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Núcleo de Estágio em Matemática ESFF/UMa 1998/99 - 1 - As formas da geometria euclidiana não são adequadas para descrever formas tão complexas da Natureza como as nuvens, as árvores e as montanhas (B. Mandelbrot). 1 - Introdução Apesar de não sermos especialistas no tema do CAOS, devemos confessar que o tema nos atrai, nomeadamente pela beleza dos fractais e suas fascinantes propriedades, bem como as inúmeras aplicações desta teoria no quotidiano. A teoria do Caos é uma teoria relativamente recente que descreve a complexa realidade em que vivemos. Antes desta teoria, o lado irregular, descontínuo e incerto da Natureza era ignorado. Tudo era simplificado pela geometria euclidiana que reduzia tudo a linhas e planos, círculos, quadrados, triângulos e seus sólidos correspondentes. No entanto, estas formas geométricas são apenas abstracções da realidade. Se repararmos na natureza que nos cerca, facilmente nos apercebemos que ela apresenta formas muito complexas. Na verdade, muitas vezes, comparar objectos da geometria euclidiana com a natureza não é mais do que fazer aproximações bastantes grosseiras da realidade. Como dizia Mandelbrot “Dizer que as nuvens são esferas e montanhas são cones seria simplificar demais a natureza.” Por outro lado, anteriormente à teoria do Caos o sistema do mundo era visto como uma “(...) intrincada máquina de relojoaria. Se soubéssemos o suficiente acerca da maneira como a máquina se ajusta, poderíamos em princípio dizer o que se iria passar desde agora até ao fim do mundo” (Stewart, 1996, p. 186). Pensava-se que era possível prever quase tudo desde que se possuíssem as regras e as equações certas. “O lado irregular da natureza, o seu lado descontínuo e errático constituíram sempre charadas ou, pior, monstruosidades para a ciência.”(Gleick, 1994, p. 26) e por isso eram desprezadas. Desde Galileu e Newton que se procurava a regularidade nas experiências efectuadas, procurando quantidades que fossem constantes ou zero, o que significa desprezar irregularidades que interferem com a concepção e a execução da experiência. Era mais fácil estudar um sistema linear do que um sistema onde pequenas não linearidades distorcem os resultados (nessa altura pensava-se que pequenas diferenças não produziam grandes resultados por isso, desprezava-se as pequenas não linearidades para simplificar os problemas). Pensava-se igualmente que sistemas simples comportavam-se de maneira simples, e que um sistema complexo implicava causas complexas. A teoria do Caos veio transfigurar todo esse panorama, salientando que o mundo em que vivemos não é perfeito mas sim cheio de irregularidades, isto é, não linear. Daí que não seja de admirar que a ciência do Caos seja considerada como sendo a terceira grande revolução das ciências físicas neste século (as outras foram a relatividade e a mecânica quântica). Verificou-se que sistemas aparentemente simples e modelos deterministas, podem conduzir a situações de imprevisibilidade e caos. Por outro lado, sistemas complexos podem ser descritos por equações matemáticas simples. Mas o que ainda é mais espantoso, é que dentro do caos surge muitas vezes a ordem ! Com a ajuda dos computadores, derivado à sua grande capacidade de cálculo, homens persistentes como Mandelbrot e Lorenz, que enfrentaram diversas adversidades, fizeram tremer os pilares da ciência clássica fazendo emergir o Caos. “O Caos tornou-se não só uma teoria como um método, não só um coro de crenças como um modo de fazer ciência. O Caos criou a sua própria técnica de usar os computadores”(Gleick, 1994, p. 65). Criando “(...) a sua própria linguagem que usa elegantemente termos como fractais e bifurcações, intermitências e periodicidades, difeomorfismos e mapas de intervalo” (Gleick, 1994, p. 27). Para os investigadores do Caos, a matemática tornou-se numa ciência experimental, fortemente apoiada nas imagens gráficas fornecidas pelos computadores. A revolução do Caos teve um caracter interdisciplinar, atravessou as fronteiras que separavam as diversas ciências, unificando-as. O Caos veio ajudar a resolver vários problemas nos mais variados domínios como: a turbulência, a meteorologia, a economia, a química, a física, a dinâmica de populações etc. Mas veio ao mesmo tempo, levantar novos problemas, sobre fenómenos que tinham sido postos de parte porque se tinham revelado demasiado irregulares e sobre fenómenos que pareciam solucionados mas que repentinamente necessitavam de novas explicações (como por exemplo o pêndulo). “Quem haveria de dizer que o velho senhor tinha tanto sangue dentro de si ?”( Buescu, 1994, p. 27). Actualmente a teoria do Caos é usada com vários fins como por exemplo: para estabilizar laseres, manipular reacções químicas, e transformar batimentos cardíacos caóticos em saudáveis e regulares. Contribuindo assim, não só para uma melhor compreensão do universo mas também para o futuro da humanidade.

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Núcleo de Estágio em Matemática ESFF/UMa 1998/99

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As formas da geometria euclidiana não são adequadas para descrever formas tão complexas da Natureza como as nuvens, as árvores e as montanhas (B. Mandelbrot).

1 - Introdução

Apesar de não sermos especialistas no tema do CAOS, devemos confessar que o tema nos atrai, nomeadamente pela beleza dos fractais e suas fascinantes propriedades, bem como as inúmeras aplicações desta teoria no quotidiano.

A teoria do Caos é uma teoria relativamente recente que descreve a complexa realidade em que vivemos. Antes desta teoria, o lado irregular, descontínuo e incerto da Natureza era ignorado. Tudo era simplificado pela geometria euclidiana que reduzia tudo a linhas e planos, círculos, quadrados, triângulos e seus sólidos correspondentes. No entanto, estas formas geométricas são apenas abstracções da realidade. Se repararmos na natureza que nos cerca, facilmente nos apercebemos que ela apresenta formas muito complexas. Na verdade, muitas vezes, comparar objectos da geometria euclidiana com a natureza não é mais do que fazer aproximações bastantes grosseiras da realidade. Como dizia Mandelbrot “Dizer que as nuvens são esferas e montanhas são cones seria simplificar demais a natureza.”

