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Luis Fernando Muniz Cirne Scarlatti e Beethoven: proximidades? Tese apresentada ao programa de Pós- Graduação em Música, Área de Concentração: Processos de Criação Musical, Linha de Pes- quisa: Técnicas Composicionais e Questões Interpretativas, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para ob- tenção do título de Doutor em Música, sob a orientação do Prof. Dr. Amílcar Zani Netto. Versão corrigida teste São Paulo 2014

Scarlatti e Beethoven: proximidades?

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Luis Fernando Muniz Cirne

Scarlatti e Beethoven: proximidades?

Tese apresentada ao programa de Pós-Graduação em Música, Área de Concentração:Processos de Criação Musical, Linha de Pes-quisa: Técnicas Composicionais e QuestõesInterpretativas, da Escola de Comunicações eArtes da Universidade de São Paulo para ob-tenção do título de Doutor em Música, sob aorientação do Prof. Dr. Amílcar Zani Netto.

Versão corrigidateste

São Paulo2014

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Banca Examinadora

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Aos meus pais, Lilian e Bário.testeAo Almeida Prado,in memorian.

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AgradecimentosAos meus pais, Bário e Lilian, pelo amor e apoio incondicional para que eu pudesse

desenvolver plenamente as minhas potencialidades, e aos meus irmãos Vera, Cecília eFábio, pelo carinho de uma vida inteira.

Ao mestre compositor Prof. Dr. Almeida Prado, in memorian, pelos mais de 20 anosde amizade próxima, pela sabedoria e pelos ensinamentos que foram essenciais à minhaformação musical e artística.

Ao Prof. Dr. Amilcar Zani Netto, pela condução sábia e brilhante com que orientou estetrabalho, pela amizade sólida construída ao longo destes quatro anos de trabalho, semprepautada pela seriedade e respeito mútuo, e pela disponibilidade e prontidão incansávelpara com o que fosse necessário.

À Prof. Dra. Heloisa Zani, pelos conselhos e observações tão fundamentais para arealização deste trabalho; pelo carinho e amizade.

Ao Prof. Dr. Dr.h.c. Otto Biba, diretor do arquivo da Gesellschaft der Musikfreundede Viena, pela colaboração importante que prestou à pesquisa histórica deste trabalho epela gentileza com que me acolheu em Viena.

Ao Prof. Dr. Simon Dixon, do Centre for Digital Music of Queen Mary University,pelo apoio, colaboração e pela oportunidade de conhecer o seu grupo de pesquisa na áreada Computação Musical.

Ao Prof. Dr. Pedro Kroger, pelas indicações e esclarecimentos inestimáveis na área daComputação Musical.

Ao Fernando Lopes, grande mestre da arte pianística.

Ao Prof. Dr. Eduardo Seincman, pela sua sabedoria, lucidez e amizade.

Aos professores da ECA-USP pelos ensinamentos e apoio acadêmico.

À Dra. Débora Corrêa, pelo carinho e amizade fraterna, pela colaboração acadêmicacompetente nas questões computacionais e por todo o esforço com o qual me auxilia nosmuitos desafios.

Aos colaboradores acadêmicos e amigos queridos Renato Fabbri e Vilson Vieira, autoresdo software que tornou possível a pesquisa computacional contida neste trabalho.

Ao amigo Prof. Dr. Julio Cezar Franco de Oliveira, pela longa amizade e conselhosacadêmicos.

À amiga e companheira Adriana Calabi, pelo apoio cotidiano e imprescindível.

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À Dra. Andrea Lima, amiga querida que, juntamente com seu marido Guido e as filhasNina e Alena, me acolheram carinhosamente na sua residência em Baden.

À Betina Lorenzetti, pela amizade e companheirismo de tanto tempo e pela ajuda narealização da capa deste trabalho.

À minha querida tia Maria Cherubina Cirne, pelo incentivo e companhia agradávelnos eventos musicais.

Ao Dr. Andrea Calabi e à Prof. Dra. Marta Grostein pela amizade, carinho e bonsconselhos.

À Marinês Calori, amiga da vida inteira, e aos filhos Alice e Gabriel.

À Cecília Lotufo e seus filhos Helena e Vitor pela amizade fraterna e pelo acolhimento.

Aos amigos Prof. Dra. Ana Maria Hoffmann, Dr. Cezar Ferrari, Carlos Magno deNardi, Fernanda Garrido, Sandra Pandeló, Heidí Camargo, Vanessa Hoffmann, Dra. SílviaPellegrino, Claudia Calabi, Diogo Oliveira, Mauro Baldijão, Paula Bartorelli, MarianoFerraz, Vinícius Bittencourt, Maria Leomênia Sardenberg, Ana Cândida Bittencourt,Carlos Sabioni, Newton Pereira, Ulrich e Marise Hoffmann e todos os que, nas maisdiversas formas, contribuíram para a realização deste trabalho.

Aos funcionários da ECA-USP.

Aos meus professores de remo, Prof. José Carlos Simon Farah e Prof. Ricardo Palatnic.

Aos “Filhos de Gandhy”.

À madre Ayahuasca, pelos sábios ensinamentos.

À Fapesp pelo apoio financeiro durante a realização deste projeto (processo: 2010/11933-0).

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“Vivi felice!”(D. Scarlatti)

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ResumoCirne, L. F. M. Scarlatti e Beethoven: proximidades?. 2014. 134p. Tese (Doutoradoem Música) - Escola de Educação e Artes, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2014.

A observação recorrente que alguns pianistas, professores de piano e compositores fazemsobre a presença da escrita de Domenico Scarlatti em alguns movimentos das Sonatasde Beethoven, sugere que há alguma relação estética entre estes compositores até entãonão devidamente esclarecida. A primeira questão que aparece é como Domenico Scarlattipôde chamar a atenção de Beethoven, considerando que Scarlatti foi um compositoritaliano que saiu de Nápoles para Lisboa e finalmente Madrid, onde compôs as suas555 Sonatas para o teclado, dedicadas à sua empregadora, rainha Maria Bárbara daEspanha. Beethoven, nascido em 1770, um século após Scarlatti, de outro lado, permaneceuem Viena e arredores por praticamente toda a sua vida profissional. Este trabalhobusca investigar proximidades estéticas entre a composição para teclado de DomenicoScarlatti contidas na edição de Carl Czerny e as 32 Sonatas para piano de Beethoven.Busca também esclarecer aspectos da biografia de Domenico Scarlatti e a trajetória dascópias manuscritas de suas 555 Sonatas pela Europa, uma vez que trazem inovaçõesformais e estéticas para sua época. Parte destas Sonatas chegou à Viena através de duascoleções de cópias manuscritas, chamadas de coleção Viena I e Viena II. Através destesmanuscritos e das cópias que foram feitas a partir deles, Carl Czerny realizou sua edição.Admite-se que Beethoven tenha tido alguma familiaridade com esta edição das Sonatasde Scarlatti, uma vez que Czerny foi, durante muitos anos, seu aluno e amigo próximo.A metodologia utilizada para aferir semelhanças entre Scarlatti e Beethoven se baseiaem duas abordagens. A primeira fundamenta-se na análise comparativa tradicional –não automatizada – sobre procedimentos composicionais de ambos os compositores. Asegunda utiliza-se de recursos computacionais para identificar e quantificar a presença defragmentos melódicos extraídos das Sonatas de Scarlatti da edição de Czerny nas Sonatasde Beethoven, com auxílio da tecnologia do toolkit music21, software desenvolvido peloMassachusetts Institute of Technology a partir de 2010 e disponível através da páginade internet http://web.mit.edu/music21/. Seu uso, neste trabalho, aponta para novaspossibilidades de abordagem na análise musical cujos resultados e conclusões são obtidosa partir de parâmetros distintos da análise musical tradicional. As análises comparativastradicionais evidenciaram semelhanças importantes entre os procedimentos composicionaisde Scarlatti e Beethoven como, por exemplo, o uso dos silêncios, das mudanças inesperadasde andamento e de caráter. A partir do software construído com a utilização do toolkitmusic21 para a busca dos fragmentos scarlattianos nas Sonatas de Beethoven, obteve-seresultados de grande relevância, identificando sequencias intervalares idênticas, encontradasnas Sonatas de Beethoven e não verificadas em Mozart, cujas Sonatas foram submetidasao mesmo método.

Palavras-chave: Scarlatti, Beethoven, Análise Comparativa, Processos Computacionais,Interpretação, Piano, music21.

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AbstractCirne, L. F. M. Scarlatti e Beethoven: proximidades?. 2014. 134p. Tese (Doutoradoem Música) - Escola de Educação e Artes, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2014.

A recurrent observation that some pianists, piano teachers and composers make about thepresence of Domenico Scarlatti’s writing in some movements of Beethoven Sonatas, suggeststhat there is some aesthetic relationship between these composers that was not properlyclarified. The first question that appears is how Domenico Scarlatti music could draw theattention of Beethoven, considering that Scarlatti was an Italian composer who left Naplesto Lisbon and finally Madrid, where he composed his 555 keyboard sonatas, dedicated tohis employer, Queen Maria Barbara of Spain. Beethoven, born in 1770, a century afterScarlatti, on the other hand, remained in and around Vienna virtually his entire professionallife. This research investigates aesthetic similiarities between Domenico Scarlatti keyboardSonatas contained in Carl Czerny edition and the 32 piano Sonatas of Beethoven. It alsointends to clarify aspects of Domenico Scarlatti’s biography and the trajectory of his 555keyboard Sonatas that bring formal and aesthetics innovations for his time. Part of theseSonatas has come to Vienna in two manuscript copy collections called Vienna I andVienna II. Through these two manuscript collections and the copies made out of them,Carl Czerny organized his own edition of the Scarlatti Sonatas. It has been admittedthat Beethoven was familiar with these Sonatas, considering his long friendship withCzerny. The methodology used to establish similarities between Scarlatti and Beethovencomposition is based on two approaches. The first is founded on the traditional comparativeanalysis - not automated - on compositional procedures of both composers. The secondapproach makes use of computational resources to identify and quantify the presenceof melodic fragments, extracted from Scarlatti Sonatas of Czerny edition, on Beethovensonatas, with the aid of the toolkit music21, technology developed by MIT in 2010 andavailable on the internet page http://web.mit.edu/music21/. Its use in this work pointsto new possibilities for musical analysis whose results and conclusions are obtained fromdifferent parameters of traditional musical analysis. The traditional comparative analyzeshas revealed important similarities between the compositional procedures of Scarlatti andBeethoven, for example, the use of silences, unexpected changes of timing and character.From the software built using the toolkit music21 to search for melodic fragments ofScarlatti Sonatas on Beethoven piano Sonatas, it has yielded results of great relevance, asthe indentification of identical musical intervallic sequences, found in Beethoven Sonatasand not verified on Mozart, whose Sonatas were submitted to the same method.

Keywords: Scarlatti, Beethoven, Interpretation, Piano, Comparative Analysis, MusicalAnalysis, Computational Processes, music21.

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Lista de Figuras

Figura 1.1 - Mecanismo do cravo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21Figura 1.2 - Mecanismo do piano de Cristofori. . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

Figura 2.1 - Capa da Edição de Czerny das Sonatas de Scarlatti. . . . . . . . 30

Figura 3.1 - Representação dos intervalos no teclado. . . . . . . . . . . . . . . 34Figura 3.2 - Sonata K.1, compassos 1 e 2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

Figura 4.1 - Abertura da Sonata K.29 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40Figura 4.2 - Sonata K.29, compassos 15-20. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41Figura 4.3 - Sonata K.531 coda da primeira metade. . . . . . . . . . . . . . . 42Figura 4.4 - Coda da segunda metade da Sonata K.531. . . . . . . . . . . . . 42Figura 4.5 - Segunda metade da sonata K.476 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44Figura 4.6 - A sonata K.33 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45Figura 4.7 - Abertura da Sonata K.265 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46Figura 4.8 - Sonata K.211, motivo A. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47Figura 4.9 - Sonata K.211, motivo B, A e combinações. . . . . . . . . . . . . . 48Figura 4.10 - Sonata K.525, compassos 1 e 2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49Figura 4.11 - Sinfonia n.7, terceiro movimento, compassos 3 a 7. . . . . . . . . 49Figura 4.12 - Sonata K135, compassos 52 e 53. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49Figura 4.13 - Sonata opus 101, primeiro movimento, compassos 1 e 2 . . . . . . 49Figura 4.14 - Sonata K.16, compassos 42 a 44. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50Figura 4.15 - Concerto para piano e orquestra opus 73, primeiro movimento,

compassos 37 e 38. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50Figura 4.16 - Sonata K.96, compassos 11 a 17. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50Figura 4.17 - Sonata opus 109, terceiro movimento, compassos 177 a 179. . . . 51

Figura 5.1 - Sonata K.125, compassos 2 e 3. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55Figura 5.2 - Sonata opus 109, 1º movimento, compasso 14. . . . . . . . . . . . 55Figura 5.3 - Sonata K.182, compasso 97. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56Figura 5.4 - Sonata opus 7, 4º movimento, compassos 64 e 65. . . . . . . . . . 57Figura 5.5 - Sonata K.4, compasso 34. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57Figura 5.6 - Sonata opus 27nº 1, 4º movimento, compassos 281 e 282. . . . . . 58Figura 5.7 - Sonata opus 109, 3º movimento, compasso 104. . . . . . . . . . . 58Figura 5.8 - Sonata K.6, compassos 56 e 57. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59Figura 5.9 - Sonata opus 10 nº 2, 1º movimento, compassos 73 e 74. . . . . . 59Figura 5.10 - Sonata K.15, compasso 20. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60Figura 5.11 - Sonata opus 31 nº 1, primeiro movimento, compassos 163 a 165. . 60Figura 5.12 - Sonata K.112, compasso 26. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61Figura 5.13 - Sonata op. 106, primeiro movimento, compass 49. . . . . . . . . . 61Figura 5.14 - Sonata K.100, compassos 41 e 42. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

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Figura 5.15 - Sonata op. 57 “Appassionata”, 1º movimento, compassos 218 e 219. 63Figura 5.16 - Sonata K.163, compasso 64. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63Figura 5.17 - Sonata opus 10 nº 3, 4º Movimento, compasso 60. . . . . . . . . . 64Figura 5.18 - Sonata K.sp.8, compassos 1 e 2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64Figura 5.19 - Sonata op. 53, 3º movimento, compassos 82 a 84. . . . . . . . . . 65Figura 5.20 - Resultados para intervalos estritos. . . . . . . . . . . . . . . . . . 65Figura 5.21 - Resultados para intervalos com tolerância +-1. . . . . . . . . . . 66Figura 5.22 - Resultados para intervalos com tolerância +-2. . . . . . . . . . . 66

Figura F.1 - Sonata Op. 2 n. 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133Figura F.2 - Codificação Humdrum dos primeiros quatro compassos da parti-

tura apresentada na Figura F.1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134

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Sumário

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

1 Aspectos Históricos I – Apontamentos biográficos sobre DomenicoScarlatti e sua relação com o pianoforte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191.1 Domenico Scarlatti e o pianoforte de Cristofori . . . . . . . . . . . . . . . . 201.2 Scarlatti e o Piano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

2 Aspectos Históricos II - Trajetórias e Edições das Sonatas . . . . . . . . 242.1 A Trajetória das Sonatas de Scarlatti até a Edição de Carl Czerny . . . . . 252.2 O Leilão da Coleção Viena II e o Congresso de Viena . . . . . . . . . . . . 262.3 Edição de Carl Czerny das Sonatas de Scarlatti . . . . . . . . . . . . . . . 28

3 Materiais e Métodos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313.1 Materiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323.2 Metodologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

3.2.1 Abordagem computacional e Caracterização dos Dados . . . . . . . 333.3 A escolha do Material de Pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 363.4 A escolha pela investigação melódica nas análises computacionais . . . . . 37

4 Estrutura das Sonatas de Scarlatti e Análise Comparativa . . . . . . . . 384.1 A tonalidade das Sonatas de Scarlatti . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 394.2 A inventividade das Sonatas de Scarlatti . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 404.3 A estrutura básica das Sonatas de Scarlatti . . . . . . . . . . . . . . . . . . 414.4 Elementos Comuns de Composição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

5 Análise comparativa computacional - método utilizado: toolkit music21 525.1 Formato da Apresentação dos Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 535.2 Resultados e Discussão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 555.3 Resultados Estatísticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

6 Considerações Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

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Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

Anexo A Inventário do arquiduque Rudolph da Áustria . . . . . . . . . . . 79

Anexo B Fichas catalográficas do arquivo da Gesellschaft der Musik-freunde das edições das Sonatas de Scarlatti que chegaram a Viena . . 82

Anexo C Lista das 32 Sonatas para piano de Beethoven . . . . . . . . . . . 111

Anexo D Lista das 200 Sonatas de Scarlatti da edição de Carl Czerny . . 113

Anexo E Código computacional do toolkit music21 . . . . . . . . . . . . . . 126

Anexo F Exemplo de código Humdrum . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132

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Introdução

Antes de iniciar, é importante esclarecer alguns pontos que possam conduzir a leituradeste trabalho. O principal objetivo é propor um novo caminho para a pesquisa musical,cuja metodologia envolve processos computacionais que foram desenvolvidos muito recen-temente, descritos no Capítulo 3. Esta nova abordagem, essencialmente sintética, estábaseada em parâmetros distintos da análise musical tradicional. Através da investigaçãocomputacional é possível obter respostas para questões que seriam impraticáveis de seremabordadas manualmente.

Se fosse preciso aferir, por exemplo, a quantidade de terças menores ascendentespresentes na Sonata op. 57 de Beethoven, estaríamos diante de uma tarefa árdua a qualprovavelmente levaria semanas. Pela via computacional, chega-se a esse resultado emmenos de 10 minutos, e as informações obtidas compreendem descrições detalhadas daposição daqueles intervalos indentificados no total da obra. Neste caso, a terça menorascendente é encontrada 302 vezes nos três movimentos da obra mencionada.

