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COLEÇÃO PARA SABER MAIS MEDITAÇÃO 1 2 7

Super Interessante - Meditacao

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COLEÇÃO PARA SABER MAIS

MEDITAÇÃO

JOMAR MORAIS

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© 2004 EDITORA ABRIL © 2004 JOMAR MORAISEditora Abril S/AAv. das Nações Unidas, 7221 - Pinheiros05425-902 - São Paulo - SPTodos os direitos reservados.Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer meios, sem prévia autorização escrita da Editora.Impresso no Brasil Printed in BrazilISBN:85-364-0139-7

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COLEÇÃO PARA SABER MAIS

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO:ERNESTO YOSHIOA (EDITOR)

RENATA STEFFEN (CAPA)© MANUEL NOGUEIRA (FOTO DA CAPA)FABRICIO FERREIRA/BLZ (MAQUIAGEM)

GLAUCO DIOGENES (ILUSTRAÇÕES)OPDESIGN (DIAGRAMAÇÃO) NORMA GUSUKUMA E MAR1LENE FERREIRA (REVISÃO) AGRADECIMENTO:

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INTRODUÇÃO

PARAR, RESPIRAR, AGRADECER

O mulá Nasruddin, espécie de sábio-galhofeiro do sufismo, a ala mística do Islã, procurava algo na rua, sob a luz de um poste, quando um homem o abordou:

— O que está procurando, mula?— A minha chave — respondeu Nasruddin.O transeunte passou a ajudar o religioso, mas, como o esforço da busca se

mostrasse inútil, depois de algum tempo resolveu indagar sobre onde, afinal, ele havia perdido a chave.

— Na minha casa — disse o mula.— Idiota! Então por que está procurando aqui? — replicou o agora

irritado ajudante.— Por que aqui há mais luz — respondeu Nasruddin.Em nossa época somos quase todos como Nasruddin, revelando no

paradoxo das ações cotidianas o devaneio em que seguem nossas vidas. Há mais luz no mundo exterior dos estímulos sensoriais e, por isso, estamos sempre buscando a chave da própria felicidade na agitação das formas e sons que nos entretém, na frenética viagem dos pensamentos ao passado e ao futuro, na exaustiva sustentação de uma auto-imagem que nos proteja de ameaças que não sabemos nomear... Mas a chave está em casa, escondida no canto mais íntimo do ser, na escuridão profunda de nossa essência. Para encontrá-la, cada um terá de expor-se aos riscos de tatear no labirinto, ainda que mapas e setas deixados pela sabedoria ancestral nos auxiliem apontando rumos e atalhos. Toda procura interior é, acima de tudo, um empreendimento individual e exclusivo.

Que este livro possa lhe ser útil, de algum modo, ao longo de sua busca. Para meditar você precisa estar pronto. Isto é, precisa estar no momento certo de sua vida, aquele em que se encontra preparado para ouvir sua voz, seu coração, sua respiração. Coisas simples. Parar e respirar. Mas na rotina de uma vida atabalhoada e inconsciente, isso é tudo o que não queremos fazer. Na verdade, não conseguimos fazer. Enredados numa teia de condicionamentos e fixações, perdemos a capacidade de parar, fruir o instante, ver as coisas com clareza, comandar as nossas vidas. Precisamos cada vez mais de estimulantes externos para nos mantermos na corrida sem propósito e de uma caixinha de tranqüilizantes que nos faça driblar a insônia quando vem a noite. Precisamos continuamente de uma novidade que nos livre do tédio e de uma fórmula fechada que nos aplaque a insegurança. A solução, no entanto, está perto. Está dentro de você. Não é preciso ir a qualquer lugar ou fazer algo diferente para acessá-la. Mas acredite: isso é um trabalho árduo.

O MAPA E O TERRITÓRIO

Nas páginas seguintes, analisaremos um mapa e suas trilhas: o mapa da mente e as trilhas para alcançar suas diversas instâncias, traçados por

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"bandeirantes" que no passado desbravaram o terreno insólito em mergulhos abissais dentro de si mesmos. Acrescentamos a esses registros das tradições sapienciais a contribuição contemporânea da ciência, empenhada em desvendar a base biológica dos fenômenos transcendentais e empolgada com os seus efeitos sobre o corpo e a psicologia humana. O mapa, porém, não é o território. É uma aproximação que, inevitavelmente, será ajustada por você mesmo durante a caminhada. Só você, pela decisão de experimentar e pela persistência em prosseguir, será capaz de dizer o que melhor combina com o seu perfil.

O conteúdo central está distribuído em nove capítulos escritos com a intenção de interagir com o leitor. Isso explica por que, em algumas partes do texto, você será convidado a suspender a leitura, a fim de experimentar exercícios simples, assinalados por um símbolo especial de pausa:

Já no primeiro capítulo, Aqui e Agora, tentamos levá-lo a entender o que é meditação a partir de sua experiência pessoal enquanto lê estas páginas. Conceitos, definições e referências são utilizados como meios de estimulá-lo a descobrir, de imediato, a simplicidade e a importância do processo meditativo em e por si mesmo. O capítulo seguinte, O Lugar da Mente, satisfará a sua sede de detalhamento: ali há subsídios para um entendimento mais amplo da mente - a um só tempo alvo e instrumento da meditação - em seus múltiplos aspectos e poderes nos níveis subjetivo e objetivo da vida. Os Capítulos III,A Força da Motivação, e IV, A Mente Meditativa, completam a fundamentação inicial, permitindo-lhe encontrar a motivação adequada para seguir na prática meditativa e romper obstáculos internos ao estabelecimento da visão clara e criativa. O Capítulo V, Meditação e Ciência, resume o que os cientistas de centros de pesquisas renomados já descobriram sobre a prática meditativa a partir de imagens intra-cerebrais feitas por tomógrafos, de medições do sistema imunológico e de estudos comportamentais que sinalizam um uso social promissor da meditação a médio prazo.

A partir do Capítulo VI, A Prática da Meditação, tratamos mais especificamente do processo de meditar e suas etapas. Ali são descritos e analisados a concentração, as posturas, a importância da respiração e dos mantras, os recursos das visualizações e dos koans (enigmas usados no zen) e também algumas armadilhas no caminho do praticante. A escalada evolutiva do meditador é detalhada com o auxílio de uma imagem utilizada em mosteiros budistas do Oriente, no Capítulo VII, Os Nove Estágios. E, no Capítulo VIII, Escolha a Sua, apresenta-se um leque de técnicas tradicionais de meditação sentada, em pé e dinâmica, com instruções suficientes para aplicação imediata. Por fim, o Capítulo IX, Perguntas e Respostas, responde a questões marginais

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que preocupam os iniciantes.Não existe nada neste livro que você não possa descobrir por si próprio.

Mas para isso é necessário adentrar a escuridão da casa íntima e procurar a chave durante o tempo que for necessário. Se você não consegue fazê-lo, é porque sua mente está fazendo muito barulho. Nesse caso, a leitura destas anotações o ajudará a transpor o portal do silêncio, a fim de realizar as próprias conquistas. Nosso objetivo é levar a você um conhecimento básico extraído da experiência milenar de sábios e místicos e da própria experiência do autor, ainda tateando na escuridão do labirinto mental. A opção de arquivar essas informações ou usá-las como ponto de partida para a sua busca é exclusivamente sua. A decisão de meditar, no entanto, deve ser precedida de reflexão e seguida de providências que assegurem a prática correta, como o aprofundamento da leitura e a escolha de um mestre ou grupo que o oriente e facilite seu desenvolvimento. Ainda quando a nossa motivação é corriqueira e superficial, como acalmar a mente e reduzir o estresse, é bom lembrar que meditação é coisa séria.

GRATIDÃO Á VIDA

Ao ler o segundo capítulo, certamente, você compreenderá algumas nuances deste trabalho. Entenderá, por exemplo, o porquê de algumas diferenças de enfoques e destaques na abordagem de certos temas, em comparação com livros que você leu anteriormente. O texto aqui apresentado é produto de uma mente. E mentes, você verá, são tão multifacetadas quanto o universo. Aliás, há muitos mestres espirituais -e, hoje em dia, alguns cientistas - que afirmam ser o próprio universo uma experiência da mente. É preciso muita metafísica e física quântica para processar esse conceito, razão por que, para entender a diversidade mental, prefiro voltar-me para um fato banal e concreto, como a observação de uma flor. Quando isso acontece lidamos com dois objetos de percepção: a flor exterior, compartilhada com outras pessoas que estiverem olhando para ela, e uma flor interior, nos nossos pensamentos. É esta última que dá sentido ao que vemos.

O livro que você tem em mãos reflete, em seu conteúdo e forma, aspectos da mente do autor, mas está longe de ser uma obra solitária, até porque não existe obra solitária, apesar da ilusão pertinaz dos egos cada vez mais inflados de nosso tempo. A interdependência que sustenta o cosmo e todos os seres está presente neste trabalho — da contribuição da árvore que gerou o papel aos mestres e autores consultados, cuja sabedoria são a base das idéias relatadas adiante. Entre um pólo e outro, uma enorme cadeia de colaboradores anônimos contribuiu, de alguma forma, para a materialização deste livro nos estágios de planejamento, produção, impressão, distribuição etc. Todos merecem minha profunda gratidão. Mas há alguns cujos nomes, por dever de consciência, preciso mencionar.

Agradeço a Deus ou, se você prefere assim, agradeço a Brahma, a Alá, ao Vazio, a todas as representações da causalidade absoluta, a inefável fonte cósmica que se manifesta de múltiplas formas, inclusive em mim e em você. Ao lama Padma Samten, à monja Coen Sensei, ao iogue Pedro Kupfer e à monja e doutora em psicologia Susan Andrews, cujas entrevistas foram fundamentais para

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aplacar as minhas dúvidas e fazer-me enxergar a riqueza e os riscos da caminhada meditativa. À monja Ani Zamba, pelos esclarecimentos dados durante seu workshop. Ao jornalista Caco de Paula, pela ajuda fraterna e compassiva que iluminou algumas etapas desta caminhada. A Vítor Caruso Jr., do Ciência Meditativa, por facilitar acessos e acrescentar esclarecimentos. Aos jornalistas Paulo Nogueira e Adriano Silva, por me proporcionarem a oportunidade de escrever este livro, e ao editor Ernesto Yoshida, pelo respeito e zelo para com o meu texto. Aos meus companheiros do Sapiens – Centro de Estudos Filosóficos e Autoconhecimento, onde pratico meditação em Natal, pelo carinho, estímulo e questionamentos durante o exaustivo trabalho de redação. À minha família, sempre paciente, prestimosa e compassiva ao longo de décadas de convivência. A você, leitor, que me brinda com o privilégio de sua leitura.

Os acertos e todas as contribuições positivas desta obra devem ser creditados aos colaboradores citados. Os erros correm por conta de minhas distrações e ignorância. Ficarei grato, se puder identificá-los com a sua ajuda, a fim de que sejam corrigidos em uma próxima edição.

Jomar Morais [email protected]

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AQUI E AGORA

Como um homem preso na areiaMovediça, se agitando e se debatendo,

Deste modo os seres afundam na confusãoDos seus próprios pensamentos

Nagarjuna, sábio indiano do século III

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I – AQUI E AGORA

E agora, leitor? O que acontece com você agora, no exato momento em que lê este texto? Você realmente está aqui, prestando atenção ao que escrevo? Tem certeza?

Talvez você se dê conta de que, apesar de seus olhos estarem voltados para esta página, nos últimos segundos sua mente vagueou num turbilhão de pensamentos que trouxe à tona fatos recentes - o filme que você viu ontem, a conversa tensa com o chefe, aquela piada irreverente... — ou coisas que sequer aconteceram e só existem na tela de um futuro imaginado. O livro está em suas mãos e o processo de leitura continua a ocorrer, digamos, sob o comando de um "piloto automático". Mas onde está sua consciência? É provável que pensamentos intrusos a tenham levado para muito longe.

Estranho? Não. É normal. A maioria das pessoas nunca está por inteiro onde estão os seus corpos. Pensando bem, essa é a própria rotina de nossa mente, sempre pronta a sair do rumo cada vez que tentamos direcioná-la para o que está acontecendo. Estima-se que ela seja a geradora de cerca de 14 000 pensamentos por dia, uma balbúrdia de lembranças, julgamentos, projeções, gostos, desgostos, culpas etc. que praticamente nos coloca numa situação próxima à dos loucos que falam e resmungam o tempo todo. A diferença é que os outros não conseguem ouvir nossos sussurros mentais.

No Oriente, costuma-se comparar a mente a um macaco louco e bêbado que foi picado por um escorpião. É uma imagem forte que nos ajuda a compreender a natureza do processo mental, agitado pelo fluxo ininterrupto dos pensamentos, e explica por que, no dia-a-dia, saltitamos entre divagações no passado e no futuro, fugindo do único lugar e do tempo onde tudo acontece - o aqui e agora. Essa mente desatenta sustenta as ilusões que nos impedem de enxergar a vida como ela é e, sobretudo, turva a percepção de nós mesmos, obscurecendo a visão de nossa essência mais pura. Nessa essência, o verdadeiro ser, repousa a consciência serena, fonte de paz e alegria. Mas a mente tumultuosa cria um falso eu, prisioneiro do medo, que gera e perpetua o sofrimento. Ainda assim, a referência ao macaco maluco pode ser uma imagem incompleta. A poderosa mente humana, dinâmica e impetuosa, é também plástica e disciplinável. Logo, pode ser purificada e transformada, se abordada corretamente.

Outra metáfora oriental, retratada num mural do mosteiro budista Kopan, no Nepal, ilustra, com mais precisão, a complicada relação entre nós e o nosso mundo mental. Ao longo de um caminho sinuoso, um homem corre desesperadamente atrás de um elefante que, indiferente aos seus berros, segue os passos de um macaco desvairado. Após várias curvas e muitas tentativas, o homem consegue montar o elefante, ultrapassa o macaco e, finalmente, pacifica os animais, assumindo ele próprio o comando da caravana. O macaco atabalhoado representa os pensamentos que continuamente arrastam a mente (o elefante) num ritmo alucinante. O homem, porém, forçado a ir ao encalço da dupla sôfrega, tem sempre a possibilidade de tomar para si as rédeas e pôr as coisas em ordem. A isso chamamos meditação.

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Meditar é aquietar a mente, esvaziando-a do redemoinho de pensamentos que nos distraem sem tirá-la do estado de alerta. É domar o elefante pelo exercício da atenção plena, para logo em seguida serenar o macaco indócil mediante uma concentração afinada. Veremos adiante como fazer para alcançar essa proeza. Meditação, no entanto, não é algo que se possa explicar e compreender apenas com palavras. Definições e conceitos, ainda que minuciosos, acabam esbarrando nas limitações da linguagem e, principalmente, na ilimitada diversidade das mentes, tão multifacetadas quanto o universo. Praticá-la é o único meio pelo qual podemos entender plenamente o processo. Para isso, dispomos de um leque de doutrinas e modelos que nos auxiliam a cruzar o portal do mundo interior, só toscamente retratado em palavras, inclusive por essas doutrinas e modelos.

