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VIVER COM MENOS Um novo estilo que prioriza consumir menos e viver mais Entrevista Oskar Metsavaht, criador da Osklen, conta como o novo luxo é o simples Longevidade Como a terceira idade passou a representar a melhor das etapas da vida Fortaleza | 2011 | R$ 7,90 9 772178 847008 ISSN 2178-8472

Revista Buchicho Vida Leve (2011)

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A publicação procura desvendar os segredos de uma vida mais saudável e prazerosa. São matérias leves, descontraídas e recheadas de dicas para sua saúde e bem estar.

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VIVER COM MENOSUm novo estilo que prioriza consumir menos e viver mais

EntrevistaOskar Metsavaht, criador

da Osklen, conta como o novo luxo é o simples

LongevidadeComo a terceira idade

passou a representar a melhor das etapas da vida

Fortaleza | 2011 | R$ 7,90

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ISSN 2178-8472

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VIVER COM MENOSConta bancária cheia, roupas da moda, carro do ano, status social. Há quem dispense tudo isso

u nunca havia caminhado até o final do espigão da Rui Barbosa, na praia de Iracema. Foi o primeiro pensamento que me veio quando cheguei ao local escolhido pela dentista Catarina Labourê para o nos-so bate papo informal. Atravessei os 230 metros da “ponte” enquanto o sol de final de tarde se recolhia no horizonte, por detrás de dois arranha-céus. Também nunca havia observado, por completo, o pôr-do-sol de minha cidade. Sempre acreditei que seria inútil gastar meu tempo livre com isso.

No extremo do espigão, com as costas apoiadas nas grades de proteção, estava a minha personagem. De óculos escuros, longos cabelos encaracolados e um sorriso que não nega sua profissão, Catarina suge-riu que sentássemos nas pedras empilhadas no final do trajeto. Com o barulho das ondas, o vento no rosto e a silhueta de pescadores contra o sol, estava pronto o cenário de nossa entrevista.

JÁDER [email protected]

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Navegar é precisoRoel e Janneke Wetters carregam mais de quarenta mil quilômetros em seus olhos azuis. Percorreram 55 países antes de chegarem ao lugar que os faria aban-donar tudo em sua terra natal para começar uma vida nova: a Praia do Cumbuco. Localizada no litoral oeste do Ceará, distante 30 minutos de Fortaleza, a praia é fa-mosa pelo turismo que promove em torno de esportes aquáticos. Raul e Janete – os nomes brasileiros que es-colheram – são holandeses e vivem aqui há cinco anos.

Antes da decisão que mudou suas rotinas, o casal levava uma vida estressante em Amsterdã: ele como advogado e ela como consultora de grandes empresas. Em 2001 perceberam – e assumiram – que aquele não era o estilo de vida que haviam sonhado, e encontra-ram um modo rápido de resolver a situação. Poucos meses depois, já haviam vendido a casa em que mo-ravam e partiam em uma viagem ao redor do mundo, sem duração e roteiro definidos.

No Cumbuco, abriram um charmoso restaurante com muitas guloseimas no cardápio. Com o dinheiro que haviam economizado, inauguraram há dois anos um hotel tão aconchegante quanto o empreendimento anterior, com jardins bem ornamentados e uma biblio-teca informal. As duas iniciativas receberam o nome de 0031 – o código telefônico da Holanda – naquela que talvez seja uma das últimas referências percebidas entre o casal e o país europeu. Faz tempo que seus pés não calçam sapatos, eles descobriram as chinelas de borracha. O branco reluzente de suas peles adquiriu o tom rosado de quem exagerou no sol.

Raul e Janete têm nove filhos: seis cachorros e três gatos que circulam livremente pelas dependências do hotel e interagem com a clientela, fortalecendo o clima de bom relacionamento que permeia o local. “Aqui não existe estresse, estamos sempre de férias. A Holanda é muito cinza, é chuvosa. A luz daqui é incrível”, conta

Janete. E se o sol cearense foi um dos mo-tivos para a mudança, eles sabem aprovei-tar o que recebem: todos os dias, antes das cinco da manhã, já estão acordados para ca-minhar na praia. No final da tarde também estão na frente do mar, para o pôr-do-sol.