Por outro lado, anteriormente à teoria do Caos o sistema do mundo era visto como uma “(...) intrincada máquina de relojoaria. Se soubéssemos o suficiente acerca da maneira como a máquina se ajusta, poderíamos em princípio dizer o que se iria passar desde agora até ao fim do mundo” (Stewart, 1996, p. 186). Pensava-se que era possível prever quase tudo desde que se possuíssem as regras e as equações certas. “O lado irregular da natureza, o seu lado descontínuo e errático constituíram sempre charadas ou, pior, monstruosidades para a ciência.”(Gleick, 1994, p. 26) e por isso eram desprezadas.

Desde Galileu e Newton que se procurava a regularidade nas experiências efectuadas, procurando quantidades que fossem constantes ou zero, o que significa desprezar irregularidades que interferem com a concepção e a execução da experiência. Era mais fácil estudar um sistema linear do que um sistema onde pequenas não linearidades distorcem os resultados (nessa altura pensava-se que pequenas diferenças não produziam grandes resultados por isso, desprezava-se as pequenas não linearidades para simplificar os problemas). Pensava-se igualmente que sistemas simples comportavam-se de maneira simples, e que um sistema complexo implicava causas complexas. A teoria do Caos veio transfigurar todo esse panorama, salientando que o mundo em que vivemos não é perfeito mas sim cheio de irregularidades, isto é, não linear. Daí que não seja de admirar que a ciência do Caos seja considerada como sendo a terceira grande revolução das ciências físicas neste século (as outras foram a relatividade e a mecânica quântica). Verificou-se que sistemas aparentemente simples e modelos deterministas, podem conduzir a situações de imprevisibilidade e caos. Por outro lado, sistemas complexos podem ser descritos por equações matemáticas simples. Mas o que ainda é mais espantoso, é que dentro do caos surge muitas vezes a ordem !

Com a ajuda dos computadores, derivado à sua grande capacidade de cálculo, homens persistentes como Mandelbrot e Lorenz, que enfrentaram diversas adversidades, fizeram tremer os pilares da ciência clássica fazendo emergir o Caos.

“O Caos tornou-se não só uma teoria como um método, não só um coro de crenças como um modo de fazer ciência. O Caos criou a sua própria técnica de usar os computadores”(Gleick, 1994, p. 65). Criando “(...) a sua própria linguagem que usa elegantemente termos como fractais e bifurcações, intermitências e periodicidades, difeomorfismos e mapas de intervalo” (Gleick, 1994, p. 27).

Para os investigadores do Caos, a matemática tornou-se numa ciência experimental, fortemente apoiada nas imagens gráficas fornecidas pelos computadores.

A revolução do Caos teve um caracter interdisciplinar, atravessou as fronteiras que separavam as diversas ciências, unificando-as.

O Caos veio ajudar a resolver vários problemas nos mais variados domínios como: a turbulência, a meteorologia, a economia, a química, a física, a dinâmica de populações etc. Mas veio ao mesmo tempo, levantar novos problemas, sobre fenómenos que tinham sido postos de parte porque se tinham revelado demasiado irregulares e sobre fenómenos que pareciam solucionados mas que repentinamente necessitavam de novas explicações (como por exemplo o pêndulo). “Quem haveria de dizer que o velho senhor tinha tanto sangue dentro de si ?”( Buescu, 1994, p. 27).

Actualmente a teoria do Caos é usada com vários fins como por exemplo: para estabilizar laseres, manipular reacções químicas, e transformar batimentos cardíacos caóticos em saudáveis e regulares. Contribuindo assim, não só para uma melhor compreensão do universo mas também para o futuro da humanidade.

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O atractor de Lorenz

Poincaré foi o primeiro a compreender a possibilidade do caos. Poincaré, no virar do século, afirmou: “Pode acontecer que pequenas diferenças nas condições iniciais dêem origem a outras muito grandes nos fenómenos finais. Um pequeno erro no anterior irá provocar um enorme erro no posterior. A previsão torna-se impossível...”. No entanto este alerta deixado por Poincaré não foi totalmente apreciado pela maior parte dos cientistas. Para eles influências muito pequenas não produziam grandes efeitos e por isso podiam ser negligenciadas.

Edward Lorenz, um meteorologista provou que Poincaré estava certo. Lorenz no início dos anos 60 fez um programa que simulava as condições climatéricas. Esse programa desenvolvido por Lorenz usava um sistema de equações puramente determinista e demonstrou ser extremamente sensível ás condições iniciais. Dado um ponto de partida específico, o tempo deveria desenrolar-se sempre da mesma forma. Dado um ponto de partida ligeiramente diferente, o tempo desenrolar-se-ia de forma ligeiramente diferente. Os pequenos erros decerto não causariam grandes efeitos. No entanto, no sistema de equações de Lorenz, os pequenos erros demonstraram ser catastróficos. Verificou-se que a mais pequena alteração nas condições iniciais, pode ter consequências imprevisíveis. Lorenz redescobriu o caos e provou que a meteorologia a longo prazo estava condenada ao fracasso.

Este fenómeno reflecte o chamado Efeito Borboleta, ou seja, existe forte dependência das condições iniciais. “Uma borboleta que agite o ar hoje em Pequim pode influenciar tempestades no próximo mês em Nova Iorque”, esta frase do autor espelha bem este fenómeno.

Nos anos de 50 e 60 pensava-se que seria possível ao homem “libertar-se dos caprichos climáticos em vez de ser sua vítima”, (Gleick, 1994, p. 43). Acreditava-se que os cientistas seriam capazes de controlar o tempo. No entanto, Lorenz não partilhava dessa opinião. Achava que era possível modificar o tempo, no entanto pensava que seria como baralhar um baralho de cartas, a sorte irá certamente mudar, só não sabemos se para melhor ou pior.

