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REVISTA 7 FACES EDIÇÃO 2

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A edição vem com textos dos professores Márcio de Lima Dantas e Maria Lúcia de Amorim Garcia, meus convidados que homenageiam a poética de Jorge Fernandes; e de Carlos Augusto Cavalcanti, César Augusto Rodrigues, Clauder Arcanjo, Daniel Morga, Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus), Edson Bueno de Camargo, Eloisa Menezes, Jorge Humberto, José rOgério Dias Xavier, Kalliane Sibelli, Marcelo Moraes Caetano, Mário Lúcio Barbosa, Renata Iacovino, José Antonio Rodrigues Júnior, José Rosamilton, Tino Portes, Valquíria Gesqui Malagoli, Vinícius dos Santos, poetas que, por excelência, foram eleitos a compor esse número.

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Obra do homenageado

poesia

Livro de poemas de Jorge Fernandes (1927)

prosa

Contos & Troças e Loucuras – contos humorísticos de Jorge Fernandes e versos de Ivo Filho (1909)

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7facescaderno-revista de poesiaISSN 2177-0794

Natal - RN

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a josé saramago

Não contemos os dias que passaram:Hoje foi que nascemos. Só agoraA vida começou, e, longe ainda,Pode a morte cansar à nossa espera.

José Saramago, Os poemas possíveis

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Novecentos e cinquenta cavalos suspensos nos ares... - Besouro roncando zum... zum... umumum...Aonde irá aquele Rola-Titica parar?

Jorge Fernandes, Aviões I In Livro de poemas de Jorge Fernandes

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sumário

Apresentação

“O poema essa estranha máscara mais verdadeira do que a própria face”por Pedro Fernandes

12

Jorge Fernandes: o seu a seu donopor Márcio de Lima Dantas 19Caderno de poemas, parte 1

Carlos Augusto CavalcantiPerdoem-me ao entrar em desespero; Se eu te perdi; Amigo astronauta

21

César Augusto RodriguesO palhaço cai; Existo; Poema 26

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Clauder ArcanjoChá de mármore

30

Daniel MorgaGeometria 32Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus)As lavadeiras de sonhos; Explorando o barbarismo 34Edson Bueno de CamargoIndiscutível; Folhas ao vento; Desconstrução 38Eloisa MenezesFraquezas do encontro 44Jorge HumbertoA verdade das coisas; Na simpleza das coisas 46

Entremeio

Jorge Fernandes, o poeta da cidade sonhadapor Maria Lúcia de Amorim Garcia

50

Caderno de poesia, parte II

José Rogério Dias XavierÁgua, tanta água

62

Kalliane SibelliPrece; Poema àquele que me lê; Vestida de tempo; Sentença 64Marcelo Moraes CaetanoTigre de papel; Scripta Manent 73Mário Lúcio BarbosaNa latitude do caju; Canto praieiro 76Renata IacovinoUm gracejo; Feiticeira; Às avessas 81José Antonio Rodrigues JúniorCena 86

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José RosamiltonO silêncio

88

Tino PortesOnomatopeicos; Pé no chão; Modo de fazer; Alucinógeno 90Valquíria Gesqui MalagoliEstrelas; Evolução; Veraneio; Esperança 95Vinícius dos SantosLabirintos; Céu de anil 100

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nota do editor

Caro leitor,

O caderno-revista que você tem agora em mãos é o segundo número de uma ideia minha, das muitas que me acompanham desde meu lançamento na rede mundial de computadores com o blogue Letras in.verso e re.verso. Com a colaboração dos nomes de Márcio de Lima Dantas e Maria Lúcia de Amorim Garcia, meus convidados; e de Carlos Augusto Cavalcanti, César Augusto Rodrigues, Clauder Arcanjo, Daniel Morga, Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus), Edson Bueno de Camargo, Eloisa Menezes, Jorge Humberto, José rOgério Dias Xavier, Kalliane Sibelli, Marcelo Moraes Caetano, Mário Lúcio Barbosa, Renata Iacovino, José Antonio Rodrigues Júnior, José Rosamilton, Tino Portes, Valquíria Gesqui Malagoli, Vinícius dos Santos, poetas que por excelência foram eleitos a compor essas páginas. O caderno-revista tem interesse de trazer ao espaço literário virtual novos ventos, novas escritas, sem necessariamente serem de solo potiguar (lugar físico onde nasceu a ideia); porque a ambição dessa ideia é do tamanho da Web: não tem fronteiras; além de que, é propósito maior estabelecer correntezas de diálogos entre os nomes daqui e os de outros lugares. A partir dessa segunda edição, o caderno-revista se vincula oficialmente a uma outra ideia posta na rede assim que do lançamento da primeira edição: o Selo Letras in.verso e re.verso. O Selo Letras in.verso e re.verso foi criado devido ao número significativo de edições virtuais lançadas nos dois últimos anos pelo espaço Letras in.verso e re.verso. Logo, além do espaço 7faces (set7aces.blogspot.com) a ideia agora fica exposta para ser descarregada também no espaço do selo (seloletras.blogspot.com).

Pedro Fernandespoeta e editor da ideia

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apresentação

O poemaessa estranha máscara

mais verdadeirado que a própria face

Mário Quintana

O mundo contemporâneo tem passado por movimentos diversos que encareceram o modo de existir dos sujeitos. Tanto é verdade que o fantasma encarnado na palavra “crise” tem sido o que hoje a tudo povoa. A consolidação das primeiras marcas desse fenômeno de crise, surgido pela soma de uma série de episódios, se dá, sobretudo, por aqueles elementos desencadeados da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Sem dúvidas, as transformações que este episódio, em particular, trouxe ao mundo não se resume apenas à modificação das linhas espaciais do continente físico europeu e as subjetivas dos indivíduos (dos seus modos de agir e ser), mas, feito rastilho de pólvora, se alastra e contamina o mundo todo e todos os setores; no terreno da arte não foi diferente: também as transformações se fizeram marcantes. Lembremo-nos dos movimentos da chamada era moderna que solavancaram esse território introduzindo novas temáticas, novas formas de uso da arte e novos modos e usos da linguagem.

É nesse contexto de modernidade que o ano de 1927 será, como um marco, significativo para a cidade do Natal. Pela época o eixo Rio-São Paulo lia Primeiro caderno do aluno de poesia de Oswald de Andrade, de Oswald de Andrade, ou Clã do jabuti, de Mário de Andrade, dois dos principais precursores do movimento modernista no País e duas obras símbolo dessa nova maneira de fazer e entender arte literária. O motivo de tal importância desse ano é que por aqui, também como

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no Centro-Sul, se assistia a publicação de um livro inusitado, tanto na forma (86 páginas, 15X21, em forma de caderno de desenho e impresso em papel barato tipo de jornal) quanto no conteúdo (portando singelos quarenta poemas). E ainda vinha com um título inusitado, Livro de poemas de Jorge Fernandes. Tudo isso, aos olhos do nosso provincianismo causou, certamente, estranhamento e, por que não, celeuma no meio artístico, ainda, de certo modo, encantado com os versos primaveris exalando o perfume da rima perfeita.

A poesia de Jorge Fernandes inaugura por cá aquilo que já se operava com grande veemência pelo Sudeste. De modo que é uma poesia significativa porque rompe com a estética perfeita e bem desenhada do parnasianismo e vem apresentar que o exercício poético é mais do que “escrever versos metrificados/ contadinho nos dedos”, mas uma labuta constante que se apropria da matéria do próprio cotidiano e da língua corriqueira para refundar novas maneiras e usos da linguagem; o entendimento de que no poema se fundam novos territórios e novas dimensões do pensar e do existir; o poeta cria para si um mundo à parte (uma máscara, para uso dos versos de Mário Quintana) que lhe outorga fins mais puro e mais verdadeiro do que a própria realidade. Em Jorge Fernandes são elementos materiais da modernidade – as máquinas das fábricas, os automóveis, a velocidade, a imagem, a visualidade sonora, e os aviões, sobretudo (está aí o motivo da capa desta edição).

Além de toda essa importância para o cenário da Literatura no Estado, e esse será outro motivo pelo qual sai esta edição em homenagem ao poeta, ano passado foi publicada uma belíssima edição reunindo toda a produção de Jorge Fernandes; trata-se do livro Jorge Fernandes – o viajante do tempo modernista, organizado, em mais de trinta anos de pesquisa, pela professora Maria Lúcia de Amorim Garcia. Tal empreitada da professora reinaugura o olhar para a obra-prima de Jorge Fernandes e apresenta-nos outras faces do poeta e do fazer-se poeta. Logo, o nome de Jorge Fernandes constitui, peça fundamental a que esse caderno registra em homenagear na sua segunda edição: um poeta dono de um espírito moderno, que redescobre o poder da palavra; um poeta para uma era ainda mais sofisticadamente moderna e novamente ressignificado na corrente literária do Rio Grande do Norte.

Pedro Fernandespoeta e editor da ideia

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Jorge Fernandes (1887-1953)

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o homenageado

“Habitualmente, vivo assim – sorrindo... O riso, para mim, exprime tudo... E, no ato mais sério, estando rindo, sou mais sério, sorrindo que sisudo!”

Jorge Fernandes de Oliveira é filho de Natal (RN) e representa para o movimento modernista no estado potiguar, o que os Andrade representam para o mesmo movimento no Centro-Sul do País. Teve um único livro de poemas, publicado em 1927 – Livro de poemas de Jorge Fernandes. Junto com Ivo Filho, o autor publicou, em 1909, um livro de contos: Contos & Troças e Loucuras. Apesar de membro de família de posses, de intelectuais e homens de notoriedade pública, Jorge Fernandes não chegou sequer a concluir os estudos. Ao abandonar os bancos escolares vai trabalhar numa fábrica de cigarros e depois como caixeiro-viajante.

