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Rituais ontem e hoje

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O que a marcha do MST, peregrinações religiosas, o carnaval e trocas cerimoniais como o kula da Melanésia têm em comum? O conceito antropológico de ritual une essas e várias outras manifestações culturais. Mariza Peirano analisa aqui o desenvolvimento dessa idéia, derrubando preconceitos e mostrando como ela pode ser reapropriada inclusive para o exame de eventos do cotidiano.

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ColeçãoPASSO-A-PASSO

CIÊNCIASSOCIAISPASSO-A-PASSODireção:CelsoCastro

FILOSOFIAPASSO-A-PASSODireção:DenisL.Rosenfield

PSICANÁLISEPASSO-A-PASSODireção:MarcoAntonioCoutinhoJorge

Verlistadetítulosnofinaldovolume

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MarizaPeirano

Rituaisontemehoje

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Sumário

Introdução

Oconceitoderitualhoje

Opotlacheokula:àpartedahistoriografiadosrituais

Ahistoriografiacanônica

Rituaisemagia

Mitoseritos

Ocarnavalcomoritual

Amarchapolíticacomoritual

Conclusão

Referênciasefontes

Leiturasrecomendadas

Sobreaautora

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Agradecimentos

Este texto foi escrito no primeiro semestre de 2002, quando estiveassociada ao David Rockefeller Center for Latin American Studies, naUniversidadedeHarvard.Asexcelentes condiçõesde trabalhodoCentropermitiram-me total concentração na elaboração do livro. Durante esseperíodo, recebi uma bolsa “Estágio Senior” doCNPq.Agradeço aCelsoCastro o convite e o diálogo; aWilson Trajano Filho, as sugestões; e aStanleyTambiah,aconfiança.

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Introdução

Emqualquer tempoou lugar, avida social é sempremarcadapor rituais.Estaafirmaçãopodeserinesperadaparamuitos,porquetendemosanegartantoaexistênciaquantoaimportânciadosrituaisnanossavidacotidiana.Em geral, consideramos que rituais seriam eventos de sociedadeshistóricas,davidanacorteeuropéiaporexemplo,ou,emoutroextremo,desociedades indígenas. Entre nós, a inclinação inicial é diminuir suarelevância. Muitas vezes comentamos: “Ah, foi apenas um ritual”,querendo enfatizar exatamente que o evento em questão não teve maiorsignificado e conteúdo. Por exemplo, um discurso pode receber estecomentárioseforconsideradosuperficialemrelaçãoàexpectativadeumimportantecomunicado.Ritual,nestecaso,éadimensãomenosimportantedeumevento,sinaldeumaformavazia,algopoucosério—e,portanto,“apenas um ritual”. Agimos como se desconhecêssemos que forma econteúdoestãosemprecombinadoseassociamosoritualapenasà forma,istoé, àconvencionalidade,à rigidez,ao tradicionalismoeaostatusquo.Tudo se passa como se nós, modernos, guiados pela livre vontade,estivéssemos liberados deste fenômeno do passado. Em suma, usamos otermo ritual no dia-a-dia com uma conotação de fenômeno formal earcaico.

Este livro tem como objetivo mostrar em que sentido essas noçõesnegativas do ritual estão equivocadas. Minha perspectiva é, portanto,otimista e afirmativa em relação aos rituais.Aomesmo tempo, pretendoapontar para o potencial da antropologia em favorecer uma compreensãomais nuançada, mais densa e menos sociocêntrica de fenômenoscontemporâneos. Como um dos pontos centrais, sugiro que nosso sensocomumgeralmentesebaseiaemumadicotomiapreconceituosasobreduasmaneiras de pensar e viver. Elas surgem como se fossem polares eirreconciliáveis, mas não o são. De um lado, existe uma crença de quepensamos e vivemos de forma racional e lógica. No outro extremo,tendemos a imaginar que a vida fora domundo urbano ocidental é não-racional, mística ou, mesmo, irracional. Nos dois casos, dominamjulgamentos de valor apressados que podem nos levar a visõesmaniqueístasperigosas.Nelasnãohá lugarpara tonalidadesenuanças—só para extremos como branco e preto; não há qualidades humanas deentendimentoecompreensão—apenasobemouomal.Énestecontexto

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que a antropologia surge comoumapromessaqueprecisamos aproveitar.Osrituaissãoumadasportasparaessaabordagem.

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Oconceitoderitualhoje

O nosso ponto de partida será uma definição operativa de ritual, que sefundamentasobreasseguintesbasesecomaseguinteorientação:• primeiro, evitamos uma definição rígida e absoluta.A compreensão doqueéumritualnãopodeserantecipada.Elaprecisaseretnográfica,istoé, apreendida pelo pesquisador em campo junto ao grupo que eleobserva.Estaposturaderivadanoçãodequeaantropologiasempredeu(ou teve como intenção dar) razão e voz aos nativos, levando emconsideraçãoaperspectivadeum“outro”diferente,degruposquenãopensameagemcomonós.Explicoemrelaçãoaos rituais:em todasassociedades, existem eventos que são considerados especiais.Na nossa,por exemplo, distinguimos uma formatura, um casamento, umacampanhaeleitoral,apossedeumpresidentedarepública,eatémesmoum jogo final da Copa do Mundo como eventos especiais e não-cotidianos. Quando assim vistos, eles são potencialmente “rituais”. Opesquisadordeve,portanto,desenvolveracapacidadedeapreenderoqueos nativos estão indicando como sendo único, excepcional, crítico,diferente;

•segundo,sugiroqueanaturezadoseventosrituaisnãoestáemquestão:elespodemserprofanos,religiosos,festivos,formais,informais,simplesouelaborados.Seaceitamosquetodososeventosmencionadosnoitemanterior(formatura,eleição,jogodefutebol)podemseranalisadoscomorituais, não nos interessa seu conteúdo explícito— interessa, sim, queelestenhamumaformaespecífica(umcertograudeconvencionalidade,deredundância,quecombinempalavraseoutrasaçõesetc.);

•terceiro,seestabelecemosqueadefiniçãoéetnográfica,entãoumritualnãosecaracterizapelaausênciadeumaaparente racionalidadeoupelafaltadeumarelaçãoinstrumentalentremeiosefins.Estessãocritériosda nossa sociedade e só podem confundir a percepção se osconsideramos uma medida universal. Afinal, somos nós que nosacreditamosmaisracionais,maisespontâneos,maispragmáticos.Assimsendo, definições antecipadas— de ritual ou, aliás, de qualquer outrofenômeno — só tendem ao empobrecimento se não coincidem comnossosvaloresexplícitos;

•quarto,partindodoprincípiodequeumasociedadepossuiumrepertóriorelativamente definido (embora flexível), compartilhado e público de

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categorias, classificações, formas, valores etc., o que se encontra noritualtambémestápresentenodia-a-dia—evice-versa.Consideramosoritual um fenômeno especial da sociedade, que nos aponta e revelarepresentações e valores de uma sociedade, mas o ritual expande,ilumina e ressalta o que já é comum a um determinado grupo. Comovenhoenfatizando,aoinvésdenosfixarmosnoscritérios(ocidentais)deracionalidade, procuraremos seguir critérios de criatividade e eficácia.Rituais são bons para transmitir valores e conhecimentos e tambémprópriospararesolverconflitosereproduzirasrelaçõessociais;

• finalmente, comovivemos em sociedade, tudo aquilo que fazemos temumelementocomunicativoimplícito.Aonosvestirmosdedeterminadaforma, ao assumirmos determinadas maneiras à mesa, ao escolhermosdeterminados lugares para freqüentar, estamos comunicandopreferências, status, opções. Da mesma forma, falar também é umaformadeagir,comoqualqueroutrotipodefenômeno:falarefazertêm,cadaum,suaprópriaeficáciaepropósito,masambossãoaçõessociais.Com base nestes cinco pontos, adotamos uma definição operativa,

formulada por Stanley Tambiah, antropólogo que se distinguiu pelosestudos contemporâneos sobre rituais. Traduzo de forma livre um textoelaboradoem1985,acrescentandoalgunsexemplosquenossãopróximos:

O ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica. Ele éconstituído de seqüências ordenadas e padronizadas de palavras eatos,emgeralexpressospormúltiplosmeios.Estasseqüênciastêmconteúdoearranjocaracterizadosporgrausvariadosdeformalidade(convencionalidade), estereotipia (rigidez), condensação (fusão) eredundância(repetição).Aaçãoritualnosseustraçosconstitutivospodeservistacomo“performativa”emtrêssentidos:1)nosentidopelo qual dizer é também fazer alguma coisa como um atoconvencional [comoquando se diz “sim” à pergunta dopadre emum casamento]; 2) no sentido pelo qual os participantesexperimentam intensamente uma performance que utiliza váriosmeiosde comunicação [umexemplo seria o nosso carnaval] e 3),finalmente, no sentido de valores sendo inferidos e criados pelosatores durante a performance [por exemplo, quando identificamoscomo“Brasil”otimedefutebolcampeãodomundo].

Asimplicaçõesdessasidéiasserãoapreciadasnodecorrerdolivro,masdesde já se pode perceber a distância existente entre a abordagem quevamoselaborandoeaidéiade“ritual”dosensocomum.Istoé,ritualnãoé

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algo fossilizado, imutável,definitivo.Masatéosantropólogos foram,pormuitotempo,vítimasdestavisãopreconceituosaderitual—antropólogos,emsuamaioria, tambémfazempartedasociedadeocidental.Para indicarcomo esse fato afeta a disciplina, cito dois exemplos de fenômenos quemarcaram,emtermosetnográficoseteóricos,ahistóriadaantropologia:opotlacheokula.Noentanto, sua importânciae sua influêncianão foramatribuídasaofatodeseconstituíremem“rituais”.Porquenão?

