecnologia. Para Sparrow, “entusiastas da nanotecnologia fazem uma série de alegações quando querem fazer propaganda e promover essa tecnologia e outra série de alegações, freqüentemente opostas, quando os céticos questionam o entusiasmo".3

Assim, a abordagem teórico-especulativa, associada às incríveis possibilidades da nanotecnologia, pode ser utilizada para justificar investimentos em determinados projetos. Se esses projetos são questionados quanto à sua segurança, eles podem ser defendidos usando-se a abordagem natural e a empírica. A nanotecnologia estar presente na natureza e ser usada pelo homem há milênios podem se transformar em argumentos a favor de sua segurança, embora se saiba que a nanotecnologia contemporânea difere dessas abordagens.

Conclusões É necessário discutir a história do

desenvolvimento da nanotecnologia de forma mais crítica e menos superficial, para que abordagens fragmentadas dessa história não confundam a sociedade e prejudiquem a compreensão do tema. __________________________________________

1 Sá, G. F. et al. Desenvolvimento da Nanociência e da Nanotecnologia. Brasília: MCT, 2003. 2 Melo, C. P.; Pimenta, M. Nanociências e nanotecnologia. Parcerias Estratégicas, n. 18, pp. 9-21. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2004.

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3 Sparrow, R. Widespread hypocrisy about nanotechnology is a worrying sign. Austrália: Friends of the Earth, 2007.

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Sistema límbico ampliado: uma visão do circuito emocional e sua relação com as demais funções mentais.

Valeria Portugal (Esp.)

[email protected]

Av. Gal. Fel. Cardoso 835/807 Barra da Tijuca RJ Palavras Chave: emoções humanas, sistema límbico, neuroanatomia

Introdução

As emoções possuem relevância na sobrevivência do indivíduo e da espécie participando dos processos relacionados às manifestações fisiológicas decorrentes de tais funções. No ser humano associam-se também às complexas funções de relação e comunicação social, encontrando-se subjacentes, portanto, a diversas funções mentais.

Resultados e Discussão Para que ocorra a experiência subjetiva das emoções, há a necessidade da ativação de áreas corticais superiores, e, para a expressão delas, torna-se preciso o recrutamento de áreas inferiores do eixo neural responsáveis pela ativação dos órgãos periféricos. Não existe um sistema único para o processamento das emoções humanas, já que cada emoção corresponde a uma função e, portanto, ativa seu próprio sistema. Por motivos históricos e didáticos, entretanto, permanece a designação de sistema límbico para o sistema cujas estruturas exercem um papel fundamental como moduladoras do processamento de estímulos emocionais através de suas conexões com as áreas corticais e com o hipotálamo e tronco encefálico.

Figura 1. Vias do córtex pré-frontal às áreas autônomas.

Fonte: Barbas et al, 2003.

Conclusões Embora amplo, o estudo dos circuitos neurais subjacentes às emoções humanas e a verificação das diversas funções de suas estruturas e das conexões recíprocas entre áreas corticais, límbicas e as relacionadas com as manifestações orgânicas validam a necessidade de considerar os aspectos cognição-emoção-corpo relacionados entre si na abordagem do ser humano.

____________________ BARBAS, Helen, SAHA, Subhash, REMPEL-CLOWER, Nancy, GHASHGHAEI, Troy. Serial pathways from primate prefrontal cortex to autonomic areas may influence emotional expression. BMC Neuroscience. v. 4, n. 25, 2003. CAZAROTTO, José Luiz. A Educação e emoções: Alguns elementos para pensarmos uma educação dos sentimentos. Internet. http://www.cesjf.br/direcao/educacao_sentimental.shtml. Acesso em: 03/12/2004. DAMASIO, Antonio. Neuroscientific Foundations. In: Evans, Dylan, Cruse, Pierre (org.). Emotion, Evolution and Rationality. Oxford: Oxford University Press, 2004. DAMASIO, Antonio. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. KANDEL, Eric R., SCHWARTZ, James H., JESSELL, Thomas M. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. LEDOUX, Joseph. O Cérebro Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.

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Uma quimera no Império

Paulo Cesar Strauch, PG

[email protected]

Rua Gustavo Sampaio 840 apt. 802 – Leme – Rio de Janeiro-RJ-CEP 22.010-010. Palavras Chave: : Império, fabricação de produtos químicos

Introdução Na primeira metade do século XIX, iniciou-se, na Inglaterra, a implantação de uma poderosa indústria química, voltada principalmente para a fabricação de alguns produtos de grande demanda principalmente na indústria têxtil. A estratégia utilizada por aquele país no desenvolvimento de uma indústria química de porte, e mais tarde copiada por outros, estava centrada na produção de ácido sulfúrico, porque através de processos químicos então utilizados fabricavam-se, a partir daquele ácido, os ácidos nítrico e clorídrico, além da barrilha (carbonato de sódio), pelo processo Leblanc, e muitos outros compostos químicos com diversas aplicações industriais. Até o final da segunda metade do século XIX, não se fabricavam produtos químicos no Brasil, sendo a pequena demanda então existente atendida por importações. A aplicação da Tarifa Alves Branco, instituída através do decreto nº 376 de 12 de agosto de 1844, com o objetivo de solucionar o problema fiscal do Tesouro Nacional, terminou por tornar mais caros os produtos importados, incentivando a sua produção doméstica. Neste contexto, vários intelectuais brasileiros mostraram-se entusiasmados com o projeto apresentado, em meados do ano de 1846, à Câmara dos Deputados de uma fábrica de produtos químicos, acoplada a uma escola de química.

Resultados e Discussão

O projeto foi apresentado pelos Srs. Félix d´Arcet (1813-1846), médico e Dreyffus, homem de negócios, ambos cidadãos franceses. O projeto contemplava uma fábrica para a produção em larga escala de ácido de sulfúrico e de muitos produtos químicos a partir dele, uma escola de química e a execução de serviços de análises químicas solicitados pelo governo. A responsabilidade técnica do empreendimento, inclusive das aulas teóricas, estaria a cargo do Sr. d´Arcet, por todos reconhecido como um exímio químico.

Os empresários solicitavam um empréstimo sem juros, pelo Governo por um período de 12 anos, bem como o privilégio de fabricação daqueles produtos, isto é, a elevação das tarifas de importação dos seus similares estrangeiros.. O

projeto despertou enorme entusiasmo da elite brasileira, principalmente pelos avais a lê conferidos pelos melhores técnicos brasileiros, como Dr.. Emilio Joaquim da Silva Maia (1808-1859),secretário perpétuo da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e Frei Custódio Alves Serrão (1799-1873), sendo este na época, catedrático de química e de mineralogia da Academia Militar e diretor do Museu Nacional. Como o projeto de Félix d´Arcet e Dreyffus envolvia a concessão de empréstimo e de privilégios por parte do governo brasileiro, ele foi bastante discutido no âmbito do parlamento barsiliero. O assunto foi debatido em sessões nos dias 17, 19, 20, 21, 22, 25 e 27 de agosto de 1846. O assunto foi bastante debatido pelos deputados, que analisaram o problema sob diversos aspectos e a riqueza dos debates, refletiu mais do que opiniões opostas, extremamente importantes em um parlamento, o tirocínio dos debatedores, apesar de lidarem com matéria complexa, por eles desconhecida. Por influência das opiniões dos especialistas, o projeto foi aprovado na Câmara e no Senado e mais tarde, com a sanção do Imperador D.Pedro II, transformou-se no Decreto Decreto Legislativo nº 400 de 5 de setembro de 1846. O projeto nunca foi implantado devido à morte trágica do,Sr. d ´Arcet no Rio de Janeiro no dia 17 de dezembro de 1846.

Conclusões Mesmo não tendo se materializado, esse foi a

primeiro projeto de uma grande indústria química analisado pelos brasileiros. A leitura da documentação da época mostra não só as posições românticas de muitos brasileiros, inclusive dos técnicos mais qualificados favoráveis ao projeto como as opiniões de extremo bom senso dos deputados que a ele se opuseram. Verifica-se, portanto, que diferentemente do que muitos pensam, vários representantes legislativos daquela época eram dotados de espírito público e de tirocínio para analisar diversas questões complexas que surgiam. ____________________ 1 Annaes da Câmara de Deputados – Sessões dos dias 17/8/1846 a 27/8/1846 2 Jornal do Commercio de 27 de junho de 1846 3 O Tempo de 1º de agosto de 1846 4 O Tempo de 6 de agosto de 1846 4 O Auxiliador da Indústria Nacional – I, 3,99-103,1846

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Ver para crer: A indústria de açúcar brasileira em busca da modernização

Paulo Cesar Strauch, PG

[email protected]

Rua Gustavo Sampaio 840 apt. 802 – Leme – Rio de Janeiro-RJ–. Palavras Chave: Império, produção de açúcar, modernização, testes.

Introdução Desde o final do século XVIII, as mentes

esclarecidas de Portugal e do Brasil já alertavam, sem sucesso, as autoridades e os senhores de engenho da necessidade de modernização das ultrapassadas técnicas de produção de açúcar utilizadas no Brasil.

Ao se aproximar o final da metade do século XIX, era crítica a posição do açúcar brasileiro no mundo, com dificuldades de penetração em diversos mercados europeus, abastecidos com açúcar, produzido localmente ou em suas colônias, de melhor qualidade e preço. O produto concorrente era fabricado em unidades dotadas de modernos equipamentos, com elevada produtividade, operados e gerenciados de forma econômica.

Na época, estava em curso uma verdadeira revolução nos processos e equipamentos envolvidos na fabricação do açúcar e nos quais se baseia a atual tecnologia de fabricação de açúcar, desconhecidos no Brasil da época.

Informações sobre essa nova tecnologia já circulavam no Brasil, principalmente por ação da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional. Era necessário que essa tecnologia fosse experimentada no Brasil, usando matéria-prima e mão-de-obra nacionais, para que os conservadores senhores de engenho brasileiros vissem com seus próprios olhos a enorme superioridade da tecnologia moderna em relação a que eles utilizavam.

Resultados e Discussão A experiência havia sido solicitada em 1844 ao

engenheiro brasileiro Feliciano Nepomuceno Prates, graduado pela École Centrale des Arts et Manufactures de Paris, pelo Presidente da província do Rio de Janeiro, Aureliano de Souza e Oliveira e Coutinho (1800-1855), o futuro Visconde de Sepetiba que, através da Assembléia Provincial, autorizou aquele técnico a importar e montar, em um grande engenho, os novos equipamentos da empresa francesa Derosne et Cail. A experiência aconteceu no mês de julho de 1846 em Campos dos Goitacazes, na época o principal pólo produtor de açúcar no Rio de Janeiro.

Para ao acompanhamento da experiência o governo provincial criou uma comissão ad hoc, constituída de empresários rurais. Dela fizeram parte, além de José Ribeiro de Castro, o futuro Barão de Santa Rita, dono do engenho onde se realizou o teste, Manuel Pinto Netto da Cruz, o Barão de Muriaé, Luiz Antônio de Siqueira, o Visconde de Itabapoana e Pedro de Alcântara Lisboa, este um engenheiro químico brasileiro, também graduado pela École Centrale des Arts et Manufactures de Paris, que aliás era o único técnico presente.

O engenheiro Prates demonstrou a superioridade dos novos equipamentos sobre a técnica convencional. Em termos físicos, produziu-se cerca de 60% a mais de açúcar.

Relatórios sobre essa experiência comprobatória da superioridade da nova tecnologia em relação à técnica antiga praticada no Brasil, foram publicados em jornais pela comissão (1) nomeada pelo governo, pelo engenheiro Prates (2) e Por Pedro de Alcântara Lisboa (3). Este último realizou também no Museu Nacional concorrida palestra sobre o assunto para cerca de 400 pessoas em nome da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, publicada em O Auxiliador da Indústria Nacional (4).

Conclusões Essa foi a primeira experiência de novos

equipamentos, como p.ex. tanque de defecação, filtração em carvão animal, evaporador a vácuo realizada no Brasil. A divulgação dos excelentes resultados obtidos em órgãos de grande circulação fez com que não mais se duvidasse no Brasil da sua viabilidade técnica. Dali para a frente, os produtores brasileiros passaram a a discutir meios de viabilizar a implantação dos mesmos em seus engenhos. ____________________ 1 Jornal do Commercio de 31 de julho de 1846 2 Jornal do Commercio de 31 de julho de 1846 3 Jornal do Commercio de 17 de julho de 1846 4 O Auxiliador da Indústria Nacional – I,3, 95-99, 1846

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Teorema Fundamental da Álgebra (T.F.A)

Emilson Luiz Mello Garcia* (PG)¹, Ricardo Kubrusly(PQ)

¹[email protected]

Palavras Chave: História, Ciências, Humanidade, raciocínios numéricos.

Introdução

O Teorema Fundamental da Álgebra declara, de forma técnica, o que se segue: Seja “p” um polinômio não constante, de coeficientes complexos. A cada número complexo “z” associemos o valor “p(z)” do polinômio “p”. Isto define uma função p: C C, onde C é o conjunto dos números complexos. A afirmação de que “p” é uma função sobrejetiva é equivalente ao chamado “Teorema Fundamental da Álgebra” (um teorema de Topologia, segundo o qual todo polinômio complexo não constante possui pelo menos uma raiz complexa). Ora, o T.F.A., está na interseção da teoria dos números, da teoria das equações, da álgebra abstrata, da análise complexa e da topologia. Então, de forma simplificada, o que o T.F.A. enuncia é que um polinômio com coeficientes de grau n, com n maior ou igual a 1(um), tem, no mínimo, uma raiz complexa. Este trabalho examina a história deste teorema e investiga algumas provas que têm sido postas em diferentes áreas da matemática. Por exemplo, como o T.F.A. tem grande conteúdo da parte da álgebra das funções e dos números, faz parte desta pesquisa examinar a história de equações do tipo ax2 + bx + c = 0. Porém, ao se escrever esta equação, usando estes símbolos, fala-se de uma história das ciências que começa no século XVII; se a restrição a estes símbolos particulares for removida, para que uma simbologia bem menos rígida possa ser usada, volta-se ao terceiro século depois de Cristo; agora, se a solução para a equação mencionada acima usar métodos geométricos, sem o uso de símbolos algébricos de qualquer espécie, chega-se a Escola de Alexandria (300 a.C.), cuja biblioteca chegou a ter 700.000 pergaminhos, e a períodos anteriores; contudo, se a álgebra for classificada através de problemas que hoje são resolvidos pela álgebra mas que no passado eram resolvidos por tentativas e/ou processos exageradamente complicados usando a aritmética, chega-se a 1800 a.C.; como o T.F.A. equivale a uma função sobrejetiva, uma conveniente restrição a esta função nos levará a tê-la como bijetora. E isto é importante porque durante a época que vai de 30000 a.C. até 10000 a.C. surgem os homens de Cro-Magnon (Período Paleolítico Superior). Habitavam em cavernas e tinham vida mais regular e organizada do que povos anteriores. Desenvolveram idéias mitológicas sobre forças

invisíveis que regeriam o mundo como também foram eles que desenvolveram as primeiras notações numéricas da história da humanidade. Eles faziam isso na forma de entalhes sobre ossos e, possivelmente, estas contagens estavam relacionadas com animais abatidos durante a caça (função bijetora).

Resultados e Discussão Esta pesquisa considera o fato de que o T.F.A. equivale a uma função sobrejetiva, (mas que ao sofrer conveniente restrição torna-se bijetora) . Sua história serve como fio condutor da história da matemática e reflete a própria história do homem. Examina-se o teorema no período Paleolítico Superior e estuda-se a história das práticas matemáticas na Babilônia, no Egito, na Índia, na Arábia, na Grécia Antiga, continuando através da Europa Cristã, chegando a Itália (1500 d.C.). Será visto que os algebristas do século XVI descobriram métodos gerais para resolver equações do terceiro e quarto graus, iniciando pesquisas de resoluções de equações do quinto grau. É também interesse deste trabalho examinar as pesquisas do século XVII nos campos da análise infinitesimal e da geometria analítica já que tais áreas participam do desenvolvimento histórico do T.F.A.. Ver-se-á, por exemplo, o quanto Albert Girard (1629 d.C.), que registrou que equações de grau n tem n soluções, e René Descartes, em seu texto “La Geométrie” (1637), que sintetizou tudo que se sabia sobre equações e sinais de raízes reais de polinômios reais à época, contribuíram para o desenvolvimento do tema deste trabalho. O T.F.A. tem um singular significado na história dos números complexos, já que a prova deste teorema no domínio dos complexos influenciou, sobremaneira, no reconhecimento geral de tais números. Note-se que no século XVIII os números complexos não eram bem compreendidos e nem bem aceitos. Mas, o matemático francês D’Alembert, publica em 1746 sua análise sobre a álgebra dos números complexos assumindo-os da forma “a + bi”, usando-os para provar o T.F.A. Todo este interesse pelo T.F.A., na época, veio do fato de que Bernoulli e outros matemáticos interessavam-se pelas funções racionais integráveis e a prova do T.F.A. deu novo impulso a seus trabalhos. Acontece que a prova de D’Alembert continha imprecisões dentro da “Análise Matemática”, assim outras provas surgiram como as de Euler, Lagrange

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e Laplace. Porém, infelizmente, em todas estas provas havia problemas com a teoria da análise matemática. Mas foi Carl Gauss, na sua dissertação de doutorado, em 1799, que chamou a atenção para tais falhas e forneceu a primeira prova do T.F.A. considerada logicamente aceitável, embora com falhas na teoria da topologia. Alguns anos mais tarde descobriu-se que soluções para equações do quinto grau não poderiam ser dadas quando se usavam radicais. Galois, então, deu uma condição necessária simples para a solução por radicais de uma equação polinomial. A partir daí muitos ramos de pesquisa matemática realmente explodiram tais como a Análise Complexa, Álgebra, Análise Real, Topologia, Aritmética, etc.

Conclusões Uma análise histórica do T.F.A. não pode ser feita sem que se analise a história de muitos ramos da matemática assim como a evolução histórica do pensamento numérico, cujas repercussões são enormes. Contemporâneamente, para que se cite um exemplo, filósofos e cientistas estão lidando com problemas de ordem numérico-computacional de grande relevância que são os da “Teoria da Complexidade Computacional”. Ora, cada passo para o desenvolvimento do T.F.A. envolveu tipos de algorítmos atrelados a multidões de raciocínios numéricos. Observar tais raciocínios é importante para a ciência. Para Bremermann, por exemplo, há um limite fundamental para a velocidade dos computadores, o que torna certos procedimentos algorítmicos intratáveis, por não poderem ser obtidos em tempo eficiente. Enfim, a síntese a seguir fornece uma idéia didática da linha desenvolvida nesta pesquisa na contextualização histórica e na análise do pensamento numérico do T.F.A., mostrando sua importância para as histórias das ciências e da humanidade: 20000 a.C. – os homens de Cro-Magnon “constroem“ empiricamente as primeiras noções das funções bijetoras. 3500 a.C. – os babilônios trabalham empiricamente com funções de 2º grau. 1600 a.C. – os egípcios trabalham empiricamente com funções de 2º grau. 300 a.C. – os gregos trabalham empiricamente com funções de 2º grau. 600 d.C. – os chineses trabalham empiricamente com resoluções de triângulos retângulos e de equações do 2º grau. 1000 d.C. – Os indianos trabalham com equações quadráticas. 1545 d.C. – O matemático Gerônimo (ou Gerolano) Cardano publica a obra “Ars Magna” que continha equações com raízes do tipo 5 + √-15 e 5 - √-15, as

quais Cardano qualificou de “tão sutil quanto inútil”, e as chamou de “sofísticas”, pois era necessário que se desse algum sentido a elas. 1572 d.C. – O matemático italiano Rafael Bombelli propõe regras de manipulação destas raízes, assim como a representação a + b √-1, embora o √-1 ainda não fizesse sentido. 1629 d.C. – O matemático Albert Girard foi o primeiro a conjecturar o Teorema Fundamental da Álgebra dizendo que há sempre n raízes para equações de grau n; porém Girard nada afirmava sobre a natureza das raízes. 1702 d.C. – Um dos maiores gênios universais que a humanidade produziu, Gottfriend Wilhelm Leibniz, deu uma demonstração de que a conjectura de Girard era falsa, onde afirmava que, por exemplo, para qualquer valor dado t, o polinômio x4 + t4 nunca poderia ser escrito como o produto de dois fatores quadráticos. 1742 d.C. – Euler, correspondendo-se com Goldbach, provou que o contra-exemplo de Leibniz era falso. 1746 d.C. – O grande matemático francês Jean lê Rond d’Alembert foi o primeiro a fazer uma tentativa realmente precisa de demonstração do T.F.A., pois não admitia a pré-existência das raízes. Contudo, sua prova tinha sérias fraquezas. D’Alembert usou um lema, sem prova, que hoje leva seu nome, que só foi provado em 1851, por Puisseau; porém Puisseau apóia sua demonstração no próprio Teorema Fundamental da Álgebra. Outro problema é que nos dias de D’Alembert, não se compreendia, sequer, o que era um número real (lembrando que Julius Richard Dedeking só nasceu em 1831) e, portanto, D’Alembert não teve o conhecimento necessário para usar um argumento sobre compacidade, necessário para concluir corretamente sua prova. Em outros termos, hoje sabemos que os argumentos na prova de D’Alembert pertencem a Topologia, que ainda estava por se desenvolver mais completamente. Mas, o próprio D’Alembert, como que, anteviu: “para colocar em bases firmes os fundamentos da análise matemática, é preciso desenvolver a teoria dos limites de forma rigorosamente estruturada”. 1749 d.C. – Euler conseguiu uma linda prova, inteiramente algébrica, de que todo polinômio real de grau n ≤ 6, tinha exatamente n raízes da forma a + bi. Apoiando-se no fato de que toda equação polinomial de grau impar tem, pelo menos, uma raiz real, Euler tentou dar uma prova do caso geral, popularizando, assim, a versão do T.F.A. para polinômios reais. 1792 d.C. – O italiano Joseph Louis Lagrange contesta a demonstração de Euler, mostrando que as funções racionais usadas por ele poderiam, em princípio, conduzir a formas indeterminadas do tipo 0/0. 1795 d.C. – O matemático Pierre Simon Laplace

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tentou dar uma prova para o T.F.A. usando uma abordagem totalmente diferente das anteriores, onde inseria a noção de “discriminante de um polinômio”. O único problema de sua prova era a suposição da pré-existência das raízes. 1799 d.C. – O matemático Carl Friedrich Gauss recebe o título de Doutor em Filosofia pela Universidade de Helmstedt. O título de sua dissertação foi: “Uma nova demonstração de que todos os polinômios de uma variável podem ser fatorados em fatores reais de primeiro e segundo graus”. Pode-se dizer que Gauss foi o primeiro a denunciar que aceitar a conjectura de Girard, isto é, aceitar a pré-existência das raízes, era inaceitável. No entanto, a demonstração de Gauss, para os padrões de rigor atuais, tem fraquezas gravíssimas, porém estas fraquezas são de origem topológicas. 1814 d.C. – O suíço Jean Robert Argand publica uma prova do T.F.A.: “Essai sur une manière de representer les quantitiés imaginaires dans les constructions géometriques”. Neste artigo ele interpreta “i” como uma rotação no plano. Mais tarde, num artigo intitulado “Reflexions sur la nouvelle théorie d’analyse”, Argand simplifica a idéia de D’Alembert usando o teorema geral sobre a existência de um mínimo de uma função contínua. 1981 d.C. – A prova de Argand era somente uma prova de existência e não permitia a construção das raízes. Weierstrass (1859) começa, então, a fazer tentativas no sentido de uma prova construtiva, mas apenas em 1940 uma prova construtiva variante de Argand foi dada por Hellmuth Kneser. Esta prova foi simplificada em 1981 por Martin Kneser (filho de Hellmuth Kneser). Então, do vasto espectro de temas que compõem a história do T.F.A., far-se-á a focalização do nosso estudo na análise da natureza dos erros das principais tentativas de provas dadas ao T.F.A. no processo de fundamentação matemática necessária para contornar estes erros e na reunião dos principais fatos e nomes envolvidos na trajetória do T.F.A., fazendo a contextualização histórica dos mesmos e pesquisando, inclusive, as intuições numéricas e funcionais dos homens desde a pré-história, que contribuíram para a ulterior construção do T.F.A..

Agradecimentos Ao HCTE-UFRJ meus sinceros agradecimentos. ____________________ 1 Bremermann, H. T. Optmization Through Evolution and Recombination. In: Self-Organizing systems 1962, edited M.C. Yovitts et al., Spartan Books, Washington, D.C., 1962.. 2 Lima, E.L. Curso de Análise. Vol.1, RJ: Projeto Euclides, IMPA. 2002. 3 Lumsden, C.J. & Wilson, Edward O. Genes, mind and culture; the evolutionary process. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1981 4 Spivak, M. Princípios de Análise Matemática. RJ: ao Livro Técnico. 1971

5 Taton, R (direção geral). História Geral das Ciências. Tomos I, II, III, IV, SP: Difusão Européia do Livro. 1974

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

A imigração árabe e o pensamento algébrico

Autores: Miriam Abduche Kaiuca (FM) (PG); Prof. Dr. Ricardo Kubrusly (PQ)

( [email protected] - [email protected]) Palavras Chave: álgebra; imigração; linguagem-pensamento

Introdução

“O mundo é uma esfirra de carne” é parte da letra de uma canção popular de Pedro Luís. É uma frase solta, quase sem sentido, uma revelação. Não que o mundo, como o conhecemos, seja, ou mesmo torne-se redutível aos ingredientes e à composição físico-química do quitute oriental, mas, suas lendas, seus temperos em misturas longínquas, suas distâncias condensadas em porções mágicas de sensações e gostos revivem uma história que nos atravessa. São os cheiros de avó que determinam, muitas vezes nossos valores. Lembranças que carregam um mundo dentro dos seus sabores. São as culturas que determinam as nossas verdades e as nossas lógicas. São seus esquemas, seus conhecimentos, contrariamente ao entendimento científico moderno de um conhecimento puro, sempre no singular, onde a pobre esfirra perde seus saberes e se torna um punhado de farinha e suas composições e seus números e seus recheios. Para a moderna matemática moderna matemática,a Álgebra pode parecer uma fria e objetiva axiomática - constitutiva de uma sintaxe de estruturas operatórias e destituída de qualquer alcance semântico -, mas essa Álgebra de hoje é o resultado da evolução1- em desenvolvimento contínuo da velha al-jabr, forjada por um contexto cultural em que não são alheios, elementos que vão desde as estruturas gramaticais do árabe à teologia da época do século X d.C.

Resultados e Discussão

O significado: As palavras que nomeiam a nova ciência da época, al-jabr e al-muqabalah, embora empregadas por Al-Khwarizmi em sentido técnico, eram (e ainda são) termos da linguagem corrente árabe. O radical trilítere j-b-r2 está associado aos seguintes significados: Força; Força que compele, que obriga; Restabelecer.

Por que Al-Khwarizmi escolhe a palavra jabr para o procedimento fundamental de sua nova ciência? A Álgebra é "forçar cada termo a ocupar seu devido lugar". Já no começo de seu Kitab, Al-Khwarizmi distingue seis formas de equação, às quais toda equação dada pode ser reduzida (e, portanto, canonicamente resolvida). Em notação de hoje:1. ax2 = bx ; 2- ax2 = c ; 3-ax = c ;4- ax2 + bx = c; 5- ax2 + c = bx; 6- bx + c = ax2.

Al-jabr é a operação que soma um mesmo fator (afetado do sinal+) a ambos os membros de uma equação para eliminar um fator afetado com sinal - Já a operação que elimina termos iguais ou semelhantes de ambos os lados da equação é al-

muqabalah (que, por sua vez, deriva do radical q-b-l, cujo significado é: estar frente a frente)Seja um problema em que os dados podem ser postos sob a forma: 2x2 + 100 - 20x = 58. Al-Khwarizmi procede do seguinte modo: 2x2 + 100 = 58 + 20x (por al-jabr). Divide por 2 e reduz os termos semelhantes: x2 + 21 = 10x (por al-muqabalah). O problema já está canonicamente equacionado.

Álgebra e alguns aspectos da cultura árabe: O sistema língua/pensamento permite compreender os grupos sociais e, assim, historicamente, podemos apontar como a cultura dos povos conseguiu formular a Álgebra- uma disciplina da matemática- como ciência árabe e de sua evolução (em contraposição à Geometria, ciência grega)3.

Sobre as relações entre língua e forma de pensamento é a de que "o que nos interessa não são as línguas em si, mas as línguas enquanto pré-determinam uma certa concepção de mundo para o falante.”O conceito de ma'na, 'intencionalidade'4, é tão característico da forma árabe de pensamento, como o é a noção específica do termo grego logos, em sua concepção original, para a forma de pensamento do grego clássico. justamente por essas duas noções, ou, por assim dizer, sob os auspícios dessas duas noções, é que essas duas formas de pensamento, encarnadas, cada uma em uma língua determinada - o grego clássico e o árabe clássico - exprimiram-se como tais em uma filosofia “5.

Conclusões

A lógica da álgebra requer mudanças, a viagem do novo, a busca de verdade e verdades, que convivem como iguais e diferentes. Assim, ressalta-se elaborar, na pesquisa, como os imigrantes sírios e libaneses no Brasil, entre 1880 a 1950, e seus descendentes retificaram as bases identitárias de uma cultura, como uma minoria, tornando-se pessoas inseridas na área do conhecimento matemático algébrico ?

Referências: 1-Pieper, Josef . A tese de Pascal: Teologia e Matemática – uma introdução ao Préface pour lê traitê du vide” Cuadernos de Cultura y Ciência, Madrid-São Paulo, Univerdidade Autônoma de Madrid, 1996. 2-Como se sabe, o radical consonantal é, em árabe, o que é semanticamente decisivo: as vogais, a prefixação etc. só fazem uma determinação periférica de sentido. 3- Lohmann, Johannes. Santo Tomás e os Árabes – Estruturas e formas de pensamento” Revista de estudos árabes- Centro de Estudos Árabes / FFLCHUSP, São Paulo, Ano III, 1996, p. 33-51 4 - ”Modernidade Clássica e Ciência Árabe”, Revista de Estudos Árabes, DLO_FFLCHUSP, 1993, p. 9- 28 5- Art. Cit. p. 23.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Julian Schwinger: Contribuições e Questionamentos

Marcelo Carvalho1 (PQ), Alexandre Lyra2 (PQ)

1-Universidade Federal de Santa Catarina, Depto. Matemática, Florianópolis, SC, 88040-900, Brasil,

2-Universidade Federal do Rio de Janeiro, Observatório do Valongo, Rio de Janeiro, 20080-090, Brasil, [email protected] Palavras Chave: Schwinger, história da física, eletrodinâmica quântica, teoria de fontes.

Introdução Julian Seymour Schwinger (1918-1994) foi um dos maiores expoentes da física do século XX. Ganhou, em 1965, juntamente com Feynman e Tomonaga o Prêmio Nobel de Física. Aos treze anos tinha como sua “bíblia” o livro recente de Mecânica Quântica de Paul Dirac, e sempre se considerou um discípulo de Dirac. Com 27 anos foi para Harvard, e lá teria o ápice de sua carreira. Contribuiu fortemente para a elaboração da Teoria Quântica de Campos (TQC). Orientou 68 PhD(s), somente em Harvard, sendo que 4 destes também ganharam o Prêmio Nobel, durante décadas foi uma referência da física nos Estados Unidos. Com uma brilhante carreira científica, defendeu isoladamente, a partir do final da década de 60, uma posição contra a TQC que ajudou a construir, e criou sua própria teoria para as partículas elementares. Levantaremos possíveis explicações que ajudem a entender o processo singular que o levou a ficar, dos anos 70 até ao final de sua vida, em 1994, desenvolvendo sua Teoria de Fontes.

Discussão Alguns historiadores afirmam que a estruturação que Schwinger deu à Eletrodinâmica, e a renorma-lização, foram tratamentos mais convencionais, e que a metodologia de Feynman era mais “revolu-cionária”. Podemos questionar este raciocínio, para isto, lembramos que o Princípio Quântico da Ação, proposto por Schwinger na sua elaboração da TQC em 1951, era um conceito bastante “revolucionário”. Schwinger o utilizaria depois para construir os fundamentos da sua versão da mecânica quântica. Uma década após participar da construção da TQC, Schwinger se “rebelou” contra a teoria que ajudara a criar. Afirmou: “Se não der para se unir a eles, destrua-os”. Sua rebelião se deu em parte devido às dificuldades de estender o modelo a todas as interações, e também devido a sua rejeição do conceito de “campos quânticos de operadores”. Estas e outras críticas o levaram a propor, no final dos anos 60, uma teoria alternativa à TQC. A nova teoria, de base fenomenológica, é estruturalmente diferente da TQC que é qual é utilizada na elaboração do modelo-padrão das partículas elementares. Na nova teoria de Schwinger, denominada Teoria de Fontes, não

existem campos de operadores. Ela não foi bem aceita pela comunidade teórica. Em parte pelo fato de ser “fenomenológica” e também porque, nesta mesma época, o modelo-padrão começou a fornecer bons resultados. Julian acabou nesta época (1971) saindo de Harvard para a Universidade da Califórnia (UCLA), onde permaneceu até seu falecimento em 1994. Inusitadamente, a razão real de sua saída de Harvard, não foi a negativa recepção da sua nova teoria, e sim poder levar, na Califórnia, uma vida mais saudável, com a prática diária de esportes.

Conclusões Sabemos que no processo evolutivo da física

sempre houve percalços “sociais”, desde fatos radi-cais como o “julgamento de Galileu”, até outros como a tempestade de protestos, dos próprios cientistas, quando Thomas Young propôs experi-mentos que viriam a confirmar a teoria ondulatória da luz. Atualmente a Física se encontra numa fase de transição. Espera-se que os experimentos plane-jados venham a confirmar certas previsões do modelo-padrão, caso contrário, certamente ocorre-rão dificuldades para o seu prosseguimento. Teorias que não têm perspectivas de confirmação experi-mental começam, de fato, a serem criticadas pelos seus próprios construtores.

Compartilhamos com a opinião de que parte dos problemas da física atual se deve a não resolução de questões fundamentais na teoria da relatividade e na mecânica quântica. Acreditamos ainda ser necessária uma reflexão, discussão e assimilação, da recente, vasta e fundamental, obra científica de Julian Schwinger. Os três volumes da Teoria de Fontes permanecem muito pouco utilizados em boa parte das bibliotecas de física. Acreditamos que a tentativa de resolução, mesmo que parcial, das criticas de Schwinger a TQC contribuiria bastante para o desenlace da crise que começa a se aprofundar.

Agradecimentos Agradecemos aos colegas L.I. Arany-Prado, J. A. S. de Campos e R. V. de Nader pelo incentivo neste trabalho. __________________ 1 Mehra, J., Milton K. Climbing the Mountain, The Scientific Biography of Julian Schwinger, Oxford, New York, 2000. 2 Lyra, A.Ciência e Sociedade, Publicação CBPF-CS-005/06, Rio de Janeiro, 2006.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Boscovich, um jesuíta atomista do séc. XVIII

Tânia de Oliveira Camel1 (PG), Carlos Alberto L. Filgueiras2 (PQ), Calos B. G. Koehler3 (PQ).

UFRJ – HCTE [email protected] Átomos pontuais, centros de força.

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Introdução A concepção de átomos pontuais para a

estrutura da matéria é pós-newtoniana. Seu maior

expoente foi o jesuíta Roger Boscovich (1711-

Croácia/1787–Itália). Boscovich começou sua

educação no colégio jesuíta de Dubrovnik. Em

1725, tornou-se membro da ordem dos Jesuítas e

foi enviado para Roma sendo ordenado em 1744.

Em 1760, se tornou membro da Royal Society. Foi

uma figura polivalente, com um importante percurso

na história da ciência: filósofo natural, matemático,

astrônomo e geodésico. Ele se situou entre a

filosofia natural de Newton e Leibniz, em um

extremo, e a filosofia natural de Faraday, em outro,

mas, ao mesmo tempo, muito longe de ambas.

Resultados e Discussão Boscovich enunciou sua primeira Lei

Universal de Forças tendo se inspirado em parte na

lei de continuidade de Leibniz e em parte na famosa

questão 31, com a qual Newton concluiu a quarta e

final edição do seu Opticks. Nessa, Newton

questionou especulativamente se não poderiam

existir ambas as forças, atrativa e repulsiva,

alternadamente ativas entre partículas da matéria.

Em 1745, no De Virubus Vivi, Boscovich

observou que, no impacto por contato, a velocidade

mudaria de valor subitamente, de forma

descontínua, o que contrariava o princípio de

continuidade da natureza. Sua conclusão foi de que

a colisão se processa por uma força que atua a

distância fazendo a velocidade mudar

progressivamente. Boscovich concluiu, do mesmo

modo, que a impenetrabilidade dos corpos é devida

a uma força repulsiva entre centros de força. A força

pode na sua concepção, ser repulsiva ou atrativa,

variando de um caso a outro, conforme a distância

em que os elementos são separados.

Boscovich combinou as forças de atração e

repulsão em um só átomo. Nessa teoria, a matéria

se reduzia a um complexo de forças ou poderes que

variavam de intensidade e qualidade com a

extensão, podendo ser de atração ou repulsão. Na

figura abaixo, o padrão de forças de um átomo

boscoviquiano é representado graficamente.

WILLIAMS, L. Pearce. “Faraday”. In: GILLISPIE, C. Charles. (ed.). Dictionary of Scientific Biography, v. 3. New York: Scribner, pp. 527-539, 1980.

Conclusões Na filosofia natural de Boscovich, os

elementos primários da matéria são meros pontos

reais, homogêneos, simples, indivisíveis, sem

extensão e distintos dos pontos geométricos apenas

por possuírem inércia e interação mútua entre eles.

A matéria extensa se torna então uma configuração

dinâmica de um número finito de centros de

interação. Boscovich influenciou Faraday direta ou

indiretamente. O encadeamento dessas partículas

de força permitia que a força fosse transferida por

vibração. Essa concepção foi usada por Faraday

em 1838 para explicar a decomposição

eletroquímica, e em 1846 para explicar a

ropagação da luz sem recorrer a um éter. A

concepção dos centros de força conduziu Faraday

às famosas linhas de forças, consideradas as

antecessoras da concepção de “campo”, conforme

a teoria elaborada por Maxwell. Esses conceitos

expressam, em comum, a recusa em aceitar a

possibilidade de uma ação à distância no domínio

p

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dos fenômenos elétricos e magnéticos por eles

estudados.

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A primeira observação astronômica realizada em território brasileiro

*Gil Alves Silva (PG)1; *[email protected] 1HCTE/IQ - UFRJ

Palavras Chave: astronomia, ciência, história.

Introdução São três os documentos relacionados com o

descobrimento do Brasil escritos por integrantes da armada de Pedro Álvares Cabral: a Carta de Pero Vaz de Caminha (escrita a 1º de maio de 1500, redescoberta por Juan Batista Muñoz por volta de 1793), a Relação do Piloto Anônimo (publicado antes da morte de Cabral, por volta de 1520) e a Carta de Mestre João.

A carta que Mestre João escreveu de Porto Seguro, entre os dias 27 de abril e 1º de maio de 1500, é o primeiro e mais importante documento de natureza astronômica elaborada pela comitiva da frota cabralina. Mestre João fora incumbido, pelo próprio rei dom Manoel, de uma tarefa importantíssima: descobrir, por meio da observação das estrelas, que terra era aquela e em que latitude se localizava. Além disso, foi o primeiro a reproduzir graficamente a constelação do Cruzeiro do Sul.

Resultados e Discussão Ao partir de Lisboa (φ=38º N), em 9 de março de

1500, Cabral e seus comandados ainda não enxergavam as estrelas do Cruzeiro do Sul. Tendo em mente que as declinações austrais das estrelas α, β, γ, δ e ε Crucis são, respectivamente, 60º, 56º, 54º, 55º e 57º, teremos que a primeira estrela da Cruz a ser vista pela frota foi γ Crucis, quando a armada se encontrava na latitude φ=36º N. Entretanto, à medida que a frota enveredava pelo Atlântico Sul, tornou-se possível observar um número maior de estrelas austrais. O tempo de permanência destes astros acima do horizonte era maior, e neste caso se enquadravam δ, β e ε Crucis, as próximas a serem identificadas por Mestre João. Mas o Cruzeiro do Sul só ficou completamente visível a partir da latitude φ=30º N, quando a estrela α Crucis, a mais próxima ao pólo sul celeste, emergiu no oceano, e isso deve ter acontecido na noite de 13 de março de 1500, 120 milhas náuticas (222 Km) ao norte do arquipélago das Canárias.

estrela declinação (δ) latitude (φ= 90º-δ)

α Crucis 60º 30º N

β Crucis 56º 34º N

γ Crucis 54º 36º N

δ Crucis 55º 35º N

ε Crucis 57º 33º N

Fac-simile da carta que Mestre João enviou ao rei dom Manoel. O original está arquivado na Torre do Tombo, em Portugal.

Conclusões Junto com a carta de Caminha, a carta de Mestre

João é considerada o documento cartográfico mais antigo do Brasil. Pelo caráter científico da mesma, conclui-se que Mestre João, além de piloto, foi o principal encarregado das observações astronômicas durante a viagem do descobrimento. Analisando bem esta aventura pré-colonial, é impossível não questionar se Mestre João, ao batizar o Cruzeiro, já não trazia uma idéia preconcebida por outros navegantes europeus. Afinal, cruzar a linha do equador era uma tarefa arriscada, que os monarcas católicos da Europa quinhentista só se atreveriam com a benção da Igreja, e nada melhor que um símbolo cristão para guiá-los pelos mares do Novo Mundo. Será que o Cruzeiro realmente foi a primeira cruz celeste? Seria falta de imaginação chamar outro grupo de estrelas de Falsa Cruz, ou um cuidado a mais a ser tomado na hora de escolher corretamente a direção sul? ____________________ 1 BUENO, E. A viagem do descobrimento. Rio de Janeiro, Objetiva, 1998.

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2 PEREIRA, P.R. Os três únicos testemunhos do descobrimento do Brasil. Rio de Janeiro, Lacerda Editores, 1999.

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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A evolução da cartografia celeste entre os séculos XV e XIX

*Gil Alves Silva (PG)1; *[email protected] 1HCTE/IQ - UFRJ

Palavras Chave: astronomia, cartografia, história.

Introdução Resumidamente, podemos definir 2 importantes

grupos de constelações: um formado pelas 48 clássicas (descritas por Ptolomeu no Almagesto, embora conhecidas há muito mais tempo) e outro formado por 40 constelações criadas entre os séculos XVI e XVIII (principalmente no hemisfério sul celeste), que homenageavam as artes, as ciências, a natureza, e até mesmo alguns monarcas. Nosso intuito nesse estudo é mostrar como a cartografia celeste evoluiu, desde a invenção da imprensa até meados do século XIX. O fato é que esses mapas resumiram o conhecimento astronômico da época, e que gradualmente foram perdendo seu charme, mas mesmo assim é inegável que tenham tido momentos nobres na história da Astronomia.

Resultados e Discussão Quem foram os cartógrafos mais influentes?

Quais foram as principais inovações? Onde as constelações “modernas” fizeram sua primeira aparição? As novas constelações são atribuídas a dupla Keyser-Houtman (11), Hevelius (7) e Lacaille (14), sendo que Camelopardalis (Girafa), Columba (Pomba), Coma Berenices (Cabeleira de Berenice), Crux (Cruzeiro de Sul), Monoceros (Unicórnio) e Triangulum Australe (Triângulo Austral) surgiram em mapas e globos celestes ao longo dos séculos XVI e XVII. Lacaille também dividiu a constelação de Argo (Navio) em 3 distintas: Carina (Quilha), Puppis (Popa) e Vela (Vela).

Virgem, em Urania’s Mirror (1825).

Conclusões Acompanhando os avanços da Astronomia, a

cartografia celeste evoluiu de um estilo simplesmente decorativo para um mais funcional. Com o surgimento do telescópio no começo do século XVII, novos objetos foram descobertos e catalogados, fazendo com que os astrônomos registrassem estas novas informações em suas obras − planetas e cometas, estrelas e aglomerados, nebulosas e galáxias − nada passava despercebido aos olhos dos cartógrafos. 1 BAKICH, M.E. The Cambridge Guide to the Constellations. Cambridge, Cambridge University Press, 1995. 2 CROSSEN, C.; TIRION, W. Binocular astronomy. Virginia, Willmann-Bell Inc., 1992. 3 RIDPATH, I. Star Tales. New York, Universe Books, 1988. 4 STOTT, C. Cartas Celestes – antigos mapas do céu. Lisboa, Dinalivro, 1991. 5 VIEIRA, F. Identificação do céu. Rio de Janeiro, Fundação Planetário, 1999.

Hemisfério norte celeste (Giovanni Cínico, 1469).

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

A historia, as técnicas e a conservação de testemunhos históricos.

Marco A B Leite (PQ)*1, Maria Tereza C. Barcellos(TC)2, Thereza Baumann (PQ)2

1-Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2-Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. [email protected] Palavras Chave: anoxia, tratamento químico, múmias, filmes finos.

Introdução As técnicas utilizadas na preservação e

conservação de peças antigas e sítios arqueológicos são a garantia da sobrevivência da historia. As múmias da coleção egípcia do Museu Nacional (MN) adquiridas ao longo século XIX pela família Real Brasileira se mantiveram ao longo daquele século apenas com cuidados e limpeza de poeira. No final do século passado devido a problemas na conservação do prédio que as guardava, uma delas foi lavada pela chuva e iniciou-se um processo de deterioração, constatado pela mudança aparente da múmia HORI.1

Não existem muitas técnicas de preservação de peças de origem animal com mais de 2000 anos em fase de deterioração, pois são muito frágeis e delicadas para serem tratadas com bactericidas, fungicidas ou qualquer outro regente químico. Segundo Maekawa1, outras possibilidades para acabar com bactérias e fungos sem usar processos químicos, seria por alteração de temperatura (frio ou calor), por radiação gama ou por supressão da fonte de oxigênio para o crescimento celular. A técnica de preservação por tratamento térmico das múmias do MN foi descartada, pois poderia danificar a peça. E o tratamento com radiação eletromagnética não e aconselhável, pois poderia deteriorar os tecidos já fragilizados pelo tempo. A melhor alternativa então seria o controle ambiental em torno da peça, ou seja, o controle da fonte de oxigênio tentando desta forma aniquilar microorganismos sem que os tecidos enfraquecidos se deteriorem durante o processo. O objetivo deste projeto foi utilizar o processo de controle do oxigênio, conhecido como ANOXIA, para eliminar crescimento de bactérias nas múmias do Museu Nacional (MN).

Resultados e Discussão O processo de anoxia para a conservação de

múmias já tinha sido usado em outros paises com sucesso. O processo de anoxia pode ser feito trocando o ar em torno das peças por nitrogênio puro.

As bactérias aeróbicas seriam eliminadas pela supressão do O2 atmosférico, pois estas respiram oxigênio. As bactérias anaeróbicas não respiram O2, mas usam oxigênio no processo da respiração e utilizam, como fonte de oxigênio, a água. Por isso teríamos também que controlar a umidade relativa do ar.

As múmias egípcias da coleção Imperial Brasileira já se mantinham durante cerca de 200 anos em umidade relativa não inferior a 70%, no Palácio de São Cristóvão e já estavam em equilíbrio neste ambiente. Uma mudança brusca de umidade poderia levar a desintegração de partes do corpo. Por isso o processo de anoxia utilizado foi diferente do usado nos outros paises, foi realizado usando nitrogênio umidificado em cerca de 60%. Nesta umidade não deve haver crescimento de bactérias anaeróbicas.1

Três múmias foram separadas para o tratamento de anoxia, a saber: HARSIESI, ROMANA e HORI. Foi montada uma aparelhagem para umidificar o gás nitrogênio. As bolhas foram montadas com sacos especiais, contendo de diversas camadas, para manter a transparência e o isolamento do ar atmosférico. As múmias foram colocadas separadamente nos sacos e o processo de purga do ar levou cerca de três dias para cada saco. Este processo de purga foi controlado através de dois aparelhos, um medidor de O2 e o outro medidor de umidade. A purga cessou quando os níveis de oxigênio e água chegaram, respectivamente, a 0,2 e a 60%. Após a purga os sacos foram lacrados a quente e as múmias, dentro dessas bolhas de nitrogênio, voltaram a exposição.

Antes de serem lacradas as bolhas, foi colocado em cada uma sensores visuais de oxigênio e de umidade. Foram também colocados capturadores de oxigênio e sílica-gel. A sílica gel foi previamente umidificada para funcionar como um tampão, mantendo o ambiente com uma umidade relativa de 60%. O processo foi acompanhado ao longo do tempo por comparação fotográfica e por leitura dos sensores.

Conclusões O processo de anoxia utilizado conseguiu

estacionar o processo de deterioração das múmias, porem esse processo precisa ser acompanhado e testes deverão ser realizados para a determinação da época de retira-las das bolhas.

Agradecimentos Agradecemos a Fundação Vitae que financiou todo

o processo de aclimatação das múmias bem como a visita do Dr.S. Maekawa do Instituto de Conservação Getty, ____________________ 1 Maekawa, S: Elert,K; Use of Oxygen-Free Environments in the Control of Museum Insect Pests, GCI: Los Angeles, 2003.

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A Revista do Observatório

Vania Patalano Henriques (PG e FM)

[email protected]

Palavras Chave: Revista do Observatório, divulgação científica, ciência brasileira.

Introdução

No ano de 1886, havia três publicações regulares do Imperial Observatório do Rio de Janeiro: os Anais, o Anuário e a Revista do Observatório. Nosso objeto de pesquisa é esta última, por se tratar de um periódico institucional, cujos principais objetivos eram divulgar os trabalhos científicos desenvolvidos pelo Imperial Observatório e fornecer informações sobre Astronomia, Meteorologia e Geodésia a um público amplo. Acreditamos que a leitura de suas matérias possibilitar-nos-á entender como era desenvolvido o trabalho científico em uma instituição brasileira no final do século XIX, como agiam e pensavam aqueles que o produziam e gerenciavam e de que maneira se comunicavam com a sociedade que de suas pesquisas se beneficiava. Cumpre destacar que as impressões registradas neste texto referem-se somente ao primeiro ano de edição, isto é, aos doze fascículos iniciais, pois foram eles que construíram o perfil da revista que circulou durante cinco anos ininterruptos (1886-1891). Não há como se falar da Revista do Observatório sem citar seu principal mentor, Luiz Cruls.1 No editorial de lançamento, intitulado “Ao leitor”, Cruls explicava que a Revista do Observatório era uma versão ampliada e aperfeiçoada de outra publicação anterior, o Boletim astronômico e meteorológico, que circulara entre os anos de 1881 a 1883. Todavia, o que diferenciava uma publicação da outra era o fato de que a Revista do Observatório seria voltada para a “vulgarização de conhecimentos exatos” e, por isso, deveria ser redigida, utilizando uma linguagem mais acessível aos leitores, à semelhança do que já se fazia, com bons resultados, em diversos países da Europa ocidental e nos Estados Unidos da América do Norte. Cruls havia se inspirado na revista astronômica francesa (Revue astronomique de France), cujo diretor, Camille Flammarion, destacara-se como um dos maiores autores e incentivadores de obras de divulgação científica em seu país. Não teria sido, portanto, coincidência a publicação, em francês, logo no primeiro

exemplar, da carta de congratulações daquele divulgador, elogiando a iniciativa do Imperial Observatório e se referindo à Revista do Observatório como a irmã mais jovem da revista francesa. O aspecto visual da Revista do Observatório era austero, com expressiva sucessão de textos e sem maiores preocupações estéticas que pudessem atrair o leitor pelo sentido da visão. Cada exemplar era composto, em média, de dezessete páginas e suas dimensões eram 17,5 x 26,5 cm. Os títulos das matérias também não eram chamativos e, quando havia gravuras, estas eram para ilustrar alguma informação contida no texto. Tabelas e quadros demonstrativos eram mais comuns. Eventualmente surgiam alguns desenhos mais elaborados, como por exemplo, de equipamentos modernos inventados para as observações astronômicas. Apenas na última página havia uma gravura colorida (a única) do aspecto do céu, um mapa celeste para orientar eventuais observadores. Durante o primeiro ano da revista também não havia nenhuma imagem de caráter publicitário. A primeira página continha sempre um artigo de Luiz Cruls. Era neste espaço que ele divulgava os trabalhos científicos produzidos pela própria instituição ou aproveitava para dialogar com os leitores, fazendo comunicados, agradecimentos ou escrevendo sobre qualquer assunto que merecesse um destaque maior. A partir da segunda página, surgiam textos mais curtos, com temas variados, mas desvinculados de qualquer seção específica. Normalmente abordavam assuntos que pudessem atrair a atenção dos leitores como a descoberta de novas estrelas, a passagem de cometas ou explicações sobre vulcões e terremotos. Nestes textos não havia assinatura e nem nenhuma indicação de terem sido traduzidos de outras publicações. Do meio da revista em diante, a sucessão dos textos tornava-se mais coerente, pois surgiam seções fixas. Na seção “Revista das Publicações” eram divulgados textos extraídos de jornais e revistas de divulgação científica consagradas no exterior. O American Journal of Science e a revista Ciel et Terre eram os mais citados. Para o público leigo, talvez esta fosse a parte da revista mais atrativa. Os textos eram bem traduzidos, não muito extensos e utilizavam uma linguagem de exaltação à ciência. Era nesta seção que a vida de cientistas famosos era contada, a história de determinadas descobertas era narrada, provocando no leitor leigo uma admiração pelo trabalho científico. Na seqüência, vinham duas seções, ambas herdadas do antigo Boletim astronômico e meteorológico. A primeira chamava-se “O aspecto do céu no Rio de Janeiro” e a segunda, “Revista climatológica do mês anterior”. A função destas duas seções era fornecer os dados

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provenientes de todas as observações diárias efetuadas pelo Imperial Observatório em relação à posição dos astros no céu do Rio de Janeiro e das condições climáticas da mesma cidade durante determinado mês. Na prática, eram relatórios detalhados destes dois tipos de trabalho que faziam parte da rotina da instituição, por isso, as duas possuíam uma estrutura rígida na seqüência das informações. Estas duas seções sempre eram assinadas pelo funcionário J.E. de Lima. Outro aspecto interessante que observamos ao ler este trecho da revista era que a seção que detalhava as condições climáticas do Rio de Janeiro não o fazia com a condição da previsibilidade, mas, muito pelo contrário, traçava o perfil climático do que havia ocorrido no mês anterior. Este fato revelava uma questão crucial para a ciência meteorológica daquela época: a previsão do tempo. Os cientistas conheciam os fenômenos climáticos e seus efeitos na natureza, mas não dispunham de meios que permitissem antecipá-los para a sociedade. Em seu artigo intitulado “Previsão do Tempo”, publicado no segundo ano da revista, Henrique Morize explicava que pouquíssimos países tinham condições de fazer uma previsão do tempo com 24h de antecedência. Por outro lado, a seção “O aspecto do céu” exercia o poder de prever como seria a posição das estrelas, dos planetas, e das constelações na abóbada celeste no mês seguinte, porque o movimento de translação da Terra já era uma questão dominada pela ciência astronômica de então. A última seção, “Notícias Várias”, era a mais dinâmica da revista. Ocupava apenas uma página e apresentava textos breves (um parágrafo em média), narrando generalidades. Nela ficava-se sabendo das visitas imperais a instituições científicas, dos investimentos realizados em outros observatórios mundo afora, do lançamento de novas publicações, enfim, um panorama dos acontecimentos do mundo científico. Conclusões A leitura do primeiro ano de publicação da Revista do Observatório revelou-nos uma instituição que lutava para se firmar naquilo que já havia conquistado, mas que precisava se modernizar para atingir um nível científico compatível com instituições semelhantes da América do Sul e da Europa. Para isso, a criação de uma revista de divulgação científica seria uma das estratégias a serem adotadas, porque ela ajudaria a dar visibilidade ao trabalho desempenhado pelo Imperial Observatório junto à comunidade científica e à sociedade em geral. O empenho de Luiz Cruls foi determinante nesta fase, pois de todos os textos

publicados por pesquisadores, treze foram de sua autoria, cinco de J.E. de Lima e um de Henrique Morize. A preocupação de Cruls com um processo de comunicação eficiente já havia se manifestado anteriormente, quando, em 1883, reiniciou a publicação do Anuário do Observatório, interrompida há muitos anos. Tal iniciativa chegou a render-lhe um elogio da imprensa brasileira, classificando-o como o “Flammarion brasileiro”.2 A Revista do Observatório era uma publicação multifacetada tanto do ponto de vista estrutural, quanto do ponto de vista da linguagem. Nela conviviam textos de variados estilos. Havia os didáticos, os descritivos, os de forte conteúdo matemático e até mesmo os de cunho romântico. Ela não possuía um índice, mas continha um sumário e seu aspecto ora se confundia com uma publicação acadêmica, ora com um periódico popular. Seus redatores e tradutores eram os próprios cientistas que, como divulgadores, tendiam a redigir sobre os temas de suas especialidades. Isto a tornava meio desequilibrada, pois, quando os artigos eram de autoria de Cruls, predominava a Astronomia e, quando Henrique Morize escrevia, sobressaíam as reportagens sobre Meteorologia e Geodésia. O conjunto dos textos transmitia a idéia, principalmente para o leitor leigo, de que o trabalho científico era conseqüência de uma visão curiosa, meticulosa e calculada da natureza. Tudo era motivo de cuidadosas observações. O cientista era um ser disciplinado e persistente que não abria mão de nenhuma particularidade para construir uma hipótese e defendê-la. As medições, as equações e os gráficos passavam para o leitor uma segurança de que o fazer científico só era válido se devidamente comprovado. A idéia de que o poder da ciência era ilimitado e que sua evolução desvendaria, cedo ou tarde, todos os segredos da natureza também era uma característica marcante do periódico. O desenvolvimento científico associado ao progresso das nações estava presente em vários artigos. Havia críticas aos soberanos que ainda não haviam despertado para o poder do pensamento científico e suas conseqüências político-sociais. O papel social da ciência frente aos males do mundo era motivo de vários artigos. Textos sobre pesquisas para se descobrir a relação do ozônio com a pneumonia, investigação climática de determinadas regiões para confirmar se climas mais amenos possibilitavam a cura da tuberculose, bem como a observação das manchas solares para verificar se elas tinham relação com o aquecimento

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de determinadas regiões da terra reforçavam esta concepção. A Revista do Observatório era uma publicação feita por uma instituição brasileira, porém tinha um conteúdo e uma abordagem universalistas. O Brasil como nação não se sobressaía. Poucas eram as matérias que falavam de cientistas brasileiros ou de trabalhos por eles realizados. Não havia um espírito de nacionalidade, mas também não havia uma postura de exaltação ao Império. Mesmo no relato de pesquisas astronômicas feitas em conjunto com outros países, o destaque era dado à participação do Imperial Observatório e não à do Brasil. O periódico aparentava ser imparcial e tratar a ciência como uma espécie de bem da humanidade. Por isso, sempre que requisitado, dava espaço para textos de pesquisadores externos que defendiam pontos de vista contrários aos da instituição, democratizando o debate científico. Isto não significava que em alguns momentos ela não fosse utilizada como um meio de rebater eventuais críticas ou mesmo de fazer críticas a atitudes que pudessem prejudicar o avanço do Imperial Observatório. Em vários artigos Cruls rebateu opiniões contrárias, por exemplo, ao seu projeto maior que era o de transferir o Imperial Observatório do morro do Castelo para a região de Santa Cruz. Outro recurso utilizado pelos cientistas-divulgadores era a crítica velada, ou seja, introduzir em um artigo alguma informação, mostrando as dificuldades da instituição. Lendo os artigos, os leitores ficavam sabendo que o observatório não possuía sismógrafos, que o diâmetro da principal luneta só permitia que se observassem estrelas de até décima terceira grandeza e que, em nosso território, só havia três estações meteorológicas, enquanto, na Argentina, havia vinte e nove. Era, também, por meio deste recurso, que os pesquisadores expressavam a sua insatisfação com relação aos investimentos aplicados na instituição, quando publicavam as quantias gastas por outros observatórios no mundo ao implementarem melhorias em seus equipamentos e reformas. Nossas primeiras impressões levam-nos a crer que a Revista do Observatório foi uma iniciativa bem sucedida. Se ela atingiu todos os seus objetivos ainda é cedo para afirmar. Em uma instituição com poucos recursos, quadro reduzido de pesquisadores que acumulavam várias funções e em um período histórico de grandes transformações políticas e sociais em nosso país (final da monarquia e início da república), idealizar, lançar e manter uma publicação de divulgação científica demonstra que este meio de comunicação conseguiu dialogar com o público-alvo a que se propunha.