Seu livro mais famoso, o de poemas, sai com tiragem pequena em papel rústico e é impresso na tipografia do jornal A Imprensa.

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Imagem da capa da 1a. Edição do Livro de poemas de Jorge Fernandes, publicada em 1927. créditos da imagem especificados no fim do caderno.

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Jorge Fernandes: o seu a seu dono ____________________________________________________

por Márcio de Lima Dantas

A recente publicação do livro Jorge Fernandes: o viajante do tempo modernista (Natal: RN Econômico, 2009) é digna de ser festejada, não apenas porque compilou em uma bela edição a obra daquele considerado pelo nosso meio literário como uma das referências-maiores do nosso cânone, mas também por ser um livro no qual o esmero, o rigor acadêmico, a pesquisa diligente e séria confluiriam para um requintado projeto gráfico amadurecido no carbureto da paciência e do bom gosto. Gerações vindouras de aficcionados e pesquisadores muito serão gratos à professora Maria Lúcia de Amorim Garcia, visto terem todo um material sistematizado acerca do poeta Jorge Fernandes: rica iconografia, alguma fortuna crítica, além de generosas margens com anotações esclarecedoras do texto apresentado.

7faces – Márcio de Lima Dantas 17

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Agora outra coisa. É consabido que uma literatura nacional não se faz apenas com grandes nomes. Se há rios-poetas pujantes, largos, - percorrendo paisagens diversas, com sua fauna e flora, irrigando com paul fértil as vazantes encontradas em espaços e tempos diferentes, - há que contemplar, para melhor compreender, os cursos de água que se inscrevem como afluentes, os córregos venerandos que banham obscuras aldeias, os riachos possibilitadores de despertar estados líricos naqueles que se encontram à sua beira, que nem por isso, assim simples, anônimos, perdem sua importância.

Isso posto, gostaria de trazer essas ideias-preâmbulo para o fato do poeta norte-rio-grandense, Jorge Fernandes, deste livro, integrar o cânone da literatura produzida no estado, se bem que sempre em um patamar tão alto que suplanta o nível da sua voltagem estética, se quisermos dar o seu a seu dono (não se esqueçam que a insignificante poesia de Auta de Sousa é tida em alta conta, até por scholares e bons poetas do Rio Grande do Norte). Com efeito, não podemos faltar com a lucidez: a musa soprou pouco fôlego, parcimoniosa em engenho e arte. Temos que lembrar em Jorge Fernandes o fato do seu valor histórico superar o valor estético, quer dizer, jamais poderemos não tê-lo como referência, mas, na acepção de Harold Bloom, não seria considerado um “poeta forte”. A prova? É que não se tornou uma

Leiloeiro do tempo...Uma hora... duas horas... muitas horas...- Dou-lhe uma!...O pêndulo suavemente esperaa o lanço...Consternação...Cabeças desperadas de agonias...- Dou-lhe duas!...Indecisão...Dou-lhe três!...Fábirca universal arrematou.

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obsessão aos seus pósteros de mister, como Zila Mamede, presença ali obrigatória, deixando tisnas nas mãos dos outros depois dela, numa inquietante “angústia da influência”. Ora, o que a poesia de Jorge Fernandes tem de ethos descritivo, - quase tudo o que produziu de poemas se enquadra numa espécie de coleção de fotografias com forte poder de sugestão, muito perdeu em poder de reflexão, - de metáforas que dissessem algo do Ser na sua errância pelos aceiros e picadas do mundo. Enfim, o que ganhou em evocação imagética, sugestão de fenômenos e paisagens, perdeu em mímeses e em metafísica. Outra alternativa é dizer dele o que sempre se diz, fazendo coro com o discurso dos cavilosos cordeiros contentes, que aceitam a geral voz da maioria, sem maior conhecimento do que seja uma legítima obra de arte, sem ter um pingo de senso crítico, desconhecendo os avanços qualitativos da teoria da literatura ou os métodos empregados nas tantas Histórias da prosa e da poesia.

Saliento aqui, nesta obra, a beleza e magnitude do ensaio de abertura, procedendo por meio dos largos palmos teóricos da poética e da semiótica uma leitura amorosa do poeta, contemplando não somente as imagens obsessionais dele, mas apontando a valia dos recursos manuseados (onomatopeias, disposição gráfica no plano da página, arcaísmos da região) pelo autor do Livro de poemas, de forma inovadora, não apenas chamando atenção para as coisas até então não dignas de serem formatadas no discurso poético, sobretudo para os procedimentos que logo mais seriam de uso comum nos vindouros artistas que fariam uso de tais signos.

De toda maneira, seria injusto deixar de louvar esta germânica empreitada, a saber: organizar, anotar, arrolar um vocabulário, apresentar imagens inéditas em um só tomo tudo o que ficou conhecido como produção do poeta Jorge Fernandes.

7faces – Márcio de Lima Dantas 19

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caderno de poemas, parte 1

Carlos Augusto Cavalcanti, César Augusto Rodrigues, Clauder Arcanjo, Daniel Morga, Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus), Edson Camargo

Bueno, Eloisa Menezes, Jorge Humberto

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Carlos Augusto Cavalcanti

Palmas, TOcarlinhos.cavalcanti@gmail.comwww.carlinhoscavalcanti.blogspot.com

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perdoem-me ao entrar em desespero; se eu te perdi; amigo astronauta

Nascido em Conceição do Araguaia, interior do Pará, filho de Rachel da Conceição de Melo e Barros e Carlos Augusto Cavalcante Barros. Com 11 anos mudou-se com os pais para Belém onde terminou o Primeiro grau. Com 15 anos mudou-se novamente para Brasília para morar com parentes e terminar o Segundo grau. Com 16 anos experimentou escrever pela primeira vez para fazer letra de música. Ao terminar o curso de Graduação, foi para Palmas-TO assumir concurso federal.

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Perdoem-me ao entrar em desesperoPerdoem-me quando quebrar o silêncioPerdoem-me as palavras mal colocadas

Ao extravasar minha tristezaAtravés do desarranjo do textoFicará explícito também meu medoPor isso me desculpem...Perdoem o meu descarrego

Desculpem a conturbada controvérsiaNão liguem para as violações da regraEsqueçam os erros e a falta de métricaApossarei sem licença da licença poética

Num instante, por um momentoApenas leiam-me como eu escreviCom displicência, sem saber o que fizSintam como eu me senti, perdido e vagoDescaradamente sem pudor e piegas

7faces – Carlos Augusto Cavalvanti 22

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Se eu te perdi Já não me conheço Peço-te de joelhos Que perdoe este infeliz Envergonha-me, o espelho Por todo mau que te fiz Se eu te perdi Tanto mau não só pra ti De tudo que eu tinha pra dividir Tomei o pior e fiquei pra mim Carreguei mais da metade De toda a infelicidade Que foi te trair Se eu te trai Trair-te me fez um mártir Também traí a mim mesmo Descubro, definitivamente Que nem minha pessoa, respeito Se eu te traí Sou mais que imperfeito Este não tem culpa Por assim sê-lo E eu me fiz sem desculpa Pelo teu recente desprezo Se eu te perdi Perdi também o direito De, por mim, ficar triste Fico desmerecido de pena Perder-te foi meu último erro Com a única certeza De um ser sem valores: Se eu te perdi...

7faces – Carlos Augusto Cavalcanti 23

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Agora, também, percebo Que, sem você De repente, me perco Se eu te perdi... Eis aqui escombros Eu e meu desamparo Eu e meus olhos baixos Deficientes, inexpressivos Secos, desentusiasmados Eu e, novamente, eu sozinho Do meu lado. Onde, sem você Já não me encontro mais... Sou retrato de natureza-morta Que sussurra aos ouvidos de quem olha Gritos de desesperança da minha alma

7faces – Carlos Augusto Cavalcanti 24

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Amigo astronautaComo faço para ir até o altoComo te alcanço com pés descalços

Ensina-me tua arteA arte de elevar-seColocar-se a altitudeAo meio misturar-se

Na ausência de gravidadeNão tomarei teu espaçoTeu espaço que me tomaráCom toda espontaneidade

Amigo astronautaEstenda tua mão amigaSerá a mão de DeusSerá a mão que findaSerá o gesto que salvaSerá o ato que me resigna

Sinal que vem dos céusAmparo que vem de cimaAcalento da minha almaMinha única saída

Deixa-me irDeixa-me subirEleva-me daquiSuspende este tênue impulso de vida

7faces – Carlos Augusto Cavalcanti 25

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César Augusto Rodrigues

São João da Boa Vista, [email protected]

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o palhaço cai; existo; poema

Cesare (pseudônimo) nasceu no começo do outono de 1984 em São João da Boa Vista. Graduado em jornalismo, cinéfilo, leitor de haicai, Pessoa, Cummings, Rimbaud, Benjamin, Paz e afins, arrisca-se com a poesia desde a infância e vem experimentando com ensaio, prosa e drama. Conta poucas publicações, de maior relevância um conto em um caderno especial d’O Estado de São Paulo e a montagem pela Cia Bella da peça Retalhos de Vila das Águas.