Lorenz não ficou por aqui. “Ele viu mais do que acaso no seu modelo de tempo. Viu uma estrutura geométrica, uma ordem mascarada de acaso”, (Gleick, 1994, p. 47). Lorenz deixou o tempo de lado e dedicou-se a procurar formas simples de produzir comportamentos complexos. Encontrou o que procurava num fenómeno físico chamado convecção (movimento ascendente de um gás ou líquido aquecido) e na azenha. Este simples engenho mostra-se capaz de comportamentos muito complexos. Se o fluxo da água é pequeno, os reservatórios do topo nunca se enchem suficientemente depressa e a azenha não se move. Se o fluxo da água for mais rápido, pode acontecer que o movimento de rotação da azenha se torne constante , mas também pode acontecer que, se o fluxo da água for muito rápido, que a roda da azenha pode travar, parar e inverter o seu movimento de rotação.

Muitos físicos da época ao olharem para este sistema mecânico, pensariam, que a longo prazo, se o fluxo da água nunca variar, atingir-se-á um estado estável: ou a azenha continua a rodar sempre no mesmo sentido ou continua a oscilar para trás e para a frente primeiro num sentido e depois noutro em intervalos constantes. Lorenz concluiu outra coisa. Apercebeu-se que, três equações com três variáveis descreviam bem o movimento da azenha. Com o computador Lorenz calculou os valores sucessivos para as três variáveis:0-10-0;4-12-0...

Para transformar os resultados num gráfico, Lorenz utilizou cada grupo de três números como coordenadas (abcissa, ordenada e cota) para localizar um ponto num espaço tridimensional. Assim Lorenz encontrou uma sequência de pontos que definem uma linha contínua, um registo do comportamento do sistema. O gráfico assim construído, originou um conjunto de pontos na forma de uma borboleta, conhecido como atractor de Lorenz que mostrou ser de uma complexidade infinita. Mantinha-se dentro de certos limites, sem nunca sair deles mas também sem nunca se repetir. Esta estranha forma revelava uma desordem total, dado que nenhum ponto ou padrão se repetia mas ao mesmo tempo exibia um novo tipo de ordem.

Graficamente Lorenz obteu uma figura semelhante a esta. A partir, aproximadamente do mesmo ponto inicial, Lorenz observou o seu computador produzir padrões cada vez mais diferentes até desaparecer toda a semelhança.

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Lorenz publicou os seus resultados mas, estranhamente atraíram pouca atenção. Os físicos da época trabalhavam já com dois tipos mais simples de atractores: “(...) pontos fixos e ciclos

limite, representando comportamentos que atingem um estado estacionário ou que se repetem a si próprio continuamente”(Gleick, 1994,p. 178).

O atractor de Lorenz era estável de baixa dimensionalidade e não- periódico. Nunca se podia intersectar, porque se o fizesse passaria por um ponto já visitado, e a partir daí o movimento repetir-se-ia num ciclo periódico. Ora isso nunca se sucedia residindo aqui a beleza do atractor. As voltas em espirais apresentavam uma densidade infinita, nunca se intersectando, mas permaneciam num espaço finito.

É de notar que os atratores têm por definição a importante propriedade de estabilidade - num sistema real, sujeito a colisões e agitações devido ao ruído do mundo real, o movimento tende a regressar ao atractor. Uma perturbação pode deslocar a trajectória para longe durante um período de tempo curto, “(...) mas os transientes do movimento resultantes acabavam por desaparecer”(Gleick, 1994, p. 184).

“Mais tarde, o reconhecimento de atractores estranhos alimentou a revolução do caos ao dar aos exploradores numéricos um programa bem definido para realizar. Procuravam atractores estranhos em toda a parte que a natureza parecia comportar-se ao acaso. Muitos argumentavam que o tempo da Terra poderia associar-se um atractor estranho. Outros juntaram milhões de dados sobre o mercado bolsista e começaram aí a procurar um atractor estranho, emergindo através da lente ajustável do computador”(Gleick, 1994, p. 200). Outro exemplo da aplicação de atractores estranhos é nos dado por Schaffer, que os está a utilizar para estudar a epidemologia de doenças infantis, nomeadamente o sarampo e a varicela.

O Atractor de Lorenz, esta imagem mágica de uma dupla espiral que faz lembrar a face de um mocho ou as asas de uma borboleta, tornou-se num símbolo para os primeiros investigadores do Caos. Lorenz encontrou a imprevisibilidade mas também encontrou padrões.

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Bifurcação

Desde sempre, na dinâmica das populações usaram-se modelos matemáticos para avaliar o número de indivíduos num determinado momento. No entanto, os biólogos sempre souberam que estes modelos eram aproximações redutoras do mundo real.

Tais limitações permitiu-lhes ver a importância de algumas ideias da teoria do caos que os próprios matemáticos consideravam extravagâncias interessantes. Daqui resultou a necessidade de criar um diferente estilo de trabalho , em que a aplicação das descrições matemáticas aos sistemas reais tinham de prosseguir por um caminho diferente.

Se o modelo a encontrar fosse uma função que aumentasse a população a uma certa taxa percentual por ano, teria que ser uma equação linear – uma aproximação ingénua à biologia das populações – f(x)=rx (onde r representa a taxa de crescimento), o que corresponde ao clássico esquema malthusiano para o crescimento populacional. Esta função linear de crescimento dirige-se sempre para cima, a população aumentaria indefinidamente.

Para obter um cenário mais realista é preciso considerar as interacções presa/predador. fome, competição. Além do mais, quando uma população aumenta muito , o alimento escasseia levando assim a uma diminuição desta. Sendo assim os biólogos precisam de ter uma equação com alguns termos suplementares que restrinja o crescimento quando a população se torna demasiado grande.

Um bom modelo seria uma equação que contivesse uma variável representando a taxa de reprodução; uma variável representando a taxa de morte natural; uma variável representando a taxa de morte adicional devido à fome e predação e que permitisse dizer que a população vai crescer a este ritmo até atingir este nível de equilíbrio.

Para encontrar um modelo como este talvez seja preciso muitas equações diferentes; mas a mais simples é uma equação de 2º grau, uma vez que, cresce rapidamente quando a população é pequena, reduz o crescimento para quase zero nos valores intermédios, e decresce quando a população é muito grande – f(x)=rx(1-x), onde r representa a taxa de crescimento, que pode aumentar ou diminuir, o termo (1-x) mantém o crescimento dentro dos limites acima mencionados, uma vez que se x aumenta (1-x) diminui. Esta equação é habitualmente conhecida por parábola logística.

