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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ESCOLA DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUÍMICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA QUÍMICA ISOLAMENTO MICROBIANO NA BIODEGRADAÇÃO DE RESÍDUOS DE CURTUMES DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Caroline Borges Agustini Porto Alegre 2014

Resíduos de Curtume Isolamento Microbiano

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a obra abrange o pós curtimento de couro, com o tratamento dos resíduos,

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    ESCOLA DE ENGENHARIA

    DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUMICA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA QUMICA

    ISOLAMENTO MICROBIANO NA

    BIODEGRADAO DE RESDUOS DE

    CURTUMES

    DISSERTAO DE MESTRADO

    Caroline Borges Agustini

    Porto Alegre

    2014

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    ESCOLA DE ENGENHARIA

    DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUMICA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA QUMICA

    ISOLAMENTO MICROBIANO NA

    BIODEGRADAO DE RESDUOS DE

    CURTUMES

    Caroline Borges Agustini

    Dissertao de Mestrado apresentada como

    requisito parcial para obteno do ttulo de

    Mestre em Engenharia.

    rea de concentrao: Pesquisa e

    desenvolvimento de processos.

    Orientadora: Prof. Dr. Mariliz Gutterres

    Co-orientadora:

    Prof. Dr. Marisa da Costa

    Porto Alegre

    2014

  • iii

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    ESCOLA DE ENGENHARIA

    DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUMICA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA QUMICA

    A Comisso Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertao Isolamento

    Microbiano na Biodegradao de Resduos de Curtumes, elaborada por Caroline

    Borges Agustini, como requisito parcial para obteno do Grau de Mestre em

    Engenharia.

    Comisso Examinadora:

    Prof. Dr. Diosnel Antonio Rodriguez Lpez

    Universidade de Santa Cruz do Sul - Departamento de Engenharia,

    Arquitetura e Cincias Agrrias.

    Prof. Dr. Gertrudes Coro

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul - ICBS, PPGMAA.

    Prof. Dr. Jorge Otvio Trierweiler

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul - DEQUI, PPGEQ.

  • iv

    Agradecimentos

    UFRGS e ao Departamento de Engenharia Qumica, pela estrutura

    oferecida. Ao CNPq, pela concesso da bolsa de estudos. Ao CNPq (Edital

    UNIVERSAL MCTI/CNPq N 14/2010 e N 14/2013) e FAPERGS (Edital

    04/2012 Programa Pesquisador Gacho), pelo auxlio financeiro.

    minha orientadora, professora Mariliz Gutterres, e minha co-orientadora,

    professora Marisa da Costa, pelos ensinamentos, confiana e amizade.

    toda a minha famlia, especialmente aos meus pais, Nilcem e Jos Roberto,

    por todo amor, suporte e incentivo, desde sempre.

    Ao meu bolsista, Wolmir, por toda ajuda e pela amizade.

    A todos os meus amigos, em especial aos amigos do LACOURO, pelo

    companheirismo, ajuda e carinho.

    Ao Jader, simplesmente por existir.

  • v

    Resumo

    Os resduos do processo de curtumes e a crescente importncia da gerao de energia

    a partir de fontes renovveis fazem com que seja necessrio estudar formas de

    biodegradao dos resduos produzidos pela indstria coureira e gerar energia a partir

    disso. Os resduos slidos produzidos pelos curtumes contm cromo e costumam ser

    dispostos em aterros industriais perigosos. O biogs com alto teor de metano o

    produto dessa decomposio, atravs de digesto anaerbia. A partir desses

    conceitos, esse trabalho prope realizar ensaios de biodegradao com lodo,

    proveniente de uma estao de tratamento de efluentes de curtumes, e com farelo de

    couro wet-blue (couro curtido ao cromo) em biorreatores de bancada. O objetivo

    principal foi isolar, quantificar e identificar os microrganismos que apresentam

    potencial de produzir biogs com alto teor de metano. Ainda, a forma de

    armazenamento prvio do lodo adicionado tambm foi analisada. Primeiramente,

    incubou-se o lodo com farelo de couro wet-blue em biorreatores de bancada (dez

    ensaios de biodegradao divididos em duas montagens) e anlises de quantificao

    e de qualificao do biogs gerado foram feitas. Depois, realizou-se a coleta de

    alquotas da biomassa gerada nos biorreatores em diferentes fases do crescimento. O

    isolamento da biomassa coletada foi conduzido em frascos tipo penicilina com meio

    de cultura propcio para o crescimento de arqueas metanognicas, onde era possvel a

    incubao em atmosfera anaerbia. A partir dos crescimentos dos microrganismos,

    realizaram-se testes de contagem, isolamento, colorao de Gram, alm de novos

    testes de coleta de biomassa dos prprios frascos. Como resultado, a influncia do

    armazenamento prvio do lodo na biodegradao deste com farelo de couro wet-blue

    ainda no foi totalmente elucidada. Os microrganismos isolados no eram arqueas

    metanognicas. Realizou-se a contagem de microrganismos, em dois ensaios de

    biodegradao que tiveram sua biomassa coletada. O primeiro biorreator analisado

    (biorreator 4) apresentou 1,90 x 109 e 4,45 x 10

    6 UFC/mL para o slido precipitado e

    para o lquido sobrenadante, respectivamente. O segundo biorreator analisado

    (biorreator 7) apresentou 1,35 x 109 e 1,09 x 10

    9 UFC/mL para o slido precipitado

    sem e com adio de lodo ao meio de cultivo antes da autoclavagem,

    respectivamente, e 9,10 x 106 e 8,30 x 10

    6 UFC/mL para o lquido sobrenadante sem

  • vi

    e com adio de lodo ao meio de cultivo antes da autoclavagem, respectivamente.

    Foi detectado metano apenas nos frascos que continham alquotas de biomassa

    provenientes dos biorreatores que estavam pouco diludos, provenientes da coleta em

    fase final de produo de biogs, com quantidades elevadas de microrganismos. O

    percentual de metano encontrado nesses frascos variou entre 25,75 e 53,66% e foi

    detectado aps a terceira semana de incubao. A homogeneizao do lodo se

    mostrou um fator de grande influncia na biodegradao. A tcnica de isolamento

    com a utilizao de frascos de penicilina mostrou-se adequada para a quantificao

    de microrganismos metanognicos presentes nos ensaios de biodegradao, mas

    ainda no adequada para o isolamento das arqueas metanognicas.

    Palavras-chave: biodegradao, resduos slidos, biogs, isolamento microbiolgico.

  • vii

    Abstract

    The tanning process waste and the increasing importance of energy generation from

    renewable sources make the study of alternative biodegradation ways of the waste

    produced by leather industry and the generation of power from it a necessity. The

    solid residues produced by tanneries contain chromium and are usually disposed in

    hazardous industrial landfills. Biogas with high methane content is the product of this

    decomposition by anaerobic digestion. Based on these concepts, this study proposes

    to perform biodegradation tests with sludge, from a tannery effluent treatment plant,

    and with wet-blue (leather tanned with chromium) shavings in bench bioreactors.

    The main objective was to isolate, quantify and identify microorganisms with

    potential to produce biogas with high methane content. Further, the prior storage

    form of the added sludge was also analyzed. First, the sludge and the wet-blue

    shavings were incubated in bench bioreactors (ten biodegradation tests divided into

    two assemblies) and quantification and qualification analysis of the generated biogas

    were made. Later, biomass aliquots generated in the bioreactors were collected at

    different growth stages. The collected biomass isolation was conducted in penicillin

    type injectable vial filled with culture medium propitious for methanogenic archaea

    growth, where it was possible to incubate in anaerobic atmosphere. From

    microorganisms growth, test of counting, depletion, Gram stain and other biomass

    collection of the vials themselves were carried out. As a result, the prior sludge

    storage influence on biodegradation tests of sludge with wet-blue shavings was not

    yet fully elucidated. Isolated microorganisms were not methanogenic archaea. The

    microorganism counting was held in two biodegradation tests with collected

    biomass. The first bioreactor analyzed (bioreactor 4) showed 1,90 x 109 and 4,45 x

    106 CFU/mL for the precipitated solid and the supernatant liquid, respectively. The

    second bioreactor analyzed (bioreactor 7) showed 1,35 x 109 and 1,09 x 10

    9 for the

    precipitated solid without and with added sludge in the culture medium before

    autoclaving, respectively, and 9,10 x 106 and 8,30 x 10

    6 CFU/mL for the supernatant

    liquid without and with added sludge in the culture medium before autoclaving,

    respectively. Methane was only detected in vials containing collected biomass

    aliquots from final stages of biogas production bioreactors that were bit diluted and

  • viii

    had high amounts of microorganisms. The percentage of methane found in these

    vials ranged between 25,75 and 53,66% and was detected after three weeks of

    incubation. The sludge homogenization proved to be a great influence factor on

    biodegradation. The isolation technique with penicillin type injectable vial proved to

    be appropriate for methanogenic microorganisms quantification in biodegradation

    tests, although it is not fully understood for the methanogenic archaea isolation.

    Keywords: biodegradation, solid waste, biogas, microbiological isolation.