SABEDORIA E SIMPLICIDADE

A origem da meditação se perde na noite dos tempos. Talvez seus rudimentos tenham surgido na Idade da Pedra, quando os nossos ancestrais conhecidos como homens de Neandertal - nômades que vagaram entre a África, a Ásia e a Europa, entre 130 000 e 30 000 anos atrás - tornaram-se as primeiras criaturas a sepultar os mortos com cerimônia e, ao que tudo indica, também as primeiras a se entregarem a exercícios introspectivos. Como prática formal, porém, a meditação começou na Índia antes mesmo do período védico, por volta de 1500 a.C, época em que surgiram as primeiras escrituras sagradas do hinduísmo. Alguns séculos depois, a prática se consolidaria como uma das formas do yoga - a âhyana yoga - e ganharia no budismo, doutrina que prioriza o treinamento da mente, o status de ferramenta básica. Ao espraiar-se por diferentes países, o hábito de meditar acabou sendo incorporado, de algum modo, à prática esotérica de todas as grandes tradições religiosas, inclusive as religiões abraâmicas, predominantes no Ocidente: judaísmo, cristianismo e islamismo.

Apesar desse histórico, a meditação não deve ser encarada, hoje em dia, apenas do ponto de vista restrito do misticismo ou como uma coisa exótica. Ela é uma técnica de aperfeiçoamento de nossa atenção e percepção, a qual potencializa aquilo que somos em essência e cujos efeitos psicológicos e físicos são cada vez mais atestados pela ciência. É verdade que, quando se fala em meditação, logo pensamos em alguém sentado de pernas cruzadas, os olhos cerrados, mergulhado num ambiente de silêncio profundo. É natural. Esse é o jeito clássico de meditar — e, certamente, o mais produtivo para quem deseja avançar no domínio da técnica. Mas não é o único. Se meditar é, no fundo, concentrar no aqui e agora e estar presente de corpo e alma em tudo o que se faz, pode-se então praticar meditação de olhos abertos, andando, ouvindo música, dançando e até enquanto realizamos tarefas triviais, como lavar pratos ou passar roupa. O segredo é prestar atenção e viver plenamente o instante presente.

CAMINHO E META

Parece simples. E é. Mas não é fácil, principalmente para nós, ocidentais

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urbanos, habituados a trafegar na contramão do procedimento meditativo. Aprendemos que, para resolver um assunto ou mesmo para compreender a vida, o primeiro passo é pensar, pensar, pensar... A meditação nos ensina exatamente o oposto: parar de pensar ou, pelo menos, reduzir o fluxo dos pensamentos. Não é que o pensamento não tenha utilidade. Precisamos dele e da mente para lidar com objetivos práticos da vida, mas, no dia-a-dia, desequilibramos essa função, tornando-a quase patológica. Somos prisioneiros de um processo que tem por base a memória - o passado -, matéria-prima de condicionamentos que não nos deixam à vontade nem em paz, exceto por alguns breves momentos, quando desejos gerados por tais fixações são satisfeitos. Meditar, assim, é saltar para fora desse sistema e nos colocarmos no lugar e na situação em que somos só presença plena, sem outra disposição senão a de observar aquilo que é de forma pura, sem desvios ou julgamentos.

Isso não quer dizer que a meditação nos afasta do mundo e das questões inerentes a ele. Mas não se deve meditar focando metas imediatistas, seja uma sensação especial, a superação do estresse, uma iluminação espiritual repentina ou qualquer outra forma de recompensa pelo esforço. Como veremos adiante em detalhes, a motivação correta e a meta são fundamentais na caminhada meditativa, mas a obsessão por alcançar a meta ou contabilizar ganhos pode corromper a prática. Na verdade, o processo, a caminhada, integra a meta. As coisas simplesmente acontecem. A verdade é auto-evidente.

Imagino que já deu para você fazer idéia do tamanho e das peculiaridades de tal desafio. Lembra-se de quando o convidei a verificar se você está aqui por inteiro, lendo este livro? Sugiro que retome o exercício, avançando um pouco mais. Experimente agora não só não desviar-se do momento presente, mas também evitar juízos de valor sobre o que está acontecendo.

E aí? Foi difícil? Não se preocupe, porém, se o seu desempenho no exercício não foi satisfatório. Mesmo iogues e monges, craques em meditação, enfrentaram obstáculos semelhantes no início. A prática remove todos esses empecilhos. E, quando isso se dá, a nossa luz interna (todos já saímos da fábrica com uma) é acionada, e as sombras que nos enganam ou assustam se dissolvem. Então, percebemos que meditar nos leva a estarmos vivos de verdade e, ao mesmo tempo, repousando numa paz incomensurável. É quando os resultados aparecem, mudando nossa vida. Nessa etapa, quase sempre ocorre a melhoria da concentração e da memória. Sentimo-nos mais tranqüilos e pacientes, como conseqüência da observação de pensamentos, emoções e lembranças sem julgamentos. Ampliam-se a compreensão e o amor pelos outros, em decorrência da compreensão de nós próprios. Os benefícios desse estado mental se estendem também ao corpo, pois, aquietados os pensamentos, logo se acalmam ou desaparecem as emoções negativas, como a raiva, responsáveis por boa parte das

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doenças e desequilíbrios que nos afligem.

MEDITAÇÃO E VIDA

Meditação é uma forma de resgatar a naturalidade e a simplicidade da vida. Podemos dizer que ela integra uma cesta básica, como água e sol, a que todo ser humano tem direito. Mas, talvez, isso só fique explícito para gente como eu e você, mergulhada na complexidade e no tumulto da cena urbana. A lógica dessa afirmação é a mesma que encontramos na fábula contemporânea em que um rico empresário, em férias numa praia primitiva, dialoga com um nativo absorvido na apreciação do mar na proa de seu modesto barco de pesca.

Informado pelo peixeiro de que ele se detinha na pescaria por pouco tempo, só o bastante para atender às necessidades imediatas da família, o empresário mostrou-se curioso. "E o que você faz com o resto de seu tempo?", perguntou. "Durmo até tarde, pesco um pouco, brinco com os meus filhos, tiro a sesta com a minha mulher e vou todas as noites à aldeia, onde bebo um pouco de vinho e toco violão com os amigos." Tanta falta de tino comercial incomodou o empreendedor, que resolveu ser direto: "Sou formado em administração de empresas em Harvard e posso ajudá-lo. Você deveria passar mais tempo pescando e, com o lucro, comprar um barco maior. Com a renda produzida pelo novo barco, poderia comprar muitos outros. No fim teria uma frota de barcos pesqueiros. Em vez de vender pescado a um intermediário, venderia diretamente a uma indústria processadora e, depois de algum tempo, poderia ter a sua própria indústria. Passaria a controlar o produto, o processamento e a distribuição. E aí precisaria deixar esta pequena aldeia e mudar-se para uma grande cidade, de onde dirigiria sua empresa em expansão." O pescador, então, indagou: "Senhor, quanto tempo isso levaria?" "Uns 20 anos", foi a resposta. "E depois?" O empresário riu e disse que essa era a melhor parte. "Depois, milionário, você se aposentaria. Mudaria para uma praia tranqüila, onde dormiria até tarde, pescaria um pouco, brincaria com os seus netos, tiraria a sesta com a sua esposa e todas as noites iria à aldeia para tomar vinho e tocar violão com os amigos." Surpreso, o pobre homem só pôde dizer: "Mas, senhor, é isso o que eu faço".

Falar em meditação, seus métodos e técnicas faz sentido enquanto nos debatemos com as complicações da mente. Como o pescador da história, quem está livre do tumulto mental sabe que a vida é plena em si mesma e tudo o que é preciso fazer é estar presente em cada instante. Nesse caso, a meditação acontece 24 horas por dia em tudo o que se faz.

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O LUGAR DA MENTE

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II – O LUGAR DA MENTE

ALÉM DO VÉU DA ILUSÃO

"Quem sou eu?" Essa antiga e angustiante pergunta marcou o ensinamento do místico indiano Ramana Maharshi como exercício de autoconhecimento revelador da natureza ilusória de nossa auto-referência, o chamado ego. Ao repeti-la, mergulhando em nosso mundo interior, sempre acabamos constatando que somos, na essência, algo bem maior que o nosso corpo e a nossa identidade pessoal.

Tomemos emprestada a técnica de auto-indagação de Maharshi para uma investigação sobre a natureza da mente:

1) Pare, respire profunda e suavemente e dirija a atenção para dentro de você.

2) Procure observar seus pensamentos. Não os julgue nem os retenha. Apenas os contemple em sua seqüência ininterrupta.

3) Depois de algum tempo, questione: quem está observando?

Percebeu? Se você pode "ver" os pensamentos se sucedendo em sua mente, então existe algo por trás deles. Existe algo que os observa. O reconhecimento dessa situação, implícita na metáfora do homem, o elefante e o macaco, é fundamental para o entendimento do que se passa na meditação. Você é o observador. A mente, o objeto observado. O assunto é complexo e nos remete a questões de fundo nos domínios da filosofia, da metafísica e da ciência, inclusive a polêmica acerca da existência do Eu, da individualidade. Nem todas cabem num livro introdutório, mas uma delas se faz inevitável. Afinal, o que é a mente e qual a sua relação com o ser essencial, a consciência?

Quando consideramos a mente como um objeto, a idéia emergente é a de que se trata de algo palpável e individualizado. Mas isso não passa de uma ilusão, como nos lembra uma antiga parábola zen na qual um homem, aflito por não conseguir conter seu tumulto mental, pede a um monge que o ajude. "Traga aqui a sua mente e eu a pacificarei", diz o monge. Mas o homem, perplexo ante a proposta, rebate: "Mestre, é impossível pegá-la". Na verdade, é impossível delimitar a mente. Não há como separá-la da consciência nem do corpo. Ao mesmo tempo, não dá para apalpá-la, pois ela não tem substância. Não conseguimos sequer defini-la. No entanto, podemos vê-la atuando, principalmente em seus processos mais grosseiros, ligados a tudo o que sentimos. Observamos a mente operando junto com as emoções, conduzindo as energias internas e interferindo em seus canais e centros de força (os chacras, que,

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segundo o hinduísmo e o budismo, são pontos de concentração energética ao longo do corpo). E, com um pouco mais de atenção, podemos enxergá-la presente em processos mais sutis, como a própria formatação da realidade.

Ainda assim, não se assuste quando algum instrutor de meditação lhe disser: "Você não é a sua mente". Na tradição do yoga, a mente é vista como uma faculdade do homem, uma espécie de "sexto sentido" ao qual se submetem os cinco órgãos de percepção do corpo. Podemos notá-la e examiná-la, como fazemos com o tato ou o olfato, mas não seria apropriado tomarmos o detalhe (a mente) pelo todo. A mente subsiste na consciência, mas esta prescinde da mente e do pensamento para existir. Afirmar, portanto, que você não é a sua mente é apenas uma tentativa de cortar um tipo de identificação que o impede de reconhecer a dimensão profunda e não-condicionada do ser, a consciência, também rotulada de espírito por algumas escolas filosóficas e pelas tradições religiosas.

PODERES E LIMITAÇÕES

A mente é um aspecto operativo da consciência, amplo e poderoso. E poderoso, neste caso, não diz respeito às fenomenologias inexplicáveis no campo da paranormalidade ou da patologia, porém a algo ainda mais fascinante: a própria função construtora da realidade do aparato mental. As estruturas cognitivas se refletem no mundo concreto a tal ponto que, ao olharmos para um objeto, não é o objeto em si o que vemos, mas a nossa própria mente. É nela que os diferentes tipos de onda (da luz, do som etc), captados pelos sentidos, ganham significado conforme o processo mental de cada pessoa.

Experimente. Considere, por exemplo, uma cadeira convencional, de madeira — talvez exista uma ao seu lado. Observe-a. Certamente, você a reconhecerá em seu conjunto e a chamará de cadeira, pois neste momento você é um observador que vê o conjunto, a cadeira. Mas você pode transformar essa percepção internamente e enxergar ali apenas madeira, se estiver procurando madeira. Por que você pode ver apenas madeira onde antes via cadeira? Porque sua mente mudou, você mudou. E quando você muda, o objeto muda. Você poderia repetir o experimento com uma foto antiga, com um amigo, com qualquer coisa, pessoa ou situação e sempre acabaria deparando com novidades que apenas refletem a sua mudança interior, a alteração de sua paisagem mental.

Admitir esse fenômeno implica romper com a noção de que sujeito e objeto existem separadamente, assumida em nossa relação com o mundo, e tirar o chapéu para sábios e místicos do Oriente que sempre caminharam na contramão dessa idéia. Para eles, a divisão sujeito-objeto não é mais que uma aparência, um epifenômeno gerado nas entranhas da consciência e operacionalizado pela mente. O hinduísmo refere-se a essa ocorrência como o véu de maya, a ilusão. O budismo cunhou o conceito de co-surgimento dependente (paticca samuppada) para explicar por que, quando o observador surge, o objeto surge, no mesmo instante e no mesmo processo mental. O curioso é que tais ilações, processadas há milênios com base na experiência introspectiva da meditação, começaram a ser consideradas por cientistas e filósofos da ciência no século XX,

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impressionados com os experimentos da mecânica quântica que sugerem a natureza vazia e instável da matéria no nível subatômico - sempre alternando-se na condição de partícula ou de feixe de energia — e a influência do olhar do observador sobre os eventos físicos ocorridos nesse plano.

O que tais pesquisadores inferem assemelha-se, em muitos pontos, à cosmologia milenar da Índia — segundo a qual a base de todas as coisas é a consciência una — e, principalmente, ao conceito budista de vacuidade, que expressa a ausência de substância inerente a toda a existência, seja a do mundo, seja a do próprio eu. No budismo, o mundo inteiro é entendido como uma experiência da mente, e sua compreensão pode se dar em dois níveis: o absoluto e o relativo. No nível absoluto, tudo é vazio. Essa vacuidade, no entanto, está irremediavelmente entrelaçada à experiência da forma no nível da compreensão relativa. Uma xícara, por exemplo, não é apenas a silhueta de cerâmica, mas também os espaços interno e externo que a compõem. Na verdade, vazio e forma são apenas identificações de um mesmo princípio, algo como feixes de energia e partículas entrelaçados, alternando-se na perene mutação da matéria atómica.