Esta resposta, obtida de maneira precisa e rápida pelo computador, prescinde dodetalhamento das condições em que ela foi gerada, cujo conhecimento se encontra no âmbitoda Computação Musical. Para tal detalhamento seria preciso um número imensurável depáginas, tanto para as partituras codificadas quanto para os resultados que foram gerados.Para o resultado deste exemplo – a quantidade de terças menores ascendentes na op. 57de Beethoven – consumiriam-se 7 páginas, sem contar a própria partitura codificada, queconsumiria, só para o primeiro movimento, 19 páginas para descrevê-la1. Se o objetivofosse apenas quantificar o aparecimento destas terças – o que não é o caso deste trabalho –bastaria o resultado total, de 302 vezes.

Este é um exemplo que serve de modelo para explicar a forma com que os resultadosdescritos no Capítulo 5 foram organizados: embora os processos e materiais envolvidossejam complexos e em grande volume, os resultados por sua vez são apresentados de maneirasucinta, através de um padrão visual mais interessante, para uma melhor compreensão doseu conteúdo. O que se vê de maneira clara e simples é resultado de um processo longo eminucioso que envolve o trabalho de programação, por um lado, e a aferição musicológicapor outro. Sem esta, o processo seria inválido para um trabalho na área da música.1 Acesso através do link: http://kern.ccarh.org/cgi-bin/ksdata?location=users/craig/classical/beethoven/piano/

sonata&file=sonata23-1.krn&format=kern

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As questões históricas foram abordadas da maneira que se julgou ser objetivamentepertinente, por entender que este não é um trabalho sobre história da música.

Ainda há muito para ser estudado e revisto sobre a vida e a obra de Domenico Scarlatti.Ao contrário de Beethoven, cuja vida e obra vem sendo exaustivamente investigada eanalisada, existem poucos trabalhos que abordem as questões relativas a Scarlatti. Conhece-se muito pouco sobre Scarlatti e suas 555 Sonatas para teclado. De um modo geral, onome de Scarlatti está ainda vinculado apenas a um número pequeno de Sonatas “fáceis”passadas aos pianistas principiantes. Quando comecei os estudos de piano em 1980, fuiorientado a estudar sua Sonata K.531, em certa medida para satisfazer o meu desejode tocar alguma das Sonatas de Beethoven, as quais, evidentemente, ainda não poderiadominar técnica ou musicalmente na época. Este fato despertou-me uma curiosidade: porque substituir Beethoven por Scarlatti? Somente pelo fato de existir na nomenclaturade suas obras a palavra Sonata? Estas questões me inquietaram desde aquele começo daminha educação musical nos anos 80 até mais recentemente, nos encontros que pude mantercom o compositor Almeida Prado em 2009. Tive, até então, e por diversos motivos, poucocontato com as Sonatas de Scarlatti e nenhuma informação sobre qualquer particularidadede sua vida. O mercado editorial sobre Scarlatti e sua obra é extremamente restrito; e porincrível que possa parecer a ideia anteriormente mencionada sobre a suposta “facilidade”das Sonatas de Scarlatti continua sendo até os dias de hoje uma constante no discurso dosintérpretes e professores de piano.

No contato que tive com o compositor Almeida Prado sobre possíveis objetos de estudopara meu trabalho de doutorado, surgiram novamente os nomes de Scarlatti e Beethoven,parte em razão da minha história com a Sonata K.531, cuja estética no decorrer da minhaformação como músico sempre me soou beethoveniana, e parte pela conexão entre algumaspassagens das Sonatas de Beethoven e a escrita de Scarlatti, que o próprio Almeida Pradojá estabelecia nos cursos que ministrava. Ele apontou alguns procedimentos comum entreos dois compositores e até sugeriu que pudesse ter existido uma real influência de Scarlattiem Beethoven. Alí estava formulada a questão: até que ponto existiu uma real influênciade Scarlatti em Beethoven? Esse questionamento levou a outros dois: quem foi DomenicoScarlatti? Qual a dimensão e importância da sua obra? A busca por estas respostaslevaram-me à biografia mais completa – senão a única – sobre a vida e obra de DomenicoScarlatti, do cravista e musicólogo Ralph Kirkpatrick, autor cuja referência neste trabalhoserá constante [KIRKPATRICK 1953].

Através do seu livro, sem tradução para o português, aprende-se que Scarlatti talveztenha sido o único compositor da História da Música a reunir condições, tanto de vidaquanto de trabalho, tão privilegiadas para a realização das suas Sonatas para o teclado.O poder da sua empregadora, a rainha Maria Bárbara da Espanha, no vigor econômicoda exploração da América no começo do Século XVIII, era representativo da corte maisopulenta da Europa naquela época. E por sua vontade e do rei Fernando VI, instauraram

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uma verdadeira corte musical, com todas as sofisticações que a riqueza da corte espanholadeste período pôde produzir no campo da música. Scarlatti também contou com o fato deMaria Bárbara ter se tornado uma excelente instrumentista e provavelmente a primeira daspianistas notáveis. Todas essas condições permitiram que a composição scarlattiana saísseda esfera da música de ofício, uma vez que não eram produzidas para os eventos da corte,mas sim para o uso exclusivo de Maria Bárbara. A imensa curiosidade intelectual e musicalde Maria Bárbara permitiu que Scarlatti utilizasse na sua composição elementos queextrapolavam os muros da corte, vindos da música tradicional espanhola. Scarlatti, sabe-se,gostava de jogar e não raro passava noites fora da corte, ao som das tavernas, do cante jondoe a música flamenca [KIRKPATRICK 1953]. Nas suas Sonatas, além de toda a tradiçãoitaliana, ouvimos sons típicos dos violões, gestos percussivos que evocam castanholas emelodias flamencas. Formalmente, em algumas composições, Scarlatti expande a idéiada sonata monotemática para propor uma sonata bitemática, com ideias constrastantes,precursora do que viria mais tarde se configurar como a forma sonata clássica. Essasinovações só foram possíveis porque Scarlatti teve total liberdade para quebrar as regrasmusicais pré-estabelecidas. A relação da rainha Maria Bárbara com Scarlatti, permeadapela composição das Sonatas, sugere que além de uma relação entre preceptor e discípula,desenvolveu-se entre eles uma discussão que ultrapassava os limites do cotidiano e doentretenimento. Este assunto será abordado posteriormente no Capítulo 2.

Uma vez melhor esclarecidas as condições nas quais as Sonatas foram compostas,chegou-se a outra questão: como, quando e quais as Sonatas que chegaram a Viena naépoca de Beethoven? O livro de Kirkpatrick descreve a trajetória das Sonatas de Scarlatti,tema que será abordado no Capítulo 1, mas não se aprofunda no conjunto das Sonatasque chegaram à Viena no fim do Século XVIII, que ele chamou de Coleção Viena. Coma descoberta em 1971 de outra coleção que havia chegado ao mesmo tempo em Viena,a coleção Viena passou a ser denomoninada Viena I e a nova descoberta, Viena II.Esta, por sua vez, foi adquirida em um leilão pelo arquiduque Rudolph da Áustria, amigo,mecenas e aluno de Beethoven. O fato do arquiduque Rudolph possuir as Sonatas deScarlatti, aspecto que será discutido posteriormente, tornou verossímil considerar umpossível interesse particular de Beethoven por Scarlatti. A melhor compreensão sobreo conteúdo e as circunstâncias através das quais estas duas coleções chegaram a Vienacontribuiram, de maneira decisiva, para tornar mais claras a presença e importânciadas Sonatas de Scarlatti no mercado editorial de partituras do começo do Século XIX,permitindo assim estabelecer quais delas Beethoven poderia efetivamente ter conhecido.Chegou-se então à Edição de Carl Czerny, que agrupou várias edições das Sonatas quejá circulavam em Viena. É pouco provável que Czerny, aluno e amigo tão próximo deBeethoven, tivesse conhecido as 200 Sonatas que reuniu na sua edição sem que o próprioBeethoven tivesse alguma familiaridade com elas.

O estudo e a execução das Sonatas para teclado de Domenico Scarlatti têm influen-

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ciado a interpretação pianística destas obras e de outros compositores do século XVIII,especialmente após a publicação de sua biografia por Kirkpatrick. A partir de seu trabalho,outros autores realizaram estudos relevantes sobre a composição das Sonatas de Scarlattie a trajetória pela Europa de suas cópias manuscritas.

Dezessete anos após a publicação de Kirkpatrick, Joel Sheveloff escreve em 1970 suatese monumental “The Keyboard Music of Domenico Scarlatti: A re-evaluation of thepresent state of knowledge in the light of the sources” [SHEVELOFF], onde relaciona asvárias coleções das cópias manuscritas das Sonatas e faz, em quase 300 páginas, descriçõesdetalhadas das fontes destes manuscritos e as suas interrelações. Quatro anos mais tarde,Seunghyun Choi conclui seu trabalho de tese – sob a orientação do Dr. Sheveloff –“Newly found eighteenth century manuscripts of Domenico Scarlatti’s Sonatas and theirrelationship with other eighteenth and early nineteenth century sources”, fundamentadana descoberta em 1971, de cópias manuscritas de Scarlatti que comprovam de maneirainequívoca que parte das suas Sonatas circularam por Viena enquanto ele ainda estavavivo [CHOI 1974].

Em 2006, Jacqueline Ogeil escreve um trabalho de grande relevância sobre a questão pia-nística das Sonatas de Scarlatti, “Domenico Scarlatti: A contribution to our understandingof his Sonatas through performance and research” [OGEIL 2006]. Diferentemente de seuscontemporâneos Bach e Haendel, que compuseram dentro dos preceitos barrocos, Scarlattimostra em suas Sonatas um estilo pré-classico. A composição de Scarlatti assume formashíbridas: está entre o estilo barroco e o clássico, entre a música italiana e a espanhola,entre a música para cravo e para piano. Os estudos esclarecedores de Ogeil evidenciaramque uma parte das 555 Sonatas foi efetivamente escrita para o pianoforte [OGEIL 2006].Kirkpatrick, por sua vez, não reconhece este fato. Em seu artigo “The Structure of PianoTechniques in Domenico Scarlatti Sonatas”, Todor Svetiev atribui a Scarlatti, muito maisdo que a Bach e Couperin, o desenvolvimento de técnicas composicionais que evoluirampara a escrita pianística [SVETIEV 2005].

Beethoven e Scarlatti

Com base na evidência histórica de que parte das Sonatas de Scarlatti eram conhecidasem Viena desde as últimas décadas do Século XVIII e de que sua escrita representa umdesenvolvimento intencional da linguagem pianística, fortaleceu-se a hipótese do possívelinteresse de Beethoven pela obra para teclado de Scarlatti.

Em 1895, J.S. Shedlock no seu artigo “The Pianoforte Sonata, its origin and deve-lopment” [SHEDLOCK 1895] já aponta alguma similiaridade entre Scarlatti e Beethoven.Segundo ele, Scarlatti usualmente passa pelo V grau menor – no fim da primeira seção da

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Sonata – antes de chegar à dominante maior. Às vezes a dominante maior é introduzidasomente no final da seção ou, então, o V grau menor se mantém. São encontrados proce-dimentos similares em Beethoven [SHEDLOCK 1895]. Embora Shedlock tenha indicadoalguma aproximação entre os dois compositores, seu trabalho não discorre especificamentesobre esta questão, e a presença de procedimentos scarlattianos na composição de Be-ethoven, até onde se sabia, não foi devidamente esclarecida. Algumas influências, comoLuigi Cherubini [BOYER 1954] e Etienne Méhul [DEAN 1962], já foram abordadas demaneira consistente. A influência de Scarlatti sobre outros compositores mais próximoscronologicamente, como Padre Antônio Soler e Carlos Seixas, também tem sido inves-tigada [KIRKPATRICK 1953], assim como, no século XIX, o interesse de Brahms porScarlatti [McKAY 1989].

Sob o ponto de vista da prática pianística, os elementos da música de Scarlattievidenciados em Beethoven podem inspirar uma interpretação scarlattiana onde esseselementos foram encontrados, e, principalmente, podem sugerir saídas interpretativaspara as Sonatas de Scarlatti, uma vez que hoje são mais tocadas pelos pianistas. Acomposição para piano de Beethoven, ele próprio um pianista excelente, explora de modomuito inventivo e abrangente as possibilidades do piano, já com os recursos do pianomoderno, e com uma mecânica mais avançada que os primeiros pianos de Cristofori. Essesavanços técnicos do piano moderno podem fornecer saídas para a interpretação das Sonatasde Scarlatti, que é hoje reconhecido como o primeiro compositor importante para o piano.

Análise comparativa computacional

As análises comparativas sobre partituras, com o fim de identificar procedimentossimilares entre elas, são um recurso que permite aferir a presença de um compositorsobre outros. No começo do Século XXI encontramos uma rápida evolução no campoda análise musical, com a utilização de recursos computacionais. Conhecido como MusicInformation Retrieval – MIR, ou, em português, RIM - Recuperação de InformaçõesMusicais, esta metodologia envolve a informatização do processo de recuperação e análisede obras musicais, ou parte de obras musicais [SMIRAGLIA 2002]. As partituras musicaissão digitalizadas e convertidas em linguagem computacional – formatos como HUMDRUM,MIDI, MusicXML – que possibilitam a aplicação de algoritmos computacionais capazes decomparar e quantificar aspectos musicais em determinada obra musical, ou entre obrasdistintas. Embora as tecnologias do MIR sejam capazes de descrever o conteúdo daspartituras com rapidez e eficiência, a análise de grandes quantidades de dados em buscade padrões estatisticamente confiáveis envolve conhecimento e percepção musical humanade quem os analisa [DORAISAMY 2004].

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Até 2010, tinha-se disponível o toolkit (ferramentas computacionais) Humdrum (humdrum.ccarh.org), adequadas para a investigação de partituras. O Humdrum opera sobre umbanco de dados de partituras digitalizadas (kern.ccarh.org), convertidas para o formatoHUMDRUM (.kern).

Mais recentemente em 2010, foi desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia de Massachu-setts (MIT) o toolkit music21 (web.mit.edu/music21). O music21 representa um avançotecnológico em relação ao Humdrum e possui aplicativos que operam sobre o formato .kern.Os criadores do music21, Michael Cuthbert e Christopher Ariza, o definem como um pacotede ferramentas de software aberto construídos sobre a plataforma computacional Pythonpara a musicologia digital e computacional [CUTHBERT & ARISA 2010]. O toolkit foiconstruído através do fortalecimento dos primeiros aplicativos, como o Humdrum, criadopor David Huron [HURON 1997].

Frente a essa nova tecnologia, o uso do music21 na busca de elementos scarlattianosnas Sonatas para piano de Beethoven mostrou-se bastante oportuno, por um lado peladisponibilidade desta coleção em formato .kern, e de outro pela viabilidade de se construirum software específico para buscas em alta escala.

Embora seja importante o relato histórico sobre Scarlatti, no entanto, este trabalhotem como objetivo principal a abertura do conhecimento, de propôr outra forma deinvestigação musical utilizando-se de recursos que seriam impensáveis no passado recente.Essas novas formas de abordagem abrem um leque de possibilidade: a investigação de modorápido e otimizado sobre a afinidade entre os compositores, a busca e a quantificação dedeterminados aspectos musicais utilizados por um compositor em sua própria obra, ou nacomposição de outros. No campo das análises comparativas sobre a interpretação musicalsão imensas as possibilidades. Por exemplo, através de análises computacionais sobre agravação dos intérpretes é possível perceber e mensurar variações quase imperceptíveis detempo e intensidade.

Os resultados e as constatações advindas do uso dessas novas tecnologias podem auxiliarno esclarecimento de particularidades e aspectos pouco compreendidos dos compositores,sobretudo da sua obra, e lançar sugestões que contribuam para aprimorar a interpretaçãomusical.

Por fim, convém ressaltar que este é o primeiro trabalho acadêmico que aborda aanálise comparativa de partituras utilizando a tecnologia do toolkit music21, uma vez queseu desenvolvimento é bastante recente e sua utilização ainda está por ser explorada.

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Aspectos Históricos I –Apontamentos biográficos sobreDomenico Scarlatti e sua relaçãocom o pianoforte

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1.1. Domenico Scarlatti e o pianoforte de Cristofori 20

Este capítulo se propõe a comentar e esclarecer sobre alguns aspectos relevantes dabiografia de Domenico Scarlatti: a relação com o pai ilustre, e principalmente o papel queteve o pianoforte na sua composição para o teclado.

1.1 Domenico Scarlatti e o pianoforte de Cristofori

Filho de Alessandro Scarlatti, compositor que se tornou conhecido por toda a Europapela sua produção musical consistente, Domenico Scarlatti foi talvez o primeiro compositora criar procedimentos composicionais de relevância artística, específicos para o pianoforte,através das suas mais de 550 Sonatas para teclados, em um movimento [OGEIL 2006].Esteve a serviço de D. João V entre 1721 e 1729 para tutorar musicalmente sua filha,então infanta Maria Bárbara. Mais tarde, esteve a serviço da própria Maria Bárbara,casada com o príncipe de Astúrias em 1729. Herdeiro do trono espanhol, Fernando VIascendeu ao trono em 1746. Os diversos postos que Domenico Scarlatti assumiu na suatrajetória profissional, desde sua atividade como mestre de capela em 1709 para a rainhaMaria Casimira da Polônia até a corte portuguesa, foram articulados por seu pai, e nãocomeçaria a compor suas Sonatas até a morte deste em 1725.