Uma vez encontrado o modelo a questão reside em saber como é que estes diferentes parâmetros influenciam o destino de uma população. Ora, um parâmetro baixo leva a população a um nível baixo, e um parâmetro com um valor mais elevado, levaria a população a um estado de equilíbrio mais elevado. Esta perspectiva parece ser correcta para muitos valores do parâmetro mas para valores muito elevados aparece o caos, como verificou Ricker.

May (biólogo), desenvolveu um programa de exploração numérica intensiva do comportamento desta equação. Investigou centenas de valores diferentes para o parâmetro, dedicando-se em particular a estudar o limite crítico entre a estabilidade e a oscilação. Verificou que se o parâmetro fosse 2.7 então a população seria de 0.62921 e quando o parâmetro aumentava a população final também aumentava um pouco, desenhando assim uma linha que subia ligeiramente à medida que se deslocava da esquerda para a direita no gráfico. Inesperadamente quando excedeu o parâmetro 3 a linha dividiu-se em duas. Continuando a aumentar o parâmetro May verificou que o gráfico voltava a dividir-se em quatro ramos distintos , ou seja, voltava a duplicar-se e assim sucessivamente. “Era de emudecer – um comportamento tão complexo e, contudo, tão espantosamente regular” (Gleick, 1994, p. 106 ).

Estas bifurcações tornam-se cada vez mais frequentes começando com um só limite (20), passando depois para dois (21) , quatro (22), oito (23) e assim sucessivamente, ficando regiões do gráfico totalmente preenchidas, parecendo que o número de bifurcações era determinado pela expressão 2n, n∈Ν. Puro engano, a periodicidade dava lugar ao caos, a flutuações que nunca estabilizavam. Subitamente, aparecem períodos ímpares como 3 ou 7, isto e´, o padrão de populações mutáveis repete-se num ciclo de três ou sete anos. Depois as bifurcações voltam-se a duplicar aparecendo períodos de 3,6,12,24,... ou 7,14,28,... e assim sucessivamente, originando novamente caos.

É de certo modo curioso notar que na situação de caos surgem situações de regularidade.

3.8 3.82 3.84 3.86 3.88 3.90

0.2

0.4

0.6

0.8

Extinção

Equilíbrio Período dois

Zona de Caos

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Xn Xn Xn Xn Xn

Xn+1 Xn+1 Xn+1 Xn+1 Xn+1

A primeira figura, “diagrama de bifurcação” resume todas as informações numa só imagem. À medida que o

parâmetro aumenta, aumenta igualmente a não-linearidade do sistema. Onde o parâmetro é baixo (a variar entre 0 e 1), a população extingue-se, à medida que o parâmetro aumenta (r a variar entre 1 e 3)2, a população atinge um estado de equilíbrio. Se continuarmos a aumentar o parâmetro (r=3.1), o equilíbrio divide-se em dois e a população começa a alternar entre dois estados diferentes. As divisões ou bifurcações surgem cada vez mais, até o sistema tornar-se caótico (r a partir de 3.5699...) e a população atinge infinitamente muitos valores diferentes.

Fazendo o Zoom de uma porção da figura é como se observasse de novo a totalidade (auto-semelhança). “Em pleno caos aparecem oásis de regularidade inesperados” (Segunda figura). “Será a vida na terra um desses interregnos de organização!” (Dinis Pestana).

Outra maneira de visualizar o comportamento da parábola logística é através do “diagrama em teia de aranha”.

As imagens mostram a variação de populações ao longo dos anos, em que xn representa a população de um

determinado ano, xn+1 a do ano seguinte e r a taxa de crescimento. Na primeira imagem podemos ver o cenário malthusiano do crescimento ilimitado e regular a uma taxa fixa

por ano (a expressão é linear e do tipo xn+1=rxn). Nas imagens seguintes observamos funções mais realistas do tipo xn+1=rxn(1-xn), onde o parâmetro r varia entre 0 e 4 e determina a altura da parábola.

Na segunda imagem o parâmetro r é menor do que 1 e a população tende para 0 (extingue-se), qualquer que seja a população inicial.

Na terceira imagem o parâmetro varia entre 1 e 3 e a população tende a atingir um equilíbrio. Na imagem seguinte r=3.1 e a população oscila entre dois valores (0.55801413 e 0.76456652). Na última imagem r > 3.5699... e a população cai num caos. É de notar que quando o parâmetro r > 1 se xn (a população de um determinado ano) é pequeno então, xn+1(a

população do ano seguinte) é pequeno mas maior do que xn; a curva cresce rapidamente. Se xn está a meio do intervalo, então xn+1é grande, mas a parábola abrande o seu crescimento invertendo-o; e se xn é grande, então xn+1 será de novo pequeno. Isto é equivalente aos conflitos populacionais dos modelos ecologísticos, impedindo um crescimento ilimitado irrealista (como mostra a primeira imagem).

1 O nosso grupo verificou que se o parâmetro fosse 2.7 a população não seria 0.6292 mas sim 0.62962 2 Os valores de estabilidade encontram-se entre 1 e 3, uma vez que, existe um teorema que diz que: p é ponto

fixo atractivo se f p' ( ) < 1 . Os valores 0 11

ou −r

são os pontos fixos de ( )f x rx x( ) = −1 e

f p r p' ( ) ( )= −1 2 temos f p r p' ( ) ( )= −1 2 . Como os pontos fixos são 0 11

ou −r

só nos interessa

estudar o segundo ponto fixo uma vez que o primeiro levaria à extinção da população.

r p rr

r r r( )1 2 1 1 2 11

1 2 1 1 3− < ⇔ − −⎛⎝⎜

⎞⎠⎟

⎣⎢

⎦⎥ < ⇔ − < ⇔ > ∧ < . Conclui-se então que 1

1−

r é

estável para ( )r ∈ 1 3, .

