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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA RICARDO CARVALHO GONÇALVES Regime de Superávit Primário no Brasil: teoria, institucionalidade e prociclicidade Campinas 2017

RICARDO CARVALHO GONÇALVES Regime de Superávit Primário … · Regime de Superávit Primário no Brasil: teoria, institucionalidade e prociclicidade Defendida em 23/02/2017 COMISSÃO

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

RICARDO CARVALHO GONÇALVES

Regime de Superávit Primário no Brasil: teoria,

institucionalidade e prociclicidade

Campinas 2017

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

RICARDO CARVALHO GONÇALVES

Regime de Superávit Primário no Brasil: teoria,

institucionalidade e prociclicidade

Prof. Dr. Pedro Linhares Rossi – orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Ciências Econômicas.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO RICARDO CARVALHO GONÇALVES E ORIENTADO PELO PROF. DR. PEDRO LINHARES ROSSI.

Campinas Fevereiro de 2017

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

RICARDO CARVALHO GONÇALVES

Regime de Superávit Primário no Brasil: teoria,

institucionalidade e prociclicidade

Defendida em 23/02/2017

COMISSÃO JULGADORA

A Ata de Defesa, assinada pelos membros

da Comissão Examinadora, consta no

processo de vida acadêmica do aluno.

Aos meus pais, Paulo e Regina, pelo exemplo de

vida e pelo apoio incondicional.

AGRADECIMENTOS:

Gostaria de agradecer, em primeiro lugar, aos dedicados professores e

funcionários do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas

(IE/Unicamp), que tornam este lugar tão acolhedor e propício para o desenvolvimento

de seus alunos. Em especial, gostaria de agradecer ao meu orientador Prof. Pedro Rossi,

por toda sabedoria, didática, paciência e compreensão, sendo fundamental para o

processo de elaboração dessa dissertação.

A todos os professores e colegas de pós-graduação do Centro de Estudos de

Conjuntura e Política Econômica (CECON) pelo incentivo e pelo aprendizado ao longo

das reuniões mensais, que permitiram ampliar os horizontes acerca de diversos temas e

que contribuíram muito para o meu crescimento ao longo do mestrado. Ao Prof.

Guilherme Mello, pelas ótimas contribuições, tanto ao longo das reuniões no CECON

quanto na minha banca de qualificação. À Profª. Esther Dweck e ao Prof. Francisco

Lopreato, pelas excelentes críticas, comentários, sugestões e indagações, que trouxeram

reflexões importantes na minha banca de defesa de mestrado, colaborando, assim, para

melhorar a versão final deste trabalho e para perspectivas de pesquisa para o doutorado.

Não poderia deixar de agradecer aos meus colegas de pós-graduação, que se tornaram

grandes amigos, sempre abertos e com um espírito cooperativo. Impossível não lembrar

alguns colegas, como Thiago Machado, João Pedro Macalos, Christian Duarte, Flávio

Arantes e Flávia Filippin, que tiveram a paciência de ler, discutir ou colaborar de uma

forma mais direta com o meu trabalho de dissertação.

O mestrado no IE/Unicamp foi um período muito construtivo, quando tive a

oportunidade de conhecer diversas pessoas incríveis, economistas sensíveis aos

problemas sociais do país e participativos no debate público. É uma honra e um prazer

fazer parte de um centro de pesquisa que se preocupa em responder questões cruciais

para a superação de problemas econômicos, atacando questões estruturais como a

grande desigualdade social. O espírito de cooperação, incentivado dentro do IE e do

CECON, me trouxeram além de grandes amigos, uma perspectiva mais ampla sobre

métodos de pesquisa e exploração de problemas. Sem dúvida, essa característica torna o

trabalho mais prazeroso, tornando o IE um lugar ainda mais agradável para se trabalhar.

Por fim, gostaria de agradecer aos meus familiares e amigos de longa data (que

já são “quase família”) e que estiveram presente de alguma forma ao longo dessa

trajetória do mestrado. Aos meus pais, Regina e Paulo, eu não teria palavras para

agradecer tudo que já fizeram por mim. Aos meus irmãos, Rodrigo e Rafael, que apesar

da distância, conseguem mandar energias positivas e um apoio incondicional. Aos

amigos que fiz em Rio Grande, em Porto Alegre e em Campinas, que são muitos para

citar, mas que são únicos. Sinto-me uma pessoa de muita sorte por ter tantas pessoas

incríveis e que agregam muito para a minha vida de formas tão distintas e particulares.

The windows of the soul are infinite, we are told. And it is

through the eyes of the soul that paradise is visioned. If there

are flaws in your paradise, open more windows! Vision is

entirely a creative faculty: it uses the body and the mind as

the navigator uses his instruments. Open and alert, it matters

little whether one finds a supposed shortcut to the Indies – or

discovers a new world. Everything is begging to be

discovered, not accidentally, but intuitively. Seeking

intuitively, one’s destination is never in a beyond of time or

space but always here and now. If we are always arriving

and departing, it is also true that we are eternally anchored.

One’s destination is never a place but rather a new way of

looking at things. Which is to say that there are no limits to

vision. Similarly, there are no limits to paradise. Any

paradise worth the name can sustain all the flaws in creation

and remain undiminished, untarnished.

MILLER, Henry. Big Sur and the Oranges of Hieronymus

Bosh. New Directions Publishing Corporation, 1957, p.25.

RESUMO

Esta dissertação realiza uma avaliação crítica do regime fiscal de metas primárias

institucionalizado no Brasil após a reforma macroeconômica de 1999. Defende-se a

hipótese de que a rigidez desta regra atribui uma característica pró-cíclica ao regime

fiscal, além de desincentivar a realização de investimentos públicos, que se tornam

variável de ajuste ao longo do ciclo econômico. O desenvolvimento do trabalho segue

uma discussão teórica, buscando evidências de que o regime de metas fiscais está

fundamentado na visão do Novo Consenso Macroeconômico (NCM). Contrapondo-se a

essa vertente, levanta-se conceitos desenvolvidos por Keynes e Kalecki acerca da

dinâmica das economias capitalistas, a fim de indicar a importância da atuação estatal

para a manutenção dos níveis de investimento, principalmente em momentos de baixa

do ciclo econômico. Analisa-se, então, os objetivos e alguns resultados do regime fiscal

brasileiro – que pese à sustentabilidade da dívida pública – questionando-se o papel das

metas primárias dentro desse arranjo. Para defender a hipótese do trabalho, avalia-se o

comportamento de alguns componentes do orçamento do governo central – como os

gastos discricionários, as receitas e as despesas primárias – em relação à evolução do

PIB. Através da análise de gráficos (de dispersão e de evolução no tempo) busca-se

evidências de que os componentes do orçamento público tendem a variar no mesmo

sentido do que as variações do PIB. Esse fato seria particularmente problemático se em

períodos de queda do produto – quando há uma tendência de redução das receitas – o

governo contingencie investimentos para cumprir a meta de superávit primário. Como

esse dispêndio tende a apresentar um maior efeito multiplicador, essa dinâmica

reforçaria o movimento descendente do PIB e agravaria a queda das receitas, não

contribuindo, assim, para melhorar a situação fiscal nem para retomar o crescimento.

Assim, existiria uma barreira institucional à execução de políticas anticíclicas, já que

despesas com elevado efeito multiplicador tendem a ser cortadas nas fases de baixa do

ciclo econômico.

Palavras-chave: Regime Fiscal Brasileiro; Regime Fiscal Pró-cíclico; Novo Consenso

Macroeconômico.

ABSTRACT

This dissertation makes a critical appraisal of the fiscal regime of primary targets

institutionalized in Brazil after the macroeconomic reform of 1999. The hypothesis

defended is that the rigidity of this rule attributes a procyclical characteristic to the

fiscal regime, in addition to constrain the realization of public investments which

becomes the adjustment variable throughout the economic cycle. The development of

the paper follows a theoretical discussion, seeking evidences that the regime of fiscal

target is based on the vision of the New Consensus Macroeconomics (NCM).In contrast

to this view, the paper brings forward the concepts developed by Keynes and Kalcki on

the dynamics of capitalist economies, in order to indicate the importance of the state

interventions for the maintenance of investment levels, especially in times of economic

downturn. Some goals and results of the Brazilian fiscal regime are analyzed

(emphasizing the debt sustainability) to question the role played by the primary targets

on this arrangement. In order to defend the hypothesis of the paper, the behavior of

some components of the government budget – such as discretionary spending, primary

revenues and expenditures – are evaluated in relation to the GDP fluctuation. Through

graphic analysis (dispersion and evolution over time) it looks for evidences that the

public budget components tends to vary in the same direction as the variation of GDP.

This fact would be particularly problematic if in periods of declining output – when

there is a trend for revenues to fall – the government contingencies investments

spending to meet the primary surplus target. As this expenditure tends to have a greater

multiplier effect, this dynamic would reinforce the downward movement of GDP and

worsen the fall in revenues, thus not contributing to improvements on the fiscal

situation nor to resume growth. Thus, there would be an institutional barrier to the

implementation of countercyclical policies, since expenses with a high multiplier effect

tend to be cut in the downturn phases of the economic cycle.

Key Words: Brazilian Fiscal Regime; Procyclical Fiscal Regime; New Macroeconomic

Consensus.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Gráfico Teórico Pró-Cíclico .................................................................................. 129

Figura 2: Gráfico Teórico de Dispersão – Pró-Cíclico ......................................................... 130

Figura 3: Gráfico Teórico Contracíclico .................................................................................... 131

Figura 4: Gráfico Teórico de Dispersão – Contracíclico ..................................................... 132

Figura 5: Gráfico Teórico Acíclico ........................................................................................ 133

Figura 6: Variação do PIB e da FBCF acumulados em 4 trimestres em relação ao mesmo

período do ano anterior (1998.IV - 2016.III) ........................................................................ 136

Figura 7: Dispersão entre PIB e FBCF - taxa acumulada em 4 trimestres em relação ao

mesmo período do ano anterior (1998.IV - 2016.III) ........................................................... 137

Figura 8: Variação anual do PIB e do Investimento do Governo Central (1999 - 2015) .. 138

Figura 9: Dispersão entre a variação anual do PIB e do Investimento do Governo Central

(1999 – 2015) ............................................................................................................................ 138

Figura 10: Variação anual do Investimento e das Receitas Primárias do Governo Central

(1999 - 2015) ............................................................................................................................. 139

Figura 11: Dispersão entre a variação anual do Investimento e das Receitas Primárias do

Governo Central (1999 – 2015) .............................................................................................. 139

Figura 12: Variação do PIB e da Receita Total do Gov. Central – taxa acumulada em 4

trimestres em relação ao mesmo período do ano anterior (1998.IV – 2016.III) ................ 142

Figura 13: Dispersão entre PIB e Receita Total do Gov.Central - taxa acumulada em 4

trimestres em relação ao mesmo período do ano anterior (1998.IV – 2016.III) ................ 143

Figura 14: Variação trimestral do PIB e das Despesas Primárias Totais do Governo

Central – acumulado em 4 trimestre em relação ao mesmo período do ano anterior

(1998.IV - 2016.III) .................................................................................................................. 145

Figura 15: Dispersão entre a Variação Trimestral do PIB e das Despesas Primárias Totais

do Governo Central – acumulado em 4 trimestres em relação ao mesmo período do ano

anterior (1998.IV - 2016.III) ................................................................................................... 146

Figura 16: Variação Trimestral das Receitas Primárias Totais e Despesas Primárias Totais

do Governo Central – Acumulado em 4 trimestres em relação ao mesmo período do ano

anterior (1998.IV – 2016.III) .................................................................................................. 147

Figura 17: Variação Trimestral do PIB e das Despesas Discricionárias do Governo

Central – Acumulado em 4 trimestres, em relação ao mesmo período do ano anterior

(1998.IV – 2016.III) ................................................................................................................. 148

Figura 18: Dispersão entre PIB e Despesas Discricionárias do Governo Central –

Acumulado em 4 trimestres, em relação ao mesmo período do ano anterior (1998.IV –

2016.III) .................................................................................................................................... 149

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Quadro esquemático do planejamento orçamentário, PPA (2012-2015) ......... 119

Quadro 2: Fatores Condicionantes da Dívida Líquida do Setor Público Consolidado, em

% PIB (2002-2016) .................................................................................................................. 126

Quadro 3: Fatores Condicionantes da Dívida Bruta do Governo Geral, em % PIB (2007 -

2016) ......................................................................................................................................... 127

Quadro 4:Tendências de variação do PIB e da FBCF, dados trimestrais acumulados nos

últimos 4 trimestres em relação ao mesmo ao mesmo período (1998.IV - 2016.III) ......... 137

Quadro 5: Investimento do Governo Central e do Governo Geral – Taxa de Crescimento

ao ano........................................................................................................................................ 140

Quadro 6: Tendências de variação do PIB e da Receitas Primárias, dados trimestrais

acumulados nos últimos 4 trimestres em relação ao mesmo ao mesmo período (1998.IV -

2016.III) .................................................................................................................................... 144

Quadro 7: Tendências de variação do PIB e das Despesas Primárias, dados trimestrais

acumulados nos últimos 4 trimestres em relação ao mesmo ao mesmo período (1998.IV -

2016.III) .................................................................................................................................... 146

Quadro 8: Tendências de variação do PIB e das Despesas Discricionárias, dados

trimestrais acumulados nos últimos 4 trimestres em relação ao mesmo ao mesmo período

(1998.IV - 2016.III) .................................................................................................................. 150

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 15

1. O DEBATE TEÓRICO SOBRE O REGIME FISCAL: A VISÃO DO NOVO

CONSENSO MACROECONÔMICO .................................................................................... 20

Apresentação: .......................................................................................................... 20

1.1. O Novo Consenso Macroeconômico (NCM)......................................................... 22

1.2. O NCM e a Política Fiscal .................................................................................. 32

1.3. Algumas críticas ao NCM:.................................................................................. 39

1.4. O NCM pós-crise de 2008 ................................................................................... 44

1.4.1. Questão Fiscal: sustentabilidade da dívida pública e crescimento econômico ........ 47

1.4.2. Nova Geração de Regras Fiscais pós-crise de 2008................................................. 53

Considerações Finais ................................................................................................ 58

2. O DEBATE TEÓRICO SOBRE O REGIME FISCAL: A POLÍTICA FISCAL COMO

MECANISMO ESTRATÉGICO DO ESTADO .................................................................... 60

Apresentação: .......................................................................................................... 60

2.1. A Dinâmica Capitalista e a Política Fiscal em Keynes e Kalecki ........................... 60

2.1.1. A economia monetária de produção e os ciclos econômicos em Keynes .................. 61

2.1.2. O investimento e os ciclos econômicos em Kalecki ................................................... 68

2.1.3. A política fiscal em Keynes ....................................................................................... 72

2.2. A Visão da Modern Money Theory (MMT) ......................................................... 77

2.2.1. Aspectos Gerais da MMT .......................................................................................... 78

2.2.2. Os objetivos da política macroeconômica e a política fiscal na MMT ..................... 81

2.2.3. Notas Críticas à MMT ............................................................................................... 84

2.3. Política Fiscal e Estratégias de Desenvolvimento ................................................. 91

Considerações Finais: ............................................................................................... 99

3. O REGIME FISCAL BRASILEIRO: CONTEXTUALIZAÇÃO,

INSTITUCIONALIDADE E ANÁLISE DO ASPECTO PRÓ-CÍCLICO ........................ 101

Apresentação: ........................................................................................................ 101

3.1. Contextualização histórica: o tripé macroeconômico e a introdução do regime de

metas primárias ..................................................................................................... 102

3.1.1.Notas sobre a política macroeconômica brasileira na década de 1990: uma breve

contextualização ................................................................................................................ 102

3.1.2. O tripé macroeconômico, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e o novo regime

fiscal .................................................................................................................................. 107

3.1.3. Governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2015) ................................................. 111

3.2. Institucionalidade e Operacionalidade do Regime Fiscal no Brasil ..................... 118

3.3. Desempenho do Regime de Metas Primárias e o seu Comportamento Frente aos

Ciclos Econômicos .................................................................................................. 125

3.3.1. Análise geral do desempenho do regime de metas primárias no Brasil ................. 125

3.3.2. Notas metodológicas para a análise do aspecto cíclico do regime fiscal ............... 128

3.3.3. Notas sobre a variável “investimento” no Brasil ................................................... 135

3.3.4. O regime fiscal e os ciclos econômicos no Brasil ................................................... 140

Considerações Finais: ............................................................................................. 151

CONCLUSÕES ....................................................................................................................... 153

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 156

15

INTRODUÇÃO

A condução da política fiscal incitou grandes controvérsias no Brasil nos

últimos anos. Além de estar no centro de debates ao longo do pleito eleitoral de 2014,

essa questão foi o ponto crucial para justificar o processo de impeachment da presidente

eleita Dilma Rousseff. O governo de Michel Temer, com a equipe econômica liderada

por Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda, iniciou em 2016 um processo de

reforma fiscal que encerraria, na prática, o longo período em que a política fiscal foi

balizada pelas metas de superávit primário, colocando uma regra que limita os gastos

primários do governo central como um novo e principal norteador. Dentro dessa

conjuntura, emerge uma polêmica questão sobre a eficácia do regime de metas

primárias, que segue um controverso debate econômico entre as diferentes vertentes de

pensamento.

Para compreender melhor essa complexa conjuntura política e econômica, é

preciso ter em mente que as mudanças estruturais do regime macroeconômico brasileiro

seguiram, desde a década de 1990, uma vertente teórica de caráter ortodoxo. Em vista

disso, é preciso apreender a forma como essa linha de pensamento interpreta a lógica do

sistema capitalista e assimilar os pressupostos que assentam essa base teórica. Nesse

sentido, remete-se a um aspecto de extrema relevância: sobre o papel que o Estado deve

desempenhar na economia, que reflete um modo específico de lidar com a política

fiscal.

A formatação do regime fiscal, por meio da operação de receitas e gastos do

Estado, bem como o cumprimento de metas estipuladas institucionalmente, repercute

diretamente sobre questões essenciais da sociedade, desde a possibilidade de ofertar

bens públicos quanto às políticas que visem o crescimento econômico. Esse tema, que é

de grande relevância para o desenvolvimento de um país, gera polêmicas e divergências

dentro da ciência econômica,. Assim, é imperioso aprofundar estudos que levem em

consideração as inferências teóricas, os objetivos, e os resultados de determinadas

configurações de políticas fiscais. Em vista disso, essa dissertação realiza uma análise

crítica ao regime fiscal brasileiro de superávit primário, pesando o seu alicerce teórico e

a algumas consequências específicas de sua formatação institucional. Esse estudo se

mostra relevante, então, para se ponderar quais tipos de mudanças no regime fiscal

seriam desejáveis para se vislumbrar um desenvolvimento econômico para o país.

16

A hipótese principal do trabalho é, então, de que o regime fiscal de metas

primárias é pró-cíclico e ineficiente para prover um planejamento de longo prazo ao

desenvolvimento econômico, prejudicando a manutenção de níveis razoáveis de

investimentos públicos ao longo do tempo. Conforme será desenvolvido ao longo do

trabalho, o estabelecimento de uma rígida regra fiscal atribuiu à meta de superávit

primário uma característica “obrigatória”, relegando às despesas discricionárias (que

incluem parte dos investimentos públicos) a conta de ajuste, sempre passíveis de

contingenciamentos em momentos de frustrações de receitas. Seguindo essa lógica,

existe uma barreira institucional à execução de políticas anticíclicas, já que despesas

com elevado efeito multiplicador tendem a ser cortadas nas fases de baixa do ciclo

econômico. Esse fato tenderia a reforçar o movimento declinante do PIB e,

consequentemente, de queda das receitas do governo – se tornando contraproducente

aos seus próprios objetivos.

Essa dissertação defende, também, que essas características desse regime fiscal

são frutos de uma visão teórica baseada no Novo Consenso Macroeconômico (NCM),

que conjectura um papel limitado ao Estado. Busca-se demonstrar como a política

econômica brasileira, desde o início da década de 1990, se aproximou de abordagens

que pregam a redução da participação do Estado na economia e a liberalização dos

mercados, relegando ao setor privado a responsabilidade de ditar o desenvolvimento da

economia.

Faz-se relevante notar o contexto histórico-institucional das mudanças

estruturais do regime fiscal no pais. Nesse sentido, destaca-se que a regra de superávit

primário foi introduzida na reforma macroeconômica de 1999, após a crise cambial, e

perpetuada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Assim, pretende-se compreender a

conjuntura e os objetivos da implementação do “tripé macroeconômico” – as metas de

inflação, o câmbio flutuante e as metas primárias – bem como os seus pressupostos

teóricos, que seguiram as recomendações da linha “dominante” (ou o mainstream) na

década de 1990, a saber, a do NCM.

Para colaborar com esse debate, essa dissertação se organiza em três capítulos,

excetuando-se esta introdução e as considerações finais. No primeiro capítulo se realiza

uma revisão bibliográfica acerca do Novo Consenso Macroeconômico (NCM). O

objetivo do capítulo é demonstrar os principais pressupostos teóricos que caracterizam

essa linha de pensamento, que irão remeter, no terceiro capítulo, à institucionalidade

macroeconômica brasileira. Faz-se necessário discorrer, na seção 1.1, sobre aspectos

17

macroeconômicos mais amplos para compreender como os teóricos do NCM

interpretam a dinâmica capitalista. Destaca-se as recomendações dessas autores sobre a

condução da política monetária, que seria o principal instrumento de ação do Estado e

cujo o objetivo principal seria manter a estabilidade de algumas variáveis

macroeconômicas (com grande destaque para a inflação). Esse ponto está diretamente

relacionado com a forma como o NCM interpreta a capacidade do Estado de intervir na

economia.

Com isso, a seção 1.2 aborda especificamente sobre o manejo da política fiscal

dentro dessa base teórica. Na seção 1.3, levanta-se algumas críticas sobre os principais

pontos abordados pelo NCM. Já na seção 1.4, discorre-se sobre algumas mudanças

ocorridas após a crise de 2008 em relação à interpretação de diversos autores do

mainstream acerca da condução da política macroeconômica – que passam a defender

certa flexibilização na condução da política fiscal para possibilitar ações anticíclicas

pelo Estado.

Contrapondo-se à visão do NCM, o segundo capítulo aborda uma linha teórica

em que o Estado possui um papel fundamental, tanto para executar políticas anticíclicas

quanto para direcionar investimentos estratégicos no intuito de reduzir vulnerabilidades

econômicas. Parte-se da visão de Keynes e Kalecki, dois autores seminais para se

compreender uma dinâmica capitalista diferente daquela exposta pelas linhas ortodoxas.

Dentro desse contexto, o investimento público ganha importância central.

Aprofundando esse debate, a seção 2.2 trata sobre a Modern Money Theory

(MMT), que defende a ideia de que o Estado não possui restrições orçamentárias por ter

a prerrogativa de emissão monetária. Após discorrer sobre os aspectos teóricos gerais e

as recomendações de políticas econômicas dessa linha teórica – nas seções 2.2.1 e 2.2.2,

respectivamente – realiza-se, na seção 2.2.3, algumas notas críticas a algumas

simplificações realizadas pela MMT. Apesar de insights importantes, que contribuem

para a discussão do tema fiscal, alguns autores pós-keynesianos refletem que as

simplificações realizadas pela análise da MMT são contraproducentes para se colocar

no debate teórico (já que poderia gerar algumas confusões).

De uma forma complementar, a seção 2.3 aborda sobre a importância da

política fiscal, dentro do arranjo macroeconômico, para a estratégia de desenvolvimento

do país. Reflete-se sobre as limitações que países emergentes podem sofrer em um

contexto de globalização econômica para realizar políticas voltadas ao

18

desenvolvimento. Essa seção busca reforçar a importância do Estado como agente

estratégico, contrariando as linhas teóricas de caráter ortodoxo.

O terceiro capítulo foca na condução da política fiscal no Brasil. Para colaborar

na compreensão do funcionamento do regime fiscal, se faz necessário uma análise

histórico-institucional, discorrendo-se brevemente sobre as principais mudanças na

condução da política econômica que moldaram o atual regime fiscal. É preciso

compreender aspectos conjunturais que cercam as mudanças ocorridas a partir da

década de 1990, quando o viés teórico ortodoxo se tornou hegemônico na formulação de

política econômica no Brasil. No discorrer da seção 3.1 – que insere a perspectiva

histórica – alude-se diretamente às questões abordadas nos dois primeiros capítulos,

remetendo-se às teorias que influenciaram o contexto econômico do período.

Já a seção 3.2 foca na operacionalidade e na institucionalidade do regime fiscal

de metas primárias, buscando apontar a lógica de organização do orçamento pública.

Esse ponto é de extrema relevância para se compreender a dinâmica que as metas

primárias anuais embutiriam no manejo do orçamento do governo e que acarretariam

em uma propensão de gestão pró-cíclica.

Por fim, a seção 3.3 busca ilustrar a análise crítica realizada previamente e

colabora para defender a hipótese de que o regime fiscal de superávit primário apresenta

uma tendência pró-cíclica, dificultando a realização de gastos discricionários nas fases

baixa do ciclo econômico. Para tanto, se compara a evolução de dados do orçamento

primário do governo central – receitas primárias, despesas primárias e despesas

discricionárias – com a evolução do PIB, buscando-se evidências empíricas acerca do

caráter pró-cíclico do regime fiscal brasileiro.

Cabe frisar que uma nota sobre a variável “investimento” se mostrou crucial,

dada a sua importância estratégica para a interpretação dos ciclos econômicos e dada a

dificuldade de se estimar a série de “investimentos públicos” no Brasil. Como os

investimentos públicos tendem a apresentar um efeito multiplicador elevado,

principalmente nas fases de queda do PIB, buscou-se explicitar o seu comportamento ao

longo do tempo. Utilizou-se a série de investimentos públicos estimada por Orair e

Siqueira (2016), que tomam por base a Formação de Capital Fixo do Governo.

Por fim, cabe enfatizar que a metodologia utilizada para analisar os dados do

orçamento primário do governo central é uma interpretação de dois tipos de gráficos, de

evolução no tempo e de dispersão, que comparam a variação das receitas e despesas

primárias do governo central com a variação do PIB. Ademais, busca-se em uma análise

19

qualitativa, observando os períodos em que essas variações se aceleram em relação ao

período anterior, o que colabora para a interpretação dos gráficos de dispersão.

20

1. O DEBATE TEÓRICO SOBRE O REGIME FISCAL: A VISÃO DO NOVO

CONSENSO MACROECONÔMICO

Apresentação:

Esse capítulo tem o objetivo de apresentar a forma como o Novo Consenso

Macroeconômico (NCM)1 lida com a questão fiscal – e que subentende uma visão

específica sobre o papel que o Estado deve desempenhar na economia. Contudo, para

esclarecer esse ponto, se faz necessário discorrer sobre a forma como essa linha de

pensamento aborda aspectos macroeconômicos mais gerais, relacionadas a alguns

pressupostos importantes acerca do funcionamento das economias capitalistas. Nesse

sentido, cabe enfatizar o papel limitado atribuído ao Estado, que reflete em regras

fiscais rígidas2.

Salienta-se que tanto a políticas monetária como a livre movimentação de

capitais no contexto de globalização, convergem para atribuir à política fiscal um papel

restrito, complementar e secundário dentro dessa linha de pensamento. Com o pretexto

de maximizar os resultados do mercado e da iniciativa privada, essa abordagem imputa

à política macroeconômica a principal responsabilidade de manter a estabilidade de

algumas variáveis-chave, com grande destaque para a taxa de inflação. Os teóricos do

NCM argumentam que, ao estabilizar o nível de preços, o governo estaria contribuindo

para melhorar a conjuntura em prol do investimento privado, dado que as expectativas

dos agentes seriam beneficiadas pela melhor previsibilidade econômica.

Conforme será exposto, o principal instrumento de ação do Estado seria as

taxas de juros nominais de curto prazo, que atuariam para controlar a demanda agregada

e manter o nível de preços no nível planejado. Ao convergir as expectativas dos agentes

para o nível de inflação futura anunciada pelo banco central, o governo abriria espaço

para reduzir as taxas nominais de juros e incentivar os investimentos privados. A

organização do capítulo segue da seguinte forma:

Na seção 1.1, discorre-se acerca do Novo Consenso Macroeconômico (NCM) e

suas principais influências teóricas. Alguns autores apontam que, apesar de algumas

1 Por estar entres as teorias de maior influência internacional, de melhor aceitabilidade nas universidades

de maior prestígio e publicada nas revistas mais conceituadas, pode-se considerá-la como parte do

mainstream economics (DEQUECH, 2007).

2 Compreendendo-se que o NCM abrange uma vasta literatura com diversos autores de grande relevância,

adverte-se para a limitação do escopo do capítulo que não tem a presunção de aprofundar e pormenorizar

ideias que não são consideradas essenciais dentro do núcleo teórico dessa linha de pensamento.

21

divergências, existe um núcleo de acepções de confluência que incorporou ideias das

escolas Novo Clássicas, Novo Keynesianas e do Ciclo Real de Negócios. Cabe enfatizar

a grande relevância que essa abordagem imputa à política monetária, que acaba

refletindo ao papel secundário da política fiscal. Nesse sentido, mostra-se relevante

discorrer sobre a forma como o NCM trata com a política monetária e que resulta na

recomendação de metas para a inflação.

Na seção 1.2, aborda-se sobre a política fiscal dentro do núcleo teórico do

NCM. Após discorrer sobre os aspectos gerais que caracterizam o NCM, em que a

política monetária se sobressai, esta seção trata especificamente sobra a forma como

essa vertente teórica lida com a política fiscal. As metas para o superávit primário são

uma consequência dos objetivos de sustentabilidade imputados pelo NCM à política

fiscal.

Após apontar o cerne teórico do NCM, aponta-se algumas críticas a

pressupostos e recomendações de política econômica defendidos pelo NCM. A seção

1.3 coloca argumentos críticos realizados por de Lavoie (2006) e Arestis e Sawyer

(2002), aos princípios que sustentam o núcleo teórico do NCM. Essa seção é importante

pois dialoga com as autocríticas realizadas por autores do mainstream após a crise de

2008 (discutidas na seção 1.4) e com a compreensão de uma outra vertente teórica, que

será apresentada no segundo capítulo.

Na seção 1.4, levanta-se, então, algumas reflexões realizadas por alguns

autores vinculados ao NCM após a crise de 2008. Com a eclosão da grave crise

financeira que teve repercussões globais, diversos economistas perceberam as

fragilidades teóricas que assentavam o mercado global desregulado e a condução da

política macroeconômica passiva de diversos países. Em certa medida, esses autores se

aproximaram de uma visão pós-keynesiana, em que a regulação financeira e os gastos

do governo são ferramentas essenciais para uma política econômica condizente com

crescimento e desenvolvimento sustentáveis. Contudo, apesar dessa discussão retomar a

importância da política fiscal como um instrumento anticíclico, percebe-se que para

muitos autores esse fato só deverá ocorrer em momentos específicos de crise

econômica, mantendo-se ainda a validade dos pressupostos do NCM.

22

1.1. O Novo Consenso Macroeconômico (NCM)

Conforme Blanchard (1997) e Taylor (1997), o Novo Consenso

Macroeconômico (NCM) seria um conjunto de proposições teóricas de grande aceitação

entre diversos economistas e instituições “mainstream”, que surgiu ao longo da década

de 1990. Esses autores realizaram um esforço de síntese, incluindo conceitos, definições

e interpretações das escolas de pensamento econômico mais influentes. Conforme

Blanchard (1997), o NCM aproximou a teoria econômica da prática realizada pelos

Bancos Centrais e pelos governos em diversos países.

Nesse sentido, para compreender as proposições teóricas do NCM sobre as

recomendações para a política fiscal, é interessante observar, brevemente, as principais

teorias que as influenciaram. Pode-se afirmar que o NCM segue uma vertente teórica

entendida como neoclássico, por aceitar hipóteses de equilíbrio geral (mesmo que

dinâmico), neutralidade da moeda (em algum espaço temporal, ou no curto ou no longo

prazo), além da racionalidade do agente econômico e da ergodicidade3, que permitem a

construção de modelos probabilísticos com erros esperados estatisticamente nulos.

Outros pressupostos incorporados por essa linha teórica também seguem a tradição

neoclássica, como a decomposição do ciclo-tendência, que permite distinguir análises

de curto e de longo prazo (HERSCOVICI, 2015; TEIXEIRA & MISSIO, 2011).

As principais influências teóricas do NCM foram, então, as escolas Novo

Clássica, Novo Keynesiana e Ciclo Real de Negócios. Cabe lembrar que para se

compreender as acepções teóricas dessas vertentes sobre a condução da política fiscal é

preciso explicitar, também, alguns pressupostos sobre questões macroeconômicas

gerais, como o entendimento sobre a moeda, a condução da política monetária, a

regulação financeira, a racionalidade dos agentes econômicos e a função que o Estado

deve desempenhar na economia.

A teoria econômica Novo Clássica ganhou grande destaque ao longo da década

de 1970 quando as ideias econômicas neoliberais voltaram a ganhar força no Reino

Unido e nos Estados Unidos se espraiando, posteriormente, para outras nações. Seus

grandes expoentes, Robert Lucas e Thomas Sargent, criticavam não só as teorias

3 O axioma da ergodicidade, segundo Davidson (2003), implica que as informações passadas sobre uma

determinada variável servirão como uma base confiável para se elaborar uma distribuição de

probabilidade que permitirá auferir previsões sobre eventos em qualquer período de tempo que se

relacionam com essa variável.

23

vinculadas ao keynesianismo como também o monetarismo de Milton Friedman.

Segundo Lucas e Sargent (1981), choques econômicos exógenos provocados pelo

governo (com mudanças de política econômica) apenas teriam efeitos reais sobre o

produto se fossem realizados de maneira imprevista pelo público. Contudo, essa ação

não poderia ser repetida sem a antecipação dos agentes econômicos que agiriam de

maneira racional e, aprendendo com as experiências passadas, poderiam prever

possíveis desvios de políticas econômicas do governo. Os mercados seguiriam um

sistema ergódico, compostos por indivíduos atomistas que agiriam individualmente para

maximizar ganhos segundo suas restrições. Os agentes seriam, então, tomadores de

preços, ou seja, em concorrência os preços convergiriam para um ponto de equilíbrio,

não sendo influenciados por decisões individuais dos empresários (DATHEIN, 2000).

Tendo isso em vista, os indivíduos agiriam conforme um agente representativo

segundo a Hipótese das Expectativas Racionais, em que as experiências passadas e

todas as informações presentes seriam suficientes para a formulação de modelos

econômicos probabilísticos em que os erros esperados seriam zero4. Essa ideia é central

para a aceitação da hipótese de neutralidade da moeda no curto prazo. Assim, essa linha

de pensamento defende que mudanças previsíveis na política macroeconômica não

afetam as variáveis reais da economia (tanto no curto quanto no longo prazo), apenas

alteram o nível de preços. Esse fato implicaria em uma curva de oferta vertical no curto

prazo, reiterando o conceito clássico da Lei de Say5. Embora esses autores não

trabalhem com o conceito de pleno emprego, defendem que o desemprego em um

mercado de trabalho flexível só poderá ocorrer se for “voluntário”, quando o

trabalhador preferir ficar sem emprego ao invés de trabalhar por um salário que

considere injusto.

Os modelos do Ciclo Real de Negócios (RBC6) buscam explicar as causas das

flutuações econômicas dentro do arcabouço neoclássico. Esses modelos trabalham com

a ideia de que os mercados são estáveis, porém estão sujeitos a influência de “choques

4

Essa hipótese é uma amplificação da Hipótese das Expectativas Adaptativas proposta pela escola

monetarista em que os agentes adaptariam sua base de informações conforme os eventos passados.

5 A Lei de Say é a lei de equilíbrio dos mercados proposta por Jean-Baptiste Say na primeira década do

século XIX e pela qual se desenvolveu a teoria econômica liberal, sustentando a ideia de que a produção

de um bem cria as condições de demanda para outros bens. Assim, se os preços e salários forem flexíveis

e a moeda neutra, as condições de oferta ditariam automaticamente as condições de demanda da

economia. A poupança dos agentes que não estiverem dispostos a gastar financiaria, automaticamente, o

investimento.

6 Sigla “RBC” do termo em inglês Real. Bussiness Cycle.

24

externos” que, exogenamente, provocam os ciclos econômicos. Esses choques podem

ser provocados tanto por distorções realizadas por mudanças na política econômica

quanto por rupturas tecnológicas que alterem de forma permanente a produtividade. Ao

seguir premissas dos Novos Clássicos, esses modelos trabalham com o conceito de

moeda neutra e de agentes representativos que seguem as expectativas racionais. Nas

palavras de Stadler (1994, p.1751):

(…) RBC theory views cycles as arising in frictionless, perfectly

competitive economies with generally complete markets subject to real

shocks. RBC models demonstrate that, even in such environments,

cycles can arise through the reactions of optimizing agents to real

disturbances, such as random changes in technology or productivity.

Furthermore, such models are capable of mimicking the most

important empirical regularities displayed by business cycles. Thus,

RBC theory makes the notable contribution of showing that

fluctuations in economic activity are consonant with competitive

general equilibrium environments in which all agents are rational

maximizers.

Nas fases de boom os trabalhadores prefeririam trabalhar mais devido as

melhores remunerações. Seguindo essa lógica, nas recessões, os indivíduos prefeririam

trabalhar menos, já que os salários são reduzidos. Percebe-se, assim, a lógica Nova

Clássica de desemprego voluntário ao longo dos ciclos econômicos. A principal

recomendação de política econômica, segundo esses modelos, é de que o governo não

deve responder aos movimentos cíclicos da economia com mudanças na política

econômica. Se o desemprego estiver elevado, argumentam que essa é uma resposta

eficiente ao fato de que a produtividade está baixa. Tendo isso em vista, a única reação

cabível ao governo seria em termos de melhorar a produtividade, reduzindo custos de

transação, promovendo a inovação e estimulando a competitividade. Contudo,

defendem que essas ações deveriam ser implementadas em qualquer fase do ciclo, não

podendo ser consideradas, assim, uma resposta a crises econômicas.

A década de 1980 assistiu, também, o fortalecimento da escola “Novo-

Keynesiana”, que divergia dos primeiros principalmente pela noção de rigidez de preços

e salários – inspirada na interpretação neoclássica da Teoria Geral de Keynes. Dessa

forma, poderiam existir falhas no funcionamento do mercado que impediriam a

economia de alcançar esse equilíbrio ótimo no curto prazo. É nesse sentido que os

teóricos do novo-keynesianismo buscam nos fundamentos microeconômicos (rigidez no

mercado de trabalho e formação de preços em concorrência imperfeita) a explicação

para que, no curto prazo, alterações na política econômica provoquem modificações no

25

produto em termos reais, além de impactar o nível de emprego. Ou seja, esses autores

recuperam a ideia de que, no curto prazo, a curva de oferta é ascendente e que variações

da demanda provocam modificações reais no produto e no emprego (DATHEIN, 2000;

FERRARI FILHO, 1996).

No longo prazo, contudo, essa vertente mantém a visão ortodoxa de

neutralidade da moeda e de equilíbrio. Isso implica que as mudanças reais de curto

prazo não se mantêm ao longo do tempo, sendo revertidas e compensadas por mudanças

nominais. Com isso, os choques econômicos de curto prazo são tidos como distorções

no sistema de informações do mercado que podem prejudicar o desenvolvimento de

longo prazo.

O desemprego é explicado por características estruturais de rigidez do mercado

de trabalho e de bens. Os autores novo-keynesianos mantêm o conceito de “taxa natural

de desemprego” dos monetaristas – a NAIRU7, proposta por Milton Friedman. Com

isso, existiria uma taxa de desemprego provocada por fatores microeconômicos da

oferta que não seria necessariamente “voluntária”. Não obstante, a teoria novo-

keynesiana trabalha com a ideia de ciclos econômicos, em que choques de demanda

provocariam respostas subótimas aos ajustes de preços, configurando diferentes pontos

de equilíbrio em situações de falhas de mercado. Dessa forma, esses autores explicam a

existência de pontos de equilíbrios com “taxas naturais de desemprego” pela própria

estrutura do mercado.

Os autores dessa escola aceitam a Hipótese das Expectativas Racionais, mas as

condições de mercado em que os agentes econômicos atuam são diferentes daquelas

expostas pelos Novo-Clássicos. A não aceitação da hipótese de market clearing8 e o

desenvolvimento de modelos de concorrência imperfeita (onde existem agentes

formadores de preços com diferentes poderes de mercado) complexificam os modelos

econômicos para tentar aproximar a teoria da realidade, contudo, não alteram de forma

significativa as recomendações de políticas econômicas (DATHEIN, 2000).

Cabe frisar que essas linhas teóricas ortodoxas foram gestadas nos think tanks

estadunidenses e ingleses desde a década de 1940. Segundo Gros (2008), os think tanks

7 A NAIRU, do termo em inglês non-accelerating inflation rate of unemployment, implica em uma taxa

natural de desemprego que seria observada no equilíbrio de mercado, ou seja, o ponto ótimo de

desemprego para que não se desencadeie um processo inflacionário.

8 A noção de market clearing está relacionada ao equilíbrio entre as condições de oferta e de demanda,

seguindo a Lei de Say. Com isso, os mercados tenderiam à plena utilização dos fatores de produção,

incluindo o pleno emprego.

26

são instituições privadas de pesquisa que participam ativamente (e com grande

influência) no debate público e na formulação de políticas de diversos governos.

Financiadas por doações de grandes empresas privadas e com ramificações em grandes

universidades, em partidos políticos e na mídia, essas instituições conseguiram manter a

influência das ideias liberais mesmo ao longo da “era de ouro” do keynesianismo e do

wellfare state até a eleição de Ronald Reagan em 1980, quando se tornam, então,

hegemônicas. De forma semelhante, os think tanks conservadores da Inglaterra

colaboraram para a eleição de Margareth Thatcher em 1979.

Reflete-se, então, que as formulações teóricas dos think tanks se encaixavam

perfeitamente com o viés político que emergia no final da década de 1970, pregando

que a redução da participação do Estado na economia e o livre funcionamento dos

mercados convergiriam para um equilíbrio econômico ótimo. No campo econômico, o

período de baixo crescimento do produto e a aceleração da inflação eram tidos como

provas empíricas do esgotamento das políticas keynesianas. No discurso social, a

moralização da ação individual em torno da meritocracia reforçava um ideal de justiça

de que cada cidadão ocupava uma posição na sociedade segundo seu próprio esforço e

capacidade. Enquanto ao Estado, caberia minimizar distorções do mercado, manter a

ordem e ofertar bens públicos básicos, como segurança e educação fundamental.

Já na década de 1990, percebe-se o esforço de concatenar ideias dessas escolas

de viés ortodoxo. Esse esforço de síntese, que passou a dominar a visão mainstream,

ficou conhecido como o “Novo Consenso Macroeconômico” (NCM). O NCM

incorporou, então, ideias dos Novos Clássicos, do Ciclo Real de Negócios e dos Novos

Keynesianos. Conforme Blanchard (1997) a intenção permanecia em aproximar a teoria

com as recomendações de políticas econômicas dos governos. Contudo, pode-se refletir

que as próprias ações políticas buscavam respaldo na teoria econômica para serem

legitimadas. Seguindo preceitos da escola clássica, alguns autores caracterizam o NCM

como uma “nova síntese neoclássica”, em alusão à síntese neoclássica dos anos 1950

(MIKHAILOVA & PIPER, 2012). Essa nova síntese, que dominou o debate econômico

a partir da década de 1990, serviu de base para a implementação de Regimes

Macroeconômicos de diversos países, inclusive o do Brasil.