  • ix

    Sumrio

    Introduo ..................................................................................................... 1

    1.1 Objetivos e Metodologia do Trabalho ................................................................ 4

    1.2 Estrutura do Trabalho ......................................................................................... 4

    Fundamentao Terica e Reviso Bibliogrfica ...................................... 7

    2.1 A Indstria Coureira no Brasil e os Resduos Gerados no Processamento de

    Couros .................................................................................................................. 7

    2.1.1 Etapas do Processo de Curtimento e Resduos Gerados ............................ 8

    2.1.2 Tratamento e Destino dos Resduos ........................................................ 11

    2.2 Aterro de Resduos Industriais Perigosos ARIP ............................................ 15 2.3 Digesto Anaerbia .......................................................................................... 16

    2.3.1 Fases da Digesto Anaerbia ................................................................... 17

    2.3.1.1 Hidrlise ......................................................................................... 19

    2.3.1.2 Acidognese .................................................................................... 19

    2.3.1.3 Acetognese .................................................................................... 19

    2.3.1.4 Metanognese ................................................................................. 19

    2.3.2 Fatores que Influenciam a Digesto Anaerbia ....................................... 20

    2.3.2.1 Substrato ......................................................................................... 20

    2.3.2.2 Temperatura .................................................................................... 21

    2.3.2.3 Umidade .......................................................................................... 21

    2.3.2.4 pH ................................................................................................... 21

    2.3.2.5 Substncias Inibidoras .................................................................... 22

    2.3.3 Produo de Biogs ................................................................................. 23

    2.4 Isolamento e Identificao de Microrganismos Anaerbios ............................ 25

    2.5 Arqueas Metanognicas .................................................................................... 29

    2.6 Cromatografia Gasosa ...................................................................................... 32

    2.7 Trabalhos de biodegradao de resduos de curtumes e isolamento de

    microrganismos ambientais .............................................................................. 33

    Materiais e Mtodos .................................................................................... 37

    3.1 Digesto dos Resduos em Biorreatores ........................................................... 37

    3.1.1 Composio dos Biorreatores .................................................................. 38

    3.1.2 Quantificao dos Gases Gerados Medidas de Volume ....................... 41 3.2 Coleta de Biomassa .......................................................................................... 43

    3.2.1 Meio de Cultura Utilizado ....................................................................... 43

    3.2.1.1 Modificaes no Meio de Cultura .................................................. 45

    3.2.2 Coleta de Biomassa dos Biorreatores ...................................................... 45

    3.2.3 Isolamento em Frascos Tipo Penicilina ................................................... 46

    3.2.4 Isolamento das Arqueas Metanognicas a partir do Crescimento nos

    Frascos tipo Penicilina ............................................................................. 53

    3.2.5 Isolamento em Placas de Petri ................................................................. 54

    3.3 Qualificao dos Gases Gerados Anlises Cromatogrficas ......................... 54

  • x

    3.3.1 Qualificao dos Gases Gerados nos Ensaios de Biodegradao ............ 54

    3.3.2 Qualificao dos Gases Gerados nos Frascos Tipo Penicilina ................ 56

    3.4 Contagem e caracterizao das unidades formadoras de colnias (UFC) ........ 57

    Resultados e Discusso ............................................................................. 59

    4.1 Ensaios de Biodegradao ................................................................................ 59

    4.1.1 Gerao de Biogs nos Biorreatores ........................................................ 60

    4.1.2 Gerao de Metano nos Biorreatores ....................................................... 61

    4.1.3 Anlise da Influncia do Armazenamento Prvio do Lodo na

    Biodegradao ......................................................................................... 65

    4.1.4 Interferncia da Presena de Oxignio na Metanognese ....................... 66

    4.2 Quantificao e Isolamento de Arqueas da Biomassa Extrada ....................... 72

    4.2.1 Contagem das unidades formadoras de colnia (UFC) ........................... 72

    4.2.2 Isolamento das Arqueas ........................................................................... 73

    4.2.3 Colorao de Gram .................................................................................. 75

    4.2.4 Gerao de Metano nos Frascos de Cultivo de Arqueas ......................... 76

    Concluses ................................................................................................. 79

    5.1 Concluses e Consideraes Finais .................................................................. 79

    5.2 Sugestes para Trabalhos Futuros .................................................................... 81

    Referncias bibliogrficas ......................................................................... 83

    Anexo I ......................................................................................................... 91

    Anexo II ...................................................................................................... 101

    Anexo III ..................................................................................................... 109

  • xi

    Lista de Figuras

    Figura 1. Fluxograma da produo de couro com a indicao dos resduos gerados

    em cada etapa e proposta de reaproveitamento ......................................................... 10

    Figura 2. Diagrama do processo de degradao de matria orgnica atravs de

    digesto anaerbia. Fonte: Li et al. (2011) ................................................................ 18

    Figura 3. Reaes dos dois caminhos metanognicos, a partir do acetato, j

    relatados. Fonte: Sasaki et al. (2011) ......................................................................... 20

    Figura 4. Transio da composio do biogs em um aterro de resduos slidos.

    Fonte: Pierobon (2007) .............................................................................................. 25

    Figura 5. Curva de crescimento de microrganismos em meio de cultura fechado.

    Fonte: Doran (1997) ................................................................................................... 26

    Figura 6. Representao esquemtica do princpio das reaes em cadeia da tcnica

    de PCR. Fonte: Garibyan e Avashia (2013) ............................................................... 29

    Figura 7. rvore filogentica dos domnios Bacteria, Archaea e Eukarya e os

    respectivos filos. Fonte: Pace (2009) ......................................................................... 30

    Figura 8. Biorreatores em escala de bancada (foto (esquerda) e esquematizao

    (direita)) com indicao das vlvulas utilizadas para a medida de volume de gs

    (vlvula superior) e de amostras gasosas para serem analisadas por cromatografia

    gasosa (vlvula lateral), alm das duas fases que se formavam (lquido sobrenadante

    e slido precipitado) ................................................................................................... 38

    Figura 9. Lodo ativado adensado coletado de uma estao de tratamento aerbio de

    um curtume que utiliza sais de cromo como agente de curtimento ........................... 39

    Figura 10. Aparato (foto (esquerda) e esquematizao (direita)) utilizado para a

    medio do volume total de gs gerado nos experimentos, com indicao da vlvula

    de controle para a passagem de gs (presso), da mangueira conectora com o

    biorreator de bancada alm da coluna de gua e da abertura do aparato para o

    ambiente ..................................................................................................................... 41

    Figura 11. Configurao dos biorreatores e do aparato de medio durante a medida

    de volume de biogs produzido no biorreator (foto (superior) e esquematizao

    (inferior)). 1: Biorreator; 2: Vlvula para o controle da passagem do gs do biorreator

    e mangueira acoplada; 3: Vlvula de controle de entrada do gs no aparato medidor;

    4: Coleta do lquido deslocado ................................................................................... 42

  • xii

    Figura 12. Frascos tipo penicilina de 50 mL, com tampa de borracha e lacre de

    alumnio, utilizados para o isolamento de microrganismos coletados dos

    biorreatores ................................................................................................................. 46

    Figura 13. Esquematizao do experimento 1 de coleta de biomassa dos

    biorreatores. Coleta do slido e do lquido, em duplicata, do biorreator 4 aps 118

    dias do incio do experimento de biodigesto ............................................................ 48

    Figura 14. Esquematizao do experimento 2 de coleta de biomassa dos

    biorreatores. Coleta do slido e do lquido do biorreator 7 aps 46 dias do incio do

    experimento de biodigesto, com adio de lodo ao meio de cultivo, antes da

    autoclavagem, em metade dos frascos ....................................................................... 49

    Figura 15. Esquematizao do experimento 3 de coleta de biomassa dos

    biorreatores. Coleta do slido do biorreator 9 aps 101 dias do incio do experimento

    de biodigesto, com adio de lodo ao meio de cultivo, antes da autoclavagem, em

    todos os frascos .......................................................................................................... 50

    Figura 16. Esquematizao do experimento 4 de coleta de biomassa dos

    biorreatores. Coleta do slido do biorreator 10 aps 131 dias do incio do

    experimento de biodigesto com adio de lodo e de antimicrobiano ao meio de

    cultivo em todos os frascos ........................................................................................ 51

    Figura 17. Detalhamento das condies do experimento de isolamento da biomassa

    coletada dos biorreatores em frascos tipo penicilina de 50 mL: (a) insero da

    soluo de vitaminas (ou soluo de antibitico) no meio de cultivo; (b) capela de

    fluxo laminar utilizada; (c) selamento aps cada perfurao realizada na tampa de

    borracha com parafina derretida proveniente de uma vela acesa; (d) solidificao do

    meio de cultivo de forma inclinada ............................................................................ 52

    Figura 18. Procedimento de isolamento de arqueas metanognicas coletadas do

    frasco com formao de bolhas no meio de cultivo (1S11a) ..................................... 53

    Figura 19. Coleta de amostras dos biorreatores para anlise cromatogrfica. 1:

    Biorreator; 2: Vlvula para a coleta do gs e seringa coletora ................................... 56

    Figura 20. Volume total acumulado de biogs gerado em cada biorreator da primeira

    montagem com relao ao tempo e indicao das coletas de alquotas de biomassa

    realizadas .................................................................................................................... 60

    Figura 21. Volume total acumulado de biogs gerado em cada biorreator da segunda

    montagem com relao ao tempo e indicao das coletas de alquotas de biomassa

    realizadas .................................................................................................................... 61

    Figura 22. Exemplos de cromatogramas gerados, em mV x s, com amostras

    coletadas na segunda semana de experimento (a) e (b) e com amostras coletadas

  • xiii

    na sexta semana de experimento (c) e (d) do biorreator 6 (2 montagem com lodo armazenado em condies ambientais) ...................................................................... 62

    Figura 23. Volume acumulado de metano (CH4) gerado em cada biorreator da

    primeira montagem com relao ao tempo e indicao das coletas de alquotas de

    biomassa realizadas .................................................................................................... 63

    Figura 24. Volume acumulado de metano (CH4) gerado em cada biorreator da

    segunda montagem com relao ao tempo e indicao das coletas de alquotas de

    biomassa realizadas .................................................................................................... 64

    Figura 25. Percentual de metano e de oxignio ao longo do tempo no biorreator 1 (1

    montagem com lodo armazenado em condies ambientais) .................................... 66

    Figura 26. Percentual de metano e de oxignio ao longo do tempo no biorreator 2 (1

    montagem com lodo armazenado em condies ambientais) .................................... 67

    Figura 27. Percentual de metano e de oxignio ao longo do tempo no biorreator 3 (1

    montagem com lodo armazenado em melhores condies de armazenamento) ........ 67

    Figura 28. Percentual de metano e de oxignio ao longo do tempo no biorreator 4 (1

    montagem com lodo armazenado em melhores condies de armazenamento) e

    indicao da coleta de alquota da biomassa .............................................................. 68

    Figura 29. Percentual de metano e de oxignio ao longo do tempo no biorreator 5 (1

    montagem com lodo armazenado em condies ambientais e com adio de colgeno

    hidrolisado) ................................................................................................................ 68

    Figura 30. Percentual de metano e de oxignio ao longo do tempo no biorreator 6 (1

    montagem com lodo armazenado em condies ambientais e com adio de colgeno

    hidrolisado) ................................................................................................................ 69

    Figura 31. Percentual de metano e de oxignio ao longo do tempo no biorreator 7 (2

    montagem com lodo armazenado em condies ambientais) e indicao da coleta de

    alquota da biomassa .................................................................................................. 69

    Figura 32. Percentual de metano e de oxignio ao longo do tempo no biorreator 8 (2

    montagem com lodo armazenado em condies ambientais) .................................... 70

    Figura 33. Percentual de metano e de oxignio ao longo do tempo no biorreator 9 (2

    montagem com lodo armazenado em melhores condies de armazenamento) e

    indicao da coleta de alquota da biomassa .............................................................. 70

    Figura 34. Percentual de metano e de oxignio ao longo do tempo no biorreator 10

    (2 montagem com lodo armazenado em melhores condies de armazenamento) e

    indicao da coleta de alquota da biomassa .............................................................. 71

  • xiv

    Figura 35. Frascos com formao de UFC provenientes do primeiro experimento de

    coleta de alquotas de biomassa do biorreator 4 com trs semanas de cultivo com

    indicao das colnias que seriam plaqueadas ........................................................... 74

    Figura 36. Crescimento das colnias isoladas dos frascos obtidos do primeiro

    experimento de coleta de alquotas de biomassa do biorreator 4 ............................... 74

    Figura 37. Visualizao microscpica do resultado da colorao de Gram realizada

    dos isolamentos dos cultivos dos frascos obtidos do experimento 1 de coleta de

    alquotas de biomassa ................................................................................................. 75

    Figura 38. Frascos provenientes da primeira diluio das duas coletas de alquotas

    de biomassa realizadas da fase slida precipitada Experimento 1 de coleta com presena de bolhas no interior do meio de cultivo ..................................................... 76

    Figura 39. Frascos provenientes da segunda diluio do experimento 4 de coleta que

    apresentaram crescimento microbiano ....................................................................... 77

    Figura 40. Frasco proveniente da segunda diluio do procedimento de coleta e de

    isolamento de biomassa coletada do frasco 1S11a com formao de bolhas ............ 78

  • xv

    Lista de Tabelas

    Tabela 1. Vantagens desvantagens da digesto anaerbia. Fonte: Wiszniowski et al.