“Não sentimos saudades da Holanda. Aqui as pessoas são abertas, gostam de abraçar, são mais informais”, conta Janete. Para celebrar as novas amizades, não dis-pensam uma caipirinha bem preparada. “Viver aqui é uma terapia. Agora, somos zen”, confessa Raul, com um sorriso do ta-manho de sua paixão pelo Brasil.

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estamos sempre de férias. A Holanda é

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Felicidade inscrita na peleNascida em Brasília, Mariana Kuroyama veio para Fortaleza quando tinha nove anos. Enquanto criança, brincava com la-gartas, louva-deuses, e cuidava de passari-nhos. A morte de qualquer um era motivo para dias de choro. Hoje, adulta, entende o encanto que o verde exercia em sua mente infantil: “Essa percepção se devia ao fato de eu estar perto do que é vivo. É diferente a sensação de estar perto de árvores e estar no asfalto, em um prédio. Nada disso respira. Trazer a natureza para a cidade é curar o homem”.

Mariana formou-se em jornalismo, mas prefere não receber o título de jorna-lista. Não se acostumou com a rotina de uma redação. Mesmo assim decidiu concluir o curso e substituiu a monografia por um projeto sobre per-macultura, método humano de planejamento sustentá-vel. Depois, seguiu por outros caminhos. Em São Pau-lo, onde vive atualmente, prefere as artes, sobretudo aquelas impressas na pele. Mariana é tatuadora. Mas também dá aulas de inglês, faz parte de um grupo de estudos do sagrado feminino, tem um minhocário para compostagem de lixo orgânico, cuida de plantas.

A arte está no sangue da família. A irmã de Mariana mantinha um ateliê, onde pintava e desenhava, o que despertou o interesse da estudante de jornalismo insa-tisfeita, que passou a criar seus próprios traços. Do pa-pel até a pele só foi preciso o incentivo dos amigos, que começaram a pedir desenhos para tatuagens. Aprendeu a riscar a pele com o auxílio de um renomado tatuador cearense e o primeiro teste foi na pele de uma amiga.

Os pais de Mariana sempre apoiaram sua decisão de viver de arte. “Eles aceitaram porque são pessoas espiritualizadas, que sabem que o filho não é deles, que precisa ser criado para o mundo, para desenvolver seus próprios talentos e encontrar suas verdades”.

Conversar com Mariana, observar os detalhes de sua casa, de suas roupas, de seus traços inscritos na pele dos outros, é perceber que é possível viver de um modo mais colorido em uma cidade cinzenta. “Isso pode acontecer em qualquer lugar, mas as pessoas es-tão muito desligadas da natureza, e isso é uma calami-dade. A natureza é nossa origem, nossa maior verdade. Eu acredito que toda busca do ser humano por uma religião é, na verdade, uma busca pela reconexão com a natureza”, explica. E como ter uma vida abundante? Segundo ela, tendo amigos, vendo o sol, cantando, ou-vindo música, dançando. Cada um encontra seu jeito.

“É diferente a sensação de estar perto de árvores e estar no asfalto, em

um prédio. Trazer a

natureza para a cidade é curar o

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ARQUIVO PESSOAL

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Na quarta hora da madrugada a designer Fernanda Porto abria os olhos para iniciar suas quase dez horas diárias de meditação vipassana. A prática vem sendo ensinada na Índia há mais de 2500 anos e procura solu-cionar os males universais por meio de ensinamentos que buscam erradicar as impurezas mentais e cujo re-sultado almejado é a suprema felicidade, a arte de viver.

Em sua rotina habitual, dez horas de meditação são inconcebíveis. Fernanda e o designer Felipe Acácio são “habitantes” – nada de títulos hierárquicos aqui – da Casa 202, estúdio de design gráfico e fotografia apeli-dado por eles de abrigo de ideias. Não há tempo para meditar, mas existe espaço de sobra para um trabalho

desenvolvido de modo a estreitar a relação entre eles e os seus contratantes, formados em sua maior parte por expoentes da área cultural fortalezense. “Nós rece-bemos pessoas, parceiros, e não clientes. Hoje, perce-bemos que muita gente procura a Casa 202 por conta do nosso trabalho diferenciado”, conta.