É com base nesse conceito que podemos perceber, no âmbito da compreensão relativa, a estrutura cármica da mente, condicionada à acumulação de contextos de vida e, praticamente, escravizada ao repertório aprendido. Aqui está a base de nossa auto-referência, o ego, que se alimenta desses contextos e da identificação com o corpo. E também a fonte das dificuldades de nossa mente discursiva. O ego amplia-se na medida em que cresce o repertório de aprendizado e se consolida quando os padrões de hábito estão totalmente estabelecidos. Mas, ao alcançar esse estágio, quase já não nos resta liberdade. Lembra-se da cadeira que há pouco você observou? Imagine que, ao vê-la, você disse: "Que linda cadeira. Gostei dela". Agindo assim, teria direcionado ao objeto impulsos atrelados a emoções, forjando um tipo de causalidade responsiva - ou seja, algo que, ao surgir, nos impulsiona para outra coisa - que é uma forma de prisão da mente. Naquele momento, uma fixação teria se estabelecido, apoiada na ilusão de que estava percebendo um objeto separado de você. Isso acontece na atividade corriqueira da mente, envolvendo não apenas impulsos de apego e prazer, como no exemplo da cadeira, mas também de aversão e desconforto. Ambos estão na base das atitudes reativas que dirigem a nossa relação com o mundo e com os

seres e têm a ver com a felicidade ou infelicidade que construímos a partir dessa relação.

O objetivo da meditação é superar esse programa, libertando a mente do condicionamento, da escravidão ao processo cármico e impulsivo. Quando não estamos atentos, nosso comportamento segue sempre o caminho mais condicionado, mesmo que tenhamos várias opções à nossa frente. O macaco picado pelo escorpião é tomado pelo medo, agita-se e procura segurança em galhos conhecidos. No entanto, quando prestamos atenção, quando estamos presentes, somos livres para escolher.

Você pode testar o que estou dizendo de uma forma simples, especialmente naquelas ocasiões em que tudo parece dar errado. Sente-se, respire suave e profundamente por alguns segundos e note o que acontece. Verá, então, que esses breves segundos foram suficientes para mudar sua paisagem interna e

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alterar a maneira como você enxerga o problema pelo simples fato de centrar você no aqui e agora, liberando-o dos impulsos baseados no passado, na memória.

Isso é meditação. Meditar conduz a mente ao estado de atenção e, a partir daí, aos estágios mais profundos e mais serenos relacionados à natureza luminosa do ser. Para ser eficaz e produtiva, contudo, a meditação precisa ser sustentada por uma motivação adequada, tema de nosso próximo capítulo.

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A FORÇA DA MOTIVAÇÃO

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III – A FORÇA DA MOTIVAÇÃO

A FORMAÇÃO DO AMBIENTE MEDITATIVO

Para meditar você não precisa virar do avesso sua vida. Não precisa sair de seu caminho, mudar de religião ou converter-se a alguma, tornar-se budista, hinduísta, largar o trabalho, virar eremita. Como costumam dizer os mestres do zen, apenas sente-se e deixe que tudo o que existe em sua mente, em sua vida, dentro e fora de você, se manifeste. Em outras palavras: reserve um tempinho para sentar, respirar, observar. Em certo sentido, meditar é um não-fazer. Um não-fazer externo, pois, enquanto o corpo permanece imóvel, a mente realiza um esforço interior para seguir alerta. É simples, mas não é fácil e logo nos damos conta de que, para nos mantermos na prática, precisamos de algo que dê sentido ao exercício e sustente a sua continuidade. Algo que é proporcionado pela motivação.

Por que queremos meditar? Por que desejamos disciplinar e ampliar a mente? É importante que encontremos a resposta certa para a pergunta. Afinal, a meditação é uma aquisição de poder e realizá-la de forma incorreta pode, inclusive, nos levar de volta ao patamar das ilusões da mente condicionada.

Nos dias atuais, com a popularização da prática e a sua utilização na medicina e na psicologia ocidentais, muita gente tem procurado meditar na expectativa de resolver problemas como estresse, doenças psicossomáticas, crises afetivas e até a baixa produtividade. O meditador habitual perceberá, com o tempo, os efeitos benéficos da meditação sobre todos esses itens, mas apoiar a prática meditativa nesse tipo de esperança ou promessa quase sempre conduz à ineficácia, à frustração e ao abandono do exercício. Os benefícios citados, ainda que importantes, são efeitos colaterais. Além disso, a expectativa de resultados e a ânsia de contabilizar ganhos pessoais mantêm a mente na instabilidade, mesmo quando a conseqüência esperada é do tipo espiritual - por exemplo, o desejo de alcançar uma sensação especial ou um estágio superior de samadhi (hiperconsciência). É que, fazendo assim, desviamos a atenção do aqui e agora, o único ponto de chegada do processo meditativo. Com isso não estou dizendo que não existe meta na meditação. Meditar não é fazer uma caminhada errática. Precisamos saber para onde estamos indo, qual é o nosso propósito. O que não é recomendável é a obsessão por alcançar a meta hoje ou amanhã, descuidando de observar e curtir cada passo da caminhada, ou perder-se focando os efeitos colaterais. Isso equivaleria a alguém chegar a uma praia paradisíaca e ficar todo o tempo no quarto do hotel assistindo à TV, deixando de desfrutar o melhor do passeio: a bela paisagem do lugar. Praticar meditação só para se sentir leve ou mais disposto funciona, mas até o ponto em que perdemos o resto. E o resto é o cerne da prática: a possibilidade de liberar a mente condicionada, aprisionada à artificialidade, e viver a vida plenamente. Essa meta maior, dizem os mestres do budismo tibetano, só é alcançada quando a motivação da meditação é o benefício de todos os seres.

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A BANDA LARGA DA COMPAIXÃO

A compaixão — definida como a preocupação com o bem-estar dos outros e o desejo de libertar as criaturas do infortúnio - é um dos fatores principais para a iluminação, por sua capacidade de romper o circuito das idéias egocêntricas, sustentado pelas fixações da mente. Ela segue o sentimento de equanimidade, a imparcialidade com todos os seres, sem traços de apego ou aversão, e se justifica, principalmente, na percepção de que tudo está interligado e nada existe independentemente num ambiente marcado pela mutação constante de todas as coisas. Esse conceito de "rede universal", bem anterior à rede mundial de computadores, torna claro que, nessa circunstância, também a felicidade não é inerente a uma pessoa, mas existe apenas em relação à felicidade alheia. A busca da própria felicidade passa necessariamente pela busca da ventura de todos os seres.

Se insistirmos na analogia, ainda que imperfeita, com o ambiente dos computadores, podemos tomar a motivação compassiva como uma espécie de programa operacional, um Windows ou um Linux em que rodam programas específicos como os oito passos do yoga, o caminho óctuplo do budismo, os dez mandamentos judaico-cristãos e todas as outras "regras de ouro" que em tantas tradições chamam a atenção do homem para a transcendência e o amor ao próximo. Na prática, é possível perceber que a compaixão opera em velocidade de banda larga: neutraliza rapidamente a mente ante os pensamentos egocentrados, permitindo acesso às camadas superiores do aparato mental - os koshas mencionados pelo Tantra —, e facilita a resolução de problemas funcionais do dia-a-dia, como os relacionamentos pessoais tumultuados pela noção de oponente ou inimigo.

Na verdade, certas qualidades interiores e o comportamento ético auxiliam bastante na meditação. O meditador os pratica por imperativo interno e não por medo ou desejo de ser submetido a alguma sanção - pena ou recompensa - neste ou em outro mundo. Pense, por exemplo, na importância da paciência e da generosidade. A paciência coopera para domar a inquietude natural da mente e o impulso da raiva, lembrando-nos de que nada acontece isoladamente, as coisas estão relacionadas. É fundamental para quem está numa caminhada sem expectativa de ganhos imediatistas, como a meditação. Já a generosidade, entendida como a capacidade de doar e doar-se a quem precisa, sem sensação de superioridade e sem expectativa ou receio, rompe os pilares do apego e da aversão que sustentam a mente egóica.

A motivação estabelece a paisagem onde a mente meditativa irá operar. E, só quando tem a ver com os nossos valores mais sinceros, contribui efetivamente para que a meditação seja um compromisso de longo prazo, capaz de nos manter no caminho ano após ano, e não apenas um modismo passageiro. Se optarmos pela motivação adequada, antes mesmo de nos sentarmos, impulsionaremos a mente para o lugar onde a clareza está. Então, tudo ficará mais fácil. Com a motivação, criaremos o ambiente onde a mente se colocará, seguida pela energia e pelo corpo.

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A MENTE MEDITATIVA

O essencial é saber ver. Saber verSem estar a pensar. Saber ver quando

se vê, e nem pensar quandoSe vê, nem ver quando se pensa.

Fernando Pessoa, poeta português

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IV – A MENTE MEDITATIVA

A QUEBRA DOS GRILHÕES INTERNOS

Uma antiga história zen narra que, certo dia, um professor erudito foi visitar um mestre na expectativa de informar-se melhor sobre o caminho da iluminação. O mestre, então, propôs que tomassem um pouco de chá. Enquanto ele preparava a bebida, o visitante passou a expor o que sabia sobre o zen. Pronto o chá, o mestre pôs-se a servi-lo, mas acabou protagonizando uma cena insólita. A xícara do professor encheu, a bebida esparramou-se no pires, mas o guru continuava a despejá-la, para surpresa do visitante.

— Mestre, a xícara está cheia! — gritou o professor.— E assim está a sua mente com idéias sobre o zen — rebateu o mestre.Guarde a lição. Apreender o sentido da meditação (ou do zen) exige mais

o esforço de esvaziar a mente do que enchê-la com conceitos e definições. Compreende-se o que é meditar, sobretudo meditando. Mas o aprendizado da arte meditativa precisa levar em conta, como estágio inicial, um trabalho de desconstrução. É preciso despojar a mente de conceitos e preconceitos originados em condicionamentos e fixações, a fim de torná-la apta a ver a paisagem sem nódoas e a ouvir a harmonia dos sons sem ruídos. A mente meditativa está mais próxima da mente da criança, sempre interessada em observar e fazer descobertas, do que da mente do erudito, que para tudo tem uma resposta pronta. É a mente do principiante, buscadora e cheia de possibilidades, em que não há obstáculos erigidos sobre pré-conceitos.

Trazer à mente a compreensão da realidade não é fácil. Exige um processo de reflexões sobre a natureza das coisas, na maioria das vezes lento e gradual, para cujo êxito contribuem as leituras apropriadas e a disposição de ouvir quem já passou por essa etapa do caminho. Uma mente em que as formulações vazam como o chá na xícara do professor terá mais dificuldade nesse estágio, até que opte por romper as amarras da memória. Pelo menos nos primeiros tempos da prática, é comum a mente do praticante ser invadida por imaginações que conturbam a observação imparcial e subvertem a débil intenção de manter a atenção no presente por meio de elaborações duais, polarizadas, repletas de julgamentos.

ALÉM DAS POLARIDADES

Como interromper essa avalanche cármica, liberando a mente para a ação tranqüila? A liberdade será alcançada pela observação do próprio processo de prisão da mente, o que inclui a auto-observação da vontade e da imaginação. Trata-se de um trabalho que requer esforço redobrado no início. Mas basta isso para quebrar o circuito monopolizado pelas alternativas polares, do tipo Devo continuar com essas idéias porque... X Não devo continuar com essas idéias porque... Esvaziando-nos de desejos e contentando-nos em examinar como os pensamentos operam, sem nos apegarmos a eles ou rejeitá-los, cortamos a retroalimentação do processo, e o condicionamento morre por asfixia. A liberdade de criar e optar é, então, restabelecida.

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Vejamos como isso se dá, na prática, por meio de uma história contada por Pat Carrington no livro Freedom in Meditation. Um homem, fumante inveterado, já havia tentado de tudo para largar o vício, mas sempre voltava ao cigarro. Um dia, viajando num avião e impedido de atender à compulsão, mergulhou em silêncio e, subitamente, foi tomado de estranha exaltação seguida de uma idéia inédita. "Eu posso fumar um cigarro, se quiser. Mas eu não tenho que fumar um cigarro", pensou. A simples descoberta de que era livre para optar entre fumar ou não fumar foi a fórmula criativa que o livrou do mecanismo dual e maniqueísta que mantinha o velho hábito.

O fato é que os pensamentos não são apegados a nós. Estão sempre fluindo, surgem e desaparecem. Nós é que tentamos retê-los ou rejeitá-los. Cada vez que isso acontece, aprisionamo-nos a eles, travando uma luta inglória e dispensável que apenas impede o surgimento da idéia criativa. Comportamo-nos como o banhista comum diante da onda impetuosa, querendo contê-la com o corpo. Nocauteado pela vaga, um banhista assim sempre se acaba esborrachando na areia. Ao contrário, o surfista habilidoso esquiva-se do conflito, fluindo com sua prancha sobre a crista da onda.

CRIATIVIDADE INTERNA

A meditação nos mostra que é possível surfar nas ondas da vida. Parar, ampliando o hiato entre a percepção e o pensamento, é o modo de romper o automatismo dos registros da memória, a fim de que se possa ver além das alternativas polarizadas. Com o tempo, ao desenvolvermos essa habilidade da mente meditativa, adicionamos qualidade de vida ao nosso dia-a-dia e ao daqueles que seguem conosco, a partir de mudanças no modo de ser e de usar o nosso potencial. É o caso da ampliação da consciência e da chamada criatividade interna, relacionada à transformação pessoal no próprio contexto de vida do indivíduo. As respostas a questões como "qual é o significado de minha vida?" surgem como insight inovadores, junto com o reconhecimento de que a vida limitada ao nível do ego, ainda que aparentemente bem-sucedida, é repleta de inquietação e de tristeza, sufocada na neurose social tão bem retratada em alguns filmes de Woody Allen.

Com a visão clara e criativa, também rica mais fácil identificar e descartar as nossas rotas de fuga sempre que o tédio, a dor e a dúvida abalam nossa rotina egóica. Percebemos a pouca ou nenhuma eficácia de fórmulas como a novidade ("quem sabe um carrão?"), o prazer i "quem sabe uma overdose de sexo ou droga?") ou um sistema fechado ("quem sabe uma crença radical?") para nos livrar do tédio, da dor ou da insegurança. Então, aprendemos a lidar com a incerteza natural da vida, operando-a sem sobressaltos, com as ferramentas da simplicidade, do desapego e da atitude compassiva, qualquer que seja o nosso lugar e a nossa ação. Como qualquer um de nós pode comprovar, ter poucos desejos e encontrar satisfação nas coisas simples é um caminho de paz e serenidade que acrescenta á vida uma profunda liberdade: eis um dos maiores atributos da mente meditativa.