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Opotlacheokula:àpartedahistoriografiadosrituais

Háumséculo,entre1890e1915,aproximadamente,quandooseuropeus(eosantropólogos)seconsideravampartedeumacivilizaçãoacimadetudoracional,opotlacheokulachamaramaatençãorespectivamentedeFranzBoas (que pesquisou os kwakiutl no noroeste dos Estados Unidos) e deBronislaw Malinowski (na Melanésia), porque ambos os fenômenoscontestavam o senso comum sobre a racionalidade econômica. Afinal, opotlachpareciaumgrandedesperdíciodebenspreciosos(atalpontoqueogoverno norte-americano da época tentou proibi-lo). Por sua vez, o kulaparecia uma troca muito elaborada de objetos preciosos mas inúteis. OméritodeBoasedeMalinowskifoioderecuperarosignificadopositivodesses dois fenômenos, indicando sua importância para os gruposqueosinventa ram e/ou adotaram— e demonstrando que o Ocidente tambémtinhacasosequivalentes.

Vejamosumpoucomelhorosdois.Primeiro,opotlach,identificadonofinal do século XIX entre os prósperos Tinglit e Haida do noroeste dosEstados Unidos. Esses grupos passavam invernos longos e frios emcontínuos festivais, banquetes, feiras e mercados, que eram, ao mesmotempo,encontrostribaissolenesdecomunidadesantagônicas.Oespíritoderivalidade, no entanto, não se manifestava em lutas ou guerras, mas emdestruiçãodaprópriariquezaacumulada.Essaeraaformadedesafiarumchefeoposto—que,então,precisariadestruirmaisriquezasparasuplantara posição hierárquica do rival. Nessas ocasiões, é preciso salientar, nãoapenas ocorria destruição de propriedade (como queima de cobertores,lançamento de placas de cobre decoradas ao mar etc.), mas também serealizavamcasamentos, iniciaçõesde jovens, sessõesxamanísticas, cultosaosdeuses,aostotenseaosancestrais,alémdecomérciorotineiro.

Jánokula, não se tratavadedestruiçãodepropriedade,masde trocacerimonialdebraceletesecolares.Nessecaso,oaspectobizarroficavaporconta da preciosidade de ambos os artefatos que, apesar de seremconsiderados muito valiosos, quase nunca eram usados. Braceletes ecolareseramminúsculosou,aocontrário,enormes.Apesardessaaparentefaltade racionalidade, a trocadokulamobilizava todoo arquipélagodasilhasTrobriand,emumsistemaintereintratribaldetransações.Paratrocarbraceletes por colares (e vice-versa) com seus parceiros, os chefes

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trobriandeses construíam canoas, sofisticadas em termos náuticos eelaboradas no aspecto estético, e se lançavam em grandes expediçõesmarítimas. As trocas eram, então, conduzidas de maneira consideradanobre, istoé,segundooscostumeslocais,aparentementedesinteressadaede formamodesta.Tudo acontecia ao somdo sopro de uma concha, queindicava a solenidade da ocasião. Como no caso do potlach, o kulaconsistiaemumsistemacomplexo,emquesealternavamasatividadesdeoferecer e retribuir. A posse dos objetos era sempre temporária e aretribuiçãonãopodiaserimediata.(ComoataçadeumaCopaMundialdeFutebol, todos aqueles eramobjetos que, por sua natureza, devempassaradiante.)

Vemosentãoque,quandoBoaseMalinowskitrouxeramopotlacheokulaparaoconhecimentodomundoocidental,oaspectodominanteeraodaafirmaçãodaracionalidadedessaspráticas.Explico:comosetratavadecasosestranhosàlógicaocidental—purodesperdíciodebenspreciososnocasodopotlachetrocadeobjetosinúteisnokula—,arazãoeconômicaeraaquestãomaisóbviaaserdiscutida.OtrabalhodeBoasedeMalinowskitornou-seimportanteporcontradizerasteoriasdaépocasobreaeconomiaprimitiva. Kwakiutl e trobriandeses eram racionais em seus respectivoscontextossociais,esuaspráticastinhamumafunçãosociológicaespecíficade construção e manutenção de laços sociais duradouros. Neste sentido,autoresda época inseriamparalelos comomundoocidental paramostrarqueaquelaspráticaseramestranhasebizarrasapenasnaaparência.MarcelMauss,porexemplo,lembrouqueosfranceses,comooskwakiutl,tambémcompetiamcompresentescerimoniaisecasamentossuntuososesesentiamcompelidosarevanches—comgrande“desperdício”deriquezas.Porsuavez,Malinowski associouos objetos da trocadokula às jóias da realezabritânica — nem sempre bonitas, às vezes exageradas mesmo, masextremamentevaliosasedegrandeprestígio.

A ênfase dos antropólogos na negação da irracionalidade foi central.Naquelecontexto,então,ofatodeopotlachouokulaseremrituaisounãoeraumaquestãomenor.Paraos estudiososda épocaeramais importantefixar o significado nativo desses fenômenos. Veja como nem Boas nemMalinowski tentaram traduzir para o inglês os termos kwakiutl etrobriandês para os fenômenos que estou descrevendo, mantendo-os nooriginal.Noentanto,podemoshojeconstatarosaspectosrituaisdeambos:1)comofenômenosculturaisdecomunicação—semfazersentidoparaosocidentais, faziam-no para os nativos; 2) constituídos de seqüênciaspadronizadas de palavras e atos, freqüentemente expressos emmúltiplosmeios — colares, braceletes, diálogos cerimoniais, músicas, pinturas

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corporais, cobertores, placas de cobre, posturas etc. faziam parte dorepertóriodesteseventos;3)aformalidade,aestereotipiaearepetição—que os nativos reconheciam e enfatizavam— marcavam os eventos; 4)ambos produziam valores sociais durante a performance — status eprestígio eram construídos ou destruídos, concepções de riquezaestabelecidas,noçõesdedignidadeedegenerosidadereforçadas.

Vale, portanto, uma palavra rápida sobre o contexto da pesquisaantropológica nas primeiras décadas do século XX. Omodelo canônico,depois deMalinowski, estabelecia que o pesquisador deveria passar pelomenos dois anos imerso no campo para depois, de um lado, enfrentar odesafiode combinar a diversidadedas culturas, sociedades epovos e, deoutro, demonstrar a unidade psíquica da humanidade. Com essa agenda,antropólogosfizerampesquisasemlugaresremotos,nosquaisprecisavamaprender (e se tornar competentes) as línguas nativas para, finalmente,compreender o funcionamento de uma sociedade diversa e atingir, comperseverança,perspicáciaeempatia,“opontodevistadonativo”.

Assim, a comparação, explícita ou implícita, tornou-se umprocedimento usual na disciplina. A partir da comparação, a sociedadeocidentalpassouaserpercebidacomoapenasumcasoamaisnatotalidadedaexperiênciahumana.Resultado:umcerto tipode relativismopassouadominar a disciplina— costumes estranhos ao Ocidente passaram a serlógicos em seus contextos de origem. Como se alcançou este feito?Fixando-senoseventosquesurpreendiamosantropólogosnocampo,quesurgiam como “diferentes” ou estranhos. Foi assim que tanto o potlachquantookuladeixaramumamarcafundamentalnaantropologia.

Mas vimos como esses fenômenos desafiavam e confrontavam ascrençasdeumaprogressivaracionalidade—crençasestasquedominavamo senso comum na época. O mundo futuro seria o da ciência e daracionalidade. Magia e religião eram manifestações arcaicas, antigas ou,quandomuito, simples e elementares. É nesse ambiente que a discussãosobreritual,ligadajustamenteàsmanifestaçõesdemagiaedereligião,masnãosemambivalências,surgecomoumtemaexplicitamenterelevanteparaaantropologia.Vamosaestahistoriografia,então.

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Ahistoriografiacanônica

Comojámencionamos,noiníciodoséculoXXdominavanosensocomumuma dicotomia entre comportamentos não-racionais,místicos e sagrados,de um lado, e comportamentos racionais, utilitários e profanos, de outro.Na antropologia, esta dicotomia desencadeou reações teóricas diversas,quandonãoopostas.Paraalgunsautores,o ritual,comopartedamagiaereligião,eracoisaultrapassada;paraoutros,elepoderiaajudaraesclarecerformaselementaresdesociabilidade.

Duas correntes exemplificam essas posições polares. James Frazer eEdwardTylor,ambosautoresingleses,partilhavamaprimeiravisão;ÉmileDurkheim e Marcel Mauss, sociólogos franceses, a segunda. EnquantoFrazer e Tylor colocavam especial ênfase no pensamento— e, portanto,vinculavamo ritualdiretamenteàsquestõesda racionalidadehumana—,Durkheim e Mauss inovavam ao enfatizar a sociedade, seu poder e suaeficácia— ao invés de procurar a “razão humana”, interessava a eles a“razão da sociedade”. Os primeiros ficaram conhecidos como“intelectualistas”;ossegundos,como“sociológicos”.

Durkheim e Mauss. O que significa dar prioridade à sociedade? ParaDurkheim (1858-1917)eMauss (1872-1950), a sociedadeéum todoquenos antecede, com poderes de guiar nossa vida, reproduzindo-a e/outransformando-a. Assim como a língua que falamos, nossa liberdade ecriatividade desenvolvem-se em um contexto. Com a finalidade deexaminarosprocessosdesociabilidade,Durkheimpropõeumaconcepçãodesociedadequeestabeleceumvínculoessencialentrerituais,deumlado,erepresentações,deoutro.Porsuavez,essevínculoincluiaconsideraçãodaeficáciasocial:“Ofielquesepôsemcontatocomseudeusnãoéapenasum homem que percebe verdades novas que o descrente ignora, é umhomemquepodemais.”Refutandoa idéiadequea religiãoéapenasumsistemade idéias, paraDurkheimos cultos são a prova experimental dascrenças, sustentando-as—os cultos (ou rituais) são “atos de sociedade”.Atravésdeles,asociedadetomaconsciênciadesi,serecriaeseafirma.