Alessandro Scarlatti, nascido em Palermo em 1660, descoberto e patronado pela rainhaCristina da Suécia, tornou-se seu mestre de capela em Roma antes de completar 20anos. Depois de abdicar ao trono em 1654, a rainha Cristina permaneceu em Romapara se dedicar às questões estéticas e literárias, patrocinar as artes teatrais e eventosmusicais, até sua morte em 1689. Nos salões de seu palácio em Trastevere, a rainhaCristina recebeu poetas, estudiosos, diplomatas, prelados e os líderes da futura AcademiaArcadiana, instituição fundada depois de sua morte. Mesmo sem conhecê-la, DomenicoScarlatti viveu um período em Roma onde o legado da rainha Cristina estava presente nasartes. O nome “Academia Arcadiana”, na qual os membros assumiam nomes de pastorese ninfas da Arcádia, sugere que as questões da simplicidade da vida pastoril, do equilíbrio,da clareza, recorrentes na música do Classicismo, já eram cultivadas no período Barroco,cujo pensamento musical se fundamentava em paradigma bem diverso. O contato comesse grupo de intelectuais, músicos, artistas, diplomatas e outros “pastores e ninfas” daPontificia Accademia degli Arcadi provavelmente contribuiu para que Domenico Scarlatti,na vigência do Barroco e da “doutrina dos afetos”, tenha já prenunciado a forma Sonata ecriado procedimentos composicionais de grande inventividade que fizeram parte da “paletamusical” dos compositores do Século XVIII.

Quando Alessandro Scarlatti faleceu em 1725, Domenico estava com 40 anos e ainda nãohavia começado a compôr as Sonatas, como mencionado anteriormente. Estas iriam surgira partir de 1738 com os 30 “Essercizi” dedicadas ao rei D. João V. Na corte espanhola,

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1.2. Scarlatti e o Piano 21

desde 1729 até sua morte em 1757, Domenico esteve a serviço da princesa e depois rainhada Espanha Maria Bárbara. Entre 1752 e 1757, suas Sonatas foram copiadas para uso darainha.

1.2 Scarlatti e o Piano

Ralph Kirkpatrick, cravista e musicólogo americano, nascido em 1911, é o autorda biografia mais completa sobre Domenico Scarlatti, escrita em 1953, e intérprete, nocravo, das suas Sonatas para teclado. Embora ele tenha concluído que as Sonatas deScarlatti teriam sido efetivamente compostas para o cravo [KIRKPATRICK 1953], estudosespecíficos sobre a tessitura das Sonatas esclarecem de modo convincente que partesignificativa delas foi escrita para o piano ou também para o piano. Segundo as análisescomparativas realizadas por Sheveloff sobre as fontes primárias das Sonatas, contidasna sua tese “The Keyboard music of Domenico Scarlatti: A re-evaluation of the presentstate of knowledge in the light of the sources” [SHEVELOFF], apenas 73 das mais de550 Sonatas apresentam tessituras que transcendem os limites dos pianos de 56 teclasde Cristofori, e que só seriam possíveis de serem executadas no cravo de 61 teclas. Pormais estranho que possa parecer, os pianos de Cristofori apresentavam número menorde teclas do que os cravos do alto Barroco. O invento de Cristofori trouxe avanços emrelação ao cravo, cujo mecanismo não permite variações dinâmicas. No cravo as cordas sãotangidas por um plectro, mecanismo que segue a lógica das cordas tangidas pelos dedosem instrumentos como o alaúde e a harpa (Figura 1.1).

Figura 1.1 – Mecanismo do cravo.

A pressão maior ou menor dos dedos sobre as teclas do cravo não influencia nadinâmica do som produzido pelo plectro sobre a corda e, portanto, os recursos do crescendoe diminuendo, e consequentemente, do cantabile, não são possíveis. Através do mecanismo

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1.2. Scarlatti e o Piano 22

desenvolvido por Cristofori, as cordas são percutidas por um martelo ao invés de tangidaspelo plectro, o que permite variações dinâmicas dependendo da pressão com que os dedosincidem as teclas (Figura 1.2).

Figura 1.2 – Mecanismo do piano de Cristofori.

Outro estudo significativo sobre essa questão, “Domenico Scarlatti: A contribution toour understanding of his Sonatas through performance and research”, realizado por Jac-queline Ogeil em 2006, demonstra que algumas das Sonatas foram escritas exclusivamentepara o piano [OGEIL 2006]. No quinto capítulo de seu trabalho, que trata da questão“pianística” das Sonatas de Scarlatti, Ogeil chama a atenção para o fato de existir umnúmero considerável de contemporâneos conhecidos de Scarlatti que indubitavelmentecompuseram para o piano. Em Florença, Ludovico Giustini publica em 1732 a “Sonateda cimbalo di piano e forte detto volgarmente di martelletti”. Compositores portuguesese espanhois, especialmente Carlos de Seixas em Lisboa, também criaram obras para opianoforte.

Antes, em 1727, Azzolino Bernardino della Ciaja já havia publicado a “Sonate percembalo”. O pai de Scarlatti, Alessandro, na sua “Toccata VII” indica “Adaggio [:]Cantabile, ed appogiato” que, ponderado por Ogeil, sugere uma indicação própria para opiano.

Sutherand, no artigo “Domenico Scarlatti and the Florentine Piano” [SUTHERLAND 1995],aponta equívocos nos argumentos de Kirkpatrick sobre o suposto desinteresse de Scarlattipelo novo intrumento [KIRKPATRICK 1953]. Os pianos de Cristofori, por exemplo, aocontrário do que sustenta Kirkpatrick, possuíam “colorido orquestral”, possivelmente maisdo que os cravos, cujo mecanismo não permite dinâmicas distintas entre as vozes, carac-terística presente já nos primeiros pianos de Cristofori. A possibilidade da combinaçãoentre articulações e dinâmicas diferentes entre as mãos e os dedos é capaz de criar o“colorido orquestral” que Kirkpatrick atribuiu exclusivamente ao cravo, em detrimentodo piano. O conceito de Kirkpatrick sobre o resultado sonoro dos pianos de Cristofori,que teriam um som apagado e rudimentar, mostrou-se inconsistente. Através das técnicasavançadas de restauração de instrumentos musicais a partir da segunda metade do SéculoXX, pôde-se constatar que os pianos de Cristofori soavam com considerável brilhantismo,ainda que muito distante dos pianos modernos. David Sutherland, lutier especializadonos intrumentos antigos de teclado italianos e construtor de réplicas dos pianos de Cris-tofori, observou que “do cantabile superlativo à maravilhosamente atlética velocidade

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1.2. Scarlatti e o Piano 23

e flexibilidade, o piano de Cristofori permite um grande e notável espectro de afetos evozes” [SUTHERLAND 1995].

Kirkpatrick também sustenta que, como o pianoforte de Cristofori possuia uma tessituramenor que a do cravo, as Sonatas só poderiam ser executadas neste instrumento. O estudodo Dr. Sheveloff sobre a tessitura das Sonatas de Scarlatti esclarece de modo satisfatórioessa questão.

Esse conjunto de evidências aponta para a ideia de que Scarlatti tinha um interesseespecial sobre o novo instrumento inventado por Bartolomeo Cristofori. A compra de seispianos de Cristofori pelo rei D. João V, após a ida de Scarlatti a Lisboa em 1721, comotutor musical da então princesa Maria Bárbara, reforça essa tese; bem como o fato de seispianos de Cristofori encabeçarem a lista do inventário da rainha Maria Bárbara.

Sutherland, em seu instigante artigo “Domenico Scarlatti and the Florentine Piano”,conclui sua argumentação sobre a importância do piano na vida e composição de Scar-latti dizendo que “a difusão dos pianos de Cristofori é amplamente congruente com acarreira de Domenico Scarlatti, sugerindo que Scarlatti foi, ele próprio, agente dessadifusão” [SUTHERLAND 1995].

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Aspectos Históricos II - Trajetórias eEdições das Sonatas

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2.1. A Trajetória das Sonatas de Scarlatti até a Edição de Carl Czerny 25

Este capítulo descreve a trajetória das 555 Sonatas de Scarlatti através da Europaaté a chegada das suas cópias manuscritas em Viena. Em visita técnica ao arquivo daGesellschaft der Musikfreunde desta cidade, onde pesquisei por 3 semanas e onde estãopreservadas e catalogadas todos os manuscritos e edições das Sonatas, tive a oportunidadede consultá-los, com o acompanhamento de seu diretor, Prof. Dr. Otto Biba que, dentreoutros assuntos, me esclareceu sobre o cenário do mercado editorial de partituras entre ofim do Século XVIII e começo do XIX.

2.1 A Trajetória das Sonatas de Scarlatti até a Edi-ção de Carl Czerny

O caminho percorrido pelas inúmeras cópias manuscritas das Sonatas de Scarlattidesde Madrid até Viena e outras cidades, demonstra o interesse que estas composiçõesdespertaram entre os músicos, editores e colecionadores de manuscritos.

Personalidades como o castrato Farinelli, o abade Santini, o Barão DuBeine, o sobrinhoGiuseppe Scarlatti, e, no Século XIX, o arquiduque Rudolph da Áustria, Czerny e Brahms,foram exemplos daqueles que demonstraram um interesse profundo pelo compositornapolitano e sua música ítalo-ibérica. Música italiana, pelo lado da tradição que Scarlattiherdou da sua família de músicos e mestres italianos; e também ibérica, pela apropriaçãodos elementos característicos da música flamenca e da canção portuguesa encontradosnas Sonatas. Essa combinação particular da tradição da música italiana com a músicaflamenca e a melodia portuguesa, nos chama a atenção nas composições de Scarlatti, pelasua novidade, inventividade e diversidade dos procedimentos.

Tendo em vista a inexistência de qualquer manuscrito conhecido de Scarlatti – bemcomo sobre sua vida pessoal, correspondências etc. – admite-se como fonte principal as496 Sonatas da coleção da rainha Maria Bárbara, hoje na Biblioteca Marciana em Veneza,elaborada por quatro copistas entre os anos de 1752 e 1757; e os “Essercizi”, coletânia dasprimeiras Sonatas compostas por Scarlatti (K.1 a K.30 1) dedicadas ao rei D. João V epublicadas em 1738. A partir da coleção da rainha Maria Bárbara, foi produzida tambémentre os anos de 1752 e 1757 outra série, atualmente na Sezione Musicale da BibliotecaPalatina, situado no Conservatório Arrigo Boito, em Parma.

Depois da morte do rei Fernando VI em 1759, seu meio-irmão Carlos III ascendeuao trono da Espanha e, crítico a uma corte que investia tão fortemente nos eventosmusicais, teria declarado ao castrato Farinelli, coordenador dos eventos musicais da1 “K” refere-se ao catálogo das 555 Sonatas de Domenico Scarlatti organizado por Ralph Kirkpatrick, cravista e autor dabiografia mais completa sobre Scarlatti. Através do estudo de mais de duas décadas sobre a vida e a música de Scarlatti,Kirkpatrick estabeleceu uma ordem cronológica baseada nas transformações estilísticas das Sonatas.

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2.2. O Leilão da Coleção Viena II e o Congresso de Viena 26

corte de Fernando VI, que ópera italiana na nova gestão não ocorreria “nem hoje, nemnunca” [KIRKPATRICK 1953]. Farinelli, não encontrando mais função na corte de CarlosIII retirou-se para Bologna levando consigo as duas coleções da rainha as quais, mais tarde,após sua morte, foram depositadas nas bibliotecas de Veneza e Parma 2.

Ávido colecionador da música do Século XVIII, o abade Fortunato Santini 3 possuiaem sua biblioteca duas séries das Sonatas. A primeira coleção, contendo 349 Sonatas quedatam dos anos de 1750, está atualmente na Bischöfliche Santini-Bibliothek, em Münster.A outra coleção, contendo 308 Sonatas copiadas pelo próprio Santini, chegou a Viena nocomeço do Século XIX. Posteriormente pertencente a Johannes Brahms, a coleção estáhoje na Gesellschaft der Musikfreunde em Viena, conhecida como “Coleção Viena I”. Namesma época em Viena, o Barão DuBeine, outro grande colecionador de manuscritos damúsica do Século XVIII, possuía uma coleção de 100 Sonatas de Scarlatti, trazida à Vienaatravés do amigo em comum entre ele e Scarlatti, monsenhor L’Augier e de seu sobrinho,Giuseppe Scarlatti. Esta coleção foi adquirida pelo Arquiduque Rudolph da Áustria em1813 e hoje também se encontra na Gesellschaft der Musikfreunde. Descoberta em 1971no espólio do Arquiduque, é conhecida como “Coleção Viena II”.

As Coleções Viena I e II formam a base para as inúmeras publicações das Sonatasde Scarlatti, tanto impressas quanto manuscritas, que circularam por Viena. Segundo oProf. Dr. Otto Biba 4, as Sonatas de Scarlatti eram de conhecimento público e notório emViena no final do Século XVIII e o interesse por elas se intensificou ao longo do SéculoXIX. Johannes Brahms, que ocupou a direção da Gesellschaft der Musikfreunde em Viena,foi um grande colecionador de manuscritos e adquiriu grande parte das cópias manuscritasdas Sonatas.

2.2 O Leilão da Coleção Viena II e o Congresso deViena

Em abril de 1813, o arquiduque Rudolph adquire 100 cópias manuscritas de DomenicoScarlatti, hoje conhecida como Coleção Viena II, no leilão para a venda da vasta coleçãode manuscritos do Barão DuBeine, morto em 1803.2 Surpreendentemente, só nos foi possível conhecer as Sonatas de Scarlatti porque o castrato Farinelli levou para Bolognaconsigo as duas coleções da rainha Maria Bárbara. Se a corte de Fernando VI e Maria Bárbara privilegiava a música eespecialmente os músicos italianos, a corte de Carlos III, ao contrário, tinha explícita aversão ao empreendimento musicalde seu antecessor. Resta pouca dúvida de que se as Sonatas estivessem permanecido em Madrid teriam sido destruídas.

3 O Abade Fortunato Santini (1778-1861) nasceu em Roma e se estabeleceu em Münster onde atualmente está a BischöflicheSantini-Bibliothek. Santini levou as cópias manuscritas de Scarlatti (Coleção Münster) para serem comercializadas emViena nos primeiros anos do Século XIX [CHOI 1974].

4 O Dr. Otto Biba é atualmente diretor do arquivo da Gesellschaft der Musikfreunde Wien. Foi ele quem forneceupessoalmente ao autor, na viagem a Viena em junho de 2013, informações extremamente relevantes sobre as Coleções eas publicações das Sonatas de Scarlatti, bem como sobre o mercado editorial de partituras entre o fim do Século XVIII ecomeço do XIX.

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2.2. O Leilão da Coleção Viena II e o Congresso de Viena 27

Há evidências de que o arquiduque tinha conhecimento da história de Scarlatti e suarelação com a rainha Maria Bárbara. Ainda que distante, existe um parentesco entre arainha Maria Bárbara e o arquiduque Rudolph. A mãe de Maria Bárbara, Maria Ana daÁustria era irmã do imperador Joseph I, que foi sucedido por seu irmão Charles VI, depoisCharles VII, sucedido por Francis I, duque da Toscana, irmão de Leopoldo II, o qualascendeu ao trono após a morte de Francis. Leopold II é o pai do Arquiduque Rudolph.Considerando a genealogia a partir da mãe do arquiduque Rudolph, rainha Maria Luisada Espanha, nota-se também um grau de parentesco, evidentemente distante, entre oarquiduque e o rei Fernando VI, casado com Maria Bárbara [KAGAN 1988].

Essas proximidades familiares indicam que o arquiduque Rudolph teria algum conhe-cimento da relação de Maria Bárbara com Scarlatti, que ela havia sido uma excelenteinstrumentista e que seu reino privilegiou o novo instrumento, o piano, para o qual Scarlattihavia escrito parte das suas Sonatas e com elementos da música da terra de sua mãe.Através de seu inventário, fica evidente o interesse de Rudolph pelas Sonatas de Scarlatti A,e não só as de Domenico Scarlatti como também constam Sonatas de seu pai Alessandro ede seu sobrinho compositor operístico e pianista, Giuseppe Scarlatti.

Deprimido e mergulhado na crise de criatividade causada pelo esgotamento do estiloheroico, Beethoven passa o verão de 1813 em Baden, cidade onde o arquiduque Rudolphjá vinha passando os verões desde 1809. O mais importante mecenas, discípulo dedicadoe amigo próximo de Beethoven, o arquiduque Rudolph também se solidarizava com osincômodos da saúde comprometida de Beethoven, como demonstram as muitas cartastrocadas entre eles, cujo assunto permeava as questões de saúde. Essas cartas se referemaos dias em que os dois - principalmente Beethoven - não tiveram disposição um encontro.Mas é possível crer que, ao se encontrarem, a discussão sobre questões musicais estivessepresente.