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MEDITAÇÃOE CIÊNCIA

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V- MEDITAÇÃO E CIÊNCIA

O QUE REVELAM AS PESQUISAS

O psicólogo e filósofo americano William James queixava-se, no final do século XIX, da "extrema lentidão com que a mente acadêmica e crítica reconhece a existência de fatos sem classificação ou categorias que ameaçam romper com o sistema aceito". Incluem-se aí os chamados fenômenos transcendentais e, entre esses, a meditação. Somente na segunda metade do século passado, a prática meditativa milenar passou a ser alvo de estudos em centros de pesquisa renomados, principalmente nos Estados Unidos. É surpreendente, portanto, que em tão pouco tempo tantas descobertas tenham se acumulado, a ponto de transformar a meditação - originalmente, uma prática mística - em ferramenta de trabalho da medicina e da psicologia contemporâneas. A rapidez desse avanço se deve, entre outros fatores, à evolução das tecnologias de monitoramento do cérebro, especialmente o uso dos aparelhos de tomografia computadorizada apoiados na emissão de pósitrons, a anti-partícula do elétron. Com o auxilio dessas máquinas, foi possível devassar a intimidade cerebral de meditadores durante os diferentes estágios de sua prática, constatando-se que os fenômenos descritos por eles são reais e possuem uma base biológica sujeita a investigação.

Os primeiros 40 anos de pesquisas nessa área, da década de 50 à de 80, forneceram elementos que demonstram a estreita relação entre corpo e mente e a influência da meditação nos estados emocionais e na prevenção e tratamento de doenças ou de transtornos psicofísicos. A partir dos anos 90, a ambição dos pesquisadores aumentou. Agora, os estudos visam entender como a meditação pode treinar a mente e reformatar o funcionamento do cérebro, um conhecimento suscetível de utilização em larga escala na psicologia social, na educação e até na economia.

A MENTE E O CÉREBRO

Apesar da enorme evolução da neurociência, nos últimos tempos, a mente ainda é uma instância pouco conhecida dos pesquisadores. Para a maioria dos cientistas, a cognição e a percepção consciente, funções primordiais da mente, constituem um epifenômeno do cérebro, isto é, um fenômeno que é subproduto ocasional de outro, do qual é dependente. Nesse contexto, há quem imagine o cérebro como o hardware, a parte do computador que tem existência concreta, real. Em diferentes estados, tal hardware é capaz de executar funções independentes, guiado por um conjunto de instruções ou software, o que caracterizaria a mente. Uma das teorias mais consideradas, no entanto, é a que sustenta a existência de circuitos de neurônios associados a aspectos da consciência, por sua vez interligados a outros circuitos. A mente e a consciência emergiriam, assim, da interação de um sem-número de redes neurais de células. Em resumo: o cérebro seria um conjunto de estruturas físicas que reúnem e processam os sentidos, a cognição e as emoções, enquanto a mente seria o próprio fenômeno dos pensamentos, memória e emoções que surgem do processo

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de percepção do cérebro.É nesse ponto, que diz respeito à natureza da mente, que cientistas e

místicos divergem profundamente. As tradições sapienciais admitem que mente e cérebro estão intimamente relacionados, mas se referem àquela como um ente ou um mecanismo que transcende o cérebro e atua em diferentes níveis - do corpo físico a estágios energéticos mais sutis. Trata-se, obviamente, de uma afirmação baseada na fé ou na experiência introspectiva, até agora sem chance de ser testada nos laboratórios da ciência, apesar de os neurocientistas reconhecerem a impossibilidade atual de explicar como um conjunto de neurônios pode ter consciência de si mesmo. Qualquer que seja a essência da mente, porém, é fato que os eventos mentais deixam marcas concretas e mensuráveis na arquitetura cerebral, cuja investigação tem revelado, entre outras novidades, a abrangência e a eficácia das práticas meditativas.

Os primeiros estudos sobre meditação, com o emprego de moderna tecnologia, foram realizados na década de 60 pela equipe do cardiologista americano Herbert Benson, da Universidade de Harvard, autor do clássico "A Resposta de Relaxamento", publicado nos anos 70. Na época, meditadores foram submetidos a experimentos nos quais a pressão arterial, os ritmos cerebrais e cardíacos e mesmo a temperatura da pele e do reto foram monitorados. Constatou-se que, durante a meditação, o corpo consumia 17% menos oxigênio e os batimentos cardíacos caíam para até três por minuto (uma pessoa em repouso apresenta, em média, 60 batimentos por minuto) sempre que as ondas cerebrais alcançavam o ritmo teta, mais lento e mais poderoso, no qual a mente alcançaria o estado de "superconsciência" relatado pelos iogues. As ondas teta vibram a apenas 4 ciclos por segundo. Abaixo delas só existem as ondas delta, de 1 ciclo por segundo, registradas em experiências com meditadores ultratreinados. Para se ter uma idéia, quando estamos ativos, o cérebro emite ondas beta, de oscilação em torno de 13 ciclos por segundo. No dia-a-dia, ele só opera em ritmo teta nos poucos segundos que antecedem o sono, quando sentimos aquele embotamento dos sentidos. Os meditadores pesquisados, no entanto, não estavam dormindo, mas bem despertos e serenos. Mais tarde, percebeu-se também que, no momento da meditação, o fluxo sanguíneo diminuía em quase todas as áreas cerebrais, mas aumentava na região do sistema límbico, o chamado "cérebro emocional", responsável pelas emoções, pela memória e pelos ritmos do coração, da respiração e do metabolismo.

NEURÔNIOS E NIRVANA

Após Benson apresentar ao mundo suas conclusões, outros estudos foram realizados em centros de pesquisa renomados, como as universidades de Columbia, Stanford, Massachusetts e Harvard, alguns deles tendo como cobaias os próprios pesquisadores, submetidos a estados alterados de consciência durante transes naturais ou provocados, com o objetivo de avaliarem, nas entranhas, a sensação de estar fora do espaço e do tempo relatada por meditadores e religiosos. É o caso de James Austin, neurologista que, em 1999, publicou, sob o patrocínio do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o livro Zen and

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the Brain (O Zen e o Cérebro), um denso relato sobre a atividade do cérebro, seus neurônios e neurotransmissores durante a meditação e outros estados contemplativos. O fato que motivou o trabalho de Austin ocorreu em Londres, quando ele estava numa estação de metro próximo ao rio Tamisa. Ao lançar o olhar sobre o horizonte, o cientista viu-se, subitamente, guindado ao estado mental descrito pelos meditadores nos momentos de pico da meditação, caracterizado por uma impressão de unicidade com o universo. De repente, sumiu o senso de individualidade e de separação do mundo físico e ele sentiu-se fundido ao rio, às nuvens, aos edifícios e a toda a paisagem, em meio a uma sensação de eternidade. Foram segundos infindáveis de deslumbramento. "Iodos os meus receios, inclusive o medo da morte, desapareceram. Eu havia alcançado a compreensão da natureza última das coisas", escreveria Austin depois. Como cientista e cético, contudo, ele viu, no fenômeno surpreendente, apenas uma prova cabal da existência e dos poderes do cérebro, analisados posteriormente em seu livro.

Uma das pesquisas mais reveladoras nesse campo, contudo, foi realizada na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, pelo radiologista Andrew Newberg e pelo psiquiatra Eugene d'Aquili, falecido em 2000, relatada depois no livro Why God won't Go away (Por Que Deus Não Vai Embora). A idéia era registrar o que ocorre, nos diversos segmentos do cérebro, quando se alcança o clímax de práticas místicas como a meditação e a oração, utilizando-se as possibilidades de tomógrafos de última geração. Um passo além das pesquisas iniciais de Benson, que apenas mediam os ciclos das ondas cerebrais.

Newberg e Aquili rastrearam a atividade cerebral de um grupo de budistas em meditação profunda e de um grupo de freiras franciscanas rezando fervorosamente. E em ambos constataram, durante as práticas, uma significativa alteração no lobo parietal superior, segmento localizado na parte anterior do cérebro e responsável pelo senso de orientação - a capacidade de percepção do espaço e do tempo e da própria individualidade. A atividade da região diminuía à medida que a meditação ou a reza se fazia mais profunda, até mostrar-se totalmente desativada no momento de pico, aquele em que o meditador experimenta a sensação de unicidade com o universo, cerca de uma hora após o início da concentração. Nesse instante, privados de impulsos elétricos, os neurônios do lobo parietal desligavam os mecanismos das funções visuais e motoras e o meditador ou devoto perdia a noção do "eu", sentindo-se prazerosamente expandido, além de qualquer limite.

Talvez esteja aí o indício mais concreto de que se tem notícia do não-fazer meditativo, do nirvana e do paraíso relatados pelos místicos. Além disso, as imagens revelaram que, durante a experiência, os lobos temporais, sede do sistema límbico (responsável pelas emoções), tiveram sua atividade redobrada, o que explicaria a enorme influência da meditação sobre as emoções e a personalidade dos praticantes.

Para Newberg e Aquili, as sensações de elevação e de contato com o divino vivenciadas por budistas e freiras são um fenômeno real baseado em eventos biológicos. Mas, segundo os autores, essa evidência não esgota o leque de dúvidas que acabou ficando ainda mais amplo com as descobertas

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proporcionadas pelo estudo. É intrigante para eles que a consciência continue a existir depois que o indivíduo perde a noção do "eu", do tempo e do espaço e os sentidos deixam de funcionar. Mas, por enquanto, essa é uma questão que a ciência não sabe responder.

NEURÔNIOS E SAÚDE

Indiscutíveis são os efeitos que as tais alterações cerebrais, durante a meditação, provocam no corpo - felizmente positivas, até onde os cientistas conseguiram esclarecer. A mente estabilizada e serena atua, principalmente, no controle da ansiedade e da dor e estimula a produção de hormônios e neurotransmissores que previnem e combatem distúrbios físicos e psicológicos. Depois de dezenas de pesquisas, os cientistas ficaram sabendo que meditar reduz a produção de adrenalina e cortisol, dois hormônios que atuam nas situações de estresse. Em contrapartida, estimula a produção de endorfinas, espécie de tranqüilizante e analgésico natural tão poderoso quanto a morfina, responsáveis pela sensação de leveza experimentada em momentos de alegria e êxtase.

Apenas esses efeitos colaterais já seriam suficientes para atestar a importância do uso da meditação na medicina e na psicologia. Na Clínica de Redução do Estresse da Universidade de Massachusetts, por exemplo, o monitoramento ao longo dos últimos 25 anos de mais de 14 000 pacientes com câncer, aids, dor crônica e complicações digestivas submetidos a práticas meditativas mostrou uma diminuição média de 40% nas queixas de dor. Ao mudar o foco de sua atenção, meditando, os pacientes reduziram o nível de ansiedade, que costuma amplificar e até antecipar a dor física por meio do medo de vir a senti-la. Eles aprenderam a entender a dor, em vez de combatê-la. Como conseqüência da eliminação do fator psicológico, muitos puderam dispensar os analgésicos.

As técnicas de meditação são atualmente empregadas como terapia complementar em pacientes de câncer e hipertensão em quase 200 hospitais americanos. No Brasil, pesquisas realizadas pelo Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) também levaram à sua adoção no hospital da universidade nos casos de fibromialgia (dores intensas nos músculos e articulações), fobias e compulsões. Segundo o psicólogo José Roberto Leite, coordenador das pesquisas na Unifesp, "focalizar a atenção no mundo interior é uma situação terapêutica", ainda mais útil hoje do que no passado. Há um século, as doenças que afligiam as pessoas eram causadas por vírus e bactérias que, de certa forma, foram postos sob controle ou eliminados com investimentos em saneamento básico e a evolução da medicina e da farmácia. Hoje, a maioria das doenças é causada por coisas como hipertensão, obesidade e dependência química, todas relacionadas aos hábitos inadequados do homem civilizado. A contribuição da meditação, nesse caso, começa com o descondicionamento da mente e se completa com os efeitos positivos de uma mente saudável sobre o organismo, cuja abrangência novos estudos têm revelado ser maior do que se imaginava.

Investigações recentes realizadas na Universidade de Wisconsin, nos

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Estados Unidos, acrescentaram que meditar também melhora a ação do sistema imunológico, responsável pela defesa do corpo contra bactérias e vírus. A experiência, realizada em duas etapas, comparou a atividade cerebral de dois grupos de voluntários - um constituído de pessoas que meditavam havia alguns meses e outro de não-meditadores. No primeiro estágio, constatou-se que os meditadores tiveram um aumento da ativação do córtex pré-frontal esquerdo, área relacionada às emoções positivas. Então, os integrantes de ambos os grupos foram inoculados com vacina contra gripe e submetidos a medições do nível de anticorpos quatro semanas e oito semanas depois. A avaliação mostrou que os meditadores apresentavam um número bem maior de anticorpos, detalhe que sugere que seus sistemas de defesa estavam mais ativos. Outros estudos indicaram que mulheres com câncer de mama que passaram a meditar também registraram elevação no nível das células imunológicas responsáveis pelo combate a tumores.

REPROGRAMAÇÃO CEREBRAL

A descoberta de que o simples ato de focar a atenção produz alterações consideráveis no funcionamento do cérebro tem levado os cientistas a manter expectativas altas quanto ao uso futuro da meditação. Estudos como o de Wisconsin, que ligam disciplina mental a emoções positivas e ambas ao bom desempenho do sistema imunológico, despertam o interesse dos pesquisadores em avaliar o real poder da prática na reformatação das funções cerebrais. Considera-se, inclusive, a possibilidade de a meditação vir a ser usada na prevenção e tratamento de complicações vasculares leves a custo mais baixo e sem o risco das cirurgias, no tratamento dos processos depressivos e no redirecionamento do comportamento de indivíduos anti-sociais.

.Há experiências recentes que sinalizam o provável sucesso desses planos futuristas. Na Universidade de Cambridge, nos Estados Unidos, a meditação foi aplicada regularmente a pacientes com depressão crônica e, após algum tempo, houve uma redução de até 50% nas recaídas. É bom lembrar que, na depressão, ocorre uma diminuição no nível do neurotransmissor serotonina no cérebro, processo geralmente revertido com o uso de antidepressivos, como o Prozac. Mas a meditação aumenta a produção desse neurotransmissor, funcionando como um antidepressivo natural. Entre muitas experiências de redirecionamento de comportamento por meio de técnicas meditativas, realizadas em vários países, vale destacar a de um grupo de prisioneiros da penitenciária Kings County North Rehabilitation Facility, em Seattle, nos Estados Unidos, condenados por crimes relacionados ao consumo de álcool e drogas ilegais. Durante dez dias, os detentos praticaram vipassana, meditação budista com foco inicial na respiração, seguida de análise existencial e da sistemática da mente, em longas sessões, de até 11 horas de duração. Ao voltar para casa, apenas 56% tornaram a cometer delitos no prazo de dois anos, um índice otimista se considerados os 75% de reincidência registrados entre os prisioneiros que não meditaram.

As conclusões dos estudos sobre a meditação ainda não são consensuais, exceto a comprovação de que meditar ajuda a controlar a ansiedade e a dor. Há

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quem ache prematuro alardear os demais prováveis benefícios da meditação apenas com base nas experiências de laboratório realizadas até agora. As pesquisas, no entanto, continuam e certamente reservam para os próximos anos muitas outras revelações sobre a técnica ancestral de nos colocar presentes no aqui e agora.

