Sigilo bancário

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    NDICE

    Introduo .6

    Objectivo ...7

    Metodologia e Mtodo . 7

    1. Fundamentao do Sigilo Bancrio....... 9

    1.1 Teoria Contratualista 10

    1.2 Teoria Consuetudinria 11

    1.3 O Direito Reserva da Intimidade da Vida Privada .11

    1.4 Teoria do Segredo Profissional 13

    1.5 Teoria da Responsabilidade Civil .15

    1.6 Teoria da Boa F ...16

    1.7 Teoria Legal...16

    2. Enquadramento Histrico17

    2.1 Antiguidade...17

    2.2 Idade Mdia...19

    2.3 Fase Capitalista..20

    2.4 Pleno SC. XX...21

    3. O Sigilo Bancrio em Portugal e a Sua Evoluo22

    3.1 Noo de Segredo Bancrio...22

    3.2 Titulares de Direito.25

    3.3 Sujeitos de Dever27

    3.4 Objecto...28

    3.5 Tribunal Constitucional e a Tutela da Privacidade: Acrdo do Tribunal

    Constitucional...29

    4. Sigilo Bancrio no Direito Comparado32

    4.1 Modelo Anglo-Saxnico32

    4.2 Modelo Continental Europeu.34

    4.2.1 Frana..34

    4.2.2 Itlia.35

    4.2.3 Alemanha.36

  • 2

    4.2.4 Blgica e Luxemburgo36

    4.2.5 Modelo Suo..36

    4.2.6 Lbano..37

    4.2.7 Unio Europeia38

    5. Branqueamento de Capitais..39

    5.1 Conceito..39

    5.2 Dever de Identificao42

    5.3 Dever de Recusa.42

    5.4 Dever de Conservao43

    5.5 Dever de Exame.43

    5.6 Dever de Comunicao/ Dever de Segredo44

    5.7 Dever de Absteno44

    5.8 Dever de Colaborao /Dever de Controlo44

    5.9 Colocao...45

    5.10 Diversificao...45

    5.11 Integrao.45

    6. A violao do Sigilo Bancrio .46

    6.1 O Sigilo Bancrio e a Tutela Constitucional..46

    6.2 A Derrogao do Sigilo Bancrio como Restrio dos Direitos Fundamentais.47

    6.3 Princpio da Proporcionalidade e a Derrogao do Segredo Bancrio..49

    7. Sigilo Bancrio e o Direito Fiscal51

    7.1 Antigo Regime...51

    7.2 Novo Regime..52

    8. O Sigilo Bancrio e o Direito Penal.56

    8.1 Tipicidade...56

    8.2 Ilicitude...56

    8.3 Culpabilidade..57

    9. Sigilo Bancrio e o Direito Processual Civil59

    10. Parasos Fiscais...63

  • 3

    10.1 Caractersticas Gerais dos Parasos Fiscais..63

    10.1.1 Impostos Baixos ou Inexistentes...63

    10.1.2 Estabilidade Poltica .63

    10.1.3 Segredo Bancrio..63

    10.1.4 Controlo Cambial..64

    10.1.5 Acordos de Dupla Tributao64

    10.1.6 Constituio de Sociedades...64

    10.1.7 Diversidade de Produtos Fiscais64

    10.1.8 Logstica ...64

    10.2 Medidas de Combate aos Parasos Fiscais..65

    10.3 Direito Portugus.66

    11. Aplicao de Questionrio O que o senso comum parece saber sobre sigilo bancrio69

    Concluso.79

    Referncias Bibliogrficas...81

    Anexos..................................................................................................................................84

  • 4

    INDCE DE GRFICOS

    Grfico I - Gnero . ...69

    Grfico II - Habilitaes literrias ....69

    Grfico III - Idade ...70

    Grfico IV - Quadro resumo de todos os indivduos .....70

    Grfico V Questo 1. Conhece o conceito sigilo/segredo bancrio ? .....71

    Grfico VI Questo 2. Considera essencial a existncia do sigilo/segredo bancrio como

    forma de proteger as informaes privadas dos clientes? ...72

    Grfico VII Questo 3. Concorda com o facto de todos os trabalhadores na rea da banca

    terem acesso s informaes dos clientes? ...73

    Grfico VIII Questo 4. Quem pode aceder directamente s contas do cliente sem o seu

    consentimento e sem autorizao judicial? ....74

    Grfico IX Questo 5. Concorda com o princpio do significado segredo bancrio .76

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    LISTA DE ABREVIATURAS

    Ac Acrdo

    AR Assembleia da Repblica

    AT Administrao Tributria

    BP Banco de Portugal

    CE - Comunidade Europeia

    CC Cdigo Civil

    CPA Cdigo do Procedimento Administrativo

    CPTA Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos

    CPPT Cdigo de Procedimento e Processo Tributrio

    CP Cdigo Penal

    CRP Constituio da Repblica Portuguesa

    DL Decreto-Lei

    DGI Direco Geral dos Impostos

    DR Dirio da Repblica

    GAFI Grupo Aco Financeira

    IRC Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas

    IRS Imposto sobre os Rendimento das Pessoas Singulares

    LB Lei bancria

    LGT Lei Geral Tributria

    OCDE Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    RGIT Regime Geral das Infraces Tributrias

    TC Tribunal Constitucional

    WEB World Wide Web

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    INTRODUO

    A questo sigilo bancrio estimula algumas divergncias tanto na doutrina como na

    jurisprudncia. O simples mencionar do conceito sigilo provoca reaces pela parte dos

    defensores dos direitos fundamentais como aqueles que defendem o levantamento do sigilo

    por qualquer razo.

    A relevncia do tema escolhido prende-se com o desenvolvimento da globalizao, o

    incremento das actividades comerciais e de servios na sociedade actual onde se

    desenvolveu a necessidade de criar relaes econmicas e sociais.

    O incremento das actividades comerciais e de servios, na sociedade moderna desenvolveu

    a necessidade de criar diversas relaes econmicas e sociais. Este novo enredo de relaes

    que se domina globalizao, levou abertura de novas fronteiras, modificou costumes,

    criou novos mercados, novas tecnologias e novas transaces comerciais obrigando a

    repensar todo o sistema capitalista, contribuindo para uma nova ideia individualizada de

    lucro.

    Com a abertura de novos mercados e um novo sistema baseado no capitalismo associado

    aos pases desenvolvidos, cresce a situao de pobreza nos pases perifricos com

    consequncias de desigualdade enormes, desde uma deficincia a nvel de educao, de

    sade, e com o aumento da criminalidade acrescendo, deste modo, a uma desigualdade

    social entre as populaes.

    Com efeito, a globalizao proporciona para alm dos aspectos positivos, vrios negativos,

    levando a que o capitalismo financeiro sofresse um processo de adaptao face a todas

    estas inovaes. A circulao de dinheiro, quer material quer virtual criou um misto de

    instabilidade e insegurana comprometendo os investimentos feitos em pases perifricos,

    levando as economias dos pases pudessem sofrer oscilaes.

    Neste contexto de globalizao, onde se gera fluxos de informao, de dinheiros e outros

    bens ilcitos indispensvel que a proteco dos indivduos seja assegurada, mais

    especificamente o sigilo bancrio, de forma a minimizar os riscos da actual configurao

    mundial.

    Neste sentido, e dada a discusso a que este assunto se prope, torna-se necessrio saber o

    que decorre da sua necessidade e o seu impacto na sociedade. Assim, atravs da utilizao

  • 7

    de um questionrio para anlise, pretende-se demonstrar o conhecimento que os cidados

    tm sobre o assunto com a finalidade de identificar novos factores que possam ser

    utilizados para um aumento do interesse do tema para os cidados e, como consequncia,

    para o poder poltico.

    OBJECTIVO

    O objectivo deste estudo examinar o princpio do sigilo bancrio luz do direito

    portugus tanto a nvel constitucional como a nvel fiscal, passando por outras vertentes

    como o caso do direito penal, identificando os seus problemas e as implicaes da sua

    quebra dentro dos limites impostos pela lei e no que respeita aos direitos fundamentais.

    METODOLOGIA E MTODO

    A pesquisa realizada, quanto aos objectivos propostos, foi do tipo descritivo sobre o tema

    sigilo bancrio, a fundamentao e a compatibilidade com os direitos fundamentais.

    Quanto aos procedimentos foi a nvel bibliogrfico possibilitando uma anlise histrica

    evolutiva e a sua panormica no direito comparado. A nvel prtico foi realizado um

    questionrio para retirar as concluses sobre o conhecimento que os cidados tm do tema.

    De seguida, dado o fundamento do sigilo bancrio bem como a sua vertente histrica.

    Aps, aborda-se a questo do sigilo bancrio e a sua evoluo em Portugal, bem como uma

    anlise do segredo no direito comparado.

    Em prosseguimento trata-se do tema de branqueamento de capitais uma vez que se assiste

    a uma evoluo normativa a nvel comunitrio que tem como finalidade a degradao do

    segredo bancrio na prossecuo de actividades criminais, bem como tributrias.

    Passa-se a uma abordagem constitucional, fiscal, penal e de responsabilidade civil sobre a

    violao do sigilo bancrio.

    A considerar o tema dos parasos fiscais que contribuem para o segredo bancrio e em

    consequncia utilizado em actividades consideradas ilegtimas, como o caso das

    actividades criminais e evaso fiscal dentro da actividade bancria.

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    Por ltimo, faz-se uma anlise a um questionrio realizado sobre o que os cidados sabem

    e pensam do sigilo bancrio, procurando oferecer uma viso actual do segredo e como se

    encontra o assunto.

    As fontes de pesquisa utilizadas foram a Constituio da Repblica Portuguesa, Cdigo

    Civil, Cdigo Penal, Lei Geral Tributria, outras legislaes especficas, livros da doutrina,

    acrdos dos tribunais, revistas especializadas, artigos, internet entre outros.

  • 9

    1. FUNDAMENTAO DO SIGILO BANCRIO

    Sigilo/Segredo bancrio um tema com imensas teorias e que cada vez mais se assiste a

    discusses doutrinrias para melhor disciplinar em matria legal.

    Numa nova cultura de informao e comunicao, onde cada vez mais

    os meios tecnolgicos dominam de forma ampla e veloz, capazes de

    armazenarem uma quantidade inimaginvel de informao e de transmisso a

    nvel global, estes meios acabam por desumanizar o Homem. Neste sentido, a

    reserva de intimidade da vida privada est posta em causa.1 (Carina e Carla,

    2010)

    O sigilo bancrio antes de mais um dever de descrio sobre a vida econmica e pessoal

    de todos os cidados, que mantm relaes com as instituies bancrias que visam tutelar

    os interesses pblicos e os interesses privados.

    nesta perspectiva de proteco dos interesses pblicos e privados que a nossa

    jurisprudncia do Tribunal Constitucional, no seu Acrdo 278/95 de 31 de Maio de 1995

    pressupe que os interesses pblicos visam regular o funcionamento da actividade

    bancria, onde se pressupe um clima de confiana que as instituies merecem. Por outro

    lado, no acrdo, tambm acentuado a proteco dos interesses privados uma vez que

    existe uma entrega de informao pessoal sobre a situao patrimonial e econmica dos

    seus clientes.