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o palhaço cai

desoladono chãorio um riso de tintas

instantes antes flutuava ava ava...

e distraído por ecosespatifei-me de frentecom o obelisco limítrofepara a realidade

7faces – César Augusto Rodrigues 27

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existovou e desvourevoo

fujo obliquoqual catástrofe inéditaqual reflexo assustado

reflito minha sombranas espumasdos teus sonhos

na brisa friaque exala do teu sopro

renasço incoerenteno teu credo

e no teu beijocomo no teu gritoressoo

revoodesvou e voudesisto

7faces – César Augusto Rodrigues 28

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poema

sou o grito do pássaro acuadosou fadointerminável confusão de desvarios quietostumulto ritmado na ponta dos pésdesesperada fuga do claustro

sou a lágrima que destrói a tranquilidade do lagoo sussurro que disparata o sonhoo vacilo o transtorno a desilusão

sou equívocofátuoalheio à morte

e quem ouve o meu gritome julga o sopro da noite

7faces – César Augusto Rodrigues 29

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Clauder Arcanjo

Mossoró, [email protected]

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chá de mármore

Antonio Clauder Alves Arcanjo (Clauder Arcanjo), nascido em Santana do Acaraú – CE aos 3 de março de 1963, é engenheiro, professor, contista, poeta, cronista semanal, resenhista literário e colaborador de sites, revistas e jornais e várias partes do País. A reunião de contos, intitulada Licânia, marcou a sua estreia em 2007. Entre seus trabalhos inéditos, o autor tem obras nos gêneros poesia, crônica, romance e resenhas literárias. Recentemente lançou a reunião de contos Lápis nas veias.

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Chá de mármore

Para Paulo de Tarso Correia de Melo

Fiz chá de mármore na salaE arrumei o lugar.(Emily Dickinson)

Eu tento cantar A áurea presença,Faltam-me versos, fiel cantar.O céu me usurpa tudo,E eu, tolo e zonzo, a recriar...Na sala, as tarefas da casa;Além d’Uma arma carregada,Sob este silêncio a pulsar.O medo a invadir minha solidão,Aceito o risco, O outro céu?!...Farei, então, chá de mármoreNeste samovar, e poucos se servirão.

7faces – Clauder Arcanjo 31

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Daniel Morga

Rio Grande, [email protected]

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geometria

Daniel Morga nasceu na cidade do Rio Grande, estado do Rio Grande do Sul, em 23 de abril de 1975, onde reside até hoje. É funcionário do Banco do Brasil e cursa o quarto ano da faculdade de Letras Português-Francês na Universidade Federal do Rio Grande.

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Geometria

Triângulo amoroso.Círculo vicioso.E eu, sobre o trapézio.Contudo é importante circular:Nessa grave parábolaSou quadrado e obtuso,Mas como oblíquo não me enquadro.

7faces – Daniel Morga 33

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Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus)

Itaquaquecetuba, [email protected]

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as lavadeiras de sonhos; explorando o barbarismo

Dimythryus, heterônimo do poeta Darlan Alberto T. A. Padilha, é licenciado em Letras pela Faculdade UNIESP-SP, Embaixador da Paz, título que lhe fora atribuído pelo Cercle Universel des Ambassadeurs – Suisse–France (Genebra – Suíça). Entre suas premiações destacam-se o “Prix Francophonie”, a Menção Honrosa Diplome d`honneur no 10o. Concours International de Litterature Regards 2009 (Nevers – France), e o 6o. Concurso Poético do Cancioneiro Infanto-Juvenil para a Língua Portuguesa 2010 (Almada – Portugal).

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As lavadeiras de sonhos

Tu te tornas eternamente responsávelTu deviens responsable toujours

Por aquilo que cativas.de ce que tu as apprivoiisé.

Antoine de Saint-ExupéryIn-Le Petit Prince, 1940

A transparência de um rioIguala-se as lágrimas que abundantes se cristalizamNuma imagem formidável da leve correnteza.

Em sua orla sob as pedrasO colorido das roupas se espalhamEm meio à canção das lavadeiras.

Preocupadas com o solCompenetradas em suas músicasDistantes do resto do mundo.

Distantes das lágrimasQue fundamentam minhas mágoasE por outro lado constituem todo este rio.

As lavadeiras inundam-se nos riosNas lágrimas de suas vidasNa particularidade de seus problemas.

7faces – Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus) 35

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Enquanto as lágrimas desesperadasTentam lavar, levar as nódoas de suas vestesSob a força de suas mãos ressecadas pelo sabão.

A correnteza em sua límpida transparência É fria e dói, dispersas nos versos de cada lavadeiraQue sonha com um mundo que imagina longe dali.

As pedras acompanhamEnsaboadas de desdém Descrentes dos sonhos, de qualquer mundo existente.

Ao final o sol se põe E as cores sucumbidas de lágrimasDesfiam-se sobre a palidez da vida.

As lavadeiras se retiram Deixando quarar o seu mundoA espera de um sonho que nunca se realiza.

7faces – Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus) 36

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Explorando o barbarismo

Lá no firmamento a luz rainha

O que seria d’uma pétalaSem o astro poeta a endeosa-laO que seria d’um poetaSem a seedosa pétalaPara eviternizá-laO que seria das estrellasSem seu brilho?O que do marTeria sua graçaSem que annuviar-se em bellezaRuído e natura?O mesmo que meu coraçãoSem sua su’existênciaSem sua presençaMesmo que invisoSempre em evidenciaTalhado n’alma No destino...Précis de ce que le premier emeraude

Conde Duklye

Em francês arcaico: Précis de ce que le premier emeraudeEm francês usual : Precieux comme une émeraudePortuguês : Preciosa como uma esmeralda

São Paulo 21 de outubro do anno da graça de 2001, 20:25hrs.

7faces – Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus) 37

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Edson Bueno de Camargo

Mauá, [email protected]://inventariodn,blogspot.comhttp://umalagartadefogo.blogspot.com

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indiscutível; folhas ao vento; desconstrução

Edson Bueno de Camargo – (Santo André - SP,1962), mora em Mauá – SP. Publicou De Lembranças & Fórmulas Mágicas Edições Tigre Azul/ FAC Mauá - 2007; O Mapa do Abismo e Outros Poemas Edições Tigre Azul/ FAC Mauá - 2006, participou de antologias poéticas. Participa do grupo poético/ literário Taba de Corumbê da cidade de Mauá –SP. Foi o Primeiro Lugar Nacional no 4º Concurso Literário de Suzano – 2008, Categoria Poesia; e o Primeiro Lugar do Prêmio Off-Flip de Literatura – 2006, categoria Poesia.

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indiscutível

há um desenho perfeito em teus olhosde acumular pedras da estradae icebergs a deriva

água pura a salvopara que se tomeum chá de gosto indiscutívelantes de se morrer

7faces – Edson Bueno de Camargo 39

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folhas de vento

a lua se quebra em penhascos de faca e gelo vivoescamas de turquesa fina agudaplumário de serpente

folhas de ventosuçuarana de sopro suave fumaça leveque dá vida ao barro

irmão coiote caminha sobre as línguas da pradaria sobre as pegadas dos que já são extintosdos que sempre estarão

onde o velho jaguar pisa nasce o caminhoque se revela a bíblia do homem não é mais a do animaldesfez-se a harmoniaas manchas das costas de felinoescrito está o nome da criança deus

porção branda da brisaserve de alimentoàs dores da rocha mãeo parto do tempoareia esculpindo o mundoa cria dos peixes à superfície da águarespirados pelo grande espíritoque é pai e mãe ao mesmo tempoinflamam os pulmões da terracultivam vida até onde se pode levar

7faces – Edson Bueno de Camargo 40

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tornar a lembrar o que vai acontecerque a chuva já caiu aqui ontem e cairá lavando as dores e o medopor pior friohá primavera alento e cores

soa o tambor dos olhossoa o coração nos dedossoa o trovão chuva que chegavolta sempre a carne para meus ossos

7faces – Edson Bueno de Camargo 41

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desconstrução

em que se dá a construção do suicídionos três aspectos do abandonoocaso das horas silêncio do mundoe ausência do verbo

a língua inflamada de vocábulos que não são ditospesada corrente que é o viver mesmo depois de morto (o sentido)

a palavra presa ao céu da linguagemfeito uma lanterna japonesaum balão noturno antes da chuvacintilâncias orgânicas verdes noturnas

todas as redenções estão perdidastodos os pássaros voam com navalhasque cortam o ar e as veiasem asas de ruflar cirúrgico

os corvos buscamos corpos dependuradosabismadosencharcados de rios e de pedras nos bolsos

os chocalhos das cascavéis dizem um tantohá algo indigesto no farfalhar das folhassom lento de fogo se alimentando

7faces – Edson Bueno de Camargo 42

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de veneno fermentando nos dentesvinho que nunca será bebidona desconstrução do corponão há razões perceptíveis ou necessárias nunca houve de fato um sentido no mundo

7faces – Edson Bueno de Camargo 43

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Eloisa Menezes

Porto Alegre, [email protected]

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fraquezas do encontro

Eloisa Menezes Pereira é professora de Língua Portuguesa; já participou de doze antologias poéticas, várias publicações nos jornais Diário Gaúcho e Zero Hora; participou do Conselho do Leitor, em 2008, no jornal Zero Hora, e foi jurada do concurso Histórias de Trabalho organizado pela Prefeitura de Porto Alegre e organizadora do primeiro e-book lançado nas escolas públicas do Rio Grande do Sul.

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Fraquezas do encontro

Na magia do prazerO toque bradaImpedindo o amanhecerDelira na cantada

Sorrisos ociososConsomem os desejosPerfurando vitoriososDeleitosos anseios

Nos olhares da aventuraImplodem os gemidosEsculpindo a canduraGerminam os sentidos

7faces – Eloisa Menezes 45

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Jorge Humberto

Lisboa, Covina, [email protected]://jorgehumbertopoesia.blogspot.com/

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a verdade das coisas; na singeleza das coisas

Nascido numa aldeia dos arredores de Lisboa, de nome Santa-Iria-de-Azóia, filho único, Jorge Humberto cedo mostrou a sua sensibilidade para as artes, e apurado sentido estético. Nos estudos completou o 6º ano de escolaridade, indo depois trabalhar para uma pequena oficina de automóveis como pintor-auto. A poesia surgiu num processo natural da sua evoluçãoenquanto homem, e a meio a agruras e novos caminhos apresentados, foi sempre esta a sua forma de expressão por eleição. Autodidata e perfeccionista, desenvolveu e criou de raiz 10 livros de poesia, trabalhando atualmente em mais 6 e acumulando ainda mais algumas boas centenas de folhas, com textos seus, que esperam inertes no fundo de três gavetas, a tão desejada e esperada edição, num país onde apostar na cultura, é quase que crime de lesa pátria. Participou em antologias, e-books, tem alguns prêmios em jogos florais, aqui da zona e também em Espanha.

