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156 ALMANAQUE DO CORREIO DO POVO - 1949 ReminiscênciasdePOrtoAlegre Gaston Bassloeher Mazer_ (Especial para o "AImanaque do Correio do Povo"). 4 CIDADE BAIXA NAO EXISTE MAIS Antes da abertura da Avenida Bor- ges de Medeiros, a Cidade Baixa cons- tituía assim como que um comple- mento do resto de Pôrto Alegre. O povo que .habitava naquela zona era olhado "por cima dos hombros" e considerado "gentinha", que só co- mia carne, arroz e feijão... Os menos remediados procuravam viver na Cidade' Baixa porque ali en- contravam habitações ao alcance das suas possibilidades. "Moram em casinhas de porta e ja...- nela" era também uma maneira de tentar diminuir a "gentinha". Para chegar á Cidade, os morado- res preferiam subir o Liceu (parte da rua Marechal Floriano, entre Du- que de Caxias e Coronel Fernando Machado) e era assim chamada eo é até hoje, porque no prédio onde SE encontra instalada a Repartição Cen- ..tral de Policia, funcionou o "Lyceú D. Affonso". . Alguns, subiam o "Beco do Meire- les", que ficava paralelo á rua acima citada, onde hoje existe a Avenida Borges .de Medeiros, porém, não era grande o trânsito, porque arriscavam- se a ficar "mal vistos" e as familias passavam de cara virada, mesmo que fosse pelas esquinas. Raro era o dia em que ali não se verificasse uma desordem e então en- trassem em cena os facões dos "I~lOr- cegos", mais tarde dos "gafanhotos" e finalmente dos "ratos brancos", al- cunhas que o povo deu às três cor- porações policiais, que conheci. O coronel Louzada, que foi ativo sub-intendente do 1.0 distrito, manti- nha uma patrulha montada de "ra- tos brancos" e esta estacionava na esquina do beco com a rua do Ano- redo, precizamente no local onde mais tarde foi levantado o edifício "Pon- cho Verde". Como eu fazia parte da "gentinha", vejo com muita satisfação a remode- lação porque está passando a antiga Cidade Baixa. Um porto alegrense que esteja muitos anos ausente da sua terra, no dia em que cá voltar, ficará surpre- endido com a transforáção, pois em lugar do "Beco do Meireles", vai en- contrar a linda Avenida Borges de Medeiros com os seus magestosos edi- ficios, que substituiram as velhas ca- sinhas de outros tempos. Quero abrir um parentesis para di- zer que, a par desses grandes edifí- cios que ornamentam a cidade, deve- riam ser construidas, a exemplo do que fizeram os nossos antepassados, aqueEas bôas casas ao alcance dos menos favorecidos da sorte, que ago- ra se veem na triste contingência de viver amontoados pelas penwes ou "engavetados" dentro de apartamen- tos ou melhor - apertamentos _ como muito acertadamente loram batisados. Não resta dúvida que é muito bo- nito e até os pobretões como eu. fin- gem, que são ricos. Porém, da Cidade Baixa, só existe a lembrança, porque os novos nem sa- bem que ela existiu, porque quando a conheceram estava incorporada à cidade. Quem teria acreditado uns 30 anos atraz, que a rua da Figueira viesse a ser o que vemos hoje? E a velha rua da Varzinha com o

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156 ALMANAQUE DO CORREIO DO POVO - 1949

Reminiscênciasde POrtoAlegreGaston Bassloeher Mazer_

(Especial para o "AImanaque doCorreio do Povo").

4 CIDADE BAIXA NAO EXISTEMAIS

Antes da abertura da Avenida Bor-ges de Medeiros, a Cidade Baixa cons-tituía assim como que um comple-mento do resto de Pôrto Alegre.

O povo que .habitava naquela zonaera olhado "por cima dos hombros"e considerado "gentinha", que só co-mia carne, arroz e feijão...

Os menos remediados procuravamviver na Cidade' Baixa porque ali en-contravam habitações ao alcance dassuas possibilidades.

"Moram em casinhas de porta e ja...-nela" era também uma maneira detentar diminuir a "gentinha".

Para chegar á Cidade, os morado-res preferiam subir o Liceu (parteda rua Marechal Floriano, entre Du-que de Caxias e Coronel FernandoMachado) e era assim chamada e oé até hoje, porque no prédio onde SEencontra instalada a Repartição Cen-

..tral de Policia, funcionou o "Lyceú D.Affonso". .

Alguns, subiam o "Beco do Meire-les", que ficava paralelo á rua acimacitada, onde hoje existe a AvenidaBorges .de Medeiros, porém, não eragrande o trânsito, porque arriscavam-se a ficar "mal vistos" e as familiaspassavam de cara virada, mesmo quefosse pelas esquinas.