    A abordagem ao segredo bancrio no pode terminar numa mera proteco de interesses

    pblicos e privados, mas contempla-se tambm a responsabilidade contratual tambm

    conhecida como teoria contratual, a responsabilidade civil, o segredo profissional, o direito

    intimidade da vida privada, o segredo dos dados e a teoria consuetudinria.

    1 Trabalho realizado por Carina Pereira e Carla sobre Sigilo Bancrio e as suas Limitaes, na unidade

    curricular de Direito Bancrio, 2010.

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    1.1 TEORIA CONTRATUALISTA

    A teoria contratualista parte da premissa que o fundamento do sigilo bancrio

    estabelecido pelo cliente e pelo banco, a clusula pela qual o banco se obriga a guardar

    segredo sobre as operaes que o cliente efectue.

    Diz-se obrigao de segredo o dever de no revelar determinados

    conhecimentos ou informaes. Trata-se de um dever de non facere; o seu

    cumprimento poder, todavia, num plano acessrio, exigir actuaes positivas:

    fechar portas e gavetas, usar cofres ou codificar elementos, consoante a

    intensidade do dever. No campo contratual o dever do segredo , partida, um

    dever acessrio, cominado pela boa f. Todas as informaes ou

    conhecimentos que um co-contratante obtenha, por via do contrato, no devem

    ser usados, fora do mbito do contrato, para prejudicar a outra parte ou fora das

    expectativas dela.2

    A teoria contratualista defende uma relao contratual formada entre o banco e o cliente,

    na qual a instituio financeira se compromete a guardar segredo das operaes a realizar.

    Enuncia-se implicitamente a concretizao do contrato bancrio, uma obrigao acessria

    de segredo por parte das instituies financeiras, em decorrncia do segredo profissional.

    A jurisprudncia inglesa admitiu, em 1924, no caso Tournier v. Nacional Provincial

    Bank, a existncia de uma clusula implcita nas relaes entre o cliente e o banqueiro, que

    obriga este a observar discrio sobre a conta do cliente e suas operaes. Do Halsburys

    Laws of England enciclopdia jurdica britnica, extrai-se o seguinte:

    O contrato firmado entre o banqueiro e seu cliente contm clusula

    implcita que obriga o banqueiro a no revelar a terceiros, sem consentimento

    expresso ou tcito do cliente, nem a situao da conta do cliente nem suas

    transaces com o banco, nem qualquer informao que chegue ao

    conhecimento do banqueiro em virtude do relacionamento com o cliente.3

    No entanto, imposto no esquecer que existem outros domnios que para alm do

    resultante contratual, esto sujeitos a determinadas deontologias profissionais que exigem

    o segredo, como o caso dos advogados, os mdicos e at mesmo os padres catlicos.

    2 Antnio Meneses, Livro Manual de Direito Bancrio, 4. edio, 2010

    3 Retirado de um trabalho de Maria Jos Oliveira Lima, Sigilo Bancrio, 2011

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    1.2 TEORIA CONSUETUDINRIA

    A teoria consuetudinria, remonta aos tempos dos costumes e prticas comerciais, na qual

    os bancos preservam o sigilo, isto , por serem os contratos bancrios actos de comrcios,

    devem ser interpretados com os usos e costumes de h muito, como explica um jurista

    espanhol Garrigues (1958: 51):

    Em nossa opinio, o fundamento do dever de segredo que tm os

    bancos h que busc-lo uma vez mais em normas usuais de vigncia geral, e o

    fundamento, por sua vez, deste uso bancrio h que buscar na natureza antes

    apontada do contrato bancrio como uma relao de confiana. (..........) Os

    remotos antecedentes deste uso bancrio se situam por algum autor nas

    operaes do trapezista grego, mas nos estatutos dos bancos criados na

    Europa a partir do sculo XV que se encontram clusulas pelas quais o banco

    se compromete a guardar cuidadoso segredo de suas operaes com a

    clientela (....) .

    Esta teoria apresenta apenas uma relao jurdica das relaes sociais e no jurdicas. No

    explica a origem do sigilo bancrio, apenas a sua origem formal.

    1.3 DIREITO RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA

    O direito reserva da intimidade da vida privada est previsto no art. 26. da Constituio

    (CRP), nos seguintes termos:

    1. A todos so reconhecidos os direitos identidade pessoal, ao desenvolvimento da

    personalidade, capacidade civil, cidadania, ao bom nome e reputao,

    imagem, palavra, reserva da intimidade da vida privada e familiar e

    proteco legal contra quaisquer formas de discriminao.

    O direito intimidade uma aquisio constitucional relativamente recente cuja origem

    remonta Constituio de 1976. Foi, com a Lei Fundamental de 1976 que o direito

    intimidade comeou a auferir alguma relevncia, uma vez que se consagrou no artigo 33.,

    hoje actual 26.. Este consagra um conjunto de direitos comuns, na medida que, apresenta

    um direito geral da personalidade da pessoa humana.

  • 12

    Gomes Canotilho e Vital Moreira (1993: 181) escrevem que o direito reserva da

    intimidade da vida privada e familiar se analisa principalmente em dois direitos menores:

    (a) o direito de impedir o acesso de estranhos a informaes sobre a vida privada e familiar

    e (b) o direito a que ningum divulgue as informaes que tenha sobre a vida privada e

    familiar de outrem (art. 80. Cdigo Civil) .4

    Neste sentido, o art. 25., n. 1 da CRP sublima que A integridade moral das pessoas

    inviolvel., bem como o art. 12., n. 1 Todos os cidados gozam dos direitos e esto

    sujeitos aos deveres consignados na Constituio.

    Toda a pessoa humana tem personalidade jurdica, os direitos nascem com a pessoa, todos

    tem o direito vida, ao bom nome, sade, sua intimidade pessoal e a todos os outros

    direitos inerentes condio humana. Neste sentido, esta teoria assenta no direito

    intimidade, na qual se inclui no elenco dos direitos da personalidade, o fundamento do

    sigilo financeiro, que tem o desiderato de garantir o direito vida privada das pessoas. No

    caso do sigilo bancrio na Sua a intimidade do cidado.

    Covello (1991: 137) defende a teoria ao dispor:

    O sigilo bancrio existe para proteger a intimidade do cidado. Esta

    a sua causa de ser. Sua causa final. Os bancos, no exerccio de seu comrcio,

    adentram na vida privada de seus clientes e outras pessoas, inteirando-se de

    dados, aos quais, no fosse o desempenho de seu mister, jamais teriam acesso,

    porque geralmente aparecem excludos do conhecimento alheio. Se, para

    exercer sua profisso, os bancos adentram na esfera da intimidade das

    pessoas, logicamente devem respeit-la.

    Na intimidade, incluem-se tantos fatos de ordem espiritual como de

    ordem material, valendo ressaltar que o patrimnio e actividade negocial de

    uma pessoa constituem, indubitavelmente, projeco de sua personalidade,

    mxime numa sociedade capitalista como a ocidental, e muito compreensvel

    que as pessoas tenham interesse em preservar este aspecto da personalidade

    da indiscrio alheia. Nota-se, em quase todas as pessoas, certo pudor natural

    no que concerne soma de seus bens, ao seu ordenado, a sua renda, a suas

    dvidas e a seu sucesso ou fracasso nas operaes".

    4 Constituio da Repblica Portuguesa, 3. ed. Revista, Coimbra Editora, 1993, pg. 181

  • 13

    Contudo, muitos autores no concordam com esta posio porque acreditam que os direitos

    so inatos, nascem com a pessoa, o direito vida, sade, a um nome, integridade fsica,

    honra, a ter vida ntima, entre outros mas ningum nasce com direito ao sigilo bancrio,

    porque onde nasa pode no haver bancos, ou mesmo pode nunca vir a ser um cliente de

    uma instituio.

    O conceito do sigilo bancrio nasceu antes que a noo dos direitos de personalidade, por

    isso muitos autores sugerem que o sigilo visa apenas a proteco na actividade comercial.

    Por outro lado, a intimidade entendida como algo que est adstrito ao interior de cada

    um. Se as actividades bancrias geram novas relaes de direitos com outros titulares,

    deixa de ser assunto de mera intimidade. No se pode admitir que em nome de um direito

    subjectivo o indivduo possa prejudicar o direito subjectivo alheio. Logo, no possvel,

    admitir-se sigilo bancrio absoluto.

    1.4 TEORIA DO SEGREDO PROFISSIONAL

    A teoria do segredo profissional destinado a proteger um mbito especializado de

    actividades profissionais, no exerccio das quais, esto desde logo, vinculados pelo dever

    de se relacionarem com pessoas que confiam. Neste sentido, torna-se bvio que exista uma

    confiana e um direito ao segredo como o correspondente dever. Ou seja, o segredo

    bancrio fundamenta-se como uma necessidade de proteco da actividade bancria onde

    as relaes com os clientes e instituies esto mantidas numa base de confiana. O

    segredo profissional assenta no princpio fundamental da inviolabilidade do indivduo, em

    aspectos relacionados com a esfera da sua vida privada, nomeadamente manifestaes de

    carcter morais, artsticas, econmicas, jurdicas, sentimentais, intelectuais, religiosas,

    fsicas. O fundamento do sigilo bancrio identifica-se, assim, com a existncia do dever de

    segredo profissional.

    A defesa deste bem jurdico assume um valor fundamental na actividade bancria, por

    fora da funo especial da banca de criar, gerir e aperfeioar os canais de circulao dos

    capitais (Pires, 1995: 79), garantindo a segurana das poupanas. Esta segurana

    pressupe uma atmosfera de confiana e descrio.

    Todas as informaes resultantes da celebrao de contratos, a que os

    co-contratantes tenham acesso, devem ser objecto de sigilo sob pena de lesar as

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    relaes de confiana entre estes. O dever de segredo, para alm de ser

    implcito nas relaes contratuais, tambm imposto por deontologias

    profissionais. O segredo profissional resulta da necessidade social de confiana

    em determinados profissionais.,

    como o caso dos mdicos, dos advogados, entre muitos outros.

    Considerando a relao entre banqueiro-cliente um contrato, assiste-se evoluo do

    conceito de dever de segredo em geral para o sigilo bancrio.

    O dever de sigilo bancrio assume uma importncia fundamental dado que os movimentos

    que os indivduos realizam perante a sua instituio bancria reflectem uma grande parte

    da sua vida. Nomeadamente, os restaurantes que frequenta, lojas onde adquire bens

    pessoais, viagens.