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A PRÁTICA DA MEDITAÇÃO

Nem de, nem para. No ponto imóvel está a dança,Mas não parada nem em movimento.

E não chame de imobilidadeo local onde passado e futuro se encontram...

...Se não houvesse o ponto, o ponto imóvel,não haveria dança. E só há dança.

T. S. Elliot, poeta americano

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VI – A PRÁTICA DA MEDITAÇÃO

O CAMINHO E A CAMINHADA

Eis a questão: como é possível esvaziar a mente, focar no presente... enfim, meditar? A experiência milenar dos iogues e monges nos legou muitos ensinamentos nesse sentido. O resto descobrimos ao longo da prática. Nenhum exercício em particular será bom para todos. Importa que cada pessoa avalie se uma prática específica lhe é ou não apropriada. Feita a escolha, porém, é recomendável persistir no exercício escolhido, a fim de se aperfeiçoar na execução de seus procedimentos.

Você pode meditar sozinho, a partir das referências e instruções básicas contidas num livro como este. Mas se deseja avançar com segurança — e, talvez, com mais rapidez —, é indispensável que busque um mestre, um instrutor. O mestre é alguém que já percorreu etapas do caminho ainda desconhecidas do iniciante e, portanto, está apto a orientá-lo ao longo da trajetória, inclusive alertando-o sobre as armadilhas da mente para permanecer ou retornar ao seu status de turbulência. A prática em grupo é recomendável por ser uma forma de fortalecer o compromisso e facilitar o desenvolvimento pela troca de idéias. Na fase inicial, é natural que o praticante pesquise mestres e caminhos e realize experiências diversas, mas para que o processo meditativo não seja prejudicado pelo desperdício de tempo e a ausência de objetivos, é melhor que faça depois a opção por um caminho e por um mestre.

A meditação é uma investigação interior em que o meditador é ele próprio cientista, cobaia e laboratório. Por isso mesmo será melhor realizá-la com conhecimento de causa e de um bom leque de métodos e técnicas. Qualquer que seja o tipo de prática escolhido, alguns elementos básicos não podem ser ignorados.

CONCENTRAÇÃO E PERCEPÇÃO

As diversas modalidades meditativas estão agrupadas em duas categorias: meditação por concentração e meditação por percepção. Ambas nos levam a focar no presente e a romper a identificação com o ego, mediante a constatação de como os hábitos manipulam nossa vontade. Diferenciam-se, porém, quanto ao modo de usar a atenção e à intensidade do esforço empregado pelo meditador.

Quando mantemos a atenção sem julgamentos na respiração, em um mantra (um som com ou sem significado) ou em algum objeto específico (visualização), estamos meditando pela via da concentração. Nesse caso, permanecemos atentos ao conteúdo de um único pensamento, sem nos preocuparmos com a sua direção, o que nos permite centrar no presente em vez de fugir com o pensamento para o passado ou para o futuro. Já quando paramos e tomamos consciência do fluxo natural dos pensamentos, praticamos a meditação perceptiva, em que percebemos a movimentação dos pensamentos sem nos fixarmos em seus conteúdos. Nessa situação, transformamo-nos em meras testemunhas, desapegadas, igualmente centradas no aqui e agora. É como se

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estivéssemos deitados no chão, com os olhos bem abertos, assistindo ao desfile de nuvens no céu. Uma nuvem é sucedida por outra, mas permanecemos ali, imóveis, apenas registrando formas brancas que surgem e desaparecem contra o mesmo fundo azul.

Meditar apoiado na concentração exige trabalho mental vigoroso. A mente ganha a precisão de um raio laser, totalmente focada em um ponto, o que a esvazia de pensamentos, sem prejuízo do estado de alerta. A mente concentrada não mais é afetada pelos sons circundantes e pela turbulência dos pensamentos e dos sentimentos. Sons, pensamentos e sentimentos continuam a ser notados, mas já não distraem o meditador.

Na meditação perceptiva, o esforço é suave e muitas vezes precipita uma sensação de relaxamento no meditador. Em algumas ocasiões, aliás, esse fenômeno ocorre naturalmente, sem que tenhamos consciência do que realmente se passa. Ê o caso de quando nos postamos, paralisados, diante da beleza da lua cheia ou de uma cachoeira. Em tais momentos, toda a atenção está tocada no espetáculo natural, com a nossa mente alerta, mas sem tensão, beneficiada por um imenso hiato entre o último e o próximo pensamento.

A concentração é considerada o coração da prática tanto no budismo quanto no hinduísmo e nas demais tradições que utilizam a meditação. Mas as duas categorias meditativas - a meditação por concentração e a meditação perceptiva — são complementares e fundamentais ao processo de autoconhecimento e controle mental. Ambas nos habilitam a fixar a atenção por períodos mais ou menos longos, mergulhando-nos em profunda paz, enquanto os pensamentos circulam em torno de nosso foco sem nenhum poder de distração.

POSTURAS MEDITATIVAS

A estabilidade do corpo é a grande âncora da meditação. Apenas permanecer sentado já afasta uma boa parte dos obstáculos à serenidade, pois a imobilidade do corpo disciplina a mente inquieta, restringindo suas opções de foco. Corpo e mente são dois e um ao mesmo tempo e interagem de modo .trinado, qualquer que seja a atividade em que estejam envolvidos. Sentar-se com uma forte intenção implica convicção e atitude, que impulsionam o processo meditativo.

A postura é tão importante no processo meditativo que os mestres do zen não a vêem como um meio de alcançar o estado mental correto, mas como o próprio estado mental correto. Ou seja, a postura é a prática. Conforme o conceito, não há sequer necessidade de se buscar um estado especial da mente. Ao nos colocarmos na posição adequada, a mente assume um estado especial naturalmente. A experiência milenar das tradições demonstra que a posição e o movimento correios estão na raiz da meditação eficaz, livre tias distrações. Mesmo assim, não se deve entender isso -.orno uma visão fechada e dogmática.

Quando perguntamos a um monge ou a um iogue qual a melhor postura para meditar, a resposta é flexível: depende de cada pessoa, de cada corpo. Qualquer postura é ideal, desde ; me a coluna esteja ereta, com a cabeça e o tronco alinhados.

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A posição tradicional é a da flor de lótus (a padmásana do voga), que consiste em sentar-se de pernas cruzarias, .um o pé direito sobre a coxa esquerda e vice-versa, mantendo a coluna reta (veja a figura).

Nela o corpo não fica totalmente frouxo, pois é preciso usar os músculos necessários à sua sustentação. As mãos podem ser apoiadas sobre os joelhos ou compor o chamado mudra cósmico, postura em que o dorso da mão esquerda é apoiado sobre a palma da mão direita, com as juntas dos dedos médios encostadas umas sobre as outras e as pontas dos polegares se tocando levemente à altura do umbigo, formando um oval. Os olhos focam o chão, num ângulo de 45 graus, com as pálpebras abertas ou semicerradas (pode-se optar também por manter os olhos fechados). A língua, enrolada para trás, toca o céu da boca. A respiração, abdominal, dá-se com a entrada e saída do ar apenas pelo nariz.

Trata-se de uma postura simbólica — a flor de lótus mantém a pureza absoluta, mesmo tendo a sua raiz na lama — que apresenta vantagens concretas para quem medita. O simples fato de sentar-se nessa posição, sem sequer meditar, provoca alteração das ondas cerebrais do ritmo beta (agitado) para o alfa, dos estados de relaxamento e tranqüilidade. Os pés sobre as coxas atenuam ou eliminam a noção de direito e esquerdo, ampliando a percepção do corpo como uma unidade. Os olhos abertos reduzem as visualizações indesejáveis e o sono. No yoga, admite-se que a postura fecha o circuito energético do indivíduo, impedindo que a força vital (prana) se disperse. Além disso, a simbologia iconográfica da posição, ao evocar o arquétipo milenar do meditador, facilita o ajuste da mente de quem está meditando. Por último, o melhor dado: vencido o período da aprendizagem, a lótus revela-se uma posição bastante confortável. Fácil, não? Pelo menos para um oriental. Na índia, por exemplo, há milênios as pessoas habituaram-se a sentar-se no chão para comer, conversar e... meditar. Nós, ocidentais, no entanto, acostumamo-nos às cadeiras e às mesas e isso imprimiu no nosso corpo uma memória de postura e movimento que dificulta a adaptação à postura de lótus. Na maioria das vezes, esse obstáculo pode ser removido com o simples treinamento mental, o próprio esforço da meditação na contramão dos condicionamentos. É a rigidez da mente, apegada à dor e à aflição do corpo, que cria ou amplia a dificuldade em nos mantermos numa determinada posição. De qualquer modo, há sempre a possibilidade de meditar sentado numa cadeira, encostado na parede, em pé, deitado ou em qualquer outra postura confortável que deixe corpo e mente em harmonia.

Meditar na cadeira é melhor quando utilizamos um móvel de madeira com encosto reto, a fim de que a coluna se mantenha ereta (veja a figura).

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Preferencialmente, as plantas dos pés devem ficar sobre o chão, com pernas e coxas formando um ângulo de 90 graus. As mãos podem ficar apoiadas sobre os joelhos, espalmadas para baixo ou para cima, ou, então, formarem o mudra cósmico abaixo do umbigo ou se juntarem na altura do coração na postura de oração cristã. Cada posição provoca uma mudança de energia que será sentida durante a prática. As mãos para baixo reforçam a sensação de autocontrole; para cima realçam a receptividade à energia cósmica, à espiritualidade; juntas sobre o peito, parecem dissolver os impulsos de raiva numa onda de compaixão. Foi assim, juntando as mãos e recitando seu mantra, que Gandhi reagiu ao fanático que o assassinou à queima-roupa. No Oriente, essa postura é usada para a tradicional saudação Namastê, que significa "o divino que há em mim reverencia o divino que existe em você".

A meditação deitada, praticada por religiosos do Oriente e do Ocidente, não é recomendada para iniciantes, em razão da possibilidade de induzir ao sono.

SILÊNCIO E RESPIRAÇÃO

A disciplina do silêncio e a consciência da respiração são fatores importantes na meditação. O silêncio e a respiração serena nos permitem ver além das imagens, além da forma. Percebemos então as energias internas - o amor, a compaixão, a raiva etc. — e, a partir da consciência de sua presença, podemos harmonizá-las, estabilizá-las ou transformá-las na meditação. Na prática, fazemos isso focando a mente na respiração. Ficamos atentos à entrada e saída do ar pelas narinas e inspiramos e expiramos suave e profundamente.

O tipo de respiração apropriada é a abdominal ou diafragmática, assim chamada por produzir a dilatação do diafragma, o importante músculo que separa a cavidade torácica da abdominal. A inspiração deve jogar o ar para a base dos pulmões, produzindo uma sensação de enchimento do abdômen, quatro dedos abaixo do umbigo. A expiração deve ser plena e no mesmo ritmo. É fácil. É o nosso modo natural de respirar, aquele que é demonstrado diariamente pelos bebês e por todos nós quando estamos dormindo profundamente. A respiração torácica é resultado da restrição das vias respiratórias, causada por fatores físicos e, principalmente, pelo medo e a ansiedade.

Como sabemos, a absorção de oxigênio é essencial para a purificação do sangue e o funcionamento do cérebro que, sozinho, consome cerca de 25% do oxigênio armazenado no corpo. Mas, segundo as tradições esotéricas, ao respirarmos fazemos mais que aspirar oxigênio: aspiramos também prana - a

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energia vital que permeia o universo e é responsável pelo equilíbrio de todos os seres - e expressamos nossa atitude diante a vida. Na inspiração refletimos a disposição de viver e a determinação de buscar. Na expiração exercitamos a doação, a entrega à vida e a confiança na generosidade cósmica. A consciência da respiração exercitada na meditação garante o livre fluxo do prana através dos 12 canais principais ou meridianos do corpo, que podem ser obstruídos por pensamentos negativos e tumulto mental, gerando assim estresse e distúrbios orgânicos. Além disso, o modo como o meditador respira diz tudo sobre o seu estado mental e o nível de seu relaxamento físico. Quanto mais desacelerados e regulares os movimentos respiratórios, mais concentração e controle da mente. A respiração, enfim, é uma atividade que nos coloca no presente. Ninguém pode respirar no passado ou no futuro. Isso só é possível no agora. Daí por que focar na respiração é um dos meios mais eficazes para se alcançar o objetivo na prática meditativa. No treinamento budista, alguns mestres aconselham os iniciantes a começar praticando 10 minutos de puro silêncio, seguidos de uma meditação com foco na respiração. Nesse caso, devemos concentrar na sensação física do contato do ar nas narinas e não no conceito de respiração. Ao voltarmos a atenção para os movimentos da inspiração e da expiração, o ato de respirar se torna cada vez mais profundo e sutil, conduzindo-nos a níveis mais altos de consciência.

O PAPEL DO MANTRA

Mesmo com os procedimentos anteriores, a mente, muitas vezes, continua agitada por imagens, memórias, expectativas etc. Na verdade, é impossível parar de pensar. Esvaziar a mente significa ajustar o fluxo do pensamento, diminuindo sua velocidade e reduzindo-o, na concentração, a um fio condutor que leva a único ponto. Mas quando isso não ocorre na simples experiência do silêncio e da respiração consciente (ou quando se deseja catalisar o processo meditativo), pode-se recorrer a uma técnica milenar capaz de facilitar o ajuste sem reprimir a dinâmica do fluxo mental: o mantra.

Em sânscrito, mantra quer dizer "aquilo que liberta a mente". Trata-se de um som, com ou sem significado, que, pronunciado repetitivamente, ajuda a manter a atenção no agora. Sua origem tem a ver com o ensinamento das tradições orientais de que os sons são energias vibratórias que podem influenciar o fluxo mental e as vibrações do corpo, contribuindo para o seu equilíbrio ou desequilíbrio. No hinduísmo imagina-se que o surgimento do universo está associado a um som primordial — o Om. E na tradição cristã o princípio de tudo é apresentado como o Verbo, a palavra e, portanto, o som. Em todas as religiões, utilizam-se cantos e ladainhas para despertar o anseio de espiritualidade e promover estados alterados de consciência.

Na meditação, o mantra funciona ao privar os sentidos de qualquer outro estímulo, exceto ele próprio. É um auxílio importante para a concentração mesmo entoado mentalmente, como ocorre na maioria das vezes. Quase sempre, os mantras são formados por palavras ou pequenas frases de textos sagrados. São bastante conhecidos o Om Shanti ("Clareza e paz primordial") do hinduísmo, o Om Mani Padme Hum ("Salve a jóia da flor de lótus, a união da sabedoria e do

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amor) do budismo e o Maranatha ("Vinde, Senhor") da meditação cristã, geralmente recitados de forma devocional. Mas há outros de inspiração totalmente laica, como o One ("Um"), criado pelo médico americano Herbert Benson, um dos pioneiros nos estudos científicos sobre os efeitos da meditação. Na verdade, qualquer praticante pode criar o seu mantra individual. Em geral, quando os sons expressam um significado, é neste que se deve concentrar. Caso contrário, a atenção deve ser direcionada para a sonoridade do mantra, sincronizando-o com o ritmo da respiração. Depois de algum tempo repetindo o mantra, os ritmos físico e mental do meditador e o do próprio mantra estarão harmonizados, chegando, enfim, à sintonia fina com o ritmo cósmico quando o processo meditativo atinge o ápice. Nesse estágio, a consciência do meditador se funde à consciência cósmica, num mar de serenidade em que não existe mais o "eu" ou qualquer referência à dualidade aparente, mas apenas a eterna unicidade.