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W1

W2 W3

a2-a1 a3-a2

4 - Normalização

O físico Mitchell Feigenbaum, trabalhava no laboratório de Los Alamos no inicio dos anos 70. Dedicou-se a estudar sistemas não-lineares, nomeadamente a parábola logística, concentrando-se na fronteira entre a ordem e o caos. Feigenbaum com a ajuda de uma calculadora começou por calcular os valores exactos do parâmetro que originava as divisões. Curiosamente, a lentidão da sua calculadora permitiu-lhe atingir a fama, uma vez que, enquanto esperava pelo resultado da calculadora, especulava o próximo, até descobrir que existia uma regularidade no sistema. As diferenças entre os números consecutivos tinha uma razão constante, cada uma cerca de 4,669 maior do que a seguinte (já Myberg em 1957 tinha verificado esta regularidade).

Ian Stewart, comparou o gráfico de bifurcação a uma figueira. “O atractor estacionário forma o tronco. Os atractores de período dois formam dois galhos menores. Destes, rebentam ramos ainda menores de período quatro, depois ramalhetes de período oito, raminhos de período dezasseis, etc. As razões dos tamanhos de tronco para o galho, de galho para ramo, de ramo para ramalhete, de ramalhete para raminho, tornam-se mais próximos de 4,669 quando mais se sobe na árvore.

“Com efeito, quebrando um galho obtém-se uma réplica aproximada de toda a figueira. O mesmo acontece quando se quebra um ramalhete. A cópia é menor e os tamanhos diminuem por uma razão de escalas para 4,669, e quanto mais profunda, mais se torna a semelhança de forma. Esta propriedade designa-se por auto-semelhança” (Stewart, 1991, p. 275). Este número, permitiu a Feigenbaum prever quando iria ocorrer as duplicações de período e assim descobriu que podia prever valores exactos de cada ponto no atractor, havendo assim uma convergência geométrica.

Feigenbaum passou em seguida a estudar funções trigonométricas que percorriam sequências de bifurcações, numa via para a desordem. Verificou que a convergência de uma nova equação era novamente geométrica. A razão das escalas tendia novamente para uma constante e Feigenbaum verificou com alguma surpresa que, o valor da razão de escalas era de novo 4,669, tinha descoberto a universalidade.

Feigenbaum achou espantoso que duas funções tão diferentes originassem a mesma regularidade. Pensou que talvez fosse mera coincidência. Talvez os números fossem diferentes na casa decimal seguinte. Decidiu então aperfeiçoar o cálculo utilizando agora um computador, chegando a um valor mais preciso para a razão de escalas: 4,6692016091. “Quando a ordem surgia, parecia esquecer repentinamente qual era a equação original. Quadrática ou trigonométrica, o resultado era o mesmo” (Gleick, 1994, p. 225).

Feigenbaum apesar de não ter demonstrado esta regularidade descobriu a universalidade e criou uma teoria para a explicar.

O raciocínio de Feigenbaum estava longe de uma prova rigorosa (e por isso foi duramente criticado), mas era convincente e explicava que a universalidade não era fruto do acaso mas sim uma consequência lógica de uma estrutura matemática. Só em 1979, num trabalho de Oscar E. Lanford III é que surgiu a demonstração rigorosa em termos matemáticos.

Como disse Ford “Mitch (Feigenbaum) tinha visto a universalidade, descoberto como variava em escala e inventado uma maneira de abordar o caos que era intuitivamente atraente” (Gleick, 1991, p. 94).

Feigenbaum, descobriu que 6692016091.4lim1

1 =−

−=

+

∞→nn

nn

n aaaa

δ e 5029078750.2lim1

==+

∞→n

n

n WWα

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Fractais

As formas que vemos na natureza e as formas geométricas tradicionais da geometria euclidiana (polígonos,

círculos,...) nem sempre se assemelham muito. Na verdade, em muitos casos a comparação entre os objectos da geometria euclidiana e a natureza não passa de uma comparação grosseira. Como disse Mandelbrot “As nuvens não são esferas, montanhas não são cones, linhas costeiras não são círculos, a casca das árvores não é lisa, nem a luz viaja em linha recta”. Para conseguir captar a complexidade da natureza, Mandelbrot criou uma nova geometria, a geometria fractal, cujas formas geométricas deu o nome de fractais. “A nova geometria dá a ver um universo que é irregular e não redondo, escabroso e não suave. É uma geometria do irregular, do quebrado, do retorcido, do entretecido” (Gleick, 1994,p. 132).

Os fractais, são formas geométricas obtidas a partir de um elemento base, ao qual se aplica uma certa transformação bem definida, através de regras rigorosas que se aplicam infinitamente.

Uma das características interessantes dos fractais é a auto-semelhança . Esta propriedade significa que o fractal é semelhante a uma sua parte por mais pequena que seja, e observa-se frequentemente na natureza: numa couve-flor; numa árvore; num pulmão; no sistema arterial; num feto, etc., onde uma pequena parte se assemelha ao todo.

Outra das características interessantes do fractal é que este pode ter dimensão fraccionária. “Estamos habituados à ideia que uma linha é unidimensional, um plano, bidimensional, um sólido, tridimensional. Todavia, no mundo dos fractais a dimensão adquire um sentido mais lato e não precisa de ser um número inteiro” (Stewart, 1991, p. 301). A dimensão fractal de um objecto mede o seu grau de irregularidade ou de tortuosidade.

É impossível medir a linha de uma costa sinuosa de um país em termos de comprimento, mas esta possuí um grau determinado de irregularidade. A linha da costa é mais do que uma simples linha mas menos do que um plano. “É mais do que unidimensional mas não chega a ser bidimensional” (Gleick, 1994,p. 140). Recorrendo a técnicas criadas por Hausdorff no início do século, Mandelbrot pôde determinar com precisão a dimensão fraccionária (por exemplo, como veremos mais à frente, a dimensão da curva de Koch é 2619.1

3log4log≅ ).

Uma ideia que está subjacente aos fractais é a de infinito. Como já foi dito, o processo de construção de um fractal repete-se indefinidamente, o número de lados que o compõe aproxima-se de infinito acontecendo o mesmo com o seu perímetro ou com a sua área. James Gleick, afirmou na sua obra: “Para os olhos da mente, um fractal é uma maneira de entrever o infinito”.