    (2006) ......................................................................................................................... 17

    Tabela 2. Reaes para formao de metano atravs da metanognese. Fonte:

    Whitmann et al. (2006) .............................................................................................. 31

    Tabela 3. Caracterizao do farelo de couro wet-blue obtida por Kipper (2013) ..... 34

    Tabela 4. Caracterizao do lodo de ETE de curtume obtida por Kipper (2013) ..... 34

    Tabela 5. Componentes do meio de cultura utilizado por Anjos et al. (2013) .......... 35

    Tabela 6. Composio da soluo de nutrientes adicionada aos biorreatores. Fonte:

    Priebe et al. (2013) ..................................................................................................... 39

    Tabela 7. Experimentos de biodigesto de resduos ................................................. 40

    Tabela 8. Composio das solues necessrias para a preparao do meio de cultura

    e soluo diluente para o isolamento das arqueas metanognicas. Fonte: Whitman et

    al. (2006). ................................................................................................................... 43

    Tabela 9. Descrio dos experimentos de coleta de alquotas de biomassa dos

    biorreatores ................................................................................................................. 47

    Tabela 10. Condies de anlises cromatogrficas nas duas colunas empacotadas

    utilizadas. Fonte: Priebe et al. (2013) ........................................................................ 55

    Tabela 11. Fatores de resposta de cada gs para as colunas utilizadas nas anlises

    cromatogrficas. Fonte: Dietz (1967) ........................................................................ 56

    Tabela 12. Valores mximos e mnimos de biogs e de metano encontrados por

    Priebe et al. (2013) e por Kipper (2013) em ensaios de biodegradao com lodo

    proveniente de estao de tratamento de efluente de curtume e com farelo de couro

    wet-blue ...................................................................................................................... 65

    Tabela 13. Estimativa de UFC/mL em cada fase dos biorreatores 4 e 7................... 73

    Tabela 14. Percentuais de metano obtido, por anlise cromatogrfica com coluna

    Porapak Q, nos frascos provenientes da primeira diluio das duas coletas de

    alquotas de biomassa da fase slida precipitada Experimento 1 de coleta aps 3 semanas de cultivo ..................................................................................................... 77

  • xvi

    Tabela AIII. Nmero de UFC nos frascos do experimento 1 e 2 de coleta de

    alquotas de biomassa dos biorreatores aps trs semanas de incubao, com

    indicao dos frascos utilizados para estimativa de biomassa em cada fase do

    biorreator .................................................................................................................. 110

  • xvii

    Lista de Abreviaturas

    ARIP Aterro de resduos industriais perigosos

    ATP Trifosfato de adenosina

    DBO Demanda bioqumica de oxignio

    DQO Demanda qumica de oxignio

    ETE Estao de tratamento de efluentes

    GC Gas chromatography (cromatografia gasosa)

    NTK Nitrognio total Kjeldahl

    PCR Polymerase Chain Reaction (reao em cadeia da polimerase)

    PNRS Poltica Nacional dos Resduos Slidos

    TCD Thermal conductivity detector (detector de condutividade trmica)

    UFC Unidades formadoras de colnia

  • Captulo 1

    Introduo

    O Brasil conta com mais de 700 empresas ligadas cadeia do couro, desde

    organizaes familiares, at curtumes mdios e grandes conglomerados corporativos do setor.

    Esse setor emprega mais de 50 mil trabalhadores e, parte desse contingente, dedica-se

    exclusivamente a aes para reciclagem de guas, descarte adequado de resduos e melhoria

    de processos, o que tem gerado resultados significativos nas ltimas dcadas (CICB, 2014).

    Entretanto, a sua importncia econmica tem como contraponto as questes ambientais

    relativas ao processo de curtimento. Cada vez mais reconhecida a importncia de medidas

    tecnolgicas capazes de combater os problemas ambientais causados pela disposio dos

    resduos gerados na produo de couros, em especial os resduos slidos.

    Sabe-se que o processamento de couro divide-se em trs fases principais de processo:

    ribeira, curtimento e acabamento. As operaes de ribeira visam limpar e preparar a pele para

    o curtimento. O curtimento a operao unitria onde ocorre a estabilizao do colgeno, de

    forma que a pele adquira resistncia degradao qumica, fsica e biolgica. O acabamento

    confere ao couro as suas caractersticas finais, tais como firmeza, cor e maciez, dependendo,

    exclusivamente, da finalidade que o couro ser destinado. Essas etapas geram uma gama de

    efluentes lquidos e resduos slidos.

    Para cumprir as exigncias ambientais, os curtumes possuem estaes de tratamento

    de efluentes (ETE), que se dividem em etapas de tratamento preliminar, primrio (ou fsico

    qumico) e secundrio (ou biolgico). O tratamento biolgico tem uma alta reciclagem e

    recuperao dos resduos. O principal subproduto do tratamento de guas residuais so os

  • 2 1. INTRODUO

    lodos e a sua quantidade tem aumentado como consequncia do aumento da quantidade de

    efluentes industriais tratados. Nos ltimos anos, a frao orgnica dos resduos slidos tem

    sido reconhecida como um valioso recurso que pode ser convertido em produtos teis via

    transformao microbiana.

    Os principais resduos slidos produzidos pelos curtumes so serragens, aparas de

    couro wet-blue, couros acabados e semi-acabados, assim como lodos provenientes dos

    reciclos de caleiro, banhos de cromo, das ETEs, entre outros. Esses resduos costumam ser

    dispostos em aterros de resduos industriais perigosos (ARIPs), que so caracterizados como

    locais de confinamento e tambm de tratamento biolgico no controlado de resduos. Vale

    ressaltar alguns mtodos alternativos desses resduos slidos, tais como, descromagem, couro

    aglomerado, incorporao de lodo em concreto, fertilizante do solo, produo de carvo ativo,

    reciclagem, compostagem e incinerao. Esses mtodos so hoje em dia muito estudados, mas

    mesmo a incinerao ainda deixa um resduo de 10 a 20% do volume inicial, sendo necessrio

    ainda a destinao das cinzas geradas para aterros.

    O principal processo que ocorre em aterros a digesto anaerbia, que consiste no

    crescimento de microrganismos atravs da degradao de compostos orgnicos e inorgnicos

    na ausncia de oxignio molecular. produzido biogs como produto final desse processo,

    composto, principalmente, por metano (CH4) e dixido de carbono (CO2), alm de um resduo

    orgnico remanescente rico em nitrognio. Esse tratamento biolgico adequado para a

    remoo de poluentes orgnicos de resduos, pois pode converter quase todas as formas de

    biomassa em biogs altamente energtico, de forma que age simultaneamente no tratamento

    de resduos e na produo de energia. Entre os fatores que influenciam a digesto anaerbia,

    esto o tipo, disponibilidade e complexidade do substrato, temperatura, umidade, substncias

    inibidoras, tais como, amnia, sulfetos e metais pesados, entre outros. Esse processo ocorre

    em quatro fases inter-relacionadas: hidrlise, acidognese, acetognese e metanognese.

    H quatro utilizaes principais do biogs: produo de calor e vapor, produo e/ou

    cogerao de energia eltrica (principal utilizao), uso como combustvel de veculos e

    produo de produtos qumicos. Os incentivos governamentais para apoiar a produo de

    energias renovveis representam o principal fator para impulsionar a utilizao de biogs. E,

    considerando a segurana energtica e o meio ambiente, h uma grande necessidade de se

    desenvolver uma fonte de energia limpa e renovvel.

  • 1.1 OBJETIVOS E METODOLOGIA DO TRABALHO 3

    O biogs produzido pela digesto anaerbia composto principalmente por metano

    (CH4), que o principal componente que determina o seu poder calorfico, e dixido de

    carbono (CO2) alm de quantidades menos significativas de sulfeto de hidrognio (H2S) e

    outros compostos de enxofre e amnia (NH3). Entretanto, a composio real do biogs varia

    entre diferentes locais de produo e tambm em um nico local, devido s alteraes nas

    condies do processo e da matria-prima.

    O poder calorfico do metano tpico de 2124 MJ/m3. O rendimento de metano no

    biogs (percentual de metano produzido) afetado por muitos fatores, incluindo tipo e

    composio do substrato, composio microbiana, temperatura, umidade, projeto do

    biorreator, entre outros. A produo volumtrica de metano afetada pelos mesmos fatores

    que afetam o percentual de metano no biogs, mas tambm influenciada pela quantidade de

    gua que adicionada ao sistema de digesto.

    O conhecimento da ecologia e da funo da comunidade microbiana no processo de

    digesto anaerbia necessrio para controlar esse processo biolgico. Dentre as tcnicas

    conhecidas para o isolamento de microrganismos em cultura pura, as mais comumente

    utilizadas so as tcnicas de esgotamento em placas e de diluies em tubos. Para o

    isolamento de microrganismos extremamente sensveis ao oxignio, os anaerbios

    obrigatrios, que so os microrganismos de interesse, um meio de cultura previamente

    reduzido necessrio. Duas tcnicas so majoritariamente empregadas: meios enriquecidos e

    meios com antibiticos. As principais tcnicas para o cultivo de microrganismos anaerbios

    obrigatrios so feitas em sacos de anaerobiose, jarras de anaerobiose e cmaras de

    anaerobiose.