A OPÇÃO DAS VISUALIZAÇÕES

A visualização é uma técnica importante na prática meditativa. É utilizada praticamente em todas as tradições e na meditação laica. Pode-se visualizar desde uma luz até a figura de um mestre, uma deidade ou uma paisagem tranqüilizante. A exemplo da concentração, o objetivo aqui é focar a atividade mental, mas de uma forma que exige menor esforço.

Uma das visualizações mais empregadas no budismo tibetano é a Tong-len (dar e receber), uma técnica em que o meditador visualiza mentalmente que está assumindo a dor e o sofrimento do outro, oferecendo-lhe em troca os seus recursos de saúde e equilíbrio. Trata-se de um treinamento de compaixão, cujos detalhes conheceremos no capítulo seguinte. No yoga, costuma-se Usar técnicas de "sonhar acordado" (visualizar) que incluem luzes divinas entrando pela cabeça e saindo pela base da coluna, iluminando todo o corpo, ou mesmo a imaginação da teia universal em que estamos inseridos.

Esse tipo de meditação é o preferido das pessoas que têm dificuldade para concentrar o pensamento. Já que não conseguem manter a atenção voltada para a respiração ou para o mantra, pois a mente é inquieta demais, a opção é seguir divagando, mas de uma forma dirigida, formando mentalmente um quadro ou uma história inspiradora. É recomendável que a visualização seja transformada em meditação analítica sempre que se deparar, no processo, com algum tipo de dor emocional. Isso permitirá que conheçamos a causa da dor, desfazendo-a ao trazê-la para o nível consciente.

Na visualização, a mente cria um espaço. Um espaço ilusório, como, aliás, o são todos os espaços, cujos atributos são dados pela mente. A diferença é que, ao praticarmos visualização, temos consciência de que aquilo não é real. Ainda assim, a mente, por sua estrutura cármica, fica aprisionada ao que ela criou e segue respondendo dentro do contexto da paisagem mental.

A OPÇÃO DOS KOANS

Outro recurso meditativo para despertar a mente é o koan, usado com exclusividade pelos seguidores da linhagem zen do budismo. Um koan é um

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problema passado pelo mestre ao discípulo a fim de que, na tentativa de solucioná-lo, o aluno possa romper os padrões da mente condicionada. É uma forma estranha de treinamento que pode parecer enigma ou piada, mas seria enganoso considerá-los simples quebra-cabeças para serem resolvidos intelectualmente e se divertir. Sua função é mais sutil: é superar paradoxos aparentes e chegar a soluções transcendentes, fora do sistema "lógico" da mente viciada e escravizada à ilusão do ego. Koans produzem um salto criativo rumo à iluminação. Sua solução pode vir rapidamente ou demorar anos. Não importa. O objetivo é ultrapassar a razão, considerada pelo zen uma escada muito curta para a iluminação, levando a mente a um impasse que resultará num súbito lampejo intuitivo. Derrubada a barreira mental, o koan se torna inteligível.

Experimente.Sente-se em postura zazen e tente resolver um dos koans abaixo:• Uma vaca passa por uma janela. Sua cabeça, chifres e as quatro pernas

passam. Por que o rabo não passa?• Qual é o som de uma só mão batendo palmas?• Qual era a sua aparência antes de seus pais terem nascido?

Conseguiu? Possivelmente, não. Mas não se preocupe. Na rotina dos mosteiros zen, os discípulos costumam consultar o mestre sobre a sua meditação no koan duas vezes ao dia. Quase sempre o mestre não valida as respostas. Ao rejeitá-las, o mestre presta o seu melhor serviço ao discípulo, despertando-o de sua imaturidade e libertando-o de preconceitos.

DURAÇÃO DA PRÁTICA

Uma sessão formal de meditação compõe-se de uma preparação, a prática e a sua conclusão.

Geralmente, na etapa inicial é feito algum exercício de alongamento ou algumas ásanas (posturas) de yoga visando preparar o corpo para manter-se imóvel e confortável na posição de lótus ou em outra postura escolhida para a meditação. Ainda nessa etapa, é importante a observância do silêncio e da respiração ou um breve relaxamento ao som de um mantra, um canto ou mesmo música clássica. Dependendo da escola meditativa, pode-se adotar algum tipo de ritual introdutório rápido. É importante que o praticante esteja vestido adequadamente, isto é, com roupa leve, folgada. No Ocidente, usamos almofadas de 10 centímetros de altura para sentar e apoiar a coluna na postura de lótus. Apesar de a meditação poder ser praticada em qualquer lugar ou circunstância, convém que as sessões regulares sejam realizadas em um ambiente limpo, despojado e silencioso. O incenso pode ajudar no relaxamento, mas é

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dispensável. Alguns praticantes usam música no início para ajudar a acalmar a mente, mas isso logo deve ser descartado, sob pena de criar dependência. Na verdade, para meditar precisamos apenas de nossa mente.

A duração da prática varia de acordo com a capacidade de concentração, a resistência física e a experiência de cada meditador. Pode-se meditar bem sentando apenas cinco minutos, ainda que isso seja pouco provável no início. À medida que mergulhamos no exercício e adquirimos espontaneidade na prática, a percepção de passagem do tempo e a inquietação diminuem e a tendência é ampliar o número de minutos ou horas que ficamos em meditação. Para iniciantes com hábitos urbanos, é razoável a prática meditativa durante 20 minutos, se possível duas vezes ao dia. Outra opção é acordar cedo e dedicar de 40 minutos a uma hora ao não-fazer, aproveitando a tranqüilidade das primeiras horas da manhã e a situação especial da mente após uma boa noite de sono.

Concluir a meditação é tão importante quanto iniciá-la e exige alguns cuidados, a fim de que não desperdicemos os benefícios obtidos enquanto estivemos parados. Depois que o corpo sinalizou a hora de encerrar a prática, o melhor é continuar respirando conscientemente por mais algum tempo, evitando levantar de um salto. Comece a saída movendo lentamente os dedos. Em seguida, se estava meditando de olhos fechados, abra-os devagar. Mantenha a atenção sobre todas as etapas do movimento de saída. No fundo, estar atento é o fundamental e não o fato de apegar-se a algum modelo de saída. No zen, algumas vezes, a meditação é encerrada com fortes batidas de madeira que podem até assustar o praticante. Se isso acontece, é porque a mente não estava atenta, mas, de alguma forma, divagando.

ARMADILHAS NO CAMINHO

No caminho da meditação, o principal obstáculo é sempre a mente e a sua inesgotável produção de pensamentos, expectativas, conflitos etc. que sustentam o ego, a ilusão do eu separado do resto do universo. Nesse sentido, a mente é uma poderosa construtora de armadilhas que se mostram perigosas nos momentos em que a prática se torna árida, exigindo todo o apoio da motivação e da vontade - aquelas etapas em que muitos desistem de caminhar.

É armadilha quando nos fixamos na expectativa de resultados ou na frustração por não alcançá-los. E também quando achamos que chegamos a algum lugar e saímos por aí propagando que a meditação funciona. Na primeira cilada somos desviados pela ânsia de ganho do ego e pela ilusão de que os efeitos colaterais da meditação - como o relaxamento e a redução do estresse - são o objetivo de uma prática que visa à ampliação da consciência. Na segunda, o impulso egóico é o mesmo e o efeito é a distração do praticante devido às sensações especiais que podem emergir durante a travessia dos estágios mentais, mas que estão aquém da meta da mente clara, acima de todo pensamento e de toda sensação. Visões de luzes, quadros e cores, percepções extra-sensoriais ou qualquer manifestação paranormal ocorrem no plano da mente pensante. Por mais belos e extraordinários que pareçam, tais fenômenos não devem ser retidos ou desejados pelo meditador, sob pena de prejudicar sua marcha para níveis mais

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altos de consciência.Ao contrário do que se imagina, durante a prática, também poderão ser

registradas sensações de desconforto físico e psicológico, como conseqüência natural do desbravamento mental e liberação de memórias e emoções desconhecidas da consciência de vigília. Formigamentos, palpitações, inquietações... Nada disso deve ser retido por meio de apego ou rejeição, mas observados com isenção, da mesma forma que os pensamentos em seu fluxo corriqueiro.

A meditação é, de fato, a única atividade sistemática que não visa levar o praticante a algum lugar. Quando você chegar "lá", perceberá que lá é o lugar onde você sempre esteve. A diferença é que agora você está consciente, pode ver claramente o que é. É sempre bom lembrar que a mente tranqüila do meditador é aquela capaz de manter-se calma dentro da própria atividade e não apenas na inatividade, quando tudo conspira para a serenidade.

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OS NOVEESTÁGIOS

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VII

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VII – OS NOVE ESTÁGIOS

AVALIE SEU PODER DE DOMAR A MENTE

Lembra-se daquele mural do mosteiro Kopan, no Nepal, sobre o qual falamos no Capítulo I? Está na hora de retornarmos à metáfora para aprender um pouco mais sobre o que ocorre com a nossa mente quando tentamos discipliná-la na meditação.

O desenho da página a seguir reproduz de forma simplificada a imagem concebida por mestres budistas há mais de 2 000 anos. O diagrama representa os nove estágios de evolução da shamata, a meditação budista destinada a afinar a concentração e alcançar a calma mental, também praticada com outros nomes em diferentes escolas meditativas. As chamas à margem do caminho, até a altura da quarta curva, simbolizam as dificuldades do processo, que exige muito mais esforço nas etapas iniciais.

Observe o desenho e acompanhe a descrição a seguir. Como sabemos, o elefante é um ícone da mente humana e o macaco, o fluxo atabalhoado dos pensamentos e a excitação por ele provocada. A cor preta do elefante e do macaco cede ao branco à medida que ambos vão sendo pacificados pelo homem - o preto representa a possibilidade de distrair-se ou afundar no sono durante a meditação. A corda na mão esquerda do homem significa a concentração no objeto (respiração, mantra), e a guia na mão de direita, o estado de alerta.

ESTÁGIOS DA MEDITAÇÃO

APÓS 0 9° ESTÁGIO, LIBERDADE PARA MEDITAR A QUALQUER MOMENTO, SEJA EM SHAMATA (MEDITAÇÃO ESTABILIZADORA) OU VIPASSANA (MEDITAÇÃO ANALÍTICA)

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1o ESTÁGIO - O homem inicia a corrida para alcançar o elefante puxado pelo macaco, equipando-se com a corda e a guia. A fixação em um objeto de concentração e a persistência no estado de alerta são o primeiro passo do processo meditativo. Neste ponto zero, geralmente a mente não consegue manter a atenção em algo por mais de dois segundos! É preciso voltar, quantas vezes forem necessárias, ao ritmo da respiração, ao mantra ou a algum objeto visualizado.

2o ESTÁGIO - A marcha do macaco e do elefante desacelera, mas ambos continuam caminhando a esmo. As áreas brancas emergem em meio ao preto da lassidão ou da excitação. A concentração aumenta e o meditador obtém as

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primeiras conquistas em sua prática. Já é possível manter a atenção fixada no objeto (a respiração, o mantra etc.) por um período de 15 a 20 segundos.

3o ESTÁGIO - O homem consegue laçar o elefante, apesar da reação do animal, e este deixa de ser puxado pelo macaco, agora posicionado ao seu lado. Aqui ocorre a aderência da mente ao objeto da fixação. A concentração aumenta e o praticante já consegue manter a atenção no objeto por cerca de um minuto. Ele também toma consciência das distrações que, até então, ocorriam à sua revelia. Pode parecer pouco, mas isso é o suficiente para promover um estado de calma e relaxamento muito gratificante.

4o ESTÁGIO - O elefante dá sinais de que pode ser domado. A corda que o prende ao homem já não está esticada, porém o macaco continua ao lado. As distrações diminuem e não é preciso grande esforço para manter a atenção, mas a energia mental ainda é fraca. A mente está mais alerta e mais tranqüila, mas persiste o risco de afundar na lassidão e no sono.

5o ESTÁGIO - Agora os papéis foram invertidos. O homem assume o comando do processo, puxando o elefante sem dificuldade. O macaco segue atrás. A concentração se fortalece ainda mais e a mente quase não experimenta agitação. Sentimentos profundos de paz e serenidade a envolvem.

6o ESTÁGIO - Já não é preciso qualquer esforço para manter o processo meditativo. A energia mental é intensa e a pacificação é quase completa. Mas observe que o macaco ainda segura o rabo do elefante, sinalizando que o fluxo de pensamento ainda carece de alguma ordenação.

7o ESTÁGIO - O homem se livra do macaco que seguia o elefante. É o estágio em que se dá a claridade do objeto, a concentração em um único ponto, com a precisão do raio laser. Não há distrações.

8o ESTÁGIO - A cor preta desapareceu por completo do elefante, que segue o homem espontaneamente, sem a necessidade da corda. O objeto da concentração aqui é a própria mente. A meditação ocorre com naturalidade e sem esforço. Não há distrações nem risco de afundamento na lassidão e no sono.

9o ESTÁGIO - O elefante está totalmente pacificado e repousa ao lado do homem. A mente disciplinada entra em meditação sem qualquer esforço inicial e pode manter-se assim durante semanas, sem intervalo. Monges e iogues afirmam que neste estágio a energia mental é tão forte que é capaz de nutrir o corpo. O praticante não precisa de comida nem de água. Neste estágio poderá continuar em shamata ou seguir o caminho da meditação analítica, a vipassana, pois estará apto a ver e analisar com clareza a natureza da mente e das coisas.

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ESCOLHA A SUA

Se você continuar esta simples prática todos os dias obterá

um poder maravilhoso. Maravilhoso antes de ser atingido,

Mas nada especial uma vez atingido.

Shunryu Suzuki, mestre soto-zen

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VIII

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VIII – ESCOLHA A SUA

AS VÁRIAS TÉCNICAS DE MEDITAR

As técnicas de meditação são inúmeras e vêm sendo utilizadas há séculos pelas principais tradições religiosas. Várias delas passaram por adaptações em diferentes épocas e culturas. No século XX, com o estudo científico dos efeitos da meditação, elas começaram a ser difundidas no Ocidente. A seguir, algumas das técnicas mais conhecidas:

MEDITAÇÃO SENTADA

ZAZEN — é a prática de meditação sentada da tradição zen, uma linhagem do budismo bastante difundida no Japão. É uma das técnicas mais simples e mais conhecidas em todo o mundo. Aqui o importante são o esforço e a disciplina na prática, com observação da postura. Para muitos mestres do zen, a postura é, em si, o propósito da prática.