Por mais que tenha vivido no seio de uma fa-mília cujo valor principal era a simplicidade, e que gaste seu tempo livre na casa de amigos, no cinema ou na praia em frente ao trabalho, Fernanda só en-controu a paz que buscava nos dias em que partici-pou de um retiro de meditação vipassana na região serrana do Rio de Janeiro. Seguindo a recomenda-ção de uma amiga, inscreveu-se para participar do curso, realizado em julho deste ano. Foram dez dias sem qualquer comunicação verbal, período em que Fernanda pode conhecer e colocar em prática a pos-sibilidade do silêncio. “Você se escuta muito nesse período e descobre que precisa de muito pouco para viver”, conta. A dieta vegetariana – uma exigência do local – Fernanda levou para sua vida, assim como a percepção aguçada para as pequenas coisas que só podem ser percebidas quando a alma silencia. “Quando volta para casa você sente o choque. Sai da natureza e vai para o mundo de plástico”.

Os dez dias de meditação trouxeram um novo modo de levar a vida. “Hoje eu percebo que vivemos invadidos por imagens, pelo comércio, pelo consumo exagerado e sem motivo. Agora, isso me incomoda, e eu sempre pergunto se o que eu tenho é necessário ou não. Sempre penso se posso viver sem aquilo”.

Alma em silêncio

FELICIDADE EM TEMPOS DE CRISEEconomizar é a atual palavra de ordem nos grandes centros urbanos. Uma pesquisa recente do departamento de psicologia da Universidade of British Columbia, no Canadá, apontou que, em decorrência da crise econômica, sua população está guardando 6,4% de seu rendimento mensal. Antes da recessão, a taxa não ultrapassava os 2%. O novo hábito pode garantir novos picos de felicidade entre nós: outro estudo demonstrou que as pessoas são mais felizes quando gastam dinheiro com experiências ao invés de objetos materiais, quando planejam a compra de um algo durante muito tempo e quando param de tentar superar a riqueza dos vizinhos.

FILIPE ACÁCIO

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Visitar o sítio do psicólogo Luis Fernando é uma ex-periência curiosa para os sentidos embotados pelo caos da metrópole. O número da residência é inscrito no interior de um sol de raios retorcidos, pintado no muro branco da parede principal. Ao lado do portão de entrada, uma cabana indígena – inspirada nas tri-bos nativas norte-americanas – um dos seus locais de meditação. Num espaço separado, ao lado da piscina, algumas poltronas foram posicionadas ao redor de de-zenas de pinturas e quadros que fazem referência aos deuses e figuras míticas de vários segmentos religio-sos, de Buda até Krishna. Nada de institucionalizar as crenças. Aqui, religião guarda seu significado original de “religação com o divino”.

Em uma das extremidades do sítio, um circui-to curioso: estrelas de ferro formam uma espécie de corredor, um chakra estelar que antecede o portal galá-ctico – representado por uma espiral traçada no chão, significante da totalidade do ciclo da vida – e leva até a enorme pirâmide, ornamentada com cristais reluzen-tes que servem para manter o fluxo de energia.

Luis acorda por volta das 5h30 da manhã, e todo a sua rotina diária gira em torno de um único objetivo: atingir um estado ampliado de consciência. Viver em um sítio como o seu é o primeiro passo para isso. É lá que, há um ano e meio, ele pode esticar o braço e tirar

um caju direto do pé. Antes de seguir até o trabalho – esse sim no meio da metrópole – Luis pratica alguns minutos de chi kung – um exercício oriental cujo ob-jetivo é estimular e promover a circulação de energias corporais – com o rosto voltado para o sol.

Foi preciso coragem para desacelerar o ritmo. Ele nasceu no centro da caótica Belém, no Pará, local que representava para o pequeno Luis a antítese do am-biente natural e silencioso que sempre aspirou e que simulava com os acampamentos improvisados junto ao irmão. Veio para Fortaleza aos 15 anos, para viver com a mãe. Antes de se mudar para o sítio atual, vivia na rua Marechal Deodoro, em pleno centro fortalezen-se. Seu trabalho e tranquilidade se perdiam em meio ao barulho de buzinas insistentes e gritarias na calçada. A decisão de viver em um novo lugar surgiu com o fim de seu casamento: a esposa era urbana demais para suas aspirações por uma vida mais natural. Também coincidiu com o processo metanóico descrito por Carl Gustav Jung para designar o caminho de confrontação do indivíduo com a percepção de que sua existência é finita e que o processo de envelhecimento que enfrenta é irreversível. Em outras palavras, a famosa crise dos 40 anos chegou e Luis deu o seu jeito de contorná-la.