Não há evidências documentais de que Beethoven e o arquiduque tenham tratadoespecificamente sobre as Sonatas de Scarlatti. No entanto, é pouco provável que o discípulonobre não tenha exibido a sua aquisição ao seu professor. Mesmo considerando que asSonatas de Scarlatti em posse do arquiduque já fossem fartamente disponibilizadas em Vienaao público por meio das numerosas edições, não deixava de ser instigante e de despertarinteresse a posse das cópias manuscritas originárias das versões existentes no mercadoeditorial musical. A doutora Choi comenta na sua tese sobre a Coleção Viena II que “deveter sido por volta de 1800 que o Abade Santini, vivendo então em Roma, e aparentementejá tendo copiado e colecionado muitas das Sonatas de Scarlatti, ouviu sobre o interesse doseditores vienenses pela obra para teclado de Domenico Scarlatti e, provavelmente, entrouem contato com eles a fim de comercializar os seus manuscritos” [CHOI 1974]. Grandeparte destes manuscritos está, como estivera nas mãos do arquiduque, em excelente estadode conservação e é possível estabelecer uma relação entre a Coleção Viena II e a Ediçãode Carl Czerny, considerando a ordem coincidente entre parte das Sonatas de sua edição

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2.3. Edição de Carl Czerny das Sonatas de Scarlatti 28

e da Coleção Viena II.Beethoven já estava há quatro anos sem compor para o piano, na busca evidente

por novas formas e novos procedimentos musicais. Provavelmente tenha se debruçadosobre os manuscritos das Sonatas de Scarlatti conferindo-lhes um olhar diferente comque usualmente ele próprio e outros compositores estavam habituados. Fazia parte, naépoca, apropriar-se de novidades e procedimentos composicionais mais evidentes. Ascópias manuscritas de Scarlatti, tão estimadas pelo arquiduque, não escapariam desteprocedimento. Por exemplo: Scarlatti organizava as Sonatas em pares, fato evidentenos manuscritos da Coleção Viena II [CHOI 1974]. Sobre este aspecto, é curioso queBeethoven, após cinco anos sem compor uma Sonata para piano, tenha decidido criar aSonata Op.90 em dois movimentos, nas tonalidades de Mi Maior e mi menor, bastanteutilizadas por Scarlatti.

Segundo Schindler, no seu testemunho sobre Beethoven, o ano de 1814 foi “indubita-velmente o ano mais brilhante da vida de Beethoven” [SCHINDLER 1996]. O Congressode Viena, realizado de setembro de 1814 a agosto de 1815, permitiu a Beethoven conheceros grandes monarcas reunidos neste grande e longo evento que Byron qualificou como“ignóbil desfile de ostentação gratuita” [SOLOMON 1977]. Desde 1809 vivendo uma crisede criatividade, o Congresso de Viena tirou circunstancialmente Beethoven da sua criseque, por conta das demandas musicais do evento, escreveu uma série de obras vocais ecorais que Solomon qualifica como “ocasionais”, dentro do seu estilo heroico já saturado.Germania, WoO 94, Ihr weiben Gründer glücklicher Staaten e Der glorreiche Augenblick,op. 136, apresentadas durante o Congresso, são peças concebidas unicamente para agradara platéia nobre. A opus 136, composta no outono 1814, foi bastante executada e aplaudida.Dos onze concertos públicos em seu próprio benefício que Beethoven apresentou em Viena,mais da metade aconteceu no ano de 1814. No verão deste mesmo ano, Beethoven compõea Sonata opus 90, dedicada ao conde Moritz Lichnowsky. A opus 90 inaugura a terceirafase composicional de Beethoven, que traz como uma das suas características o clarodistanciamento do vocabulário musical de Mozart e Haydn. Não é exagero dizer queBeethoven talvez tenha retomado um gesto do Barroco nas longas seções harmônicasdas últimas Sonatas, que lembram os mosaicos harmônicos barrocos. É possível queScarlatti também tenha contribuído com esse e outros elementos para o distanciamento deBeethoven dos procedimentos composicionais de Mozart e Haydn.

2.3 Edição de Carl Czerny das Sonatas de Scarlatti

As várias edições das Sonatas de Scarlatti em Viena, muitas incorretas, trazendo Sonatasde seu pai Alessandro, de seu colega em Lisboa, Carlos de Seixas, de seu sobrinho Giuseppe

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2.3. Edição de Carl Czerny das Sonatas de Scarlatti 29

Scarlatti e outros autores como sendo composições de Domenico Scarlatti [SHEVELOFF],despertaram o interesse de Carl Czerny em realizar estudos comparativos consistentes eorganizar uma Edição mais fidedigna das Sonatas de Scarlatti.

Carl Czerny, nascido em Viena em 1791, iniciou seus estudos com Beethoven em 1801,sendo seu aluno por três anos e mais tarde tornou-se seu assistente. Pianista de técnicatranscendente, foi o intérprete das estreias em Viena dos primeiro e quinto concertos parapiano e orquestra de Beethoven. Acompanhou Beethoven até o fim de sua vida. Dá-se paraimaginar as discussões profundas sobre composição e arte pianística que os dois mestrestiveram durante o longo período de convivência. As cartas trocadas entre eles tratamsobre questões pianísticas e composicionais e pode-se considerar que as conversas entreeles houvessem ocorrido no mesmo nível de conhecimento e reflexão expressos nas cartas.É, portanto, bastante sugestivo que o aluno e interlocutor musical de Beethoven tenha sidoo responsável pela primeira edição vienense que reuniu de forma consistente as Sonatasde Scarlatti, contendo grande parte das Sonatas das Coleções Viena I e II. Parece-mepouco provável que esse interesse de Czerny pelas Sonatas de Scarlatti não tivesse algumainfluência de Beethoven, sobretudo se considerada a relação que ambos tinham com omercado editorial de partituras. Beethoven e Czerny foram negociadores hábeis das suascomposições frente aos diversos editores com quem trataram e, provavelmente, estavamatentos à procura notável pelas Sonatas de Scarlatti.

A Edição de Czerny das Sonatas de Scarlatti foi publicada na sua versão integralprovavelmente em 1839, composta de duzentas Sonatas divididas em dois tomos. De acordocom o Dr. Sheveloff, foi a mais importante, a mais influente e a mais difundida edição dasSonatas de Scarlatti no século 19, até a Edição de Alessandro Longo, organizada entre1906 e 1910 [SHEVELOFF].

Através dos estudos na Gesellschaft der Musikfreunde de Viena, aferiu-se que parteda Edição de Czerny segue a mesma sequencia da Coleção Viena II adquirida peloarquiduque Rudolph em 1814. Essa constatação sugere que possa ter havido algum contatoentre Czerny e o arquiduque. Também é pertinente supor que esse contato, se houve, foiintermediado por Beethoven. No entanto, não há nenhuma evidência material, além dealguma semelhança da ordem entre as Sonatas da Coleção Viena II e da Edição deCzerny, que comprove algum contato entre eles. Outra possibilidade é que, ainda em possedo Barão DuBeine, a Coleção Viena II tenha sido copiada e disponibilizada pelo mercadoeditorial de partituras conservando a mesma ordem das Sonatas. A impossibilidade deconsultar todas as edições que chegaram em Viena das Sonatas de Scarlatti, no curtotempo de pesquisa na Gesellschaft der Musikfreunde, deixa ainda aberta essa questão.

Atualmente é consenso de que parte das Sonatas de Scarlatti foram escritas para opiano [OGEIL 2006]. A Edição de Czerny, que traz na capa o título “Werke für dasPiano-Forte von Dominic Scarlatti” (Figura 2.1), reforça esta tese.

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2.3. Edição de Carl Czerny das Sonatas de Scarlatti 30

Figura 2.1 – Capa da Edição de Czerny das Sonatas de Scarlatti.

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31

3

Materiais e Métodos

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3.1. Materiais 32

3.1 Materiais

Os materiais a serem investigados nesta pesquisa são:

• As 200 Sonatas de Domenico Scarlatti, Edição de Carl Czerny (A Tabelaque relaciona o Cz e o K é apresentada no Anexo D);

• As 32 Sonatas de Ludwig van Beethoven (A Tabela com as Sonatas divididasentre os três períodos composicionais encontra-se no Anexo C).

As 200 Sonatas de Scarlatti consideradas neste trabalho fazem parte da Edição deCarl Czerny. Embora Czerny tenha numerado as Sonatas em sua edição, de Cz.1 aCz.200, foi escolhida para este trabalho a numeração proposta por Kirkpatrick, no seucatálogo das 555 Sonatas – K.1 a K.555. Esta é a nomenclatura mais conhecida e utilizadadesde 1953, data de sua publicação. Não são citadas as Sonatas de Scarlatti que não fazemparte da Edição de Carl Czerny, pelo entendimento de que estas outras Sonatas nãoforam conhecidas por Beethoven.

3.2 Metodologia

Duas abordagens foram utilizadas nas análises comparativas para aferir a presença deelementos da música de Scarlatti nas Sonatas de Beethoven:

• Análise comparativa sobre procedimentos composicionais. Esta investiga-ção apresenta os procedimentos composicionais e formais análogos entre os doiscompositores e foram resultado da escuta perceptiva de suas obras e da experiênciaadvinda da prática musical.

Esta abordagem, de caráter mais abrangente e estrutural, teve como objetivo indicaraproximações estéticas entre Scarlatti e Beethoven, e encontra-se no Capítulo 4. Osresultados são uma amostragem sobre essas aproximações.

• Análise comparativa sobre fragmentos melódicos utilizando processoscomputacionais. A extensa quantidade de material a ser analisado foi a prin-cipal motivação para a busca por métodos computacionais adequados a análises emgrande escala. Nesse sentido foi estabelecida uma parceria com o grupo de pesquisaem Computação Musical, vinculado ao Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP).Esta análise está descrita no Capítulo 5.

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3.2. Metodologia 33

Para a viablidade deste método, é necessário que as partituras estejam convertidasem linguagem computacional, no formato Humdrum – descrito abaixo, no ítem“caracterização dos dados”. A conversão das partituras para o formato Humdrum seobtém através de um processo complexo e minucioso. Primeiro são digitalizadas aspartituras por meio de um scanner e sua informação é codificada para a linguagemHumdrum. Como essa leitura apresenta um nível bastante elevado de erros, segue-sea comparação e correção manual destes equívocos. Felizmente, as 32 Sonatas parapiano de Beethoven já se encontram neste formato, o que não acontece com asSonatas de Scarlatti. Frente a essa dificuldade optou-se então por colher amostrasda obra scarlattiana para serem buscadas nas Sonatas de Beethoven no formatoHumdrum.

Embora as partituras convertidas em linguagem computacional sejam fundamentaispara este trabalho, não caberia incluí-las aqui, pelo volume grande de dados. NoANEXO F encontra-se um trecho codificado do primeiro movimento da Sonata op.2n.1.

3.2.1 Abordagem computacional e Caracterização dos Dados

O método adotado para aferir sinais da música de Scarlatti nas Sonatas de Beethoven,através de softwares criados pelo grupo para este fim, baseia-se na busca e identificação defragmentos melódicos extraídos das Sonatas de Scarlatti sobre o corpo (corpus) integraldas Sonatas de Beethoven. O trabalho de programação computacional foi desenvolvidousando o pacote de ferramentas (toolkit) music21 e seus resultados são interpretados soba ótica da Musicologia, em conjunto com as considerações de ordem estatística.

As 32 Sonatas de Beethoven analisadas pelo programa computacional foram codificadasno formato de arquivo conhecido como Humdrum (com extensão .kern), e estão disponíveisna biblioteca virtual de partituras musicais do site http://kern.humdrum.org. Esteformato de arquivo musical (.kern) é simples de se trabalhar e oferece uma boa descriçãodos eventos musicais presentes nas partituras.

A partitura convertida para o formato .kern, uma vez lida pelo programa, torna possívelo acesso, em linguagem computacional, às informações musicais da partitura original, taiscomo notas, durações, pausas, tempos, dinâmicas. A partir desta leitura, a sequênciatemporal das notas de toda a peça é extraída. As vozes são analisadas separadamente.Desta forma, tem-se sequências temporais de notas, uma para cada voz.

A fim de tornar a análise invariante às transposições de tonalidade, adotou-se o intervaloentre as notas, ao invés das notas em si. Assim, o intervalo é representado pela distância,em semitons, entre duas notas consecutivas (Figura 3.1). Seguindo esta lógica, tem-se

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3.2. Metodologia 34

Figura 3.1 – Representação dos intervalos no teclado.

Tabela 3.1 – Relação entre semitons e caracterização de 14 intervalos.

Intervalo SemitonsUníssono 0Segunda menor 1Segunda maior 2Terça menor 3Terça maior 4Quarta justa 5Quarta aumentada/Quinta diminuta 6Quinta justa 7Sexta menor 8Sexta maior 9Sétima menor 10Sétima maior 11Oitava justa 12Nona menor 13 etc.

a relação numérica para os intervalos apresentada na Tabela 3.1, levando-se em contao número de semitons intrínsecos a eles, adotando números positivos para intervalosascendentes e negativos para os descendentes.

Critérios para Extração dos Fragmentos Melódicos

A escolha do material extraído das Sonatas de Scarlatti seguiu os seguintes critérios:

1. De cada uma das duas partes que integram as Sonatas de Scarlatti, neste caso asduzentas da Edição de Carl Czerny, foi extraído um fragmento melódico quecontém o mínimo de 4 notas.

2. Considerando que dentro do sistema tonal as escalas maiores, menores e cromáticas,bem como as tríades compostas de intervalos de terça e quinta – em alguns casoscom sétima, são estruturas básicas do tonalismo, os critérios estabelecidos para aescolha dos fragmentos melódicos obedecem as seguintes características:

(a) A ausência do baixo com função de base harmônica.

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3.2. Metodologia 35

(b) A ausência de fragmentos compostos por escalas, tanto diatônicas quantocromáticas.

(c) A ausência de acordes perfeitos articulados menores que duas oitavas.

Software de busca e identificação

O software que foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa em Computação Musical,vinculado ao IFSC-USP em parceria com a ECA-USP, opera sobre a plataforma Python,utilizando o toolkit music21.

Sobre a sequência temporal dos intervalos na qual foram convertidas as Sonatas deBeethoven, compara-se o fragmento melódico extraído das Sonatas de Scarlatti, cujarelação intervalar também foi codificada.

Por exemplo, o fragmento escolhido da primeira parte da Sonata Cz.6 / K.1 resultouna sequência (Figura 3.2): [1, -3, 5, -3, 5, -4, -1, -2, -1, 8].

Figura 3.2 – Sonata K.1, compassos 1 e 2.

O fragmento melódico é então comparado com a sequência intervalar das Sonatas deBeethoven e o programa indica em quais Sonatas, movimentos, compassos e notas dentrodos compassos ocorrem as incidências. As incidências podem ser:

• Estritas, em que os intervalos do fragmento correpondem exatamente ao encontradono corpus das Sonatas de Beethoven.

• Aproximadas, considerando tolerâncias de meio tom a um tom, ascendente e descen-dente (+-1 a +-2) para cada intervalo, muito embora esses resultados raramenteapresentem alguma relevância musicológica, i.e., incidências que guardem forte se-melhança com o fragmento investigado. De todo modo, por apresentarem algumapossibilidade de relevância, são pertinentes de serem investigados e observados sob oponto de vista estatístico.

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3.3. A escolha do Material de Pesquisa 36

Validação Musicológica dos Resultados

Uma vez indicadas as incidências através do software de busca, segue-se a consultaatravés da partitura referente a esses trechos para aferir o grau de relevância das semelhançasque são apontadas. São considerados potencialmente muito relevantes os resultadoscujas relações intervalares sejam estritas, relevantes os com tolerância de +-1; e poucorelevantes os resultados com tolerancia de +-2.

Resultados Estatísticos

Para os resultados estatísticos foram investigadas as incidências do conjunto de todosos fragmentos, considerados os resultados com grau de tolerância 0 até +-2. Tambémforam quantificadas as fórmulas de compasso e as tonalidades de todo o material.

Discussão dos Resultados

Uma vez identificados os trechos musicais cuja semelhança é consistente, segue-se adiscussão sobre os procedimentos utilizados pelos dois compositores e outras consideraçõesque se mostraram pertinentes.

Os resultados estatísticos, por sua vez, são considerados sob o ponto de vista matemáticoe têm com objetivo apontar tendências como, por exemplo, verificar em quais Sonatasde Beethoven há uma maior incidência dos fragmentos scarlattianos, ou determinadofragmento.

3.3 A escolha do Material de Pesquisa

A visita de três semanas ao arquivo da Gesellschaft der Musikfreunde de Viena,onde foram investigados os manuscritos e as publicações das Sonatas de Scarlatti quechegaram a Viena, resultou no melhor entendimento dos objetos a serem considerados nestatese. Antes da consulta ao arquivo e da inestimável colaboração de seu diretor, Prof. Dr.Otto Biba, entendia-se que a evidência mais consistente da possível relação entre Beethovene as Sonatas de Scarlatti seria a aquisição, no leilão de 1813, de 100 cópias manuscritas dasSonatas pelo arquiduque Rudolph, personalidade muito próxima à Beethoven. Guiadopor este fato, passou-se a considerar como objeto de estudo as 100 Sonatas de Scarlatti

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3.4. A escolha pela investigação melódica nas análises computacionais 37

adquiridas pelo arquiduque, coleção de cópias manuscritas intitulada Viena II, e as 6últimas Sonatas de Beethoven, compostas depois de 1813. Entretanto, a consulta aoarquivo apontou para outro entendimento dessa questão.

A partir da informação, ratificada pelo Dr. Biba, de que os manuscritos e partedas publicações das Sonatas de Scarlatti já eram conhecidos pelos vienenses antes damudança de Beethoven para Viena em 1792, chegou-se à Edição de Carl Czerny dasSonatas de Scarlatti. A Edição de Czerny reúne 200 Sonatas que já eram encontradasseparadamente no mercado de partituras desde o fim do século XVIII. Esse cenário sugereque Beethoven teria familiaridade com a composição de Scarlatti antes da composição dasua primeira Sonata para piano, opus 2 nº 1.

3.4 A escolha pela investigação melódica nas análisescomputacionais

A definição sobre quais os aspectos musicais de Scarlatti devessem ser investigadosnas análises computacionais foi resultado de reflexão sobre a pertinência da análise decada um dos elementos musicais. Considerando que Bach, Haendel e Scarlatti foram oscompositores que contribuíram de maneira decisiva para o estabelecimento do sistematonal, ficou claro que a descrição da harmonia e sua correlação na obra de Beethoven maisconfunde do que esclarece. As mesmas sequências harmônicas e principalmente as mesmascadências tonais são amplamente utilizadas pelos três compositores, o que já tornariaimpossível estabelecer qualquer relação exclusiva entre Scarlatti e Beethoven.