    Os microrganismos responsveis pela produo de metano fazem parte do domnio

    Archaea, que caracterizado por microrganismos procariticos que so evolutivamente

    distintos dos microrganismos do domnio Bacteria em sua organizao genmica, expresso

    gnica, composio celular e filogenia. As arqueas metanognicas so um grupo

    caracterizado, principalmente, pela formao de metano como o principal produto de seu

    metabolismo energtico. Os principais habitat dos metanognicos so locais onde no exista

    O2 e exista abundncia de matria orgnica.

  • 4 1. INTRODUO

    1.1 Objetivos e Metodologia do Trabalho

    O conhecimento da ecologia e da funo da comunidade microbiana no processo de

    digesto anaerbia necessrio para controlar esse processo biolgico. Dessa forma, o

    objetivo principal deste trabalho isolar, quantificar e identificar os microrganismos que

    apresentam potencial de produzir biogs com alto teor de metano a partir de ensaios de

    biodegradao atravs da incubao de lodo proveniente de aterros de curtumes com farelo de

    couro wet-blue em biorreatores de bancada para, posteriormente, associar e otimizar o

    tratamento desses resduos com a produo de energia renovvel. Ainda, a forma de

    armazenamento prvio do lodo adicionado aos ensaios de biodegradao tambm foi

    analisada.

    1.2 Estrutura do Trabalho

    O presente trabalho est estruturado em 5 captulos.

    No captulo 2 ser apresentada uma reviso terica sobre a indstria coureira no

    Brasil, os aspectos do processamento realizado em curtumes, os resduos gerados em cada

    etapa, o tratamento dos resduos e sua destinao para aterros. Tambm dada uma especial

    nfase para a digesto anaerbia e para a produo de biogs, para as tcnicas de isolamento e

    identificao dos microrganismos de interesse, os anaerbios, alm da apresentao de

    trabalhos anteriores de biodegradao de resduos de curtumes e isolamento de

    microrganismos ambientais.

    No captulo 3 ser feita a descrio da parte experimental realizada no trabalho que

    aborda dois tpicos principais. O primeiro a incubao do lodo proveniente de uma estao

    de tratamento de curtumes e do farelo de couro wet-blue em biorreatores de bancada e a

    descrio das tcnicas de anlise de quantificao e qualificao do biogs gerado neles. O

    segundo a coleta da biomassa gerada nesses biorreatores e as tcnicas utilizadas para o

    isolamento, quantificao e identificao dos microrganismos obtidos.

    No captulo 4 sero apresentados os resultados obtidos e suas discusses. Esses

    resultados, assim como a parte experimental, dividem-se em dois grupos. O primeiro a

    gerao e a caracterizao do biogs gerado nos biorreatores, analisadas e comparadas com os

    resultados previamente descritos na literatura. O segundo so os resultados dos isolamentos

    feitos em frascos tipo penicilina e em placas de Petri da biomassa coletada dos biorreatores,

  • 1.2 ESTRUTURA DO TRABALHO 5

    assim como a anlise das colnias geradas, com testes de colorao de Gram, contagem de

    unidades formadoras de colnia (UFC) e anlises cromatogrficas para se verificar a gerao

    de metano.

    No captulo 5 sero apresentadas as concluses e as sugestes para futuros trabalhos.

  • 6 1. INTRODUO

  • Captulo 2

    Fundamentao Terica e Reviso Bibliogrfica

    Neste captulo apresentada uma reviso terica sobre a indstria coureira no Brasil,

    os aspectos do processamento realizado em curtumes, os resduos gerados em cada etapa e o

    tratamento dos resduos e a sua destinao para aterros. Tambm dada uma especial nfase

    para a digesto anaerbia e para a produo de biogs que ocorre nos aterros com potencial

    para gerao de energia atravs do poder calorfico do metano contido. Por fim, discutem-se

    as tcnicas de isolamento e identificao dos microrganismos de interesse, os anaerbios

    obrigatrios, alm da apresentao de trabalhos anteriores de biodegradao de resduos de

    curtumes e de isolamento de microrganismos ambientais.

    2.1 A Indstria Coureira no Brasil e os Resduos Gerados no

    Processamento de Couros

    O setor coureiro do Brasil, de 2012 a 2014, tem processado cerca de 44,5 milhes de

    peles por ano. Possui 310 plantas curtidoras, 2.800 indstrias de componentes para couro e

    calados e 120 fbricas de mquinas de equipamentos. Esse setor gera 42.100 empregos

    diretos e movimenta US$ 3,5 bilhes a cada ano. Alm da sua grande importncia na

    economia, essa indstria tambm tem como matria-prima um subproduto da indstria

    frigorfica, a pele animal. O Brasil dono do maior rebanho bovino comercial do mundo, com

    206 milhes de cabeas de corte (14,23% do rebanho bovino mundial) (CICB, 2014).

    Entretanto, a importncia econmica dessa indstria tem como contraponto as questes

    ambientais relativas aos resduos gerados no processo de curtimento, tanto na forma de

    efluentes lquidos como na forma de resduos slidos (PICCIN, 2013).

  • 8 2. FUNDAMENTAO TERICA E REVISO BIBLIOGRFICA

    Embora se encontrem na literatura (ZUPANI e JEMEC, 2010) muitos trabalhos

    sobre o tratamento de efluentes lquidos de curtumes, o tratamento de resduos slidos, que

    tambm so gerados pelo prprio tratamento de efluentes lquidos, em especial pela via

    anaerbia, tem recebido menos ateno nos ltimos anos.

    A implementao de tecnologias mais limpas no processamento de couro reduz

    consideravelmente a poluio gerada nos curtumes. No entanto, essas so mais focadas nos

    efluentes do processo, de forma que os resduos slidos so, normalmente, dispostos em

    aterros, devido baixa biodegradabilidade do couro curtido (DHAYALAN et al., 2007).

    Dessa forma, cada vez mais reconhecida a importncia de medidas tecnolgicas capazes de

    minimizar os problemas ambientais causados pela disposio dos resduos gerados na

    produo de couros, em especial dos resduos slidos (ZUPANI e JEMEC, 2010).

    2.1.1 Etapas do Processo de Curtimento e Resduos Gerados

    O processo de produo realizado em curtumes consiste em transformar a pele, natural

    ou salgada, em couro. Sua tecnologia de fabricao requer diversas etapas, com adies

    sequenciais de produtos qumicos, intercaladas por lavagens e processos mecnicos

    (PASSOS, 2007). O processamento divide-se em trs fases principais: ribeira, curtimento e

    acabamento (DETTMER, 2012).

    As operaes de ribeira visam limpar e preparar a pele para o curtimento. As

    principais operaes dessa etapa so:

    Remolho: limpa e reidrata a pele, interrompendo a sua conservao de modo que ela

    volte ao estado de pele fresca;

    Depilao/caleiro: realizada, principalmente, para retirar o pelo, remover a epiderme e

    intumescer e separar as fibras e fibrilas de colgeno por meio do inchamento pela

    absoro de gua;

    Descarne: elimina os materiais aderidos ao carnal (tecido subcutneo e adiposo), em

    mquina de descarnar, de forma a facilitar a penetrao de produtos qumicos

    aplicados em etapas posteriores;

    Diviso: divide a pele em duas camadas: superior (flor) e inferior (raspa);

  • 2.1 A INDSTRIA COUREIRA NO BRASIL E OS RESDUOS GERADOS NO PROCESSAMENTO DE

    COUROS 9

    Desencalagem: elimina a cal presente na pele;

    Purga: limpa a pele e restos de epiderme, pelo e gordura;

    Pquel: prepara as fibras de colgeno para uma fcil penetrao do agente curtente.

    Aps as operaes de ribeira, a pele apresenta-se preparada para receber o agente

    curtente. O curtimento a operao unitria em que os agentes de curtimento reagem com a

    matriz da pele, estabilizando o colgeno, de forma que a pele adquira resistncia degradao

    qumica, fsica e biolgica. O processo de curtimento realizado em duas etapas: difuso e

    fixao do curtente (AQUIM, 2009). O agente curtente bloqueia os grupamentos amina ou

    carboxlicos do colgeno juntando-se protena e formando ligaes cruzadas (cross linking)

    entre as fibras de colgeno (EL-SHEIKH et al., 2011).

    Devido grande variedade de couros, so muitos os tipos possveis de curtimento

    existentes, sendo o curtimento ao cromo o mais utilizado, que utiliza sulfato bsico de cromo

    como agente curtidor, que um dos produtos qumicos com maior impacto ambiental da

    indstria coureira (PASSOS, 2007). Outros agentes de curtimento tambm muito usados so

    compostos de taninos vegetais (DHAYALAN et al., 2007).

    O acabamento consiste em trs etapas com vrias operaes: acabamento molhado,

    pr-acabamento e acabamento. Essas conferem ao couro as suas caractersticas finais, tais

    como firmeza, cor e maciez, dependendo, exclusivamente, da finalidade a qual o couro ser

    destinado (DETTMER, 2012). Uma esquematizao do processo em curtumes com os

    resduos gerados em cada etapa mostrada na Figura 1.

    Os resduos gerados por esse processamento podem ser divididos em: resduos de

    colgeno no curtido, resduos de colgeno curtido e resduos no proteicos (DETTMER,

    2012). Os resduos gerados so altamente concentrados, principalmente, em cromo, cloretos e

    clcio e, por isso, so txicos (MELLA, 2013). O seu nvel de toxicidade pode ser expresso

    em termos de demanda qumica de oxignio (DQO), demanda bioqumica de oxignio

    (DBO), slidos totais e nitrognio total Kjeldahl (NTK), alm de enxofre, fsforo e cromo

    (EL-SHEIKH et al., 2011).

  • 10 2. FUNDAMENTAO TERICA E REVISO BIBLIOGRFICA

    Pele salgada

    Pr-remolho Pr-descarne

    Batedor de sal

    Remolho/lavagem

    Depilao/Caleiro

    Enxgue(Fulo 1)

    Rebaixamento

    Desencalagem/Purga

    Pquel

    Curtimento(Fulo 2)

    Descarne/Diviso

    Desacidulao

    Recurtimento

    Tingimento

    Engraxe(Fulo 3)

    Secagem

    Pr-Acabamento

    Acabamento

    Classificao

    Expedio

    Couro Acabado

    Pele verde

    RS: Restos de

    pele/couro

    RS: Pelos

    RS: Farelo do

    rebaixamento

    Efluente lquido para

    a ETE

    RS: Lodo Produo de Biogs

    Seleo de MO da

    biodegradao

    ETE: Estao de tratamento de efluentes

    MO: microrganismos

    RS: Resduo slido

    RS: Sal

    Figura 1. Fluxograma da produo de couro com a indicao dos resduos gerados em

    cada etapa e proposta de reaproveitamento.