Uma imagem obtida por técnicas fractais pode parecer estranha: um vírus visto ao microscópio, paisagens de outro planeta, delírio de um pintor abstraccionista ... mas é sempre estranhamente bela.

Apesar da geometria fractal ser relativamente recente as suas aplicações estão a revelar-se em vastíssimas áreas como Meteorologia, Biologia, Hidráulica, Física, Geologia, Medicina, Arte, ... . Mandelbrot afirmou que “O mundo que nos cerca é caótico mas podemos tentar imitá-lo no computador. A geometria fractal é uma linguagem muito versátil que nos ajuda a lidar com os fenómenos caóticos e imprevisíveis”.

Alguns objectos da natureza têm propriedades fractais. Este feto demonstra ser complexo a vários níveis de ampliação, ao mesmo tempo que exibe a propriedade de auto-semelhança, isto é, uma parte é semelhante ao todo. Estas propriedades sugerem haver uma forte ligação entre os

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Iremos em seguida abordar alguns fractais que consideramos ser muito interessantes e com propriedades fascinantes.

Conjunto de Mandelbrot

O objecto mais complexo da matemática é certamente o conjunto de Mandelbrot. Não é possível vê-lo todo, por mais tempo que o estivéssemos a analisar. Para fazer uma descrição numérica do seu contorno ou catalogar as diferentes imagens do seu interior, seria necessário uma quantidade de informação infinita. O conjunto de Mandelbrot apresenta uma rica complexidade ao longo das escalas, parecendo ser o mais fractal de todos os fractais. Por isso, o conjunto de Mandelbrot tornou-se numa espécie de emblema do Caos. “Podem ser formadas muitas formas fractais por processos iterativos no plano complexo, mas existe apenas um conjunto de Mandelbrot” (Gleick, 1994,p. 279).

Quando Mandelbrot estava a explorar iterações de funções com raízes quadráticas, senos e cosenos, verificou que podia criar uma imagem no plano complexo que serviria como um catalogo dos conjuntos de Julia (dentro do conjunto de Mandelbrot encontram-se todos os conjuntos de Julia possíveis, cada um numa escala infinitesimal). No entanto, apesar de saber que a simplicidade gera a complexidade, “não compreendeu de imediato quão extraordinário era o objecto pairando em frente dos seus olhos...” (Gleick, 1994, p. 279).

À medida que se foi aperfeiçoando o estudo do conjunto de Mandelbrot, verificou-se que cada incursão mais

profunda revelava novas surpresas. Até o próprio Mandelbrot, preocupou-se com o facto de ter proposto uma definição de fractal demasiado restritiva, pretendia que o termo se aplicasse ao novo objecto.

O conjunto de Mandelbrot é um conjunto de pontos no plano complexo. Para verificar se um ponto pertence ou não a este conjunto, temos que submetê-lo a um teste. Cada ponto é testado usando uma série de cálculos efectuados pelo computador. O teste usado para esta verificação é o seguinte: pegamos nesse número complexo (c); elevamo-lo ao quadrado; somamos o número original; elevamos o resultado ao quadrado; somamos o número original; elevamos o resultado ao quadrado e assim sucessivamente (iteramos indefinidamente a função complexa z2+ c ). O computador vai repetindo este processo muitas vezes. Se o total em valor absoluto for menor do que dois (o que significa que em princípio o total não tende para infinito)3, então o ponto pertence ao conjunto e é marcado a negro (sendo a parte real do número usada como abcissa e a parte imaginária como ordenada). Por outro lado, se o total tender para o infinito (for maior do que dois em valor absoluto), então o ponto não pertence ao conjunto. Para aqueles pontos que não pertencem ao conjunto, as cores que lhes são atribuídas depende da velocidade que o total tende para o infinito. Assim, se ao testarmos um ponto, o total à décima iteração for maior que dois então o ponto é marcado de uma cor, por exemplo o azul escuro, à vigésima iteração de vermelho (por exemplo), à quadragésima de amarelo, e assim sucessivamente, quantas cores o programador entender obter.

O conjunto de Mandelbrot quando ampliado o suficiente contem cópias de si mesmo, mas fazendo uma ampliação maior constata-se que nenhuma das partes é exactamente igual a qualquer outra (em qualquer ampliação), no entanto cada uma delas é semelhante ao conjunto principal e contudo não são exactamente iguais.

Ampliando sucessivamente o conjunto de Mandelbrot irá aparecer, “(...) de modo inesperado, bem no interior de uma região emaranhada, (...) uma forma achatada familiar, guarnecida com botões floridos: o conjunto de Mandelbrot, com todos os seus ramos e átomos no lugar. Era um outro indicador de universalidade. Talvez devêssemos acreditar em magias” (Gleick, 1994, p. 296).

3 O número de vezes que o computador itera a função depende da segurança que o programador deseja obter (o total pode não ser em valor absoluto maior do que dois ao 100º passo, mas ao 101º passo já o ser)

As imagens são alguns conjuntos de Julia. A teoria de Julia versa sobre aplicações complexas, por exemplo, z2+c, onde c é uma constante. Alguns valores iniciais de z movem-se rapidamente para infinito outros não. Para aqueles pontos que tendem para infinito representasse-os a preto, caso contrário representasse-os a branco. Isto vai originar a “bacia de atracção” do ponto no infinito. O conjunto de Julia é a fronteira. Alguns conjuntos de Julia são semelhantes a círculos que tivessem sido comprimidos e deformados em muitos sítios, adquirindo uma estrutura fractal; outros estão quebrados em regiões, e outros são partículas de poeiras separadas. Segundo Adrien Douady: ”Podemos obter uma variedade incrível de conjuntos de Julia: alguns formam uma gorda nuvem, outros formam um esquelético arbusto de espinhos, outros parecem as faíscas que flutuam no ar depois de um

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Observamos nestas imagens sucessivas ampliações do conjunto de Mandelbrot. Vemos imagens fascinantes deste conjunto. A infinita complexidade assim como a beleza deste conjunto estão bem patentes.