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A verdade das coisas

Neste meu silêncio azul,Onde o que constrói É um rio que passa, as Flores e as vontades também,Dos homens de boa vontade,Há a voz do que não reina,Testemunha antiga de muitosMitos contraditórios e falsosTestamentos.

E nem lhe importa o reino.Se flores há, se corre o rioOu a vontade é do homem,Porque quererá ele reinar então,Não é o que há e corre,O que, já correndo, constrói,Ou do Homem, sua vontade,Se a vontade é uma flor,No rio que há, porque passa,Passou e há-de passar,Como coisa que estáE é e será e voltará a ser,Porque a si própria se constrói,De sua vontade,Já no homem verdade?

Neste meu silêncio,Onde o azul é todo este azulQue há e o que não se vê,Toda a voz é a voz primeira,Do que, embora sem reino,Sempre reinará

7faces – Jorge Humberto 47

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cláudia sales de alcântara. Bolero de Ravel

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Na singeleza das coisas

Na suave temperança, De uma chuva de Inverno,No vidro e na lembrança,No sonho, quando é terno,É que fica a vontade,De gritar ao mundoEsta minha verdade:

Na grandeza de uma criança,Na singeleza de uma flor,Nos olhos sem desesperança,No reconhecer ao amor,O direito que lhe assiste,A possibilidade de tudoSer só isso, porque existe.

Não mais que isso, porém,Ao homem se lhe pede:Uma flor que brotasse, Num gesto, que já vingasse,Tão simples como o respirar,Como nada ser de ninguémE tudo uma forma de amar.

7faces – Edson Bueno de Camargo 49

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Jorge Fernandes, o poeta da cidade sonhada_____________________________________________________________

Maria Lúcia de Amorim Garcia

A obra de Jorge Fernandes* pode ser avaliada como autêntica representante do Movimento Moderno Brasileiro; e corresponde ao percurso de um ser poético, criador de formas novas que resultam de uma existência que viveu intensamente emoções, sentimentos, humores, fatos e situações em sua terra.

O poeta é personagem do início do século XX, morando na Rua Vigário Bartolomeu nº 605 no centro da capital do Rio Grande do Norte. Esta apresentava ares de um provincianismo arraigado no século anterior, no entanto, por iniciativa de algumas

7faces – Maria Lúcia de Amorim Garcia 50

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personagens inteligentes, educadas em universidades européias, sobreveio gradativas modificações à cidade.

O alerta foi dado com a conferência “Natal daqui a 50 anos”, proferida por Manoel Gomes de Medeiros Dantas, em 21 de março de 1909, no salão nobre do Palácio Potengy, que profetizava uma Natal do futuro. Assinale-se que o sonhador da nova cidade era o diretor – editor do jornal A República que traduziu e publicou, em 05 de junho de 1909, o Manifesto Futurista, menos de quatro meses após a divulgação em Paris pelo jornal Le Figaro, em 20 de fevereiro do mesmo ano. Esse evento cultural demonstra a existência de alguns intelectuais cientes dos grandes acontecimentos mundiais, sempre divulgados em jornais.

Desse modo, nas décadas 1920-30, correspondentes ao Modernismo, o jornal A República destaca-se como inovador de técnicas de impressão e diagramação. Em cada exemplar, observa-se a criatividade dos repórteres em mostrar o desvendamento da notícia para composição de artigos; a distribuição das matérias era feita em várias secções de acordo com o assunto; as páginas organizavam-se de acordo com os princípios antropofágicos, segundo os quais se misturavam na diagramação da página, propaganda, ensaios políticos, desenhos e textos literários com o intuito de divulgar novidades para um público ávido que desfrutava tanto matérias de Eloy de Souza, Virgílio Trindade, Câmara Cascudo, Edgar Barbosa, bem como textos de Oswald de Andrade. Esse foi o momento áureo do jornalismo potiguar que anunciava as novas idéias européias e paulistas.

A preocupação em divulgar as novas idéias estéticas e as experiências literárias encontra na proposta das revistas o meio necessário para a sua propagação e afirmação como Movimento Moderno. Esse clima de fazer coisas novas é imitado em Natal. As revistas Potengy, Potyguar, Pax, Milho Verde tiveram um papel importante na divulgação das obras literárias, mas que não ofereceram a forma nova. No entanto, a Cigarra, sob a direção de Adherbal França, é exceção. Os seus cinco números demonstram uma proposta moderna no registro iconográfico da época, tanto no que se referem à composição gráfica, ilustrações e design, sob a responsabilidade do artista Erasmo Xavier, quanto ao charme visual do material de propaganda e ao registro da produção literária, assinalando poemas, crônicas e narrativas com ilustrações.

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Jorge Fernandes viveu esse momento efervescente de produções criativas em vários setores do conhecimento humano, principalmente na arte e na imprensa. Como não poderia deixar de ser, o poeta bebeu na fonte e utilizou-a para publicar seus poemas e contos em jornais e revistas natalenses e paulistas. Acompanhou as idéias da nova estética através da leitura de obras literárias, de ensaios e manifestos publicados em revistas e jornais que veiculavam os novos procedimentos literários. Foi um entusiasta do movimento de Arte Moderna, iniciado na Semana de 1922 que aconteceu no teatro Municipal de São Paulo. Em 1927, Jorge Fernandes publica sua obra prima, o Livro de Poemas, composto de criações inovadoras na forma, que de acordo com os conceitos propostos pela nova estética moderna, ironiza os poetas parnasianos e profetiza o mundo novo que irrompia com o automóvel, os aviões, as máquinas, o dinamismo do século vinte que podemos sentir em Jahú, Poema das Serras 1, Meu Poema Parnasiano 1, Aviões e outros. Já o poema Rede ... é a proposição do tom sentimental misturado ao princípio de síntese dadaísta, daí irrompe o novo na transcrição da rede armada, solta no espaço.

Alguns de seus poemas foram lidos e admirados por Manuel Bandeira, Antônio de Alcântara Machado e por Mário de Andrade que, em 19 de dezembro de 1929, marca presença em Natal, transcrevendo as impressões deixadas pela leitura do livro de Jorge Fernandes, no seu diário de viagem, o Turista Aprendiz:

“O admirável Livro de Poemas que publicou no ano passado é isso: uma memória guardada nos músculos, nos nervos, no estômago, nos olhos, das coisas que viveu. O livro pode ser um bocado irregular pelos tiques de poética antiga ainda sobrados nele, porém possui coisas esplêndidas, das mais nítidas, das mais humanamente brasileiras da poesia contemporânea. São os poemas, como falei, em que a memória do corpo abandonou a memória literalista da inteligência. Então Jorge Fernandes apresenta coisas puras, fortes, apenas a vida essencial, coincidindo com o lirismo popular que nem o poema Manoel Simplício.”

Manoel Simplício é como todos:Brando no olhar e no sorrir...No trote do alazão tardio e manso...Olhar miúdo investigando as serras...

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Gestos lentos indicando tudo...Voz pausada retumbante... forte...Mão pesada de sincero aperto...Manoel Simplício é como todos eles:Alma de imburana: – pau de abelha...Fúria de juazeiro: – pau de espinho...

Os seus poemas foram declamados para a platéia da Diocésia que era considerada uma academia de letras, de arte e de humorismo..., funcionando em um reservado, localizado no 1º andar do Café Magestic, onde os freqüentadores se reuniam para conversar, beber e criar motivos novos para agitar a alegria. O poeta cria imagens, arquiteta paisagens, orquestra sons da cidade, da natureza sertaneja e do agreste que se transformam em palavra - poesia. Sua obra é o resultado não somente da percepção, intuição e inteligência de um grande homem, mas do mais autêntico inovador da poesia norte-rio-grandense. Foi o poeta que sentiu e soube interpretar o cheiro da terra, o sabor das frutas, o perfume das madrugadas no sertão, as cores das árvores, o movimento dos bichos, os sons dos sinos velhos das igrejas, dos chocalhos, o canto dos pássaros, a beleza dos crepúsculos, a quentura do sol gostoso de verão da terra papa-jerimum.

Os seus olhos captam signos referentes a objetos velhos e novos que revelam a realidade potiguar, elevando-a à condição de palavra-poesia – mar, som do vento nos coqueiros, dunas, pescador, sol, lua, árvores, sol – são signos identificadores da existência poética. A construção da forma demonstra originalidade e alegria, que organizada em palavras representativas da realidade, equivale à sensibilidade de uma mente séria que está sempre sorrindo.

Habitualmente, vivo assim – sorrindo...O riso, para mim, exprime tudoE, no ato mais sério, estando rindo,sou mais sério, sorrindo que sisudo!...

A simplicidade natural da terra é traduzida por palavras que mostram signos primitivos cantados na poesia Pau-Brasil e na Antropofagia. A primeira estrofe do poema Natal retrata imagens da cidade em um dia ensolarado de verão, levando o

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leitor a sentir as sensações de calor:

Minha cidade!De dia o sol queimando tudo,amolecendo as folhas com o mormaço,fazendo preguiça com o seu calor.O céu, de quente, fica mais alto,apatacado de nuvens brancas...