Douumexemplopróximo:parareafirmaraidéiadequeoBrasiléumEstado-nação, desenvolvemos vários rituais, como o dia que celebra aProclamaçãoda Independência,daRepúblicaetc.Outros rituais,comoaseleições para presidente, tornam-se, eles próprios, uma consagração da

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nacionalidade.Essasdatas“rituais”(diasespeciais,feriadosnacionais,como envolvimento da população) reafirmam nosso status como naçãoindependente e recriam regularmente essa idéia. Para Durkheim, rituaiscriam um corpo de idéias e valores que, sendo socialmente partilhados,assumem uma conotação religiosa. Religião para Durkheim e Mauss,portanto, não é algo que diz necessariamente respeito aos deuses e aosobrenatural, mas à sociedade. A sociedade é “sagrada”, já dada,sacrossanta; sua existência não é questionável. (O sociólogo norte-americanoRobertBellahcunhouotermo“religiãocivil”paracaracterizarosvaloressociaisnosEstadosUnidos.)

Rituais e representações formam, à vista disso, um par indissociável.Mas, para sua sobrevivência, é necessário um grupo de pessoas, umacomunidademoralrelativamenteunidaemtornodedeterminadosvalores.AessacomunidadeDurkheimchamade“igreja”.(Note-se,portanto,queotermoigrejanãotemomesmosentidoqueosensocomumatribui, istoé,umaedificaçãoprópriaparapráticasreligiosasouumacomunidadecristã.)Rituaise representaçõessão tãodeterminantesdavidaemsociedadeque,muitas vezes, exigem que os indivíduos dêem sua própria vida paradefendê-los, como, por exemplo, em casos de guerra.Mas tambémestãopresentesemgrandesfestividades,comodemonstraçõespopulares.

Umanotabreve:Durkheim teve emWilliamRobertsonSmith (1846-1894) um antecessor na identificação de representações e de rituais.Professordeteologia,RobertsonSmithadvogavaoestudocomparativodasreligiões. Embora o cristianismo fosse sua religião modelo, para elequalquer uma consistia — como para Durkheim depois — em crenças(dogmas)epráticas(rituais),oritualtendorelativapredominânciasobreascrenças.

Tylor e Frazer. Se Durkheim desenvolveu uma visão sociológica, Tylor(1832-1917) eFrazer (1854-1941) sãovistos como“intelectualistas”pelaênfaseque colocaramnopensamentohumano.ParaTylor, adefiniçãodereligião centrava-sena “crença emseres espirituais”, quenãoadvinhadasociedade, como em Durkheim, mas era o produto de uma evoluçãonatural,regular,contínuaeprogressivadascapacidadesmentaisdoanimalhumanonoestadosocial.Sendooscostumesirracionaisoprodutodarazãoimperfeita,aevoluçãodeveriaserobjetodeumestudocientíficopróprio.Bastava então focalizar os vestígios que foram deixados de períodosanteriores, as superstições da época ou os “selvagens contemporâneos”paraobservaraevoluçãosocial.Assim,Tylorpropunhaqueacrençanosespíritos teria sido a primeira de uma série: o “animismo” seria a forma

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mais primitiva de religião e teve início a partir de um esforço racional(embora não crítico) para explicar fenômenos empíricosmisteriosos, taiscomo a morte, sonhos, possessão. Do animismo, a espécie humanaprogrediu para o politeísmo e deste para o monoteísmo. A história dareligiãomundialera,portanto,ahistóriadeumentendimentoprogressivoemesmoinevitável.

Outravisão“intelectualista”éadeFrazer,que,paramuitos,desenvolveaprimeirateoriagenuínadamagia.Emboratantoamagiaquantoaciênciasebaseassemnasmesmasleisdeassociaçãodopensamento,amagiaeraaciência mal aplicada. Duas leis de associação do pensamento foramidentificadasporFrazer:aassociaçãoporsimilaridadeeaassociaçãoporcontigüidade. A primeira se definia pela proposta de que o semelhanteproduzosemelhante;a segunda,pela idéiadeque tudoque jáesteveemcontatocontinuaaagirmesmoàdistância,depoisdecessarocontato.Doudoisexemplossimples:acrençadequecomerumpeixesemescamas,decouroliso,podeprovocarumabortoéumexemplodaleidesimilaridade.A lei da contigüidade é aquela que dá poderes especiais ao cabelo ou àsunhas de um indivíduo, como parte dele, e devido à característica depermanentecrescimento.

Para Frazer, a humanidade teria passado por três estágios: magia,religião e ciência. Amagia já contém as leis definitivas do pensamento,mas a aplica mal; a religião nasce quando se percebe que a magia nãoproduzresultadosedelega-seopoderaseressobrenaturais; finalmente,aciênciaretomaaresponsabilidadedarelaçãoentrecausaeefeito,eaplicaas leis de formacorreta.Esta idéiade estágiosnão sobreviveupormuitotempo,maséimportanteassinalarqueasleisdeassociaçãodopensamentoidentificadasporFrazer tiveramvidaduradoura: elas sãohoje abasedasnoções de metáfora e metonímia na lingüística, da compreensão dodistúrbiodaafasiae,napsicanálise, influenciaramFreudna interpretaçãodossonhos.

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Rituaisemagia

Recapitulemos brevemente: a grande divisão entre magia e ciênciacorrespondeu a várias dicotomias — racionalidade vs. irracionalidade;sagradovs.profano;pensamentovs.ação;crençasvs.rituais.Reconhecidaaimportânciadosrituais,váriastentativasdeclassificá-los—emboranãoesgotassem o tema — tiveram um resultado bastante positivo,especialmente retirando-os do âmbito da religião compreendida de formarestritacomocrençasemseressobrenaturais.

ArnoldvanGennep.Umdosprimeirosautoresaselibertardasamarrasdareligião e se dedicar ao estudo do ritual em si foi Arnold Van Gennep(1873-1957), que propôs uma classificação dos rituais de acordo com opapelquedesempenhavamnasociedade.Masnãoapenasisso:esseautor,queseseguiuaDurkheim,tambémprocurouexaminaremdetalheaspartesconstitutivasdoritual.

Van Gennep ficou conhecido pelo estudo dos chamados “ritos depassagem”, título de seu principal livro, publicado em 1909. Ritos depassagemeramdefinidoscomoaquelesmomentosrelativosàmudançaeàtransição (de pessoas e grupos sociais) para novas etapas de vida e destatus.Exemplosclássicoseramagravidezeoparto,períodosdeiniciação,noivadosecasamentos,funerais,assimcomomudançasdeestaçãooufasesda lua,plantioecolheita,ordenaçõesepossesdenovoscargos.ParaVanGennep esses rituais exibiam uma ordem comum: primeiro, havia umaseparação das condições sociais prévias; depois, um estágio liminar detransição;e,finalmente,umperíododeincorporaçãoaumanovacondiçãoou reagregação à antiga. Estas três fases dos rituais eram vistas comouniversais.

Van Gennep demonstrava um grande fascínio pela fase liminar dosrituais, quando indivíduos ou grupos entram em um estado social desuspensão,separadosdavidacotidiana,porémaindanãoincorporadosemumnovoestado.Nessemomento,indivíduossão“perigosos”,tantoparasipróprios quanto para o grupo a que pertencem. A função dessa fase éreduzir as tensões e os efeitos perturbadores próprios a mudanças. VanGennep, no entanto, estava consciente de que nem sempre essa é a fasemaissignificativadeumritual:porexemplo,emfuneraispredominamritosde separação, os casamentos tendem a enfatizar ritos de incorporação, e

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ritosdetransiçãodominamascerimôniasdepuberdade.Há outros três aspectos importantes nos quais Van Gennep insistiu:

primeiro, que os ritos de puberdade ou iniciação não coincidemnecessariamente com a puberdade fisiológica — a puberdade é sempredefinida socialmente; segundo,eleenfatizoua importânciada troca ritual(assim antecipando Malinowski e Mauss na análise da reciprocidade);finalmente,notouasimilaridadeentreaestruturadosritosindividuaisedosritos grupais. É importante mencionar que, aderindo ao métodocomparativo (VanGennepsedefiniacomoetnógrafoe folclorista), ele seafastava daqueles que, como Frazer e Tylor, davam ênfase especial àpsicologia individual. Para ele, os padrões das cerimônias deveriam serexaminados como totalidades e a comparação deveria se basear nassimilaridades de estrutura, mais que de conteúdo. Assim, podemos dizerque, ao contrário daqueles que propunham isolar estágios dedesenvolvimento (como fetichismo, animismo, totemismo etc.), VanGennep estava mais interessado na dinâmica da mudança que o ritualfavorecia.

GregoryBatesoneNaven.Nasdécadasde1930e1940,oestudoexclusivode rituais parece ter caído em desuso—mesmo que, como vimos comMalinowski e Boas, fenômenos rituais tenham sido identificados edescritos. É preciso aqui acrescentar a contribuição de A.R. Radcliffe-Brown(1881-1955)sobreosandamanesesdogolfodeBengala,naÍndia,publicadaem1922comotítulodeTheAndamanIslanders.Emborapoucoreconhecidocomoestudiosoderituais,oautornarroucerimôniasnativasecunhouaexpressão“valorritual”,paraindicarqueumsímbolorecorrenteemumcicloderituaistemgrandechancedemanteromesmosignificadoemtodos.OutroautordemençãoobrigatóriaéLucienLévy-Bruhl(1857-1939), que escreveu importantes ensaios sobre a mentalidade primitivacomparadaàmoderna.Note-sequenemRadcliffe-BrownnemLévy-Bruhlseapresentavamcomodiretamentevinculadosaoestudodosrituais.

Uma exceção a essa tendência geral é o livroNaven, publicado em1936 por Gregory Bateson (1904-1980). Nele, o autor desenvolve umexperimento notável para a época; utiliza comomotivação etnográfica oritualquedánomeaolivro,naven,queeledescreveentreosnativosiatmuldeNovaGuiné.Estecomportamentoimplicaquehomenssevistamcomomulherese, igualmente,mulherescomohomens,quandocertascondiçõesentre wau (irmão da mãe) e laua (filho da irmã) se apresentam. Porexemplo,determinadasproezasdeum laua levamseuwau a realizar umritualqueémais,oumenos,elaborado,dependendodaimportânciadoato.

