32

Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

Embed Size (px)

DESCRIPTION

QUESTÕES é a Revista-Laboratório do Curso de Comunicação Social do INESP, instituto mantido pela FUNEDI/UEMG, publicado em ambiente web, de forma impressa e ainda em formato televisivo, veiculado semanalmente, aos domingos, na TV Alterosa. O Blog QUESTÕES é um espaço de experimentação dos alunos de Jornalismo e de Publicidade e Propaganda do Curso de Comunicação Social do INESP, um espaço onde, além de publicarem suas produções acadêmicas, os alunos interferem nos rumos do desenvolvimento local. Revista Laboratório do curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

Citation preview

Page 1: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

1

Page 2: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

2

Page 3: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

3

Pertencer. Inspirado nesse verbo, foi criado o dossiê #EuSouMinhaCidade, desta de QUESTÕES. Nele, buscamos diferentes fatos e histórias importantes para o conhecimento público, muitas vezes escondidos por interesses privados, alienando o cidadão quanto ao que de fato ele pertence. Estamos cada vez mais próximo do centenário da Ci-dade do Divino. A cidade que recebe diariamente inúmeras pessoas de diferentes lugares, que chegam por diferentes motivos, completará em poucos meses cem anos. Pessoas que vêm pessoas e que vão. Pessoas que ficam. Todas essas deixam um pouco de si, e levam algo daqui. Criam-se laços. Esta edição de QUESTÕES é um esforço de labo-ratório: procuramos praticar jornalismo investigativo. Des-culpem-nos a impertinência e a imprudência: investigar sig-nifica perseverar pela descoberta a partir de vestígios. No jornalismo, investigar significa colocar a claro o que está sendo mantido sob sigilo, geralmente em benefício de uns poucos. Foi assim que desvelamos o crack, esse inimigo ín-timo; os planos (mirabolantes?) de um movimento virtual, o Anonymus, que, volta e meia, coloca em maus lençóis a segu-rança informática de instituições públicas e privadas, inclusive a Prefeitura de Divinópolis. Tratamos mais uma vez das idas e vindas, das eternas promessas em torno do Guarani Esporte Clube. Reviramos o passado em busca de uma trama que en-volvia helicópteros, alemães, segredos de estado, um alegado aumento da incidência de Câncer em Pitangui e sua relação com a nunca provada existência de um perigo radioativo na cidade.

É dessa forma que formamos um mosaico de faces. Essa, aliás, é a ideia da capa desta edição, com todas essas fotos 3x4 formando um diversificado mosaico, simboliza algo de grande significado para a cidade: essa é a nossa bandei-ra. Nela está uma pequena parte das pessoas que possuem histórias com a cidade de Divinópolis. Todos estão juntos por uma só causa, somos como marcas. Somos a pele que dá forma e sentido para o que é projetado para fora. Será que estamos tendo esse cuidado ou, pelo menos, temos a preocu-pação de ser algo nosso? Idealizemos. Voltemos à realidade. Nesta edição, aproveitamos para pedir desculpas aos leitores pelas falhas que cometemos na última edição. Uma, pelo menos, reparamos (ou tentamos reparar) agora: além das matérias e de um artigo, da professora Márcia Helena Batista, publicamos o belo texto da jornalista decana Maria Cândida, que, por uma daquelas falhas inexplicáveis, não foi publicado na última edição. Os leitores verão que o texto de Cândida parece ter sido encomendado para a temática desta edição. Cada matéria que foi escrita, com o maior esforço por nós, alunos do curso de Comunicação Social, com ha-bilitação em Jornalismo da Funedi/Uemg. Tentamos, enfim, manter firmes nossos laços com a cidade e a região – porque, afinal, é disto que vive o jornalismo, ao menos aquele em que acreditamos: de tocar os humanos que nos cercam e que formam o delicado tecido da cidade. QUESTÕES pode, sim, dizer: #EuSouMinhaCidade. E você, caríssimo leitor?

PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE DIVINÓPOLIS (FUNEDI), UNIDADE ASSOCIADA À UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS (UEMG) – Profes-sor Gilson Soares - COORDENADORA GERAL DO INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR E PESQUISA (INESP) – Professora Ivana Prado de Vasconcelos - COORDENADORA DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA FUNEDI/UEMG – Professora Janaina Visibeli - CORPO DOCENTE DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA FUNEDI/UEMG: Ana Paula Martins, André Flávio C. Rabelo, Batistina Corgozinho, Célia Pedrosa, Cristina Silva Gontijo, Elisângela Reis, Fabrízio Furtado de Souza, Fernando Oliveira, Flávia Lemos, Fre-derico Vieira, Gerlice Teixeira Rosa, Gilson Raslan Filho, Janaina Visibeli, Jader Gontijo Maia, João Basílio Costa e Paula, Márcia Helena Batista, Paulo César Pereira, Renata Loyola, Rosane Beltrão, Sânia Mascarenhas. DIAGRAMAÇÃO – André Camargos e Rafael Moreira (6º período) CAPA – André Camargos (6º período) - EDITORIAL – André Camargos (6º perío-do) - EDITOR – Professor Gilson Raslan Filho (MG 05622 JP) - FOTOLITOS E IMPRESSÃO – Fumarc (Belo Horizonte – MG) - TIRAGEM – Mil exemplares (distribuição gratuita).

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIAAvenida Paraná, 3001, Bairro Jardim BelvedereCEP 35501–170 – Divinópolis (MG)E-mail:[email protected]:www.revistaquestoes.blogspot.com

Page 4: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

4

Anonymous. Uma organização anônima. Uma rede de conspirações. Um grupo responsável por ataques às redes sociais e aos sites do Governo.

5

Atrasos marcam o projeto da construção do Centro de Treinamento do Bugre

17

Possível existência de alta radioatividade deixa população

de Pitangui em assustados

12

As marcas e consequencias do crack

Uma rainha Desmemoriada 28

21

26 Eu sou minha cidade

29Um viaduto de amor e dor

Page 5: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

5

O PLANO: UM ANO. TRÊS FASES. UM MUNDO DE MUDANÇA

É o que promete o Anonymous, uma organização Hacker-Revolucionária, ou hackitivista, atuante em vários lugares do mundo. Uma organização anônima. Uma rede de conspirações. Um grupo respon-sável por ataques às redes sociais e aos sites do Governo. Em meio a toda essa trama, até que ponto esse movimento é real e quando começa a fantasia?

“O Anonymous está ganhando destaque aqui no Brasil e se o grupo pisar na bola, ou cometer algum deslize nesta jornada, podem acontecer duas coisas: 1º - o exército tomar o poder e instaurar novamente uma ditadura, e ir à caça dos responsáveis pelo grupo Anonymous aqui no Brasil. 2º - os cor-ruptos conseguirem nos localizar bem antes da cartada final e nesse caso o que vai ter de pessoas sumindo e morrendo misteriosamente, será algo realmente alarmante. Eu perdi o medo da morte há muitos anos! Sou um fantasma que navega pela internet, quem sou real-mente é algo que nem mesmo eu sei. Já usei de tantos nomes, me passei por tan-tas pessoas, que hoje nem sei quem sou mais. Mas eles sabem quem é você! O perigo não me ronda, mas sim a você”. Assim começou a entrevista com o engenheiro social que prefere ser identificado por Slordead. Além disso, Slordead faz parte da Admi-nistração Geral das Comunidades dos Anonymous no Brasil, liderando tam-bém a parte virtual e hacker do grupo. “Anonymous não é um grupo específico, Anonymous é uma ideia, a ideia de um mundo livre e com i-gualdade. Anonymous é todo o ci-dadão que luta por isto. Anonymous é o que você pratica e não quem você é”, afirmou Ryuzaki, membro há três meses da organização. Cansado das injustiças que ele atribuiu ao Governo,

Por Juliana Faria e Marina Alves

Page 6: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

6

Ryuzaki viu na internet o único meio que lhe permite realizar os protestos. ANONYMOUS É UMA LEGIÃO. ANONYMOUS NÃO PERDOA. ANONYMOUS NÃO ES-QUECE. Esse é o lema do grupo origi-nado em 2003 a partir do site 4chan, que tem o propósito de realizar protestos e outras ações associadas ao hacktivismo, um tipo de ativismo não com o propósi-to apenas de invadir um site ou roubar as suas informações, como imaginamos a princípio, mas sim para chamar a aten-ção dos governos e dar voz a uma popu-lação, promovendo assim a liberdade na internet e a liberdade de expressão. Seu nome, Anonymous, resume o conceito da organização que acredita não ser necessário se identificar para realizar um protesto, pois o que vale não é quem você é, mas sim a ação que você pro-move. Por esse motivo também é que o grupo não possui líderes, sendo uma organização completamente descentra-lizada, que sobrevive por meio de blogs, fóruns, e-mails e redes sociais. A partir de 2008, o grupo se firmou como uma comunidade cibera-tivista após uma série de protestos re-alizados e que ganharam destaque