Segundo Teixeira e Missio (2011), autores – como Blinder (1997), Blanchard

(1997) e Taylor (1997) – defenderam a existência de um conjunto de proposições com

grande aceitação dentro do mainstream que interpreta o desenvolvimento econômico

dos países capitalistas. É importante observar, de antemão, a diferenciação que esses

27

autores fazem entre os resultados de longo e de curto prazo, que será refletida na

maioria desses princípios. Essa diferenciação segue a linha da escola novo keynesiana,

trabalhando com modelos de concorrência imperfeita e rigidez de preços e salários.

Blanchard (1997) adverte a complexidade de se estudar a teoria

macroeconômica que, segundo ele, podem apresentar resultados contraditórios ao longo

do tempo. Esse fato seria exemplificado por políticas expansionistas (como déficits

fiscais ou expansões da base monetária) que poderiam provocar crescimento econômico

no curto prazo, porém teriam impactos negativos no longo prazo (como elevação da

inflação e das taxas de juros, fato que desestimularia investimentos privados). Além

disso, Blanchard (1997) salienta para as dificuldades de se compreender o longo prazo,

já que a trajetória de estado estacionário9 não é tão simples quanto nos modelos de

manuais baseados em mercados competitivos. Tanto o nível quanto a inclinação dessa

trajetória de longo prazo ocorrem em um sistema de mercados imperfeitos, onde a

produtividade, a tecnologia e o mercado de trabalho seguem uma lógica complexa de

desenvolvimento. Mas em suma, percebe-se a grande preocupação dos teóricos do Novo

Consenso com os movimentos do lado da oferta, enquanto as políticas de incentivo à

demanda são tidas como ineficientes (DRUMOND & JESUS, 2013).

Taylor (1997) aponta cinco princípios básicos desse consenso

macroeconômico. O primeiro refere-se à possibilidade de decompor o ciclo (flutuações

de curto prazo) da tendência (que depende de deslocamentos da função de produção que

afeta o longo prazo) para compreender a dinâmica da oferta e do crescimento

econômico. Blanchard (1997) cita Samuelson para afirmar que, no curto prazo, as

alterações na atividade econômica são provocadas por mudanças na demanda agregada

enquanto que, no longo prazo, a economia tende a retornar a uma trajetória de

crescimento estável baseada nas condições da oferta10

. Conforme Taylor (1997) a

produtividade do trabalho, que depende do estoque de capital por horas de trabalho e da

tecnologia, soma-se à estimativa de crescimento da força de trabalho para designar o

crescimento do PIB potencial. Através desse princípio, que é a essência da teoria

neoclássica de crescimento, seria possível discutir e estimar as fontes do crescimento

econômico de longo prazo, na qual as variações dos ciclos teriam pouco impacto.

9

Segundo o modelo de Solow, todas as economias tendem a um estado estacionário, ou seja, a um

equilíbrio de longo prazo no qual o estoque de capital não varia.

10 Conforme Blanchard (1997) essa ideia segue a teoria neoclássica de crescimento.

28

Taylor (1997) afirma, ainda, que esse princípio possui implicações importantes para a

realização de políticas públicas, sendo incluído em modelos utilizados pelo Fed e pelo

Congressional Budget Office para estimar o crescimento do PIB potencial.

O segundo princípio discutido por Taylor (1997) refere-se a não existência de

um trade off entre inflação e desemprego no longo prazo, ou seja, uma expansão

monetária não afetaria o produto e o nível de emprego de forma permanente, apenas

impactaria a taxa de inflação. Esse é um ponto de tangência entre diversas escolas de

cunho neoclássico, retomando a ideia de moeda neutra da teoria quantitativa da moeda.

Assim como na versão monetarista da curva de Phillips, existiria uma taxa natural de

desemprego – a NAIURU – que manteria a inflação constante no longo prazo. Uma

tentativa de reduzir o desemprego abaixo dessa taxa natural acarretaria em pressão

inflacionária, que tenderia a acelerar se nenhuma medida for tomada pelo governo para

alterar as expectativas dos agentes. No longo prazo, essa elevação do nível de preços

prejudicaria a conjuntura para investimentos privados e, consequentemente, não

resultaria em melhoria nos níveis de emprego. A provável reação do governo seria o

aumento das taxas de juros, colaborando para arrefecer o nível de investimentos.

Segundo Taylor (1997) as experiências internacionais indicariam que altas

taxas de inflação reduzem o crescimento potencial do PIB. Contudo, a deflação poderia

ser um impeditivo para o bom funcionamento dos mercados já que existe um limite

inferior para a taxa de juros nominal e uma tendência à rigidez de preços e salários. Em

vista disso, o segundo princípio seria a justificativa para que os governos adotem metas

de médio ou longo prazo para a inflação11

, que podem ser metas explícitas (como na

Nova Zelândia, no Reino Unido, no Chile e no Brasil) ou metas implícitas (como na

Alemanha e nos Estado Unidos). Ao perseguir essas metas, os bancos centrais estariam

se comprometendo a manter uma taxa de inflação estável e baixa, facilitando a tomada

de decisões dos agentes privados. A política monetária deveria, então, manter o

crescimento da demanda agregada estável para prevenir flutuações no produto real e na

inflação12

.

11

Blanchard, Dell'Ariccia e Mauro (2010) afirmam que as metas de inflação foram um resultado prático

da “divina coincidência”, em que a manutenção de uma taxa de inflação baixa e estável convergiria para a

minimização do hiato do produto. Haveria, também, a coincidência entre a necessidade de se manter a

credibilidade dos bancos centrais para manter a inflação baixa e o suporte intelectual provido pelos

modelos novos keynesianos.

12 Bernanke (2003) salienta que os vários países que adotaram as metas de inflação possuem estruturas

econômicas muito diferentes e, portanto, a operacionalidade de seus respectivos bancos centrais também

29

Bernanke (2003) afirma que a política de metas de inflação seria uma

“restrição com arbítrio”13

que permitiria institucionalizar um equilíbrio entre a

inflexibilidade de regras rígidas e a potencial falta de disciplina da arbitrariedade dos

policymakers. Destarte, esse framework possibilitaria estabelecer regras que

conduziriam a uma melhor administração das políticas econômicas. Os gestores

públicos seriam induzidos a agir de forma responsável, mas sem perder a capacidade de

enfrentar choques econômicos inesperados. A principal virtude das metas de inflação

seria, então, ancorar as expectativas dos agentes quanto à inflação futura, o que

facilitaria não só a retomada do equilíbrio macroeconômico de longo prazo, mas

também aumentaria a capacidade do banco central de estabilizar o produto e o emprego

no curto prazo. Bernanke (2003) aponta que, mesmo havendo choques de preços

inesperados14

, a transmissão para os preços do restante da economia dependerá da

condução da política monetária e a velocidade para retornar à estabilização dependerá

da credibilidade do banco central.

Assim, as metas de inflação funcionariam como uma âncora nominal tanto para

os preços quanto para as expectativas em relação aos preços futuros. Como o

componente expectacional ganha grande importância nos modelos do NCM, sendo uma

variável que afeta diretamente o nível de preços correntes, o cálculo da meta de inflação

deveria ser de fácil entendimento para o público, crível e sistematicamente

comunicável. Obviamente que o cumprimento regular (e rigoroso) dessa meta seria um

fator crucial para a manutenção da credibilidade do governo e do próprio funcionamento

do modelo.

Essa recomendação de política advém, também, do trade off de curto prazo

entre inflação e desemprego, considerado por Taylor (1997) como o terceiro princípio

básico do Novo Consenso. Uma das razões para esse trade off ocorreria pela rigidez de

preços e salários, que implicaria em pressões inflacionárias devido à redução do

desemprego e à elevação da demanda agregada. Além disso, esse trade off poderia

diverge. Contudo, o autor afirma que existem alguns princípios (e um framework) que poderiam servir de

base para todos os países e que inclusive teria influenciado a estratégia de bancos centrais que não

adotaram oficialmente as metas de inflação. Como exemplo, o autor cita o banco central estadunidense

(Federal Reserve) que buscou manter a reputação de perseguir baixas taxas de inflação desde a década de

1980 via gestão das taxas de juros.

13 Tradução livre da expressão constrained discretion utilizada por Bernanke (2003).

14 Bernanke (2003) cita como exemplo o choque do petróleo na década de 1970 que, segundo ele, só

impactou de forma significativa o nível de preços devido a política monetária frouxa que estava sendo

praticada.

30

sobrevir por questões informacionais dada as expectativas dos agentes. Dado que a

formação das expectativas seria impactada pela taxa de inflação passada, os agentes

estariam mais vulneráveis a “surpresas inflacionárias” provocadas por políticas

expansionistas, que poderiam reduzir o desemprego no curto prazo. Contudo, essas

ações discricionárias do governo seriam incorporadas nas expectativas futuras, fazendo

com que tentativas de as reimplementar se tornem ineficientes.

Taylor (1997) afirma, ainda, que existe um debate sobre os mecanismos de

transmissão da política monetária, se ocorreria pelo canal da oferta de moeda, pelo

crédito ou pelas taxas de juros e taxas de câmbio. Apesar de economistas divergirem

quanto as causas desse trade off, o simples fato de identificá-lo já acarretaria

implicações práticas consensuais: a política monetária deveria manter a demanda

agregada estável para evitar flutuações no produto real e na taxa de inflação. Ao

estabilizar o nível de preços, a taxa de desemprego convergiria para o nível que evitaria

aceleração inflacionária. Como exemplo, Taylor (1997) compara a década de 1970,

quando a inflação era alta e não se observou redução no desemprego, com a década de

1990, quando a inflação era baixa e o desemprego não se elevou. O autor conclui que a

condução da política monetária é a grande responsável pelo longo período de

estabilidade macroeconômica vivenciada pelos Estados Unidos na década de 199015

.

Em relação ao tema “racionalidade”, pode-se afirmar que os agentes

representativos da teoria do Novo Consenso seguem as expectativas racionais da escola

Novo Clássica. Seguindo essa linha, os agentes utilizam todas as informações

disponíveis (inclusive previsões sobre a evolução das variáveis macroeconômicas) para

tomarem suas decisões de alocação de recursos. A sensibilidade das expectativas dos

agentes às políticas macroeconômicas é o quarto princípio apontado por Taylor (1997).

Por intermédio de modelos econométricos que consideram a endogeneidade das

expectativas racionais, seria possível estimar os efeitos de mudanças na taxa de juros em

um plano plurianual para reduzir o déficit orçamentário futuro. As políticas econômicas

e a credibilidade do governo seriam fatores determinantes nas decisões de gastos dos

agentes privados. Tendo isso em vista, a demanda agregada teria grande sensibilidade a

variações das taxas nominais de juros.

15

Segundo Taylor (1997), desde 1950 todas as crises econômicas teriam sido precedidas por acelerações

inflacionárias. Em vista disso, ao manter a estabilidade das variáveis macroeconômicas o governo estaria

minimizando as possibilidades de uma recessão.

31

Dada as expectativas racionais dos agentes, um banco central com

credibilidade seria capaz de executar uma política de controle inflacionário com menor

custo de curto prazo, sem a necessidade de elevar demasiadamente a taxa de juros. No

mesmo sentido, uma política para reduzir o déficit orçamentário não seria contracionista

se o governo gozar de credibilidade frente aos agentes, já que ao antecipar os efeitos da

consolidação fiscal, os indivíduos poderiam antecipar suas decisões de gastos e

investimentos. Já um banco central que não possua credibilidade aumentaria as

incertezas e agravaria as falhas de informação. Uma política monetária ou fiscal

expansionista sinalizaria aos agentes privados uma provável elevação de preços no

longo prazo, seguido de uma provável ação contracionista emergencial e mais radical

por parte do governo. Esse fato desincentivaria as decisões de investimentos e de gastos

correntes e aumentaria o hiato do produto. Seria necessário um longo período de

“políticas responsáveis” para que o governo melhore sua reputação frente ao mercado.

O quinto princípio levantado por Taylor (1997) refere-se ao fato de que as

políticas macroeconômicas não poderiam ser avaliadas por mudanças únicas e isoladas

na operação de seus instrumentos, mas por uma série de mudanças vinculadas por um

processo sistemático ou por regras bem definidas. Isso implica que as regras monetárias

e o grau de reação de seus instrumentos frente a mudanças na taxa de inflação devem

ser claras e servirem de referência não só para os bancos centrais, mas também para os

agentes privados. O principal instrumento de política monetária, como já mencionado,

deveria ser as taxas nominais de juros de curto prazo.

A oferta de moeda, para o NCM, é considerada endógena – devido a

importância dos bancos comerciais dentro do sistema e da variação da demanda por

moeda pelo público. Tendo isso em vista, dificilmente o governo conseguiria executar

um controle quantitativista dos agregados monetários16

. Já a mudança nas taxas

nominais de juros de curto prazo é considerada exógena, demarcada pelo banco central

e com grande influência sobre preços de ativos e de taxas longas. Por conseguinte, os

policy makers devem seguir uma institucionalidade conhecida como a Regra de Taylor.

Essa regra prescreve a reação da taxa nominal de juros frente às expectativas

inflacionárias, ao hiato do produto, ao desvio da inflação de sua meta e às taxas reais de

juros de equilíbrio. Isso implica que qualquer aumento inesperado da inflação deverá ser

respondido automaticamente por uma elevação mais do que proporcional das taxas nominais

16

Esse é um importante ponto de divergência entre o NCM e os monetaristas.

32

de juros, de modo a reverter as expectativas dos agentes pelo aumento dos juros reais

(ARESTIS, PAULA & FERRARI-FILHO, 2009; BLANCHARD, DELL'ARICCIA &

MAURO, 2010).

Ademais, o banco central deveria criar mecanismos de transparência para

fortalecer a sua credibilidade. Em vista disso, os teóricos do NCM advogam por um

banco central independente, ou seja, os responsáveis pela condução da política

monetária devem ser técnicos de alto nível que não sofram influências políticas,

evitando “tentações de curto prazo” - tidas como “políticas populistas” – que poderiam

prejudicar o desenvolvimento de longo prazo. Além disso, a previsão do governo

quanto à taxa de inflação futura deveria ser sistematicamente divulgada, facilitando a

formação das expectativas. Portanto, se não houver relações políticas entre os

representantes do banco central e o poder executivo, a própria previsão de inflação

ganharia credibilidade, pois respeitaria somente questões técnicas.

1.2. O NCM e a Política Fiscal

Uma importante constatação que deve ser destacada sobre a visão teórica do

NCM é em relação ao papel secundário (ou passivo) atribuído à política fiscal. Essa

visão sugere que uma restrição fiscal intertemporal entraria em consonância com a

política monetária para manter a inflação sob controle, ou seja, serviria para manter a

credibilidade das metas de inflação. Segundo essa abordagem, o orçamento do governo

deveria se manter equilibrado ao longo do ciclo econômico. Mesmo admitindo-se a

possibilidade de se incorrer a déficits temporários pela utilização de estabilizadores

automáticos que visem amenizar a amplitude dos ciclos, o governo deveria se afastar de

gastos discricionários e manter, na média, o equilíbrio fiscal – preferencialmente um

superávit, atendendo, também, a sustentabilidade da dívida pública (ARESTIS e

SAWYER, 2008; BLANCHARD, DELL'ARICCIA e MAURO, 2010).

Diversos argumentos são levantados pelos teóricos do NCM contra a ação

discricionária da política fiscal. Blanchard, Dell'ariccia e Mauro (2010) apontam: o

ceticismo quanto à eficiência da política fiscal (baseada na Equivalência Ricardiana); a

evolução dos mercados financeiros, que teriam melhorado a efetividade da política

monetária17

; a prioridade em estabilizar e reduzir o nível de endividamento em um

17

Em vista disso, a política monetária teria a capacidade de minimizar o hiato do produto.

33

contexto de globalização financeira (principalmente em países emergentes); o longo

período necessário para que se percebam os efeitos da política fiscal (que a tornaria

ineficiente como medida anticíclica, já que as recessões ocorreriam em períodos curtos);

e as distorções de cunho político (as quais a política fiscal estaria mais suscetível).

Um argumento levantado pelo NCM em relação à ineficiência da política

fiscal, então, se refere ao lag temporal incerto entre a decisão de realizar a política

expansionista e o seu efeito sobre a economia. Existiriam, segundo essa ideia, duas

possibilidades de ocorrência desse efeito: o inside lag e o outside lag. O inside lag

dependeria do processo político, seria o tempo entre a aprovação da medida pelo

Congresso até a sua implementação. O outside lag seria o tempo que levaria para que a

execução do gasto público afete a demanda agregada.

Com isso, as regras de estabilizadores automáticos seriam preferíveis, já que

teriam um inside lag mínimo. Já os outside lags são mais imprevisíveis, tendo uma

maior variabilidade. Os teóricos do NCM argumentam que uma tentativa de executar

uma política fiscal anticíclica poderia, na realidade, se tornar pró-cíclica. Como os

efeitos da política fiscal teriam um tempo significativo para serem observados,

poderiam impactar a economia já em sua fase de recuperação, acarretando em pressões

inflacionárias. Além disso, argumentam que a política fiscal poderia provocar um viés

deficitário, já que um aumento de impostos e redução dos gastos do governo poderiam

ser politicamente inviáveis na fase ascendente do ciclo, de forma que a política

anticíclica não seria observada ao longo do crescimento econômico.

Ademais, o principal argumento para a manutenção de uma política fiscal

restritiva é o efeito crowding out, que implica na redução dos investimentos privados

como consequência da expansão dos gastos do governo. Conforme Balcerzak e

Rogalska (2014, p.81), existe grande interesse para se compreender os mecanismos de

transmissão que acarretam a esse efeito:

The crowding out is a heterogeneous phenomenon, where the subject

of scientific discussion is not only the possibility and scope of its

existence, but also the transmission mechanisms leading to it.

Balcerzak e Rogalska (2014) afirmam que o processo mais simples de

ocorrência do crowding out é pela interação direta das atividades econômicas do Estado

com as estruturas de consumo e produção privadas, na situação em que o consumo de

bens privados é diretamente substituído pelo consumo de bens públicos. Segundo

34

Arestis e Sawyer (2003), existem quatro fatores principais abordados pela literatura do

NCM para que o efeito crowding out ocorra.

O primeiro seria devido ao aumento das taxas de juros que acompanhariam

uma expansão fiscal. Balcerzak e Rogalska (2014, p.82) denominam esse efeito de

transactional crowding out:

Effect of transactional crowding out is defined as the phenomenon of

the decrease in private investment and private consumption resulting

from an increase in the interest rates, which is the consequence of

fiscal stimulus. Transactional effect is associated with increased

volumes of transactions in the economy resulting from the fiscal

stimulus, which leads to an increase in the demand for money. In the

conditions of the growth in the demand for money, an equilibrium in

the money market is possible only if there is an appropriate interest

rate increase, which would bring the demand for money to its original

level.

Essa ideia está baseada na oferta exógena de moeda e na taxa de juro como a

variável de equilíbrio entre a oferta e a demanda por moeda – conforme o modelo IS-

LM. Dada uma oferta de moeda, uma expansão fiscal implicaria em um aumento da

demanda por moeda na economia que, por sua vez, ocasionaria uma elevação das taxas

de juros (o “preço da moeda”). Consequentemente, a elevação das taxas de juros teria

um impacto negativo sobre o investimento e o consumo privados. Nas palavras de

Balcerzak e Rogalska (2014, p.82)

Assuming that the demand for money is a growing function of the

product, fiscal expansion that is increasing aggregate demand in the

product market must also lead to an increase in the transactional

demand for real resources of money. When one assumes that supply of

money is exogenous and constant, the increase in the transactional

demand for money leads to an increase in the interest rate, which is

necessary to maintain equilibrium in the money market. In the same

time, both private investment and private consumption are negative

functions of the interest rate. It means that the increase in the interest

rate leads to decline in private investment and consumption. Thus, one

observes the phenomenon of crowding out of private consumption and

investment spending as a result of fiscal stimulus.

A segunda possibilidade de ocorrer o crowding out, descrita por Arestis e

Sawyer (2003), é em virtude do efeito que a expansão da demanda agregada tem sobre

as taxas de poupança que, por sua vez, afetam as taxas de investimento. A lógica seria,

então, que um aumento no déficit do governo provocaria um aumento da demanda,

absorvendo a poupança agregada e, consequentemente, reduzindo o investimento

(seguindo a identidade neoclássica entre poupança e investimento). Outro fenômeno

35

levantado pelos autores é o “crowding out internacional” que ocorreria pela apreciação

cambial resultante do aumento das taxas de juros (associadas à expansão fiscal). Essa

possibilidade prejudicaria setores produtivos privados nacionais pelo aumento da

concorrência com os importados.

O terceiro argumento sobre a possibilidade de crowding out está relacionado ao

já mencionado equilíbrio pelo lado da oferta (com uma taxa natural de desemprego que

não desencadearia uma aceleração inflacionária), pela qual a demanda agregada se

ajustaria. Conforme Arestis e Sawyer (2003), o crowding out ocorreria por um efeito de

“equilíbrio real”, em que mudanças nos preços provocariam mudanças no valor real do

estoque de moeda, o que afetaria a demanda agregada. Em um contexto de moeda

endógena, este fato ocorreria pelo ajuste da taxa de juros realizado pelo banco central

(que seguiria a Regra de Taylor), fazendo com que o equilíbrio do mercado se situe em

uma posição com menor oferta (e maior desemprego) pelo qual a demanda se

equilibraria.

Conforme Balcerzak e Rogalska (2014, p.83), a ocorrência do efeito crowding

out pode ser observado por um outro prisma, quando os cortes de gastos públicos

tenderiam a reduzir as taxas de juros e estimular a demanda privada, remetendo ao

efeito da “contração fiscal expansionista”:

The phenomenon of transactional crowding out leads to reduced

effectiveness of positive fiscal stimulus, but in the same time it can

also mean smaller negative consequences of fiscal consolidation in

the real economy. Along with a reduction in aggregate demand

resulting from the reduction of the budget deficit there is a decrease in

the transaction demand for real resources of money, which translates

into lower interest rates needed to maintain equilibrium in the money

market. The lower level of interest rates may be a source of positive

impulse on the side of private investment and consumer spending.

Thus, this effect may in part, or – in extreme cases – even entirely

offset the negative impact of negative fiscal adjustment on economic

activity.

Seguindo essa linha, DeLong e Summers (2012, p.3) afirmam que a estratégia

de redução do déficit público foi seguido pelos EUA ao longo do governo Clinton, e

que a estabilização dos preços e a redução das taxas de juros de longo prazo acarretaram

em efeitos positivos da oferta agregada no longo prazo, puxando o crescimento

econômico:

Indeed, a central element of the economic strategy of the Clinton

administration was the idea that deficit-reduction policy was likely to

accelerate economic growth. Front-loaded deficit reduction, even with

the unemployment rate less than a year past its recession peak, would

36

allow the Federal Reserve to maintain its price stability objective with

looser monetary policy. Moreover, front-loaded deficit reduction

would reduce risk premia in long-term interest rates. Thus reducing

the deficit would have no adverse short-term aggregate demand effect

on production, and the reduction in long-term interest rates would

have positive medium- and long-run supply-side effects by improving

business incentives to invest and so boosting private capital

formation. This strategy proved successful in both the short-term

business cycle and medium-term growth dimensions. Moreover, the

idea deficit reduction would be a source of stimulus by increasing

“confidence” has been a central part of European economic thinking

for sometime now.

O quarto contexto de ocorrência do crowding out é atribuído por Arestis e

Sawyer (2003) ao teorema da Equivalência Ricardiana (ER). Essa hipótese parte da

acepção de que os agentes têm uma racionalidade foward looking, estando cientes da

restrição intertemporal do orçamento do governo. Em vista disso, quando o governo

aumenta impostos e mantém os gastos constantes, os agentes racionais interpretam que

no futuro os impostos serão menores. Esse fato incentivaria as pessoas a despouparem

no presente, tanto pelo aumento dos gastos correntes com os impostos quanto pela

expectativa de redução dos encargos nos períodos posteriores. Existe, com isso, uma

equivalência intertemporal entre tributos e débitos. Isso implica que um aumento da

poupança do governo (resultado de um aumento de impostos) é totalmente compensado

pela redução da poupança privada, mantendo a demanda agregada constante.

Nesse sentido, a renda permanente não seria afetada pela variação nos tributos,

e o multiplicador fiscal seria igual à zero. Da mesma forma, um aumento do déficit do

governo traria uma expectativa de elevação dos tributos no futuro, fazendo com que a

percepção de riqueza dos agentes não se altere. Em vista disso, as pessoas postergariam

suas decisões de gastos, reduzindo a demanda agregada no presente. Mantendo-se as

proposições da ER, o equilíbrio orçamentário seria condizente com o pleno emprego e a

poupança se igualaria ao investimento no ponto de equilíbrio da oferta. Assim, qualquer

eventual desequilíbrio entre poupança e investimento não poderia ser compensado pelo

uso da política fiscal.

A visão teórica do NCM em relação à restrição fiscal intertemporal influenciou

a adoção de metas primárias na institucionalidade de regimes fiscais de diversos países.

Conforme salienta Rossi (2014), o objetivo principal desta política é a sustentabilidade

da dívida pública no longo prazo. A equação de Domar (1944) que expressa essa

relação é demonstrada por Rossi (2014, p.209) da seguinte forma:

37

s=(r-g)*d

Onde “s é o superávit primário necessário para estabilizar a dívida, r é a taxa de

juros real implícita na dívida líquida, g é a taxa de crescimento econômico real e d é a

dívida pública líquida sobre o produto”. Ainda nas palavras de Rossi (2014, p.209):

Quanto maior o crescimento econômico e menor a taxa de juros real,

menor será o superávit necessário para estabilizar a dívida pública. E

quanto maior a dívida pública, maior o superávit necessário para

estabilizá-la. Nessa equação, o conceito de sustentabilidade da dívida

se traduz em uma meta quantitativa de superávit fiscal que se aplica

aos modelos de longo prazo em que um superávit menor que o

necessário pode levar a uma trajetória explosiva da dívida pública.

No entanto, para a análise de curto e médio prazo, o conceito de

sustentabilidade da dívida assume uma forma mais subjetiva.

Primeiramente, porque a solvência do Estado não depende apenas de

seu patamar de endividamento, mas de sua capacidade de honrar

sistematicamente os seus pagamentos. Um determinado patamar de

dívida pode ser considerado bom para um país e ruim para outro,

dependendo de seus aspectos institucionais, da confiança dos

investidores, do compromisso público em honrar a dívida etc.

Outras questões levantadas por Rossi (2014) são de grande relevância para

analisar a sustentabilidade da dívida pública, como as variações patrimoniais ao longo

do tempo. Nesse sentindo, o autor destaca o impacto da taxa de câmbio sobre o estoque

da dívida pública (o valor da dívida líquida) e a variação das taxas de juros

(remunerações dos passivos e ativos públicos). Dessa forma, é importante observar não

somente um nível quantitativo do superávit primário para sustentar a dívida pública,

mas também a taxa de crescimento econômico e a composição da dívida. Contudo, a

execução do superávit primário é a forma da política ortodoxa de sinalizar aos agentes a

estabilidade do sistema no longo prazo.

Conforme Schaechter et al (2012), as regras fiscais, que impõem uma restrição

intertemporal ao orçamento do governo (com metas numéricas), buscam inibir impulsos

ao excesso de gastos, assegurando a responsabilidade fiscal e a sustentabilidade da

dívida pública. Segundo essa visão, o viés deficitário seria um resultado da “miopia” do

governo e de disputa de privilégios de grupos de interesses, que resultaria em um “efeito

voraz” sobre os recursos públicos, principalmente em fases de crescimento econômico.

Esse fato não deixaria espaços para execução de políticas anticíclicas em períodos de

recessão. Contudo, Schaechter et al (2012) afirmam que as regras fiscais, além de

poderem deixar pouco espaço para ajustar a política econômica à choques, existe o risco

de se perder o foco de gastos prioritários e de prejudicar a transparência devido a um

38

incentivo à realização de “contabilidade criativa”.

Outro argumento do NCM é de que os agentes econômicos internacionais

poderiam ser incentivados a investir em países periféricos que mantêm políticas

“responsáveis” e “prudentes”. Haveria, então, uma tendência de os capitais fluírem de

países centrais (onde há excesso) para países periféricos (onde há escassez e maior

rentabilidade), tendendo, dessa forma, a um ponto de equilíbrio internacional. As

principais ações econômicas seriam dadas pela livre ação do mercado que tenderia ao

seu ponto ótimo (tanto em um contexto doméstico quanto em âmbito global).

Diversas instituições financeiras internacionais reforçavam esse ponto de vista,

como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e as agências de

rating. Esse fato ficou evidente ao longo das décadas de 1980 e 1990 com acordos

bilaterais realizados entre o FMI e países da América Latina, em que as condições de

ajuda financeira requeriam reformas estruturais na condução das políticas

macroeconômicas. Sob a argumentação teórica de que as ações do Estado deveriam

permanecer limitadas, diversos países emergentes perderam graus de liberdade para a

realização de política econômica ao se submeterem às rígidas condições impostas por

esses acordos.

Já as agências de rating exercem um poder velado sobre a condução da política

econômica (principalmente dos países emergentes) ao atribuir uma nota que classifica a

capacidade de solvência do país, levando em consideração, dentre diversos fatores, a

institucionalidade e a condução da política macroeconômica. Esse fato inibe a

capacidade do governo de regular o seu mercado financeiro e expõe o país aos abruptos

movimentos de capitais que impactam variáveis internas de extrema relevância.

Em vista desses fatos, se faz necessário desenvolver algumas observações

críticas em relação a alguns pressupostos utilizados pelo NCM. Posteriormente, busca-

se discutir algumas mudanças teóricas importantes de autores mainstream, vinculados

ao NCM, após a crise de 2008. Essas importantes questões irão convergindo, de certa

forma, para uma linha teórica que interpreta a dinâmica capitalista sob outra

perspectiva, em que o Estado desempenha um importante papel por meio de uma

política fiscal ativa.

39

1.3. Algumas críticas ao NCM:

Em face do que foi tratado ao longo desse primeiro capítulo, cabe algumas

reflexões críticas em relação a alguns pressupostos e recomendações do NCM. Indaga-

se, em primeiro lugar, sobre a forma como os modelos do NCM lidam com o

crescimento econômico. Blanchard (2012) afirma que um dos grandes desafios desses

modelos era de medir o produto potencial, exatamente para tentar observar o impacto da

inflação sobre o hiato do produto. Percebe-se, contudo, que a complexidade dessa tarefa

gera divergências entre os próprios teóricos do mainstream. Lavoie (2006) adverte que a

economia segue uma evolução path dependence e que a própria trajetória dos ciclos

econômicos impacta o produto potencial. Esse fato implicaria que o comportamento da

demanda apresenta importantes resultados no desenvolvimento de longo prazo,

contrariando os pressupostos do NCM. Infere-se que a política monetária, por si só, não

é capaz de evitar graves recessões nem de estimular a economia para a volta de um

crescimento sustentável.

Arestis e Sawyer (2002) criticam a realidade e as implicações de política

econômica advindos do modelo do NCM – que seria estático e com informações

perfeitas. Mesmo que se pudesse assumir que existe uma taxa de juros real ótima que

equilibraria o mercado em um ponto em que o hiato do produto seja igual à zero, os

autores apontam que o banco central possui informações imperfeitas e que a própria

dinâmica da economia (como mudanças na confiança de investidores ou nas condições

do mercado internacional, por exemplo) trazem incertezas sobre qual seria essa taxa de

equilíbrio. Além disso, as informações que estão disponíveis levam tempo para serem

processadas e compreendidas pela autoridade monetária.

Assim, presume-se pelos modelos do NCM que o banco central teria total

conhecimento sobre o nível de juros reais que resultariam em um equilíbrio econômico

de longo prazo, com hiato do produto igual à zero, equilíbrio entre a demanda agregada

e a oferta agregada e uma taxa de desemprego considerada ótima18

. Existe, com isso,

uma grande possibilidade de o banco central perseguir uma taxa real de juros que não

seria compatível com uma redução do hiato do produto, ou seja, o ponto de equilíbrio

buscado pelos modelos do NCM seria apenas uma ilusão teórica.

18

Essa taxa de juros representaria a variável de equilíbrio entre poupança (ex-ante) e investimento (ex-

post), ou seja, a taxa natural de juros a la Wicksell.

40

Arestis e Sawyer (2008, p.633) frisam que as grandes margens de erro das

previsões inflacionárias podem prejudicar a reputação e a credibilidade dos bancos

centrais, ao passo que o próprio poder de controle da inflação apenas pela política

monetária é questionável. Os autores argumentam que variações nos preços do petróleo,

nas taxas de câmbio, nos salários ou nos tributos, podem ter forte impacto sobre a

inflação e são variáveis que fogem do escopo do banco central. A ação de um banco

central que persegue uma meta para a inflação frente a essas situações só poderia ser

feita pela desaceleração da atividade econômica ou aprofundamento de recessões. A

simplicidade e a clareza na utilização dos instrumentos de política monetária, que

seriam um dos pontos positivos das metas de inflação, na realidade desconsideram as

fontes de pressões inflacionárias que não são diretamente sensíveis à variação das taxas

de juros, tornando-se, em certas situações, contraproducente.

Na realidade, ao serem incorporados nos custos de produção, as taxas de juros

poderiam apresentar uma correlação positiva com o nível de preços. Esse fato é

facilmente conjecturado ao se constatar que as empresas necessitam tomar empréstimos

com bancos comerciais e, portanto, o custo com as taxas de juros desses empréstimos

seria repassado aos preços finais dos produtos. Assim, a recomendação de

institucionalizar uma regra de metas de inflação cujo único instrumento é a taxa

nominal de juros poderia ter impactos contraditórios sobre o nível de preços, além de

limitar a ação do governo, potencializar a ocorrência de recessões econômicas e elevar o

desemprego. Assim, a efetividade das metas de inflação com a intenção de provocar um

lock in para o nível de preços, funcionando como uma âncora nominal pelas

expectativas dos agentes, deve ser problematizada.

Além do mais, a Regra de Taylor trata a taxa juros apenas como uma questão

doméstica sem considerar aspectos de uma economia aberta, em que a taxa de câmbio e

as taxas de juros de outros países exercem grande influência sobre a economia interna.

Em um contexto de globalização financeira, perceber a influência das taxas de juros

sobre os preços dos ativos, sobre o movimento de capitais e sobre as taxas de câmbio, é

crucial para compreender as políticas monetárias praticadas pelos bancos centrais

(ARESTIS & SAWYER, 2002).

Ao tratar sobre um “banco central independente”, Siscú (1996) ressalta a

possibilidade de um conflito institucional entre a política monetária do banco central e a

política fiscal do governo, com resultados deletérios para a gestão macroeconômica.

Nas palavras do autor, “quanto mais coordenados estiverem os instrumentos monetários

41

e fiscais mais eficiente, provavelmente, será a política econômica” (SISCÚ, 1996,

p.135). Mendonça (2000) coloca ainda que não existe um viés inerentemente

inflacionário à condução da política monetária por bancos centrais “não independentes”.

Essa seria uma ilação baseada em pressupostos teóricos frágeis (como o conhecimento

pleno sobre a estrutura da economia e as formas de se alcançar o equilíbrio)19

. Siscú

(1996) afirma, ainda, que um banco central “não independente” não implica em uma

subordinação da política monetária à fiscal, mas que ambas devem ser coordenadas

estrategicamente pelo governo.

A hipótese de elevação das taxas de juros como consequência de expansões

fiscais, que remete à hipótese de que contrações fiscais poderiam ser expansionistas, é

questionada por Serrano e Braga (2006). Os autores colocam em xeque o principal fato

empírico que sustentaria essa ideia, a experiência estadunidense da década de 1990 do

governo Clinton, quando se observou uma queda dos gastos do governo com um

respectivo crescimento dos gastos privados e das exportações, acompanhados de

crescimento econômico expressivo. Lembrando-se que a ideia do NCM é de que uma

contração fiscal (ou o simples anúncio crível dessa medida) seria capaz de reduzir, no

curto prazo, as taxas de juros de longo prazo, o que elevaria os componentes da

demanda agregada mais do que proporcionalmente a redução ocasionada pelo aperto

fiscal. Esse fato poderia, então, ampliar o produto potencial com um crescimento do

investimento privado.

Serrano e Braga (2006) demonstram, em primeiro lugar, que não existe relação

entre a política fiscal do governo Clinton e a queda das taxas de juros de longo prazo.

Os autores explicitam que as taxas de juros de longo prazo acompanham, com uma certa

defasagem, os movimentos das taxas de juros de curto prazo, que é determinada de

forma independente pelo banco central. Uma prova interessante deste fato é que o

presidente Clinton só se elegeu em novembro de 1992 (e a aprovação da nova política

fiscal só ocorreu em fevereiro de 1993), enquanto o movimento de queda da taxa de

juros de longo prazo e a recuperação do crescimento econômico já eram visíveis no

início de 1991. Os autores ratificam, também, a forte correlação entre as taxas de juros

de curto e de longo prazo, demonstrando o caráter arbitrário e exclusivamente

19

Outras críticas podem ser dirigidas à teoria de Bancos Centrais Independentes. Inclusive Friedman

(1985) salienta o risco de dar a poucas pessoas que não passaram pelo crivo político o poder de um

instrumento de tamanha importância econômica. Erros de análise desse pequeno grupo seriam de difícil

cobrança política.

42

monetário destas variáveis. Assim, percebe-se que a defesa da teoria de “contração

fiscal expansionista” é de difícil sustentação empírica e evidencia a visão ideológica de

seus defensores de que o gasto privado seria de “melhor qualidade” do que o gasto

público.

Mesmo economistas do FMI, uma instituição que historicamente prega o

neoliberalismo, em um curto artigo de junho de 2016 elaborado por Ostry, Loungani e

Furceri, reconhecem que as contrações fiscais apresentam resultados contracionistas

tanto no produto, quanto no emprego e na distribuição de renda:

(…) in practice, episodes of fiscal consolidation have been followed,

on average, by drops rather than by expansions in output. On

average, a consolidation of 1 percent of GDP increases the long-term

unemployment rate by 0.6 percentage point and raises by 1.5 percent

within five years the Gini measure of income inequality (OSTRY,

LOUNGANI & FURCERI, 2016, p.40).

Arestis e Sawyer (2003) apontam que se a oferta de moeda for considerada

endógena, o aumento das taxas de juros só ocorreria por uma decisão deliberada do

Banco Central, ou seja, o efeito crowding out dependeria da resposta da autoridade

monetária e não da resposta do mercado à expansão dos gastos públicos. Além disso, o

tamanho desse efeito ainda dependeria do grau de ajuste do Banco Central às pressões

inflacionárias, além da elasticidade do investimento privado às variações na taxa de

juros, não podendo ser auferida nenhuma conclusão precipitada sobre esses fatos.

Destaca-se, por exemplo, que as decisões de investimento privado podem responder

mais à fase do ciclo econômico e às expectativas de crescimento do produto (e pelo

crescimento da demanda) do que à variação das taxas de juros.

Ademais, Arestis e Sawyer (2003) arrazoam que é improvável que o crowding

out ocorra por uma queda da poupança agregada ou por uma apreciação cambial

decorrente de uma elevação das taxas de juros (em um efeito “crowding out

internacional”). Os autores deduzem que um estímulo fiscal poderia afetar

positivamente a atividade econômica, e mesmo que haja um transbordamento da

demanda para produtos importados, isso não implicaria em crowding out, pois não se

espera um arrefecimento dos investimentos privados nacionais nessas conjunturas.

Além disso, tanto os efeitos sobre a conta capital quanto sobre a balança comercial são

incertos. Os fluxos de capitais dependem, em grande medida, de fatores externos e da

forma como os operadores do mercado financeiro avaliam o país. Ademais, os gastos do

43

governo poderiam melhorar as condições de produção e investimentos privados,

afetando positivamente os setores exportadores.

Arestis e Sawyer (2003) questionam, também, a ocorrência de um equilíbrio

automático da demanda agregada (seja por uma força do mercado, seja pelo efeito da

política monetária) consistente com o equilíbrio de oferta. Os autores entendem que a

própria trajetória da demanda agregada tem influência sobre a oferta, uma vez que o

estoque de capital (que dita o equilíbrio pelo lado da oferta) está associado ao nível de

produto e emprego. Nesse sentido, o nível da demanda agregada (que depende da

atividade econômica e da lucratividade) teria um impacto sobre os gastos com

investimentos e, assim, sobre o próprio estoque de capital (ARESTIS & SAWYER,

2003, p.6).

Outro ponto criticado por Arestis e Sawyer (2003) se refere à validade da

hipótese da Equivalência Ricardiana (ER). Pode-se, em primeiro lugar, contestar a

racionalidade foward looking dos agentes. Argumenta-se que as pessoas não “vivem

para sempre” e a preocupação com impostos futuros pode ser relativizada,

principalmente após certo período de suas vidas. Além disso, o próprio comportamento

dos tributos é incerto (o governo não se comporta via restrição orçamentária

intertemporal). A arrecadação do governo depende do ciclo econômico e da produção,

podendo ser afetada por fatores exógenos. Com isso, se uma política fiscal

expansionista for acompanhada de crescimento econômico, a arrecadação do governo

aumentará, fazendo com que o argumento da restrição orçamentária intertemporal perca

força. Nesse sentido, a taxa de crescimento da dívida do governo pelo PIB dependerá,

em boa medida, das taxas de juros e do crescimento econômico.

Ademais, faz sentido que uma redução da tributação no período presente faça

com que as pessoas se sintam mais ricas, incentivando-as a gastar mais e, assim,

impactando positivamente a renda. Caso uma expansão fiscal resultasse em efeitos

adversos nas expectativas dos agentes (com uma queda nos gastos dos consumidores e

nos investimentos), então poderia se pensar em um multiplicador fiscal zero (ou até

negativo). Contudo, essa não parece ser a lógica dos movimentos econômicos ou da

racionalidade dos agentes.

Pode-se pensar ainda que, se houver a possibilidade de a variação da posição

orçamentária do governo ocorrer pela variação da demanda do setor privado (o que

justifica a utilização de estabilizadores automáticos), então é evidente que a política

fiscal apresenta um papel importante não só para a demanda agregada, mas para a

44

própria arrecadação do governo. Nota-se, por fim, que o déficit público pode ser

realizado para compensar a diferença entre a poupança e o investimento em um nível de

renda desejável, mantendo a atividade econômica sem necessariamente pressionar as

taxas de juros (ARESTIS, 2003).

Por fim, Arestis e Sawyer (2003) afirmam que os déficits do governo devem

ser analisados frente às condições econômicas vigentes e às demandas da sociedade. Se

houver um alto nível de desemprego ou uma alta necessidade de investimentos em

infraestrutura, por exemplo, os estímulos fiscais ou expansões do gasto do governo

seriam necessários, independente da fase do ciclo econômico medido pelo PIB.

Ademais, não se pode medir o gasto do governo apenas de forma quantitativa, já que

diferentes formas de gasto apresentam diferentes propósitos e impactam de forma

diversa a economia.