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Umnavenémaiscompletoquandoumjovemcapturaematauminimigo—nessecasoonavenenvolveumvastonúmerodeparenteseumagrandevariedade de detalhes rituais. Outros feitos são celebrados apenas aprimeiravez,comoacaçadecertosanimais,oplantiodealgumasespécies,o uso do machado, a viagem e o retorno a outra aldeia etc. Há algunscomportamentos característicos do laua reconhecidos como obrigações,serviçosouprivilégios—assim,todasasvezesqueojovemdesempenhatais atividades, owau responde com algum comportamentonaven. Estãoincluídos nesses atos a exibição de ancestrais totêmicos do clã dowauedançascommáscarasquerepresentemessesancestrais.Damesmaforma,performancesmusicaiscomotocarflautaoutocarotamborcomgongosemsons considerados secretos fazem parte dos mesmos serviços. Por fim,todas as mudanças no status social de um laua, como perfuração dasorelhas e do septo nasal, iniciação, casamento, possessão xamanística,todas são celebradas com um naven. (Para as jovens, o naven é menosfreqüenteedizrespeitoaatividadesfemininas.)

A inversãodasvestimentasnesse ritual segueumestiloque imita, demaneiragalhofeira,asatitudesdosexooposto.UmexemploqueBatesontestemunhou ocorreu por ocasião da construção de uma canoa por umjovem,quandodoisdeseuswaussaírampelaaldeiavestidosdemulheresvelhasàprocuradeseulaua—quenaturalmenteseescondeu.Motivoderisadas das crianças, os dois waus continuaram suas pantomimas pelaaldeia,atéchegaràcanoacujaconstruçãoestavamcelebrando.

Para analisar onaven, GregoryBateson optou por quatro abordagensanalíticas.Ex-alunodeMalinowski e deRadcliffe-Brown, ele considerouqueseriaimpossívelapresentaratotalidadedeumaculturadeformalinear,comoocorrenaescrita.Suaopçãofoientãoadeanalisarosdadospormeiode quatro abordagens teórico-metodológicas: depois de apresentar umadescriçãogeraldoritual(incluindoasocasiõesemqueocorreeaspessoasenvolvidas), Bateson apresenta as perspectivas estrutural (seguindoRadcliffe-Brown),funcional(comoMalinowski),e,emseguida,inovacomuma análise etológica (referente à organização cultural dos instintos eemoçõesdosindivíduos)eoutraeidológica(quedizrespeitoaopadrãodosaspectoscognitivosdapersonalidadedosindivíduos).

AproezadeBatesonemanalisardequatroperspectivasteóricasumsóritual ultrapassou a capacidade de compreensão da comunidadeantropológica da época. A antropologia não estava preparada parareconhecer que não existem fatos sem interpretação. A etnografia bemdetalhadatinhasidoomodeloconsagradoatéentão.Nesteaspecto,Navenfoi julgado devedor. Gregory Bateson só teve o reconhecimento da sua

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inovação teórica e metodológica passados mais de cinqüenta anos dapublicaçãodeseulivro.

Gluckmaneosrituaisderebelião.Navenéaexceçãoqueconfirmaaregra,o que indica que, passado um momento de predomínio de trabalhosmonográficos (como os de Boas, Malinowski, Radcliffe-Brown etc.), apreocupaçãodominanteda antropologiapassoua incidirna comprovaçãodo seu status científico. É assim que podemos compreender melhor oempenho, que teve início nessa época, em definir estruturas e sistemassociais — por exemplo, a identificação de “sistemas de parentesco”,“sistemaspolíticos”, “sistemas legais”etc. (ÉesseexatamenteocontextoquejustificaofracassodeNavennaépocadasuapublicação.)Oritualnãoeraumdessessistemasnemestruturas—atéquesurgemos trabalhosdeMaxGluckman(1911-1975).Gluckmanprocura inseriro ritualnoexamedas estruturas sociais, exatamente por acreditar que ele conduzia a umaforma sui generis para a resolução de conflitos. Sua área etnográfica deestudofoiaÁfrica.

Alguns pares contrastivos marcam os trabalhos de Gluckman. Oprimeiro focaliza a diferença entre rebelião e revolução. Em 1952,Gluckman apresentou uma conferência emhomenagem aFrazer, emqueintroduzia a idéia de “rituais de rebelião” para distinguir alguns tipos deeventosque tinhamcomoobjetivodarvazãoàambigüidadeexistentenassociedadesafricanas.Gluckmanmostroucomo,entreoszulu,nacerimôniachamadanomkubulwana, homens emulheres trocavam papéis sociais: asmulheres mostravam sua dominância contra a subordinação formal aoshomens no dia-a-dia, e os homens participavam da cerimônia com oobjetivodeassegurarumaboacolheitaeaprosperidadedogrupo.Entreosswazi,nacerimôniaincwala,príncipescomportavam-sefrenteaoreicomose desejassem ardentemente o trono, e os populares mostravamabertamenteoressentimentoquetinhamdaautoridade.Oritualderebeliãoera, portanto, um “protesto institucional” que, na verdade, renovava aunidadedosistema.

Essesrituaistendiamaocorrer,notavaGluckman,justamenteemcasosde ordem social bem estabelecida. A disputa recaía sobre as formas dedistribuiçãodepoder,masnãosobreaestruturadepoderemsi.Aordempúblicaswazi,porexemplo,eraumsistemanoqualexistiamrebeldes,masnãorevolucionários—estavabemestabelecidoqueapenasummembrodafamília real poderia se tornar rei.Gluckmanmostrava comoum ritual derebelião, de forma paradoxal, ajudava a manter a realeza. De maneirasemelhante,naépocadacolheita,forçassociaisconflitivasafloravamentre

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os zulu, mas esse era também o período de uma lenta porém ordenadaliberaçãodeemoçõesconflitantes.Oresultadoeraaênfasenaunidade.

PercebemosaquiagrandediferençaqueGluckmantrazaoestudodosrituais. É verdade que Durkheim e, mais enfaticamente, Van Gennep jáhaviam antecipado que a associação entre ritual e religião não eraobrigatória: os ritos de passagem, para Van Gennep por exemplo, nãodependiam da crença em poderes sobrenaturais, simplesmentemarcavamumamudançanavidadeumindivíduoougrupo.MasGluckmanexpandeestas idéias e enfatiza a noção de “sistema” — um todo complexosuscetível de análise.Emoutras palavras, nomesmo contexto emque seestabelece que é hora de se definir e se examinar “sistemas políticos”,“sistemasdeparentescoecasamento”etc.,Gluckmanpropõequecrençasepráticas também podem constituir um “sistema ritual”, enfatizando quetodosistemaéumcampodetensões,ambivalências,cooperaçõeselutas.

Gluckman é, talvez, o primeiro a pôr os rituais em um foco bemdefinido: o ritual das relações sociais. Assim, para ele, os ritos depassagem dizem respeito à transição de posições, status e papéis. Emsociedades tradicionaiscomoasafricanas, eles são importantesporcausada estrutura específica de papéis e posições naquele meio (onde o tio étambém o sogro, e ainda o sacerdote que preside determinado rito deancestrais,maisapessoaquealocaterraegado,cadaatividadeemfrancacontradiçãocomasoutras).Daíoritualoperarparaespecificar,iluminarefocalizaropapeltematizado.

Mas em 1962 Gluckman introduz um outro contraste que se opõe àidéiaderituaisderelaçõessociaisequenãoétãobem-sucedido.Gluckmanpassa a defender o uso do termo “cerimônia” para indicar qualquerorganização complexada atividadehumanaquenão seja especificamentetécnicaequeenvolvamodosdecomportamentoexpressivosdas relaçõessociais.Dentrodessecampo“cerimonial”,Gluckmandefinedoistipos:um,quedenomina“cerimonioso”eoutro,“ritual”.Gluckman introduz,assim,uma certa dificuldade no quadro então vigente. Afirmando que seguia aperspectiva de Evans-Pritchard (onde o “ritual” se ligava a “noçõesmísticas”),Gluckman ressuscita a antiga associação entre ritual emagia.Maisainda,introduzumadiferenciaçãocomplexaentretiposdefenômenosque estabelece como “cerimônia”, “cerimonioso”, “ritual”, “ritualismo”,“ritualização”.Nãoédifícilanteciparqueestamultiplicidadeclassificatórianãotevesucesso.

VictorTurnereosndembu.Umaconseqüênciacuriosadessastentativasdeclassificaçãoéaconstataçãodeque,porumperíodolongo,osantropólogos

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não conseguiam tirar do horizonte as categorias de racionalidade e demisticismoassociadas ao ritual.Volta emeia, o senso comumdominanteafloravaedeixavasuasmarcas.

Este é parcialmente o caso de Victor Turner (1920-1983)— apenasparcialmente,comoveremos—,reconhecidodesdeadécadade1970comoumdosmaisconceituadosespecialistasnaanálisederituais.Emboratenhaestabelecido em 1958 que ritual é um “comportamento formal prescritoparaocasiõesnão sujeitas à rotina tecnológica, referindo-sea crençasemseres ou poderes místicos”, felizmente sua contribuição etnográficaultrapassouestadefiniçãolimitada.

AlunodeGluckman,TurnerfezpesquisadecampoentreosndembudaantigaRodésia (hoje Zimbabwe) e seguiu seumestre na contestação dossistemas sociais baseados em modelos estáticos. O primeiro livro quepublicouenfatizavaosconflitosqueresultamdosdoisprincípiosestruturaisquehavia identificadoentreosndembu:amatrilinearidade (descendênciapela linha materna) e a virilocalidade (costume de, após o casamento, amulhermudar-se para a aldeia domarido).Depois de realizar umestudomicrossociológicoemquecunhaaexpressão“dramasocial”paraanalisarosconflitos,VictorTurneroptapeloestudodosrituais.NessasseqüênciasdeeventosconflitivosqueTurnerchamoude“dramassociais”,observam-se processos de ruptura, crise, reparação e reintegração. Já os rituais,Turner considerou-os superiores para investigação, por serem fixos erotinizados,alémdeseremextremamenterelevantesparaosnativos.