“Anonymous não é um grupo específico, Anonymous é uma ideia, a

ideia de um mundo livre e com igualdade. Anonymous é todo o ci-

dadão que luta contra isto. Anonymous é o que você pratica e

não quem você é.”Ryuzaki, membro da organização

na mídia. Isso também fez com que o número de membros aumentasse. Mas as mobilizações que começam na in-ternet não se restringem a ela, tomando também as ruas, como aconteceu em fe-vereiro de 2008, quando cerca de oito mil manifestantes saíram às ruas de 109 cidades de todo o mundo para protestar em frente às Igrejas da Cientologia. Uma característica do Anony-mous é a máscara de Guy Fawkes, popularizada pela HQ e filme V for Vendetta (em português V de Vingança)

que os manifestantes usam durantes os protestos para não serem identifi-cados, e também fazendo alusão ao protagonista da história que co-bria o rosto com a tal máscara en-quanto tentava destruir o Estado to-talitário que impossibilitava quase

todas as liberdades individuais. No Brasil presenciamos uma sé-rie de sites do Governo serem hackeados. Assim, o Anonymous declarou “guerra ao sistema”: os ataques aos sites do governo foram uma forma de mostrar que o sistema eletrônico oficial não está protegido como se achava. “É uma for-ma de mostrar que quem manda é o povo e não os corruptos”, avisa Slordead. PLANO ANON É O NOME DO PROJETO que quer informar e mobili-zar o maior número de pessoas possíveis na luta por um mundo melhor, um mun-do livre das grandes corporações e go-vernos opressivos que violam os direitos da população, garante o Anonymous. O plano, disseram os membros entrevista-dos, terá duração de um ano e é dividido em três fases. A primeira começou em junho deste ano. A fase dois será uma expansão da um, com foco coletivo, e por fim a fase três terá as massas mobi-lizadas pelo Plano e se fazendo ouvidas. A princípio o Plano Anon é muito confuso e vago - mas isso é apenas uma estratégia do grupo para estruturar as ações de acordo com o andamento desse processo, evitando assim falhas, dizem.

Manifestante usa máscara do personagem Guy Fawkes da HQ V de vingança duranteo protesto contra a corrupção no dia 15 de novembro na Praça do Santuário

Foto: André Camargos

Page 7: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

7

A desconfiança em relação à mídia tam-bém é outro fator que influencia nesse sigilo. “Todas as ações tomadas pelo grupo são de decisão mundial, por isso, se algo acontecer, as pessoas só ficarão sabendo após o plano ser levado a cabo, principalmente os atos ou manifestações que estão ligadas diretamente a outros grupos mundiais. Nunca se deve con-fiar muito nas pessoas, muito menos no sistema e na mídia”, explicou Slordead. E A GUERRA DECLA-RADA CONTRA O SISTEMA JÁ COMEÇOU. Seu início se deu na ver-dade no ano de 2007, com a exposição, por meio do Wikileaks, de documen-tos secretos do exército americano que tratavam da morte de milhares de civis na Guerra do Afeganistão e da exposição de telegramas secretos en-viados pelas embaixadas dos EUA ao

governo daquele país. Coincidência ou não, o movimento antecedeu a chama-da Primavera Árabe – um conjunto de manifestações organizadas por mili-tantes de países como Egito, Tunísia e Líbia contra seus governos autoritários. A disseminação das mobiliza-ções da Primavera Árabe foi deflagrada pela internet, principalmente nas redes sociais como facebook, twitter e You-tube, o reino absoluto dos hackers, os mesmos que fazem parte do grupo Anonymous. Daí em diante, surgiram manifestações por diversos outros país-es fora do Oriente Médio. Em comum, os movimentos têm uma “bandeira genérica”, de acordo com o professor Juarez Nogueira, que atuou como líder e coordenador de uma das manifes-tações que aconteceu em Divinópolis no dia 12 de outubro deste ano. “É a

bandeira da corrupção. No Brasil essa generalidade está sendo canalizada para a realização de grupos como o Varre Brasil, o Indignar-se.” No dia 12, o Brasil inteiro noticiou mobilizações, a maior de todas em Brasília, que reuniu dezenas de milhares de pessoas nas imediações da Praça dos Três Poderes. O que não pode deixar de ser observado durante as manifestações foi a presença maciça de manifestantes com máscaras de Guy Fawkes, inclusive em Divinópolis. De acordo com Nogueira, a inspiração das mobilizações contra a corrupção e as atividades de grupos como o Anonymous vêm de uma disto-pia, a “utopia ao contrário” do filme V de Vingança e seu personagem pró-ati-vo: “O que nós temos nos movimentos, por trás dos Anonymous e a figura do V de Vingança, é o fato de que um grupo

Caminhada contra corrupção no Centro de DivinópolisFoto: André Camargos

Page 8: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

8

estar acompanhando [o que está acon-tecendo] e despertando essa capacidade de indignar-se contra este estado de coisas que aí está”, explica o professor. Tanto conhecimento sobre o Anonymous torna o professor um de-les? “Não, eu sou apenas um cidadão anon. Não sou filiado a nenhum partido e o único cargo ao qual estou me plei-teando é o de síndico das minhas ide-ias, presidente da minha mente”. É ex-atamente a definição dada pelo hacker Ryuzaki para o grupo no início da matéria. Outra parte do plano, para além das manifestações no mundo físico, está na atuação no mundo virtual. Depois do Wikileaks, o que mais se viu foram ex-posições de documentos secretos, der-rubadas e invasões de sites assinadas pelos Anonymous ou pelos Lulzsec, este último um braço do grupo original. No Brasil, o Lulzsec assumiu invasões em sites como o da Presidên-cia, do IBGE e da Receita, todas ocor-ridas durante o mês de junho deste ano. O grupo também assumiu invasões em 500 sites de prefeituras de todo o Brasil, 131 delas só no estado do Rio Grande do Sul, o motivo você já vai descobrir. E NÃO É APENAS CONTRA GOVERNOS QUE INVESTEM os membros do Anonymus. O sempre “parceiro” Facebook também estaria na mira. “O Facebook será exterminado no dia cinco de novembro deste ano”. Parece absurda a frase de Ryuzaki, mas essa é uma das ações que o Anonymous promete executar nos próximos meses e contra a maior rede social do mundo. Ryuzaki justifica esse ataque à rede so-cial como forma de protesto à venda de informações pessoais dos usuários que é feito pelo Facebook às grandes empresas. “O plano será o ataque às redes sociais para um mundo melhor e igual”, explica. Mas o contraditório nessa ação é o fato do grupo tentar destruir uma ferramenta muito útil para eles. Hoje o contato entre os membros se dá pratica-mente por meio das redes sociais, entre

“O que nós temos nos movi-mentos, por trás dos Anony-mous e a figura do V de Vin-gança, é o fato de que um grupo estar acompanhando [o que está acontecendo] e está despertando essa ca-pacidade de indignar-se con-tra este estado de coisas que aí está”, explica o professor.

elas o próprio Facebook. Esses conflitos ideológicos são comuns no movimento. “Nessa comunidade você poderá tes-temunhar algumas divergências, talvez o argumento ocasional, afinal somos

apenas humanos. Mas uma coisa você vai notar como um objetivo comum e compartilhado: liberdade e um desejo de mudança”, avisa a mensagem no site What Is The Plan, do Anonymous. OS PRÓXIMOS ATAQUES JÁ ESTÃO DELIMITADOS: “Haverá um ataque contra o site do Governo do Rio Grande do Sul e de algumas prefeituras. O que posso adiantar é que será em mais ou menos um mês”, alerta Ryuzaki. Du-rante um movimento em Porto Alegre, onde vários jovens protestavam contra a

corrupção, munidos com cartazes e más-caras de Guy Fawkes, muitos deles foram presos. Após esse incidente, o grupo Anonymous resolveu apoiar os manifestantes presos e traçou um plano para derrubar os sites das prefeituras como forma de retalia-ção pela prisão dos manifestantes. De acordo com Ryuzaki, os ataques estão confirmados para os próxi-

mos meses. “Serão mais ou menos 30 pessoas envolvidas de todo o Brasil com 100 milhões de conexões simultâneas”. Perguntado se essa ação se espalhará para os outros estados, Ryuzaki tentou desviar o assunto com um “talvez sim”. Apesar de não confirmarem os ataques, essa parece ser uma ação que será executada nos próximos me-ses, pois o mesmo alerta foi dado pelo hacker Slordead. “Esta foi apenas a 1ª etapa, existem mais, até lá ain-da tem muita coisa para acontecer”.

COMEÇO DO FIM Divinópolis acordou na segun-da-feira (31/10) com o site de sua pre-feitura fora do ar. O site foi invadido por hackers na madrugada do domingo. Todas as notícias na página inicial tra-ziam os dizeres “hacked by - z3c4 - L4rgad0 – N04M CORe”. Ao cli-car na notícia era exibido “Sorryadmin Justo For Fun” como mensa-gem. Em seguida o site saiu do ar.