    Ao efectuar as suas compras electronicamente, o cliente permite ao seu banco que este,

    com dados histricos, consiga traar um perfil de consumo do seu cliente e, atravs deste

    perfil pode chegar at ideologias polticas, religiosas, etc. Este facto suficiente para se

    perceber a necessidade e o rigor que se impe ao segredo bancrio.

    Nesta medida, o segredo bancrio tem sido objecto de consideraes a propsito do

    aparecimento de bases de dados informatizadas e de diversos diplomas destinados a tutelar

    o direito das pessoas, perante os perigos da resultantes. (Cordeiro, 2001: 345).

    O fundamento do segredo bancrio assenta no princpio da defesa da vida privada dos

    indivduos, no direito intimidade e, que estes princpios devem prevalecer sobre o direito

    informao.

    O dever de segredo encontra-se regulado pelo artigo 78., n. 1 do Regime Geral das

    Instituies de Crdito (RGIC) e o art. 84. do mesmo regime que delibera que a sua

    violao punvel nos termos do Cdigo Penal (CP) nos artigos 195. a 198.. Assim

    sendo, o fundamento do segredo bancrio identifica-se com o segredo profissional.5

    Assente na legislao Portuguesa e segundo Jos Maria Pires6, o dever de segredo pode

    ser estabelecido nos seguintes termos:

    Dever profissional, a que esto adstritas determinadas pessoas, de no

    revelar ou utilizar informaes sobre factos ou elementos respeitantes vida de

    5 Pires, Jos Maria. Direito Bancrio, v. 2 Lisboa rei dos livros, 1998, pg. 78-95

    6 Direito Bancrio As Operaes Bancrias, 2.volume, editora Rei dos Livros, 1995.

  • 15

    instituio de crdito ou sociedade financeira ou s relaes destas com os seus

    clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exerccio das suas

    funes ou da prestao dos seus servios.

    O dever de segredo deve criar, fomentar e estimular condies de confiana que devem

    presidir s relaes entre as instituies e os clientes, sejam estes pessoas singulares ou

    colectivas.

    1.5 TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

    A teoria da responsabilidade civil baseia-se de uma forma geral, de que o fundamento do

    sigilo reside na obrigao do banco no revelar dados e informaes secretas dos seus

    clientes, com prejuzos para estes. No caso do segredo bancrio, nomeadamente o

    financeiro, consiste na responsabilidade das instituies financeiras nos prejuzos que

    podem causar a clientes ou a terceiros.

    Como expressa Covello (2001: 123-124):

    Na verdade, a responsabilidade civil relao derivada que s

    aparece quando se descumpre uma outra obrigao que a antecede, isto ,

    quando algum desatende a uma norma preexistente. A responsabilidade civil

    funciona como sano e instrumento de reparao do prejuzo sofrido, mas

    no embasa nenhum direito, a no ser o direito ao ressarcimento.

    [...] a teoria da responsabilidade civil pode levar ao extremo de

    concluir que o sigilo bancrio s obrigaria o Banco quando a violao do

    segredo pudesse causar algum dano material ao titular da situao protegida,

    o que no se harmoniza com a realidade da figura em estudo, apesar de a

    noo de dano ser bastante ampla na doutrina moderna.

    A tese, no entanto, tem o mrito de ressaltar que a notcia coberta pelo

    sigilo pode no derivar da relao contratual cliente/Banco, validando, assim,

    o conceito amplo de sigilo bancrio, e de indicar que esse sigilo um direito

    que deve ser respeitado sob pena de sano.

  • 16

    1.6 TEORIA DA BOA-F

    A teoria da boa-f tem o seu fundamento nos princpios gerais dos direitos fundamentais

    para sustentar a derrogao do sigilo bancrio.

    uma teoria muito semelhante teoria consuetudinria uma vez que o princpio da boa-f

    deriva dos costumes e das prticas da actividades bancrias e comerciais.

    Covello a analisar esta teoria aponta para algumas insuficincias:

    A teoria da boa f ou do dever de lisura vlida, mas no satisfaz.

    Primeiro, porque no deixa de ser uma teoria contratualista, ressentindose,

    assim das mesmas falhas dessa corrente de pensamento. Segundo, porque o

    dever de lisura s pode ser invocado, como fonte de obrigao, em pases

    como a Itlia, onde existe consagrao legislativa expressa. Nas legislaes

    onde falta regra parecida, esta teoria no encontra amparo que lhe d

    validade, a menos que se recorra aos princpios gerais de direito porquanto

    a boa f como o dever de lisura so princpios gerais do direito e, ento

    chegaremos ao direito natural, cujo princpio bsico fazer o bem e evitar o

    mal.

    Alm desses senes, a teoria no d o fundamento do sigilo bancrio,

    porque no aponta, seno de passagem, o fato do qual decorre a obrigao..

    (2011: 144-145)

    1.7 TEORIA LEGAL

    De acordo com esta teoria o fundamento jurdico do sigilo bancrio encontra a sua base na

    lei. Todas as teorias enunciadas tm uma relao com a teoria legalista visto que a

    principal fonte a lei, quer em termos de princpios, costumes, contratos e

    responsabilidades.

    O problema da sua fundamentao reside no facto de no existir uma forma nos sistemas

    legais em que esta obrigao seja positivada.

  • 17

    2. ENQUADRAMENTO HISTRICO

    Ao longo da histria os bancos exerceram um papel importante na formao e na

    organizao da vida humana em sociedade. Hoje em dia, essa evoluo atingiu uma vasta

    dimenso que se torna quase imaginvel um bom funcionamento de uma comunidade sem

    a presena de uma instituio financeira. Essa necessidade de instituio financeira foi

    sentida no campo da preservao de informaes para que os negcios permanecessem

    reservados do conhecimento geral. Assim sendo, o saber guardar segredo quanto

    operao que um cliente faa cada vez mais importante. Conforme bem asseverado, por

    alguns historiadores, que analisam ao longo da histria, no se consegue identificar

    temporalmente a poca do surgimento do sigilo bancrio. Apesar dessa considerao,

    pretende-se dividir em quatro fases distintas essa evoluo histrica. de realar que no

    decurso da evoluo histrica, no houve nenhuma preocupao em distinguir o segredo

    do sigilo, sendo estes dois termos usados como expresses equivalentes.

    2.1 ANTIGUIDADE

    Esta primeira fase identificada na Antiguidade, h quatro mil anos atrs, na Babilnia, no

    reinado de Hammurabi, onde surge pela primeira vez uma referncia concreta ao papel dos

    banqueiros. Estes exerciam a sua profisso em templos religiosos, onde os sacerdotes

    recebiam depsitos, realizam emprstimos e mediavam pagamentos. Aqui est bem patente

    uma ideia de segredo, uma vez que os templos religiosos retratam Deus, existia uma ideia

    de respeito onde o negcio era mantido em segredo. Mais tarde foram encontrados

    resqucios de negcios com previses implcitas de negcios escritos da poca,

    evidenciando que o ser humano se preocupou com a proteco dos seus bens.

    O Cdigo de Hammurabi um bom exemplo de regras escritas que foram norteadas da

    celebrao de negcios jurdicos da poca, como o caso de emprstimos de dinheiro e

    depsitos de mercadorias em armazns o que aponta uma necessidade de sigilo. Um outro

    aspecto a salientar de acordo com aquele cdigo era o facto de que o banqueiro tinha um

    papel notrio, ou seja, podia revelar os seus arquivos, em caso de conflitos com os seus

    clientes.

  • 18

    O mais antigo estabelecimento bancrio conhecido foi o de Orouk, situado entre o Tigre e

    o Eufrates, por volta de 3400 A.C. a 3200 A.C. Para alm da Babilnia tambm se conhece

    memrias histricas de sigilo no Egipto e na Grcia (Abro, 1999).

    Alguns autores como Barreto (1975) e Covello (2001), reconhecem vrias passagens na

    Bblia apontando para a realizao de negcios como a compra e venda, imposio de

    juros, entre muitos outros aspectos. Por exemplo, em Deuternimo, 23, 20-31, encontra-se

    a seguinte passagem:

    No empreste ao seu irmo com juros, quer se trate de emprstimo em

    dinheiro, quer em alimentos ou qualquer outra coisa sobre a qual costume

    cobrar juros. Voc poder emprestar com juros ao estrangeiro. Mas ao seu

    irmo empreste sem cobrar juros, para que Jav, seu Deus abenoe tudo o que

    voc fizer na terra em que voc est entrando para dela tomar posse.

    Outra passagem do evangelho muito conhecida refere-se excessiva actividade comercial

    e financeira que criada no templo, expulsando os vendedores e cambistas dizendo:

    "Minha casa ser casa de orao. No entanto, vocs fizeram dela uma toca de ladres."

    A actividade bancria, na Antiguidade ainda no tinha o carcter profissional das

    instituies, mas eram caracterizadas pela vinculao actividade religiosa.

    Com efeito, nas regies da Babilnia, Egipto e Fencia, as operaes bancrias eram

    realizadas nos templos religiosos, a cargo dos sacerdotes, estes limitavam-se a fazer

    guardar ou emprestar valores. Estas operaes eram realizadas entre muros, onde o segredo

    tinha uma relao de inviolabilidade nos prprios templos religiosos.

    S na civilizao greco-romana que surge a diversificao das actividades bancrias.

    Na Grcia a moeda existente era a conhecida como uma moeda de troca, isto , as pessoas

    trocavam entre si mercadoria, animais ou qualquer outro produto, como por exemplo o

    gado. A intensificao das trocas e a expanso martima criaram condies para o

    aparecimento da moeda metlica cunhada, que se deu entre os sculos VIII e VII A.C.

    Aristteles, em sua Poltica, indica, de forma bastante precisa, as diversas

    funes da moeda: intermediria de trocas, instrumento de comparao de

    valores e reserva de valor, enumerao, esta retomada por Adam Smith no

    sculo XVIII. Aristteles destacava a necessidade e utilidade da intermediao

    da moeda, mas condenava os trs processos do que chamava de crematstica

  • 19

    no natural: o lucro comercial, o lucro usurio (o juro) e o lucro industria7.

    (Chammas, 2006 apud Hugon, 1980)

    Roma no incio da sua histria era vista como uma economia fundamentalmente agrria, s

    com a introduo da moeda e com as vrias conquistas militares que se expandiu e a sua

    economia sofreu grandes transformaes. Tinha excelentes estradas estendendo-se por

    todas as provncias levando sua expanso. A navegao pelo Mediterrneo contribuiu

    para o aparecimento de mais e variados produtos, as transaces comerciais contriburam

    neste sentido para a criao de vrias companhias mercantis e sociedades por aces.

    Em consequncia, a actividade bancria expandiu-se. Em Roma, eram conhecidas duas

    categorias de banqueiros: os argentrios e os numerrios. Os argentrios tinham vrias

    funes, depsitos, emprstimos sob garantia, interveno nas vendas, entre outros. Os

    numerrios apenas detinham funes de cmbio de moedas.