• Sente-se no chão (ou sobre uma almofada), coloque o pé direito sobre a coxa esquerda e o pé esquerdo sobre a coxa direita - a posição de lótus.

• Mantenha a coluna, o pescoço e o tronco numa linha reta.• Coloque a mão esquerda sobre a palma da direita, com as juntas dos

dedos médios encostadas umas sobre as outras e as pontas dos polegares se tocando levemente. As mãos devem estar junto ao corpo, com os polegares à altura do umbigo.

• Os braços devem permanecer relaxados e ligeiramente afastados do tronco, como se houvesse um ovo em cada axila.

• Não se incline para qualquer lado.• Mantenha os olhos semicerrados, neste caso olhando num ângulo de 45

graus para o chão ou para a parede.• Concentre-se na respiração. Observe o ar tocando as pontas das narinas.

Conte suas inspirações de 1 a 10 e, então, reinicie a contagem. Caso não consiga completar a série (muitos iniciantes se perdem já na terceira inspiração), não se inquiete. Apenas retorne ao início da contagem sempre que isso acontecer.

• Não busque um estado especial da mente. Não busque qualquer resultado. Apenas sente-se e observe. É assim que mente e corpo permanecem juntos, presentes onde você está. Isso é zazen.

Observação: caso não consiga sentar-se em lótus completo, tente a postura meio lótus, com apenas um dos pés sobre a coxa oposta. Ou ainda a posição um quarto de lótus, com um pé debaixo da coxa oposta e o outro sob a panturrilha da perna contrária. Se você tem problemas físicos, sente-se numa cadeira que lhe permita manter a coluna ereta.

SHAMATA — é um tipo de meditação estabilizadora, com foco na respiração, muito usada por algumas linhagens do budismo. Ajuda a relaxar e ampliar a capacidade de atenção.

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• Sente-se na postura de lótus ou naquela que lhe for mais confortável, tendo o cuidado de manter a coluna ereta.

• Mantenha os olhos abertos, fixando-os em algum ponto, num ângulo de 45 graus. Para facilitar, você pode colocar, a sua frente, algum objeto que o ajude a fixar o olhar na angulação recomendada. Olhe para o objeto suavemente. Pode piscar o olho, se necessário.

• Focalize a atenção sobre a ponta de suas narinas, percebendo a sensação causada pelo ar entrando e saindo. Realize a contagem de 1 a 10, a exemplo do que é feito no zazen.

• Se preferir, em vez da ponta das narinas, focalize o movimento do abdômen a cada inspiração e expiração, fazendo a contagem.

• Em qualquer das opções acima, respire profunda e suavemente.• Ao surgirem pensamentos, não reaja com apego ou rejeição. Não se sinta

frustrado. Persista.• Isso se torna mais fácil se você imaginar a sua mente como um céu claro

onde nuvens surgem e logo desaparecem, sem perturbar a paisagem calma.• Quando estiver apto a evitar as distrações, passe a fazer notas mentais

sobre a natureza dos pensamentos que surgem sem, no entanto, retê-los nem perder a consciência de sua impermanência. É o suficiente para não conceder poder às distrações, fazendo cessar o conflito.

HESICASMA — é a meditação cristã, tradição que surgiu no século IV com os chamados padres do deserto, da região de Alexandria, no Egito. A prática, disseminada nos monastérios católicos, desde o século passado vem sendo adotada por cristãos leigos. A exemplo do bakti hindu, aqui a concentração é mediante a devoção à divindade ou a um ser iluminado - no caso, Jesus. O hesicasma (palavra de raiz grega que significa "quietude") é um tipo de meditação que exige pouco esforço, como no zazen. Usa-se uma "palavra de amor", um mantra, para apoiar a mente durante o processo de "ficar em Deus".

• Sente-se numa cadeira de modo que a coluna se mantenha ereta. Pernas e coxas devem formar um ângulo de 90 graus. Os pés devem estar bem apoiados no chão. As mãos, colocadas sobre as pernas, devem ficar espalmadas para cima ou para baixo.

• Feche os olhos.• Pratique a respiração abdominal.• Repita mentalmente o mantra durante o tempo que for necessário.• Concentre-se no significado do mantra.Observação: alguns meditadores cristãos adotam o mantra "Jesus",

sincronizando as sílabas da palavra com os movimentos de inspiração e expiração: Jesus. Outros usam a antiga oração aramaica Maranatha, que significa "Vinde, Senhor".

VISUALIZAÇÃO — é a meditação sentada mais adequada para quem tem dificuldade de focar a mente em um mantra ou no vazio. O objeto de foco pode ser um símbolo geométrico, uma paisagem, um ícone religioso etc. No entanto, haverá mais adesão à prática e mais eficácia se forem visualizados

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imagens e costumes relacionados ao praticante.• Sente-se na postura apropriada a você.• Feche os olhos.• Respire suavemente.• Crie, mentalmente, uma imagem significativa para você. Concentre-se

na imagem.

TONG-LEN — é um importante exercício de visualização do budismo mahayana no qual o praticante imagina que, ao inspirar, recebe as impurezas e dores dos outros, transforma-as em luz e serenidade dentro de si mesmo e as devolve para o ambiente junto com a expiração. Tong-len significa "dar e receber". O objetivo da prática é treinar a mente, ampliando a força da compaixão e combatendo o egoísmo ao voltar a atenção para o sofrimento do próximo.

O tong-len pode ser praticado de diversas maneiras, variando com a imaginação criativa na qual visualizamos situações ™ que podemos optar pela compaixão. Eis uma delas:

• Sente-se na postura que lhe for mais agradável, mantendo a coluna alinhada.

• Respire suavemente.• Visualize, inicialmente, o seu próprio sofrimento futuro, projetando a

imagem de seu corpo à sua frente.• Inspire as impurezas do ser à sua frente, leve-as ao seu coração,

transforme-as em luz e as devolva na expiração. Realize essa purificação por algum tempo.

• Depois de desenvolver a habilidade de gerar um estado mental compassivo para si mesmo, substitua a sua própria figura pela de uma pessoa que sofre ou com quem você tem alguma dificuldade.

• Expanda a prática, imaginando outras pessoas, populações carentes e, por fim, todos os seres, envolvendo-os na luz da compaixão gerada em seu coração.

No início, a prática do tong-len pode causar um certo desconforto. Não é um mau sinal. Significa que ela está atingindo a nossa costumeira atitude egocêntrica.

TRANSCENDENTAL — criada pelo guru Maharishi Mahesh Yogi, a meditação transcendental é a técnica mais difundida no Ocidente, mas não chega a ser inovadora. Trata-se de uma meditação mântrica hinduísta clássica adaptada à cultura moderna. Numa sociedade com fortes traços de ceticismo, como a americana, chegou a ser rotulada de "ciência da inteligência criativa". Seus fundamentos, porém, remontam à escola vedântica advaíta de Sankaracharya que, no século VIII, fez reviver o pensamento hinduísta numa Índia então dominada pelo budismo. A meta advaíta é um estado final de não-dualidade, resultado da união da mente do meditador com a consciência infinita (Brahma informe), um degrau acima do bhakti, a meditação devocional hinduísta que conduz à união com uma das formas de Deus. Na meditação transcendental, o praticante segue o

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mesmo caminho, dividido em três etapas. Na primeira, alcança a "consciência transcendental", em que a mente perde contato com o mundo exterior e experimenta a beatitude. O passo seguinte, a "consciência cósmica", consiste na infusão dos efeitos da etapa anterior nos estados de vigília, sonho e sono, com alternância da atividade normal com períodos de meditação. O resultado disso é uma sensação permanente de beatitude, ainda quando se está envolvido em alguma atividade. Por último, o meditador alcança a "consciência de Deus", quando, então, percebe todas as coisas como sagradas e experimenta total desapego e libertação de desejos.

Na meditação transcendental, a instrução é personalizada. Cada meditador recebe o seu próprio mantra em sânscrito (pode ser o nome de uma deidade) e é instruído a não entoá-lo em voz alta nem revelá-lo a outra pessoa. Isso decorre da crença de que os sons mântricos são apropriados a tipos específicos de pessoas e produzem efeitos exclusivos. A concentração não deve ser esforçada, mas suave. De um modo básico, você poderá praticá-la assim:

• Sente-se no chão em postura de lótus.• Respire lenta e profundamente.• Repita mentalmente o seu mantra. Traga a mente de volta ao foco da concentração sempre que houver

distração. Para os estágios superiores da prática, consulte um mestre.

MEDITAÇÃO CAMINHANDO

Algumas pessoas têm mentes muito instáveis. Mesmo se esforçando, não conseguem manter a atenção necessária à meditação apenas sentando-se. Nesse caso, existem algumas alternativas.

Uma delas é desenvolver, antes, a capacidade de concentração praticando posturas de hata yoga, exercícios focados no corpo e na respiração. É como alongar a mente antes da "ginástica" da meditação. Trabalhar a conexão com o corpo ajuda a quebrar a rigidez da mente, resultado do apego à dor e à aflição do corpo. Ajuda, também, a pessoa a manter um propósito, a motivação, mesmo enfrentando dificuldades. Na verdade, toda posição do yoga é uma postura de meditação; a posição corporal corresponde a uma postura mental. Adquirida essa habilidade, é mais fácil levar a mente a trabalhar com processos mais sutis.

Outra saída é meditar caminhando. Até quem não consegue manter-se sentado, devido à inquietação, à raiva ou à dor, pode caminhar arrastando tudo isso. É bom, no entanto, levar em conta alguns detalhes que diferenciam a caminhada meditativa do simples ato de andar. Ao meditar caminhando, o praticante não tem como meta chegar a algum lugar. Pode até caminhar em círculos, se isso lhe for agradável. Convém ainda praticar num ambiente em que não chame a atenção de outras pessoas, o que lhe acrescentaria um risco maior de distração. Escolha uma praia isolada, um campo, um bosque ou... a sua sala.

Na meditação caminhando, o importante é estar presente em cada passo, em cada respiração. O andar é intencional e, preferencialmente, num ritmo mais lento do que o normal, ainda assim simples e natural. A atenção deve estar voltada para o movimento dos pés e das pernas. As distrações — pensamentos,

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sensações ou impulsos - devem ser notadas e deixadas de lado. A seguir, um exercício.

• Feche a mão esquerda com o polegar voltado para dentro.• Apóie os dedos da mão direita nas pontas dos dedos da mão esquerda e

pressione-os suavemente.• Mantenha as duas mãos juntas ao abdômen.• Olhe para o chão num ângulo de 45 graus.• Levante um pé, mantendo consciência de cada movimento da perna e do

tornozelo, e sinta a sola do pé ao retorná-lo ao chão.• Dê um passo curto e faça o mesmo com o outro pé.• Continue os movimentos alternados e, ao chegar ao final do caminho,

retorne ao ponto de partida, sempre concentrando a atenção nas pernas e nos pés.

MEDITAÇÃO DANÇANDO

Os sufis, a ala mística do islamismo, acreditam que a dança é uma porta de acesso ao divino. Por isso, muitas vezes praticam o zikr, um tipo de meditação apoiada na repetição do primeiro verso do Alcorão (La ilãha illã ‘’ llah ou "não há divindade senão Deus"), rodopiando e realizando movimentos típicos. Concentrados nessa recordação de Deus, podem alcançar estados de pico semelhantes aos do samadhi ou ao nirvana, com a dissolução do eu na essência divina, um estado de êxtase conhecido como fana.

Não é preciso, no entanto, tornar-se um sufi para meditar dançando. Ouvindo canções comuns, é possível sincronizar sons e movimentos sob uma atenção afinada, fazendo-se presente por inteiro, sem distrações, numa agradável celebração do agora. Experimente.

MEDITAÇÃO DEITADA

Meditar deitado não é fácil. A maioria dos praticantes acaba dormindo. Outros não vão além de um relaxamento, o que não deixa de ser um bom resultado. Deitar e atingir o relaxamento profundo é um excelente recurso contra o estresse. Aqui, como nas outras posições, é a capacidade de concentração que garante a eficácia da meditação.

• Deite-se no chão, com os pés e os braços levemente afastados e as mãos voltadas para cima.

• Deixe o corpo afundar. Procure não contrair nenhum músculo.• Respire lenta e profundamente, sentindo seu abdômen subir e descer a

cada inspiração e expiração.• Concentre-se na respiração e procure sentir cada parte de seu corpo.

Observe, em seqüência, o que se passa com os seus pés, pernas, pélvis, genitais, barriga, peito, costas, ombros, braços, pescoço, cabeça, rosto e alto da cabeça. Sinta o relaxamento em órgãos internos como o estômago, os intestinos, o fígado e outros.

• Continue respirando atentamente. Ao final da sessão, vire-se para o lado direito, sente-se e, em seguida, levante-se lentamente.

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MEDITAÇÃO EM PÉ

É melhor praticar a meditação em pé num bosque, absorvendo a lição das árvores sobre contato, firmeza e quietude.

• Posicione-se junto a uma fileira de árvores e tente se sentir como uma delas.

• Imagine seus pés desenvolvendo raízes no chão.• Deleite-se com a sensação do contato do ar com a sua pele e com o leve

balanço de seu corpo na brisa.• Se possível, abra os braços e as palmas das mãos para o céu, como se

fossem ramos e folhas.• Mantenha-se concentrado na respiração.Em ambientes fechados, você pode posicionar-se diante de uma almofada

ou de outro objeto, mantendo as mãos na postura de oração cristã, com as palmas se tocando junto ao peito.

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PERGUNTASE RESPOSTAS

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IX

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IX – PERGUNTAS E RESPOSTAS

E AGORA?

EXISTE UM HORÁRIO IDEAL PARA MEDITAR?É possível meditar com proveito em qualquer momento do dia ou da noite.

Monges e iogues, no entanto, afirmam que no despertar a mente está mais serena e, portanto, mais apta ao exercício da concentração. Muitos costumam realizar a primeira meditação do dia por volta das 4h da madrugada.

QUAL O LOCAL APROPRIADO PARA A PRÁTICA?

Pode-se meditar em qualquer lugar, mas é óbvio que a prática fluirá melhor num ambiente tranqüilo, com boa circulação de ar e despojado, sem mobília e outros elementos que contribuam para a distração. É recomendável que se prepare uma sala ou um quarto para uso específico. Não sendo possível, medite à vontade em seu quarto ou escritório.

POSSO ALIMENTAR-ME ANTES DA MEDITAÇÃO?