Em nota a prefeitura informou que o site oficial da prefeitura de Di-vinópolis ficaria fora do ar durante a segunda-feira, - e realmente, ele vol-tou ao ar, para depois ser novamente hackeado no dia 2 de novembro com mensagens satanistas, para depois ficar os dias seguintes em manuten-ção até ser devidamente recuperado no dia 14 - pois havia sido invadido por

Facebook, um dos supostos alvos dos Anonymous

Também em Divinópolis, hackers prometem desafinar o coro dos contentes

Page 9: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

9

hackers. O secretário adjunto Rodrigo Luiz Comitante Leão garantiu que a ação não prejudicou o conteúdo da página eletrônica e as notícias já estavam sendo novamente postadas. Ainda de acordo com o secretário, essa foi a primeira vez, durante esta gestão, que a página oficial da prefeitura foi invadida, apesar de sofrer tentativas de invasão quase to-dos os dias. “Todo o plano de segurança está sendo revisto e será alterado para impedir novos ataques”, afirmou Leão. Os especialistas da Secretaria Adjunta de Governança Eletrônica dis-seram que o grupo hacker foi localiza-do e o IP utilizado estava direcionado para Honduras. Nas ações de invasão no site da Presidência e do Portal Bra-sil, os IPs rastreados também eram de outro país, na ocasião, da Itália. Ao investigarmos o caso, lo-calizamos os hackers que assina-ram a ação. Em seu perfil no twitter,L4rgad0 se resume: “L4rgad0 , 16 anos, estudante ensino médio, COOL, oi, eu faço deface –q”. Deface é um termo de-rivado de Defacement, que quer dizer modificar ou danificar a aparência de um objeto, ou, neste caso, a modifica-ção de uma página de um site na Inter-net, ou como ele mesmo chama: ownar, neologismo em inglês que significa algo como “tornar parecido comigo”. Geral-mente esse tipo de ação é realizado por script kiddies, uma forma branda de hackers, em sua maioria, adoles-centes. Segundo o professor de Comu-nicação e Tecnologia André Rabelo, os script kiddies são usados pelos hackers para ajudar a invadir e derrubar sites. Ainda na página de L4rgad0 no mini-blog, encontramos para-benizações pelo feito: “@eronDM:@prefeituraDivi Win pro z3c4, L4rgad0 e N04M C0Re” – que significa “Vitória para z3c4, L4rgad0 e N04M C0Re por ter invadido o site da prefeitura”(@prefeituraDivi é o perfil da prefeit-ura de Divinópolis no twitter). E ainda um recado de outro defacer chamado

@xbrnz que diz: “Depois de fumar o matinal, 129 sites defaced, comecei o dia bem? zone-h.org/archive/publis… @xbrnz @_ir4dex_ @tota_x @l4rgad0 @ir4dex_br #DEFACE”. Onde ele dá a notícia aos conhecidos twitteiros, en-tre eles o L4rgad0 e ainda fornece um endereço onde são relacionadas ações de defacers (http://zone-h.org/archive/published=0/notifier=ir4dex). Também

em seu twitter, L4rgad0 é seguidor dos perfis de grupos como o Lulzsec (@LulzSecBrazil), do FailShell (@FailShellTeam - responsável pela in-vasão da página do IBGE), Luta Digi-tal (@lutadigital), entre outros. Per-guntado se ele faz parte de tais grupos, ele resumiu “não, mas já participei de um canal deles no início deste ano”. A participação de L4rgad0 na

Perfil no twitter de um dos hackers responsável pela invasão do site da prefeitura de Divinópolis

Mais um perfil de invasores no site da prefeitura de Divinópolis

Page 10: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

10

invasão ao site da Prefeitura Municipal de Divinópolis se resumiu a seguir as coordenadas de outro hacker de nome z3c4. “Ele falou que queria ownar, então o site tava vulnerável, entrei e o z3c4 roubou o phpmyadmin, daí a gente deu o update no título das notí-cias, foi rápido, se não teríamos elabo-rado mais”. Traduzindo: houve que-bra da fonte do site, a partir da qual os hackers conseguiram modificar, ao seu bel prazer, o conteúdo das páginas. Já z3c4, além de “mandante”, se assumiu como participante do grupo, defendendo suas ações. “Antes, na época da ditadura, as pessoas protesta-vam nas ruas, saíam com cartazes e conseguiam os seus direitos, hoje não. Já reparou como é o sistema de saúde?

Esses ataques servem para alertar so-bre o que o povo pode fazer”. Quanto à invasão “satanista”, ele faz questão de se isentar da culpa: “As mensa-gens satânicas não foram nós que es-crevemos e sim um membro de outro grupo que não tem nada a ver com osAnonymous, já que não criti-camos religiões, a menos que venham prejudicar outros”. O que aconteceu no site da Pre-feitura de Divinópolis, ao que parece, não passou de uma brincadeira. “Passa-mos a senha para uns doidos”, confessou z3c4. Quem entrava na página inicial não notava nada de estranho, no entanto, ao clicar em uma matéria que tratava sobre a Secretaria Municipal de Educação, era aberta uma janela com uma mensagem

com os dizeres “Sobre o círculo de fogo eu inverto o pentagrama e consagro a ti, senhor, horrores e malefícios”. Ao dar o ok, uma imagem da Santa Ceia era aber-ta com um demônio no lugar de Jesus, e metade do corpo de Jesus sangrando no meio da mesa. “Foi só brincadeira”, e complementa: “Nosso grupo não é satanista e vamos invadir novamente dia 15 (de novembro) em protesto con-tra a corrupção, isto é, se o site ainda estiver vulnerável”. E ainda ameaça mais um site da cidade de Divinópolis: “Não gosto da rádio 94 FM. Eles gos-tam de aparecer demais. Vou ver se o site também está vulnerável e instalar tudo de novo para semana que vem”.

DEPOIS DO FIM? Na data marcada pretensamente pelo Anonymous para a destruição do facebook, nada aconteceu. Não houve uma única modificação ou incidente com relação à rede social. No mesmo dia, o grupo se pronunciou em um site que o grupo também usa para divulgar seus planos, o Pastebin. Lá eles diziam que

a idéia partiu de um integrante apenas e revelaram inclusive nome, endereço e telefone do rapaz, disseram também que ele foi devidamente punido. “O nosso colega chamado Anthony, que mora em Ohio, Estados Unidos, decidiu criar essa operação e divulgá-la como algo oficial. Apesar de avisarmos que éramos contra

suas ações, ele nos ignorou”, disseram. O hacker z3c4 repetiu o discurso, ”Foi uma pessoa que disse que ia derrubar o facebook, mas não teve apoio dos outros membros.” Ele ainda apontou as difi-culdades práticas da ação: “As bootnets (computadores zumbis) da Anonymous não conseguem derrubar o facebook, a

O que aconteceu e o que não aconteceu de acordo com o plano

Resultado de uma das invasões na página da prefeitura Municipal de Divinópolis

Page 11: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

11

rede é gigantesca, teria que ter o dobro de bootnets para interromper o serviço”. Sem falar na importância da rede para o grupo ciberativista que eles mesmos fazem questão de reconhecer “Se você é contra a nossa forma de comunicação no Facebook e Twitter, então você é contra o Anonymous. Você é nosso inimigo, uma vez que está ajudando a desestabi-lizar o movimento”, concluiu o grupo. O facebook, aliás, mais uma vez foi à plataforma para convidar para mais uma caminhada contra a corrupção em Divinópolis, também organizada, como a do dia 12 de outubro, pelo professor Juarez Nogueira. Z3c4 também sabia da caminhada: “Dia 15 na Praça da Cate-dral às 14h vai ter um movimento lá da Anonymous” disse. “Nenhum dos mani-festantes é hacker, só apóiam a causa”. Já o site da prefeitura da cidade entrou no ar no dia 14 de novembro com a seguinte mensagem em sua pági-na de entrada: “A prefeitura Municipal de Divinópolis, através da Secretaria de Governança Eletrônica, informa que o endereço oficial da instituição retornará ao ar na próxima sexta-feira (18/11). A equipe da Governança Eletrônica

está reescrevendo toda a estrutura, para propiciar maior segurança. Todas as informações contidas aqui foram preservadas por backup e já estão sendo colocadas na nova estrutura. Progressi-vamente, até o dia 18, todas as ferramen-tas do site estarão funcionando normal-mente”. E desde então o site não sofreunenhuma invasão ou modificação, per-manecendo normal no dia 15 de novembro. Quanto ao site da rádio 94 FM, este sim, sofreu uma tentativa de in-vasão no dia oito de novembro, poucos dias após a entrevista com os hackers. Segundo um dos responsáveis pelos sites do Sistema MPA, do qual a rá-dio faz parte, Mateus Elias, a ação não passou de uma tentativa de “ferrar” a página oficial da rádio. “Meio que co-locaram um vírus, na verdade um mal-ware para poder justamente acontecer o transtorno que estamos enfrentando”. O site ficou fora do ar por pouco tempo, já que perceberam a invasão a tempo. “Recebemos ligações de alguns ou-vintes informando que não estava tendo acesso”. Sobre a possibilidade de uma invasão política pelos Anonymous ele foi direto: “Acredito que não sejam pes-

soas daqui, mas não acho que sejam as mesmas pessoas que invadiram os sites do governo. Essas pessoas possuem mais conhecimento, não acho que iri-am se interessar por sites do interior”. QUESTÕES procurou z3c4 para se pronunciar sobre a tentativa de invasão, mas ele não respondeu ao nos-so contato. Diante de tal análise, a possi-bilidade desta ação de invasão ao site da Prefeitura Municipal de Divinópolis fazer parte do Plano Anon é bem grande. Dizer que tudo isso não passa de fantasia, mais uma entre as várias “pegadinhas” da grande rede, é com-plicado, pois vemos ações concretas, para além do meio virtual. E para afir-mar com certeza que tudo é real e o objetivo do Anonymous será atingido, faltam provas. Contudo, algumas afir-mações podem ser feitas: existe uma mobilização. Algo está para acontecer. E se você sobreviver, saberá o que é. Esta mensagem será au-todestruída em 15 segundos... (JF e MA).