Sob o ponto de vista rítmico, incorre-se na mesma impossibilidade em se estabelecerqualquer relação exclusiva entre Scarlatti e Beethoven, uma vez que os compositores acimacitados se utilizam majoritariamente dos mesmos padrões rítmicos. Faço apenas umaressalva sobre alguns aspectos bastante recorrentes a Scarlatti e Beethoven: o uso dosdescolamentos rítmicos, das síncopes, mudanças inesperadas de compasso e das interrupçõesintermediadas pelos silêncios.

Chegou-se por fim a um entendimento de que a investigação sobre fragmentos melódicosextraídos das Sonatas de Scarlatti e suas relações intervalares conduziria a resultados maisseguros para se estabelecer possíveis aproximações entre Scarlatti e Beethoven. Atravésdas sequências intervalares não derivadas de acordes e escalas comuns é possível estabeleceralguma proximidade estética entre os exemplos correlatos encontrados nas Sonatas deBeethoven pela singularidade de seu encadeamento intervalar. Levando-se em conta oscritérios estabelecidos para a extração dos 417 fragmentos consideradas neste trabalho, e deque não há repetição entre eles, a ocorrência destes fragmentos nas Sonatas de Beethoventorna-se relevante.

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38

4

Estrutura das Sonatas de Scarlatti eAnálise Comparativa

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4.1. A tonalidade das Sonatas de Scarlatti 39

Este capítulo é resultado da experiência em relação à minha prática musical, e daescuta perceptiva da obra de Scarlatti e Beethoven. Nele são apresentadas as ponderaçõese os exemplos que apontam proximidades entre os dois compositores.

4.1 A tonalidade das Sonatas de Scarlatti

Desde o estabelecimento do sistema tonal após a Renascença até sua crise na segundametade do Século XIX, é possível estabelecer uma predominância do uso de determinadastonalidades pelos compositores. Das 200 Sonatas de Scarlatti consideradas neste trabalho,por exemplo, 25 são em Sol Maior, 22 foram escritas em Ré Maior e 13 escritas em rémenor. Por outro lado, apenas uma foi escrita em Lá-bemól Maior, duas em dó-sustenidomenor e nenhuma em Fá-sustenido Maior.

Embora não haja relação direta entre as preferências tonais de Scarlatti e Beethoven,todavia é possível perceber proximidades musicológicas entre algumas Sonatas de Beethovenque foram escritas em tonalidades muito usadas por Scarlatti.

O último movimento da Sonata op. 31 nº 2, em ré menor, tonalidade presente em 13Sonatas de Scarlatti, é composto em 3/8, fórmula de compasso preferencial de Scarlatti e,de modo geral, os procedimentos utilizados por Beethoven neste movimento encontramparalelos na composição scarlattiana.

A Sonata op. 54 em Fá Maior, tonalidade na qual foram compostas 20 Sonatas deScarlatti, é escrita em dois movimentos, lembrando a organização em pares das Sonatasscarlattianas, geralmente a segunda na mesma tonalidade ou na relativa menor. Os doismovimentos da op. 54 estão em Fá Maior. Outro procedimento bastante utilizado porScarlatti encontra-se na abertura do primeiro movimento, onde duas seções distintas sesucedem de modo inesperado, sem ponte harmônica ou preparo. Mais além, a textura dosegundo movimento é análoga a tantas Sonatas de Scarlatti – K.183, K.366, K.35, K.427,para citar alguns exemplos – que não seria exagero apontar uma proximidade entre eles.

Das tonalidades preferenciais de Scarlatti destaca-se a de Ré Maior, em que foramcompostas 22 Sonatas. Isso representa mais de 10% das Sonatas constantes na Ediçãode Carl Czerny, somente abaixo das 25 Sonatas em Sol Maior. O rondó do últimomovimento da Sonata op. 28 em Ré Maior de Beethoven é escrito em 6/8, fórmula decompasso preferencial de Scarlatti. Percebe-se proximidades com a escrita de Scarlatti natextura de grande parte deste movimento, além do caráter “pastoril” da op. 28, bastantepresente na sua obra.

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4.2. A inventividade das Sonatas de Scarlatti 40

4.2 A inventividade das Sonatas de Scarlatti

O possível interesse que as Sonatas de Scarlatti teria despertado em Beethoven prova-velmente se relaciona aos procedimentos composicionais e estéticos que ele não encontrarianos outros mestres barrocos. Comparando-se, por exemplo, os Prelúdios e Fugas de J.S.Bach com as Sonatas de Scarlatti, percebe-se de maneira inequívoca que os Prelúdiose Fugas, mesmo considerando a diversidade dos procedimentos e formas adotadas porBach, não abandonam a doutrina dos afetos, cujo preceito era a representação de umúnico afeto a ser desenvolvido em cada uma das seções musicais, sem que houvesse umdiálogo entre os temas. Dentro de cada movimento ou seção, o discurso musical barrocoé predominantemente contínuo e monotemático. Nos Prelúdio e Fugas não há um gestoconsistente que os aproxime da forma Sonata. Nas Sonatas de Scarlatti é comum o usode dois ou mais temas contrastantes num mesmo movimento. Na Sonata K.29 aparece otema cantabile a partir do compasso 15, contrastante com o caráter brilhante da abertura(Figuras 4.1 e 4.2).

Figura 4.1 – Abertura da Sonata K.29

Outro aspecto que difere o procedimento de Scarlatti dos Prelúdios e Fugas de Bach, é ocaráter brilhante e virtuosístico muito recorrentes em suas Sonatas. Apesar dos momentosbrilhantes encontrados na composição de Bach, estes apresentam uma característicadiversa da de Scarlatti. O brilhantismo de Bach, cujas passagens acontecem dentro deum movimento harmônico geralmente intenso e de tessitura densa, é identificado comum espírito alemão essencialmente austero. Scarlatti, por sua vez, nas suas passagensbrilhantes traz a leveza e a claridade solar do mediterrâneo. Observo que, nas composiçõesdo período pré-clássico – meados do Século XVIII – é raro o brilhantismo encontrado demaneira farta e bastante inventiva nas Sonatas de Scarlatti.

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4.3. A estrutura básica das Sonatas de Scarlatti 41

Figura 4.2 – Sonata K.29, compassos 15-20.

O gesto virtuosístico encontrado em muitas passagens scarlattianas soam com grandeefeito ao piano, tanto pela possibilidade que o piano oferece em realizar crescendi ediminuendi, de criar planos sonoros que combinam dinâmicas diferentes, quanto pelaagilidade que a escrita dessas passagens requer. A Sonata K.29 exemplifica o brilhantismopianístico encontrado em muitas das Sonatas. Nela fica também evidente que a possibilidadedo cantabile no piano, para a execução do segundo tema, permite destacar a melodia sobreos acordes da mão esquerda1. Beethoven tinha consciência da possibilidade pianísticadas Sonatas. Prova disso são as várias edições que circulavam em Viena entre o fimdo século XVIII e começo do XIX, para textualmente serem executadas ao piano-forte(Anexo B). Ainda que grande parte das Sonatas de Scarlatti tenha sido composta parao cravo, o mercado crescente do piano em relação ao do cravo em Viena sugere que elaseram preferencialmente comercializadas para serem executadas ao piano. Beethoven foiprofessor de piano e, como compositor, não escreveu para o cravo. Seu instrumento era opiano e é verossímil considerar que ele tivesse uma visão pianística das Sonatas de Scarlatti.A partir daí é possível vislumbrar outros pontos de interesse, como sua própria estruturaformal.

4.3 A estrutura básica das Sonatas de Scarlatti

Kirkpatrick, depois da ressalva de que estabelecer uma estrutura geral para as Sonatasde Scarlatti seria reduzí-las ao mínimo de elementos comuns onde cada uma delas fornece1 A partir do compasso 15, Sonata K.29

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4.3. A estrutura básica das Sonatas de Scarlatti 42

variantes ou exceções, define-as como peças em forma binária, divididas em duas partespor barra de repetição, onde a primeira metade se inicia na tonalidade básica, movendo-seatravés de progressões harmônicas e cadências em direção à tonalidade da coda da primeirametade, geralmente na dominante, relativa maior ou menor e em poucos casos a relativamenor da dominante. A segunda metade se inicia a partir da tônica estabelecida no finalda primeira parte e se direciona para a tonalidade original ao longo de seções pontuadaspor cadências. Na coda da segunda metade aparece o mesmo material temático da codaanterior, desta vez na tonalidade original [KIRKPATRICK 1953].

A definição sintética de Kirkpatrick já descreve um princípio da forma Sonata clássica,tanto pela repetição do material temático no fim das duas metades, como uma forma deexposição e recapitulação do tema secundário quanto, em muitos casos, pelo desenvolvi-mento na segunda metade dos elementos que foram expostos na primeira. A Sonata K.531,em Mi Maior, apresenta a coda da primeira parte na dominante Si Maior e sua repetiçãona tônica Mi Maior, na coda da segunda metade (Figuras 4.3 e 4.4).

Figura 4.3 – Sonata K.531 coda da primeira metade.

Figura 4.4 – Coda da segunda metade da Sonata K.531.

O procedimento de repetir a coda na segunda metade é recorrente em quase todas asSonatas.

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4.3. A estrutura básica das Sonatas de Scarlatti 43

O diálogo entre duas ou mais ideias musicais, muitas vezes contrastantes, em ummesmo movimento, elemento importante do discurso essencialmente dualista da formaSonata clássica, pode ter chamado a atenção de Beethoven.

Outra aproximação entre o pensamento musical de Scarlatti e Beethoven é a importânciadada ao silêncio e à fragmentação temporal como elementos do discurso sonoro. A SonataK.476 utiliza esses procedimentos de ruptura do discurso musical (Figura 4.5)

O tempo barroco, geralmente conduzido por um mosaico harmônico contínuo sobre umúnico motivo, não é tão frequente nas Sonatas de Scarlatti quanto o é na música dos seuscontemporâneos barrocos. De modo geral, as Sonatas scarlattianas se organizam comouma sucessão de eventos musicais diversos ponteados por cadências, pausas ou fermatasque compõem um discurso sonoro muitas vezes interrompido, com mudanças bruscas detemperamento e em alguns casos com mudanças no próprio andamento, como na SonataK.33 (Figura 4.6)2

Há ainda Sonatas, como a K.265, onde ocorre alternância constante de fórmulas decompasso, neste caso entre os compassos 4/4 (C) e 3/8 (Figura 4.7).

A mudança temática e de caráter, sem preparo, sem transição, notadamente para causarsurpresa, também recorrente no discurso musical beethoveniano, sugere que a aproximaçãoestética entre os dois compositores vai além da coincidência.

Há um outro aspecto que pode ser levado em consideração quando discuto as possi-bilidades de aproximações estéticas entre Scarlatti e Beethoven. De modo geral, a seçãodas Sonatas de Scarlatti compreendida entre o fim da abertura da Sonata e o começo dacoda da primeira parte, se relaciona com a segunda parte até sua coda. Essa relação seaproxima da existente entre a Exposição e o Desenvolvimento na forma Sonata clássica.Os procedimentos scarlattianos para o desenvolvimento do material temático de muitasdas suas Sonatas, inclusive combinando dois temas na mesma seção, parecem consonantescom a lógica da seção do desenvolvimento da Sonata clássica, i.e., a fragmentação dosdiversos materiais temáticos para recombiná-los, invertê-los, estendê-los e rearranjá-los.Na Sonata K.211 vê-se a recombinação do material temático já na primeira metade, ondea junção entre dois motivos gera uma terceira ideia (Figuras 4.8 e 4.9).

Os procedimentos de exposição e recapitulação do material temático, o uso das pausas,as técnicas de desenvolvimento e as mudanças inesperadas de caráter representam pontosde aproximação entre as concepções musicais de Scarlatti e Beethoven.2 A Sonata K.33 não consta na Edição de Carl Czerny e tampouco na coleção Viena II, embora integre o tomo “G”da coleção Viena I. Em péssimas condições e contendo Sonatas com muitos erros, o tomo “G” da coleção Viena I éum grupo de manuscritos desencadernados e com folhas em dimensões diferentes. No entanto, suas Sonatas são datadase chegaram em Viena a partir da segunda metade do Século XVIII.

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4.3. A estrutura básica das Sonatas de Scarlatti 44

Figura 4.5 – Segunda metade da sonata K.476

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4.4. Elementos Comuns de Composição 45

Figura 4.6 – A sonata K.33

4.4 Elementos Comuns de Composição

No centenário da morte de Beethoven, Gian Francesco Malipiero em seu artigo sobreScarlatti [MALIPIERO & W. 1927], talvez seja o segundo musicólogo a considerar a pos-sível relação entre Scarlatti e Beethoven. O primeiro seria Shedlock [SHEDLOCK 1895],que escreve um pequeno comentário sobre aspectos harmônicos similares entre eles. TantoMalipiero quanto Shedlock não tiveram disponível a biografia e obra de Scarlatti detalha-damente pesquisadas por Kirkpatrick [KIRKPATRICK 1953], cujo trabalho aprofundasignificativamente o conhecimento das cópias das 555 Sonatas e suas trajetórias. Por

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4.4. Elementos Comuns de Composição 46

Figura 4.7 – Abertura da Sonata K.265

não ter informações sobre quais Sonatas de Scarlatti circulavam em Viena no começo doséculo XIX, Malipiero relaciona Beethoven com Sonatas às quais o compositor alemão nãoteve acesso3. No entanto, a comparação da Sonata K.525 com o Scherzo da 7ª Sinfoniade Beethoven parece pertinente, por integrar a coleção Viena I (Figuras 4.10 e 4.11)4.De fato, é possível apontar algumas similiaridades entre elas, a começar pela própriatonalidade de Fá Maior, comum às duas. O rítmo ternário, assim como o salto inicial de4ª e a progressão descendente em notas repetidas por graus conjuntos, também sugereprocedimentos similares.

Malipiero, muito embora tenha chamado a atenção para estas similiaridades, não vaialém de poucos exemplos comparativos e seu artigo está longe de sugerir um real interessede Beethoven pelas Sonatas de Scarlatti.

Através da investigação e comparação das Sonatas das Coleções Viena I, Viena II, eda posterior Edição de Carl Czerny, foram identificados alguns elementos que sugeremsemelhanças entre Scarlatti e Beethoven, tais como as encontradas entre os primeiroscompassos da segunda parte da Sonata K. 135 e o primeiro compasso da Sonata opus101 (Figuras 4.12 e 4.13). Ambas apresentam uma progressão de terças alternadas emsemínimas e colcheias, compasso de 6/8, com nota tônica pedal. Os primeiros compassosda Sonata opus 101 são mais elaborados que os compassos da Sonata K.135. O baixo nestescompassos da opus 101 não está em uníssono com o tenor, que descreve uma linha cromáticadescendente, ao passo que no exemplo de Scarlatti o tenor, mais simplificado, aparecedobrado. Também as colcheias internas do contralto, em Beethoven, apresentam uma3 G. Francesco Malipiero and A. W., Domenico Scarlatti, The Musical Quarterly, Vol. 13, No. 3 (Jul., 1927), p. 478. Apóscomparar a Sonata K. 525 com o Scherzo da Sétima Sinfonia ele pondera que “teriam muitas outras” e cita como exemploa Sonata K.253, que não faz parte das Coleções Viena I e Viena II, tampouco da edição de Carl Czerny.

4 No catálogo de Kirkpatrick das Sonatas de Scarlatti, a K.525 aparece na coleção Viena I como “D6”. As letras de A aG indicam os 7 volumes da Coleção Viena I. Não está contida na coleção Viena II, muito embora integre a Edição deCzerny.

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4.4. Elementos Comuns de Composição 47

Figura 4.8 – Sonata K.211, motivo A.

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4.4. Elementos Comuns de Composição 48

Figura 4.9 – Sonata K.211, motivo B, A e combinações.

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4.4. Elementos Comuns de Composição 49

Figura 4.10 – Sonata K.525, compassos 1 e 2.

Figura 4.11 – Sinfonia n.7, terceiro movimento, compassos 3 a 7.

linha mais elaborada, sendo em Scarlatti uma simples repetição da nota si. Ainda assim,sob o ponto de vista do procedimento, estes compassos quardam alguma similiaridade.

Figura 4.12 – Sonata K135, compassos 52 e 53.

Figura 4.13 – Sonata opus 101, primeiro movimento, compassos 1 e 2

Outro exemplo que sugere alguma aproximação aparece entre a Sonata K.16 de Scarlattie o Concerto “Imperador” para piano e orquestra, opus 73, de Beethoven (Figuras 4.14e 4.15). Nos compassos 42 a 44 da K.16, a sequencia de colcheias aparece isoladamente, semacompanhamento. Usando este mesmo procedimento, o motivo de transição que aparecepela primeira vez nos compassos 37 e 38 do primeiro movimento da opus 73, e que também

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4.4. Elementos Comuns de Composição 50

aparece no desenvolvimento e no discurso do piano solista, sempre aparecerá em uníssonoou dobrado. A progressão entre os intervalos de segunda menor descendentes e os saltosascendentes de quarta assume um caráter dramático e a escolha por não harmonizá-la,nos dois casos, pode ter sido em função de manter sua força dramática.

SonataK16 Opus73

Figura 4.14 – Sonata K.16, compassos 42 a 44.

Figura 4.15 – Concerto para piano e orquestra opus 73, primeiro movimento, compassos 37 e 38.

A Sonata K.96 (Figura 4.16) apresenta o procedimento de trilo longo com a inclusãode mais vozes na mesma mão, sobretudo na mão direita, bastante recorrente nas últimasSonatas de Beethoven.