Melhor não comer nada antes da meditação. Mas se isso o incomoda, tome um copo de leite, coma uma fruta ou algo leve. A atividade digestiva intensa pode perturbar a concentração. Iogues costumam não apenas manter o jejum durante a meditação, mas também realizar lavagens intestinais antes da prática, a fim de desintoxicar o corpo.

TENHO DE MEDITAR NO MÍNIMO 20 MINUTOS OU POSSO PRATICAR POR MENOS TEMPO?

Meditadores experientes costumam praticar durante horas. Iniciantes devem respeitar seus limites físicos e psicológicos. Nos primeiros dias, é recomendável intercalar períodos de 5 minutos de meditação com algumas pausas para descanso. Na média, pessoas comuns conseguem dar conta da receita básica: 20 minutos de meditação duas vezes ao dia.

MEDITAR EM GRUPO É MAIS PROVEITOSO DO QUE SOZINHO?

Depende de quem medita. Quase sempre a meditação em grupo é uma forma de o praticante avançar mais rápido, devido à troca de idéias com outros meditadores e ao compromisso de meditar regularmente, em determinados dias e horários.

CRIANÇAS PODEM MEDITAR?

Sim. Em geral, por serem menos condicionadas, elas aprendem a dominar a técnica com mais rapidez que os adultos. Mas é preciso levar em conta

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características físicas e psicológicas dessa fase. A prática de ásanas (posturas) do yoga é um bom caminho para o trabalho com crianças. Brincadeiras para ver quem fica mais tempo imóvel são uma forma de treinar a concentração de forma lúdica. A meditação propriamente dita não deve começar com períodos superiores a 5 minutos.

DIANTE DE UM PROBLEMA INESPERADO, NA RUA OU NO TRABALHO, COMO PODEREI MANTER-ME SERENO SEM MEDITAR FORMALMENTE?

Parar e respirar conscientemente sempre conduz a uma mudança na paisagem mental. No livro The Wellness Book, Herbert Benson sugere um exercício para o momento em que estivermos presos num congestionamento de trânsito, o qual, adaptado, pode ser útil em outras situações em que nos percebamos à beira de um ataque de nervos. Ei-lo:

"Pare.Respire e relaxe.Reflita e faça a si mesmo estas perguntas:• O que está acontecendo comigo?• Por que estou tão nervoso?• Estou atrasado ou apenas correndo contra o relógio?• É realmente um problema estar atrasado?• Se eu estiver atrasado, qual é a pior coisa que pode acontecer?• A preocupação irá ajudar? Opte por não ficar tão ansioso."

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GLOSSÁRIO

BRAHMA - Na mística hínduísta, significa a consciência universal, o fundamento de todo ser, o equivalente a Deus (no aspecto cósmico, impessoal).

CARMA - Ação. A lei de causa e efeito que opera no comportamento dos seres.

DHYANA - Meditação profunda na qual a fixação da atenção no objeto é total.

FANA - Significa "perder-se em Deus". É o estágio mais elevado da meditação sufi, em que a noção do "eu" e do mundo desaparece no êxtase do praticante.

HESICASMA - Palavra de origem grega cujo sentido é quietude, mansidão. Designa a prática da oração contemplativa de monges cristãos ortodoxos.

KOAN - Enigma usado pelos zen-budistas com o objetivo de levar a mente a superar paradoxos aparentes e encontrar soluções criativas.

KOSHAS - Camadas da mente, cada uma expressando um determinado nível de consciência. A tradição tântrica do hinduísmo considera a existência de cinco camadas - do corpo físico ao espírito.

MAHAYANA - Significa "Grande Veículo". Principal corrente do budismo, surgida no século II a.C, que abriga várias escolas e linhagens e enfatiza a prática da compaixão.

MAYA - Ilusão. A percepção de separatividade entre o "eu" e o mundo.MUDRA - Postura de mãos.NEANDERTAL - Ancestral humano que habitou o vale do Neander, na

Alemanha, e outras regiões da Europa e da Ásia central entre 130 000 e 30 000 anos atrás.

PATICCA SAMUPPADA - Conceito budista de co-surgimento dependente, segundo o qual observador e objeto surgem de um único processo, não passando de mera aparência a experiência de separatividade.

PRANA - Princípio energético que permeia o universo. Energia vital.PRANAYAMA - Prática de controle da energia vital por meio da

respiração.SAMAOHI - Estado de hiperconsciência e bem-aventurança.SÂNSCRITO - Língua clássica da índia em que foram registrados os

ensinamentos sagrados do hinduísmo.SHAMATA - Técnica budista de meditação focada na respiração e

destinada a estabilizar a mente.TANTRA - Tradição originária da índia cujas práticas, destinadas a

despertar energias latentes, são utilizadas tanto no hinduísmo quanto no budismo.TONG-LEN - Técnica de visualização mahayana que conduz o meditador

a uma atitude de profunda compaixão, assumindo e purificando o sofrimento de outros seres.

VEDAS - A mais antiga coletânea de escrituras sagradas do hinduísmo, que datam entre 1500 e 1200 a.C.

VIPASSANA - Tipo de meditação analítica budista.

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YOGA - Significa união. É nome do sistema de práticas espirituais e condutas éticas que se desenvolveu dentro do hinduísmo e foi depois codificado pelo sábio Pantajali, entre 400 e 200 a.C.

ZIKR - Meditação sufi que consiste na recordação de Deus pela repetição de seu nome.

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PARA SABER MAIS

LIVROS

INTRODUTÓRIOS

A ESSÊNCIA DA MEDITAÇÃO BUDISTA — BHIKKHU MANGALO, PENSAMENTO, SÃO PAULO, 1999

Pequeno manual sobre a prática da recordação (meditação), conforme é praticada no budismo chinês. Contém instruções úteis sobre respiração e concentração e sua aplicação no dia-a-dia.

MEDITAÇÃO — SANDRA ROSENFELD, NOVA ERA, RIO DE JANEIRO, 2003 Em linguagem simples e direta, a autora introduz o leitor à prática da

meditação como atividade indispensável à qualidade de vida e narra sua própria experiência.

MEDITAÇÃO E OS SEGREDOS DA MENTE — SUSAN ANDREWS, INSTITUTO VISÃO FUTURO, PORANGABA, 2001

A autora é monja, doutora em psicologia e dirigente da comunidade auto-sustentável Parque Visão Futuro, em Porangaba, no Estado de São Paulo. Seu livro aborda a estrutura da mente, segundo a tradição hinduísta, e o processo de sua elevação pela meditação.

A MENTE ALERTA — JON KABAT-ZINN, OBJETIVA, RIO DE JANEIRO, 2001 Em linguagem simples e atual, o autor reflete sobre alguns conceitos

budistas relacionados à mente e à prática meditativa e sobre como aplicá-los com naturalidade ao cotidiano do homem ocidental urbano. Kabat-Zinn é fundador e diretor da Clínica de Redução do Estresse do Centro Médico da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos.

A MENTE MEDITATIVA — DANIEL G0LEMAN, ATICA, SÃ0 PAUL0,1996 Registra as primeiras pesquisas do psicólogo Daniel Goleman, autor do

livro Inteligência Emocional, junto a comunidades místicas do Oriente e suas reflexões sobre o clássico budista Abhidhamma, um dos mais importantes tratados de psicologia dos estados de consciência. O autor aborda o processo meditativo e passeia pelas metodologias e fundamentos da prática em diferentes tradições sapienciais — do budismo tibetano ao cristianismo, do yoga de Pantajali ao islamismo, do tantra indiano à cabala judaica.

A PALAVRA QUE LEVA AO SILÊNCIO — JOHN MAIN.PAULUS, SÃO

PAULO, 1987 Escrito pelo monge beneditino que se tornou arauto da meditação cristã, no século passado, o livro aborda os fundamentos da prática, do século IV aos nossos dias. De forma simples e aberta, mostra que técnicas vistas como uma exclusividade oriental, como a meditação com mantras, também são praticadas em mosteiros cristãos.

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RESPIRAÇÃO: PURA ALQUIMIA — MANÚCIA LIMA, ALFABETO, SÃO

PAUL0, 2002 Uma abordagem biológica e transcendental sobre a respiração, sua

importância para o equilíbrio do corpo e da mente e a prática de pranayamas, exercícios de controle da energia vital.

YOGA — CACO DE PAULA E MÁRCIA BINOO,ABRIL,SÃO PAULO,2002 Segundo título lançado pela coleção Para Saber Mais, é leitura altamente

recomendável para quem está se iniciando no estudo da meditação. O yoga é um sistema sapiencial que tem como finalidade última aquietar a mente e ampliar a consciência. As técnicas meditativas são enfatizadas na modalidade dhyana yoga.

YOGA E AS TRADIÇÕES SAPIENCIAIS — CLÁUDIO AZEVEDO, ABC,

FORTALEZA, 2004 Escrito por um médico e professor de yoga, o livro mostra como o yoga e

as diversas tradições lidam com o processo da mente e a meditação. No final, descreve técnicas meditativas.

DESENVOLVIMENTO

COMO PRATICAR — JEFFREY HOPK1NS, ROCCO, RIO DE JANEIR0, 2003 Apresenta ensinamentos de Dalai Lama divididos em uma série de passos

que conduzem à iluminação pela prática da meditação e da moralidade, com a superação de obstáculos como a raiva, a insegurança e as distrações.

OS ESTÁGIOS DA MEDITAÇÃO — DALAI LAMA, ROCCO, RIO DE JANEIRO,

2001 Comentários do líder do budismo tibetano sobre Os Estágios da Meditação, obra escrita no século XI pelo erudito indiano Acharya Kamalashila. Os ensinamentos se referem a temas como a natureza e o treinamento da mente, o desenvolvimento da equanimidade e a prática da tranquila absorção - a mente que superou a distração dos objetos externos.

GUIA DE MEDITAÇÃO - PEDRO KUPFER, DHARMA, FLORIANÓPOLIS, 1999

Um manual que expõe conceitos e técnicas de meditação das diferentes escolas do hinduísmo.

A JANELA VISIONÁRIA - AMIT GOSWAMI, CULTRIX, SÃO PAULO, 2003 O autor, um físico quântico indiano, professor da Universidade do Oregon, nos Estados Unidos, desenvolve novas hipóteses sobre a consciência, a mente e o caminho da iluminação pela meditação a partir dos conhecimentos da física contemporânea relacionados à sabedoria mística do Oriente. Praticantes de meditação não devem deixar de ler o capítulo "Um Guia para a Iluminação por um Físico Quântico".

O LIVRO TIBETANO DO VIVER E DO MORRER - SOGYAL RINPOCHE TALENTO-PALAS ATHENA, SÃO PAULO,1999

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O foco da obra são as práticas compassivas do budismo tibetano, incluindo diversas técnicas de meditação. Uma obra essencial para quem pretende avançar no estudo dos processos da mente.

MEDITANDO A VIDA - PADMA SAMTEN, PEIRÓPOLIS, SÃO PAULO, 2001 Com clareza e didatismo, o lama gaúcho Padma Samten apresenta reflexões budistas sobre as aflições da vida cotidiana e ensina o caminho da superação das crises pela prática correta da meditação.

MENTE ZEN, MENTE DE PRINCIPIANTE - SHUNRYU SUZUKI, PALAS ATHENA, SÃO PAULO, 1999

O livro aborda com surpreendente clareza a filosofia e o método extremamente simples do zen-budismo para a conquista da iluminação. Ao lado de ensinamentos sobre vacuidade, não-dualismo e o processo da mente, as instruções práticas sobre postura, respiração e controle ajudam o meditador a alçar vôos mais altos em sua prática rotineira.

O PODER DO AGORA – ECKHART TOLLE, SEXTANTE, RIO DE JANEIRO,2002

Combina conceitos cristãos, budistas, hinduístas, taoístas e de outras tradições sapienciais para demonstrar que só acessamos a nossa verdadeira essência e a resposta final às nossas dúvidas quando as procuramos no instante presente - o aqui e agora.

WHY GOD WONT G0 AWAY - ANDREW NEWBERG E EUGENE D'AQUIU, BALLANTINE, NOVA YORK, 2001

Descreve uma pesquisa realizada pelos autores com meditadores budistas e monjas franciscanas na Universidade da Pensilvânia, faz novas revelações sobre o funcionamento do cérebro nas experiências contemplativas e apresenta hipóteses inéditas sobre o que seria a base biológica dos fenómenos místicos.

INTERNET

WWW.ANDYNEWBERG.COM

O site resume, em inglês, as pesquisas do cientista Andrew Newberg sobre a base biológica dos fenômenos místicos e os efeitos da meditação e da oração no funcionamento do cérebro. Há referências ao estudo relatado no livro Why God worít Go away, acompanhadas de imagens do cérebro dos medita-dores e freiras pesquisados, obtidas com tomógrafos de emissão de pósitrons antes e no clímax das práticas contemplativas.

WWW.BODSATVA.ORG

Ensinamentos do lama brasileiro Padma Samten sobre treinamento em meditação, seus obstáculos e outros temas do budismo tibetano e do zen.

WWW.DHARMANET.COM.BR

Neste site budista, um dos mais completos do gênero em português, há instruções detalhadas para a prática de shamata, a meditação estabilizadora, e

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ensinamentos sobre vipassana e outros tipos de meditação budista.

WWW.MBMI.ORG

Site do Mind/Body Medical Institute, fundado pelo cardiologista Herbert Benson, da Universidade de Harvard. Informa, em inglês, sobre as atividades do instituto e sobre os estudos realizados por Benson, um dos pioneiros da moderna pesquisa da meditação.

WWW.MONJACOEN.COM.BR

Ensinamentos da monja Coen Sensei, missionária oficial da tradição Soto Shu — Zen-Budismo, com sede no Japão, e primaz fundadora da Comunidade Zen-Budista, criada em 2001

WWW.VISAOFUTURO.ORG.BR

Site do Instituto Visão Futuro, dirigido pela monja e doutora em psicologia Susan Andrews. Cursos e vivências meditativas segundo a tradição tântrica do hinduísmo.

WWW.YOGA.PRO.BR

Organizado pelo professor de ashtanga vinyasa yoga Pedro Kupfer, o site traz centenas de artigos sobre yoga e meditação, escritos por Kupfer e outros especialistas.

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COLEÇÃO PARA SABER MAIS

SOBRE O AUTOR

JOMAR MORAIS NASCEU EM RECIFE, PERNAMBUCO, EM 1953.TRABALHOU EM VÁRIOS JORNAIS E REVISTAS, ENTRE OS QUAIS FOLHA DE S. PAULO, O ESTADO DE S. PAULO, JORNAL DO BRASIL, VEJA, EXAME E SUPERINTERESSANTE.ATUALMENTE É EDITOR ESPECIAL DA EDITORA ABRIL (UNIDADE DE TECNOLOGIA E TURISMO). ESTUDIOSO DAS TRADIÇÕES SAPIENCIAIS DO ORIENTE E DO OCIDENTE, PESQUISA E PRATICA MEDITAÇÃO REGULARMENTE.

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