Referências AZEVEDO, Fernando de (Org.). As ciências no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994. 2 vol. 924 p. DANTES M. Maria Amélia. As instituições imperiais na historiografia das ciências no Brasil. In: HEIZER, Alda; VIDEIRA PASSOS, Antonio Augusto (Org.). Ciência, civilização e império nos trópicos. Rio de Janeiro: Access, 2001. p. 225-234. ESTEVES, Bernardo. Domingo é dia de ciência: história de um suplemento dos anos pós-guerra. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2006. 200 p. VIDEIRA PASSOS, Antonio Augusto. Luiz Cruls e a astronomia no Imperial Observatório do Rio de Janeiro entre 1876 e 1889. In: HEIZER, Alda; VIDEIRA PASSOS, Antonio Augusto (Org.). Ciência, civilização e império nos trópicos. Rio de Janeiro: Access, 2001. p. 123-143.

1 Luiz Cruls (1848-1908) era belga, tinha formação universitária, havia servido no exército de seu país e possuía conhecimentos em Astronomia. Trabalhou no Imperial Observatório durante 32 anos. Começou como voluntário (1876), foi promovido a Primeiro Astrônomo (1878), em 1881 foi diretor interino e, em 1884, passou a ser efetivo e, nesta função, permaneceu até o ano de sua morte, 1908. Ver artigo Antonio Augusto Passos Videira: Luiz Cruls e a Astronomia no Imperial Observatório do Rio de Janeiro entre 1876 e 1889, Ciência, Civilização e Império nos Trópicos (MAST/UERJ), Rio de Janeiro, Access, 2001. p. 123-143. 2 Na edição de 14 de agosto de 1884, o jornal carioca Mensageiro do Brasil referia-se a Cruls da seguinte maneira: “Cruls é o Flammarion do Brasil”. Ver artigo de Abraão de Morais,

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“A Astronomia no Brasil”. In, AZEVEDO, Fernando de. (org). As Ciências no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,1994. p. 179.

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Círculos, esferas e o conceito de perfeição na Química Orgânica.

Joaquim Fernando Mendes da Silva (PQ)

[email protected]

Pólo de Xistoquímica Prof. Cláudio Costa Neto, Departamento de Química orgânica, Instituto de Química, UFRJ Palavras Chave: Platão, Aristóteles, esferas, Síntese Orgânica, aromaticidade

Introdução A Química Orgânica tem na Síntese Orgânica

uma de suas áreas de maior importância em termos de produção de conhecimentos e avanço em conceitos científicos. Embora fins utilitários sejam a maior fonte de incentivo para projetos de síntese (e.g., fármacos), em várias narrativas de processos de síntese ou de estudos sobre estrutura de compostos orgânicos, fica evidenciado um fascínio pelo desafio de obter-se estruturas com geometrias muito bem definidas, como a síntese de compostos correspondentes aos sólidos platônicos ou a busca de estruturas que incorporem círculos e esferas ditas perfeitas. Neste trabalho exemplificamos algumas destas histórias de fascínio.

Resultados e Discussão Platão, com seu Timeu, influenciou fortemente a

história da civilização ocidental, pois este foi o único dos seus diálogos conhecido durante a Idade Média. Neste livro ele descreve sua cosmogonia, fortemente influenciada pelos pitagóricos, descrevendo que os verdadeiros elementos constitucionais do mundo material são os cinco sólidos regulares: cubo, tetraedro, octaedro, dodecaedro e icosaedro. Platão também descreve o mundo sensível como uma cópia dos modelos eternos e perfeitos existentes apenas no mundo das Idéias, compreensíveis apenas à divindade criadora. Já Aristóteles, no livro intitulado Dos Céus, define uma estrutura esférica para o universo, onde a Terra é uma esfera situada no centro do Universo, onde a imperfeição e a corrupção dos corpos pode existir, e circundada pelas esferas celestes, onde somente o movimento circular pode existir. As esferas são associadas à perfeição pela sua simetria perfeita e infinita. Estas duas obras influenciaram a história da

Ciência devido ao seu uso das mesmas pela Igreja Católica para fundamentar e justificar suas doutrinas, sendo que as posições contrárias eram duramente combatidas, sendo o exemplo mais conhecido a questão contra Galileu. A Física deve muito de sua evolução a uma busca de justificação ou de contestação aos pressupostos destes dois filósofos, explicitamente expressa no título de uma obra do filósofo e historiador da Ciência, Alexandre Koyré, “Do Mundo Fechado ao Universo Infinito”.

A Química Orgânica, embora não influenciada

conceitualmente por estas obras, demonstra, ao longo de sua história, um fascínio pelos sólidos platônicos e pela perfeição aristotélica das esferas. A síntese de compostos orgânicos correspondentes aos sólidos regulares, como o cubano (correspondente ao cubo platônico), foi um dos grandes desafios da Síntese Orgânica, tendo sido alcançada pela primeira vez por Eaton e Cole, em 1964. O fascínio pelos círculos e esferas pode ser encontrado também em diversas fases do desenvolvimento da Química Orgânica. A mais famosa talvez seja a questão do “sonho de Kekulé”, relacionado ao problema da estrutura do benzeno e à concepção posterior do conceito de aromaticidade. A descrição do evento pelo próprio Kekulé, um misto de sonho e razão, mito e conhecimento é propagada de forma quase mitológica nos livros textos de Química Orgânica.

Outras histórias de fascínio pelos círculos e esferas se encontram evidenciadas na síntese de macrociclos e seu uso na formação de complexos de inclusão (complexos do tipo host-guest). Em vários trabalhos há uma ênfase na estrutura esférica das cavidades presentes nestas espécies, e que são explicitadas pelo desenho de esferas nas próprias estruturas orgânicas. Mas o caso recente mais explícito do fascínio pela forma esférica encontra-se na química dos fullerenos, uma forma alotrópica do carbono, diversas vezes descritas como esferas perfeitas, sendo, assim, igualadas às Idéias platônicas.

Conclusões A influência das cosmogonias geométricas de Platão e Aristóteles se mostrou presente nos últimos dois séculos no desenvolvimento da Química Orgânica, tendo sido uma fonte de desafios que se mostra presente até os dias de hoje.

Agradecimentos CAPES, CNPq, FAPERJ _________________ Koyré, A. Do Mundo fechado ao Universo Infinito. Rio de Janeiro:Forense Universitária. 1986. Kroto, H.W., Allaf, A.W., Balm, S.P. C60: Buckminsterfullerene. Chem. Rev. 91, 1213-1235, 1991.

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Russell, B. História da Filosofia Ocidental. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1969.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

A Arte Analítica de François Viète.

Bruna Moustapha Corrêa1 (FM e PG)* – [email protected], Tatiana Roque2 (PQ) 1Professora do Ensino Médio da SEE-RJ, Tutora a distância do Consórcio Cederj, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ensino de Matemática do IM-UFRJ 2Professora do Instituto de Matemática da UFRJ e do Programa de Pós-graduação em Ensino de Matemática do IM-UFRJ Palavras Chave: história da análise, história da álgebra, Viète, método analítico

Introdução

François Viète (1540 - 1603) é freqüentemente considerado pelos historiadores da matemática como o fundador da Álgebra moderna. No entanto, foi na tentativa de resolver problemas geométricos que ele foi levado a propor uma nova maneira de se fazer matemática. Em sua In Artem analyticem Isagoge (Introdução à Arte Analítica), obra publicada em 1591, Viète expôs o método que se tornaria fundamental para o pensamento matemático. O texto de Viète é árduo, pois ele constrói uma teoria realmente nova. Nesta Isagoge, ele inventa novos termos e utiliza o vocabulário já existente com um sentido diferente; é preciso, portanto, saber interpretar o que está escrito. Pretendemos mostrar, neste trabalho, o que Viète propôs de original.

Podemos destacar, em primeiro lugar, a introdução do uso de letras para representar tanto grandezas geométricas, quanto quantidades aritméticas; tanto quantidades conhecidas, quanto quantidades desconhecidas. Este fato é estreitamente relacionado com o surgimento da álgebra. Mas a essência de seu trabalho está na proposta de utilização do método analítico para se fazer matemática.

O contexto histórico a exatidão matemática

Matemáticos e historiadores da Matemática

vêm questionando o significado da “exatidão matemática”. Entretanto, sabemos que a noção de “exatidão” em vigor em determinada época está relacionada à produção matemática realizada neste momento. Por exemplo, quando a matemática era essencialmente geométrica, havia uma concepção sobre o que significava um objeto matemático ser “conhecido”, ou “dado”; sobre o que poderia ser considerado um problema “resolvido” e quando sua solução era “encontrada”. Neste contexto, uma solução era considerada “exata” quando poderia ser construída por régua e compasso, os instrumentos euclidianos.

No século XVI, a álgebra já tinha sido introduzida na Matemática e foi muito desenvolvida pelo trabalho dos árabes. Neste século, a resolução de equações por métodos algébricos era um dos

desafios mais importantes da matemática e, com a nova publicação da Coleção de Pappus em 1588, assim como a reedição dos trabalhos de Diofanto, a matemática geométrica grega voltou à tona. Logo, os critérios de exatidão neste momento eram ainda relacionados à construção geométrica.

Os árabes tinham desenvolvido uma matemática que já podemos chamar de “algébrica”. Mas a geometria nunca deixou de ser soberana. A álgebra era utilizada apenas como ferramenta para a solução de problemas concretos, ou de problemas geométricos.

Fica claro, portanto, que as ferramentas algébricas não estavam dentro dos padrões gregos de exatidão e as soluções obtidas por esta via não podiam ser consideradas “exatas”, já que não eram construídas. Entretanto, não se podia mais ignorar a sua importância. Dessa forma, a álgebra tornar-se-á cada vez mais uma ferramenta poderosa, que pode ajudar na solução de problemas cada vez mais numerosos, além de propor novas questões.

Por esta razão, foi preciso rever os padrões de exatidão da matemática. O novo padrão de exatidão deveria estabelecer quais seriam os procedimentos aceitáveis dentro da prática de resolução de problemas geométricos. É importante observar que os problemas para os quais os novos procedimentos iriam servir ainda eram geométricos. Dessa forma, fica evidente que o método analítico e os procedimentos algébricos propostos por Viète foram fundados para servir à geometria.

Para torná-los legítimos, era essencial a apresentação de uma boa justificativa, pois, caso contrário, o procedimento poderia ser ignorado. É justamente neste ponto que se introduz a grande inovação de Viète. A maneira que ele encontrou para legitimar seus procedimentos foi aceitar o critério de exatidão como estando ainda associado à construção. A diferença estava no fato de considerar o seu método como um postulado, propondo com isso novas ferramentas de construção. Uma vez que estes novos postulados levavam-no a resolver mais problemas geométricos, eles deveriam ser admitidos como princípios da Matemática.

Como já dissemos, ficou claro mais tarde que a importância de seu trabalho não estava relacionada ao mérito deste postulado, mas sim ao interesse e à produtividade das ferramentas resultantes. Queremos dizer, para resumir, que Viète fundou um novo ramo da Matemática, a Análise, na busca de novos procedimentos para

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servir à Geometria, que até este momento era predominantemente sintética.

Análise X Síntese Na primeira página de sua Introdução à Arte

Analítica, Viète afirma: “Encontra-se na Matemática uma certa maneira de procurar a verdade, que diz-se ter sido primeiramente inventada por Platão, que Theon chamou ‘Análise’ e que, para ele, define a suposição daquilo que procuramos com se estivesse concedido para chegar a uma verdade procurada, por meio de conseqüências; ao contrário, a ‘Síntese’ é a suposição de uma coisa concedida para chegar ao conhecimento daquilo que procuramos pelo meio de conseqüências.”

Sendo assim, podemos considerar a análise

como um raciocínio ao inverso, uma decomposição da verdade que procuramos em termos mais simples; e a síntese, como um raciocínio direto, a recomposição de termos simples para se chegar à verdade. Um bom exemplo de raciocínio sintético é o da Geometria Euclidiana, na qual construímos uma solução. Já o raciocínio analítico é o que está presente na Álgebra, que parte das soluções consideradas conhecidas (incógnitas) e opera com elas como se fossem conhecidas até chegar a um resultado que determina a solução. Ponto de

partida Ponto final

Análise

Suposição de algo que não é dado como verdadeiro.

Confirmação de uma afirmação sabidamente verdadeira.

Síntese

Suposição de uma afirmação sabidamente verdadeira.

Confirmação de algo que não era verdadeiro.

É claro que alguns matemáticos

contemporâneos de Viète já utilizavam a Álgebra para resolver problemas geométricos, Viète, entretanto, preocupou-se em utilizá-la como uma ferramenta analítica na resolução de qualquer tipo de problema, geométrico ou numérico. Viète fecha o seu texto pragmático afirmando “Nullum nom problema solvere”. É clara a sua intenção: resolver qualquer tipo de problema.

A análise de Viète era, portanto, um método universal para resolver qualquer tipo de problema. Para isto, ele dividiu o seu processo analítico em

três partes: zetética, porística e exegética. A zetética pode ser considerada como a arte de traduzir o problema, transformando-o em uma ou mais equações; nesta tradução o problema era suposto resolvido e uma propriedade característica dele era encontrada (tal propriedade era chamada de porisma). A porística era a transformação da equação e o estudo da legitimidade da síntese como procedimento inverso da análise; e isto é muito importante, pois Viète se preocupava em adequar-se ao padrão grego. Já a exegética era a arte de reconhecer soluções aritméticas ou geométricas das equações fornecidas pela zetética e transformadas pela porística.

Para entender como Viète traduzia o problema em equações, precisamos falar de sua logística speciosa. Esta era a ferramenta privilegiada da zetética e, portanto, da tradução do problema em termos de equações. Na verdade, a logística speciosa foi a maneira axiomática que Viète encontrou para utilizar a álgebra como ferramenta analítica. Viète apresentou procedimentos de cálculo simbólico, utilizando letras para representar tanto grandezas geométricas quanto quantidades aritméticas, tanto quantidades conhecidas quanto quantidades desconhecidas. Isto não é ingênuo, pois na sua nova álgebra, Viète considerava números, segmentos de reta, figuras; quantidades conhecidas, desconhecidas ou indeterminadas independentemente da sua natureza. Isso levantou a questão do status e da natureza das grandezas, bem como das operações realizadas com elas. Na logística speciosa Viète trabalhava com grandezas abstratas representadas simbolicamente por letras.

Considerando grandezas abstratas, Viète deveria se preocupar em como uma operação era simbolicamente representada. Contudo, para atender às grandezas abstratas, Viète acabou se inspirando nas operações geométricas e, por esta razão, ele considerou o aspecto dimensional da multiplicação, por exemplo, o que evidencia a sua preocupação com o padrão clássico grego. Entretanto, ele considerou grandezas de dimensão superior a três, o que, de certa forma, o liberta da geometria.

Na sua representação, qualquer grandeza deveria ser acompanhada por uma escala. Ao invés de escrever A³, Viète escrevia “A cubo”, da mesma forma, “A quadrado cubo” indica A5 e assim sucessivamente. Além dessa denominação, Viète se preocupou em operar apenas com grandezas homogêneas e esta sua preocupação ficou evidente com o que ele chamou de “lei dos homogêneos” (os Homogêneos se comparam aos Homogêneos).

O novo domínio da logística speciosa pode, de fato, ser considerado como a primeira ocorrência na matemática de um sistema formal abstrato completo com alguma complexidade. A abordagem axiomática fica evidente no segundo capítulo da sua Isagoge, quando Viète aceita como demonstrados dezesseis axiomas ou propriedades de igualdade e proporção encontradas nos Elementos de Euclides. Já o quarto capítulo é dedicado aos preceitos da

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logística speciosa, ou seja, às regras que governam as quatro operações elementares.

No quinto capítulo, que Viète denominou Das regras da Zetética, ele introduziu o novo vocabulário e também as regras de manipulação das equações. Viète apresentou um conjunto de 14 regras, que podem ser entendidas como os passos que deveriam ser seguidos para a resolução de um problema. Na quinta regra, ele chamou a atenção para o uso de vogais para grandezas procuradas e consoantes para as grandezas conhecidas. Este, portanto, deveria ser um padrão em todas as resoluções de problemas.

Observamos que o uso de letras para representar tanto grandezas conhecidas como desconhecidas propicia uma generalidade que não se conhecia até então e esta é a maior importância do trabalho de Viète. A partir do momento em que ele representa grandezas conhecidas por letras ele está, na verdade, representado os coeficientes da equação e isto é uma maneira de enunciar o problema de uma forma geral, possibilitando que ele seja resolvido também por um método geral. Esta é a grande diferença com relação aos árabes, pois o procedimento usado na resolução não depende mais da natureza dos dados do problema e, portanto, pode ser usado para qualquer problema. O fato de Viète usar letras para representar os dados é o que permite esta generalização. Não importa mais a especificidade do problema e os seus problemas não são particularizados, mas gerais. Isto permite também uma transformação do enunciado, em que se pode dizer, por exemplo, como faz Viète, “conhecendo dois lados, então...”, e não “sendo um lado igual a 30 e outro igual a 70, então...”.

Apesar das grandezas serem simplesmente representadas por letras e as operações realizadas de maneira abstrata, vale destacar que as equações de Viète eram bem próximas de sentenças. Ou seja, apesar de ter introduzido uma certa maneira de representar as operações (usando os símbolos +, – e o traço de fração para indicar a divisão) Viète não representou simbolicamente a equação toda. Na verdade, em toda a sua Isagoge, Viète explica com palavras, o que hoje explicamos com símbolos. E, como já dissemos, isso torna a leitura de seus textos bastante árdua.

Um fato interessante de se observar é que Viète utiliza exemplos específicos para justificar uma afirmação geral. Por exemplo, no quarto capítulo, Das regras e preceitos da Logística Speciosa, para justificar a propriedade distributiva na segunda regra (Subtrair uma grandeza de uma grandeza) Viète afirma que:

“Se D está perto de B e se é preciso subtrair B menos D de A o resto será A menos B mais D subtraindo a grandeza B subtrai-se mais do que era preciso, portanto, é preciso recompensar pela adição daquela grandeza.”

Ainda utilizando esta regra, gostaríamos de

atentar para uma outra preocupação de Viète: o uso de apenas grandezas positivas. Isso ficou evidente quando ele observou que “É preciso subtrair a menor da maior” no início desta regra. Além disso, nessa mesma regra Viète introduziu a utilização do símbolo “==” para representar o módulo da diferença, mostrando, mais uma vez esta sua preocupação.

Neste mesmo capítulo, mas na regra Multiplicar uma grandeza por uma grandeza, Viète também chama a atenção para a regra dos sinais e, assim como fez para a propriedade distributiva, ele usa um exemplo particular para explicar que:

“[...] é preciso que o produto pela multiplicação mútua dos nomes afetados de negação seja positivo”.

Podemos perceber, neste capítulo, que,

com as quatro operações, Viète mostrou a sua preocupação, por um lado, com o efeito destas operações sobre a dimensão das letras utilizadas, por outro lado, com as notações e, por último, com as regras de manipulação (como a comutatividade da multiplicação, a distributividade da multiplicação em relação à soma) e com as regras de manipulação das frações – somar, subtrair, multiplicar ou dividir aplicações.

Depois de apresentar de maneira axiomática a sua logística speciosa, Viète apresenta uma seqüência de problemas que ele chamou de zetéticas, em analogia à primeira fase do seu método analítico. No Primeiro Livro Das Zetéticas, Viète organizou a resolução dos problemas da seguinte maneira. Primeiramente ele enunciava a zetética. A primeira frase da resolução, em geral, é a repetição do enunciado da zetética identificando as grandezas dadas com consoantes. Em seguida ele supõe conhecido o que ele quer determinar ou uma grandeza desconhecida denotando-o por uma vogal. Enuncia, então, uma relação que determina a grandeza desconhecida, em geral, ele exibe uma proporção cuja quarta proporcional é a grandeza desconhecida e todas as outras são conhecidas. Feito isso, ele justifica a veracidade da solução apresentada utilizando palavras e por fim, ele apresenta um exemplo numérico que satisfaz as condições do problema e da solução.

Nas zetéticas do Primeiro Livros das Zetéticas percebemos que Viète não introduz o uso simultâneo de duas grandezas desconhecidas. Na primeira zetética, por exemplo, ele quer determinar dois lados conhecendo a diferença e a soma deles, ele primeiro trabalha com o que ele chamou de menor lado e encontra uma relação que o determina. Em seguida, ele supõe conhecido o outro lado e determina, então, uma outra relação, independente da primeira. Além disso, para algumas zetéticas como, por exemplo, a zetética VII, ele não explicita no fim as partes que ele deseja dividir o lado; entretanto, ele observa que o que ele

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encontrou era suficiente para a determinação das partes. Neste sentido, poderíamos dizer que Viète esquece a natureza do problema, pois não se preocupou em voltar e determinar as partes nas quais o lado fora dividido.

Conclusões Pretendemos mostrar aqui como Viète se

afastou da visão prática da álgebra centrando sua atenção na maneira de encontrar uma solução geral para problemas geométricos. Como já dissemos, para encontrar tal solução, Viète fez uso da arte analítica, cujo objetivo era resolver qualquer problema através da análise que, por sua vez, tinha a álgebra como ferramenta fundamental. Vale lembrar que Viète não via a álgebra como uma técnica envolvendo números, mas sim como um método de cálculo simbólico envolvendo grandezas abstratas.

Sendo assim, a logística speciosa era uma entidade matemática independente, cujos axiomas reproduziam o comportamento tanto das grandezas geométricas, quanto das grandezas numéricas. A abordagem de Viète era, portanto, independente da aritmética e da geometria. Mesmo rejeitando o uso de símbolos, a preocupação de Viète em criar leis gerais acabou dando origem à álgebra simbólica. Dessa forma, a álgebra adquiriu um poder demonstrativo que nunca tivera antes, tornando-se uma ferramenta nobre. A álgebra ganhava, assim, um novo estatuto matemático. ____________________ 1 Bos, H. J. M. Redefining Geometrical Exacteness: Descartes’

Transformaion of the Early Modern Concept of Construction. New York: Springer-Verlag, 2001.

2 Charbonneau, L. L’algèbre au coeur du Programme Analytique. In : Barbin, E. et al. Francois Viète : un mathématicien sous la Renaissance. Paris : Vuibert, pp 53-73, 2005.

3 Panza, M. What is new and what is old in Viète’s analysis restitute and algebra nova, and where do they come from? Some reflections on the relations between algebra and analysis before Viète. Paris: 2007, Disponível em <http://halshs.archives-ouvertes.fr/docs/00/14/64/15/PDF/RHMAlgebra(4).pdf>. Acesso em 11 abril 2008.

4 Roque, T. A Matemática através da história. Notas de aula do curso de História da Matemática. UFRJ, 2006.

5 Viète, F. L'Algèbre nouvelle de Mr Viète. Tradução de A. Vasset, 1630. Disponível em <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k108864f>. Acesso em 28 maio 2007.

6 ______. In Artem Analyticem Isagoge: Seorism excussa ab Opere restitute Mathematica Analyseos, Seu Algebrâ novâ. 1591. Diponível em <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k108865t/f1>. Acesso em 28 maio 2007.

7 ______. The Analytic Art by François Viète. Tradução de T. Richard Witmer. Ohio: Kent State University Press, 1983.

8 ______. Introduction à l’Art Analytique. Traduction française de F.

RITTER. Remarques et notes sur la traduction de F. RITTER, par

Anne BOYÉ. Texte latin original. Cahiers François Viète, nº7.

Centre François Viète, 2004.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

On the role of diagrams in euclidean geometrical practice

Davide Crippa (ps graduaçao)*

[email protected]

45 Rue d'Ulm 75005 PARIS (França)

Euclid, ancient mathematics, diagrams, mathematical practice.

Introdução

In the present paper I shall try to advance some hypotheses about the use of diagrams in ancient Greeks' mathematical practice. As a general presupposition, I claim that the way of employing and thinking a mathematical object is surmised to an historically given rationality. Furthermore, its use is embedded in a practice that must be reconstructed from the evidence at our disposal, through semantic and non semantic strategies (we call these strategies “parasemantic”, taking the word from biblical hermeneutics). On the basis of a philological and philosophical analysis of the first book of Euclid's Elements, I will defend the thesis according to which diagrams play an inferential role in Euclid's plane geometry, based on the strict division of attribution of properties between text and figures. We can then rightly speak of “euclidean practice” concerning the use of diagrams, even though we must pay attention to restrict its scope to the theory of plane figures contained in book I of the Elements. Other fragments of that text which expose different theories, or other texts belonging to Greek hellenistic mathematics (we may take as an example, Apollonius' Conics) may embed different practices which imply a variety of use of diagrams. Resultados e Discussão We can plausibly suppose, even if we have no knowledge of the originals, that ancient greek mathematical works are always accompanied by figures. Figures must have been present in the autographs, too, since without their aid it is often difficult to understand the texts themselves. Moreover, the reference of ancient commentators to Greek geometrical practice confirms this hypothesis. As an example, we shall consider few passages from Aristotle's “metaphysics” and from Proclus commentary, the first ones referring to pre-euclidean geometry, the other one to Euclid's first book of the Elements. Focusing on Euclid's Elements, an examination of the sources at our disposal will show that in modern editions figures are not edited according to

criteria of philological correctness. In Heiberg's (1883-1888) and Peyrard's (1814-1818) editions, for example, they are entirely reconstructed by the editors, although the text is edited with philological care. As a general character, diagrams we can find in modern printed editions look more general than those we find in medieval manuscripts or in the first printed editions (Grynaeus, 1533, Zamberti, latin edition of 1505). Analysis of figures in medieval manuscripts of Euclid's Elements, as the one conducted by Ken Saito, show that diagrams of two dimensional figures share two peculiar traits: “hyperspecification” and “incorrection”. Hyperspecification arises in propositions in which the text deals with triangles in general, whereas most manuscripts show isosceles or rectangular triangles. “Incorrection” refers rather to the fact that figures do not respect exact properties mentioned in the text, as the equality between angles or sides. Globally, we may defined those diagrams as “atypical” in the sense that they present a disproportion of information with respect to the text.

Conclusões Inserir aqui conclusões (letra: Arial, 10). In the absence of direct sources (autographs are limited to few fragments of papyri) we can advance a number of hypothesis about the role of diagrams in Euclidean mathematical practice. 1. It is plausible that figures in ancient mathematical texts looked hyperspecifical and incorrect. The use of such figures can be generalized beyond euclidean plane geometry,

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and it is present, for example, in Pappus' collection. A more detailed analysis is needed in order to establish whether three-dimensional figures show the same aspects. 2. Further evidence in favor of hyperspecificity and incorrectness of figures is given by practices of control of atypicalities, which figures in Euclid's 2-dimensional geometry were surmised to. It is not exact, then, to claim that ancient geometers did not pay importance to correct geometrical drawing. There is sufficient evidence to show that at least euclidean geometrical practice developed mechanisms for sharing information between drawings and text in plane geometry. 3. An example is given by analysis of cases as a method for banning atypicalities from diagrams. I will start from some cases dealt with in Proclus' commentary to show how this analysis worked, and whether we may reasonably suppose that this method underlined implicitly problems and theorems deployed in Euclid's plane geoemtry. 4. Hyperspecification and incorrection were not subject to such analyses, if we stick to the evidence we can gather from commentators in late antiquity. This result can mean both that those elements lacked from diagrams in the autographs, or else that they were not perceived as problematic. Since it is likely that diagrams were atypical from the autographs, we can infer as a plausible hypothesis that incorrectness and hyperspecificity left in graphical representations were of no concern, according to ancient geometers.

Agradecimentos Detlefsen M. (ed.) Proof, logic and formalization, Routledge, 1992. Euclide, Les Éléments d'Euclide, (ed. Bernard Vitrac, M. Caveing), Paris, PUF 2001. Heath Thomas (ed.) Thirteen books of Euclid's Elements, Courier Dover Publications, 1956. Manders K., Euclidean Diagrams, forthcoming in Giaquinto M., Miller N. A Diagrammatic Formal System for Euclidean Geometry, PhD DD Dissertation, 2001. Mueller I, Philosophy of mathematics and deductive structure in Euclid's Elements,Cambridge, MIT Press, 1981. Netz R. , The Shaping of Deduction in Greek Mathematics. Cambridge CUP, 1999. Proclus, (G. R. Morrow, ed.)A Commentary on the First Book of Euclid’s Elements. Princeton, Princeton University Press, 1970. Use o espaço abaixo para referências, seguindo o estilo indicado. ____________________

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Criminalística: origem, desenvolvimento e decadência. Rodrigo Grazinoli Garrido*1(PQ), Alexandre Giovanelli2 (PQ)

1. Rua Marques de Pombal, 150, Cidade Nova, Rio de Janeiro-RJ. Instituto de Pesquisa e Perícia em Genética Forense IPPGF-PCERJ. E-mail: [email protected] 2. Serviço de Perícia de Três Rios, Instituto de Criminalística Carlos Éboli ICCE-PCERJ . Palavras Chave: Ciência Forense, Medicina Legal.

Introdução Apesar dos avanços tecnológicos que acompanham a Criminalística ou Ciência Forense atualmente, a utilização de técnicas voltadas para a elucidação de crimes remonta a épocas pré-científicas1e2. Entretanto, foi a partir do século XVI que se promoveu uma sistematização de dados de maneira a formar um corpo de conhecimento estruturado3e4.

Para alguns, a Criminalística seria filha da Medicina Legal3. No entanto, para outros as origens dessas ciências se confundem4. Na realidade, as diferentes disciplinas que atualmente compõem a Ciência Forense tiveram origem, na maioria das vezes, independente e, em alguns casos, até incidental. A Criminalística como a conhecemos teria seu início quando Hans Gross, no final do século XIX, propôs que os métodos da Ciência moderna fossem utilizados para solucionar casos criminais5.

Em 1908, foi criado o “Instituto de Polícia Científica” na Universidade de Lausanne na França6. Todavia, fora da Europa, as instituições voltadas às atividades criminalísticas foram tardias7. Apesar de originada na Academia6, a Criminalística foi aos poucos sendo tutelada pelo estado e incorporada às forças policiais. A criação de laboratórios policiais nos EUA, ocorreu entre 1920 e 1930 e na década de 1950, a solicitação do trabalho pericial científico já se tornara rotina aceita pelas autoridades judiciais e policiais8.

Semelhante ao restante do mundo, no Brasil, a origem da Criminalística confunde-se com a da Medicina Legal, deixando, ainda no início, a Universidade9e10. Os primeiros estudos de vestígios de disparos em armas de fogo e a produção de reagentes para a identificação de manchas de sangue foram feitos por peritos legistas10.

Nesse trabalho, a partir do levantamento de manuais técnicos, realizou-se uma caminhada pela história da Criminalística, procurando demonstrar suas origens e seu desvio dos Centros de Pesquisa e Universidades em direção das instituições policiais. Pretendeu-se também, oferecer pistas que demonstrassem que esse redirecionamento, em grande parte, foi responsável pelas perdas na evolução do conhecimento criminalístico, principalmente em regiões periféricas.

Desenvolvimento O que é Criminalística? O termo Criminalística foi lançado por Hans Gross para designar o “Sistema de métodos científicos utilizados pela polícia e pelas investigações policiais”3. Em uma definição do 1° Congresso Nacional de Polícia Técnica, ocorrido em

São Paulo no ano de 1947, a Criminalística seria a “disciplina que tem como objetivo o reconhecimento e a interpretação dos indícios materiais extrínsecas, relativos ao crime ou à identidade do criminoso”. Podia-se ainda definir a Criminalística não como uma ciência, mas como a aplicação do conhecimento de diversas Ciências e Artes11. De forma geral, esta utiliza métodos desenvolvidos e inerentes às diversas áreas para auxiliar e informar as atividades policiais e judiciárias de investigação criminal5.

Em uma análise atual, a Criminalística é uma ciência aplicada que utiliza conceitos de outras ciências firmadas nos princípios da física, da química e da biologia, no bojo de métodos e leis próprias embasadas nas normas específicas constantes na legislação, principalmente a processual penal12e13. Não devemos confundir o campo da Criminalística com o da Medicina Legal. Embora ambas se responsabilizem pelos exames de corpo de delito e, assim, apresentem interseção em vários momentos, a Medicina Legal tem como objetivo os exames de vestígios intrínsecos (na pessoa), relativos ao crime11.

Durante sua evolução, várias foram as denominações doutrinariamente impróprias dadas à Criminalística14e15. Essa Ciência foi chamada de Criminologia Científica; Ciência Policial; Investigação Criminal Científica; Policiologia, os quais se aplicam também à administração policial e aos métodos de elucidação geral. O termo Criminalística é, na verdade, oriundo da escola alemã, sendo utilizado por toda Europa, já naquela época os termos “Kriminalistik e Criminalistique”. O próprio termo Ciência Forense não é sinônimo de Criminalística em toda parte do mundo. Para Gialamas7, Ciência Forense deve ser definida como a aplicação das ciências à matéria ou problemas legais cíveis, penais ou mesmo administrativos. Dessa forma, a Criminalística seria apenas uma das matérias da Ciência Forense.

As Origens da Criminalística Apesar dos avanços tecnológicos que acompanham a Ciência Forense na atualidade, a utilização de técnicas específicas voltadas para a elucidação de crimes e indiciamento de criminosos remonta a épocas pré-científicas. Um exemplo do uso da habilidade e imaginação individual relacionado à resolução de crimes pode ser vislumbrado no texto bíblico de em Daniel1: no século VI a.C., Daniel com grande perícia foi capaz de provar ao rei da Babilônia, Ciro, o Persa, que as oferendas prestadas ao ídolo Bel eram, na verdade, consumidas pelos sacerdotes e seus familiares. Para tanto, Daniel fez que espalhassem cinzas por

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todo o piso do templo, onde eram colocadas diariamente oferendas. No dia posterior, verificou que, apesar da porta continuar lacrada, pegadas compatíveis com a dos sacerdotes eram observadas no chão e que as oferendas haviam sido consumidas.

Já no século III a.C. há a clássica história do “Princípio de Arquimedes”. Conta Vitrúvio, que o rei Hierão de Siracusa mandou fazer uma coroa de ouro. Entretanto quando a coroa foi entregue, o rei suspeitou que o ouro fora trocado por prata. Para solucionar tal dúvida, o rei pediu que Arquimedes investigasse o fato. Arquimedes pegou uma vasilha com água e mergulhando pedaços de ouro e prata, do mesmo peso da coroa, verificou que o ouro não fazia a água subir tanto quanto a prata. Por fim, inseriu a coroa que por sua vez elevou o nível da água até altura intermediária, constatando então que a coroa havia sido feito com uma mistura de ouro e prata. Assim desvendou-se a fraude e desmascarou-se o artesão2.

A fase pré-científica da Criminalística também pode ser observada em informes da antiga Roma descritos por Tácito: Plantius Silvanus, sob suspeita de ter jogado sua mulher, Aprônia, de uma janela foi levado à presença de César. Este, por sua vez, foi examinar o quarto do suposto local do evento e encontrou sinais certos de violência11. O relato deixa claro que, desde a antigüidade foram desenvolvidas técnicas e exames com o intuito de solucionar crimes.

Na verdade, a necessidade de utilizar conhecimentos técnicos na elucidação de crimes já era observada desde o séc. XVIII a.C., em artigos do Código de Hammurabi16. No entanto, a polícia de investigação se originou em Roma com a lei Valéria (82 a.C.) que instituía dois questores (quoestores parricidii) para presidirem os trabalhos criminais3. Porém, nada técnico-científico sistematizado, os orientava15, persistindo assim por quase mil e quinhentos anos.

Foi somente no século XVI que se observou uma sistematização de dados de maneira a formar um corpo de conhecimento estruturado. Isso ocorreu inicialmente com os trabalhos de Ambroise Paré sobre ferimento por arma de fogo em 1560, os quais foram seguidos por estudos de Paolo Zachias em 1651, este último sendo considerado o Pai da Medicina Legal3e11. Na realidade a diferentes disciplinas que atualmente compõem a Ciência Forense tiveram origem, na maioria das vezes, independente e, em alguns casos, até incidental como podemos vislumbrar nos exemplos da Papiloscopia e da Balística forense que seguem:

Em 1563, João de Barros, publicava em Portugal suas observações sobre a obtenção de impressões palmares e plantares nos contratos na China. Entretanto, as primeiras referências sobre as papilas epidérmicas foram descritas no século XVII por Malpighi, na Itália, e por Nehemidr Crew, na Inglaterra. As impressões papilares e datilares também foram alvo do estudo de Purkinje, na Alemanha3e11. A real sistematização de

conhecimentos no campo da identificação humana surgiu com Bertillon e seu método antropométrico que dominou o século XIX 3.

Deve ficar claro que no início da Revolução Científica, cabia à Medicina Legal toda pesquisa, busca e interpretação de elementos relacionados à materialidade do fato penal e não só o exame do corpo humano17. Posteriormente, com o advento dos inúmeros ramos da ciência, a Criminalística foi ganhando terreno, criando seus próprios métodos e maneiras de correlacionar esses conhecimentos em prol da investigação criminal18.

De acordo com Codeço3, a Criminalística é filha da Medicina Legal. No entanto, para Dorea4, não seria possível distinguir a precedência da Medicina Legal, uma vez que as origens se confundem. Isto se deveria à indeterminação temporal do desejo humano de conhecer a verdade dos fatos quando seu semelhante é vítima de uma morte violenta, por exemplo. Apesar de alguns insistirem que a Criminalística faz parte da Medicina Legal, segundo Porto15 a própria Medicina Legal faz parte da Criminalística que seria um sistema onde se reúnem diversos conhecimentos oriundos de várias ciências e algumas artes.

Um dos primeiros registros da origem de um ramo da Medicina Legal preocupado com o exame dos Locais de Crimes, por exemplo, data de 1248, quando surgiu na China o livro intitulado Hsi Yuan Lu - “Registro Oficial da Causa de Morte”4. Segundo Fávero19 o começo da era científica da Medicina Legal teve início em 1575, na França, com Ambrósio Paré. Embora, Paré tenha reunido vários trechos desta disciplina, segundo Lima não representava um corpo doutrinário, metódico e sistemático desta ciência. Em 1601 apareceram as “Questões Médico-Legais” de Paulo Zacchia, a quem esse mesmo autor considera o fundador desta ciência. No século XVIII a Medicina Legal se constituiu como disciplina científica, definitivamente.

Em resumo, foi a partir 1844 quando uma bula do Papa Inocêncio VIII recomendou a intervenção médica nas pesquisas criminais, que os trabalhos nesta área tomaram verdadeiro fôlego. A origem do uso das impressões papilares para a identificação de criminosos, no entanto, surgiu em 1877, quando William Herschel, funcionário administrativo britânico na Índia, sugeriu um método de identificação de pessoas para o Inspetor Geral da Prisão de Bengala. Seus estudos de mais de 20 anos não foram levados em consideração na época pois seriam resultado de delírio de Herschel, o qual apresentava saúde debilitado17.

De forma Paralela e independente, o médico escocês Henry Faulds, trabalhando em Tóquio, observou marcas de dedos em cerâmica japonesa pré-histórica, o que o levou a propor um possível sistema de classificação baseado nas impressões digitais. Este trabalho foi enviado a Charles Darwin para apreciação. No entanto, devido ao estado precário de saúde, o pai da teoria da evolução passou o material para seu primo Francis Galton, um antropologista britânico. Alguns anos

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depois, Francis Galton após examinar e sistematizar os trabalhos de Fauld e de Herschel, publicava o livro "Fingerprints", estabelecendo os princípios de individualidade e permanência das impressões digitais. Os resultados permitiram o desenvolvimento de um sistema de classificação que deu origem ao Sistema Galton-Henry. Este sistema foi introduzido na Índia em 1897, e na Inglaterra e Estados Unidos em 190117.

Na Argentina, Juan Vucetich elaborou seu próprio sistema de classificação de desenhos papilares, com base no trabalho dos ingleses, sendo prontamente utilizado pela Polícia Argentina, a partir de 1891, com o nome “icnofalangometria”17. O trabalho de Vucetich possibilitou à justiça de Necochea, província de La Plata, condenar Teresa Rojas pelo homicídio brutal de seus dois filhos ao identificar as impressões de seus dedos repletos de sangue na arma5. Já a Balística Forense, de acordo com Dorea, Stumvoll e Quintela11, teve como iniciativa estudos de Boucher do ano de 1753, na França. Em 1835, na Inglaterra, Henry Goddard notou um defeito num projétil retirado do cadáver de uma vítima. Na casa de um dos suspeitos ele encontrou um molde para projéteis que produzia defeito semelhante padrões nele moldados. Fazendo com que o assassino fosse condenado, Goddard tornou-se o precursor da Balística Forense.

Apenas na década de 1910, que Calvin Goddard publicou seu trabalho sobre comparação de armas de fogo7. No entanto, foi Alexandre Lacassangne (1844-1921) que primeiramente percebeu a importância do estriamento deixado nos projetis após disparos. Este perito vinculou os estriamentos com o cano raiado de uma arma de fogo20. Apesar das iniciativas, para Carvalho20, somente após a criação do microscópio de comparação, na década de 20 do século XX, que a Balística Forense ganhou notoriedade e passou a ser aceita irrestritamente nos tribunais.

Ainda segundo Carvalho20, a Criminalística, como a conhecemos, teria seu começo no final do séc. XIX, quando Hans Gross, Professor e Magistrado, ao perceber que os métodos utilizados pela polícia, baseados na tortura e castigos corporais, não mais se mostravam eficazes. Assim, propôs que os métodos da Ciência moderna fossem utilizados para solucionar crimes. A partir do estudo de diversas ciências produziu a obra “Handbuch für Untersuchungsrichter als System der Kriminalistik”, ou simplesmente “System der Kriminalistik”, que pode ser traduzido como “Manual para Juízes de Instrução”. A literatura deixa dúvidas quanto a data da primeira edição deste trabalho: 1870, 1883 ou após 18905,7e20.

Em continuação, Edmond Locard, médico e advogado, aluno de Lacassagne e de Bertllon, passou a estudar os indícios deixados pelos criminosos nos locais de crime. Em 1910, Locard criava o Laboratório de Polícia Técnica de Lion20.

Apesar de contraditório, a origem da Criminalística pode ser vislumbrada até mesmo na

ficção dos romances policiais4. Antes do juiz Hans Gross publicar seu trabalho, Edgar Alan Poe publicara “Os crimes da Rua Morgue”, “A Carta Roubada” e O Mistério de Marie Roget”, onde apresentava, pela primeira vez, a figura do detetive Técnico-Científico. No entanto, foi após Conan Doyle publicar em 1887 “Um estudo em vermelho” com Sherlock Holmes que a história policial ganha caráter sistemático e científico. No livro de 1883 do autor Mark Twain21 “Life on the Mississipi” um assassinato era identificado pelo uso das impressões digitais.

No que diz respeito às instituições criminalísticas, em 1908, foi criado o “Instituto de Polícia Científica” na Universidade de Lausanne na França. Esta instituição teve origem na anexação do laboratório do Dr. Archibald Rudolf Reiss, um dos mais eminentes Peritos Criminais da história, pela Universidade. O Dr. Reiss publicou várias obras criminológicas dentre elas destaca-se “O Manual de Polícia Científica” o que muito contribuindo à ascensão da Criminalística6.

Fora da Europa, em especial da França, as instituições voltadas às atividades criminalísticas são tardias. Apesar da constatação de que à luz da ciência moderna, a prova material adquire significado novo, a criação de laboratórios policiais nos EUA, só ocorreu entre 1920 e 19307e8. Essa ciência alcançou a academia no fim da década de 1930 e o primeiro curso de Criminologia surgiu apenas no final da década de 1940 na Universidade da Califórnia em Berkeley7.

Assim, já na década de 1950, a solicitação do trabalho pericial científico se tornara rotina aceita pelas autoridades judiciais e policiais. Até mesmo o local de crime, havia deixado de ser lugar para inquirir testemunhas, para se tornar um laboratório externo na busca de provas8. A íntima associação entre o Perito de laboratório e o homem de serviço externo, mostrou-se de inestimável importância durante as operações militares da II Guerra Mundial20.

No entanto, segundo Wallander20, apesar de desde o início do séc. XX vários órgãos policiais terem crescido significativamente, o laboratório policial foi o último desses setores a despontar. Assim, por sua criação recente e rápido desenvolvimento, até os anos de 1950, o laboratório policial ainda não havia assumido forma bem definida, apresentando capacidade científica bastante heterogenia entre cidades e estados.

De acordo com O'Hara14, com exceção de poucas cidades grandes e capitais de estados, a investigação criminal nos EUA, nos anos de 1950, não se mostrava adequada às mais simples necessidades. Isto se deveria principalmente a incapacidade dos serviços policiais em atrair pessoas competentes e à carência de literatura sistematizada, a qual era fortemente influenciada pela literatura médico-legal relacionada com crimes contra a vida. Assim, as técnicas utilizadas nos exames da prova material não mostravam

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novidades e o número de laboratórios policial não apresentavam um crescimento significativo.

A Ciência Forense no Brasil No Brasil, a origem da Criminalística também se confunde com a Medicina Legal. Essa última teve forte influência da escola francesa9. Segundo Fávero19, no período colonial praticamente não foram produzidos trabalhos científicos de Medicina Legal. Este autor situa a primeira publicação nacional de Medicina Legal em 1814, do autor Gonçalves Gomide, médico e senador do Império: “Impugnação analítica ao exame feito pelos clínicos Antônio Pedro de Sousa e Manuel Quintão da Silva”.

A partir de 1832 foram criadas as Faculdades de Medicina que exigiram teses como pré-requisito à obtenção do grau de doutor. Com isso avultaram-se os trabalhos em medicina no Brasil e em 1839 aparecem as primeiras teses de Medicina Legal. Ainda segundo Fávero19, de 1839 a 1877 não há nenhum trabalho realmente original, a exceção ficou por conta da Toxicologia, onde foram produzidos trabalhos inovadores, principalmente por Francisco Ferreira de Abreu, O Barão de Teresópolis.

A partir de 1877 inicia-se uma nova fase da Medicina Legal brasileira, com a entrada de Agostinho José de Sousa Lima para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Dentre suas várias contribuições, está a criação do ensino prático de Medicina Legal, desenvolvendo a parte de laboratório; inauguração do primeiro curso prático de tanatologia forense no necrotério da Polícia da Capital Federal, em 1881, além de vasta produção em revistas científicas da época19.

Posteriormente, com Raimundo Nina Rodrigues, inaugura-se uma época de grande evolução científica e a nacionalização da Medicina Legal. Nina Rodrigues considerava que os problemas médico-legais e de criminologia brasileira diferiam dos europeus, uma vez que as condições físicas, psíquicas e sociais de nosso país eram totalmente diferentes. Diversos discípulos originaram-se da escola baiana de Nina Rodrigues, destacando-se Afrânio Peixoto, Oscar Freire, Leonídio Ribeiro e Flamíneo Fávero23.

Durante este período a Medicina Legal das academias estava estreitamente associada ao serviço médico legal do Estado realizado pelos peritos oficiais. Assim, Oscar Freire consegue viabilizar um acordo entre a Faculdade de Medicina e o Governo do Estado da Bahia, em 1913. Em 1914, Freire funda a Polícia Científica em Salvador ao trazer da Suíça para palestras na cidade o Perito Criminal Reiss24. Em seguida, vai para São Paulo onde inaugura a pesquisa Médico-Legal no estado, contribuindo para o início do Instituto de Medicina Legal da Faculdade de Medicina (atual Instituto Oscar Freire) a partir de 1922. Posteriormente, este instituto foi dirigido por Flaminio Fávero por 32 anos. Entretanto, nesta época já funcionava o serviço

Médico Legal oficial de São Paulo, o qual havia sido oficializado em 188619.

No Rio de Janeiro, a Medicina Legal oficial foi transferida da autoridade judiciária para a Polícia, em 1856. Para isso, criou-se uma assessoria médica junto à Secretaria de Polícia da Corte. A assessoria era composta por dois médicos efetivos, ligados à Polícia, e dois consultantes, professores universitários de Medicina Legal, responsáveis principalmente pelos exames toxicológicos25. Segundo Aldé25, em 1900, a assessoria médica foi transformada em Gabinete Médico-Legal e dois anos depois, Afrânio Peixoto, renomado pesquisador acadêmico da época, apresentou um plano de reformulação do Gabinete Médico-Legal da Polícia para implantar as mais avançadas práticas de Medicina Legal utilizadas na Alemanha. Posteriormente, o Gabinete é transformado em Serviço Médico-Legal através de decreto de 1907.

Todavia, segundo Ribeiro26, as relações entre a Medicina Legal acadêmica e a oficial logo desandaram, surgindo uma grande resistência dos peritos oficiais em dividir o espaço do IML com as aulas públicas da Faculdade de Medicina. Alguns diretores chegaram inclusive a proibir as aulas da faculdade no IML do Rio de Janeiro, levando à cisão entre o conhecimento produzido nas faculdades e a atuação dos profissionais oficiais. Em 1949, foi inaugurado o novo “Instituto Médico-Legal Afrânio Peixoto”. Esse prédio abrigaria na década de 50 as melhores tecnologias em Medicina Legal do mundo. E seu prestígio ainda estaria relacionado ao intenso intercâmbio com a academia25.

Como exposto, no início do séc. XX, as funções do perito legista e perito criminal ainda se confundiam. Por exemplo, Gomes9, dá instruções sobre o exame de local para legistas, inclusive de coleta de vestígios (manchas, objetos, pegadas e impressões digitais), além de fotografias e custódia de evidências. Ferreira10 menciona como pesquisadores pioneiros da datiloscopia os seguintes nomes: Felix Pacheco, Afrânio Peixoto, Elísio de Carvalho, Manoel Viotti e Leonídio Ribeiro, todos legistas.

Em relação à perícia de armas de fogo, este mesmo autor apregoa que o legista deveria possuir conhecimentos indispensáveis sobre as armas de fogo e sua munição, pois seria esse profissional que orientaria e dirigiria a perícia para fornecer à justiça os informes necessários. Apesar de reconhecer a colaboração de um perito especialista em armas de fogo10.

Não se pode negar que os primeiro estudos de vestígios de disparos de armas de fogo foram feitos no Brasil por peritos legistas. Oscar Freira, Moisés Marx e Gastão Fleury da Silveira, sob orientação de Flamínio Fávero, reviu-os em tese que publicou e defendeu em 1926 na Cadeira de Medicina Legal da Faculdade de Medicina de São Paulo10.

Diversos reagentes para identificação de manchas de sangue foram desenvolvidos por Amado Ferreira, médico formado na Faculdade de

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Medicina de São Paulo. Já o sistema Vocetich, de identificação papiloscópica, foi implantado no Brasil a partir de 1902. Este sistema já se encontrava em uso no Gabinete de Identificação fundado em 1903 no Rio de Janeiro, Capital Federal3e4. Grandes nomes como Félix Pacheco, Carlos Éboli, Evaristo de Veiga, Hélio Gomes e Leonídio Ribeiro são destacados iniciadores da Criminalística, apesar da formação médica da maioria3.

No estado fluminense, apenas entre os anos de 1943 e 1944 foi criada a Diretoria Geral de Investigações que englobava o Instituto de Identificação Félix Pacheco, o Instituto Médico Legal e o Gabinete de Pesquisas Científicas, originário do Instituto de Criminalística27. A Criminalística e a Medicina Legal tiveram sua época de ouro no Rio de Janeiro durante as décadas de 40 a 60. No entanto, segundo Aldé25, a partir do golpe militar de 64, houve uma crescente deterioração das condições de trabalho e de desvalorização salarial. Aliado a isto, soma-se a prioridade do Governo em investir mais em aparatos de repressão do que em inteligência investigativa e científica. Isso fez com que a Criminalística e a Medicina Legal durante os anos que se seguiram após 1964 fossem sempre relegadas a segundo plano no que concerne aos investimentos da Segurança Pública, chegando à década de 1990 em condição de penúria. Atualmente, a carência de materiais e equipamentos; o atraso tecnológico e teórico e a desvalorização profissional é tamanha que se poderia dizer que muitos institutos pararam no tempo há cerca de 40 anos28. Certamente, nesse período as atividades periciais foram quase totalmente desvinculadas da produção de saber das universidades, o que contribuiu ainda mais para o atual cenário. A total desvinculação desse conhecimento só não ocorreu pela manutenção da Medicina Legal como disciplina de cursos de Direito e Medicina nas principais instituições de ensino superior brasileiras. Assim, manteve-se algum contato com a forma de produção do saber acadêmico, lugar que a Criminalística vem tentando recuperar nos dias atuais.

Conclusões Não se pode datar com exatidão a origem da Criminalística, sabe-se, no entanto, que seu início foi fragmentada, proveniente de disciplinas independente. Grande parte dos conhecimentos de Criminalística derivaram da Medicina Legal e, posteriormente, constituíram corpo de conhecimento próprio.

No Brasil, a Ciência Forense surgiu de investigações individuais realizadas no seio das universidades, por Médicos Legistas, na sua maioria. À medida que a Criminalística se tornou atividade de polícia, distanciou-se cada vez mais da academia, sofrendo grande decadência. Isso se acentuou sobremaneira após o golpe de 1964, onde

a existência de uma perícia autônoma não era vista com bons olhos.

Os descaminhos históricos da Criminalística através da tutela pelos órgãos policiais contribuíram para as condições inadequadas e tecnologicamente atrasadas e para a atual desvalorização profissional encontrada na maioria dos Institutos de Criminalística brasileiros.

Agradecimentos RGG agradece à Profa. Dra. Fabíola de S.R.G. Garrido pelas correções sugeridas. ____________________ 1DANIEL In: BAZAGLIA, P.; BORTOLINI, J. (Eds.). Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 3 Imp., 1552-1583p., 2004. 2.BARBOSA, V. C.; BREITSCHAFT, A. M. S. An experimental apparatus to study the Archimedes' principle. Rev. Bras. Ens. Fis., São Paulo, v. 28, n. 1, p.115-122, 2006. 3. CODEÇO, A. G. Elementos Básicos da Perícia Criminal. Rio de Janeiro: Lélu, 1991. 4DOREA, L. E. Local de Crime. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto. 1995. 5.RABELLO, E. Curso de Criminalística. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 207p.,1996. 6.ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRIMINALÍSTICA-ABC, disponível em <www.abcperitosoficiais.org.br>. Acesso em 20 out. 2006. 7.GIALAMAS, D. M. Criminalistics. In: SIEGEL, J.; KNUPFER, G.; SAUKKO, P. (eds). Encyclopedia of Forensic Sciences. p.471-477, 2000. 8.MONAGHAN, G. P. Introdução. In: O’HARA, C. E.; OSTERBURG, J. W. Introdução à Criminalística. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura S.A., 1964. 9.GOMES, H. Medicina Legal. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1 ed., 1944. 10.FERREIRA, A. A. Da técnica Médico-legal na investigação forense. Volume I. São Paulo: Editora Rev. dos Tribunais, 1962. 11.DOREA, L. E.; STUMVOLL, V. P.; QUINTELA, V. Criminalística. In: TOCHETTO, D. (Org.). Tratado de Perícias Criminalísticas. 3 ed. Campinas: Millennium, 2006. 12. FRANÇA, G. V. de. Medicina Legal. Rio de Janeiro: Guanabar Koogan, 2001. 13. INMAN, K.; RUDIN, N. The origin of evidence. Forensic Sc. Int., 126, p.11-16, 2002. 14.O’HARA, C. E.; OSTERBURG, J. W. Introdução à Criminalística. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura S.A., 1964. 15.PORTO, G. Manual de Criminalística. São Paulo: Sugestões Literárias S.A., 1969. 16.BOUZON, E. Código de Hammurabi. Petrópolis: Vozes, 2003. 17. CAVALCANTI, A. Criminalística Básica. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 3ed., 1995. 18. GARRIDO, R. G. Criminalística: uma grande área de atuação biomédica. Revista do Biomédico, n 50, Nov/Dez, p.22-23, 2002. 19.FÁVERO, F. Medicina Legal. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 10 ed., 1975. 20.CARVALHO, J. L.de. Fundamentos da Perícia Criminal. 1ed. Campinas: Bookseler, 2006. 21. TWAIN, M. Life on The Mississipi. New York: Classics Mass M. Paperback, 1983. 22. WALLANDER, A. W. Prefácio. In: O’HARA, C. E.; OSTERBURG, J. W. Introdução à Criminalística. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura S.A., 1964, p.10-11. 23. GOMES, H. Medicina Legal. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1 ed., 1987. 24. GALVÃO, L. C. C. Estudos Médico-Legais. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto. 1996. 25.ALDÉ, L. Ossos do ofício. Processo de trabalho e saúde sob a ótica dos funcionários do Instituto de Medicina Legal do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Saúde Pública, Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. 26. RIBEIRO, L. De médico a criminalista. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1967.

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27.SOUZA, E. R.de; MINAYO, M. C. de S.; ASSIS, S. G.de. Construção Histórica de uma Categoria Social. In: MINAYO, M. C. de S., SOUZA, E. R.de (Orgs.) Missão Investigar. Entre o ideal e a realidade de ser policial. Rio de Janeiro: Garamond, p.51-77, 2003. 28. MISSE, M.; GIOVANELLI, A.; Da SILVA, D. N.; MEDAWAR, C. E. Avaliação da formação e da capacitação profissional dos peritos criminais no Brasil. Brasília: SENASP, 2005.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Alucinógenos naturais: Um vôo da Europa Medieval a Amazônia.

Sabrina T. Martinez¹* (PG), Márcia R. Almeida¹ (PG), Angelo C. Pinto¹ (PQ).

*[email protected]

¹Instituto de Química, Departamento de Química Orgânica, Centro de Tecnologia, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ. Palavras Chave: Atropa belladona, Hyosciamus niger, Mandragora officinarum, Ayahuasca, Vinho de Jurema, Paricá.

Introdução Os alcalóides são substâncias nitrogenadas

farmacologicamente ativas. Seu uso é datado desde os primórdios da civilização, principalmente para o preparo de extratos, venenos e poções mágicas. Diferentes civilizações utilizavam alcalóides para proporcionar visões e esclarecimentos acerca da vida, como os índios da Amazônia que preparavam a ayahuasca, o vinho de Jurema e o paricá. Na Europa Ocidental estes efeitos psicoativos eram proporcionados pela beladona, o meimendro e a mandrágora. O objetivo deste trabalho é divulgar a importância histórica e o uso de plantas alucinógenas por diferentes civilizações a partir da comparação de três plantas da Amazônia cujo principio ativo é a dimetiltriptamina (DMT) e três espécies vegetais nativas da Europa, cujo princípio ativo são alcalóides tropânicos, evidenciando as alucinações provocadas pelo seu consumo e as diversas religiões criadas a partir de cultos sagrados, pois acreditava-se que as plantas traziam sabedoria.