    Quando o terreno bancrio comeou a abandonar o terreno religioso passou a ser objecto

    de regulao jurdica.

    2.2 IDADE MDIA

    Segue-se a segunda fase, tambm chamada a fase institucional (Covello, 2001), tendo

    como marco a Idade Mdia, onde a primeira instituio bancria se encontra da forma de

    como a identificamos hoje. Porm no foi sempre assim, comeou praticamente sem a

    utilizao de dinheiro. Este perodo foi fortemente marcado pela influncia da Igreja

    catlica, desde logo, pelas proibies que a Igreja exercia sobre o desenvolvimento das

    actividades bancrias. A prpria Bblia faz referncia contida no Deuteronmio. Cap. 23,

    v.s. 19:

    No exigirs juro algum de teu irmo, quer se trate de dinheiro ou de gros ou do que

    quer que seja se empreste a juros. Poder exigi-lo do estrangeiro, mas no do teu irmo,

    para que o Senhor teu Deus, te abenoe em todas as tuas empresas na terra em que

    entrars para possuir.

    7 Trabalho realizado por Rubens Chammas. Sigilo Bancrio e Justia Fiscal, 2006

  • 20

    Com as transformaes ocorridas no ocidente e a passagem de uma economia feudal para

    uma economia monetria contribui para repercusses a nvel catlico. A Igreja Catlica

    instituiu o Purgatrio, considerado um meio de salvao para os pecadores.

    Esse perodo de transformaes proporcionou o desenvolvimento do comrcio,

    (o)corrido entre os sculos XII e XIII, que teve como suas principais

    causas: o fim das invases territoriais, criando um clima de maior segurana,

    inclusive para a economia o aumento demogrfico, que gerou aquecimento do

    mercado consumidor e produtor a organizao das ligas e corporaes de

    classes o advento das Cruzadas a organizao de feiras comerciais em

    grandes centros como Champanhe e Flandres e, principalmente, o progresso

    das cidades italianas que mantinham intercmbio com o Oriente, o que

    possibilitou a proliferao das casas bancrias e a diversificao de suas

    atividades. ( Chammas, 2006)

    Para este efeito, a actividade bancria na Idade Mdia foi proporcionada pelo intercmbio

    das relaes comercias, ou seja, das feiras realizadas, nomeadamente nas cidades italianas

    com o oriente. Aqui o sigilo passou a funcionar como um dever de ofcio dos agentes

    bancrios. Uma das primeiras instituies bancrias a aparecer como independentes, foi

    por exemplo o banco de Gnova em 1345 e o banco de San Marco 1171).

    2.3 FASE CAPITALISTA

    A terceira fase tambm chamada a fase Capitalista ou Moderna (Covello, 2001). O

    crescente desenvolvimento do comrcio, as expedies martimas, o descobrimento de

    novos pases, exerceu um papel fundamental para o desenvolvimento das actividades

    bancrias, dando incio ao mercantilismo e a valorizao do dinheiro.

    Com a explorao das novas terras trouxe os novos recursos naturais, os metais e pedras

    preciosas, novos produtos agrcolas, colaborando para a chegada da Revoluo Industrial,

    consolidando o capitalismo liberal e o surgimento de um novo tipo de banco.

    nesta fase, como assevera Covello (2001: 35) que o sigilo bancrio desperta a ateno

    do legislador.

  • 21

    Todos estes aspectos, aliados ao desenvolvimento tecnolgico vieram favorecer em muito

    a actividade comercial, dilatando cada vez mais o comrcio e trazendo consequncias a

    nvel de emprstimos, comearam a aparecer os estabelecimentos de crdito. A expanso

    do capitalismo contribuiu para o aparecimento de mecanismos legais e prprios para tratar

    as diferentes matrias resultantes deste desenvolvimento.

    2.4 SCULO XX

    Nos templos modernos, o sigilo bancrio, porm, s se consagra em pleno sculo XX, a

    seguir 1. Guerra Mundial, com o nascimento do nacionalismo, ganhando outros

    contornos e claro, exigindo uma maior proteco por parte do legislador. Nesta nova era,

    com o surgimento do computador, os avanos tecnolgicos e informticos fomentaram o

    crescimento das movimentaes bancrias e os negcios praticados pelos clientes dando

    origem a um pequeno toque dado numa tecla de computador podendo fazer um pagamento

    de uma conta, transferncias de valores, aplicaes e muitas outras operaes sem sair de

    casa. Todo este ambiente potenciou e garantiu por si s um estabelecimento de relaes a

    nvel mundial e praticamente em tempo real, interligando todas as pessoas do planeta.

    deste modo, que o sigilo bancrio ganha uma nova aragem, passando a integrar-se no

    vocabulrio da actividade bancria, poltica, financeira e econmica.8

    8 Trabalho realizado sobre o Sigilo Bancrio e as suas Limitaes por Carina Pereira e Carla, na unidade

    curricular de Direito Bancrio, 2010.

  • 22

    3. O SIGILO BANCRIO EM PORTUGAL: EVOLUO

    3.1 NOO DE SEGREDO BANCRIO

    O segredo bancrio nas suas origens mais remotas pode ser definido como a discrio das

    instituies bancrias e os seus colaboradores para com todas as informaes que os seus

    clientes realizem.

    Remontam ao sculo XVIII, referncias portuguesas no domnio do

    segredo comercial. Foi, naturalmente, com o aparecimento dos bancos que a

    figura do segredo se materializou. O Sigilo Bancrio opera em Portugal, pela

    primeira vez, no Regulamento Administrativo do Banco de Portugal em 1891.

    Historicamente, a consagrao formal do sigilo bancrio ocorre por via de

    crises ou de graves agresses deontologia e arte da banca. (Cordeiro,

    2001: 347).

    Antes da massificao da banca, existia um cenrio de estreito relacionamento entre o

    banqueiro e o cliente, tornando o segredo evidente, intrnseco relao entre ambas as

    partes, assente no princpio de boa-f. Com a crescente popularizao da banca, aumenta,

    por um lado o nmero de empregados bancrios, provenientes de diferentes culturas,

    formao, todos eles com acesso aos segredos da profisso. Por outro lado, o tambm

    aumento do nmero de clientes potencia um ambiente de descuido e de desconsiderao

    pela pessoa de cada um. (Cordeiro, 2001: 347).

    A generalizao do fenmeno bancrio levou consagrao legislativa do sigilo em 1967,

    com o Decreto-Lei que criou o Servio de Centralizao de Riscos de Crdito. Previa este

    Decreto que as Instituies financeiras eram obrigadas a fornecer ao Banco de Portugal

    elementos informativos sobre as contas dos seus clientes, caso este o requisitasse. No

    entanto, previa ainda este Decreto que estes elementos no poderiam ser utilizados para

    outros fins que no os de centralizao da informao, ou dados estatsticos. Referia ainda,

    que os elementos fornecidos no podiam ser difundidos de forma que violassem o segredo

    bancrio. Estava, ento, tipificada a sano violao deste direito. Posteriormente

    revoluo de 1974-1975, assistiu-se a um reforo da regulamentao do segredo bancrio,

    dado que, nesta fase, o mesmo nem sempre ter sido respeitado. Segundo a voz corrente,

  • 23

    muitos, clientes ter-se-o acolhido a instituies estrangeiras, dentro e fora do Pas, para

    prevenir fugas de informao. Alm disso, recorria-se ao entesouramento de moeda, que

    desta forma, ficava arredada do circuito bancrio. (Cordeiro, 2001: 349).

    Antes de debruar sobre a revoluo de 1974/75 necessrio que se faa uma pequena

    distino entre dever tico e o dever jurdico do sigilo. O dever tico diz respeito a uma

    relao de moral que o ser humano detm na conduta da sua vida e que pode ter uma

    consequncia de aprovao ou desaprovao pela sociedade. Por seu turno, o dever

    jurdico encontra a sua gnese na lei, uma vez a sua origem contratual decorre de uma

    relao contratual que se estabeleceu entre o banco e o cliente, pode ter responsabilidade

    criminal ou civil. Desta assertiva, pode concluir-se que o sigilo tem um vnculo

    obrigacional de uma natureza jurdica e no apenas um dever moral e tico.

    A natureza jurdica do sigilo bancrio, que se pode dizer que efectivamente discutido,

    qual abordarei mais frente a falta de uma definio de segredo absoluta e inamovvel

    que se possa considerar como eternamente vlida para todos os ordenamentos jurdicos e

    para todas as pocas histricas (Noel, 2006: 20)

    Assim, atribuindo ao segredo bancrio uma natureza de lei, este encontra-se regulado no

    Regime Geral das Instituies de Crdito e Sociedades Financeiras (RGIC), no seu art.

    78., n.1, e segundo Jos Maria Pires9, onde dispe o seguinte:

    Os membros dos rgos de administrao ou de fiscalizao das instituies de crdito, os

    seus empregados, mandatrios, comitidos e outras pessoas que lhes prestem servios a

    ttulo permanente ou ocasional no podem revelar ou utilizar informaes sobre factos ou

    elementos respeitantes vida da instituio ou s relaes desta com os seus clientes cujo

    conhecimento lhes advenha exclusivamente do exerccio das suas funes ou da prestao

    dos seus servios.

    com este artigo, do DL298/92, de 31 de Dezembro, que estabeleceu o Regime Geral das

    Instituies de Crdito e Sociedades Financeiras, consagra este dever de segredo, embora

    admitindo algumas excepes, como as informaes devidas ao Banco de Portugal,

    Comisso de Mercados de Valores Imobilirios ou ao Fundo de Garantias dos Depsitos.

    Est presente um papel de controlo do sistema bancrio que incumbe ao Banco de

    Portugal, bem como Comisso de Valores Imobilirios procurar combater o inside

    trading.

    9 Direito Bancrio As Operaes Bancrias, 2.volume, editora Rei dos Livros, 1995.

  • 24

    No mbito subjectivo do segredo bancrio impe, desde logo, por um lado, a identificao

    dos titulares de direito, por outro, aqueles que corresponde os deveres. Por fora do

    disposto no art. 195., n.1 do RGIC, a titularidade do direito pertence aos clientes, s

    instituies de crdito, s sociedades financeiras.

    Por cliente, entenda-se qualquer pessoa fsica ou jurdica, nacional ou estrangeira, de

    direito privado ou de direito pblico, com ou sem personalidade jurdica que procura

    uma instituio, atendendo s actividades que esta exerce, no a restringindo aos que

    estabelecem, de forma habitual ou no, relaes jurdicas com a mesma instituio,

    bastando a existncia de uma relao de confiana. (Noel, 2006: 33)

    Num mbito mais objectivo, o n. 1 do artigo 78. do RGIC complementa-se com o n. 2

    (e)sto, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depsito e

    seus movimentos e outras operaes bancrias, e o n. 3 (o) dever de segredo no cessa

    com o termo das funes ou servios.