Figura 4.16 – Sonata K.96, compassos 11 a 17.

Na Sonata opus 109 de Beethoven, em Mi Maior, por exemplo, encontra-se esseprocedimento na sexta variação do terceiro movimento (Figura 4.17).

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4.4. Elementos Comuns de Composição 51

Figura 4.17 – Sonata opus 109, terceiro movimento, compassos 177 a 179.

Ainda no primeiro movimento da opus 109, Beethoven se aproxima dos procedimentosscarlattianos ao alternar, sempre sem transição, o andamento inicial allegro vivace com oadagio expressivo, que surge inesperadamente. Esse gesto da composição beethoveniana,na qual duas ideias contrastantes subitamente se alternam, é um procedimento recorrentenas Sonatas de Scarlatti, como já visto nos exemplos anteriores.

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52

5

Análise comparativa computacional -método utilizado: toolkit music21

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5.1. Formato da Apresentação dos Resultados 53

Neste capítulo são apresentados os resultados e a discussão das análises comparativasauxiliadas pelo software desenvolvido pelo grupo de Computação Musical vinculado aoIFSC-USP, utilizando o toolkit music21, onde foram investigados 417 fragmentos melódicosextraídos das duzentas Sonatas de Scarlatti da Edição de Carl Czerny sobre as trintae duas Sonatas de Beethoven. O código computacional do software, está apresentadono Anexo E. Sob o ponto de vista metodológico, o uso do toolkit music21 na análisecomparativa entre as Sonatas de Scarlatti e Beethoven pretende dar uma contribuição paraexpandir as possibilidades em análise musicológica. O music21 opera sobre a plataformapython, e com suas ferramentas computacionais é possível construir programas (softwares)específicos para atender aos desafios colocados pelas questões musicológicas.

Para estas análises, de caráter musicológico e não estatístico, foram consideradas ascoincidências intervalares exatas (ESTRITO)1. A única excessão encontra-se no exemplodo primeiro fragmento da Sonata K.125, onde foi considerado o fragmento identificadocom tolerância de um semiton.

Nesse momento é importante dizer que para corroborar a tese proposta, todos osexemplos comentados neste capítulo são encontrados exclusivamente nas Sonatas paraPiano de Beethoven. O mesmo método aplicado às Sonatas para Piano de Mozartnão identifica, nesta coleção, nenhuma ocorrência. Os fragmentos estritos que foramencontrados tanto nas Sonatas de Beethoven quanto nas de Mozart foram consideradossem relevância para este trabalho.

Para um melhor entendimento das ocorrências exclusivas entre Scarlatti e Beethoven,em alguns casos foram quantificadas e comparadas as ocorrências entre Beethoven eMozart de sub-fragmentos compostos por dois intervalos, aqui descrito como “conjugadointervalar”.

A utilização do termo “coincidência” não traz aqui, a priori, a conotação de que elatenha ocorrido por acaso.

5.1 Formato da Apresentação dos Resultados

Tomemos como exemplo o primeiro fragmento, que se encontra na Sonata K.125 deScarlatti e que foi identificado na Sonata op. 109 de Beethoven.

Para cada fragmento identificado dentro dos critérios estabelecidos acima, a apresenta-ção dos resultados inicia seguindo a ordem numérica da Edição de Czerny das Sonatasde Scarlatti acompanhada da numeração de Kirkpatrick:

1 Vide capítulo 3

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5.1. Formato da Apresentação dos Resultados 54

Cz.1/ K.125

Em seguida, após as indicações das figuras, entre colchetes, está a codificação emlinguagem computacional dos intervalos que compõem o fragmento considerado. Como, demodo geral, são dois fragmentos por Sonata, também é indicado qual deles foi encontrado:

Cz.1/ K.125[-1, -4, 5, -1, -4, 5, -1] – fragmento 1

Logo após encontra-se o resultado computacional, cuja primeira linha indica o opus daSonata de Beethoven e o movimento onde o fragmento foi identificado.

Cz.1/ K.125[-1, -4, 5, -1, -4, 5, -1] – fragmento 1

Sonata op. 109 de Beethoven, primeiro movimento——————————————————————————–

Na linha seguinte é enunciado o fragmento consultado, a tolerância dos fragmentoscorrespondentes que foram identificados e o número de incidências.

Cz.1/ K.125[-1, -4, 5, -1, -4, 5, -1] – fragmento 1

Sonata op. 109 de Beethoven, primeiro movimento——————————————————————————–Para o fragmento [-1, -4, 5, -1, -4, 5, -1] e tolerância +-1, encontrada 1 incidência.

Nas linhas que se seguem é indicado o compasso onde o fragmento é encontrado, aposição da nota na qual ele se inicia e o compasso e a posição da nota onde ele termina.Segue-se a sequência intervalar do fragmento identificado. Nos casos onde há tolerância,os fragmentos encontrados diferem do elemento de consulta original.

Cz.1/ K.125[-1, -4, 5, -1, -4, 5, -1] – fragmento 1Sonata op. 109 de Beethoven, primeiro movimento——————————————————————————Para o fragmento [-1, -4, 5, -1, -4, 5, -1] e tolerância +-1, encontrada 1 incidência.C.ini N ini C.fim N.fim Frag.encontrado

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5.2. Resultados e Discussão 55

——————————————————————————14 8 14 14 [-1, -4, 4, -2, -4, 4, -2]

Por fim, após cada resultado computacional localiza-se o trecho da partitura da Sonatade Scarlatti de onde foi extraído o fragmento e em seguida o trecho coincidente nas Sonatasde Beethoven.

5.2 Resultados e Discussão

1 - Cz.1/ K.125Figuras 5.1 e 5.2[-1, -4, 5, -1, -4, 5, -1] – fragmento 1Sonata opus 109 de Beethoven, primeiro movimento——————————————————————————Para o fragmento [-1, -4, 5, -1, -4, 5, -1] e tolerância +-1, encontrada 1 incidência.C.ini N ini C.fim N.fim Frag.encontrado——————————————————————————14 8 14 14 [-1, -4, 4, -2, -4, 4, -2]

Figura 5.1 – Sonata K.125, compassos 2 e 3.

Figura 5.2 – Sonata opus 109, 1º movimento, compasso 14.

O compasso 14 do primeiro movimento da Sonata opus 109 de Beethoven utiliza-se deum procedimento de sequência descendente por graus conjuntos intercalando um intervalode segunda com duas de terça, descendente e ascendente, bastante análogo ao fragmento

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5.2. Resultados e Discussão 56

scarlattiano, muito embora, no caso de Scarlatti, a repetição é exata, onde em Beethovené descendente por graus conjuntos. Esse conjugado intervalar “segunda-terça descendentese ascendentes”, muito recorrente nas Sonatas de Scarlatti, aparece 996 vezes nas Sonatasde Beethoven e somente 337 vezes nas de Mozart2. Mesmo considerando que o corpus dasSonatas de Beethoven é 40% maior do de Mozart (613 páginas das Sonatas de Beethovencontra 448 das de Mozart, considerado o mesmo formato para ambas as edições), a ocorrên-cia do conjugado intervalar “segunda-terça” é 200% maior nas Sonatas de Beethoven quenas de Mozart. Ainda não temos como precisar as ocorrências deste conjugado intervalarnas Sonatas de Scarlatti, mas tomando-se por base de que ele é recorrente na construçãodos motivos scarlattianos, sugere que a construção motívica scarlattiana é mais próximadas escolhas intervalares de Beethoven do que das de Mozart.

2 - Cz.5 / K.182Figuras 5.3 e 5.4[-4, -1, -1, 1, -7] – fragmento 2Sonata opus 7 de Beethoven, quarto movimento——————————————————————————Para o fragmento [-4, -1, -1, 1, -7] ESTRITO, encontradas 4 incidências.C.ini N ini C.fim N.fim Frag.encontrado——————————————————————————64 5 64 9 [-4, -1, -1, 1, -7]64 13 65 1 [-4, -1, -1, 1, -7]65 5 65 9 [-4, -1, -1, 1, -7]72 5 72 9 [-4, -1, -1, 1, -7]

Figura 5.3 – Sonata K.182, compasso 97.

O fragmento do compasso 97 da Sonata K.183 é, em si, uma frase musical com ciclo2 segunda menor e terça menor ascendentes [1,3] 157 (Beethoven) 37 (Mozart)segunda menor e terça menor descendentes [-1, -3] 71 15segunda menor e terça maior ascendentes [1, 4] 198 51segunda menor e terça maior descendentes [-1, -4] 115 63segunda maior e terça menor ascendentes [2, 3] 110 67segunda maior e terça menor descendentes [-2, -3] 205 69segunda maior e terça maior ascendentes [2, 4] 112 21segunda maior e terça maior descendentes [-2, -4] 28 14

Page 57: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

5.2. Resultados e Discussão 57

Figura 5.4 – Sonata opus 7, 4º movimento, compassos 64 e 65.

harmônico completo (I – V – I). Embora seja plausível que a série de intervalos (Terça Maiordescendente, semitom descendente, semitom descendente, semitom ascendente, quintadescendente) seja coincidente por mero acaso e não tenha sido uma apropriação conscientede Beethoven, ainda assim guarda alguma relevância por esse fragmento aparecer de modoestrito exclusivamente na Sonata opus 7. Os resultados colhidos pelo software mostramainda que esse o fragmento de Scarlatti não foi verificado em nenhuma Sonata de Mozart.

3 - Cz.9 / K.4Figuras 5.5 e 5.6[-8, 1, 2, -7] – fragmento 2Sonata opus 27 n. 1 de Beethoven, quarto movimento——————————————————————————Para o fragmento [-8, 1, 2, -7] ESTRITO, encontrada 1 incidência.C.ini N ini C.fim N.fim Frag.encontrado——————————————————————————281 2 282 1 [-8, 1, 2, -7]

Figura 5.5 – Sonata K.4, compasso 34.

A coincidência intervalar entre o primeiro motivo da Sonata K.4 de Scarlatti e o baixonos compassos 281 e 282 da Sonata opus 27 nº 1 de Beethoven, muito embora possa sugerirque seja resultado do acaso, ainda assim é possível estabelecer uma proximidade motívicaentre as escolhas intervalares dos dois compositores. Assim como em todos os exemplosdeste capítulo, o fragmento investigado não é encontrado nas Sonatas de Mozart, o quefortalece a proximidade entre Scarlatti e Beethoven, uma vez que não se trata de um

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5.2. Resultados e Discussão 58

Figura 5.6 – Sonata opus 27nº 1, 4º movimento, compassos 281 e 282.

elemento melódico banal.

Figura 5.7Sonata opus 109 de Beethoven, terceiro movimento——————————————————————————Para o fragmento [-8, 1, 2, -7] ESTRITO, encontrada 1 incidência.C.ini N ini C.fim N.fim Frag.encontrado——————————————————————————104 4 104 7 [-8, 1, 2, -7]

Figura 5.7 – Sonata opus 109, 3º movimento, compasso 104.

Embora os contextos em que este fragmento aparece nas Sonatas de Beethoven sejambem diferentes entre si e de seu original na Sonata K.4, ainda assim parece-me significativoque ele tenha sido encontrado nestas duas Sonatas de Beethoven e em nenhuma dasSonatas de Mozart. Nota-se também que, muito embora os contextos sejam diferentes, astexturas destes três exemplos correlatos são próximas.

4 - Cz.11 / K.6Figuras 5.8 e 5.9[-2, -2, 5, 2, 1] – fragmento 2Sonata opus 10 n. 2 de Beethoven, primeiro movimento——————————————————————————Para o fragmento [-2, -2, 5, 2, 1] ESTRITO, encontrada 1 incidência.

Page 59: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

5.2. Resultados e Discussão 59

C.ini N ini C.fim N.fim Frag.encontrado——————————————————————————73 9 74 3 [-2, -2, 5, 2, 1]

Figura 5.8 – Sonata K.6, compassos 56 e 57.

Figura 5.9 – Sonata opus 10 nº 2, 1º movimento, compassos 73 e 74.

O fragmento 2 da Sonata K.6 é encontrado de modo estrito somente nos compassos73 e 74 do primeiro movimento da Sonata opus 10 nº 2, interrompido por uma pausa desemicolcheia no intervalo de quinta. Muito embora o contexto sugira fortemente que ostrechos sejam coincidentes por mero acaso, é notável que esse mesmo encadeamento deintervalos não seja encontrado em nenhuma das 17 Sonatas de Mozart. Chama a atençãotambém a proximidade entre os procedimentos composicionais do desenvolvimento doprimeiro movimento da opus 10 nº 2 e da Sonata K.6, de modo geral. E de maneiramais minuciosa o fato da única incidência deste fragmento scarlattiano usar exatamente amesma figura, i.e., semicolcheias em tercinas.

5 - Cz.20 / K.14Figuras 5.10 e 5.11[-5, -3, -4, -5, -3, -4, -5, -3, -4] – fragmento 1Sonata opus 31 n. 1 de Beethoven, primeiro movimento——————————————————————————Para o fragmento [-5, -3, -4, -5, -3, -4, -5, -3, -4] ESTRITO, encontrada 1 incidência.C.ini N ini C.fim N.fim Frag.encontrado——————————————————————————

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5.2. Resultados e Discussão 60

163 5 165 1 [-5, -3, -4, -5, -3, -4, -5, -3, -4]

Figura 5.10 – Sonata K.15, compasso 20.

Figura 5.11 – Sonata opus 31 nº 1, primeiro movimento, compassos 163 a 165.

Pelo entendimento de que as notas repetidas são prolongamentos de uma mesma nota,estas são desconsideradas pelo software de busca. Assim, o fragmento encontrado, emboradiferindo pela repetição da tônica do acorde perfeito (aparece nos dois casos o acordede Ré Maior) revela um procedimento bastante recorrente tanto em Scarlatti quanto emBeethoven, que é percorrer uma grande extensão do teclado através de acordes articulados,nestes casos de três oitavas. Embora o procedimento de usar acordes articulados quepercorrem o teclado seja uma prática bastante recorrente no tonalismo, utilizá-lo demaneira linear para além de duas oitavas não é verificado em nenhuma das Sonatas parapiano de Mozart.

Jacqueline Ogeil, no 5º capítulo de seu trabalho “Domenico Scarlatti: A contribuition toour understanding of his Sonatas through performance and research” [OGEIL 2006], ondea questão pianística das Sonatas de Scarlatti é tratada, aponta os “Essercizi” dedicados aD. João V (K.1 a K.30) como peças escritas genuinamente para o piano-forte. É possívelque Beethoven tivesse o entendimento de que estas primeiras Sonatas de Scarlatti fossemconcebidas para o piano e que pudessem fornecer ideas que fossem além dos procedimentosmozartianos e haydnianos.

Alguns desses procedimentos foram notadamente evitados por Beethoven, como obaixo d’Alberti. Hoje é possível quantificar rapidamente esses e outros procedimentos demodo bastante preciso pela utilização dos softwares desenvolvidos através das plataformascomputacionais e dos toolkits construídos sobre elas, como é o caso do music21. O baixo

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5.2. Resultados e Discussão 61

d’Alberti sobre uma tríade maior perfeita, por exemplo, aparece 176 vezes nas 17 Sonataspara piano de Mozart e 60 vezes nas 32 Sonatas para piano de Beethoven3. Por ser um dadoadquirido através de averiguação completa sobre todo o corpus das Sonatas – neste caso asde Beethoven e Mozart, ele se torna relevante e com baixo risco de conduzir a conclusõesequivocadas. A informação precisa das ocorrências do baixo d’Alberti especificado acimanas Sonatas de Mozart e Beethoven deixa poucas dúvidas sobre o gesto de Beethoven deevitar este procedimento fartamente utilizado por Mozart. Trata-se de uma informação quesó foi possível de ser obtida em menos de cinco minutos através do auxílio computacional.

6 - Cz.63 / K.112Figuras 5.12 e 5.13[-3, -9, 2, 2] – fragmento 1Sonata opus 106 de Beethoven, primeiro movimento——————————————————————————Para o fragmento [-3, -9, 2, 2] ESTRITO, encontrada 1 incidência.

C.ini N ini C.fim N.fim Frag.encontrado——————————————————————————49 4 49 7 [-3, -9, 2, 2]

Figura 5.12 – Sonata K.112, compasso 26.

Figura 5.13 – Sonata op. 106, primeiro movimento, compass 49.

A ocorrência deste fragmento scarlattiano no compasso 49 do primeiro movimento da3 [7, -3, 3, -7] Quinta justa ascendente, terça menor descendente, terça menor ascendente e quinta justa descendente.

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5.2. Resultados e Discussão 62

Sonata op. 106 de Beethoven, cuja relação intervalar é bastante particular e incomum,embora pareça evidente que tenha sido meramente ocasional, denota uma aproximaçãoentre Scarlatti e Beethoven no que diz respeito às escolhas intervalares.

Pode-se dizer que ambos construíram parte do seu discurso musical utilizando saltosintervalares que dão alguma sensação de ruptura, mesmo dentro de uma sequência contínuade colcheias, como neste caso da Sonata op. 106. A grande importância dada às rupturas:mudanças de andamento, mudanças de compasso, bem como o uso dos silêncios, dasmodulações e dos saltos intervalares, e com isso chamar a atenção e em muitos casoscausar surpresa, é um ponto de aproximação entre Scarlatti e Beethoven. É importanteressaltar que estes gestos do inesperado, embora existam em Mozart, não representamuma característica marcante na sua composição.

7 - Cz.105 / K.100Figuras 5.14 e 5.15[4, -4, 4, 3, -3, 3, 5, -5, 5, 4, -4, 4. 3, -3, 3, 5] – fragmento 2Sonata opus 57 de Beethoven, primeiro movimento——————————————————————————Para o fragmento [4, -4, 4, 3, -3, 3, 5, -5, 5, 4, -4, 4. 3, -3, 3, 5] ESTRITO, encontrada 1incidência.