Resultados e Discussão As cascas e raízes da árvore de jurema preta (Mimosa hostilis) contém DMT e são herança da religiosidade indígena e consumidas durante cerimônias de Candomblé junto com cachimbos de tabaco. Na obra Iracema de José de Alencar, a virgem é detentora do segredo de jurema, planta do saber secreto xamânico e servida como libação onírica aos guerreiros tabajaras. A ayahuasca é uma bebida obtida do cozimento do cipó Banisteriopsis caapi, que contém harmalina, harmina e tetraidroharmina e das folhas de Psichotria viridis que contém DMT. Do consumo ritual da ayahuasca nasceram diferentes cultos/religiões: o Santo Daime, a União Vegetal e a Barquinha, que ganharam adeptos de todo Brasil1. O termo paricá é usado com sentido genérico de rapé. É preparado a partir de duas plantas, as sementes moídas de Anadenanthera e Piptadenia peregrina (que possuem bufotenina) ou a casca pulverizada de Virola (que possui DMT). Segundo relatos indígenas o paricá provocava sonhos indicadores do futuro e nestes a mãe do sonho Kerpimanha orientava suas vidas. A Atropa belladonna é rica nos alcalóides atropina e escopolamina. O nome Atropa lembra uma das três parcas da mitologia grega, responsável pelo fio da

vida, representando a morte. Extratos desta espécie foram testados por Cleópatra em seus escravos quando, resolveu se suicidar após a morte de Marco Antônio². O meimendro, também chamado de belenho (Hyosciamus niger), fonte de alcalóides tropânicos hiosciamina, atropina, escopolamina e atroscina, era usado em poções cerca de 1500 anos a.C. O belenho foi usado pelos sentenciados de morte, para aliviar a dor, e na época medieval, eram deixados ramos da planta nos banheiros e sobre os bancos de praças públicas, para causar um efeito narcótico na população, que desta maneira era saqueada³. Uma outra Solanaceae, a Mandrágora (Mandragora officinarum) tornou-se famosa na magia e bruxaria pela forma estranha de sua raiz. Conforme a lenda as mandrágoras nasciam aos pés dos enforcados, fato que as tornavam plantas afrodisíacas. Suas propriedades afrodisíacas são descritas na Bíblia em Gênesis e Cantares. O mito que envolve a coleta da planta é apresentado em 1998 por J. K. Rowling em Harry Potter, ganhando espaço e difundindo o conhecimento acerca desta espécie entre os adolescentes. Shakespare em suas obras “Hamlet” e “Romeu e Julieta” cita poções mágicas obtidas a partir das 3 espécies. Fato também observado na lenda romântica celta de “Tristão e Isolda”, cujo amor nasce após o consumo desta poção. Além disso, as três espécies eram usadas pelas “bruxas” da Idade Média na preparação dos ungüentos de vôo4.

Conclusões Os extratos de plantas alucinógenas apenas darão lugar, nos dias de hoje, as substâncias sintéticas. Mas, os rituais são muito parecidos, desde a antiguidade, em todo mundo. No Brasil o consumo de espécies alucinógenas ricas em DMT, em rituais indígenas, deu origem ao desenvolvimento de diversos cultos e religiões.

Agradecimentos Ao CNPq e a FAPERJ pelo auxílio financeiro. __________________ ¹Lamb, F. B. O feiticeiro do alto Amazonas: A história de Manuel Córdova. Rio de Janeiro: Rocco, 1985. ²Mann, J. Murder, Magic and Medicine. Nova Iorque: Oxford University Press Inc, 1992. ³Schultes, R. E.; Hofmann, A.; Ralsch, C. Plantas de Los Dioses: Las fuerzas mágicas de las plantas alucinógenas. San Pedro de Los Pinos: Fondo de Cultura Económica, 2000. 4Burreson, J.; Couteur L. P. Botões de Napoleão: As 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor LTDA, 2006.

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Ciência & Causalidade

Uma reflexão epistemológica sobre o conceito de causalidade na história da física

Elaine Maria Paiva de Andrade1 (PG)

UNIFESO Av Albertos Torres 111, Alto, Teresópolis. E-mail: [email protected] Palavras Chave: causalidade, história da física, epistemologia

Introdução Buscar entender as relações causais que a natureza manifesta, significa, em essência, tentar explicar a própria natureza. Ao que parece, o senso comum, ou a primeira compreensão que temos do mundo, nos leva a crer que a causa de todos os fenômenos deve, ou pode, ser explicado pela ciência, estabelecendo uma relação intrínseca entre a razão de ser, como causa, e o ser, como efeito. A questão a considerar, sob esta perspectiva, é que, longe de se constituir numa questão a ser analisada apenas racionalmente, a causalidade em seu sentido amplo, torna-se também um problema filosófico. Faremos aqui uma breve introdução ao estudo da causalidade considerada sob a perspectiva de sua origem histórica e epistemológica. Nos pré-socráticos, a causalidade se mostrava através da tentativa de encontrar na natureza um princípio comum que ordenasse todas as coisas. Já os aristotélicos procuravam extrair do entendimento das causas e dos vários significados de "ser", aquele princípio primeiro de tudo. Chegaremos ao conceito de causalidade física através da idéia aristotélica de uma ciência epistêmica, associada à concepção de causalidade necessária. A seguir, abordaremos a transição de uma causalidade do tipo mecânica para a do tipo dinâmica, discutindo a questão do essencialismo e do nominalismo.

Resultados e Discussão Aparentemente, existe uma estrutura lógica na qual todos os fenômenos acontecem, uma “realidade aparente” que objetivamente se apresenta a partir de uma ordem temporal “real”. Isso nos leva a pensar no “tempo” de maneira absoluta e independente. A noção de causalidade no homem surge a partir de seu “tempo próprio” existencial, ou seja, seu tempo de vida. A partir de experiências empíricas, estabelecemos relações de seqüências entre fatos, compondo assim, através de associações de causa-efeito, nossa realidade. Ao abandonarmos um corpo em queda livre, elaboramos, intuitivamente, uma causa-razão para seu movimento sempre em direção ao chão. Incondicionalmente, estes preceitos e conceitos físicos da realidade vão se construindo de forma generalizada, sem grandes discussões

epistemológicas, na estrutura de compreensão e pensamento do homem quanto ao comportamento da realidade que percebe. Dessa forma, entendemos, por exemplo, que uma causa objetiva nunca vem antes de sua conseqüência, o que nos leva a crer numa relação causal no espaço e principalmente no tempo. Se jogarmos um objeto contra uma parede e virmos ele bater e voltar no sentido oposto ao do lançamento, concluímos que o mesmo acontecerá se de novo o jogarmos. Sob nenhuma hipótese, em nossa percepção da realidade, conjecturamos ver o objeto voltar da parede sem que antes o arremessemos. Isto seria ilógico segundo nossas concepções de comportamento causal da realidade. Sempre vemos as causas antes de seus efeitos. Assim como acreditamos que na natureza nenhuma conseqüência ocorre antes de sua causa, inferimos que uma conseqüência não deve ocorrer no mesmo instante que sua causa, devendo, portanto, haver um intervalo de tempo para que se propague a interação. Voltando ao exemplo acima, temos que o objeto não pode retornar da parede no mesmo instante em que o lançamos contra a parede. A partir desse fato pode-se deduzir facilmente a idéia de uma velocidade limite na propagação das interações causais. No entanto, somos facilmente traídos por experiências cotidianas que nos induzem a crer em velocidades infinitas e processos de causa-efeito instantâneos ou simultâneos.

Conclusões A realidade estabelece sua própria região de ação. Ao estudarmos a natureza de forma relativista, encontramos um limite, ao qual, todos os fenômenos estão sujeitos. Este limite vem sendo, até então, a velocidade da luz. Vimos ser necessário pensar nesse limite a fim de impedir processos instantâneos, pois, ao contrário, violaríamos radicalmente a ordem do tempo e, conseqüentemente, as relações causais da realidade, perdendo referenciais que nos ajudam a descrever a própria natureza.

Agradecimentos Agradeço ao professor e orientador Luiz Pinguelli Rosa, pela presença, incentivo, segurança e parceria no trabalho de pesquisa que venho desenvolvendo. ___________________ 1 Faber, Jean. Causalidade Relativista, UFRJ.

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2 Paty Michel. A gênese da causalidade física SCIENTLÆ studia, São Paulo, v.2, n.1, p.9-32, 2004

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

A Contribuição de Francis Bacon para a Construção do Método Científico

Roberto B. de Castilho1[PQ]*

* [email protected]; [email protected] 1Departamento de Vacinas Virais, Bio-Manguinhos, Fundação Oswaldo Cruz. Av. Brasil, 4635 – Manguinhos, RJ – CEP: 21040-360. Palavras Chave: Método Científico, Francis Bacon, Filosofia da Ciência.

Introdução

A contribuição do filósofo da ciência Francis Bacon (1561-1626) para a construção do método científico se estende para além do “Indutivismo”. Bacon foi um dos primeiros pensadores a enfatizar a necessidade de um método para facilitar e impulsionar o desenvolvimento científico e o conhecimento da natureza. Apontou os limites da razão, quando esta era utilizada sem o recurso a experimentos. Estes permitem não só o teste das hipóteses, mas também a correção das informações obtidas através dos sentidos. A partir de um certo número de experimentos ou casos favoráveis, poder-se-ia generalizar os resultados num processo gradativo, o que é conhecido atualmente como “Indutivismo” ou Método Indutivo. No entanto, o método proposto por Bacon é mais abrangente do que as simples generalizações de resultados (indução). Além disso, e, apesar da ênfase na experimentação, o método proposto por Bacon não descarta a razão (lógica), mas lhe atribui um papel de igual importância na construção do conhecimento. Deste modo, podemos classificar Bacon como mais do que um simples “empirista”.

Resultados e Discussão A construção do conhecimento para Bacon envolve uma forma de interação com a natureza do tipo experimental. A indução é, pois, um processo de eliminação, que nos permite separar o fenômeno que buscamos conhecer (...) de tudo que não faz parte dele. (...) envolve não só a observação (...) como também a execução de experiências em larga escala, isto é, interferência intencional na natureza e avaliação dos resultados dessa interferência1. Mesmo aparentando uma via genuinamente empirista, o método ali proposto vai além desse viés puramente experimental, coligindo com a razão para promover uma verdadeira síntese do conhecimento. Nas palavras de Bacon: O nosso método de descobrir a verdadeira ciência é de tal sorte que (...) estabelece equivalência entre engenhos e intelectos (livro 1, afor. LXI)2. Nem a mão nua, nem o intelecto, deixados a si mesmos, logram muito. Todos os feitos se cumprem (...) em

igual medida, tanto do intelecto quanto das mãos (livro 1, afor. II)2. Bacon deu ênfase especial à experimentação para romper com a tradição escolástica e abandonar definitivamente o modelo aristotélico vigente em seu tempo. Com Bacon, o conhecimento passa a ser mais que a mera contemplação de fatos e especulação de idéias, tendo assim um valor “prático”, a serviço da sociedade. A razão (lógica, intelecto) e a experimentação (interferência na natureza) formam assim uma unidade na produção do conhecimento e que se estende até os dias de hoje. As experiências são para Bacon uma forma de conferir rigor à produção do conhecimento tal como uma demonstração. Pois na investigação da natureza, (...) os sentidos e o intelecto humano (...) devem ser providos de auxílios (livro 1, afor. LXVII)2; e, a melhor demonstração é, de longe, a experiência (...) (livro 1, afor. LXX)2.

Figura 1. Lorde Francis Bacon.

Conclusões As reflexões de Francis Bacon foram fundamentais para a construção do método científico - tal como é concebido atualmente. A principal contribuição se relaciona com o método indutivo (ou indutivismo); muito embora a proposta de Bacon seja mais ampla por conjugar os experimentos (a prática) à razão (intelecto). A experimentação atuaria como um juiz, decidindo acerca dos dados relevantes e corrigindo as informações que são coletadas através dos sentidos.

Agradecimentos Fundação Oswaldo Cruz; Fundação Saint Germain ____________________ 1 Andery, M.A... et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 12ª ed., Rio de Janeiro: Garamond, São Paulo: EDUC, 2003. p.193-200.

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2 Bacon, F. Novum Organum I e II . Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2000.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

História e funções das notas de rodapé na História Geral do Brasil de Francisco Adolfo de Varnhagen.

Vitor Claret Batalhone Júnior* 1 (ES). [email protected]

Rua Silva Só, 272/402, Bairro Santa Cecília. Porto Alegre,RS - Brasil. CEP 90610-270 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de História. Av. Bento Gonçalves, 9500. Agronomia. CEP 91509-900 - Porto Alegre, RS - Brasil - Caixa-Postal: 91501970. Palavras Chave: Historiografia, teoria, Varnhagen, nota de rodapé, Capistrano.

Introdução

Esta pesquisa é fruto de um estudo ainda

em estágio inicial, e integrado nas atividades do

projeto de pesquisa Ser historiador no século XIX. O

momento Varnhagen. Antologia de uma existência,

orientado e coordenado pelo professor Dr.

Temístocles Cezar. Em 1857, Francisco Adolfo de

Varnhagen, intitulado Visconde de Porto Seguro,

terminara de escrever a obra que futuramente seria

reconhecida como “o monumento da história

brasileira do século XIX” . Pelo menos é o que

poderíamos pensar depois de lermos a apressada

frase anterior. A trajetória desta obra apenas

começava em 1857. A primeira edição da História

Geral do Brasil foi originalmente publicada entre

1854 e 1857, mas vinte anos depois, em 1877, uma

segunda edição anotada já saía do prelo. As duas

primeiras edições da História Geral do Brasil foram

realizadas ainda durante a vida de seu autor, e

somaram dois tomos. O que proponho através

deste estudo é compreender um pouco melhor a

trajetória da História Geral do Brasil segundo uma

reflexão da história e da função na economia do

texto, de suas notas de rodapé e de finais de

secção, com vistas a este fim, foram investigadas a

terceira e quarta edições, anotadas por Capistrano

de Abreu e Rodolfo Garcia.

Resultados e Discussão As notas são um recurso científico muito

importante, elas possibilitam, hipoteticamente, a

averiguação e ou a reprodução de um estudo. A

partir do momento em que as notas indicam as

fontes que o historiador – ou demais cientistas –

usou, seus métodos, e convencem o leitor da

legitimidade da produção do trabalho deste dentro

dos limites permitidos pela prática estabelecida do

ofício, nada impede que o leitor reordene,

reinterprete e produza novos estudos a partir de um

conhecimento anterior. O leitor atua assim como

interlocutor, e não como um simples leitor.

Interlocutor este que atua inclusive, mesmo sob a

proteção de seu anonimato, no momento da escrita

do autor, o qual escreve convicto do surgimento

futuro de dolorosas críticas. Esta economia das

notas permite ainda que a obra de um autor seja

historicizada, identificando os limites e

possibilidades do autor, além de reivindicar

autoridade e solidez da pesquisa com base nas

condições históricas de sua criação. Elas permitem

adentrar de alguma forma o âmbito de discussões

originais que vivenciou o autor no momento de

composição de seus estudos. As notas atuam como

componentes do código científico moderno,

operando na criação de um espaço legítimo de

atuação profissional, conferindo autoridade a um

pesquisador. Este profissionalismo apesar de ter

restringido progressivamente a liberdade de

avaliações sobre o conteúdo, permitiu que se

desenvolvesse uma autonomia crítica interna do

ofício de historiar. Isso possibilitou o surgimento de

um grande rigor metodológico e de uma busca

incessante por objetividade. Neste sentido podemos

pensar, como sugere Peter Gay, que as notas de

rodapé adquiriram uma função de “super-ego

público”, fortalecendo a autocrítica que qualquer

estudioso sério inclui em seus procedimentos

durante sua formação e sua prática. Enquanto

componente do código científico moderno as notas

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operam na criação de um espaço legítimo de

atuação profissional, elas conferem autoridade a um

escritor.

Assim, pesquisei de maneira ainda um

pouco geral, o funcionamento das notas de rodapé

e de finais de secções na História Geral do Brasil,

retirando os exemplos especificamente do volume

primeiro da quarta edição, pois se tratando de um

estudo inicial, preferi-o em função de meu melhor

conhecimento sobre este volume. A História Geral

do Brasil foi, entretanto, consultada em sua

integralidade. Muitas das discussões presentes nas

notas de rodapé e / ou de finais de secções se

expandem tomando parte mesmo nas produções de

monografias e teses para o IHGB. Estas notas

aparecem na História Geral do Brasil

constantemente como correções de dados,

acréscimos de informações, referências e críticas a

novas fontes publicadas no Brasil ou em outros

países, influindo sobre o texto da obra. O uso de

notas serve para confirmar a solidez das fontes e

sua conseqüente aplicação à construção de uma

narrativa coerente. A tecnologia de referenciação

das notas atuou ainda na criação de um espaço

legítimo de atuação profissional, tanto para

anotadores quanto para autores que progrediram

nos determinados estudos a partir das discussões

surgidas das notas originais. As notas de rodapé

serviram tanto para embasar e legitimar uma

narrativa (e também um argumento) quanto para

estimular pesquisas subseqüentes. As notas de

maiores volumes estão presentes justamente nos

finais de secção. Pode-se especular que seja para

não atrapalhar o fluxo da narrativa, opinião com a

qual eu concordo. Entretanto, se optarmos por tal

possibilidade, uma questão se faz presente: é

preciso conhecer o código científico para entender o

funcionamento e as informações estendidas nas

notas de rodapé. Um leitor leigo em nome de uma

leitura fluente do texto, pode passar reto por

qualquer nota existente, ou ler apenas as de

rodapé. As notas de finais de secção são

justamente aquelas com maior densidade de

discussões e críticas de fontes. Desta forma, tanto a

narrativa não fica prejudicada, quanto o rigor

científico não se afrouxa. Para se entender o

funcionamento dessa conjugação de dois tipos de

notas, é preciso conhecer a importância delas, em

suma, entender o código, a lógica, que rege suas

existências e funcionamentos. As notas no final do

volume não interrompem a seriedade do texto

central, e ainda permitem o surgimento de um outro

texto igualmente constitutivo da obra.

Conclusões As notas de rodapé e de finais de secções

na História Geral do Brasil funcionam

freqüentemente como um meta-texto, expandindo a

obra para além do texto formulado pelo autor inicial.

Esse meta-texto é construído pelas contribuições de

anotadores e críticos, assim como pela própria

reedição realizada pelo autor do texto em questão.

Essa é a primeira característica do que podemos

chamar de um meta-texto, um texto além do

originalmente concebido pelo autor. Assim, teríamos

um corpo textual “central” (centralidade esta

entendida no sentido de “principal”) e outro

formulado pelas notas de rodapé ou de finais de

secção, no caso da obra estudada. Esse meta-texto

constituiria assim através das notas, um avanço do

estudo proposto no corpo central da obra. Não foi

em vão que a História Geral do Brasil cresceu de

dois tomos iniciais para os seis da sétima edição.

Varnhagen pensou sua obra como uma base para

construção da história nacional. Talvez ele não

esperasse que tal construção se desenvolvesse tão

logo através dos rodapés e finais de secções.

Agradecimentos

Para a realização deste estudo, contei com

o financiamento do CNPQ através do Programa de

Iniciação Científica da Pró-Reitoria de Pesquisa

(PROPESQ) da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (UFRGS), aos quais sou muito grato.

Agradeço primeiramente ao professor Dr.

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Temístocles Cezar pelo voto de confiança em

minhas capacidades acadêmicas e pela orientação

sempre amistosa. Agradeço também aos queridos

colegas que muito me auxiliaram neste período de

frutíferos trabalhos: Pedro Telles da Silveira,

Eduardo Wright Cardoso e Evandro Santos. A

todos, meus sinceros agradecimentos.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

D. Pedro II: Monarca e Homem de Ciência

Natalia Barbosa de Andrade (PG) - HCTE/IQ - UFRJ

[email protected] Palavras Chave: História da ciência no Brasil, d. Pedro II

Introdução O presente trabalho tem como objetivo

demonstrar a partir da correspondência científica de d. Pedro II, o seu interesse e apoio à ciência.

Resultados e Discussão

Retrato de d. Pedro II. Delfim da Câmara, óleo sobre tela [color]. Museu

Histórico Nacional. A partir da leitura da bibliografia existente sobre o

Segundo Imperador do Brasil, D. Pedro II, 1,2,3 e de sua correspondência pessoal com cientistas brasileiros e com academias e cientistas estrangeiros, no período de 1847 a 1881, que se encontram no Arquivo do Museu Imperial (Petrópolis, RJ), podemos verificar que d. Pedro II era assíduo correspondente, bem como sócio de várias instituições científicas internacionais. Em sua residência, o Palácio da Quinta da Boa

Vista, mantinha uma biblioteca, um museu, um laboratório e um observatório astronômico. Isso nos mostra que o seu cotidiano era tomado por seus estudos. Este trabalho está em sua fase inicial de

levantamento e seleção do material a ser analisado, tendo como base uma série de documentos indicadores da ligação do monarca com a ciência, nos âmbitos nacional e internacional. A maior parte trata de correspondência recebida, mas que pode nos dar uma idéia da dimensão dessa parte tão importante da vida de d. Pedro II.

Conclusões Na Europa capitalista e industrial, o século XIX é

denominado como o “século da ciência”, com o crescente surgimento de pesquisas, laboratórios e associações científicas. No Brasil, D. Pedro II a tudo acompanhava, assinando publicações científicas, correspondendo-se com sábios, organizando expedições científicas e culturais, convidando cientistas para visitar o Brasil, concedendo bolsas no exterior para estudantes brasileiros, encorajando as pesquisas e discutindo os novos conhecimentos. Assim, podemos observar um amor obsessivo pela ciência.

Até o final de sua vida manteve o Imperador seu entusiasmo pela ciência. Alguns dias antes de falecer, sua última saída foi para ir à Academia das Ciências de Paris.

A análise acurada da correspondência pessoal trocada com cientistas e professores de ciência, nos permitirá traçar um perfil mais exato dessa intima relação entre o Monarca e o Homem de Ciência.

Agradecimentos Gostaria de agradecer a minha orientadora Nadja Paraense dos Santos e ao professor Carlos Alberto Lombardi Filgueiras. ____________________ 1 Santos, N. P. dos., “Pedro II,Sábio e Mecenas, e Sua Relação com a Química”. Revista da SBHC, Rio de Janeiro, v. 2, n. I, p. 54-64, jan./ jun. 2004. 2 Calmon, P., História de D. Pedsro II. Rio de Janeiro: José Olympio,1975. v. 1 3 Schwarcz, L. M., As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um Monarca nos Trópicos. São Paulo: Cia das Letras, 1998..

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Algumas plantas medicinais brasileiras na farmacopéia do médico espanhol Nicolas Monardes (ca. 1512-1588).

Fernando J. Luna (PQ)*, Marília P. Linhares (PQ), Cassiana Hygino (ES); [email protected].

Centro de Ciência e Tecnologia, Universidade Estadual do Norte Fluminense, Av. Alberto Lamego, 2000, Campos dos Goytacazes- RJ, 28013-600. Palavras Chave: etnobotânica, disseminação da ciência, farmacêutica, índios.

Introdução As primeiras notícias e descrições sobre as plantas americanas apareceram na Europa em obras espanholas, que mencionavam as plantas recém-encontradas, e às vezes descrições da morfologia e das propriedades medicinais. O governo espanhol estabeleceu que, até 1720, todo o comércio colonial fosse canalizado por Sevilha, que se tornou o único porto de ingresso, fato que deixou o médico Nicolás Monardes (ca. 1512-1588), apesar de nunca ter viajado para além-mar, em posição privilegiada para ter acesso aos espécimes trazidos da América.1 Assim, Monardes (Figura 1) tornou-se o primeiro autor europeu a introduzir as plantas americanas na bibliografia especializada. A farmacopéia de Monardes, publicada em 1565, intitulava-se Primera y segunda y tercera partes de la Historia Medicinal: delas cosas que se traen de nuestras Indias Occidentales que sirven al uso de Medicina. Nesta obra descreve, entre outras plantas, o guaiaco, a jalapa, a canafístula, o sassafrás, o tabaco, a coca, o bálsamo de Tolu e o bálsamo do Peru.

Resultados e Discussão Nicolas Monardes descreveu didaticamente como o conhecimento sobre a resina extraída de árvores do gênero Guaiacum usada então contra sífilis e reumatismos foi apreendido pelos colonos espanhóis. Traduzo aqui para o português o que se lê no item ‘História’ no verbete dedicado ao guaiaco: “O guaiaco, que os nossos chamam Pau das Índias, se descobriu logo que acharam as primeiras Índias, que foi a Ilha de São Domingo, onde há grande quantidade dele. Deu notícia [do guaiaco] um índio a seu amo, nesta maneira: como um espanhol padecia grandes dores de sífilis, que de uma índia havia pegado, o índio que deles era médico daquela terra, lhe deu a água do guaiaco, com o que não somente pararam as dores de que padecia, mas também sarou muito bem do mesmo mal; com o que muitos outros espanhóis, que estavam infeccionados do mesmo mal, foram curados; o que se comunicou logo pelos que dali vieram aqui a Sevilha, e daqui se divulgou por toda Espanha, e desta por todo o mundo.” Esta obra, contendo minuciosas narrativas de como os europeus entraram em contato com as plantas medicinais americanas, foi rapidamente traduzida para outras

línguas, disseminando no resto da Europa o conhecimento da terapêutica indígena, em inglês, italiano, latim, francês e alemão.

. Figura 1. Monardes aos 57 anos, reproduzido de sua principal obra, Historia Medicinal: de las cosas que se traen de nuestras Indias Occidentales que sirven al uso de Medicina

Conclusões Além de trazer o conhecimento a que os europeus tinham acesso acerca das substâncias medicinais do Novo Mundo no final do século XVI, por meio da obra de Monardes é possível também vislumbrar o processo histórico da transmissão do conhecimento farmacêutico desde os indígenas americanos até publicações especializadas na Europa.

Agradecimentos FAPERJ. ____________________ 1 Bleichmar, D. [in] Schiebinger, L. e Swan, C. Colonial Botany. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2005.

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História da Nanotecnologia.

Romero de Albuquerque Maranhão. (PG)

Rua Maria Maia, nº 170 – Madureira/RJ. [email protected]. Palavras Chave: Nanotecnologia, átomo, xenônio.

Introdução Os séculos XVII, XVIII e XIX foram

marcados, sobretudo, pelo desenvolvimento das ciências naturais, a partir do século XX consagram-se os tempos das conquistas científicas e tecnologias extraordinárias, especialmente no campo da biotecnologia e nanotecnologia. A nanotecnologia representa uma das grandes inovações tecnológicas do último século, uma nova manifestação da potência humana em sua capacidade criadora, tanto de objetos quanto de condições de vida. Operando numa escala equivalente à manipulação da matéria ao nível molecular, as aplicações nanotecnológicas visam à criação de novos materiais, substâncias e produtos, com uma precisão de átomo a átomo, esperando-se que esta revolução na natureza da própria estrutura da matéria traga profundas transformações. O objetivo deste trabalho é abordar o aspecto inovador da nanotecnologia, seu histórico e definição, visando contribuir com o estado da arte.

Resultados e Discussão A nanotecnologia vem revolucionando o

mundo da ciência e tecnologia, trazendo grandes expectativas para o desenvolvimento de países e indústrias. O ponto inicial da nanotecnologia foi à palestra proferida por Richard Feynman em 1959, onde o mesmo propôs a manipulação de átomos e que o homem não necessitava aceitar os materiais da forma que a natureza provê, desde que as leis da natureza não sejam afetadas. A partir deste momento uma revolução vem acontecendo na ciência e na engenharia, por se tratar na habilidade de manipular átomos, compreendida por uma escala de 10-9m, visando criar uma nova organização estrutural, capaz de apresentar comportamentos e propriedades diferentes dos materiais atualmente conhecidos. Por se tratar de tecnologia multidisciplinar, que consiste na área da física, química, biologia e medicina, o campo de aplicação da nanotecnologia é vasto, porém os grandes destaques estão na nanoeletrônica, nanobiotecnologia e nanomateriais (Cadioli e Salla, 2006).

O prefixo “nano” vem do grego “nânos”, que significa anão, muito pequeno. Mais precisamente, a 11ª Conferência Internacional de Pesos e Medidas deliberou em 1960 chamar nano ao milésimo do milionésimo. Assim o nanômetro é um milésimo do

milionésimo do metro, que por sua vez é um micrômetro (antigamente chamado “mícron”). Se o micrômetro é a dimensão de uma célula viva, que se vê com um microscópio normal, o nanômetro é a dimensão de uma molécula orgânica, que só se consegue ver com um microscópio especial (que, por isso, bem se poderia chamar “nanoscópio”) (Fiolhais, 2007).

A nanotecnologia é a tecnologia à escala molecular. Poder-se-á perguntar se essa disciplina não existe já com o nome, bem antigo, de química. Porém, a nanotecnologia, em contraste com a química, procura construir novas moléculas e novos materiais juntando os seus constituintes, átomo a átomo, com uma individualidade e uma precisão que não se consegue quando se trabalha com uma multidão de moléculas. Essa tecnologia tem, de fato, bastante de química. Mas também tem de física, de biologia, de medicina… e de engenharia eletrotécnica, mecânica, química, de materiais e biomédica. É interdisciplinar, uma das marcas da ciência moderna (Fiolhais, 2007).

Assis (2007) define a nanotecnologia como um conjunto de atividades ou mecanismos que ocorrem em uma escala extremamente pequena, mas que tenham implicações no mundo real. “Esses mecanismos estão além da percepção dos olhos humanos e operam em uma escala chamada nanométrica”. A nanotecnologia é atualmente um negócio mundial de bilhões de dólares que atrai a cada dia mais investimento, devido ao seu enorme potencial de aplicação tecnológica nos mais variados setores industriais.

O físico Albert Einstein foi um dos primeiros cientistas a calcular o tamanho das moléculas. Na sua tese de doutorado, intitulada ”Uma nova determinação das dimensões moleculares”, em 1905 e que se veio a tornar o seu trabalho mais citado desse ano apesar de concorrer com os primeiros trabalhos da teoria da relatividade, chegou à conclusão de que o raio de uma molécula de açúcar (sacarose) era de 0,62 nanômetros, tendo, portanto um tamanho intermédio entre o da molécula de DNA e o da molécula de água (Fiolhais, 2007).

Na época de Einstein, falava-se apenas em hipótese atômica. Vivia-se a época da transição, que foi lenta e difícil, da hipótese para a realidade atômica. A palavra “átomo”, com origem no grego antigo, significa indivisível. Tinha sido usada pela primeira vez por um poeta e filósofo grego, Demócrito (460 a.C. – 404 a.C.). Demócrito afirmou num dos seus versos que “só há átomos e espaço

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vazio”. Essa mensagem foi, mais de três séculos depois, desenvolvida pelo poeta latino Lucrécio, na única obra escrita que nos chegou dele: “De Rerum Natura”. Apesar da decisiva contribuição dada no final do século XVIII por Antoine Laurent Lavoisier (1743 - 1794), que muitos consideram o “pai da química”, a química moderna só viria a ficar estabelecida no início do século seguinte com o inglês John Dalton (1766-1844). Foi ele quem introduziu os átomos na química como partículas reais: na sua obra, as substâncias elementares eram formadas por átomos, representadas por pequenas esferas, enquanto as substâncias compostas eram formadas por moléculas, representadas por grupos de pequenas esferas (Fiolhais, 2007).

Em 1911, o átomo, embora mantendo o seu nome, deixou de ser indivisível. A estrutura íntima do átomo foi desvendada pelo físico britânico Ernest Rutherford (1871-1937), que numa experiência engenhosa encontrou o pequeno núcleo atômico no centro do átomo. Passados dois anos um outro grande físico, o dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) adiantou que o átomo era formado não só pelo núcleo central, mas também pelos elétrons à sua volta que, curiosamente, só podiam ter certas energias. Os estados de energia dos elétrons eram previstos com espantosa precisão por uma nova mecânica – a mecânica quântica. São os elétrons mais externos os responsáveis pela ligação química, seja esta na molécula de água, da sacarose ou do DNA, e a mecânica quântica dizia tudo o que havia a dizer sobre esses elétrons (Fiolhais, 2007).

Uma geração de físicos brilhantes aplicou fecundamente a mecânica quântica de Bohr, mais tarde aperfeiçoada por Heisenberg, Schroedinger e Dirac (ficando pronta no ano de 1926). O seu poder está sintetizado na afirmação de Dirac: “a mecânica quântica descreve toda a química e quase toda a física”. De posse da mecânica quântica, estava encontrado o segredo da ligação dos átomos para formar moléculas e materiais. Contudo, o termo “nanotecnologia” só se começou a usar a partir de uma conferência de um físico: o norte-americano Richard Feynman (1918-1988).

Feynman proferiu em 1959 uma conferência, que haveria de ficar quase tão famosa como ele. A certa altura, na tradição de Demócrito e Lucrécio, afirmou: “Há muito espaço lá em baixo” (em inglês soa melhor: “There is plenty of room at the bottom”). Queria ele dizer com isso que, de posse do nosso conhecimento dos átomos, poderíamos movê-os e ligá-los da maneira que quiséssemos. De fato, esse é o sonho que tem sido perseguido desde então pela nanotecnologia. Todos os átomos “gostam” uns dos outros, no sentido em que pode sempre haver ligações químicas entre eles, de um tipo de ou outro, mais intensas ou menos intensas (até existe uma molécula formada

por dois átomos de hélio, o mais leve dos gases raros, se a temperatura for suficientemente baixa) (Fiolhais, 2007).

Em 1974, o professor Norio Taniguchi, da Universidade de Ciência de Tóquio cria a palavra “nanotecnologia”, designando-a como o conjunto de estudos e aplicações referentes aos objetos e processos na escala de nanômetro.

Gerd Binning e Heinrich Roherer no ano de 1981, no laboratório da IBM em Zurique, na Suíça, cria um aparelho com capacidade de enxergar átomos, ou seja, o microscópio de varredura por tunelamento (STM). Este microscópio se caracteriza por uma minúscula ponta feita de material condutor que percorre ou varre toda a superfície a ser analisada, a ponta e o substrato onde se deposita a amostra ficam ligados por um circuito. Aplica-se então uma tensão elétrica no circuito e abaixa a ponta do microscópio até quase encostar na amostra, a distância entre a ponta e a amostra é de apenas alguns nanômetros. Se os elétrons, que apenas deveriam passar da amostra para a ponta, se as duas estivessem encostadas pulariam pelo ar, tunelando e conseqüentemente fechando o circuito entre a ponta e a amostra, criando uma corrente com voltagem infinitamente pequena, da ordem de alguns nanoampéres.

Com o microscópio de varredura por tunelamento, passou a se enxergar átomos, nunca vistos ou imaginados anteriormente, além de conseguir manipulá-los. O microscópio de varredura por tunelamento, valeu a seus inventores em 1986, o Prêmio Nobel da Física.

No ano de 1986, Eric Drexler, o primeiro cientista a doutorar-se em nanotecnologia, populariza o conceito de nanotecnologia, através de seu livro “Engines of Creation”. Apesar deste livro possuir uma visão de ficção científica, o mesmo é baseado num trabalho sério desenvolvido pelo cientista.

A nanotecnologia que Drexler, propõe é a nanotecnologia que é considerada a nanotecnologia molecular, que pressupõe a construção de átomo a átomo. O ápice da nanotecnologia para Drexler, é o Montador Universal, que é um dispositivo capaz de acatar instruções do programador, construindo átomo a átomo qualquer máquina imaginada pela mente humana. Em seu livro, Drexler mencionava a construção de um assemblador molecular, que seria uma espécie de máquina minúscula que primeiro manipularia os átomos de forma a construir outra máquina idêntica a si própria e depois se replicaria quantas vezes que fossem necessárias, objetivando produzir uma força de trabalho capaz da produção em larga escala em nível atômico.

Ainda no ano de 1986, Gerd Bining inventou uma ponta do microscópio capaz de enxergar qualquer coisa. Junto à ponta, foi acoplado um pequeno pedaço de diamante que contorna os átomos exercendo uma pressão pequena, o

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suficiente para não destruí-la. Este ficou conhecido como o microscópio de força atômica (AFM), a ponta do microscópio de força atômica. Conforme o pedaço de diamante se move quando encontra saliência, move-se também a ponta, gerando assim imagens como no STM (Cadioli e Sallas, 2006).

O AFM possibilita ver os átomos e, além disso, movê-los um a um, quando aplicada uma tensão elétrica extremamente forte entre a ponta do microscópio e a amostra, fazendo com que um átomo salte e grude na ponta. Porém se a polaridade da corrente for invertida, o átomo volta para baixo com força, ficando encaixado neste ponto.

Em 1989, o físico Donald M. Eigler da IBM na Califórnia, nos Estados Unidos, escreve as letras da companhia, utilizando 35 átomos de xenônio, mostrando que estruturas poderiam ser construídas átomos por átomos ou moléculas por moléculas. Ele alinhou os átomos xenônio para escrever o logotipo da empresa sobre uma superfície de níquel. Isto ocasionou um imenso interesse entre os cientistas, na busca de se conseguir o melhor domínio da técnica de manipular o átomo.

No ano de 1991, o professor Sumio Iijama, da NEC, em Tsukuba no Japão descobre os nanotubos de carbono (Cadioli e Sallas, 2006; Fiolhais, 2007). A partir de então os estudos envolvendo nanotecnologia passaram a importar diversas nações e por interesses diversos.

Atualmente, como grande portadora de futuro, a nanotecnologia se configura como assunto estratégico de máxima prioridade nos países desenvolvidos e também em países em desenvolvimento acelerado, como a China e a Coréia do Sul. O investimento global situa-se na faixa de três bilhões de dólares/ano, só no nível governamental, distribuindo-se de forma equilibrada entre os quatro blocos: Japão, EUA, UE e o conjunto formado pelos demais países (Toma, 2005).

Conclusões A nanotecnologia, em poucos anos, passou a ser considerada um instrumento estratégico e uma poderosa ferramenta de capacitação, que além de promover a inovação tecnológica, também pode melhorar a qualidade dos produtos através da assimilação de recursos e procedimentos mais inteligentes, modernos e evoluídos.

Agradecimentos Ao amigo Raphael pelas contribuições e leitura do manuscrito.

____________________

Assis, O.B.G. Embrapa oferece curso de nanotecnologia a novos pesquisadores (2007). Disponível em <http://www.portal doagronegocio.com.br/conteudo.php?id=17893>. Acesso em 05 de julho de 2008. Cadioli, L.P. e Salla, L.D. Nanotecnologia: um estudo sobre seu histórico, definição e principais aplicações desta inovadora tecnologia (2006). Disponível em <http://www.unianhanguera.edu.br/ programasinst/Revistas/revistas2006/rev_exata s/11.pdf>. Acesso em 05 de julho de 2008. Fiolhais, C. Breve História da nanotecnologia (2007). Disponível em <http://nautilus.fis.uc.pt/cec/arquivo/Carlos%20Fiolhais/Textos%20divulga%e7%e3o_2/tecnologia/Breve%20Hist%f3ria%20da%20nanotecnologia.pdf>. Acesso em 05 de julho de 2008. Toma, H.E. Química e Nanotecnologia: é hora de despertar! Informativo CRQ-IV, Jan-Fev. 2005.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Descontinuidades, poder e política: a tríade fóbica da ciência, a partir de três pontos de vista da epistemologia francesa

Murilo Mariano Vilaça1 (PG)

1- [email protected] Palavras Chave: Ciência, poder e descontinuidade.

Introdução O que podem as ciências? Qual seu status

atualmente? Quais suas ‘fobias’? Com essas questões, pretendo analisar, neste ensaio, como a ciências vêm sendo confrontadas por algumas perspectivas críticas, na contemporaneidade, acerca de suas pretensões.

Meu objetivo é analisar – tomando por parâmetro analítico algumas das críticas de uma importante tríade do pensamento epistemológico francês, composta por Georges Canguilhem, Michel Foucault e Bruno Latour, sobre o modo ‘normal’ pelo qual as ciências eram teorizadas – como: (1) a existência de descontinuidades nas teorias, procedimentos e resultados produzidos pela ciência, (2) as relações de poder e (3) o fato de existirem interesses dos mais variados matizes, que influenciam os usos das ciências, bem como seus resultados, permitem-nos pensá-las de outro modo, o qual chamarei, aduzindo termos latourianos, ciência em ação num contexto democrático.

Duas são as questões fundamentais que vou trabalhar: a primeira refere-se às bases questionáveis sobre as quais as ciências se auto-forjaram discursivamente, como a ‘religião moderna’, haja vista que a verdade, outrora disputada pela filosofia e pela religião, agora seria monopólio da razão instrumental ou científica; na segunda, analisarei como, a partir das críticas ao pensamento dogmático-científico, podemos pensar o lugar e o papel das ciências na contemporaneidade, a fim de situá-la desde um contexto de abertura à discussão pública e necessidade de reunir um coletivo que dê força e legitimidade aos seus resultados explicativos e judicativos das coisas do mundo.

Resultados e Discussão A ciência, como qualquer outro campo da

ação humana, está num contexto de disputa. Panoramicamente, a luta entre aqueles que postulam a neutralidade científica diante de fatores externos, numa defesa ferrenha da racionalidade científica estrita, e os que, entendendo essa racionalidade como algo no mundo social, assim, concorrente com tantas outras e carente de justificação constantemente, é um dos problemas típicos sobre a ciência.

Essa noção, de ciência como campo também político, ainda que não hegemônica, é bastante representativa entre as perspectivas que tomam a ciência como objeto de estudos na contemporaneidade.

Desde sua fundação, a ciência fora alvo de uma série de linhas investigativas e críticas sobre suas propriedades e possibilidades. Primeiramente, através das teorias do conhecimento, em seguida, pela filosofia da ciência, mas tarde pelas epistemologias lógicas e históricas, atualmente, outras ricas perspectivas vem se interpondo ao prometeísmo científico moderno.

A partir de um olhar relativamente recente, a ciência vem sendo insistentemente criticada quanto às suas pretensões, seus modelos analíticos clássicos – empiricismo (ingênuo) e racionalismo (abstrato) –, segundo os quais a ciência e o conhecimento por ela produzido seriam o lugar e a fonte, a partir de então, de toda verdade confiável. Fundamentada na noção de sujeito cognoscente transcendental, que, como um observador analítico, é afetado pelos dados ou fenômenos duma realidade concreta, passando meramente é descrever sua mecânica essencial, a ciência, bem como as bases justificadoras que compõem sua mística, tais como objetividade, sistematicidade, continuidade e neutralidade, são radicalmente questionadas (PORTOCARRERO, 2002).

Recentemente, o Programa Forte de Sociologia das Ciências, operando uma virada sociológica, relativizando radicalmente as pretensões científicas; passando new history of science, que pratica um olhar historiográfico que problematiza a idéia de que a ciência se processa evolutiva e continuamente através de um olhar como práticas locais, inseridas socialmente, relacionando com os instrumentos, materiais, conceitos e saberes, afirmando sua multifuncionalidade; e os science studies, que reúnem as dimensões sociológica, histórica e filosófica para analisar a ciência, apresentando alguns dos inconvenientes do paradigma monológico de ciência, que se baseia em pares de oposição supostamente existentes, como entre conhecimento e interesse, poder e neutralidade; objeto e sujeito, teoria e prática, ciência e sociedade, etc; dentre outras perspectivas críticas do século XX, o que se tem visto é um ataque

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frontal ao dogmatismo unitário, metodológico e teleológico duma ciência calcada na análise de cunho comtiano (idem). Em geral, o que está em jogo no debate contemporâneo acerca das ciências é o prometeísmo científico que, otimista, apresentava a verdade por si produzida como um bem social indiscutível. Aliás, a ciência pretendia-se forte, clara e radicalmente benéfica, avocando-se o poder de dominar e salvaguardar o mundo, para ser questionada. As respostas dadas às questões humanas seriam tão importantes que, num tempo mais ou menos impreciso, a humanidade estaria, a partir duma ‘Era científica’, adentrando a um tempo de desenvolvimento exponencial, sem precedentes nem retorno. Associado a essas razões, ela parecia estar num nível supra-discursivo, ou seja, acima dos limites e propriedades da linguagem enquanto um modo de representação da realidade e a forma de justificação de qualquer prática humana. Em vez disso, a linguagem era apenas o modo de expor, de publicar, de descrever processo e resultados duma pesquisa. Contudo, mormente após a II Grande Guerra, todo o mito criado por essas idéias fora posto em questão, dando lugar a um sentimento de perigo iminente, o que alocou a ciência no âmbito das coisas políticas em geral. Deste modo, ela passou a ser apresentada como uma importante forma de poder e como uma prática social como outra qualquer. Assim, questionado foi seu caráter sublime, de lugar incólume às influências, por assim dizer, externas ao processo (asséptico) de seus experimentos. Cada vertente ou perspectiva, mas, sobretudo, cada um dos autores supracitados, investe sua crítica em direções ou pontos do discurso científico relativamente diferentes, apesar de haver compartilhamento. Evitando um nível de superficialidade exacerbado caso tentasse analisar dois ou mais aspectos de cada um, decido eleger apenas um para analisá-lo brevemente. Canguilhem, por exemplo, através de sua História das ciências, cujo objeto é a historicidade dos discursos científicos, com o objetivo de fazer um estudo crítico das questões científicas e das respostas dadas a elas, as quais são invenções tipicamente científicas, apresenta o problema da descontinuidade (CANGUILHEM, 1972; MACHADO, 2006).

Embora Canguilhem considere a ciência como sendo marcada temporalmente pelo crescimento do número de verdades que consegue reunir, defender, justificar, determinando aquilo que, na experiência, pode ser tido como realidade (CANGUILHEM, idem), o que poderia, devido às semelhanças, identificá-lo com um pensamento de tipo positivista, para o qual, grosso modo, a ciência é um conjunto de verdades comprováveis em franco progresso, sem equívocos ou retrocessos, ele, do

ponto de vista da história das ciências, trabalha com a relação existente entre verdade e erro (MACHADO, idem).

Distanciando-se da noção de progresso do espírito humano, de Comte e Condorcet, Canguilhem apresenta sua visão do progresso da ciência criticando basicamente a noção de um estado definitivo do saber. O que está na mira de Canguilhem é a tese segundo a qual a anterioridade cronológica de algum saber denota logicamente sua inferioridade. Com essa crítica, ele ataca frontalmente a idéia de que fazer ciência é um acúmulo cada vez maior de certezas, o que daria à continuidade o estatuto de valor absoluto para aquela. Segundo Machado (ibidem), citando o autor, ao invés, o que está em questão não é um acúmulo contínuo, mas sim como um saber atual se constitui como superior ao seu anterior, podendo depreciá-lo.

Esse processo progressivo, no entanto, não é contínuo, mas descontínuo. Não é uma espécie de ‘escada de mão única’, ou seja, que só vai para cima, numa evolução contínua, mas tem no erro um eixo fundamental, o que fundamenta a idéia, já vista em Bachelard, de que o progresso é dialético. Assim, o “inacabamento essencial” ao qual Canguilhem se refere (ibidem, p. 16), fundado na idéia da descontinuidade, é o foco da história epistemológica de Canguilhem.

Em Foucault, quero sublinhar suas pesquisas acerca da relação entre verdade e poder. Na primeira metade da década de 1950, dedicou-se aos problemas que se colocavam no imbricamento entre saber e poder, ressaltando o estatuto político da ciência e as funções ideológicas que podia veicular (FOUCAULT, 2007). O que Foucault pretendia denunciar era o que há muito vinha sendo escamoteado, permitindo que uma série de questões importantes sobre as verdades produzidas pela ciência viesse à tona.

Postulando a existência de duas histórias da verdade que se relacionam, uma interna, que corresponde à história de verdade tal como se faz na ou a partir da história das ciências; outra externa, que se refere a outros tantos lugares e formas de, na sociedade e a partir de certo número de regras de jogo definidas, a verdade se constituir e se interligar com formas e formação de subjetividade (FOUCAULT, 2005), Foucault queria colocar para as ciências a questão de como elas se relacionam com as estruturas políticas e os interesses econômicos (FOUCAULT, 2007.) Para sua surpresa, Foucault deparou-se com um duplo desinteresse, tanto ao nível político quanto epistemológico, do problema por ele colocado, inclusive por parte daqueles que, por excelência de seus discursos, deveriam se preocupar com a dimensão política da ciência, a saber, os marxistas.

Contudo, apesar de resistência sofrida, Foucault procede em obras como A história da loucura e O nascimento da clínica estudando como

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a verdade científica, como a ciência tem uma relação estreita e necessária com fins políticas, tais como de ordenamento social.

Foucault, portanto, procede sua investigação histórica sobre a ciência, os discursos sobre verdade que ele emite, sua relação com fins políticos em dois passos, ou melhor, segundo duas perspectivas diferentes, uma arqueológica, outra genealógica. Tomando Nietzsche como melhor, mais eficaz e atual referência, fia-se por uma análise histórica do nascimento de certo tipo de saber, cuja gramática é político-discursiva, não fundada no sujeito de conhecimento. Ou seja, um saber instituído, uma ciência, não é fruto da orientação pura (abstrata) do sujeito cognoscente ao mundo, mas sim o resultado duma prática que possui um número de regras próprias, mas que incontornavelmente se relaciona com as regras do jogo, por assim dizer, externas.

Assim, os regimes de verdade, interna e externa, obedecem sempre a regras que são constituídas por relações de poder-saber complexas, e que precisam ser analisadas.

Por último, aduzindo ao debate que pretendo desenvolver o sociólogo Bruno Latour, delineio a perspectiva por ele defendida sobre como fazer ciência na democracia. Tendo em mente alguns dos critérios ou princípios que tipificam a democracia como sistema de governo, Latour tece suas considerações tendo em vista o que ele chama por bicameralismo socrático-platônico. Segundo esse termo, a origem, o ponto no qual o mito científico se apóia é a distinção operada pelo platonismo ao, através do mito da caverna, dividir o mundo em dois. Dela se deriva a divisão entre natureza e sociedade para explicar o mundo, como os seres atuam na realidade, estando a ciência ligada àquela.

Para Latour (2004), há a necessidade de elidir a divisão entre humanos (sociedade) e não-humanos (natureza) decorrente daquela idéia platônica, reunindo todos num coletivo mais ou menos bem articulado. Este, no interior duma organização política democrática, deve se pautar pela duvida da função de porta-vozes da natureza que os humanos acham ter, pela associação entre humanos e não-humanos e pela extensão da condição de cidadão a estes, dando-lhes direito de compartilhar com aqueles um mesmo mundo comum, instaurando uma paz civil.

Para tanto, Latour propõe uma nova separação dos poderes entre humanos e não-humanos, apontando alguns inconvenientes da separação das noções de fato e valor. Por fim, através duma complexa proposta de organização de poderes de consideração e de ordenamento, pretende estabelecer novas bases para se pensar a ciência no interior de sociedades democráticas.

Conclusões A discussão acima pretende apresentar a

ciência como uma prática humana que transcende as esferas técnica e metodológica, sendo, ao invés, uma prática substancialmente discursiva e dialógica. Os discursos científicos são historicamente situados, pretendem estabelecer estados de coisas verdadeiros, a fim de aduzir legitimidade para seus experimentos e resultados, o que lhes garantiria prestígio social, poder político e investimento econômico.

O que, efetivamente, está em questão nas produções científicas não é desvelar as verdades das coisas em si, mas apresentar uma interpretação possível e, quiçá, confiável de como elas podem ser para nós. Como não temos acesso às coisas nelas mesmas, estamos restritos a como elas se nos aparecem. E, partindo do princípio que, enquanto sujeitos concretos, não temos um único modo de ver as coisas, mas, através de nossas experiências com o mundo e os outros, formamos uma subjetividade específica, cada coisa é analisada por um sujeito de modo relativamente particular.

Evidentemente, muitas de nossas visões particulares são compartilhadas, o que impede que sejamos, no limite, ‘’ilhas interpretativas. Nossas formações humanas se identificam em vários aspectos, sobretudo num mesmo contexto social compartilhado. Contudo, mesmo diante desse fato, o desafio, no interior de sociedades democráticas, é, fazendo uso do discurso e do diálogo, convencer, arregimentar a concordância do maior e mais representativo número de concidadãos que possam dar crédito a uma retórica científica. No caso de uma ‘comunidade científica’, relativamente democrática, esse é um dos grandes desafios que estão postos, ou seja, como, através de argumentos, validar a relevância de uma empiria, a adequação da(s) técnica(s), procedimento(s) e metodologia(s) utilizados para analisá-la, e a veracidade dos resultados encontrados.

O trinômio linguagem-discurso-poder, típico do tipo societário citado, deve ser exercido de modo estratégico, haja vista que, ainda que democrático, esse contexto não é prenhe de consensos, mas, ao contrário, prima pela abertura ao dissenso razoável. Assim, há constantemente o choque de visões de mundo, concepções de bem, perspectivas analíticas, etc., numa incessante luta por supremacia acerca das relações de poder.

Qual o problema disso? Na minha visão, nenhum. O problema é escamotear isso, o que também é uma estratégia de luta que, no meu entendimento, tem sido devidamente denunciada pelos autores supracitados. Os três autores citados unem-se numa crítica à ciência que não pretende defender uma suposta nulidade; ao contrário, defendem seu valor fundamental às sociedades moderna e

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contemporânea, mas situam-na como uma das práticas que está num campo político, de disputas dos mais variados interesses, atacando, assim, o mito científico. Cabe-nos, então, pensar como, num contexto democrático, a ciência, não como uma espécie de sociedade secreta, na qual alguns exercem a função de sacerdotes, pode estar submetida a regras que permitam a todos, ou a uma parte da população maior, acessar seus conhecimentos, criticar seus métodos e resultados, enfim, participar de sua ação social.

Agradecimentos A CAPES, pela bolsa de mestrado.

____________________ 1 Canguilhem, G. O objeto da história das ciências. Número temático: epistemologia. A teoria das ciências questionada por Bachelard, Miller, Canguilhem e Foucault. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 28, pp. 7-21, jan./mar., 1972. 2 FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas; tradução Roberto Machado e Eduardo Jardim Morais. Rio de Janeiro: NAU, 2005. 3 _______. A arqueologia do saber; tradução Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. 4 _______. Verdade e poder. In. Machado, R. (org.). Microfísica do poder. São Paulo: Paz e Terra, 2007. 5 Latour, B. Políticas da natureza: como fazer ciência na democracia; trad. Carlos Aurélio Mota de Souza. Bauru, SP: EDUSC, 2004. 6 Machado, R. Foucault, ciência e o saber. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. 7 Portocarrero, V. M. Filosofia, histórica e sociologia das ciências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Concepções de calouros de um curso de Licenciatura em Física sobre a relevância da História da Ciência na sua formação profissional.

Marília Paixão Linhares (PQ)*, Fernando José Luna (PQ), Vanessa Leandro de. Oliveira (ES); [email protected].

Centro de Ciência e Tecnologia, Universidade Estadual do Norte Fluminense, Av. Alberto Lamego, 2000, Campos dos Goytacazes- RJ, 28013-600. Palavras Chave: historiada ciência, filosofia da ciência, concepções de estudantes

Introdução

Neste trabalho relatamos uma experiência acadêmica que está em desenvolvimento num Curso de Licenciatura em Física. Trata-se da oferta de uma disciplina introdutória da História e Filosofia da Ciência no primeiro período da graduação. Em cada semestre acontecem 17 aulas semanais de 2 horas cada em que o professor e os alunos debatem entre si textos selecionados que são lidos e resenhados como preparação para a discussão na sala de aula. O objetivo da disciplina é iniciar uma reflexão sobre a natureza da Ciência e a evolução dos conceitos científicos ao longo do tempo. Justifica-se essa abordagem considerando a lacuna na formação de nível médio dos estudos sobre a construção da Ciência e a intenção de despertar nos estudantes o interesse pelo assunto. Os conceitos apresentados sobre a evolução dos conhecimentos científicos têm por base as idéias do grupo Teknê, presentes na obra “Breve História da Ciência Moderna” (Braga ET al, 2005) e outras referências complementares. A série apresenta um painel da construção da Ciência, desde a Antiguidade até os dias atuais, e enfatiza o diálogo entre diferentes campos do conhecimento. O problema investigado aqui consiste em analisar os resultados do primeiro semestre letivo de 2008, com relação à importância que os estudantes atribuem ao ensino desta disciplina para sua formação profissional.

Resultados e Discussão O público alvo consiste de uma turma de 20 alunos que cursaram a disciplina “Introdução à História e Filosofia da Ciência”. Durante o semestre letivo realizaram leituras, resenhas e apresentação de trabalhos e participaram das discussões em sala de aula. A avaliação consistiu de três questões relacionadas ao conteúdo, à auto-avaliação do trabalho realizado em grupo e à avaliação da disciplina. As respostas à questão “Qual a importância (ou não) desta disciplina para sua formação geral e profissional?” foram foco desta investigação.

Para analisar a fala dos estudantes, os textos foram segmentados buscando identificar unidades de significação, isto é, valores, atitudes, visões e opiniões, de acordo com a análise de conteúdo de Bardin (1997). Para proceder à análise qualitativa buscamos identificar categorias de análise. No momento, destacamos a fala de uma aluna que evidenciou mudança na forma de ver a disciplina “No começo não via o porquê de se estudar essa disciplina, pois achava que não faria diferença na minha formação. Contudo, percebi que estava errada. O estudo desta disciplina foi de fundamental importância para aprender novos conceitos e acabar dúvidas que eu tinha a muito tempo”.

Conclusões Embora a análise de conteúdo das falas dos estudantes ainda não esteja concluída, podemos adiantar alguns resultados iniciais. Todos os alunos foram favoráveis ao estudo da história da ciência no início do curso. Três deles, que não viam utilidade no início, mudaram de opinião no decorrer do semestre. Alguns destacaram a importância deste conhecimento para a formação geral do indivíduo e relacionaram com as bases das tecnologias atuais. Pretende-se estender a investigação à outras turmas abrangendo um número maior de alunos.

Agradecimentos O presente trabalho foi realizado com apoio da CAPES.

____________________ Bardin, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977arreto, J. P. História da Ciência no Brasil. Rio de Janeiro: Atlas, 1986. Braga, M., Guerra, A., Reis, J. C., Breve história da ciência moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2005.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Da patologia psicossomática à saúde psicorporal: o corpo sem divisões, ou um novo olhar para uma Teoria da Mente

Henrique J. Leal F. Rodrigues (PG)

[email protected] Palavras Chave: Corpo, Mente, Unidade Funcional Soma –Psyché, Psicossomática, Conhecimento, Epistemologia

Introdução

O objeto de estudo deste trabalho: a milenar discussão da mente e do corpo como manifestações duais ou, dicotômicas, em contraposição a uma visão mais una ou, da ordem do indissociável. Assim, surge no campo da saúde, em particular na relação entre o corpo e a mente diferentes propostas que atualmente se expressam entre alguns conceitos: psicossomática, neurociência e somato-psíquico.

A psicossomática surge no campo da saúde como uma das possibilidades de solução para algumas situações onde ocorreriam um vácuo na medicina para a explicação de algumas patologias, particularmente no que tange a sua origem e causa. Nesta tentativa, o inconsciente, é colocado como uma força, uma instância que poderia estar relacionado as origens e causas destas patologias, onde as representações inconscientes se inscreveriam no orgânico, no corpo.

A neurociência aparece no âmbito da medicina como uma possibilidade de se compreender objetivamente e, ao mesmo tempo, dar um status científico ao que antes era fundamentado na subjetividade, procurando explicitar que as doenças psicossomáticas são em última instância produções das redes neuronais, logo são da ordem do biológico, de um orgânico.

Se antes a psicossomática reconhecia que o inconsciente determinava o orgânico, a neurociência vem corroborar com a idéia que há um locus orgânico onde todas as coisas do orgânico são produzidas: o cérebro (e este será a nova entidade que produz as emoções, os sentimentos, a consciência, e até mesmo o inconsciente).