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7 - Poeira de Cantor

Mandelbrot, no início do seu trabalho na IBM, debruçou-se sobre o problema do ruído nos fios telefónicos,

usados para transmitir informações entre computadores. Mandelbrot viu o conjunto de Cantor como sendo um bom modelo para explicar este problema de ocorrência de erros.

Este conjunto foi desenvolvido por um matemático do séc. XIX, Georg Cantor. Constrói-se, começando por representar um segmento de recta unitário, que dividimos em três partes iguais e a que retiramos a parte central,

ficando assim dois segmentos de tamanho 13

. A cada um dos segmentos remanescentes retiramos o terço

central, deixando assim 4 segmentos de tamanho 13

2⎛⎝⎜⎞⎠⎟ , e assim infinitamente. Ao fim de n passos temos 2n

segmentos de comprimento 13

⎛⎝⎜⎞⎠⎟

n

cada.

Como em cada passo dividimos um segmento em 3 partes iguais e desse segmento obtemos outros dois,

então a dimensão de Hausdorff é 631.03log2log

3log2loglim

311log

2loglim ≅==

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛

=∞→∞→ n

ndn

n

n

nH

Apesar de em cada passo deixarmos mais do que tiramos o que vamos obter é uma estranha “poeira” de pontos invisível. Este conjunto é infinito, mas o seu comprimento total é zero.

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Curva de Koch

Mandelbrot, um dos pioneiros da geometria fractal, considerou a curva de Koch como sendo “um modelo grosseiro mas vigoroso de uma linha costeira”. A linha da costa com todas as suas baías e as penínsulas a revelarem sub-baías e sub-penínsulas cada vez mais pequenas pelo menos até à escala atómica também tende para infinito (o perímetro de um país tende para infinito, no entanto a sua área é finita).

Para construir o floco de neve de Koch usa-se o seguinte processo: começa-se com um triângulo equilátero, cujo o lado mede por exemplo 3a, em seguida, transforma-se esse triângulo aplicando ao terço médio de cada um dos lados um outro triângulo, com a mesma forma mas com um terço do tamanho. O resultado é uma estrela de David. Em vez de três segmentos de medida 3a o contorno da forma tem agora doze segmentos de um terço 3a

(mede a). Em vez de três vértices há agora seis. Repita-se a transformação em cada um dos doze lados, aplicando-lhe um triângulo mais pequeno no seu terço médio. E repete-se este processo até o infinito, tornado-se parecido como floco de neve. Este objecto concebido pelo matemático sueco Helge Von Koch em 1904 apresenta características interessantes. É obvio que o seu contorno torna-se cada vez mais detalhado em cada iteração. O seu comprimento tende para infinito contudo a área limitada por esta linha é finita4. De facto, a cada transformação adiciona-se uma pequena área no interior da curva, mas a área total mantém-se finita (não muito maior que o triângulo original). Se se traçar um círculo em volta do triângulo original a curva de Koch nunca o ultrapassará. Cada lado do triângulo equilátero é chamado a curva de Koch. A auto-semelhança é uma característica interessante que podemos observar. É a simetria através das escalas, não é a simetria entre a direita e a esquerda, entre cima e baixo, mas entre o grande e o pequeno, o que implica recorrência, padrão no interior de padrão. A curva de Koch possui auto-semelhança porque apresenta exactamente o mesmo aspecto a qualquer escala que seja observada. Ou seja, se fizermos uma ampliação de um “pedacinho” desta curva obtemos uma imagem igual à original.

A dimensão de Hausdorff desta linha é loglog

43

, uma vez que o segmento de recta é dividido em 3 partes e a

poligonal é formada por 4 segmentos.

4 Os valores correspondentes dos lados e perímetros são os seguintes:

Lado Perímetro 3a 9 a A 12 a

a/3 16 a ... ...

Se calcularmos as áreas correspondentes a cada passo obtemos:

;...6.03

3 ;3.14

33 ;9.34

39 22

32

2

22

2

1 aaAaaAaaA ≈=≈=≈=

A soma de todas estas áreas, dará então a área do floco de neve.

....3

34

334

39 222

+++=aaaA

se excluirmos o primeiro termo, temos uma progressão geométrica de razão 94

, e a área total é dada por:

222

65

318

941

343

439 aaaaA ≈=

−+= . No limite, o lado é zero, o perímetro infinito e a área é, apenas,

um pouco maior do que vez e meia a área A1 do triângulo inicial.

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Outro exemplo curioso de um fractal com bizarras propriedades é o tapete de Sierpinski que se constrói cortando o nono centro de um quadrado, cortando depois os outros oito quadrados mais pequenos que ficam e assim sucessivamente. Tornando-se numa figura com área nula e perímetro total infinito.

No espaço tridimensional obtém-se um objecto geométrico conhecido por esponja de Sierpinski-Menger, uma rede aparentemente sólida com área de superfície infinita e volume nulo. A dimensão de Hausdorff é 2.72.

Curioso, é a intersecção da figura-limite com as medianas ou as diagonais do cubo inicial que vai originar os conjuntos triádicos de Cantor.

O Jogo do Caos

Michael Barnsley pensou nos padrões criados pelas imagens da Natureza e tentou criar uma técnica para a

construção de modelos de formas naturais. Para tal tentou o conjunto de Julia e outros processos, virando-se posteriormente para o acaso, descobriu uma técnica ao qual chamou «a construção global de fractais através de interacções de sistemas de funções» ou simplesmente «o jogo do Caos».

O seu principal critério de orientação era o de que, os conjuntos de Julia e outras formas de fractais, embora fossem encaradas como um resultado de um processo determinista tinham uma segunda existência, resultante do limite de um processo aleatório.

O jogo do Caos utilizava a propriedade de ir sendo construído a partir de pequenas cópias da figura principal, o que aliás, é uma propriedade fractal de certas figuras.