É preciso compreender, assim, o papel estratégico do dispêndio do Estado, não

podendo incluir este fator sob a inflexibilidade de regras rígidas que não incorporam

análises qualitativas. O investimento público, por exemplo, é uma variável que pode

apresentar tanto uma função anticíclica (mantendo o nível do investimento agregado na

economia em fases de recessão) quanto uma função estratégica (se induzir o

desenvolvimento de setores com maior multiplicador sobre o produto, com maior valor

agregado, com maiores índices de encadeamento ou com maiores impactos

socioeconômicos de longo prazo). É perceptível que alguns autores do mainstream

reconheceram algumas falhas analíticas do NCM após a crise de 2008, e passaram a

legitimar a importância da política fiscal como um mecanismo anticíclico. Constata-se,

com isso, a superação de regras fiscais muito rígidas que desconsideravam a função de

estabilização econômica da política fiscal.

1.4. O NCM pós-crise de 2008

Com a crise econômica internacional de 2008, importantes economistas do

mainstream passaram a levantar questionamentos sobre algumas asserções teóricas do

NCM. Blanchard, Dell'Ariccia e Mauro (2010) afirmam que o longo período de relativa

estabilidade econômica desde a década de 1980 foi uma tentação para que economistas

pensassem que já haviam compreendido a melhor forma de se conduzir a política

macroeconômica. Para Romer (2012), o equívoco da visão pré-crise foi acreditar que

45

situações de taxas de juros próximas a zero seriam muito raras e não tenderiam a

permanecer por um longo período.

Dessa forma, é importante observar alguns insights de autores considerados

mainstream sobre possíveis mudanças na condução da política macroeconômica de uma

maneira geral. Percebe-se que uma política macroeconômica mais ativa, com estratégias

de desenvolvimento, gastos anticíclicos, regulação financeira e controle cambial

retomam importância no debate. Uma importante constatação realizada por Blanchard

(2012) é que a condução da política macroeconômica não pode ter apenas uma meta e

um instrumento, mas tende a se tornar complexa e abarcar diversos objetivos

simultaneamente. A coincidência entre a estabilidade da inflação e a estabilidade do

hiato do produto, defendida nos modelos do NCM, se mostrou uma acepção

improvável. A relação entre essas duas variáveis é de difícil percepção e não se mostra

tão forte quanto alguns economistas imaginavam.

Um fator que passou a ganhar importância são as “medidas macroprudenciais”,

que teriam como meta a estabilização financeira e a atenuação de riscos sistêmicos. Nas

palavras de Ortiz (2012, p.19), “a crise demonstrou que a estabilidade de preços,

sozinha, não implica em estabilidade financeira”. Apesar de existir a ideia de uma

instituição independente (separada do banco central) para realizar essas medidas,

Blanchard (2012) afirma que o sistema financeiro é muito complexo e manter a

estabilidade desse setor requer a interação entre instituições. Nas palavras do autor:

Macroprudential policy has to be about many aspects of the financial

system, and the notion that we can find one sufficient statistic for

systemic risk that we can then target is probably an illusion. We are

going to have to look all the time at the balance sheets of the various

financial institutions to identify the risks that are building up

(BANCHARD 2012, p.9).

Seguindo a linha de Blanchard (2012), seria possível observar uma forte

relação entre os instrumentos macroprudenciais e a taxa de juros, fazendo com que esses

dois mecanismos se tornem complementares. Assim, uma baixa taxa de juros tenderia a

aumentar os riscos tomados pelos agentes, fazendo-se necessário o uso de medidas

macroprudenciais. Por outro lado, essas medidas também teriam efeitos

macroeconômicos, já que a taxa de crédito pelo risco, por exemplo, poderia afetar

investimentos imobiliários que, por sua vez, impactariam o PIB. Dessa forma,

Blanchard (2012) observa a política monetária de uma forma mais ampla, em que vários

instrumentos podem interagir para alcançar mais de um objetivo (principalmente em

46

relação à inflação, ao produto e ao risco). Ortiz (2012) afirma, ainda, que os próprios

bancos centrais devem se responsabilizar pela estabilidade financeira, regulando e

supervisionando as instituições envolvidas.

Contudo, os pressupostos básicos do NCM parecem não terem sido superados.

A preocupação em relação à estabilidade de preços e à relação dívida/PIB permanecem

centrais. As ações anticíclicas seriam cabíveis apenas aos países com relativo “espaço

fiscal”, baixo endividamento e, principalmente, àqueles que sofrem com pressões

deflacionárias e baixas taxas de juros. Assim, as políticas ditas “responsáveis” ainda são

priorizadas na visão de diversos autores. Issing (2012) afirma que algumas acepções das

metas de inflação devem continuar consensuais entre os bancos centrais, como o

comprometimento com a estabilidade de preços, a adoção de uma política foward

looking, a explicitação das estratégias perseguidas e a manutenção da clareza na

comunicação com o público.

Segundo Ortiz (2012), a adoção de metas de inflação em países emergentes

teria sido um importante fator para ancorar as expectativas ao longo da crise. Além

disso, os países emergentes teriam construindo uma base macroeconômica para

combater as hiperinflações da década de 1980-1990, com posições fiscais sólidas,

mercados de capitais desenvolvidos, elevadas reservas internacionais e políticas

monetárias e cambiais consistentes (ORTIZ, 2012; INDRAWATI, 2012). Outros

autores afirmam que os países emergentes não experimentaram a restrição de uma taxa

de juros próxima a zero e um risco de deflação, tornando as recomendações pré-crise do

NCM ainda pertinentes. Dessa forma, as políticas monetárias desses países ainda se

mostrariam eficientes, a despeito da simplicidade como lidam com o setor financeiro.

Indrawati (2012) ressalta que, diferentemente das décadas de 1980 e 1990, em

2008 a crise penetrou os países emergentes pelo vínculo com o sistema financeiro

global. A fonte de instabilidade não estaria relacionada à fragilidade institucional de

políticas macroeconômicas, mas sim a choques externos provocados pela crise do

sistema financeiro de países centrais. Dessa forma, a queda da liquidez internacional e o

acirramento das incertezas no mercado financeiro global acabaram reverberando nos

sistemas bancários internos dos países emergentes, afetando não só o lado financeiro,

mas também o lado “real” (com queda na demanda agregada).

47

1.4.1. Questão Fiscal: sustentabilidade da dívida pública e crescimento econômico

Um dos temas centrais no debate mainstream é a volta da política fiscal como

um instrumento ativo da política macroeconômica. Dentro dessa análise, a política fiscal

deixa de ser apenas um instrumento secundário à manutenção da estabilidade de preços

e passa a orientar a recuperação de economias em profundas recessões. Romer (2012)

afirma que a crise explicitou a necessidade de se utilizar a política fiscal como um

estabilizador de curto prazo. Em momentos de queda da demanda agregada e queda da

confiança de empresários (quando passam a não responder à queda das taxas de juros

para realização de investimentos) a alternativa imediata à política monetária deveria ser

a política fiscal.

Segundo Romer (2012) as medidas fiscais discricionárias – como a redução de

impostos, o crescimento das transferências diretas, o consumo e os investimentos do

Estado – se mostraram uma alternativa viável e eficaz contra a grave crise de 2008.

Conforme Indrawati (2012), a expansão fiscal se tornou a principal medida adotada

pelos países emergentes para lidar com a crise, tanto pela redução de impostos quanto

pela expansão de gastos públicos. Segundo o autor, seria importante a utilização de

políticas que afetassem a economia de forma imediata, sem a necessidade de envolver

processos administrativos ou políticos e que impactassem rapidamente a demanda. Uma

medida ressaltada por Indrawati (2012) é a transferência direta de renda, que além do

grande impacto social, daria poder de compra para as pessoas com maior propensão a

consumir. Indrawati (2012) lembra, ainda, que muitos países emergentes apresentam

grande necessidade de investimentos em infraestrutura. Esse tipo de gasto, além do

impacto imediato com a criação de empregos, traria melhores condições para os

investimentos privados e, consequentemente, para um crescimento mais sustentável no

futuro.

A efetividade dos gastos públicos para estimular a economia pode ser

sintetizada em um indicador teórico, o “multiplicador fiscal”. Conforme Chinn (2013),

o multiplicador fiscal, em sua versão mais simples, é a mudança ocorrida no produto

devido a uma mudança no instrumento de política fiscal. Chinn (2013) ressalta que

existe um lag temporal entre a mudança da política fiscal e o impacto sobre o produto,

podendo ser preferível analisar um “multiplicador cumulativo”. Um efeito multiplicador

próximo à zero implicaria que os gastos do governo impactariam de forma

insignificante o crescimento econômico. Assim, o resultado da política expansionista

48

seria o crescimento da inflação e o efeito crowding out. O caso extremo seria um

multiplicador negativo, em que a expansão fiscal implicaria em contração econômica. Já

um multiplicador fiscal próxima à unidade significa que a quantia desprendida pelos

gastos públicos acarretaria um crescimento econômico de proporções semelhantes. Um

multiplicador maior do que a unidade consiste em um efeito mais do que proporcional

dos gastos públicos sobre o crescimento econômico.

Shome (2012, p.50) cita Ilzetzki, Mendoza e Végh (2010) para afirmar que os

efeitos de estímulos fiscais dependem das características particulares da economia.

Segundo os autores, maiores multiplicadores fiscais são observados em países de alta

renda, de economias menos abertas, regimes cambiais rígidos, baixo déficit público e

uma taxa de investimento maior do que a de consumo. No mesmo sentido, Solow (2012,

p.74) afirma que o valor do multiplicador fiscal depende do estado da economia e das

características das políticas que estão sendo implementadas.

Woodford (2011) e Chinn (2013) observam que os efeitos dos estímulos fiscais

dependem da reação da política monetária. Se houver elevada capacidade ociosa e se for

viável a manutenção das taxas de juros constantes, então será factível um multiplicador

igual a 1. Mas caso se observe um aumento das taxas de juros em decorrência da

expansão fiscal, então o multiplicador será menor do que 1. Em última instância, essa

análise depende do impacto da política fiscal sobre a taxa de inflação. Se o nível de

preços for relativamente rígido, maior será o impacto da política fiscal sobre o produto.

Chinn (2013) afirma que, nos modelos da Síntese Neoclássica, quanto maior a

sensibilidade dos preços ao hiato do produto, menor será a sensibilidade da renda às

mudanças nos gastos do governo. Já nos modelos Keynesianos, o autor afirma que o

multiplicador é uma função positiva da propensão marginal a consumir.

Diversos autores argumentam, ainda, que um multiplicador fiscal maior do que

1 está relacionado a um contexto de crise econômica e taxas de juros próximas a zero.

Nesta conjuntura específica, a política monetária se torna ineficaz para estimular a

demanda. A desaceleração da economia tenderia à deflação, elevando a taxa real de

juros e desestimulando ainda mais as decisões de investimentos. Essa é a situação da

“armadilha da liquidez” do modelo IS-LM de Hicks (1937) e, portanto, apenas uma

política fiscal expansionista apresentaria efeitos sobre o produto e evitaria o

agravamento da deflação. Nessas circunstâncias, se a política fiscal gerar expectativas

de elevação de preços, então as taxas reais de juros tenderão a cair, havendo um

incentivo aos investimentos e aos gastos privados, o que levaria a recuperação da

49

atividade econômica (KRUGMAN, 2012). Outro argumento interessante de Auerbach e

Gorodnichenko (2010) é de que em momentos de crise econômica (não importando o

nível das taxas de juros) as pressões inflacionárias e o crowding out teriam menores

chances de ocorrer (LOPREATO 2014).

Blanchard et al (2012) separa a questão fiscal em dois eixos: um que trata a sua

utilização como estabilizador de curto prazo e outro sobre seus impactos no longo

prazo. Sem dúvida, a própria relação entre o curto e o longo prazo faz parte da

discussão. Os efeitos de gastos discricionários sobre a sustentabilidade da dívida pública

no longo prazo, por exemplo, é um tema importante. Existem diversas questões que

emergem e que geram divergências entre os economistas, como: qual o tamanho do

multiplicador fiscal (em quais conjunturas seria maior do que 1); por quanto tempo

poderia se manter uma política fiscal expansionista sem prejudicar indicadores de

endividamento; qual seria a institucionalidade ótima para política macroeconômica

(qual seria o mix entre política monetária, fiscal e regulação financeira); qual seria o

efeito de uma consolidação fiscal sobre o desempenho da economia e sobre as

expectativas dos agentes; o que seria mais eficiente, os estabilizadores automáticos, os

gastos discricionários, as isenções fiscais, os investimentos públicos ou os incentivos à

demanda; qual seria o lag temporal para os impactos da política fiscal; dentre outros

grandes temas do debate acadêmico.

Lopreato (2014, p.3) adverte, contudo, que existe um consenso entre os

economistas do NCM em torno de se “elevar o espaço fiscal” na fase de expansão

econômica, ou seja, para se executar uma política fiscal ativa em momentos de crise,

necessariamente deveria se manter a austeridade no período de crescimento. Essa seria,

segundo Romer (2012), uma das lições deixadas pela crise. O autor destaca a evidência

empírica de que países com uma menor taxa de endividamento/PIB tiveram a

capacidade de executar ações fiscais mais agressivas ao longo da crise.

Indrawati (2012) afirma que diversos países emergentes possuem uma base

tributária estreita, sendo necessária uma reforma estrutural para ampliar as receitas e

abrir espaço para a utilização de estabilizadores automáticos. O autor também salienta a

necessidade de se restringir os gastos discricionários para melhorar a disciplina fiscal,

evitando a politização dos gastos públicos. Além disso, Indrawati (2012) coloca que os

gastos públicos devem se concentrar em setores prioritários (infraestrutura e áreas

sociais) com o intuito de melhorar a qualidade das ações fiscais.

50

Deve-se ressaltar, ainda, que a importância da consolidação fiscal não saiu da

pauta de alguns teóricos do mainstream. Muitos autores ainda defendem a ideia de que a

contração fiscal poderia provocar uma expansão do produto. Alesina e Ardagna (2012)

afirmam que se o ajuste ocorrer pelo corte de gastos (ao invés de aumento das receitas)

a queda da relação dívida/PIB teria um efeito mais prolongado e os efeitos sobre o PIB

seriam mais benéficos (tanto evitando recessões profundas quanto recuperando de forma

ágil o crescimento econômico). Alesina e Ardagna (2012) afirma, ainda, que a

liberalização do mercado de trabalho e de bens poderia contribuir para alterar as

expectativas dos investidores, instigando o crescimento econômico (LOPREATO,

2014).

Outro fator importante no debate acadêmico é o possível impacto que um

elevado nível da dívida pública teria sobre a taxa de crescimento do produto e sobre as

taxas de juros. O argumento de Reinhart e Rogoff (2010) é de que uma taxa de dívida

interna/PIB maior do que 90% teria impactos significativos sobre o crescimento

econômico – esse limite seria tanto para países emergentes quanto para países

desenvolvidos. Em países emergentes, contudo, a dívida externa apresentaria maiores

impactos sobre o produto e não poderia passar de 60% do PIB. Segundo o estudo dos

autores, o impacto da dívida pública sobre a inflação também seria mais significativo

para os países emergentes. Esse trabalho teve grande impacto no debate acadêmico e

político, sendo utilizado como base científica para o corte de gastos públicos em

diversos países no pós-crise de 2008.

Contudo, diversos autores contestaram o estudo de Reinhart e Rogoff (2010),

afirmando que erros estatísticos graves comprometeram os resultados da pesquisa

(IRONS & BIVENS, 2010; HERNDON et al., 2014, HERDON, POLIN & ASH, 2013).

Em primeiro lugar, percebe-se que a relação causal está invertida, ou seja, é intuitivo

pensar que um baixo crescimento econômico provocará um maior nível de

endividamento (já que é perceptível a relação direta entre crescimento econômico e

arrecadação tributária do Estado, além de maiores gastos com estabilizadores

automáticos como o seguro desemprego). Além disso, seria necessário um melhor

tratamento temporal para relacionar o estoque da dívida à taxa de crescimento

econômico. Novos trabalhos empíricos, como os de Herndon et al. (2014), refutam um

parâmetro ideal para dívida pública, pois constatam que sua relação com o crescimento

do PIB não mantém um padrão.

51

Herdon, Polin e Ash (2013) reforçam essa crítica ao refazer o esforço empírico

de Reinhart e Rogoff (2010) e concluir que aqueles autores manipularam os dados para

obterem resultados que privilegiassem uma política macroeconômica austera. Herdon,

Polin e Ash (2013) acusam Reinhart e Rogoff (2010) de omitirem alguns dados e

colocarem um peso inapropriado em outros, alterando de forma significativa os

resultados. Assim como em Herndon (2014), Herdon, Polin e Ash (2013) concluem que

a relação entre déficit público e crescimento econômico varia substancialmente entre

países e ao longo do tempo. Sobre períodos mais recentes – entre 2000 e 2009 – os

autores argumentam que não há nenhuma evidência para que um aumento da dívida

pública acima do patamar de 90% do PIB provoque uma queda do crescimento

econômico.

Cabe frisar, por fim, que existe uma tendência de alguns autores mainstream e

algumas instituições internacionais de reverem alguns conceitos teóricos que

embasaram a visão neoliberal – e que sustentou a condução da política econômica na

maioria dos países da América Latina a partir da década de 1990. O FMI, uma

instituição historicamente promotora do neoliberalismo no mundo, passou a incluir

sistematicamente em seus relatórios a partir de 2014 a importância do investimento

público para o crescimento econômico e para a distribuição de renda. No World

Economic Outlook (WEO) de 2014, a instituição é clara em afirmar que uma elevação

nos investimentos públicos em infraestrutura teria importantes efeitos dinamizadores na

economia, servindo para reduzir a relação dívida/PIB mesmo quando esses gastos são

financiados com dívida. Nesse sentido, caso os multiplicadores fiscais forem

significativos, os investimentos públicos forem eficientes e a elasticidade do produto ao

capital público for elevada, o crescimento do investimento público poderia se tornar

autofinanciável, já que provocaria uma redução da relação dívida/PIB. (WEO, FMI,

2014)20

.

(…) public infrastructure investment raises output in both the short

and long term, particularly during periods of economic slack and

when investment efficiency is high. This suggests that in countries with

infrastructure needs, the time is right for an infrastructure push:

borrowing costs are low and demand is weak in advanced economies,

20

O WEO (2014) faz uma advertência sobre a baixa eficiência dos investimentos públicos em países

emergentes, onde o aumento dos gastos públicos poderiam não ter os resultados esperados. Contudo, o texto salienta a importância de se observar os gargalos de infraestrutura que poderiam estar restringindo o

crescimento econômico, sendo necessária a execução de políticas voltadas para a eficiência e, assim,

aliviar tais deficiências.

52

and there are infrastructure bottlenecks in many emerging market and

developing economies. Debt-financed projects could have large output

effects without increasing the debt-to-GDP ratio, if clearly identified

infrastructure needs are met through efficient investment (WORLD

ECONOMIC OUTLOOK, FMI, 2014, p.75)

Whether debt rises as a share of GDP in the short term depends on the

size of the fiscal multiplier and the elasticity of revenues to output.

GDP may rise by more than debt initially, and the resulting higher tax

revenue may offset some of the increased spending on public

investment (WORLD ECONOMIC OUTLOOK, FMI, 2014, p.78).

Conforme o FMI (2014), a participação estatal nos investimentos em

infraestrutura é historicamente relevante por diversos fatores, como o elevado custo

inicial dos projetos (geralmente intensivos em capital), o longo período de maturação e

os longos períodos de retorno (que dificultam o horizonte das taxas internas de retorno e

aumentam as incertezas). Além disso, as externalidades positivas amplas são de difícil

mensuração, fazendo com que os retornos sociais excedam os retornos privados do

operador. Outrossim, o FMI (2014) salienta que o crescimento do investimento público

afeta positivamente a demanda agregada no curto prazo através do efeito multiplicador

fiscal, provocando um efeito “crowding in”21

.

Ostry, Loungani e Furceri (2016), em artigo lançado pelo FMI, explicitam

críticas a importantes pressupostos do arsenal teórico neoliberal: a liberalização aos

movimentos de capital e a austeridade fiscal (OSTRY, LOUNGANI & FURCERI,

2016). Os autores afirmam que a busca pela sustentabilidade da dívida pública por meio

da redução de déficits fiscais pode ser contraproducente, já que podem afetar

negativamente a distribuição de renda, aumentando da desigualdade social e

arrefecendo o próprio crescimento. O texto reconhece que não existe um nível de

endividamento público ótimo que poderia servir como uma meta de política econômica.

Não obstante, Ostry, Loungani e Furceri (2016) afirmam que os custos de um

ajuste fiscal podem ser grandes. O aumento de tributos poderia distorcer o lado da oferta

enquanto o corte de gastos poderia deprimir o lado da demanda, tendendo a elevar o

nível do desemprego e colaborar para a eclosão de crises econômicas22

. A liberalização

21

O efeito ”crowding in”, ao contrário do “crowding out”, consiste no aumento dos investimentos

privados em decorrência de uma expansão fiscal, tanto pela complementaridade de projetos público-

privados quanto pelo aumento da demanda agregada.

22 De forma contraditória o World Economic Outlook (2016), elaborado pelo FMI, faz recomendações

para que o Brasil “persevere” em seu esforço de consolidação fiscal para promover uma reversão no

pessimismo e no baixo nível de investimento.

53

dos fluxos de capitais apresenta resultados contraditórios, principalmente para países

emergentes. Por um lado, o investimento direto estrangeiro, que pode se referir a

transferências tecnológicas, teria impactos benéficos sobre a produtividade. Por outro,

investimentos em portfólio e capitais especulativos, além de aumentarem o risco a crises

financeiras, impelem grande volatilidade de variáveis macroeconômicas chave, o que

prejudica a previsibilidade dos agentes produtivos e o desenvolvimento econômico.

1.4.2. Nova Geração de Regras Fiscais pós-crise de 2008

Cabe destacar, ademais, uma mudança de percepção das regras fiscais que

objetivam, de forma geral, disciplinar às ações do Estado. Orair (2016) aponta duas

gerações de regras fiscais, sendo a primeira implementada principalmente na década de

1990. Essas regras eram mais rígidas, baseadas em fluxos de caixa de curto prazo e

deixavam pouca margem para ações anticíclicas, com “válvulas de escape” muito

limitadas. A segunda geração de regras fiscais iniciou em meados dos anos 2000 e se

fortaleceu no pós-crise de 2008, quando se tornou clara a necessidade de atuação estatal

para lidar com as crises econômicas. Segundo Orair (2016, p.11)

O ponto central é que vários países promoveram reformas

institucionais nos últimos anos para introduzir uma “nova geração de

regras fiscais” mais flexíveis e com âncora fiscal de médio prazo,

diante da visão de que se deve buscar a sustentabilidade da dívida

pública, mas sem atuar contrariamente ao crescimento econômico.

No mesmo sentido, Schaechter et al (2012) alegam que reformas fiscais em

diversos países no pós-crise de 2008 buscaram conciliar os objetivos de sustentabilidade

(com a preocupação do nível da dívida pública) e de flexibilidade (capacitando o Estado

para responder a choques). Essa “nova geração” de regras fiscais criaria novos desafios

de implementação, comunicação e monitoramento, buscando enfrentar a complexidade

da conjuntura que se impôs. Contudo, os autores argumentam que a simplicidade das

regras fiscais não é considerada um definidor de eficiência nem implica em maior

transparência.

Após a crise de 2008, as metas numéricas e as regras processuais se

fortaleceram e diversos países adotaram uma combinação de diferentes tipos de regras

fiscais para institucionalizar ações do Estado visando à sustentabilidade da dívida

pública e a capacidade de enfrentamento de crises econômicas. Schaechter et al (2012)

defendem a hipótese de que um melhor desempenho fiscal está relacionado a regras

54

fiscais mais abrangentes (em geral, uma combinação de regras) que teriam se tornado

uma tendência tanto nos países desenvolvidos quanto nos emergentes23

. Distingue-se,

também, as regras fiscais nacionais das supranacionais (instituídas em uniões

monetárias, visando restringir as ações individuais dos países membros de executarem

políticas fiscais inconsistentes com as necessidades do acordo monetário).

Schaechter et al (2012) destacam quatro regras fiscais mais conhecidas e

apontam seus respectivos pontos positivos e negativos. A regra sobre a dívida pública24

teria como pontos positivos a relação direta sobre a sustentabilidade da dívida pública e

a fácil comunicação e monitoramento, sendo a regra mais utilizada. Contudo essa regra

não apresenta um guia operacional claro (já que não especifica quais políticas devem ser

utilizadas no curto prazo). Além disso, não possui mecanismos de estabilização

(podendo exercer uma pressão pró-cíclica). Ademais, o alcance de metas de

endividamento poderia ser casual, influenciado por forças externas às políticas do

governo e que não garantiria sua sustentabilidade no longo prazo.

A regra de equilíbrio orçamentário25

possui, segundo os autores, a vantagem de

ser um guia operacional fácil de comunicar e monitorar, estando diretamente

relacionada com a sustentabilidade da dívida pública. Contudo, além de exercer

pressões pró-cíclicas, essa regra também é afetada por fatores exógenos à política

econômica – as receitas e despesas do governo dependem de fatores como crescimento

econômico e nível de desemprego, por exemplo. Segundo Schaechter et al (2012), a

partir dessa regra, evoluiu-se para outra de equilíbrio orçamentário estrutural, que

pretende incluir a função de estabilização econômica, agindo de forma contracíclica.

Não obstante, Schaechter et al (2012) argumentam que a correção pelo ciclo econômico

é complicada, principalmente em países que passam por mudanças estruturais. Assim, a

complexidade dessa ferramenta torna mais difícil a comunicação e o monitoramento,

23

Schaechter et al (2012) demonstram que em 1990 apenas 5 países utilizavam algum tipo de regra fiscal

(Alemanha, Indonésia, Luxemburgo, Japão e Estados Unidos). Em março de 2012 já eram contabilizados

76 países que utilizavam regras fiscais em níveis nacionais ou supranacionais. Os países emergentes

passaram a adotar as regras fiscais após a reestruturação macroeconômica pós-crises financeiras na

década de 1990.

24 No Brasil, a Resolução do Senado Federal nº 40 de 2001 criou um limite para a dívida corrente líquida

(DCL) em relação à receita corrente líquida (RCL) para os estados (de 2 vezes a RCL) e para os

municípios (de 1,2 vezes a RCL) (PASSOS & CASTRO, 2009).

25 No Brasil é utilizada a regra de superávit primário, que corresponde a poupança que o governo deve

realizar sem considerar os gastos com juros e amortização da dívida.

55

além de poderem ser utilizadas de forma discricionária caso suas regras não forem bem

definidas.

As regras sobre os gastos do governo teriam a vantagem, conforme Schaechter

et al (2012), de serem um guia operacional fácil de comunicar e monitorar que

permitiria a estabilização econômica e “orientaria o tamanho do governo”26

. Contudo,

os autores afirmam que poderiam ocorrer mudanças não desejadas na distribuição dos

gastos – caso o governo mude a composição dos gastos para cumprir o teto da meta – e

esse componente não implicaria sozinho em sustentabilidade da dívida. Para isso, seria

necessária uma regra sobre as receitas do governo, que poderia implicar em melhorar

eficiência na administração pública, prevenir gastos pró-cíclicos (ao limitar o uso de

receitas extraordinárias), e reforçar a “orientação do tamanho do governo”.

A combinação de regras mais utilizadas, segundo Schaechter et al (2012), é a

de controle da dívida e a de equilíbrio orçamentário. Uma regra sobre os gastos públicos

também é utilizada em combinação com uma dessas duas regras por países que estariam

buscando o compromisso com a sustentabilidade da dívida. Esses autores sustentam que

as regras sobre nível da dívida são predominantes em países de baixa renda, o que

refletiria uma possível fraqueza institucional que complicaria a utilização de regras

sobre os gastos. Já as regras sobre o equilíbrio orçamentário que incluem o ciclo

econômico são mais comuns em países desenvolvidos do que nos emergentes, o que,

segundo o autor, também seria resultado de evoluções institucionais.

Em relação às regras fiscais, Gobetti (2014) compara os casos de países da

União Europeia (UE) que seguem a regra de “orçamento equilibrado” com o Reino

Unido (que segue a “regra de ouro”). Conforme já mencionado, diversos países foram

ajustando suas regras fiscais com a finalidade de compatibilizar sustentabilidade com

crescimento econômico. Esse autor também ressalta a tendência de evolução dessas

regras para incorporar os efeitos que os ciclos econômicos provocavam sobre o

orçamento, bem como o efeito dos gastos públicos sobre o próprio ciclo.

A regra de “orçamento equilibrado” (ou déficit nominal próximo à zero) foi

incorporada no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), de 1997, com o objetivo de

26

Ao mencionar como ponto positivo a orientação do “tamanho do governo” os autores deixam claro o

seu posicionamento ideológico de que o Estado deve ser limitado, ou seja, parte-se da premissa de que o

sistema econômico ótimo deveria convergir para a competição privada, reduzindo-se a participação

estatal.

56

controlar as finanças públicas e reduzir déficits excessivos dos países membros da UE27

.

Mantiveram-se as metas introduzidas pelo Tratado de Maastricht tanto para o déficit

nominal (3% do PIB) quanto para dívida bruta (60% do PIB). Mesmo em sua primeira

versão, o pacto já incorporava “cláusulas de escape” que dependiam das circunstâncias

cíclicas da econômica – caso houvesse uma queda real do PIB de 2%. Em 2005, um

novo regulamento foi estabelecido (Regulamento nº 1.055/2005) visando integrar as

flutuações cíclicas da economia para o cumprimento das metas. Além dos limites já

impostos pelo Tratado de Maastricht, foram instituídos limites para o déficit nominal

ajustado ao ciclo econômico (de 1% do PIB). Gobetti (2014, p.17) observa essa questão

da seguinte forma:

Uma vez que os dois limites (com e sem ajuste) devem ser

respeitados, infere-se implicitamente que o componente cíclico dos

resultados fiscais nos momentos em que o produto está abaixo do seu

nível potencial não pode superar 2% do PIB quando, em termos

estruturais, o país estiver apresentando um deficit de 1% do PIB. Em

geral, essa margem de manobra parece razoável, mas isso depende do

grau de flutuação da economia e da sensibilidade dos resultados

fiscais a essas flutuações. Para países com alta flutuação e alta

sensibilidade, uma meta de deficit estrutural de 1% do PIB pode

implicar a violação da meta de Maastricht em alguns momentos, o que

o obrigaria a perseguir uma meta estrutural mais rigorosa.

Em 2011 os países membros da UE passaram a discutir uma nova reforma do

PEC visando contornar o aprofundamento da crise econômica. De forma geral, buscou-

se “melhorar a governança econômica”, tornando mais rígidas as regras para

endividamento de países com dívida superiores a 60% do PIB e aprimorando os

mecanismos de sanções para países que não se comprometiam com medidas corretivas

dos déficits excessivos. Além disso, estabeleceu-se “um teto para o crescimento das

despesas públicas, baseada na estimativa de taxa de crescimento do PIB potencial de

cada Estado-membro, com o objetivo de auxiliar no atingimento dos objetivos de médio

prazo em termos de resultado fiscal estrutural” (GOBETTI, 2014, p.18). Em 2012 os

países membros celebraram um Pacto Fiscal com o intuito de incorporar o “orçamento

equilibrado” nas legislações nacionais. Embora a UE tenha incorporado regras que se

27

Nas palavras de Gobetti (2014, p.15): “Estes objetivos são traduzidos em metas de deficit e dívida e em programas de ajuste que garantam a manutenção ou a convergência em direção ao “equilíbrio orçamentário”. O objetivo explícito do pacto era criar as condições de estabilidade macroeconômica necessária à introdução da moeda única, que viria a ocorrer em 1998.”

57

ajustam ao ciclo econômico, percebe-se que os constrangimentos permaneceram

bastante rígidos.

No caso do Reino Unido, a Regra de Ouro foi instituída em 1997

conjuntamente com uma regra de investimento sustentável. O objetivo é manter a

Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) em um patamar sustentável ao longo do ciclo,

sem prejudicar as taxas de investimento público. Nas palavras de Gobetti (2014, p.22):

No caso do Reino Unido, portanto, a regra fiscal não restringe a

expansão dos investimentos públicos a menos que a dívida líquida

(não muito diferente da dívida bruta, ao contrário do Brasil) esteja

abaixo de 40% do PIB, situação que era verificada até a crise de 2008-

2009, quando tal limite foi ultrapassado. Na prática, sob uma situação

de alto endividamento, como a atual (dívida líquida acima de 60% do

PIB), a regra de ouro deveria implicar uma situação de orçamento

equilibrado, tal como a prevista no arcabouço institucional da UE.

Gobetti (2014) salienta, contudo, que tanto a UE quanto o Reino Unido não

conseguiram colocar em prática tais regras fiscais. Em 2009 e 2010, no auge da crise, o

déficit fiscal britânico chegou a 11% do PIB, à medida que os gastos públicos cresciam

de 41% para 47% do PIB. Com a vitória do Partido Conservador nas eleições de 2010, o

governo editou uma Lei de Responsabilidade Fiscal para reduzir o déficit e a dívida

líquida, e criou um conselho econômico independente para monitorar as autoridades do

Tesouro e do Parlamento. Esse conselho independente tem, entre as suas funções, a

incumbência de estimar o PIB potencial e o hiato do produto, essenciais para o cálculo

do resultado fiscal ajustado ao ciclo econômico.

Shome (2012) afirma que a estratégia do Reino Unido foi a consolidação fiscal

pelo corte de gastos, seguindo os estudos acadêmicos de Alesina e Ardagna (2009).

Apesar das projeções de baixo crescimento econômico, o partido conservador ganhou as

eleições de 2010 com o discurso da “disciplina fiscal”. Shome (2012) também cita o

caso da Índia, que em 2011 iniciou um processo de consolidação fiscal, recompondo o

orçamento com a retirada de subsídios (sobre fertilizantes, alimentos e petróleo) e a

reestruturação de impostos sobre a renda e o consumo. A conclusão do autor é de que as

ações anticíclicas devem ocorrer apenas em momentos específicos de aprofundamento

de crises. Posteriormente, a consolidação fiscal deveria prevalecer, o que evitaria

distorções no desenvolvimento de longo prazo da economia e melhoraria as

expectativas dos agentes. O autor defende a hipótese de que a austeridade do governo

não afetaria negativamente sua reputação frente aos eleitores (conforme teriam

mostrado os casos do Reindo Unido e da Índia).

58

Considerações Finais

Esse capítulo buscou organizar as ideias do NCM sobre a questão fiscal,

partindo de suas influências teóricas e de seus pilares de confluência que caracterizam

essa linha de pensamento. Fez-se necessário discorrer sobre aspectos amplos – como a

política monetária, a racionalidade dos agentes, a dinâmica dos mercados no sistema

capitalista – para posteriormente compreender o papel secundário (ou subordinado) da

política fiscal nessa vertente teórica. De forma geral, constata-se que o principal

objetivo da política macroeconômica, para o NCM, é manter a estabilidade da inflação

em nível baixo, o que abriria espaço para a redução das taxas de juros e, assim,

estimular o investimento privado.

Em vista disso, as regras de superávit primário se encaixam em uma visão que

prega a restrição intertemporal dos gastos públicos. Uma política fiscal restrita, com

regras rígidas e claras de funcionamento, colaborariam para melhorar as expectativas

dos agentes privados, diminuir o risco sobre a sustentabilidade da dívida público, além

de contribuir para evitar pressões inflacionárias. Já as expansões dos gastos públicos,

por outro lado, tenderiam a provocar o efeito crowding out, arrefecendo investimentos

privados e provocando resultados deletérios sobre as variáveis macroeconômicas –

como o produto, a inflação, as taxas de juros e a dívida pública. Indica-se, assim, a visão

sobre o papel limitado que o Estado deve desempenhar na economia.

Após a crise de 2008, percebe-se um reacendimento do debate, dentro do

NCM, acerca da condução da política macroeconômica. Diversos autores questionaram

as rígidas regras fiscais que limitavam a capacidade do Estado de agir de forma

contracíclica, além dos resultados deletérios que a liberalização financeira poderia

provocar na economia.

Constata-se que os estímulos fiscais, por intermédio da expansão de gastos do

governo, passaram a ganhar importância dentro do mainstream, principalmente em

momentos de recessão, quando o multiplicador fiscal passou a ser interpretado como

significativo. Contudo, diversos autores não se desprenderam do núcleo teórico do

NCM, e as mudanças na condução da política fiscal deveriam ser executadas apenas em

momentos específicos de crise econômico e taxas de juros baixas, quando a política

monetária não teria espaço para atuação. Em vista disso, se faz necessário levantar uma

59

outra forma de interpretar o papel do Estado na dinâmica capitalista, que compreende

outro entendimento acerca do regime fiscal – o que será realizado no próximo capítulo.

60

2. O DEBATE TEÓRICO SOBRE O REGIME FISCAL: A POLÍTICA FISCAL

COMO MECANISMO ESTRATÉGICO DO ESTADO

Apresentação:

Esse capítulo tem o objetivo de apresentar a política fiscal sob uma perspectiva

divergente daquela do NCM exposta no capítulo anterior, apresentando-se uma outra

interpretação sobre a lógica de funcionamento das economias capitalistas. Essa

abordagem se faz necessária para compreender as razões de se pensar em um regime

fiscal que atribua ao Estado a responsabilidade de intervir na economia, seja para a

atuação anticíclica, como para o direcionamento de investimentos para setores

estratégicos.

Em vista disso, o capítulo se divide em três partes. Na seção 2.1, recorre-se a

interpretação de Keynes e Kalecki, dois autores seminais que colocam os gastos do

Estado como uma variável estratégica para sustentar a demanda efetiva nas fases de

queda do ciclo econômico. A seção 2.1 discorre sobre aspectos gerais da visão teórica

de Keynes e Kalecki, fundamentais para o entendimento dos ciclos econômicos e a

necessidade da ação estatal para a recuperação e o desenvolvimento das economias

capitalistas.

A seção 2.2 aborda a teoria da Modern Money Theory (MMT), que considera

que o Estado não possui nenhuma restrição real à expansão dos seus gastos. Essa visão

teórica é relevante para se extrair insights em relação aos limites e as funções da política

fiscal. Não obstante, algumas críticas serão levantadas, contribuindo para o debate e as

reflexões que se pretendem levantar a respeito de um regime fiscal mais benéfico para o

desenvolvimento econômico.

De forma complementar, a seção 2.3 busca apontar a importância e os desafios

das políticas econômicas voltadas para o desenvolvimento. Nesse contexto, a política

fiscal apresenta papel crucial, por implicar no formato de tributação (que visa tanto a

arrecadação do governo quanto a distribuição de renda) e de gastos (que inserem um

componente estratégico, capacitando o Estado a alavancar setores estratégicos).

2.1. A Dinâmica Capitalista e a Política Fiscal em Keynes e Kalecki

Para iniciar a crítica ao modelo teórico do NCM, optou-se por explicitar

conceitos desenvolvidos por Keynes (1996) e Kalecki (1977) negligenciados pela

61

vertente neoclássica. Em linhas gerais, destaca-se a importância da moeda para a

dinâmica capitalista, a teoria da decisão de investimento e alocação de recursos, o papel

da demanda efetiva e da distribuição de renda para o crescimento econômico. Busca-se,

assim, trazer uma base teórica que atribui ao Estado uma posição de destaque, como

uma variável estratégica na dinâmica capitalista, visando suavizar crises e promover o

desenvolvimento econômico.

2.1.1. A economia monetária de produção e os ciclos econômicos em Keynes

Uma das grandes contribuições de Keynes, com a Teoria Geral do Emprego, do

Juro e da Moeda (TG)28

, foi a definição de moeda e suas características que a diferencia

de outros ativos. Essa interpretação é fundamental para a compreensão dos ciclos

econômicos inerentes às economias capitalistas, conforme esse autor.

No capítulo 17 da TG, Keynes define a moeda como um ativo, e caracteriza

todos os ativos por três atributos básicos que se manifestam em diferentes graus. O

primeiro é o rendimento (q), medido em termos do próprio ativo. O segundo é o custo

de manutenção (c), medido em termos de si mesmo, que poderia ocorrer por desgaste ou

depreciação do ativo ao longo do tempo. O terceiro é o prêmio de liquidez (l) que

implica na segurança potencial ou conveniência proporcionada pelo ativo – que não

inclui o seu rendimento. Esse atributo está relacionado ao grau de liquidez, que consiste

na capacidade de converter o ativo em qualquer outro no menor tempo e com a menor

perda possível. Outra característica importante é a valorização do capital em termos

monetários (a). Essa valorização não se refere à capacidade do ativo de se expandir em

termos de si mesmo, mas sobre a capacidade de converter essa expansão em lucro

monetário – tornando o ativo apreciado aos olhos dos investidores. Tendo isso em vista,

os agentes levarão em consideração as características de cada ativo (a + q – c + l)29

para

montar o seu portfólio.

Ao compreender a moeda como um ativo, Keynes se distancia da hipótese de

neutralidade da moeda e da Teoria Quantitativa da Moeda (TQM). A moeda, então, é

28 Livro original de 1936. A versão utilizada nessa dissertação é a da coleção “Os Economistas”, editora

Nova Cultura, 1996.

29 Keynes afirma que cada ativo possui uma taxa de juro própria, medida em termos de si mesmo, que é

dado pela soma (q – c + l). O ativo que apresenta maior rendimento marginal terá maior demanda para

sua produção, fazendo com que sua taxa de juro própria tenda a cair.

62

um ativo que possui um rendimento nulo, um custo de manutenção insignificante, mas o

prêmio de liquidez máximo (a moeda representa a liquidez por natureza). Como ela se

torna uma opção de alocação de recursos, significa que existe uma motivação

econômica para os agentes demandarem moeda que não apenas para fins transacionais.

Keynes ressalta que as pessoas agem de acordo com suas “preferências

psicológicas temporais” para decidirem quanto de sua renda irão gastar no presente e

quanto irão reservar para o futuro. Na realidade, são dois conjuntos de decisões que

serão tomadas. A primeira está relacionada à propensão a consumir, que implica quanto

da renda será consumida no presente. A segunda, em relação ao modo como o indivíduo

manterá a sua poupança (incluindo a parcela que foi poupada da renda passada e a da

renda presente). O indivíduo pode manter moeda (mantendo poder de compra imediato)

ou ativos com algum rendimento (mas que se tornam imobilizados por certo período de

tempo). Como a propensão a consumir é relativamente estável, o segundo conjunto de

decisões é que irá explicitar a preferência pela liquidez dos agentes, sendo esse fator de

maior influência sobre as taxas monetárias de juros.

Desse modo, sendo a taxa de juros, a qualquer momento, a

recompensa da renúncia à liquidez, é uma medida de relutância dos

que possuem dinheiro alienar o seu direito de dispor do mesmo. A

taxa de juros não é o “preço” que equilibra a demanda de recursos

para investir e a propensão de abster-se do consumo imediato. É o

“preço” mediante o qual o desejo de manter a riqueza em forma

líquida se concilia com a quantidade de moeda disponível.

(...)