Em ambas construções teóricas, há uma clara dicotomia entre o orgânico (corporal) e a instância subjetiva (o inconsciente), muito embora este inconsciente na Neurociência ganha um certo contorno objetivo e, orgânico (como uma consequência das trocas sinápticas efetuadas no cérebro), mas que permanece ainda, e se funda na antiga fórmula de um corpo partido, onde a mente e suas novas designações (inconsciente, cérebro, redes neuronais, psiché, alma…) se encontra dicotomizada de um corpo.

Resultados e Discussão

Pode-se constatar que o objetivo principal deste trabalho é o de estabelecer que não há uma dicotomia na dualidade corpo-mente, ou, soma-psyché, mas sim uma unidade funcional que sobredetermina uma relação funcional íntegra e complexa entre elas. Esta ideia contrapõe-se as teses de Freud e, principalmente, Lacan, sobre a supremacia do inconsciente sobre o somático. O corpo nestes teóricos da psicanálise tem sua existência reconhecida somente através da representação psíquica, e é fruto de uma expressão das demandas e dos desejos deste inconsciente. E, também, que o corpo existe de fato concreto e que se expressa em nas mais diferentes articulações e possibilidades humanas, ou seja, este corpo é ao mesmo tempo, e de modo indivisível...pulsional, psíquico, sexual, emocional, social, cultural, simbólico, não simbólico, etc.

Na formulação do conhecimento científico, se pode compreender que tanto a Psicanálise (Freudiana, Lacaniana), quanto a Neurociência e a Medicina se sustentam cada uma de sua maneira, na dicotomia. Em contrapartida a Orgonomia de Wilhelm Reich, e podemos reconhecer a Psicanálise de Donald Winnicott, tem seu suporte metodológico, teórico e clínico na indissociabilidade.

Este preâmbulo visa oferecer uma reflexão que permita perceber que existem pontos de vista, sejam científicos, sejam culturais, sejam políticos, que de algum modo estarão gerando e sustentando o conflito, histórico, entre a dicotomia e a não-dicotomia do Corpo e da Mente. Em particular, este trabalho objetiva discutir a Psicossomática como um saber do campo inserido no campo da dicotomia, enquanto a Unidade Funcional Soma-Psiché se estruturaria como o representante da não-diccotomia.. Deste modo, este trabalho parte do pressuposto que o conceito de Psicossomática é em si parcial e, pouco afeito aos objetivos aos quais se propõe estudar, pois se é parcial, tende a perder o sentido de totalidade. Logo, o objetivo

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deste é demonstrar que o que se nomeia de Corpo, é da ordem do indivisível, diferentemente do que a prática da Psicossomática nos sugere.

Conclusões Assim, se pretende contribuir parauma

nova linha nas Teorias da Mente que se apossariam da idéia de uma mente em um corpo, e um corpo com uma mente, e quem sabe podendo trazer a baila uma nova prespectiva que repense a antiga e histórica produção de saberes que se sustentam na valorização da mente sobre o corpo (organismo), ou, do psiquismo sobre o somático, ou, da Alma (divino) sobre o Corpo (profano).

Agradecimentos Ao meu orientador Luís Alfredo Vidal de Carvalho e a meu sempre presente amigo e crítico Nicolau Maluf Jr.

referências 1 BOECHAT, Walter – “O Dilema Corpo/Mente Novas Abordagens Possíveis”, in “Caderno de Psicologia – IPP”, vol. 3, nº 3 - Rio de Janeiro, Outubro de 2000. 2 FREUD, S. Totem e tabu, in Obras completas, vol XIII. Rio de

Janeiro: Imago, 1972 3________ Inibições, sintomas e ansiedade, in Obras completas. vol.

XX, Rio de Janeiro: Imago, 1972

4 REICH, W. Analisis del carácter. México: Paidós, 1993

5 ROUDINESCO, E. et PLON, M. Dicionário de psicanálise. Rio de

Janeiro: Zahar, 1997

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O Telégrafo Brasileiro no Início da República – Os Desafios

Mauro Costa da Silva (PG) UFRJ – HCTE,

Prédio do Centro de Tecnologia - Bloco A - 7o andar Avenida Athos da Silveira Ramos, 149, Cidade Universitária - Ilha do Fundão Rio de Janeiro – RJ, CEP 21941-909. [email protected]

Palavras Chave: telegrafia, República Velha, história das técnicas. Introdução

Durante o Império, entre 1852 e 1889, o governo brasileiro construiu através da Repartição Geral dos Telégrafos (RGT) uma linha telegráfica ao longo do litoral brasileiro. A linha tinha dois fios condutores que não davam vazão ao tráfego telegráfico. As correspondências comerciais e de imprensa eram desviadas para o cabo submarino costeiro, instalado em 1873, da Western and Brazilian Telegraph Company (WBTC), que ligava as principais capitais e se estendia até Buenos Aires. A ligação entre o Brasil e a Europa era feita desde 1874 pelo cabo da Brazilian Submarine Telegraph Company (BSTC). As companhias inglesas transferiam entre si as correspondências internacionais, em prejuízo do telégrafo brasileiro.

Resultados e Discussão Com a implantação da República, alguns

desafios tiveram de ser enfrentados pela nova direção da RGT: a concorrência com as companhias inglesas; a ligação com a Região Centro-Oeste e a Amazônica e a concorrência com as linhas telegráficas das companhias de estadas de ferro. A concorrência com os ingleses foi enfrentada com ações em duas frentes: investimentos na linha litorânea, com a duplicação dos fios condutores e aquisição de aparelhos mais modernos e com maior capacidade de transmissão de telegramas; e concessão a outras companhias telegráficas de cabos submarinos. A ligação com a Região Centro-Oeste foi entregue à comissão chefiada pelo engenheiro militar Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), conhecida como Comissão Rondon (1891-1930). A estação de Goiás foi inaugurada em outubro de 1890 e a de Cuiabá em dezembro de 1891. A ligação com o Estado do Amazonas foi inicialmente entregue a Amazon Telegraph Company, uma companhia inglesa que instalou um cabo fluvial entre Belém e Manaus, inaugurado em 1896. Esse cabo apresentou muitos problemas de comunicação e uma nova ligação com Manaus foi providenciada a partir de Cuiabá, sob o comando de Rondon. Essa ligação foi concluída em 1915, utilizando uma solução mista por linha telegráfica terrestre e aparelhos de radiotelegráfica, desenvolvidos durante os anos em que a Comissão Rondon se dirigia à Manaus. A concorrência com as companhias de estradas de ferro foi resolvida com acordos de tráfego mútuo, sob as regras de operação e tarifas determinadas pela RGT.

Conclusões As medidas tomadas pelo Governo

produziram o desejado efeito de incremento do tráfego telegráfico pelas redes da RGT. Além disso, as linhas telegráficas terrestres serviram ao Governo como um instrumento de controle do território brasileiro e de suas fronteiras.

Agradecimentos Aos funcionários das instituições pesquisas

que muitos contribuíram para realização deste trabalho.

____________________ 1 Brasil. Relatórios do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. 1889 – 1914. 2 Maciel, Laura. A. A nação por um fio: caminhos, práticas e imagens da Comissão Rondon. 1ª. ed. São Paulo: EDUC/FAPESP, 1998 3 Bhering Francisco. O vale do Amazonas e suas comunicações telegráficas. Coleção Documentos da Amazônia. Manaus: Edições Governo do Amazonas, 2000. 4 Berthold, Victor M. History of the telephone and Telegraph in Brazil 1851-1921. New York: University of California. 1922. 5 Bhering, Francisco. A radiotelegrafia no Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1914.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

A VIDA, A OBRA E A MORTE DA ASSOCIAÇÃO QUÍMICA DO BRASIL (AQB)

Júlio Carlos Afonso (PQ. E-mail: [email protected]

Departamento de Química Analítica, Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Athos da Silveira Ramos, 149, Centro de Tecnologia, Bloco A, sala A-517 21941-909, Rio de Janeiro - RJ. Palavras Chave: Associação Química do Brasil; ensino de química; química profissional.

Introdução

A partir de cerca de 7.000 fontes documentais

pertencentes ao acervo do Museu da Química Prof.

Athos da Silveira Ramos (1906-2002), localizado no

Instituto de Química da UFRJ, é traçada a trajetória

desta associação fundada por químicos industriais

no Rio de Janeiro em 1939, e que congregava

exclusivamente profissionais na área de química,

em contraposição com o perfil da primeira

Sociedade Brasileira de Química, que admitia como

sócio qualquer um que gostasse desta ciência.

Resultados e Discussão

Sua estrutura pode ser considerada complexa e

arrojada para os padrões da época: uma sede

nacional, secretarias regionais em vários estados do

país e criação de divisões científicas, aliada a um

intensivo programa de adesão de novos sócios

(cerca de 1000 em 1950). Editou os “Anais da

Associação Química do Brasil”, e o “Boletim da

Associação Química do Brasil”, onde notícias

relativas à química no país e no exterior eram

veiculadas, e os trabalhos de pesquisa eram

publicados, sendo o mais importante veículo de

informação de seu tempo. Contudo, as pesquisas

tinham predominantemente um caráter aplicado à

indústria, reflexo do perfil universitário brasileiro

daquela época. Além disso, organizou sete

congressos brasileiros de química em diversos

estados do país, colaborou nos anos 1940 na

reforma do ensino de química no Brasil (apoiando a

criação de cursos de Engenharia Química), lutou

pela organização de sindicatos e pela

regulamentação das profissões ligadas à química (o

que viria a ocorrer em 1956), estabeleceu contatos

e intercâmbios no exterior, propôs normas de

conduta e segurança laboratorial, estabeleceu uma

biblioteca para divulgação dos mais recentes

avanços nos campos da química aplicada e

fundamental, criou prêmios de destaque a

personalidades e participou de inúmeras comissões

governamentais relativas a assuntos de interesse

da AQB (inclusive do anteprojeto de criação do

Conselho Federal de Química). Recebeu generosa

subvenção federal, utilizada até mesmo para

concessão de bolsas de estudo a seus associados.

Dois índices biográficos de sócios foram publicados

(1943 e 1948). O fim desta trajetória ocorreu após

anos de negociação com a Sociedade Brasileira de

Química, então em decadência após a destruição

total de sua sede devido a um incêndio ocorrido em

1943. Uma vez superadas as dificuldades e as

resistências de parte a parte, a fusão ocorreu em

1951, sendo a nova agremiação denominada

Associação Brasileira de Química (ABQ), existente

até hoje, e que herdou e manteve a estrutura básica

oriunda da AQB.

Conclusões A AQB teve papeI primordial no desenvolvimento da

química em nosso país, com uma visão à frente de

seu tempo. Sua memória, trabalhada com maior

profundidade, permitirá detalhar com precisão as

contribuições desta associação à ciência brasileira.

Agradecimentos A Associação Brasileira de Química, pela cessãodo

acervo utilizado neste trabalho.

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Vulcano: Desejo ou Realidade

José Adolfo S. de Campos (PG) – [email protected]

Observatório do Valongo / UFRJ Palavras Chave: Le Verrier, Planeta Intramercurial, Mecânica Celeste, Vulcano

Introdução No dia 26 de março de 1859, Edmond Modeste

Lescarbault (1814-1894), médico e apaixonado por astronomia, residente em Orgères, França, observou a passagem na frente do Sol, de um ponto negro com perímetro em forma de circulo1, que lhe pareceu ser o planeta ou um dos planetas, que circulariam entre o Sol e Mercúrio, cuja existência Urbain Le Verrier tinha previsto para justificar o avanço de 38” do periélio de Mercúrio em setembro de 18592. A aceitação, por Le Verrier, da observação como

possível confirmação de um novo planeta, provocou uma frenética busca por observações antigas e novas que confirmassem a sua real existência, por parte de astrônomos amadores e profissionais, que se estendeu até meados do século XX. Apesar de inúmeras observações relatadas de objetos vistos cruzando o Sol e dos esforços de Le Verrier em prever passagens do suposto planeta (denominado de Vulcano), nada foi observado que indicasse a sua existência, tanto em trânsitos de Mercúrio, quanto em eclipses totais do Sol. As buscas feitas por observatórios continuaram mesmo diante dos infrutíferos resultados iniciais, ancoradas no prestígio cientifico de Le Verrier por sua notável previsão matemática da existência de um planeta alem de Urano, que levou a descoberta do planeta Netuno em setembro de 1846 por Galle.

Resultados e Discussão Estimulado por sua própria glória ao predizer a

posição de um planeta desconhecido, a partir da sua ação gravitacional sobre Urano, Le Verrier se lançou para realizar o seu projeto de vida – representar o movimento dos planetas do sistema solar de modo que os cálculos concordassem rigorosamente com as observações. Apesar dos seus esforços, as observações de Mercúrio não se ajustavam a teoria, a menos que se acrescesse um termo empírico no valor de 38”. Le Verrier propôs que tal acréscimo poderia ser devido a um planeta desconhecido ou a um cinturão de asteróides, cujas órbitas estariam entre Mercúrio e o Sol. O destino parecia sorrir para Le Verrier de novo,

quando recebeu uma carta de Lescarbault, datada de 22 de dezembro de 1859, relatando que observou, no dia 26 de março de 1859, um pequeno ponto arredondado, com um diâmetro aparente de cerca de um quarto do diâmetro de Mercúrio, transitando em frente ao Sol. No dia 31 de dezembro, Le Verrier foi de surpresa ao encontro de Lescarbault em Orgères e após examinar os instrumentos e procedimentos usados na

observação, considerou os resultados como dignos de confiança, calculando os parâmetros orbitais do planeta intramercurial. Pouco tempo depois de anunciada a descoberta,

Emmanuel Liais publicou um artigo3, no qual faz críticas contundentes à observação de Lescarbault, que se inicia com “a observação de Lescarbault é falsa”. Liais diz que no mesmo dia e hora estava fazendo medidas de escurecimento do limbo do Sol, em São Domingos, às margens da Baia de Guanabara, e não observou absolutamente nada de estranho no Sol; critica o valor das imprecisões admitidas nos instantes de entrada e saída do trânsito como sendo muito otimistas e faz várias outras críticas sobre a observação em si. Os rudimentares instrumentos usados e os imprecisos registros das observações, não impediram Le Verrier de considerar prontamente como válida a observação, feita com evidentes fragilidades e precariedades.

Conclusões Quais seriam as razões para Le Verrier aceitar

como verídicas as afirmações de descoberta de um hipotético astro a partir de instrumentos e condições de medida tão precárias? Da sua reprovação no concurso de admissão de

1830 da Ëcole Polytechnique, passando pela sua consagração devido a previsão da posição de um novo planeta, com apenas 35 anos de idade, até chegar a posição de diretor do Observatório de Paris e ser considerado como um dos maiores astrônomos do mundo em 1854, Le Verrier teve que esforçar-se muito para mostrar os seus méritos científicos, trajetória na qual teve contra si as suas características de personalidade – debatedor agressivo, grosseiro com as palavras, inflexível, falta de habilidade no trato com outros, sem modéstia, que lhe valeram vários inimigos. A previsão e descoberta de um segundo planeta lhe pareceu como a oportunidade de ascensão ao título de maior astrônomo de todos os tempos e a confiança total nas suas habilidades e o orgulho o cegou, não o deixando ver a precariedade das observações e ignorando as críticas fundadas. ________________ 1 Lescarbault, E. M. Passage d’une planète sur le disque du Soleil, observé Orgères (Eure-et-Loir), Compte Rendu des Séances de l’Académie des Sciences, tomo 50, pp. 40 - 45, 1860. 2 Le Verrier, U. J. Lettre de M. Leverrier a M. Faye sur la théorie de Mercure et sur le mouvement de périhélie de cette planète, Compte Rendu des Séances de l’Académie des Sciences, tomo 49, pp. 379 - 385, 1859. 3 Liais, E. Sur la nouvelle planète annoncée par M. Lescarbault, Astronomische Nachrichten, v. 52, pp. 369 - 378, 1860.

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S

cientiarum Historia – UFRJ / HCTE

1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

As raízes da ética: Teoria da Evolução e Comportamento Humano

José Costa Júnior (ES) e Mário Nogueira (PQ)

[email protected]@uol.com.br Universidade Federal de Ouro Preto

Palavras Chave: Ética, Evolucionismo, Darwin, ética evolucionista.

Introdução Com contribuições de Jean-Baptiste

Lamarck, Alfred Russel Wallace e diversos outros

pesquisadores, o britânico Charles Robert Darwin

(1809-1882) criou as bases da “moderna teoria da

evolução”, ao apresentar o conceito de que todas as

formas de vida se desenvolveram em um lento

processo de “seleção natural”. Seu trabalho teve

uma influência decisiva sobre as diferentes

disciplinas científicas e sobre o pensamento

moderno em geral. A teoria completa de Darwin foi

publicada em 1859, com o título A origem das

espécies através da seleção natural.

Os estudos do botânico austríaco Gregor

Johann Mendel (1822-1884), retomados no final do

século XIX, deram enormes contribuições à teoria

de Darwin ao acrescentar importantes informações

sobre genética e seus desenvolvimentos.

Com o passar dos anos, houve um avanço

nos estudos da vida e aos estudos filosóficos em

conseqüência especialmente da utilização de novas

técnicas e modos de pesquisa. Daí em diante, as

idéias de Darwim e Mendel receberam contribuições

de vários pesquisadores, surgindo a versão

moderna do darwinismo, o “neodarwinismo”.

Também conhecida como “teoria genética moderna

da seleção natural”, o neodarwinismo apresenta

uma série de informações extremamente complexas

e detalhadas, que são praticamente unânimes entre

os cientistas e filósofos que estudam a origem vida.

Atualmente, os cientistas discutem apenas alguns

pormenores dessa teoria em busca de aprimorá-la

ainda mais e assim explicar a origem e o

desenvolvimento da vida. Acreditamos que ao

trabalhar questões filosóficas, não podemos voltar

as costas para as descobertas realizadas pela

humanidade através da atividade científica, e com a

Teoria Evolucionista, a atividade filosófica ganha

maiores possibilidades de explicação das origens

do homem, suas relações e atividades. Diversas

ramificações da Filosofia já são discutidas com o

apoio conceitual dos dados evolucionistas, e não

poderia ser diferente com a Ética.

Resultados e Discussão

A tentativa de ligar o processo evolutivo e a

ética começou com a publicação de Descent of Man

em 1871. Nesta continuação da Origem das

Espécies, Darwin aplicou suas idéias sobre o

desenvolvimento evolutivo aos seres humanos.

Explicou que os seres humanos devem ter

descendido de uma linhagem organizada, de um

“peludo e quadrúpede habitante do velho mundo”. O

principal desafio de Darwin e a principal dificuldade

com esta explanação, seria o elevado padrão das

qualidades éticas aparentes nos seres humanos.

Desafiado por este problema, Darwin dedicou um

grande capítulo do livro às explanações

evolucionistas do sentido moral, que mostrou como

o homem pode ter evoluído em duas etapas

principais.

Primeiramente, a raiz para a ética humana

encontrar-se-ia nos instintos sociais. Essa

explicação de Darwin é reivindicada por biólogos na

atualidade. A sociabilidade é um traço cujas

origens filogenéticas podem ser encontradas na

história evolutiva dos homens, ou seja, nos seus

“parentes próximos”, em que, por exemplo, outros

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animais “inventaram” o ninho, e passaram a cuidar

e importar-se com seus filhotes. Produzir seres

capazes de cumprir responsabilidades parentais

requer os mecanismos sociais desnecessários em

estágios mais adiantados da história evolutiva. Ao

mesmo tempo em que facilitava a manutenção da

prole, os instintos sociais equilibravam a agressão

inata. Tornou-se possível distinguir entre “eles” e

“nós” e apontar a agressão para os indivíduos que

não pertencem ao grupo. Este comportamento é

claramente adaptável no sentido de assegurar a

sobrevivência de uma família.

Em segundo lugar, com o desenvolvimento

das faculdades intelectuais, os seres humanos

podiam refletir sobre suas ações e suas motivações

e assim aprovar ou desaprovar as ações de outros

indivíduos. Isso conduziu ao desenvolvimento de

uma consciência que se colocou como “o juiz e

monitor supremo” de todas as ações. Sendo

influenciado pelo utilitarismo, Darwin acreditou que

o princípio da maior felicidade viria inevitavelmente

a ser considerado como um padrão de certo e

errado por seres sociais com capacidades

intelectuais altamente evoluídas e conscientes.

Baseado nestas colocações Darwin

respondeu às duas perguntas essenciais na ética,

sendo (1) como podemos distinguir entre bem e

mal? e (2) por que devemos ser bons? Se todas

suas afirmações fossem corretas, certamente

responderiam às perguntas acima. Assim, uma

ação pode ser julgada como boa se gerar felicidade

a um número maior de pessoas. E a segunda

pergunta - porque nós devemos ser bons - não se

coloca para Darwin com a mesma urgência que, por

exemplo, para Platão (a famosa pergunta de

Sócrates para Trasímaco na República, sobre a

necessidade de se aceitar uma “regra de ouro”

como uma diretriz orientadora para a ação). Darwin

diria que os seres humanos são biologicamente

inclinados a serem sociáveis e altruístas, além de

éticos, sendo isso provado por ser uma vantagem

no esforço para a existência. Tal argumento foi

amplamente utilizado pelos defensores da

sociobiologia no século XX. Darwin defende por

fim, a existência de um senso moral, que foi

desenvolvido ao longo da evolução da humanidade,

que facilitou muito a convivência humana e

possibilitou o desenvolvimento da técnica e da

cultura. Em texto posterior, intitulado Moral Sense,

Darwin volta a afirmar que tais desenvolvimentos

devem-se ao instinto social dos homens.

Percebemos aqui que a concepção darwinista de

moralidade é próxima do que poderíamos definir

como sociabilidade, ou seja, a capacidade que os

humanos têm de relacionarem-se entre si. Tal

propriedade acarretou vários desenvolvimentos,

como o trabalho em grupo, a sociedade, a política, a

ciência, o debate sobre a situação humana e a

filosofia. O primatologista Frans de Wall defende

uma posição parecida em Eu, primata, recorrendo

ao estudo da relação entre primatas, concluindo a

existência da sociabilidade entre os indivíduos de

um grupo, o que de certa maneira configura a

existência de uma ética. Nota-se que em nenhum

momento deriva-se o dever ser do ser, ou seja,

apenas descreve-se um processo, partindo do

estudo das relações entre os homens (Darwin) e

dos animais (de Wall), onde laços sociais são

positivos para ambas as sociedades. Concluímos

aqui que tais laços que levam à sociabilidade

configuram uma concepção de ética diferenciada,

presente naturalmente nos seres vivos, e

juntamente com Darwin, que foi moldada por um

processo evolutivo. Historicamente, a contribuição posterior

importante para a ética evolucionista foi dada por

Herbert Spencer (1820-1903), defensor fervoroso

de um segmento da teoria darwinista e criador da

tese do Darwinismo social. Para Spencer, a filosofia

é um saber totalmente unificado, e na teoria da

evolução, deve-se buscar a lei fundamental do

Universo. Em relação à ética, a teoria de Spencer

pode ser dividida em três etapas. Primeiramente,

como Darwin, Spencer acredita na teoria do

utilitarismo como proposto por Jeremy Bentham e

John Stuart Mill. Na sua visão, (1) ganhar o prazer e

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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(2) evitar a dor são os responsáveis por todas as

ações humanas. Assim, o que é ético pode ser

definido com facilitar (1), ou evitar (2). O segundo

ponto da tese de Spencer defende que o prazer

pode ser conseguido em duas maneiras:

primeiramente, através da auto-satisfação dos

impulsos e depois, satisfazendo outros indivíduos –

de acordo com seus impulsos. Isso significa que

comer seu alimento favorito e dar o alimento favorito

do outro são experiências éticas possíveis para os

humanos. Em terceiro lugar, a cooperação mútua

entre os humanos é necessária para auto

coordenação, pois os seres humanos desenvolvem

princípios de equidade, com traços altruísticos e

egoístas, como contrapeso.

Entretanto, Spencer não obteve grande

reconhecimento por sua teoria da cooperação

mútua. O Darwinismo social de Spencer foi mais

discutido e causou mais polêmica porque foi

compreendido por muitos como “uma apologia para

alguns dos sistemas sociais mais horríveis que a

humanidade já teve,” como, por exemplo, o nazismo

alemão. Spencer elevou os fatos biológicos levados

em consideração por Darwin na elaboração da

Teoria da Evolução (esforço para a existência, a

seleção natural, a sobrevivência do mais apto)

como prescrições para a conduta moral. Sugeriu,

por exemplo, que a vida é um esforço para seres

humanos aptos para a existência plena e que, para

que os melhores sobrevivam, é necessário buscar

uma política que não ajude os fracos: “ajudar ao mal

multiplicar-se, é, de fato, o mesmo que fornecer

para nossos descendentes uma leva de inimigos”. A

filosofia de Spencer foi extensamente popular,

particularmente em América do Norte no século 19,

declinando significativamente no século 20.

Qual resposta a tese de Spencer dá às duas

principais questões da ética, sendo (1) como

podemos distinguir entre bem e mal? e (2) por que

devemos ser bons? A resposta de Spencer à

pergunta (1) é idêntica a de Darwin, pois ambos

deram suporte a um tipo de utilitarismo hedonista

comum à época. Entretanto, sua resposta à

pergunta (2) é interessante. Spencer alegou que a

evolução leva ao progresso, de um estado pior ao

melhor (no sentido ético das palavras) e que

qualquer coisa que suportou as forças evolutivas,

seria conseqüentemente boa. Assim, a natureza

nos mostra o que é bom movendo-se para tal

situação; e daqui, a “evolução é um processo que,

automaticamente, gera valor”. Se a evolução

avançar para bem moral, nós devemos aceitá-lo. As

características éticas foram assim identificadas

como prazer e felicidade dos indivíduos

universalmente. Se o processo evolutivo nos dirigir

para este prazer universal, nós temos uma razão

egoísta para sermos éticos, a saber, nós queremos

a felicidade universal. Porém, igualar o

desenvolvimento evolutivo com o progresso ético,

envolvendo julgamentos valorativos que não

poderiam ser realizados sem maiores evidências. A

proposta spenceriana também fica sujeita a mais

objeções, como derivar-se o “dever” daquilo que “é.

Outros autores, também influenciados pelas

idéias de Darwin, se opuseram à proposta do

Darwinismo Social, dentre os quais Piotr Kropotkin.

Em suas obras Mutual Aid: A Factor in Evolution

(Ajuda Mútua: Um Fator em Evolução) e Origem e

Evolução da Moral, Kropotkin defende que a

solidariedade entre indivíduos de um mesmo grupo

ou espécie é tão, ou mais importante para a

sobrevivência quanto a competição entre grupos e

espécies. Aqui também encontramos uma

explicação para a origem da ética muito próxima ao

que podemos chamar de sociabilidade. Kropotkin,

pensador anarquista russo, escreveu obras de

apoio a esse movimento político e sobre Filosofia e

ética. Ele descreveu em Mutual Aid suas próprias

experiências nas expedições científicas que fez

durante uma temporada na Sibéria para ilustrar o

fenômeno de cooperação em comunidades animais

e humanas e como tais relações eram necessárias

para o desenvolvimento social. Nessa obra,

Kropotkin busca negar as propostas do darwinismo

social de Spencer e expor sua tese sobre a origem

da ética entre os humanos e como tal caracterítica

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 3

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se desenvolveu. Sua tese invoca uma tradição

defendida por filósofos como Rousseau e Platão,

segundo a qual o homem nasce bom e virtuoso e é

corrompido pelas necessidades sociais, onde a

importância atribuida por alguns à luta pela vida não

corresponde àquilo que vemos no mundo, onde a

cooperação entre os indivíduos mostra-se mais

claramente. Os animais mais bem sucedidos

parecem ser aqueles que de maneira direta ou

indireta cooperam entre si. Se a evolução os faz

competir pelos recursos, os condiciona em maior

grau a buscar ajuda e cooperar uns com os outros.

Kropotkin rejeita a idéia de que o egoísmo é uma

herança animal e que a ética seja produto da

civilização.

O desenvolvimento das características

ético-solidárias da humanidade não foi bem

explicado por Kropotkin, que era contra a teoria

mecanicista de Darwin, porém servem como mote

histórico para o nosso trabalho, pois nos orienta a

observar os processos naturais de socialização para

assim defender a existência de uma ética

naturalizada.

Em 1948, em uma conferência em Nova

York, pesquisadores decidiram iniciar uma pesquisa

interdisciplinar envolvendo zoologia, filosofia e

sociologia. Sociobiologia era o nome dado à nova

disciplina que apontava encontrar regularidades

universais válidas no comportamento social dos

animais e dos seres humanos. A ênfase foi

colocada sobre o estudo biológico, isto é, não-

cultural, mas sim comportamental dos seres vivos.

O campo, entretanto, não teve grandes resultados

até que Edward Wilson publicou Sociobiology: The

New Synthesis (Sociobiologia: Uma nova síntese)

em 1975. A “sociobiologia é definida como o estudo

sistemático da base biológica de todo o

comportamento social”.

Na visão de Wilson, a sociobiologia faz dos

filósofos, pelo menos temporariamente,

insignificantes, quanto às perguntas da ética.

Acredita que a ética podem ser explicadas

biologicamente quando escreve que a ética pode

ser explicadas biologicamente quando escreve que

as simples indicações biológicas poderiam explicar

a ética, e assim, não seriam mais necessárias

explicações filosóficas.

A ética, segundo tal compreensão, evoluiu

sob a pressão da seleção natural. A sociabilidade, o

altruísmo, a cooperação, a ajuda mútua, etc. são

todos explicáveis em termos de raízes biológicas do

comportamento social humano. A conduta moral

ajudou à sobrevivência à longo prazo da espécie,

como inclinação moral dos seres humanos. De

acordo com Wilson uma comunidade de indivíduos

egoístas a fará vulnerável e a conduzirá à extinção

do grupo inteiro. Em sua visão, o egoísmo não traz

boas recompensas em termos genéticos, e “uma

espécie consistentemente egoísta seria solitária ou

extinta” .

Uma questão que parece surgir ao terminar

de ler as páginas de Sociobiology é: porque ainda

existem problemas éticos, se somos inclinados a

sermos éticos, naturalmente? Para Wilson, isso é

irrelevante, pois mesmo cometendo erros morais,

sabemos intuitivamente que estamos errados,

porém devido às condições culturais e sociais,

negamos tal sentimento e agimos erroneamente. A

necessidade dos filósofos para buscar compreender

as origens e as relações envolvendo os problemas

éticos mostra-se claramente, o que torna a

declaração de Wilson, no mínimo, infeliz.

Conclusões Nosso trabalho buscou compreender o

papel da natureza nas relações humanas e partindo

disso, analisou a possibilidade de existência de um

sistema ético natural aos homens. Para isso

localizamos o evolucionismo dentro do programa

filosófico naturalista, em busca de uma proposta

ético-naturalista. Assim, analisamos a possível

fundamentação naturalística da ética, com ênfase

na teoria evolucionista de Charles Darwin e suas

propostas no campo da ética. Nossos objetivos

principais são: (1) propor a teoria evolucionista

como fundamento metaético, isto é, que a teoria

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 4

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evolucionista justifica a existência da ética e; (2)

argumentar a favor de uma nova concepção de

moralidade, baseada nas últimas pesquisas sobre o

tema. Para isso, além do estudo da tese darwinista

em relação ao comportamento moral, analisamos os

principais sistemas éticos baseados na tese

evolucionista, posteriores à publicação da tese de

Darwin. O contato constante entre as ciências e a

filosofia é necessário para o desenvolvimento da

nossa compreensão do mundo. A análise dos

possíveis desdobramentos éticos da teoria

evolucionista pode contribuir para o

desenvolvimento de uma nova concepção de

moralidade, assim como dos argumentos favoráveis

e contrários à proposta naturalista. Uma reabilitação

dos estudos naturalistas e seus adventos, neste

caso o evolucionismo, também podem trazer

avanços para nossa compreensão da natureza

humana, um conceito filosófico pouco trabalhado

desde que a filosofia da linguagem passou a gozar

de certa prioridade nos meios acadêmicos, mas que

é de vital importância para compreender este animal

tão interessante: o homem.

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A Natureza dos Experimentos Mentais.

Marcia Regina Santana Pereira (PG)

[email protected] Palavras Chave: Experimentos Mentais e Epistemologia.

Introdução Este trabalho pretende apresentar uma análise sobre a natureza dos chamados Experimentos Mentais (EM). Através de uma revisão das principais referência sobre este conceito buscaremos traçar um panorama das questões epistemológicas envolvidas. O que são Experimentos Mentais? Os Experimentos Mentais podem fornecer uma fonte de conhecimentos do mundo natural? De onde vem esse conhecimento?

Não há entre os pesquisadores um consenso que define de maneira clara o que podemos delimitar como Experimento Mental. Alguns consideram EM apenas aqueles que possuem características análogas aos Experimentos Concretos ou Reais, separando-os de outros tipos de representações imaginárias como alegorias, mitos e paradoxos.

De uma maneira geral a Experimentação Mental é o processo de empregar situações imaginárias para ajudar nos a entender ou prever a maneira como as coisas podem se comportar na realidade.

Na Física, cujos exemplos exploraremos neste trabalho, utilizar 'simplificações' e situações 'ideais' é uma prática comum, tanto que já passam desapercebidas como 'irreais'. Não coincidentemente EM são abundantes nesta área. Muitos deles tornaram-se famosos como os experimentos de Galileu sobre a queda dos corpos e o movimento relativo, os gedankenexperimente de Einstein e o gato de Schröedinger, entre outros. Para Mach EM são uma pré-condição necessária para a concretização de qualquer experimento físico.

EM são também utilizados em outras áreas, nas ciências naturais e humanas. Para alguns autores o conhecimento matemático é todo construído a partir da experimentação mental, devido a ausência do dado empírico. São também bastante comuns em Filosofia e Teoria da mente e menos frequentemente podemos observá-los em Biologia e Química.

Resultados e Discussão Na literatura encontramos diferentes modos de interpretação que caracterizam definições e interpretações distintas, a partir das quais tentaremos compreender a natureza dos EM.

Na análise de Kunh (1977) a função dos EM é ajudar na eliminação de confusões iniciais forçando o cientista a identificar contradições que tenham sido inerentes à sua maneira de pensar inicialmente. Para ele, EM não criam novos dados

mas promovem a re-contextualização de dados empíricos antigos.

Dentro da perspectiva de Norton EM não trazem nenhuma informação sobre o mundo natural, e não transcendem o empirismo. Não passam de 'Argumentos pitorescos', e como tal podem sempre ser reconstruídos como argumentos. Segundo este autor para cada EM pode ser idealizado um Anti-EM correspondente, que leve a conclusões opostas às do primeiro.

Miscevic (xxxx) apresenta uma interpretação alternativa segundo a qual EM são evidencia da manipulação de Modelos Mentais. Sua fonte é a modelagem cognitiva de intuições a partir de estruturas subjacente ao pensamente que utilizamos na interpretação do mundo ao nosso redor.

Segundo outros autores (Brown, Sorensen e McAllister) EM são experimentos, executados no laboratório da mente, nas palavras de Brown, e que podem fornecer ao cientistas dados sobre o mundo natural, se forem construídos de maneira coerente. Assim como os experimentos concretos, EM também estão sujeitos a falhas e à má interpretação. EM não pode ser reformulado como um argumento, contrariando a definição de Norton, e possuem uma função mais geral e mais importante para o raciocínio científico do que fora identificado anteriormente. Dentro desta perspectiva, Brown propõe, em seu livro, The laboratory of mind uma classificação dos EM.

Figura 01. Taxonomia dos EM, Brown (1991).

Tipicamente um EM destrutivo tenta mostrar que as conseqüências de uma determinada teoria são absurdas e por isso esta deve ser abandonada. Um bom exemplo é o chamado 'Gato de Schröedinger'.

No interior de uma caixa totalmente vedada à passagem de luz e som, coloca-se um gato, um frasco de gás venenoso e um dispositivo que contém um núcleo radioativo. Se o núcleo decair, emitirá uma partícula e o dispositivo será acionado, quebrando o frasco e matando o gato. Mas, como

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os acontecimentos são regidos por probabilidades, não é possível saber com certeza se o núcleo decairá ou não.

De acordo com a interpretação de Copenhagen para a Mecânica Quântica, o estado do núcleo pode ser descrito pela superposição de dois estados, uma mistura de “núcleo decaído” e “núcleo de não decaído”. Consequentemente o próprio gato está numa superposição de estados: “vivo” e “morto”. O objetivo da experiência é ilustrar que a Mecânica Quântica é incompleta se não existirem regras que descrevam quando a função de onda colapsa e o gato se torna morto ou vivo em vez de uma mistura de ambos.

EM construtivos ao invés de refutar fornecem suporte para uma teoria, e podem fazê-lo, segundo Brown, de três maneiras diferentes.

Em alguns casos o ponto de partida não será uma dada teoria a ser corroborada mas uma situação problema, uma determinada conjectura, que demandará uma interpretação, nos chamados EM construtivos conjecturais. Tomemos como exemplo o chamado 'Balde de Newton'.

Imaginemos um sistema composto por um balde suspenso e uma certa quantidade de água, não suficiente para enchê-lo. Num primeiro momento não havendo movimento relativo entre a água e o balde, a superfície da água se mostrará plana. Quando a água no balde passa a girar lentamente sua superfície ainda permanecerá plana, mas se a velocidade da água aumentar sua superfície passará a ser côncava. Newton se perguntou como podemos diferenciar a situação inicial e a final, e desenvolveu sua resposta em função de sua definição de espaço absoluto.

O demônio de Maxwell é um exemplo de EM construtivo mediativo, que facilita a conclusão ilustrando determinadas características da teoria. Este EM foi utilizado para que as conseqüências da nova teoria cinética dos gases não parecessem tão absurdas.

Maxwell supôs um recipiente cheio de moléculas com velocidades distintas, cuja temperatura é a expressão macroscópica dessas velocidades. O recipiente seria dividido em duas partes por uma porta. Um ser microscópico, provido de inteligência, abrindo e fechando a porta, poderia separar as moléculas rápidas, de um lado, e, as lentas, do outro. Assim, seria possível elevar a temperatura de um lado e baixá-la do outro, sem efetuar trabalho, o que violaria a Segunda Lei da Termodinâmica.

Os EM construtivos diretos assim como nos conjecturais não começam mas terminam com uma teoria pronta e acabada. Observemos o caso do 'Elevador de Einstein': Um elevador está sendo puxado por uma força constante e consequentemente move-se com aceleração constante. Os fenômenos acontecem e diferentes observadores, um dentro e outro fora do elevador têm percepções distintas, baseado nas quais Einstein conclui a inexistência do movimento

absoluto ou de um sistemas de coordenadas inerciais.

Brown define ainda EM que são ao mesmo tempo construtivos diretos e destrutivos, e os chama de platônicos. De um golpe só ele destroem o antigo e criam o novo. Como exemplo podemos considerar o EM mais famoso da História da Ciência: A experiência de Galileu sobre a queda dos corpos.

No terceiro dia do Discurso sobre duas novas ciências o autor trata do movimento naturalmente acelerado. Galileu através de seus personagens imaginou um bala de canhão e uma bala de florete caindo do topo de uma torre.

De acordo com a física aristotélica a bala de canhão deveria alcançar primeiro o chão, por ser mais pesada, o que de fato acontece. Mas, quando unidas e lançadas novamente as conseqüências desta interpretação são absurdas e Galileu propõe uma nova teoria através da qual todos os corpos estão sujeitos a mesma aceleração.

Conclusões Apesar de todas as questões em aberto, que envolvem este conceito, não há dúvidas de seu valor explicativo, mesmo sujeito à falhas, como qualquer outro procedimento dentro da busca de explicações científicas. Seu poder de convencimento é tão grande ou maior que o dos experimentos concretos. E assim como eles podem corroborar ou desacreditar uma teoria.

Os EM são frequentemente evocados em História da Ciência por sua capacidade de ilustrar situações. Eles representam um exemplo prático e irrefutável do uso da imaginação como ferramenta na construção do conhecimento científico.

Agradecimentos A CAPES, agência cujo fomento me proporcionou dedicação exclusiva a meu trabalho de pesquisa. ____________________ BROWN, J. The Laboratory of the mind: thought experiments in the

natural sciences. London: Routledge. 1991. HOROWITZ, T. & MASSEY, G. J. Thought Experiments in Science

and Philosophy. Savage, MD: Rowman and Littlefield. 1991. KUHN, T. S. A function for thought experiments. In: ________ The

essential tension. Chicago: University of Chicago Press, 1977. MACH, E. L'expérimentation mentale. In:____ La connaissance et

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MISCEVIC, N. Modelling intituons and thought experiments. Croatian Journal of Philosophy.

NORTON, J. D. , 2004, "Why Thought Experiments Do Not Transcend Empiricism", in Christopher Hitchcock (ed.) Contemporary Debates in the Philosophy of Science. Oxford: Blackwell, pp. 44-66.

NORTON, J., 2004, "On Thought Experiments: Is There More to the Argument?" Proceedings of the 2002 Biennial Meeting of the Philosophy of Science Association, Philosophy of Science, 71: 1139-1151.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Paleotecnologia e Indústrias Líticas ou “Por que eles lascavam pedrinhas?”

Caroline Rutz¹ (ES)*, Saul E. S. Milder² (PQ)

1-RTS 287 (Faixa Nova) n6885, Edifício Ayanna Apto 403. Bairro Camobi, Santa Maria-RS CEP 97110-620 [[email protected]] 2-Floriano Peixoto, 1184 Anexo à Antiga Reitoria Centro, Santa Maria-RS CEP 97015-372 Palavras Chave: História das Técnicas, Arqueologia Cognitiva, Paleotecnologia, Tecnologia Lítica.

Introdução

Os símios lascam pedras há 2 milhões e meio de anos. Isso significa dizer que antes de nos tornarmos verdadeiramente humanos, de nos reunirmos em uma espécie única sobre a Terra (o Homo sapiens sapiens sp.), antes de domesticarmos animais e antes mesmo de dominarmos o fogo; partíamos seixos e blocos e aos poucos nos tornamos cientes do resultado destas ações. Uma vez cientes, passamos a controlar o lascamento de rochas de acordo com nossas necessidades, de acordo com um objetivo prévio do artesão. A Paleotecnologia é nada menos que uma ciência

originária da adaptação de arqueólogos para conceitos da Etnologia, e o uso desses conceitos para estudar e compreender as técnicas de homens “pré-históricos” através de vestígios resgatados em sítios arqueológicos e agrupados comumente com a designação de “cultura-material”. A cultura material da Pré-História dista do cotidiano

presente não apenas na contagem de tempo, mas em aspectos que são percebidos à primeira vista: o avanço científico permite ao homem utilizar outros materiais como o metal, a alvenaria, polímeros, toda sorte de ligas industrializadas, para os mais diversos fins. Entretanto, em aspectos nem tão visuais ou táteis, e sim estruturais, todo objeto produzido pelo homem cumpre uma única meta, discriminada a seguir.

Resultados e Discussão Para os Arqueólogos a Paleotecnologia,

desenvolvida nos anos de 1960/70 por Fraçois Bordes, é utilizada como ferramenta teórica e prática que auxilia na compreensão de artefatos escavados dentro de um sistema mais amplo, chamado Sistema Técnico de Produção, onde cada objeto é visto: a) como resultado (no sentido de conseqüência e não necessariamente de fim) de uma Cadeia Operatória de gestos técncos; b) como parte singular e específica de um Esquema Operatório que subentende uma pré-concepção

mental que precede a sua concretização prática e material; c) como testemunho inconteste da atuação do homem pretérito em diversas regiões, guardadas as individualidades de cada uma delas, as quais por sua vez se refletem neste objeto; e d) como produto da adaptação do homem ao meio em que vive, tanto o físico quanto o social. Ainda há que se responder uma questão: por que

rochas? Em suas mais variadas pesquisas, os Arqueólogos se deparam com sítios e testemunhos que devem ser compreendidos como realidades pluridimensionais. Na Pré-História os materiais disponíveis vinham diretamente da natureza: sedimentos, rochas, madeira, ossos, conchas, fibras vegetais, pigmentos minerais; e os meios elementares de ação sobre essas matérias são perfeitamente mapeáveis: a pressão, as percussões, o fogo, a água e o ar; intermediando essa relação temos: forças, movimentos, equilíbrios e transportes. O número de resultados possíveis, equacionando infinitos materiais, sob 5 ações, por meio de 4 trabalhos representa a diversidade e a complexidade da tecnologia humana desde os tempos mais remotos. A impressão que se tem de que o homem utilizava quase que exclusivamente rochas é conseqüência não do trabalho dos artesãos da Pré-História, mas do tempo que separa nossos estudos de sua existência e da ação implacável da natureza sobre a herança que eles nos deixaram. Há que se saber que a rocha é praticamente eterna em comparação com pigmentos, fibras vegetais, madeira, conchas e ossos. Portanto, ao abordar um sítio, o Arqueólogo tem de ter em mente que a realidade original deste lugar foi perdida para sempre, sem que com isso cometa o equívoco de acreditar que os aspectos irrecuperáveis devem ser ignorados. As geociências costumam fornecer dados

importantíssimos que contribuem com o trabalho da Arqueologia, sobretudo a Geologia, a Geomorfologia e a Paleoclimatologia. Reconstituir o ambiente de concepção da cultura material estudada auxilia na compreensão dos possíveis desafios enfrentados pelos homens pretéritos. E, uma vez que cada objeto é conseqüência da resposta do homem aos desafios do meio, a

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natureza é elemento indispensável para a Paleotecnologia. A Arqueologia Cognitiva tem procurado

compreender as intenções que permeiam a concepção dos artefatos escavados, não por um exercício científico estéril, mas pela possibilidade – gerada pela Paleotecnologia – de entender as nuances subjetivas inerentes a qualquer trabalho humano, construindo uma via de ligação concreta entre os primeiros passos da humanidade e as tecnologias atuais, às vezes tão surpreendentes que parecem flashes de um futuro distante e glorioso.

Conclusões Assim, retoma-se a questão proposta no título: “por

que eles lascavam pedrinhas?”. Responder a essa pergunta, além de uma tarefa laboriosa, é percorrer o caminho de um método que parte de um questionamento prático, gera muita teoria e retorna à materialidade através de uma série de aplicações da Paleotecnologia em trabalhos científicos na área da Arqueologia Brasileira, ainda que com forte influência Francesa. São as análises de material lítico (pedra lascada, picoteada ou polida) provenientes de diversos sítios arqueológicos espalhados por nosso território, que ultrapassaram a barreira da mera descrição tipológica descontextualizada para alcançar o caráter de estudo cognitivo. Em outras palavras: cada vez menos a Arqueologia é um estudo de velhos cacos desenterrados, mas uma ciência que busca respostas sobre os homens que produziram a cultura material; uma ciência que busca o homem. É onde uma lasca de sílex do Brasil central, um

fragmento de cerâmica amazônica e, por exemplo, a Mona Lisa de Leonardo da Vinci se encontram. Enquanto artefatos, enquanto “objeto produzido pelo homem”, eles são idênticos. Ao longo de milhares de anos a humanidade complexificou suas relações sociais, cresceu em número, alcançou regiões inóspitas, floresceu culturalmente de maneira assombrosa e até deixou o Planeta Terra, pois o estabelecimento em outros planetas, satélites ou astros parece ser questão de tempo. A humanidade apurou suas técnicas, criou a manufatura, a industrialização e a robótica, de forma que a Cadeia Operatória de Gestos Técnicos para um simples chip de computador compreende etapas em diversos lugares do mundo e o uso de muitas técnicas avançadas, enquanto um raspador de couro era lascado na Pré-História em questão de minutos, sem que seu artesão precisasse percorrer grandes distâncias apenas com esse intuito. O que permanece inalterado, pelo menos em

essência, é o Esquema Operatório, é a qualidade do homem de pré-conceber um objeto mentalmente antes de começar a fabricá-lo e é planejá-lo como solução para uma dificuldade imposta pelo meio. É nesse ponto que a tecnologia humana deve ser

compreendida. É aí que a lasca de sílex, o caco de cerâmica e a Mona Lisa se tornam a mesma coisa. São todos resultados de adaptação do homem ao seu meio. A adição de um tratamento estético de diferenciação em um artefato (ou dando um salto para acompanhar a complexificação das relações humanas: a idéia de decorar ambientes com obras de arte que impressionarão por sua beleza) deve ser compreendida como uma etapa da Cadeia Operatória, ausente em alguns casos, mas de maneira alguma externa ao Esquema Operatório. Ou seja, no plano abstrato o artefato é concebido mentalmente já supondo essa singularidade que o destaca. Esta singularidade estética não rouba do objeto a sua especificidade, a sua qualidade de cumprir para o artesão a função de mediá-lo com o ambiente, uma vez que este deve ser compreendido tanto em seu aspecto físico quanto social (objetivo e subjetivo). Portanto, por que eles lascavam pedrinhas? Pela

mesma razão que qualquer homem altera qualquer matéria ou a reorganiza no espaço, em qualquer época: para sobreviver. Porque o homem só sobrevive – a um inverno nos pampas pretéritos, ao contato com outras civilizações, a uma grande revolução econômica ou mesmo a um congresso científico – se souber se adaptar ao que está a sua volta.

Agradecimentos Ao Arqueólogo André Prous por seus sábios ensinamentos sobre o homem e a matéria, conclusões assustadoramente simples e práticas, mas às quais eu jamais chegaria sozinha; A Arqueóloga Tania Andrade Lima por me motivar a procurar sempre o homem em uma coleção arqueológica e por isso, por me fazer enxergar além. Ao Arqueólogo Lucio Lemes, por me apresentar ao estudo das técnicas. ___________________ FOGAÇA, E. Mãos para o pensamento. A variabilidade tecnológica de indústrias líticas de caçadores coletores holocênicos a partir de um estudo de caso: as camadas VIII e VII da Lapa do Boquete (Minas Gerais, Brasil – 12.000 / 10.500 B.P) Tese de Doutorado. Porto Alegre: PPGH/PUCRS, 2

vols, 2001.

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LEROI-GOURHAN, A. Evolução e técnicas I O homem e a matéria. Lisboa: Edições 70. 1984 (A).

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LEROI-GOURHAN, A. O gesto e a Palavra. I Técnica e Linguagem. Lisboa: Edições 70. 1985 (A).

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 3

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Schiaparelle & Lowell: o imbróglio de Marte.

Rundsthen Vasques de Nader1 (PG) [email protected]

1 - Observatório do Valongo/UFRJ, Ladeira do Pedro Antônio, 43 – Saúde, CEP:2080-090 - Rio de Janeiro - RJ Palavras Chave: história, ciência, astronomia, Marte

Introdução Na segunda metade do século XIX e início do século XX o mundo passava por grandes transformações, tanto na área social quanto técnico-científica. O Eletromagnetismo permitiu o desenvolvimento tecnológico da eletricidade e das telecomunicações; a Óptica permitiu o desenvolvimento dos microscópios e uma revolução gigantesca na microbiologia e, do outro lado, permitiu o desenvolvimento dos telescópios e a exploração do Universo. É nesse ambiente efervescente que surge uma acalorada discussão sobre a existência ou não de canais artificiais na superfície de Marte que envolveu a comunidade astronômica, tendo como principais personagens o italiano Schiaparelli e o americano Lowell. A discussão passou rapidamente para a possibilidade da existência de vida inteligente e tecnologicamente adiantada em Marte, envolvendo não só os cientistas, mas toda a sociedade. As observações do planeta vermelho em várias de suas oposições, primeiramente por Schiaparelli e depois por Lowell, levaram ambos (primeiro o italiano, depois o americano), a afirmarem que uma vasta e complexa rede de canais artificiais cortava o planeta, levando água de reservatórios para as cidades marcianas. Na verdade, a discussão surgiu de uma tradução errada. Estas linhas foram chamadas de canali, termo primeiramente usado por Pietro Secchi em 1859, para descrever duas finas linhas que ele viu na superfície de Marte, e depois adotado por Schiaparelli e outros para descrever certas formas que ele dizia ter observado na superfície de Marte1. Canali deve ser corretamente traduzido do italiano para o inglês como “channels” (canais naturais, leitos de rios) ou “canals” (canais artificiais, construídos pelo homem). Schiaparelli geralmente pretendia e preferia usar o primeiro e, realmente, freqüentemente usava uma descrição alternativa fiumi (rios) para as mesmas formações. Quase inevitavelmente, contudo, canali era invariavelmente traduzido para o inglês como canals, implicando, assim, em uma origem artificial. Outra prova de que Shiaparelli queria se referir a linhas naturais é que depois batizadas com nomes de rios famosos, tanto ficcionais quanto reais2. Já Lowell dedicou-se à observação e mapeamento da ‘rede de canais’ do planeta vermelho, certamente (e tão fervorosamente desejado) construída por marcianos tecnologicamente avançados3. Por outro lado, outros astrônomos também observaram Marte e

não conseguiram identificar tais canais, causando uma polêmica que somente muito mais tarde foi solucionada4. Afinal, os dois astrônomos em questão estavam realmente vendo o que diziam ver, ou estavam apenas sustentando uma polêmica por não quererem admitir que tinham errado em suas conclusões?

Resultados e Discussão Consultando as anotações e mapas originais

disponibilizadas pelos observatórios de Brera e de Lowell pela internet, publicações científicas e de divulgação publicadas à época do imbróglio, consultando as correspondências que ambos trocaram pudemos e artigos atuais sobre o problema, em uma abordagem tanto internalista quanto externalista, temos uma visão não somente do ponto de vista científico, mas também da vida cotidiana dos dois astrônomos. Isto levou à constatação de que tanto Shiaparelli quanto Lowell sofriam de problemas oftálmicos. O primeiro era míope e daltônico, o que causava grande influência em como ele percebia os sutis sombreamento do planeta. Já o segundo tinha sérios problemas de pressão alta, o que afetava seu fundo de olho, causando imagens fantasmas de seus próprios vasos sanguíneos projetadas sobre a superfície do planeta.

Conclusões Talvez seja uma maneira muito enfática e dura de

falar, mas se as pessoas envolvidas neste imbroglio estivessem menos apaixonadas em defender suas crenças, veriam sem grande esforço, por simples comparação dos desenhos que, ou eles estavam olhando para objetos diferentes no céu, ou seus instrumentos (ou eles próprios) tinham algo que não funcionava bem. Adaptando o ditado, talvez possamos dizer que ‘o pior cego é aquele que quer ver’ coisas que ele gostaria que lá estivessem.

Agradecimentos ____________________ 1 Sheehan, W., The Planet Mars:A History of Observation and Discovery, University of Arizona Press, Tucson, 1996 2 Schiaparelli, V. G., La vita sul pianeta Marte. Tre scritti su Marte e i marziani , edited by P. Tucci, A. Mandrino e A. Testa, Mimesis, Milano 1998 3 Gould, R. T., Enigmas, New Hyde Park, N. Y.: University Books, 1965 4 Schultz. S., Lowell’s Spokes on Venus Explained, Sky and Telescope letter, vol.99 outubro de 2002

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A TÉCNICA DAS EMULSÕES NUCLEARES: UM ENSAIO

Cássio Leite Vieira (PG)1

Instituto Ciência Hoje, Av. Venceslau Brás 71, casa 27, 22290-140. Rio de Janeiro, RJ Palavras Chave: emulsões nucleares, método fotográfico, detectores de partículas.

1

Introdução

O uso de e o interesse pela fotográfica por parte dos físicos ocorreu praticamente desde o início ‘oficial’ dessa técnica, em 1839, quando Arago anunciou, na Academia de Ciências de Paris, como um presente da França para o mundo1, a invenção do daguerreótipo. Enquanto o próprio Arago e alguns outros cientistas viam a fotografia como um artefato científico de gravação, parte dos físicos e químicos enxergava nela um potencial para a comprovação experimental de suas teorias, acreditando que o efeito fotográfico seria a base para testar, por exemplo, i) a teoria ondulatória da luz, ii) se os constituintes básicos da natureza eram forças ou partículas; iii) ou o modo como a luz e matéria interagem.2,3 Já a partir do século 18, foram muitos os cientistas que contribuíram para (ou se interessaram pela) técnica, como Scheele, Davy, John Herschel, Talbot (este último inventor de um método fotográfico também na década de 1830, o calótipo; mais tarde, talbótipo), Gay-Lussac, Arago, Faraday, Maxwell, Crookes, Röntgen, Becquerel, Thomson, Soddy, Thomson, só para citar alguns nomes. Não é nossa intenção aqui discutir os aspectos sociais, econômicos ou mesmo estéticos da fotografia. Para isso, há uma vasta bibliografia sobre o assunto, com obras que podem ser ditas clássicas.4,5 Porém, vale citar, mesmo que brevemente, que a fotografia, nascida na era romântica, foi largamente impulsionada pela ciência e, a partir de meados do século 19, apropriada, em função de uma objetividade atribuída a ela, pelo positivismo.3a

Por volta de meados da década de 1850, ganha força um movimento de profissionalização dos fotógrafos, que tratam de formar suas associações de classe, bem como fundar suas próprias publicações (até então, os resultados da pesquisa com fotografia eram geralmente publicados nos mais importantes periódicos científicos da época). Essa profissionalização coincide com o surgimento de uma classe trabalhadora remunerada, resultado da industrialização na Europa e nos Estados Unidos, o que passou a permitir a essa camada da população pagar por fotografias próprias ou de entes queridos (os retratos pintados por artistas eram acessíveis apenas àqueles com maior poder aquisitivo).