Há dez anos Luis abandonou a carne de sua dieta. Depois, assumiu seu lado crudivorista, e só se alimen-ta de comidas cruas. “Eu como muito menos lixo em um mundo onde a alimentação é feita basicamente por meio dos supermercados”. Seu novo hobby é confec-cionar “apanhadores se sonhos” (instrumento de po-der para assegurar bons sonhos), outra referência ao aparato cultural dos índios americanos.

O caminho até a pirâmide

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Nas noites de lua cheia, Luis reúne amigos em volta de uma fogueira para refletir e tocar, numa festa que celebra a vida, a natureza e a espiritualidade. Em uma dessas reuniões conheceu a atual namorada, acupuntu-rista. Também gosta de ouvir músicas xamânicas, além de bandas pop, como Pink Floyd e Arcade Fire.

A vida que leva ainda não é a que sonhou. Seus projetos são mais ambiciosos e incluem um tipo de ecovila nas proximidades do município de Redenção, região serrana no Ceará, onde as pessoas convivam de modo harmônico e com um estilo sustentável de se relacionar com a natureza. “Eu quero um espaço de to-tal tranquilidade, em uma serra. Quanto mais elevado, quanto mais próximo do céu, melhor”. A inspiração é a Fundação Findhorn, criada na Escócia e que recebe anualmente cerca de 14 mil visitantes interessados em conhecer o modo de vida de sua população.

Luis tem planos para ampliar o significado de sua profissão. “A psicologia só vai se expandir quando in-cluir em suas teorias o âmbito espiritual, a capacidade de se sentir unido ao universo. Hoje já existem estudos, mas isso ainda desperta a ira da maioria dos psicólo-gos”. Para ele, a aprovação dos colegas de profissão não é importante. Fundamental é ter a possibilidade de res-pirar ar puro e abocanhar suas frutas favoritas direto do pé. “É tão difícil silenciar a mente, e isso torna a nossa realidade equivocada. Nós buscamos preencher nosso vazio, quando o melhor que podemos fazer é mergulhar nesse vazio. É no nada que tudo se esconde”, conclui.

PARA MUDAR A SUA ROTINA1. Não tenha pressa durante as refeições. Coma devagar e saboreie os ingredientes. 2. Quando estiver viajando, prolongue sua estadia em cada lugar. É melhor conhecer bem cada destino do que visitar vários superficialmente. 3. Boceje mais. Bocejar ajuda a resfriar o cérebro, aumenta nossa atenção e ajuda a retirar o acúmulo de dióxido de carbono em nosso corpo. 4. Permita-se não fazer nada sempre que precisar. 5. Não seja tão sério. Rir mais e de forma mais sonora aumenta a circulação sanguínea, reduz o estresse e fortalece o sistema imunológico. 6. Caminhe mais. Deixe o carro em casa sempre que possível e caminhe sem pressa. 7. Converse com pessoas cuja faixa etária é diferente da sua. Surpreenda-se com a percepção das crianças, inquietação dos adolescentes e vitalidade dos mais velhos.

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Aquele havia sido meu primeiro pôr-do-sol em Forta-leza. Catarina, a dentista do início dessa matéria, acom-panha o mesmo espetáculo há pelo menos 15 anos. Ela também se reúne com um grupo de amigos, todas as manhãs, para nadar no mar em frente ao Clube Náuti-co. A cada três meses, o mesmo grupo nada cerca de quatro quilômetros até o Marina Park Hotel, onde um café da manhã completo espera por eles. Algumas pes-soas fazem aquilo há mais de 30 anos.

O interesse pela natureza é antigo e vem de família. Seu pai, na década de 1950, já nadava da ponte metálica até porto do Mucuripe. Depois, a família foi viver em Quixadá, o que permitiu um contato mais íntimo entre Catarina e a vida de campo. As viagens ao redor do mundo também ajudaram a construir sua personalida-de. Catarina viveu nos Estados Unidos durante 18 anos e passou mais um ano no México. A saudade de casa apertou e ela voltou para o Brasil.