    Fonte: o prprio autor.

    Os principais resduos slidos produzidos pelos curtumes so serragens, aparas de

    couro wet-blue (couro curtido ao cromo), couros acabados e semi-acabados, assim como

    lodos provenientes dos reciclos de caleiro, banhos de cromo, das estaes de tratamento de

    efluentes (ETEs), entre outros. O farelo de couro wet-blue gerado no processo de ajuste de

  • 2.1 A INDSTRIA COUREIRA NO BRASIL E OS RESDUOS GERADOS NO PROCESSAMENTO DE

    COUROS 11

    espessura na operao de rebaixamento em mquina de rebaixar e composto por matria

    orgnica proteica que, mesmo tendo sido estabilizada pelo curtimento com sais de cromo,

    mostra-se passvel de biodegradao. Esses resduos costumam ser dispostos em aterros de

    resduos industriais perigosos (ARIPs). Com relao toxicidade desses resduos, as aparas e

    a serragem de couros provenientes de couros curtidos ao cromo e os lodos provenientes do

    tratamento de efluentes lquidos originados no processo de curtimento de couros curtidos ao

    cromo tm como constituinte o cromo trivalente, configurando, assim, a sua toxicidade

    (KIPPER, 2013).

    2.1.2 Tratamento e Destino dos Resduos

    Entre os motivos pelos quais surge a necessidade de tratar os resduos pode-se citar a

    escassez de reas para a destinao final dos resduos, a disputa pelo uso de reas

    remanescentes, a valorizao dos componentes dos resduos como forma de promover a

    conservao de recursos e a necessidade de inertizao de resduos. Os processos de

    tratamento alteram as caractersticas, a composio e as propriedades dos resduos, com o

    objetivo de reduzir sua toxicidade, seu volume ou destru-lo (MISSIAGGIA, 2002).

    Os principais objetivos que um tratamento de resduos eficaz deve alcanar so:

    diminuir o teor de gua, transformar a matria orgnica altamente putrescvel em um resduo

    orgnico ou inorgnico estvel e/ou inerte e condicionar o resduo para atender as

    regulamentaes vigentes (APPELS et al., 2008). Por exemplo, a Poltica Nacional dos

    Resduos Slidos (PNRS) (BRASIL, Lei n 12.305, de 2 de Agosto de 2010, 2010) dispe

    sobre as diretrizes relativas gesto integrada e ao gerenciamento de resduos slidos,

    includos os perigosos, as responsabilidades dos geradores e do poder pblico e os

    instrumentos econmicos aplicveis. As tecnologias para o tratamento de resduos podem ser

    dividas em mtodos biolgicos e mtodos fsico-qumicos. No entanto, para os padres de

    poluio estabelecidos atualmente, uma combinao de padres biolgicos, qumicos e fsicos

    necessria (WISZNIOWSKI et al., 2006).

    Para cumprir as exigncias ambientais, os curtumes possuem ETEs. Normalmente, as

    etapas de tratamento nas ETEs dividem-se em tratamento preliminar, tratamento primrio (ou

    fsico qumico) e tratamento secundrio (ou biolgico). Tambm podem ter tratamento

    tercirio (ou de polimento), porm menos comum (AQUIM, 2009).

  • 12 2. FUNDAMENTAO TERICA E REVISO BIBLIOGRFICA

    O tratamento preliminar tem o objetivo de reduzir o teor de slidos e de gorduras

    atravs da utilizao, principalmente, das etapas de gradeamento e de caixa de gordura,

    respectivamente. A etapa de gradeamento tem por objetivo reduzir o teor de slidos e, para

    tanto, utiliza grades com diferentes dimenses e espaamentos. Nela os materiais grosseiros

    so separados do efluente, pois, por sua natureza ou tamanho, criariam problemas como

    desgaste de bombas ou obstrues em tubulaes nas etapas posteriores. A caixa de gordura

    remove leos e graxas e evita o entupimento dos orifcios. As caractersticas de uma caixa de

    gordura dependem da localizao da ETE e do tipo e da quantidade de efluente a ser tratada

    (AQUIM, 2009).

    O tratamento primrio normalmente composto das seguintes etapas: precipitao do

    cromo (banhos de curtimento passam por um tanque a fim de que o cromo com cal hidratada

    precipite e seja recolhido), homogeneizao (mistura dos diversos banhos), neutralizao

    (ajuste do pH), coagulao, floculao e decantao primria (AQUIM, 2009).

    O tratamento secundrio objetiva a remoo de matria orgnica e de alguns

    nutrientes. De uma forma geral, nele so removidos os compostos biodegradveis. Depende

    de alguns fatores fsico-qumicos do meio, tais como temperatura, pH e concentrao de

    oxignio dissolvido, que so diretamente responsveis pelo desenvolvimento dos

    microrganismos no sistema, alm da presena de outros compostos que podem atuar como

    inibidores. A lagoa aerada, ou lodo ativado, constituda basicamente por um tanque provido

    de sistema de aerao que funciona como um reator biolgico, seguido de um decantador

    secundrio e de uma bomba que faz o reciclo parcial do lodo biolgico para a lagoa com a

    funo de aumentar a massa microbiana. Os microrganismos nutrem-se, reproduzem-se e

    movimentam-se com a energia obtida atravs da matria orgnica na presena de aerao.

    Nesta etapa tambm realizada uma ltima decantao, onde a parte lquida lanada ao

    corpo receptor e parte da fase slida decantada, formadora do lodo, bombeada novamente

    para o tanque de lodo ativado e o excesso encaminhado centrfuga (AQUIM, 2009).

    O princpio bsico dos lodos ativados consiste de uma comunidade de

    microrganismos, em um reator, constantemente alimentada de matria orgnica e fluxo de

    oxignio. Esses microrganismos, atravs de seu metabolismo aerbio, consomem a matria

    orgnica presente, transformando-a em biomassa microbiana, dixido de carbono, gua e

    minerais. Essa comunidade microbiana composta por uma associao de bactrias,

    leveduras, fungos, entre outros, que cresce atravs da entrada constante de resduos (matria

  • 2.1 A INDSTRIA COUREIRA NO BRASIL E OS RESDUOS GERADOS NO PROCESSAMENTO DE

    COUROS 13

    orgnica) e da interao uma com a outra (WISZNIOWSKI et al., 2006). O oxignio

    normalmente vem das bolhas de ar injetado, atravs de aeradores mecnicos com difusores

    (GUTTERRES e MELLA, 2015).

    A utilizao do tratamento tercirio em curtumes, na prtica, no muito comum. No

    entanto, existem diversos estudos sobre a aplicao de tratamentos complementares s

    operaes realizadas, visando remoo de poluentes especficos que eventualmente no

    tenham atingido os padres de emisso do efluente e/ou o aumento da eficincia dos

    processos utilizados no tratamento de efluentes.

    O tratamento biolgico tem uma alta reciclagem e recuperao dos resduos (MATA-

    ALVAREZ et al., 2000). O principal subproduto desse tratamento so os lodos residuais

    descartados como excesso de lodo do sistema. A quantidade de lodo tem aumentado como

    consequncia do aumento da quantidade de efluentes industriais tratados (ATHANASOULIA

    et al., 2012). Nos ltimos anos, a frao orgnica dos resduos slidos tem sido reconhecida

    com um valioso recurso que pode ser convertido em produtos teis via transformao

    microbiana. A remoo de resduos slidos orgnicos tornou-se um problema ecolgico em

    evidncia devido ao aumento da preocupao com a sade pblica e conscincia ambiental

    (KHALID et al., 2011). A disposio final de lodos um problema de crescente importncia e

    pode representar at 50% dos custos operacionais de uma ETE (APPELS et al., 2008).

    Os mtodos convencionais de tratamento de resduos supracitados, tais como aerao,

    coagulao, floculao e decantao, so dispendiosos devido ao alto investimento inicial na

    aquisio dos equipamentos, grande quantidade de energia requerida e ao frequente uso de

    produtos qumicos adicionais. H outros mtodos, tais como, osmose reversa e adsoro por

    carvo ativado ou com adsorventes alternativos (PICCIN et al., 2012). Processos oxidativos

    avanados tm sido propostos como uma alternativa eficaz para a mineralizao de compostos

    orgnicos recalcitrantes, no entanto, quando se trabalha em grande escala, essa tcnica ainda

    no economicamente vivel (WISZNIOWSKI et al., 2006).

    Mtodos alternativos de tratamento, tais como, reciclagem, compostagem e

    incinerao so hoje em dia muito estudados, mas mesmo a incinerao ainda deixa um

    resduo de 10 a 20% do volume inicial, sendo necessria ainda a destinao desse para aterros

    (WISZNIOWSKI et al., 2006). Alguns outros mtodos que tambm so estudados para o

  • 14 2. FUNDAMENTAO TERICA E REVISO BIBLIOGRFICA

    tratamento de resduos slidos de curtumes so descromagem qumica e enzimtica, utilizao

    como adsorventes para remoo de corantes em meio aquoso, incinerao, gaseificao,

    utilizao das cinzas obtidas, incorporao para produo de materiais cermicos, artefatos

    cimentcios para construo civil, entre outros (KIPPER, 2013).

    O alto teor de cromo nos resduos de curtumes que utilizam sais de cromo na etapa de

    curtimento impede o uso direto dos resduos como componente de fertilizantes (ZUPANI e

    JEMEC, 2010). Entretanto, est sendo aplicada uma tecnologia onde os resduos de couro

    curtido so hidrolisados em reatores, num ambiente controlado, com alta temperatura e alta

    presso, promovendo sua transformao em gelatina. Em seguida, a gelatina formada seca,

    estabilizada e peneirada, obtendo-se assim adubos orgnicos com diferentes granulometrias.

    O processo no utiliza produtos qumicos e atende todas as exigncias ambientais, porm,

    esse adubo no utilizado no Brasil devido s legislaes que no permitem a utilizao de

    fertilizantes contendo cromo, sendo, dessa forma, exportado, principalmente, para a Itlia

    (KIPPER, 2013).