    Nota-se, porm, que todas, as informaes que tenham natureza secreta beneficiam de

    tutela do segredo bancrio. A este respeito, o segredo bancrio visa garantir o bom

    funcionamento da actividade desenvolvida pelas instituies bancrias, para que no se

    violem as regras deontolgicas de sigilo.

    O Cdigo de Procedimento e de Processo Tributrio, aprovado pelo Decreto-Lei n.

    433/99, de 26 de Outubro, como a Lei Geral Tributria, aprovada pelo Decreto-Lei n.

    398/98, de 17 de Dezembro, mantm a reserva do segredo absoluto, em relao

    administrao pblica. Alis, a quebra do segredo bancrio s poderia ser autorizada pelos

    juzes dos tribunais comuns (cf. os arts. 211., n. 1, e 212., n. 3, da CRP). S nos ltimos

    anos foram adoptadas medidas que alargam a capacidade da Administrao Fiscal aceder a

    informaes bancrias.

    Foi com a reforma fiscal de 2000 que a legislao portuguesa sofreu alteraes com a Lei

    30 G, enfraquecendo o segredo bancrio. Foi concedido Administrao Fiscal o acesso

    s contas bancrias, mesmo que para tal existisse autorizao judicial.

    O CPPT (Cdigo Processual Processo Tributrio) tambm estabeleceu prazos de

    derrogao para que o cidado pode interpor da deciso da administrao.

    Um ano depois os contribuintes com contabilidade organizada perdem o direito ao sigilo

    bancrio, passando a Administrao Fiscal a ter um acesso ilimitado a toda a

    documentao quer da empresa quer dos familiares mediante autorizao judicial.

  • 25

    Contudo, foi em 2006 que se deu a revoluo no sigilo bancrio. No que respeita matria

    tributria, perante a existncia de indcios da prtica de crimes, a Administrao Fiscal

    pode aceder informao bancria dos contribuintes sem o seu consentimento.

    Recentemente foi aprovada uma alterao ao regime do sigilo bancrio, bastante polmica,

    uma vez que possibilitava o acesso directo, informao e documentos bancrios,

    independentemente do consentimento do cliente, no caso de apresentao de reclamao

    graciosa (destina-se a obter a anulao dos actos tributrios) ou impugnao judicial.

    Neste sentido, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucionais estas normas, invocando

    a desproporcionalidade na medida para os fins que visam atingir utilizando argumentos

    como o de no estar prevista a possibilidade de recurso judicial da deciso de aceder

    informao bancria. Esta omisso violava o princpio constitucional de direito de acesso

    justia administrativa enquanto concretizao da garantia de acesso aos tribunais.

    No entanto, parte da lei passou. O contribuinte no se pode atrasar, nem no envio das

    reclamaes de rendimento, ou evidenciar manifestaes de fortuna, ou quando o seu

    rendimento lquido declarado mostre uma desproporo superior a 50%, a Administrao

    Fiscal tem acesso as suas contas bancrias.

    Outra medida, foi a inverso do nus da prova, ou seja, a declarao do contribuinte deixa

    de ser presumido como verdadeiro. Tem que ser o contribuinte a provar que os seus

    rendimentos declarados correspondem realidade que evidencia.

    Conclui-se que o sigilo bancrio em Portugal uma falcia e de direitos privacidade,

    proteco da vida familiar e outras garantias e direitos fundamentais do contribuinte.10

    3.2 TITULARES DE DIREITO

    O segredo bancrio protege a vida das instituies e as suas relaes externas, como est

    disposto no art. 78., n. 1 do RGIC, expressando claramente que estas so titulares de

    direito subjectivo, a partir do momento que entre elas e as pessoas indicadas se constituem

    relaes jurdicas de trabalho ou prestao de servios. Logo, os titulares de direito so: os

    bancos e os seus clientes.

    10

    Retirado de um site sem referncia ao autor, 2011.

  • 26

    Assim, as instituies de crdito e instituies financeiras por um lado e, seus clientes por

    outro lado, tm preservado factos respeitantes s relaes entre ambos. No podem ser

    revelados factos relativos s instituies nem factos relativos s relaes destas com os

    seus clientes11, conforme refere o n. 1 do art. 78. do RGIC: no podem revelar ou

    utilizar informaes sobre factos ou elementos respeitantes vida da instituio ou s

    relaes desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do

    exerccio das suas funes ou da prestao dos seus servios.

    Contudo, no art. 79., n. 1 do RGIC, permite a revelao de factos ou elementos das

    relaes do cliente com a instituio mediante autorizao. Esta possibilidade legal resulta

    de um direito disponvel evidente ao segredo bancrio.

    Excepes ao dever de segredo

    1 - Os factos ou elementos das relaes do cliente com a instituio podem ser relevados

    mediante autorizao do cliente, transmitida instituio.

    2 - Fora do caso previsto no nmero anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de

    segredo s podem ser revelados:

    a) Ao Banco de Portugal, no mbito das suas atribuies;

    b) Comisso do Mercado de Valores Mobilirios, no mbito das suas atribuies;

    c) Ao Fundo de Garantia de Depsitos, no mbito das suas atribuies;

    d) Nos termos previstos na lei penal e de processo penal;

    e) Quando exista outra disposio legal que expressamente limite o dever de segredo.

    Manifesta-se no art. 195. do Cdigo Penal (CP) onde prescreve (q)uem , sem

    consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razo do seu

    estado, ofcio, emprego, profisso ou arte punido com pena de priso at 1 ano ou com

    pena de multa at 240 dias, isto , que o consentimento prestado pelo titular do segredo

    bancrio exclui o preenchimento do tipo legal de crime. Todavia, existe uma diferena, no

    art. 195. apenas expe um consentimento, e no art. 79. do RGIC no se refere

    possibilidade. A lei no acompanha inteiramente o legislador. Existe uma compreenso, ou

    11

    Trabalho realizado por Carina Pereira e Carla, Sigilo Bancrio e as suas Limitaes, da unidade curricular

    de Direito Bancrio, 2010.

  • 27

    seja, as instituies financeiras, esto num plano de igualdade com os seus clientes, podem

    autorizar a divulgao de informaes confidenciais, desde que os factos que se pretendem

    revelar digam respeitos aos interesses de clientes e da instituio, mas com autorizao dos

    clientes. O segredo bancrio, no termina com o fim da relao banqueiro-cliente.

    Significa que sempre que um cliente cesse as suas relaes com determinado banco, deve a

    instituio prosseguir com o segredo bancrio em relao a este cliente, tal como expressa

    o n. 3 do mesmo art.: O dever de segredo no cessa com o termo das funes ou

    servios.

    3.3 SUJEITOS DE DEVER

    A situao jurdica bancria caracterizada pelos seus sujeitos e pelo seu objecto. O

    sujeito surge, uma instituio de crdito ou sociedade financeira, como hoje adoptado

    pelo RGIC. Estas instituies, sociedades esto habilitadas a praticar, em termos

    profissionais, actos bancrios, tem como objectivo uma natureza lucrativa e exclusiva para

    assumir uma orgnica prpria e especializada. A lei tipifica as formas de como se pode

    assumir:

    - Instituies de Crdito art. 3. do RGIC

    - Sociedades financeiras art. 6. do RGIC

    - Outras Entidades Especializada art. 4. e 7. do RGIC

    Qualquer pessoa que contacte as entidades, enunciadas anteriormente, designado por

    cliente. O cliente pode ser classificado quanto sua natureza. Existem clientes singulares e

    colectivos, tais como associaes, sociedades pblicas ou privadas. No que respeita s

    pessoas singulares h que ter em conta os menores, interditos e os inabilitados que podem

    aceder banca na medida em que estejam em causa actos do alcance da sua capacidade de

    exerccio. Quando isto no sucede, devero ser representados dentro das normas legais.

    Quanto incapacidade dos menores est disposto no art. 123. do Cdigo Civil (CC),

    (s)alvo disposio em contrrio, os menores carecem de capacidade para o exerccio de

    direitos, e a sua representao est legislada no art. 124. do C. Civil A incapacidade dos

    menores suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela, conforme se dispe

    nos lugares respectivos. Os artigos 138. a 153. do C. Civil esto legislados no que se

    aplica aos inabilitados.

  • 28

    3.4 OBJECTO

    O objecto consiste na prestao que devida pelo sujeito passivo em favor do sujeito

    activo. Existe o objecto mediato e o objecto imediato. O objecto imediato a prpria

    prestao, ou seja, o complexo de direitos e deveres emergentes com concreto acto

    bancrio e o objecto mediato revela os factos sobre os quais se vai guardar o sigilo, ou

    seja, as operaes bancrias propriamente ditas.

    A situao bancria no se define apenas pelos seus sujeitos, exige-se um objecto

    especfico bancrio. O RGIC no seu art. 4., n. 1:

    1. Os bancos podem efectuar as operaes seguintes e prestar os servios de investimentos

    a que se refere o artigo. 199. - Os no abrangidos por aquelas operaes:

    a) Recepo de depsitos ou outros fundos reembolsveis;

    b) Operaes de crdito, incluindo concesso de garantias e outros compromissos,

    locao financeira e factoring:

    c) Operaes de pagamento;

    d) Emisso e gesto de meios de pagamento, tais como cartes de crdito, cheques de

    viagem e cartas de crdito;

    e) Transaces por conta prpria ou da clientela, sobre instrumentos do mercado

    monetrio e cambial, instrumentos financeiros a prazo e opes e operaes sobre

    divisas, taxas de junto, mercadorias e valores mobilirio;

    f) Participao em emisses e colocaes de valores mobilirios e prestao de

    servios correlativos;

    g) Actuao nos mercados interbancrios;

    h) Consultoria guarda, administrao e gesto de carteiras de valores mobilirios;

    i) Gesto e consultoria em gesto de outros patrimnios;

    j) Consultoria das empresas em matria da estrutura do capital, da estratgia

    empresarial e de questes conexas, bem como consultadoria e servios no domnio

    da fuso e compra de empresas;

    k) Operaes sobre pedras e metais preciosos;

  • 29

    l) Tomada de participaes no capital de sociedades,

    m) Comercializao de contratos de seguro;

    n) Prestao de informaes comerciais;

    o) Alugues de cofres e guarda de valores;

    p) Outras operaes anlogas e que a lei lhes no proba;

    q) Locao de bens mveis nos termos permitidos s sociedades de locao financeira;

    r) Prestao de servios de investimento a que se refere o artigo. 199. - A, no

    abrangidas pelas alneas anteriores;

    s) Outras operaes anlogas e que a lei no proba.

    A lista imensa e muito descritiva remetendo sempre para outros decretos-lei oferecendo

    mais exemplos de operaes consideradas bancrias.