Catarina leva o verde para seu trabalho: sua clínica tem um jardim repleto de plantas. E também para sua rotina: ela não usa seu carro, nem ao menos tem um. Prefere andar a pé. Quando a distância a ser percor-rida é muito longa, um taxi ou um passeio de ônibus resolve o problema. “Caminhar diminui o estresse e é seguro. A única vez em que fui assaltada, eu estava diri-gindo”. E ela caminha todos os dias para ir ao trabalho, enquanto observa as borboletas e o rosto das pessoas que cruzam seu trajeto. Sua vida profissional é tão cor-rida quanto a de qualquer outro: ela vai ao consultório todos os dias, dedica um dos seus horários ao atendi-mento odontológico voluntário e ainda é membro da diretoria do Sindicato dos Odontologistas do Ceará.

Sua casa segue o mesmo padrão adotado em sua rotina. A varanda é cheia de plantas. Pássaros vão can-tar em sua janela todas as manhãs. Vez por outra, um beija-flor colorido invade seu quarto. “Minha casa é pa-recida comigo. É simples, colorida, confortável. Tudo o que está lá pode ser utilizado”. Enquanto os filhos

cuidam de suas vidas no exterior, Catarina divide a sua com um cachorro e dois gatos. Ela também arruma tempo para visitar a mãe todos os dias, e não consegue dormir antes de pedir a benção.

“Ela tem o olhar de uma criança”. É a opinião de uma amiga sua que acompanha nosso bate papo e também tenta decifrar qual o segredo de Catarina. A dentista dá uma pista: “as pessoas gostam de dizer que nós, adultos, precisamos deixar de ser criança, que nós temos que agir de acordo com nossa idade. Eu simples-mente ignoro o que elas dizem”.

Sobre o dinheiro, também uma sábia opinião: “ter dinheiro não é ruim. Ruim pode ser o modo como você lida com ele. Podemos ser menos consumistas, nos perceber como parte integrante do universo, com suas devidas responsabilidades”. Para ela, o que real-mente importa pode ser explicado por Sathya Sai, o líder religioso indiano que pregou a transformação do indivíduo a partir da prática de valores como a verda-de, a retidão, o amor e a não-violência. “Temos que ser coerentes no pensamento, nas palavras e nas ações, e fazer isso é difícil quando tudo aponta o contrário”.

Catarina costuma dizer que tem quatro paixões: os filhos, a yoga, a natureza e o trabalho. Se tivesse que dei-xar uma dica para quem anda estressado, seria: “visite a praia, respire o ar puro, faça conexões com a natureza”. Perguntei como é possível estabelecer essa conexão, e a solução é igualmente simples: “assista ao pôr-do-sol, veja a lua cheia, observe as pessoas. Nós só olhamos pra frente, e pra fugir do estresse é preciso estar presente de corpo e alma. Não podemos entrar na normose”.

Seu pensamento é semelhante ao de Mariana, a ex-jornalista convertida em tatuadora, segundo a qual “tudo pulsa, não apenas o coração humano”. Talvez, o segredo para uma vida mais simples – e feliz – esteja em caminhar até a padaria, respirar profundamente, reparar nas rugas das pessoas e, porque não, caminhar até o final do espigão da Rui Barbosa.

PRATIQUE O NADISMOO jornalista canadense Carl Honoré, autor dos livros “Devagar” e “Sob Pressão”, lançou para o mundo as ideias de um novo estilo de vida, resumidas no termo “slow life”, ou vida lenta em português. Para ele, a importância de desacelerar nossa rotina é fundamental para garantir nossa saúde física e mental. O principal mandamento é fazer uma coisa por vez, aproveitando a experiência e vivenciando os minutos, ao invés de simplesmente contá-los. No Brasil, o designer gaúcho Marcelo Boher radicalizou e criou o Clube do Nadismo, que já conta com mais de cinco mil inscritos que se reúnem eventualmente para não fazer nada. De acordo com mensagem postada no site do Clube (www.clubenadismo.com.br), “praticar nadismo é se permitir parar de vez em quando para fazer nada numa boa, sem culpa e sem estresse”.

Pôr-do-sol em Iracema

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