Em Verão, a cidade é identificada sob a perspectiva de um nativo que experimenta o tempo de calor, exibindo objetos de sua existência exótica e pitoresca, fazendo o leitor se transportar para essa cidade como habitante,

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objetivando sentir o sabor da fruta, a quentura do sol na pele, o calor e a luz do sol:

Verão – dezembro de cajuadas – Tinindo de sol que chega a ferir a vista da gente...

Eu gosto deste verão como gosto da vida . . .É quente mas de uma quentura que dá vontadeDe gritar fogoso... – a luz forte já parece um grito –Se corre p’ra debaixo das árvoresE se fica olhando a insolência do calorQue está acuando a gente...(...)A areia vermelha dos barrancos é um beijuTostando na caçarola de barro...

Os cajueiros gritam cheios de cajus vermelhos...(...)E o verão de dezembro enche todo o espaço.De nuvens paradas e miúdasLembrando escamas de peixe...

As imagens no poema Genipabu deixam estupefato o leitor, excitado com tamanha beleza! É a sensação da descoberta que encanta a retina pela luminosidade do lugar pleno de natureza primitiva. A beleza litorânea é representada em imagens inusitadas, indicativas das formas da praia, cores, luminosidade e aromas. A forma verbal vir, na 3ª pessoa do plural, abre o poema convidando o leitor a olhar com alegria o lugar, fazendo-o perceber que as palavras re-fazem a natureza compondo uma foto-imagem em vibrações rítmicas de um espaço em movimento, o poema:

Venham comigo poetas...Venham com a alegria desta terra...Não me venham com lágrimas na voz...Tirem a venda dos olhosE olhem com os olhos alegresTodas estas paragens de morros e de sol...Todo este verde buliçoso de coqueiros...

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Venham ver estas praias...Olhem este mar de ondas fortes Com rabanadas nas pedras....Este vento vadio e assobiadorQue anda vagabundando pela praiaArrepiando os cabelos dos pescadores,Empurrando as velas das jangadasE fazendo artes do demônio virando os botesDas caçoeiras...

Observa-se a liberdade na construção de versos longos intercalados aos curtos e os verbos no gerúndio e infinitivo levam à espacialização pelos substantivos, destacando a cor e a luminosidade do objeto que dão a sensação do dinamismo da ação na construção das imagens sintetizadas – Este vento vadio e assobiador/ Que anda vagabundando pela praia .

O Poema, dedicado a Mário de Andrade, identifica o mar como lugar de existência do pescador. Foi inicialmente publicado na revista Terra Roxa e outras Terras... e depois incluído no Livro de Poemas, sob o título Pescadores, onde há a supressão do verso “O mero o traga duma vez só...”

Chegou do mar!Quanta arrogância no pescador...O mar fê-lo ríspido, resoluto ...Tem ímpetos de ondas o seu olhar...Olhem o calão do peixe que ele trouxe!...São peixes monstros que ele pescou...Quando há tormenta e a jangada viraO mero o traga duma vez só...E o homem forte matou a fomeDo irmão do mero que ele comeu.

O primeiro verso – Chegou do mar! – pressupõe a entrada do personagem, o pescador, abruptamente no écran cinematográfico, em seguida surge a sua descrição, e em cada verso é apresentado um dos aspectos de sua silhueta profissional. O leitor é convidado a olhar os produtos da pescaria colhidos na frágil jangada que enfrenta perigos como a tormenta e a possibilidade de virar.

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O avião constitui-se como outro signo identificador da história potiguar. O poeta presenciou e registrou em poemas a passagem dos aviões como o Zeppelin, o Clipper, o Argos que fizeram as primeiras travessias do Atlântico Sul nos anos 20 a 30 e desceram na barra do Potengy. A tão esperada e gloriosa chegada do famoso aviador paulista, Ribeiro de Barros, piloto do Jahú, constituiu-se uma festa que durou um mês.

– Prei! Prei! prei! prei!Lá vêm os paulistas escanchados no seuCavalo de pau cor de café pilado...

Nos anos 40, Jorge Fernandes testemunhou as manobras dos soldados americanos em solo potiguar, já que, durante a 2ª Guerra, Natal foi considerada ponto estratégico com a construção de Parnamirim Field que passou a ser denominada o Trampolim para a Vitória.

O poema Aviões 3 imortaliza o Argos, o hidroavião que recebeu a designação histórica da nau em que os argonautas viajaram de Argólida a Colquida em busca do tosão de ouro. Do mesmo modo, o piloto português Sarmento de Beires buscava a fama com o RAID de Lisboa a Bolama. Em 17 de fevereiro de 1934, Natal recebe a tripulação do Argos em grande festa: banda de música, sinos repicando, automóveis buzinando, fogos de artifício e toda a cidade entusiasmada na rua, comemorando o grande feito.

O dia todo os olhos estiveram sobre o oceanoP’ra ver o ARGOSDurante o dia nenhuma asa de alumínio brilhou no solDe Bolama a Natal num vôo direto...

- Tardinha –

Da linha do mar um avião amarouPegando fogo num fumaceiro de nuvem...

Eu Vou Viajar!... é um dos poemas manuscritos, encontrado inédito em um Caderno. O poema foi composto em homenagem à passagem, por Natal, do Brazilian Clipper da empresa nacional de transporte Panair, subsidiária do sistema

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de Pan American Airways. O Clipper foi, no seu tempo, o maior hidroavião de passageiros do mundo. Passou em Natal com destino ao Rio de Janeiro, pela primeira vez, em 23 de agosto de 1934 e amerissou no Rio Potengy em frente ao Passo da Pátria, local de desembarque de passageiros da companhia aérea.

Num Clipper gigante, voando ruidoso,Eu vou viajar!Vou ver maravilhas do mundo tão vasto,No espaço a voar!E olhar mais misérias,Maiores tormentos,Ouvir mais lamentosNas grandes cidades...Sentir mais saudades...Eu vou viajar

Autográfo do autor ao livro oferecido a Peregrino Júnior, em 1928.

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Os paulistas, que fizeram a Semana de 1922, e Jorge Fernandes foram capazes de manter a tensão da linguagem que caracterizou a vanguarda modernista, incorporando processos fundamentais, tais como, o verso livre, o tom coloquial, a presença de elementos primitivos da terra, a condensação, a surpresa verbal, o humor na feitura de uma imagem descritiva de um fato histórico. Além disso, deixa entrever a audácia no trato dos objetos, quanto à inovação de construções em que palavras sintetizam e preenchem o espaço, permitindo ao leitor a visualização da forma e deixando espaços em branco em discursos interrompidos pela suspensão das reticências.

Não cabe, nos estreitos limites deste ensaio, analisar toda a obra de Jorge Fernandes. O limite foi estabelecido ao traçar alguns fatos históricos importantes e esboçar o roteiro dos procedimentos de construção de alguns de seus poemas que se constituem fundamentais para a compreensão da obra do grande poeta norte-rio-grandense, situando-a no contexto do Movimento Moderno Brasileiro.

Nota

Todos os poemas encontram-se transcritos na íntegra em FERNANDES, Jorge. O Viajante do Tempo Modernista. Obra Completa. Org., Ensaio de Abertura: Jorge Fernandes, o Viajante da Alegria Tropical, e Notas de Maria Lúcia de Amorim Garcia. Natal: RN Econômico, 2009.

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caderno de poemas, parte 2

José rOgério Dias Xavier, Kalliane Sibelli, Marcelo Moraes Caetano, Mário Lúcio Barbosa, Renata Iacovino, José Antônio Rodrigues Júnior, José

Rosamilton, Tino Portes, Valquíria Malagoli, Vinícius dos Santos

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José rOgério Dias Xavier

Mossoró, [email protected]

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água, tanta água

José rOgério Dias Xavier é artista plástico e poeta, nascido em 23 de outubro de 1943, na cidade de Martins-RN. Membro de uma família de dezessete filhos, desde adolescente, incentivado por sua mãe e seus irmãos, de forma autodidata, aprendeu a desenhar e pintar. Desempenhou ao longo da sua vida inúmeras profissões nas áreas comercial, bancária, educacional, política e principalmente artístico-cultural. Em outubro de 2005 concluiu o seu livro de poesias, Êxtase da Omissão, publicado pela Coleção Mossoroense, da Fundação Vingt-un Rosado. Atualmente é vice-presidente e membro fundador da POEMA – Associação dos Poetas e Prosadores de Mossoró.

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As águas transformadas em vinho na Galileia. As águas podres do Rio, num rio de Mossoró. Pingos d’água que sem permissão caem em nossos torrões. Uma lágrima que rola face abaixo sem saber o porquê. Um rio roxo,Estreito, mal feito,Defeito...Lama correndo pro mar.Fedorento,Mau cheiroso,Sem peixes, sem algas.Coliformes fecais Morrem asfixiados.Oxigênio? Nunca mais!Aedes não aguenta,Hepatite se arrebenta,Cólera fugiu com medo,Meningite se mandou,A gripe reside nele,Contraiu pneumonia...As doenças quem diria,Mossoró? Rio? Jamais.Mas porque os Orixás que derramam água de cheiro, nas sujas águas do mar, sentindo o sal ameno e a podridão borbulhar. Debulha minha Iansã os seus respingos de água sobre o manto de Alá. No sertão da terra seca onde a água é inanição, as árvores crescem pros Céus procurando a imensidão, mergulhando em nuvens soltas no tempo, na escuridão. Ah! Que água! Essas moléculas de hidrogênio fantasmas líquidas que escorregam entre as nossas sujas mãos. Água podre, água serena descendo de morro abaixo procurando um agasalho. Águas saídas do chão, como um derrame mortal faz nascer as plantações. Água de quarenta graus, que somente o homem bebe, Passarim não bebe não. Essa vista da cor d’água que nós chamamos de mar, transparente azulada na rentidão espelhar, é o reflexo do céu das entranhas do universo que nos chega pra brilhar. Ah que água transparente que se despenca do alto, nas cachoeiras dos rios, águas que vão se sujar.