C.ini N ini C.fim N.fim Frag.encontrado——————————————————————————218 3 219 7 [4, -4, 4, 3, -3, 3, 5, -5, 5, 4, -4, 4. 3, -3, 3, 5]

Figura 5.14 – Sonata K.100, compassos 41 e 42.

O fragmento da Sonata K.100 de Scarlatti cuja relação intervalar foi verificada noscompassos 218 e 219 do primeiro movimento da Sonata op. 57 de Beethoven revela umagrande proximidade com seu correlato beethoveniano. Seus contextos são análogos, alémda coincidência intervalar estrita entre eles. O revezamento das mãos intercaladas emprogressão ascendente sobre um acorde articulado denota uma escrita idiomaticamentepianística, onde o entrelaçamento das mãos sobre um único acorde permite o uso do pedalem toda a passagem, sem que a mistura dos sons sejam conflitantes. O procedimento dese revezar as mãos sobre acordes articulados é bastante recorrente na música do Barroco

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5.2. Resultados e Discussão 63

Figura 5.15 – Sonata op. 57 “Appassionata”, 1º movimento, compassos 218 e 219.

para o teclado, mas geralmente ele ocorre sobre vários acordes dentro de uma progressãoharmônica contínua e não necessariamente percorre grande extensão do teclado. Tantoo uso deste recurso sobre um mesmo acorde quanto sobre sequências harmônicas é curi-osamente muito pouco verificado na música para piano do Classicismo, o que reforça aproximidade entre estas escolhas de Scarlatti e Beethoven.

8 - Cz.163 / K.387Figuras 5.16 e 5.17[-5, 1, 4, -1, 1] – fragmento 2Sonata opus 10 n.3 de Beethoven, quarto movimento——————————————————————————Para o fragmento [-5, 1, 4, -1, 1] ESTRITO, encontrada 1 incidência.

C.ini N ini C.fim N.fim Frag.encontrado——————————————————————————60 2 60 6 [-5, 1, 4, -1, 1]

Figura 5.16 – Sonata K.163, compasso 64.

Aparentemente estes dois trechos não guardam outra semelhança a não ser a relação

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5.2. Resultados e Discussão 64

Figura 5.17 – Sonata opus 10 nº 3, 4º Movimento, compasso 60.

intervalar e a escrita em colcheias. No entanto, é digno de nota que seja uma sequênciaencontrada na Sonata opus 10 nº 3 de Beethoven mas não verificada em toda a coleçãode Sonatas para piano de Mozart. Isso sugere que, apesar de parecer ocasional, é umpadrão intervalar correlato entre os dois compositores. Por se tratar de um fragmentomelódico não composto por tríades articuladas ou escalas, é curiosa sua ocorrência estritaem Beethoven.

9 - Cz.191 / K.sp.8Figuras 5.18 e 5.19[-1, 1, -4, 4, -1, 1, -5, 5, -1, 1, -7, 7, -1, 1, -9] – fragmento 1Sonata opus 53 de Beethoven, terceiro movimento——————————————————————————Para o fragmento [-1, 1, -4, 4, -1, 1, -5, 5, -1, 1, -7, 7, -1, 1, -9] ESTRITO, encontrada 1incidência.

C.ini N ini C.fim N.fim Frag.encontrado——————————————————————————82 3 84 1 [-1, 1, -4, 4, -1, 1, -5, 5, -1, 1, -7, 7, -1, 1, -9]

Figura 5.18 – Sonata K.sp.8, compassos 1 e 2.

Este é um resultado significativo no sentido de estabelecer proximidades entre a escritade Scarlatti e Beethoven por revelar que estes dois trechos são análogos não só na relaçãointervalar, mas também nas notas – e portanto na tonalidade, e nas figuras. O exemplo

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5.3. Resultados Estatísticos 65

Figura 5.19 – Sonata op. 53, 3º movimento, compassos 82 a 84.

torna-se ainda mais instigante por ser um fragmento longo de 15 intervalos não verificadoem todo o corpus das Sonatas para piano de Mozart.

5.3 Resultados Estatísticos

Os gráficos representados pelas figuras 5.20, 5.21 e 5.22 abaixo, mostram as incidênciasdos fragmentos scarlattianos em cada uma das Sonatas de Beethoven, considerandoresultados estritos e com tolerância de +-1 e +-2.

Figura 5.20 – Resultados para intervalos estritos.

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5.3. Resultados Estatísticos 66

Figura 5.21 – Resultados para intervalos com tolerância +-1.

Figura 5.22 – Resultados para intervalos com tolerância +-2.

Os dados do gráfico apresentado na Figura 5.20 mostram uma incidência relevante defragmentos scarlattianos estritos encontrados no primeiro movimento da Sonata op.31 nº1e no terceiro movimento da Sonata op.57.

Quando considerada a tolerância de meio tom (+-1) para cada intervalo, o gráfico daFigura 5.21 aponta incidências expressivas no quarto movimento da op.106 e no primeiromovimento da op.53. Novamente o terceiro movimento da Sonata op.57 aparece com um

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5.3. Resultados Estatísticos 67

alto nível de incidências.O gráfico da Figura 5.22 com os resultados das incidências dos fragmentos com tolerância

de um tom para cada intervalo (+-2) de certa forma confirma os resultados do gráfico daFigura 5.21 e ainda revela uma alta incidência no terceiro movimento da op.53.

Estes resultados sugerem que algumas das Sonatas mais importantes de Beethoven comoa op.53, 57 e 106 apresentam proximidades significativas com os elementos scarlattianosinvestigados.

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6

Considerações Finais

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A opção pela utilização de recursos computacionais para o trabalho de busca de ideiasscarlattianas nas Sonatas de Beethoven trouxe resultados e questionamentos instigantes.Ao fim de um processo extremamente intrincado e complexo, o software nos devolverespostas para questões específicas. Neste trabalho, a questão mais importante que foicolocada para o music21 buscou aferir a quantidade e a posição de coincidências entrefragmentos scarlattianos encontrados nas Sonatas de Beethoven. Chegou-se a um resultado,que apontou para algumas Sonatas com grande incidência desses fragmentos. Curiosamente,outras apresentaram um resultado oposto, ou seja, um baixo número de incidências. Estesdados provocam alguma inquietação em quem os analisa. Até que ponto as similiaridadesmelódicas apontadas foram apropriações conscientes de Beethoven? Seriam somenteocorrências que apareceram por acaso, resultado das inúmeras combinações intervalarescontidas nas Sonatas? O fato de terem sido encontrados encadeamentos intervalaresscarlattianos na composição das Sonatas para piano de Beethoven não indicaria algumaaproximação estética entre estes dois compositores? Mesmo não sendo possível afirmarse houve realmente um interesse de Beethoven por Scarlatti ou que Beethoven tenhase apropriado de algumas de suas ideias, ainda assim esta pesquisa possibilita o melhorentendimento da obra de Beethoven pois, através dos seus métodos e dos resultadosadvindos dele, permitindo estabelecer quais Sonatas apresentam maior incidência de ideiasscarlattianas , bem como a quantidade de incidências nelas contidas.

Ainda que não seja possível afirmar incisivamente, os resultados obtidos atravésdeste trabalho sugerem que há uma aproximação relevante entre estes compositores.Considerando a hipótese de que os fragmentos melódicos scarlattianos identificados,descritos no Capítulo 6, não sejam apropriações conscientes de Beethoven ou mesmocoincidências, frutos do mero acaso, ainda assim não deixam de apresentar uma grandeproximidade.

O objetivo deste trabalho não é apresentar conclusões peremptórias a respeito da relaçãoentre a obra destes dois compositores mas, através das evidências que os dados da pesquisaapontam desvendá-los, abrindo assim a discussão para este e outros questionamentos.

As Sonatas op. 53, 57 e 106 de Beethoven se destacaram de modo expressivo, tanto nosresultados computacionais filtrados pelos parâmetros musicológicos, descritos no Capítulo6, quanto pela somatória das incidências, demonstradas pelos gráficos da seção sobre osResultados Estatísticos. O conjunto destes resultados pode apontar para uma abertura nainterpretação dos compositores estudados, i.e., o melhor entendimento do possível interessede Beethoven pela obra de Scarlatti reflete na interpretação pianística de suas obras, além deajudar a compreender os caminhos pelos quais a música de ambos foi concebida. Se por umlado os procedimentos scarlattianos encontrados em Beethoven abrem a possibilidade parauma interpretação mais ao espírito “vivi felice!” de Domenico Scarlatti [Dale 1941], poroutro, e ao meu ver não menos importante, criam a possibilidade de empregar determinadosrecursos interpretativos beethovenianos, cuja escrita já é concebida para o piano moderno,

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nas Sonatas de Scarlatti.Neste trabalho foram apresentados os resultados da busca de Scarlatti em Beethoven.

Se é possível buscar elementos scarlattianos na música de Beethoven, é também viávelbuscar estes elementos na própria obra de Scarlatti, como também buscar elementosbeethovenianos nas Sonatas de Beethoven. As possibilidades são infinitas pois, seguindoesta lógica, qualquer compositor pode ser investigado sobre si mesmo, sobre outro ououtros compositores. As novas tecnologias também abrem espaço para relacionar a músicacom outras áreas como, por exemplo, a física, a fisiologia, a própria computação.

Outras questões, de ordem histórica, surgiram durante a pesquisa realizada para estetrabalho. Por que existem tão poucos documentos sobre Domenico Scarlatti? O queaconteceu com as suas cartas, seus manuscritos, seus escritos e principalmente, porquenão existe um só manuscrito comprovadamente seu das 555 Sonatas? Enfim, por que adocumentação de Scarlatti é tão escassa? Segundo a hipótese levantada pelo Dr. OttoBiba, diretor do arquivo da Gesellschaft der Musikfreunde de Viena, os manuscritos foramdestruídos porque não era costume, na época, guardar documentos pessoais ou rascunhos.Ainda segundo o Dr. Biba, o ato consciente de se pesquisar e arquivar correspondências,documentos pessoais e rascunhos só se tornou prática comum no Século XIX. Prova dissosão as poucas cartas existentes de Bach, Haendel e Vivaldi, pra citar alguns compositores.Tal informação me foi dada pessoalmente nas conversas que mantivemos nas salas deleitura da Gesellschaft der Musikfreunde, durante o período de três semanas que passeipesquisando nesta Instituição. Este contato também esclareceu, de maneira objetiva esubstancial, sobre as edições surgidas e comercializadas em Viena, permitindo assim ummelhor entendimento sobre as possibilidades reais do contato de Beethoven com elas. ODr. Biba generosamente me forneceu documentos relevantes sobre estas edições - todas asfichas catalográficas das edições e manuscritos das Sonatas de Scarlatti que chegaram àViena, disponíveis no Anexo B - assim como sobre o inventário do arquiduque Rudolph,amigo, mecenas e pupilo de Beethoven, onde são listadas todas as Sonatas de Scarlatti emsua posse.

A pesquisa musical, as questões levantadas, o conhecimento e compreensão dos aspectosbiográficos dos compositores, seu contexto histórico, social, econômico, estético, conduzema uma compreensão mais aprofundada sobre as obras e sobre as circunstâncias em queforam criadas. Tal compreensão expande as possibilidades de escolha que , sem dúvida, serefletirão na sua interpretação.

O emprego de novas tecnologias como suporte auxiliar da pesquisa representa, semdúvida, um avanço metodológico. Os softwares e hardwares atualmente desenvolvidospara a pesquisa musical extrapolam este limite de utilização, expandem as relações damúsica com as outras áreas do conhecimento e, dentro de novas possibilidades, permiteminvestigar temas e particularidades de um modo que, ainda em um passado recente, seriadifícil de se imaginar.

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Referências 71

Referências

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Page 76: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

Referências 76

Anexos

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Referências 77

Anexo A - Inventário do Arquiduque Rudolph da Áustria

Neste anexo é apresentada a listagem as Sonatas de Scarlatti - e também de seu paiAlessandro e seu sobrinho Giuseppe - constantes no inventário do Arquiduque Rudolph daÁustria.

Este documento me foi gentilmente cedido pelo Prof. Dr.Dr.h.c. Otto Biba, diretordo arquivo da Gesellschaft der Musikfreund de Viena durante o período em que estivepesquisando nesta instituição em junho de 2013.

Anexo B - Fichas catalográficas do arquivo da Gesellschaft der Musikfreundedas edições das Sonatas de Scarlatti que chegaram a Viena

Este anexo traz a fotocópia das fichas catalográficas de todas as edições e manuscritosdas Sonatas de Scarlatti que chegaram à Viena. Nelas estão contidas informações relevantessobre a procedência destes exemplares. Nas fichas, a inscrição “R” em seu lado esquerdosuperior indica que estas partituras pertenceram ao arquiduque Rudolph.

A letra “W” existente no lado esquerdo das fichas, ou o carimbos com a inscrição “Ausdem Nachlaß von Johannes Brahms” (“Do espólio de Johannes Brahms”), indicam queestes tomos pertenceram à coleção particular de Johannes Brahms. Estes foram, após suamorte, doados à Gesellschaft der Musikfreunde, da qual também havia sido diretor.

A fotocópia destas fichas catalográficas também me foram gentilmente cedidas pelo Dr.Biba que, no período de pesquisa no arquivo, esclareceu-me sobre o seu conteúdo.

Anexo C - Lista das 32 Sonatas para piano de Beethoven

Neste anexo estão listadas as 32 Sonatas para piano de Beethoven, agrupadas nos seustrês períodos composicionais.

Anexo D - Lista das 200 Sonatas de Scarlatti da edição de Carl Czerny

Este anexo lista as 200 Sonatas constantes na edição de Carl Czerny. Esta lista foiorganizada seguindo a numeração das Sonatas proposta por Carl Czerny (Cz) na primeiracoluna, e sua equivalência à numeração proposta por Ralph Kirkpatrick na segunda, porser universalmente mais adotada. Nas colunas seguintes são listadas suas tonalidades eandamentos, uma vez que as Sonatas de Scarlatti são compostas em apenas um movimento.

Anexo E - Código computacional do toolkit music21

Neste anexo é apresentado o código computacional que foi construído sobre a plata-

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Referências 78

forma Python usando as ferramentas do toolkit music21. Ele foi gentilmente desenvolvido,através de parceria acadêmica, pelo grupo de Comunicação Musical vinculado ao IFSC-USPexclusivamente para o trabalho de busca dos fragmentos melódicos extraídos das Sonatasde Scarlatti sobre as Sonatas de Beethoven.

Anexo F - Exemplo de código Humdrum

Neste anexo é apresentado um exemplo da conversão de uma partitura para o códigoHumdrum. Os valores das figuras e das frequencias são expressos alfanumericamente. Asletras representam as notas musicais, usando o sistema germânico de notação, e os númerosrepresentam as figuras. Por exemplo, o número 2 representa a mínima, o 4 a semínima, o8 a colcheia, e assim por diante.

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Referências 79

Anexo A

Inventário do arquiduque Rudolphda Áustria

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Referências 82

Anexo B

Fichas catalográficas do arquivo daGesellschaft der Musikfreunde dasedições das Sonatas de Scarlatti quechegaram a Viena

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Referências 111

Anexo C

Lista das 32 Sonatas para piano deBeethoven

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Referências 112

Primeiro Período Composicional de Beethoven (1770 – 1800)Sonata opus 2 nº 1 em fá menor, 4 MovimentosSonata opus 2 nº 2 em Lá Maior, 4 MovimentosSonata opus 2 nº 3 em Dó Maior, 4 MovimentosSonata opus 7 em Mi-bemól Maior, 4 MovimentosSonata opus 10 nº 1 em dó menor, 3 MovimentosSonata opus 10 nº 2 em Fá Maior, 3 MovimentosSonata opus 10 nº 3 em Ré Maior, 4 MovimentosSonata opus 13 em dó menor, 3 MovimentosSonata opus 14 nº 1 em Mi Maior, 3 MovimentosSonata opus 14 nº 2 em Sol Maior, 3 MovimentosSonata opus 22 em Si-bemól Maior, 4 MovimentosSonata opus 26 em Lá-bemól Maior, 4 MovimentosSonata opus 27 nº 1 em Mi-bemól Maior, 4 MovimentosSonata opus 27 nº 2 em dó-sustenido menor, 3 MovimentosSonata opus 28 em Ré Maior, 4 Movimentos

Segundo Período Composicional de Beethoven (1801 – 1814)Sonata opus 31 nº 1 em Sol Maior, 3 MovimentosSonata opus 31 nº 2 em ré menor, 3 MovimentosSonata opus 31 nº 3 em Mi-bemól Maior, 4 MovimentosSonata opus 49 nº 1 em Sol Maior, 2 MovimentosSonata opus 49 nº 2 em Sol Maior, 2 MovimentosSonata opus 53 em Dó Maior, 3 MovimentosSonata opus 54 em Fá Maior, 2 MovimentosSonata opus 57 em fá menor, 3 MovimentosSonata opus 78 em Fá-sustenido Maior, 2 MovimentosSonata opus 79 em Sol Maior, 3 MovimentosSonata opus 81a em Mi-bemól Maior, 3 Movimentos

Terceiro Período Composicional de Beethoven (1815 – 1827)Sonata opus 90 em mi menor, 2 MovimentosSonata opus 101 em Mi Maior, 4 MovimentosSonata opus 106 em Si-bemól Maior, 4 MovimentosSonata opus 109 em Mi Maior, 3 Movimentos