AssemelhançasentreasseqüênciasdosdramassociaiseasfasesqueVan Gennep identificou nos rituais de passagem demonstram que é pormeio dessas constantes reapropriações que, muitas vezes, a teoria seexpande.Na verdade, Turner é o antropólogo que vai recuperar e tornarmais produtiva a noção de liminaridade vinda de Van Gennep. E é eletambém quem vai retomar plenamente a noção de estado nos ritos depassagem como algo que se estende além do status e posição social,englobandoestadosmentais, sentimentaiseafetivos,eestadosdeserquesão criações culturais. Nisto, temos que reconhecer que sua análiserepresenta um avanço sobre as de Gluckman, que, mesmo em seusmelhoresmomentos,tendeuareduzirosritosadisputasedefiniçõessobreposiçõessociais.

De1965a1974,VictorTurnerpublicouseuslivrosclássicossobreosrituaisndembu.Neles,oautordistinguedoistiposprincipais:osrituaisdeiniciação(parameninosemeninas)eosrituaisdeaflição(geralmentecomoobjetivodesanarproblemasrelativosàmenstruação,fertilidadeeparto,paraasmulheres,efaltadesortenacaça,paraoshomens).Turnerfornece

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amplomaterialnostrêsníveisdeinterpretaçãopropostos,queeram:onívelexegético—aquelequeéfornecidopelosnativosequecontempladadossobre o nome, as características e a elaboração do objeto ritual; o níveloperacional—derivadodousodossímbolosedacomposiçãosocialdosgrupos que realizam o ritual; e o nível posicional — conseqüência darelaçãoentrediferentessímbolosdeváriosrituaisouentresímbolosdeummesmoritual.(Valemencionarqueonívelexegéticojáhaviasidopropostoem teoria e prática pelo casal Monica e Godfrey Wilson — ambos doRhodes-Livingstone Institute, ao qual Gluckman e Turner foramvinculados.Turnerreconheceessedébito.)

Turnerusaaárvoremudyi,presentenainiciaçãodasmeninas,comoseucaso exemplar: o nível exegético, fornecido pelos ndembu, reforça aimagem da unidade feminina, representando sucessivamente a noviça, anova personalidade damenina depois de iniciada, o “lugar damorte”, oleitematernoeosseios,eacontinuidadedasociedadendembu.Noníveloperacional,Turnernotaqueaárvoremudyitemapeculiaridade,quandoseretira a sua casca, de secretar um látex branco, em pequenas gotasparecidas com leite. Já aoobservar o usoda árvore,Turner percebeque,dependendodomomentoemqueaárvoreéutilizadanoritual,osaspectosharmoniososapontadospelosnativospassavamporumamudançadrástica.Énessasituaçãoqueasdiferençaspresentesnasociedadendembutornam-se visíveis: entre homens e mulheres (só as mulheres podem dançar emtornodajovemnoprimeirodiadeiniciação)eentreamãedanoviçaeogrupodemulheresadultas(amãeé impedidadeparticipardasatividadesdasoutrasmulheres,masemetapaposteriordo ritualmãee filha trocamroupasentresi).

Símbolos rituais têm, portanto, vários significados, dependendo docontexto, o que leva Turner a enfatizar que sua natureza é polissêmica.Embora reconheça a possibilidade de se detectar um “valor ritual” nossímbolos (conforme definido por Radcliffe-Brown), Turner estava maisinteressado em ver a multiplicidade de significados em ação, nosprocessos, conflitos e dramas. Para ele, a fissão e a micropolítica dosndembu são resolvidas nos rituais e na polissemia dos símbolos— estaúltimaoaspectoqueoantropólogoreconheciacomoomaisimportante.

Agora,sim,pareciaquefinalmenteareferênciaaos“poderesmísticos”era abandonada: as análises deVictorTurner estavamdistantes dos seressobrenaturais ainda presentes em sua própria definição de ritual. Mas épreciso lembrar que também Jack Goody, renomado antropólogo inglês,nosanos1960aindadefiniaritualcomoumacategoriadecomportamentopadronizado emque a relação entremeios e fins não era “intrínseca”—

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istoé,nãoeraracional.

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Mitoseritos

Énestecontextoquesepodeapreciaranovidade,arevoluçãomesmo,queClaudeLévi-Strausstrazàantropologia.Masoestruturalismo—expressãoque ele cunha para enfatizar que está à procura dos aspectos estruturaisuniversaisdamentehumana—dedica-semaisaosmitosdoqueaosritos,istoé,maisaoqueéditodoqueaoqueéfeito.Osritosteriamaindaqueesperar mais de uma década para receber uma atenção equivalente àconcedidaporLévi-Straussaosmitos.Vejamosoqueestouchamando“arevolução”produzidaporLévi-Strauss.

Lévi-Strauss.Comovimos,desdeofinaldoséculoXIX,atormentadospeladistinção entre magia, religião e ciência — ora para colocar essesfenômenosemseqüênciaevolutiva,oraparaprocurarcaracterizá-loscomomais, ou menos, primitivos e civilizados —, os antropólogos haviamestabelecido, em algumas décadas, que a racionalidade deveria serexaminadaemcontexto.Masaquestãodasemelhançae/oudiferençaentregrupos humanos ainda perseguia os antropólogos. É então, na seqüênciaque inclui Tylor e Frazer, Durkheim, Malinowski, Radcliffe-Brown,Gluckman e Turner, que Lévi-Strauss (n. 1908) ocupa um lugar dedestaque,porhaverdadoopassodefinitivoqueaproximouascoordenadasde tempo (evolutivo ou histórico) e espaço (etnográfico). Lévi-Straussdemonstrou que, “primitivos” ou “modernos”, com ou sem escrita, commenos ou mais tecnologia, somos todos racionais em contexto,psiquicamente unos. Pensamos em termos binários e temos, todos, nossaprópriamagia,religiãoeciência.Emoutraspalavras,os“primitivos”têmmagiamastambémoperamdemaneiraclassificatória;nós,modernos,alémdeciência,comoos“primitivos”tambémnosbaseamosnabricolagem—termoutilizadoporeleparaindicaraconstruçãodenovosartefatosapartirdeunidadesjáclassificadasemumasociedadeoucultura.

Primitivos e modernos estávamos, finalmente, lado a lado. Em Opensamentoselvagem,de1962,aspráticasecrençashumanastomamessadimensão horizontal: se os esquimós classificam tipos de neve com umasofisticação inimaginávelparaosocidentais,poroutro ladoeuropeusdãonomes metafóricos a seus animais de estimação — de forma em tudosemelhante à maneira como australianos definem seus totens. Isto é, aciênciadosesquimósestáladoaladocomonossopensamentoselvagem.A idéia de bricolagem (quermetafórica, quermetonímica) é fundamental

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nesse processo e está presente nos mitos, na arte, no totemismo (e, nasúltimasdécadas,foireconhecidatambémnaciência).

MasháumladodifícilnapropostadeLévi-Straussparaquemestudarituais.Éque,emboraafasteoproblemadaracionalidadeentremeiosefinsnopensamentoselvagem,Lévi-Straussfazressurgirumaantigadicotomia,a saber, cultos (rituais)vs representações: deum lado, estão as ações; deoutro, o pensamento. Constata-se esta divisão implícita no fato de quemitos, totemismo, arte, nominação etc. tornam-se fenômenos “bons parapensar”emeiosadequadosparaseatingirasestruturasdamentehumana.Osritosficamdepreciados:aelesserelegaasimplesexecuçãodegestosea manipulação de objetos. A própria exegese do ritual (tão fundamentalparaVictor Turner, como vimos) torna-se apenas parte damitologia queinformao ritual. IstoéoquedefendeLévi-StraussnoúltimovolumedasMithologiques,publicadoem1971.

Ritosemitosmarcariam,portanto,umaantinomiainerenteàcondiçãohumana:adovivereadopensar.Influenciadopelalingüísticadominantenaépoca(derivadadeFerdinanddeSaussureedeRomanJakobson),paraLévi-Strauss o mito tinha uma afinidade profunda com a estrutura dalíngua, transformando-se no pensar pleno — e, assim, superior ao rito,relacionadoàprática.Curiosamente,atéoscontendoresdeLévi-Straussnaépocacontribuíramparaaanalogiamitos=representações.VictorTurner,porexemplo,aosedefinirclaramentecontraalingüística,estabeleceuqueritos eram bons para a resolução de contendas e explicitação dasambigüidades da estrutura social. Turner se colocava, portanto, do ladoopostoaLévi-Strauss,fazendodosritosocaminhovirtuosoparaseacessaraestrutura—nãodamente,masdasociedade.Emoutraspalavras,ovivereopensardefiniam-secomoincompatíveisnapráticaenateoria:Turnerseinteressavapeloprimeiro,Lévi-Straussafirmavaaimportânciadosegundo.

Constatamos,pois,ovai-e-vemquecaracterizaodesenvolvimentodaantropologia.Emartigosreunidosem1948emMagia,ciênciaereligião,Malinowski jáhaviapropostoarelaçãoentremitoseritos, istoé,entreovivereopensar.Osautoresqueestoufocalizandoparecemavançaralgunspassos e, logo após, retroceder outros, fazendo do processo um roteirolongoecheiodecurvas.Esteéocaminhodo refinamento teórico:nuncalinear, sempreespiralado.Em termosdoestudode rituais, chega-seaumnovopatamarcomEdmundLeach—quetambémnãodeixaderetrocederumpasso,comoveremos.

EdmundLeach.OlegadodeLévi-StrausséfundamentalparaLeach(1911-1989).Eleconsolidaaidéiadeque“primitivos”e“modernos”sãoiguaise

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recupera o que havia se perdido no entusiasmo estruturalista de Lévi-Strauss—nãoapenaspensamosde formasimilar,masvivemosde formasimilar.Emborahajadiferençasentresociedades—diferençasestasqueosantropólogosapreciamedefendem—,existeumrepertóriobásicodeaçõesquepartilhamos.Somossemelhantesediferentesaomesmotempo.Énestesentido que Leach analisa eventos relatados na Bíblia como se fossemmitos,eexaminacomomesmoinstrumentalumapinturadeMichelangelo.Emseguidadedica-seaesmiuçar tabuskachindaantigaBirmânia,eparaisso investiga e analisa fotografias de seus antepassados. Afinal, somostodosiguais.