A preferência pela liquidez é uma potencialidade ou tendência

funcional que fixa a quantidade de moeda que o público reterá quando

a taxa de juros for dada (KEYNES, 1996, p.174-175)

Assim, Keynes salienta alguns motivos que levam os agentes econômicos a

preferirem manter ativos líquidos, como o dinheiro, mesmo que não apresentem um

rendimento. O motivo transação seria para satisfazer as necessidades correntes de

compra; o motivo precaução seria pela segurança que esse ativo possui de manter poder

de compra no futuro; o motivo especulação seria pelo conhecimento e expectativa do

agente em relação à variação dos preços dos outros ativos, com o propósito de obter

melhores taxas de retorno. Enquanto os dois primeiros motivos seriam mais sensíveis à

variação da renda, o motivo especulação teria grande sensibilidade às variações na taxa

de juros. Assim, o prêmio de liquidez da moeda (l) pode se tornar maior do que os

rendimentos líquidos de outros ativos (q – c).

63

Ademais, Keynes frisa outras características especiais da moeda que as tornam

um ativo crucial dentro do sistema capitalista. A moeda possui elasticidade de produção

e de substituição nulas, além de sua taxa de juros ser inelástica (possuir uma resistência

à queda). Isso implica que a moeda não pode ser produzida privadamente e nenhum

outro ativo possui as suas características. Por não apresentar custo de carregamento e

por ser o ativo de maior liquidez, a eficiência marginal da moeda cai mais lentamente

quando aumenta sua oferta. Dessa forma, mesmo que o valor da moeda aumente, sua

oferta só poderia aumentar por uma decisão do governo e, se a sua demanda cair, a sua

taxa de juros irá cair mais lentamente ao se comparar com outros ativos. Por possuir

essas qualidades, a taxa de juros monetária se torna a referência para a eficiência

marginal de todos os outros ativos. Uma importante reflexão desses pressupostos é

sobre a possibilidade de uma queda da taxa monetária de juros não impactar

positivamente o investimento, já que a eficiência marginal do capital poderia cair mais

rapidamente do que a da moeda.

Vemos assim que as várias características que se combinam para

tornar significativa a taxa monetária de juros interagem de forma

cumulativa. O fato de ter a moeda baixas elasticidades de produção e

substituição e baixos custos de manutenção tende a criar a expectativa

de certa estabilidade de salários expressos em moeda; essa expectativa

aumenta o prêmio de liquidez do dinheiro e evita a correlação

excepcional entre a taxa monetária de juros e as eficiências marginais

de outros bens, que poderia, se existisse, privar esta taxa monetária de

juros de seu predomínio (KEYNES, 1996, p.231).

Keynes descreve o ambiente de decisões econômicas como incerto, não

podendo ser atribuída uma distribuição de probabilidade ao risco de alocação de

recursos. Esse argumento traz implicações fundamentais para a interpretação da

dinâmica capitalista. A decisão do empresário em imobilizar capital é movida pelo seu

“espírito empreendedor” de acumular mais capital, pesando sua perspectiva sobre as

incertezas que é, geralmente, muito subjetiva. A decisão fundamental de investir implica

em abrir mão da segurança do ativo de liquidez universal para adquirir um ativo com

maior custo de carregamento, menor liquidez e uma valorização incerta (a+q). Dessa

forma, a expectativa dos agentes em relação aos acontecimentos futuros e o grau de

confiança desse prognóstico são fatores cruciais para a decisão de investir. Nas palavras

de Keynes (1996, p.161):

O fato de maior importância é a extrema precariedade da base do

conhecimento sobre o qual temos que fazer os nossos cálculos das

rendas esperadas. O nosso conhecimento dos fatores que regularão a

64

renda de um investimento alguns anos mais tarde é, em geral, muito

limitado e, com frequência, desprezível.

(…)

Os homens de negócio fazem um jogo que é uma mescla de habilidade

e de sorte, cujos resultados médios são desconhecidos pelos jogadores

que dele participam. Se a natureza humana não sentisse a tentação de

arriscar a sorte, nem de sentir a satisfação (excluindo-se o lucro) de

construir uma fábrica, uma estrada de ferro, de explorar uma mina ou

uma fazenda, provavelmente não haveria muitos investimentos como

mero resultado de cálculos frios.

Keynes acentua que os empresários seguem certas convenções para se sentirem

seguros quanto suas escolhas. Uma importante convenção é assumir a mesma posição

da maioria (ou dos agentes mais influentes), o que configura os “efeitos-manada”. Sobre

esse fato, Keynes destaca a importância dos mercados financeiros organizados e as

bolsas de valores, que reavaliam diariamente os preços de ativos e acabam

influenciando a tomada de decisão dos “investidores comuns”. Mesmo que exista a

perspectiva individual de que um ativo é promissor, o mercado poderá avaliá-lo como

um mau investimento fazendo com que seu preço caia. Assim, os agentes passam a se

preocupar mais sobre a forma como o mercado irá avaliar o preço do ativo no curto

prazo do que a sua própria percepção acerca daquele investimento, o que caracteriza um

componente de especulação sobre as decisões de alocação de recursos. Além disso, ao

passo que grandes players decidem investir e que o nível de emprego e as perspectivas

de demanda se elevem, os empresários se sentem mais confiantes para imobilizar

capital, pois existe a percepção de que a eficiência marginal do capital aumentou.

(…) a eficiência marginal do capital depende não apenas da

abundância ou da escassez existente de bens de capital e do custo

corrente da produção dos bens de capital, mas também das

expectativas correntes relativas ao futuro rendimento dos bens de

capital. Consequentemente, no caso dos bens duráveis, é natural e

razoável que as expectativas do futuro desempenhem um papel

preponderante na determinação da escala em que se julguem

recomendáveis novos investimentos. Como vimos, porém, as bases

para tais expectativas são muito precárias. Fundadas em indícios

variáveis e incertos, estão sujeitas a variações repentinas e violentas

(KEYNES, 1996, p.294).

É importante salientar a distinção da teoria keynesiana e da teoria ortodoxa em

relação ao binômio poupança-investimento. Para Keynes uma elevação na poupança

não resultará em elevação do nível de investimento, já que recursos que poderiam ser

utilizados com o investimento estão sendo mantidos de forma líquida. Por outro lado,

uma elevação na renda provocará uma elevação na poupança, já que existe uma

65

propensão dos agentes de manterem uma parcela de suas rendas em ativos líquidos30

.

Portanto, a realização de investimentos que geram elevação da renda é que resultarão

em elevação da poupança agregada (como parcela da renda que não foi utilizada para

consumo).

É preciso frisar, então, o papel crucial que as expectativas apresentam sobre as

decisões de investimento e, portanto, sobre os ciclos econômicos. Conforme Keynes

(1996, p.63), a quantidade de mão-de-obra que os empresários decidem empregar

depende da demanda efetiva (o montante que se espera que a comunidade consuma e o

montante que se espera que seja gasto em novos investimentos). Assim, uma queda de

salários ou uma elevação do nível de desemprego pode deprimir as perspectivas de

lucro pela queda da demanda, provocando uma queda de investimentos e da renda

agregada que culminará com uma queda na poupança.

Ao tratar sobre os ciclos econômicos, Keynes afirma que as fases de recessão

ocorrem de maneira repentina e violenta, enquanto que a recuperação para fases

ascendentes é mais lenta. As crises, segundo keynes (1996, p.295), estão geralmente

relacionadas a momentos de elevação da taxa de juros – devido a uma maior demanda

por moeda, seja pelo motivo especulação ou precaução. Os últimos movimentos de

ascensão antes de crises são marcados por otimismo em relação aos rendimentos futuros

que compensem a elevação dos custos de produção, da abundância de capital e da

provável elevação das taxas de juros. Esse otimismo em demasia é marcado mais pela

perspectiva de como o mercado avalia o ambiente de negócios do que pela

racionalidade de estimativas de rendimentos futuros dos bens de capital.

O boom é uma situação em que o excesso de otimismo triunfa sobre

uma taxa de juros que, julgada a sangue-frio, seria considerada alta

demais (KEYNES, 1996, p.300).

A reversão das expectativas provoca uma paralisação abrupta na taxa de

investimento refletindo o colapso da eficiência marginal do capital e a fuga para

liquidez. Esse fato torna a taxa de juros monetária a mais elevada do sistema, o que

agrava o nível de investimento e reforça o pessimismo do mercado. O aumento do

desemprego, a queda de salários reais e a debilidade da demanda efetiva colaboram para

exacerbação das incertezas, elevando a preferência pela liquidez. Seguindo a lei

30

A propensão marginal a consumir (e a poupar) depende, segundo Keynes (1996, p.62), de fatores

psicológicos da comunidade. “A psicologia da comunidade é tal que, quando a renda real agregada

aumenta, o consumo de agregado também aumenta, porém não tanto quanto a renda”.

66

psicológica dos agentes, que apresenta uma tendência de grupo, a crise é agravada pelo

fato do único ativo que gera segurança não ser produzido privadamente, não empregar

mão de obra e, assim, não colaborar para melhorar as expectativas em relação à

demanda.

A desilusão chega porque, de repente, surgem dúvidas quanto à

confiança que se pode ter no rendimento esperado, talvez porque o

rendimento atual dê sinais de baixa à medida que os estoques de bens

duráveis produzidos recentemente aumentem regularmente. Se se crê

que os custos correntes de produção são mais elevados do que poderão

vir a ser futuramente, esta será mais uma razão para a baixa da

eficiência marginal do capital. Uma vez surgida, a dúvida propaga-se

rapidamente (KEYNES, 1996, p.296).

A recuperação do crescimento econômico é algo complexo que dificilmente

seria observada como um resultado de política monetária. Apesar de contribuir para a

retomada de investimentos, a estratégia de reduzir a taxa nominal de juros não seria

suficiente para reverter o colapso da eficiência marginal do capital, já que não consegue,

por si só, afetar as expectativas dos agentes em relação à lucratividade dos

investimentos.

Se a redução da taxa de juros constituísse por si mesma um remédio

efetivo, a recuperação poderia ser conseguida num lapso de tempo

relativamente curto, e por meios mais ou menos diretamente sob

controle da autoridade monetária. Isso, porém, não costuma acontecer,

não sendo fácil reanimar a eficiência marginal do capital, tal como a

determina a psicologia caprichosa e indisciplinada do mundo dos

negócios. É a volta da confiança, para empregar a linguagem comum,

que se afigura tão difícil de controlar numa economia de capitalismo

individualista (KEYNES, 1996, p.295-296).

O sistema capitalista de livre-mercado é, então, inerentemente instável.

Compreendendo a lógica da teoria monetária de produção exposta por Keynes, fica

imanente o papel crucial que o Estado deve desempenhar para evitar a queda do nível de

investimento e do consumo. É importante ressaltar, também, que os momentos de boom,

quando há uma percepção de sobreinvestimento, raramente coincidem com o pleno

emprego (geralmente não há escassez de mão de obra) ou com um excesso de capital.

Ademais, uma solução via aumento das taxas de juros para evitar esse

sobreinvestimento especulativo também deprimiria investimentos razoáveis, sendo, nas

palavras de Keynes (1996, p.301) um “antídoto (…) pertence à categoria dos remédios

que curam a doença matando o paciente”. Seria preferível a realização de investimentos

67

mal orientados (e até mesmo especulativos) do que a não realização de qualquer

investimento, pois algum efeito sobre a demanda ainda poderia ser esperado.

Portanto, em condições de laissez-faire, talvez seja impossível evitar

grandes flutuações no emprego sem uma profunda mudança na

psicologia do mercado de investimentos, mudança essa que não há

razão para esperar que ocorra. Em conclusão, acho que não se pode,

com segurança, abandonar à iniciativa privada o cuidado de regular o

volume corrente de investimento (KEYNES, 1996, p.298).

Assim, Keynes atenta para a importância que o investimento e o nível de

consumo apresentam sobre a dinâmica do capitalismo. O nível da demanda efetiva é um

fator crucial para as movimentações cíclicas da economia, cabendo ao governo

amenizar essa variação. Nesse sentido, pode-se advogar em favor da melhor distribuição

da renda na economia, dado que as classes mais ricas tendem a uma menor propensão

marginal ao consumo.

Embora procurando conseguir um fluxo de investimento controlado

socialmente com vista à baixa progressiva da eficiência marginal do

capital, estou disposto a apoiar, ao mesmo tempo, toda sorte de

medidas para aumentar a propensão a consumir. Como é improvável

que o pleno emprego possa ser mantido com a propensão a consumir

existente, façamos o que fizemos com relação ao investimento. Há

condições, portanto, para que ambas as políticas funcionem juntas;

promover o investimento e ao mesmo tempo o consumo, não apenas

até o nível que corresponderia ao acréscimo do investimento com a

propensão a consumir existente, mas também a um nível ainda maior

(KEYNES, 1996, p.302).

O investimento estatal seria, de certo modo, complementar à iniciativa privada,

podendo aumentar sua participação em momentos de crise quando a eficiência marginal

do capital decai e as incertezas se amplificam. Keynes atribui grande relevância à

“socialização do investimento”, por considerar esta variável importante demais para ser

deixada sob responsabilidade apenas do setor privado. Ao manter o nível de emprego e

de demanda agregada em virtude do investimento estatal, o governo criaria um

ambiente favorável às expectativas do setor privado e à retomada do crescimento,

minimizando os impactos negativos sobre a sociedade em momentos de recessão.

O Estado deverá exercer uma influência orientadora sobre a propensão

a consumir, em parte através de seu sistema de tributação, em parte

por meio da fixação da taxa de juros e, em parte, talvez, recorrendo a

outras medidas. Por outro lado, parece improvável que a influência da

política bancária sobre a taxa de juros seja suficiente por si mesma

para determinar um volume de investimento ótimo. Eu entendo,

portanto, que uma socialização algo ampla dos investimentos será o

único meio de assegurar uma situação aproximada de pleno emprego,

68

embora isso não implique a necessidade de excluir ajustes e fórmulas

de toda a espécie que permitam ao Estado cooperar com a iniciativa

privada (KEYNES, 1996, p.345).

2.1.2. O investimento e os ciclos econômicos em Kalecki

Kalecki, em sua obra Teoria da Dinâmica Econômica31

(TDE), também aborda

a importância crucial da variável investimento para o crescimento econômico. Mesmo

partindo de pontos diferentes, o autor chega a conclusões semelhantes às de Keynes,

enfatizando as variações da demanda efetiva como grande causa dos ciclos econômicos.

Kalecki parte das assimetrias de poder dentro do sistema capitalista, demonstrando que

o crescimento econômico depende de decisões da classe empresarial, que tem o poder

de decidir de que forma alocar seus recursos. A classe assalariada é vista como passiva,

já que responde apenas pela variável “consumo”.

Kalecki (1977) utiliza um esquema de reprodução marxista, fazendo algumas

simplificações, para explicar a lógica do sistema capitalista. De forma geral, a economia

parte de três setores: o departamento de produção de bens de capital (D1); o

departamento de produção de bens de consumo para os capitalistas (D2); e o

departamento de produção de bens de consumo para os trabalhadores (D3).

Partindo de outras simplificações, de que os trabalhadores não poupam, de uma

economia fechada e sem considerar os gastos do governo, Kalecki demonstra que os

capitalistas de D3 vendem para os trabalhadores desse departamento uma produção

correspondente aos salários pagos a esses trabalhadores (W3), que pagaria os custos

para a produção. A venda para os trabalhadores dos outros dois departamentos (que

corresponde aos salários W1 e W2) é o lucro dos capitalistas de D3. O lucro total dessa

economia simplificada é a soma do lucro dos capitalistas de D1, D2 e os salários pagos

aos trabalhadores desses dois departamentos (W1 e W2). Claramente a produção de D3

dependerá da produção de D1 e D2, que por sua vez dependem do consumo e do

investimento dos capitalistas. Conforme Kalecki (1977, p.65), então:

Equação 1: Lucros Brutos = Investimento Bruto + Consumo dos Capitalistas

Essa equação explicita que os lucros dependem das decisões de gastos do

capitalista que, por sua vez, dependem de decisões que foram tomadas no passado. Caso

os capitalistas não poupassem e alocassem sempre a mesma proporção da renda entre

31

Obra original publicada em 1954, utilizamos a edição de 1977 da coleção Os Economistas, Editora

Nova Cultura.

69

consumo e investimento, os lucros permaneceriam constantes e não seria necessário

interpretar qual seria a variável de influência na equação 1. Contudo, Kalecki (1977,

p.66) adverte:

Apesar de os lucros do período anterior serem um dos determinantes

importantes do consumo e do investimento dos capitalistas, os

capitalistas em geral não decidem consumir e investir num dado

período precisamente o que ganharam no anterior. Isso explica por

que os lucros não permanecem estacionários, mas flutuam com o

tempo.

A poupança privada nesse modelo consiste na parcela da renda dos capitalistas

que não é gasta com investimento ou consumo. Assim como em Keynes, a taxa de juros

não é o fator de equilíbrio entre poupança e investimento. Nas palavras de Kalecki

(1977, p.70), “o investimento, uma vez realizado, automaticamente fornece poupança

necessária para financiá-lo”. Esse fato implica que, não interessa o nível da taxa de

juros, o investimento cria uma poupança de igual valor.

Para Kalecki (1977, p.93) a taxa de juros de curto prazo é determinada pela

relação dos bancos com o público (valor de transações na economia e a oferta monetária

dos bancos). Já a taxa de juros de longo prazo depende de previsões do comportamento

das taxas de curto prazo, que dependem das experiências passadas e da estimativa de

risco quanto à depreciação de ativos. Da equação 1 pode-se tirar que:

Equação 2: Lucros Bruto – Consumo dos Capitalistas = Investimento Bruto

Equação 3: Poupança Bruta dos Capitalistas = Investimento Bruto

No caso em que se considera o governo e as relações internacionais, a

poupança será igual ao investimento mais o déficit orçamentário e o saldo da balança

comercial. Dessa forma, mantendo-se as outras variáveis constantes, um déficit do

orçamento do governo ou um superávit na balança comercial permitem elevar os lucros

acima do limite que seria observado apenas pelo investimento privado e o consumo dos

capitalistas. No caso do déficit orçamentário do governo, o setor privado estaria

recebendo mais com os gastos do governo do que pagando em impostos. Já os

superávits comerciais com o exterior implica que os capitalistas domésticos estão

conquistando mercados em outros países, aumentando lucros à custa dos capitalistas

desses outros países.

A ligação entre os lucros “externos” e o imperialismo é óbvia. A luta

pela divisão dos mercados externos existentes e a expansão dos

impérios coloniais, que propicia novas oportunidades para a

exportação de capital ligada à exportação de bens, pode ser vista como

um esforço para se obter um saldo positivo na balança comercial, a

70

fonte clássica de lucros “externos”. Os armamentos e as guerras, em

geral financiados pelos déficits orçamentários, são também uma fonte

dessa espécie de lucros (KALECKI, 1977, p.72).

Cabe enfatizar, então, que para Kalecki as decisões de gastos dos capitalistas

são fatores fundamentais para o crescimento da renda na economia. O consumo dos

capitalistas é influenciado por um componente autônomo e um componente

proporcional ao lucro passado. O investimento depende de decisões ainda mais antigas,

num fator cumulativo, que ao gerarem lucros criam a oportunidade de novos

investimentos. Assim, os lucros seguem o investimento com um hiato temporal,

dependendo do investimento corrente e do investimento passado. Outra importante

afirmação de Kalecki é que um aumento no investimento provoca um aumento mais do

que proporcional na renda bruta, pois tem um efeito multiplicador sobre o consumo dos

capitalistas e sobre o consumo dos trabalhadores.

Já a poupança possui uma relevância microeconômica importante na visão

teórica de Kalecki. A poupança bruta das empresas (o lucro líquido não distribuído) são

recursos disponíveis para investimentos sem a necessidade de se recorrer ao mercado de

capitais, fazendo com que essas variáveis possuam uma relação direta. Os capitalistas

tenderiam a não deixar recursos ociosos, o que contribuiria para converter essa

poupança em investimentos. Ademais, a poupança aumenta o capital próprio da

empresa, facilitando o acesso ao mercado de capitais. Quanto maior o patrimônio

líquido da empresa, menor o risco percebido pelo mercado financeiro à tomada de

novos empréstimos.

Segundo Kalecki (1977), o risco é um fator determinante da eficiência

marginal do capital, e quanto maior o investimento realizado pela empresa, maior é o

volume de capital desprendido pelo capitalista às incertezas de retorno. Esse é o

“princípio do risco crescente”, pelo qual Kalecki (1977) explica a existência de um

limite para o investimento privado. As decisões de investimento de um empresário

dependem, então, de sua acumulação de capital no passado e da forma como a

rentabilidade marginal do capital varia (que pode ocorrer por mudanças tecnológicos,

pela percepção de endividamento da empresa ou pelas condições de concorrência no

mercado). Em um sentido parecido ao de Keynes, Kalecki (1944) afirma que tanto a

redução da taxa de juros quanto os benefícios fiscais concedidos ao setor privado podem

não ser eficientes para instigar empresários a alavancar investimentos se não houver

perspectivas de demanda:

71

Se a depressão é forte, eles podem ter uma visão pessimista do

futuro, e a redução da taxa de juro ou do imposto de renda pode

então, por um longo período, não exercer qualquer influência

sobre o investimento e, portanto, sobre o nível de produção e de

emprego (KALECKI, 1944, p.6).

Resumidamente, o investimento seria afetado positivamente pela poupança

interna das firmas e pela taxa de elevação da lucratividade, e negativamente pela taxa de

elevação do volume de capital fixo. Se o investimento em capital fixo se igualar a

depreciação, então o sistema será estático – as flutuações cíclicas ocorrem em torno de

uma média constante. Outro fator importante que contribui negativamente para o

desenvolvimento econômico de longo prazo é a poupança externa às firmas, que implica

na parcela da poupança que é destinada às rendas financeiras. Conforme Kalecki (1977,

p.185) “se a poupança externa aumentar com relação ao capital, a tendência negativa se

acelerará”. Contudo, as inovações tecnológicas afetam a dinâmica de crescimento

econômico de longo prazo, tendendo a aumentar a lucratividade do capital e criando

uma tendência para que os investimentos se mantenham acima do nível de depreciação.

A tendência de longo prazo do crescimento econômico dependerá, então, do resultado

líquido entre poupança externa às firmas e as inovações tecnológicas.

Kalecki (1977) discute a possibilidade da fonte de desenvolvimento econômico

como consequência do crescimento populacional. Segundo o autor, esse fato ampliaria

as potencialidades de crescimento econômico pelo efeito do aumento da mão-de-obra

disponível e pelo possível aumento da demanda agregada. Contudo, um aumento

populacional não acompanhado de crescimento dos investimentos acarreta em aumento

do desemprego e queda de salários, deprimido a demanda agregada. Teoricamente, uma

queda dos salários poderia reduzir os preços e, mantendo-se o nível de produção

constante, reduzir-se-ia o volume de dinheiro dos negócios, tendendo a reduzir a taxa de

juros. Hipoteticamente, esse fator poderia impactar positivamente os investimentos e os

lucros, o que contribuiria para aumentar a produção.

Essa dinâmica é contestada por Kalecki (1977), que afirma que o efeito de uma

queda das taxas de juros sobre o investimento é incerta a longo prazo. Além disso, o

efeito sobre o desemprego é maior, fazendo com que qualquer efeito ascendente sobre o

crescimento via redução da taxa de juros desapareça. A expectativa de elevação da

demanda pelo aumento populacional também é colocada em xeque, já que, segundo

Kalecki (1977, p.187), o que importa para esse contexto é a elevação do poder

aquisitivo. “Uma elevação do número de miseráveis não amplia o mercado”. Cabe

72

salientar, então, o efeito da distribuição de renda na dinâmica de crescimento

econômico.

Assim, pode-se destacar, na análise de Kalecki, a importância dos “fatores de

distribuição” e do grau de monopólio do sistema produtivo para a determinação da

renda na economia. Caso haja um aumento do grau de monopólio, a parcela dos lucros

na renda bruta aumentará. Contudo, esse efeito ocorreria com uma queda do produto – e

dos salários reais – não implicando em aumento dos lucros brutos – que são fortemente

impactados por decisões passadas. Ao longo do ciclo econômico a margem de lucro

varia menos do que os investimentos, já que o poder de monopólio e os estoques

permitem que os capitalistas ajustem a produção e o investimento sem reduzir suas

margens de lucro. Já as decisões de investimento podem variar de forma significativa

pelo efeito de encadeamento com o emprego e o consumo. Nesse sentido, uma

economia com uma distribuição de renda mais equitativa, com baixo nível de

desemprego, terá um maior efeito multiplicador do investimento desencadeado pela

demanda efetiva.

2.1.3. A política fiscal em Keynes

Essa seção discorre especificamente acerca das recomendações de Keynes para

a condução da política econômica, na qual a política fiscal ganha grande destaque. Dada

a dinâmica inerentemente instável das economias capitalistas, Keynes atribui ao Estado

a responsabilidade de amenizar as flutuações cíclicas do produto e do emprego.

Conforme Carvalho (1999), a política fiscal para Keynes deve ser ativa, ou seja, o

Estado deve atuar deliberadamente para influenciar a demanda e evitar recessões.

A teoria econômica de John Maynard Keynes propõe uma deliberada

atuação estatal no intento de prevenir a ocorrência dos ciclos

econômicos inerentes à dinâmica de economias monetárias de

produção (FERRARI FILHO & TERRA, 2010, p.1).

Keynes infere que um dos grandes problemas do capitalismo é a concentração

excessiva de renda. Já que as classes mais ricas da sociedade utilizam apenas pequena

parcela de sua renda para o consumo, a demanda agregada permanece fraca,

desestimulando a produção de bens de consumo e, indiretamente, a de bens de capital

(CARVALHO, 2008). O outro grande problema do capitalismo, então, “era sua

incapacidade de gerar continuamente o nível de demanda agregada capaz de alcançar,

73

ou, mais adequadamente, de sustentar o pleno emprego e a plena utilização da

capacidade produtiva existente” (CARVALHO, 2008, p.10).

Nesse sentido, Tcherneva (2008) afirma que para se compreender as

recomendações de política econômica de Keynes, é preciso ter em mente que uma de

suas grandes preocupações era com o nível de emprego. Tcherneva (2008) argumenta

que para Keynes não bastariam políticas de incentivo à demanda agregada se estas não

forem capazes de elevar o nível de emprego. Tcherneva (2008) assevera que,

diferentemente de algumas interpretações da teoria de Keynes, as ações fiscais não

poderiam ser tidas como importantes apenas em momentos de recessão com a finalidade

de se reduzir o hiato do produto. Na realidade, Keynes buscava evitar momentos de

recessões, mantendo estável o nível de investimento e de emprego na economia no

longo prazo.

The main task should be to prevent large fluctuations by a stable long-

term programme. If this is successful it should not be too difficult to

offset small fluctuations by expediting or retarding some item in this

long-term programme” (KEYNES, CWJMK, 27, p.322).

Tcherneva (2008) ressalta as diferenças entre os conceitos teóricos da

“demanda efetiva” e da “demanda agregada”, que segundo ele, resultam em

recomendações de políticas econômicas divergentes. Para Keynes, a curva da demanda

agregada é uma curva na qual as expectativas sobre os “gastos futuros esperados”

validam as decisões dos empresários em produzir e empregar no período corrente.

Assim, aumentar os gastos correntes pode afetar ou não as expectativas dos empresários

em relação ao consumo futuro, ou seja, não garante qualquer resultado sobre a demanda

efetiva32

.

Keynes wanted to stabilize investment, but he also did not believe that

stabilizing private investment could do the job. Boosting aggregate

demand to encourage private investment had serious limitations,

which were well understood by his contemporaries (see, for example,

Kaldor [1938] and Kalecki [1945]), limitations which could easily be

overcome by public investment (TCHERNEVA, 2008, p.5).

The theory of effective demand is a theory about the factors that

determine investment in a monetary production economy, while the

theory of aggregate demand is a theory of boosting the various

components of current expenditure (private or public) to secure some

numerical measure of potential output (TCHERNEVA, 2008, p.6).

32

Esse ponto também está no centro da discussão que Kalecki realiza em seu texto “Aspectos Políticos do

Pleno Emprego”, de 1944.

74

Conforme já explicitado na seção 2.1.1 e 2.1.2, tanto Kalecki quanto Keynes

atribuem grande importância a variável “investimento” para a dinâmica capitalista. Não

obstante, políticas de incentivo ao consumo privado também são relevantes, o que

justifica uma política tributária que apresenta a finalidade de distribuir renda e, assim,

aumentar o poder de compra da parcela da população com maior propensão marginal a

consumir. Nas palavras de Carvalho (1999, p.273), “a política fiscal também

contribuiria para aumentar a demanda através de medidas redistributivas que

aqueceriam o consumo”. Na visão de Keynes, uma política de tributar heranças, por

exemplo, claramente contribuiria para elevar a propensão a consumir da sociedade

(FERRARI FILHO & TERRA, 2010). Contudo, as mudanças sobre essa propensão a

consumir só iriam afetar o nível de investimentos de forma indireta e, portanto, não

garantem a elevação do nível de investimento e emprego33

.

O ponto crucial, então, é incentivar a demanda que apresenta elevada

elasticidade com o emprego. Tcherneva (2008) afirma que a promoção de emprego

público seria um importante mecanismo para se alcançar o pleno emprego na teoria de

Keynes, mesmo em períodos expansionistas. Para lidar com o desemprego estrutural, o

governo deveria redirecionar a oferta de empregos públicos para setores com o maior

número de desempregados. Assim, seria muito difícil fixar um ponto em que a demanda

efetiva coincida com o pleno emprego, e seria necessário ajustes constantes do governo

para manter esse nível de pleno emprego, principalmente se o setor privado estiver

operando com uma baixa capacidade ociosa. Isso implica que, quanto mais próximo do

pleno emprego, mais difícil é alcançá-lo. Mas ao contrário das teorias ortodoxas, que

preveem uma taxa natural de desemprego que evitará pressões inflacionárias, para

Keynes esse conceito não existe, e é papel do Estado manter o esforço de promover o

pleno emprego via política fiscal ativa. Nas palavras de Carvalho (2008, p.12):

O desemprego que preocupava Keynes não era o concebido por

economistas como Lucas, para quem ele nada mais representa que

uma antecipação para o presente do lazer que os trabalhadores

estariam usufruindo no futuro. Os desempregados de Lucas (e de

Milton Friedman) abandonam os seus empregos porque preferem o

lazer. Os desempregados de Keynes são demitidos pelos

empregadores e para enfatizar este aspecto, Keynes denominou o

fenômeno de desemprego involuntário.

33

Carvalho (1999, p.272) ressalta que uma política de gastos pode afetar diretamente a demanda por

ativos reais de capital se aumentar os preços de demanda – quando o maior nível de demanda agregada

iria melhorar a perspectiva de risco de todos os investidores – ou se melhorar a posição de liquidez dos

que têm dívidas – o que é denominado “efeito Minsky”.

75

Uma das recomendações inovadoras de Keynes à administração pública,

abordada em seus Collected Writings (CWJMK), é a gestão de dois orçamentos: o

corrente (para funções ordinárias do governo) e o de capital (para despesas

discricionárias do governo) (CARVALHO, 1999). Nas palavras de Ferrari Filho e Terra

(2010, p. 4 e 5):

O orçamento corrente diz respeito ao fundo de recursos necessários à

manutenção dos serviços básicos fornecidos pelo Estado à população

sob sua guarda, tais como saúde pública, educação, infra-estrutura

urbana, defesa nacional, segurança pública e previdência social.

Embora, como aponta Kregel (1985)34

, Keynes acreditasse na

importância destes gastos correntes, mormente as transferências da

previdência social, como estabilizadores automáticos dos ciclos

econômicos, o orçamento corrente deveria ser sempre superavitário,

no limite equilibrado, ou seja, com saldo nulo (p.4).

(…) o orçamento de capital, é aquele em que se discriminam as

despesas públicas referentes a investimentos produtivos levados a

cabo pelo Estado para a manutenção da estabilidade no sistema

econômico. Estes investimentos devem ser realizados por órgãos

públicos ou semi-públicos, desde que com objetivos claros de

regulação do ciclo econômico e não com fins escusos de

engrandecimento particular, político ou partidário (p.5).

O orçamento de capital, então, poderia ser deficitário, financiado pelos

superávits do orçamento corrente. Esse fato implica que o Estado evitaria tomar

empréstimos no mercado financeiro (considerado por Keynes uma “dívida de peso

morto”), e buscaria recursos em atividades “produtivas ou semiprodutivas” (FERRARI

FILHO & TERRA, 2010). Caso necessário recorrer ao mercado financeiro (como em

momentos de recessão), o governo deveria colocar no mercado papéis de curto prazo –

ou para recolher recursos ociosos mantidos pelo público em reservas líquidas ou

trocando por reservas monetárias dos bancos – que, segundo Carvalho (2008), teriam

impacto reduzido sobre as taxas de juros. Nesse sentido, Carvalho (2008) afirma que,

seguindo a visão de Keynes, nas fases de recessão o governo deveria evitar o aumento

de impostos ou políticas que resultem na elevação das taxas de juros, para que o efeito

da expansão fiscal acarrete em um maior efeito multiplicador nas fases recessivas.

Carvalho (1999, p.273) salienta que, como poderia haver um longo período

entre a decisão do governo investir e a efetivação desse gasto, o governo deveria manter

34

KREGEL, J. Budget deficits, stabilisation policy and liquidity preference: Keynes’s Post-War policy

proposals. In: VICARELLI, F. (ed.). Keynes’s Relevance Today. London: Macmillan, p. 28-50, 1985.

76

“planos reserva de investimentos” sempre prontos a serem executados em momentos

que a economia dê sinais de desaquecimento. Carvalho (1999) afirma, ainda, que

Keynes estaria ciente das dificuldades técnicas de se colocar em prática um projeto de

investimento de forma ágil, mas que este seria um importante fator para sustentar a

demanda agregada antes que o pessimismo abarque o setor privado.

O orçamento de capital poderia ser deficitário, porém, o déficit em si

não é um instrumento, mas sim um resultado dependente do

comportamento das receitas de impostos, sendo estas função da

velocidade com a qual a sociedade reage ao estímulo representado

pelo incremento dado pelo governo aos investimentos. Em princípio, é

o gasto, não o déficit, o que realmente importa. Uma iniciativa bem-

sucedida convenceria os agentes privados de que o nível de renda

agregada seria sustentado, reduzindo suas incertezas e induzindo-os a

executar os investimentos planejados por eles mesmos. Um plano

absolutamente bem-sucedido poderia, de fato, nunca vir a ser

implementado! Ademais, se implementado, geraria receita suficiente

para se financiar sem gerar déficits. O déficit seria apenas um último

recurso (CARVALHO, 1999, p.274).

Ademais, cabe uma breve observação em relação à política monetária. Keynes

defendia a ideia de uma política monetária “comedida”, na qual as taxas de juros

nominais seguem um padrão convencional, compreendido pela sociedade, e devem

gravitar em torno dessa taxa esperada. Assim, Keynes afirma que o governo deve buscar

taxas de juros baixas e estáveis, para que o público perceba esse nível como sendo o

“normal”.

Para Keynes, a taxa normal não tem, logicamente, nenhuma relação

com a taxa “natural” ou com qualquer outro conceito desse tipo. O

conceito de normalidade é subjetivo e está relacionado com as

experiências dos indivíduos. Divergência de opinião sobre o que é

normal para as taxas de juros é um elemento essencial da teoria da

preferência pela liquidez de Keynes

(...)

(…) uma política monetária de estabilização do emprego deveria

informar ao público que a taxa normal está baixa e assim permanecerá

no futuro. De outro modo, quando houvesse necessidade de captar

recursos a custos baixos, as autoridades monetárias poderiam

encontrar dificuldades para manter as taxas atuais baixas, porque o

público anteciparia seu aumento ao nível esperado como sendo

normal, isto é, taxas baixas não seriam consideradas normais, mas

desvios de um patamar normalmente mais elevado (CARVALHO,

1999, p.275).

Com o que foi exposto ao longo das três partes da seção 2.1, pode-se

vislumbrar uma acepção teórica que compreende a dinâmica capitalista como

“instável”, e que cabe ao Estado intervir, por meio da política fiscal, para manter os

níveis de investimento e emprego na sociedade. Conforme salientado, isso não implica

77

que o governo deve se submeter a déficits recorrentes, mas sim, utilizar um “orçamento

de capital” para estabilizar os níveis de investimento e buscar o pleno emprego. O efeito

multiplicador do investimento sobre a economia, ao manter os níveis de emprego e de

demanda elevados, contribuiria para elevar as receitas tributárias do governo, o que

facilitaria o manejo da política fiscal ante a pequenas flutuações cíclicas.

Os déficits fiscais, porém, não são “condenáveis” e podem ser simplesmente

uma consequência do agravamento de recessões, quando as expectativas do setor

privado se deterioram. Nesse sentido, é preferível incorrer em déficits do governo do

que permitir estagnação econômica e elevados níveis de desemprego por um longo

período.

Déficits públicos seriam, de fato, a solução de default quanto tudo o

mais tivesse falhado. Déficits fiscais só emergiriam em valor

significativo se o gasto público por si falhasse em expandir o nível de

atividades, como no caso de uma economia em depressão, por

exemplo. Nessas circunstâncias, o déficit poderia resultar da

combinação de um amplo programa de gasto público com um

multiplicador relativamente reduzido (que pode ocorrer se os agentes

privados estão assolados por tal incerteza sobre o futuro que não se

animam sequer a gastar a proporção normal de sua renda acrescida

pelo gasto público). Um gasto público elevado, com baixo

multiplicador e baixa sensibilidade das receitas de impostos a

variações da renda agregada (se, por exemplo, uma expansão dos

gastos for acoplada a uma redução de impostos) poderia conduzir a

um déficit público mais amplo. Este não seria um instrumento

“normal” de política fiscal, contudo, mas o resultado do uso dessa

política em condições especialmente adversas (CARVALHO, 2008,

p.17).

Para complementar uma visão teórica que coloca a manutenção do pleno

emprego como tarefa primordial das políticas macroeconômicas, cabe uma breve

análise da Modern Money Theory, na próxima seção. Posteriormente caberão algumas

notas críticas à essa visão teórica, mas que não invalidam a extração de alguns insights

importantes.

2.2. A Visão da Modern Money Theory (MMT)

Segundo a Modern Money Theory (MMT), as principais dificuldades

orçamentárias que qualquer país enfrenta são, na realidade, colocadas pelos próprios

governos que seguem a visão ortodoxa de “finanças saudáveis”. Busca-se, nesta seção,

abordar os principais insights da MMT, porém problematizando algumas simplificações

78

teóricas feitas por essa linha de pensamento. Ao discorrer sobre a visão da MMT,

baseia-se primordialmente nas ideias de Randal Wray (1998, 2014), o principal

expoente desta linha de pensamento. A MMT tem como base teórica as Finanças

Funcionais de Abba Lerner (1943) e a noção cartalista da moeda de Knapp (1924).

Ambas as teorias colocam em xeque a visão convencional e hegemônica acerca da

condução das políticas macroeconômicas. Em vista disso, propõem-se levantar as

principais críticas da MMT à visão ortodoxa de “finanças saudáveis”, defendida pelo

Novo Consenso Macroeconômico (NCM). A MMT aponta importantes insights que

permitem compreender a necessidade de um regime fiscal mais flexível, que permite

espaço para a atuação estratégica do governo, com a principal finalidade de manter o

pleno emprego.

2.2.1. Aspectos Gerais da MMT

A MMT parte da teoria cartalista da moeda, segundo a qual o Estado tem a

prerrogativa de emitir a moeda e, por meio da cobrança de tributos denominados nessa

moeda, impor sua demanda à sociedade. A moeda fiduciária é vista como uma “carta”

que representa para o público a capacidade de cumprir encargos com o Estado. Para

circular na sociedade, o próprio Estado deve emitir e trocar essas notas por bens e

serviços através de gastos com setores privados. Ao utilizar essas notas, tanto para

realizar pagamentos quanto para receber tributos, os governos acabam impondo a

circulação desses “símbolos” (papel-moeda) com suas funções de moeda. A sociedade

passa a aceitar esses “pedaços de papel” como meios de troca, unidade de conta e

reserva de valor.

Isso implica que a moeda não possui um valor intrínseco pelas suas

características físicas, e sim um valor extrínseco dado pelas relações da sociedade com o

Estado. A percepção da origem da moeda fiduciária confere a necessidade da ação fiscal

como a prerrogativa para se atribuir valor e demanda por moeda. Em vista disso, o

Estado não apresenta as mesmas restrições orçamentárias de outros agentes, já que deve

realizar gastos antes de realizar a arrecadação. Assim, a ordem cronológica da criação

da moeda apresenta uma interpretação importante: os déficits do governo são tidos

como a situação normal, e o valor da moeda é dado pela sua capacidade de cumprir

obrigações com o Estado (mormente o pagamento de impostos). Este é o ponto de

partida para compreender a teoria da moeda estatal, que resultará em uma visão oposta à

defendida pela ortodoxia do NCM.

79

Destarte, a relação do Estado com os bancos privados é de extrema importância

e traz implicações teóricas relevantes para a MMT. O governo, ao aceitar depósitos

bancários como pagamentos de tributos, acaba conferindo aos bancos a capacidade de

emitir uma moeda “acessória” (a “moeda bancária”). A população utiliza, então,

depósitos bancários (conta corrente) como meios de pagamentos, sem que seja

necessária a conversão em papel-moeda, o que é validado pelo Estado.

Knapp argues that banknotes do not derive their value from the

reserves (whether gold or government fiat money) held for conversion,

but rather from their use in the “private pay community” and “public

pay community”; this, in turn, is a function of “acceptation” at the

bank and public pay offices. Within the “private pay community” (or

“giro”), bank money is the primary money used in payments;

however, payments in the “public pay community” require state

money. This can include bank money, but note that generally, delivery

of bank money to the state is not final, or definitive, because the state

will present it to banks for “redemption” (for valuta reserves). Bank

money, when used in the public pay community is not “definitive”

unless the state also uses it in its own purchases.

What can make banknotes state money? “Banknotes are not

automatically money of the state, but they become so as soon as the

State announces that it will receive them in epicentric payments

[payments to the state]” (Knapp [1924] 1973, p. 135)35

. If the state

accepts notes in payment to the state, then the banknotes become

“accessory” and the business of the bank is enhanced, “for now

everybody is glad to take its bank-notes since all inhabitants of the

State have occasion to make epicentric payments (e.g. for taxes)”

(Ibid., 137). The banknotes then become “valuta” money if the state

takes the next step and makes “apocentric payments [payments by the

State] in banknotes” (Ibid., 138). However, states often required that

banks make their notes convertible to state-issued money: “one of the

measures by means of which the State assures a superior position to

the money which it issues itself” (Ibid., 140), and thus maintained

banknotes in the role of accessory money (rather than allowing them

to become valuta money). If the state accepts banknotes in payment,

but does not make payments in these banknotes, then the notes will be

redeemed – leading to a drain of “reserves” (indeed, governments

and central banks used redemption or threat of redemption to

“discipline” banks) (WRAY, 2014, p.7).

Isto implica que a oferta de moeda é endógena, não controlável pelo

governo36

. As reservas que os bancos mantêm para fazer frente à demanda por moeda

do público podem variar e, portanto, o multiplicador monetário varia sem que o Banco

35

KNAPP, G.F., [1924]1973. “The State Theory of Money,” Clifton, NY: Augustus M. Kelley.