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Referências 113

Anexo D

Lista das 200 Sonatas de Scarlatti daedição de Carl Czerny

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Cz K Tonalidade Andamento

1 125 Sol Maior Vivo

2 126 dó menor Allegro

3 127 Lá-bemól Maior Allegro

4 131 si-bemól menor Allegro

5 182 Lá Maior Allegro

6 1 ré menor Allegro

7 2 Sol Maior Presto

8 3 lá menor Presto

9 4 sol menor Allegro

10 5 ré menor Allegro

11 6 Fá Maior Allegro

12 7 lá menor Presto

13 8 sol menor Allegro

14 9 ré menor Allegro

15 10 ré menor Presto

16 179 sol menor Allegro

Page 115: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

17 11 dó menor Allegro

18 12 sol menor Presto

19 13 Sol Maior Presto

20 14 Sol Maior Presto

21 15 mi menor Allegro

22 16 Si-bemól Maior Presto

23 17 Fá Maior Presto

24 18 ré menor Presto

25 19 fá menor Allegro

26 20 Mi Maior Presto

27 21 Ré Maior Allegro

28 22 dó menor Allegro

29 23 Ré Maior Allegro

30 24 Lá Maior Presto

31 25 Fá-sustenido menor Allegro

32 26 Lá Maior Presto

33 27 si menor Allegro

Page 116: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

34 28 Mi Maior Presto

35 35 sol menor Allegro

36 29 Ré Maior Presto

37 474 Mi-bemól Maior Andante cantabile

38 476 sol menor Allegro

39 481 fá menor Andante cantabile

40 482 Fá Maior Allegrissimo

41 468 Fá Maior Allegro

42 483 Fá Maior Presto

43 458 Ré Maior Allegro

44 450 sol menor Allegrissimo

45 426 sol menor Andante

46 428 Lá Maior Allegro

47 429 Lá Maior Allegro

48 124 Sol Maior Allegro

49 211 Lá Maior Andantino

50 430 Ré Maior Non presto ma a tempo di ballo

Page 117: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

51 134 Mi Maior Allegro

52 113 Lá Maior Allegro

53 54 lá menor Allegro

54 259 Sol Maior Andante

55 487 Dó Maior Allegro

56 260 Sol Maior Allegro

57 56 dó menor Con spirito

58 33 Ré Maior -

59 31 sol menor Allegro

60 38 Fá Maior Allegro

61 36 lá menor Allegro

62 37 dó menor Allegro

63 112 Si-bemól Maior Allegro

64 115 dó menor Allegro

65 39 Lá Maior Allegro

66 216 Mi Maior Allegro

67 531 Mi Maior Allegro

Page 118: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

68 119 Ré Maior Allegro

69 398 Dó Maior Andante

70 477 Sol Maior Allegrissimo

71 159 Dó Maior Allegro

72 446 Fá Maior Pastorale Allegrissimo

73 469 Fá Maior Allegro molto

74 101 Lá Maior Allegro

75 244 Si Maior Allegro

76 116 dó menor Allegro

77 132 Dó Maior Cantabile

78 135 Mi Maior Allegro

79 96 Ré Maior Allegrissimo

80 215 Mi Maior Andante

81 247 dó-sustenido menor Allegro

82 299 Ré Maior Allegro

83 95 Dó Maior -

84 120 ré menor Allegrissimo

Page 119: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

85 180 Sol Maior Allegro vivo

86 400 Ré Maior Allegro

87 298 Ré Maior Allegro

88 246 dó-sustenido menor Allegro

89 366 Fá Maior Allegro

90 133 Dó Maior Allegro

91 490 Ré Maior Cantabile

92 381 Mi Maior Allegro

93 45 Ré Maior Allegro

94 206 Mi Maior Andante

95 462 fá menor Andante

96 463 fá menor Molto allegro

97 475 Mi-bemól Maior Allegrissimo

98 66 Si-bemól Maior Allegro

99 378 Fá Maior Allegro

100 380 Mi Maior Andante comodo

101 218 lá menor Vivo

Page 120: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

102 192 Mi-bemól Maior Allegro

103 451 lá menor Allegro

104 156 Dó Maior Allegro

105 100 Dó Maior Allegrissimo

106 107 Fá Maior Allegro

107 106 Fá Maior Allegro

108 117 Dó Maior Allegro

109 136 Mi Maior Allegro

110 202 Si-bemól Maior Allegro

111 176 ré menor Cantabile andante - Allegrissimo

112 172 Si-bemól Maior Allegro

113 190 Si-bemól Maior Allegro

114 183 fá menor Allegro

115 69 fá menor -

116 147 mi menor -

117 104 Sol Maior Allegro

118 141 ré menor Allegro

Page 121: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

119 315 sol menor Allegro

120 313 Ré Maior Allegro

121 265 lá menor Allegro

122 275 Fá Maior Allegro

123 283 Sol Maior Andante allegro

124 377 si menor Allegrissimo

125 364 fá menor Allegro

126 365 fá menor Allegro

127 178 Ré Maior Vivo

128 326 Dó Maior Allegro

129 327 Dó Maior Allegro

130 367 Fá Maior Presto

131 368 Lá Maior Allegro

132 369 Lá Maior Allegro

133 223 Ré Maior Allegro

134 224 Ré Maior Vivo

135 229 Si-bemól Maior Allegro vivo

Page 122: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

136 233 mi menor Allegro

137 241 Sol Maior Allegro

138 257 Fá Maior Allegro

139 437 Fá Maior Andante comodo

140 438 Fá Maior Allegro

141 422 Dó Maior Allegro

142 424 Sol Maior Allegro

143 423 Dó Maior Presto

144 425 Sol Maior Allegro molto

145 427 Sol Maior Presto quanto sia possible

146 441 Si-bemól Maior Allegro

147 442 Si-bemól Maior Allegro

148 443 Ré Maior Allegro

149 444 ré menor Allegrissimo

150 445 Fá Maior Allegro o presto

151 447 Fá-sustenido menor Allegro

152 448 Fá-sustenido menor Allegro

Page 123: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

153 449 Sol Maior Allegro

154 454 Sol Maior Andante spirituoso

155 455 Sol Maior Allegro

156 456 Lá Maior Allegro

157 457 Lá Maior Allegro

158 460 Dó Maior Allegro

159 465 Dó Maior Allegro

161 55 Sol Maior Allegro

162 278 Ré Maior Con velocita

163 387 fá menor Veloce e fugato

164 386 fá menor Presto

165 343 Lá Maior Allegro andante

166 261 Si Maior Allegro

167 108 sol menor Allegro

168 372 Sol Maior Allegro

169 420 Dó Maior Allegro

170 421 Dó Maior Allegro

Page 124: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

171 432 Sol Maior Allegro

172 433 Sol Maior Vivo

173 53 Ré Maior Presto

174 435 Ré Maior Allegro

175 44 Fá Maior Allegro

176 434 ré menor Andante

177 347 sol menor Moderato cantabile

178 348 Sol Maior Prestissimo

179 173 si menor Allegro

180 201 Sol Maior Vivo

181 50 fá menor Allegro

182 212 Lá Maior Allegro molto

183 553 ré menor Allegro

184 551 Si-bemól Maior Allegro

185 535 Ré Maior Allegro

186 533 Lá Maior Allegro assai

187 532 lá menor Allegro

Page 125: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

Observação: A Sonata Cz.160 é uma duplicação da Cz.106 / K.107

188 529 Si-bemól Maior Allegro

189 519 fá menor Allegro assai

190 517 ré menor Prestissimo

191 sp.8 lá menor Allegro

192 sp.9 Sol Maior Allegro

193 526 dó menor Allegro Comodo

194 525 Fá Maior Allegro

195 sp.6 Fá Maior Andante Cantabile

196 sp.7 Fá Maior Allegro Vivace

197 523 Sol Maior Allegro

198 41 ré menor Moderato

199 30 sol menor Allegro Assai

200 sp.1 fá menor Allegro Maestoso

Page 126: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

Referências 126

Anexo E

Código computacional do toolkitmusic21

Page 127: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

Referências 127

# coding: utf-8

import music21 as m, numpy as nfrom itertools import groupbyimport matplotlib.pyplot as plt

# parametrosMAX_TOLERANCIA = 4ARQ_SCARLATTI = ’motscar.txt’

# lemos os motivos do arquivo de confintervalos_scar = []ids_scar = []for line in open(ARQ_SCARLATTI):if line.strip():partes = line.split(’]’)mot = partes[0].replace(’[’, ’’)ide = partes[1].replace(’\n’, ’’)intervalos_scar.append([int(x) for x in mot.split(’,’)])ids_scar.append(ide)

# corpus que iremos considerarcompositores = [’beethoven’, ’mozart’]

cos = []qtd_notas_ambos = []

# analisamos cada compositorfor compositor in compositores:corpus = open(’corpus_%s.txt’ % compositor)linhas = corpus.readlines()enco_todos = []qtd_notas = 0hums = [l.split(’/’)[-1].replace(’\n’, ’’) for l in linhas]

print ’!’ * 80print ’!!!!! ANALISANDO %s !!!!!’ % compositorprint ’!’ * 80

# e cada sonata de cada compositorfor hum in hums:print ’Sonata %s de %s’ % (hum, compositor)print ’-’ * 80

# importamos a sonataopus = m.converter.parse(’corpus_%s/%s’ % (compositor, hum))

# procura quem é a clave de Gids_vozes = [voz.id for voz in opus.parts]

if ’spine_0’ in ids_vozes:voz_aguda = ’spine_0’elif ’spine_1’ in ids_vozes:voz_aguda = ’spine_1’else:voz_aguda = ’spine_2’

# selecionamos apenas a clave de G

Page 128: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

Referências 128

voz = opus.getElementById(voz_aguda)

# quais compassos? começa contar por 0...compassos = voz.measures(1, 1000)# percorremos cada compasso analisando as notascomps = []for compasso in compassos.getElementsByClass(m.stream.Measure):notas = []# percorremos cada nota do compassofor nota in compasso.notes:# consideramos apenas notasif type(nota) == m.note.Note:# guardamos o valor MIDI da notanotas.append(nota.midi)# guardamos todas as notas desse compasso em uma listacomps.append(notas)# limpamos os repetidos consecutivos dos compassosfor i in xrange(len(comps)):comps[i] = [x[0] for x in groupby(comps[i])]

# limpamos os repetidos "das pontas"for i in xrange(len(comps)-1):if len(comps[i]) > 0 and len(comps[i+1]) > 0:j = 0while (comps[i][-1] == comps[i+1][j]):del comps[i+1][j]

if j == len(comps[i+1]):break

if comps[i][-1] != comps[i+1][j]:breakj += 1

# contamos as notas de cada compasso dessa sonata e soma ao todoqtd_notas += sum([len(comp) for comp in comps])

# cria lista de intervalos considerando compassosinters = []ultimo = Nonefor i in xrange(len(comps)):if len(comps[i]) == 0:inters.append([])else:if ultimo == None:l = []for j in xrange(len(comps[i])-1):l.append(comps[i][j+1] - comps[i][j])ultimo = comps[i][j+1]inters.append(l)else:l = [comps[i][0] - ultimo]for j in xrange(len(comps[i])-1):l.append(comps[i][j+1] - comps[i][j])ultimo = comps[i][j+1]if len(comps[i]) == 1:ultimo = comps[i][0]inters.append(l)

Page 129: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

Referências 129

# percorremos lista de intervalos e coletamos as incidências# para cada motivo intervalar de scarlattiC = []ci = 0for inter_scar in intervalos_scar:C_inter = []for tol in range(MAX_TOLERANCIA):C_tol = []for i in xrange(len(inters)):inter = inters[i]for j in xrange(len(inter)):trecho = inter[j:j+len(inter_scar)]c = Noneif len(trecho) < len(inter_scar): # preciso de notascompletado = trecho[:]k = 1falta = None# procuro notas nos proximos k compassos,# ateh me fartarwhile ((len(inter_scar) - len(completado)) > 0) and ((i+k) < len(inters)):falta = len(inter_scar) - len(completado)if (i+k) < len(inters):if len(inters[i+k]):completado.extend(inters[i+k][:falta])k += 1if len(completado) == len(inter_scar):c = [i, j, i+k-1, falta-1, completado, [completado[x]-inter_scar[x] for x in xrange(len(inter_scar))]]else: # nao preciso procurar mais notas, jah estah okc = [i, j, i, j+len(inter_scar)-1, trecho, [trecho[x]-inter_scar[x] for x in xrange(len(inter_scar))]]if c != None:inci = [c[4][x]-tol <= inter_scar[x] <= c[4][x]+tol for x in xrange(len(inter_scar))]if sum(inci) == len(inter_scar):C_tol.append(c)C_inter.append(C_tol)C.append(C_inter)

# sobre C...## cada elemento em C possui uma lista com as tolerâncias# cada uma dessas listas contém uma lista de incidências# cada incidência tem o seguinte formato:## [compasso ini,# nota ini,# compasso fim,# nota fim,# motivo encontrado,# motivo encontrado - motivo alvo]# gerando resultado/saidaenco = []for i in xrange(len(C)):j = 0for inci in C[i]:enco.append([intervalos_scar[i], j+1, len(inci)])if len(inci) != 0:if j != 0:print ’\n\nPara motivo %s %s e tolerância +-%s, encontradas %s incidências.\n\n’ % (intervalos_scar[i], ids_scar[i], j, len(inci))else:print ’\n\nPara motivo %s %s ESTRITO, encontradas %s incidências.\n\n’ % (intervalos_scar[i], ids_scar[i], len(inci))

Page 130: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

Referências 130

print ’C.ini\tN ini\tC.fim\tN.fim\tM.encontrado’print ’-’ * 80for incii in inci:print ’%s\t%s\t%s\t%s\t%s’ % (incii[0]+1, incii[1]+1, incii[2]+1, incii[3]+1, incii[4])j += 1#print ’\n’#print ’*’ * 80print ’\n’# para motivo x, quantidade de incidencias em enco#print encoenco_todos.append(enco)

# para gerar gráfico de tolerânciasco = []for j in xrange(MAX_TOLERANCIA):bar = []for i in xrange(len(intervalos_scar)):l = MAX_TOLERANCIAfoo = sum([[y[2] for y in x[i*l:i*l+l]][j] for x in enco_todos])bar.append(foo)co.append(bar)cos.append(co)

qtd_notas_ambos.append(qtd_notas)

# depois fazer razão com qtd_notas_ambos[0] (beethoven) e qtd_notas_ambos[1]# (mozart)#print qtd_notas_ambos

fator = float(qtd_notas_ambos[0]) / qtd_notas_ambos[1]

print qtd_notas_ambos[0], qtd_notas_ambos[1], fator

fig = plt.figure(num=None, figsize=(15, 10))plot = fig.add_subplot(111)# beethovencores = ’cbgr’for i in xrange(MAX_TOLERANCIA):plot.plot(range(len(intervalos_scar)), [x/fator for x in cos[0][i]], color=cores[i], marker=’o’)# mozartfor i in xrange(MAX_TOLERANCIA):plot.plot(range(len(intervalos_scar)), [x/fator for x in cos[1][i]], color=cores[i], marker=’+’, alpha=.6)

plot.legend((’Beethoven estrito’, ’Beethoven $\pm1$’, ’Beethoven $\pm2$’, ’Beethoven $\pm3$’,’Mozart estrito’, ’Mozart $\pm1$’, ’Mozart $\pm2$’, ’Mozart $\pm3$’), shadow=True)plot.set_xticks(range(len(intervalos_scar)))plot.set_xticklabels(ids_scar)plot.set_xlim((0,len(intervalos_scar)-1))fig.autofmt_xdate()plot.set_title(’Incidencias em sonatas de Beethoven e Mozart considerando tolerancias’)plot.set_xlabel(’motivos’)plot.set_ylabel(’incidencias (em todas as sonatas do corpus)’)fig.savefig(’tolerancias_ambos.png’)

#### gráfico beethoven

fig = plt.figure(num=None, figsize=(15, 10))plot = fig.add_subplot(211)# beethoven

Page 131: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

Referências 131

cores = ’kbgr’for i in xrange(MAX_TOLERANCIA):plot.plot(range(len(intervalos_scar)), cos[0][i], color=cores[i], marker=’o’)plot.legend((’Estrito’, ’Tolerancia $\pm1$’, ’Tolerancia $\pm2$’, ’Tolerancia $\pm3$’), shadow=True)plot.set_xticks(range(len(intervalos_scar)))plot.set_xticklabels(ids_scar)plot.set_xlim((0,len(intervalos_scar)-1))fig.autofmt_xdate()plot.set_title(’Incidencias em sonatas de Beethoven considerando tolerancias’)plot.set_xlabel(’motivos’)plot.set_ylabel(’incidencias (em todas as sonatas)’)

plot = fig.add_subplot(212)# mozartfor i in xrange(MAX_TOLERANCIA):plot.plot(range(len(intervalos_scar)), cos[1][i], color=cores[i], marker=’o’)

plot.legend((’Estrito’, ’Tolerancia $\pm1$’, ’Tolerancia $\pm2$’, ’Tolerancia $\pm3$’), shadow=True)plot.set_xticks(range(len(intervalos_scar)))plot.set_xticklabels(ids_scar)plot.set_xlim((0,len(intervalos_scar)-1))fig.autofmt_xdate()plot.set_title(’Incidencias em sonatas de Mozart considerando tolerancias’)plot.set_xlabel(’motivos’)plot.set_ylabel(’incidencias (em todas as sonatas)’)fig.savefig(’tolerancias_separados.png’)

Page 132: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

Referências 132

Anexo F

Exemplo de código Humdrum

Page 133: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

Referências 133

Figura F.1 – Sonata Op. 2 n. 1

Partitura da Sonata op. 2 n. 1 (Figura F.1) convertida para o formato humdrum

Page 134: Scarlatti e Beethoven: proximidades?

Referências 134

(Figura F.2), do compasso 1 ao 4.

Figura F.2 – Codificação Humdrum dos primeiros quatro compassos da partitura apresentada na Fi-gura F.1.