Um ponto que chama a atenção é o fato de algumas das principais obras sobre a história da fotografia4,5 nem mesmo citarem a interseção entre a física e a técnica que se deu principalmente no final do século 19, com as descobertas dos chamados novos fenômenos (raios X, radioatividade, elétron, onda hertzianas). Mesmo os principais artigos de revisão ou livros sobre as chamadas emulsões nucleares6-15

pouco ou nada dedicam à história da técnica (o termo emulsões nucleares surgiu logo depois da Segunda Guerra Mundial para designar chapas fotográficas com uma camada mais espessa de gelatina e maior quantidade de brometo de prata). Com raras exceções,12,13,16 o tratamento do tema restringe-se a um enfoque meramente técnico, pontuado por alguns marcos históricos da técnica, sem, no entanto, trazer à tona o cenário político e econômico em que o método fotográfico aplicado á física se desenvolveu. Como dissemos, a partir de meados do século 19, o interesse dos cientistas pela fotografia foi esmaecendo. Uma das conseqüências de não especialistas terem chamado para si a tarefa de entender e aprimorar a técnica fotográfica foi o surgimento de uma série de teorias baseadas em experimentos cuja metodologia principal era a tentativa e erro. Isso, de certo modo, fez com que uma abordagem científica do processo fotográfico (nome com que foi batizada uma a cascata de eventos que se inicia com a exposição da chapa à luz e se finaliza com a revelação da imagem latente) ficasse postergada para o início do século passado, muito como conseqüência do surgimento dos primeiros pesquisadores com formação específica na área, ou seja, em ciência fotográfica.17 No final do século 19, houve uma intensificação do uso de chapas fotográficas pelos físicos. O caso emblemático (e, praticamente, o mais citado como o ‘pioneiro’ dessa interseção na maioria das revisões ou dos livros sobre a técnica de emulsões nucleares) é Becquerel. Mas outros empregaram a fotografia, como Crookes, Soddy, Rutherford, e trabalhos mais recentes indicam que a radioatividade pode ter sido descoberta por esse método até mesmo antes de Becquerel.18 Porém, o método fotográfico vira o século com a pecha de ser um detector apenas qualitativas, sem a precisão que os físicos exigiam para um instrumento de medida. Uma prova disso foi o largo emprego que os físicos da área de raios cósmicos (Hess e Kolhorster, para citar apenas dois pioneiros) passaram a fazer dos eletroscópios e das

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câmaras de ionização para estudar a então misteriosa ‘radiação atmosférica’. No início do século passado, muitos físicos que trabalhavam com radioatividade igualmente optaram por eletroscópios e câmaras de ionização (um caso célebre foi o casal Curie). No entanto, a partir do final da década de 1910, surgem vários experimentos empregando fontes emissora de alfa (principalmente) e beta que se estendem até o início da Primeira Guerra e, a partir daí, são retomados após o fim do conflito, porém com menor intensidade. A bibliografia sobre as emulsões nucleares costuma destacar um entre esses vários trabalhos e artigos: o físico japonês S. Kinoshita.19 Porém, como dissemos, eles são cerca de dez trabalhos publicados (e pelo menos um deles foi inspirado pelo câmara de nuvens, então posta em operação por C. T. R. Wilson e que permaneceria em atividade até meados da década de 1950, dando grandes contribuições à física, principalmente à área de raios cósmicos nas décadas de 1930 e 1940).20

Assim, a seguinte pergunta parece proceder: por que um método que adentrou o século passado com o atributo de não quantitativo seria retomado por vários pesquisadores, em vários países europeus, quando a tendência para o estudo da radioatividade era o emprego ou de eletroscópio e câmaras de ionização, ou telas de cintilação? Uma possível resposta é formada por vários fatores, alguns externos ao meio científico: i) a radioatividade era um dos temas mais candentes daquele início do século, um pouco por conta da disseminação do fenômeno feita por Rutherford, então um físico de renome internacional (cartas comprovam que, naquele início de século, a popularidade tanto do fenômeno quanto do cientista havia chegado ao Japão, um país que ainda vivia a transição do regime feudal para uma sociedade de moldes mais modernos); ii) no final da década de 1910, a fotografia já havia obtido um grau de padronização aceitável, o que começou a acontecer 40 antes, quando Maddox, em 1971, propõe a gelatina como suporte para os halogenetos de prata (pouco depois, a gelatina, somada ao uso da nitrocelulose como base para a emulsão, permitiria a fabricação em série dos rolos fotográficos); iii) Cerca de uma década depois de seu isolamento, já era possível obter o elemento rádio para ser usado como emissor alfa. Porém, o emprego do método fotográfico aplicado ao estudo da radioatividade não seria suficientes para garantir livrar a técnica de seus aspecto não quantitativo (mesmo que alguns daqueles autores, com Kiinoshita, tivessem contado os grãos de prata da trajetória das partículas alfa, e outros tivessem chegado a estabelecer uma relação entre esse número e o alcance da trajetória). Foi somente na década de 1930 que o método fotográfico voltou a ser empregado com mais vigor. Dessa vez, em uma inversão de papéis, pelos físicos de raios cósmicos,

pois a fotografia como detector era vista com desconfiança pelos físicos nucleares.10 A essa altura, já nos é possível introduzir, ainda que brevemente, o que denominados uma segunda história do método fotográfico, eu corre paralela ao uso da fotografia como detector. Nesse segundo eixo, os estudos estão voltados para as propriedades físicos químicas da gelatina e, principalmente, dos grãos de brometo de prata. A nosso ver, essas duas histórias correm paralelamente até o final da década de 1940, quando o método fotográfico (então, já denominado método as emulsões nucleares) já havia, então, obtidos seus maiores êxitos como detector. Como dissemos, o estudo com caráter mais científico das propriedades da imagem latente (ou seja, a formação de grãos de prata metálica na superfície do cristal de brometo de prata) se inicia, a nosso ver, no início do século passado,.17 quando se observa, com a ajuda de um microscópio, que o grão de prata é, como chegou a desconfiar o próprio Arago, ainda em 1839, a unidade de revelação. Um salto de dez anos nos lança para outro marco dessa história paralela: em 1917, verificou-se que a revelação começa a partir de poucos grãos de prata na superfície do cristal. No início da década de 1920, o grande tema dessa linha mais voltada a a desvendar o processo fotográfico em si eram os chamados centros de sensibilidade, formados por sulfeto de prata estão na superfície do grão de brometo de prata. Foi em 1925 que um experimento elegante22 mostrou que, gelatinas desprovidas de enxofre, não produziam emulsões sensíveis à luz, ou seja, não havia nelas a formação da imagem latente. São justamente esses resultados que levaram à primeira teoria sobre a imagem latente, em 1938, por Gurney e Mott.23 Essa teoria, que permaneceu como um tipo de paradigma por décadas (e, de certo modo, ainda serve para explicar a essência do processo fotográfico), foi impulsionada pelo estabelecimento das bases experimentais da chamada mecânica quântica do estado sólido (hoje, da matéria condensada) na Inglaterra no final da década anterior pelo próprio Mott (outra teoria de Mott, publicada em 1928, seria a base para o desenvolvimento do chamado espalhamento coulombiano, que foi usado como método substitutivo ou complementar ao da contagem de grãos para se determinar grandezas físicas (massa e carga, por exemplo) de uma partícula que atravessa uma emulsão nuclear). Para finalizar esse segundo eixo histórico, valeria citar que as idéias propostas por Gurney e Mott em 1838 foram aperfeiçoadas na década de 1950 por J. W. Mitchell24 e nas décadas seguintes por pesquisadores ligados à indústria fotográfica, sendo um dos mais destacados Tani.25,26

Voltemos ao primeiro e, para nossos propósitos aqui, principal eixo da história das emulsões nucleares. Essa primeira história, como dissemos, tem geralmente seu marco inicial associado ao uso da fotografia por Becquerel na descoberta da radioatividade em meados da década de 1890

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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(mesmo que isso para nós seja uma idéia equivocada, pelo que apontamos no início deste ensaio), bem como uma aglutinação de trabalhos sobre esse fenômeno utilizando chapas fotográficas na primeira metade da década de 1910, também já discutida aqui. Uma disputa científica entre Cambridge, representada por Rutherford, e o Viena, personalizada no Instituto do Rádio por Hirsch e Pettersson, foi o elemento deflagrador do emprego das chapas fotográficas para a detecção de prótons lentos (pouco energéticos). A tema da discordância era a desintegração nuclear obtida por fontes radioativas. Rutherford apontou como provável erro experimental de seus colegas austríacos o emprego das telas de cintilação. Em uma tentativa de resolver o problema, Pettersson incumbiu a jovem física Marietta Blau de buscar um novo detector para prótons, o que ela logrou a partir do emprego de chapas fotográficas (algumas de uso odontológico!). A partir daí, Blau faria uma série de trabalhos importantes, muitos em companhia de uma de suas orientadas, Hertha Wambacher, que depois, com a anexação da Áustria, aderiria ao partido nazista. A dupla obteria vários êxitos com a o método fotográfico. Alguns deles: i) a detecção de trajetórias de prótons rápidos (ou seja, energéticos), por volta de 1930; ii) a comprovação da existência dos nêutrons (o que é muito raramente citado na literatura), ainda em 1932, por meio do estudo do recuo de prótons bombardeados por aquelas partículas recém-descobertas; iii) a primeira desintegração de núcleos atômicos (as chamadas estrelas de desintegração), quando estes colidiam com partículas do chuveiro cósmico (por sinal, Blau e Wambacher foram uma das pioneiras na exposição de chapas fotográficas à radiação cósmica em meados da década de 1930).27

Nessa mesma década de 1930, a técnica fotográfica começa a ganhar algum prestígio entre os físicos de raios cósmicos, principalmente depois de alguns êxitos como o de Blau-Wambacher, bem como o emprego de emulsões mais espessas por Zhdanov e a ‘dopagem’ de emulsões por Schopper, só para citar alguns exemplos. No entanto, são os físicos nucleares que passam a ver as emulsões com desconfiança.28,29 Foi principalmente com base nos resultados animadores da desintegração nuclear que Powell se viu estimulado a voltar seus olhos para a técnica, depois de alertado sobre os trabalhos de Blau e Wambacher por Heitler. No final da década de 1930, depois de alguns poucos experimentos expondo chapas à radiação cósmica, Powell convence-se de que o método fotográfico é tão preciso quanto aquele em que ele era um grande especialista: as câmaras de nuvens. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, Powell passou, a pedido do estabelecimento britânico ligado ao projeto da bomba atômica, a empregar as emulsões para o estudo dos chamados nêutrons lentos (ou seja, de baixa energia), pois esses são mais eficientes para a fissão do urânio.

Paralelamente a esses trabalhos, Powell e seus assistentes desenvolvem novos equipamentos para serem acoplados aos microscópios com o qual as fotografias devem ser necessariamente varridas opticamente. Com o final do conflito, formam-se no Reino Unido dois painéis: um deles voltado para a construção de aceleradores de partículas; o outro tendo como tema principal o aprimoramento da fotografia para seu uso em física nuclear. Esse último comitê, que passou a se reunir a partir de 1946, era basicamente formado pelo seguinte tripé: academia, estabelecimento nuclear britânico e indústria (esta última inicialmente representada pela empresa Ilford e posteriormente pela Kodak inglesa). A Ilford, com o fim da guerra, buscava novos contratos com o governo e também novos nichos de mercado, vendo nas fotografias para uso em física essa oportunidade. Coincidentemente (e aqui o termo parece muito apropriado), Ilford havia há pouco entrado com um pedido de patente de um processo que permitia a fabricação de emulsões com maiores quantidades de brometo de prata. E essa era uma das reivindicações dos físicos que participavam do painel (já desde o início da década de 1930 se apontavam três tópicos que deveriam ser aprimorados caso se quisesse empregar a fotografia como um detector de partículas; um desses pontos era a grande distância entre os grãos de prata nas trajetórias deixadas pelas partículas ao atravessarem a emulsão, o que não permitia calcular com precisão alcances pequenos). Em pouco tempo a Ilford apresentou, ao membros do painel, fotografias com basicamente dois qualificativos: i) com camadas de gelatina mais espessas (cerca de 50 mícrons); ii) com cerca de quatro vezes mais brometo de prata que as chapas fotográficas convencionais. Inicialmente (e paradoxalmente), Powell mostrou-se reticente em relação às novas chapas, agora batizadas emulsões de traços nucleares (ou simplesmente emulsões nucleares) pela própria Ilford. Foi iniciativa de Occhialini, já em Bristol, logo após sua ida do Brasil para a Inglaterra, pouco antes do término do conflito, expor as emulsões nucleares à radiação cósmica. Uma dessas chapas foi enviada a Lattes, que se entusiasmou pelo que viu, solicitando a Occhialini que arrumasse uma bolsa para que ele, Lattes, passasse um temporada no Laboratório H. H. Wills, da Universidade de Bristol. Lattes chega à Inglaterra no início de 1946 e, depois de algum período trabalhando com elementos radioativos,30 decide se dedicar à técnica de emulsão. Seu primeiro trabalho foi calibrar as novas emulsões (um trabalho31 pouco conhecido, mas muito citado) e, pouco depois, resolveu estudar algumas desintegrações nucleares, carregando as novas emulsões com bórax (tetraboreto de sódio).32 Um lote dessas emulsões carregadas foi entregue a Occhialini no final de 1946, que as expôs no Pic-di-Midi, na França (vale citar que no Canadá Pierre Demers fabricava suas emulsões próprias

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emulsões,31a de qualidade igual ao até mesmo superior às industriais) Os resultados dessas chapas são bem conhecidos. Foi nelas que o grupo de Bristol detectou não só desintegrações nucleares (estrelas), mas também o primeiro decaimento de um méson pi em um méson mi,33 solucionando com isso um debate que se estendia por cerca de uma década sobre a natureza dessas duas partículas.34,34a Ficou então esclarecido que o pi era a partícula proposta por Yukawa em 1935, e a outra, o mi (na verdade, uma partícula da família do elétron), era a responsável pela radiação penetrante que chega continuamente ao solo, sem praticamente interagir com a matéria.34a Com a detecção do decaimento pi-mi, a técnica das emulsões nucleares atinge seu auge. Nos últimos anos da década de 1940, ela é ainda responsável pela detecção de outras novas partículas, e esse entusiasmo se estende ao longo da década seguinte, quando se inicia o começo de seu fim, um ocaso causado pelo surgimento de grandes aceleradores de partículas, de novos detectores (câmara de bolhas, inventada por Glaser) e pelo fato de ela não ter se adaptado aos tempos de automação, quando uma quantidade enorme de dados era gerada pelos aceleradores praticamente inviabilizava o emprego de uma técnica que era mão-de-obra intensiva.35

A partir de 1955, os dados da chamada física de altas energias passaram ser fornecidos pelos aceleradores. Nessa mesma época, entram em funcionamento outros detectores (cristais de cintilação,36 por exemplo). Esse período é marcado por duas frentes: i) desenvolvidos métodos de revelação para emulsões muito espessas36a (até 2 cm); ii) surgem tentativas infrutíferas37 de automatizar a varredura óptica das emulsões com o uso de microscópios e computadores. Assim, a partir da década de 1960, as emulsões ficam restritas a pequenos nichos na área da física de altas energias (uma deles, notadamente, o de híperons e neutrinos)38 feitas por aceleradores. Ironicamente, é nessa época que surge o atlas mais detalhado sobre o emprego de emulsões nucleares escrito até hoje, que levou cerca de dez anos para ser finalizado.38a

No Brasil, no entanto, a técnica prosperou principalmente no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro (RJ), em da repercussão internacional obtida pelas descobertas das quais Lattes participou em Bristol (1947) e Berkeley (1948)39 descobertas de Lattes, bem como pela ampliação do uso das emulsões para a área de radioatividade e fissão nuclear.40 Ambas ganharam força a partir do início da década de 1960, quando se estabelece a Colaboração Brasil-Japão, que expõe grandes câmaras de emulsões no monte Chacaltaya (Bolívia, cerca de 5,5 mil metros de altitude), e um laboratório para o emprego nuclear dessas chapas no CBPF, cujos trabalhos com a técnica se prolongaram até o início da década de 1980, sendo, provavelmente, um caso único no

mundo, o qual será discutido em outra oportunidade.

1 Daguerre, L. J. M.; Arago, F.; Gay-Lussac, J. L.; Niépce, N.. Historique et description des procédés du daguerréotype et du diorama. Paris: A. Giroux, 1839. 2 Jenkins, R. ‘Science, technology, and evolution of photography, 1790-1925’. In: Pioneers of photography – their achievements in science and technology. Eugene Ostroff (ed.). Springfield: The Society for Imaging Science and Technology, 1987. 3 Jenkins, R. Some interrelations of Science, Technology, and the Photographic Industry in the nineteenth century. Tese de doutorado defendida na Universidade de Wisconsin, 1966. 3a Ver, por exemplo, Tucker, J. ‘The historian, the picture, and the archive’ Isis v. 97. n. 1, pp. 111-120, 2006.; Tucker, J. Nature exposed – Photography as Eyewitness in Victorian Science. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005.; Daston, L.; Galison, P. ‘The image of objectivity’. Representations, v. 40, pp. 81-128, 1992. 4 Eder, J. M. History of photography. New York: Dover, 1978. Tradução do alemão por Edward Epstean (uma primeira edição em língua inglesa foi lançada pela Columbia University Press ainda em 1945), 1978. 5 Gernsheim, H.; Gernsheim, A. History of photography. Oxford: Oxford University Press, 1955. 6 Barkas, W. H. Nuclear Research Emulsions, v. 1. New York: Academic Press, 1963. 7 Beiser, A. ‘Nuclear emulsion technique’. Reviews of Modern Physics v. 24, n. 4, pp. 273-311, 1952. 8 Blau, M. ‘Photographic emulsions’, section 1.7, pp. 208-264. In: Nuclear Physics. Serie Methods of Experimental Physics v.5, part A. Yuan, L. C. L.; Wu, C.-S. (eds.). New York: Academic Press, 1961. 9 Herz, R. H. ‘Nuclear particle recording’, pp. 275-280. In: Progress in photography 1940-1950. Spencer, D. A. (ed.). London/New York: The Focal Press. 463 p, 1951. 10 Rotblat, J. ‘Photographic emulsion technique’, pp. 37-72. In: Progress in Nuclear Physics. Otto Frisch, v. 1, n. 37, pp. 37-72, 1950. 11 Sacton, J. ‘The emulsion technique and its continued use’, pp. 24-43. In: Perkins conference. (Meeting in honour of the retirement of Professor D. H. Perkins, Oxford, 11-13 July, 1993). Cashmore, R. J.; Myatt, G. Singapore: World Scientific, 1994. 12 Shapiro, M. M. ‘Tracks of nuclear particles in photographic emulsions’. Review of Modern Physics v. 13 (January), pp. 58-71, 1941. 13 Vigneron, L. ‘Emploi dês émulsions phographiquespour la detection et l’étude des phénomes nucléaires historique, resultants er possilités. Bibliographie.’ Le Journal de Physique er le Radium, tome 14, février, pp. 127, 1953. 14 Webb, J. H. ‘Photographic plates for use in nuclear physics’. Physical Review v. 74, n. 5, pp. 511-532, 1948.

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15 Yagoda, H. Radioactive measurements with nuclear emulsions. New York: John Wiley & Sons, 1949. 16 Galison, P. Image & Logic. Chicago: University of Chicago Press, 1997. 17 Sheppard, S. E.; Mees, C. E. K. Investigations on the Theory of the Photographic Process. London: Longmans Green & Co.,1907. 18 Martins, R. de A. ‘Becquerel e a descoberta da radioatividade: uma análise crítica’. Tese apresentada ao Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial de concurso de livre-docência. Campinas: edição do autor, 328 p. 19 Kinoshita, S. ‘The photographic action of the alpha-particles emitted from radio-active substances’. Proceedings of the Royal Society of London, Series A, V. 83, n. 564 (22nd March), pp. 432-453, 1910. 20 Para uma extensa revisão histórica da física de raios cósmicos: Sekido, Y.; Elliot, H. Early history of cosmic studies. Drodreicht / Boston / Lancaster: D Reidel Publishing Company, 1985. 21 Wilson, D. Rutherford: simple genius. Cambridge: MIT Press, 1984. 22 Sheppard, S. E.; Trivelli, A. P. H.; Loveland, R. P. Journal of the Franklin Institute v. 200, n. 51, 1925. 23 Gurney, R. W.; Mott, N. F. ‘The theory of photolysis of silver bromide and the photographic latent image. Proceedings Royal Society of London serie A, v. 164, pp. 151-167, 1938. 24 Mitchell, J. W. ‘Photographic sensitivity’. Report on Progress in Physics, v. 20, p. 433-515, 1957. Ver também: Mitchell, J. W. ‘Dislocations in crystal of solar halides’. Proceedings of the Royal Society (London), part A, v. 371, pp. 149-159, 1980. 25 Tani, T. ‘Comparison in physical properties among AgCl, AgBr, and AgI grains’. The Journal of Imaging and Science and Technology v. 51, n. 3, pp. 197-201, 2007. 26 Tani, T. Photographic Sensitivity: theory and mechanism. Oxford: Oxford Universityy Press, 264 p., 1995. 27 Uma boa extensa análise histórica desses trabalhos está em Strohmaier, B.; Rosner, R. (eds). Marietta Blau – estrellas de desintegración – biografia de uma pionera de la física de partículas. México D.F.: Instituto Politécnico, 2006. Galison, citado no item 16 destas referências bibliográficas, traz um capítulo sobre Blau. 28 Livingstone, M. S.; Bethe, H. ‘Nuclear Physics’, In: Review of Modern Physics , v. 9, n. 3, julho, pp. 245-390, 1937. 29 Taylor, H. J. Proceedings of the Physical Society v. 150, n. 382, 1935. 30 Lattes, C. M. G.; Cuer, P. ‘Radioactivity of Samarium’. Nature v.158, p.197-198, 1946. 31 Lattes, C. M. G.; Fowler, P. H.; Cuer, P. ‘Range-energy relation for protons and alpha-particles in the New Ilford "nuclear research" emulsion’. Nature v. 159, p. 301-302, 1947. 31a Demers, P. ‘New photographic emulsions showing improved tracks of ionizing particles’.

Journal of Canadian Research v. 25, section A, pp. 223-251, 1946. 32 Lattes, C. M. G.; Fowler, P. H., Cuer, P. ‘A study of the nuclear transmutations of light elements by the photographic method’. Proceedings of the Physical Society of London, v. 59, n. 5, p.883-900, 1947. 33 Lattes, C. M. G.; Muirhead, H.; Occhialini, G. P. S.; Powell, C. F. ‘Process involving charged mesons’. Nature v.159, p.694-697,1947. 34 Monaldi, D. Life of μ: the observation of the spontaneous decay of mesotrons and its consequences, 1938-1947. Annals of Science v. 62, n. 4, October, pp. 419-455, 2005. 34a Mukherji, V. ‘A history of the meson theory of nuclear forces from 1935 to 1952’. Archive for History of Exact Sciences, v. 13, pp. 27-102, 1974 35 Para esse período de transição, ver, por exemplo, o interessante relato de Baldo-Ceolin, M. ‘The discreet charm of the nuclear emulsion era’. Annual Review of Nuclear and Particle v. 52, pp. 1-21, 2002. 36 Steinberger, J.; Bishop, A. S. ‘The detection of artificially produced photo-mesons with counters’. Physical Review v. 78, n. 4, May, pp. 493-494, 1950. 36a Dilworth, C. C. ‘Temperature shutter for nuclear research emulsions’. In: Cosmic radiation. Colston Reseach Society. Butterworths Scientific Publications: London; New York: interscience, 1949. 37 Rudin, R.; Blau, M.; Lindenbaum, S. J. ‘Semi-automatic device for analyzing events in nuclear emulsions’. Review of Scientific Instruments. v. 21, pp. 978-985, 1950. 38 Burhop, E. H. S. ‘Recent experiments with nuclear emulsions’. Proceedings of the Royal Society of London. Series A, Mathematical and Physical Sciences, v. 278, n. 1.374 (a discussion on recent European contributions to the development of the physics of elementary particles), April 7th pp. 350-369, 1964. 38a Powell, C. F.; Fowler, P. H.; Perkins, D. H. The study of elementary particles by the photographic method. London / New York / Paris / Los Angeles: Pergamon Press, 1959. 39 Por exemplo: Gardner, E.; Lattes, C. M. G. ‘Production of mesons by the 184-inch Berkeley cyclotron’. Science, v.107, p.270-271, 1948. 40 De Carvalho, H. G. ‘Particle discrimination and loading techniques for nuclear emulsion’, chapter V, pp. 248-319. In: Progress in Nuclear Techniques and Instrumentation, v. I. Farley, F. J. M. Amsterdam: North Holland, 1964.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

O mito de Fausto sob o signo da ciência

Mercia Roseli Pessoa e Silva. (TC) *

[email protected] Palavras Chave: Mito de fausto, crise de identidade,

Introdução

Marshall Berman afirma que “homens e mulheres modernos, em busca de autoconhecimento, podem perfeitamente encontrar um ponto de partida em Goethe, que nos deu com o Fausto nossa primeira tragédia do desenvolvimento” (BERMAM, 1990, p. 84). A partir desta concepção, o traçado das linhas, feito por diversos escritores, parece levar a caminhos sinuosos, que podem revelar a especificidade de cada criação de inspiração fáustica. Isto porque o tratamento dado à representação do homem de ciência e à mulher irá se modificar em cada obra. Para precisarmos esse caminho, que revela uma crise de identidade do homem ligado à ciência e à técnica, tomamos para exemplos, o Fausto de Goethe, o Dr. Fausto de Thomas Mann e O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, Fausto, de Carlos Nejar, Primeiro Fausto, de Fernando Pessoa. O perfil literário do mito de Fausto, na sua forma mais antiga, está associado à idéia, de senso comum, de que o homem vende sua alma em troca de determinados fins, como dinheiro, mulher, poder e glória. Na sua fase mais moderna esse perfil condiz com homens de meia-idade ligados à arte, à ciência, à política ou ao trabalho criativo, que já não encontram nessas expressões uma atividade emancipadora, criativa e fruidora. Isso quando visam desenvolver suas potencialidades intelectuais e humanas.

O mito de Fausto recodifica elementos da epopéia, criando uma poética que não mais aponta para a idade antiga ou para um universo de heróis, com suas façanhas e glórias. Nesta nova poética, que veio sendo delineada a partir do Renascimento, com o resgate da lenda de Fausto, a personagem é um anti-herói, insatisfeito com a cotidianidade da sociedade moderna. O mito de Fausto emerge de uma aventura incessante em busca de realizações. Ao mesmo tempo em que ele se esforça para vencer os limites do que é heterogêneo, imediato e superficial, tenta atingir uma objetivação duradoura e social, procurando assumir um comportamento em que empenha todas as suas forças, toda a sua alma. Assim, mobiliza-se de forma anímica, descartando o que é fácil, prático e instrumental. Fausto, às vezes, parece renunciar à felicidade. Mas cabe-nos perguntar o que é felicidade? A princípio, não consiste simplesmente em ter bens ou uma posição privilegiada, que

condiga com o status quo das classes dominantes e com o poder do Estado. Georg Lukács (1989) considera três formas de objetivação social que conseguem suspender a cotidianidade: o trabalho criador, a arte e a ciência. Essas atividades exigem um esforço e uma concentração das faculdades humanas, de forma a homogenizá-las em torno de determinados fins, que resultem na suspensão da cotidianidade e da fragmentação do ser. Já Agnes Heller (1992, p. 2) também considera como humano-genéricos, em sua maioria, os sentimentos e as paixões, pois sua existência pode ser útil para expressar e transmitir a substância humana. São nessas expressões que as personagens fáusticas irão desenvolver suas potencialidades humanas. No entanto, quando retornam ao cotidiano, embora modificados e até humanizados, não se sentem como inteiramente homens. Isso porque a superação da cotinianidade exige um processo contínuo de ultrapassagem e retorno renovado. Ocorre também que, no decorrer de cada trajetória, as personagens acabam não encontrando mais na ciência, no trabalho e na arte, uma atividade emancipadora, criativa e fruidora. Mas em que consiste a trama do mito de Fausto? Nela, os valores de auto-realização ilimitada, de exigência de autêntica vivência própria e do subjetivismo, marcarão sobremaneira o anti-herói. Tanto que irão desencadear uma crise de identidade. Achando-se um indivíduo isolado, o tipo Fausto já não se identificará com o seu trabalho e com as orientações da cultura da modernidade, passando a romper com todas as convenções sociais. O ódio e o desprezo à ciência e à técnica, tão valorizados em dada época, podem ser exemplificados nas pernonagens de Marlowe, de Goethe, de Tomas Mann, de Fernando Pessoa, de Oscar Wilde, de Carlos Nejar e de Guimarães Rosa, como podemos demonstrar na tabela, em anexo

Os valores de auto-realização ilimitada, de exigência de autêntica vivência própria e do subjetivismo marcarão sobremaneira a trajetória dos personagens de inspiração fáustica, ao almejarem uma ligação mais vital com o mundo. Essa nova condição, demoníaca, refletirá o estado de natureza de cada tipo Fausto, que se movimentará de forma anímica. Ele estará dividido entre a vida interior e exterior, entre a esfera pública e a privada, ficando propenso à insegurança e ao medo. Esse medo o levará a voltar-se para poderes ocultos, fantasmagóricos, através da idéia do pacto. A relação anímica com o mundo expressará o desejo de desenvolvimento das potencialidades humanas, sendo o herói sujeito e objeto de

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transformação, numa sociedade estagnada, que também poderá sofrer transformações. O anti-herói tentará se libertar das convenções e virtudes que, até então, perpassaram a sua história. Aos poucos estabelecerá um profundo questionamento, tendendo a abandonar toda e qualquer forma de atividade que lhe dê segurança. Este movimento se dará de forma descontínua e desmedida, gerando uma contradição entre liberdade e segurança. Isso porque, ao procurar desvencilhar-se do que é tradicional e repetitivo em sua vida, ele ficará propenso à insegurança, à instabilidade e ao medo. Para nos reportarmos a Vico, a propósito de sua teoria da mitologia, cabe a citação (Apud HOKHEIMER, 1983, p. 99): “ Foi o medo que engendrou os deuses, mas não o medo dos homens uns dos outros, mas o medo de si próprios. (...) Os homens começaram (...) a deixar-se levar pela curiosidade natural, filha da ignorância e mãe da ciência, que engloba o espírito humano e assim dá à luz a adoração.” Desta forma, os homens projetam o seu próprio ser na natureza. E o surgimento do mito vai sendo desencadeado em consequência do medo que se instaura ante as forças da natureza. O tipo Fausto, enquanto ser social que tem vontade, age e pensa, encontra-se em plena posse do seu estado de natureza. Trata-se de mais uma contradição para ele, que quer a transformação de sua realidade. Coloca-se, aí, uma questão: a de ter de sujeitar-se a uma determinada ordem e, conseqüentemente, renunciar a sua vontade. A idéia de ordem , por outra via, condiz com a busca do reconhecimento de uma consciência humano-genérica, que se expressa incompatível com o estado de natureza do homem fáustico. Logo, a idéia de pacto vai surgindo de forma sub-reptícia. A necessidade de estabelecer-se um pacto é antiga, mas imanente, sobretudo, à sociedade moderna, que criou o estado de direito e o contrato social para o homem poder reproduzir-se e, conseqüentemente, reproduzir a sociedade. O homem fáustico, quando em crise, irá voltar-se para uma idéia de divindade, onde esteja implícito o pacto, mas que este não implique uma renúncia de sua liberdade. Este processo, contudo, irá culminar num retorno da fé nas coisas humanas, que metaforicamente representa a salvação, diante da possibilidade de uma recaída na barbárie, no inferno. Não é nosso objetivo analisar com quem Fausto faz o pacto. Importa-nos problematizar o “homem”, em paralelo ao “humano”, sendo este último mais globalizante, sem a pressuposição da dualidade homem-mulher. Por outro lado, cosideraremos a hipótese de ser a mulher constitutiva da própria identidade do tipo Fausto. Para tanto nos valeremos das referëncias de Goethe, Tomas Mann, Carlos Nejar, Fernando Pessoa e Oscar Wilde, mas antes é preciso abordarmos a representação mitológica do eterno feminino.

Resultados e Discussão

A contribuição da mulher na mística do eterno feminino condiz com a complementação inerente à essência do verdadeiro humano. Essa contribuição pode apoiar-se em vários indícios, como a tópica-sensível da semelhança, aludida por Vico; como a premissa de Auerbach, a de que “o fictício e o irreal das histórias amorosas dificilmente estão nelas mesmas; estão muito mais na função dentro da estrutura do poema” (AUERBACH, 1976, p. 123). A referida premissa reforça a idéia de o idílio amoroso, após o processo de destruição das distâncias hierárquicas, permanecer como sendo o campo de percepção da unidade absoluta do tempo folclórico, das vizinhanças antigas e da natureza, o que denota fatos reais e vitais que expressam o simbolismo realista e épico. Essa unidade absoluta também constitui o ponto de partida e de realização para a interpretação e a avaliação literárias da atualidade do autor, de sua época (BAKHTIN, 1990, p.334). No referido contexto, o idílio seria o que Agnes Heller determinou como fator intermediário, anterior e posterior, à atividade social cheia de conflitos: “o idílio cumpre uma bela e nobre função: a de ‘repouso moral’ digno do homem” (HELLER, 1994, p. 398). Em relação aos afetos, Heller afirma que eles orientam a vida cotidiana, o contato para as relações sociais, porque referendam o sentimento de si e influem na nossa personalidade, em nossas objetivações para-si. Na cadeia de afetos, o ódio e o amor são sentimentos mais intensos. Heller explica que “o desenvolvimento da moral, da política, da arte e da ciência é inconcebível sem grandes amores e grandes ódios” (Idem, p. 379-381), sendo que o sinal de eleição mais alto da vida cotidiana para o desenvolvimento humano rico e pleno de valor recai sobre o “amor merecedor”. Tabela

Fausto: Fausto, ordena os estudos, e procura Sondar o fundo do que vás seguir. Pois começaste, dá-te por teólogo, Porém visando o fim das artes todas. Co’as obras de Aristóteles vive e morre. ......................................................... Só me rumina a mente em nigromância, P’ra mim, Filosofia é escura, odiosa, Direito e Medicina são mesquinhos De todas a mais baixa é a Teologia, Desagradável, rude, ignara e vil. Só a magia me encanta!

(MARLOWE, s/d, p. 32)

Fausto:

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Ai de mim! da filosofia, Medicina, jurisprudência, E mísero eu! da teologia, O estudo fiz, com máxima insistência. Pobre simplório, aqui estou E sábio como dantes sou! De doutor tenho o nome e mestre em artes, E levo dez anos por estas partes, Pra cá e lá, aqui ou acolá Os meus discípulos pelo nariz E vejo-o, não sabemos nada! Deixa-me a mente amargurada.

(GOETHE, 1991, p. 41)

Bebi a taça [...] do pensamento Até ao fim; reconheci-a pois Vazia, e achei horror. Mas eu bebi-a, Raciocinei até achar verdade, Achei-a e não a entendo. Já se esvai Neste desejo de compreensão, Inalteravelmente, Neste lidar com seres e absolutos, O que em mim, por sentir, me liga à vida E pelo pensamento me faz homem (PESSOA, 1983, p. 622) Queimei livros, papéis, Destruí tudo por ficar bem só, Por que não [sei], não sabê-lo desejo." Resta-me apenas um desejo ermo De amar e de sentir

(PESSOA, 1983, p. 637)

Lord Henry dialogando com o pintor Basil: A beleza, a verdadeira beleza, termina onde começa uma expressão intelectual. A inteligência é, em si, uma espécie de exagero e destrói a harmonia de qualqer rosto. No momento que uma pessoa se senta para pensar, torna-se toda nariz, ou toda testa, ou qualquer coisa horrível. Veja os homens que obtiveram sucesso em profissões intelectuais! Como são hediondos!

(WILDE, 1998, p. 15) – (...) Na luta feroz pela existëncia, desejamos ter algo que perdure, e assim, atravancamos nosso espírito de inutilidade e fatos, com a tola esperança de conservar nosso lugar. Um homem bem-formado em tudo – eis o ideal moderno. E a mente do homem bem formado é uma coisa horrível. Assemelha-se a uma loja de quinquilharias, cheia de monstruosidades e de pó, tendo todos os objetos preço superior ao verdadeiro.

(WILDE, 1998, p. 24 Toda a ciência Agora é nula, E me gastei Na penúria de retê-la."

(NEJAR, 1987, p.11) Peregrinei pelos livros Sacros, profanos. Bebi a ciência Que pude. Nenhuma me fez Humano."

(NEJAR, 1987, p. 12)

* Inserir aqui notas necessárias (estilo Word - Table_Footnote)

Conclusões

A idéia do homem que negocia alma em trocas de determinados fins e a lenda de Fausto, me levaram ao impulso de, além da análise objetiva dos temas e modelos necessários, enfocar a personagem, não só como um mito e sim encará-la do ponto de vista da idéia, em sua concepção artística. Isso como forma de sair do senso comum e pairar um pouco nas esferas do devaneio, que bem condiz com o primeiro princípio da ciência. O que foi escrito pode ser um tanto quixotesco, mas não há nada mais tentador para quem gosta de fazer e viver poesia do que concordar com Dom Quixote, cuja aspiração final foi “morrer ajuizado, mas viver loucamente”. Embalada, talvez, por uma tendência para o devaneio e pela veleidade de querer que ele perdure, esta tese procurou acrescentar algo às diversas leituras realizadas, tanto do corpus literário, quanto do teórico, dar-lhe uma continuidade, que pode ser inconclusa, devido à natureza do objeto de estudo e método aplicado, mas preenche a ânsia humana de ver as ilusões não se apagarem e sim transformarem-se em contínuas: poética, ciência, história e eternidade.

Em determinado tempo ou lugar, por mais fugaz que pareça a forma que assume o ideal, no fundo esta forma é uma continuidade. Mas o vôo do artista não se conforma apenas com a continuidade. Reclama e cria uma fusão tal dessa continuidade que ela se torna sempiterna: isto é, nunca deixou de existir, nem cessará, sublimando-se na idéia do eterno, que bem condiz com a utopia, a visão do homem de amanhã, equacionada por Bakhtin.

Harold Bloom (1995, p.26) quando afirma que um poema, romance ou peça adquire todas as pertubações humanas, inclusive o medo da mortalidade, mostra como esse medo na literatura se transforma na busca do ser canônico, no ânseio de entrar na memória comunal ou da sociedade, sendo também uma retórica da imortalidade. Dessa forma, ele concebe o cânone como imagem do indivíduo pensando, mas pensando em sua própria morte.

Numa conceituação quase paradoxal o eterno, num mundo da criação poética, é o que há de mais essencialmente real para os olhos, ouvidos, dos que sabem ver e ouvir, no sentido mais profundo ou metafísico, do qual o poeta nunca prescinde.

Assim, o poético, a ciência, a história confundem-se na arte em todas as suas manifestações, sobretudo quando ela utiliza a palavra, concreta ou sonhada, que constitui o maior privilégio do ser humano.

.

Agradecimentos Prof. Dr. Manuel Antônio de Castro Prof. Dr. Julio Santiago Espinoza Ortiz

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____________________ Bloom, Harold. O cânone ocidental. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995. Buffinch, Thomas. Mitologia geral. Belo Horizonte: Villa Rica, 1991. Goethe, Johann W.V. Fausto. Belo Horizonte: Villa Rica, 1991. HELLER, Agnes. O quotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972. ____. Para mudar a vida (felicidade, liberdade e democracia). Rio de Janeiro: Brasiliense, 1982. ____. O homem do renascimento. Lisboa: Presença, 1982. ____. O quotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra, 1972. ____ . Sociologia de la vida cotidiana. Barcelona: Ediciones

península, 1994. HORKHEIMER, Max. Autoridade e família.Lisboa:Apaginastantas, 1983.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

A INSERÇÃO DO ENFERMEIRO NO CAMPO OBSTÉTRICO: DISCUTINDO ASPECTOS HISTÓRICO-SOCAIS FUNDAMENTADOS PELO

ESTADO DA ARTE

Claudia de Carvalho Dantas 1 (PQ), *Janaína da Silva Galvão 2 (PG) e Mônica Cristina Silva do Nascimento(PG) 3.

[email protected], *2 [email protected], 3 [email protected]

Palavras Chave: História, Enfermagem, Obstetrícia.

Introdução A presente pesquisa teve o intuito de

investigar questões concernentes a inserção do enfermeiro na pratica obstétrica. Para tal, faz-se necessária uma breve contextualização sobre essa temática.

No Brasil, as parteiras começaram a ser diplomadas por escolas médicas a partir de 1832, entretanto, no ano de 1946, encerrou-se o curso de enfermagem obstétrica na Universidade do Brasil e em 1950/ 1951, por força da lei 775/49, que regulamentou o ensino de enfermagem, encerrou-se os cursos da Faculdade de medicina e do Hospital Hanemanniano do Brasil.

Foi então que, a partir de 1972, as escolas de enfermagem do Brasil ganharam o monopólio legal para preparar profissionais, não médicos, para a prática do parto normal hospitalar. ( PROGIANTI, 2001, p. 4) Já na década de 90, especificamente no ano de 1994, a SMS/RJ propôs a implantação de uma política de qualificação da assistência perinatal com o parto assistido por enfermeiros. Em 1998, o Ministério da Saúde reconheceu oficialmente a assistência ao parto por enfermeiro obstetra nos hospitais conveniados ao SUS. No final do século XX, surgem iniciativas governamentais de incentivo à realização do parto normal pela enfermeira obstétrica, em casas de parto ou em centros de partos normais, bem como a criação de cursos de especialização para enfermeiras. Tais iniciativas ocorrem nas esferas municipal, estadual e federal.

Resultados e Discussão Realizou-se uma pesquisa histórico-documental cujo objetivo foi dissertar acerca da inserção do enfermeiro no campo obstétrico, tendo como marcos o período compreendido entre 1832 e 2007. A coleta de dados ocorreu no primeiro semestre de 2008, utilizando como fontes secundárias os resumos das bases de dados LILACS, BDENF, SCIELO e MEDLINE, mediante os seguintes descritores: história, enfermagem e obstetrícia. Os resumos foram submetidos à análise histórico-crítica à luz de Salmon (1979). Segundo este autor “o método crítico esforça-se por medir com rigor o valor do testemunho (...) dos textos (documentos escritos)”¹ dividindo-se tradicionalmente em crítica externa ou crítica de autenticidade e em crítica

interna ou de credibilidade. “Evidentemente a crítica externa e critica interna não têm sempre de estar isoladas na prática. O historiador examinará com freqüência um documento sobre todos os seus aspectos, ao mesmo tempo”¹. Seguindo este critério foram analisados todos os resumos inerentes aos descritores selecionados, totalizando um quantitativo de 42 publicações. A análise critica de tais documentos possibilitou a construção de uma linha do tempo contemplando os principais marcos históricos do processo de inserção do enfermeiro na prática obstétrica. Tabela 1. Quantitativo de publicações encontradas nas bases de dados da BIREME.

LILACS BDENF SCIELO MEDLINE

18 11 03 10

Fonte: Biblioteca Virtual de Saúde

Conclusões Concluímos que a produção científica dos estudos históricos é escassa, o que evidencia a necessidade de fortalecimento nesta linha de pesquisa, buscando os constituintes históricos que respondam a problemática contemporânea da compreensão da construção profissional bem como, da prática assistencial da enfermagem. Outrossim, denota-se que, atualmente, o campo obstétrico continua a ser uma área conflagrada: as posições conquistadas por médicos e enfermeiras continuam a ser objeto de disputas, cada vez mais acirradas, pela imposição oficial de uma certa visão de mundo sobre a arte milenar de partejar.

Agradecimentos Agradeço à organização do evento pela maravilhosa proposta, à instituição UFRJ/ HCTE por fornecer o espaço para que o saber seja aprimorado e à comissão científica avaliadora dos trabalhos, o meu reconhecimento. ____________________ 1 Salmon P. História e crítica. Portugal (Coimbra): Almedina: 1979 2 Progianti J.M- Parteiras, Médicos e Enfermeiras: A disputada Arte de Partejar. Rio de Janeiro: 2001

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Considerações sobre a Filosofia Primeira de Aristóteles.

André Vinícius Dias Senra* (PG) 1, Adilio Jorge Marques (PG)1, *[email protected] 1 UFRJ, Prog. História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia, Inst. de Química, Centro de Tecnologia, Bloco A, 7° andar, Cidade Universitária, Rio de Janeiro, RJ, 21941-590, Brasil. Palavras Chave: ciência, filosofia primeira, metafísica.

Introdução A proposta de abordagem do tema ciência em Aristóteles, tem a ver com o fato de que foi este pensador quem originou um vasto campo de investigações racionais, a tal ponto de a maioria das ciências modernas ter um fundamento aristotélico. Neste trabalho, pretende-se compreender o sentido da concepção aristotélica de ciência. A ciência é, para este filósofo, um modo de reconhecimento da causa pela qual esse algo é e, este algo, apresentando certa característica, não pode ser de outro modo. Assim, o conhecimento científico, para Aristóteles, é definido em termos de relações causais e necessidade. Importa saber como a concepção aristotélica de ciência influenciou tanto, na pesquisa científica, mesmo sem que nenhuma filosofia tivesse, naquele momento, condições para matematizar qualquer aspecto da natureza, o que, posteriormente, tornou-se importante para a questão da previsibilidade.

Resultados e Discussão O grupo de quatorze manuscritos que constitui a Metafísica não foi assim denominado pelo próprio Aristóteles. Ele tinha um outro termo para o que estava tentando fazer, que era ‘Filosofia Primeira’, isto é, a ciência buscada. O título ‘Metafísica’ (‘τα μετα τα φυσικα’) foi assim nomeado por razões meramente editoriais, pois, na ordem legada dos escritos aristotélicos os ensaios de filosofia primeira deveriam ser publicados depois do tratado da física Aristotélica, visto que a expressão ‘metafísica’ significa ‘depois da física’. No entanto, a partir do modo como Aristóteles concebia sua noção de ciência, pode-se concluir que a Filosofia Primeira deveria tratar daquilo que vai além da física, daquilo que a transcende, visto que o termo ‘metafísica’ pode significar também ‘para além da física’ ou ‘o que está acima da física’. Assim pois, a idéia da Filosofia Primeira, além de receber o nome de Metafísica, deve ser entendida como a noção aristotélica de ciência teórica. As finalidades da Filosofia Primeira são pelo menos quatro: (a) A ciência das causas ou princípios primeiros; (b) A ciência do ser enquanto ser; (c) A indagação sobre a substância; (d) A indagação sobre Deus e a substância supra-sensível. A ciência das causas ou princípios primeiros é um tipo de investigação que foi intentada pelos pré-socráticos, que buscavam um princípio físico último, causador e sustentador do universo, por Platão, com a sua doutrina das idéias, as quais teriam a função de condicionar toda a realidade sensível. Aristóteles achava que a

filosofia primeira é, dentre as ciências, a mais nobre e superior, pois ela se faz na independência de qualquer aplicação prática, sendo o motivo para a investigação metafísica um puro e desinteressado desejo de saber advindo daquilo que o homem tem de mais essencial, que é o uso de sua razão e inteligência. A indagação sobre o ser enquanto ser, nos leva à questão dos vários sentidos do ser (acidental, verdadeiro, falso, potência e ato, categorial), e esse modo de questionar nos conduz ao ser por si mesmo, o ser da categoria de substância. A indagação sobre a substância, por fim, deve conduzir à questão de se saber se só existem as substâncias sensíveis ou se existem também as substâncias supra-sensíveis. A tematização da Filosofia Primeira de Aristóteles na condição de ciência que investiga o ser enquanto ser, indica uma orientação que procura identificar as mais universais características da realidade ou do ser, ou ainda, este projeto filosófico está voltado para a identificação das categorias ou espécies mais gerais sob as quais as coisas caem, a especificação do que distingue esses tipos ou categorias uns dos outros, e a identificação dos tipos de relação que ligam objetos de diferentes categorias entre si.

Conclusões Uma vez que a Ciência aristotélica é uma Ciência do real, os objetos do conhecimento cientifico comportam um certo tipo de necessidade, pois é necessário que eles existam para que os possamos conhecer. E neste aspecto, fica evidente que a Ciência de Aristóteles precisa admitir o mundo externo, ou seja, encontra-se baseada em uma concepção de realismo robusto. Para Aristóteles, este deve ser o posicionamento teórico que toda e qualquer ciência deve ter.

Agradecimentos Aos colegas e professores que integram a comunidade acadêmica do HCTE. ____________________ 1 Aristóteles, Metafísica, trad. Valentin G. Yebra, Madrid, Editorial Gredos, 1982. 2 Mansion, A. Filosofia primeira, filosofia segunda e metafísica em Aristóteles, in Sobre a Metafísica de Aristóteles, Marco Zingano (org.), trad. Marisa Lopes, pp. 123-176, São Paulo, Odysseus Editora, 2005. 3 Peters, F.E. Termos Filosóficos Gregos – Um léxico histórico, trad. Beatriz Rodrigues Barbosa, Lisboa, Calouste Gulbenkian.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Concepções sobre a natureza das ciências apresentadas por licenciandos do Rio de Janeiro: um estudo de caso.

Leonard dos Santos Ramos1(FM)*, Paula Leite da Cunha e Melo1(PG), Flávio Martins Teixeira1 (PG). [email protected]

1 – UFRJ / Instituto de Bioquímica Médica / Programa de Educação, Gestão e Difusão em Biociências, Palavras Chave: Natureza das Ciências (NdC), Thomas Kuhn.

Introdução

A ciência vem se destacando no cenário mundial com suas descobertas, promessas, ambições e progressos que a todo instante invade nossas vidas, afeta escolhas, direciona hábitos e influencia comportamentos. Isso faz com que a ciência se torne objeto de discussão, polêmica e fascínio em uma sociedade que, diante dos acontecimentos científicos, deveria ter mais compreensão sobre seus empreendimentos. Uma forma bastante difundida e eficaz para que uma sociedade tenha uma compreensão do desenvolvimento científico é com o auxílio da educação, onde os docentes proporcionam debates e discussões para que seus estudantes construam conhecimento e assim possam ter uma reflexão crítica para atuar como cidadãos para tomadas de decisões, dentre outras, tecnocientíficas. Um currículo de ciências demasiadamente centrado em conteúdos conceituais e não processuais e a falta de reflexão crítica, aliada a uma prática pedagógica tradicional que não considera o aluno como sujeito da ação científica, mas um simples receptor passivo dos “produtos” finais da ciência, podem ser fatores que deixam de lado aspectos importantes na Natureza das Ciências (NdC’s)1. A Natureza das Ciências refere-se “aos valores e suposições inerentes a ciência, conhecimento científico e/ou o desenvolvimento do caminho científico” que inclui valores internos e externos como: base empírica, moral e ética, criatividade e imaginação, embasamento cultural e social e sua relação com tecnologia e sociedade e que possui relacionamento direto com a epistemologia da ciência2. Pesquisas nesta área têm revelado que tanto os docentes quanto os estudantes apresentam concepções inadequadas sobre a NdC’s. Entender o conhecimento científico como um processo de construção e desenvolvimento humano, juntamente com seus valores internos e externos tem se mostrado importante para uma alfabetização científica, o que seria fundamental para dar autonomia para que a sociedade possa pressionar autoridades políticas para banir ou liberar tratamentos, terapias ou medicamentos e para frear ou estimular a aplicação de novas tecnologias, das quais atualmente desconhece efeitos de médio e longo prazos 3.

Este tipo de orientação torna-se acentuado quando notamos uma preocupação do governo

federal brasileiro com as possíveis visões inadequadas sobre a NdC’s que se evidencia na orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM/2005); que procura atender a uma reconhecida necessidade de atualização da educação brasileira. Um dos seus objetivos ou competências atribuíveis às Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias na contextualização do ensino de ciências é “compreender o conhecimento científico e o tecnológico como resultados de uma construção humana, inseridos em um processo histórico e social”4.

Fortalecendo ainda mais a importância de ter concepções contemporâneas sobre ciências, o PCNEM/2005 apresenta como um dos objetivos na área de contextualização sócio-cultural em Biologia “analisar idéias biológicas como construções humanas, entendendo como elas se desenvolveram, seja por acumulação, continuidade ou ruptura de paradigmas”4.

Estando a Natureza das Ciências inteiramente relacionada com a epistemologia, filosofia e história da ciência, orientamos nossa pesquisa em consonância com as propostas do filósofo contemporâneo Thomas Kuhn.

Para Kuhn, a ciência é um processo de construção de mundo sempre passível a reformulações e legitimada dentro de paradigmas construídos histórica e socialmente. O termo “paradigma” tem por definição “realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”5.

O paradigma tem como função gerar concordância entre membros de uma comunidade científica sobre que fatos devem ser investigados, métodos utilizados e soluções encontradas, submetendo-os as mesmas regras e bases para a prática científica. Na ausência de um paradigma, todos os fatos que são pertencentes ao desenvolvimento de uma ciência são igualmente relevantes, já que eles não possuem um corpo metodológico sólido nem problemas e padrões de soluções legítimas que permita selecionar, avaliar e criticar esses fatos. Quando um paradigma adquire uma hegemonia por ser mais bem elaborado e eficiente que seus concorrentes em resolver problemas, há uma fase de ciência normal.

Na ciência normal, o conhecimento dos fatos é ampliado e aprofundado, tentando ajustar esses mesmos fatos ao paradigma vigente,

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aperfeiçoando-o. As descobertas científicas não são seu objetivo, mas sim fazer os cientistas concentrarem suas pesquisas numa parcela da natureza com muita profundidade, detalhando as idéias já estabelecidas pelo paradigma, através de um empreendimento altamente cumulativo e continuísta, forçando “a natureza a encaixar-se dentro dos limites pré-estabelecidos e relativamente inflexíveis fornecidos pelo paradigma”5.

Esta precisão de idéias acaba facilitando o aparecimento de anomalias que se destacam pelo aparecimento de resultados não previstos pelo paradigma. Estas anomalias podem ser resolvidas com um ajustamento do paradigma tornando-as, desta forma, fatos previsíveis. Quando não há este ajustamento as anomalias podem, em situações onde há proliferação de uma mesma teoria, se tornar uma indicação para uma substituição do paradigma vigente por outro, sem a utilização de critérios racionais, mas por rupturas, o que Kuhn denominou de Revoluções. As revoluções são definidas como: “Aqueles episódios de desenvolvimento não cumulativo nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior”5.

Resultados e Discussão Nosso trabalho teve como objetivo avaliar a

adequação das visões dos professores sobre a natureza das ciências no contexto do Rio de Janeiro e comparar as visões dos futuros docentes em diferentes estágios (períodos) de suas formações. Coletamos os dados em duas turmas do curso de licenciatura em Ciências Biológicas de uma Universidade privada do município de Niterói por meio de um questionário aberto VNOS-C (Views the Nature Science – form C) elaborado por Lederman6, traduzido e modificado por El-Hani7, e adaptado por nós ao nosso público-alvo. A princípio aplicamos sob forma de um questionário piloto para uma turma de 10 estudantes do 1º período e para 7 estudantes do 7º período, dando preferência em avaliar a aplicabilidade do questionário piloto sem se preocupar com o tamanho da amostra. Mesmo com uma amostra pequena relatamos alguns resultados preliminares.

Na verificação das questões abertas conseguimos observar alguns pontos de concordância bem explícitos acerca das posições filosóficas, mesmo cientes de que a avaliação da adequação das visões dos futuros docentes sobre a natureza das ciências pode se mostrar contraditória. Quanto à questão sobre a definição de ciência, as categorias foram construídas na análise de respostas dos alunos e estão apresentadas nas tabelas 1 e 2. Tabela 1: Respostas dos estudantes de 1º período à questão “O que é ciência?"

Categorias Respostas

(a) Estudo da vida e de fenômenos

8

(b) Utilitarista 1

(c) Forma de conhecimento 1

A resposta mais freqüente foi a categoria (a), incluindo respostas de natureza mais vaga, nas quais a ciência era concebida simplesmente como estudo da vida e de fenômenos. Como exemplo de resposta classificada nesta categoria podemos citar a definição de ciência fornecida pela estudante CSC de 18 anos: “o estudo dos fenômenos físicos e químicos que se encontram em um ambiente”. Tabela 2: Respostas dos estudantes de 7º período à questão “O que é ciência?" Categorias Respostas

(a) Busca de conhecimento para esclarecer fenômenos

2

(b) É um estudo 2

(c) Utilitarista 2

(d) É um conhecimento 1

Na tabela 2 verificamos que no 7º período houve um equilíbrio entre os alunos. Na categoria (a) podemos tomar como exemplo a resposta dada pela aluna CCA de 22 anos: “ciência é tudo aquilo que engloba uma pesquisa e uma busca avançada de conhecimento sobre um assunto. Saber como algumas coisas funcionam, como por exemplo, a natureza, a parte física, química, o corpo humano...” Na categoria (b) os alunos deram uma resposta mais vaga como pode ser percebido na resposta dada pela estudante JZ de 17 anos: “é o estudo dos seres vivos, do ambiente, do ser humano, da vida”. E na categoria (c) os estudantes conciliaram ciência e sua utilidade pela sociedade, como se a ciência tivesse uma prioridade em atender interesses e resolver os males mais imediatos em que se encontra a sociedade, como podemos observar na resposta do estudante RNG de 25 anos: “ciência na minha visão é o ato de buscar respostas para questões de interesse humano, seja na saúde, no meio ambiente e na própria mente. Questões que ajudam o coletivo”. Na questão onde perguntamos “O que torna a ciência (ou uma disciplina como a física, a biologia, etc) diferente de outras formas de investigação (por exemplo, religião, filosofia)?”, as respostas apresentadas foram classificadas como positivistas e não positivistas (tabela 3). Tabela 3: Respostas dos estudantes à questão “O que torna a ciência (ou uma disciplina como a física,

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a biologia, etc) diferente de outras formas de investigação (por exemplo, religião, filosofia)?”

Período Positivista Não Positivista

1º 7 3

7º 3 4

Há nestes resultados uma forte tendência na qual as respostas mostram uma concepção positivista por parte dos estudantes do 1º período, sugerindo que estes apresentam uma visão de que a ciência busca a verdade por meio de comprovações, tornando-a concreta, enquanto que as outras formas de conhecimento se mostram abstratas por não lograrem desta comprovação. Como exemplo desta afirmação positivista a estudante JX 20 anos responde: “porque tem um estudo independente, com provações, sem especulações de algo não existente”. Em relação aos estudantes do 7º período, podemos observar certo equilíbrio entre os potencialmente positivistas e os não-positivistas. Poderíamos supor que o fato dos estudantes estarem um tempo maior na Universidade faz com que os mesmos pudessem ter tido diferentes perspectivas filosóficas de docentes ou terem tido uma melhor compreensão da NdC’s na disciplina de Filosofia da Ciência. Na segunda parte do questionário avaliamos questões objetivas, nas quais foi usada uma escala tipo-Liket.

A primeira afirmativa teve a intenção de verificar se os estudantes percebem ciência como uma construção humana em que cada comunidade interpretará seus resultados de maneira diferente, com base no paradigma onde se inserem. No teste piloto observamos uma clara tendência dos estudantes, de ambos os períodos, em ter um alto grau de certeza sobre modelo atômico (situação proposta), em virtude das evidências experimentais e observacionais que apóiam o modelo, sem levar em conta as variadas interpretações dos resultados (dados não mostrados).

Organizamos uma outra questão para verificar se os estudantes percebem que a ciência por ser uma instituição social, sofre pressões da sociedade em que se insere. Nos estudantes do 1º período observamos uma tendência a acreditarem que a ciência não é influenciada por fatores sociais e culturais (dados não mostrados), de certa forma tornando-a universal, pois para a verdadeira Natureza das Ciências é imprescindível saber os rumos tomados por cada uma das ciências em seu desenvolvimento social. Em contrapartida os estudantes do 7º período apresentaram uma tendência maior ao equilíbrio sobre a influência de fatores culturais e sociais (dados não mostrados). Como visto anteriormente, talvez um tempo maior de permanência dentro da Universidade poderia fazer com que este estudante tivesse tido diferentes

perspectivas filosóficas, gerando uma mudança dos resultados entre o 1º e o 7º períodos.

Nosso questionário piloto, apesar de mostrar alguns resultados interessantes, se mostrou muito confuso e pouco confiável esclarecendo que entre os novos filósofos da ciência há muitas divergências, mesmo se nos restringirmos aos pós-positivistas, incluindo Thomas Kuhn, nosso referencial teórico. Na medida em que fomos aprimorando nosso trabalho, tivemos a necessidade de uma categorização mais pertinente aos nossos objetivos, então resolvemos elaborar outro questionário para atender a uma categorização adotada por nós, feita por Olga Pombo que mostrou ser muito válida para nosso interesse. O questionário foi escrito com fator verbal bem simples afim de não tornar as questões complexas e obscurecer os resultados; também não o delongamos para não fadigar os estudantes; e utilizamos a escala de Likert, que dispõem de uma liberdade de expressão do respondente além de ser um instrumento que revela bons resultados. Para nos certificarmos da eficácia e da coerência deste novo instrumento, o trabalho encontra-se em fase de validação.

Conclusões Tendo as concepções sobre a natureza das

ciências do docente como elemento crucial para que o processo educativo se desenvolva de forma ética e proveitosa, parece-nos relevante realizar um levantamento das concepções de futuros docentes a fim de apontar possíveis concepções inadequadas da ciência através de uma perspectiva filosófica. O primeiro questionário piloto se mostrou bastante útil em algumas situações, mas para melhor refinamento e confiança de nossos resultados precisou ser substituído com base em alguns aspectos que avaliamos, em que as respostas se apresentaram insuficientes para interpretação, confusas e/ou dúbias.