Foto: André Camargos

Page 12: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

12

MISTÉRIO EM PITANGUIPossível existência de alta radioatividade alimenta a criatividade

de alguns, estimula o medo em outros e atrai novas hipótesesPor Fábio Machado e Ricardo Welbert

O município de Pitangui, a 60km de Divinópolis, pode estar em um território de radioatividade elevada. A afirmação é do engenheiro sanitarista Pedro Xavier Filho, que mora e trabalha naquela cidade. Uma história contada por ele des-perta curiosidade em quem a escuta. À reportagem da revista QUESTÕES, “Pepinho”, como é mais conhecido, mostra um grande álbum de fotografias antigas. Algumas, produzi-das há mais de trinta anos, mostram um grande helicóptero em funcionamento no antigo campo de aviação de Pitangui. Na fuselagem da aeronave, a comprovação de que aquele movimento fazia parte de uma parceria de geofísicos do Bra-sil com a Alemanha. “Eu era um moleque esperto. Ficavaobservando a movimentação daquele pessoal. O helicóptero subia carregando uma espécie de sonda. Ninguém da equipe entrava em detalhes sobre a finalidade do trabalho. Corriam boatos de que estavam à procura de ouro ou urânio”, conta. Tais suposições tinham um fundo de verdade. No dia 2 maio de 1973, a rotina pitanguiense sofreu uma brusca mudança com a chegada da aeronave - um Sikorsky S-58T, helicóptero de 13 metros de comprimento por quatro de al-tura, que pesava, vazio, 3.583 quilos e ainda podia transportar mais de duas toneladas de carga. Voava a 196 km/h, a uma altura de 2.896 metros. No início da década de 70, o Brasil havia assinado com a Alemanha um tratado de cooperação tecnológica na área de geofísica que resultou no Convênio de Geofísica Brasil-Alemanha. 50 técnicos alemães vieram ao Brasil. Dez deles trabalharam em Pitangui. O município já havia sofrido prospecções mecânicas por parte de técnicos da Companhia de Pesquisas e Recursos Minerais (CPRM), que disponibiliza na internet informações bastante ricas so-bre os estudos. Segundo os dados publicados em seu site, o resultado dos trabalhos fez com que a região fosse esco-lhida para ser a primeira no Brasil a sofrer uma varredura pelo que existia de mais moderno no mundo em matéria de prospecção aerogeofísica. As pesquisas em Pitangui duraram de agosto a novembro de 1973, sendo que nos meses de setem-bro/outubro não houve trabalho devido a problemas mecânicos no helicóptero. De maio a agosto o equipamento passou por adaptações e aferições, sendo que neste período algumas áreas próximas a Pará de Minas sofreram análises radiométricas. Pedro Xavier Filho conta que há alguns anos entrou em contato por telefone com o Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN), que funciona dentro do campus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em

Page 13: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

13

Belo Horizonte. Segundo ele, a pessoa que o atendeu informou que os procedi-mentos realizados em Pitangui faziam parte de uma parceria do Brasil com a Alemanha para estudar pontos onde satélites teriam detectado alteração no campo magnético da Terra. Informa-ção que não confere com a explicação dada por um especialista do próprio CDTN entrevistado por QUESTÕES. O pesquisador em radioativi-dade Zildete Rocha conta que o que fizeram naquela época foram trabalhos de prospecção mineral (técnicas em-pregadas para localizar e calcular o valor econômico de jazidas minerais). “Com certeza não encontraram urânio em quantidade que justificasse a ex-ploração”, garante. O especialista diz saber de uma mineradora baiana que realizou uma pesquisa parecida e en-controu o urânio em grandes quanti-dades. “Em Minas Gerais, houve ex-ploração no município de Poços de Caldas, mas os lucros foram mínimos”. Para Rocha, a falta de expli-cações à população pitanguiense na

década de 70 facilitou a criação “mi-tos”. “É como se alguém tivesse divul-gado que se tratava de uma pesquisa para exploração de urânio, outro espa-lhado que este mineral causa câncer e outro feito a ligação de casos isola-dos da doença ao trabalho de pesquisarealizado”, explica o especialista. Cer-tamente, muita gente vive preocupada, temendo exposição à radiação. Mes-mo que eu tivesse certeza da existên-cia dessa radioatividade supostamenteelevada, não daria muita importância a ela. A extração propriamente dita do urânio, com a construção de uma indús-tria, poderia causar danos ambientais e de saúde pública. Radiação natural não mata ninguém. O produto artificial, de-rivado do urânio por meio de processo industrial, sim, pode ser perigoso”. EM MEADOS DE 2000, O EN-GENHEIRO PITANGUIENSE Pedro Xavier Filho ministrou palestra sobre tratamento de água para vereadores. Na oportunidade, pediu a eles que, como representantes do povo, providenciassem uma análise de radioatividade em poços

artesianos do município. O então presi-dente da Câmara Municipal de Pitangui, Messias Júlio de Abreu (PTB), teria se prontificado a solicitar uma análise. Procurado, Messias, que hoje é suplente do vereador José Lopes de Faria Sobrinho (mesmo partido), disse que em meados de 2002 conseguiu que uma equipe de pesquisadores (que, se-gundo ele, eram da UFMG), fosse à Pitangui para trabalhar em uma análise da radioatividade da água no municí-pio. “Eu tinha muitas dúvidas sobre a autorização para perfurar poços artesia-nos. Os muitos casos de câncer regis-trados em Pitangui poderiam ser causa-dos pela água radioativa”, explica. Por meio da Comissão de Energia Nuclear da UFMG, Messias afirma, conseguiu apresentar a ideia a pesquisadores que, então, foram a Pitangui e recolheram 30 amostras de água, incluindo uma do Rio Pará e outra do Rio São João. O grupo de estudiosos, segundo Mes-sias, foi liderado por Zildete Rocha. Em conversa por telefone com a reportagem, o pesquisador esclarece

Helicóptero com pesquisadores alemães sobrevoa Pitangui. Imagem do acervo pessoal de Pedro Xavier FilhoFoto do arquivo de José da Costa Caldas

Page 14: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

14

que os estudos foram feitos pelo Cen-tro de Desenvolvimento de Tecnolo-gia Nuclear que, apesar de funcionar dentro do campus da UFMG em Belo Horizonte, não percente à universi-dade. “Os estudos foram ordenados pela Fundação Nacional de Saúde (Fu-nasa). Foram recolhidas amostras em 54 municípios que possuíam serviço de água e esgoto. A análise foi feita aqui no CDTN. Não encontramos anomalias em nenhuma delas”, conta. Preocupado com os “mitos” a respeito da pesquisa, Zildete Rocha diz que está disponível para ir a Pitangui falar sobre o assun-to com representantes municipais ou mesmo diretamente com a população. O suplente de vereador em Pi-tangui Messias Júlio de Abreu garan-tiu que a medição de radioatividade da água no município foi feita sem injeção de dinheiro municipal. “A prefeitura forneceu os vasilhames necessários para coletar a água. Só isso”, disse ele. Procurado, o ex-prefeito Joaquim Olavo Lobato afirmou não saber nada relacionado à medição de radioativi-dade durante seu governo. “Lembro que três laboratórios foram contratados certa vez para fazer uma análise quími-ca das águas e descobriram enormes concentrações de coliformes fecais na mina da Gameleira. Mas procure o Messias. Ele deve saber”, disse Lobato. Deve saber, e sabe. Messias conta que uma cópia do resultado da pesquisa está em seu poder. A reporta-gem pediu para ver os papéis, mas ele não quis mostrar. E justificou: “Os pes-quisadores exigiram que eu assinasse um contrato com cláusula de sigilo. Por isso, não posso tornar público os resulta-dos da pesquisa. Mas digo a você que os resultados foram “tranquilos””. Segun-do ele, a pesquisa mostrou que não há alta radioatividade nas águas de Pitan-gui. “Se houver radiação a níveis preo-cupantes, talvez ela possa ser medida pelo ar. Na água, não há nada”, garantiu. Falando sobre a longínqua pes-

quisa realizada por geofísicos alemães e fotografada pelo engenheiro Pedro Xavier Filho, Messias garantiu que não sabe nada sobre os resultados. “Só sei que os alemães mapearam todos os ti-pos de minerais do subsolo e levaram os resultados para seu país. Eles sa-bem muito mais sobre nossas riquezas minerais do que nós mesmos”, teoriza. “PITANGUI POSSUI UM ÍNDICE DE HEMODIÁLISES QUA-TRO VEZES SUPERIOR À MÉDIA NACIONAL. Temos uma incidência tão alta de câncer que a possibilidade de haver elevados níveis de radiação se tor-na, sim, motivo de preocupação”, afirma o suplente de vereador Messias Júlio de Abreu. “Depois dos estudos realizados com a água, não se fez nenhuma out-ra tentativa de detectar a origem deste mal. O ideal seria levantar os possíveis vetores. Já sabemos que a água não está com altos níveis de radiação. Pode ser que exista alguma fissura no solo que libere a radiação e contamine o ar ou os alimentos. Podemos estar comprando alimentos contaminados, quem sabe”. O próprio Messias admite que suasideias são, se muito, hipóteses. “Fato é que falta apoio logístico e político. Sem isto, não conseguiremos dar continui-dade aos estudos”. Para o ex-vereador, a Secretaria Municipal de Saúde precisa abrir uma frente de investigação para descobrir os parâmetros do câncer em Pitangui. “A prefeitura precisa fazer al-guma coisa para que tenhamos condições de nos prevenir”, observa Messias. Na concepção do atual prefeito de Pitangui, Evandro Rocha Mendes (PT), não existem jazidas de compo-nentes radioativos no município. “Se existisse, alguém já estaria explo-rando por interesse econômico”. ParaMendes, a falta de informações no perío-do da ditadura deixou no imaginário popular pitanguiense a ideia de que os alemães encontraram urânio na região. “Não há provas. São apenas lendas”. Sobre a afirmação feita por Messias Jú-