36 Assim, a MMT segue a tradição “horizontalista” de moeda endógena. Contudo, Wray (1998) afirma

que a oferta de moeda fiduciária (fiat money) é verticalmente determinada pelo governo pela política

fiscal – pela relação do Estado com o público.

80

Central consiga controlá-lo automaticamente. Conforme a MMT, a variável de controle

do Estado são as taxas de juros de curto prazo do mercado interbancário (overnight) que

são ajustadas pela compra ou venda de títulos públicos para drenar ou suprir desajustes

das reservas bancárias. Dessa forma, a política de open market e a dívida pública não

seriam utilizadas para financiar déficits do governo e sim, seriam parte da política

monetária, tendo a finalidade de controlar taxas de juros de curto prazo.

While the state defines money, it does not control the quantity. The

state is able to control its initial emission of currency, but this is

through fiscal policy rather than through monetary policy. That is, the

quantity of currency created is determined by purchases of the state

(including goods, services and assets purchased by the Treasury and

the central bank); much of this currency will then be removed from

circulation as taxes are paid. The rest ends up in desired hoards, or

flows to banks to be accumulated as bank reserves. Monetary policy

then drains excess reserves, removing them from member bank

accounts, and replacing them with bonds voluntarily purchased

(WRAY, 2014, p.18).

Essa noção acerca da moeda e da política monetária resulta na visão de Lerner

(1943) sobre as finanças funcionais. Conforme Wray (2014, p.22) “because the state

spends by emitting its own liability, it does not need tax revenue or the proceeds from

borrowing in order to spend”. O primeiro princípio das finanças funcionais de Lerner,

então, é que o governo só deveria aumentar impostos se constatasse que a renda da

sociedade estivesse muito elevada, ameaçando a inflação. Nesse sentido, a tributação

funcionaria para retirar poder de compra do público e “manter o valor da moeda”. O

segundo princípio é que o Estado só deveria vender títulos se fosse desejável que o

público possuísse menor quantidade de moeda (WRAY, 2014).

(…) the important point here is that Lerner argued that government

finance should be functional, that is, formulated with a view to

accomplishing the government’s goals, including full employment and

low inflation. He opposed this to the notion of sound finance, which is

the view that the government’s budget should be set to “balance” tax

revenues against spending. Few supporters of sound finance argue for

a continuously balanced national government budget. They accept

deficits in recession but typically argue that these should be largely

offset by surpluses in expansions. Some allow for deficits so long as

these are undertaken for “investment” type purposes (this would be

analogous to a private firm’s separation of its current account from

its capital account, with its current account in balance but a deficit

allowed on its capital account). Lerner insisted that all versions of

sound finance should not be applied to the national government that

issues its own currency. Government should never raise taxes to

reduce its budget deficit, but rather should increase taxes only if

inflation threatens. And, in line with the second principle, government

should never sell bonds (what most economists call “borrowing”)

81

simply because it finds itself with a budget deficit. Rather, bonds

should be sold only if there is downward pressure on interest rates,

pushing them below the central bank’s target rate (WRAY, 2014,

p.22-23).

2.2.2. Os objetivos da política macroeconômica e a política fiscal na MMT

Após explicitar a lógica da economia monetária para MMT, é preciso destacar

os seus dois grandes objetivos de políticas macroeconômicas: manter o pleno emprego e

manter a estabilidade de preços. Como será observado, esses dois objetivos estão

interligados, e apresentam estreita relação com um regime fiscal flexível. Nas palavras

de Wray (1998, p.122), “stable prices and truly full employment are possible and,

indeed, are complements”. Deve-se salientar, portanto, que os déficits fiscais não são

considerados um problema para essa vertente.

(…) it is necessary to admit that our proposed policy could lead to an

increase of government spending; indeed, a persistent government

deficit could result. However, it should be clear (…) that we do not

view this result with horror - as would many economists. Some

'liberal' economists and policymakers would be willing to accept more

government spending and larger deficits if these could achieve full

employment without causing accelerating inflation - even while they

believe that bigger government and larger deficits necessarily

negatively affect the private economy, they would be willing to accept

this 'trade-off if full employment could be achieved. Others would

reject this argument, arguing that the negative impacts of larger

deficits outweigh any benefits of full employment. Our line of

argument is different. We take the position that there is nothing

inherently wrong with big deficits - these do not necessarily cause

'crowding out', they do not 'burden' future generations, and they

cannot lead to 'financial ruin' of the government (WRAY, 1998,

p.123).

Dado que o governo não teria, então, limites orçamentários aos seus gastos, a

MMT propõe que o Estado deve executar a função de “empregador de última instância”

(ELR37

). Este seria o ponto central de políticas recomendadas pela MMT, que

contribuiria também para a manutenção da estabilidade de preços (ao contrário do que

indica a Curva de Phillips com a relação direta entre nível de emprego e inflação).

A proposta seria a criação de um “banco de empregos”, no qual todas as

pessoas que estão procurando trabalho e não encontram no setor privado poderiam se

cadastrar. O Estado faria, então, a alocação de cada indivíduo a um emprego adequado

dependendo de suas qualificações. As pessoas empregadas no ELR receberiam um

37

A sigla se refere ao termo em inglês “Employer of Last Resort”.

82

salário-base (mínimo), que seria menor do que um salário pago pelo setor privado.

Contudo, essas pessoas receberiam treinamento e qualificação para estarem aptas a

entrar no mercado de trabalho privado. Essa política serviria como uma “rede de

proteção” aos desempregados que estivessem dispostos a conseguir um emprego, tendo,

portanto, uma preocupação social38

(WRAY, 1998).

Segundo a MMT, os empresários não precisariam se preocupar com uma perda

de poder de barganha por um possível fortalecimento de sindicatos (devido à redução do

desemprego). Na realidade, com o ELR os empresários teriam a possibilidade de

substituir um funcionário ineficiente por um do ELR, que criaria uma espécie de

“exército industrial reserva” de alta qualificação. Assim, essa medida vincularia um

aumento da produtividade (capacitando a mão de obra) com impactos sociais positivos

(pela oferta de oportunidades às pessoas de baixa renda). Ademais, o ELR executaria

uma função de estabilizador automático, já que manteria o pleno emprego (e

consequentemente, a demanda) em momentos de instabilidade econômica, amenizando

a tendência de queda dos investimentos privados. Ao manter a demanda em momentos

de crise econômica, o Estado estaria suavizando os impactos do ciclo, proporcionando

ao setor privado melhores perspectivas de lucro e menores incertezas.

Conforme Wray (1998), uma das formas do governo manter a estabilidade de

preços seria utilizar um insumo base para a produção como uma âncora nominal,

mantendo seu preço fixo. Dessa forma, os outros preços da economia tenderiam a tomar

o preço desse insumo como referência, fazendo com que a inflação permaneça

estabilizada. Wray (1998) propõe que o emprego funcione como este insumo

estratégico, já que toda a produção da economia depende das relações de trabalho. Isso

implica que o Estado, ao fixar exogenamente o “preço marginal do trabalho”, estaria

contribuindo para controlar os preços da economia e evitar pressões inflacionárias.

With a fixed price, the government's BPSW39

is perfectly stable and

sets a benchmark price for labour. However, low-wage jobs which pay

at or below the BPSW before the ELR is implemented will experience

a one-time increase of wages (or will disappear altogether).

Employers will then be forced to cover these higher costs through a

combination of higher product prices, greater labour productivity and

38

Cabe enfatizar que o ELR não pretende solucionar todos os problemas relacionados ao emprego, dado

que este se relaciona com outros problemas sociais (desigualdades no acesso à educação de qualidade, por

exemplo)

39 Sigla para o termo “basic public sector wage” (BPSW), referente ao salário base para o emprego do

programa do ELR.

83

lower realized profits. Thus some product prices should also

experience a one-time jump as the ELR programme is implemented. If

the BPSW is set at the statutory minimum wage, and if this minimum

wage had universal coverage before ELR, then low-wage private

sector jobs will experience only minimal impacts - private wages need

rise only sufficiently to make private sector employment preferable to

BPSE40

. In short, at the low end of the wage scale, implementation of

ELR might cause wages and the prices of products produced by these

workers to experience a one-time increase. However, this one-time

jump - no matter how large it is - is not inflation nor can it be

accelerating inflation as these terms are normally defined by

economists (since inflation is defined as a continuously rising price

level) (WRAY, 1998, p.131).

Outra importante observação da MMT é de que as políticas macroeconômicas

devem ser analisadas pela sua efetividade em alcançar seus objetivos. Assim, as metas

de políticas econômicas devem ter claros objetivos de longo prazo para que não se

confundam com os meios que, no curto prazo, apenas auxiliam o alcance de tais fins.

Essa observação, a priori óbvia, levanta importantes críticas à visão ortodoxa que

frequentemente coloca as regras macroeconômicas como um fim em si mesmas.

A avaliação deve se dar, então, pelo impacto geral que uma ferramenta de

política econômica pode ter sobre outras variáveis e como ela pode ser afetada pela

conjuntura econômica. Nesse sentido, regras muito rígidas, como as metas de inflação e

de superávit primário, podem ser contraproducentes se não levarem em consideração os

ciclos econômicos, por exemplo. Ao perseguir tais metas sem considerar a factibilidade

imposta pela conjuntura, os agentes políticos poderiam agravar crises econômicas e

prejudicar o alcance de objetivos de longo prazo. Para a MMT, o regime

macroeconômico deve estar alinhado como um todo, ou seja, as políticas fiscais e

monetárias devem se complementar para determinadas estratégias perseguidas pelo

Estado, como o pleno emprego e a estabilidade de preços.

A MMT afirma, também, que políticas tidas como “fiscais”, como as de open

market e colocação de títulos no mercado, são ferramentas para controlar a taxa de

juros, e não fontes de financiamento de gastos. Wray (1998) afirma, ainda, que o Estado

tem o poder de determinar preços através da política fiscal, quando interage diretamente

com o setor privado. Nesse sentido, uma política fiscal expansionista somente seria

40

Sigla para o termo “basic public sector employment” (BPSE), referente ao emprego do programa do

ELR.

84

inflacionária se a elevação de preços for sancionada pelo governo. Nas palavras de

Wray (1998, p.172):

Government spending can thus be 'inflationary' but not necessarily

due to any simple 'supply' or 'demand' effect as conventional wisdom

suggests - rather, by determining the value of the currency through its

fiscal policy. A government might not realize that it has the power to

set prices exogenously; in this case, it might pay the market-

determined price. If prices are rising, the government might believe

that it must also increase the price it pays. However, as our analysis

makes clear, government always has the alternative of refusing to

increase the price it pays, although it is a bit more difficult for

government to impose deflationary prices on the system if it accepts

bank money in payment of taxes than if it were to accept only fiat

money.

Assim, a MMT coloca que as principais restrições às políticas

macroeconômicas dos países são, na realidade, autoimpostas pelos próprios governos

que seguem a visão de “finanças saudáveis”. Conforme foi indicado, os governos não

apresentam restrições à oferta de títulos públicos ou criação de moeda, não incorrendo

em problemas para financiar déficits. Os limites a essa ação se dariam pelo lado da

demanda, ou seja, pela aceitabilidade do público aos títulos do governo ou à moeda

estatal, o que, em geral, não seria um problema. Enquanto a dívida pública estiver

denominada em moeda emitida pelo próprio Estado, o próprio nível da dívida e a sua

sustentabilidade não restringiriam a capacidade de ação estatal. Não obstante, é

importante salientar algumas críticas à visão teórica da MMT.

2.2.3. Notas Críticas à MMT

Esta seção introduz algumas críticas, partindo de uma visão pós-keynesiana, a

algumas simplificações realizadas pela MMT e que não podem ser desconsideradas.

Alguns pontos principais devem ser problematizados, como em relação: ao conflito

pleno emprego e inflação; à forma como o governo financia os gastos; às questões

envolvendo uma economia aberta em um contexto de globalização financeira; às

dificuldades políticas envolvendo as proposições da MMT. Outras questões levantadas

por autores como Paley (2014), que afirma que os pontos teóricos positivos da MMT já

eram conhecidos41

, não serão abordadas por não estarem no foco do trabalho. Lavoie

41

Nas palavras de Paley (2014, p.2): “The charge is that MMT is a mix of old and new, the old is correct

and well understood, while the new is substantially wrong. The sleight of hand is to claim the old as

MMT’s new contribution”.

85

(2011), apesar de concordar com a MMT em algumas questões (como sobre aspectos

gerais da política fiscal), critica alguns recursos retóricos e analíticos da MMT42

. Nas

palavras de Lavoie (2011, p.25)

In trying to convince economists and the public that there are no

financial constraints to expansionary fiscal policies, besides artificial

constraints erected by politicians or bureaucrats that believe in

mainstream theories and in the principles of sound finance, neo-

chartalists end up using arguments that become counter-productive.

There is nothing or very little to be gained in arguing that government

can spend by simply crediting a bank account; that government

expenditures must precede tax collection; that the creation of high

powered money requires government deficits in the long run; that

central bank advances can be assimilated to a government

expenditure; or that taxes and issues of securities do not finance

government expenditures. All these counter-intuitive claims are mostly

based on a logic that relies on the consolidation of the financial

activities of the government with the operations of the central bank,

thus modifying standard terminology. I believe that such a

consolidation leads to the avoidance of crucial steps in the analysis of

the nexus between the government activities and the clearing and

settlement system to which the central bank partakes, and hence leads

to confusion and misunderstandings.

Inflação e Pleno Emprego:

Inicia-se levantando as críticas feitas por Paley (2014) em relação à falta de

rigor teórico da MMT acerca do paradoxo inflação-emprego, tradicionalmente colocado

no debate econômico pela Curva de Phillips. Segundo Paley (2014), para anunciar

questões inovadoras que colocam o poder financeiro do governo à capacidade de buscar

o pleno emprego sem pressões inflacionárias, é necessário a estruturação clara de uma

teoria bem modelada que explicite tais pontos43

. Paley (2014) afirma que alcançar o

pleno emprego sem que ocorra pressões inflacionárias só seria possível com um

equilíbrio orçamentário do governo, contrariando as acepções da MMT em relação aos

“déficits contínuos”.

It is true an economy can reach full employment with either a budget

deficit or surplus, depending on the state of the private sector’s

investment - saving balance. However, in a static economy such as I

explicitly modeled, persistent money financed budget deficits or

surpluses would lead to inflation or deflation, absent very special and

implausible conditions about money demand

42

Não obstante, sejam contribuições novas ou não, a MMT levanta um importante debate, que permitem

extrair insights relevantes sobre a atuação estatal e a questão do déficit público.

43 Nas palavras de Paley (2014, p.10): “Whether government can use the financial powers implicit in the

budget restraint to deliver non-inflationary full employment requires a theory. MMT fails to provide that

theory (…)”

86

Contudo, Paley (2014) arrazoa que alcançar um ponto em que a demanda

agregada atinja o produto de pleno emprego, com um equilíbrio orçamentário,

implicaria em um nível de gasto mínimo do governo que não seria compatível com um

nível de carga tributária máxima suportada pelo público no longo prazo. Ademais, Paley

(2014) lembra de outros fatores que tornam essa questão ainda mais complexa, como a

balança comercial e a estabilidade financeira, nas quais poderiam sofrer efeitos

deletérios pelas taxas nominais de juros próximas a zero – que, segundo Paley (2014),

são defendidas pela MMT.

Assim, Paley (2014) afirma que não se pode desconsiderar a teoria da Curva de

Phillips, principalmente em relação à literatura keynesiana sobre economias com multi-

setores, em que choques de demanda provocados pela redução do desemprego em

alguns setores poderiam impactar os preços de outros que estão funcionando em plena

capacidade. Palley (2014, p.14) assevera que não há

(…) an economic explanation of how ELR neutralizes the inflationary

consequences of aggregate demand shocks and sector shifts of

demand in a multi-sector economy. In my view, ELR would marginally

aggravate the problem since wage spending by ELR workers would

generate multiplier effects that ripple across sectors, including those

at full employment.

Paley (2013) lembra ainda que a MMT ignora outras questões significativas

para as dinâmicas inflacionárias, como a influência das expectativas e a importância dos

mercados externos. Nesse sentido, uma desvalorização cambial poderia ter fortes

impactos no nível de preços pela importância dos importados na economia interna.

Além disso, um aumento de preços internacionais de commodities poderiam impactar os

preços de toda uma cadeia produtiva, mesmo quando esses insumos são produzidos

internamente44

. Por fim, as expectativas dos agentes podem gerar pressões inflacionárias

de forma autônoma45

, fato não discutido pela MMT.

Existem, assim, diversos fatores que podem impactar a marcação de preços que

não são necessariamente influenciados pelo “preço de um insumo base”, fazendo com

44

Como exemplo, pode-se citar a quebra da safra de milho nos EUA em 2012, que alavancou o seu preço

no mercado internacional e impactou o preço de outros alimentos, como a carne, no mercado doméstico,

já que o milho é insumo para a produção desses outros bens.

45 Esse fato também conhecido como “inflação inercial”, ocorre quando os indivíduos buscam antecipar

os processos inflacionários nos reajustes de preços para minimizar perdas reais

87

que a política da ELR não seja eficaz em controlar pressões inflacionárias. Indaga-se,

então, qual seria o real impacto social de uma âncora de salário mínimo, já que existem

outras fontes de pressões inflacionárias. Percebe-se que essa medida poderia resultar em

queda de salários reais para a população de baixa renda atendida pelo ELR, que se não

for contornada por outras políticas sociais, pode implicar em supressão de direitos a

esses trabalhadores.

A “rede de proteção” aos desempregados parece estar vinculada a uma

percepção moral de que é necessário trabalhar, não importando exatamente sob quais

condições, para se obter acesso a benefícios. Ademais, Paley (2014) adverte que poderia

ocorrer uma pressão de redução do salário mínimo pago no setor privado em

decorrência dos baixos salários do programa ELR.

The minimum wage is a critical element of fair and well functioning

labor markets. The ELR wage must be below the minimum wage to

ensure that the minimum wage is binding and that the ELR scheme

does not draw labor away from the private sector. That introduces a

political tension as to why government should employ workers at less

than the minimum wage, and that tension is likely to create pressure

to lower the minimum wage to the ELR wage. That would hurt

minimum wage workers; hurt all workers by under-cutting the

market’s wage floor; and contract private sector output by putting

minimum wage employment in competition with ELR jobs.

Políticas macroeconômicas e o financiamento do gasto do governo:

Uma questão relevante levantada por Lavoie (2011) abrange a relação entre o

Banco Central (BC) e o Tesouro, e que traz implicações sobre o financiamento dos

gastos do governo. Lavoie (2011) afirma que é um equívoco da MMT afirmar que a

política fiscal teria a prerrogativa de ofertar moeda fiduciária na economia através de

déficits.

While I would certainly agree that government deficits in a growing

environment are appropriate, as it provides the private sector with

safe assets, which can grow in line with private, presumably less safe,

assets, it is an entirely different matter that government deficits are

needed because there is a need for cash. Even if the government keeps

running balanced budgets, central bank money can be provided

whenever the central bank makes advances to the private sector

(LAVOIE, 2011, p.11).

Lavoie (2011) ressalta, com isso, que a MMT embute as operações do BC e do

Tesouro como uma única entidade, o “Estado”. Assim, as operações do BC com bancos

privados, por exemplo, entram no conceito “gastos do governo”.

88

These statements are at best misleading. They skip one fundamental

step that makes incomprehensible the (…) sentence that “government

spends first”. Any agent must have funds in a banking account. Before

being able to spend, the Treasury must somehow replenish its deposit

account at the central bank (or at private banks).

This step is often skipped because neo-chartalists prefer to

consolidate the central bank and the federal government into one

entity, the State. Now, in itself, such a consolidation is not illogical.

(...) But such an integration may not be appropriate for the purpose at

hand, as it adds to confusion to a reader who is already having a hard

time understanding the mechanics of the clearing and settlement

system, and who has been accustomed to distinguish the government

and its central bank. (LAVOIE, 2011, p.11).

Concebendo-se que a MMT consolida o BC e o Tesouro em uma única

entidade, se torna mais fácil compreender a polêmica proposição de que nem os tributos

nem os empréstimos financiam os gastos do governo, já que se poderia auferir que o

governo vende títulos do tesouro para o seu BC.

Nesse sentido, Lavoie (2011) concorda com a assertiva de que empréstimos do

BC para o governo tende a aumentar a quantidade de dinheiro em poder de bancos

comerciais (assim como ocorreria com uma compra de títulos públicos), o que

pressionaria para baixo as taxas de juros. Seguindo essa lógica, ao recolher impostos, o

governo estaria escoando saldos líquidos detidos pelos bancos para a conta do governo

no banco central. Essa perda de reservas dos bancos comerciais acarretaria em pressões

para elevação das taxas de juros de curto prazo. Contudo, Lavoie (2011) assevera ser

importante explicitar as relações entre o Tesouro e o BC, bem como manter a clareza

dos conceitos para não gerar confusões.

Já Paley (2014) afirma que é inócuo o esforço de teorizar sobre a ordem

cronológica de fatores entre gastos e arrecadação do governo – conforme feito pela

MMT para discorrer sobre as origens da moeda estatal e a importância dos déficits do

governo.

(…) government spending and taxation occur simultaneously so

creation of money via money financed deficits and destruction of

money via taxation also occur simultaneously. It is a pointless

exercise to try and determine which comes first. All that matters is

that spending, taxes, new money issue, and the monetary operations of

the central bank be properly accounted for in tracking the evolution of

the high-powered money supply.

Tanto Paley (2013, 2014) quanto Lavoie (2011) concordam com a alegação da

MMT de que o Estado tem a capacidade de cobrir quaisquer déficits se suas obrigações

89

ocorrerem em moeda própria. Assim como na MMT, os autores não concordam com

uma independência entre a condução das políticas fiscais e monetárias. Além disso,

concordam com políticas fiscais expansionistas, principalmente em fases de recessão,

agindo de forma contracíclica. Contudo, os autores criticam a forma de argumentação

da MMT (que agrupa totalmente as duas instituições na análise) e questionam as

possíveis implicações macroeconômicas de financiar quaisquer déficits com

empréstimos do BC para o governo.

A soberania monetária e o contexto internacional:

Conforme Lavoie (2011), a relação entre as transações do governo e o sistema

monetário na lógica das finanças funcionais caberia em países que possuam soberania

monetária. Nesse sentido, o conceito de “soberania monetária” deve ser melhor

examinado.

It is important to point that neo-chartalists don’t claim that their

proposals are valid everywhere at all times. They claim is that it

applies for nations with a “sovereign currency” (LAVOIE, 2011,

p.9).

A soberania monetária pode ser compreendida como uma questão doméstica,

quando o país apresenta autonomia para ofertar a sua própria moeda, na qual todos os

compromissos financeiros domésticos serão executados. Contudo, em âmbito global, a

análise deve ser mais cuidadosa.

A MMT afirma que a única restrição fiscal que um país realmente enfrenta

seria devido à necessidade de demandar serviços ou bens que não seriam ofertados em

moeda local. Mesmo aceitando esta hipótese, é perceptível que este caso de “restrição

externa” não seria uma exceção, e sim o caso mais geral, dado que a maioria dos países

precisam de moedas internacionais para realizar transações com outros países.

É perceptível que países que não têm a capacidade de emitir uma moeda com

liquidez em âmbito internacional46

, possuem uma importante restrição na dinâmica

capitalista globalizada. Uma importante constatação acerca da organização do Sistema

Financeiro Internacional (SFI), é que os países centrais que emitem “moedas

conversíveis”, o fazem em consequência de poderes geopolíticos historicamente

46

Conforme Conti, Prates e Plihon (2014, p.7), “liquidez internacional é a capacidade de um ativo de ser

trocado (...) contra um meio de pagamento aceito em âmbito internacional”, sem perda de valor, sem

custo de transação e sem perda de tempo. As moedas mais líquidas são aquelas que, nas relações

internacionais, apresentam de forma mais evidente as três características tradicionais da moeda: meio de

troca, unidade de conta e reserva de valor.

90

condicionados47

. Esse fato traz implicações tanto econômicas quanto políticas, dado que

países emergentes buscam ajustar suas políticas macroeconômicas frente à lógica do

liberalismo econômico preconizado pelo SFI48

. Conforme lembra Vergnhanini (2015,

p.14):

(…) international private capitals may impose strict market discipline

over government budget, requiring full commitment with decreasing

government deficits. If the government decides to abandon primary

surpluses targets and increases its public deficits, the market will

perceive it as a lower commitment to debt retirement and expect some

depreciation tendency of the exchange rate. Not much is needed to

cause the “flight to liquidity” movement, considering that financial

investments in peripheral countries follow a speculative logic. Any

actions that go against “market discipline” and the so called “sound

finance” will lead to self-fulfilling prophecy of currency depreciation.

Outras dificuldades políticas às proposições da MMT:

As dificuldades políticas de implementação das propostas da MMT são, assim,

outro ponto que merece destaque. Além de consequências práticas questionáveis, como

já apontadas, as restrições de ordem política podem inviabilizar as proposições da

MMT. Em relação às dificuldades políticas de se atingir o pleno emprego, cabe lembrar

Kalecki (1944, p.1):

É falsa a suposição de que um Governo manterá o pleno emprego numa

economia capitalista se ele sabe como fazê-Io. Com relação a isso é de

crucial importância a desconfiança dos grandes empresários acerca da

manutenção do pleno emprego por meio do gasto governamental.

A argumentação de Kalecki (1944) é de extrema relevância para se perceber

outras formas de restrições às ações do Estado que não são simplesmente autoimpostas,

mas são resultados de conflitos distributivos e de poder sobre as decisões na economia.

Dessa forma, mesmo que uma redução no desemprego via ação estatal colabore para

47

A vertente teórica pós-keynesiana da Hierarquia de Moedas traz importantes contribuições a esse tema

(CARNEIRO, 1999; CONTI, PRATES & PLIHON, 2014; PRATES, 2002).

48 Dentro desse contexto, deve-se ressaltar o papel proeminente das agências de classificação de risco que

conseguem influenciar a direção dos ciclos de liquidez internacional. A função dessas agências é informar

aos players internacionais sobre as condições de risco de empresas e países que, por sua vez, buscam

melhorar sua classificação para atrair investidores e obter créditos com menores custos. Ao atingir o

investment grade das maiores agências de rating (Fitch, Moody’s e Standard and Poor’s), empresas e

países se tornam aptos a receberem recursos de grandes instituições financeiras internacionais (fundos de

pensão, bancos, corretoras, etc). Conforme Prates e Farhi (2009), os acordos de Basileia II aderiram as

notas dessas três agências nas regras de determinação de riscos de bancos, o que acaba fortalecendo a

importância dessas classificações em âmbito global. É notório, também, que a institucionalidade das

políticas macroeconômicas dos países são levadas em consideração para o estabelecimento de tais notas.

91

aumentar os lucros dos empresários, esse fato poderá ser reprovado pelos próprios

empresários que perderiam poder em definir os rumos da economia.

Conforme Kalecki (1944), os homens de negócio prezam mais pelo poder

político e pela capacidade de ditar a ordem econômica do que pelos próprios lucros.

Assim, ao manter um sistema de laissez faire, o nível de emprego dependeria apenas do

nível de confiança do setor privado, mantendo as ações do Estado subordinadas às

preferências dos empresários. Em vista disso, seria necessária uma grande articulação

política para que, em um sistema capitalista, o Estado consiga manter uma política fiscal

ativa, contrariando interesses de agentes com grandes poderes econômicos (e portanto,

políticos) da sociedade.

2.3. Política Fiscal e Estratégias de Desenvolvimento

Essa seção busca apontar a importância e algumas dificuldades da

implementação de uma política econômica voltada para o desenvolvimento,

principalmente em países emergentes em um contexto de globalização. O objetivo da

seção é ilustrar a necessidade de um regime fiscal que permita a intervenção do Estado

que vise à sustentação do crescimento e o desenvolvimento de setores estratégicos. Esse

fato implicaria na condução de uma “política fiscal ativa” – seguindo as linhas de

Keynes e Kalecki – que contrariam as recomendações convencionais do NCM. Através

das estratégias de arrecadação e gastos o governo teria a capacidade de orientar o

desenvolvimento de setores estratégicos, o que permitiria a redução de vulnerabilidades

e gargalos produtivos.

Aponta-se que, dentro das restrições colocadas por regras fiscais rígidas, seria

muito difícil a execução de políticas industriais, de fomento a setores estratégicos, de

investimentos públicos ou de atuação contracíclica nas fases de recessão. As

recomendações de políticas econômicas do NCM – em que se observa uma “dominância

monetária” – coloca as estratégias de desenvolvimento em um segundo plano. Serão

expostos, brevemente, alguns exemplos de países que não seguiram a cartilha das

políticas macroeconômicas defendidas pelas escolas ortodoxas e, não obstante,

considera-se que obtiveram sucesso em obter significativas taxas de crescimento

econômico (lideradas por setores industriais dinâmicos).

Priewe (2015, p.27) discorre sobre a importância das estratégias de

desenvolvimento para mudanças estruturais ambicionadas pelos países. Segundo o

92

autor, “estratégia de desenvolvimento” é um conceito econômico que define objetivos

prioritários, explicações coerentes de como alcançar tais objetivos, identificação de

instrumentos de política econômica e observação de possíveis trade-offs e do espaço

temporal de implementação. A ausência de uma estratégia de desenvolvimento

provavelmente faria com que os policy makers mantivessem o status quo e o percurso

histórico, simplesmente focando em questões de curto prazo sem nenhuma relação com

um desenvolvimento de longo prazo.

Calcagno (2015) afirma que fortalecer a demanda doméstica – principalmente

das classes de renda mais baixas – é uma condição necessária, mas não suficiente para o

desenvolvimento econômico. Uma capacidade produtiva inadequada poderia levar a

uma restrição no balanço de pagamentos49

. Para o autor, os países emergentes que

conseguiram incorporar grande parte de suas populações dentro da classe média

observaram uma mudança estrutural importante no padrão de consumo. Contudo, para

que se observe uma expansão significativa do nível de investimentos, as firmas nesses

países precisam ter, além de uma boa perspectiva de demanda, um suporte

macroeconômico, políticas industriais, infraestrutura básica e financiamento de longo

prazo adequado.

As políticas industriais nos países em desenvolvimento da América Latina

foram deixadas de lado ao longo do período de liberalização comercial e movimentação

de capitais. Grande parte dos incentivos foi dada a setores exportadores de commodities,

com a estratégia de inserção na cadeia global de produção via vantagens comparativas

estáticas. Esses países se submeteram a maiores restrições de políticas econômicas pelas

disciplinas impostas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e por acordos

realizados com instituições financeiras internacionais e países desenvolvidos. A

promessa de acessar novos mercados e de receber influxos de capitais estrangeiros não

parece ter compensado a manutenção da pauta produtiva desses países em setores de

baixo valor agregado e com baixo encadeamento com a indústria doméstica. Com isso,

acordos bilaterais de livre comércio ou acordos financeiros que restringem o espaço de

políticas devem ser cuidadosamente pensados em termos de custos de longo prazo ao

desenvolvimento do país. (CALCAGNO, 2015).

49

Essa restrição seria via desequilíbrio na balança comercial, já que parte da demanda doméstica

“vazaria” para os importados enquanto o aumento das exportações dependeria da expansão da demanda

doméstica de outros países.

93

Seguindo essa linha, Priewe (2015) tece algumas críticas sobre estratégias

convencionais de políticas econômicas baseadas em teorias ortodoxas. A mais famosa é

a do Consenso de Washington (CW), de 1989, que passou a ser interpretada como uma

estratégia puramente neoliberal. Conforme o autor, caso seja analisada atentamente, o

CW não era claramente em favor de uma plena liberdade comercial ou de

movimentação de capital, nem defendia claramente um Estado mínimo, mas deixava

margem para essas interpretações. Essa estratégia, que visava à superação das crises

econômicas na América Latina, tinha dentre as principais medidas: a redução do déficit

orçamentário (para níveis não inflacionários); a reorientação dos gastos governamentais

para áreas estratégicas (como educação e infraestrutura); a liberalização doméstica do

mercado financeiro para que as taxas de juros fossem determinadas pelas forças do

mercado (não implica necessariamente uma liberalização aos fluxos de capitais); a

privatização de empresas estatais (e liberalização do investimento direto estrangeiro,

incentivando a entrada de capitais); a elevação da competição da produção doméstica

(uma pressão pelo aumento da eficiência).

A ambiguidade do CW permitiu uma interpretação puramente neoliberal, que

defendia a liberalização completa dos mercados produtivos, financeiros e de trabalho,

reduzindo ao máximo as regulações burocráticas e o “tamanho do Estado”. As ações de

políticas econômicas deveriam focar apenas na estabilização da inflação em um patamar

baixo, afastando-se, então, de possíveis medidas anticíclicas ou que visassem objetivos

de crescimento econômico e elevação do nível de emprego. Utilizando um índice que

mede o grau de liberalização econômica, o Fraser Economic Freedom Index (FEFI)50

,

Priewe (2015) afirma não há evidências empíricas de que as estratégias ortodoxas

contribuem para o desenvolvimento econômico. Analisando 71 países de renda baixa e

média, a correlação entre o FEFI e o crescimento per capto do PIB não é significativo

entre o período de 1990 a 2011.

A hipótese ortodoxa de que esta fraca correlação entre liberalização e

desenvolvimento seria provocada por uma “má governança” também é rechaçada pelo

autor. Um indicador do Banco Mundial denominado Country Policy and Institutional

Assessment (CPIA), que busca medir a qualidade institucional e a “boa governança” de

50

Conforme Priewe (2015, p.29), o FEFI é composto por 50 indicadores que se referem à regulação do

mercado, proteção de direitos de propriedade, baixa inflação, livre comércio, Estado pequeno e boa

governança.

94

países, é criticada por Priewe (2015) pelo seu caráter viesado, pela sua fraca base

conceitual e pela metodologia one-size-fits-all, que não considera nenhuma

especificação qualitativa dos países. O autor destaca, ainda, que os países emergentes

com maiores taxas de crescimento não são os que apresentam melhores resultados nos

indicadores da CPIA (que, assim como o FEFI, também não correlaciona com o

crescimento per capto do PIB).

(…) the original “Washington Consensus” and even more so the

neoliberal interpretation that followed has shown that theses visions

are far too narrow, neglect important points, especially active

macroeconomic policies, have no sound theoretical base or are rooted

in abstract neoclassical thinking that does not stand up to the

challenges of reality. The successful developing countries “de facto”

do not follow this line and rank relatively poorly on the “Fraser

Economic Freedom Index”. Similar applies to the “good governance”

approach to development (…)” (PRIEWE, 2015, p.41).

Sobre as reformas neoliberais ocorridas na América Latina ao longo das

décadas de 1980 e 1990, Calcagno (2015, p.20) afirma que a abertura comercial e

financeira, a regressiva distribuição de renda e o desmantelamento do Estado afetaram

de forma perversa os setores de tradables (principalmente aqueles dependentes do

mercado doméstico) e não foi compensado pela evolução de outros setores. As perdas

tanto do lado da demanda quanto do lado da oferta criaram uma espiral negativa que

deprimiram o investimento, apesar dos influxos de capitais. Além disso, a abertura aos

movimentos de capitais apreciaram significativamente as moedas domésticas,

debilitando as exportações, gerando déficits excessivos e desencadeando graves crises

financeiras.

To be successful, structural change must be driven by the expansion of

new sectors, whereby the decline of other sectors (in relative or

absolute terms) should be the result of that expansion, and not the

other way around (CALCAGNO, 2015, p.20).

Calcagno (2015) aponta que conquistar espaços fiscais que permitam uma

ação estratégica de políticas públicas não implica necessariamente na prerrogativa de

austeridade fiscal ex-ante, mas sim melhorar a capacidade de arrecadação e orientar a

tributação de forma mais justa. O autor enfatiza a possibilidade de se elevar as receitas

públicas sem prejudicar as classes sociais de renda mais baixas. Normalmente essas

receitas crescem ao longo de períodos de desenvolvimento econômico, refletindo a

expansão da renda tributável e a redução da informalidade. Por outro lado, destaca-se a

crescente demanda por serviços sociais, investimentos públicos e transferências de

95

renda. As formas como os governos gerenciam o aumento da renda pública dependem

de características do país e de escolhas políticas.

Contudo, a economia mundial globalizada coloca alguns empecilhos à

elevação das receitas dos governos, já que diversos países competem (através de

“guerras fiscais”) pela atração de capitais estrangeiros. Nas palavras de Calcagno (2015,

p.22), essa seria uma “corrida para o fundo” (race to the botton) na cobrança de

impostos, em que os países que competem por esses capitais vão, cada vez mais,

aumentando benefícios fiscais e corroendo a capacidade de arrecadação tributária.

Ademais, a globalização financeira cria canais para que parte da renda de grandes

empresas e das pessoas mais ricas escoe para paraísos fiscais e países com tributações

insignificantes sobre lucros e dividendos. Calcagno (2015) conclui que os países em

desenvolvimento são os que mais perdem com rendas não tributáveis. Essas brechas

deixadas pela fraca regulação financeira, além de amplificar os movimentos de capitais

especulativos que impactam diretamente variáveis macroeconômicas chave de países

emergentes, contribuem para um sistema tributário regressivo que aprofunda a

concentração de renda e as desigualdades sociais.

Dessa forma, haveria um ganho potencial significativo caso uma mudança

estrutural ocorra e caso essa “corrida para o fundo” seja revertida em receitas estatais e

espaço para políticas de desenvolvimento. Esse seria um desafio que países emergentes

devem enfrentar para minimizar impactos sociais de crises e auxiliar as recuperações

econômicas. Contudo, Calcagno (2015) afirma que seria necessário grande vontade

política para colocar limites à globalização financeira e para otimizar a renda pública.

Esses são empecilhos que devem ser enfrentados e que poderia apontar para uma nova

estratégia de desenvolvimento.

Developing countries need to adapt their development strategies to

the new, less conducive, international conditions. This would not only

require applying supportive macroeconomic policies, but more

generally reinstating a developmental state and enlarging its policy

space. Public action should sustain domestic demand through incomes

policies and expand the production capacities, particularly through

public investment and industrial policies. Reorienting the financial

system and mobilizing resources to finance development policies are

challenging tasks, whose success critically depends upon the

willingness and ability to tame the globalized financial system and

strengthen governments' fiscal space. This ambitious programme

would address the roots of the “big crises” and contribute to

generating social and political support for new development strategy

(CALCAGNO, 2015, p.23).

96

Outra dificuldade colocada pela lógica global de produção é em relação à

forma como empresas transnacionais influenciam a dinâmica produtiva e limitam a

capacidade de políticas industriais eficientes por países que buscam um catching up.

Nesse sentido, Hiratuka e Sarti (2015) trazem para o centro da discussão a interação de

grandes oligopólios globais com as políticas de Estados Nacionais para compreender a

forma complexa que se dá a produção e o investimento industrial em um contexto de

globalização. É preciso compreender como se movem as estratégias de grandes

empresas transnacionais (que concentram o domínio tecnológico) para se ter a real

dimensão das dificuldades que países emergentes devem enfrentar para executar um

planejamento de desenvolvimento industrial.

Com a estratégia de desverticalização (transferindo internacionalmente etapas

produtivas) realizada por empresas estadunidenses ao longo das décadas de 1980 e

199051

, novos desafios foram inseridos aos países que buscavam avançar suas matrizes

industriais. Conforme já mencionado, os países em desenvolvimento passaram a

concorrer pela atração de investimentos estrangeiros através de baixos custos de

produção e se inseriram nas redes globais de produção em etapas com menores efeitos

de encadeamento, com menor valor agregado, concentrado em mão de obra menos

qualificada, enquanto os setores mais dinâmicos se concentravam nos países

desenvolvidos52

. Os desafios para superar atrasos estruturais (como gaps tecnológicos)

se tornam mais complexos à medida que esses oligopólios se tornam mais concentrados.

É importante ressaltar que o poder de decisão de alocação de recursos quando

concentrados em empresas transnacionais não respondem apenas a lógicas locais, mas

sim a estratégias globais dessas empresas53

.

51

Conforme Hiratuka e Sarti (2015), as empresas estadunidenses aderiram uma estratégia de

racionalização e flexibilidade para enfrentar a concorrência de empresas europeias e japonesas que

haviam se fortalecido a partir do pós-Segunda Guerra. Essa forma de gestão corporativa visava interesses

de acionistas respeitando uma lógica cada vez mais financeirizada da globalização.

52 Esse processo só foi possível a partir das “redes globais de produção”, quando há uma redução de

barreiras à exportação e às atividades manufatureiras, sendo possível incorporar apenas etapas específicas

da cadeia de valor. Antes seria necessário incorporar cadeias produtivas inteiras, com grande mobilização

de recursos, para internalizar a produção de um setor (HIRATUKA e SARTI, 2015).

53 A China foi um país que aproveitou o processo de desverticalização de grandes corporações ocorridos das décadas de 1980 e 1990 para inicialmente se inserir em etapas industriais simples, que demandava mão de obra barata e baixos custos de produção. Contudo, a forte participação estatal alavancou rapidamente processos industriais cada vez mais avançados, desencadeando um longo período de industrialização no país. O “efeito China”, com escalas de investimentos, produção, urbanização e consumo muito elevadas, desencadeou uma elevação nos preços internacionais de commodities (pelos elevados níveis de importação de insumos e

97

É preciso ter em mente a dificuldade de se desenvolver setores de elevada

capacidade tecnológica e promover ativos baseados no conhecimento frente à

concorrência e à supremacia dos países desenvolvidos. Os ativos baseados no

conhecimento podem se referir a capacidades de produção, capacidades de execução de

projetos e a capacidades de inovação, ou seja, refere-se a aspectos administrativos ou

tecnológicos. Em geral, esses ativos apresentam qualidades intangíveis, não

documentadas e de difícil replicação (ou imitação), sendo resultados de um processo de

desenvolvimento (path dependence) que confere um poder de monopólio – maiores

poderes de mercado e lucros acima da média do mercado (AMSDEN, 2009).

Chesnais (2013) afirma que o padrão e o nível dos Investimentos Diretos

Estrangeiros (IDE) observados entre as décadas de 1950 e 1970 ocorreram por fatores

historicamente condicionados e não pode se esperar que se repitam. Conforme esse

autor, os setores industriais estão, cada vez mais, se tornando intensivos em

conhecimento e requisitando a interação de diferentes áreas da ciência. O papel dos

setores de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) se tornou crucial em diversas áreas, em

que a interconectividade, a simultaneidade e a complexidade dos desenvolvimentos

tecnológicos passaram a ditar o desenvolvimento industrial. Como resultado da nova

onda de desenvolvimento tecnológico, os investimentos “tangíveis” (como os bens de

capital) estão mais interdependentes de investimentos intangíveis (P&D, educação,

interação entre instituições de pesquisas, desenvolvimento de softwares, marketing,

etc.). Esse processo coloca novas barreiras à entrada e dificulta o alcance da fronteira do

desenvolvimento industrial por “países atrasados”. Esse fato evidencia a importância da

participação estatal, já que não se pode esperar que dentro dessas condicionalidades

esses setores se desenvolvam “espontaneamente” pelo “livre mercado”.