    3.5 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E A TUTELA DA PRIVACIDADE:

    ACRDO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

    A consagrao do segredo bancrio tem, origem, na revoluo de 1974/75 como

    anteriormente foi referido, sendo legalmente consagrado, atravs da Lei Orgnica do

    Banco de Portugal, aprovada pelo DL n. 644/75, de 15 de Novembro, e reforado pelo DL

    729-F/75, 22 de Dezembro que consagrou as Bases Gerais das Instituies bancrias

    nacionalizadas. Foi ainda visado com o DL n. 475/76, de 16 Julho, com a redaco que deu

    ao n. 1. do art. 290. do C. Penal, passando a penalizar a violao do segredo, dando

    incio, aqui ao segredo bancrio na dependncia do segredo profissional. Em 78, com o DL

    2/78, proibiu-se a revelao da informao bancria, e alguns anos mais tarde em 1986 a

    Lei 45 veio dar poderes Alta Autoridade contra a corrupo para obter informaes,

    restringindo essa capacidade ao que no estivesse abrangido pelo dever do sigilo resultante

    da lei.

    com o RGIC, do DL 298/92, de 31 de Dezembro, consagra no art. 78. o dever de

    segredo, embora com algumas excepes. Nos ltimos anos foram adoptados algumas

    medidas que alargam a capacidade da administrao fiscal em aceder informao

    bancria (DL 6/99, de 8 de Janeiro e a Lei N. 5/2002, de 11 de Janeiro).

  • 30

    Uma problemtica anlise sobre o contedo do direito fundamental reserva da

    intimidade da vida privada e familiar como no mbito da derrogao do segredo bancrio,

    O Tribunal Constitucional (TC), na mesma linha de orientao defendida pela doutrina,

    sublinha, no Acrdo N. 278/95, que,

    est () em condies de afirmar que a situao econmica do cidado,

    espelhada na sua conta bancria, incluindo as operaes activas e passivas nela

    registadas, faz parte do mbito de proteco do direito reserva da intimidade

    da vida privada, condensado no artigo 26., n. 1, da CRP, surgindo o segredo

    bancrio como um instrumento de garantia deste direito. De facto, numa poca

    histrica caracterizada pela generalizao das relaes bancrias, em que

    grande parte dos cidados adquire o estatuto de cliente bancrio, os elementos

    em poder dos estabelecimentos bancrios, respeitantes designadamente s

    contas de depsito e seus movimentos e s operaes bancrias, cambiais e

    financeiras, constituem uma dimenso essencial do direito reserva da

    intimidade da vida privada constitucionalmente garantido.

    Desta forma, o Acrdo do TC decidiu pela inconstitucionalidade uma norma que permitia

    administrao tributria o acesso a informaes bancrias.

    Por outro lado, o TC estabelece,

    (o) segredo bancrio no um direito absoluto, antes pode sofrer

    restries impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou

    interesses constitucionalmente protegidos. Na verdade, a tutela de certos

    valores constitucionalmente protegidos pode tornar necessrio, em certos

    casos, o acesso aos dados e informaes que os bancos possuem relativamente

    s suas relaes com os clientes.

    Aqui estabelece uma subordinao do dever de segredo bancrio ao que a Constituio

    prev.

    O TC considerou durante todo o acrdo interpretou legitimamente o papel de rbitro de

    conflitos entre os princpios constitucionais, individualizando as normas necessrias

    mediao entre as diversas exigncias consagradas pelo ordenamento jurdico: de um lado,

    as exigncias estabelecidas pela necessidade do conhecimento das contas bancrias ()

    para proteger o bem constitucionalmente protegido que a distribuio equitativa da

    contribuio para os gastos pblicos.

  • 31

    Outra questo levantada pelo Tribunal foi o facto da definio do contedo e alcance do

    segredo bancrio deve constar na Lei da Assembleia da Repblica ou em Decreto-Lei

    autorizado. Em suma, as restries em causa no Acrdo tm de ter um fundamento da

    CRP, deduzindo-se por isso mesmo, que as leis restritivas devem indicar os princpios ou

    normas constitucionais em que se baseiam.

    As normas que regulam tem que ter um carcter abstracto e geral, no tendo efeito

    retroactivo nem diminuir os contedos essenciais dos preceitos constitucionais.12

    Assim sendo, como se refere o acrdo do Tribunal Constitucional a definio do

    contedo de segredo bancrio, e, bem assim, das restries a que este est sujeito deve

    constar de uma lei da Assembleia da Repblica ou de um decreto-lei alicerado em

    autorizao legislativa.

    No entanto, a inconstitucionalidade dada pelo TC foi sobre a norma do art. 57, alnea e) do

    n. 1 do DL N. 513-Z/79.

    12

    Ver Gomes Canotilho Direito Constitucional, 1991

  • 32

    4. SIGILO BANCRIO NO DIREITO COMPARADO

    A prtica do sigilo bancrio s comeou a ganhar mais relevo no plano legislativo entre

    alguns pases mais recentemente, permanecendo como uma norma costeira em outros.

    tratado de diferentes formas nas vrias naes e a soluo adoptada em cada ordenamento

    jurdico depende da diversa valorizao dos interesses sociais e princpios jurdicos que o

    legislador realiza, tendo em conta, claro o plano constitucional.

    Importa referir a existncia de trs modelos distintos, como Nelson Abro (2002)13

    assinala:

    I - o anglo-saxnico, modelo que considera que o sigilo bancrio no encontra auxlio

    legal;

    II - os pases europeus, neste modelo, o sigilo contemplado pelos vrios diplomas legais

    que protegem o segredo profissional;

    III - Sua e Lbano, no qual se pode falar em sigilo bancrio reforado.

    4.1 MODELO ANGLO-SAXNICO

    Nos pases anglo-saxnicos ou de influncia saxnica (Inglaterra e Estados Unidos da

    Amrica) no existe regulamentao formal de sigilo bancrio, apenas concede um dever

    de confidencialidade no que respeita ao de depsito bancrio, aqui est presente um dever

    de discrio bancria. No direito ingls no existe nenhuma norma escrita que estabelea

    sano violao do segredo bancrio, no entanto qualquer pessoa que queira trabalhar em

    uma instituio financeira deve assinar um formulrio especial pelo qual se compromete a

    manter sigilo sobre as movimentaes bancrias.

    A discusso acerca do sigilo desenvolve-se a nvel jurisprudencial, prevalecendo, de

    maneira geral, o interesse pblico na divulgao da informao em detrimento do interesse

    individual na conservao do segredo. Outro aspecto a considerar tem a ver com a

    Administrao Fiscal, esta pode requisitar aos bancos, sem autorizao prvia de

    informaes gerais sobre a titularidade das contas. Em caso de suspeita de fraude, pode

    13

    Direito Bancrio. 8. Ed. rev. atual e ampl. por Carlos Enrique Abro. So Paulo: Saraiva, 2002.

  • 33

    ampliar as informaes financeiras sigilosas requerer pela administrao depender de

    autorizao judicial. O dever de segredo na actuao do banco interpretado

    rigorosamente pelos tribunais ingleses. A abordagem ao segredo bancrio norte-americano

    justifica-se pela necessidade de ampliar experincias dos sistemas jurdicos diferentes do

    nosso. Este sistema ope-se completamente ao modelo do jurdico suo, em que o segredo

    bancrio visto como uma manifestao do direito privacidade e do segredo profissional

    como irei abordar mais frente. A perspectiva do tratamento legal norte-americano

    reconhece e tutela o segredo bancrio, no qual considera implcito nos contratos celebrados

    entre os clientes e as instituies, contudo, no o faz de forma to ampla e com o mesmo

    nvel de proteco que vemos em outros pases.

    Esta concepo de segredo bancrio no ordenamento jurdico americano deve-se ao facto

    de determinadas noes prprias acerca:

    1. Direito privacidade

    2. Relao banco/cliente

    3. Segurana econmica nacional

    No que respeita o direito privacidade, desde logo, h que chamar a ateno para uma

    especificidade no direito legal americano que reside na Lei Fundamental, esta no faz

    qualquer meno a esse direito, o que no significa que esse direito no tenha dignidade

    constitucional, porque o tem, apenas a justificar a sua base constitucional. A relao

    banco/cliente no pode ser classificada como uma relao privilegiada como acontece com

    a relao advogado/cliente14

    , mas sim como uma clusula contratual implcita, da qual o

    dever da instituio bancria guardar discrio sobre as operaes do cliente, excepto

    quando esteja prevista em lei, quando o interesse pblico se sobrepe ao interesse privado,

    quando o interesse do banco reclamado e se o cliente assim o consentir.

    A segurana econmica nacional, a meu ver, constitui o factor principal para a

    configurao do segredo bancrio norte-americano. A jurisprudncia americana encara o

    sigilo bancrio como prejudicial para o desenvolvimento da sua economia. Neste sentido,

    todos estes factores contriburam para a formao de um regime legal, aprovado pelo

    sistema jurdico norte-americano, que se encontra dividido em dois diplomas, um

    conhecido como Bank Secrecy Act, de 1970, na qual visa estabelecer limites ao dever de

    discrio bancria, na perspectiva da luta contra a lavagem de dinheiro (eliminado mais

    14

    Ideia expressa por Noel Gomes. Segredo Bancrio e Direito Fiscal. 2006, pg. 189

  • 34

    tarde); e o Right to Financial Privacy Act (1978), que expe que as prestaes de

    informaes por parte das instituies financeiras somente pode ser dada em processos

    administrativos judiciais, quando as informaes forem relevantes para seleccionar um

    litgio, ganha um carcter excepcional, apenas podendo ocorrer desde que respeitado o

    devido processo legal, ou seja, o common law. Decorre do direito americano que ao mesmo

    tempo que estabelece o dever de segredo bancrio tambm enumera vrias excepes sua

    reduo. A Administrao Tributria possui amplos poderes no que respeita a informaes

    ao acesso bancrio sigiloso. Apesar do sistema americano ter razes anglo-saxnicas cada

    vez mais tem aproximado o modelo continental europeu.

    4.2 MODELO CONTINENTAL EUROPEU

    um modelo adoptado na maioria dos pases e realidade de cada um dele, no sendo por

    isso uniforme. A sua principal caracterstica o forte reconhecimento de proteco jurdica

    ao sigilo bancrio, ou seja intermdio ao sigilo da lei ou por tradio.