Cientistas alemães preparam helicóptero para mais um vôo sobre

Pitangui

Foto

s do

arqu

ivo

de Jo

sé d

a C

osta

Cal

das

Page 15: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

15

lio de Abreu de que os índices de câncer em Pitangui são elevados, Mendes re-bate: “O sistema de saúde hoje é tratado de forma bem acompanhada pela esfera Federal. Quando há alguma anomalia, o município é o primeiro a ser informado”. Ainda segundo o prefeito, a Secretaria Municipal de Saúde possui informações sobre incidência de várias doenças. En-tre elas, o câncer. “Nosso índice de pa-cientes com câncer não é alto”, afirma. Em Divinópolis, a Associação de Combate ao Câncer do Centro Oeste de Minas (ACCCOM), que atende re-cebe pacientes da região, acolheu, so-mente em 2010, 31 pacientes de Pitan-gui que passaram 103 dias internados na unidade. Campo Belo, no centro oeste do estado, apresentou a maior quanti-dade de pacientes: 232 no mesmo ano. O médico oncologista Roney Márcio Quirino não acredita que estes casos tenham algo a ver com exposição ex-cessiva à radioatividade. “Não há fun-damento científico nisso. Se existisse alguma reserva de urânio na região, já teria sido divulgado a nível nacional”, afirma. O especialista explica que 35%

dos cânceres evitáveis são causados pelo tabaco e que telhas de amianto também favorecem a doença. “Cuida-mos da maioria dos cânceres de Pitan-gui e não observamos incidência maior em relação a outras cidades”, conclui. HOJE COM 63 ANOS, O PI-TANGUIENSE MARCELO EUS-TÁQUIO DE SOUZA foi mecânico dos alemães. Ele garante que as fotos do helicóptero são de 1973. A reporta-gem da QUESTÕES teve uma longa conversa com ele. De acordo com seus relatos, a aeronave ajudou a en-contrar algo grande. “Muito grande”. “Aquele helicóptero foi doado pela Alemanha ao Brasil. Vieram gru-pos de alemães para ensinar aos brasil-eiros a forma correta de usá-lo. Quando o “bichão” chegou, eu estava desempr-egado e eles precisavam de funcionári-os. Trabalhei cerca de um ano para os alemães. Depois, trabalhei na Com-panhia de Pesquisa de Recursos Min-erais (CPRN). Certa vez, um tenente reformado da aeronáutica quis testar meus conhecimentos em mecânica de aviões e me dei bem. Como eu tinha

experiência em um hangar da aeronáu-tica, ganhei o emprego de auxiliar de mecânico das aeronaves alemãs”. Segundo Marcelo, o helicóptero consumia 200 litros de querosene ape-nas para esquentar. Depois, mais 400 para autonomia de vôo de duas horas. Tinha uma sonda que era usada para detectar qualquer tipo de minério de-baixo da terra. “O aparelho era grande e tinha ponteiros parecidos com agul-has”. Quando sobrevoavam a serra da Cruz do Monte, ele diz, os ponteiros começavam a mexer violentamente, rabiscando em papéis. “Era como aque-les sismógrafos que registram os terre-motos. Lá, eles encontraram algumas rochas pretas. Levaram uns dez camin-hões, encheram eles com estas pedras e seguiram para Belo Horizonte. Encaix-otaram e mandaram tudo para a Ale-manha. Fizemos várias demarcações na serra que certamente ainda estão lá. O geólogo pegava a fotografia, olhava e falava: “coloquem um piquete aqui”. Fomos marcando o chão da Cruz do Monte até Na pista de pouso, desciam os engenheiros alemães e brasileiros. En-

A pesquisa realizada em 1973 por cientistas alemães em Pitangui é pouco conhecida pela população.A possibilidade de existir radioatividade em doses elevadas também é pouco debatida

Foto: Ricardo Webert

Page 16: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

16

travam em um quarto e ficavam de porta fechada. Tiravam os papéis do helicópte-ro e os levavam para o escritório”, conta. Nos finais de semana, segundo o relato da testemunha, que na época tinha 22 anos, todos os papéis seguiam em tu-bos para a Alemanha. Os geofísicos jun-tavam mesas e espalhavam fotografias das serras de Pitangui. “Eles olhavam e sabiam que ali estava o que eles vieram procurar. Faziam o reconhecimento das montanhas e, depois, anotavam em pa-péis, dobravam, punham nos bolsos e iam embora”. Os pesquisadores saiam em grupos de seis. Brasileiros e alemães. Uma turma deles abria picadas a cada 200 metros nas matas e fincava ban-deiras nestes pontos. Era a sinalização para o piloto que sobrevoava a cidade. “Tenho certeza de que encontraram muita coisa aqui. Mas tudo ainda corre em segredo. Creio que somente os pes-quisadores alemães e poucos brasileiros saibam o que existe debaixo dos nossos pés. Quando for oportuno para eles, nós também saberemos”, contou Marcelo. A quase tri-centenária Pitangui permanece com seu mistério. A pro-cura por urânio existiu. Se, na época, não encontraram o metal em quantidade suficiente que justificasse a exploração, talvez um dia, quando houver interesse econômico, a suposta merreca seja ex-traída. Enquanto isso ainda não acon-tece, alguns cidadãos continuam com-prando água mineral ao invés de beber das fontes pitanguenses. Só pra garan-tir.

Foto do arquivo de José da Costa Caldas

Page 17: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

17

O Guarani de Divinópolis é um clube dos mais tradicionais do in-terior mineiro, tendo completado 81 anos no último dia 20 de setembro. Ao longo desses anos possui feitos históricos, como o vice-campeonato mineiro de 1961 – fato inédito mesmo para outras equipes do interior, como o Boa Esporte, atualmente na Série B do Brasileirão, ou o Tupi, campeão nacio-nal pela série D, título que lhe garan-tiu o acesso à Série C. Porém, há nessa história uma lacuna jamais preenchida: o Guarani não possui sede própria ou centro de treinamento. Isso poderia ter mudado em 2006 e 2008, quando duas verbas foram destinadas ao clube para a construção do Centro de Treina-mento, mas elas jamais foram aplica-das e voltaram para os cofres da União. Em 2006, por meio do depu-tado Jaime Martins Filho, foram libe-rados R$ 150 mil para a construção do campo de futebol e vestiários no Centro de Treinamento do clube – que nessa oportunidade ainda ficaria situado no Centro Industrial. Essa verba previa que deveria haver uma contrapartida por parte da Prefeitura municipal – e as-sim foi firmado o convênio, registrado no Diário Oficial da União (DOU) sob o número CR.0197616-85/2006. Houve

SEM RESPOSTAS PONTAPÉ INICIALOU

Atrasos marcam o projeto da construção do Centro de Treinamento do Bugre, que per-manece sem sede própria e torce para não perder o bonde da História. O clube já per-deu por duas vezes gordas verbas disponibilizadas pelo Congresso para o CT e destino de uma delas, da ordem de 500 mil reais, ainda é um mistério. As promessas apontam para uma mudança de rumos, mas tudo parece indicar que o velho bugre pode esperar sentado.

Foto: Lucas Carrano

um impasse sobre a localização do CT e ao término da discussão ficou definida a região próxima aos bairros Prima-vera e São Lucas como a ideal. Esse foi apenas o primeiro imprevisto, que gerou um grande atraso, durante o pro-cesso, o que culminou com a expiração da verba em 30 de setembro de 2010. O atual secretário de esportes da prefeitura de Divinópolis, Rômu-lo Duarte, admite que houve falha da Secretaria na administração desses recursos. “Nós procedemos, fizemos todos os aditivos possíveis e temos

que atestar nossa incapacidade. Essa verba de cento e cinquenta mil nós perdemos”. Rômulo ainda elenca a morosidade do sistema como princi-pal causa da expiração desse repasse. A outra verba destinada à cons-trução do CT do Guarani - também libe-rada por iniciativa do deputado Jaime Martins Filho, por meio de um repasse federal à secretaria de esportes do governo do Estado, que por sua vez a re-passaria para a Prefeitura de Divinópo-lis – diz respeito à substancial quantia de R$ 500 mil e está sob o registro PT

Neste local desolado está localizado o novo campo do Guarani - em potencial

Por Lucas Carrano e Renato Mesquita

Page 18: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

18

Foto: Lucas Carrano

236.041-34/2008 no DOU. A Secretaria de Esporte e Lazer de Divinópolis afir-ma que essa verba jamais chegou à ci-dade, pois o projeto original estava “vi-ciado” – sem a estruturação necessária, ou seja, caduco. Ainda de acordo com a Secretaria, essa verba foi liberada e chegou à Caixa Econômica Federal em Belo Horizonte, mas não foi aprovada para ser enviada a Divinópolis. Embora tenham sido feitas diversas alterações no projeto com o intuito de adequá-lo às exigências da Caixa, nenhuma delas im-pediu que a quantia fosse reincorporada aos cofres do estado de Minas Gerais e se destinasse a suplementações orça-mentárias em outras áreas através de decreto no dia 3 de fevereiro de 2011. O FATO É QUE O DESTINO DOS 500 MIL LIBERADOS PARA A

CONSTRUÇÃO DO CT DO GUA-RANI É INCERTO. A questão é que, inclusive de acordo com o próprio deputado responsável pela liberação da verba, o governo do estado de Mi-nas Gerais não tem a prerrogativa para absorver um recurso repassado pelo Governo federal. Mas, ainda assim, conforme consta no decreto que data do dia 3 de fevereiro de 2011, o saldo fi-nanceiro do convênio 236.041-34/2008, no valor de 500 mil reais, foi reintegra-do aos cofres do Estado, fazendo parte do crédito suplementar ao projeto de lei orçamentária de 2011, entrando em vigor a partir da data de sua publicação. A reportagem de QUESTÕES entrou em contato com a Caixa Econômica Federal de Belo Horizonte e também com a assessoria de comuni-

cação do governo do estado de Minas Gerais, questionando sobre a legali-dade da manobra realizada, mas até o fechamento dessa edição nenhuma res-posta foi obtida, apesar da insistência. Independentemente, todavia, da realização de um arranjo legal para que essa verba federal fosse integrada aos cofres do Estado, um grande ponto de interrogação se coloca sobre a questão e põe em xeque a eficácia do sistema: como cabe ao próprio Estado, ou uma instituição ligada a ele, a liberação ou não de uma verba que – em caso de não aprovação do projeto – pode beneficiar a entidade responsável pelo veto? Assim como o Guarani sobre a construção do seu Centro de Treinamento, seguimos aguardando respostas.