Chesnais (2013, p.407) argumenta que por um lado, os países em processo de

industrialização devem buscar tecnologias através de alianças e cooperações com países

avançados, mesmo que isso implique certo papel de subordinação, a fim de acessar

determinados conhecimentos que seriam difíceis de desenvolver autonomamente. Por

matérias-primas) e uma redução nos preços de manufaturados (pela escala e pela redução dos custos de produção). Conforme Hiratuka e Sarti (2015, p.12), entre 1994 e 2012 “os preços de importações de bens de capital tiveram uma redução de 20%, os equipamentos de telecomunicações 30% e os computadores e semicondutores 70%”. É de extrema relevância, então, observar de que forma a inserção de um grande player internacional pode modificar a capacidade de inserção produtiva de países emergentes, como o Brasil.

98

outro lado, deve-se fazer o maior esforço possível para desenvolver internamente esses

processos, já que não se pode esperar que o capital estrangeiro crie condições para que

indústrias nacionais se tornem suas próprias concorrentes. Ademais, os investimentos

físicos e humanos, além de desenvolvimentos institucionais requeridos para um

processo de industrialização sustentável, só poderão ocorrer por esforços dos próprios

países (CHESNAIS, 2013, p.407).

Conforme Kanchoochat (2015), países que obtiveram sucesso em alcançar um

nível de industrialização avançada priorizaram as políticas industriais em detrimento de

políticas macroeconômicas convencionais. Nas palavras do autor:

Another shortcoming of the proponents of proactive State

intervention is the downplaying of macroeconomic policy in

relation to industrial upgrading. East Asia reminds us that the

stability of macroeconomy was instrumental in gearing a

country toward successful catching-up. However, it is worth

noting that for the first-tier NIEs54

, macroeconomic policies

were considered part of, and subordinated to, the overriding

goal of structural transformation and enhancing export

performance (KANCHOOCHAT, 2015, p.61).

Na realidade, as políticas macroeconômicas eram tidas como parte do

instrumental para promover o desenvolvimento. Na Coreia do Sul, por exemplo, as

políticas fiscais e monetárias eram utilizadas para sustentar um alto nível de

investimento, o que criaria um ambiente de crescimento mesmo que isso significasse

maiores níveis de inflação. Segundo o autor, ao longo dos anos 1960 e 1970 o

crescimento anual médio da renda per capita na Coreia do Sul foi de 9,5%, enquanto a

taxa de inflação média foi de 15,5%. O governo incorreu em déficits orçamentários para

financiar investimentos estatais e privados, visando setores estratégicos. O suporte fiscal

dado pelo Estado às firmas e às indústrias era maior do que o oficialmente divulgado

pelos gastos orçamentários – como, por exemplo, a “política de empréstimos” que

direcionou 57,9% dos empréstimos bancários entre 1962 e 1987 (KANCHOOCHAT,

2015, p.61).

Não cabe aqui pormenorizar os desafios de políticas industriais que devem ser

enfrentados, mas apenas ressaltar a complexidade do tema e o papel fundamental do

Estado para coordenar e direcionar o desenvolvimento de setores estratégicos e

dinâmicos, que dificilmente é vislumbrado dentro de um regime fiscal rígido. O fato a

54

Sigla refere-se às Novas Economias Industrializadas, do termo em inglês, Newly Industrializing

Economies.

99

ser ressaltado é que essas complexidades não são consideradas pelas escolas de

pensamento ortodoxas que tem influenciado mudanças macroeconômicas estruturais em

diversos países em desenvolvimento, como o Brasil. O ponto central que se coloca em

pauta, então, é a necessidade de formatar um arranjo macroeconômico que permita ao

Estado priorizar o desenvolvimento econômico, sustentando investimentos estratégicos

principalmente nas fases recessivas, quando desempenhariam um papel anticíclico

crucial.

Com isso, um regime fiscal capaz de amenizar crises econômicas e sustentar

elevados níveis de investimentos públicos convergiria para uma estratégia exitosa em

perspectivas históricas. Sem dúvida, é preciso ponderar sobre as possibilidades

permitidas pelo contexto de concorrência global comandada por grandes oligopólios

internacionais e quais possibilidades de desenvolver setores mais dinâmicos. A despeito

de tais condições microeconômicas setoriais, que não são o foco desse trabalho, é

fundamental criar condições macroeconômicas para que tais medidas se tornem

possíveis.

Considerações Finais:

Esse capítulo buscou levantar uma visão teórica que atribui ao Estado uma

função estratégica dentro da dinâmica capitalista, diferentemente do que se percebe

pelas teorias de cunho ortodoxo, como a do NCM, apresentada no capítulo 1. Ao

explicitar a característica instável do capitalismo, exposta por Keynes e Kalecki,

percebe-se a importância crucial da variável investimento para a determinação dos

ciclos econômicos. Com isso, se vislumbra uma abordagem teórica que coloca o

investimento Estatal como uma peça chave para a sustentação da demanda efetiva e de

um elevado nível de emprego. Esse fato é crucial principalmente nas fases de baixa do

ciclo econômico, quando as incertezas se acirram e os setores empresariais tendem a

preferir a segurança da liquidez ao risco do investimento. Seguindo essa lógica, o

Estado seria o principal agente capaz de manter a demanda autônoma, que teria

impactos benéficos sobre o nível de emprego e sobre as expectativas dos agentes.

Nessa perspectiva, a teoria da MMT levanta importantes insights acerca da

capacidade orçamentária do governo. Essa vertente coloca que os governos, ao terem a

prerrogativa de emitirem moeda (e dívida cunhada em moeda própria) não teriam as

mesmas restrições orçamentárias do que os agentes privados. Pelo contrário, o governo

não teria, para a MMT, quaisquer limitações aos gastos se estes forem executados em

100

moeda doméstica.

Não obstante, explicitou-se algumas críticas levantadas por autores pós-

keynesianos sobre algumas simplificações realizadas pela MMT, que não podem ser

desconsideradas. Dentre os principais pontos críticos estão: a análise simplista em

relação à inflação; a condensação das relações do BC e do Tesouro em um único

elemento (o Estado); a desconsideração da importância dos mercados comerciais e

financeiros globais sobre a dinâmica das economias emergentes; e as dificuldades

políticas movidas por disputas de interesse (de classes) dentro do sistema capitalista.

Assim, apesar de contribuir para o debate, explicitando que o governo não apresenta as

mesmas restrições orçamentárias do que os agentes privados e que os déficits públicos

não podem ser considerados “anomalias” ou “irresponsabilidades”, existem algumas

simplificações realizadas pela MMT que devem guardar maiores cuidados.

Complementando o ponto anterior, a seção 2.3 apresentou a importância de um

arranjo macroeconômico voltado para o desenvolvimento como uma estratégia a ser

perseguida por países emergentes. Após se levantar algumas dificuldades impostas pela

própria organização dos mercados globalizados, aprofunda-se à percepção da

necessidade de ação estratégica do Estado, que seria vislumbrada por um regime fiscal

flexível (que não restringisse a capacidade de investimentos públicos). Aponta-se alguns

exemplos de países que obtiveram sucesso em manter elevados níveis de crescimento (e

desenvolvimento de setores estratégicos) e que seguiram estratégias de política

econômica divergentes daquelas apregoadas pelo NCM.

Em suma, o capítulo 2 buscou contrapor a visão teórica exposta no primeiro

capítulo a partir das ideias de Keynes, Kalecki e seus interpretes contemporâneos.

Compreender os conceitos desses dois autores sobre a dinâmica capitalista é

fundamental para explicitar as fragilidades teóricas do NCM. Por fim, mostrou-se

relevante apontar insights teóricos que buscam seguir essa linha teórica, bem como

apontar a necessidade (e algumas dificuldades) de se implementar um regime fiscal que

vislumbre o desenvolvimento econômico.

101

3. O REGIME FISCAL BRASILEIRO: CONTEXTUALIZAÇÃO,

INSTITUCIONALIDADE E ANÁLISE DO ASPECTO PRÓ-CÍCLICO

Apresentação:

Como pôde ser constatado na discussão dos dois primeiros capítulos, as questões

envolvendo o arranjo fiscal são amplas e complexas, perpassando embates teóricos e

ideológicos que refletem diferentes interpretações quanto à dinâmica capitalista, à importância

de determinadas instituições e ao papel que o Estado deve desempenhar na sociedade. Dessa

forma, essas questões devem ser colocadas para a interpretação do regime fiscal brasileiro

institucionalizado após a reforma macroeconômica de 1999. Deve-se se compreender o papel da

política fiscal no Brasil em um contexto mais amplo, dentro de um arranjo macroeconômico

alicerçado pela teoria do NCM.

O objetivo desse capítulo é inserir o tema do regime fiscal de metas primárias no

Brasil no debate teórico realizado nos dois primeiros capítulos. Esse ponto é crucial para para a

defesa da hipótese de que esta formatação fiscal suscita em limitações institucionais para a

realização de políticas anticíclicas pelo governo.

Para isso, a seção 3.1 realiza uma contextualização histórica pós década de 1990,

focalizando a reforma macroeconômica realizada no Brasil após a crise cambial de 1999 quando

se introduziu o “tripé macroeconômico” – as metas de inflação, as metas fiscais e o câmbio

flutuante. Esse ponto faz referência direta ao primeiro capítulo da dissertação, fazendo-se alusão

ao viés teórico do regime macroeconômico institucionalizado no Brasil.

Já a seção 3.2 busca analisar a institucionalidade e operacionalidade do regime fiscal

no Brasil. Discute-se algumas questões colocadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF),

que oficializou o formato da gestão do orçamento público. Pretende-se demonstrar como o

regime de metas primárias condiciona a institucionalidade do planejamento fiscal. Esse

argumento é fundamental para a defesa da hipótese central do trabalho de que o regime fiscal

brasileiro é pró-cíclico e dificulta a realização de investimentos públicos.

Na seção 3.3 essa hipótese é desenvolvida por intermédio de uma análise dos

principais dados fiscais do governo central, onde pretende-se investigar a correlação das receitas

e despesas do governo com os ciclos econômicos. Essa institucionalidade é particularmente

problemática ao se observar que em períodos de queda do ciclo econômico o governo tende a

cortar os gastos discricionários (que incluem grande parte dos investimentos) para cumprir as

metas fiscais. Como esses gastos apresentam elevado efeito multiplicador ao longo desses

períodos, esses contingenciamentos reforçariam a queda da atividade econômica, contribuindo

para deprimir as receitas do governo e induzir a novos cortes de gastos, tendendo a uma espiral

recessiva na economia

102

3.1. Contextualização histórica: o tripé macroeconômico e a introdução do regime

de metas primárias

3.1.1.Notas sobre a política macroeconômica brasileira na década de 1990: uma breve

contextualização

Pode-se afirmar que, desde o início da década de 1990, o Brasil passou por

“reformas liberais”, que buscaram reduzir tanto a participação do Estado na economia

quanto as barreiras comerciais e financeiras com o exterior. O Brasil, assim como

diversos outros países da América Latina, seguia as recomendações do Consenso de

Washington e das escolas econômicas dominantes – monetaristas e novos clássicos. O

discurso teórico e político de instituições internacionais – como o FMI e o Banco

Mundial – lideradas por países hegemônicos – como a Inglaterra e os Estados Unidos –

colaboravam para disseminar e legitimar essas ideias como as mais prudentes. É

evidente, também, que essas recomendações divergiam das estratégias adotadas pelo

Brasil ao longo do seu processo de industrialização, via políticas “desenvolvimentistas”

de substituir importações. Nas palavras de Bresser-Pereira (2007, p.29-30):

O desenvolvimentismo foi o nome da estratégia nacional que os países

da América Latina, e particularmente o Brasil, adotaram entre 1930 e

1980. Nesse período (…) muitos países latino-americanos estavam

firmemente construindo suas nações, estavam afinal provendo seus

Estados formalmente independentes de sociedades nacionais dotadas

de uma solidariedade básica, quando se trata de competir

internacionalmente. Entretanto, o enfraquecimento provocado pela

grande crise dos anos 1980, combinado com a força hegemônica da

onda ideológica que teve início nos Estados Unidos nos anos 1970

(…), fizeram com que a revolução nacional dos países latino-

americanos fosse interrompida e regredisse. As elites locais deixaram

de pensar com a própria cabeça, aceitaram os conselhos e as pressões

vindas do Norte e, sem uma estratégia nacional de desenvolvimento,

esses países viram seu desenvolvimento estancar. A ortodoxia

convencional, que então substitui o nacional-desenvolvimento, não

havia sido formulada internamente, não refletia as preocupações e os

interesses nacionais, mas as visões e os objetivos dos países ricos.

Além disso, como é próprio da ideologia neoliberal, era uma proposta

que supunha a possibilidade de os mercados coordenarem tudo

automaticamente, e que propunha que o Estado deixasse de realizar o

papel econômico que sempre desempenhou nos países desenvolvidos:

o de complementar a coordenação do mercado para promover o

desenvolvimento econômico e a equidade.

Tanto os governos Collor (1990-1992), Itamar Franco (1993-1994) e Fernando

Henrique Cardoso (1995-2002) seguiram um viés ortodoxo, com destaque para as

privatizações de empresas e liberalização dos mercados financeiros e comerciais. A

103

estratégia adotada para controlar o problema crônico da inflação era melhorar as

relações com o sistema financeiro internacional e abrir o mercado brasileiro para a

concorrência com os produtos importados.

O Plano Real, formulado no governo Itamar Franco, visava sanear as contas do

governo, dado que o diagnóstico da inflação era o elevado déficit público55

, para

posteriormente instituir uma nova moeda que estaria atrelada ao dólar56

. É interessante

notar que os déficits operacionais antes da implementação do Plano Real eram

relativamente baixos (em média, menos de 1% entre 1991 e 1993). Esse fato era

explicado pelo conceito de “déficits potenciais”, que implicariam uma aprovação de

recursos para o orçamento da União muito superiores aos gastos realmente realizados no

encerramento do ano fiscal (CASTRO, 2011).

A inflação ajuda de duas formas na redução do déficit orçamentário

aos valores efetivamente observados no fim do ano fiscal. Primeira, o

orçamento embute uma previsão inflacionária bem menor do que a

inflação efetivamente observada. Isso reduz o valor real das despesas

executadas, mesmo sem controle do caixa. Já as receitas, por estarem

indexadas, pouco sofrem com a inflação maior do que a orçada.

Segunda, através do controle do caixa, o Ministério da Fazenda adia a

liberação das verbas orçamentárias para o final do ano ou mesmo para

os restos a pagar no ano seguinte, desse modo fazendo com que o

valor real dessas despesas seja adicionalmente reduzido pela inflação.

Todo o processo é eventualmente legalizado por um decreto de

contingenciamento, uma lei de reprogramação orçamentária

(BACHA, 1994, p.9).

Segundo essa interpretação, a redução da inflação sem uma mudança estrutural

no orçamento iria ressaltar o problema, explicitando os déficits (que deixariam de ser

potenciais e se tornariam consolidados) e que serviriam para a volta de pressões

inflacionárias. Percebe-se que, de fato, as contas fiscais pioraram com a redução da

inflação pós-1995. Contudo, é notório também que “o ajuste fiscal proposto pelo Plano

Real, em suma, não foi eficaz e sua ausência não impediu a queda da inflação no

período” (CASTRO, 2011, p.146).

55

Através do Programa de Ação Imediata (PAI) e do Fundo Social de Emergência (FSE), o governo

buscava: reduzir gastos da União, elevar receita tributária, equacionar as dívidas dos entes federativos

com a União, controlar de forma mais rígida os bancos estaduais, avançar as privatizações e desvincular

receitas do governo federal.

56 Cabe lembrar que a instituição da nova moeda foi implementada em duas fases: a primeira com a

Unidade Real de Valor, que era apenas uma unidade de conta que captaria a inflação diária e serviria

como um “superindexador” da economia, a fim de eliminar o componente inercial da inflação.

Posteriormente, se introduziu o Real, que permaneceria ancorado ao dólar.

104

Verificou-se, com isso, que não foi a situação fiscal do governo o principal

fator para a redução da inflação brasileira. Outros fatores, como a abertura comercial e

financeira, e a sobrevalorização do câmbio, parecem ter tido maiores impactos sobre a

redução do nível de preços. O déficit operacional57

acabou se deteriorando, inclusive,

pelas despesas com juros necessárias para a manutenção da âncora cambial até 1999.

Conforme o BCB, o déficit operacional do setor público consolidado chegou a 4,57%

do PIB em 1995 e 6,75% do PIB em 199858

.

Cabe lembrar, aqui, da hipótese ortodoxa apresentada no ponto 1.1 acerca da

restrição intertemporal das ações fiscais, que parte de um pressuposto sobre o papel

limitado que o Estado deve desempenhar na economia. Ao instituir uma maior rigidez

para a condução do regime fiscal (tanto em termos de fluxo, com metas primárias,

quanto de estoque, com limites para a dívida) o Estado pressiona a sua própria

capacidade se manter solvente, elevando pressões políticas cada vez que tais indicadores

se aproximem de seus limites. Conforme a crítica levantada pela MMT na seção 2.2,

esse fato tende a prejudicar as condições de manutenção da dívida (que se for

denominada em moeda própria, não correriam o risco de se tornarem insolventes).

Assim, as rígidas regras fiscais contribuiriam para exacerbar as incertezas quanto à

capacidade de solvência do Estado. Nas palavras de Carneiro (2002, p.364):

O equilíbrio intertemporal das contas públicas é (…) um dos

sustentáculos da confiança na moeda nacional. A definição dessa

consistência, do ponto de vista corrente e patrimonial, é bastante

complexa e problemática. Antes de tudo, ela supõe uma postura acerca

do tamanho e do papel do Estado na economia, expresso, por

exemplo, no montante da carga tributária e na sua distribuição. Não

prescinde tampouco de uma definição dos gastos prioritários, ou

melhor, de uma hierarquia desses gastos.

Em contrapartida, pela óptica patrimonial, não é possível definir

abstratamente níveis de déficit e dívida ideais, porque as condições de

financiamento e rolagem podem modificar-se substancialmente ao

longo do tempo. Concretamente, o que se pode estabelecer é que a

prevalência da ordem liberal torna mais estreitos os limites para o

déficit e eleva os custos de rolagem da dívida. Em última instância,

define um padrão mais restrito para o equilíbrio fiscal.

57

O resultado operacional inclui o pagamento dos juros reais (descontando a inflação, a atualização

moentária). O resultado nominal é o conceito mais amplo, que inclui o pagamento de juros nominais. O

resultado nominal reflete a Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP), sendo a diferença

entre o fluxo agregado de receitas totais e de despesas totais (incluindo contas financeiras). O resultado

primário, por sua vez, não inclui a despesas com os juros nominais (BCB, 2015).

58 Dados disponibilizados pelo Sistema de Séries Temporais do BCB, sob o código 6871.

105

É curioso notar que, se por um lado o governo demonstrava preocupação em

melhorar a situação fiscal (via aumento da carga tributária, principalmente sobre o

consumo, como o ICMS), por outro abria mão de receitas que teriam caráter

distributivo. Orair (2016) salienta que, em 1995, o governo brasileiro isentou de

Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) os dividendos distribuídos a acionistas de

empresas. Orair (2016) assevera, ainda, que se abriu a possibilidade de se abater do

Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) uma “despesa fictícia” (juros sobre o

capital próprio).

Essas isenções sobre o Imposto de Renda, que ainda permanecem vigentes59

,

contribuem para a regressividade da estrutura tributária. Ou seja, esse fato beneficiaria,

claramente, uma pequena parcela da população brasileira (a mais rica) que possui

grande parte de sua renda proveniente de dividendos, e não de salários. Conforme

discorrido no segundo capítulo, a visão keynesiana atribui grande importância à

tributação como um mecanismo de distribuição de renda, com grande relevância para

fomentar a demanda agregada.

Ademais, percebe-se que os esforços do governo para reduzir gastos primários

eram contrabalanceados com o aumento dos gastos financeiros, que apresentam baixo

efeito multiplicador – por não afetarem a demanda agregada. Esse fato implica, ainda,

que a estratégia de eliminar “déficits potenciais” não seria suficientes para a

sustentabilidade da dívida pública. Além disso, a baixa taxa de investimentos e a

relativa estagnação da economia contribuíam para a baixa arrecadação do governo.

Entre 1995 e 1998 o governo manteve, em média, um pequeno déficit primário do setor

público consolidado. Carneiro (2002, p.391-392) analisa a situação da seguinte forma:

É importante frisar (…) que o déficit que aparece após 1995 se deve,

sobretudo, à estagnação das receitas por conta da maior

informalização do mercado de trabalho e da ampliação do

desemprego.

(…) uma parcela relevante da queda do superávit primário deveu-se às

esferas subnacionais de governo. Apesar de as transferências para

estados e municípios terem crescido 0,5% do PIB entre 1994 e 1998, o

superávit primário declinou 1% no mesmo período. Além dos

aumentos das despesas por conta da perda do mecanismo da repressão

fiscal, a deterioração das finanças dessas entidades explica-se,

sobretudo, pela perda de receitas próprias em razão da guerra fiscal.

Ilustra a afirmativa o fato de as receitas totais de Imposto sobre

59

Conforme Orair (2016), dentre os países da OCDE apenas o Brasil e a Estônia isentam do IR os

dividendos distribuídos aos acionistas. Segundo o autor, a Estônia se tornou um dos países mais liberais

do mundo após o fim do domínio soviético no início da década de 1990.

106

Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS estarem estagnadas em

termos nominais, portanto declinantes em termos reais, desde 1995.

Cabe frisar que a política monetária contracionista, com elevação das taxas

reais de juros e depósitos compulsórios dos bancos comerciais, visava conter a

“explosão” de consumo, típica em momentos de rápida redução de preços em

economias com uma demanda reprimida devida a longos períodos de elevadas taxas de

inflação. Essa política serviria, também, para ancorar a taxa de câmbio em torno de um

Real por um dólar. A âncora cambial foi um dos elementos centrais da estratégia do

Plano Real.

Em estudos empíricos de Kiguel e Liviatan (1992), indicou-se que os países

com um longo histórico de inflação crônica (como ocorrido em diversos países da

América Latina) que utilizam o câmbio como âncora nominal, apresentariam um

crescimento econômico inicial (com expansão do consumo de duráveis) e,

posteriormente, tenderiam à estagnação ou à crise econômica, ficando vulneráveis às

fugas de capitais e aos ataques especulativos60

.

Esse fato estilizado foi semelhante ao que veio a ocorrer com o Brasil, que

apresentou crescimento inicial do PIB (com redução do desemprego e ganhos reais de

salários), posterior estagnação e crescimento do desemprego e, por fim, a crise cambial

em 1998. Ademais, as altas taxas reais de juros se tornaram uma marca (e como será

visto na seção 3.3, uma herança) do Plano Real. Em um contexto de abertura financeira,

os juros elevados serviam para a manutenção dos influxos de capitais ao passo que, no

mercado interno, freavam o crescimento da demanda. Nesse sentido os juros atuaram

como uma “segunda âncora” para a inflação (CASTRO, 2011).61

62

60

Nas palavras dos autores (p.4): After a small initial recessionary effect, or even with no effect of this

kind, the reduction of inflation was associated with an initial expansion of output above the historical

trend, and with a drop in unemployment. The expansionary phase could go on for a number of years

ending in a recession. It should be pointed out, however, that this pattern was characteristic of programs

which made use of exchange rate as anchor for disinflation.

61 Cabe ressaltar que outros fatores contribuíram para o sucesso do Plano Real em controlar a inflação via

estratégia de âncora cambial e liberalização dos mercados. Conforme Carneiro (2002), caso o Brasil não

houvesse acumulado grande volume de reservas internacionais ao longo dos primeiros anos da década de

1990 e caso não houvesse uma conjuntura internacional favorável (em uma “fase de cheia” do ciclo de

liquidez internacional), dificilmente o Plano Real lograria sucesso para a estabilização da inflação. Além

disso, a situação fiscal em 1994 era relativamente confortável.

62 Nas palavras de Carneiro (2002, p.363): “A dívida líquida do setor público atingiu em 1994 o valor

mais baixo da década, menos de 30% do PIB. O patamar reduzido da dívida interna deveu-se ao confisco

de ativos financeiros oriundo do Plano Collor em 1990, que a diminuiu em 1991 para cerca do 15% do

PIB. Já a dívida externa pública reduziu-se por duas razões: a bruta, por causa do deságio permitido pela

renegociação do Plano Brady; a líquida, por conta do acúmulo de reservas internacionais. Em princípio,

107

Contudo, devido à característica essencialmente especulativa dos fluxos de

capitais, a vulnerabilidade externa do Brasil crescia rapidamente63

. A exacerbação do

desequilíbrio externo do país ocorreu em 1998 quando sucedeu a reversão do ciclo de

liquidez internacional após a crise financeira russa. O Brasil já havia sofrido dois

ataques especulativos, em 1995 e em 1997, após as crises mexicana e asiática,

respectivamente. Esses fatos explicitaram o caráter instável e especulativo dos fluxos de

capitais dentro do Sistema Financeiro Internacional (SFI) globalizado. O pessimismo

dos agentes financeiros globais acarretava um “efeito manada” em busca de segurança

nos ativos denominados em moedas hierarquicamente superiores dentro do SFI e “o

instrumento clássico de combate a esses ataques – a alta da taxa de juros – não mais se

mostrava suficiente para debelar o problema, além de agravar seriamente a situação

fiscal”64

(CASTRO, 2011, p.175). Após conseguir sustentar, inicialmente, o ataque

especulativo com um acordo financeiro frente ao FMI, o governo FHC precisou montar

uma estratégia para permitir a desvalorização cambial.

3.1.2. O tripé macroeconômico, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e o novo

regime fiscal

Conforme já colocado no primeiro capítulo, as reformas institucionais de

política macroeconômica realizadas em 1999 – e que ainda seguem vigentes em 2017 –

foram fundamentadas em ideais novoclássico e novokeynesianas – o Novo Consenso

Macroeconômico. De acordo com o que foi discutido na seção 1.3, esse viés teórico

apresenta pressupostos questionáveis – como as expectativas racionais, o efeito

crowding out, a Equivalência Ricardiana e a contração fiscal expansionista – que

mantêm uma visão limitada sobre o papel que o Estado deve desempenhar na economia.

Conforme defendido pela hipótese desse trabalho, esse fato trouxe consequências

negativas sobre o comportamento da atuação estatal ao longo dos ciclos econômicos,

dificultando a manutenção de níveis desejáveis de investimentos e colocando o regime

fiscal sob uma lógica pró-cíclica.

Mantendo, então, a linha ortodoxa em seu segundo mandato, FHC implementa

nada fazia crer que a dívida pública e seu crescimento prospectivo pudessem ameaçar a confiança na nova

moeda”.

63 Esse fato remete à teoria da Hierarquia de Moedas, apontada na seção 2.2.3.

64 O aumento do diferencial de juros, ou seja, da promessa de maior rentabilidade de ativos em Reais, não

compensavam o risco de se manter ativos em uma moeda com baixa liquidez internacional.

108

o tripé macroeconômico: as metas de inflação, as metas fiscais e o câmbio flutuante. A

estratégia de inserção econômica na globalização produtiva e financeira seguiu o caráter

“liberal”, permanecendo a dependência por capitais voláteis. A política monetária, com

as metas de inflação, serviria para ancorar as expectativas dos agentes em relação à

estabilidade nominal dos preços. Conforme já explicitado no ponto 1.1, o principal

instrumento de política macroeconômica dentro dessa institucionalidade são as taxas

nominais de juros (a meta Selic), conduzidas por um Banco Central (Bacen)

independente. Seguindo essa linha, percebe-se que a tônica de aumento das taxas de

juros foi observada de imediato – a meta Selic chegou a ser fixada em 45% a.a. em

março de 199965

.

Mesmo com a desvalorização cambial, a inflação não se acelerou,

permanecendo dentro da meta em 1999 e em 200066

. Segundo Castro (2011, p.177-

178), alguns fatores contribuíram para essa situação. Destaca-se a queda da produção

industrial que “no primeiro trimestre de 1999, estava 3% abaixo do primeiro trimestre

de 1998 que, por sua vez, era 3% inferior ao primeiro trimestre de 1995”.

Paralelamente, a queda do salário mínimo real e a rigidez na política monetária

colaboraram para a queda da demanda agregada, minimizando o repasse do câmbio para

os preços finais. Isso implica que o mau desempenho econômico contribuiu para

arrefecer a taxa de inflação.

Retomando, novamente, a exposição da seção 1.2, lembra-se que a política

fiscal dentro desse aparato teórico serviria tanto para auxiliar a política monetária na

manutenção da estabilidade de preços, como para sinalizar aos agentes privados

(principalmente investidores internacionais e instituições financeiras) a disposição do

governo em sustentar os encargos da dívida pública. Recorda-se, também, que esse viés

embute um papel limitado que o Estado deve desempenhar na economia.

Carneiro (2002) salienta que entre os períodos de 1998 e 2000, a política fiscal

foi certamente restritiva, em que os superávits primários pelo aumento da carga

tributária e cortes de gastos compensavam os déficits operacionais. Orair (2016)

classifica, de uma forma geral, a história recente da política fiscal em dois períodos: o

primeiro, de 1999 a 2005, caracterizou uma fase contracionista; o segundo, de 2006 a

65

Conforme dados disponibilizado pelo Banco Central do Brasil em: <> Acessado em dezembro de 2015.

66 A inflação (IPCA) em 1999 foi de 9%, quando o centro da meta era de 8%, podendo variar entre 6 e

10%; em 2000, o IPCA ficou em 6%, exatamente o centro da meta estipulada para aquele ano.

109

2014, por um período expansionista (apesar de alguns momentos de maior restrição

fiscal, como em 2011)67

.

Segundo os economistas que influenciaram essa mudança estrutural, a

credibilidade do governo e do banco central abriria espaço para a redução da taxa básica

de juros, incentivando investimentos e deixando a responsabilidade de crescimento

econômico unicamente ao setor privado. Alude-se, dessa forma, a noção teórica da

contração fiscal expansionista, que, conforme debatido na seção 1.3, é de difícil

sustentação empírica. Não obstante ao esforço do governo, a dívida pública se acelerou

continuamente ao longo de todo governo FHC (1995-2002)68

.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2000, somou-se as medidas

adotadas no início do Plano Real para institucionalizar legalmente a nova forma de

atuação estatal, tornando suas mudanças mais complexas e de caráter mais permanente.

Segundo o artigo 69 da Constituição Federal, para alterar uma Lei Complementar, como

a LRF, é necessária a aprovação absoluta nas duas casas legislativas. Além disso, a Lei

nº10.028 (Lei de Crimes Fiscais) de 2000, passou a considerar o descumprimento da

LRF como crime.

Cabe uma nota sobre o grande peso que a LRF colocou sobre os estados da

federação, com a opção do governo federal de conciliar descentralização fiscal e rígido

controle das contas públicas. Conforme Rezende (2009), a descentralização fiscal estava

prevista na Constituição de 1988 para restaurar a capacidade de planejamento dos entes

subnacionais que havia sido limitada durante a ditadura militar. Assim, as transferências

de recursos federais foram substancialmente elevadas. Essa medida visava elevar a

eficiência dos recursos públicos para suprir demandas locais. Contudo, a estratégia de

ajuste fiscal adotada pelo governo federal tornou inócua a pretensão de aprimorar a

eficiência das intervenções estaduais. Grande parte dos recursos repassados aos estados

eram de despesas vinculadas. Assim, como as transferências para aplicações livres

foram muito limitadas a autonomia das Unidades Federativas foram restringidas

dramaticamente.

Ademais, a renegociação das dívidas obrigou os estados a privatizarem

67

Essa questão será desenvolvida na seção 3.3, quando será avaliado a evolução dos principais agregados

do orçamento do governo central.

68 Conforme Carneiro (2002), após a reformulação macroeconômica de 1999, a dívida pública líquida

saltou de 45% para 50% do PIB, resultado de dois fatores principais: do impacto da desvalorização da

dívida interna (“dolarizada”) utilizada como hedge ao setor privado; e do aumento da dívida externa

contratada ante ao FMI e órgãos multilaterais para fazer frente à fuga de capitais.

110

empresas e bancos, além de cumprirem parâmetros limitados de endividamento e forte

restrição ao acesso a créditos. Conforme Lopreato (2014), as resoluções nº40/2001 e

nº43/2001 definiram que as UFs com Dívida Consolidada/Receita Corrente Líquida

maior ou igual a 2 para os estados (ou 1,2 para os municípios), eram obrigados a

atingirem essas metas em 15 anos, sendo 1/15 (6,6%) ao ano. Esse novo pacto

federativo alterou de forma drástica as relações intergovernamentais. O primeiro

objetivo dos orçamentos estaduais se tornou o pagamento dos encargos da dívida. Na

realidade, provocou-se uma centralização de poder na União ao retirar dos entes

subnacionais a autonomia financeira sob essas rígidas regras fiscais. Assim, os governos

estaduais sofreram restrições intertemporais importantes, tendo que assumir gastos e

reduzir suas dívidas. Esse fato é resumido nas palavras de Lopreato (2014, p.232) da

seguinte forma:

Primeiro, o fim das holdings nacionais eliminou as conexões das

grandes empresas federais com as congêneres estaduais, mexeu no

modelo de intervenção em importantes áreas de infraestrutura e

acabou com elementos da costura do pacto de poder. Segundo, deixou

de existir a articulação das agências de crédito federais com os bancos

estaduais, de modo que se perdeu a capacidade destas instituições

apoiarem as políticas públicas de estados e municípios. Terceiro, o

processo de descentralização repassou as políticas ligadas ao

desenvolvimento urbano e os serviços nas áreas de saúde e assistência

social às outras esferas de governo e deixou a cargo da esfera federal

as funções técnicas e financeiras. Finalmente, o novo modelo (...)

limitou a liberdade de estados e municípios terem acesso a crédito e

manipularem as próprias contas fiscais, autorizou a União a bloquear

recursos fiscais de Unidades da Federação (UFs) inadimplentes com o

pagamento das prestações à esfera federal e vetou a prática usual de o

governo federal socorrer a administração direta ou indireta de outras

esferas de governo (LRF, Art. 35).

Outro fator de extrema relevância institucionalizado pela LRF foi a forma de

organização do orçamento público e a incorporação das metas primárias. O resultado

primário é o saldo das receitas e despesas do governo sem incluir os gastos com

pagamentos de juros. Com isso, os únicos gastos que não seriam “manipuláveis” pelo

governo seriam aqueles com os juros, que implicariam em quebras contratuais com os

credores do país. Caso as metas fiscais fossem sobre os resultados nominais, os gastos

com juros entrariam no “esforço” do governo para o cumprimento da lei. Conforme o

artigo quarto da LRF:

§ 1o Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de

Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores

correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados

111

nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a

que se referirem e para os dois seguintes.

§ 2o O Anexo conterá, ainda:

I - avaliação do cumprimento das metas relativas ao ano anterior;

II - demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e

metodologia de cálculo que justifiquem os resultados pretendidos,

comparando-as com as fixadas nos três exercícios anteriores, e

evidenciando a consistência delas com as premissas e os objetivos da

política econômica nacional;

III - evolução do patrimônio líquido, também nos últimos três

exercícios, destacando a origem e a aplicação dos recursos obtidos

com a alienação de ativos;

Nesse sentido, percebe-se a necessidade de uma boa capacidade de previsão da

equipe econômica para antever os movimentos das principais variáveis

macroeconômicas (como a inflação, a taxa de juros, o PIB, etc.) que impactam o

cômputo fiscal do governo69

.

Nas palavras de Lopreato (2007, p.4), “o superávit primário ganhou caráter de

despesa obrigatória e as despesas discricionárias assumiram o papel de resíduo, sempre

passível de ser ajustado em nome do cumprimento da meta fiscal”. Uma das

consequências desse modo de operar a política fiscal é exatamente a segunda hipótese

dessa dissertação: a institucionalização de um regime pró-cíclico, que força o corte de

gastos com elevado efeito multiplicador em momentos de queda do ciclo econômico,

quando as receitas do governo declinam, provocando um efeito recessivo sobre a

economia70

. Dessa forma, nos termos da visão teórica da MMT (demonstrados na seção

2.2), o Estado “autoimpôs” uma restrição que tiveram consequências danosas para sua

capacidade de planejar o desenvolvimento econômico em longo prazo.

3.1.3. Governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2015)

O início do governo Lula (2003) não marcou uma mudança de rumo das

políticas macroeconômicas, como esperava boa parte de seus eleitores. Ao contrário, a

nomeação de ministros sabidamente ortodoxos para o ministério da Fazenda (Antônio

Palocci) e para a direção do Banco Central (Henrique Meirelles) seguia a estratégia de

“reduzir as incertezas” e “conquistar credibilidade” frente aos mercados. Assim, os

69

As questões envolvendo o planejamento do orçamento público, que também estão vinculados à LRF,

serão desenvolvidas na seção 3.2.

70 A institucionalidade e operacionalidade do regime fiscal delineada pela LRF será desenvolvida na

seção 3.2.

112

primeiros anos do governo Lula foram de continuidade e aprofundamento de políticas

conhecidas como liberais. Conforme Lopreato (2014, p.236):

O foco central da estratégia delineada por Antonio Palocci,

teoricamente, próxima aos defensores da ideia de “contração fiscal

expansionista”, era garantir o ajuste fiscal com a adoção de um

superavit primário de 4,25% e a realização de reformas estruturais

capazes de assegurar o equilíbrio orçamentário de longo prazo. Os

adeptos desta visão davam como certo o fato de o ajuste fiscal

permanente influenciar as expectativas dos agentes e criar as

condições para a retomada da atividade econômica.

No mesmo sentido, o governo Lula aprofundou a abertura financeiro,

extinguindo os “limites para que pessoas físicas e jurídicas convertam reais em dólar e

os remetam ao exterior” (PRATES, 2006, p.122). Além disso, o governo ampliou o

prazo para que exportadores mantivessem dólares no exterior, o que significa ampliar a

conversibilidade da conta corrente do balanço de pagamentos. Esse fato acaba

contribuindo para dispor os recursos provenientes da balança comercial à mesma lógica

dos fluxos de capitais especulativos, movidos pela expectativa de rentabilidade

financeira – diferencial de juros, variação cambial e análise de risco do mercado

financeiro (PRATES, 2006).

Com um novo ciclo de liquidez internacional, a partir de 2003, observou-se

uma grande entrada de investimentos em porta-fólio71

. O governo brasileiro aproveitou

a valorização cambial e a grande aceitabilidade de títulos denominados em Reais para

recomprar os bônus bradies. Isso significou a utilização de reservas internacionais para

reduzir de forma significativa a dívida externa. Em relação ao mercado externo, deve-se

ressaltar o papel fundamental que o crescimento econômico dos Estados Unidos e,

principalmente, da China, exerceram sobre os preços das commodities exportadas pelo

Brasil. Esse fato acarretou na melhora do saldo comercial concomitante com a

valorização cambial. Em suma, o governo Lula se beneficiou de um contexto

internacional extraordinário, o que contribuiu para o crescimento do PIB, o acúmulo de

reservas internacionais, a melhora qualitativa da composição da dívida pública e a

estabilidade do nível de preços.

71

Conforme Prates (2006), de 2003 a 2005 observou-se uma entrada mais significativa na Bolsa de

Valores, principalmente em 2005, devido à apreciação do Real e à perspectiva de valorização das ações

brasileiras. Somente a partir de 2006 os títulos de renda fixa se tornam importantes para a entrada de

investimento estrangeiro, motivados pelos incentivos tributários dados pelo governo para essa

modalidade.

113

Alguns economistas defendem que o paradigma ortodoxo para a política fiscal

foi mantido até 2006, quando o ministro Antonio Palocci deixou a pasta da Fazenda,

sendo substituído por Guido Mantega. A partir de então, teria sido aberto um espaço

para ampliação dos gastos do Governo, mesmo que o tripé macroeconômico não tenha

sido alterado. Cabe enfatizar a grande dificuldade de se modificar uma política já

institucionalizada e consolidada (inclusive de forma jurídica), e que a tentativa de

mudanças implicaria em grande resistência e desgaste político. Entende-se que o

governo Lula evitou esse desgaste, andando pelo caminho de menor resistência e

buscando espaços dentro do regime econômico vigente para expandir a participação

estatal. Conforme Lopreato (2014, p.236), o que se deve analisar não são os aspectos de

continuidade, mas sim as diferenças que foram se tornando visíveis:

O posicionamento de corte keynesiano transformou a prática do

segundo mandato e defendeu a expansão dos investimentos das

empresas públicas, a presença estatal na articulação e no financiamento

de projetos de investimento privado, o uso de incentivos fiscais e

financeiros em favor do capital privado, a definição de uma política

industrial, ao lado da maior presença dos bancos públicos na oferta de

crédito e de medidas de caráter social, como a política de defesa do

aumento do salário mínimo e de ampliação dos gastos sociais.

Dessa forma, o governo Lula passou a demonstrar alguns elementos de

descontinuidade com o viés liberal que havia dominado a estratégia de governo desde o

início da década de 1990. O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), de 2007, e a

Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP)72

, de 2008, retomaram a ideia de

planejamento do Estado para o desenvolvimento econômico. A articulação do BNDES

com setores estratégicos foi expressiva, garantindo financiamento e capacitando

empresas privadas nacionais a concorrer no mercado externo. O governo buscou,

também, meios para expandir o investimento público, e conforme Lopreato (2014,

p.239)

(...) passou a descontar da meta de superávit primário o montante dos

gastos com os investimentos – Projeto Piloto de Investimentos (PPI) –

e retirou do cálculo das Necessidades de Financiamento do Setor

Público (NFSP) os resultados da Petrobras e da Eletrobrás.

Nesse sentido, o governo Lula teria aproveitado uma conjuntura econômica

favorável para flexibilizar, em certa medida, o rígido regime macroeconômico. Percebe-

72

Conforme a CNI (2009) o PDP foi implementada através MP 428/08 e transformada na Lei 11.774/08.

114

se que o Estado passou a assumir responsabilidades mais complexas do que apenas a

estabilidade de preços – como os diversos programas bem sucedidos para reduzir as

desigualdades sociais73

. Além disso, o governo encontrou meios para manter uma

política fiscal anticíclica ao longo da crise de 2008-2009. Esse fato é de extrema

relevância, pois quebra uma tendência de um longo período em que o regime fiscal se

comportou de forma pró-cíclica, conforme será observado na seção 3.3.

O fato de que parte da dívida mobiliária interna é indexada à meta Selic faz

com que esse seja um importante mecanismo de valorização do capital financeiro. O

discurso de que a política fiscal deve prezar pela sustentabilidade da dívida pública é,

então, contraditório à elevada taxa de juros praticada no Brasil. Mesmo ajustes fiscais

que promoveram elevados superávits primários podem não ser suficientes para cobrir as

despesas com juros, implicando em aumento do déficit nominal. O fato da estrutura

tributária ser extremamente regressiva e de parte significativa do orçamento público

estar vinculado ao pagamento de juros é um forte indício de que o Regime Fiscal atua

de forma concentradora de renda, além de ser contracionista. Nas palavras de Carneiro

(2006):

Um aspecto decisivo da política fiscal na sua relação com o

crescimento refere-se ao seu caráter contracionista. A realização

sistemática de superávits primários em torno de 4,5% do PIB

representa uma esterilização de cerca de 15% dos gastos públicos. De

um lado retira-se poder de compra – via carga tributária – de

segmentos com alta propensão a consumir, de outro, transfere-se esses

recursos, sob forma de pagamento de juros, aos detentores da dívida

pública, pertencentes a segmentos sociais de menor inclinação ao

gasto em consumo que certamente transformarão essa renda recebida

em ativos financeiros.