    Antes de tratar da disposio final dos resduos slidos necessrio avaliar a

    possibilidade de minimizao das quantidades geradas atravs de modificaes nos processos

    produtivos, segregao, reciclagem e em seguida, aproveitamento do resduo por outros

    segmentos industriais. Dessa forma, as pesquisas nessa rea tm buscado alternativas para a

    utilizao de diversos resduos do processamento de couro, como, por exemplo: produo de

    recurtentes e pigmentos, produo de diversos compostos (cromato de sdio das cinzas dos

    resduos de couro atravs de tratamento trmico, carvo ativado, olena a partir de resduos de

    descarne do couro obteno de leos combustveis, hidrolisado proteico para uso no

    recurtimento, obteno de gases de pirlise e energia de resduos de curtume, borracha de

    butadieno de acrilonitrilo, recuperao de fibras de colgeno, gelatina, pigmentos para

    cermicas, entre outras) (PICCIN, 2013).

    Entretanto, a maior parte dos resduos slidos gerados pelos curtumes, principalmente

    o farelo de rebaixamento e os lodos provenientes das ETEs, acaba sendo destinada a ARIPs.

    Esses aterros acabam se esgotando rapidamente, sendo necessria a criao de novos, o que

    ocupa significativo espao de terra. Os resduos slidos da indstria coureira comprometem o

    ambiente, principalmente, pelo alto tempo para degradao, inutilizando o solo por vrias

    geraes, e pela concentrao de cromo no solo e nos lenis freticos (KIPPER, 2013).

  • 2.2 ATERRO DE RESDUOS INDUSTRIAIS PERIGOSOS ARIP 15

    2.2 Aterro de Resduos Industriais Perigosos ARIP

    A disposio final de resduos slidos em aterros considerada uma tcnica segura e

    eficiente, pois permite controle do processo e apresenta uma boa relao custo-benefcio. O

    aterro caracterizado como um local de confinamento e tambm de tratamento biolgico no

    controlado de resduos. Existem, basicamente, trs tipos de aterros: aterros sanitrios,

    controlados e industriais, que diferem entre si no seu sistema de coleta e tratamento do

    chorume gerado, assim como na drenagem e queima de biogs (KIPPER, 2013).

    Aterros industriais permitem a disposio controlada de resduos perigosos no solo,

    sem causar danos sade pblica, garantindo proteo ao meio ambiente. Entre as principais

    tcnicas utilizadas para garantir esses quesitos esto o confinamento em menores reas e

    volumes, atravs de geomembranas, a drenagem de percolados e gases, o tratamento de

    efluentes e a implantao de poos de monitoramento do lenol fretico (PINTO, 2011).

    Um aspecto importante dos aterros que eles so sistemas abertos. Diferentes tipos de

    barreiras podem ser utilizados em volta do aterro, mas nenhuma possui durao

    indeterminada. A construo de uma clula para resduos perigosos deve ter uma cobertura

    temporria removvel. Estas clulas devem possuir uma barreira composta de dupla

    impermeabilizao, que utiliza simultaneamente materiais naturais (argila) e materiais

    artificiais (manta de polietileno de alta densidade) e um sistema de dupla drenagem, formado

    por dreno testemunho e dreno de captao (MISSIAGGIA, 2002).

    O monitoramento desse tipo de aterro deve ser permanente, a fim de prevenir a

    contaminao do solo e das guas subterrneas. Deve-se tambm procurar reduzir a

    quantidade de material lixiviado emitido pelo aterro, evitando-se a disposio de resduos

    muito midos e pastosos. De uma forma geral, os resduos dispostos em aterros devem ser

    secos, estveis, pouco solveis, no volteis e, principalmente, devem ser compatveis, de

    forma que no reajam entre si ou com guas infiltradas. No devem ser: cidos, bases fortes,

    compostos orgnicos muito solveis e volteis, orgnico-persistentes, materiais inflamveis,

    oleosos e explosivos e resduos radioativos (SILVA, 2011). A vida til de um aterro depende

    do volume de material que recebe, do tempo e da densidade aparente do material

    (TOCCHETTO e SOARES, 2003).

    A Portaria n 016/2010, de 20 de abril de 2010, dispe sobre o controle da disposio

    final de resduos Classe I com caractersticas de inflamabilidade no solo, em sistemas de

  • 16 2. FUNDAMENTAO TERICA E REVISO BIBLIOGRFICA

    destinao final de resduos denominados aterro de resduos classe I e central de

    recebimento e destinao de resduos classe I, no mbito do Estado do Rio Grande do Sul.

    2.3 Digesto Anaerbia

    A digesto anaerbia uma tecnologia bioqumica que consiste no crescimento de

    microrganismos atravs da degradao de compostos orgnicos e inorgnicos na ausncia de

    oxignio molecular (LASTELLA et al., 2002). Nesse processo so produzidos,

    principalmente, metano (CH4) e dixido de carbono (CO2) biogs como produto final,

    alm de um resduo orgnico remanescente rico em nitrognio (WISZNIOWSKI et al., 2006).

    Esse processo realizado por uma populao de diferentes microrganismos inter-

    relacionados por sequncias de reaes biolgicas dependentes que requerem condies

    ambientais especficas (DONOSO-BRAVO et al., 2011). Esses microrganismos

    desempenham um papel preponderante na degradao e determinam, dessa forma, a eficincia

    do tratamento (DANG et al., 2013). Dentre os mais relatados, esto os microrganismos

    heterotrficos e os clostrdios. No comum um tratamento biolgico contar apenas com uma

    nica espcie microbiana. Geralmente um consrcio microbiano responsvel pelo processo

    de digesto anaerbia (KHALID et al., 2011).

    O tratamento biolgico anaerbio adequado para a remoo de poluentes orgnicos

    de resduos (NARIHIRO e SEKIGUCHI, 2007), pois pode converter quase todas as formas de

    biomassa, inclusive resduos orgnicos txicos, tais como o chorume, em biogs altamente

    energtico, de forma que age simultaneamente no tratamento de resduos e na produo de

    energia (MEESTER et al., 2012). Alm disso, uma fonte de energia renovvel, uma vez que

    reduz os impactos ambientais, incluindo as emisses de CO2 (HJORTH et al., 2011).

    Os processos anaerbios apresentam um bom desempenho com altas cargas orgnicas,

    com um baixo custo operacional alm da produo de biogs, e, alm disso, deixam uma

    quantidade menor de lodo para posterior disposio em aterros (DANG et al., 2013). Dentre

    os principais benefcios desse tratamento esto a sua rentabilidade e baixa carga poluidora

    (BISWAS et al., 2006). De uma forma geral, considerado uma opo sustentvel para

    gesto de resduos porque produz energia renovvel e recicla nutrientes (LIU et al., 2012). As

    principais vantagens e desvantagens desse processo so mostradas na Tabela 1.

  • 2.3 DIGESTO ANAERBIA 17

    Tabela 1. Vantagens desvantagens da digesto anaerbia.

    Vantagens Desvantagens

    Alta eficincia na remoo de DBO Metais pesados podem dificultar a digesto

    Baixa quantidade de Fsforo (P)

    necessria como fator de crescimento Suscetvel a mudanas de temperatura e de pH

    Baixa produo de lodo excedente Alta toxicidade da amnia

    Produo de biogs Grande quantidade de amnia remanescente

    Fonte: Wiszniowski et al. (2006).

    O tratamento anaerbio no to difundido como o processo aerbio, devido,

    principalmente, ao maior tempo necessrio para alcanar a bioestabilizao e ao seu

    desempenho moderado. Entretanto, com relao ao processo aerbio, a digesto anaerbia

    apresenta algumas vantagens, tais como menor custo, devido a menor necessidade de energia

    para sua operao, menor footprint (quantidade de recursos naturais utilizados para viabilizar

    sua operao) e menor produo de biomassa remanescente (CARRRE et al., 2010).

    Diferentemente do tratamento aerbio, a digesto anaerbia permite a recuperao de energia,

    em forma de metano, e produz um resduo (lodo remanescente) que pode ser aplicado na

    agricultura como fertilizante de solo, desde que siga as diretrizes do Ministrio da Agricultura

    e seja primeiramente inertizado, devido sua reologia (propriedades fsicas que influenciam o

    transporte de quantidade de movimento num fluido) e composio elementar favorveis,

    promovendo, assim, a sustentabilidade desse tratamento (GUTIN e MARINEK-LOGAR,

    2011).

    A ampla aplicabilidade e a relativamente simples instalao da operao de digesto

    anaerbia em reator fechado uma alternativa para a utilizao dessa tecnologia no

    tratamento de resduos, produo de energia e impedimento da liberao de metano para a

    atmosfera. Ainda, com a sua utilizao como suprimento energtico, tem-se a vantagem

    adicional de no depender de combustveis fsseis (MEESTER et al., 2012).

    2.3.1 Fases da Digesto Anaerbia

    A digesto anaerbia de matria orgnica um processo complexo que envolve uma

    srie de diferentes etapas de degradao. Os microrganismos que participam desse processo

    so especficos para cada passo da degradao e, portanto, tm diferentes necessidades

    nutricionais (KHALID et al., 2011).

  • 18 2. FUNDAMENTAO TERICA E REVISO BIBLIOGRFICA

    Esse processo ocorre em quatro fases inter-relacionadas: hidrlise, acidognese,

    acetognese e metanognese, onde as principais reaes que ocorrem entre cada uma das

    etapas so mostradas na Figura 2. As fases conectam-se devido aos produtos das diferentes

    atividades microbianas, envolvidas em uma determinada etapa, servirem como substrato para

    a etapa seguinte (ADU-GYAMFI et al., 2012).

    Geralmente, a maior parte do material orgnico solvel no meio convertida em

    cidos orgnicos volteis atravs da acidognese e transformada em biogs atravs da

    metanognese (LI et al., 2011). Para garantir a eficincia do processo, necessrio equilibrar

    as taxas de degradao da hidrlise com a acidognese, assim como da acetognese com a

    metanognese, pois um desequilbrio nessas etapas causa acumulao de cidos orgnicos e

    reduo na capacidade de tamponamento do sistema, resultando na reduo da taxa de

    produo de metano (ADU-GYAMFI et al., 2012).

    Figura 2. Diagrama do processo de degradao de matria orgnica atravs de digesto

    anaerbia.

    Fonte: Li et al. (2011).

  • 2.3 DIGESTO ANAERBIA 19

    2.3.1.1 Hidrlise

    No incio do processo, atravs de enzimas extracelulares, ocorre a reduo de

    polmeros orgnicos complexos em molculas solveis mais simples. As bactrias hidrolticas

    reduzem compostos complexos em substratos monomricos e dimricos solveis. Protenas,

    lipdeos e carboidratos so hidrolisados em aminocidos, cidos graxos de cadeia longa e

    acares, respectivamente (LI et al., 2011).