O CT do Guarani seria construído nessa área, localizada na divisa do bairro São Lucas e Primavera, próximo ao Niterói

Page 19: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

19

Consequências do atraso preocupam

Imagem da InternetEstádio Waldemar Teixeira de Faria - Farião

Para Spartacus Alexandre Silva, torcedor do bugre e ex-assessor de comunicação do clube, as transformações estruturais seriam de funda-mental importância para o Guarani e os benefícios iriam além do espaço físico em si. “O Guarani precisa de um centro de treinamento para que o departamento de futebol tenha condições de ofer-ecer estrutura para os atletas e funcionários. Com isso, aumenta-se a possibilidade de que o rendi-mento nos campeonatos que o clube disputar seja cada vez melhor. É claro que uma boa estrutura reflete nos resultados dentro de campo, atrai bons jogadores e também mais patrocinadores.” Alex-andre ainda lembra que o clube treina atualmente no estádio Waldemar Teixeira de Faria - o Farião - onde também manda seus jogos, o que acaba por prejudicar a qualidade do gramado. E diz que no último campeonato mineiro foi necessário que o clube alugasse uma casa na Rua Bahia, onde eram

realizadas as concentrações para os jogos em Di-vinópolis. Inconvenientes que seriam evitados com a existência de um CT. O secretário de esportes de Divinópolis, Rômulo Duarte, afirma que tem a garantia do governo federal de que, com algumas exigências já cumpridas, como o projeto básico, levanta-mento topográfico e – principalmente – a escolha do local, ficando pendente apenas o levantamen-to de custos que, o projeto sairá do papel. E diz que conversas a direção do Guarani e a Prefeitura de Divinópolis já foram, e continuam sendo, re-alizadas para o lançamento de um novo projeto e, principalmente, para que os mesmos erros não sejam repetidos. O Guarani espera e necessita que assim seja realmente, mesmo que isso só acon-teça com um atraso de, no mínimo, cinco anos. Já o Campeonato Mineiro de 2012 começará em 2012 mesmo.

Page 20: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

20

Page 21: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

21

Por Anna Lúcia Silva e Marcela Knupp

Gritos e choros pela rua e muito desespero, pessoas param e olharam a cena que acontece numa quinta-feira às 6h30. Quem passa pela rua se im-pressiona, o barulho acorda quem ainda adormece no bairro. A cena é lamentável, chega a ser a deplorável o estado da mãe, que, em prantos, ajo-elhada, pede ajuda à sua filha, uma adolescente de 16 anos, para ela a in-terne. Motivo: o vício; o vilão: o crack. Trajes curtos, frio e muito vento. Quem saía na rua para ver aquela mul-her, estava agasalhado. Mas ela não, ela sentia o soprar gelado do vento, já estava havia quatro dias sem dormir. O crack não a deixa sentir frio, fome e sede. Mas ela estava consciente, sa-bia qual o seu lugar naquele momento: degradação da própria vida e muito mal estar foi o que o crack lhe trouxe. Joane Cardoso, 36 anos, é mãe de quatro filhos, uma adolescente de 16 e outra de 12 anos, uma menina de nove anos e uma criança de seis anos. Ela é usuária de drogas há mais de quinze anos. Seu principal fornece-

dor é um de seus sobrinhos: Carlos. Ele tem 26 anos e é um tra-balhador comum, que não levanta suspeita. Ele acorda todos os dias às 6h da manhã, toma café em um bar ao lado de sua casa, um pão com lin-guiça e uma coca-cola, vai para o tra-balho. Após sua jornada, das 7h às 17h, Carlos volta para casa para ini-ciar seu outro “trabalho”: o tráfico. Segundo Carlos, para ele, prati-car o tráfico não é apenas uma opção para ganhar muito dinheiro, pois esse sim vem fácil, mas também para diversão e adrenalina. “Basta investir um mês na venda do crack que já fico bem de grana, mas o que mais me motiva é saber que isso é errado, que as autoridades repudi-am e que eu consigo driblar essa camba-da toda, isso me dá adrenalina”, relata. O CRACK AGE, SOR-RATEIRO, por dentro de uma sociedade que não enxerga o quanto ele está próximo. Dor, sofrimento, é o que relata Ramon, viciado há 20 anos na droga que trans-formou sua vida em um livro de horror. “Nunca pensei que essa droga

faria tanto estrago em tão pouco tempo na minha vida. Uso crack há pelo me-nos 20 anos. E essa droga faz da minha vida um livro de horror”, conta Ra-mon de Oliveira, viciado há 25 anos. Ramon era uma pessoa que quase não despertava suspeitas, ci-dadão comum universitário, já estava cursando o último ano de faculdade. Entre pausas em suas falas, que transmitiam muita dor e angústia, risadas que, mesmo irônicas, nervo-sas ou tresloucadas, serviam de con-forto, Ramon fez um breve relato so-bre os estragos que a droga lhe trouxe. “O crack entrou na minha vida com 24 anos, quando estava me for-mando em História. Minha família não era rica, mas tínhamos boas condições. Quando me apresentaram o crack falta-vam exatamente seis meses para minha formatura. Em menos de dois meses já era um viciado. Em uma das minhas necessidades, saí vidrado de casa, es-tava sem dormir fazia cinco dias. Peg-uei o carro para ir comprar o crack, faço isso todos os dias da minha vida

Recentemente, o Ministro da Saúde brasileiro, Alexandre Padilha, ao lançar o pro-grama nacional de combate ao crack, admitiu o que todo mundo já intuía: o crack se transformou em uma epidemia e é um dos mais graves problemas de saúde pública no País. Presente na quase totalidade dos municípios brasileiros, a droga deixa um ras-tro de tragédia por onde passa. As histórias que contamos abaixo, que tem como per-sonagens cidadãos de Divinópolis, cujos nomes reais, no entanto, foram preservados, são um exemplo de como uma droga devastadora está mais perto de nós do que imag-inamos, o que mostra que esse é, sim, um problema que toda a sociedade deve enfrentar.

Page 22: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

22

desde quando me apresentaram essa droga. Dessa vez não andei nem 100 metros e sofri um apagão. Dormi ao volante, simplesmente não me lembro como aconteceu, mas acordei no outro dia com os dois braços enfaixados e o rosto cheio de feridas por causa dos estilhaços do vidro”, contou Ramon. O ÚLTIMO LEVANTA-MENTO FEITO SOBRE O USO de drogas no Brasil foi realizado pelo Ministério da Saúde em 2010, pelo Centro Brasileiro de Informações so-bre Drogas Psicotrópicas em 135 ci-dades brasileiras. A pesquisa apontou que 0,19% da população fumou crack nos 12 meses anteriores à pesquisa. No mesmo período, 4,6% haviam fumado maconha, 3,6% tinha utilizado solvente, 0,21% havia usado cocaína, enquanto 58,7% das pessoas consumiram álcool. Atualmente, o crack é con-sumido em níveis médio e alto em 70% dos municípios mineiros, con-forme aponta a avaliação de prefeitos

na pesquisa Observatório do Crack. Os números impressionam. Impressionariam muito mais se fos-sem melhor apurados: não há muitos dados sobre o uso do crack no Brasil e nem em Divinópolis. Dados que ig-noram o que faz parte de nossa reali-dade, da realidade de tantas famílias que se perdem no curso da vida ao se depararem com o obstáculo da droga. A CHEGADA DAS DROGAS na cidade não é muito difícil, segundo Carlos, o traficante nas horas vagas que fornece para a própria tia. Basta ser es-perto, diz, com um ar blasé. A entrada é feita por meio de carros de passeio e car-regamentos comuns. Também são uti-lizados os chamados “mulas”, pessoas sem qualquer tipo de ligação com o tráf-ico, mas que aceitam fazer o serviço em troca de – geralmente pouco - dinheiro. Com o material já dentro da ci-dade, a droga tem que chegar até o con-sumidor, e para isso acontecer, algumas práticas são comuns. “Geralmente os

patrões alugam uma casa e lá fazem a distribuição. Eu compro diretamente de um fornecedor, ele vai à minha casa de-pois das 17h me entregar todo o mate-rial, geralmente pasta base de cocaína. Não converso nada por telefone para não levantar suspeitas. Quando converso, faço tudo em códigos, mas geralmente eles nem atendem, é tudo pessoalmente. O entregador é um cara normal, não le-vanta absolutamente nenhuma suspeita. Somos muito discretos”, diz Carlos. Discrição: essa talvez seja a principal arma dos traficantes. Ser dis-creto e parecer uma pessoa normal, ser normal neste caso, é não aparentar fazer o uso da droga, e eles não fazem. Ser normal é vestir-se bem, o dinheiro lhes proporciona uma boa aparência. “Passar por despercebido é o que tentamos fazer, porque, se não, os poli-ciais ficam na cola. Ser bem aparentado, mostrar ser saudável, não usar a droga que a gente vende, até porque quem vende nunca usa. É regra”, conta Carlos.