Ressalta-se, com isso, que tanto a estrutura tributária regressiva quanto a

política de superávits primários não foram alteradas. Conforme será colocado na seção

3.3, ao longo dos 8 anos de governo Lula o superávit primário do governo central variou

entre 1,24% do PIB (em 2009) e 2,80% do PIB em 2004. Assim, não se pode afirmar

que governo negligenciou as metas para o superávit primário ou para a inflação, nem

que tenha abandonado medidas restritivas em seu arsenal de políticas macroeconômicas.

Percebe-se que, ao não modificar estruturalmente as regras de condução da política

macroeconômica, o governo se manteve, ao longo do tempo, preso a mesma lógica

73

O aumento contínuo do salário mínimo acima da inflação, o Programa Bolsa Família e o Programa

Minha Casa Minha Vida demonstram um novo viés de política com o esforço de inclusão social.

115

ortodoxa institucionalizada previamente.

No final do segundo governo Lula e início do governo Dilma, medidas

restritivas foram reforçadas para frear pressões inflacionárias. No primeiro semestre de

2011 a política fiscal foi contracionista. Esse fato é explicitado pelo aumento do

superávit primário (no acumulado de 12 meses) de 2,77% em dezembro de 2010 para

3,74% do PIB em julho de 2011.

O fato novo é que, ao conter a demanda agregada pelo lado fiscal, o governo

buscava espaço para atuação do Banco Central em reduzir de forma significativa a meta

Selic. Percebe-se que com a manutenção de Mantega na pasta da Fazenda e a

substituição Meirelles por Tombini na direção do Banco Central do Brasil (BCB) no

início do governo Dilma, tornou-se possível uma maior interação e cooperação entre a

política monetária e a fiscal, facilitando a coordenação da política macroeconômica.

Contudo, não se abandonou a percepção ortodoxa que condicionava a queda das taxas

de juros a medidas fiscais contracionistas.

Com o bom resultado fiscal do primeiro semestre, o governo divulgou um

aumento de R$10 bilhões na meta para o superávit primário de 2011, firmando o

compromisso com a sustentabilidade da dívida pública e buscando credibilidade com o

mercado. Ao longo do primeiro semestre do governo Dilma Rousseff, lançou-se mão de

medidas macroprudenciais (controle de crédito bancário) e de regulação no mercado

financeiro, para conter as pressões inflacionárias e a valorização cambial. Dessa forma,

o Estado apresentou uma alternativa importante à institucionalidade macroeconômica

vigente, que de forma simplista sobrecarregava a taxa de juros.

A introdução do Imposto sobre Operações Financeiras (com uma alíquota

máxima de 25%) sobre operações com derivativos conteve o ímpeto da especulação no

mercado futuro de câmbio (que por ser muito líquido, acaba impactando a taxa de

câmbio corrente)74

. Essa medida implicou na estabilização da variação cambial (que se

manteve acima de 2 reais por dólar) para conter os déficits em conta corrente. Cabe

frisar, com isso, que o governo acenou para medidas alternativas que se mostraram

eficientes, fugindo da concepção de “instrumento único” para a gestão da política

macroeconômica.

Essas ações do governo refletem algumas proposições teóricas levantadas após

74

Para saber mais sobre a institucionalidade e operacionalidade do regime cambial brasileiro, ver Rossi

(2012, 2016).

116

a crise de 2008, discutidas na seção 1.4 dessa dissertação. É notável que importantes

economistas do mainstream reconhecem a necessidade de se utilizar diversas

ferramentas macroeconômicas para atingir diversos objetivos. A política monetária,

então, não foi sobrecarregada para combater as pressões inflacionárias, podendo ser

mantido um ajuste gradual das taxas de juros (um aumento de 1,75 p.p. entre janeiro e

julho de 2011), na espera de que os efeitos defasados das restrições de crédito fizessem

efeito (CAGNIN et al, 2013).

A partir do segundo semestre de 2011, em vista da queda da inflação e do

agravamento da crise na Europa, o BCB passou a reduzir sistematicamente as taxas de

juros e a política fiscal atuou de forma anticíclica através de isenções fiscais. Orair

(2016) frisa que, enquanto o período de 2005 a 2010 a estratégia foi de elevar os

investimentos públicos, o período de 2011 a 2014 a expansão fiscal é marcada pelas

desonerações e incentivos tributários às empresas privadas. Conforme Cagnin et al

(2013, p.180):

A desoneração tributária de diversos setores foi o principal instrumento

utilizado nesse período, aliando os objetivos de reaquecimento

econômico ao aumento da competitividade da indústria nacional,

prejudicada, então, pela apreciação cambial e pelo acirramento da

concorrência nos mercados externo e doméstico após a crise financeira

global de 2008-2009.

A queda acentuada na taxa Selic, chegando a 7,25% em outubro de 2012,

buscou melhorar as condições de financiamento do crédito e colaborou para a queda da

dívida líquida do setor público (de 39% no início de 2011 para 35% no final de 2012).

Conforme Lopreato (2014), esse fato contrariou diversos interesses privados, pois a

rentabilidade de títulos públicos indexadas à Selic (as LFT’s) foi prejudicada. A própria

intervenção no mercado financeiro pode ser interpretada como uma confrontação a

esses mesmos interesses.

A dívida bruta do governo geral75

, que em 2006 era de 55,5% do PIB, em 2011

foi de 51,3% do PIB e em 2013 de 51,7% do PIB – mostrando-se claramente que a

tendência foi de estabilização da dívida bruta. Apenas em 2014 a dívida bruta se elevou

para 57,2% do PIB, chegando a 66,5% em 2015 e 70,7% em Setembro de 201676

.

Contudo, as desonerações fiscais não surtiram o efeito esperado sobre a

75

Governo geral abrange governos Federal, Estadual e Municipal, excluindo-se o Banco Central e as

empresas estatais.

76 Dados disponíveis no sistema de séries temporais do Banco Central do Brasil.

117

dinâmica da economia em virtude das grandes incertezas provocadas pelo cenário

internacional que arrefeceu o investimento privado. Conforme discorrido na seção 2.3, é

preciso compreender que as estratégias das grandes empresas transnacionais não são

movidas apenas pelo contexto doméstico, e o fato de matrizes em outras regiões do

mundo estarem atuando com elevada capacidade ociosa frente ao fraco desempenho

econômico de países centrais inibi a disposição de elevação de investimentos.

Em vista disso, a partir do segundo semestre de 2012 o governo passou a

intervir de forma mais direta, utilizando gastos tidos como necessários para a execução

do PAC. O Programa de Compras Governamentais, que beneficiava setores de

máquinas e equipamentos, veículos, medicamentos, dentre outros, foi um importante

mecanismo utilizado pelo governo (CAGNIN et al, 2013).

Contudo, as grandes renúncias fiscais realizadas colocaram o governo em

dificuldades para atingir a meta do superávit primário, sendo necessárias antecipações

de dividendos ao governo bem como trocas de ativos financeiros públicos e privados

entre Secretaria do Tesouro Nacional, BNDES, Caixa Econômica Federal e Fundo

Soberano do Brasil, a fim de manter contabilmente a meta – o que é conhecido como

“contabilidade criativa” (CAGNIN et al, 2013). Além disso, a grande dificuldade do

governo de executar investimentos ancorados no Orçamento Geral da União e de

alavancar o setor industrial conforme o esperado, manteve o crescimento econômico do

país em níveis baixos: 1,92% em 2012, 3,00% em 2013 e 0,50% em 2014.

Novamente, em 2014, as isenções fiscais para indústria e o baixo crescimento

econômico acabaram comprometendo a arrecadação do governo, que precisou mudar no

final do ano o cálculo do superávit primário (ampliando o limite de abatimento com

investimentos do PAC), aumentando as críticas de economistas ortodoxos sobre a

condução da economia e sobre as incertezas que essas ações do governo geravam para o

mercado. Além disso, o governo atrasou o repasse de recursos do Tesouro Nacional

para instituições financeiras que financiam despesas do governo no intuito de cumprir

artificialmente as metas fiscais – através das “pedaladas fiscais”. Apesar dessa prática

ter sido recorrente nos governos anteriores (tanto FHC quanto Lula executaram

manobras semelhantes) a conjuntura política/econômica acirrou as pressões sobre a

presidente, que passou a sofrer, ao longo de 2015, forte pressão da oposição política

para o processo de impeachment.

118

3.2. Institucionalidade e Operacionalidade do Regime Fiscal no Brasil

Com a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, o Estado brasileiro

passou a assumir institucionalmente grandes responsabilidades sociais, colocando o

arranjo do orçamento público em uma posição estratégica importante. A reforma da

organização orçamentária prevista na CF buscou dar maior transparência e maior

independência entre os poderes da União, devolvendo ao Legislativo a capacidade de

modificar as propostas do Executivo caso fossem observadas divergências quanto aos

objetivos e à capacidade de se manter o equilíbrio fiscal. Ademais, a CF passou a prever

um ciclo de planejamento do orçamento com o intuito de explicitar ao público suas

estratégias para o desenvolvimento do país, especificando os critérios adotados para se

estimar as receitas e as prioridades de gastos. O decurso dessa organização passa pela

elaboração do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da

Lei Orçamentária Anual (LOA).

O Plano Plurianual (PPA) foi regulamentado em 1998 com o compromisso de

planejar, em médio prazo, os gastos do governo. Com a vigência de quatro anos, do

segundo ano de um mandato presidencial até o primeiro ano do mandato seguinte, o

PPA se torna a diretriz mais ampla para o planejamento do orçamento, que pretende

minimizar ciclos políticos e sustentar projetos de mais longo prazo. A Lei de Diretrizes

Orçamentárias (LDO) estabelece os projetos prioritários do orçamento que devem ser

executados no ano posterior. Além disso, após a implementação da Lei de

Responsabilidade Fiscal (LRF), a LDO englobou a incumbência de fixar as metas

fiscais e os limites para expansão de gastos do governo. A Lei Orçamentária Anual

(LOA) é a lei que resulta da apreciação da LDO. Através da LOA, aponta-se as formas

de financiamento dos gastos do governo, estima-se as receitas e fixam-se as despesas

para o ano posterior. Assim, o governo clarifica o seu planejamento orçamentário,

conjecturando a evolução de suas receitas para fixar seus gastos. O quadro esquemático

abaixo apresenta de forma simples o ciclo orçamentário do PPA77

de 2012-2015, com

vigência do segundo ano do primeiro mandato de Dilma até o final do primeiro ano de

77

Conforme a Cartilha do Orçamento elaborada pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira

(CONOF) da Câmara dos Deputados: “O projeto de PPA é encaminhado pelo Executivo ao Congresso até

31 de agosto do primeiro ano de cada governo, mas ele só começa a valer no ano seguinte”. Acesso online

em Agosto de 2016: < http://www2.camara.leg.br/atividade-

legislativa/orcamentobrasil/entenda/cartilha/cartilha.pdf >.

119

seu segundo mandato. Ao longo de cada ano são estabelecidas a LDO e a LOA78

que

regulamentam os gastos do governo para o ano seguinte.

Cabe enfatizar que esse formato de planejamento deve ser cumprido em todas

as esferas de governo (federal, estadual e municipal). Conforme o artigo 166 da

Constituição Federal de 1988, a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e

Fiscalização (CMO), formada por senadores e deputados, é o órgão legislativo do

Congresso que avalia programas nacionais, regionais e setoriais e fiscaliza as ações

orçamentárias do poder executivo. A CMO aprecia os projetos de lei referentes à PPA, à

LDO e à LOA, além de créditos adicionais e leis de contingenciamento.

Quadro 1: Quadro esquemático do planejamento orçamentário, PPA (2012-2015)

Fonte: Elaborado pelo autor.

A execução orçamentária é realizada em três etapas: o empenho, a liquidação e

o pagamento. O empenho da despesa implica em reservar um crédito ao credor por

intermédio de um contrato ou uma nota de empenho. O poder público, após constatar o

cumprimento das obrigações legais do credor, poderá encaminhar a liquidação do

contrato. Na segunda fase da despesa, então, se verifica o desempenho do serviço

prestado (se está de acordo com as especificações contratuais da nota de empenho) e se

atesta o seu recebimento (por nota fiscal ou recibo), gerando um direito líquido ao

credor para o pagamento de contraprestação. Na terceira etapa a administração pública

quita suas obrigações com o credor através da emissão de ordem bancária de pagamento

e recolhimento de encargos retidos (DARF, GPS, DAR, GFIP)79

.

Orair (2011) distingue duas formas de se analisar a contabilidade pública: o

enfoque orçamentário e o enfoque patrimonial. O enfoque orçamentário contabiliza as

despesas e as receitas do governo de acordo com as especificações da LOA, destacando-

se as despesas empenhadas e seus respectivos créditos vigentes no orçamento, as

78

O prazo legal para a votação da LDO no Congresso Nacional é 30 de junho, enquanto a LOA deve ser

votada até 15 de dezembro de cada ano.

79 Informações disponíveis no site do Tesouro Nacional do Brasil em agosto de 2016.

LDO (2013) LOA (2013) LDO (2014) LOA (2014) LDO (2015) LOA (2015) LDO(2016) LOA (2016)

2015 2016

PPA (2012-2015)...PPA (2009-2011) PPA (2016-2019)...

1º Mandato de Dilma 2º Mandato de Dilma...

2011 2012 2013 2014

120

despesas realizadas e as dotações disponíveis. A despesa orçamentária é, então, “o fluxo

que deriva da utilização de crédito consignado no orçamento da entidade, podendo ou

não diminuir a situação fiscal patrimonial” (ORAIR, 2011, p.11).

Já o enfoque patrimonial se assenta em uma análise mais ampla das transações,

privilegiando a observação de mudanças patrimoniais entre os entes envolvidos. Com

isso, as despesas implicariam em reduções no patrimônio líquido. Essa análise se torna

especialmente relevante quando se aprecia os investimentos públicos, já que sob esse

enfoque devem ser contabilizados como aquisição de ativos não financeiros (não

modificando o patrimônio líquido) e não apenas despesas orçamentárias80

. Segundo

Orair (2011), essa análise busca modernizar as normas e as práticas contábeis de acordo

com modelos internacionais, padronizando critérios para determinação de receitas e

despesas, além da melhor apreciação patrimonial (ativos e passivos) do governo. Nesse

sentido, o enfoque patrimonial vale-se da integração da análise de fluxos e de estoques.

Percebe-se, contudo, que o enfoque orçamentário ainda prevalece nas análises contábeis

do governo brasileiro e que, crescentemente, distorções entre recursos empenhados e

executados são constatadas.

Sob o enfoque orçamentário, no final do ano (no encerramento do exercício

contábil) normalmente haverão despesas empenhadas que não foram pagas, sendo

incorporadas na conta “restos a pagar” para serem quitadas nos exercícios seguintes. Se

essas despesas se encontram no primeiro estágio da execução orçamentária (empenho),

são classificadas como “restos a pagar não processados” (RAPsNP). Caso já estiverem

sido empenhadas e liquidadas, essas despesas são categorizadas como “restos a pagar

processados” - de serviços já prestados que estariam esperando apenas a realização da

terceira etapa da execução orçamentária.81

Orair (2011) assevera que o empenho, em si, não assegura a realização do

pagamento ou da prestação do serviço, ou seja, a inclusão de despesas em RAPsNP se

torna um artifício meramente contábil, já que não representa o momento econômico de

variações patrimoniais. Na prática, esse procedimento acaba considerando os RAPsNP

como despesas liquidadas, o que distancia as apreciações sob o enfoque orçamentário

80

Sob a ótica orçamentária, os investimentos são considerados despesas orçamentárias, já que implicam

em saídas de caixa autorizadas na LOA e vinculadas a créditos orçamentários (receitas) (ORAIR, 2011).

81 O reconhecimento de “despesas de exercícios anteriores” (após o encerramento do exercício financeiro)

não se enquadra em restos a pagar, pois são empenhadas no ano corrente, mesmo que o fato gerador tenha

ocorrido em períodos passados.

121

daquelas realizadas sob o enfoque patrimonial. Essas distorções se tornam ainda mais

relevantes se as inscrições em RAPsNP não forem liquidadas no exercício orçamentário

seguinte (elas podem ser canceladas ou postergadas). De acordo com Orair (2011),

grande parte do estoque da conta restos a pagar se refere a gastos com investimento que

são empenhados na esperança (ou promessa) de serem executados futuramente, mas

podem nunca sair da etapa de planejamento.

Ao longo do exercício financeiro é possível, também, que haja a necessidade

de efetuação de gastos públicos não planejados, ou seja, não previstos pela LOA.

Nessas situações o poder executivo expede a necessidade de “créditos adicionais”

através de uma Medida Provisória (MP). Os créditos adicionais podem ser classificados

como “suplementares” (para reforçar o orçamento existente), “especiais” (alocados para

despesas que não haviam orçamento específico) e “extraordinários” (para responder a

necessidades urgentes e imprevisíveis).

Por outro lado, os “contingenciamentos” implicam na execução de MP's para

reduzir gastos que estavam planejados na LOA. Esse fato pode ocorrer por frustrações

de receitas ou elevação de gastos devido a erros na estimação na fixação do orçamento

na LOA82

. O contingenciamento pode ser uma limitação de empenho ou de pagamento,

dependendo da fase em que ocorrer: a diferença entre a dotação autorizada e o limite

disponível para empenho será o contingenciamento que ocorrerá na primeira fase da

execução orçamentária; já a “diferença entre o montante das autorizações legais para

que se efetuem pagamentos (na forma de dotações autorizadas pela LOA ou por créditos

adicionais, inclusive quando as despesas correspondentes estiverem inscritas em restos a

pagar) e o limite de pagamento” serão os contingenciamentos que ocorrem na última

fase da execução orçamentária (SENADO FEDERAL, Nota Técnica Nº127/2013, p.2).

Conforme o artigo 9º da LRF83

:

Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita

poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário

ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o

Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes

necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e

movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de

82

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO - SECRETARIA DE

ORÇAMENTO FEDERAL, Manual Técnico de Orçamento, 2016.

83 Lei de Responsabilidade Fiscal, disponível no site do governo federal em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp101.htm> Acessado em janeiro de 2017.

122

diretrizes orçamentárias.

O capítulo 2º do artigo 9º da LRF afirma que “não serão objeto de limitação as

despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas

destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes

orçamentárias”. O capítulo 4º do referido artigo infere que o poder executivo deve demonstrar e

avaliar o cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre em audiência pública na CMO ou

nas instituições equivalentes para as esferas estaduais e municipais.

Conforme Tavares et al (2008), o estabelecimento de uma lei que obriga o

governo anunciar e cumprir uma meta anual de superávit primário modificou a forma

como se elabora e se executa o orçamento público, em que os contingenciamentos

passaram a ganhar importância como medidas de ajuste. O contingenciamento de gastos

possui como principal objetivo assegurar o cumprimento das metas de superávit

primário estabelecidas na LDO, sendo expedido por um Decreto de Contingenciamento

que limita a utilização de recursos que estavam previamente autorizados pela LOA. Em

consonância com o artigo 9º da LRF, as despesas contingenciáveis se referem aos gastos

discricionários ou não legalmente obrigatórios (investimentos e custeio). Quando o uso

desse mecanismo se tornou corriqueiro, os gestores do orçamento público passaram a

lidar com grandes incertezas quanto aos recursos disponíveis para realização de

investimentos, tornando-se um obstáculo para a execução de programas que visam o

desenvolvimento econômico no longo prazo. Ademais, esse fato cria incertezas também

ao setor privado que busca coordenar projetos com as diretrizes orçamentárias do

governo. Nas palavras de Rezende (2009, p.7):

A despeito de o contingenciamento ser uma medida necessária para

sustentar o ajuste fiscal, o uso renovado desse expediente e o volume

que ele tem alcançado criam grandes dificuldades para a gestão

pública. Com ele perde-se duas das principais virtudes do orçamento:

ser instrumento de um planejamento governamental inserido em uma

visão estratégica dos objetivos perseguidos pelas políticas públicas; e

fornecer orientação para decisões privadas que deveriam operar em

sintonia com o governo para potencializar o aproveitamento das

oportunidades de desenvolvimento do país.

(…) Dentre os vícios decorrentes do uso do contingenciamento,

destaca-se o encurtamento do horizonte sob o qual atuam as

organizações públicas encarregadas da gestão das políticas e

programas governamentais. Em face dele, os gestores encarregados

dessas políticas convivem com grandes incertezas com respeito à real

dimensão dos recursos com que irão contar para desempenhar suas

responsabilidades, e também quanto ao momento em que tais recursos

estarão disponíveis.

Essas incertezas afetam particularmente os investimentos, pois estes

dependem do cumprimento de exigências legais que levam tempo para

123

serem concluídas e que acabam por inviabilizar sua concretização

quando o cronograma de liberação das respectivas verbas

orçamentárias concentra essas liberações nos últimos meses do

exercício fiscal (REZENDE, 2009, p.7).

Outro fator destacado por Rezende (2009) é a crescente rigidez do orçamento

do governo que induz os ajustes fiscais pelos cortes de investimentos. Conforme o

autor, esse fato ocorre por um “efeito cremalheira”, que decorre, por um lado, das

necessidades de se elevar as receitas para cumprir as metas fiscais e, por outro, por esse

aumento ocorrer via contribuições sociais que são vinculadas constitucionalmente ao

financiamento da seguridade social. Embora o governo tenha conseguido desvincular

20% desses recursos para serem utilizados livremente, 80% de cada aumento das

contribuições sociais já teriam um destino definido, impelindo a um crescente

enrijecimento do orçamento. Outrossim, a necessidade de ajustar os gastos para cumprir

as metas fiscais provoca, nas palavras de Rezende (2009), um “efeito boomerang”. Os

contingenciamentos, os controles às liberações de recursos e as transferências de

pagamentos para os exercícios financeiros seguintes colaboram para a ineficiência da

gestão pública e dificultam a realização de maiores ajustes via corte de gastos,

demandando novos aumentos de receitas que reforçam o “efeito cremalheira”.

Os créditos adicionais e os contingenciamentos serviriam ao governo como um

sistema de ajuste à realidade fiscal corrente. Percebe-se que esses sistemas apresentam

um caráter curto-prazista, em que o cumprimento de metas temporárias (anuais) se torna

o objetivo último do governo. Dentro das amarras dessa institucionalidade o governo

criou outras alternativas para manter gastos e incentivos fiscais, como o empenho de

despesas no final do exercício contábil para serem pagas no exercício seguinte

(utilização crescente da conta “restos a pagar”), a antecipação de receitas e o atraso de

repasse de verbas para instituições financeiras públicas. Conforme já mencionado, os

mecanismos que buscam flexibilizar o regime fiscal por essas vias reduzem a

transparência da política econômica, podendo prejudicar a credibilidade do governo.

Para além das questões institucionais que contribuem para a ineficiência da

gestão orçamentária, deve-se compreender o impacto que os cortes de investimentos

públicos ocasionam no desenvolvimento econômico e, principalmente, as implicações

de se realizar esses contingenciamentos em momentos de queda das receitas do governo

– que estão correlacionadas com a queda da produção e da renda nacional. É possível

constatar que os investimentos públicos possuem um multiplicador elevado, ou seja,

124

impactam de forma positiva a renda e o crescimento econômico (REIS, 2008; MOURA,

2015; PIRES, 2009). Conforme desprendido no segundo capítulo, existem pelo menos

dois aspectos importantes para se considerar ao manter programas de investimentos

públicos: a sua capacidade de direcionar estrategicamente o desenvolvimento

econômico e a sua possibilidade de agir de forma anticíclica, sustentando o nível de

investimento ao longo de crises econômicas e acelerando a recuperação da economia.

No caso brasileiro, assevera-se a grande participação do Estado como um

propulsor do investimento industrial, que ficou caracterizado pela política de

substituição de importações que vigorou de forma intensa entre as décadas de 1950 e

1980. Contudo, a partir da década de 1990 é notória a incapacidade do governo de

impulsionar o desenvolvimento econômico. Em certa medida, esse fato se deu por uma

espécie de “restrição autoimposta” (nos termos da MMT, exposto na seção 2.2) via as

rígidas regras fiscais, que ainda acarretaram na institucionalização de um regime fiscal

pró-cíclico. À medida que as expectativas de crescimento econômico malogram, a

queda das receitas do governo impõe a redução de investimentos que tendem a agravar a

crise econômica, resultando em uma espiral recessiva na qual novos cortes de

investimentos serão necessários para contrapor novas quedas das receitas. Tendo isso

em vista, a partir de 2006 o governo brasileiro buscou meios para flexibilizar o regime

fiscal sem mudar, contudo, estruturalmente as regras e a organização do orçamento.

Pires (2009) afirma que as empresas estatais apresentam grande importância

para o crescimento da formação de capital fixo. Nesse sentido, a retirada de grandes

estatais do cálculo do superávit primário é um mecanismo importante para atenuar a

queda do nível de investimento no Brasil. Esse fato foi observado em 2009 com a

Petrobras e em 2010 com a Eletrobrás (através da Lei Nº12.377), abrindo margem para

o governo manter investimentos em setores estratégicos (de energia) e reduzir o esforço

fiscal para cumprir a meta de superávit primário. Nota-se, assim, o esforço para se criar

mecanismos de flexibilização da política fiscal. Não obstante, conforme demonstrado na

seção 3.1.3, esse fato acarretou forte desgaste ao governo pela pressão política pautada

por uma visão econômica ortodoxa que ganhou grande poder de influência ao longo da

década de 1990.

125

3.3. Desempenho do Regime de Metas Primárias e o seu Comportamento Frente

aos Ciclos Econômicos

3.3.1. Análise geral do desempenho do regime de metas primárias no Brasil

Após discorrer brevemente sobre a condução e mudanças estruturais do regime

macroeconômico ao longo da década de 1990 – alicerçada sob uma vertente ortodoxa –

e apontar as principais características da institucionalidade do regime fiscal brasileiro –

no qual as metas primárias anuais se sobressaem na organização do orçamento público –

cabe analisar o comportamento do regime fiscal de metas primárias frente aos seus

objetivos. Como a principal justificativa teórica da regra de superávit primário é a

sustentabilidade da dívida pública, busca-se analisar, brevemente, como foi esse

desempenho. Cabe enfatizar, em primeiro lugar, algumas diferenças conceituais, como

entre a Dívida Líquida e a Dívida Bruta do governo. Conforme o documento

“Austeridade e Retrocesso” (2016, p.35):

A dívida bruta é o total das dívidas do governo, principalmente os

títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional. A dívida líquida

corresponde à diferença entre a dívida bruta e os ativos que o governo

possui, como as reservas internacionais e os créditos junto às

instituições financeiras, ou seja, o dinheiro que o BNDES, o BB e a

Caixa devem ao Tesouro.

O quadro 2 apresenta os fatores condicionantes da Dívida Líquida do Setor

Público Consolidado (DLSP) de 2002 à 2016. O que se pretende apontar é a relevância

dos resultados primários para o comportamento dessa variável. Deve-se lembrar que

essa dívida é impactada pelo pagamento de juros e pela variação dos ativos (como as

reservas internacionais) e, com isso, também sofre grande influência das variações

cambiais.

A primeira observação que se pode fazer pela tabela é que a DLSP caiu de

forma significativa de 2002 (59,9% do PIB) até 2013 (30,5% do PIB). Ao longo desses

12 anos, o resultado primário do setor público apresentou uma média de 2,9% do PIB ao

ano, variando entre 3,7% (em 2004 e 2005) e 1,7% do PIB em 2013. O componente

crescimento do PIB colaborou para a redução da DLSP, em média 5% do PIB ao ano

nesse período (chegando a 8% em 2003). Já os juros nominais contribuíram para o

crescimento da DLSP em média 6% do PIB, entre 2002 e 2013. Percebe-se, com isso,

que o superávit primário e o crescimento do PIB contribuíram para a queda da DLSP,

126

mas não explicam a magnitude desse decréscimo.

Ressalta-se que a dívida externa foi reduzida de forma significativa e, em 2006,

o país se tornou “credor líquido”, devido à política de acúmulo de reservas cambiais

acima dos compromissos de curto prazo. Esse fato implica que, quando há uma pressão

para desvalorização cambial do Real, o governo brasileiro obtém ganhos patrimoniais.

Esse fato é observado na tabela em “ajuste cambial”. Enquanto em 2002 a

desvalorização cambial impactou para o crescimento da DLSP (em 9,8% do PIB), em

2008 e entre 2011 e 2015, a desvalorização cambial colaborou para a queda da DLSP.

Entre 2014 e 2016, percebe-se uma queda concomitante da contribuição do PIB

(com uma média de 1,8% ao ano, e apenas 1,2% em 2015) e dos resultados primários

(que, em média, apresentaram um déficit de 1,6% do PIB ao ano, portanto elevando a

dívida). Além disso, o pagamento de juros se elevaram de forma significativa, com uma

média de 6,7% nesses três anos. Deve-se lembrar que, em 2015, o governo realizou um

forte ajuste fiscal, apesar dos níveis da DLSP terem terminado o ano de 2014 em um

patamar relativamente baixo para os níveis históricos do país. Enquanto em 2014 a

DLSP ficou em 32,6% do PIB, a média entre 2002 e 2016 foi de 42,1% do PIB ao ano).

Nesse sentido, pode-se argumentar que haveria um espaço para a execução de políticas

fiscais anticíclicas diante da recessão que começava a se apresentar.

Quadro 2: Fatores Condicionantes da Dívida Líquida do Setor Público Consolidado, em

% PIB (2002-2016)

Fonte: BCB;

Elaborado pelo autor.

O quadro 3 apresenta os fatores condicionantes da dívida bruta do governo

geral – incluindo unidades federativas e municípios. O que é importante notar, nessa

tabela, é o elevado peso dos juros nominais para determinar o comportamento da dívida

%PIB / Ano 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

1.Dívida líquida total 59,9 54,3 50,2 47,9 46,5 44,5 37,6 40,9 38,0 34,5 32,2 30,5 32,6 35,6 45,9

1.1. variação acumulada no ano 8,4 -5,7 -4,1 -2,3 -1,4 -1,9 -7,0 3,3 -2,9 -3,5 -2,3 -1,7 2,1 3,0 10,3

2.Fatores condicionantes: 14,4 2,3 2,6 2,7 3,3 3,4 -1,4 5,8 2,9 0,7 0,9 1,4 4,4 4,2 12,0

2.1. NFSP 4,4 5,2 2,9 3,5 3,6 2,7 2,0 3,2 2,4 2,5 2,3 3,0 6,0 10,2 8,9

2.1.1. Primário -3,2 -3,2 -3,7 -3,7 -3,2 -3,2 -3,3 -1,9 -2,6 -2,9 -2,2 -1,7 0,6 1,9 2,5

2.1.2. Juros nominais 7,6 8,4 6,6 7,3 6,7 6,0 5,3 5,1 5,0 5,4 4,4 4,7 5,4 8,4 6,5

2.2. Ajuste cambial 9,8 -3,8 -0,9 -0,9 -0,3 0,8 -2,5 2,4 0,5 -1,5 -1,2 -1,8 -1,7 -6,4 3,2

2.2.1. Dívida interna indexada ao câmbio 5,1 -1,3 -0,2 -0,2 -0,1 -0,1 0,1 -0,1 0,0 -0,1 -0,1 -0,1 0,0 -0,3 0,1

2.2.2. Dívida externa - metodológico 4,7 -2,5 -0,7 -0,7 -0,2 0,9 -2,6 2,5 0,4 -1,4 -1,1 -1,7 -1,6 -6,2 3,1

2.3 Dívida externa - outros ajustes2/ 0,0 0,9 0,3 -0,1 0,1 -0,1 -0,8 0,3 0,0 -0,2 -0,1 0,3 0,2 0,4 0,0

2.4. Reconhecimento de dívidas 0,4 0,0 0,3 0,2 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,0 -0,1 0,0 -0,1 0,1 0,0

2.5. Privatizações -0,2 0,0 0,0 0,0 -0,1 0,0 0,0 -0,1 -0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

3. Efeito do crescimento do PIB sobre a dívida -6,0 -8,0 -6,6 -4,9 -4,8 -5,3 -5,6 -2,5 -5,8 -4,3 -3,1 -3,1 -2,4 -1,2 -1,7

127

bruta, compensando em quase todos os períodos o efeito do crescimento do PIB.

Apenas em 3 anos, dos 10 da série, o efeito do crescimento do PIB foi superior ao efeito

dos juros nominais (2008, 2010 e2013), momentos em que a dívida bruta se reduziu.

Isso reflete em um resultado nominal de elevado déficit, saindo de 3,0% do PIB em

2013 para 10,3% do PIB em 2015 Percebe-se, assim, que para sustentar a dívida bruta

com o elevado peso dos juros nominais, seria necessária uma média de crescimento

econômico muito elevada.

Deve-se salientar, também, que a dívida bruta é impactada pela gestão de

outros instrumentos da política macroeconômica, como a monetária e cambial. Por

exemplo, o banco central coloca títulos no mercado (com as operações

compromissadas) para enxugar liquidez e influenciar as taxas de juros de curto prazo.

Esse fato implica que, quando o governo busca acumular reservas ou fortalecer bancos

públicos, a contrapartida será a colocação de títulos no mercado para enxugar liquidez.

Esse mecanismo acaba impactando a dívida pública, apesar da contrapartida de acúmulo

de ativos pelo governo.

Por fim, o que se pretende apontar, é que o resultado primário não é o principal

fator que determina o comportamento da dívida pública brasileira. Esse argumento

divergiria da sustentação teórica das metas fiscais, que não conseguem abarcar a

complexidade dos fatores que incutiriam na sustentação da dívida pública no longo

prazo.

Quadro 3: Fatores Condicionantes da Dívida Bruta do Governo Geral, em % PIB (2007 -

2016)

Ano - %PIB 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

1. Dívida bruta do governo geral - saldo 56,7 56,0 59,2 51,8 51,3 53,7 51,5 56,3 65,5 69,5

1.1. Variação acumulada no ano 1,4 -0,7 3,2 -7,4 -0,5 2,4 -2,1 4,7 9,2 4,0

2. Fatores condicionantes: 7,6 6,4 7,0 1,0 5,3 7,1 3,1 8,7 11,3 7,2

2.2. Emissões líquidas 1,6 -1,3 2,2 -4,7 -0,9 1,6 -2,5 2,9 2,3 -0,3

2.3. Juros nominais 6,6 6,5 5,7 5,6 5,8 5,2 5,1 5,4 7,4 8,1

2.4. Ajuste cambial -1,0 1,2 -1,2 -0,1 0,3 0,2 0,4 0,4 1,5 -0,8

2.5. Outros 0,3 0,1 0,1 0,2 0,1 0,1 0,1 0,0 0,1 0,0

3. Efeito do crescimento do PIB sobre a

dívida -6,2 -7,1 -3,7 -8,4 -5,8 -4,7 -5,2 -4,0 -2,1 -3,1

Fonte: BCB

Elaborado pelo autor.

128

3.3.2. Notas metodológicas para a análise do aspecto cíclico do regime fiscal

Para compreender a crítica realizada ao regime fiscal brasileiro, convém

analisar especificamente a evolução de alguns dados das receitas e das despesas do

governo em comparação com a evolução do PIB. A ideia geral é compreender como se

comportam essas variáveis ao longo dos ciclos econômicos e deduzir os impactos que

alguns desses comportamentos têm no próprio ciclo. Utiliza-se dois tipos de gráficos:

um que analisa o comportamento das variações dos termos estudados ao longo do

tempo; e um gráfico de dispersão, que analisa as mesmas variações em analisa possíveis

correlações e tendências.

Em primeiro lugar, observa-se, através de gráficos teóricos, qual o

comportamento esperado de regimes fiscais pró-cíclicos e contracíclicos para,

posteriormente, compará-los aos dados referentes ao Brasil. Dessa forma, pode-se

visualizar como o regime fiscal se comportou em relação às variações do PIB e tecer

algumas conclusões relacionadas ao comportamento do regime fiscal brasileiro ao longo

dos ciclos econômicos.

O primeiro gráfico teórico (Figura 1) se refere ao comportamento pró-cíclico

do regime fiscal, ou seja, os itens analisados variam no mesmo sentido do ciclo

econômico – uma variação positiva do PIB é acompanhada por uma variação positiva

do termo analisado. Para alguns fatores esse comportamento pode ser considerado

normal e esperado, como é o caso de grande parte das receitas e dos gastos obrigatórios.

Sem dúvida, o comportamento da produção e do consumo (que determinam o PIB)

impactam diretamente as receitas tributárias do governo. Contudo, pode-se pensar em

outras receitas que não estão diretamente correlacionadas com a variação da produção

nacional, como as privatizações de empresas e as receitas de operações financeiras.

Já os gastos obrigatórios do orçamento estão, geralmente, vinculados

legalmente ao comportamento do PIB ou da arrecadação e, com isso, também

apresentam forte vinculação com o ciclo econômico84

. Percebe-se, também, que a

84

Como por exemplo, os gastos com educação estão vinculados a 18% da receita líquida dos impostos e

25% do orçamento estadual e municipal, além da contribuição ao Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) que

também é proporcional à arrecadação. A área da saúde é outra contemplada com vinculação de receitas –

com um gasto mínimo de 13,2% da receita líquida.

129

amplitude da variação das despesas e receitas é geralmente maior do que a da variação

do PIB, ou seja, pequenas variações no PIB podem provocar grandes variações nas

receitas e despesas do governo. Sem dúvida, existem diversos fatores que impactam as

receitas e despesas do governo central além do desempenho do PIB, e estimar a

elasticidade desses componentes requer um tratamento estatístico e econométrico

elaborado, o que não é a intenção deste trabalho. O que se propõem em análise é

observar tendências de comportamento conforme os dados disponibilizados pelo

governo e interpretá-las seguindo a visão teórica pós-keynesiana.

Figura 1: Gráfico Teórico Pró-Cíclico

Fonte: Elaborado pelo autor.

O gráfico de dispersão (Figura 2) explicita a correlação entre a variação dos

dois termos em análise. Quando os valores se encontram no segundo e terceiro

quadrantes, com uma linha de tendência positivamente inclinada, significa que os

termos variam no mesmo sentido, ou seja, trata-se de uma correlação positiva. Nesse

caso, indica-se um comportamento pró-cíclico. Quanto mais próxima a linha de

tendência estiver do ângulo de 45º, e caso os eixos estejam na mesma proporção, mais

nítida é a correlação: por exemplo, uma variação de 1% de um dado coincidiria com a

variação de 1% do outro, e o ponto se localizaria no segundo quadrante. Assim, para a

interpretação desse gráfico, deve-se atentar não só para a inclinação da linha de

tendência, mas também para a proporção dos eixos x e y.

t-2 t-1 t t+1 t+2

PIB - Ciclo Gastos Pró-Cíclicos

130

Figura 2: Gráfico Teórico de Dispersão – Pró-Cíclico

Fonte: Elaborado pelo autor.

O gráfico teórico da Figura 3 alude ao comportamento contracíclico de

variáveis do orçamento. Conforme mencionado anteriormente, é improvável que os

gastos obrigatórios e as receitas tributárias procedam dessa maneira. Contudo, em

consonância com uma visão pós-keynesiana, defende-se que o Estado deveria ampliar

deliberadamente outras despesas públicas em momentos de queda do produto, com o

intuito de retomar o crescimento econômico e a estabilidade fiscal. Nesse sentindo, a

reação esperada está nos gastos não vinculados, que deveriam, conforme o gráfico,

movimentar-se em sentido oposto à tendência do PIB. Esse fato poderia ser vislumbrado

pelos “estabilizadores automáticos” (como gastos com seguro-desemprego e outros

gastos sociais) e despesas discricionárias, principalmente os investimentos públicos.

Essa concepção segue uma interpretação keynesiana de que em momentos de

exacerbação das incertezas, quando o setor empresarial prefere a segurança da liquidez

ao risco de imobilização do capital, caberia ao Estado elevar os seus níveis de

investimento para sustentar a demanda efetiva e o nível de emprego. Conforme

discutido no capítulo 2, única fonte de demanda autônoma ao longo das recessões seria

o Estado, que seria o único agente capaz de elevar o dispêndio em momentos de

exacerbação das incertezas econômicas.

Ao manter o nível de emprego e de renda, juntamente com uma melhoria na

infraestrutura (e em bens públicos, em geral), o Estado estaria amenizando a queda do

crescimento econômico e abrindo espaço para a recuperação mais rápida das

expectativas dos empresários nacionais. Além disso, essa perspectiva implica na

possibilidade de se manter projetos estratégicos que visam direcionar o

desenvolvimento para setores que reduzam as vulnerabilidades econômicas do país,

131

elevando o encadeamento e a complexidade da estrutura produtiva. Não obstante, em

momentos de maior crescimento econômico o Estado teria condições de realizar

maiores superávits primários, mantendo o equilíbrio fiscal no longo prazo.

Figura 3: Gráfico Teórico Contracíclico

Fonte: Elaborado pelo autor.

No mesmo sentido do gráfico da Figura 2, o gráfico da Figura 4 apresenta a

dispersão, porém agora para o caso contracíclico. As mesmas ressalvas devem ser

mantidas em relação à proporção dos eixos e a inclinação da linha de tendência. Caso os

dados estejam localizados no primeiro e quarto quadrantes, implicaria que os termos das

duas séries variam em sentidos opostos: por exemplo, uma variação negativa do PIB

coincidiria com uma variação positiva dos gastos primários do governo central.

Outra ressalva de extrema relevância para a interpretação do gráfico de

dispersão é a necessidade de avaliar, separadamente, as tendências e inclinações das

variações, ou seja, o comportamento de aceleração da variação de um período em

relação ao anterior (o sinal da segunda derivada):

∆𝑋𝑡 > ∆𝑋𝑡−1, aceleração; ∆𝑋𝑡 < ∆𝑋𝑡−1, desaceleração.

Esse fato é importante pois em alguns casos o sinal da variação dos termos

analisados e a tendência de evolução dessas variações acarretam em interpretações

contraditórias do gráfico de dispersão. Além disso, é necessário uma análise qualitativa

do comportamento de alguns períodos da série que, tanto pela tendência quanto pelo

sinal de variação, podem distorcer a análise. Um exemplo é quando o PIB desacelera,

porém continua com uma variação positiva (variando de 5% para 1%, por exemplo), e

as despesas variam negativamente, porém com tendências de redução da queda

(variando de -5% para -1%); nesse caso não poderia se afirmar que as variáveis evoluem

t-2 t-1 t t+1 t+2

PIB - Ciclo Gastos Contracíclicos

132

de forma contracíclica, apesar de os pontos se encontrarem no quarto quadrante,

distorcendo a angulação da linha de tendência. Em vista disso, deve-se atentar para o

comportamento da segunda derivada e avaliar de forma qualitativa o modo como a série

reagiu.

Figura 4: Gráfico Teórico de Dispersão – Contracíclico

Fonte: Elaborado pelo autor.