Mas Leach fazmais. Além de equiparar de fato nossos hábitos comexperiências de campo em sociedades tradicionais, ele também nivelamitoseritos.ComoparaMalinowski,muitoantes,paraLeachmitoseritossão fenômenos interligados e ambos precisam ser focalizados em ação.QualcaminhoLeachpercorre?Em1954,elereduzadistinçãoentreosdoisfenômenos ao estudar os kachin, concebendo-os como engajados emcomportamentosquesãomenosoumaistécnicos,emenosoumaisrituais.Por exemplo, quando umkachin decide falar umdos vários idiomas quedomina, ele não apenas utiliza a linguagem comomeio de comunicação,mastambémcomoformasimbólicadeafirmarseustatus.Dessamaneira,Leachdefendeas funçõesmúltiplas,pragmáticase rituais/simbólicas,doscomportamentos.

Alguns anos mais tarde, em 1966, Leach define em mais detalhe oaspecto ritualdacomunicação,distinguindo três tiposdecomportamento:1)o racional-técnico,dirigido a fins específicosque, julgadospornossospadrões de verificação, produzem resultados de maneira mecânica; 2) ocomunicativo, que faz parte de um sistema que serve para transmitirinformações pormeio de um código cultural; e finalmente 3), omágico,queéeficazemtermosdeconvençõesculturais.Exemplosdessestrêstiposdecomportamentosão(1)ocortedeumaárvore;(2)umapertodemão;(3)um juramento. Leach enfatiza que a antropologia até então consideravaritual apenas a classe de comportamentos do terceiro tipo, chamando osegundo de etiqueta ou cerimonial. Para Leach, “ritual” seria um termoaplicáveltantoaosegundoquantoaoterceirotipodecomportamento.

Leach dava, assim, um grande passo. Veja como ele não distinguiacomportamentosverbaisdenão-verbais:cumprimentarcomumapertodemãoefazerumjuramentopormeiodepalavraseram,osdois,rituais.Essaeraumagrandeinovação:oritualeraumcomplexodepalavraseaçõeseoenunciadodepalavrasjáeraconsideradoumritual.Mais:oritualtornava-seumaespéciedelinguagemcondensadae,portanto,econômica.Issofazia

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do“primitivo”—pormuitotempoqualificadocomoatrasadoeirracional—,umserhumano,sagazeengenhoso,contrariandoosensocomum.

Mas, como temos visto, mesmo avanços e refinamentos não sãolineares: talvez pela influência de Lévi-Strauss (especialmente o vínculoqueesteestabeleceentremagiaeciência),Leachtenhaaproximadodemaisritos e mitos: ritos tornam-se uma forma de transmitir e perpetuar oconhecimento socialmente adquirido. Nessa formulação perdem-se, pelomenosemparte,ascaracterísticasespecíficasdeambos,istoé,demitosederitos,assimcomoacombinaçãodopensareviverqueopróprioLeachhaviaestabelecidoantes.Agora,oritoeraprincipalmentebomparapensar(comoomito,antes).

StanleyTambiah. Era preciso voltar a estabelecer que ritos emitos erambons para pensar e para viver. É esse o passo que Stanley Tambiah (n.1929)—autordenossadefiniçãooperativainicial—dádepoisqueLeachunificaritosemitos.Completa-se,assim,ocírculo,massemfechá-lo.Quala vantagem? Fechá-lo seria voltar simplesmente ao ponto inicial queDurkheimeMausspropuseramnocomeçodoséculo:umasociedadenãoapenassereproduzporqueosindivíduosserelacionameporquepensamomundo;omovimentoeodinamismodassociedadesderivadaeficáciadeforças sociais ativas. Segundo Durkheim e Mauss, a sociedade é umsistema de forças atuantes: a eficácia das ações sociais e das crençasprecisaserincluídanaanáliseparaqueseidentifiquemosmecanismosdemovimentoedereproduçãodasociedade.

Tambiah efetivamente retoma a idéia de eficácia, depois que Leachinclui a ação como um meio de transmissão de conhecimento, masacrescentaumelementofundamental,queesclarecedeondevemaeficáciasocial definida por Mauss. É assim que ele introduz a idéia de “açãoperformativa”: um atributo intrínseco tanto à ação quanto à fala, quepermitecomunicar,fazer,modificar,transformar.Se,então,oritualé1)umsistema cultural de comunicação simbólica; 2) constituído de seqüênciasordenadas e padronizadas de palavras e atos; 3) freqüentemente expressopormúltiplosmeios;4)estaaçãoritualéperformativa.AeficáciadeMaussrecebe,agora,essanovaformulaçãoqueesclarececomoaeficáciasedá.Ela se dá em três sentidos: primeiro, no sentido pelo qual dizer algumacoisaétambémfazê-la—quandodigo“euprometo”,porexemplo,digoefaçoalgoagora,ecomprometo-menofuturo;segundo,nosentidopeloqualos participantes experimentam intensamente umaperformance que utilizaváriosmeiosdecomunicação—porexemplo,quandodesfilamosemumaescola de samba e somos levados, independentemente da nossa vontade

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manifesta,apartilhardaalegriacoletiva;terceiro,nosentidodevaloresquesãocriadoseinferidospelosatoresduranteaação—porexemplo,quandoumembaixadorbrasileiroparticipadeumareuniãodasNaçõesUnidas,eleéoBrasil.SuasaçõesdecaráterindividualrepresentamumEstado-nação.

Combinam-se,assim,asdimensõesdoviveredopensar:rituaisservempararesolverconflitosoudiminuirrivalidades(comoqueriaTurner)e,aomesmo tempo, para transmitir conhecimento (como defendia Leach).Rituaissãoadequadospararealizaressasfunçõesaparentementediversas,porque são performativos. Desta forma, a eficácia da ação social, queMauss tanto insistiu em incluir em sua visão da sociedade, recebe umaformulaçãorenovada:nãosetratamaisapenasdomana—essepoderqueestápresente,porexemplo,nasnoçõesdesorte,azar,acaso(equeescapaàsnossasnoçõesderacionalidade)—,porémdeumaabordagemquenosauxiliaaexaminarafontedessepodernascaracterísticasprópriasdaaçãosocialplena,queincluitantoofalarquantooagir.

Considerando-seessaabordagem,háalgumadúvidadequeocarnavalbrasileiroéumritual?

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Ocarnavalcomoritual

OstrabalhosdeRobertoDaMatta(n.1936)sobreocarnavalsãoclássicosdereferênciaobrigatórianaantropologiafeitanoBrasil.Éimportantelogomencionarqueduasinfluências(quejáconhecemosbem)forammarcantespara DaMatta: Victor Turner e Edmund Leach. Na historiografia queseguimos nas páginas anteriores, esses dois autores pareciamincompatíveis: Turner interessava-se pelo vivido, Leach considerava osritosumaformade transmissãodeconhecimentos.Mas,exatamenteaqui,temos um exemplo de como, frente a novos dados etnográficos, autoresaparentemente antagônicos podem não apenas se compatibilizar, mas sesomarparaesclarecerângulosdesconhecidos.

DaMatta, entretanto, não quer apenas estudar rituais. Seu projeto delongo prazo inclui o exame de dimensões fundamentais da sociedadebrasileira, explicitando valores, atitudes e idéias subjacentes à nossaidentidade,ou,comoelecoloca,descobriroquefazdobrasilBrasil.Écomeste objetivo que no livroCarnavais, malandros e heróis ele aborda ostemas do carnaval, dos desfiles cívicos e religiosos, analisa o uso daexpressão“Vocêsabecomquemestáfalando?”eexaminapersonagensqueassumem o papel de heróis (ou anti-heróis) na nossa literatura. Dessamaneira, rituaisnãosãofinsemsimesmos,masportasdeentradaparaacompreensão do Brasil e especialmente adequados para um exame dasambigüidades e dilemas que permeiam a sociedade brasileira. DaMattadefineessesdilemasemdiálogocomostrabalhosdeLouisDumontsobreapredominânciadeideologiasevalores,querhierárquicos,querigualitários.ParaDaMatta,oBrasilficaameiocaminhoentreosdoispólos(quepodemserrepresentadospelaÍndiadascastaseosEstadosUnidosdoindivíduo).NoBrasil,asociedadeérelacionalecontextual.

Diferente do dia da Pátria (que está ligado às Forças Armadas e àsautoridades), diferente também da Semana Santa (e das festas religiosasvinculadasàIgrejaCatólica),ocarnavaléumafestapopular,informal,quecria uma idéia de comunidade. Um ritual sem dono, realizado emdeterminados dias e em espaços definidos, que favorece a formação degrupos sociais novos, reconfigurados logo depois. O mundo, como oconhecemos, inverte-se no carnaval. Para indicar a orientação dessainversão,DaMatta toma os domínios da casa e da rua emostra como afesta os reelabora, seja em um esforço de transcendência, seja em um

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esforçodeseparaçãooureforçodosdoismundos.Nocarnavalécomoseasociedadefossecapazdeinventarumespaçoespecialondeacasaearuaseencontram: sea festa temaspectospúblicos (DaMatta exemplifica comodesfiledasescolasdesambaedosgruposformais),elatambémpermiteumconjunto de gestos que, em geral, só se realizam em casa. O carnavalproduzumarealidadequedesfazodia-a-diaemumprocessoviolentodeindividualização.Esteprocessoocorreemmúltiplosplanoseutiliza-sedediversosmeios:fantasiasespeciais(diferentesdasroupasdiárias),alegoriasgrandiosas, comportamentos não-rotineiros (com freqüência incluindoreversão de papéis sociais), música específica e letras “de carnaval”,brincadeirasdefinidas,alémdeespaçosetempossocialmentereconhecidoscomo próprios à festa — todos estes elementos ricos de significados epassíveisdeinvestigaçãosimbólica.