    A hidrlise do material orgnico tem sido documentada como a etapa limitante da

    velocidade de processos anaerbios de digesto de resduos com um elevado teor de slidos

    (KHALID et al., 2011). A hidrlise determina, portanto, a eficincia da converso da matria-

    prima em biomassa (LI et al., 2011).

    2.3.1.2 Acidognese

    Na acidognese, os produtos da hidrlise so convertidos em uma mistura de cidos

    graxos volteis de cadeia curta, que sero convertidos posteriormente pela acetognese a

    cido actico, hidrognio e dixido de carbono, principalmente, e que sero substratos diretos

    da metanognese. Do ponto de vista termodinmico, a acidognese a etapa menos

    favorecida energeticamente, pois o tempo de gerao baixo e as taxas de crescimento so

    altas (MEESTER et al., 2012).

    2.3.1.3 Acetognese

    Diferentes bactrias, chamadas de acetognicas, degradam os cidos graxos de cadeia

    longa produzindo cido actico, hidrognio molecular e CO2 (LASTELLA et al., 2002). As

    bactrias anaerbias facultativas, mediante essas reaes, consomem o oxignio residual,

    promovendo, assim, condies adequadas para a etapa final, a metanognese (BOND e

    TEMPLETON, 2011).

    2.3.1.4 Metanognese

    A ltima etapa da degradao/transformao da matria orgnica a metanognese,

    onde uma variedade de arqueas metanognicas consome o acetato, o dixido de carbono e o

    hidrognio para produzir metano (LI et al., 2011). Ela particularmente sensvel devido a

    algumas caractersticas dos metanognicos, tais como, taxas de crescimento especficas

    relativamente baixas o que os torna maus competidores (ADU-GYAMFI et al., 2012).

  • 20 2. FUNDAMENTAO TERICA E REVISO BIBLIOGRFICA

    As arqueas que formam metano diferem em termos de fisiologia, necessidades

    nutricionais, cintica de crescimento e sensibilidade s condies ambientais dos

    microrganismos que formam cido (CHEN et al., 2008).

    Segundo Sasaki et al. (2011), dois caminhos metanognicos, a partir do acetato, tm

    sido relatados. Um a metanognese direta realizada por arqueas metanognicas

    acetoclsticas, que convertem os grupos metlicos e carboxlicos de acetato para CH4 e CO2,

    respectivamente. O outro a oxidao no acetoclstica, ou seja, ocorre atravs do co-

    metabolismo de bactrias oxidantes de acetato e metanognicas hidrogenotrficas. Durante

    essa ltima via, o acetato primeiro oxidado a CO2 e, em seguida, o CO2 produzido

    reduzido a CH4. O processo de decomposio do acetato afetado pela temperatura,

    quantidade e composio das substncias orgnicas, entre outros. Essas reaes so mostradas

    na Figura 3.

    Clivagem acetoclstica:

    *CH3COO

    + H2O

    *CH4 + HCO3

    Oxidao no acetoclstica:

    *CH3COO

    + 4H2O H

    *CO3

    + HCO3

    + 4H2 + H

    +

    H*CO3

    (ou HCO3

    ) + 4H2 + H

    + *CH4(ou CH4) + 3H2O

    Figura 3. Reaes dos dois caminhos metanognicos, a partir do acetato, j relatados.

    Fonte: Sasaki et al. (2011).

    2.3.2 Fatores que Influenciam a Digesto Anaerbia

    Os principais fatores que influenciam a digesto anaerbia so a disponibilidade e a

    complexidade do substrato, a faixa de temperatura em que as reaes ocorrem, a umidade

    (que influncia a dissoluo da matria orgnica), o pH (que influencia a atividade

    enzimtica) e a presena de substncias inibidoras.

    2.3.2.1 Substrato

    A taxa de digesto anaerbia fortemente afetada pelo tipo, disponibilidade e

    complexidade do substrato. Para cada fonte de carbono h um diferente grupo de

    microrganismos com capacidade de degrad-la. A concentrao inicial e o teor de slidos

    totais no substrato tm influncia significativa no desempenho do processo e na quantidade de

    metano que ser produzida (KHALID et al., 2011).

  • 2.3 DIGESTO ANAERBIA 21

    A relao entre carbono e nitrognio (C/N) no material orgnico desempenha um

    papel crucial na digesto anaerbia. Os nutrientes balanceados so considerados como um

    importante fator limitante na digesto anaerbia de resduos orgnicos. A relao C/N ideal

    est na faixa de 20-35 (KHALID et al., 2011).

    2.3.2.2 Temperatura

    Em temperaturas mais baixas de processo, o crescimento microbiano, as taxas de

    utilizao do substrato e a produo de biogs diminuem. Alm disso, tambm pode haver

    esgotamento de energia, evaso de substncias intracelulares ou lise completa da clula. Em

    contraste, altas temperaturas diminuem o rendimento de biogs devido produo de gases

    volteis, tais como amnia, que suprimem e at inibem as atividades metanognicas

    (KHALID et al., 2011).

    Esse processo normalmente conduzido em uma s etapa em condies mesfilas

    (30-40C) ou termfilas (50-55C). Em comparao com a digesto mesfila, a digesto

    termfila tem benefcios, tais como, alto grau de estabilizao dos resduos, destruio mais

    efetiva de patgenos virais e bacterianos e melhor desidratao do lodo remanescente (CHEN

    et al., 2008). Ao contrrio do processo mesfilo, o processo termfilo caracterizado por um

    nmero limitado de espcies metanognicas acetoclsticas e estrutura mais simples da

    comunidade microbiana (SASAKI et al., 2011). Entretanto, a condio mais comumente

    adotada a mesfila, pois mais estvel e requer menor gasto de energia (ATHANASOULIA

    et al., 2012). Para a biodegradao, a temperatura deve ser inferior a 65C, pois acima dessa

    temperatura ocorre a desnaturao das enzimas. Em geral, a faixa de temperatura entre 35-

    37C considerada adequada para a produo de metano (KHALID et al., 2011).

    2.3.2.3 Umidade

    Um alto teor de umidade geralmente facilita a digesto anaerbia, atravs da

    dissoluo da matria orgnica. No entanto, difcil, operacionalmente, manter a mesma

    disponibilidade de gua durante todo o ciclo de digesto (KHALID et al., 2011).

    2.3.2.4 pH

    Em meio cido, a atividade enzimtica das arqueas nula. Num meio alcalino, a

    fermentao produz anidrido sulfuroso e hidrognio. A digesto pode se efetuar entre os pH

  • 22 2. FUNDAMENTAO TERICA E REVISO BIBLIOGRFICA

    6,2 e 7,6, encontrando-se um valor timo em 7. Em aterros sanitrios o pH no cai abaixo de

    6,2, enquanto o metano est sendo gerado (PIEROBON, 2007).

    2.3.2.5 Substncias Inibidoras

    A digesto anaerbia aplicvel para uma ampla gama de materiais, incluindo

    resduos urbanos, agrcolas, industriais e vegetais (KHALID et al., 2011). Entretanto,

    dependendo de sua origem, o resduo pode conter substncias inibidoras e at mesmo txicas

    para a digesto anaerbia, tais como amnia, sulfetos, metais pesados e alguns compostos

    orgnicos, como, por exemplo, alifticos halogenados e compostos aromticos (CHEN et al.,

    2008).

    O processo menos eficiente para degradar compostos fenlicos e polifenlicos de

    baixo peso molecular tais como taninos e lipdios. Esses exercem efeitos inibidores sobre os

    microrganismos envolvidos. Alguns mtodos de pr-tratamento vm sendo estudados para

    diminuir a toxicidade desses compostos, sendo que o que apresenta os melhores resultados o

    prprio tratamento biolgico, com a insero de microrganismos com a capacidade de

    degradar esses compostos fenlicos na comunidade microbiana (DHAYALAN et al., 2007).

    O nitrognio essencial para a sntese de protenas e necessrio, principalmente,

    como nutriente para os microrganismos da digesto anaerbia. Compostos nitrogenados nos

    resduos orgnicos so normalmente protenas, que so convertidas a amnio pela digesto

    anaerbia. Sob a forma de amnio, o nitrognio contribui para a estabilizao do pH no

    decorrer do processo. Os microrganismos assimilam o amnio para o crescimento. A

    proporo de nutrientes dos elementos C:N:P:S de 600:15:5:3 considerada suficiente para a

    metanognese. Entretanto, um resduo com alto teor de nitrognio resulta em uma alta

    concentrao de amnia durante e aps a digesto. Isso pode conduzir inibio da

    metanognese e pode ser o fator mais importante para uma digesto anaerbia eficaz. Em

    condies anaerbias, o nitrognio permanece na forma de on amnio (NH4+) e sua

    concentrao no reduzida durante o processo. A produo de hidrognio e a remoo de

    slidos volteis tambm so afetadas (KHALID et al., 2011). Esse nitrognio presente no

    lodo remanescente da digesto pode ser removido biologicamente atravs dos processos de

    nitrificao e desnitrificao (GUTIN e MARINEK-LOGAR, 2011).

    Existem alguns compostos em resduos, tais como metais, que se apresentam como

    toxinas inorgnicas, e alguns compostos orgnicos recalcitrantes (muitas vezes txicos), que

  • 2.3 DIGESTO ANAERBIA 23

    no so degradados e, portanto, tornar-se-o concentrados no resduo remanescente (KHALID

    et al., 2011). Ainda, substncias orgnicas fortemente lignificadas, tais como a madeira, no

    so adequadas para a digesto (MEESTER et al., 2012).

    Os metais pesados podem produzir vrios efeitos, resultados da ao sobre molculas

    e clulas. Alm disso, a presena de um metal pesado pode limitar a absoro de outros

    nutrientes essenciais atividade do organismo. Os metais pesados, no podendo ser

    metabolizados, permanecem no organismo e exercem seus efeitos txicos, combinando-se

    com um ou mais grupos reativos (ligantes), os quais so indispensveis para as funes

    fisiolgicas normais (ANDREOLI et al., 2001).

    2.3.3 Produo de Biogs

    O biogs substitui combustveis fsseis, por isso a sua utilizao vem acompanhada de

    uma reduo das emisses de gases do efeito estufa e de xidos de nitrognio (RASI et al.,

    2011). Por esse motivo, o setor de energia tem cada vez mais reconhecido o biogs produzido

    a partir de fontes anaerbias como uma importante fonte de energia limpa (ADU-GYAMFI et

    al., 2012). Atualmente, o biogs produzido atravs da digesto anaerbia de biomassa pouco

    explorado, de forma que o rendimento de metano ainda pode ser melhorado (HJORTH et al.,

    2011).