    4.2.1 FRANA

    O sigilo bancrio em Frana (o mais usual na Europa) assenta numa base de normas e

    regulamentao. O banqueiro considerado como confidente nas suas relaes com os

    clientes, existe uma obrigao de sigilo. O reconhecimento oficial da importncia do sigilo

    nas operaes bancrias datado no perodo monrquico, em 1706, quando foi editado um

    regulamento que compreendia normas aplicveis s operaes bancrias, comercias e

    cambiais, estabelecendo que as pessoas encarregues da realizao de tais operaes deviam

    guardar segredo. O fundamento do sigilo financeiro francs tem como base o Cdigo Penal

    que tutela o segredo profissional em geral. Ou seja, o segredo bancrio uma espcie de

    segredo profissional, que est consagrado no artigo 57. da Lei Bancria (LB), nos termos

    do qual toda a pessoa que, a qualquer ttulo, participe na direco ou na gesto de uma

    instituio de crdito ou seja empregado daquela, tem que respeitar o segredo profissional

    nas condies e sobas penalidades previstas nos artigos... (Noel, 2006: 161) do Cdigo

    Penal.

  • 35

    Neste sentido, a remisso feita para o cdigo penal francs, elucidou que a violao do

    segredo bancrio constitui, por um lado, uma responsabilidade civil que comum a todos

    os cidados, e por outro a responsabilidade criminal a que cada um incumbe. No que se

    refere a matria tributria, o direito francs, figura a regra da inoponibilidade do segredo

    bancrio. Quer da parte d as instituies financeiras (dever de comunicao) quer da parte

    da Administrao Tributria (dever de controlo e fiscalizao), estes reagem por uma

    relao de deveres a que cada um tem e que esto estipuladas na lei. O seu Cdigo Geral

    dos Impostos concede ao Fisco, em caso de suspeita de evaso fiscal, e mediante

    autorizao administrativa, as informaes necessrias sem aviso dos contribuintes.

    4.2.2 ITLIA

    Em Itlia no existe normas especficas que regulem o segredo bancrio das instituies

    financeiras. Esta lacuna no impede a sua vigncia e tem levado a doutrina italiana a

    propender-se sobre o seu fundamento. Imensas so as teorias apontadas sobre o sigilo.

    Enquanto umas fundamentam o segredo com base no costume, outras pelo dever de

    discrio bancrio assente na norma legais. Por seu turno, outra corrente fundamenta o

    segredo bancrio no segredo profissional. Aquela que merece mais amparo jurisprudencial

    o costume, na qual a obrigao do segredo est integrada no contrato feito pela relao

    cliente/banco. No entanto, devido falta de uma normal legal que consagre o segredo

    bancrio autenticado por todos que o segredo no um direito absoluto, e neste sentido,

    inderrogvel (ibid.: 178).

    A Administrao Tributria tem vindo, cada vez mais, a possuir face ao segredo bancrio

    uma maior elasticidade de regras de acesso aos dados e informaes dos clientes

    protegidos at ento pelo sigilo. Foi a partir da dcada de 1990, que o direito italiano,

    ampliou os poderes da administrao tributria no acesso a informaes bancrias de

    clientes assente numa base de maior transparncia que confere aos interesses pblicos

    tributrios.

  • 36

    4.2.3 ALEMANHA

    O ordenamento jurdico na Alemanha no encontra uma norma legal que suponha e

    conjugue o segredo bancrio. Apesar da sua exiguidade da norma legal, no impede o

    reconhecimento do segredo bancrio pelo direito pblico como pelo direito privado. No

    direito privado, o princpio assenta na dignidade da pessoa humana e no direito do livre

    desenvolvimento da personalidade do indivduo. Pelo mbito das instituies financeiras o

    fundamento tem a ver com o direito do livre exerccio da profisso. Contudo, o sistema

    jurdico alemo trata diferencial mente o segredo bancrio segundo o pedido de

    colaborao das instituies financeiras seja enunciado no processo civil, no processo

    penal ou no procedimento tributrio (ibid.: 167)

    No campo de aco civil prepondera o dever da instituio financeira guardar segredo, no

    mbito do processo penal, o segredo bancrio no se torna uma barreira revelao de

    informaes ou dados. Na relao fiscal goza de poderes de apurao tributrios, de

    inspeco no qual se inclui o acesso a dados de informaes protegidas pelo segredo

    bancrio, que esto estipulados e com regras consignadas pela sua lei.

    4.2.4 BLGICA e LUXEMBURGO

    Nestes dois pases o sigilo bancrio aceite pela jurisprudncia e a doutrina como

    obrigao e respeito vida privada, tendo em conta os segredos profissionais que so

    protegidos pela lei, podendo ser quebrado quando os interesses da justia e do fisco so

    postos acima dos privados. Na Blgica o Cdigo Penal prev um artigo de punio caso

    sejam violados os segredos profissionais, entre os quais est referido o banqueiro. No que

    respeita ao Fisco s a partir de 1962 concedeu-se administrao a faculdade de requisitar

    informaes aos bancos. No caso do Luxemburgo tambm no seu Cdigo Penal vigora um

    artigo de punio sobre a violao dos segredos profissionais, contudo no se refere ao

    banco.

    4.2.5 MODELO SUO

    A Sua a principal praa financeira para a gesto de fortunas e por conservar um elevado

    grau de sigilo bancrio, logo um porto seguro para investidores interessados em proteger as

  • 37

    suas origens de capitais. Em 2009 foi considerada um paraso fiscal pela OCDE. O segredo

    bancrio na Sua est associado a dois factores. Em primeiro lugar, a chegada de Adolf

    Hitler ao poder, na Alemanha, em 1933, pela perseguio que o regime nazi levou a efeito

    aos judeus, o que levou, durante a 2. Grande Guerra Mundial que estes procurassem

    refgio num pas neutral. Neste sentido, os bancos suos foram intimados pelo regime

    nazi, no sentido de fornecerem informaes bancrias sobre judeus exilados no pas.

    Muitos dos depositantes eram judeus, que morreram. Muitos herdeiros tiveram

    dificuldades em apresentar provas documentais dos seus direitos passando assim, os

    valores depositados para incorporar o patrimnio do banco. Outro factor foi o episdio

    ocorrido em 1932, em territrio gauls, relacionado com uma investigao da polcia

    francesa levada a cabo numa sucursal dos Campos Elsios do Banco Comercial de Bale, da

    qual resultou uma apreenso de uma srie de documentao, da qual constava uma lista,

    posteriormente tornada pblica, de cerca de 2000 cidados franceses titulares de depsitos

    em instituies bancrias suas, no declarados s autoridades tributrias. Na sequncia

    destes acontecimentos o governo francs declarou que iria pressionar a Sua no sentido de

    aceder s contas dos cidados gauleses detidas em territrio suo.. A tentativa da quebra

    do segredo por via judicial levou criao por parte do governo de uma base legal da

    confidencialidade das relaes bancrias. Estes factores de ordem histricos e econmicos

    aliados ao direito de privacidade, proteco dos dados financeiros, liberdade do

    indivduo levaram proteco do segredo bancrio. Outro motivo para a utilidade do

    segredo bancrio foi a abrigo de capitais enviados por ditadores, fraudes fiscais, narco

    trfico, corrupo, sendo as contas bancrias dos bancos servios onde se servem para

    fazer lavagem de dinheiro. Recentemente os mais abastados europeus passaram a usar os

    bancos suos para evaso fiscal. Neste quadro mais ilcito e tendo em considerao a

    cooperao inter-estadual na luta contra o crime organizado e internacional,

    designadamente nos atentados terroristas e branqueamento de capitais, o governo de

    servio comprometeu-se o fornecimento de informaes a outros pases, mediante caso a

    caso e com pedidos concretos e justificativos.

    4.2.6 LBANO

    Outro pas que surge prximo do modelo reforado do sigilo suo o Lbano. Antes de

    1945 o sigilo bancrio no Lbano fundamenta-se nos seus usos e costumes, uma vez que

  • 38

    no existia uma disposio legal expressa para este procedimento. Aps 1945 o Lbano

    apoiou o modelo suo, mostrando ainda mais rigidez que este. Acredita que o banco no

    pode ser obrigado a fornecer informaes ao fisco nem a depor contra terceiros, seja de

    natureza civil ou criminal.

    4.2.7 UNIO EUROPEIA

    Apesar do segredo bancrio ser um princpio reconhecido em todos os pases de direito

    nacional, a Unio Europeia tomou iniciativas importantes no direito interno de cada

    Estado-membro ao nvel de questes criminais, como o branqueamento de capitais e a

    criminalidade organizada. Uma das Directivas que surgiu neste contexto foi a Directiva

    91/308/CEE, do Conselho, 10 de Junho, relativo preveno do sistema financeiro de

    branqueamento de capitais, revista pela Directiva 2001/97/CE, do Parlamento Europeu e

    Conselho, de 4 de Dezembro. Mais recentemente, e por razes de ordem tributria, a

    Directiva 2003/48/CE, do Conselho, de 03 de Junho de 2003, relativa tributao de

    rendimentos da poupana sob a forma de juros. Toda esta evoluo normativa que se

    assiste a nvel comunitrio tem como finalidade a degradao do segredo bancrio na

    prossecuo de actividades criminais, bem como tributrias (ibid.: 194).

  • 39

    5. BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS

    5.1 CONCEITO

    (art. 368.-A Cdigo Penal)

    Converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operao de converso ou transferncia

    de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de

    dissimular a sua origem ilcita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infraces

    seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reaco criminal.

    Ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localizao, disposio,

    movimentao ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos.

    De uma forma genrica, o branqueamento de capitais, tambm conhecido por outras

    metforas, como lavagem de dinheiro tido como outra qualquer actividade financeira

    ou econmica efectuada intencionalmente com o objectivo de branquear e/ou ocultar o

    produto de actividades ilegais. Ou seja, a transferncia, aquisio, converso, deteno ou

    utilizao de bens, direitos relativos a esses bens e produtos de resultados desses bens, que

    provenham de uma actividade criminosa com o sentido de encobrir a sua verdadeira

    natureza, localizao e utilizao desses bens. Neste sentido, o branqueamento de capitais

    e a participao em qualquer operao tem como propsito ocultar ou disfarar a origem

    dos capitais procedentes de actividades ilcitas. Ao branqueamento de capitais esto

    subjacentes os crimes de trfico de droga e armas, explorao de redes de mo-de-obra

    ilegal, trfico de influncia e corrupo, fraude fiscal, trfico de rgos entre muitos

    outros. O fenmeno branqueamento de capitais assumiu tal dimenso que produziu uma

    reaco dos poderes pblicos desencadeando uma perspectiva de cooperao e colaborao

    escala mundial. O marco histrico de referncia o da Conveno das Naes sobre o

    Trfico Ilcito de Estupefacientes e Substncias Psicotrpicas, de 20 de Outubro de 1988,

    que tem como objectivo a luta contra a introduo nos sistemas econmicos e financeiros

    das avultadas somas provenientes daquele trfico (Conveno de Viena).

    neste contexto que surge a GAFI (Grupo Aco Financeira), criado na cimeira do ento

    G7, que teve lugar em Paris, em 1989. Foi criada com a propsito de uma implementao

    de uma estratgia global de combate ao branqueamento de capitais, e teve como misso

    analisar as tcnicas e as tendncias do branqueamento, observar as aces j

  • 40

    desencadeadas a nvel nacional e internacional e enunciar as medidas a tomar para o

    futuro. Em Abril de 1990, a GAFI publicou um relatrio, onde emanou 40 recomendaes

    (no vinculativas) a constituir e ainda um plano completo de combate ao branqueamento

    de capitais. Com o alargamento da Unio Europeia (UE) para os 25 pases, a GAFI

    inspirou-se no seu relatrio das 40 recomendaes e criou a primeira Directiva

    91/308/CEE, de 10 relativa preveno da utilizao do sistema financeiro para efeitos de

    branqueamento de capitais para entrar em vigor em 1993.