Foto:Chrystiam de LimaCachimbos de crack apreendidos em ação contra o crime e drogas em Divinópolis

Page 23: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

23

Para o preparo da pedra, tem iní-cio outro processo. Os traficantes pre-param a pasta base (“em banho-maria, para a pasta virar óleo”), posteriormente misturam acido amoníaco, bicabornato de sódio, e outros produtos. Por fim, é feito um choque térmico, para virar pe-dra. De acordo com Carlos, alguns in-gredientes são encomendados em farmá-cias, academias e comércios em geral. “É fácil comprar, chego em qualquer lugar para comprar grande quantidade de cafeína e eles vendem. O que eles querem é vender, o que eu quero é comprar. Eu mesmo não com-pro, mando outra pessoa fazer isso, mais uma forma de não me expor”, diz. Carlos ainda conta que, mesmo com tanta cautela, volta e meia, os poli-ciais “cismam” com ele e, durante um tempo, é constantemente abordado. Mas nunca encontram nada com ele. Nesse período, “vira vapor”, ou seja, desaparece do movimento, “até a poeira abaixar.” A VENDA É A PARTE MAIS FÁCIL de todo o processo, porém, deve ser cautelosa. Os movimentos e os olhares são as principais formas de co-municação entre o traficante e usuário. É assim que acontece entre Joane, tia de Carlos, sua principal cliente, que, para a sustentar o vício, faz programas - ou “PG” como ela diz. Joane faz isso todos os dias. E seu sobrinho sabe disso. Carlos conhece bem os estragos que a droga faz em sua própria família, sabe o quanto sua tia é dependente e o quan-to está se afundando num abismo sem volta. Quando questionado sobre isso, ele responde: “Ela usa porque quer, eu vendo porque tenho para vender”. Joane cobra por cada programa o preço que paga pela droga, R$10, ou, às vezes, até mais barato que isso. Segundo ela, já aconteceu de estar pre-cisando de R$ 1,75 para inteirar o preço da droga e no momento do desespero ela aceitou o programa pelo valor. Cada pedra tem aproximadamente um grama. De acordo com Carlos, os for-

necedores da droga compram um tablete de pasta base de crack por aproximada-mente R$ 13 mil. São os próprios donos da droga que produzem a pedra. Com o comércio da droga é possível reverter os R$13 mil em R$ 30 mil. Nem sempre o valor bate, uma vez que os usuários, por muitas vezes, pagam a droga com mer-cadorias que furtam, na maioria das vez-es de dentro das casas de suas famílias. Quando se trata de discrição Car-los, é minucioso e escolhe a dedo seus clientes. Para vender mais rápido, ele faz um trato com os garotos, menores, usuários: a cada cinco pedras vendidas, a sexta é do vendedor, ou seja, do menor. RAMON, CONTOU QUE JÁ FOI INTERNADO DIVERSAS

VEZES. E que não teve forças para lutar, todas as vezes ele fugiu. “As famílias sempre pensam que internar é o melhor remédio. Sempre soube que depois de internado voltaria à droga, tinha meus internamentos como um afastamento temporário da droga, me dói dizer e me sinto o mais cretino dos homens por sentir ódio de todos aque-les que me afastavam do crack. Para falar a verdade, ele, o crack, é a solução dos meus problemas”, narra Ramon. Ele conta ainda que fingia aceit-ar a internação como uma moeda de troca. “Fazia meus pais pagarem min-has dívidas dizendo que, do contrário, seria morto pelos traficantes. Em troca, eu ficava um tempo na clínica de re-

Foto: Anna Lúcia SilvaPolicial Militar em operação contra o crack em Divinópolis

Page 24: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

24

cuperação. Mas só pensava em sair daquele lugar. Fingia estar curado do vício e, quando era liberado, me en-tregava de corpo e alma ao que me traz

Alguns números do crack

Foto: Anna Lúcia Silva

O crack é um caminho sem retorno

• 6 milhões é o número de usuários de drogas no Brasil segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS);• 2 milhões é a estimativa projetada pelo Ministério da Saúde;• 22 milhões de pessoas consideram “muito fácil” obter crack caso o desejassem, apontou pesquisa 0,4% dos estudantes já usaram ou usam a droga;• 1/3 dos usuários morrem, dos quais 85% por causas

violentas;• R$10 é o preço médio de uma pedra; só é mais cara que a nova droga Oxi, vendida a R$2;• 10 segundos é o tempo necessário para a fumaça chegar ao cérebro;• 98% das cidades brasileiras já registraram vítimas do crack, segundo dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).

Fonte: Conselho Federal de Medicina

prazer, o crack.” Ramon tem 49 anos. QUESTIONADO SOBRE OS ESTRAGOS QUE TRÁFICO FAZ, Carlos dá de ombros, fica em silêncio

por um breve instante e emenda: ”Sof-rer, o drogado não sofre nada. Quem sofre é a família. E eu não tenho trato com família de vagabundo.”

Page 25: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

25

Page 26: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

26

A idéia de sermos nossa cidade pode ser pensada de várias formas. O que deixamos de ser do que foi a nossa cidade. Quais registros das experiências vividas em seu cotidiano nos servem de inspiração. Podemos pensar ainda no que somos pra nossa cidade. Havia uma efervescência cidadã na Divinópolis de outros tempos. O debate sobre a cidade acontecia nos jornais, nos boletins e também em organizações civis comprometidas com o coletivo. O sentido de público ultrapassava os domínios do Estado. Portanto, uma sociedade civil relativamente ativa debatia questões que afetavam o cotidiano dos moradores e sinalizava para a composição de espaços não formalizados pelos governantes onde se publiciza-vam pontos de vista, soluções e formas de ação coletiva. Muitas publicações de conteúdo variado, de caráter amador, circularam na cidade desde a sua formação. Nos anos de 1940 e 1950, podem ser citados como marcantes o jornal “Divinópolis” e o boletim “Conversando com os Divinopolitanos”, do farmacêutico Pedro Xavier Gontijo , e também o jornal “A Semana”, que publicava a coluna “Bombas da RAF” de Frei Rafael . O estilo panfletário dava o tom dos confrontos político-ideológicos expostos aos divinopolitanos. Eram veículos que movimentavam opiniões e estimulavam posicionamentos de grupos e de ci-dadãos sobre situações que interferiam na dinâmica local. Durante o regime autoritário, Divinópolis foi cenário de uma das experiências mais interessantes de organização civil. Podemos considerar como o embrião do que hoje chamamos de ONG: a atuação política da “Fundação da Comunidade”. Tratava-se, na época, de uma organização sem fins lucrativos composta por in-telectuais, estudantes e lideranças políticas locais com o propósito de selecionar problemas da realidade lo-

cal para análise e proposição de soluções, apresenta-das ao poder público e discutidas com a comunidade. Em um contexto totalmente desfavorável à participa-ção política da sociedade, a Fundação conseguia fo-mentar discussões e fazer a sociedade compreender concretamente o significado de ter direito à cidade. Hoje, munidos de dois artigos constitucionais que tratam das políticas urbanas, regulamentados pelo Estatuto da Cidade de 2001, nos apresentamos impo-tentes em termos de capacidade de fazer valer o nosso direito à cidade. Prevalece uma tendência de descon-hecimento dos conteúdos da legislação urbanística que nos garante participação política nas decisões sobre as políticas públicas e uma enorme dificuldade de nos ap-ropriarmos dos espaços públicos institucionalizados para conceber e controlar, socialmente, tais políticas. O fazer coletivo gera um aprendizado político, as arenas públicas são lugares em potencial para a ex-periência das práticas democráticas. Democracia não se faz apenas na formulação de leis e na representação for-mal nos parlamentos. Constitui-se como prática do vivi-do em consensos ativos estabelecidos entre sujeitos, nos encontros entre a sociedade civil e a sociedade política. Cabe-nos refletir sobre como estamos fazendo Democracia e em que medida os nossos cem anos nos inspira, o que significa termos avançado na garantia le-gal de direitos e o que representa ter direito à cidade. Conhecemos as possibilidades das quais dispomos para concretizar formas de debate público? Somos capazes ou queremos reacender a importância do pertencimento coletivo em detrimento dos particularismos, tendentes a serem predominantes e desagregadores? As respostas com certeza definirão o que somos para nossa cidade.