Barnsley ao escrever as regras que são iteradas aleatoriamente obtinha uma informação global sobre uma forma, e reproduzia a informação sem atender à escala. As regras tornavam-se mais simples quanto mais fractal era a forma. Facilmente se apercebeu, que podia criar todos os fractais não clássicos do livro de Mandelbrot. As figuras criadas por Barnsley, através do jogo do Caos iam-se tornando progressivamente mais nítidas até atingir a forma final. Passada esta etapa, Barnsley tentou inverter o processo, isto é, dada uma forma particular escolher um conjunto de regras, que defina a figura. A resposta a este problema que denominou por teorema da colagem, parecia tão obvia que as pessoas pensavam que existia algum truque. Começava-se pelo desenho da forma que queríamos reproduzir. Barnsley usou como exemplo um feto. Usando um computador e um rato, como instrumento de indicação, sobrepôs pequenas cópias na forma original. Qualquer objecto fractal poderá ser assim descodificado com algumas regras, se possuir uma ordem fractal. Como observou Mandelbrot, a Natureza tem uma ordem escondida sendo possível descodificá-la com algumas regras.

Em cima, o floco de neve de Koch, ao centro a curva de Koch e à esquerda a esponja de Sierpinski-Menger.

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O acaso na teoria de Barnsley serve apenas como instrumento. Ao construir uma figura usando esta técnica não é possível prever onde é que um ponto vai aparecer. No entanto, estes pontos aparecem sempre dentro dos limites necessários para traçar uma forma no ecrã, assim como disse o próprio Barnsley, “o acaso é uma ilusão. É essencial para a obtenção de imagens de uma determinada medida invariante que vive no objecto fractal. Mas o objecto em si não depende do acaso. Com uma probalidade igual a um, irá decerto desenhar sempre a mesma figura.”.

Uma das aplicações mais recentes desta técnica é na Enciclopédia Encarta da MS, que faz o tratamento das imagens seguindo esta linha (por “detrás” de uma imagem, existe um modelo que a “cria”, fornecendo assim uma imagem de qualidade superior) .

Fractais e Caos, uma visão para o ensino

Pegando na ideia de May, expressa por Gleick neste livro, de que o caos deveria ser ensinado, nós concordamos plenamente com esta. Pois a atracção que o caos e fractais exercem oferece uma motivação natural. É uma nova forma dos alunos verem o mundo e a sua relação com ele. Assim estes são levados a procurar padrões e a encontrar a linguagem que permite articular e generalizar resultados. Para isso é necessário que haja uma correcta aplicação de técnicas matemáticas, aproveitando assim um tema fascinante para aplicar conhecimentos transmitidos nas aulas que fazem com que os exercícios rotineiros e enfadonhos sejam substituídos por outros mais aliciantes, desenvolvendo ao mesmo tempo a intuição matemática dos alunos. Além do mais o facto da teoria do caos, e da geometria fractal serem campos relativamente recentes, permite que os alunos do secundário se tornem membros activos no emergir da uma ciência, funcionando como um factor de motivação.

É certo que nem todos os professores estão preparados para essa mudança, mas pensamos que estes conjuntamente com os alunos entrarem em campos de investigação diferentes dos conhecidos, a aprendizagem será mais enriquecedora.

Após termos feito uma breve nota histórica, justificando a emergência desta ciência e a sua aplicação na vida real, poderíamos salientar as diferenças entre figuras da geometria euclidiana que eles estão habituados, e aquela mais complexas que existem na natureza, os alunos poderiam ser levados a explorar propriedades curiosas dos fractais tais como a auto-semelhança.

A teoria do caos poderia ser aplicada em vários temas do secundário, tais como: - as sucessões, onde se poderia estudar os limites e sublimites da parábola logística (Un+1 = aUn (1- Un)),

fazendo pequenas variações no parâmetro e marcando os limites e/ou sublimites num gráfico até obterem uma visão parcial do gráfico de bifurcação, dando-lhes uma breve noção da ordem que os sublimites aparecem, bem como o comportamento das áreas e dos perímetros da curva de Koch e do triângulo de Sierpinski;

- a nível de funções onde o aluno aperfeiçoaria o seu calculo na função composta (a iteração de funções não é mais do que a composição da mesma função);

- números complexos (em vigor a partir do ano lectivo de 1999/2000, no 12º ano), sendo o conjunto de Mandelbrot uma forma interessante e motivadora de aplicar as propriedades algébricas dos números complexos;

- no estudo das derivadas, verificando onde é que os pontos fixos da parábola logística são atractivos.

A resolução de actividades relacionados com o caos, irá ser beneficiada, na maior parte dos casos, com o uso da calculadora gráfica, podendo ser igualmente interessante o uso de um computador. Estas tecnologias facilitam a procura de regularidades e o estabelecimento de generalizações, desenvolvendo a intuição matemática dos alunos.

A construção de fractais, nomeadamente fractais 3D, será muito útil para a visualização dos vários conceitos matemáticos nomeadamente no capítulo das sucessões.

Achamos que seria benéfico que actividades envolvendo fractais fossem feitas em grupo, promovendo o professor uma discussão entre os diferentes grupos para a partilha de conclusões, sua respectiva verificação matemática e estabelecimento colectivo das propriedades generalidades. Ao proceder deste modo o professor estará a valorizar o desenvolvimento da capacidade de comunicação e de argumentação.

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Bibliografia

Educação e Matemática, Revista da Associação de professores de Matemática, nº 4, Outubro, 1987 Fractais no Ensino Seundário, Associação de Professores de Matemática, Centro de Recursos Gleick, J., Caos, A criação de Uma Nova Ciência, 2ª edição, Lisboa, Gradiva, 1994 Gomes, Francelino et al, Xeque Mate 11, Capítulo das Sucessões, Livro, Editorial Lello, J. et al, Lello Universal, Porto Editores, Lello & Irmão, Volume2, 1979 Lopes, Ana Vieira et al, Matemática 11, Sucessões, Contraponto Edições, 1998 Mandelbrot, B., Os Objectos Fractais, Lisboa, Gradiva, 1991 NCTM, The Mathematics Teacher, Volume 91, 4, Abril, 1998 Stewart, I., Deus Joga aos Dados, Lisboa, Gradiva, 1991 Stewart, I., Os Problemas da Matemática, Lisboa, Gradiva, 1991 Site na Internet: wysiwyg://1/http://www.mathsoft.com/asolve/constant/fgnbaum/fgnbaum.html Softhware: Encarta 96 da MS