Para o autor, portanto, rituais devem ser examinados tendo comocontrapontoocotidiano:ambossãopartedeumamesmaestrutura,comoasduas faces de uma mesma moeda, expressando os mesmos princípiossociais. Aqui se percebe claramente a forte influência dos trabalhos deVictorTurner,quechamouaatençãoparaovínculoentreoritualeaidéiadecommunitascomoumprincípiosocial igualitário.Assim,DaMattanosdiz que, nos rituais, as seqüências de comportamentos são dilatadas ouinterrompidas por meio de gestos, pessoas, idéias ou objetos. Adramatização do cotidiano que ocorre nesse tempo faz surgirem novossignificados.

No caso do carnaval do Rio de Janeiro, por exemplo, DaMattaidentificaosseguinteselementos:1)aexibiçãoemoposiçãoàmodéstiaeaorecato;2)ospapéisdamulhercomovirgemecomoprostituta;3)gestos,músicas e harmonias pormeio dos quais a população conta e canta umahistóriasobresimesma;4)odeslocamentodahierarquiaedaigualdade:asescolas são classificadas em “grupos” (hierarquizados) e o desfile é ummomentoemqueessesgruposestãoemfrancacompetição(soboprincípioda igualdade).Por tudo isso, o carnaval serve “aquemestá emcima e aquemestáembaixo,aquemestáemcasaeaquemestánarua”.

Oqueocarnavalnosensina?Qualasuaeficácia?DaMattaesclarece:énocarnavalqueasociedadepodeterumavisãodiferentedesimesma.Há,portanto, no ritual a sugestão de que o momento extraordinário pode setransformaremrotina.Noritualcomodrama,observam-seosconflitos,asambigüidadeseosdilemas,mastambémaspotencialidades,asalternativaseasutopiasdosbrasileiros.

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Amarchapolíticacomoritual

A procura de alternativas — no caso, explicitamente políticas — guiououtro fenômeno recente no Brasil, examinado por Christine de AlencarChaves (n. 1965): a Marcha Nacional dos Sem-Terra. Organizada peloMovimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), a marcha percorreuexatos 1.000 km, partindo de três pontos distintos do país até a capital,Brasília.ChristineChaves analisou-a comoum “ritual de longa duração”que, tendo início em 17 de fevereiro e encerrando-se em 17 de abril de1997,produziuuma intensamobilização da população urbana e rural, daimprensa,dogoverno,dospartidospolíticos.

Quais as semelhanças e diferenças mais evidentes quandoconsideramosocarnavaleaMarchadosSem-Terracomorituais?Primeiro,anaturezados fenômenos:ocarnavaléuma festaanualque se inserenocalendáriodeorigemcristã,masquesetornasímbolodenacionalidadenoBrasil. O propósito do carnaval é festivo, tratando-se de uma celebraçãoexplícita da sociedade. Já amarcha foi um evento único e especial, comreferência a umadata específica (o encerramento ocorreuumano após omassacredetrabalhadoresemEldoradodosCarajás,noPará),seucaráterritualnãoadvinhadarotinizaçãodoevento,eoobjetivoerasacrificial,aoagregar um grande número de participantes para uma longa e penosacaminhadadedoismeses.

Esta foi uma das contribuições centrais de Christine Chaves: indicarque, mesmo com um objetivo eminentemente político, o de chamar aatençãoda sociedadebrasileirapara as extremasdesigualdades existentesno país, elegeu-se a combinação de formas tradicionais: as marchas deprotesto e as procissões. Pelo desenho do evento — três colunasmovimentando-se lentamente de São Paulo, Governador Valadares eCuiabáparase reunirnocentro territorialepolíticodopaís—,amarchaproduziuumcapitalsimbólicosignificativo,revelandooaltopotencialdeumfenômeno tãoantigoegeneralizadocomoasperegrinações.ChristineChavesmostracomoaMarchacruzoumaisqueestradas—elaatravessoueproduziuumsolomoral,redesenhandoomapaterritorialesimbólicodoBrasil. Na verdade, a chegada dos caminhantes sem-terra a Brasíliarepresentouaconversãosimbólicadeumaperegrinaçãoemvitóriapolítica,unificando em uma mesma manifestação as formas de parada militar,procissãoreligiosa,comíciopolítico,showartístico,festaecarnaval.

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Além do percurso diário ao longo das rodovias — acompanhado edivulgadopelaimprensanacional—,umaseqüênciaespecíficamarcavaapassagemdas colunas dosmarchantes pelas cidades e vilarejos: em cadalugarqueasfileirasdossem-terraentravam,realizavamumatopúblicoemontavam um acampamento provisório.Apenas emBrasília a escala foimaior. O propósito da caminhada era reiterado constantemente emdiscursos, músicas e atos públicos: dar terra aos “sem-terra”, chamar aatençãoparaoproblemadodesempregonascidadeseparaa impunidadedoscrimeseviolênciascometidoscontratrabalhadoresrurais.

Vemos,dessemodo,queesseéumritualquestionador,deprotestoedeoposição.Emoutraspalavras,rituaistantoreafirmamquantoquestionamasociedade, mas o fazem de várias maneiras: festiva, no carnaval;contestadora,namarcha.Gostariaaquidechamaraatençãoparaumfatoimportante: a Marcha dos Sem-Terra teve natureza pacífica, isto é, nãopretendia desencadear uma “revolução”. Não obstante, tratou-se de umevento político, cujas características em geral trazem projetos detransformação.Foicomoritualpolíticopotencialmentetransformador,queobtevereconhecimentopúblicoeentrouvitoriosaemBrasília.

AMarcha também indicou, na cosmologia implícita doMST, o nexoentrereligiãoepolítica.AprópriaformadaMarchajárevelaovínculo:aantiga tradição das romarias foi apropriada por acampados doMST nascaminhadas em direção às cidades e aos centros de poder. Como diz aautora, de uma peregrinação rumo a um território sagrado elas setransformaramemcaminhadaemdireçãoaoespaçopolítico.NaMarcha,afronteira entre o religioso e o político perdeu nitidez, indicando anecessidade de se repensar a adequação de algumas distinções analíticasconsagradas (como religião, política, direitos), que assumimos comoseparadoseindependentes.

ChristineChavesfinalmentenosmostracomoaeficáciadaaçãoritualreside no fato de acionar crenças culturais essenciais — crenças queconstituem uma cosmologia — mas, ao mesmo tempo, questionardeterminadasestruturassociais.Nestesentido,os rituaispodemconcorrerpara a construção de novas legitimidades, permitindo desvendarmecanismos de diferenciação social e realizar a passagemdas ideologiasparaossistemasdeação(evice-versa).Énaaçãoquehomensemulheresde carne e osso, para citar mais uma vez a autora, buscam transformarinteresseseideaisemrealizaçõesconcretas.Rituaissão,assim,bonsparapensarebonsparaviver.Apartirdeles tomamosconhecimentodenossomundo ideal e de nossos projetos e ambições; a partir deles revelam-setrilhas,encruzilhadasedilemase,noprocesso,consegue-se,muitasvezes,

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encaminharmudançasetransformações.

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Conclusão

Naturalmente,osresumosquefizdosestudosdeRobertoDaMattasobreocarnaval e de Christine Chaves sobre aMarchaNacional dos Sem-Terranão fazem justiça aos dois trabalhos. Um contato direto com os textosoriginais permitirá uma apreciaçãomais aguçada.Mas resumi-los serviuparaexemplificarostemaseasabordagensutilizadosnosdoislivros,alémdeservirparademonstrarumpontoimportantequefoiapenasinsinuadonoinício deste livro: o de que o ritual é uma forma de ação sobretudomaleável e criativa que, com conteúdos diversos, é utilizada para váriasfinalidades.Comosexemplosdocarnavaledamarchapolítica—senãopelos anteriores, como o potlatch e o kula — espero ter eliminado opreconceito (ainda presente e de enorme persistência) que vê os rituaiscomo fenômenos formais e desprovidos de sentido. Seguindo a mesmalinha,estepequenolivro temapretensãodequestionara idéiaquesefazdosrituaiscomoopostosàracionalidadeeafeitosacrençasmísticas.

O caminho que percorremos ocupou poucas páginas, mas teve aduração de um século no desenvolvimento da antropologia. Foi umprocesso longo, como é natural nas transformações teóricas. Inicialmentepresosnadiscussãorelativaàmagia,religiãoeciência,osantropólogosaospoucos foram secularizando a noção de ritual, a ponto de ver essesfenômenos como especiais e críticos independentemente de critérios deracionalidade, religiosidade e misticismo. O ritual — agora definidoetnograficamente, isto é, em termos nativos — tornou-se um fenômenointeressanteparaanálisejustamenteporque,nolongoprocessodereflexãosobresuascaracterísticasintrínsecas,reconheceu-sequeeletemopoderdeampliar, iluminar e realçar uma série de idéias e valores que, de outraforma,seriamdifíceisdediscernir.

Omecanismodabricolagem,definidoporLévi-Strauss,éfundamentalaqui: os elementos que entram no ritual já existem na sociedade, fazempartedeumrepertóriousual,massãoentãoreinventados.Seoritualpossuicaracterísticas marcantes de estereotipia, redundância, condensação e, àsvezes, formalidade, esses são traços de eventos sociais em geral — noritualelesapenassãoreforçados.Concluímos,portanto,querituaissãoumtipo especial de eventos, mas não qualitativamente diferentes daquelesconsiderados usuais. Sendo assim, o instrumental desenvolvido paraanalisá-los pode ser reapropriado, comproveito, para exame dos eventos

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cotidianos.A idéiadebricolagemvinculao ritualàcriatividadeeàoriginalidade

—aocontráriodoquedizosensocomum,quevêosritoscomorígidoseimutáveis—e,portanto,éfavorávelamudançasetransformações.Vimosesses aspectos nos dois últimos exemplos. O carnaval faz parte de umarotinanavidadoRiodeJaneiro.Apesardisso,porquantastransformaçõesnãopassou?Osmaistradicionalistastememasmudanças,receandoqueocarnavalpossasedescaracterizar, istoé, tornar-sepobreoumedíocre.Noentanto, o oposto ocorre: quanto mais o carnaval se transforma, maisreconhecimento social adquire como “a festa” da cidade. E asperegrinações? Não são elas antigas formas de homenagem, obediênciae/ou submissão ao sagrado? Quando vemos essa forma elementar desociabilidade apropriada por um movimento social contestatório, nãoestamosvendoacriatividadeeaengenhosidadedosatosdesociedadeemação?Logo,mudanças e transformações não são inimigas do ritual,masumapotencialidadedessefenômenotãofamiliaraosantropólogos.