Márcia Helena Batista Corrêa da CostaDoutora em Ciências Sociais, professora do INESP e ISED – FUNEDI/UEMG

Page 27: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

27

Page 28: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

28

Um filho que morou algum tempo na Europa admirou-se quando viu aqui que sua avó Alzira, de quase 100 anos, era mais velha que a cidade.Tem razão o espanto do filho. A gente se acos-tumou tanto, que não se espanta mais. Não percebe como nossa cidade é tão jovem, que sua História está sendo escrita agora, daí que podemos nos dar ao luxo de cuidar para que o registro de sua História possa e deva ser a verdade-verdadeira e não folclore. Temos vários ensaios de memorialistas de boa vonta-de e conhecimento que já publicaram livros ou textos, como Cristóvam Teixeira, o primeiro, e Frei Odulfo Vander Vat, ao neto de Antônio Olímpio de Morais, e mais Batistina Corgozin-ho, Eliseu Ferreira, Mauro Eustáquio, prof. Lara, Lázaro Bar-reto, Os Azevedo, Milton Pena, Márcia Helena Batista, Mauro Corgozinho, Mercemiro, dentre outros, e sobre tudo a filóso-fa e Historiadora Maria Cecília Guimarães, fonte inesgotável e criteriosa da História da cidade, e onde tantos vamos beber. Passada é a hora de a Princesa do Oeste , ao fazer seu cen-tenário, não mude tão belo título para Divinópolis, A Rainha Desmemoriada. Passada é a hora de termos uma História con-sistente , científica e oficial onde poderemos venerar mais ainda nossa cidade, sejamos aqui nascidos ou adotados, sempre filhos. Divinópolis é como a Família da gente. Nós podemos falar dela, criticar, apontar defeitos, mas se alguém falar mal dela, é briga comprada...Também de nossa cidade, podemos falar de como não tem sede própria para Biblioteca pública, para cen-tro de convenções, para um grande teatro municipal, que anda suja, sem esgoto, pouca segurança, mas, se alguém falar mal dela, aí, é hora da declaração da terceira guerra mundial...

Maria Cândida Guimarães AguiarJornalista Um

viaduto de amor

e dor

Page 29: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

29

O viaduto que liga o bairro Porto Velho ao centro de Divinópolis produz histórias de violência que assombram a cidade

O bairro Porto Velho mar-cou sua história na quase centenária Divinópolis. Com a chegada da Sid-erúrgica Pains, em 1954, que tornou a cidade polo metalúrgico, o bairro se tornou o coração econômico da cidade. Coincidentemente, no mesmo ano, com a construção do Estádio do Guarani, suas ruas viram passar, com orgulho, torcidas de vários times brasileiros. Ele é um bairro valorizado por sua proximidade ao centro e, por isso, os imóveis que lá se encontram têm bom preço no mercado imobiliário. O viaduto que o liga ao centro é um dos fatores de sua valorização. Também o fato de ser uma das saídas para a vizin-ha Carmo do Cajuru. Pelo Porto Velho, Cajuru fica a poucos quilômetros, o que torna o bairro caminho preferencial para quem precisa se deslocar entre as duas cidades. Tanta facilidade, no entanto, e justamente no viaduto que liga o bairro ao centro, tem também sido motivo de

preocupações – ou, mais: de verdadeiro pavor para seus pacatos moradores. FIM DA TARDE DE JULHO DE 2009. Uma jovem estudante univer-sitária de Belo Horizonte, que passava férias na casa dos pais, inicia a travessia do viaduto do Porto Velho em direção ao centro da cidade, quando é interceptada e levada para próximo aos trilhos da es-trada de ferro, que o viaduto atravessa. A moça é violentada e arrastada até a ponte do bairro Niterói, de onde só conseguiu fugir na manha seguinte. No ano passa-do a história se repete, sendo ainda mais cruel. Por volta das 19h uma menina de 15 anos inicia travessia a fim de encon-trar um grupo de amigas para sair. An-tes de avistá-las, a garota é arrastada por dois rapazes para debaixo do viaduto. Minutos depois as amigas che-gam ao local, e como não encontram a amiga, resolvem partir sem ela, imag-inando que, como sempre, desistira da balada. Só com muito custo haviam

convencido a menina pacata e caseira. Elas não imaginavam que debaixo de seus pés, naquele instante, a amiga era violentada alternadamente por dois ho-mens, que a dividiam entre uma chei-rada e outra, e que em momentos de ta-manha alucinação mordiam ferozmente a garota deixando feridas por todo o corpo, e pegando-a com tamanha vio-lência a deixar cortes entre a separação da vagina e do ânus. A garota só con-seguiu fugir, já madrugada quando os estupradores caíram no sono, ambos. Os casos repercutiram por todo o bairro e permanecem vivos na memória, no imaginário e no discurso dos moradores do Porto Velho, ape-sar do esforço, compreensível, das famílias para tentar esquecer e abafar as histórias. A verdade é que, toda-via, essas histórias apenas compõem o macabro cotidiano de muitos casos semelhantes que assombram o local. Durante todo o dia é possível

Por Josiele Salera

Um viaduto

de amor e dor

Page 30: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

30

perceber a movimentação nas escadas laterais e nos becos que se formam de baixo da travessia. São, em sua maioria, usuários de drogas que aproveitam o lo-cal para manter o consumo e por vezes intimidam os transeuntes em busca de dinheiro para alimentar o vício. Outras vezes, como garantem os moradores, tomados pelo torpor das drogas, atacam mulheres que precisam passar por ali. Outras histórias de violência ajudam a montar e manter o quadro. Ali, no viaduto, estranhos acidentes automo-tivos, que também sugam vidas, aconte-cem. Foi o que ocorreu a Denis Oliveira no dia 30 de março de 96. O moreno alto, de 24 anos, saiu de sua residência no bairro Interlagos para entregar a mo-tocicleta que havia concertado para seu amigo, que se encontrava em uma festa

no Divinópolis Clube, no centro da ci-dade. Era madrugada, quando o rapaz, depois de ser fechado por um carro, colide em um poste. Os traumas o fiz-eram morrer no local. O noticiário do dia seguinte relatou o fato como apenas trágico acidente de trânsito. A família, porém, não se convenceu disso e, até hoje, acha, que Denis fugia de um assalto. NOS RELATOS DOS MO-RADORES É possível perceber o grande amor pelo bairro, um sentimento de pertencimento e de reconhecimento com a história e com o valor construído ao longo do tempo. Mas este sentimento contrasta com a realidade de violência que já não é mais encarada como novi-dade. As incidências de roubos se es-tendem para as ruas mais próximas ao viaduto. A noite registra um alto índice

de agressões e estupros marcantes, como o da noite de inverno de 2009, que são em sua maioria abafados pela família, na tentativa de aplacar a vergonha ou por medo de represálias. No bairro, no entanto, os casos correm de boca em boca, em um tenebroso tecer do terror. Os acontecimentos tornam o viaduto ícone de violência para os di-vinopolitanos, citada nesse lamentável quadro juntamente ao Niterói e o con-hecido e sugestivo morro do Pito Aceso. As histórias povoam o imaginário dos cidadãos e apavoram os moradores do Porto Velho. Além da violência nua e crua, há histórias que seriam cômicas, não fossem trágicas. É o caso das co-branças de “pedágios”, fato que fez fama na ponte do Bairro Niterói. No caso do Porto Velho, talvez pelo prestí-

Parte interior do viaduto do bairro Porto Velho sentido centro-bairro

Page 31: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

31

gio do bairro, a ação policial fechou o posto de pedágio. No Niterói, volta e meia ouvem-se histórias do retorno desses cobradores. . É fácil ouvir rela-tos e clamores angustiados de homens e mulheres, que pedem para que pe-destres desacompanhados não atraves-sem o viaduto à noite. Mas agora seus moradores estão isolados pelo medo. O Porto Velho parecer estar de volta a um passado quando os mora-dores precisavam se arriscar na travessia dos trilhos. Uma moradora da avenida do Contorno relata que precisava pas-sar por baixo da ponte, quando real-izava um curso até à noite, para chegar à sua residência. Pedia a um colega que a vigiasse por cima da travessia. Só dessa forma conseguia atravessar com o que poderia ser chamada de tranquili-dade. Ela conta que, como moradora, ainda se sentia “respeitada”, mas que jamais indicaria a uma pessoa de fora do Porto Velho fazer o que ela fazia. Um estudante universitário,

também morador do bairro, conta que já presenciou vários casos na traves-sia, como roubos e agressões de pes-soas que vinham desacompanhadas. O rapaz conta que os marginais agem quase sempre em grupo. Depois da ação violenta, diz o estudante, eles fogem, sempre em direção ao bairro. O univer-sitário afirma diz que o fato de ele ser homem não faz de sua travessia diária mais segura. Uma vez, lembra o rapaz, diferentemente das moças, foi persegui-do por homens em um carro e só se livrou com a ajuda de um amigo, que, por sorte, passava em sua motocicleta. O estudante revela ainda um desejo já população local pela a instalação de uma guarita policial como forma de inibir tais acontecimentos, porém aten-ta para o fato de não haver nenhuma movimentação comunitária nesse sen-tido. O resultado é óbvio: o posto poli-cial não foi instalado e as histórias de violência continuam a ser construídas. Além do Porto Velho, do Niterói

e do Pito Aceso, Divinópolis apresenta como “mancha” de violência, termo técnico que localiza as ações ilícitas, os bairros Interlagos e São José. Ainda assim, Divinópolis possui índices de vulnerabilidade juvenil à violência en-tre 0,300 e 0,370, o que a coloca em sé-timo lugar entre as cidades brasileiras, segundo o Fórum Brasileiro de Segu-rança Pública realizado no fim de 2009. Também é fato, todavia, que cidade é destaque em tráfico de drogas no cen-tro-oeste mineiro, colocada como ponto estratégico da Polícia Federal, que em seus primeiros meses de atuação reali-zou grandes apreensões. As ações dos federais tiveram como foco o bairro Ni-terói, considerado como o maior polo de distribuição. O vizinho Porto Velho é classificado como o principal polo con-sumidor de entorpecentes. Talvez isso explique os fantasmas que assombram o bairro.

Travessia de pedestres na lateral da ponte sentido bairro-centro

Page 32: Revista Questões - Ano 8 – Número 6 - Dezembro de 2011

32