Raro era o dia em que ali não severificasse uma desordem e então en-trassem em cena os facões dos "I~lOr-cegos", mais tarde dos "gafanhotos"e finalmente dos "ratos brancos", al-cunhas que o povo deu às três cor-porações policiais, que conheci.

O coronel Louzada, que foi ativosub-intendente do 1.0 distrito, manti-

nha uma patrulha montada de "ra-tos brancos" e esta estacionava naesquina do beco com a rua do Ano-redo, precizamente no local onde maistarde foi levantado o edifício "Pon-cho Verde".

Como eu fazia parte da "gentinha",vejo com muita satisfação a remode-lação porque está passando a antigaCidade Baixa.

Um porto alegrense que esteja hámuitos anos ausente da sua terra, nodia em que cá voltar, ficará surpre-endido com a transforáção, pois emlugar do "Beco do Meireles", vai en-contrar a linda Avenida Borges deMedeiros com os seus magestosos edi-ficios, que substituiram as velhas ca-sinhas de outros tempos.

Quero abrir um parentesis para di-zer que, a par desses grandes edifí-cios que ornamentam a cidade, deve-riam ser construidas, a exemplo doque fizeram os nossos antepassados,aqueEas bôas casas ao alcance dosmenos favorecidos da sorte, que ago-ra se veem na triste contingência deviver amontoados pelas penwes ou"engavetados" dentro de apartamen-tos ou melhor - apertamentos _como muito acertadamente lorambatisados.

Não resta dúvida que é muito bo-nito e até os pobretões como eu. fin-gem, que são ricos.

Porém, da Cidade Baixa, só existea lembrança, porque os novos nem sa-bem que ela existiu, porque quando aconheceram já estava incorporada àcidade.

Quem teria acreditado há uns 30anos atraz, que a rua da Figueiraviesse a ser o que vemos hoje?

E a velha rua da Varzinha com o

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8eu excelente calçamento e moder-nas edificações!

Na rua do Arvoredo poucas casi-nhas existem e somente ali ainda en-contramos com o seu aspecto austéroe imponente, o antigo Seminário.

Na Cidade Baixa, funclonam doisgrandes e confortáveis cinemas; ra-fés, restaurantes, bares, casas de eo-.mércio e tudo isso Igual às melhores4a Cidad.e.

Ali vemos a séde da Associaç~oCristã de Moços, que tão assinaladosserviços tem prestado à nossa moci-dade.

O grande edificio do "Pão :ios Po-bres" com as suas instalações e osensinamentos que administra a cer-ca de 300 meninos.

Devo esclarecer, que com a "incor-poração" da Cidade Baixa à Cidade,deixou o arraial da Baroneza (o an-tigo e sinistro "Estado Oriental"\ quefazia "limites" com a Cidade BaIxa.de constituir um "outro país" comoera considerado, porque depois do to-que de silêncio, ninguém se atreviaa atravessar.a "fronteira" a não seros desordeiros perseguidos pela polI-cia, que lá encontravam um asi!o se-guro.

Citarei algumas coisas da CidadeBaixa: O Café Moka, que ficava si-tuado no local onde foi construida a~~

praça Daltro Filho; o arm,azem do ve-~lho Pôrto, na esquina formada peloCLiceu e a rua da Varzinha; a loja AÜ;,.;í

laia; o Adão, llm crioulo valente, quetrabalhava como guarda noturno par-ticular; a alfaiataria dos irmãos Me-neghetti; a popular casa de fazendasdo sr. Eleutherio Araujo, que com osseus grandes baratilhos atraia gentede tôda a Cidade; a casa "Ao n.O 8"de Donato Castilhos, que foi um dosprimeiros a vender móveis em pres-tações; o armazem Costa Leite; o Ir.Pacheco, que residia à rua do Arvo-redo e fabricava os saborosos biscot--tos, que eram conhecidos pelo seunome; o beco da Maxambomba; obeco da Vila Rica, também de tr18-te recordação; as inúmeras "repúbli-cas" fle estudantes; a professôra Ma-dalena, irmã do professor InácioMontanha; a Padaria Cruzeiro e ou-tras muitas co~as que seria fastidio-sos enumerar. .

Terminando esta reminiscência, flueé uma homenagem aos meu:> antigos"patrícios" da Cidade Baixa, querolembrar, que o despertar da mesmapara a conquista da Cidade foi quan-do a "gentinha" com o magesljo50prestito dos "Filhos do Inferno", tevea "coragem" de deslumbrar a genteda rua da Práia.

E ainda: o Prefeito de Pôrto Ale-gre, dr. TIdo Meneghetti, nasceu naCidade Baixa e assim estou me con-gratulando com .os meus antig~"concidadãos", porque a nossa vitó-ria foi tão grande, que at~ Q govêrnoda Cidade conquistamos.

TRANSPORTE. SEGURO E RÃPIDO ENTRE:I?/Q GRANDE DO SUL

SANTA C'ATANINAPARANA'

$AÕ PAULO. RIO. NINAS GERAIS

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