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Açudes espelhos noturnos Que os homens construíramPara guardar águas devassasQue as nuvens expeliram. A água que desce na pele, por sentir a solidão, água que vem da tristeza pra se plantar lá no chão, faz crescer arvores e plantas do meu triste coração.Uma gota branca, um orvalho, se escorregando no ar, desliza por entre ventos, misturando-se ao mar.Milhões delas já caíram, ninguém mais pode encontrar, são delicadas, minúsculas, nas águas se misturar.Como uma lágrima que rola, de um choro que escapou, de um lindo olhar claro, de champagne que brindou. De repente o sol provoca, do calor descomunal...vapores sobem às nuves, formando um manancial. O ar condensa os vapores, pra água se sustentar, o mesmo calor do sol, faz a nuvem se soltar. Começa de novo a dança, gotículas descem a bailar, parecem cristais azuis, partículas vindas do mar. Nasci numa terra, onde não tem água, tem bichos morrendo, tem homens com mágoa. O sol quente numa planta que com água cresceu, uma planta que sem água e com o sol morreu. Passam as águas, molhando o chão, sufocando a terra, germinando ervas, dando vida aos grãos. Na mesa farta de pratos vazios, a criança pede um copo de água e a mãe derrama lágrimas por não poder sanar a sede do filho que chora sem se conter e sem sentir que ele próprio faz rolar sobre a sua face, gotas desse líquido que ele tanto clama. No roçado o rude homem em sua eterna esperança, trabalha duro preparando a terra para receber a santa água que irá fazer as plantas brotarem da terra umedecida por esse liquido milagroso que vem das bandas do céu. A chuva chega acompanhada de uma forte ventania e vai se espalhando por terras sem fim, levando o solo ensopado de muita água, dirigem-se numa só direção: os mares, os oceanos de águas salgadas. A água doce que cai numa cachoeira, desce o rio descontroladamente e caminha entre as matas e pedras fabricando pequenas lagoas em sua trajetória sem fim. Água, água quem diria, algum dia irei comprar mas eu talvez já não esteja nessa vida pra contar. 70% do Universo é coberto por água, mas apenas 1% desse líquido está disponível para o consumo humano. Água suja que desce com lama, nos becos das tramas, rolando e sujando quem passa afinal. Águas podres com jeito de urina, só tem fedentina de mal a pior. Águas claras deslizam das serras, correndo nas relvas prós mananciais. As águas limpas e saudáveis, entram nas tubulações de suas casas, certas que

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serão bem tratadas, mas os inconsequentes jogam as piores imundices dentro dela e contaminam de um jeito que somente os esgotos e fossas podem suporta-las. O seboso chega em casa todo melado, galado, sujo, fedorento e cheirando a macaco podre, ai vai para debaixo de um chuvisco e aja tempo e aja água, não sabe esse mal-informado o crime que ele está praticando contra o meio ambiente e a humanidade. Mas isso não para por ai; mais tarde ele pega uma longa mangueira e liga na tubulação e achando pouco o estrago que já fez para retirar as melequeiras do seu corpo, agora ele vai limpar a calçada, não é varrer, ele vai limpar com água pura, com a água que milhões de pessoas estão tentando beber mas não podem, não tem no seu país, no seu estado, na sua casa. Águas que curam a sede, águas que matam a sede, águas que se tornam milagrosas depois da ingestão, águas que previnem através da hidroponia: A ingestão de água preferencialmente em jejum e em quantidades adequadas conforme as orientações médicas, é indicada para a calculose de vias urinárias e biliares, infecções crônicas de bexiga, eczemas em geral, hiperuricemia e como elemento desintoxicante alimentar e medicamentoso. Água santa que previne contra as doenças. São águas que se precipitam das nuvens e caem nos terrenos porosos se infiltrando de terra adentro e depois se tornando minerais, termais. As águas termas do Thermas, quente, eloquente gostosa de se banhar. Águas que se descolam das profundidades terrestres subindo por canos, sugadas do chão. A água quente, uma lágrima, uma gota que nasceu de uma tristeza, do fim, do rompimento, da dor de perder alguém, do crepúsculo de uma amizade, a dor da perda, as gotículas que brotam de um olhar solitário, de um rosto que se contorce em suas rugas, gotas ou lágrimas enxugadas por um lenço branco da paz.

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Kalliane Sibelli

Mossoró, [email protected]

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prece; poema àquele que me lê; vestida de tempo; sentença

Kalliane Sibelli de Amorim Oliveira nasceu em 1982, em Umarizal-RN e reside em Mossoró-RN, onde trabalha como professora da rede pública de ensino. Publicou pela Coleção Mossoroense o livro Outonos (2003) e pela Editora Queima-bucha Exercício de Silêncio (2006). Foi Menção Honrosa nas edições II, IV e VI do Concurso de Poesia Luís Carlos Guimarães, e primeiro lugar na edição V.

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Prece

Meu Deus, eu nasci árvore.Os meninos passam e arrancam minhas folhas.Os mendigos ficam e se cobrem com as mesmas folhas.Elas caem e o vento as leva a lugares que não conheço e onde nunca vou estar.

Tanto me exponho, tanto me espalho.Eu digo adeus a toda hora.Ninguém vê, ninguém chora,e até disseram que é bom que seja assim.

Mas às vezes os amigos vêm e sentam-se sob sua sombra,lêem uns versos, riem alto, falam dos outros, os que sumiram,e eu tenho vontade de ser outra coisa que não uma árvore,sentar-me junto deles, ir aonde forem,sentir-me desencontrada, dispersa, diversa.

Eu sei, eu sou as formas que me fizeram,eu não deveria querer ser outrae me contentar em ter raízes,em estar fincada à terra, levando sol, e vento, e chuva.

Mas, Deus, eu não quero estar contente,eu não quero me encontrar.Encontrar-se é ancorar-se à morte.Eu quero é ir-me com os ventos, ainda que não mude de lugar.

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Poema àquele que me lê

Passa por mim a poesia,e silencio,e tudo em mim sofre de beleza.Por entre meus dedosEscorre a minha alma,que todo cantar é um cântarotransbordando eternas carências.

Ah, mas quem desejaráabrigar-se em meus olhos,amar as canções que meus lábios segredam,andar pelas ruas de pés distraídos,tentando alçar o humano perdido?

Meu poema ajoelha-se de tanto desejo:desejo de amar as menores criaturas,desejo de ser, quem sabe, um motivo...

E quando vier o vento longínquoe minhas vestes forem apenas,apenas sussurros e simples palavras,quantas faces eu tereidentro das faces que me acompanharem?

7faces – Kalliane Sibelli 68

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Vestida de tempo

O tempo incansávelcom sua navalhaesgarça a costuraque fiz dos meus dias,golpeia de jeito,de noite e de dia,meu peito e me vestecom sua mortalha.

Por mais que me firamdo tempo os tecidos,por mais que me pesemsuas rendas de aço,me adorno de brisas,meus olhos enlaçoà voz que me cantacantares perdidos.

Vestida de tempono meio da rua,oferto cantigastecidas de areia,ninguém se aproxima,mas não sigo alheiaaos sonhos que dançamde alma desnuda.

7faces – Kalliane Sibelli 69

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São tantos os rostos,são tantas as vozes,gargantas vaziastemendo silêncios,são sós espantalhossobre o campo imensodas vidas que ao tempose lançam velozes...

Sereno o meu canto,alento das pedras,textura de ventos,ninguém quis ouvir...Olhando-me as vestes,as mãos entreabertas,tingidas de tempo,de amores, de esperas,quem quer se partir?

7faces – Kalliane Sibelli 70

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Sentença

E um dia,enquanto afogava formigas,viu-se descendo, sozinha,pelo ralo da pia.

Que vida intrusa era aquela?E por que no espelholágrimas feito estrias?E por que em seu rostoum outro rosto havia?

Não faz sentido, não faz –e o rosário se estendia.Mas as xícaras lhe falavamdas bocas agora frias,os varais lhe segredavamvontades já encolhidas,e quanto mais atenta às vozes,menos a mulher morria.

Ela sequer suspeitavaa trama que em si tecia,pensando que essa teiaqualquer vento desfaria.Inventava uma desculpa:não estou pra poesia!e quanto mais a negava,mais seu peito se fendia.

7faces – Kalliane Sibelli 71

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E um diaquando nada mais lhe sorria,seu corpo encheu-se de olhos,seus olhos, de muitos vazios.Mas os homens não se entreviam,os homens nem se atreviam,e tudo voltou ao começo:o amor de um poeta dormia.

7faces – Kalliane Sibelli 72

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Marcelo Moraes Caetano

Rio de Janeiro, [email protected]

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tigre de papel; scripta manent

Marcelo Moraes Caetano é carioca, tradutor de inglês, francês, alemão e italiano e escritor com 14 obras publicadas palas editoras EdUerj, Academia Brasileira de Letras, Academia Brasileira de Filologia, SENAI-FIRJAN, 7 letras, Vivali, Ferreira, Litteris, ONU-UNESCO. Tem prêmios literários no Brasil e no exterior (Prémio Sófocles, Montevideo, 2010, Prêmio ONU-UNESCO, Paris, 2005 e 2006, Prêmio Litteris, RJ, 2009). É pianista clássico, vencedor de primeiros lugares no Brasil e exterior (RJ, MG, SP, Córdoba etc.)

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Tigre de papel

Se há pontos em mim que se mostram falhos,se no meu jardim se planta uma forca...leio Frederico García Lorca,e limpo o milharal dos espantalhos...

Se o meu barquinho, leve, como o mel,vira quando a maré da vida muda,leio Vinícius com Pablo Neruda:o meu exército abre-se em tropel...