Háumúltimoaspecto a enfatizar: nopercurso a respeitodos estudossobrerituais,verificamosquedécadasdediscussãosepassaramparaquesechegasseàconclusãodeque1)umadefiniçãorelativaderitualerasuperiora uma definição rígida, 2) há pouco significado em se procurar asdiferençasentreritualecerimonial,e3)éirrelevantedeterminaraprimaziaentreritosemitos.Aidéiaderitualnosservehojedeguiaparaumaanáliseantropológicamais ampla emais rica: comoos exemplos nos indicaram,pelo carnaval conhecemos um dos mecanismos básicos da sociabilidadebrasileira, isto é, a relação entre hierarquia e individualismo que estámanifestanas fantasias, desfiles emúsicas.PormeiodamarchadoMSTreconhecemos um dos elementos fundamentais do repertório político noBrasil:asperegrinaçõesquenos indicama legitimidadesocialdovínculoentre política e religiãonopaís.Emoutras palavras, o ritualmostrou seruma porta heurística, pela qual podemos vislumbrar aspectos de umasociedade que dificilmente se manifestam em falas, depoimentos ediscursos.

Estamos,assim,preparadospara reconhecerhojeque,muitasvezes,aação social é mais eloqüente para o analista que uma faladescontextualizada. Por meio da análise de rituais, podemos observaraspectos fundamentais de como uma sociedade vive, se pensa e setransforma—oquenãoépouco.

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Referênciasefontes

• A linha geral da argumentação deste livro está desenvolvida, em textomais especializado, em M. Peirano (org.) O dito e o feito: Ensaios deantropologia dos rituais (Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2001),especialmentenaintroduçãoenocapítulo1.

•Utilizei como base para a abordagem aos rituais a proposta de StanleyTambiah,apresentadanocapítulo4(“APerformativeApproachtoRitual”)de Culture, Thought and Social Action (Cambridge, Mass., HarvardUniversityPress,1985).Essaabordagemtemcomofundamentoos textosclássicosdeÉmileDurkheim,Asformaselementaresdavidareligiosa(SãoPaulo,MartinsFontes,1996),edeMarcelMauss,nosdoisensaiossobreamagia e sobre a dádiva, publicados inicialmente em1902-1903 e 1925 ereproduzidos em Sociologia e antropologia (São Paulo, EPU & Edusp,1974).Paraexaminarosfenômenosdopotlachedokula,utilizeiotextodeMausssobreadádivaeoclássicoOsargonautasdoPacíficoOcidental,deBronislawMalinowski(SãoPaulo,Abril,1989).

•Uma série de artigos clássicos sobre rituais dosquais fiz uso extensivopode ser encontrada em Reader in Comparative Religion: AnAnthropological Approach, organizado porWilliam A. Lessa e Egon Z.Vogt,epublicadoem1958emNovaYorkpelaHarperandRowPublishers.Quanto à historiografia dos estudos sobre rituais, consultei excelentesverbetes, escritos por antropólogos então iniciantes mas hoje bastanteconceituados, na International Encyclopedia of the Social Sciences,organizada por David L. Sills e publicada em 1968 pela MacmillanCompany& The Free Press. Como exemplos, cito os verbetes “EdwardBurnettTylor”(textoelaboradoporGeorgeStockingJr,vol.16),“Religion”(porCliffordGeertz,NorbertN.BellaheJamesE.Dittes,vol.13),“Ritual”(por Edmund Leach, vol.14) e “Arnold Van Gennep” (por Solon T.Kimball,vol.6).

•A principal fonte sobre os trabalhos deVictorTurner sobre os ndembucontinuasendoTheForestofSymbols:AspectsofNdembuRitual (Ithaca,CornellUniversityPress,1967),mas fiz tambémusodoextensomaterialquecoleteiporocasiãoda reanáliseaque submetiomaterial etnográficondembucombasenasidéiasdeStanleyTambiah,equeconstituiocapítulo

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3 de Mariza Peirano, A favor da etnografia (Rio de Janeiro, RelumeDumará,1995).

• Para o vínculo teórico de Turner com os trabalhos deMaxGluckman,consultei V. Turner, “A Revival in the Study of African Ritual”, umcomentário sobre o livro Rituals of Rebellion, de Max Gluckman,publicado no The Rhodes-Livingstone Journal, vol.16, com o título“HumanProblems inBritishCentralAfrica”, em1955 (p.51-6) e, para aperspectivadeMaxGluckmansobrerituais,M.Gluckman(org.)EssaysontheRitualofSocialRelations (Manchester,University Press, 1962), ondeháuma introduçãoao trabalhode trêsautores (MeyerFortes:“RitualandOffice in Tribal Society”; Daryll Forde: “Death and Succession: AnAnalysis ofYaköMortuaryRitual”; eVictor Turner: “Three Symbols ofPassageinNdembuCircumcisionRitual:AnInterpretation”).Otextoondeoautordiscuteovocabuláriorelacionadoaosrituaiseexploraasdiferençasentre os vários termos está apresentado no texto “Les rites de passage”,primeiroartigodacoletânea,aquiresumido.

•Paraaapresentaçãodosdoisrituaisqueencerramestelivro—ocarnavaleamarchadossem-terra—,baseei-merespectivamentenos trabalhosdeRobertoDaMatta,Carnavais,malandroseheróis:paraumasociologiadodilemabrasileiro (RiodeJaneiro,Zahar,1979)edeChristinedeAlencarChaves,Amarchanacionaldossem-terra:umestudosobrea fabricaçãodosocial(RiodeJaneiro,RelumeDumará,2000).

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Leiturasrecomendadas

•ComoestelivrosegueemgrandeparteaslinhasdefinidasnoprefáciodeO dito e o feito: Ensaios de antropologia dos rituais, nesta coletânea oleitor encontrará vários exemplos contemporâneos de análises de rituaisrealizadasnoBrasil.

•Para umabase sólidados clássicos, recomendo, comênfase,As formaselementaresdavidareligiosa,deÉmileDurkheim,“Ateoriadodom”,deMarcelMauss(emSociologiaeantropologia)eMagia,ciênciaereligião,deMalinowski(LisboaEdições70,1988).Paraosleitoresquedominamalíngua inglesa, sugiro a leitura do texto original de StanleyTambiah, “APerformative Approach to Ritual” (Culture, Thought and Social Action).Finalmente, é interessante tomar conhecimento em primeira mão demonografiasbrasileiras,comoojáclássicoCarnavais,malandroseheróis,deRobertoDaMatta,eAmarchanacionaldossem-terra,deChristinedeAlencarChaves.Paraumestudoquerevelacomoasmudançasnocarnavalcariocanãodiminuíramemsuaimportânciasocial,sugiroaleituradolivrodeMaria Laura Cavalcanti,Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile(RiodeJaneiro,UFRJ,MinC/Funarte,1994).Paraaquelesquedesejaremler sobre rituais em sociedades indígenas no Brasil, recomendoRitos deuma tribo timbira, de Julio Cezar Melatti (São Paulo, Ática, 1978),Comendo comogente: formas do canibalismowari, deAparecidaVilaça(Rio de Janeiro,UFRJ, 1992) eKwaríp,mito e ritual no Alto Xingu, dePedroAgostinho(SãoPaulo,EPU/Edusp,1974).

•Emumcursodegraduaçãosobrerituais,sugiroque,alémdasleiturasdeDurkheimeMauss,seuorganizadorincluatextosdeJamesFrazer(Oramodeouro.RiodeJaneiro.Guanabara,1982),BronislawMalinowski(Magia,ciênciaereligião),ArnoldVanGennep(Osritosdepassagem.Petrópolis,Vozes,1978),MaxGluckman (RituaisderebeliãonosudoestedaÁfrica.SérieTextosdeAula,Antropologia4,Brasília,EditoradaUnB)eVictorTurner(Oprocessoritual.Petrópolis,Vozes,1974).OprimeirocapítulodeO pensamento selvagem, de Lévi-Strauss, é ótimo texto para indicar omomentoemquesedefine,sempossibilidadederetorno,ahorizontalidadedas práticas humanas. A coletânea de textos da Editora Ática sobreEdmundLeach,organizadaporRobertoDaMatta,possuiváriosartigosde

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interesseparaoestudoderituais,como“Cabelomágico”,“Gênesiscomomito”,“Categoriasanimaiseabusoverbal”.

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Sobreaautora

MarizaPeiranoédoutoraemantropologiapelaUniversidadedeHarvardeprofessora titular do Departamento de Antropologia da Universidade deBrasília (UnB),ondeensinaepesquisadesde1980.Atualmente fazpartedoNúcleodeAntropologiadaPolítica,coordenandoosubprojeto“Rituaisda política”. Publicou anteriormente Uma antropologia no plural: trêsexperiênciascontemporâneasUnB,1992,eAfavordaetnografia(RelumeDumará,1995),eorganizouOditoeofeito:Ensaiosdeantropologiadosrituais(ColeçãoAntropologiadaPolítica,RelumeDumará,2001).

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Copyright©2003,MarizaPeirano

Copyrightdestaedição©2003:JorgeZaharEditorLtda.

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Todososdireitosreservados.Areproduçãonão-autorizadadestapublicação,notodo

ouemparte,constituiviolaçãodedireitosautorais.(Lei9.610/98)

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ISBN:978-85-378-0560-2

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Índice

Sumário 4Agradecimentos 5Introdução 6Oconceitoderitualhoje 8Opotlacheokula:àpartedahistoriografiadosrituais 11Ahistoriografiacanônica 14Rituaisemagia 17Mitoseritos 25Ocarnavalcomoritual 30Amarchapolíticacomoritual 33Conclusão 36Referênciasefontes 39Leiturasrecomendadas 41Sobreaautora 43Copyright 44

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