    Mais leve do que o ar atmosfrico, contrariamente a outros gases como o butano e o

    propano, o biogs rico em metano apresenta menores riscos de exploso na medida em que a

    sua acumulao ao nvel do solo se torna mais difcil. A sua baixa densidade implica, em

    contrapartida, que ele ocupe um volume significativamente maior e que a sua liquefao s

    seja possvel a temperaturas muito baixas, o que lhe confere algumas desvantagens em termos

    de transporte e utilizao (PIEROBON, 2007).

    O biogs produzido pela digesto anaerbia composto principalmente por metano

    (CH4) (entre 48 e 65%) e dixido de carbono (CO2) (entre 36 e 41%) e por quantidades menos

    significativas de sulfeto de hidrognio (H2S), outros compostos de enxofre e amnia (NH3).

    Ocasionalmente, tambm so encontradas quantidades pequenas de hidrognio (H2),

    nitrognio (N2), hidrocarbonetos saturados ou halogenados e oxignio (O2). Geralmente, o gs

    saturado de vapor dgua e pode conter partculas de poeira e compostos orgnicos de

    silcio. Em alguns locais de produo, tambm pode conter siloxanos e compostos orgnicos

    volteis aromticos e halogenados (KHALID et al., 2011). Entretanto, a composio real do

  • 24 2. FUNDAMENTAO TERICA E REVISO BIBLIOGRFICA

    biogs varia entre diferentes locais de produo e tambm em um nico local, devido s

    alteraes nas condies do processo e da matria-prima (RASI et al., 2011).

    A comparao entre outras fontes energticas e o biogs feita atravs da

    determinao do poder calorfico. O poder calorfico de um combustvel a quantidade de

    calor liberada quando uma queima completa realizada. Entende-se por queima completa o

    processo de oxidao total por unidade de massa. Havendo hidrognio no combustvel,

    existir a formao de gua como um dos produtos da combusto. Define-se por poder

    calorfico superior quando essa gua resulta sob a forma de vapor e poder calorfico inferior

    quando se apresenta na forma lquida (PIEROBON, 2007). O poder calorfico do biogs

    determinado, principalmente, pelo seu teor de metano (BACIOCCHI et al., 2012), que tem

    um poder calorfico tpico de 21-24 MJ/m3 ou em torno de 6 KWh/m

    3 (BOND e

    TEMPLETON, 2011).

    O rendimento de metano no biogs (percentual de metano produzido) afetado por

    muitos fatores, incluindo o tipo e a composio do substrato, a composio microbiana,

    temperatura, umidade, projeto do biorreator, entre outros fatores (KHALID et al., 2011). A

    produo volumtrica de metano afetada pelos mesmos fatores que afetam o percentual de

    metano no biogs, mas tambm influenciada pela quantidade de gua que adicionada ao

    sistema de digesto. Tanto a produo volumtrica de metano quanto o percentual de metano

    no biogs dependem do tipo de slidos volteis presentes na matria-prima a ser degradada

    (MLLER et al., 2004). A composio do resduo determina o rendimento de biogs e a

    qualidade do gs (percentual de metano) de diferentes maneiras: a ordem para a maior

    produo de biogs, em volume : lipdeos > carboidratos > protenas, enquanto a ordem para

    a maior produo de metano : lipdeos > protenas > carboidratos (QIAO et al., 2011).

    O tempo necessrio para a produo significativa de metano , em geral, de um a dois

    anos aps a disposio no aterro. O aterro como um todo normalmente sobrepe pelo menos

    duas, quando no todas, as fases biolgicas simultaneamente. A Figura 4 apresenta as curvas

    de transio da composio do biogs de um aterro sanitrio em relao ao tempo entre o

    confinamento e a produo estvel de metano. A escala de tempo corresponde a uma mdia,

    podendo variar dependendo de diversos fatores, tais como composio dos resduos,

    quantidade de gua disponvel e temperatura ambiente. O nitrognio e o sulfeto de hidrognio

    tambm so produzidos, porm, em pequenas quantidades (PIEROBON, 2007).

  • 2.4 ISOLAMENTO E IDENTIFICAO DE MICRORGANISMOS ANAERBIOS 25

    Figura 4. Transio da composio do biogs em um aterro de resduos slidos.

    Fonte: Pierobon (2007).

    2.4 Isolamento e Identificao de Microrganismos Anaerbios

    O conhecimento da ecologia e da funo da comunidade microbiana no processo de

    digesto anaerbia necessrio para o controle desse processo biolgico. Nos ambientes

    naturais, os microrganismos encontram-se, quase sempre, sob forma de populaes mistas.

    Assim sendo, para que seja possvel estudar as caractersticas das espcies que compem estas

    misturas, necessrio fazer seu isolamento em cultura pura. Para isso, necessita-se de um

    meio de cultura e de condies de incubao que facilitem o crescimento do microrganismo

    desejado (NARIHIRO e SEKIGUCHI, 2007).

    Todos os microrganismos necessitam de uma fonte de energia para seu crescimento,

    que pode ser qumica (seres quimiotrficos) ou luminosa (seres fototrficos). Alm disso, os

    fatores necessrios para o crescimento microbiano podem ser divididos em duas categorias

    principais: os fatores fsicos, tais como temperatura, pH e presso osmtica, e os fatores

    qumicos. Dentre os fatores qumicos, esto a gua e as diversas fontes de carbono (C), de

    nitrognio (N), de fsforo (P), de enxofre (S) e de sais minerais, alm dos chamados fatores

    de crescimento, para o caso dos microrganismos mais exigentes (COELHO et al., 2006).

  • 26 2. FUNDAMENTAO TERICA E REVISO BIBLIOGRFICA

    Quando um microrganismo inoculado em um meio de cultura em sistema fechado,

    ele apresenta uma curva de crescimento caracterstica. Essa curva, normalmente, tem quatro

    fases: lag (adaptao), exponencial, estacionria e de morte, mostradas na Figura 5 (LIU et

    al., 1995). Na fase lag, a taxa de crescimento dos microrganismos nula, pois as clulas esto

    se adaptando ao novo meio de cultura, sintetizando novas enzimas ou componentes

    estruturais. Na fase exponencial, a velocidade de crescimento diretamente proporcional

    concentrao celular. Na fase estacionria, a concentrao mxima de clulas foi atingida no

    meio de cultivo e esta concentrao constante, pois h um balano entre a velocidade de

    reproduo e a velocidade de morte dos microrganismos. Na fase de morte, a concentrao

    celular diminui, pois as clulas comeam a perder viabilidade devido falta de nutrientes

    (DORAN, 1997).

    fase estacionria

    fase lag

    Tempo

    Co

    nce

    ntr

    ao

    de

    clu

    las

    vi

    vei

    s

    Figura 5. Curva de crescimento de microrganismos em meio de cultura fechado.

    Fonte: Doran (1997).

    Dentre as tcnicas conhecidas para o isolamento de microrganismos em cultura pura,

    as mais comumente utilizadas so as tcnicas do esgotamento em placas e de diluies em

    tubos. Ambas baseiam-se no princpio de que uma clula microbiana isolada, quando

    depositada em meio de cultura slido adequado dar origem a um agrupamento

    macroscopicamente visvel, chamado colnia. Assim sendo, a colnia um conjunto de

    clulas idnticas que tem como origem uma nica clula ou esporo (COELHO et al., 2006).

    Os microrganismos podem ser classificados quanto ao requerimento de oxignio. Os

    aerbios obrigatrios necessitam do oxignio, pois ele participa do seu metabolismo como

    aceptor final de eltrons. Os anaerbios facultativos sobrevivem na presena ou na ausncia

  • 2.4 ISOLAMENTO E IDENTIFICAO DE MICRORGANISMOS ANAERBIOS 27

    de oxignio. Para os anaerbios obrigatrios o oxignio txico. Os anaerbios aerotolerantes

    so anaerbios que conseguem se desenvolver na presena de oxignio, sem utiliz-lo. Os

    microaerfilos precisam de presses inferiores de oxignio (10-15%) para se desenvolver

    (STEPHEN e FLICKINGER, 1999).

    Para o isolamento de microrganismos extremamente sensveis ao oxignio, os

    anaerbios obrigatrios, um meio de cultura previamente reduzido necessrio. Dois tipos de

    meio so majoritariamente empregados: meios enriquecidos e com e sem antibiticos. Meios

    enriquecidos so meios preparados para favorecer a multiplicao dos microrganismos de

    interesse quando esses esto presentes em pequeno nmero em relao microbiota de

    acompanhamento ou quando esses so maus competidores. Alguns destes meios so

    chamados de meios de enriquecimento seletivo, pois, alm de propiciarem o desenvolvimento

    do microrganismo de interesse, inibem total ou parcialmente a microbiota de

    acompanhamento. Os antimicrobianos podem ser empregados como inibidores seletivos de

    bactrias, uma vez que nos metanognicos, muitos dos seus sistemas enzimticos no so

    afetados pela maioria dos antimicrobianos (WHITMANN et al., 2006).

    As principais tcnicas para o cultivo de organismos anaerbios obrigatrios so feitas

    em sacos de anaerobiose, jarras de anaerobiose e cmaras de anaerobiose. A tcnica de sacos

    de anaerobiose consiste em um saco transparente e no permevel a gases. um mtodo

    muito econmico e difundido para o cultivo de microrganismos anaerbios. Esse mtodo

    permite a observao fcil da placa sem perturbar o ambiente anaerbio. Jarras de anaerobiose

    so utilizadas principalmente com meios em placas. Para a sua manipulao, exigido uma

    substituio adequada do ambiente oxigenado para uma atmosfera anaerbia. Essa a

    metodologia para cultura anaerbia mais utilizada em laboratrios. Desde um saco plstico

    flexvel at armrios rgidos que estancam a passagem de gs podem ser usados como

    cmaras de anaerobiose. A cmara anaerbica fornece uma atmosfera anaerbia em larga

    escala. Entretanto, os avanos na tentativa de se cultivar microrganismos anaerbios vieram

    com o mtodo de Hungate (1967), tambm conhecido como mtodo do roll-tube. A partir

    disso, modificaes foram feitas por cada grupo de pesquisadores, dependendo das suas

    necessidades especficas (SINGH e MAZUMDER, 2010).

    Para a caracterizao de comunidade