Sobre as situações úteis que podemos aproveitar do questionário podemos avaliar que na primeira parte do questionário piloto, apesar da baixa amostragem verificamos um grau relativamente alto de concordância em que as respostas mostram uma concepção positivista, afirmando que os professores apresentam uma visão de que a ciência busca a verdade e sem influências externas. É notável a presença desta concepção empirista, talvez devido à formação inicial que valoriza muito os conteúdos conceituais e não realiza com os estudantes práticas científicas onde eles possam participar ativamente tendo contato com uma dimensão da ciência que pouco é comentada. Pérez salienta que a caracterização de uma visão inaceitável da NdC’s a partir da identificação de concordâncias entre filósofos da ciência e docentes deve ser evitada, dentre elas, a compreensão do trabalho científico como verdade absoluta, uma concepção empírico-indutivista da ciência, a interpretação do método científico com rigor e exatidão, uma visão descontextualizada e

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neutra socialmente, ignorando-se sua relação com a sociedade e a tecnologia (CTS) e uma visão acumulativa da ciência onde o conhecimento científico cresce linearmente sem a intervenção de crises e Revoluções1. Considerando a relevância desses aspectos, ressalta-se a importância de verificar as concepções dos futuros docentes para que consigam uma melhor apropriação dos conhecimentos elaborados pela comunidade científica e assim possam desenvolver conhecimentos e atitudes favoráveis a mudanças filosóficas da realidade científica e educacional.

Agradecimentos Agradecemos ao CNPq pelo financiamento desta pesquisa através das bolsas de pós-graduação.

____________________ 1 Perez, D. G. et al. Para uma imagem não deformada do trabalho científico. Ciência & Educação, v. 7, n. 2, p. 125-153, 2001. 2 Lederman, N. G.; et al. Assessing the nature of science: what is the nature of ours assessments? Science & Education, v. 7, p. 595-615, 1998. 3 Acevedo, J. A. et al. Mito da didática das ciências acerca dos motivos para incluir a Natureza das Ciências no ensino das ciências. Ciência & Educação, v. 11, n. 1, p. 1-15, 2005. 4 Ministério de Educação e Desportos. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM). Secretaria de Educação Fundamental, Brasília, 2005. 5 Kuhn, T. S. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1975. 6 Lederman, N. G. et al. Views of nature of science questionnaire (VNOS): Toward valid and meaningful assessment of learners’ conceptions of nature of science. Journal of Research in Science Teaching, v. 39, p. 497-521, 2002. 7 El Hani, et al. Concepções epistemológicas de estudantes de biologia e sus transformação por uma proposta explícita de ensino sobre história e filosofia das ciências. Investigações em Ensino de Ciências, disponível em: http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol19/n3/v9_n3_a3.htm. Acesso em: 01/ de julho de 2008, 1999.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

O que está “por trás” da Revolução Científica ? A matematização da natureza e da ciência.

Érica Leonardo de Souza ( FM: CEFET-Química e PG: doutoranda em Filosofia UFRJ) [email protected]

Endereço: Rua Igarapava - 71- apt.403 - Leblon – Rio de Janeiro. Palavras Chave: Filosofia, matematização da natureza, ciência antiga e moderna

Introdução

O Objetivo deste trabalho não é somente estudar e questionar a ciência a partir de seus métodos e teorias, é antes questionar o valor da ciência. Devemos quetsionar então que visão de mundo fundamenta a ciência, qual linguagem a legitima. Neste sentido, nosso papel é fazer com que a ciência não seja transmitida e aprendida como dogma, que ela não seja vista como um valor supremo, como uma verdade inquestionável. Certamente a História das Ciências e a Filosofia das Ciências, dada de forma responsável e esclarecedora, são nossas aliadas nesta tarefa. Deve-se, por isso, atentar para as narrativas históricas acerca das ciências e das idéias, e compreender: que nova linguagem, que novos valores e visões de mundo entraram em cena para permitir que a ciência e o mundo moderno se estabelecessem enquanto verdades. Sendo assim, devemos, como diria Walter Benjamim, “escovar a história a contra pelos” para descobrir o que ela esconde, subverte e cria.

Resultados e Discussão PRIMEIRO MOMENTO: LEVANTAR QUESTIONAMENTOS FILOSÓFICOS E ESTABELECER SEUS OBJETIVOS TEÓRICOS

1. O que foi a Revolução Científica? Colocar em questão o caráter revolucionário .

2. O que a Revolução Científica significou para História das idéias? Mostrar como a revolução científica, juntamente com outros fatos que anteciparam o início da modernidade, estabeleceu uma nova linguagem, uma nova visão de mundo, de natureza e de homem.

3. Quais as visões de mundo e os valores relacionados com a Revolução Científica e com o advento da modernidade?

- Mostrar que a Revolução Científica é resultado e ápice de um movimento contínuo: que tem como cerne não só a quebra de paradigmas científicos, mas

acima de tudo, a mudança de valores políticos, religiosos e culturais. - Revelar e compreender as duas grandes transformações responsáveis pela nova visão de ciência: A matematização da natureza e a matematização da ciência.

SEGUNDO MOMENTO: Exposição de uma CRONOLOGIA DO PROBLEMA: ( Linha do tempo com nomes e fatos importantes que antecederam a Revolução Científica).

OBEJTIVO:

A) Mostrar que a Revolução Científica resulta da conjunção de vários fatores, que paradoxalmente:

_ rompem com a ciência antiga e medieval. _ mas ao mesmo tempo se inspiram em teorias e mandamentos da ciência antiga, principalmente aristotélica.

B) Mostrar que a Revolução Científica é fruto de diversas influências culturais: de culturas árabe e orientais, místicas, artísticas, políticas e religiosas. C)Mostrar como o advento e o desenvolvimento da matemática algébrica foi imprescinível para a estruturação da ciência D)Questionar: O ponto de partida da revolução científica é apenas Copérnico?

(Mostrar a importâcia das idéias que antecederam Copérnico, científica, religiosa, social e politicamente. Pois trata-se, como diz Alexandre Koyré, de fato, de uma revolução, porém, devemos salientar que o terreno propício para a dita revolução científica foi bastante e longamente preparado e as suas ações foram ensaiadas muito antes de Copérnico.Trata-se de um longo processo de transição, muito mais que uma única ruptura, onde diferentes pensadores, filósofos, matemáticos e astrônomos, contribuíram com diferentes idéias, não só científicas, para a transformação da visão científica do século XVII.

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CRONOLOGIA DO PROBLEMA: 1) A herança árabe.

“ A Europa cristã medieval , tomou conhecimento de um vasto acervo da Antiguidade clássica grega e também de diversas culturais orientais a partir do que foi amplamente estudado e difundido pelos povos árabes” IN: Breve história da ciência moderna, Marco Braga e outros.

2) A influência da ciência arsitotélica no interesse pelas Ciências Naturais do século XII;

(Aristóteles é responsável pela retomada da importância da investigação da natureza, e pela ênfase na observação. Neste sentido, mesmo que seu sistema físico e astronômico tenha sido abandonado pouco a pouco, os mandamentos científicos de Aristóteles são mantidos; como, por exemplo, a valorização da experiência: a observação atenta dos fenômenos naturais. Devemos por isso salientar que quando os modernos rejeitam Aristóteles, rejeitam o seu sistema e o seu modelo geocêntrico, mais principalmente rejeitam o uso e abuso da lógica escolástica, que era radicalmente teórica e não usava da observação).

3)Descobrimento do Novo Mundo (século XV) : questionamento do conceito e da natureza humana (Hobbes e Rousseau); estranhamento do novo homem, coloca-se a questão: “em que tempo e espaço viviam os nativos” ?

4) Renascimento. Além do referencial artístico: retomada dos antigos, surge uma nova perspectiva, visão artístico-matemática do mundo.

5)Reforma Protestante: Valorização do indivíduo e da interioridade; questionamento a maior instituição política medieval: A Igreja Apostólica Romana ; o início da destruição do sistema feudal e formação dos Estados Nacionais europeus e surgimento de novas organizações políticas.

6) A Revolução Científica propriamente dita: AS DUAS GRANDES TRANSFORMAÇÕES QUE LEVAM À NOVA VISÃO DE CIÊNCIA: A MATEMATIZAÇÃO DA NATUREZA E A MATEMATIZAÇÃO DA CIÊNCIA.

1. Compreender a geometrização do espaço e a conseqüente matematização da própria ciência; 2. Salientar a utilização da matemática algébrica como linguagem da física. (mostrando a importância da sistematização da álgebra com Viéte, e a utilização da algebra moderna na formulação da ciência físico-matemática plenamente elaborada em Newton)

3.Ressaltar como estas duas grandes transformações a matematização da natureza e a matematização da ciência, levam ao abandono necessário da física e da astronomia de Aristóteles.

TERCEIRO MOMENTO: A DIFERENÇA ENTRE A FÍSICA DE ARISTÓTELES E A FÍSCA DA GALILEU e NEWTON.

O que anima Galileu é a grande idéia

arquimediana da física matemática, da redução

do real ao geométrico. É nisso que ultrapassa

Kepler. E é por isso que foi capaz de formular o

conceito de movimento que constitui a base da

dinâmica clássica.

Para Galileu tudo que existe no mundo

está submetido à forma geométrica; todos os

movimentos estão submetidos a leis

matemáticas. Nos diz Koyré: Galileu se nos

afigura, ao mesmo tempo, como um dos

primeiros homens que compreenderam, de modo

muito precioso, a natureza e o papel da

experiência (ou melhor, experimentmu) na

ciência. Mais que isso, Galileu sabe que a

experiência comum, a experiência que não

passa de observação, como era a aristotélica é

totalmente distinta da experimentação moderna.

Assim, fica delineado:

-O experimentum é preparado. A experiência

aristotélica é pura observação.

-O experimentum é uma pergunta feita à

natureza, uma pergunta feita numa linguagem

própria, na linguagem matemática (algébrica). Já

a experiência aristotélica é escrita em liguagem

qualitativa, não matemática.

Galileu sabe que não basta observar o

que se passa, o que se apresenta normalmente

e naturalmente aos nossos olhos; sabe que é

preciso saber formular a pergunta , e além

disso, saber aplicar ao experimentum as leis

estritas de medida, cálculo e interpretação

matemática.

Fazendo do que é matemático a própria

realidade física, Galileu é necessariamente

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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levado a abandonar o mundo qualitativo e a

reduzí-lo a esfera subejtiva do conhecimento

sensível.

A cisão é portanto extremamente profunda.

Anteriormente ao advento da ciência

galileana, “aceitávamos” o mundo que se

oferecia aos nossos sentidos como o mundo

real. Com Galileu, e depois de Galileu,

presenciamos uma ruptura entre o mundo

percebido pelos sentidos e o “mundo real”, ou

seja, o mundo “construído”, ou melhor “visto”

pela ciência. Afirma Koyré: “ Esse mundo real é

a própria geometria materializada, a geometria

realizada.” 1

É sobre a base da física galileana e de

sua interpretação cartesiana, que se construirá a

ciência tal como conhecemos, nossa ciência, é

sobre essas mesmas bases que se poderá

constituir a grande e vasta síntese do século

XVII, concluída por Newton.2

Devemos agora salientar algumas diferenças

essenciais entre esta concepção aristotélica e a concepção de Newton.

Em Newton, a diferença entre corpos celestes

e terrestres se extingue; desaparece o predomínio do

movimento circular sobre o movimento em linha reta,

e isso ocorre pois o movimento em linha reta se torna

decisivo. Desaparece a noção de lugar específico

para cada corpo, segundo sua própria natureza, o

corpo agora pode estar em qualquer lugar. Como

conseqüência da modificação do conceito de lugar, o

movimento passa a ser visto apenas como

modificação da posição. Por conseguinte, a

determinação do movimento torna-se determinação

das distâncias, dos espaços do mensurável, do que

tem tal e tal grandeza. O movimento é determinado a

partir da grandeza do movimento e a massa é

determinada como peso. E não existe também mais a

distinção entre movimento natural e anti-natural ou

violento, como na física aristotélica, agora, tudo é

uma questão de quantificação da “força exterior” que

faz o corpo se mover.

Tiramos daí que o próprio conceito de

natureza se modificou, agora “natureza não é mais o

princípio interno de que resulta o movimento do

corpo, como em Aristóteles; natureza pelo contrário é

o modo da multiplicidade das várias relações de

posição dos corpos, o modo como eles estão

presentes no espaço e no tempo. Não é por acaso

que o próprio o conceito de lugar é substituído pelo

conceito de espaço, conceito este muito mais amplo

e indeterminado.

A partir daqui, podemos delinear a diferença

primordial entre estas duas visões, e as

conseqüências desta diferenciação. O mais

primordial é notar que: com toda esta modificação do

conceito de natureza concebida por Newton,

modifica-se também essencialmente a relação com

às coisa naturais. O modo newtoniano de questionar

a natureza torna-se, nas palavras de Martin

Heidegger, totalmente diferente do modo grego

aristotélico, chegando mesmo a se estabelecer como

o total oposto. Tais modificações estão todas ligadas

umas as outras, e estão fundadas na posição de

fundo, que o filósofo Martin Heidegger3 denomina de

posição matemática, posição esta que se exprime

exemplarmente em sua essência no Primeiro

Princípio de Newton.

Em que medida o traço matemático se torna

determinante com o Primeiro Princípio de Newton?

Na medida em que este princípio fala de um corpo

que efetivamente não existe, ele é imaginado,

concebido na mente, como profere o próprio Newton,

tal princípio é resultado inicial de pura abstração. Isto

significa, afirma Heidegger, que o corpo descrito por

Newton não pode ser concebido intuitivamente em

nenhuma experiência. Mais que isso, o princípio de

Newton impera uma representação fundante das

coisas que contraria a própria manifestação habitual

ou cotidiana das coisas mesmas.

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 3

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“É numa tal pretensão que reside o

matemático, quer dizer o estabelecimento de

uma determinação da coisa que não resulta da

própria coisa, a partir da experiência e que, ao

mesmo tempo subjaz a toda determinação da

coisa, a possibilita e lhe cria, pela primeira vez,

um espaço.” (Martin Heidegger, O que é uma

coisa? p.94 )

Para tal pretensão se estabelecer foi

necessária uma grande transformação na visão de

mundo e no modo de acesso às coisas (à realidade),

e consequentemente no modo de pensar. Heidegger

nos mostra que antes mesmo de Newton, Galileu já

nos daria um exemplo de como se estabeleceria esta

nova pretensão.

O que é decisivo? Que Galileu já pensava o

movimento preponderantemente como movimento

uniforme em linha reta, isto significa que, já nos

termos de Galileu, o corpo se movimento em linha

reta sempre que não encontra obstáculo, e que se

modifica uniformemente sempre que uma força atua

sobre ele.

O que está em jogo é que quando Galileu diz:

“imagino, na mente, <mente concipiere> um corpo,

projetado num plano horizontal e livre de qualquer

obstáculo...” este “imagino na mente” é justamente o

modo de ser matemático é a antecipação da ciência

moderna, a pergunta antecipadamente formulada, é

pois uma maneira antecipada de conhecer. Neste

mente concipiere, Galileu concebe antecipadamente

não só este corpo, como também o que deve ser

determinante para todo corpo, para a corporeidade

em geral. Assim todas as determinações acerca dos

corpos inscreve-se num plano de natureza, que

compreende qualquer acontecimento natural como

uma determinação espaço temporal de pontos

previamente concebidos, ou seja, é uma

determinação de algo que se pode medir e calcular. Trata-se agora de “descobrir” ou melhor, estabelecer,

calcular, ou descrever as relações numéricas de

medida ou de força presentes no domínio natural.

O grande perigo : A natureza ficar reduzida a

estas relações numéricas.

Conclusões

Podemos identificar que o projeto ou ideal

matemático das ciências modernas, mais

especificamente da física e da própria matemática,

elucida, de maneira exemplar a essência da ciência

moderna e a própria essência da modernidade. O

filósofo Martin Heidegger, e também de certa forma

Alexandre Koyré, cada qual ao seu modo, identificam

a moderna matemática como a linguagem

responsável pela inauguração de um novo

fundamento, um novo pensar, e um novo modo de

agir da ciência.

O que está em questão? O fato de que as

ciências modernas foram todas, em sua essência,

convertidas em matemática; ou seja, foram

convertidas à manifestação bem peculiar da

matemática moderna, ao seu caráter radicalmente

antecipador e premeditador: o cálculo.

Porém, veremos que a questão não consiste

apenas no fato da ciência moderna “calcular”, posto

que a ciência antiga e a medieval também

calculavam, a questão consiste em saber: “de que

modo, os cálculos e medidas são aplicados e

realizados, e que alcance têm para a determinação

dos próprios objetos”4

Falar de ciência é em certa medida falar na

compreensão mesma da realidade, do mundo

circundante. Mas como realidade se funda, como o

mundo se faz realidade? Como se faz a adequação,

ou a correspondência com o real?

Tais questões devem posteriormente entrar

em jogo. O certo é que a modernidade tomou uma

decisão acerca deste modo de ser de

correspondência ou adequação com o real. Tal

decisão passa efetivamente pela matemática.

E assim teremos que questionar: o mundo

moderno após a chamada Revolução Científica

estaria condenado a ficar totalmente reduzido às

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verdades matemáticas ou à vontade totalizadora do

ideal matemático ? Questão em aberto.

Agradecimentos

Pelo imenso apoio e incentivo, agradeço à Tania Goldbah 1 Kouyré, A. Estudos de história do Pensamento Científico. oyré,

Editora UNB. p.55.

2. Idem. 3 Heidegger, Martin. O que é uma coisa? p. 74. 4 Heidegger, Martin,. O que é uma coisa? p 75.

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 5

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

A história da informática brasileira (1977-91) a partir de fontes orais e de documentações inéditas

Marcia de Oliveira Cardoso1 (PG)* e Vitor Andrade Barcellos2 (ES).

1 – [email protected]. 2 – [email protected] Palavras Chave: história da ciência, história econômica, história oral, informática, reserva de mercado, SOX.

Introdução

Desde os anos 1950, com a crescente utilização dos computadores pessoais, as chamadas tecnologias da informação têm assumido importância crescente no funcionamento das economias nacionais contemporâneas e na vida cotidiana dos indivíduos. Se a história é relevante para o entendimento do estado atual dos países, como nos lembrou Debus2, em um mundo tão dependente das tecnologias da informação como o atual, o historiador da história recente não pode prescindir de estudá-las. No caso do Brasil, entender sua posição atual no setor exige necessariamente estudar as trajetórias do que foi desenvolvido em informática no país, ainda que este esteja situado numa posição periférica3 na história da informática mundial. Boa parte da experiência da produção científica e tecnológica das décadas de 70 e 80 ainda está para ser estudada a partir de novos enfoques metodológicos. Até o anos 1980, as correntes hegemônicas na historiografia tendiam a valorizar o estudo das estruturas e o estudo dos processos de longa duração, e atribuíam às fontes seriais e às técnicas de quantificação uma importância fundamental. Porém, a partir da década de 1980 houve uma revalorização da análise qualitativa e o resgate das experiências individuais4 Reconhecendo a importância deste movimento dentro da academia, este trabalho procura trazer uma história da informática brasileira de maneira global, resgatando, entretanto, relatos de técnicos, engenheiros e empresários brasileiros do setor, lançando mão de um “arquivo oral” como contribuição à historiografia da informática no país. Além disso, a Abicomp (Associação Brasileira da Indústria de Computadores e Periféricos), importante associação empresarial nos anos 1980 deixou à Biblioteca do Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NCE/UFRJ) uma quantidade considerável de documentos (atas de reunião, clippings de jornais brasileiros e internacionais, telegramas, artigos científicos, etc), que reunimos em um Fundo disponível ao público. Este fundo também será uma das fontes utilizadas para analisar a informática brasileira do período.

Resultados e Discussão

Para Doel5, a partir do século XX, historiadores da ciência tornaram-se cada vez mais conscientes das limitações das fontes escritas. Muitos passaram a dar maior valor epistemológico à notícias de jornais, minutas de reuniões, memórias e relatórios publicados. Desta forma, o crescimento da história oral espelha-se principalmente no crescente interesse dos historiadores por questões de caráter social. Assim, para a história de informática brasileira, deve-se estar atento não só aos documentos oficiais, mas ao que foi produzido pelas associações e publicações especializadas e ao que está sendo elaborado pelas entrevistas com os protagonistas desta história. Estes movimentos são importantes para que não se pratique uma história da ciência isolada e positivista – uma história que exclui o contexto da época em que ocorreu o evento. Neste sentido, Castells6 inicia a sua análise da nova economia, sociedade e cultura dizendo que “a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas”. Assim, também é necessário dar historicidade aos artefatos, como o sistema operacional SOX, construídos durante a época de maior investimento para o desenvolvimento da informática.

Conclusões A história da informática possui na história oral um importante recurso para a obtenção de informações. Esta, enquanto metodologia pode não apenas ampliar a riqueza de informações, como colocar novos problemas sobre a capacitação tecnológica em países periféricos como o Brasil e revelar como a memória pode ser seletiva, quando a atuação do Estado é vista sob uma perspectiva negativa desde a ascensão do neoliberalismo em fins dos anos 1980. ____________________ 1 Latour, Bruno. Ciência em Ação: Como seguir engenheiros e cientistas

sociedade afora. São Paulo:UNESP. 2000. 2 Debus, Allen. Entrevista concedia a Carlos A L. Filgueiras e a Roberto

Barros de Carvalho. Revista Ciência Hoje. vol. 12, no. 70, outubro-novembro de 1991.

3 Filgueiras, C.A.L. A História da Ciência e o Objeto de Seu Estudo: Confrontos entre a Ciência Periférica, a Ciência Central e a Ciência Marginal, Química nova, Vol. 24, no. 5, 709-712, 2001

4 FERREIRA, Marieta de M. História, tempo presente e história oral. Topoi, Rio de Janeiro, dezembro 2002,n.6, pp. 314-332.3

5 Doel, Ronald E. Oral History of American science: A forty-year. History of Science 41 (2003), 349-378.

6 Castells, Manuel. A sociedade em rede – A era da informação: economia, sociedade e cultura; v 1. São Paulo. Paz e terra. 1999.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Ciência em Platão: os sólidos geométricos e o Timeu

Adilio Jorge Marques (PG, FM)1, André Vinícius Dias Senra* (PG)1

* [email protected] UFRJ, Prog. História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia, Inst. de Química, Centro de Tecnologia, Bloco A, 7° andar, Cidade Universitária, Rio de Janeiro, RJ, 21941-590, Brasil. Palavras Chave: Platão; Timeu; sólidos geométricos.

Introdução O principal objetivo deste trabalho é realizar um estudo dos sólidos geométricos da obra “Timeu” (ou sobre A Natureza) de Platão. Propomos uma possível relação com o que hoje a moderna ciência, em especial a Física, tem a dizer sobre alguns conceitos de simetria. O desenvolvimento da Astronomia teve papel destacado na antiga ciência grega, como no caso de Eudoxo de Cnido (aproximadamente 365 a.C.), membro da Academia de Platão, o nome mais importante no séc. IV. O Timeu especificamente vem revelar que os gregos distinguiam dois tipos de movimentos celestes: (i) o movimento da esfera de estrelas fixas, compartilhado por todos os corpos celestes; (ii) os movimentos independentes do Sol, Lua e planetas ao longo da "eclíptica", um círculo oblíquo ao primeiro movimento e em sentido oposto. Assim, seu estudo leva ao entendimento do pensamento científico da antiguidade.

Discussão A ontologia de Platão diz que algo é na medida em que participa da idéia desse objeto. O problema que Platão propõe-se a resolver é a tensão entre Heráclito e Parmênides: para o primeiro, o ser é a mudança, onde tudo está em constante movimento, sendo o repouso uma ilusão. Para o segundo, o movimento é que é uma ilusão, pois algo que é não pode deixar de ser e algo que não é não pode ser, não havendo mudança. Platão resolve esse problema com sua Teoria das Idéias. O que há de permanente em um objeto é a idéia, a participação desse objeto no seu ideal correspondente. E a mudança ocorre porque esse objeto não é uma Idéia, mas uma incompleta representação da Idéia desse objeto. No exemplo de uma árvore, o que faz com que ela seja ela mesma e não outra coisa (a despeito de sua diferença daquilo que era quando mais jovem e de outras árvores de outras espécies) é sua participação na Idéia de Árvore; e sua mudança deve-se ao fato de ser uma pálida representação da Idéia de Árvore. No Timeu Platão juntou os conhecimentos da sua Academia relativamente à natureza. O Deus Supremo do Timeu parece ser distinto do mundo inteligível das Idéias que servem de modelo para a formação do mundo sensível. Na República, opostamente, a idéia do Bem é a origem não só de todo o conhecimento, mas também de toda a existência1. 1 Platão. Os Pensadores, p. 20.

SIMETRIA: A hierarquização dos conceitos em Platão segue a simetria conceitual: as Idéias são classificadas a partir do mais genérico (unitário), aumentado-se o grupo de simetria para dois conceitos (o binário), depois três, etc. Estes números, porém, não devem ser interpretados unicamente como números naturais, mas como classes de simetria. A natureza não conhece, no seu natural, objetos desestruturados ou sem uma ordenação interna que não possibilite uma ligação com outros ou consigo mesmo (seus iguais), o que tornaria tal elemento não identificável. A igualdade entre tais elementos e mesmo a sua simetria pode ser de variados graus, formando sistemas mais ou menos complexos. No caso é a alma do mundo a entidade consciente que estabelece uma continuidade entre todos os elementos desse mundo, devendo ter a forma que engloba todas as formas possíveis: a esfera. Da esfera podemos inferir a simetria entre dois lados de algo que foi criado2. Usando a simetria pode-se obter qualquer outra forma possível, pois as formas harmoniosas do espaço (logo, simétricas) são classes de simetria.

OS SÓLIDOS PLATÔNICOS: Assim, os grupos de simetria cúbica englobam os assim chamados sólidos platônicos, os mais simples dos sólidos regulares da geometria euclidiana no espaço. Mas, apenas os poliedros regulares podem ser chamados de platônicos, e não qualquer figura do grupo cúbico. A cada um dos cinco sólidos associou um elemento da natureza como grandes categorias qualitativas dos antigos. Estes sólidos foram adquirindo, ao longo dos tempos, diversos significados. Por exemplo, Kepler sentia uma grande admiração por eles e chegou mesmo a tentar explicar os movimentos planetários a partir dos mesmos. Interpretou-os com as associações de Platão da seguinte forma3:

Figura 1. A relação com os elementos.

(Timeu, 55-56, p. 122-127)

2 Platão. Timeu, p. 84. 3 VLASTOS, G. p. 67.

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Conclusões Com relação particular à constituição da matéria, Platão tomou os quatro elementos de Empédocles e os identificou com quatro sólidos regulares: fogo = tetraedro; ar = octaedro; água = icosaedro (20 faces); terra = cubo; e o quinto sólido regular, o dodecaedro (12 faces), oposto ao nada, mas que mantinha uma relação ao cosmos com seus pentágonos identificados a um quinto elemento. Como tais sólidos podem ser construídos a partir de unidades mais básicas (assim como as faces podem ser construídas de triângulos), Platão sugeriu explicações para algumas transformações na natureza. Por exemplo, a água se transforma em vapor porque o icosaedro da água se transformaria em dois octaedros de ar e um tetraedro de fogo. Platão, desta maneira, deu um passo a mais no atomismo antigo, introduzindo uma descrição geométrica precisa dos átomos, e descrevendo as mudanças por meio de uma geometrização. Pensamos que tal idéia seja muito importante, pois levou a um maior desenvolvimento do estudo e sistematização do pensamento científico ocidental, originante das ciências atuais, em especial a Física e mesmo a Astronomia, como em relação a Kepler. As idéias sobre simetria surgiram no mundo antigo também em relação ao estudo da harmonia do mundo. Modernamente, a teoria de simetria surgiu apenas depois do desenvolvimento da Teoria dos Grupos na Álgebra. Dizemos que um objeto é simétrico se consiste de partes iguais física e geometricamente, apropriadamente dispostas, umas em ralação às outras. Um exemplo físico da simetria na natureza são os cristais e seu ramo de estudo (cristalografia), que se arrumam seguindo as mesmas arrumações em suas moléculas. Modelos topológicos do universo, assim como possivelmente o caso das lentes gravitacionais, poderiam descrever outros exemplos de uma simetria em larga escala. Logo, a generalidade essencial da categoria das estruturas, surgindo como um aspecto invariante de um sistema, fornecem a possibilidade de distinguir partes equivalentes no todo (estabelecendo-se critérios de igualdade relativa de certas características em dois ou mais objetos diferentes), que torna o conceito de simetria tão importante para a ciência como para a arte. ________________ Platão. Timeu e Crítias ou A Atlântida. São Paulo: Ed. Hemus, 1990. ________. Os Pensadores. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1996. VLASTOS, G.. O universo de Platão. Brasília: UnB, 1987. PLATÃO. Diálogos: Timeu. Portugal: Ed. Europa-América, 1969. DUHEM, Pierre. Le Système du Monde: Histoire des doctrines cosmologiques de Platon à Copernic. 1-2 vols. Paris, 1959. ERICKSON, G. W. & FOSSA, J. A.. Número e Razão – Os fundamentos matemáticos da metafísica platônica. Natal: EDUFRN, 2005. REALE, G.. História da Filosofia Antiga. São Paulo: Loyola, 1993. ROGUE, C.. Compreender Platão. Petrópolis: Vozes, 2002.

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AS ORIGENS DO ENSINO SUPERIOR DE MATEMÁTICA E ENGENHARIA NO BRASIL A PARTIR DAS ESCOLAS MILITARES.

Romero de Albuquerque Maranhão. (PG)

Rua Maria Maia, nº 170 – Madureira/RJ. [email protected] Palavras Chave: História, Matemática, Engenharia.

Introdução Alguns autores focalizam as origens do ensino superior formal de matemática e engenharia com a fundação da Academia Real Militar, em 1810, porém, desde 1808, com a chegada da família real, dar-se o início as aulas de matemática no Brasil, por intermédio da Academia dos Guardas-Marinhas (atual Escola Naval), sediada no Mosteiro de São Bento-RJ. Desta forma, buscar-se-á com este trabalho apresentar a gênese do ensino superior de matemática e engenharia no Brasil, a partir da pesquisa exploratória em fontes primárias e secundárias, visando contribuir com a história das ciências exatas no Brasil.

Resultados e Discussão A vinda da família real para o Brasil era a única hipótese de preservar a Coroa e o próprio Reino de Portugal das ambições napoleônicas, fato que levou ao planejamento da movimentação com antecedência. Assim, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Dantas Pereira toma as medidas necessárias para que a Academia dos Guardas-Marinhas seja transferida na sua totalidade – alunos, lentes e parte do material escolar, incluindo a respectiva Biblioteca - tendo embarcado na nau “Conde D. Henrique” que larga do Tejo a 29 de Novembro de 1807, integrada numa frota de 36 velas escoltada por seis naus inglesas. De salientar que o Diretor da Academia dos Guardas-Marinhas além de ter providenciado o embarque de material didático e instrumental da Academia também conseguiu que fosse recolhido a bordo parte do acervo pertencente ao Observatório da Marinha e ao da Sociedade Real Marítima (Bittencourt, 2008; Revista da Armada, 2007; Martins, 2002). Em 17 de Janeiro de 1808, a nau “Conde D. Henrique” chega no Rio de Janeiro e Dantas Pereira procura na cidade de um local com infra-estrutura para a Academia. Este objetivo é conseguido com brevidade, conforme Aviso de 5 de Maio desse ano cujo texto se transcreve: “Tendo assomado a fatal epocha em que o Reino de Portugal foi envolvido na geral catastrophe que tinha soffrido quasi toda a Europa, o Comandante então da Companhia dos Guardas-Marinhas José Maria Dantas Pereira acompanhando a Côrte, foi por Aviso d’esta data estabelecer no Rio de Janeiro esta Academia no Hospício do Mosteiro de S. Bento, servindo-se dos

instrumentos, livros, modelos, machinas, cartas e planos com os quaes estava montada esta Academia em Lisboa. Igualmente por Aviso de 25 de Fevreiro do ano seguinte é determinado que a Academia principie a actividade e exercícios no Rio de Janeiro” (Revista da Armada, 2007). Foi notável a ação de Dantas Pereira durante os doze anos que permaneceu no Brasil. Logo em 1808 apresenta uns “Apontamentos concernentes à regulação de huma nova Academia destinada ao ensino das Mathemáticas em geral e das Artes e Sciencias Náuticas em particular, vindo portanto a equivaler em certo modo às Reais Academias de Marinha e dos Guardas-Marinhas estabelecidas na cidade de Lisboa e à Faculdade de Mathemática da Universidade de Coimbra”. Este documento, que foi redigido no Quartel da Rua do Ourives no Rio de Janeiro é datado de 9 de Junho de 1808 (Revista da Armada, 2007). Os cursos começaram em fevereiro de 1809, um ano após a chegada da corte portuguesa. Na Academia de Guardas-Marinhas ensinava-se Matemática, Física, Artilharia, Navegação e Desenho. Para o ingresso na Escola “exigia-se apenas regras de aritmética e versão da língua francesa” (Moacyr, 1936). O plano de estudos da Academia era composto das seguintes matérias: 1º ano: Aritmética, Geometria, Trigonometria a aparelho. 2º ano: Princípios de Álgebra até equações do 2ºgrau, inclusive; primeiras aplicações delas à aritmética; Geometria (Seções cônicas); mecânica com aplicação imediata ao aparelho à manobra; desenho de marinha e rudimentos sobre construção dos navios. 3º ano: Trigonometria esférica; navegação teórica e prática; instrumentos de tática naval; continuação de desenho; rudimentos de artilharia e exercícios de fogo; tática militar e artilharia prática (Moacyr, 1936). Os livros utilizados no curso da Academia de Guardas-Marinhas, oriundos de Portugal, eram os de Bezout, dentre eles a tradução de Elementos de Arithmetica, Elementos de Analyse Mathematica e Elementos de Trigonometria Plana, traduzido do francês. Além das traduções de Tratado de Mechanica, escrito por Mr. Marie e Tratado de Hydrodynamica por Mr. Bossut. Henriques (2004), enfatiza que Custódio Gomes Villas Boas, professor da Academia, traduziu em 1796 o Curso de Mathematica, escripto para uso dos Guardas bandeiras e Guardas marinhas: elementos de Geometria,Trigonometria Rectilínea e spherica.

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Como o livro Princípios Mathematicos de Anastácio da Cunha, não era facilmente assimilável para o ensino elementar, mantiveram-se como manuais livros franceses. Nogueira da Gama traduziu a obra de Lagrange Theoria das funcções analyticas que contem os principios do calculo differencial e também a de Carnot - Reflexões sobre a methaphysica do calculo infinitesimal (Henriques, 2004). A Academia Real Militar, criada dois anos depois da Academia dos Guardas-Marinhas foi instituída por meio da Carta de Lei de 4 de dezembro de 1810 em substituição a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho. Tinha em seus objetivos não somente a formação de oficiais para as artes bélicas, mas também de outros profissionais:

[...] faço saber que a todos que esta carta virem, [...] que se estabeleça no Brasil e na minha atual Corte e Cidade do Rio de Janeiro, um curso regular das Ciências exatas e de observação, assim como de todas aquelas que são aplicações das mesmas aos estudos militares e práticos que formam a ciência militar em todos os seus difíceis e interessantes ramos, de maneira que dos mesmos cursos de estudos se formem hábeis oficiais de Artilharia, Engenharia e ainda mesmo Oficiais de classe de Engenheiros geógrafos e topógrafos, que possam também ter o útil emprego de dirigir objetos administrativos de minas, de caminhos, portos, canais, pontes, fontes e calçadas: hei por bem que na minha atual Corte e Cidade do Rio de Janeiro se estabeleça uma Academia Real Militar para um curso completo de ciências matemáticas, de ciências de observações, quais a física, química, mineralogia, metalurgia e história natural que compreenderá o reino vegetal e animal, e das ciências militares em toda a sua extensão, tanto de tática como de fortificação e artilharia [...] Carta de Lei de 4 de dezembro de 1810 criando a Academia Militar (apud Moacyr,1936)

Para Silva (2003) a criação da Academia Militar “representou um importante avanço para o Brasil, pois, por meio dela, houve a possibilidade institucional de ser ministrado no país o ensino da ciência e da técnica”. Como o curso não era exclusivo aos militares, a Academia Militar se converte no embrião do ensino da Engenharia Civil no Brasil. Além disso, foi a Academia Real Militar o núcleo formador dos primeiros urbanistas do país, como o visconde de Beaurepaire Rohan, autor do primeiro Plano Diretor para a cidade do Rio de Janeiro (Cavalcanti, 2004).

O curso da Academia Real Militar era formado por 7 anos, sendo que os quatro primeiros anos constituíam o chamado Curso Matemático. Somente para a formação de artilheiros e engenheiros era exigido o curso completo (Silva, 2003). Os cursos se iniciaram em 1811 com as seguintes disciplinas: 1º ano: Aritmética, álgebra, Geometria, Trigonometria, Desenho. 2º ano: Álgebra, Geometria, Geometria Analítica, Cálculo Diferencial e Integral, Geometria Descritiva, Desenho. 3º ano: Mecânica, Balística, Desenho. 4º ano: Trigonometria Esférica, Física, Astronomia, Geodésica, Geografia Geral, Desenho (Silva, 2003). Com a organização da Academia Real Militar, por Carta Régia de 1810, houve a recomendação para a utilização do livro de Trigonometria Esférica, de Legendre e dos livros de Álgebra e Cálculo Diferencial e Integral, de Lacroix, que passaram a ser os autores adotados; além das obras de Euler e Bezout. Os Elementos de Geometria, por A. M. Legendre, traduzidos por Manuel Ferreira de Araújo Guimarães foi usado somente pelos cursos da Academia Real Militar. Bezout continuou a ser usado na Academia Real dos Guardas-Marinhas e mais tarde, na Geometria, foi substituído por Villela Barbosa (HENRIQUES, 2004). Ainda de acordo com as determinações da Carta Régia de 1810, foram traduzidos para uso da Real Academia Militar, por Silva Torres, o Tratado Elementar de Arithmetica, escrito por Lacroix; e o Tratado Elementar da Applicação da Algebra á Geometria por Lacroix. Como observa Valente (1999) “será das Academias Real Militar e dos Guardas-Marinha que virão professores e livros didáticos de Matemática para o ensino nos preparatórios e liceus provinciais”. Alguns dos professores citados por Silva (2003) que teriam composto o primeiro corpo docente do Curso Matemático são: Francisco Cordeiro da Silva Torres e Alvim (1775-1856); Antônio José do Amaral (1782-1840); José Saturnino da Costa Pereira (1773-1852); José Victorino dos Santos e Souza (1780-1852) e Manoel Ferreira de Araújo Guimarães (1777-1838). Uma outra observação interessante feita por Valente (1999) é que enquanto a Academia Real Militar se transforma num curso superior, a Academia da Marinha ia se configurando num curso de nível secundário. De qualquer forma são nos cursos destinados ao ensino técnico e militar que vão se estabelecendo os elementos para a definição de uma Matemática escolar que será utilizada nos séculos seguintes. Todo o menu de conteúdos de matemática elementar fica já definido. Estão constituídos os temas que poderão ser ensinados aos alunos que já passaram pela escola primária, que sabem as quatro operações fundamentais da Aritmética. Os conteúdos da Matemática secundária ficam

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definidos, quer seja pela Academia Real Militar, por meio da Matemática elementar necessária ao aprendizado da Matemática superior, quer seja pela Academia Real dos Guardas-Marinha, pela necessidade de formação de profissionais do mar (Valente, 1999). A Academia Militar passou por diversas reformas, transformações e regulamentos. Após a Independência do Brasil, passou a denominar-se Academia Imperial Militar. Dez anos mais tarde, em 1832, um decreto declarou extinta a Academia Imperial Militar e instituiu a Academia Militar e de Marinha do Brasil (Silva, 2003). A Academia Real Militar era responsável pelo ensino das ciências exatas e engenharia em geral. Formava não só “oficiais para as armas”, mas também “engenheiros geógrafos e topógrafos com a finalidade de conduzir estudos e elaborar trabalhos em minas, caminhos, portos, canais, pontes, fontes e calçadas”(Instituto Militar de Engenharia, 1999) Nesta época, de acordo com Kawamura (1981), a formação e o trabalho estavam estritamente ligados à “arte militar”, a tecnologia interessava apenas enquanto meio de segurança e repressão. De acordo com o Instituto Militar de Engenharia (1999) e Bazzo e Pereira (1997) seu nome mudou quatro vezes: Imperial Academia Militar (1822), Academia Militar da Corte (1832), Escola Militar (1840) e Escola Central (1859). Sendo que a partir de outubro de 1823, um decreto permitiu a matrícula de alunos civis, que não eram mais obrigados a pertencer ao Exército. Em 1º de março de 1858, o Ministro de Guerra, Jerônimo Coelho assinou o Decreto nº 2.116. Através deste criou-se a Escola Central do Exército, que recebeu o encargo de ministrar um curso de Engenharia Civil, inexistente em nosso País. Com estas modificações, o ensino militar ficou a cargo da Escola de Aplicação do Exército, agora denominada escola Militar e de Aplicação de Exército, e da Escola Militar do Rio Grande do Sul. (Brasil, 1973) O Decreto Imperial no 5.600, de 25 de abril de 1874, deu um novo estatuto à Escola Central, transformando-a em Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Uma escola exclusiva para o Ensino das Engenharias e subordinadas a um Ministro Civil. O Ensino de Engenharia desvincula-se definitivamente de sua origem militar (Telles, 1994; Silva, 2003). De acordo com Telles (1994), antes da exclusividade para o Ensino de Engenharia Escola Politécnica do Rio de Janeiro, havia outras duas instituições que já se dedicavam a este propósito. A Lei Provincial no 10, de março de 1835, criou o Gabinete Topográfico, com a finalidade de formar topógrafos, engenheiros de estradas e medidores de terras. Porém, seu funcionamento foi suspenso em 1838, reestabelecido em 1840, e definitivamente encerrado em 1850. Outra Escola foi o Imperial Instituto de Agronomia, Bahia, esta formava

engenheiros agrônomos e regentes rurais, a instituição foi extinta no final do século XIX. No Segundo Império criou-se, também, a Escola de Minas de Ouro Preto, em 12 de outubro de 1876. Posteriormente, ainda no século XIX outras cinco Escolas de Engenharia foram implantadas: a Politécnica de São Paulo em 1893; a Politénica do Mackenzie College e a Escola de Engenharia do Recife em 1896; a Politécnica da Bahia e a Escola de Engenharia de Porto Alegre em 1897 (Telles, 1994; Bazzo e Pereira, 1997). A reestruturação e ampliação do ensino superior no Brasil proporcionada por D. João VI a partir de 1808 fizeram com que os estudos de Matemática, Física, Engenharia e outras Ciências se deslocassem dos cursos controlados pela Igreja para os cursos médicos e militares (Cunha, 1980). Inicialmente limitado ao Rio de Janeiro e depois estendido a outras regiões do país, as escolas de Engenharia constituíram-se nos únicos espaços onde se ensinou Matemática superior até 1933 (Castro, 1999).

Conclusões O trabalho foi desenvolvido para contextualizar o início do ensino superior em matemática e engenharia no Brasil, durante o período do Império, enfatizando sua gênese a partir da Academia de Guardas-Marinhas, em 1808, logo após a chegada da família real. Além disso, aponta a importância da história na compreensão das mudanças sofridas ao longo dos anos para o ensino das ciências exatas, em especial matemática e engenharia.

Agradecimentos Agradeço aos Amigos da Marinha pelas valiosas contribuições e referências, sem os quais o texto não teria o mesmo sentido. ____________________ Bazzo, W. A. e Pereira, L. T. V. Introdução à engenharia. 5. ed. Florianópolis: UFSC, 1997. Bittencourt, A.S. Da Marinha de Portugal forma-se uma Marinha para o Brasil, 1807 a 1823. Disponível em <http://www.casadatorre.org.br/ FORMA-SE_A_MARINHA_DO_BRA SIL.pdf>. Acesso em 05 de julho de 2008. Brasil. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Secretária-Geral do Exército. Centro de Documentação do Exército. Brigadeiro Jerônimo Coelho (Contribuição ao bicentenário de seu nascimento). 1973. Disponível em: <www.cdocex.eb.mil.br/arquivosDocs/Brig_ Jeronimo_Coelho.doc>. Acesso em 12 junho de 2008. Cardoso, T.M.R.F.L. As luzes da Educação: fundamentos, raízes históricas e prática das aulas régias no Rio de Janeiro (1759-1834). Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2002.

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Castro, F. M. O. A Matemática no Brasil. 2. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1999. Cavalcanti, N. O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. Cunha, L. A. . A Universidade temporã: o ensino superior da Colônia à Era de Vargas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; UFC, 1980. Henriques, H.C. Os livros de Matemática durante a monarquia: um breve roteiro. 2004. Disponível em <http://www.spce.org.pt/ sem/13.pdf>. Acesso em 05 de junho de 2008. Instituto Militar de Engenharia. Da Real Academia Militar de Artilharia, Fortificação e Desenho ao Instituto Militar de Engenharia. 1999. Disponível em: <http://aquarius.ime.eb.br/~sd1/pagina/historico%20de%20pg/historico%20pg.htm>. Aces- so em: 05 junho de 2008. Kawamura, L. K. Engenheiro: trabalho e ideologia. 2. ed. São Paulo: Ática, n. 57, 1981 (Ensaios). Martins, A.C.P. Ensino Superior no Brasil: da descoberta aos dias atuais. Acta Cirúrgica Brasileira - Vol 17 (Suplemento 3), 2002. Disponível em <http://www.scielo.br/ pdf/acb/v17s3/15255.pdf>. Acesso em 05 de junho de 2008. Moacyr, P. A instrução e o Império: subsídios para a história da educação no Brasil. v. I (1823-1853). São Paulo: Nacional, 1936. Revista da Armada. José Maria Dantas Pereira – O primeiro director da Academia Real dos Guardas-Marinhas no Rio de Janeiro. Lisboa, Portugal. Ano XXXVII, nº 413, nov 2007. Silva, C. P. A Matemática no Brasil: uma história do seu desenvolvimento. 3. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2003. Telles, P. C. S. História da Engenharia no Brasil. Séculos XVI e XIX. 2. ed. Rio de Janeiro: Clavero, v. 1, 1994. Valente, W. R. Uma História da Matemática Escolar no Brasil (1730-1930). São Paulo: Annablume/Fapesp, 1999.

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Importância da restauração dos documentos escritos com tinta ferrogálica nos estudos de memória de ciência.

Alexandre Vilela Oliveira de Souza.

Aluno de Mestrado do Programa de Pós graduação em Química Analítica na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Bolsista de desenvolvimento tecnológico do CNPq no Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST)

[email protected] Palavras Chave: tinta ferrogálica, restauração de documentos históricos-

Introdução A tinta ferrogálica é considerada a tinta de escrita mais usada na história ocidental desde o Império Romano. Estudiosos em todas as áreas da ciência a utilizaram em suas anotações pessoais e em documentos oficiais. Entretanto devido a um excesso de ferro encontrado em sua composição, na maioria das receitas históricas, esta tinta degrada o papel levando a destruição dos documentos.

O presente trabalho busca expor a pesquisa realizada no Laboratório de Conservação e Restauração de Papel, que atualmente é parte integrante da Coordenação de Documentação em História da Ciência – Museu de Astronomia e Ciências a Afins.

Discussão A degradação causada pela tinta ferrogálica

é um problema bastante sério, que abrange boa parte dos acervos científicos de manuscritos. Grandes centros de pesquisa no mundo, como, na França, o Centre de Recherche sur la Conservation des Collections (CRCC), e na Holanda, o Netherlands Institute for Cultural Heritage (ICN), se dedicam hoje a entender melhor esse processo, assim como desenvolver tratamentos mais duradouros que tenham menos efeitos colaterais que os atuais. Muitos acervos documentais de grande relevância histórica não se encontram disponíveis devido estagio elevado de degradação. A pesquisa de métodos e técnicas de recuperação e preservação, nestas condições, tornaria possível uma renovação e abertura de horizontes de pesquisa e produção historiográfica.

Esse tipo de tinta usa o sulfeto ferroso como fonte de Fé+2 e o ácido tânico como fonte de tanino. Um grande número de evidências apontam principalmente duas razões para a degradação. O excesso de ferro usado nas receitas e o meio ácido proveniente da reação de formação do pigmento. Esses dois componentes são essenciais para o sistema de Fenton, que é responsável pela oxidação catalisada pelos íons de ferro(1).

Nos primeiros estágios da degradação é difícil diferenciar a tinta ferrogálica de outras tintas marrons tais como a sépia. Por essa razão foi desenvolvido pelo ICN um método para classificar a corrosão pela tinta, em 4 estágios, que dependem do grau de degradação do suporte e do nível de penetração da tinta da celulose(2).

Os tratamentos usados atualmente para degradação da tinta, podem ser classificados em dois tipos. Os de desacidificação, que elevam o pH da tinta interrompendo temporariamente o processo; e o tratamento de complexação que impede a participação do Fé+2 no sistema reacional(3).

Dessa maneira o uso desses tratamentos prolonga a utilização do manuscrito, possibilitando um maior acesso das fontes.

Conclusões Como a reação de degradação da tinta

ferrogálica com a celulose leva mais ou menos tempo a degradação do suporte. O tratamento de manuscritos com tinta ferrogálica é uma opção que conjuga a preservação com a possibilidade de acesso ao documento nos acervos ciêntíficos.

Por outro lado, o desenvolvimento de estudos na área da preservação documental nos lança num exercício multidisciplinar, agregando conhecimentos de várias áreas num objetivo comum.

O estudo da tinta ferrogálica ascende como um soma de esforços não apenas pela reversão de uma reação agressiva ao documento, mas como também, um exemplo de como o estudo dos elementos químicos podem levar a renovação de temas e objetos de pesquisas históricas ______________ 1 Neveel, Hans The behaviour of iron and sulphuric acid during iron-gall ink corrosion ICOM Committee for Conservation ICOM Committe for conservation pp 485-490 1999 2 Reissland, Birgit Condition rating for paper objects with iron-gall ink : ICN-informatie nr. 1 Instituut Collectie Nederland (ICN) Amsterdam 2000 3 Neveel, Hans The Development of a New Conservation Treatment for Ink Corrosion, Based on the Natural Anti-oxidant Phytate Restaurator 16, 143-160, 1995.

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“ENGENHOCAS DA CADEIA”: Humanos, quase humanos, coisas e quase coisas ensinando com e sobre o espaço prisional.

Mário Miranda Neto1* (PG, PQ, FM), Ricardo Kubrusly2 (PQ), Clélio Ramos3 (ES)

1- HCTE-UFRJ, NUFEP-UFF, C.E. Analeto de Medeiros

2- HCTE-UFRJ 3- Bolsista Jovens Talentos CECIERJ-FAPERJ no

NUFEP-UFF, C. E. Anacleto de Medeiros [email protected] etnografia, etnomatemática, sistema prisional, conhecimento científico, conhecimento escolar.

Introdução Este trabaho é fruto de discussões

interdisciplinares travadas no âmbito do HCTE-UFRJ. Articula Filosofia, Matemática e Antropologia primordialmente. Tais discussões oportunizaram a constituição de um projeto que obteve apoio da FAPERJ via edital específico, além de aproveitar esforço de bolsistas Jovens Talentos vinculados ao NUFEP-UFF e alunos do C. E. Anacleto de Medeiros que funciona dentro do presídio Evaristo de Moraes.

Resultados e Discussão É conhecida a superlotação e a carência no que tange a uma série de suprimentos das instituições penais brasileiras. Também por isso uma série de artefatos denominados engenhocas são criados no espaço prisional. Alguns são de domínio público na “sociedade dos cativos”, enquanto de outros ainda é possível encontrar os atores que os desenvolveram. A partir de uma perspectiva etnográfica levantou-se uma série de “engenhocas” que propiciam uma discussão, sob o ponto de vista filosófico, da relação homem-máquina. Não obstante, a descrição dos processos de construção das “engenhocas” tem apontado questões relevantes no que tange a popularização do saber dito científico, à percepção de uma “matemática intuitiva” e a distância disto em relação ao saber escolar, que se guarda peculiaridades, perde riqueza ao transmutar estas peculiaridades em especificidades distanciadoras da ciência e do cotidiano. As “engenhocas” dialogam facilemente com várias disciplinas, notamente a Física e a Química. O

esforço por compreender se há alguma etnomatemática na constituição delas também se mostra relevante para apontar questões com relação a natualização de determinada matemática como linguagem destas disciplinas. Tratar as engenhocas como simples objetos ou artefatos sociotécnicos (Latour) é uma outra questão com a qual o trabalho esbarra. Faz-se aqui o esforço por priorizar a signifcação nativa, ou seja, dos presos. Seja como for, as engenhocas também são relevantes para uma interpretação das diversas relações socias existentes num presídio, sejam elas específicas deste espaço ou tendo o presídio apenas como mais um cenário onde se apresentam.

Figura 1. Exemplo de Engenhoca–Instalação Elétrica.

Figura 2. Exemplo de Engenhoca –Colher.

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 1

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Conclusões Há um saber específico da “sociedade dos cativos”. Este saber se aproveita dos conheciemntos formalizados na escola e na academia. Todavia estes saberes são mediados, pelo perceptível no espaço prisional, primordialmente pelo trabalho. Determinadas ocupações inculcam procedimentos e tecnologias que trazidas por uma pessoa para o espaço prisional rapidamente se alastram. Este processo de transmissão de saber parece ser negligenciado pela academia e mesmo pelos espaços escolares que muitas vezes se colocam como concorrentes e acabam por desprezar conhecimentos construídos ou desenvolvidos fora de suas amarras e gramáticas. As engenhocas enquanto materializadoras de um saber específico são vistas como coisas. Apenas um tipo de engenhoca possui significação cambiante entre humano e não humano. Tentativa e erro é um método comum na obtenção das engenhocas a partir dos referênciais disponíveis mediados pelo trabalho, apesar das iniciativas interessantes da escola localizada no espaço prisional em contextualizar seus conteúdos e apontar aplicação cotidiana nos seus ensinamentos. Aulas que se utilizam desta metodologia são destacadas pelos alunos. Siginificativo disto é a lembrança das aulas de fração onde os alunos ao mesmo tempo aprendem a fazer pão. O esforço do campo educacional em se constituir como saber legítimo o tem colocado distante ao mesmo tempo da ciência e do cotidiano, garantindo para si apenas uma legitimidade formal, naturalizando-se a escola somente como lugar de socialização e certificação e não como local de encontro de saberes. Parece tender ao infinito as possibilidades de aproveitamento de materias e resignificação de objetos. Ao mesmo tempo que proibições e interdições ocorrem permanece o movimento por suprir as demandas dos homens encarceirados empreendido por eles mesmos a partir dos recursos que possuem.

Agradecimentos Este trabalho não poderia ser realizado sem o apoio: Profissionais do C. E. Anacleto de Medeiros Direção e Equipe do Presídio Evaristo de Moraes CECIERJ e FAPERJ através do programa Jovens Talentos. NUFEP – UFF

Decania CCMN – UFRJ Um agradeceminto especial para: Sândalo Jorge, Luiz Carlos Verta Dias, Sônia Macedo, Alan, Wanda, Therezinha Tosta, Robson Simone, Bruno César Cruz, Sidnei, Jorge Belizário. ____________________

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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Museu itinerante de história da química - Abordagem do tema “SABÃO”

Juliana Mesquita Contarini* (ES), Walter Ruggeri Waldman (PQ)

* [email protected]

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), LCQUI/CCT, Av. Alberto Lamego, 2000, Campos dos Goytacazes/RJ, CEP 28013-600 Palavras Chave: Museu, sabão, popularização da ciência

Introdução Resultados recentes de avaliação internacional

da qualidade do ensino de ciências a jovens de 15 anos realizados pelo PISA (Programme for International Student Assessment) colocaram o Brasil nas últimas posições em comparação com vários países de situação econômica mais privilegiada, como era esperado. Porém a comparação com países da mesma região com situação econômica semelhante, como Argentina, Uruguai e Chile 1, são a evidência de que a situação do ensino no Brasil carece de melhorias.

Na opinião dos autores deste projeto o resultado apresentado no PISA guarda relação direta com a falta de interesse por este assunto somada às dificuldades de acesso da população ao tema “ciências”, como demonstrado em pesquisa nacional promovida pelo MCT em 2007, envolvendo a Academia Brasileira de Ciências, o Museu da Vida/FIOCRUZ, a FAPESP e o Labjor (UNICAMP) 2. Nesta pesquisa apurou-se que, dos entrevistados, 58% têm pouco ou nenhum interesse em ciência e tecnologia e 73% se informa pouco ou nada sobre ciência e tecnologia. O principal motivo alegado pelos entrevistados nos dois casos foi não entender sobre o assunto (respectivamente 37% e 32%). Na mesma pesquisa apenas 4% dos entrevistados visitaram um museu de ciência no último ano e dos 96% que não visitaram museus de ciência, 47% alegaram problemas de localização dos museus para não visitar, a saber: 35% alegaram não haver museus de ciência na sua região e 12% alegaram que os museus ficam muito longe.

Outro fator importante para a configuração do quadro atual de falta de interesse a respeito de ciência e tecnologia é a idéia no imaginário popular de que a ciência traz problemas para a humanidade, significativa inclusive entre os que possuem curso superior completo (Figura 1).

Figura 1. Distribuição relativa das respostas à

pergunta “Muitas pessoas acham que o desenvolvimento da ciência traz problemas para a humanidade. Você acha que isso é verdade?”, por nível de escolaridade 3.

Museus e centros de ciências passaram

historicamente por uma alteração na sua função social, de um lugar de produção científica 4, para um lugar de representação da ciência e enfim para um ambiente de mediação entre a sociedade e a produção científica 5. Hoje um centro ou museu de ciências tem como função construir um ambiente de encontro entre o desenvolvimento científico e as instâncias sociais e de exposição das realizações científicas e suas implicações para a sociedade. Alguns autores tem destacado como a visita a espaços de ciência é valiosa no ensino de ciências e na percepção do mundo, como pode ser percebido no seguinte texto: “os Museus de ciência e tecnologia servem para que os visitantes, após a visita, olhem para o mundo de maneira diferente, vejam coisas que nunca viram e, eventualmente, façam coisas que nunca fizeram porque achavam que não eram capazes. Este é o âmbito dos Centros e Museus de Ciência: a sensibilização para a cultura científica, a remoção de eventuais bloqueios “anti-científicos” e o estímulo das atitudes e dos processos da ciência, em particular a curiosidade e o espírito crítico.” 10

O Museu Itinerante de História da Química foi criado como atividade de extensão para tentar contribuir na reversão deste quadro na região norte-fluminense no tocante ao ensino de química. Complementar ao quadro apresentado acima, no tocante à percepção pública de ciência, outros dois fatores guiaram a implementação deste projeto:

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

1. A preocupante defasagem na qualificação dos professores de química do ensino médio, principalmente aqueles sem formação específica, resultado da notória falta de professores de química no ensino médio6. Esta defasagem somada à pouca utilização da história da ciência no ensino de ciências, um instrumento poderoso para este fim 7,8, motivou a criação de cursos de aperfeiçoamento docente a partir da abordagem histórica dos conceitos estudados no ensino médio. A atuação do Museu Itinerante de História da Química será criar um espaço para cursos de aperfeiçoamento gratuitos, que estão sendo planejados e implementados junto à Coordenadoria Regional de Ensino do Norte Fluminense I. A primeira edição deste curso será nos dias 4 e 5 de agosto de 2008 com professores de química das três cidades da regional norte fluminense, com e sem formação específica em química. Neste curso serão abordados dois temas, o conceito de quantidade de matéria e o de padrões de pressão e temperatura. Quantidade de matéria será apresentada desde a hipótese de Avogadro até as modernas técnicas de análise para a determinação do número de Avogadro, passando pelo acordo entre químicos e físicos para se determinar que o carbono sucederia o oxigênio como padrão para a determinação da unidade de massa atômica. Em padrões de pressão e temperatura mostraremos a história para se chegar a um acordo na determinação de temperaturas e pressão padrão e normais desde a época em que não havia termômetros confiáveis, mostrando os mais estranhos e exóticos termômetros e escalas de temperatura, até as recentes alterações nos valores da CNTP.