Uma terceira alternativa é a manutenção do dispêndio do governo em

patamares relativamente estáveis ao longo de todo o ciclo econômico. Denomina-se esse

arranjo de gastos acíclicos (Figura 5). Algumas variáveis podem se elevar ou cair

continuamente ao longo do tempo independentemente da variação do PIB. Um

exemplo, no caso brasileiro, são os gastos com a previdência pública, que tendem a se

elevar continuamente por fatores a parte do crescimento econômico, muito influenciada

por questões demográficas. Ao se tratar de investimentos públicos, a evolução acíclica

poderia ser interessante para oportunizar projetos de longo prazo que necessitam de

recursos de forma continuada, como por exemplo, investimentos de infraestrutura que

tendem a melhorar a capacidade produtiva, com elevado grau de encadeamento com a

produção privada e, com isso, elevado efeito multiplicador.

Contudo, os gastos acíclicos poderiam seguir uma tendência inversa, sendo

reduzidos de forma sistemática ao longo do tempo. Esse fato poderia resultar de regras

que impõe limites aos gastos, como o Projeto de Emenda Constitucional proposto pelo

governo Temer (2016), que impõe um teto aos gastos primários reais do governo federal

ao nível de 2016. Assim, dependendo da institucionalidade do regime fiscal as despesas

acíclicas pode apresentar tendências de crescimento (uma característica expansionista)

ou de decrescimento (com caráter contracionista). Já um gráfico de dispersão desse

modelo tenderia a uma inclinação vertical, caso o PIB esteja representado no eixo x e os

133

gastos do eixo y. No caso de um regime acíclico expansionista, os dados estariam

concentrados nos quadrantes 1 e 2, e no caso contracionista, nos quadrantes 3 e 4.

Figura 5: Gráfico Teórico Acíclico

Fonte: Elaborado pelo autor.

Antes de iniciar a análise dos indicadores fiscais brasileiros, cabe uma breve

observação sobre a sazonalidade e o ciclo orçamentário. Em primeiro lugar, destaca-se

uma tendência de se acelerar os dispêndios com investimentos no final do ano,

principalmente nos meses de dezembro. Conforme Orair, Gouvêa e Leal (2014) esse

fato reflete o padrão de execução orçamentária em que as despesas discricionárias

apresentam uma defasagem em relação à arrecadação, além da liberação de recursos

tender a uma maior flexibilidade no final do exercício financeiro.

Esses autores captaram ainda a influência de um ciclo eleitoral sobre os gastos

com investimentos públicos. Seguindo essa análise, existe uma tendência de se

aumentar os gastos diretos com investimentos pelo governo federal em anos de eleições

presidenciais (ciclo quadrienal) e uma tendência de elevação das transferências para os

entes subnacionais em anos de eleições estaduais e municipais (ciclo bienal). Referindo-

se a um mandato presidencial, então, existe uma propensão para se executar uma

política austera no primeiro ano de governo, aumento das transferências para os

municípios no segundo ano e elevação de gastos diretos do governo federal e de

transferências para os estados no último ano. Dessa forma, ao se analisar a influência

dos ciclos econômicos sobre a gestão orçamentária, deve-se ter a ciência de que,

concomitantemente, essas questões políticas também atuam.

Orair, Siqueira e Gobetti (2016) destacam as dificuldades de realização de

estudos empíricos para o Brasil devido à limitação dos dados fiscais divulgados pelo

governo – tanto pela periodicidade (não sendo longas suficientes para estimar resultados

t-2 t-1 t t+1 t+2

PIB - Ciclo Gastos Acíclicos Expansionistas Gastos Acíclicos Contracionistas

134

mais robustos), pela cobertura das três esferas de governo ou por distorções de

divulgação (como por exemplo, devido à contabilidade criativa). Outra limitação de

diversos estudos empíricos é a não captação das variáveis fiscais dos entes subnacionais

(estados e municípios), que, conforme Orair, Siqueira e Gobetti (2016), são

responsáveis por parte significativa dos gastos públicos primários. Nesse sentido, essa

dissertação apresenta a mesma limitação, por tratar apenas das variáveis de gastos do

governo central e não realizar os tratamentos estatísticos utilizadas por esses autores.

Deve-se reconhecer, assim, que este trabalho optou pela utilização simples dos dados

disponibilizados pelo governo e, atenta-se na análise qualitativa sobre especificidades

destacadas por outros estudos.

Para amenizar a influência da sazonalidade das séries, optou-se por utilizar

dados trimestrais acumulados em 4 trimestre e compará-los ao mesmo período do ano

anterior: por exemplo, compare-se a soma do terceiro trimestre de 2016 ao quarto

trimestre de 2015 com a soma do terceiro trimestre de 2015 ao quarto trimestre de 2014.

Ao acumular em 4 trimestres o fator sazonal é suavizado ao longo da série histórica, e

ao comparar com o agregado do mesmo período do ano anterior – e não com o agregado

dos 4 trimestres exatamente anteriores – evita que apenas a evolução do último trimestre

influencie na variação. Essa metodologia também é utilizada pelo IBGE na divulgação

das contas nacionais trimestrais85

.

A vantagem de utilizar dados trimestrais é o aumento da amostra: uma série

anual teria a vantagem de eliminar a sazonalidade que ocorre ao longo do ano, mas teria

poucas observações e dificultaria a extração de insights mais robustos. Além disso, a

série trimestral permite certa acomodação da influência de lags que não seria

contemplada em uma série mensal. Isso porque o impacto da variação do PIB, das

receitas e das despesas podem não ocorrer no mesmo mês, o que poderia distorcer a

análise. Uma série mensal teria a vantagem de fornecer maior número de dados,

contudo seria distorcida pelo provável lag temporal que há entre as correlações das

variáveis analisadas. Para observar com maior cuidado os períodos de interesse que

serão destacados, convém analisar não só a variação trimestral, mas a tendência de

aceleração ou desaceleração (a segunda derivada) de mudanças entre um trimestre e

outro.

85

Divulgação disponível no site do IBGE em “indicadores” // “contas nacionais trimestrais” // “tabelas

completas”: <>. Acessado em janeiro de 2017.

135

Os dados utilizados foram a série da variação trimestral do PIB

(dessazonalizada, disponibilizada pelo IBGE, metodologia nova revisada em 2015), das

Receitas Primárias Totais do Governo Central, das Despesas Primárias Totais do

Governo Central e das Despesas Discricionárias do Governo Central (disponibilizados

pela STN) de 1999 até 2015 (ou até o terceiro trimestre de 2016). Os dados da STN

foram deflacionados pelo IPCA de novembro de 2016, conforme metodologia utilizada

pela própria STN.

Um fator crucial para compreender a pró-ciclicidade do regime fiscal brasileiro

é observar o comportamento do efeito multiplicador dos diferentes componentes do

orçamento público. Nesse sentido, Orair, Siqueira e Gobetti (2016) realizam uma

análise econométrica para estimar os efeitos multiplicadores de diferentes tipos de

gastos públicos ao longo dos ciclos econômicos. Os autores utilizam a metodologia

STVAR (smooth transition vector autoregression). Ao utilizar a abordagem VAR por

modelos não lineares com mudança de regime é possível captar variações do efeito

multiplicador em diferentes fases do ciclo econômico.

Os resultados de Orair, Siqueira e Gobetti (2016) converge com o de outros

estudos que utilizam a mesma metodologia para captar o impacto fiscal ao longo das

flutuações do produto da economia, concluindo que os investimentos públicos

impactam de forma significativa o crescimento econômico nas fases de baixa do ciclo.

Esse fato converge com o que foi colocado no capítulo 2, ao se discorrer sobre a visão

teórica de Keynes e Kalecki acerca da importância fundamental da variável

investimento na dinâmica capitalista, bem como a grande relevância do Estado para

sustentar os níveis de crescimento e emprego. Em vista disso, cabe uma breve análise

sobre a variável investimento no Brasil.

3.3.3. Notas sobre a variável “investimento” no Brasil

Ao se tratar dos investimentos públicos, Orair e Siqueira (2016) esclarecem

que não é trivial elaborar uma série que represente de forma fidedigna os investimentos

do governo. Os gastos discricionários do governo incluem despesas com custeio e,

portanto, incluem diversos gastos além de investimentos. Até os dispêndios com o PAC

136

não podem ser seguidos como proxy de investimentos, já que passaram a incluir outros

gastos em sua conta. Segundo os autores, o melhor é observar a Formação Bruta de

Capital Fixo (FBCF), contudo essa série também não é trivialmente elaborada, sendo

necessário acesso ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo

Federal (SIAFI). Devido à dificuldade de acesso a essas séries, esse trabalho se ateve

aos dados disponibilizados por Orair e Siqueira (2016) ao abordar a FBCF do governo.

O IBGE disponibiliza a série de FBCF das contas nacionais, o que inclui

sistema privado e público, e que são úteis para compreender a lógica da taxa de

investimentos ao longo dos ciclos econômicos. Ao analisar essa série (no acumulado de

4 trimestres em relação ao mesmo período do ano anterior), pode-se indicar, através dos

gráficos das Figuras 6 e 7, um viés pró-cíclico, o que reforça a visão teórica de Keynes e

Kalecki quanto à importância do investimento para a dinâmica econômica. Por ser uma

variável de extrema relevância para a sustentação do crescimento, a FBCF do governo

possui uma importância estratégica para a atuação anticíclica, já que, conforme Orair e

Siqueira (2016), apresenta elevado efeito multiplicador nas fases descendentes do ciclo

econômico.

Figura 6: Variação do PIB e da FBCF acumulados em 4 trimestres em relação ao mesmo

período do ano anterior (1998.IV - 2016.III)

Fonte: IBGE. Elaborado pelo autor.

-20%

-15%

-10%

-5%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

PIB

Formação Bruta de Capital Fixo

137

Figura 7: Dispersão entre PIB e FBCF - taxa acumulada em 4 trimestres em relação ao

mesmo período do ano anterior (1998.IV - 2016.III)

Fonte: IBGE. Elaborado pelo autor.

Através da tabela 3 se pode analisar a aceleração da variação de um período e

relação ao anterior, ou seja, a análise do sinal da segunda derivada para a série da FBCF

em relação ao PIB. Percebe-se que em 85% dos casos essa variável se comportou de

forma pró-cíclica (tanto o PIB e a FBCF se aceleram ou desaceleraram no mesmo

sentido em relação ao período anterior) e em apenas 5% a FBCF acelerou (teve um

crescimento maior em relação ao período anterior) enquanto o PIB decaiu.

Quadro 4:Tendências de variação do PIB e da FBCF, dados trimestrais acumulados nos

últimos 4 trimestres em relação ao mesmo ao mesmo período (1998.IV - 2016.III)

Fonte: IBGE; Elaborado pelo autor.

Os gráficos das Figuras 8 e 9 ilustram a variação anual do investimento público

do governo central. Utiliza-se os dados estimados por Orair e Siqueira (2016, p.16) que,

conforme já mencionado, captou a FBCF do governo como proxy para os investimentos

públicos. Embora a série anual disponibilize um menor número de dados, ainda pode-se

perceber uma tendência pró-cíclica na evolução dos gastos com investimento público. A

exceção só teria ocorrido em 2009, quando o PIB sofre uma queda e os investimentos

-20%

-15%

-10%

-5%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

-6% -4% -2% 0% 2% 4% 6% 8% 10%

∆FBCF

∆PIB

Unid. Amostra % Amostra Unid. Amostra % Amostra

Crescente

(PIBt > PIBt-1)28 38% 7 10%

Decrescente

(PIBt < PIB t-1)4 5% 34 47%

Crescente (FBCFt > FBCFt-1) Decrescente (FBCFt < FBCFt-1)

FBCF

PIB

Amostra Total = 73

138

do governo central se elevam. Como será observado, até 2003 os investimentos

mantiveram maior correlação com as receitas primárias do que com o PIB, dado o

período de crescimento das receitas tributárias.

Figura 8: Variação anual do PIB e do Investimento do Governo Central (1999 - 2015)

Fonte: Orair e Siqueira (2016, p.16). Elaborado pelo autor.

Figura 9: Dispersão entre a variação anual do PIB e do Investimento do Governo Central

(1999 – 2015)

Fonte: Orair e Siqueira (2016, p.16). Elaborado pelo autor.

Observando-se a evolução da variação do investimento e das receitas primárias

do governo central (Figura 10), o fator pró-cíclico fica mais nítido, principalmente no

início da série (de 1999 a 2003) onde o gráfico 8 não apresentou uma tendência clara.

Percebe-se, com isso, a característica “curto-prazista” da realização dos investimentos,

que tendem a variar com o as receitas, seguindo um viés de “finanças saudáveis”

(criticado pela MMT na seção 2.2). O gráfico de dispersão (Figura 11) corrobora a

139

tendência de os investimentos do governo central variarem no mesmo sentido das suas

receitas primárias.

Figura 10: Variação anual do Investimento e das Receitas Primárias do Governo Central

(1999 - 2015)

Fonte: Orair e Siqueira (2016, p.16); STN. Elaborado pelo autor.

Figura 11: Dispersão entre a variação anual do Investimento e das Receitas Primárias do

Governo Central (1999 – 2015)

Fonte: Orair e Siqueira (2016); STN. Elaborado pelo autor.

Seguindo o quadro 4, extraída de Orair e Siqueira (2016, p.16), alude-se que o

investimento público no Brasil teve apenas uma fase claramente expansionista desde a

década de 1990, o período entre 2006 e 2010. Conforme Orair e Siqueira (2016), a

política fiscal brasileira foi restritiva até 2005 e expansionista entre 2006 e 2014.

Contudo, entre 2006 e 2010, a expansão ocorreu com predominância da expansão dos

investimentos públicos, enquanto a partir de 2011 a estratégia prevalente foi a de

140

desonerações e incentivos fiscais ao setor privado. Conforme já discutido na seção

3.1.3, a expansão dos investimentos do governo, a partir de 2006, refletiram a mudança

de visão da equipe econômica acerca do papel que o Estado deve desempenhar na

economia. Conforme a tabela 5, esse período também coincidiu com a maior taxa de

crescimento econômico da série. Conforme Orair e Siqueira (2016, p.17):

A ascensão dos investimentos no quinquênio 2006-2010 reflete não

somente a flexibilização da política fiscal, que removeu

temporariamente entraves orçamentários, mas também uma mudança

de posicionamento do governo, no sentido de reassumir seu papel no

planejamento estratégico. Essa mudança foi consubstanciada na

formulação de programas estratégicos e na retomada de grandes

projetos de investimentos.

Quadro 5: Investimento do Governo Central e do Governo Geral – Taxa de Crescimento

ao ano

Período Gov.

central

Gov.

geral PIB

1994- 1998 -5,1% -2,7% 2,6%

1998- 2002 -1,2% -2,0% 2,3%

2002- 2006 -0,6% 0,6% 3,5%

2006- 2010 25,4% 13,5% 4,6%

2010- 2014 -0,4% -0,1% 2,2%

2011- 2015 -6,2% -4,0% 0,3% Fonte: Orair e Siqueira (2016, p.16).

3.3.4. O regime fiscal e os ciclos econômicos no Brasil

Após tratar da variável “investimento”, considerada “chave” para a

interpretação da dinâmica dos ciclos econômicos, busca-se nessa seção discorrer sobre

outros agregados do orçamento do governo central, enfatizando as receitas e despesas

primárias totais e os gastos discricionários. Seguindo essa análise, observa-se o

comportamento dessas variáveis ao longo dos ciclos econômicos a fim de se estabelecer

as relações levantadas pelas hipóteses defendidas nesse trabalho.

O gráfico da Figura 12 analisa a variação trimestral das Receitas Primárias

Totais do Governo Central e do PIB, acumulados nos últimos 4 trimestres, em relação

ao mesmo período do ano anterior. Conforme já mencionado na seção 3.3.2, nota-se a

maior volatilidade das receitas, ou seja, variações no PIB tendem a provocar oscilações

de maior magnitude nas receitas. É perceptível que o comportamento das receitas flutua

ao redor do comportamento do PIB em praticamente toda a série histórica a partir de

141

2003, e mais explícito nos momentos de vale (2009, 2014 e 2015) e de pico (2004, 2008

e 2010) do ciclo.

Contudo, alguns subperíodos podem ser ressaltados, evidenciando diferentes

estratégias de política econômica em cada governo e aspectos conjunturais relevantes. O

período entre 1998 e 2002, quando se realizou as mudanças estruturais na condução da

política macroeconômica, também foi um momento de elevação da carga tributária e de

busca por receitas extraordinárias86

. Em vista disso, a base de comparação das receitas

no início da série analisada, no quarto trimestre de 1998, era elevada (11,92%),

enquanto o PIB se mantinha praticamente estagnado (0,34%). Com isso, se observa um

movimento contracíclico das receitas em relação ao PIB no início da série.

A partir de 2003 percebe-se uma maior aderência das Receitas ao

comportamento do PIB. O período de maior crescimento econômico, a partir de 2004,

com a breve interrupção pela crise de 2009, indicam essa tendência – com destaque para

o pico da variação das receitas no terceiro e quarto trimestres de 2010 (21,58% e

18,44%), coincidindo com o período de maior crescimento econômico (7,46% e 7,53%)

da série. A utilização das políticas de desonerações fiscais a partir de 2011 estariam

indicadas no gráfico, quando se observa uma variação negativa de 2,98% das receitas no

segundo trimestre de 2012. A partir do quarto trimestre de 2014 aponta-se que o baixo

crescimento econômico colaborou para a queda continuada das receitas primárias totais

do governo central.

86

Conforme Orair et al (2013), a carga tributária em 1998 era de 27,7% do PIB, passando para 32,3% do

PIB em 2002.

142

Figura 12: Variação do PIB e da Receita Total do Gov. Central – taxa acumulada em 4

trimestres em relação ao mesmo período do ano anterior (1998.IV – 2016.III)

Fonte: IBGE; STN. Elaborado pelo autor.

O gráfico da Figura 13, de dispersão, busca evidenciar que as variações entre o

PIB e as Receitas Primárias mantiveram o mesmo sinal. Cabe enfatizar a diferença de

escala entre os dois eixos: enquanto o eixo x (que mede a variação trimestral do PIB)

está em escala de 2, o eixo y (da variação trimestral das receitas) está em escala de 5.

Esse fato ocorre porque a amplitude da variação dos dados da receita é muito maior do

que as do PIB, sendo necessário expandir a escala para captar todos os dados. Isso

implica que para a linha de tendência apresentar um ângulo de 45º, que representaria

uma correlação perfeita, para uma variação de dois pontos percentuais do PIB as

receitas deveriam variar 5 pontos percentuais, o que poderia distorcer a interpretação da

inclinação da linha de tendência. Nesse sentido, o fato da linha de tendência estar mais

horizontal, deve ser analisado com cuidado, já que as variações estão em escalas

diferentes.

143

Figura 13: Dispersão entre PIB e Receita Total do Gov.Central - taxa acumulada em 4

trimestres em relação ao mesmo período do ano anterior (1998.IV – 2016.III)

Fonte: IBGE; STN. Elaborado pelo autor.

Deve-se ressaltar, ainda, que em apenas 7 períodos da série (que possui 73

trimestres) as receitas totais do governo central apresentaram sinal de variação oposta à

do PIB, e em apenas 5 as receitas tiveram variação negativa, ou seja, os dados se

encontraram no quarto quadrante do gráfico 13. Assim, apenas em dois trimestres o

sinal de variação do PIB foi negativo enquanto o das Receitas foi positivo – primeiro

quadrante do gráfico 13.

Além de analisar o sinal das variações, convém explicitar a tendência de

aceleração (sinal da segunda derivada) das variações das receitas primárias totais do

governo central em relação ao PIB (quadro 6). Percebe-se que em 67% dos casos da

amostra as receitas se comportaram com tendência pró-cíclica, ou seja, quando a

variação das receitas de um período se acelerou (ou desacelerou) em relação ao anterior,

o PIB se comportou da mesma maneira, se acelerando (ou desacelerando). Em apenas

18% da amostra as receitas primárias mantiveram tendência de elevação enquanto o PIB

decaiu, e dentre esses, apenas no segundo trimestre de 1999 o PIB apresentou sinal de

variação negativo (-0,19%) e as Receitas positivo (10,15%).

144

Quadro 6: Tendências de variação do PIB e da Receitas Primárias, dados trimestrais

acumulados nos últimos 4 trimestres em relação ao mesmo ao mesmo período (1998.IV -

2016.III)

Fonte: IBGE; STN. Elaborado pelo autor.

Os gráficos das Figuras 14 e 15 analisam a correlação entre a variação das

Despesas Primárias Totais do Governo Central e do PIB. Da mesma forma que as

receitas, percebe-se que as despesas flutuaram ao redor do comportamento da variação

do PIB após 2004. Cabem, brevemente, algumas notas sobre alguns diferentes períodos.

O primeiro período que se observa um descolamento das tendências entre as

duas variáveis é o ano de 2001. Contudo, como será observado no gráfico 16, o

crescimento das despesas primárias totais acompanhou a tendência das receitas nesse

ano, mesmo com a queda do PIB. Já em 2009, o descolamento entre o comportamento

do PIB e das Despesas Totais indica a ação de políticas fiscais anticíclicas, em que tanto

as receitas quando o PIB decaíram. O terceiro momento em que as Despesas Totais não

acompanham a tendência do PIB é em 2016, como resultado do pagamento das

“pedaladas fiscais” (conta reordenamento de passivos) que começaram a ser realizadas

em 2015.

Com uma breve desaceleração no quarto trimestre de 2009, as despesas

primárias voltam a se elevar e atingem um pico no quarto trimestre de 2010 (16,3%)

acompanhando o pico de maior crescimento do PIB de toda a série (de 7,53%). No

terceiro trimestre de 2011 aponta-se o ajuste fiscal do início do governo Dilma, com

uma queda de 2,72% das despesas primárias totais em relação ao mesmo período de

2010.

Unid. Amostra % Amostra Unid. Amostra % Amostra

Crescente

(PIBt > PIBt-1)24 33% 11 15%

Decrescente

(PIBt < PIB t-1)13 18% 25 34%

PIB

Receitas Primárias (RP)

Decrescente (RPt < RPt-1)Crescente (RPt > RPt-1)Amostra Total = 73

145

Figura 14: Variação trimestral do PIB e das Despesas Primárias Totais do Governo

Central – acumulado em 4 trimestre em relação ao mesmo período do ano anterior

(1998.IV - 2016.III)

Fonte: IBGE; STN. Elaborado pelo autor.

O gráfico da Figura 15, de dispersão, também apresenta escalas diferentes entre

os eixos, do mesmo modo como o gráfico 13. Em 16 períodos as despesas primárias

totais variaram com sinal oposto ao do PIB, porém dentre estes, apenas 7 trimestres

apresentaram tendências de aceleração opostas analisadas pela segunda derivada. Esse

fato acaba influenciando a inclinação da linha de tendência, já que diversos dados que

se encontram nos quadrantes 1 e 4 não apresentaram comportamento contracíclico de

fato. Um exemplo é o ano de 2003, em que o PIB desacelerou ao longo do ano (saindo

de um crescimento de 3,59% no primeiro trimestre para 1,14% no quarto trimestre) e as

despesas primárias saíram de um crescimento de 2,21% para -3,87%. Apesar de se

compreender um comportamento pró-cíclico, o quarto trimestre de 2003 se encontra no

quarto quadrante, distorcendo a sua interpretação. Outro fator relevante é que dos 12

trimestres em que o PIB apresentou variação negativa, em 9 as despesas variaram de

forma positiva87

, e apenas no terceiro e quarto trimestres de 2009 esse fato indicaria

uma política anticíclica deliberada.

Cabe ressaltar, ademais, que ao analisar o comportamento da aceleração em

relação ao período anterior, através do quadro 7, em 58% dos casos da amostra as

despesas primárias apresentam tendências pró-cíclicas. Em 18 trimestre as despesas se

aceleraram enquanto o PIB desacelerou, contudo, deve-se considerar que em alguns

87

Nesse caso, os dados se encontram no primeiro quadrante do gráfico da Figura 15.

146

períodos isso não representou uma estratégia de política fiscal (como a partir de 2015,

quando esse fato foi uma consequência dos pagamentos das “pedaladas fiscais”)88

.

Assim, é perceptível que alguns fatores influenciaram para que a linha de tendência

apresente uma inclinação mais horizontal, porém ao analisar mais atentamente, percebe-

se que foram raros os momentos que o governo central realizou uma estratégia

deliberada de ação anticíclica dos gastos primários.

Figura 15: Dispersão entre a Variação Trimestral do PIB e das Despesas Primárias Totais

do Governo Central – acumulado em 4 trimestres em relação ao mesmo período do ano

anterior (1998.IV - 2016.III)

Fonte: IBGE; STN. Elaborado pelo autor.

Quadro 7: Tendências de variação do PIB e das Despesas Primárias, dados trimestrais

acumulados nos últimos 4 trimestres em relação ao mesmo ao mesmo período (1998.IV -

2016.III)

Fonte: IBGE; STN. Elaborado pelo autor.

O gráfico da Figura 16 estuda a correlação entre as Receitas e Despesas

Primárias do Governo Central, onde se aponta a tendência do orçamento do governo se

88

Dos 18 trimestres em que as despesas primárias se aceleraram enquanto o PIB desacelerou, em 11 o

sinal de variação foi o mesmo, e em 7 períodos o sinal foi inverso.

Unid. Amostra % Amostra Unid. Amostra % Amostra

Crescente

(PIBt > PIBt-1)22 30% 13 18%

Decrescente

(PIBt < PIB t-1)18 25% 20 27%

Amostra Total = 73

PIB

Despesas Primárias (DP)

Crescente (DPt > DPt-1) Decrescente (DPt < DPt-1)

147

ajustar no curto prazo para cumprir as metas primárias. Somente em 2009 e 2015-2016

é nítido o descolamento das tendências das duas séries – por motivos já mencionados. O

gráfico 16 indicaria um comportamento de curto-prazo, de controle das despesas em

relação às receitas, em quase toda a série histórica.

Figura 16: Variação Trimestral das Receitas Primárias Totais e Despesas Primárias Totais

do Governo Central – Acumulado em 4 trimestres em relação ao mesmo período do ano

anterior (1998.IV – 2016.III)

Fonte: STN. Elaborado pelo autor.

Um dos componentes de maior interesse para analisar o caráter cíclico do

regime fiscal são os gastos não vinculados legalmente, ou seja, as despesas

discricionárias do governo. Esse é um fator central para compreender a

institucionalidade do regime fiscal brasileiro. Com a finalidade de cumprir as metas

fiscais anuais estipuladas pela LDO, essas despesas se tornam o fator de ajuste e, por

isso, embute um caráter de curto-prazo. A pró-ciclicidade dessa variável é

especialmente problemática, já que incluem despesas com elevado efeito multiplicador,

como parte dos investimentos públicos. Nesse sentido, a institucionalidade de

contingenciar gastos discricionários para cumprir as metas fiscais acabaria prejudicando

o crescimento econômico, ao mesmo tempo em que a queda do crescimento do PIB

impacta negativamente as receitas, forçando a novos cortes de despesas para o

cumprimento das metas fiscais. As despesas discricionárias, por não possuírem nenhum

vínculo legal, são as que apresentam maior facilidade de manejo e, assim, as primeiras a

serem contingenciadas.

O gráfico da Figura 17 aponta, então, a tendência pró-cíclico das despesas

discricionárias do governo central. Cabe enfatizar a grande volatilidade dessa variável

148

(eixo da direita) que teve um pico de 45,96% no terceiro trimestre de 2010, e um vale de

-26,17% no quarto trimestre de 2003. Chama a atenção, também, os períodos em que a

política fiscal foi mais rígida, do primeiro trimestre de 2003 ao segundo trimestre de

2004 (com uma média de -14,25% de variação das despesas discricionárias) e do

terceiro trimestre de 2011 ao segundo trimestre de 2012 (quando a variação média

dessas despesas foram de -16,34%). A partir de 2014 as despesas discricionárias voltam

a cair de forma significativa, acompanhando a queda do PIB.

Cabe destacar, ainda, a ação de política anticíclica do governo central entre o

primeiro trimestre de 2009 e primeiro trimestre de 2010, quando a média de crescimento

econômico foi de 1,02% e a expansão das despesas discricionárias foi de 12,62%. A

partir do terceiro trimestre de 2010 até o segundo trimestre de 2011, a variação das

despesas discricionárias se acelerou de forma significativa (com uma média de

crescimento de 39,93%) acompanhando o expressivo crescimento do PIB (com uma

média de 6,79%).

O gráfico da Figura 18, de dispersão, também sofre distorções ao observarmos

as relações da aceleração de um período em relação ao anterior (sinal da segunda

derivada). Em 15 períodos os dados se localizam ou no primeiro quadrante (3) ou no

quarto (12), o que indicaria um comportamento contracíclico. Contudo, apenas em 4

trimestres a aceleração das despesas discricionárias e do PIB apresentaram tendências

opostas.

Figura 17: Variação Trimestral do PIB e das Despesas Discricionárias do Governo

Central – Acumulado em 4 trimestres, em relação ao mesmo período do ano anterior

(1998.IV – 2016.III)

Fonte: IBGE; STN. Elaborado pelo autor.

149

Figura 18: Dispersão entre PIB e Despesas Discricionárias do Governo Central –

Acumulado em 4 trimestres, em relação ao mesmo período do ano anterior (1998.IV –

2016.III)

Fonte: IBGE; STN. Elaborado pelo autor.

Atentando-se para o quadro 8 que observa a aceleração em relação ao período

anterior, aponta-se que em 60% dos casos as despesas discricionárias mantiveram

tendências pró-cíclicas, e em 21% as despesas discricionárias se aceleraram enquanto o

PIB desacelerou. Ao observar mais atentamente para o caso em que as despesas

discricionárias se elevaram enquanto o PIB decaiu, percebe-se que dos 15 trimestres em

que isso ocorreu, em 12 as duas séries mantiveram o mesmo sinal de variação (em 10

períodos ambas variaram com sinal positivo, estando no segundo quadrante do gráfico

de dispersão, apesar de terem apresentado tendências contrárias de crescimento

conforme o sinal da segunda derivada).

Esse fato pode ser explicado tanto por períodos como o primeiro trimestre de

2009 (quando o PIB saiu de um crescimento de 5,09% no quarto trimestre de 2008, para

2,97%, enquanto as despesas discricionárias variaram de 9,06% para 13,17%); quanto

por períodos como o segundo trimestre de 2008 (quando o PIB apresentou leve queda

em relação ao primeiro trimestre de 2008, de 6,30% passou para 6,25%, e as despesas

discricionárias apresentaram leve crescimento, de 10,08% para 10,09%).

Percebe-se que enquanto o período de 2009 se apreende que o governo agiu de

forma contracíclica – pela magnitude da queda do crescimento econômico e da elevação

dos gastos discricionários, o período de 2008 as flutuações foram muito pequenas, não

podendo caracterizar uma reação de política econômica. Mesmo assim, em ambos os

casos os dados se encontram no segundo quadrante, que indicaria um comportamento

150

pró-cíclico e, assim, distorcendo a análise.

Entre o terceiro trimestre de 2011 até o segundo trimestre de 2012 o PIB decaiu

de forma continuada (de 4,76% para 2,20%) e as despesas discricionárias apresentaram

tendência de elevação, porém com variações negativas (de -19,75% para -13,65%).

Assim, os trimestres de 2011.IV, 2012.I e 2012.II se encontram no quarto quadrante

(com sinal positivo para as variações do PIB e negativo para as despesas

discricionárias), contudo não se pode afirmar que se trata de um período contracíclico.

No quarto quadrante se encontram 12 períodos – em que o PIB apresentou sinal de

variação positivo e as despesas discricionárias negativas que, conforme exposto, não

podem ser consideradas ações contracíclicas.

Quadro 8: Tendências de variação do PIB e das Despesas Discricionárias, dados

trimestrais acumulados nos últimos 4 trimestres em relação ao mesmo ao mesmo período

(1998.IV - 2016.III)

Fonte: IBGE; STN. Elaborado pelo autor.

Assim, apesar de alguns dados das amostras distorcerem a interpretação dos

gráficos de dispersão, percebe-se que, em conjunto com a análise do gráfico de

evolução no tempo e com o auxílio das observações de tendências de aceleração em

relação ao período anterior (pelo sinal da segunda derivada) pode-se extrair insights que

fortalecem a hipótese do trabalho de que o regime fiscal brasileiro apresenta uma

tendência pró-cíclica. Apesar dos ensejos contracíclicos, como no período de 2009, o

governo não realizou mudanças estruturais no regime macroeconômico que permitissem

institucionalizar um formato de política fiscal contracíclico.

Conforme Lopreato (2014) e Orair e Siqueira (2016), o governo buscou alterar

a estratégia de intervenção estatal na economia, utilizando-se de uma flexibilização do

regime fiscal. Porém, parece que a flexibilização fiscal se mostrou possível pela

conjuntura econômica favorável, e questiona-se até que ponto se pode sustentar tais

Unid. Amostra % Amostra Unid. Amostra % Amostra

Crescente

(PIBt > PIBt-1)21 29% 14 19%

Decrescente

(PIBt < PIB t-1)15 21% 23 32%

Amostra Total = 73

PIB

Crescente (DDt > DDt-1) Decrescente (DDt < DDt-1)

Despesas Discricionárias (DD)

151

medidas sem mudanças estruturais que apontem outra lógica de interpretação dos ciclos

econômicos, divergente da visão ortodoxa do mainstream.

Considerações Finais:

Esse capitulo buscou integrar a discussão teórica realizada nos dois primeiros

capítulos com o contexto histórico-institucional brasileiro. Nesse sentido, a seção 3.1

visou levantar argumentos para defender a hipótese de que o regime fiscal brasileiro

seguiu o conduto teórico do NCM.

Percebe-se que a reforma macroeconômica de 1999 trilhou uma linha ortodoxa,

já difundida desde o início da década de 1990 no Brasil. O arranjo macroeconômico

vislumbrado nesse período relegou a política fiscal um papel passivo, pesando a ideia

acerca do papel limitado que o Estado deve desempenhar na economia. Nesse sentido, o

regime fiscal imbuiu regras rígidas sobre o orçamento primário do governo, atribuindo

um caráter “curto-prazista”, em que a gestão das despesas tenderia ao objetivo primeiro

de cumprir a regra de superávit primário.

Uma das consequências desse fato seria a característica pró-cíclica do regime

fiscal de metas primárias, que tende a comprometer a capacidade do Estado de sustentar

os níveis de investimento na economia. Essa é a principal hipótese defendida ao longo

do trabalho. Para tanto, as seções 3.2 e 3.3, discutem a lógica do regime fiscal brasileiro

institucionalizado com a LRF, apresentando alguns dados do orçamento do governo

central que buscam ilustrar o argumento. Verifica-se que os momentos de maior

crescimento econômico coincidiram com os momentos de expansão dos investimentos

públicos, e que esses fatores poderiam se condicionar: tanto o efeito multiplicado dos

investimentos tenderia a impactar o crescimento do PIB, quanto o crescimento do PIB

tenderia a aumentar as receitas primárias e, assim, abrir espaço para elevação de gastos

primários. Contudo, em momentos de reversão do ciclo, essa dinâmica se inverte, e a

queda das receitas orienta à política de contingenciamentos de gastos, que tenderia a

reforçar a queda do PIB.

Percebe-se que, mesmo em períodos de maior flexibilização do regime fiscal,

quando o governo passou a assumir maiores responsabilidades para o desenvolvimento

econômico, a estrutura macroeconômica não foi alterada. Isso implica que, mesmo ao

longo do período de expansionismo fiscal, a institucionalidade macroeconômica seguiu

a mesma lógica do NCM, que justificam a adoção de metas rígidas e curto-prazistas.

Conforme a análise de dados proposta neste capítulo, a política fiscal se mostrou

contracíclica apenas em 2009, embora o período de expansão fiscal, conforme Orair

152

(2015), tenha ocorrido desde 2006 até 2014. Percebe-se, contudo, que a partir de 2011

as isenções e benefícios fiscais se tornaram a estratégia dominante.

Infere-se, assim, que o governo se empenhou em retomar os investimentos

públicos no Brasil entre os anos de 2005 e 2010, mas que a partir de 2011 há uma

inflexão para a queda, revertendo, já em 2015, quase todo o avanço do período de

expansão (ORAIR & SIQUEIRA, 2016). Esse fato indicaria que o governo teria

aproveitado maiores espaços fiscais entre 2005 e 2010, decorrentes do bom desempenho

econômico, para realizar investimentos. Com a desaceleração econômica e a expansão

da política de desonerações para a indústria a partir de 2011, as receitas primárias do

governo ficaram comprometidas, e os graus de liberdade dentro do rígido arranjo fiscal,

que haviam sido observadas no período pretérito, acabaram se extinguindo.

Em suma, o capítulo 3 buscou assimilar o debate teórico dos capítulos 1 e 2

para realizar uma análise crítica do regime fiscal de metas primárias no Brasil. No

intuito de reforçar os argumentos para a defesa da hipótese do trabalho, apontou-se o

comportamento de algumas variáveis do orçamento do governo central em relação aos

ciclos econômicos. Através da ilustração de gráficos (de variação ao longo do tempo e

de dispersão) apontou-se uma tendência das receitas e despesas primárias (bem como as

despesas discricionárias) de flutuarem no mesmo sentido do PIB. Esse fato se torna

especialmente preocupante em momentos de recessão econômica, quando cresce o

pessimismo do setor privado e os níveis de investimento da economia se deprimem.

153

CONCLUSÕES

O debate político e econômico em torno do tema da política fiscal se

intensificou ao longo dos últimos anos, com grande polarização de ideias que explicitam

as visões teóricas e ideológicas por traz de cada interlocutor. Nesse sentido, esse

trabalho buscou ponderar que o regime fiscal brasileiro, que institucionalizou as metas

primárias, seguiu um arsenal teórico baseado no NCM, que implica em um papel

limitado desempenhado pelo Estado na economia.

Apoiando-se em um viés teórico que se baseia em conceitos de Keynes e

Kalecki, essa dissertação apontou algumas fragilidades do arranjo do NCM e que

trazem consequências danosas para o desenvolvimento econômico do país. Conforme a

interpretação desses dois autores sobre a lógica instável das economias capitalistas, a

variável “investimento” apresenta importância central para a determinação dos ciclos

econômicos. Em momentos de exacerbação das incertezas, quando os empresários se

tornam pessimistas em relação aos retornos de investimentos produtivos, a demanda

efetiva tende a cair bruscamente, deprimindo o produto e os níveis de emprego.

Conforme Keynes, dificilmente a política monetária seria eficiente para restabelecer a

confiança e a percepção dos agentes privados quando à eficiência marginal do capital.

Caberia, então, ao Estado manter os níveis de investimento através da elevação dos

gastos – utilizando um orçamento de capital, específico para as ações discricionárias do

governo.

A principal crítica levantada, e que configura a hipótese defendida no trabalho,

é de que a institucionalidade do regime de metas primárias atribuiu um caráter pró-

cíclico ao regime fiscal brasileiro, prejudicando a capacidade de manutenção de

investimentos a longo prazo. Apresentou-se a lógica de que, em momentos de queda do

PIB, há uma tendência de frustrações de receitas, fazendo-se necessário o corte de

gastos para o cumprimento das metas fiscais. Além disso, os contingenciamentos de

gastos são realizados sobre as despesas discricionárias – que incluem parte dos

investimentos públicos, que apresentariam um efeito multiplicador significativo.

Seguindo essa lógica, coloca-se a possibilidade de aprofundamento da queda do PIB,

que poderia provocar maiores frustrações de receitas. Aponta-se, com isso, que essa

institucionalidade seria contraproducente aos seus próprios objetivos, de

sustentabilidade da dívida pública no longo prazo.

Em torno dessa controvérsia a dissertação analisou a questão fiscal brasileira

154

em termos mais estruturais, apontando algumas questões teóricas, históricas e

institucionais, abordando mudanças importantes na condução do regime fiscal a partir

das reformas macroeconômicas ocorridas no final da década de 1990. Com isso,

buscou-se remeter a análise sobre a economia brasileira – realizada no terceiro capítulo

– com a discussão teórica feita nos dois primeiros capítulos. A contraposição de ideias

entre o NCM (desenvolvida no capítulo 1), com uma visão baseada em Keynes e

Kalecki (explicitada no capítulo 2), se mostrou crucial para a defesa da hipótese do

trabalho. O capítulo 3 buscou evidências de que as críticas levantadas ao alicerce teórico

do regime fiscal brasileiro são, de fato, relevantes.

Não obstante, outras questões permearam o desenvolvimento do trabalho para

reforçar um ponto central: a institucionalidade fiscal deveria ser flexível o suficiente

para permitir a atuação estratégica do Estado. Esse ponto é levantado tanto por autores

do mainstream após a crise econômica de 2008 (discutida na seção 1.4) quanto por

autores pós-keynesianos (desenvolvida nas seções 2.2 e 2.3). Sem dúvida, existem

discordâncias relevantes na abordagem das diferentes visões teóricas: enquanto autores

de cunho mais ortodoxos colocam que o Estado deveria agir de forma anticíclica apenas

em situações específicas de crise econômica (em um ponto de “armadilha de liquidez”),

alguns autores pós-keynesianos inferem que o Estado não teria restrições à realização de

déficits (como foi colocado no debate teórico sobre a MMT, na seção 2.2).

Ademais, o capítulo 3 buscou ilustrar a crítica realizada ao regime de metas

primárias no país. É interessante notar a conjuntura em que o “tripé macroeconômico”89

foi implementado, após uma década de hegemonia de políticas econômicas

consideradas ortodoxas (ou neoliberais). Cabe enfatizar, também, que a formatação da

organização orçamentária, através do PPA, da LDO e da LOA, tem sua efetividade

restringida pela incerteza que a regra de superávit primário imbui aos gastos que serão

realizados pelo governo. A seção 3.3 buscou analisar alguns dados do cômputo fiscal

para se extrair insights sobre o desempenho do regime de metas primárias no Brasil.

Por fim, reitera-se que os caminhos trilhados por um regime fiscal rígido não

seriam o mais adequado para o desenvolvimento econômico do país, sendo

contraproducente à própria finalidade de sustentabilidade da dívida pública. Comumente

o orçamento público é comparado ao de um agente privado (uma família ou uma

89

Lembrando-se que o “tripé macroeconômico” se refere às metas de inflação, ao câmbio flutuante e às

metas de superávit primário, discutidos na seção 3.1.2.

155

empresa) pela linha teórica convencional, desconsiderando a dinâmica diferenciada que

as despesas do Estado possuem sobre o crescimento econômico e sobre a própria

arrecadação pública. Caso o Estado se comporte sob a mesma lógica privada, estaria

reforçando a queda da demanda efetiva em momentos de exacerbação das incertezas,

culminando com a queda de sua própria arrecadação. Essa confusão teórica, que iguala

as características do orçamento público e privado, é um fator que contribui para a

formulação de políticas públicas pró-cíclicas.

Indica-se, portanto, que medidas que visam limitar a capacidade de gastos

primários do governo, como as propostas pelo governo Temer (2016), reforçariam a

institucionalidade já imposta, seguindo o mesmo viés teórico convencional que limita a

ação anticíclica e prejudica a execução de projetos de investimentos estatais de longo

prazo. Assim, essa dissertação corrobora a importância de se evoluir o regime fiscal

para abarcar os ciclos econômicos dentro das regras de políticas econômicas. Além de

se institucionalizar as ações anticíclicas, se mostra necessário evoluir normas que

assegurem a manutenção de projetos de investimentos estratégicos de longo prazo.

156

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