Quando a chuva despenca, tão humana,fazendo bem aos pássaros e aos loucos,bebendo música ao som do bourbon...

retiro-me e leio Mário Quintana,enquanto vou me preparando (aos poucos)à grande orgia – que é Carlos Drummond...

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Scripta manent

Um poema não deve ser escritopedindo-se aprovação ou aplauso.Qualquer verso assim sobreditoé falso.

Escrever é falar música:o vento obstrui, mas toca.O poema é a sinfonia da busca,não uma florida engenhoca.

Existe quem digrida, incontinenti,uma tão lúgubre alma idiossincráticapelo auto-rio inexpressivo e seus meandros...

Há quem formule (e se contente)que a Literatura é a Matemáticados incomunicáveis delírios em escafandros...

7faces – Marcelo Moraes Caetano 75

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Mário Lúcio Barbosa

Natal, [email protected]

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na latitude do caju; canto praeiro

Mário Lúcio Barbosa Cavalcanti nasceu em Natal, Rio Grande do Norte. Viveu sua infância na Praia do Meio, naquela cidade, e sempre encantou-se com a beleza das coisas litorâneas. Seu pendor poético revelou-se já na adolescência, quando já escrevia poemas e compunha canções. Estudou Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e cursou pós-graduação em Comunicação Verbal nos EUA. Mário Lúcio, que faz parte da SPVA (Sociedade dos Poetas Vivos e Afins) é também músico e tem muitos de seus poemas transformados em canções, musicados por ele próprio.

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Na latitude do caju (Homenagem à cidade do Natal)

Eu sou caliente, sou saliente, sensual e belaA pouco mais de cinco graus do equador, ao sulNa banda doce do planeta, na latitude do caju, que cresce

7faces – Mário Lúcio Barbosa Cavalcanti 77

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ao sol dourado,Onde não existe pecado, e o céu é um teto morno e azul

A água do mar me exorciza, me lava, me molhaA lua tropical me olha e embranquece as dunasAs nuvens passam como escunas de velas brancas no mar do céuFormando colossais figuras, qual esculturas feitas sem cinzel

Sou fruto de um amor pagão que na praia rolou de um lusitano pescador com uma índia sereia O sol de Capricórnio brilha janeiro a janeiro, mas não me encandeiaEu sou metade mar e areia, e a outra metade amor

Me embala o rugir de Netuno no Atlântico abissale o sol me ilumina primeiro que a todo o resto do continenteme beija e me cobre de areia constantemente, o vento leste Eu sou praieira do Nordeste, sou amante fatal

Exponho minhas formas nuas para o mundo olhar Já encantei, já seduzi corsários de além marMe deito onde o crochê de espuma desenha no chão mil GiocondasE deixo que o mar assanhado, tarado, me lamba com as ondas

7faces – Mário Lúcio Barbosa Cavalcanti 78

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Canto praeiro

À noite, a Lua

brilha na palha,E a espuma espalha seu crochê brancono imenso manto de areia alvaE a vida bêbada cai bocejante ao olhar distante da estrela d’alva

o mundo é louco, não vale um coco,um banho no rio, ou um samburávelho e vazio,

7faces – Mário Lúcio Barbosa Cavalcanti 79

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de um dia morto, sem pescaria,de calmaria, sem navegar Só pra mostrar minha valentiaJuro, Maria, que qualquer diaEu bebo esse mar...

Minh’alma jangada,vela esticada, na ventania,segue arredia a navegarabrindo a porta morna do dia,que dá pro mar

Coqueiros ébrios, cambaleandoCom suas palhas sempre acenandoE o sol brilhando no olhar salgadoVento cantando, ondas dançandoEu me espelhando no chão molhado

Moça morena que assa o peixe,por favor deixeque a brasa viva desse teu beijose apague um poucona água de coco do meu desejo

Em teu encalço sigo eu descalço, Pisando em falso e tu nem sentesQue a areia quente me queima os pésMaré lançando, lua crescendo, peixes brilhando nos jererés

7faces – Mário Lúcio Barbosa Cavalcanti 80

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Renata Iacovino

São Paulo, [email protected] reiacovino.blog.uol.com.brreval.nafoto.net

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um gracejo; feiticeira; às avessas

Escritora, poeta, e cantora. Possui livros (de poesias) editados, organizou outros, e têm CDs lançados. Integra entidades literárias e culturais, escreve para veículos de comunicação e é uma das responsáveis pelo jornal literário CAJU. Ministra oficinas e realiza saraus, ao lado de Valquíria Gesqui Malagoli, com quem desenvolve vários outros projetos. Tem participação em antologias diversas e atua como jurada em concursos literários.

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Um gracejo

Na pupila do teu olhoeu me vejo...ali também me recolho,e o gracejobenfazejoé caolho.

7faces – Renata Iacovino 82

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Feiticeira

Conheci uma feiticeira...fez de mim seu seguidor– um ser sem eira nem beira... –,diz-me que sou seu amor.

Vou amá-la a vida inteira,colherei o fel da flor,pois é por essa guerreiraque na vida busco a cor!

Se em outros campos repouso,sua poção me alimenta,se eu me retraio... ou se eu ouso...

Tudo nela me sustenta...alço voo e também pouso.Ah!... feitiço que acalenta!

7faces – Renata Iacovino 83

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Às avessas

Como o queijo e olho a luaComo a lua e olho o queijoMordo um pedaço do amareloDeixo cair um farelo...Da lua.Mordisco um naco branco...Do queijo.Bebo na lembrança o beijoE me engalfinho com a telaÀ minha frente.Se é branca ou amarelaO sabor me trisca o denteE por esta janelaVou me pintando um demente.Como pode o olho da lua me ver?Como posso me entrincheirarNos buracos deste queijo?Como isto pode ser e não ser?Como isto: o que não se dá a ver...Engulo o desejoTriturado entre nuvens espessasÀ minha frenteToco-me às avessas.Abraço com o meu

7faces – Renata Iacovino 84

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O lábio mais quenteDo amarelo momentoQue cresce em meu quarto...Crescente.Enquanto cheia enfastio-me delaPousa no ar uma sentinelaQue míngua ao ruflar repentino do vento...E que boa nova me traz tal intento:Às avessas da ilha onde reside este aposentoHá uma verde trilhaQue cura do mundo o ferimento.

7faces – Renata Iacovino 85

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José Antônio Rodrigues Júnior

Natal, [email protected]

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cena

José Antônio Rodrigues Júnior é graduando do curso de Letras. Nasceu em Natal no ano de 1985, no terceiro dia do mês de junho. Atualmente faz pesquisas na área da História e Antropologia do imaginário do Rio Grande do Norte, com ênfase na crônistica holandesa.

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Cena

No interior de uma cidade do interior:no interior de um terreno de sítio.Sob o sol, com a sua mãe, uma criança olha para ruínas de uma casa abandonada:mato, pedra, pó e uma imagem desbotada de Maria.

7faces – José Antônio Rodrigues Júnior 87

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José Rosamilton

José da Penha, [email protected]

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o silêncio

José Rosamilton de Lima reside em José da Penha – RN. Possui Graduação em Letras com habilitação em Língua Inglesa e suas Respectivas Literaturas. Desde a infância é um admirador da poesia popular, mas foi no curso de Letras que despertou uma grande paixão pela literatura, principalmente a inglesa, e a partir daí começou a escrever poemas. É Especialista em Linguística Aplicada e em Língua Inglesa. Atualmente é aluno do Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.

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O silêncio

No profundo silêncioOs vocábulos saemA expressão do serEm formas de versosEm linhas escuras e tortasCom excedente lirismoE sedenta paixãoInsanidade racionalRealidade irracionalOu instante reflexivoO poema se formaSem prender-se a formaUm elemento essencialQue a cada letraDesperta-se o mistérioLiterário da vida.

7faces – José Rosamilton 89

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Tino Portes

Santa Rosa do Viterbo, [email protected]

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onomatopeicos; pé no chão; modo de fazer; alucinógeno

Albertino Lineu Portes nasceu em 25 de abril de 1978, em Santa Rosa do Viterbo/SP. Funcionário público, leitor assíduo de João Cabral de Melo Neto e Baudelaire, ditam-lhe as musas que vez por outra metrifique, embora não esconda sua predileção pelos versos e inspiração desmedidos.

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Onomatopeicos

Já fomos mais nósMas nos transformamosTuE eu

Mais estranhos que metafóricosMais enfadonhos que prosaicosHojeIntransitivosJá não conjugamos

Diferentes categorias GramaticaisAntes rima ricaInstantes haicaisOra Argh Tanto faz

7faces – Tino Portes 91

Page 92: REVISTA 7 FACES EDIÇÃO 2

Pé no chão

No vazio, o passarinhoZiguezagueandoDesenha o caminhoQue estou procurando

Sigo a ave canoraA passos miúdosVou de mim aforaNisso invisto tudo

Só que de repenteNum ruflar de asaNo que um voa à frenteO outro volta à casa

7faces – Tino Portes 92

Page 93: REVISTA 7 FACES EDIÇÃO 2

Modo de fazer

De amargor um frascoTomeEi-lo já, o nome:Poema fiasco

Do verso o reversoAcrescenteCru, literalmenteImerso

Leve ao fornoPré-aquecido Sirva amanhecidoMorno

7faces – Tino Portes 93

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Alucinógeno

Uma gotaUmaÉ gota apenasEm suma

Pro sedentoÀ redeSóUm fioUm fio somenteOnde fiar a sedeQue lhe enreda o centro

Uma gota?Um fio?Somenos!

– Gotas gotas mil...E remos!!!