2. Museus de ciências com abordagem química tem alguns problemas que evitam sua ampla utilização, como custo de concepção e manutenção dos módulos, segurança e gestão dos resíduos.9 O Museu Itinerante de História da Química tem atualmente quatro bolsistas trabalhando a adaptação de experimentos clássicos na história da ciência e da tecnologia para garantir sua fácil execução com reagentes de fácil aquisição.

O museu atualmente trabalha quatro temas que tem em comum a presença no cotidiano do aluno, a possibilidade de abordagem de conceitos científicos presentes no ensino médio e a transformação histórica do momento de sua concepção até a contemporaneidade. Os quatro temas serão apresentados no Scientiarum Historia em outros painéis. Os temas são:

- Vela: Reprodução dos experimentos constantes do livro “A história química de uma vela” de Michel Faraday, evolução da matéria-prima do sebo para a parafina e confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos,

- Cerveja: Experimentos baseados na história da cerveja e confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos,

- Sabão: Experimentos baseados na história do sabão. Preparação do sabão a partir de cinzas, soda e desenvolvimento de experimentos atraentes envolvendo ação de surfactantes. Confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos.

- Conservação de alimentos: Técnicas de conservação de alimentos anteriores ao uso da geladeira. Desenvolvimento de experimentos com especiarias, salga e defumação de fácil execução e confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos.

Neste trabalho será desenvolvido o trabalho relacionado ao tema sabão.

Sabão

Resultados e Discussão A abordagem do tema sabão nas atividades do

Museu Itinerante de História da Química envolve duas linhas de trabalho:

1. a produção de textos de divulgação científica abordando o tema para desmistificar a ciência envolvida no tema

2. o desenvolvimento de experimentos de fácil execução com reagentes de fácil aquisição para a exemplificação dos mesmos conceitos.

Textos de divulgação científica Os textos desenvolvidos envolvem a linha

histórica da evolução do sabão, desde a sua concepção até os dias de hoje. Os assuntos abordados no texto, referentes ao histórico da técnica e dos conceitos científicos necessários à sua compreensão, são os seguintes:

- Hipóteses do surgimento do sabão que são relacionadas a sacrifícios de animais onde a gordura que não queimava se misturava aquecida às cinzas da fogueira formando o sabão. Nos locais onde havia formação de sabão, a limpeza após os sacrifícios era facilitada. Esta observação levou às formulações iniciais do sabão.

- O desenvolvimento da indústria da potassa no Brasil baseada nas cinzas de algumas plantas. Esta parte do trabalho será embasada em trabalho que está sendo desenvolvido pelo historiador da ciência Prof. Dr. Fernando Luna, da UENF.

- Outras aplicações para o sebo, como a vela e a alimentação, que concorriam com o sabão e impediam sua ampla utilização, e consequente higiene, em ambientes urbanos.

- Processo Solvay de produção da soda permitindo uso popular do sabão.

- Mudanças na saúde humana proporcionadas pela generalização da higiene básica.

- Evolução histórica do sabão como poluente de rios.

O texto de divulgação científica desenvolvido pelos autores sobre a história do sabão e os conceitos e técnicas envolvidos será apresentado junto ao painel na ocasião do Scientiarum Historia e

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

poderá ser acessada no site do Museu Itinerante de História da Química, que está sendo desenvolvido pelo gerenciamento de recursos computacionais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.

Experimentos sobre técnicas e conceitos

relacionados à história do sabão Foram desenvolvidos quatro conjuntos de

experimentos de fácil execução abordando conceitos relacionados à história da sabão:

1. Confecção de sabão a partir de sebo e cinzas. Adaptações com óleo de cozinha e óleo lubrificante, para verificação de variação nas propriedades.

2. Propriedades de cinzas, como basicidade e coloração de diferentes tipos de cinzas.

3. Fabricação de algumas plantas citadas nos trabalhos históricos de produção de potassa, como milho e bananeira.

4. Experimentos de propriedades do sabão, como a de formar monocamada de surfactantes na superfície da água, provocando deslocamentos rápidos e “inexplicáveis” de objetos leves boiando na superfície. Experimentos sobre a influência da concentração da água de cal na espuma do sabão de sebo são ilustrativos das diferentes propriedades de águas tendo a sua dureza influenciada pela localização geográfica.

Estes experimentos serão apresentados nas visitas programadas a partir de agosto onde será feita, após a apresentação, uma avaliação do impacto dos experimentos nos alunos. A avaliação foi elaborada junto com alunos do ensino médio da região que participam do programa Jovens Talentos da Faperj, com a preocupação de fazer perguntas que possam ser compreendidas pelos alunos das escolas da região. O questionário tem as seguintes perguntas:

1. Qual experimento você mais gostou? 2. O que te chamou a atenção no experimento

que você mais gostou? 3. Após a apresentação, você mudou seu modo

de enxergar química? Porque? 4. Você achou importante ver a evolução histórica

do conceito ou técnica demonstrada hoje? 5. A explicação química foi: a) clara b) desnecessária c) chata d) complicada e) legal Justifique____________________________ 6. Você acha que os experimentos foram ou

serão importantes para entender o conteúdo de química na escola?

7. Você acha que os experimentos foram ou serão importantes no seu dia-a-dia?

Os resultados serão tabulados e apresentados no Scientiarum Historia.

Já foram feitos três visitas exploratórias com alguns experimentos de cada tema e a recepção tem sido boa. A experiência destas visitas serviram para a percepção do público que temos que seduzir para as ciências e para treinar os bolsistas no contato com os alunos de ensino médio da escola pública da região.

Conclusões Nos experimentos envolvendo sabão apresentados aos alunos nas visitas exploratórias, os alunos de ensino médio tem apreciado especialmente os experimentos de propriedades de sabão, principalmente os de formação de monocamada na superfície da água e as histórias sobre as origens do sabão e sobre as mudanças na saúde que o uso do sabão trouxe.

Agradecimentos Agradecemos ao Prof. Dr. Luis César Passoni, pelas sugestões e esclarecimentos a respeito do tema. ____________________ 1 http://www.estadao.com.br/ext/especiais/2007/11/oecd.pdf consultado em 06/01/2008 às 12:00 horas 2 Pesquisa promovida pelo consórcio formado por envolvendo Academia Brasileira de Ciências, Museu da Vida/FIOCRUZ, FAPESP e UNICAMP, acessado às 13:00 horas de 06/07/2008 em http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/50875.html 3 Vogt C, Knobel M, Evangelista RA, Figueiredo SP, Castelfranchi Y. INDICADORES DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO EM SÃO PAULO 2004 , Capítulo 12: Percepção pública da ciência: uma revisão metodológica e resultados para São Paulo, pág 16 4 Lopes, Maria Margaret. O Brasil Descobre a Pesquisa Científica: os museus e as ciências naturais do século XIX. São Paulo: HUCITEC, 1997 5 Rodari P, Merzagora M. The role of science centres and museums in the dialogue between science and society. Journal of Science Communication, 6 (2) June 2007, 1-26 Ruiz A.I., Ramos M.N., Hingel M. Escassez de Professores no Ensino Médio: Soluções Emergenciais e Estruturais., acessado em http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/escassez1.pdf às 10 horas de 06/07/2008 7 Hottecke, D. How and what can we learn from replicating historical experiments? A case study. Science and Education 9(2000)343-362 8 Holton G., What Historians of Science and Science Educators Can Do for One Another. Science and Education 12(2003)603-616 9 Vitória Maria Machado Pinto, Módulos interactivos de Química em centros e museus de Ciência, Dissertação de mestrado defendido em março de 2007 na Universidade do Porto. Acessado às 10 horas de 06/07/2008 em http://nautilus.fis.uc.pt/cec/teses/vitoria/ 10 Gil, F.B., Lourenço, C.M. Que ganhamos hoje em levar os nossos alunos a um museu. Comunicar Ciência. 3(1999)4-5.

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 3

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Museu itinerante de história da química - Abordagem do tema “CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS”

Anne Morais Souza* (ES), Walter Ruggeri Waldman (PQ)

* [email protected]

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), LCQUI/CCT, Av. Alberto Lamego, 2000, Campos dos Goytacazes/RJ, CEP 28013-600 Palavras Chave: Museu, especiarias, popularização da ciência

Introdução Resultados recentes de avaliação internacional

da qualidade do ensino de ciências a jovens de 15 anos realizados pelo PISA (Programme for International Student Assessment) colocaram o Brasil nas últimas posições em comparação com vários países de situação econômica mais privilegiada, como era esperado. Porém a comparação com países da mesma região com situação econômica semelhante, como Argentina, Uruguai e Chile 1, são a evidência de que a situação do ensino no Brasil carece de melhorias.

Na opinião dos autores deste projeto o resultado apresentado no PISA guarda relação direta com a falta de interesse por este assunto somada às dificuldades de acesso da população ao tema “ciências”, como demonstrado em pesquisa nacional promovida pelo MCT em 2007, envolvendo a Academia Brasileira de Ciências, o Museu da Vida/FIOCRUZ, a FAPESP e o Labjor (UNICAMP) 2. Nesta pesquisa apurou-se que, dos entrevistados, 58% têm pouco ou nenhum interesse em ciência e tecnologia e 73% se informa pouco ou nada sobre ciência e tecnologia. O principal motivo alegado pelos entrevistados nos dois casos foi não entender sobre o assunto (respectivamente 37% e 32%). Na mesma pesquisa apenas 4% dos entrevistados visitaram um museu de ciência no último ano e dos 96% que não visitaram museus de ciência, 47% alegaram problemas de localização dos museus para não visitar, a saber: 35% alegaram não haver museus de ciência na sua região e 12% alegaram que os museus ficam muito longe.

Outro fator importante para a configuração do quadro atual de falta de interesse a respeito de ciência e tecnologia é a idéia no imaginário popular de que a ciência traz problemas para a humanidade, significativa inclusive entre os que possuem curso superior completo (Figura 1).

Figura 1. Distribuição relativa das respostas à

pergunta “Muitas pessoas acham que o desenvolvimento da ciência traz problemas para a humanidade. Você acha que isso é verdade?”, por nível de escolaridade 3.

Museus e centros de ciências passaram

historicamente por uma alteração na sua função social, de um lugar de produção científica 4, para um lugar de representação da ciência e enfim para um ambiente de mediação entre a sociedade e a produção científica 5. Hoje um centro ou museu de ciências tem como função construir um ambiente de encontro entre o desenvolvimento científico e as instâncias sociais e de exposição das realizações científicas e suas implicações para a sociedade. Alguns autores tem destacado como a visita a espaços de ciência é valiosa no ensino de ciências e na percepção do mundo, como pode ser percebido no seguinte texto: “os Museus de ciência e tecnologia servem para que os visitantes, após a visita, olhem para o mundo de maneira diferente, vejam coisas que nunca viram e, eventualmente, façam coisas que nunca fizeram porque achavam que não eram capazes. Este é o âmbito dos Centros e Museus de Ciência: a sensibilização para a cultura científica, a remoção de eventuais bloqueios “anti-científicos” e o estímulo das atitudes e dos processos da ciência, em particular a curiosidade e o espírito crítico.” 10

O Museu Itinerante de História da Química foi criado como atividade de extensão para tentar contribuir na reversão deste quadro na região norte-fluminense no tocante ao ensino de química. Complementar ao quadro apresentado acima, no tocante à percepção pública de ciência, outros dois fatores guiaram a implementação deste projeto:

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

1. A preocupante defasagem na qualificação dos professores de química do ensino médio, principalmente aqueles sem formação específica, resultado da notória falta de professores de química no ensino médio6. Esta defasagem somada à pouca utilização da história da ciência no ensino de ciências, um instrumento poderoso para este fim 7,8, motivou a criação de cursos de aperfeiçoamento docente a partir da abordagem histórica dos conceitos estudados no ensino médio. A atuação do Museu Itinerante de História da Química será criar um espaço para cursos de aperfeiçoamento gratuitos, que estão sendo planejados e implementados junto à Coordenadoria Regional de Ensino do Norte Fluminense I. A primeira edição deste curso será nos dias 4 e 5 de agosto de 2008 com professores de química das três cidades da regional norte fluminense, com e sem formação específica em química. Neste curso serão abordados dois temas, o conceito de quantidade de matéria e o de padrões de pressão e temperatura. Quantidade de matéria será apresentada desde a hipótese de Avogadro até as modernas técnicas de análise para a determinação do número de Avogadro, passando pelo acordo entre químicos e físicos para se determinar que o carbono sucederia o oxigênio como padrão para a determinação da unidade de massa atômica. Em padrões de pressão e temperatura mostraremos a história para se chegar a um acordo na determinação de temperaturas e pressão padrão e normais desde a época em que não havia termômetros confiáveis, mostrando os mais estranhos e exóticos termômetros e escalas de temperatura, até as recentes alterações nos valores da CNTP.

2. Museus de ciências com abordagem química tem alguns problemas que evitam sua ampla utilização, como custo de concepção e manutenção dos módulos, segurança e gestão dos resíduos.9 O Museu Itinerante de História da Química tem atualmente quatro bolsistas trabalhando a adaptação de experimentos clássicos na história da ciência e da tecnologia para garantir sua fácil execução com reagentes de fácil aquisição.

O museu atualmente trabalha quatro temas que tem em comum a presença no cotidiano do aluno, a possibilidade de abordagem de conceitos científicos presentes no ensino médio e a transformação histórica do momento de sua concepção até a contemporaneidade. Os quatro temas serão apresentados no Scientiarum Historia em outros painéis. Os temas são:

- Vela: Reprodução dos experimentos constantes do livro “A história química de uma vela” de Michel Faraday, evolução da matéria-prima do sebo para a parafina e confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos,

- Cerveja: Experimentos baseados na história da cerveja e confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos,

- Sabão: Experimentos baseados na história do sabão. Preparação do sabão a partir de cinzas, soda e desenvolvimento de experimentos atraentes envolvendo ação de surfactantes. Confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos.

- Conservação de alimentos: Técnicas de conservação de alimentos anteriores ao uso da geladeira. Desenvolvimento de experimentos com especiarias, salga e defumação de fácil execução e confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos.

Neste trabalho será desenvolvido o trabalho relacionado ao tema Conservação de Alimentos.

Conservação de alimentos O tema relacionado a conservação de alimentos

na época anterior ao advento da geladeira como equipamento popular, permite a abordagem tanto das técnicas utilizadas mundialmente quanto as utilizadas em escala local e que permanecem na contemporaneidade.

Resultados e Discussão A abordagem do tema conservação de alimentos

nas atividades do Museu Itinerante de História da Química envolve duas linhas de trabalho:

1. a produção de textos de divulgação científica abordando o tema para desmistificar a ciência envolvida no tema

2. o desenvolvimento de experimentos de fácil execução com reagentes de fácil aquisição para a exemplificação dos mesmos conceitos.

Textos de divulgação científica Os textos desenvolvidos envolvem a linha

histórica da evolução da conservação de alimentos, desde a época anterior à geladeira até os dias de hoje. Os assuntos abordados no texto, referentes ao histórico da técnica e dos conceitos científicos necessários à sua compreensão, são os seguintes:

- Uso de especiarias na conservação de alimentos, ressaltando suas propriedades antimicrobianas e seus outros usos, como “anti-humores” na prevenção de doenças na época em que se cria que a as doenças se propagavam por essências denominadas humor. Introdução das especiarias nas farmacopéias da época.

- Comércio de especiarias e sua importância geopolítica na época dos descobrimentos.

- Defumação como técnica de preservação e seu uso da África à Ásia, difundida na conservação de carnes de caça às de peixes.

- Osmose como técnica de conservação aplicado a salga de carnes para a fabricação do bacalhau e da carne seca, diferenciando a carne seca do charque, destacando a diferença climática do sul e do nordeste na preparação deste produto. A osmose será também destacada na desidratação de frutas imersas em soluções saturadas de açúcar.

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

O texto de divulgação científica desenvolvido pelos autores sobre a história da conservação de alimentos e os conceitos e técnicas envolvidos será apresentado junto ao painel na ocasião do Scientiarum Historia e poderá ser acessada no site do Museu Itinerante de História da Química, que está sendo desenvolvido pelo gerenciamento de recursos computacionais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.

Experimentos sobre técnicas e conceitos

relacionados à história da conservação de alimentos

Foram desenvolvidos quatro experimentos de fácil execução abordando conceitos relacionados à história da conservação de alimentos:

1. Cozimento de arroz doce na presença e na ausência de especiarias para avaliação de eficácia no controle de aparecimentos de fungos. Foram feitos experimentos cozinhando arroz doce na presença de cravo e canela. Experimentos comparativos com amostras de arroz doce deixadas fora da geladeira mostraram grande propriedade antimicrobiana do cravo, com 5 dias de exposição sem a formação de fungos enquanto o arroz doce preparado apenas com arroz e açúcar apresentou enorme população de fungos (Figura 1).

Figura 1. Mostra da eficiência do cravo na conservação do arroz doce, observado após quatro dias.

Também foi feito experimento comparando a

eficiência da canela cozida junto com o arroz doce com igual quantidade de canela adicionada por sobre o arroz doce cozido sem a canela e observamos que a etapa de cozimento é necessária para a extração dos ativos antimicrobianos (Figura 2).

Figura 2. Mostra comparativa da eficiência da

canela na conservação do arroz doce com amostras de arroz doce cozidas com canela (esquerda) e amostras adicionadas de igual quantidade de canela por cima do arroz doce após o cozimento (direita).

2. Experimentos destacando a volatilidade dos ativos das especiarias comparando arroz doce cozido com canela em pó recém picada, com uma canela em pó, com data de validade vencida (Figura 3)

Figura 3. Evidência da perda de ativos por volatilização comparando arroz doce cozido com canela recém-picada com arroz doce cozido com canela vencida após 4 dias de exposição fora da geladeira.

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 3

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

3. Experimentos com a demonstração da confecção da carne seca em pequenas quantidades.

4. Experimentos para a desidratação de frutas a partir de imersão em solução saturada de açúcar.

Já foram feitos três visitas exploratórias com alguns experimentos de cada tema e a recepção tem sido boa. O experimento comparativo de arroz doce com e sem especiarias tem tido excelente receptividade tendo os alunos declarado a intenção de repetir o experimento em casa variando os ingredientes. As experiências destas visitas serviram para a percepção do público que temos que seduzir para as ciências e para treinar os bolsistas no contato com os alunos de ensino médio da escola pública da região.

Estes experimentos serão apresentados nas visitas programadas a partir de agosto onde será feita, após a apresentação, uma avaliação do impacto dos experimentos nos alunos. A avaliação foi elaborada junto com alunos do ensino médio da região que participam do programa Jovens Talentos da Faperj, com a preocupação de fazer perguntas que possam ser compreendidas pelos alunos das escolas da região. O questionário tem as seguintes perguntas:

1. Qual experimento você mais gostou? 2. O que te chamou a atenção no experimento

que você mais gostou? 3. Após a apresentação, você mudou seu modo

de enxergar química? Porque? 4. Você achou importante ver a evolução histórica

do conceito ou técnica demonstrada hoje? 5. A explicação química foi: a) clara b) desnecessária c) chata d) complicada e) legal Justifique____________________________ 6. Você acha que os experimentos foram ou

serão importantes para entender o conteúdo de química na escola?

7. Você acha que os experimentos foram ou serão importantes no seu dia-a-dia?

Os resultados serão tabulados e apresentados no Scientiarum Historia.

Conclusões Os experimentos envolvendo conservação de alimentos se mostraram de fácil execução e com bom apelo visual. Os experimentos com arroz doce preparado na presença ou ausência de especiarias tem grande aceitação junto aos estudantes pela aparência desagradável e pela facilidade de execução em outros lugares. As histórias envolvendo especiarias e os detalhes de como se conservava alimentos antes da geladeira também despertou o interesse dos estudantes.

Agradecimentos Agradecemos ao Prof. Dr. Luis César Passoni, pelas sugestões e esclarecimentos a respeito do tema. ____________________ 1 http://www.estadao.com.br/ext/especiais/2007/11/oecd.pdf consultado em 06/01/2008 às 12:00 horas 2 Pesquisa promovida pelo consórcio formado por envolvendo Academia Brasileira de Ciências, Museu da Vida/FIOCRUZ, FAPESP e UNICAMP, acessado às 13:00 horas de 06/07/2008 em http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/50875.html 3 Vogt C, Knobel M, Evangelista RA, Figueiredo SP, Castelfranchi Y. INDICADORES DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO EM SÃO PAULO 2004 , Capítulo 12: Percepção pública da ciência: uma revisão metodológica e resultados para São Paulo, pág 16 4 Lopes, Maria Margaret. O Brasil Descobre a Pesquisa Científica: os museus e as ciências naturais do século XIX. São Paulo: HUCITEC, 1997 5 Rodari P, Merzagora M. The role of science centres and museums in the dialogue between science and society. Journal of Science Communication, 6 (2) June 2007, 1-26 Ruiz A.I., Ramos M.N., Hingel M. Escassez de Professores no Ensino Médio: Soluções Emergenciais e Estruturais., acessado em http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/escassez1.pdf às 10 horas de 06/07/2008 7 Hottecke, D. How and what can we learn from replicating historical experiments? A case study. Science and Education 9(2000)343-362 8 Holton G., What Historians of Science and Science Educators Can Do for One Another. Science and Education 12(2003)603-616 9 Vitória Maria Machado Pinto, Módulos interactivos de Química em centros e museus de Ciência, Dissertação de mestrado defendido em março de 2007 na Universidade do Porto. Acessado às 10 horas de 06/07/2008 em http://nautilus.fis.uc.pt/cec/teses/vitoria/ 10 Gil, F.B., Lourenço, C.M. Que ganhamos hoje em levar os nossos alunos a um museu. Comunicar Ciência. 3(1999)4-5.

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 4

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Museu itinerante de história da química - Abordagem do tema “CERVEJA”

Cristiani Miranda David Gossani* (ES), Walter Ruggeri Waldman (PQ)

* [email protected]

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), LCQUI/CCT, Av. Alberto Lamego, 2000, Campos dos Goytacazes/RJ, CEP 28013-600 Palavras Chave: Museu, cerveja, popularização da ciência

Introdução Resultados recentes de avaliação internacional

da qualidade do ensino de ciências a jovens de 15 anos realizados pelo PISA (Programme for International Student Assessment) colocaram o Brasil nas últimas posições em comparação com vários países de situação econômica mais privilegiada, como era esperado. Porém a comparação com países da mesma região com situação econômica semelhante, como Argentina, Uruguai e Chile 1, são a evidência de que a situação do ensino no Brasil carece de melhorias.

Na opinião dos autores deste projeto o resultado apresentado no PISA guarda relação direta com a falta de interesse por este assunto somada às dificuldades de acesso da população ao tema “ciências”, como demonstrado em pesquisa nacional promovida pelo MCT em 2007, envolvendo a Academia Brasileira de Ciências, o Museu da Vida/FIOCRUZ, a FAPESP e o Labjor (UNICAMP) 2. Nesta pesquisa apurou-se que, dos entrevistados, 58% têm pouco ou nenhum interesse em ciência e tecnologia e 73% se informa pouco ou nada sobre ciência e tecnologia. O principal motivo alegado pelos entrevistados nos dois casos foi não entender sobre o assunto (respectivamente 37% e 32%). Na mesma pesquisa apenas 4% dos entrevistados visitaram um museu de ciência no último ano e dos 96% que não visitaram museus de ciência, 47% alegaram problemas de localização dos museus para não visitar, a saber: 35% alegaram não haver museus de ciência na sua região e 12% alegaram que os museus ficam muito longe.

Outro fator importante para a configuração do quadro atual de falta de interesse a respeito de ciência e tecnologia é a idéia no imaginário popular de que a ciência traz problemas para a humanidade, significativa inclusive entre os que possuem curso superior completo (Figura 1).

Figura 1. Distribuição relativa das respostas à

pergunta “Muitas pessoas acham que o desenvolvimento da ciência traz problemas para a humanidade. Você acha que isso é verdade?”, por nível de escolaridade 3.

Museus e centros de ciências passaram

historicamente por uma alteração na sua função social, de um lugar de produção científica 4, para um lugar de representação da ciência e enfim para um ambiente de mediação entre a sociedade e a produção científica 5. Hoje um centro ou museu de ciências tem como função construir um ambiente de encontro entre o desenvolvimento científico e as instâncias sociais e de exposição das realizações científicas e suas implicações para a sociedade. Alguns autores tem destacado como a visita a espaços de ciência é valiosa no ensino de ciências e na percepção do mundo, como pode ser percebido no seguinte texto: “os Museus de ciência e tecnologia servem para que os visitantes, após a visita, olhem para o mundo de maneira diferente, vejam coisas que nunca viram e, eventualmente, façam coisas que nunca fizeram porque achavam que não eram capazes. Este é o âmbito dos Centros e Museus de Ciência: a sensibilização para a cultura científica, a remoção de eventuais bloqueios “anti-científicos” e o estímulo das atitudes e dos processos da ciência, em particular a curiosidade e o espírito crítico.” 10

O Museu Itinerante de História da Química foi criado como atividade de extensão para tentar contribuir na reversão deste quadro na região norte-fluminense no tocante ao ensino de química. Complementar ao quadro apresentado acima, no tocante à percepção pública de ciência, outros dois fatores guiaram a implementação deste projeto:

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

1. A preocupante defasagem na qualificação dos professores de química do ensino médio, principalmente aqueles sem formação específica, resultado da notória falta de professores de química no ensino médio6. Esta defasagem somada à pouca utilização da história da ciência no ensino de ciências, um instrumento poderoso para este fim 7,8, motivou a criação de cursos de aperfeiçoamento docente a partir da abordagem histórica dos conceitos estudados no ensino médio. A atuação do Museu Itinerante de História da Química será criar um espaço para cursos de aperfeiçoamento gratuitos, que estão sendo planejados e implementados junto à Coordenadoria Regional de Ensino do Norte Fluminense I. A primeira edição deste curso será nos dias 4 e 5 de agosto de 2008 com professores de química das três cidades da regional norte fluminense, com e sem formação específica em química. Neste curso serão abordados dois temas, o conceito de quantidade de matéria e o de padrões de pressão e temperatura. Quantidade de matéria será apresentada desde a hipótese de Avogadro até as modernas técnicas de análise para a determinação do número de Avogadro, passando pelo acordo entre químicos e físicos para se determinar que o carbono sucederia o oxigênio como padrão para a determinação da unidade de massa atômica. Em padrões de pressão e temperatura mostraremos a história para se chegar a um acordo na determinação de temperaturas e pressão padrão e normais desde a época em que não havia termômetros confiáveis, mostrando os mais estranhos e exóticos termômetros e escalas de temperatura, até as recentes alterações nos valores da CNTP.

2. Museus de ciências com abordagem química tem alguns problemas que evitam sua ampla utilização, como custo de concepção e manutenção dos módulos, segurança e gestão dos resíduos.9 O Museu Itinerante de História da Química tem atualmente quatro bolsistas trabalhando a adaptação de experimentos clássicos na história da ciência e da tecnologia para garantir sua fácil execução com reagentes de fácil aquisição.

O museu atualmente trabalha quatro temas que tem em comum a presença no cotidiano do aluno, a possibilidade de abordagem de conceitos científicos presentes no ensino médio e a transformação histórica do momento de sua concepção até a contemporaneidade. Os quatro temas serão apresentados no Scientiarum Historia em outros painéis. Os temas são:

- Vela: Reprodução dos experimentos constantes do livro “A história química de uma vela” de Michel Faraday, evolução da matéria-prima do sebo para a parafina e confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos,

- Cerveja: Experimentos baseados na história da cerveja e confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos,

- Sabão: Experimentos baseados na história do sabão. Preparação do sabão a partir de cinzas, soda e desenvolvimento de experimentos atraentes envolvendo ação de surfactantes. Confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos.

- Conservação de alimentos: Técnicas de conservação de alimentos anteriores ao uso da geladeira. Desenvolvimento de experimentos com especiarias, salga e defumação de fácil execução e confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos.

Neste trabalho será desenvolvido o trabalho relacionado ao tema cerveja.

Cerveja A evolução da técnica de obtenção da cerveja

permite abordar uma série de conceitos abordados no ensino médio, ao mesmo tempo em que se situa um objeto presente na contemporaneidade do aluno, presente em diversas mídias, e que sofreu uma série de transformações historicamente.

Resultados e Discussão A abordagem do tema cerveja nas atividades do

Museu Itinerante de História da Química envolve duas linhas de trabalho:

1. a produção de textos de divulgação científica abordando o tema para desmistificar a ciência envolvida no tema

2. o desenvolvimento de experimentos de fácil execução com reagentes de fácil aquisição para a exemplificação dos mesmos conceitos.

Textos de divulgação científica Os textos desenvolvidos envolvem a linha

histórica da evolução da cerveja, desde a sua concepção até os dias de hoje. Os assuntos abordados no texto, referentes ao histórico da técnica e dos conceitos científicos necessários à sua compreensão, são os seguintes:

- descoberta da transformação por fermentação de alguns tipos de grãos a partir das técnicas de armazenagem da época;

- maior potabilidade da cerveja devido ao tratamento térmico dado à água com os grãos, para permitir o acesso das leveduras ao carboidrato dos grãos, em comparação com a água disponível na época, que não passava por nenhum tipo de tratamento,

- aumento da carga protéica na alimentação dos usuários da cerveja, protegendo-os da sazonalidade de outras fontes protéicas,

- propriedades antissépticas da cerveja devido à presença de álcool, sendo a cerveja o melhor antisséptico à época presente nas regiões onde não havia vinho, que tem maior eficiência antisséptica, pois possui maior gradação alcoólica,

- propriedades medicinais das cervejas que fermentavam junto a ervas com ativos medicinais

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

que eram mais bem extraídos em ambientes alcoólicos.

O texto de divulgação científica desenvolvido pelos autores sobre a história da cerveja e os conceitos e técnicas envolvidos será apresentado junto ao painel na ocasião do Scientiarum Historia e poderá ser acessada no site do Museu Itinerante de História da Química, que está sendo desenvolvido pelo gerenciamento de recursos computacionais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.

Experimentos sobre técnicas e conceitos

relacionados à história da cerveja Foram desenvolvidos cinco experimentos de fácil

execução abordando conceitos relacionados à história da cerveja, sendo um experimento rápido para execução em classe e os outros para execução planejada em laboratórios ou em casa:

1. Experimento de fermentação usando fermento de padaria e açúcar para acompanhamento da formação de CO2 em espaço de tempo de 30 minutos, para execução factível na escola no espaço de uma aula ou no tempo de apresentação do museu itinerante.

2. Experimento variando o tipo de grão, usando milho, trigo e cevada na obtenção de cerveja, para verificar diferenças na disponibilidade de carboidratos para as leveduras.

3. Experimento demonstrando a capacidade calorífica de pedras no aquecimento da água com grãos para disponibilização de amido dos grãos e, consequentemente, controle de microorganismos.

4. Experimento comparando a eficiência do aquecimento da água com a formação de álcool no controle da presença de microorganismos na cerveja.

5. Experimento de extração de ativo de algumas ervas coloridas junto aos grãos para demonstrar a capacidade de extração de ativos por parte do álcool gerado na fermentação.

Estes experimentos serão apresentados nas visitas programadas a partir de agosto onde será feita, após a apresentação, uma avaliação do impacto dos experimentos nos alunos. A avaliação foi elaborada junto com alunos do ensino médio da região que participam do programa Jovens Talentos da Faperj, com a preocupação de fazer perguntas que possam ser compreendidas pelos alunos das escolas da região. O questionário tem as seguintes perguntas:

1. Qual experimento você mais gostou? 2. O que te chamou a atenção no experimento

que você mais gostou? 3. Após a apresentação, você mudou seu modo

de enxergar química? Porque? 4. Você achou importante ver a evolução histórica

do conceito ou técnica demonstrada hoje? 5. A explicação química foi: a) clara

b) desnecessária c) chata d) complicada e) legal Justifique____________________________ 6. Você acha que os experimentos foram ou

serão importantes para entender o conteúdo de química na escola?

7. Você acha que os experimentos foram ou serão importantes no seu dia-a-dia?

Os resultados serão tabulados e apresentados no Scientiarum Historia.

Já foram feitos três visitas exploratórias com alguns experimentos de cada tema e a recepção tem sido boa. A experiência destas visitas serviram para a percepção do público que temos que seduzir para as ciências e para treinar os bolsistas no contato com os alunos de ensino médio da escola pública da região.

Conclusões O tema história da cerveja tem se mostrado atrativo aos alunos de ensino médio, percebido em visitas às escolas. A exposição do tema cerveja tem se mostrado adequada na abordagem de vários conceitos científicos costumeiramente apresentados sem conexão com aplicações presentes no cotidiano do aluno.

Agradecimentos Agradecemos ao Prof. Dr. Luis César Passoni, pelas sugestões e esclarecimentos a respeito do tema. ____________________ 1 http://www.estadao.com.br/ext/especiais/2007/11/oecd.pdf consultado em 06/01/2008 às 12:00 horas 2 Pesquisa promovida pelo consórcio formado por envolvendo Academia Brasileira de Ciências, Museu da Vida/FIOCRUZ, FAPESP e UNICAMP, acessado às 13:00 horas de 06/07/2008 em http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/50875.html 3 Vogt C, Knobel M, Evangelista RA, Figueiredo SP, Castelfranchi Y. INDICADORES DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO EM SÃO PAULO 2004 , Capítulo 12: Percepção pública da ciência: uma revisão metodológica e resultados para São Paulo, pág 16 4 Lopes, Maria Margaret. O Brasil Descobre a Pesquisa Científica: os museus e as ciências naturais do século XIX. São Paulo: HUCITEC, 1997 5 Rodari P, Merzagora M. The role of science centres and museums in the dialogue between science and society. Journal of Science Communication, 6 (2) June 2007, 1-26 Ruiz A.I., Ramos M.N., Hingel M. Escassez de Professores no Ensino Médio: Soluções Emergenciais e Estruturais., acessado em http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/escassez1.pdf às 10 horas de 06/07/2008 7 Hottecke, D. How and what can we learn from replicating historical experiments? A case study. Science and Education 9(2000)343-362 8 Holton G., What Historians of Science and Science Educators Can Do for One Another. Science and Education 12(2003)603-616 9 Vitória Maria Machado Pinto, Módulos interactivos de Química em centros e museus de Ciência, Dissertação de mestrado defendido em março de 2007 na Universidade do Porto. Acessado às 10 horas de 06/07/2008 em http://nautilus.fis.uc.pt/cec/teses/vitoria/ 10 Gil, F.B., Lourenço, C.M. Que ganhamos hoje em levar os nossos alunos a um museu. Comunicar Ciência. 3(1999)4-5.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Museu itinerante de história da química – Reprodução dos experimentos de “A História Química de uma Vela”

Michelle Leal de Faria* (ES), Walter Ruggeri Waldman (PQ)

* [email protected]

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), LCQUI/CCT, Av. Alberto Lamego, 2000, Campos dos Goytacazes/RJ, CEP 28013-600 Palavras Chave: Museu, vela, popularização da ciência, Faraday

Introdução Resultados recentes de avaliação internacional

da qualidade do ensino de ciências a jovens de 15 anos realizados pelo PISA (Programme for International Student Assessment) colocaram o Brasil nas últimas posições em comparação com vários países de situação econômica mais privilegiada, como era esperado. Porém a comparação com países da mesma região com situação econômica semelhante, como Argentina, Uruguai e Chile 1, são a evidência de que a situação do ensino no Brasil carece de melhorias.

Na opinião dos autores deste projeto o resultado apresentado no PISA guarda relação direta com a falta de interesse por este assunto somada às dificuldades de acesso da população ao tema “ciências”, como demonstrado em pesquisa nacional promovida pelo MCT em 2007, envolvendo a Academia Brasileira de Ciências, o Museu da Vida/FIOCRUZ, a FAPESP e o Labjor (UNICAMP) 2. Nesta pesquisa apurou-se que, dos entrevistados, 58% têm pouco ou nenhum interesse em ciência e tecnologia e 73% se informa pouco ou nada sobre ciência e tecnologia. O principal motivo alegado pelos entrevistados nos dois casos foi não entender sobre o assunto (respectivamente 37% e 32%). Na mesma pesquisa apenas 4% dos entrevistados visitaram um museu de ciência no último ano e dos 96% que não visitaram museus de ciência, 47% alegaram problemas de localização dos museus para não visitar, a saber: 35% alegaram não haver museus de ciência na sua região e 12% alegaram que os museus ficam muito longe.

Outro fator importante para a configuração do quadro atual de falta de interesse a respeito de ciência e tecnologia é a idéia no imaginário popular de que a ciência traz problemas para a humanidade, significativa inclusive entre os que possuem curso superior completo (Figura 1).

Figura 1. Distribuição relativa das respostas à

pergunta “Muitas pessoas acham que o desenvolvimento da ciência traz problemas para a humanidade. Você acha que isso é verdade?”, por nível de escolaridade 3.

Museus e centros de ciências passaram

historicamente por uma alteração na sua função social, de um lugar de produção científica 4, para um lugar de representação da ciência e enfim para um ambiente de mediação entre a sociedade e a produção científica 5. Hoje um centro ou museu de ciências tem como função construir um ambiente de encontro entre o desenvolvimento científico e as instâncias sociais e de exposição das realizações científicas e suas implicações para a sociedade. Alguns autores tem destacado como a visita a espaços de ciência é valiosa no ensino de ciências e na percepção do mundo, como pode ser percebido no seguinte texto: “os Museus de ciência e tecnologia servem para que os visitantes, após a visita, olhem para o mundo de maneira diferente, vejam coisas que nunca viram e, eventualmente, façam coisas que nunca fizeram porque achavam que não eram capazes. Este é o âmbito dos Centros e Museus de Ciência: a sensibilização para a cultura científica, a remoção de eventuais bloqueios “anti-científicos” e o estímulo das atitudes e dos processos da ciência, em particular a curiosidade e o espírito crítico.” 10

O Museu Itinerante de História da Química foi criado como atividade de extensão para tentar contribuir na reversão deste quadro na região norte-fluminense no tocante ao ensino de química. Complementar ao quadro apresentado acima, no tocante à percepção pública de ciência, outros dois fatores guiaram a implementação deste projeto:

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

1. A preocupante defasagem na qualificação dos professores de química do ensino médio, pr

a ampla ut

luno, a po

ica de uma vela” de Michael Fa

a compreensão dos conceitos químicos envolvidos,

s n

mento de experimentos com es

na reprodução de um trabalho de Michael Faraday, o livro “A história química de uma vela”, um compêndio de seis ap

incipalmente aqueles sem formação específica, resultado da notória falta de professores de química no ensino médio6. Esta defasagem somada à pouca utilização da história da ciência no ensino de ciências, um instrumento poderoso para este fim 7,8, motivou a criação de cursos de aperfeiçoamento docente a partir da abordagem histórica dos conceitos estudados no ensino médio. A atuação do Museu Itinerante de História da Química será criar um espaço para cursos de aperfeiçoamento gratuitos, que estão sendo planejados e implementados junto à Coordenadoria Regional de Ensino do Norte Fluminense I. A primeira edição deste curso será nos dias 4 e 5 de agosto de 2008 com professores de química das três cidades da regional norte fluminense, com e sem formação específica em química. Neste curso serão abordados dois temas, o conceito de quantidade de matéria e o de padrões de pressão e temperatura. Quantidade de matéria será apresentada desde a hipótese de Avogadro até as modernas técnicas de análise para a determinação do número de Avogadro, passando pelo acordo entre químicos e físicos para se determinar que o carbono sucederia o oxigênio como padrão para a determinação da unidade de massa atômica. Em padrões de pressão e temperatura mostraremos a história para se chegar a um acordo na determinação de temperaturas e pressão padrão e normais desde a época em que não havia termômetros confiáveis, mostrando os mais estranhos e exóticos termômetros e escalas de temperatura, até as recentes alterações nos valores da CNTP.

2. Museus de ciências com abordagem química tem alguns problemas que evitam su

e

ilização, como custo de concepção e manutenção dos módulos, segurança e gestão dos resíduos.9 O Museu Itinerante de História da Química tem atualmente quatro bolsistas trabalhando a adaptação de experimentos clássicos na história da ciência e da tecnologia para garantir sua fácil execução com reagentes de fácil aquisição.

O museu atualmente trabalha quatro temas que tem em comum a presença no cotidiano do a

ssibilidade de abordagem de conceitos científicos presentes no ensino médio e a transformação histórica do momento de sua concepção até a contemporaneidade. Os quatro temas serão apresentados no Scientiarum Historia em outros painéis. Os temas são:

- Vela: Reprodução dos experimentos constantes do livro “A história quím

raday, evolução da matéria-prima do sebo para a parafina e confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos,

- Cerveja: Experimentos baseados na história da cerveja e confecção de texto de apoio par

- Sabão: Experimentos baseados na história do sabão. Preparação do sabão a partir de cinzas, soda e desenvolvimento de experimentos atraente

volvendo ação de surfactantes. Confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos.

- Conservação de alimentos: Técnicas de conservação de alimentos anteriores ao uso da geladeira. Desenvolvi

peciarias, salga e defumação de fácil execução e confecção de texto de apoio para compreensão dos conceitos químicos envolvidos.

Neste trabalho será desenvolvido o trabalho relacionado ao tema Vela.

Vela Este trabalho consiste

resentações de Faraday na Royal Institution sobre o tema Vela. Este livro se tornou um dos livros de divulgação científica mais famosos do século XIX, tendo sido traduzido para vários idiomas. São 63 experimentos demonstrados por Michael Faraday com explicações químicas para os fenômenos apresentados abordando o tema vela.

Resultados e Discussão A abordagem do tema vela nas atividades do

Museu Itinerante de História da Química envolve duas linha

ossibilitar a fácil execução com re

os envolvem a explicação química

en vela, desde a sua preparação às propriedades que podemos

os conceitos ne

dos aos experimentos selecionados do liv

s de trabalho: 1. a produção de textos de divulgação científica

abordando o tema para desmistificar a ciência envolvida no tema

2. a seleção de alguns dentre os sessenta e três experimentos demonstrados por Michael faraday e a adaptação para p

agentes de fácil aquisição para a exemplificação dos mesmos conceitos.

Textos de divulgação científica Os textos desenvolvid

química necessária para contextualizar a volvida nos experimentos com a

observar a partir dos experimentos. O texto de divulgação científica desenvolvido

pelos autores sobre os experimentos selecionados do livro de Michael Faraday e

cessários para compreendê-los será apresentado junto ao painel no Scientiarum Historia e poderá ser acessada no site do Museu Itinerante de História da Química, que está sendo desenvolvido na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.

Experimentos sobre técnicas e conceitos

relacionaro de Michael Faraday

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

Até então foram selecionados e adaptados do livro “A história química de uma vela”, cinco experimentos para serem facilmente executados:

o, po

rou, mas ai

que se

da

ores quando aquecido, co

ão, uma avaliação do im

ais gostou? modo

dente ver a evolução histórica

do

icada

____________________________

acha que os experimentos foram ou se de qu

seu dia-a-dia?

de cada tema e a recepção te

1. Preparação de uma vela a partir de sebo, água de cal e vinagre. Originalmente o experimento é feito por Michael Faraday com ácido sulfúric

rém a etapa final de preparação da vela foi adequada para o trabalho com os alunos.

2. Demonstração da etapa de combustão da vela recolhendo com um tubo de vidro na base da chama, o combustível da vela que já evapo

nda não queimou. Na outra extremidade do tubo, acende-se uma chama com os ácidos graxos evaporados na vela e transportados pelo tubo.

3. Experimento de reacender uma vela a partir de ácidos graxos evaporados logo que se apaga a vela. A fumaça branca que solta do pavio assim

apaga a vela se trata de ácidos graxos evaporados que ainda não queimaram. Colocar uma palito de fósforo no caminho desta fumaça transporta a chama até o pavio reacendendo a vela.

4. Experimento de estrutura da chama de uma vela a partir do estudo de sua sombra. Uma fonte luminosa muito intensa pode provocar uma sombra

chama da vela em um papel, deixando clara a subida do ar aquecido e as estruturas que compõem a chama da vela.

5. Experimento onde são produzidas chamas que descem, a partir de chumaços de algodão com álcool e um sal que emita c

mo o CuCl2, e uma canaleta com ventoinha. Neste experimento pode-se comprovar que o que orienta a chama é o fluxo de ar, que no caso da vela, é ascendente pela diminuição da densidade do ar devido ao aquecimento.

Estes experimentos serão apresentados nas visitas programadas a partir de agosto onde será feita, após a apresentaç

pacto dos experimentos nos alunos. A avaliação foi elaborada junto com alunos do ensino médio da região que participam do programa Jovens Talentos da Faperj, com a preocupação de fazer perguntas que possam ser compreendidas pelos alunos das escolas da região. O questionário tem as seguintes perguntas:

1. Qual experimento você mais gostou? 2. O que te chamou a atenção no experimento

que você m3. Após a apresentação, você mudou seu enxergar química? Porque? 4. Você achou importa conceito ou técnica demonstrada hoje? 5. A explicação química foi: a) clara b) desnecessária c) chata d) comple) legal Justifique

6. Você rão importantes para entender o conteúdoímica na escola? 7. Você acha que os experimentos foram ou

serão importantes noOs resultados serão tabulados e apresentados no

Scientiarum Historia. Já foram feitos três visitas exploratórias com

alguns experimentos m sido boa. A experiência destas visitas serviram

para a percepção do público que temos que seduzir para as ciências e para treinar os bolsistas no contato com os alunos de ensino médio da escola pública da região.

Conclusões Os experimentos envolvendo a adaptação dos experimentos de o boa aceitação Faraday tem tiddos alunos nas visitas exploratórias pela facilidade na reprodução dos experimentos e pela quantidade de informações presente em um fenômeno aparentemente simples.

Agradecimentos Agradecemos ésar Passoni, pelas sugestões e esclarecimentos a respeito do

w.estadao.com.br/ext/especiais/2007/11/oecd.pdf consultado

ao Prof. Dr. Luis C

tema. ____________________ 1 http://wwem 06/01/2008 às 12:00 horas 2 Pesquisa promovida pelo consórcio formado por envolvendo Academia Brasileira de Ciências, Museu da Vida/FIOCRUZ, FAPESP e UNICAMP, acessado às 13:00 horas de 06/07/2008 em http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/50875.html 3 Vogt C, Knobel M, Evangelista RA, Figueiredo SP, Castelfranchi Y. INDICADORES DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO EM SÃO

AULO 2004 , Capítulo 12: Percepção pública da ciência: uma revisão Pmetodológica e resultados para São Paulo, pág 16 4 Lopes, Maria Margaret. O Brasil Descobre a Pesquisa Científica: os museus e as ciências naturais do século XIX. São Paulo: HUCITEC,

997 15 Rodari P, Merzagora M. The role of science centres and museums in the dialogue between science and society. Journal of Science Communication, 6 (2) June 2007, 1-26 Ruiz A.I., Ramos M.N., Hingel M. Escassez de Professores no Ensino Médio: Soluções Emergenciais e Estruturais., acessado em http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/escassez1.pdf às 10 horas de 06/07/2008 7 Hottecke, D. How and what can we learn from replicating historical experiments? A case study. Science and Education 9(2000)343-362 8 Holton G., What Historians of Science and Science Educators Can Do for One Another. Science and Education 12(2003)603-616 9 ria Vitória Ma Machado Pinto, Módulos interactivos de Química em centros e museus de Ciência, Dissertação de mestrado defendido em

arço de 2007 na Universidade dm o Porto. Acessado às 10 horas de 06/07/2008 em http://nautilus.fis.uc.pt/cec/teses/vitoria/ 10 Gil, F.B., Lourenço, C.M. Que ganhamos hoje em levar os nossos alunos a um museu. Comunicar Ciência. 3(1999)4-5.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Os estudos de laboratório na década de 1980 e caminhos para a história das ciências

Ivan da Costa Marques (PQ)

[email protected] Palavras Chave: olhar antropológico, laboratório, fato científico,descoberta, construtivismo realista, história

Introdução Vou argumentar que o espaço e a importância da

história das ciências se amplia se ela construir narrativas históricas do nascimento dos objetos científicos como híbridos constituídos em natureza-sociedade-linguagem, a partir da constatação etnográfica de que os cientistas nomeiam objetos selecionando performances que vêm a ser as inscrições em laboratório. Os objetos científicos que estão aí foram colocados na Natureza pelos cientistas que os construíram e não os acharam já configurados em formas predefinidas, como se dadas em um mundo externo aos humanos, à linguagem e à história. O argumento aparece quando se leva a sério os “estudos de laboratório” da década de 1980. Ao invés de adotar uma abordagem epistemológica que busca estabelecer o que “realmente é um fato científico”, os estudos de laboratório buscam “analisar como um fato científico adquire uma qualidade que acaba por fazê-lo escapar às explicações históricas e sociológicas” e se interessam por “mostrar como um fato bruto pode ser sociológicamente desconstruído” (Latour e Woolgar, 1997: 101 e 104) Susan Traweek observa que “quase imperceptivelmente os laboratórios fazem emergir certas formas de ação e desencorajam outras.” (Traweek, 1988: X) São justamente as escolhas de formas de ação que levam à estabilização de certas configurações como formas nominais, objetos científicos, isto é, levam a fazer existir certos objetos científicos e não outros. O argumento pode ser resumido em poucas linhas. Como nasce um objeto científico? Um fenômeno, uma performance é observada no laboratório. Na constituição de um objeto científico, o que vem a ser “uma performance em um laboratório”? Uma performance em um laboratório é uma inscrição em um instrumento ou, como veremos, em um inscritor. E como se considera uma inscrição associada a uma performance? Por diferença em relação a outras inscrições. Ou seja, performances são observadas e apreciadas pelas diferenças entre inscrições feitas nos inscritores. É pela diferença nas inscrições que os cientistas imaginam a “existência” de diferentes corpos ou objetos científicos. Objetos diferentes têm performances diferentes, isto é, fazem inscrições diferentes nos laboratórios. A questão então se torna, para os cientistas, “descobrir” que objeto faz qual inscrição, uma vez que eles supõem que há objetos

desconhecidos que já estão lá, separados e independentes da História. Quando os cientistas consideram que algo, uma entidade, é responsável por um conjunto de performances, então eles batizam este objeto ainda hipotético e passam a tentar isolá-lo, isto é, a buscar uma forma estável definida, isto é, um corpo específico, um corpo tal que ele e só ele execute aquelas performances selecionadas no enquadramento que o laboratório coloca em cena. Quando e se este processo é bem sucedido, então uma crisma completa o batismo confirmando o nascimento de um objeto científico. Mas o que a epistemologia moderna olvida, e é justamente o que os estudos de laboratório mostram, é que esta forma estável que os cientistas dizem ter descoberto não estava lá pré-existente na natureza, mas foi por eles construída e lá colocada, mobilizando um coletivo em que linguagem (as inscrições), natureza (as coisas) e sociedade (os humanos) atuam e inseparavelmente constituem objeto e laboratório.

Resultados e Discussão Inscritores Entre 1975 e 1977 Bruno Latour estudou em um

laboratório rico e célebre da Califórnia o nascimento de um fato científico específico cuja paternidade foi disputada por dois famosos cientistas, Roger Guillemin e Andrew Schally: o estabelecimento da estrutura molecular de uma substância hoje perfeitamente definida, o TRF (H), associada ao fator (hormônio) de liberação da tirotropina (em inglês, Thyrotropin Releasing Factor – Hormone). Guillemin e Schally dividiram o Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina de 1977 (em conjunto com Rosalyn Yalow) (Latour e Woolgar, 1997). Ao fazer sua entrada antropológica em um moderno laboratório de fisiologia, Bruno Latour logo notou que o espaço do laboratório não era homogêneo e exibia uma separação muito clara entre duas zonas: bancadas e escritório. A primeira está “cheia de aparelhos diversos e a aparelhagem é utilizada em diferentes tarefas: corta-se, cose-se, mistura-se, agita-se, marca-se etc.” Na segunda, no escritório, que “contem exclusivamente livros, dicionários e artigos”, trabalha-se apenas com material escrito: “lê-se, escreve-se, bate-se à máquina”. (Latour e Woolgar, 1997: 37) Para (Latour e Woolgar, 1997: 44) a palavra inscritor designa “todo elemento de uma montagem ou toda combinação de aparelhos

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capazes de transformar uma substância material em uma figura ou em um diagrama diretamente utilizável por um daqueles que pertencem ao espaço do ‘escritório’” “Cada inscritor é formado por um conjunto específico de máquinas, de materiais e de técnicos.” (Latour e Woolgar, 1997: 52)

Inscrições como performances nos

laboratórios Os estudos de laboratório mostram que, para

constituir (ou descobrir, construir, inventar – vamos tornar relativa a importância destes verbos) um objeto científico, os cientistas não começam do nada. Eles lançam mão das performances executadas pelos objetos já constituídos que fazem parte de uma espécie de estoque. No enquadramento de um laboratório de fisiologia, por exemplo, uma marca determinada, ou seja, uma inscrição determinada é obtida em um determinado inscritor (por exemplo, um conjunto de máquinas, de materiais e de técnicos mobilizados em torno de um contador gama) quando uma determinada substância conhecida é aplicada a um determinado organismo (por exemplo, em uma célula, um músculo ou um animal inteiro). Esta performance já conhecida pode ser usada para estabelecer uma referência ou ponto de controle. (Latour e Woolgar, 1997: 55) Aplica-se em seguida uma substância desconhecida, e uma outra marca também é registrada. Resulta daí uma diferença entre duas marcas, entre as duas inscrições, diferença sobre a qual se emitem juízos (“são as mesmas”, “uma sobe”, “há um pico”). A diferença, caso apareça e possa ser reproduzida, é uma performance que poderá eventualmente fazer parte do conjunto de performances selecionadas que, uma vez reunidas, possibilitarão que se destaque do fluxo permanente dos fenômenos uma forma que poderá vir a constituir um objeto científico batizado e crismado. Neste ponto, que pode ser chamado de teste, tudo é ainda muito incerto.

Cruzando performances para gerar objetos

científicos Após o teste segue-se a purificação. A diferença

passa a ser uma performance observada e a questão então é destacar do fluxo incessante dos fenômenos uma forma definida, isto é, “isolar a entidade que julga ser responsável pela diferença entre os dois traços registrados” (Latour e Woolgar, 1997:55) pois esta entidade é justamente o objeto científico em processo de constituição. No caso descrito em (Latour e Woolgar, 1997:55-6), amostras de extrato de cérebro são submetidas a uma série de discriminações (separações) para obter-se, ao final de um processo de escrutínio de suas propriedades físicas, várias frações, cada uma delas representadas por um pico em um papel milimetrado. Note que os picos são performances das frações obtidas em outro inscritor por meio de

um processo que purifica (separa) através de discriminações.1 As frações são, para o fim aqui considerado, formas definidas que produzem os picos como suas performances. Uma destas frações pode corresponder a um corpo químico discreto, responsável pela performance observada no organismo determinado. Por isto as frações são então levadas e submetidas a um novo teste (no primeiro inscritor indicado acima), o que dá ao cientista a certeza da presença da substância em questão quando superpõe o resultado deste último teste com o da purificação, que o precedeu, e constata um cruzamento entre um pico e outro. Caso seja possível repetir o cruzamento, diz-se que a fração química é uma substância, e a ela dá-se (ou confirma-se, caso ela o tenha recebido logo após o teste) um nome. Este nome, que circulará em trocas pessoais, congressos e periódicos científicos, é uma proposição de objeto que será submetida a provas de robustez. Em um extremo a proposição é um efeito da imaginação e dos desejos de alguns (permanece atrelada à esfera subjetiva) e no outro extremo a proposição é um objeto científico com demonstração de existência aceita por todos (liberta-se das condições de produção, construção, descoberta, invenção ou constituição e entra na órbita objetiva).

Ocultando (grande) parte do trabalho Ao estudar-se um laboratório e observar-se as

manipulações que ali acontecem todo o tempo, confronta-se “uma estranha tribo que passa a maior parte do tempo codificando, marcando, lendo e escrevendo.” (Latour e Woolgar, 1997: 42) Tipicamente, após árduos esforços para manipular materiais e instrumentos e simultaneamente manter um rigoroso registro destas manipulações, chega-se a uma curva, um esquema ou uma tabela em uma folha de papel ou tela de computador, e “[é] sobre ela que se debruçam os pesquisadores em busca de um ‘significado’. Ela torna-se ‘dado’ em uma demonstração ou em um artigo.” (Latour e Woolgar, 1997: 44) As discussões sobre a existência e a propriedade da substância têm como foco o esquema ou a curva. A atividade anterior – os árduos, e também muitas vezes muito caros, esforços para manipular materiais e instrumentos e simultaneamente manter um rigoroso registro destas manipulações – ficam ocultados quando se discute o significado dos dados obtidos. O diagrama final torna-se ponto de partida do processo sempre renovado de escrita dos artigos científicos sobre a substância em questão. Nos escritórios são produzidos os artigos que comparam e opõem esses diagramas a outros que com eles se parecem, e aos que se encontram em artigos já publicados.

1 As discriminações no caso foram obtidas através de características como a velocidade com que um filtro é atravessado.

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Ilusões de contatos imediatos Uma conseqüência importante da noção de

inscritor é que as inscrições são vistas como tendo “uma relação direta com a substância original.” (Latour e Woolgar, 1997: 45) Toda a mediação presente no dispositivo de inscrição – o paradigma vigente2, o treinamento das pessoas, a origem dos materiais, as condições de financiamento, as teorias incorporadas nos equipamentos que atuam, condicionam, restringem e enquadram o universo de formas factíveis em um determinado dispositivo de inscrição – é apagada como se não mais interessasse. Uma vez que se dispõe do produto final – a inscrição –, rapidamente o conjunto das etapas intermediárias que tornaram possível sua produção é esquecido. O diagrama ou a tabela se torna o foco da discussão e os processos materiais que levaram a eles são ou esquecidos ou tidos como assegurados por meios “meramente técnicos” Uma conseqüência de relegar-se os processos materiais ao reino do meramente técnico é a ilusão do contato imediato, isto é, as inscrições são vistas como indicadores diretos do objeto científico em construção como algo que já está com sua forma previamente dada. (Latour e Woolgar, 1997: 60) observam que “especialmente em aparelhos como o analisador de aminoácidos, a substância parece inscrever sua própria assinatura.” (Traweek, 1988: 54) conta que gostava de ficar em pé acima da câmara de bolhas instalada no Stanford Linear Accelerator enquanto ela funcionava, olhando para dentro por suas janelas e vendo as trajetórias formarem-se e reformarem-se ao mesmo tempo que toda a estrutura balançava a cada pulso do sistema de pressurização.