    A presente directiva define as noes de "estabelecimento de crdito", "instituio

    financeira" e "branqueamento de capitais". No que se refere especificamente a esta ltima

    noo, a directiva retoma a definio de branqueamento apresentada pela Conveno das

    Naes Unidas de 1988 contra o trfico ilcito de estupefacientes, enumerando entre os

    actos intencionais de branqueamento:

    A converso ou transferncia de bens que provm de uma actividade criminosa, com o

    fim de encobrir ou dissimular a origem ilcita dos mesmos ou de auxiliar quaisquer pessoas

    implicadas nessa actividade a furtar-se s consequncias jurdicas dos seus actos;

    A dissimulao ou encobrimento da verdadeira natureza, origem, localizao, utilizao,

    circulao ou posse de determinados bens ou de direitos relativos a esses bens, com

    conhecimento pelo autor de que tais bens provm de uma actividade criminosa ou da

    participao numa actividade dessa natureza;

    A aquisio, deteno ou utilizao de bens, com conhecimento, quando da sua recepo,

    de que provm de uma actividade criminosa ou da participao numa actividade dessa

    natureza;

    A participao num dos actos referidos nos pontos anteriores, a associao para praticar o

    referido acto, as tentativas de o perpetrar, o facto de ajudar, incitar ou aconselhar algum a

    pratic-lo ou o facto de facilitar a sua execuo.

    Consequentemente, desde ento, a CE estava vinculada ao combate contra o

    branqueamento.

  • 41

    Mais tarde houve uma reviso 1. Directiva, aprovando a Directiva 2001/97/CE, de 4 de

    Dezembro de 2001, que, no seu essencial alarga outras actividades e sectores, para alm do

    sector financeiro, as medidas de preveno ao branqueamento de capitais.

    No dia 27 de Maro foi publicada a Lei n.11/2004, que transpe para a ordem jurdica

    portuguesa a chamada "terceira directiva do branqueamento".

    A mais actual no nosso pas a Lei n. 25/2008, de 5 de Junho, contudo esta ainda no se

    encontra normalizada pelo Banco de Portugal (BP).

    A lei 25/2008 mais abrangente do que a Lei 11/2004, uma vez que no define um perodo

    onde se vai aplicar atendendo sua dimenso e ao seu prprio negcio.

    Outra diferena tem a ver com o montante a que as entidades esto sujeitas a verificar a

    identidades dos clientes, a Lei 25/2008 prev um montante igual ou superior a 15 000 e a

    Lei 11/2004 de 12 500.

    A lei que prevalece em termos jurdicos a 25/2008, contudo como no existe instrues

    por parte do BP, algumas instituies utilizam a Lei 11/2004.

    A Lei 25/2008 estabelece todas as medidas de natureza preventiva e repressiva do combate

    ao branqueamento de vantagens de provenincia ilcita e ao financiamento do terrorismo e

    transpe para a ordem jurdica interna as Directivas n. 2005/60/C, do Parlamento Europeu

    e do Conselho, de 26 de Outubro, e 2006/70/CE, da Comisso.

    Os deveres exigidos ao cumprimento da Lei 25/2008 encontram-se enumerados pelo artigo

    n. 6 da presente lei,

    a) Dever de identificao;

    b) Dever de diligncia;

    c) Dever de recusa;

    d) Dever de conservao;

    e) Dever de exame;

    f) Dever de comunicao;

    g) Dever de absteno;

    h) Dever de colaborao;

    i) Dever de segredo;

  • 42

    j) Dever de controlo;

    k) Dever de formao.

    Todos os deveres enumerados encontram-se regulados pelos artigos 7 at ao artigo 22.

    5.2 DEVER DE IDENTIFICAO

    No dever de identificao (art. 7.), as entidades sujeitas devem exigir e verificar a

    identidade dos seus clientes quando estabelecem relaes de negcios, bem como

    transaces ocasionais de montante igual ou superior a 15 000, seja de uma transaco

    apenas ou mesmo vrias que aparentemente estejam relacionadas entre si. Caso as

    entidades suspeitem de qualquer operao relacionadas com o branqueamento de capitais

    ou mesmo terrorismo, tendo em conta, toda a sua envolvente, quer fsica ou exterior. Para

    alm do dever de identificao necessrio um dever de diligncia, ou seja, tomar medidas

    adequadas para compreender a estrutura de propriedade e de controlo do cliente, obter toda

    a informao sobre a finalidade do negcio e a sua natureza. O dever de diligncia

    aplicado a todos os clientes, aos j existentes e aos novos, de modo a regular e em funo

    de todo o risco que correm. Contudo, e para uma melhor compreenso do adequado grau

    de risco pode-se classificar o dever de diligncia por reforado e simplificado. O dever de

    diligncia simplificado tem em conta todas as pessoas, aplicvel a todos os beneficirios

    efectivos, como est disposto no artigo 11. da presente lei. O dever de diligncia reforado

    tem um ponto bastante interessante a considerar no que respeita aos clientes e s operaes

    realizadas distncia, s que possam favorecer o anonimato e s pessoas expostas

    publicamente (por exemplo o Pre face ao cargo que representa publicamente) ou mesmo

    aquelas que residem fora no territrio nacional (art. 12).

    5.3 DEVER DE RECUSA

    um dever que impe que todas as entidades devem recusar efectuar qualquer operao

    em conta bancria ou mesmo iniciar uma relao de negcio quando:

  • 43

    - no forem facultados os elementos previstos no artigo 7., ou seja, a identificao do

    cliente;

    - no for fornecida qualquer tipo de informao do dever de diligncia no que respeita

    estrutura de propriedade, controlo de cliente, a natureza, a finalidade da relao do

    negcio, a origem e qual o destino dos fundos.

    Todas as instituies devem analisar as circunstncias que determinam a recusa e

    suspeitarem que a situao pode estar relacionada com a prtica do crime de

    branqueamento de capitais ou de financiamento ao terrorismo efectuar as comunicaes

    previstas na lei.

    5.4 DEVER DE CONSERVAO

    O dever de conservao diz respeito a que todas as cpias, documentos comprovativos ou

    referncias do dever de identificao e de diligncia devem ser conservadas por um

    perodo de sete anos aps o momento em que a identificao de processe, ou no termo das

    relaes de negcio.

    5.5 DEVER DE EXAME

    Sem prejuzo do dever de diligncia reforado, as entidades sujeitas devem examinar com

    especial ateno, e de acordo com a experincia profissional, toda e qualquer conduta de

    actividade de elementos caracterizados que possam estar relacionados com o

    branqueamento ou financiamento de terrorismo. Os elementos caracterizados para efeitos

    do dever de exame tm a ver com a sua natureza, a finalidade, a frequncia, a

    complexidade, a actividade ou operao, entre muitos outros elementos dispostos no artigo

    15..

    5.6 DEVER DE COMUNICAO/DEVER DE SEGREDO

    A meu ver, outro dever deveras importante o dever de comunicao, que dispe que as

    entidades sujeitas devem, por sua prpria iniciativa, informar de imediato o Procurador-

  • 44

    Geral da Repblica e a Unidade de Informao Financeira sempre que saibam, suspeitem

    ou tenham razes suficientes para suspeitar que teve lugar, est em curso ou foi tentada

    uma operao susceptvel de configurar a prtica do crime de branqueamento ou

    financiamento ao terrorismo.. Este dever de comunicao feito a duas entidades, uma ao

    Procurador-Geral como disposto no artigo, outra a uma Unidade de Informao Financeira

    (UIF) que pertence a uma unidade especializada da Policia Judiciria (PJ) ao terrorismo. Se

    por um lado tenho o dever de comunicar, por outro tenho o dever de segredo (artigo 19. da

    presente lei) remetendo que todas as entidades sujeitas, bem como os membros dos

    respectivos rgos sociais, os que nelas exeram funes de direco, de gerncia ou de

    chefia, os seus empregados, os mandatrios e outras pessoas que lhes prestam servio a

    ttulo permanente, temporrio ou ocasiona, no podem revelar ao cliente ou a terceiros que

    transmitiram as comunicaes legalmente devidas ou que se encontra em curso uma

    investigao criminal. A divulgao de informaes, legalmente devidas, s autoridades

    competentes no constitui violao do dever de segredo uma vez que estas esto previstas

    na lei.

    5.7 DEVER DE ABSTENO

    Todas as instituies devem abster-se de executar qualquer operao sempre que saibam

    ou suspeitem de estar relacionada com a prtica de crime e deve informar de imediato o

    Procurador-Geral da Repblica e a UIF que se absteve de executar a operao.

    5.8 DEVER COLABORAO / DEVER DE CONTOLO

    No artigo 18. da Lei 25/2008 dispe que as entidades devem conceder a colaborao

    requerida pelo Procurador-Geral, bem como pela UIF, garantindo o acesso directo s

    informaes e apresentando todos os documentos ou registos solicitados. O dever de

    controlo define e aplica polticas e procedimentos internos que mostrem adequados ao

    cumprimento dos deveres previstos na lei, designadamente, em matria de controlo interno,

    avaliao, gesto de risco e auditoria interna. A situao de branqueamento de capitais

    um problema grave escala mundial e neste sentido, a Lei 25/2008 contm um captulo

    para fazer face sua superviso e fiscalizao - artigo 38.. Todas as operaes que so

  • 45

    suspeitas tm que ser identificadas e analisadas pelas instituies. O Banco de Portugal

    emitiu um anexo Instruo 26/2005 com um lista de operaes potencialmente suspeitas,

    como o caso do:

    1. Branqueamento de capitais com recurso a operaes em numerrio

    2. Operaes de branqueamento com o recurso a depsitos bancrios

    3. Operaes com o recurso a crdito

    4. Operaes com recursos a transferncia

    5. Outras operaes.

    Por ltimo podemos dizer que o branqueamento de capitais composto por trs fases: a

    colocao, diversificao e integrao.

    5.9 COLOCAO

    Introduzir o numerrio proveniente de actividades ilcitas em instituies financeiras ou

    no financeiras.

    5.10 DIVERSIFICAO

    A desvinculao dos rendimentos procedentes de uma actividade ilcita, atravs da

    utilizao de diversas operaes financeiras ou no financeiras complexas. Estas

    transaces tm c