7faces – Tino Portes 94

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Valquíria Gesqui Malagoli

Jundiaí, [email protected]

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estrelas; evolução; veraneio; esperança

Valquíria Gesqui Malagoli é poeta, articulista, colaboradora de diversos veículos, autora de livros e CDs para os públicos adulto e infantil. Ministra oficinas e realiza saraus. Da parceria com Renata Iacovino, nasceu a CircuitoTeca, biblioteca itinerante sem fins lucrativos, e, de ambas com Josyanne Rita de Arruda Franco, o jornal literário de distribuição gratuita CAJU.

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Estrelas

Que seremos, senão, desencadeados,átimos sereníssimos cadentes...átomos solitários, surpreendentes,a ressurgir das cinzas noutros prados?

Ah, quem nos dera, amor, nós, entrementes,ao chamar-nos a morte, em altos brados,desdenhando da Física, alquebrados –,seguirmos inorgânicos às frentes!

Fugazes, afinal, desencarnados,nos tornaremos um, e onipresentesinsuflaremos vida em quebrantados.

Semideuses meio anjos e serpentesataremos à abóbada os seus fados,liberando, igualmente, ateus e crentes...

7faces – Valquíria Gesqui Malagoli 96

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Evolução

Do mesmo Eu o Um nos expeliu ao léuPra perseguir a esmo sorte sob o céuSobreviemos no degelo das bordasCorremos no atropelo das hordasJunto a água, ossos, meteoritos,Sangue, destroços, detritos...Ei-nos, cá, felizes afinal –Cicatrizes dalgum mal,De guerra, despojo...Ei-la, a Terra: Um nojo!

7faces – Valquíria Gesqui Malagoli 97

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Veraneio

Se me falta um motivo, por acaso,para versejar logo que amanhece...abro, à frente, a janela, e em voo rasovejo lá uma andorinha em sobe e desce!Pressinto que ela volta do Parnaso,pois insta-me a escrever, riscando um “S”.E, nisto, dentro, em mim, a alma se animae inicia a presente oitava rima.

No céu, vertiginosa chuva engrossa.Mais andorinhas chegam para o banho.Não veem, sob as asas, grama ou choça,plantações, nem pastor, sequer rebanho...Regalam-se no entanto, e se alvoroçaa passarada, ao que eu também me assanho,porque ao observá-las vai crescendoo poema que, ora, amigos, estais lendo.

Porém, na altura, um raio risca um traço!E a aspirante epopeia eis que se apaga.Murcha, a inspiração jaz sob o mormaço...A tempestade o verso oprime e esmaga.Se minhas musas fogem, me embaraço;no mar celeste a minha alma naufraga.Anjo caído, eu cisco em devaneio,enquanto o demais parte... em veraneio.

7faces – Valquíria Gesqui Malagoli 98

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Esperança

Enquanto a fome engole o mundo,cozinha as rimas o poeta...Definha o povo moribundo?Ele dá a receita secreta,pois vem dele – a própria vasilha – uma milagrosa sextilha!

“Tendes frio, oh, desamparados?Vinde a mim, trago o cobertor”,brada em versos metrificadosou livres... seja lá o que for!Pobre louco, que a insanidadesó condena à mediocridade.

Sua esperança é existir céu:um lugar onde, ociosamente,a despeito deste escarcéu,anjos se assentem calmamenteapenas para ouvir bobagens,devaneios, libertinagens...

7faces – Valquíria Gesqui Malagoli 99

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Vinícius dos Santos

São Carlos, [email protected]

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labirintos; céu de anil

Vinícius dos Santos nasceu em 31 de outubro de 1985 na cidade de São Carlos/SP. Bacharel em Ciências Sociais e Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Atualmente, é aluno regular do Doutorado em Filosofia na mesma Universidade. Desde cedo se encantou com o universo das palavras e encontrou, na poesia, uma maneira de se expressar e de compreender o mundo.

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Labirintos

I

Não sei bem o que sou, mastenho medo de mim.

Assim, tão transparente e frágil,um cacode vidro jogado no chão.

Mas a vida, a vida não háde ser nada. E por que haveria?Não temos sempre em nosso roteiroo mesmo triste e previsível fim?(conquanto desenvolva-se singularmente em cada corpo, em cada mente...)

Mas seguimos,cegos pela intensidade da luz,perdendo os dias, os anos, as vidas!Nos sufocantes labirintos de nossaparca existência, tentamos encontrar o inencontrável

7faces – Vnícius dos Santos 101

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E o mundo, talvez severo, inodoro. Lar da rosasem perfume, espelho da estrela que já não brilha no céuO mundo, indiferente, gira maquinalmente,

incessantementeE como mente, o mundo.E como promete, e depois não cumpre.

Mundo meu, afinal, pra quê tudo isso?

II

Às vezes, sinto todos os relógios parados.Às vezes, vejo todos os olhos me olhando.Às vezes, sou só desespero.

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Renata Iacovino – Intempérie

Céu de anil

Chuva forte,céu de anil,sem luar.

(E cada gota é um pedacinho de estrela que vem me beijar)

7faces – Vnícius dos Santos 103

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os convidados

Márcio de Lima Dantas possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Piauí (1992) , mestrado em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1995) e doutorado em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2006). Atualmente é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Maria Lúcia de Amorim Garcia é professora de Teoria da Literatura e Semiótica do Deparamento de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (atualmente aposentada); pesquisadora da obra de Jorge Fernandes. Organizou a última edição do Livro de poemas de Jorge Fernandes, em 2007, e, recentemente, em 2009, publicou a obra completa do poeta potiguar no livro Jorge Fernandes: O Viajante do Tempo Modernista.

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7facescaderno-revista de poesia

set7aces.blogspot.com

O caderno-revista de poesia 7faces é uma produção semestral independente projetada, diagramada e editada pelo poeta Pedro Fernandes.

Organização desta ediçãoPedro Fernandes

Convidados para esta ediçãoMárcio de Lima Dantas

Maria Lúcia de Amorim Garcia

Colaboradores (por ordem de apresentação)Carlos Augusto CavalcantiCésar Augusto Rodrigues

Clauder ArcanjoDaniel Morga

Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus)Edson Bueno de Camargo

Eloisa MenezesJorge Humberto

José rOgério Dias XavierKalliane Sibelli

Marcelo Moraes CaetanoMário Lúcio Barbosa

Renata IacovinoJosé Antonio Rodrigues Júnior

José RosamiltonTino Portes

Valquíria MalagoliVinícius dos Santos

AgradecimentosA todos que enviaram material para a ideia e em especial a professora Maria Lúcia Amorim Garcia

pela presteza com que atendeu a este canal para composição do texto sobre Jorge Fernandes

Contato pelo e-mail [email protected]

7faces. Caderno-revista de poesia. Natal – RN. Ano 1. Edição n. 2. jul.-dez. 2010ISSN 2177-0794

Distribuição eletrônica e gratuita.

Page 107: REVISTA 7 FACES EDIÇÃO 2

Os textos aqui publicados podem ser reproduzidos em quaisquer mídias, desde que seja preservada a face de seus respectivos autores.

Os textos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores, inclusive quanto às correções ortográficas e fica disponível para download em

set7aces.blogspot.com

O editor desse caderno é isento de toda e qualquer informação que tenha sido prestada de maneira equivocada por parte dos autores aqui publicados, conforme declaração enviada

por cada um dos autores e arquivadas no sistema 7faces.

Para participar da ideia deve o poeta consultar o espaços set7aces.blogspot.com, para ler as regulagens e enviar o material; ou solicitar

ao editor através do contato [email protected] o envio das regulagens.

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Ilustrações e Imagens (por ordem de apresentação)

capa – a imagem foi coletada do site desenhos.pto poeta Jorge Fernandes – imagem coletada do site do jornal Tribuna do Norte, autor não

identificadocapa da 1a. Edição do Livro de poemas de Jorge Fernandes – imagem coletada do Portal da Memória

Potiguar, autor não identificadocolagem, aviões 008030 fStop Galeria de Fotos Royalty Free – imagem coletada do site Fotos Search

a imagem que ilustra o poema O palhaço cai é de Leonardo Pontes – colagem digital composição feita sob desenhos feitos em nanquim, inserindo imagens; editado e finalizado fazendo uso de photoshop.

Bolero de Ravel – Cláudia Sales Alcântara (contribuição)colagem, aviões, edifícios, graffiti 008024 fStop Galeria de Fotos Royalty Free – imagem

coletada do site Fotos Searcho poeta Jorge Fernandes – imagem coletada da internet, autor não identificadoo poeta Jorge Fernandes – imagem coltada da internet, autor não identificado

autógrafo do poeta Jorge Fernandes em livro dedicado ao Peregrino Júnior em 1928 – imagem coletada do Portal da Memória Potiguar, autor não identificado

Tigres, tigre – fotomontagem Mapa do caju – fotomontagem feita por Pedro Fernandes

Intempérie – Renata Iacovino (contribuição)Foto do professor Márcio de Lima Dantas coletada do Blog Vivicultura, autor não identificado

Foto da professora Maria Lúcia de Amorim Garcia – autoria de Magnus Nascimento para o Novo Jornal Caderno Cultura

tratamento das imagensPedro Fernandes

Imagens que porventura forem apresentadas indevidamente ou com créditos errados, favor notificar-nos para que seja publicada uma errata corrigindo os

erros.

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Aviões I

Novecentos e cinquenta cavalos suspensos nos ares...- Besouro rocando zum... zum... umumum...Aonde irá aquele Rola-Titica parar?

E os olhos dos cabocos querem ver os MarinheirosOs peitados vermelhos das Oropas...E a marmota vai: ron... ron... - cevando o vento -Por cima dos coqueiros, varando as nuvens...

Depois desce no Rio Grande numa pirueta daniscaDesembestado, espalhando água...E fica batendo o papo, cansado de voar...