Laboratórios e a gênese dos fatos e objetos

científicos “Os físicos projetam detetores para registrar

traços muito evasivos de eventos ‘naturais’ no nível subatômico, eventos que seriam completamente inobserváveis sem estes aparelhos” (Traweek, 1988: X)

Um laboratório distingue-se dos demais pelo

particular conjunto de dispositivos de inscrição que ele abriga e em parte o constituem. A importância central deste arranjo híbrido é que nenhum dos fenômenos sobre os quais os participantes falam poderia existir sem ele. O laboratório é como o útero dos objetos científicos que ele faz nascer e, tal como um útero, um laboratório só é capaz de gerar objetos científicos de determinada espécie. Assim com não há úteros genéricos também não existem laboratórios genéricos, suas capacidades e

2 A crença em que “o controle pelo cérebro faz-se por meio de

substâncias químicas discretas, os fatores de liberação, que são de natureza peptídica” 1) distingue o grupo do laboratório de outros colegas no campo da neuroendocrinologia, e 2) organiza os ofícios, hábitos e aparelhos em torno de um material específico, o hipotálamo. (Latour e Woolgar, 1997: 50)

habilidades estão vinculadas especificamente a seus inscritores e por eles a seus objetos científicos:

“Sem o bioteste, por exemplo, não há como dizer que uma substância existe. O bioteste não é simplesmente um meio de obter uma substância dada de maneira independente; ele constitui o processo de construção da substância. Do mesmo modo, não se pode dizer que existe uma substância sem colunas de fracionamento, uma vez que uma fração só existe em virtude do processo de discriminação. O mesmo acontece como espectro produzido por um espectrômetro de ressonância magnética nuclear – sem espectrômetro não há espectro. Não é simplesmente que os fenômenos dependem de certa instrumentação material; ao invés disso, os fenômenos são constituídos pelo arranjo material do laboratório de maneira exaustivamente completa” (Latour e Woolgar, 1997: 61)

Laboratórios e o encontro natureza-sociedade

Susan Traweek mostra como objetos ditos “da sociedade”, tal como o Estado, se vinculam a objetos ditos “da natureza”, tal como partículas subatômicas de alta energia, e têm como ponto de encontro os detetores. Na etnografia que faz dos laboratórios e da comunidade de físicos que pesquisam o mundo das partículas de alta energia, (Traweek, 1988: 56-73) descreve as experiências de espalhamento, realizadas com um tipo de detector de partículas instalado na ESA, uma estação do Stanford Linear Accelarator, “em que elétrons acelerados colidiam com prótons como alvos, gerando novas partículas e fazendo o elétron e o próton retrocederem”. Mas, é importante, ela realça que se muda o detector, mudam as partículas. Com outro detector, denominado LASS, instalado em outra estação do SLAC, “se poderia estudar o mesmo tipo de processo de espalhamento, mas entre partículas de outros tipos. Em especial, LASS analisaria interações ‘hádron-hádron’.”3 (Traweek, 1988: 60) No entanto, ela logo observa que “[o] financiamento para a física de alta energia é determinado diretamente pelos governos nacionais: nenhum patrocínio privado poderia manter um campo dependente de máquinas tão hercúleas e de ritmo de mudança tão rápido.” (Traweek, 1988: 4) E as diferenças entre os governos nacionais quanto às formas adotadas para financiamento da pesquisa condiciona diferenças entre detetores nos EUA e no Japão. Detetores diferentes leva a inscrições diferentes. É a leitura apropriada destas inscrições que torna possível ver/ ler as mesmas inscrições em outro lugar. É desta maneira que os físicos provam que suas leituras,

3 “Os elétrons têm carga, o que significa que eles pertencem a uma

classe de partículas interagindo por meio de força eletromagnética. Hádrons são partículas que interagem por meio de força nuclear forte.” (Traweek, 1988: 60)

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suas teorias físicas das inscrições, funcionam. E é desta maneira que o estado (sociedade) e as partículas (natureza) são epistemologicamente indissociáveis, pois “nada mais estabelece o realismo destas interpretações” (Traweek, 1988: 159)

Conclusões Boa parte da história da ciência vive uma dificuldade peculiar: embora se queira história, acredita nos cientistas quando eles dizem que seus objetos fazem parte da Natureza, de um mundo incorruptível separado da Sociedade, portanto fora da História. A modernidade concedeu aos objetos científicos, um tanto apressadamente, uma permanência que os coloca fora da contingência histórica. Ao aceitar que filósofos e cientistas propaguem o divisor entre Natureza e Sociedade, tão caro à epistemologia, como algo já dado no mundo, a história da ciência aceita a priori limites ao grau de historicidade que possa estabelecer no seu fazer, arriscando ver sua importância reduzida à cronologia das descobertas científicas de uma Natureza fora da história.

Agradecimentos Agradeço ao NCE pelo apoio às minhas pesquisas na áreas dos Estudos CTS. ____________________

Callon, M. The laws of the markets. Oxford; Malden, MA: Blackwell Publishers/Sociological Review. 1998. 278 p. p.

Latour, B. e S. Woolgar. A vida de laboratório - a

produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 1997. 310 p.

Law, J. e J. Hassard. Actor network theory and

after. Oxford [England]; Malden, MA: Blackwell/Sociological Review. 1999. 256 p. p.

Traweek, S. Beamtimes and lifetimes: the world of

high energy physicists. Cambridge, Mass.: Harvard University Press. 1988. xv, 187 p. p.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Influxos e Qualidades: a astrologia na medicina de Lourosa

Carlos Henrique Vólaro Caminha Mota (PG) [email protected] Palavras Chave: medicina, Hipócrates, astrologia, Portugal, Lourosa

Introdução

I. No paradigma científico que emerge na

metade final do século XVII e princípios do XVIII, a

Astrologia perde seu estatuto de cientificidade;

passa a ser considerada superstição, afastando-se

irremediavelmente de sua correlata Astronomia.

Antes disso, contudo, o saber astrológico era

considerado uma forma lícita de se entender a

ordem do mundo; tinha por fundamento uma sólida

base filosófica que sustentou sua licitude por

séculos e séculos. Esta base, no entanto, foi

dinâmica o suficiente para se adaptar às mudanças

que a atmosfera intelectual européia sofreu dos

séculos XIII ao XVII.

Além de lícito, o saber astrológico forneceu

base filosófica e conceitual para as diversas formas

de intervenção humana na natureza. Neste estudo

analisaremos as relações entre a astrologia de

matriz aristotélica e a medicina de tradição

hipocrática no discurso do astrólogo e médico

português Manoel Gomez Galhano Lourosa.

Objetiva-se com isto demonstrar que o sistema

cosmológico aristotélico-ptolomaico, tal como o

sistema filosófico aristotélico-tomista, não seriam,

de forma alguma, engessados ou avessos a

qualquer espécie de dinamismo.

II. Dentre os fenômenos comumente

associados ao Humanismo, um dos mais reiterados

pela historiografia das mentalidades é o resgate às

teorias clássicas feito pelos novos intelectuais

europeus em seu afã de reinventar o mundo. Essa

reconhecida filiação aos autores gregos e latinos

não se dá de forma equânime, no entanto. O que

define que autor ou que teoria será resgatada são

as vicissitudes características da sociedade em que

o Humanista em questão vive. Os problemas

cotidianos vividos por esse agente histórico

permearão o processo de escolha e resgate a que

nos referimos. Assim, os textos clássicos envolvidos

nas diversas discussões que ganham corpo e

intensidade nos séculos XVI e XVII variam em forma

e conteúdo nas diferentes regiões da Europa. Um

tratado Humanista acerca da “Cidade Ideal” será

diferente na Itália e na Espanha. Os escritos de

ordem astrológica serão bastante distintos em

Inglaterra e Portugal. No que tange a Medicina, o

mesmo irá acontecer.

Não é o intuito deste texto, porém, discutir

as inúmeras estratégias utilizadas pelos humanistas

ao reconhecer a autoridade deste ou daquele autor

antigo. Basta dizer que ao citar um autor clássico

em sua obra, o humanista delega autoridade ao seu

próprio discurso. E essa será uma estratégia

bastante comum durante todo o século XVI

encontrando reflexos ao longo do XVII. Nesta

apresentação será discutida esta filiação em uma

obra em especial: a Polymathia Exemplar, composta

pelo astrólogo e médico Manoel Gomez Galhano

Lourosa.

Em seu Appendis de Contágios ao Tratado

do Cometa, parte integrante da Polymathia, Lourosa

irá discutir as possíveis causas dos chamados

contágios – no caso, as epidemias. O autor utilizará,

para isso, os nodos causais contidos na essência

da filosofia aristotélica vigente, a saber: a causa

material, formal, eficiente e final. Decerto que a

filosofia aristotélica é a principal influência na obra

de Lourosa. Mas no que tange à Medicina, outro

autor ganha espaço: Hipócrates.

Resultados e Discussão O diálogo que pretendemos estabelecer

entre o saber astrológico e a medicina constitui

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um complexo de tensões por demais intrincado,

no que se torna necessária a utilização de

algumas ferramentas. Estabelecidos a priori,

esses instrumentos cognitivos nos permitirão

uma aproximação menos suscetível a

equívocos de caráter anacrônico.

A historiografia portuguesa laica mais

antigai afirma que o século XVII assiste um

declínio da cultura lusa. Particularmente, os

historiadores da Ciência se debruçavam sobre o

século em questão baseados na hipótese de

que a atmosfera cultural portuguesa deste

período, dominada pela Companhia de Jesus e

pelo movimento conhecido comumente pela

denominação “Reformas Religiosas”ii, seria uma

época de declínio das letras portuguesas e da

filosofia praticada no Reino. Esta concepção

resulta, dentre outras coisas, do próprio

processo histórico da formação desta disciplina.

A História da Ciência é entendida no século XIX

como o caminhar para a constituição de um

saber positivo e alicerçada em uma

historiografia de inspiração romântica. Autores

como Teófilo Braga, Garção Stockler, entre

outros, acabaram por conceber este intervalo

temporal na vida cultural e científica como um

período de decadência marcado pelo

“naufrágio” da pátria na batalha de Alcácer-

Quibir e pelas consequências daí resultantes.

Ao longo do século XX, o debate

intensificou outra linha de reflexão. Como forma

de reação a um regime político de natureza

autoritária, autores como J.S. da Silva Dias e

Rómulo de Carvalho afrmavam que a causa

deste pretenso “atraso” cultural e científico

sofrido por Portugal em relação ao resto da

Europa seria a preponderância da Companhia

de Jesus sobre a sociedade e as estruturas de

ensino do Portugal seiscentista. Opuseram-se a

esta concepção autores inacianos ou de alguma

forma ligados à Ordem.iii

Podemos dizer que hoje não existe uma

linha preponderante no que concerne a

apreensão da História da Ciência. Neste

sentido, esta área acaba por se encontrar como

subsidiária da História das Mentalidades, de

seus métodos e autores principais. Contudo,

uma das diversas visões que orbitam as

reflexões sobre a astrologia portuguesa se

mostrou assaz interessante para nosso intuito;

para conjugar a teorização proposta por

Aristóteles no conjunto de obras que trata da

filosofia natural utilizaremos a análise de Luís

Miguel Carolino, publicada no livro Ciência,

Astrologia e Sociedade. A Teoria da Influência

Celeste em Portugal (1593-1755)iv. Além de

relacionar o conjunto de textos aristotélicos à

atmosfera intelectual portuguesa desde fins do

século XVI até meados do XVII, o autor

demonstra como a astrologia é utilizada para

descrever diversos fenômenos naturais e como

serve de premissa filosófica para diferentes

campos de atuação do intelecto humano no

Portugal ao longo do período abarcado em sua

pesquisa. Neste sentido, insere-se em um

seleto grupo de importantes historiadores que

se debruçam sobre o tema da astrologia

portuguesa: Luís de Albuquerque o faz no que

concerne o século XVI enquanto Rômulo de

Carvalho se concentra no século XVIII.

A maior parte das obras de referência

no trato dos problemas acerca da astrologia

foram escritas por autores ingleses e italianos –

tal fato acaba por se configurar em um

problema, quando estas teorias são

transladadas para o contexto intelectual

português: enquanto essas obras analisam a

astrologia baseada em um viés neoplatônico,

surgem fenômenos como a magia natural e a

visão do homem como síntese da Criação. Tais

visões e fenômenos não cabem em um contexto

aristotélico. E em Portugal a influência

neoplatônica é muito limitada.

Nasce assim a necessidade de

entendermos um pouco mais a dinâmica interna

do aristotelismo em um contexto humanista.

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Para tal, utilizaremos a teoria de Charles B.

Schmitt, expressa na obra Aristotle and the

Renaissancev. O autor nos ajuda a entender

como o aristotelismo não se configura como um

bloco de idéias engessadas, euforizando uma

dinâmica interna a esse conjunto de

pressupostos teóricos que definem imagens

distintas derivadas de uma mesma matriz

filosófica. O primeiro ponto tratado pelo autor

seria demonstrar como o aristotelismo

renascentista não é uma mera cópia de seu

antecessor medieval, tendo uma dinâmica

própria, muitas vezes se reinventando e se

reconstruindo para melhor se adaptar às novas

aspirações culturais que marcariam esse

período. O autor prossegue afirmando a

continuidade de trabalhos de cunho aristotélico

ao longo do Renascimento, muitos deles de

caráter progressista e colaborador à atmosfera

intelectual que se desenhava. O próprio

conceito “aristotelismo” englobaria um leque de

opiniões e aproximações teóricas por vezes

muito distintas entre si, fato palpável ao

analisar-se os casos de Zabarella e Cremonini.

Por fim, faremos uso das “metáforas”

propostas por Margaret J. Osler em seu artigo

Mixing Metaphors: Science and Religion or

Natural Philosophy and Theology in Early

Modern Europevi. Ao longo do texto a autora

apresenta os métodos – “metáforas” – com os

quais a historiografia da ciência se aproxima do

debate Teologia versus Filosofia Natural: o

primeiro, chamado pela autora de metáfora do

conflito, opõe as entidades supracitadas,

fornecendo ao historiador uma relação de

paradoxo a ser estudada. A metáfora da

harmonia se baseia, como a primeira, na

criação de dois blocos antagônicos, duas

entidades. O olhar do historiador seria o

diferencial: enxerga-se a diferença, enfatizando

porém os traços de semelhança entre as duas

entidades. A terceira metáfora tradicionalmente

utilizada seria a metáfora da segregação. Nesta,

as entidades manteriam entre si uma relação de

independência, nascendo os conflitos quando

suas áreas de influência se sobrepõem.

A autora, enfim, sugere um novo

método-metáfora: a metáfora da apropriação e

tradução. Este método foi construído visando

enfatizar as influências conceituais entre ambas

esferas-entidades, as mesmas vistas como

estruturas meramente cognitivas, e não como

blocos monolíticos separados e limitadores.

Esta aproximação se baseia em um olhar sobre

a Teologia e a Filosofia Natural como duas

entidades cognitivas inseparáveis, fenômenos

que emergem de um mesmo “cadeirão cultural”

– a sociedade européia dos séculos XVI e XVII.

De acordo com esse modelo, filósofos naturais

e teólogos se apropriariam de conceitos

nascidos no seio da Teologia e da Filosofia

Natural, respectivamente – ou pelo menos

comumente utilizados dentro desses limites -,

traduziriam esses conceitos para uma

linguagem típica de seus campos de atuação, e

as utilizaram para resolver problemas surgidos

no contexto limitado por suas áreas. Euforiza-se

assim o papel dos agentes históricos em

questão; atores que trabalham dentro de seus

próprios contextos sociais, ideológicos e

culturais.

O trabalho de Osler será utilizado,

contudo, de uma forma diferente. Pretendemos

estender a aplicação de sua metáfora a outras

estruturas cognitivas, a saber, à astrologia e à

medicina no Portugal seiscentista. Tal aplicação

será necessária para que se evitem

anacronismos, pois devemos consider a

astrologia do século XVII como um fenômeno

diferente de sua matriz mesopotâmica ou grega.

Embora tenhamos estudado atentamente a

Physica aristotélica, o sistema astronômico-

astrológico aristotélico-ptolomaico não é uma

estrutura inerte; sofre mudanças ao longo de

sua história e adaptações em suas bases onde

quer que seja recebida. A prática médica, por

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outro lado, se apresenta de forma deveras

particular, quando alicerçada pelo aristotelismo

– as diferenças entre tal corrente filosófica e a

neoplatônica (que encontra menor resistência

em Itália, por exemplo) acabam por revelar a

assimetria na prática médica ao longo da

Europa. Enxergar-se-ão tais estruturas

cognitivas como fenômenos emergentes de um

mesmo panorama sócio-cultural, que possui

seus próprios antecedentes e precursores. A

ênfase no contexto particular do agente

histórico é crucial, pois possibilita ao historiador

perceber os efeitos particulares de um discurso

historicizado, ao invés de impor conceitos

modernos sobre a coerência das visões de

mundo destes atores históricos.

Conclusões Em nossa pesquisa, analisamos o discurso

de Manoel Gomez Galhano Lourosa sobre o cometa

que singrou os céus lisboetas em fins de 1664 e

início de 1665; discurso este contido na Polymathia

Exemplar. Relacionamos a astrologia de Lourosa a

sua matriz aristotélica, no intuito de perceber a

forma como o aristotelismo continua em voga,

mesmo em meados do séc. XVII. Nesse ponto,

contrapomos a tese tradicional de que o

Humanismo se configurava como um ataque às

bases filosóficas aristotélicas, por parte de

neoplatônicos e estóicos, principalmente. Se houve

um ocaso, esse foi da Escolástica medieval – um

conjunto de práticas que excede, em muito, o

aristotelismo. Neste sentido, acreditamos que o

trabalho colabore com uma nova visão sobre o

Humanismo, expressa nos discursos de Eugénio

Garín, Jose António Maravall e outros.

Começamos nosso texto analisando o

caráter de cientificidade relegado à astrologia

seiscentista, considerada base e ferramenta de

análise legítima para os fenômenos naturais, além

de fornecedora de um arcabouço conceitual e

filosófico para as diversas áreas de atuação do

Homem. Com efeito, nossa pesquisa nos levou ao

estudo das relações entre esta base astrológica e a

medicina.

No discurso de Lourosa, fica evidente a

estreiteza entre as áreas. O saber astrológico

permea todo o Appendis de Contagios; mesmo

Hipócrates – principal referência de Lourosa no que

tange a discussão médica – legitima a astrologia

como fundamental no conhecimento dos males que

assolam a vida humana. Cabe ressaltar aqui o

resgate feito por Lourosa a Hipócrates: enquanto

autor, o último não entra nos pormenores da ação

celeste sobre os humores que compunham o corpo

humano. Trata-se, sem dúvida, da dinâmica própria

da corrente de pensamento que, associada ao

aristotelismo, ganha novos contornos. Decerto que

a obra de Lourosa não é a única a sintetizar esses

saberes: outros autores o fizeram ao longo da

Europa nos séculos que antecederam o Seiscentos.

No entanto, prova-se importante a análise de um

discurso elaborado em solo português, publicado

em forma de livro por uma oficina portuguesa para

leitores portugueses. Grosso modo, este texto

mostraria como a tese do isolacionismo ibérico não

se sustenta e que Portugal estava integrado com o

resto da Europa no que concerne às discussões

“scientíficas”.

Agradecimentos Gostaria de agradecer às pessoas que me

ajudaram a seguir adiante e que, sem as quais, não

haveria pesquisa:

- Ao Dr. Carlos Ziller Camenietzski, cujo trabalho,

paciência e solicitude culminaram na orientação

desta monografia;

- Ao Dr. Luís Miguel Nunes Carolino, por me

apresentar a Polymathia Exemplar e seu autor, além

das inúmeras tentativas – frutíferas – de me

encorajar a caminhar pelos intrincados caminhos da

História da Ciência;

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- A Bruno Boto Martins Leite, por ser mais que um

companheiro nas investigações acerca da História

da Medicina;

- A Camila Correa, pela amizade e companheirismo

nos dois anos em que pesquisamos e estudamos

juntos, sob a égide do Museu de Astronomia e

Ciências Afins e da Universidade Federal do Rio de

Janeiro;

- Ao MAST, por proporcionar o encontro de pessoas

especiais com fins em comum;

- A minha família, pela paciência e subsídio em

cigarros e copos de café;

- E a todos aqueles que, de alguma forma,

contribuíram com a minha graduação: me aturando,

me ouvindo, me confortando e me ajudando.

i Um dos mais célebres homem-de-letras do Portugal oitocentista, Antero de Quental (1842-1891), participou em 1871 na organização das “Conferências do Casino”, tendo sido o autor do texto “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos”. No texto o autor discute o “pretenso” atraso português com relação à Inglaterra e França – países em franca industrialização – alegando que o revés na batalha de Alcácer-Quíbir (1578), a unificação das coroas lusa e castelhana (1580-1640) e a influência da Companhia de Jesus levaram a nação Portuguesa ao cataclisma. ii Optamos por inserir neste conceito, cientes da possibilidade de cair em reducionismo embora evitando-o, as práticas conhecidas por “Contra-Reforma” ou “Reforma Católica”. iii CALAFATE, Pedro. “A historiografia filosófica portuguesa perante o Seiscentismo”, in.: Revista Portuguesa de Filosofia, nº. 52, 1996. pp. 185-196. e CAROLINO, Luís Miguel. “As fontes de História da Ciência na historiografia da cultura portuguesa”, in.: GARCIA HOURCADE, J. L.; MORENO YUSTE, J. M. e RUIZ HERNÁNDEZ, G. (coord.). Estudios de Historia de las Tecnicas, La Arqueología Industrial y las Ciencias. VI Congresso de la Sociedad Española de la Historia de las Ciencias y de las Tecnicas. Segóvia – La Granja, 9 a 13 de setembro de 1996, vol. 1, s. l., Junta de Castela e Leão / Conselho de Educação e Cultura, pp. 341–350. iv CAROLINO, Luís Miguel. Ciência, Astrologia e Sociedade. A Teoria da Influência Celeste em Portugal (1593-1755). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. v SCHMITT, Charles B. Aristotle and the Renaissance. EUA: Harvard Print, Cambridge Print, 1983. vi OSLER, Margaret J. “Mixing Metaphors: Science and Religion or Natural Philosophy and Theology in Early Modern Europe”, in.: History of Science. 1998, 36. pp. 91-113.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Por uma Historiografia Realista e Objetiva: uma abordagem a partir das contribuições de Martin Bunzl e Chris Lorenz.

José Ernesto Moura Knust¹ (ES)

[email protected]

Palavras Chave: Epistemologia da História, Realismo, Objetividade Científica.

Introdução No último quartel do século XX, a Epistemologia da História foi arrebatada pela crítica pós-moderna, tendo sido destruídos os paradigmas que norteavam a produção de conhecimento nesta área. Porém, já no final da década passada, filósofos e historiadores interessados na Epistemologia da História passaram a responder os questionamentos pós-modernos sem se render ao que F.R. Ankersmit, um dos principais críticos pós-modernos, chamou de desepistemologização da historiografia. Nesta comunicação discutiremos como as contribuições do filósofo Martin Bunzl¹ e do historiador Chris Lorenz podem ajudar na reconstrução de um paradigma epistemológico para a historiografia baseado em dois princípios: o realismo e a objetividade.

Resultados e Discussão Iniciaremos nossa exposição pela apresentação das respostas destes dois autores às críticas pós-modernistas à Epistemologia, principalmente no tocante a estes dois pontos, o realismo e a objetividade do conhecimento produzido pelos historiadores. A importância de analisarmos estas respostas às críticas pós-modernas está tanto em desfazermos muitos mal-entendidos epistemológicos criados pela crítica pós-moderna, quanto em identificarmos a reconfiguração que estes dois autores apresentam dos dois temas, pois nenhum dos dois pretende simplesmente uma simples volta da Epistemologia da História ao que era em meados do século XX. Ademais, ambos promovem um saudável reencontro da Epistemologia da História com a Epistemologia desenvolvida entre os filósofos, enquanto nos últimos anos os historiadores buscavam subsídios apenas na Teoria Literária. Apontar as potencialidades destas contribuições para a reconstrução de um paradigma epistemológico para a História será o nosso segundo passo nesta comunicação, pois é devido ao fato de apontarem novos caminhos para as questões do realismo e da objetividade que as reflexões destes autores são tão válidas para a reflexão epistemológica neste século que se inicia.

Conclusões A "guinada crítica" das últimas décadas do século passado desnorteou a produção historiográfica, colocando em dúvida a possibilidade de uma História enquanto disciplina. As questões levantadas pelos pós-modernistas ainda são extremamente relevantes, porém, suas respostas eram epistemologicamente equivocadas. Nos últimos quinze anos, contudo, começaram a surgir novas respostas a tais questões que possibilitam a reestruturação da Epistemologia da História. Dentro dessa reestruturação, a reconfiguração das concepções sobre Realismo e Objetividade, como as propostas por Bunzl e Lorenz, desempenham papel de vanguarda.

Agradecimentos Agradeço à Faperj por concessão de bolsa de Iniciação Científica. Agradeço também a minha orientadora, professora Dra. Sônia Regina Rebel de Araújo, e ao professor Ciro Flamarion Cardoso, sem os quais este trabalho não seria possível. ____________________ 1 Ankersmit, Frank. "Historicismo, Pós-modernismo e Historiografia" in: Malerba, Jurandir (org.) A História Escrita. Teoria e História da Historiografia. São Paulo: Editora Contexto, 2006. 2 Especialmente em Bunzl, Martin. Real History. London: Routledgr, 1997. ³ Especialmente em Lorenz, Chris. "Historical Knowledge and Historical Reality: a plea for 'Internal Realism'" in: Fay, Brian et al. History and Theory. Contemporary readings. Oxford: Oxford University Press, 1998, Idem, "Can histories be true? Narrativism, Positivism and the 'Metaphorical Turn'" History and Theory, 37, 1998, e Idem, "'You got your history, I got mine': some reflections on truth and objectivity in history." Österreichische Zeitschivift für Geschichtswissenschaft, 10, 1999.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

Sobre a criação dos números transfinitos de Cantor e suas conseqüências.

Guita Nascimento1, Prof. de ensino fundamental/médio (FM) e Pós-graduando (PG).

Ricardo S. Kubrusly, Pesquisador (PQ)

1. E-mail: [email protected] Palavras Chave: Conjuntos, infinito, transfinito, topologia.

Introdução Esta comunicação tem por objetivo mostrar

um pouco da teoria sobre números transfinitos criada por Georg Cantor, a partir de 1872, e que gerou a Teoria de Conjuntos como a conhecemos hoje.

Para conjuntos infinitos, ao contrário dos conjuntos finitos, os conceitos de cardinal e ordinal aparecem de modo bem diferente e a ordem dos elementos surge como mais uma característica diferenciadora podendo acontecer de dois conjuntos possuírem a mesma cardinalidade, mas números ordinais diferentes.

Além disso, Cantor percebeu que dois conjuntos infinitos poderiam ter cardinalidade diferentes, isto é, que existiam infinitos com “tamanhos” diferentes. O infinito mais intuitivo é o que obtemos do conjunto dos números naturais e que chamamos de infinito enumerável, Cantor o nomeou de . Ao infinito que representa o conjunto dos números reais, infinito não-enumerável Cantor denominou de c, que é a potência do contínuo de dimensão 1. Ele imaginou que se aumentássemos a dimensão, seria intuitivo pensar, que esta potência deveria aumentar.

0ℵ

Mais tarde demonstrou, como pode ser visto abaixo, que esta intuição estava errada e que um segmento de reta e um quadrado possuem ambos a potência c. Apesar de parecer paradoxal, este resultado possibilitou um grande desenvolvimento para o estudo da topologia.

Resultados e Discussão Segundo a teoria elaborada por Georg

Cantor, a idéia de número está associada a conjuntos, como algo que resta em comum, a dois ou mais conjuntos, quando abstraímos a natureza de seus elementos e a sua ordem, deste modo, define-se números finitos da seguinte maneira:

O número que está relacionado ao conjunto vazio é o Zero. O número n se relaciona a conjuntos eqüipolentes ao conjunto {1, 2, 3, ...., n} para algum inteiro positivo n.

Dois conjuntos são eqüipolentes quando existe uma função biunívoca entre eles, caso isto ocorra dizemos que os dois conjuntos possuem a mesma potência e são representados pelo mesmo número cardinal.

Se considerarmos a ordem em que os elementos do conjunto estão dispostos temos os

números ordinais. Para conjuntos finitos, os conceitos de número ordinal e número cardinal se equivalem e temos por exemplo que o conjunto {1, 2, 3}, o conjunto {2, 3, 1} e o conjunto {a, b, c} têm o número ordinal e cardinal exatamente igual a 3.

Para conjuntos finitos temos que se A é um subconjunto próprio de B então o cardinal de A é sempre menor que o número cardinal de B.

Richard Dedekind, usou exatamente esta característica para definir conjuntos infinitos como sendo um conjunto B que possui um subconjunto próprio A eqüipolente a B.

Para conjuntos infinitos os conceitos de cardinal e ordinal aparecem de modo bem diferente e a ordem dos elementos surge como mais uma característica diferenciadora podendo acontecer de dois conjuntos possuírem a mesma cardinalidade, mas números ordinais diferentes.

Ao número ordinal que representa o conjunto dos números naturais por completo, Cantor chamou de ω, que, por definição é maior do que qualquer número finito. O sucessor de ω, similar a aritmética finita é o número ω + 1, que segue como uma coisa natural quando mais um elemento é acrescentado ao conjunto já definido. Nem todo número transfinito tem um antecessor, neste caso ele é chamado de número limite. Podemos citar como exemplo de número limite o próprio ω, ou qualquer múltiplo dele.

Mas o que aconteceria se ao invés do elemento ser acrescentado ao final do conjunto ele fosse acrescentado no início?

Observe que para conjuntos infinitos o conjunto {1, 2, 3, 4,...., 1’} = ω + 1 é diferente do conjunto {1’,1, 2, 3, 4,.....} = 1 + ω = ω, ou seja, a ordem é fundamental.

Se quisermos calcular 2ω = ω + ω teremos o conjunto {1, 2, 3,.....,1’, 2’, 3’, ...}, por outro lado, ω2 = {1, 2} {1’, 2’} ... {1∪ ∪ ∪ ∪ν, 2ν} ... = {1, 2, 1’, 2’, 1”, 2”, ...}. Vemos então que 2ω ≠ ω2, isto é, para números ordinais transfinitos nem a adição, nem a multiplicação são operações comutativas.[CANTOR, Grundlagen, 1883]

O símbolo ω, usado por Cantor, foi colocado no lugar do familiar ∞ com o objetivo de enfatizar o fato que o número ordinal transfinito é completo, infinito atual, é pensado como um todo se contrapondo ao infinito potencial, que nunca se completa, totalmente inconveniente para seus propósitos.

Historicamente os números ordinais transfinitos apareceram primeiro e somente alguns

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anos mais tarde, em 1895, em seu artigo Beiträge zur Begründung der transfiniten Mengenlehre ( Contribuições para os fundamentos da teoria dos números transfinitos), Cantor definiu os números cardinais ou potência de M como o “conceito geral o qual, por meio de nossa ativa faculdade de pensamento surge do agregado M quando nós abstraímos a natureza de seus elementos e a ordem em que eles são dados”.

Se considerarmos o conjunto dos números naturais, ordenados de várias maneiras diferentes, temos: {1, 2, 3, 4, ....} = ω; {2, 3, 4, 5,...,1} = ω +1; {3, 4, 5, 6,....,1, 2} = ω + 2; ....;{1, 3, 5,...,2, 4, 6,...} = 2ω etc. Se não levarmos em conta a ordem de seus elementos temos o número cardinal do conjunto enumerável IN que Cantor deu o nome de 0ℵ e é o menor dos números cardinais transfinitos. Qualquer cardinal menor que é finito. 0ℵ A diferença essencial entre conjuntos finitos e infinitos é que num sistema finito sempre temos o mesmo número ordinal em qualquer seqüência dada; ao contrário, em um sistema composto de um número infinito de elementos, em geral, temos números ordinais diferentes dependendo da seqüência de seus elementos. Por outro lado, a potência ou número cardinal de um sistema, seja ele finito ou não, independe da ordem em que seus elementos aparecem.

Cantor percebeu que dois conjuntos infinitos poderiam ter cardinalidade diferentes, isto é, que existiam infinitos diferentes. Em 1874, Cantor demonstrou que se o conjunto dos números reais fossem colocados numa seqüência isso levaria a uma contradição, concluindo assim que o conjunto dos números reais era não-enumerável.

A potência do conjunto dos números reais, Cantor denominou de c, que é a potência do contínuo. Na realidade apenas os números transcendentes são suficientes para se obter a potência c.

Podemos demonstrar que é a potência do contínuo mostrando que esta igualdade vale para o intervalo [0, 1]. Se lembrarmos que todo número real, neste intervalo, pode ser escrito no

sistema binário na forma , onde a

02ℵ

∑∞

=

12

i

iia i = 0 ou ai

= 1. Pela análise combinatória vemos que temos exatamente possibilidades. 02ℵ

Geometricamente fica fácil ver que dois intervalos de tamanhos diferentes são eqüipolentes.

Figura I. Correspondência entre 2 segmentos de reta com medidas diferentes.

Poderíamos pensar, que o plano teria uma potência diferente da reta real, mas este foi outro resultado interessante que Cantor obteve e que ele próprio ficou surpreso: A potência de um espaço independe de sua dimensão e é sempre a potência do contínuo.

No artigo Contribuições à teoria dos conjuntos (1877), Cantor define uma função biunívoca que relaciona o segmento de reta [0;1], ao quadrado [0;1]x[0;1].

Figura II. Gráfico da função de Cantor, feita com o programa MAPLE,utilizando 10000 pontos.

Podemos perceber que o gráfico é

desconexo, ou seja, a função criada por Cantor não é contínua. Partindo do intervalo [0;1], que é conexo, obtivemos o quadrado [0;1] X [0;1], dividido em dez partes separadas.

Ou seja, apesar de espaços de dimensões diferentes possuírem a mesma potência, eles não são topologicamente equivalentes.

Nos anos que se seguiram ao artigo publicado por Cantor, várias demonstrações foram feitas no sentido de demonstrar que a dimensão era realmente um invariante topológico. Jakob Lüroth (1844 – 1910), deu várias provas para os casos de dimensão menor ou igual a três, enquanto Enno Jürgens apresentou uma prova para o caso bidimensional. Johannes Thomae (1840 – 1921) tentou uma primeira demonstração geral sobre a invariância das dimensões que logo se mostrou deficiente, e em 1878, Eugen Netto (1848 – 1919) deu uma segunda prova geral, por indução, mas ela também não foi completamente satisfatória. Em 1879, Cantor publica uma demonstração, também por indução, que foi aceita até 1899, quando Jürgens encontra um contra-exemplo. Somente em 1911, Brouwer (1881 – 1966) deu a primeira prova rigorosa da invariância da dimensão que usava resultados sobre topologia do plano, obtidos por Arthur Schönflies (1853 – 1928). (DAUBEN, pp.942, 943, 2003)

Conclusões Graças a teoria dos números transfinitos criada

por Cantor podemos dizer que a maioria dos paradoxos que, até então, envolviam o conceito de infinito foram esclarecidos. Outros surgiram, na

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teoria dos conjuntos, sempre relacionados com o infinito, que só mais tarde (1931) foram esclarecidos, com os trabalhos de K. Gödel.

Agora podemos, não só contar o infinito como operar com os números transfinitos através da aritmética transfinita.

O infinito potencial aristotélico finalmente deixa de reinar solitário na matemática abrindo lugar para que passemos a considerar o infinito atual.

Agradecimentos A Rodrigo Devolver que tornou possível a confecção do gráfico da figura II.

Bibliografia CANTOR, Fondements d’une théorie générale des ensembles (Grundlagen), Acta Mathematica 2, pp. 381- 408, 1883 ______ Une contribution a la théorie des ensembles, Acta Mathematica 2, pp.311 - 328, 1883, extraído do Journal de Borchardt, vol. 84, datado de 1877. ____ Contribuitions to the Founding of the Theory of Transfinite Numbers, tradução do Bëitrage feita por P. E. B. Jourdain, Chicago, Dover Publications, Inc, Nova York, 1955, publicado originalmente por Open Court Publishing Company em 1915. DAUBEN, Joseph W. Topology: Invariance of dimension. In: DUGAC, P. Richard Dedekind et les fondements des mathématiques. Paris: J. Vrin, 1976.

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Ensaios Genético-Antropológicos sobre as Migrações de Povos Originários e a Colonização pré-Colombiana da América do Sul.

Pedro P. Vieira1 (PG)*, Fabrício R. Santos2 (PQ), Ricardo Kubrusly1 (PQ) & Mércio P. Gomes3 (PQ)

* [email protected] 1 Programa de Pós-Graduação em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia – HCTE / UFRJ. 2 Departamento de Genética – Universidade Federal de Minas Gerais / UFMG. 3Departamento de Antropologia – Universidade Federal Fluminense / UFF. Palavras Chave: Povos originários, Bioantropologia Migração.

Introdução O interesse e o valor científico de pesquisas sobre a

origem do homem vêm sendo enormemente influenciados, ao longo das últimas décadas, por novas descobertas nas áreas da paleoantropologia, bioantropologia, lingüística e genética. Atualmente sabemos cada vez mais detalhes sobre a dispersão e os modos de adaptação do Homo sapiens ao longo de quase 200.000 anos de seu surgimento evolutivo. No continente Sulamericano, todavia, permanecem

muitas lacunas1. O preenchimento das mesmas por metodologias baseadas na análise de marcadores moleculares desponta como uma útil ferramenta na configuração de um quadro compreensivo sobre o espalhamento geográfico do Homo sapiens.

Figura 1. Diversidade Linguística na América do Sul. Novas tecnologias, em conjunto com estratégias

consolidadas de estudos antropológicos podem nos ajudar a deslumbrar o modo como nos adequamos às imensas variedades de biomas e o tempo que levamos para dispersar-nos pelos quatro cantos da terra, culturalizando nossos ambientes naturais. Torna-se cada vez mais importante obter evidências

destas trajetórias do ponto de vista das populações

originárias que já habitavam a América do Sul antes da chegada dos europeus.

Resultados e Discussão Esta demanda resultou em uma iniciativa global

denominada Projeto Genográfico, que na América do Sul já conta com a participação de países como o Equador, Peru e Bolívia (sob a coordenação-geral do Brasil), com a inclusão de mais de 500 voluntários. Os mesmos são indivíduos descendentes, até o momento de 20 diferentes etnias indígenas. As mesmas estão distribuídas em comunidades localizadas na região Amazônica, Lago Titikaka, e outras regiões do altiplano Peruano (ex: Cusco). Até o presente momento, a relevância científica

das atividades associadas ao Projeto Genográfico vem sendo ampliada em todos os locais onde o mesmo possui aprovação ética para ser executado. Estão em andamentos as primeiras análises laboratoriais de DNA mitocondrial e cromossomo Y dos participantes, os quais serão devolvidos aos mesmos segundo metodologia didático-antropológica especificamente gerada para cada grupamento indígena participante.

Conclusões A análise da possível relação entre marcadores

genéticos de parentesco histórico e a capacidade adaptativa destes povos à variedade de meios ambientes, suas transformações climáticas e ecológicas, bem como sua capacidade criativa diante dos desafios encontrados contribuirá para resgatar detalhes de sua pré-história e talvez viabilizar um entendimento mais amplo de suas lógicas de vida e identidade por toda a sociedade.

Agradecimentos À National Geographic Society, IBM e Waitt Family (patrocinadores), aos povos indígenas Peruanos que já fazem parte desta pesquisa, aos pesquisadores e colaboradores do Projeto Genográfico, na América do Sul. ____________________ 1 GONZÁLEZ-JOSÉ et al, The Peopling of America: Craniofacial Shape Variation on a Continental Scale and its Interpretation from an

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Interdisciplinary View. American Journal of Physical Anthropology, 2008.

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D. Pedro II e a Botânica

Regina M. M. C. Dantas (PG)

regina@ pr2.ufrj.br Palavras Chave: D. Pedro II, Botânica, Museu Nacional, Paço de São Cristóvão, Colecionismo, Herbário.

Introdução A presente pesquisa foi motivada devido a duas disciplinas cursadas no doutorado do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia/UFRJ. Ao ter apresentado breve análise sobre os estudos da botânica no Brasil oitocentista, iniciado pelos índios1, constatei a sensibilidade, interesse e apoio dado pelo imperador d. Pedro II a esta área do conhecimento durante o Segundo Reinado, aos naturalistas estrangeiros, nacionais, em especial no Museu Nacional. Sendo historiadora da instituição, justifica a elaboração de um trabalho específico sobre o assunto articulando: a figura do imperador, a botânica, o Museu Nacional e o Paço de São Cristóvão, ex-residência do monarca e atual prédio do Museu Nacional.

Resultados e Discussão O interesse de d. Pedro II pelos estudos da botânica iniciou ao ter herdado o herbário de sua mãe, a imperatriz Leopoldina, que ainda jovem, aos treze anos, possuía um gabinete de mineralogia2 e, ao chegar ao Brasil para o enlace matrimonial com o príncipe d. Pedro I em 1817, constituiu o seu herbário (coleção de plantas dissecadas). Seu filho d. Pedro II, ao herdar o herbário da imperatriz, inseriu ao longo dos anos mais espécime classificando-as devidamente e tendo reservado uma das quatro salas de seu museu para guardar as exsicatas (Figura 1).

Figura 1. Exsicata de Lepoldina e que figurou no Museu do Imperador.

Ao visitar nos dias de hoje o antigo prédio do Paço de São Cristóvão, estranhamos alguns de seus símbolos que estão nas paredes e tetos do atual Museu Nacional, que dentre muitos vestígios, nos remetem a importância da botânica (Figura 2). Figura 2. Pintura floral no teto do hall principal do palácio. As fontes primárias utilizadas serão as do arquivo do Museu Nacional e as do Museu Imperial, incluindo suas exsicatas e desenhos associadas às bibliografias sobre o assunto.

Conclusões Espera-se com a presente reflexão dar visibilidade a relação do monarca com a Botânica, área de estudos que teve destaque no Museu do Imperador3 e nas ações junto aos especialistas. Com isso, apresentaremos um perfil do imperador colecionador e sensível às ciências, diferente do modelo que é usualmente apresentado - como um mecenas.

Agradecimentos Agradecemos aos professores Carlos Alberto Filgueiras e Carlos Benevenuto Guisard Koehler, ambos do Curso de Pós-graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia que fortaleceram o meu olhar para a Botânica.

____________________

1 Ferri, Mário Guimarães. A Botânica no Brasil. In: Fernando Azevedo (org.) As ciências no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994. v. 2. 2 Oberacker Junior, Carlos H. A Imperatriz Leopoldina: sua vida e sua época. Rio de Janeiro: CFC; IHGB, 1973. 3 Schwarcz, Lilia M., Dantas, Regina O Museu do Imperador: quando colecionar é representar a nação. In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros/USP, São Paulo: IEB, n° 46, 2008.

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Frieda Wolff e a historiografia judaica no Brasil

Sofia Débora Levy1 (PG)*

1 Endereço: Rua Almirante Gonçalves, 15/701 – Rio de Janeiro (RJ) CEP 22040-060 E-mail: [email protected] Ethel Kauffmann Endereço: Cupertino Durão 144/101 –Rio de Janeiro (RJ) CEP 22441-30 E – mail: [email protected] Palavras Chave:Historiografia,Judaísmo,Brasil

Introdução

Frieda Wolff nasceu em Berlim em 1911, onde se formou em Ciências Sociais, chegou ao Brasil em 1936. No Brasil, fixou residência inicialmente em São Paulo, e depois no Rio de Janeiro. Foi presidente das Damas e vice-presidente de Planejamento da Policlínica Israelita do Rio de Janeiro, membro da comissão redatora da revista Menorah, curadora da Exposição Voyages to Freedom: 500 years of Jewish Life in Latin América, em New York, e fundadora do Memorial Judaico de Vassouras, no Estado do Rio de Janeiro.

Junto com seu marido Egon Wolff (1910 -1991) desenvolveu pesquisas sobre a história dos judeus no Brasil, notadamente no período colonial. A qualidade do trabalho dos Wolff levou o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro a convidá-los a se associar à entidade em 1985.

Resultados e Discussão

Na década de sessenta, já residindo no Rio de Janeiro, em trabalhos comunitários junto à Policlínica Israelita, o casal Wolff se deu conta de que não haviam registros precisos quanto ao início da colônia judaica em nosso país. Essa curiosidade acerca da História, levou o casal a empreender pesquisas profundas ao longo de toda a vida. Sempre trabalhando juntos. Vida e obra entrelaçadas.

O interesse inicial pela história dos judeus no Brasil surgiu nos anos 60 quando Egon e Frieda já haviam se transferido para a cidade do Rio de Janeiro, e atuavam em instituições comunitárias, em particular no setor de beneficência vinculado à Policlínica Israelita, mais tarde Hospital Israelita Sabin. A falta de informações precisas sobre o início da colônia judaica em terras brasileiras, e a inexistência de uma literatura histórica fidedigna dessa natureza, foram a motivação original das pesquisas implementadas por Frieda e seu marido Egon.

Começaram a ler a respeito, sobre o Brasil-colônia até o Marquês de Pombal, e se deram conta que, a partir daí, acabavam as informações. Isso

porque o Marquês de Pombal interditara o mencionar diferenças entre cristãos-novos e cristãos-velhos. Do século XIX não se sabia nada a respeito. Isso intrigou o casal, que resolveu iniciar pesquisa - com recursos próprios. Um amplo levantamento com base em fontes primárias foi feito ao longo de suas vidas, viajando, visitando e conferindo documentos, revistas, cartórios no Brasil e no mundo. Décadas de trabalho rigoroso levado a cabo por um casal sem formação em História, enriqueceu de modo único a cultura judaico-brasileira.1 Dezenas de publicações entre artigos, livros e revistas compõem o legado dos Wolff, disponibilizado ao IHGB.

Frieda se manteve ativa junto a diversas instituições judaicas, e à frente do Memorial Judaico de Vassouras, inclusive comparecendo às reuniões de Diretoria, até seu limite de saúde impor-lhe o descanso eterno neste ano de 2008.

Figura 1.

Conclusões

As pesquisas de Frieda e Egon Wolff acerca da imigração e assentamento dos judeus no Brasil são rigorosas, sob aspecto quantitativo e qualitativo, tendo superado dubiedades e controvérsias que até então constituíam lacunas nesse mapeamento. Com isso, proporcionaram à historiografia judaica no Brasil a elevação a um patamar de cientificidade de

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renome internacional, entrelaçando os conhecimentos da História do povo judeu e do Brasil.

Agradecimentos Aos queridos Egon e Frieda Wolff os sinceros

agradecimentos pelos frutos deixados a nós e às gerações vindouras no delineamento da história judaico-brasileira. _____ 1 Falbel, N. (Org.) Egon Wolff 1910-1991 Coletânea de Artigos e Conferências.. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1991.

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Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional: uma oficina de idéias

Patrícia Regina Corrêa Barreto1 (PG), [email protected]. 1 Avenida Athos da Silveira Ramos, 149 - Cidade Universitária - Ilha do Fundão / Rio de Janeiro.

Palavras Chave: História, Ciência e Tecnologia.

Introdução Longe de ser uma associação de classe, a

Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional foi criada no espírito da Ilustração e era, como tantas outras sociedades da época, uma comunidade que se propunha ser científica, mas que congregava no mesmo espaço letrados, políticos e homens ligados ao mundo dos negócios. No entanto, o seu afastamento das artes literárias e poéticas a fez diferente das congêneres brasileiras. A associação surgiu com o objetivo de explorar a natureza e colocá-la a serviço do progresso e da transformação do país. Aprovada na efervescência da Independência, em seus estatutos constava o seu fim: “promover por todos os meios ao seu alcance, o melhoramento e prosperidade da Indústria no Império do Brasil”, amalgamando os alicerces econômicos da nova nação com a produção de conhecimento científico.

Resultados e Discussão Inspirada na francesa Société D’Encouragement à

L’Industrie Nationale, da qual herdou seu próprio nome, nasceu sob a jurisdição do Governo, ligada ao Ministério dos Negócios do Império, passando, posteriormente, para os domínios do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras (MACOP). A partir de 1860, tornou-se órgão consultivo do Estado, concedendo licenças e prêmios para aqueles que se dispusessem a desenvolver novas espécies e máquinas agrícolas.

De acordo com seus primeiros estatutos, objetivava-se adquirir projetos, máquinas, modelos e inventos que pudessem concorrer para o êxito da indústria nacional. A associação esteve voltada, prioritariamente, para transformação de uma agricultura rotineira e esgotadora, baseada no machado e na coivara, em uma atividade moderna revigorada por insumos, pelo desenvolvimento e adaptação tecnológica, tropicalização e diversificação de culturas, resultando na retomada e na expansão agrícola, através da introdução de inovações técnicas.

Assim, quando os membros da Sociedade se propuseram a auxiliar a indústria, eles não objetivavam uma expansão manufatureira no Brasil. Muito pelo contrário, o que pretendiam era, a partir da engenhosidade do espírito humano, agregar valores à produção agrícola através do uso da Ciência, na medida em que grande parte pertencia ou descendia da aristocracia rural. As fábricas que

surgiram em meio a este processo de inserção de técnicas e tecnologias na lida com a terra, estavam direta ou indiretamente voltadas para este fim: acrescer qualitativa e quantitativamente a agricultura brasileira.

Conclusões A agricultura brasileira estava em processo de

definhando devido a uma combinação de fatores que podiam ser resumidos nos seguintes itens: Falta de tecnologias e técnicas modernas para desenvolvimento da produção, além é claro de outros problemas recorrentes, como a falta de crédito, as dificuldades de transporte, escassez de braços e destruição ambiental. O desenvolvimento das atividades agrícolas foi o cerne das discussões durante todo século XIX, momento em que a mineração estava em plena crise e o sistema colonial, baseado no trabalho do escravo africano entrava em processo de desmoronamento.

O que se pretende implementar é uma releitura da História do Brasil do século XIX, a partir dos impasses relativos ao processo de institucionalização da Ciência no Brasil. Trata-se de uma reflexão sobre o estabelecimento do pensamento científico brasileiro através de uma associação de caráter privado, que teve como objetivo central fomentar o conhecimento técnico, e consolidar dos métodos científicos e processos industriais que dinamizassem a produção agrícola no Brasil. A segunda mais perene associação do Império, que reuniu notabilidades da intelectualidade brasileira, aspirava ao desenvolvimento de projetos, máquinas, modelos e inventos que pudessem contribuir para o aumento da produtividade e a prosperidade nacional. Homens que tiveram a iniciativa de reunir e manter as condições propícias para a produção, a difusão, o ensino, a divulgação, a organização, a promoção e a prática da Ciência no Brasil.

Bibliografia 1 ANTONIL, André João. “Cultura e Opulência do Brasil”. Belo Horizonte: Itatiaia, Coleção Reconquista do Brasil, Nova Série, v. 70, 1982. 2CARONE, Edgar. “O Centro Industrial do Rio de Janeiro e sua importante participação na economia nacional (1827-1977)”. Cátedra: Rio de Janeiro: 1978. 3 DANTES, Maria Amélia M. (org.). “Espaços da Ciência no Brasil: 1800 – 1930”. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001.

Agradecimentos Ao Mestre, e amigo, Professor Carlos Alberto Lombardi Filgueiras.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

A vinda da Família Real para o Brasil e as Transformações na Saúde Pública no Rio de Janeiro

Flávia Cristina Morone Pinto*1 (PQ),Vagner Pereira de Souza 2 (PQ), Teresa Cristina C Piva 3(PQ) 1 Mestre em Saúde Pública – Profª do Curso de Graduação em Enfermagem e Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Saúde Pública, do Centro Universitário Celso Lisboa. 2 Bacharel e Licenciado em História - Prof. de História da Saúde Pública do Curso de Pós-Graduação em Saúde Pública, do Centro Universitário Celso Lisboa. 3 Doutora em Ciências – Profª do Curso de Pós-Graduação de Enfermagem - Terapia Intensiva e Enfermagem do Trabalho, do Centro Universitário Celso Lisboa. Centro Universitário Celso Lisboa Rua 24 de Maio 797 - Sampaio - Rio de Janeiro/RJ - Cep: 20950-091, Tel: 21 3289-4722 Email: [email protected] Palavras Chave: Saúde Pública, Rio de Janeiro, Corte Portuguesa, Família Real.

Introdução O Rio de Janeiro até a chegada da família real em 1808 era uma cidade insalubre, pantanosa, com águas estagnadas e com poucas ruas, crescendo desordenadamente. Existia dificuldade de abastecimento de água, não havia saneamento, a falta de higiene era total, não havia esclarecimento, uma vez que população era praticamente toda analfabeta.

Fig 1- Vista da Lagoa do Boqueirão com o Aqueduto da Carioca. Pintura de Leandro Joaquim, 1790, Acervo do Museu Histórico Nacional.

A vinda da corte para o Brasil foi o momento considerado apropriado para ocorrer mudanças. Foi chegada à hora de sanear a cidade ou de pelo menos “esconder” o que ocorria na realidade. Nem todos compartilharam desta idéia, foi o caso do médico Domingos Ribeiro Peixoto que declarou o seu pensamento sobre as condições sanitárias do Rio de Janeiro em um livro publicado em 1820.[1] Este trabalho tem como objetivos mostrar os impactos para a saúde pública do Rio de Janeiro com a vinda da Família Real para o Brasil e oferecer um breve panorama da saúde pública da época.

Resultados e Discussão As ruas estreitas e alagadas, sem saneamento, a água potável escassa, todos estes fatores propiciavam a proliferação de doenças, ou melhor “miasmas”. As práticas que se instituíram para fazer face à peste buscaram, assim, evitar a

proximidade e o toque, e, ao mesmo tempo, neutralizar com perfumes e máscaras os odores viciados que corrompiam o ar. A corrupção do ar era percebida como fenômeno originário do lixo, das profundezas do solo, de conjunções astrológicas malignas e também dos próprios doentes e cadáveres. A doença se alastrava de um para outro; a participação do ar era fundamental[2].

A população estava à sorte de adquirir diarréias, disenterias, verminoses, sarnas, bichos de pé, bernes, piolhos sem contar com as doenças epidêmicas e contagiosas, como peste, varíola, malária e febre amarela. A transferência da Corte portuguesa para o Brasil fez com que as elites estabelecidas no Rio de Janeiro elaborassem paulatinamente um projeto de “civilização” para os trópicos.

Conclusões O movimento iniciado com a chegada da Corte foi prolongado ao longo do período Imperial, chegando à passagem da Monarquia ao Republicanismo. Essa passagem foi pautada na negação do passado histórico com a afirmação do moderno como marca da transformação. As lições deixadas pela presença da Corte modificaram também os hábitos e costumes frente aos problemas de saúde pública. A beleza também se traduzia em um ambiente livre de doenças e epidemias, onde a sociedade podia crescer em número e em qualidade de vida. ____________________ 1 - Ribeiro, Domingos. Aos sereníssimos príncipes reais do reino unido de Portugal, do Brasil e do Algarve, os senhores d. Pedro de Alcântara e d. Carolina Leopoldina, oferecem em sinal de gratidão, amor, respeito e reconhecimento estes Prolegômenos, ditados pela obediência, que servirão às observações que for dando das moléstias cirúrgicas do país em cada trimestre.Imprensa Régia, 1820

2 -Czeresnia, Dina. Do contágio à transmissão: uma mudança na estrutura perceptiva de apreensão da epidemia. História, ciências, saúde, vol IV(1), Mar-Junh, 1997.

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1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

O pioneirismo de Jorge Marcgrave na astronomia brasileira

Oscar T. Matsuura (PQ)

Professor associado (aposentado) do Depto. de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP

[email protected]

Rua Itacema, 199 apto. 43, São Paulo, SP, CEP 04530-050. Palavras Chave: Astronomia do século XVII, Jorge Marcgrave, Invasão Holandesa, Recife

Introdução

Do trabalho científico de Jorge Marcgrave (1610-1643) realizado no Brasil Holandês, foram logo publicados em 16481 os estudos sobre botânica, peixes, pássaros, quadrúpedes, serpentes e insetos. Uma tradução2 desses estudos foi publicada pelo Museu Paulista em 1942. Igual sorte não tiveram os trabalhos astronômicos, à exceção de um breve estudo sobre o eclipse total do Sol de 13 de novembro de 1640 e sobre a longitude da ilha Maurícia em Recife3. Neste trabalho a contribuição de Marcgrave em astronomia é descrita e analisada com base em manuscritos astronômicos depositados na Biblioteca do Observatório de Paris. Este estudo contou também com subsídios dos documentos astronômicos inéditos do Arquivo Regional de Leiden. O objetivo do trabalho é trazer à tona este episódio da história da astronomia do Brasil e avaliar a sua importância através de uma pesquisa, a mais próxima possível de suas fontes.

Resultados e Discussão O observatório e os instrumentos são discutidos com base na descrição de Marcgrave e comparados com similares da época e com o Observatório da Universidade de Leiden onde Marcgrave esteve antes de partir para o Brasil. Esse observatório, criado em 1633, foi o primeiro observatório de uma universidade européia. As observações no Brasil foram feitas entre 1638 e 1643, mas paralelamente com outros diferentes afazeres e interrompidas por várias e longas expedições. Inspirada num estudo de Pingré4 (1711-1796), foi feita uma nova periodização da série observacional de Marcgrave e discutida a controvertida questão da mudança do local do observatório. Para a análise as observações foram assim divididas: observações meridianas do Sol, observações extra-meridianas do Sol, observações

meridianas de estrelas, observações de planetas e de eclipses. As medidas registradas de elevação e azimute dos astros foram analisadas quantitativamente para a estimativa de erros, sobretudo os instrumentais, para a determinação da latitude e da duração da oscilação do pêndulo usado então para a contagem do tempo. Não havia ainda na época uma nomenclatura estelar estabelecida para as estrelas e constelações austrais. Foi assim elaborada uma lista de correspondência entre as designações atuais e as designações usadas por Marcgrave para estrelas e asterismos. No final é feita uma avaliação do trabalho astronômico de Marcgrave à luz do projeto que ele tinha em mente e que consta nos manuscritos. Por sua vez o próprio projeto é avaliado no contexto de uma época em que a astronomia sofreu as mais radicais transformações em sua história. Afinal esse é o período imediatamente posterior a Tycho, Galileu e Kepler e anterior ao advento da teoria universal da gravitação de Newton.

Se um observatório astronômico pode ser classificado como moderno se tiver instalação permanente e for dotado de telescópio, o observatório de Marcgrave no Recife foi o primeiro observatório moderno do hemisfério sul e também do Novo Mundo. Foi uma pena que o retorno de Maurício de Nassau para a Holanda em 1644 tenha abreviado a permanência de Marcgrave no Brasil, e que sua morte precoce em Angola, em 1643, não tenha dado a ele tempo suficiente para completar seu ambicioso projeto astronômico. Mas tempo houve para que o observatório fosse erigido, seus equipamentos confeccionados, instalados e operados, e uma rotina observacional fosse mantida e registrada ao longo de cinco anos. Esse é um fato que merece ser amplamente propalado no Ano Internacional da Astronomia (2009) quando o Rio de Janeiro abrigará pela primeira vez no Brasil a Assembléia Geral da União Astronômica Internacional.

Conclusões

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Os manuscritos astronômicos de Marcgrave foram aqui analisados pela primeira vez de forma global e sistemática. Esse estudo permitiu formar um quadro da atividade astronômica realizada por Marcgrave no Brasil Holandês. Permitiu também uma avaliação do mérito e das limitações dessas atividades no contexto da época. Para a história da astronomia brasileira o trabalho de Marcgrave, embora não tenha se completado, confere ao nosso País a importante primazia de ter abrigado e operado o primeiro observatório astronômico moderno do hemisfério sul e do Novo Mundo.

Agradecimentos Cópia dos manuscritos de Paris foi obtida através do MAST, Rio de Janeiro. Com uma bolsa de iniciação científica concedida em 2003-2004 pela Omnislux, São Paulo, André Luiz da Silva, do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini, São Paulo, fez a identificação das estrelas observadas na passagem meridiana. ____________________ 1 Piso, W. Historia Naturalis Brasiliae. Lugdunus Batavorum: Lud. Elzevirius, 1648. 2 Marcgrave, J. História Natural do Brasil. Trad.: Mons. Dr. José Procópio de Magalhães, Ed. do Museu Paulista Comemorativa do Cincoentenário da Fundação da Imprensa Oficial do Estado: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1942 3 Piso, G. De Indiae utriusque re naturali et medica. Amstelaedamus: Lud. et Dan. Elzevirius, 1658 4 Bigourdin, M. G. Annales Célestes du dix-septième siècle. Académie des Sciences, Bureau des Longitudes de l’École Politechnique : Gauthier-Villars, 1901

25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 2