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Estudo Científico “Estabelecer Cenários sobre os Efeitos das Alterações Climáticas na Abetarda, Sisão e
Peneireiro‐das‐torres”
1º Relatório da Acção A4
Projecto LIFE Estepárias “Conservação da Abetarda, Sisão e Peneireiro‐
das‐torres nas estepes cerealíferas do Baixo Alentejo” (LIFE07/NAT/P/654)
Francisco Moreira (coord.) Ana Delgado Ricardo Correia Pedro Leitão
Dezembro 2010
2
ÍndiceIntrodução ..................................................................................................................................... 4
Cenários e previsões de alterações climáticas .............................................................................. 5
Padrões de alterações climáticas globais .................................................................................. 6
Padrões de alterações climáticas em Portugal ......................................................................... 8
Previsões de alterações climáticas globais .............................................................................. 10
Previsões de alterações climáticas em Portugal ..................................................................... 12
Impactos esperados das alterações climáticas nas aves estepárias ........................................... 16
Efeitos das alterações climáticas na distribuição geográfica das espécies‐alvo no futuro ..... 18
Efeitos das alterações climáticas na biologia das espécies‐alvo ............................................. 20
Abetarda – Otis tarda .......................................................................................................... 21
Sisão – Tetrax tetrax ............................................................................................................ 23
Peneireiro‐das‐torres – Falco naumanni ............................................................................. 24
Efeitos das alterações climáticas nos recursos das aves estepárias ....................................... 25
Influência do clima na vegetação ............................................................................................ 26
Abetarda – Otis tarda .......................................................................................................... 27
Sisão – Tetrax tetrax ............................................................................................................ 28
Peneireiro‐das‐torres – Falco naumanni ............................................................................. 29
Influência do clima nos artrópodes ......................................................................................... 29
Abetarda – Otis tarda .......................................................................................................... 31
Sisão – Tetrax tetrax ............................................................................................................ 31
Peneireiro‐das‐torres – Falco naumanni ............................................................................. 31
Influência do clima na gestão e politíca agrícola .................................................................... 32
Recomendações de gestão.......................................................................................................... 33
Gestão do mosaico agrícola .................................................................................................... 34
Gestão dos pousios/pastagens ............................................................................................... 36
3
Gestão do cereal ..................................................................................................................... 38
Gestão das leguminosas .......................................................................................................... 40
Gestão dos pontos de água ..................................................................................................... 41
Gestão da dimensão da parcela e da pressão humana .......................................................... 42
Promoção de ninhos artificiais adequados para Peneireiro‐das‐torres ................................. 43
Actividades desenvolvidas em 2010 para as espécies‐alvo ........................................................ 44
Monitorização da Abetarda – Otis tarda ................................................................................. 44
Área de estudo e Metodologia ............................................................................................ 44
Resultados ........................................................................................................................... 45
Monitorização do Sisão – Tetrax tetrax .................................................................................. 47
Metodologia ........................................................................................................................ 47
Resultados ........................................................................................................................... 48
Monitorização do Peneireiro‐das‐torres – Falco naumanni ................................................... 49
Metodologia ........................................................................................................................ 49
Resultados ........................................................................................................................... 52
Referências .................................................................................................................................. 57
Anexo 1 ........................................................................................................................................ 67
4
Introdução A existência de alterações nos padrões climáticos, provocadas pela actividade do Homem é,
hoje em dia, um facto cientificamente comprovado. Estas alterações incluem, na generalidade,
o aumento da temperatura média global, a diminuição da precipitação e o aumento da
frequência de ocorrência de eventos extremos. Os seus efeitos já se fazem sentir e as últimas
previsões apontam para que as alterações se intensifiquem nos próximos anos, prevendo‐se,
também, um aumento das suas consequências.
As evidências da existência de alterações no clima levaram a Organização das Nações
Unidas (ONU) a criar, em 1989, o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas
(“Intergovernmental Panel on Climate Change”). As funções deste painel passam por rever e
avaliar as mais recentes informações científicas, técnicas e sócio‐económicas, com relevância
para uma melhor percepção sobre a temática das alterações climáticas a nível mundial.
Os relatórios produzidos por este grupo de trabalho, com base no conhecimento
científico mais recente, têm avaliado também o papel das alterações climáticas nos habitats e
nas espécies que deles dependem. As suas conclusões apontam para que as alterações
climáticas tenham um efeito negativo bastante acentuado nos ambientes e recursos naturais,
levando a que as alterações no clima sejam encaradas, hoje em dia, como uma das principais
ameaças à biodiversidade, a par da introdução de espécies exóticas e da intervenção directa
do homem nos sistemas naturais.
Deste modo, torna‐se essencial incorporar nos esforços de conservação medidas que
tenham em conta o potencial efeito das alterações climáticas nas populações naturais. No
entanto, grande parte do conhecimento científico sobre os efeitos das mudanças do clima nas
populações naturais foi obtida para uma escala continental/regional e é por isso pouco
informativo sob ponto de vista da conservação, que normalmente se processa numa escala
mais local. Torna‐se assim de grande importância não só obter novo conhecimento adequado
a esta exigência mas também compilar a informação já existente que possa dar pistas sobre os
efeitos do clima numa escala apropriada e que se enquadre com os esforços de conservação.
O projecto LIFE Estepárias ‐ Conservação da Abetarda, Sisão e Peneireiro‐das‐torres
nas estepes cerealíferas do Baixo Alentejo pretende promover a conservação na região do
Baixo Alentejo de três aves estepárias ameaçadas: a Abetarda (Otis tarda), o Sisão (Tetrax
tetrax) e o Peneireiro‐das‐torres (Falco naumanni). Estas espécies apresentam estatuto de
conservação desfavorável a nível global (Abetarda – Vulnerável; Sisão – Quase ameaçado,
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Peneireiro‐das‐torres – Vulnerável), segundo a União Internacional para a Conservação da
Natureza e dos seus Recursos (IUCN 2010), mas também a nível nacional, segundo o Livro
Vermelho dos Vertebrados de Portugal, que atribui os estatutos de Ameaçado à Abetarda e
Vulnerável ao Sisão e Peneireiro‐das‐torres (Cabral et al. 2006). A nível europeu, as três
espécies são também abrangidas pela Directiva Aves (Directiva Comunitária 79/409/CEE) e,
pelo facto de constarem do Anexo I do referido documento, são consideradas espécies
prioritárias para a conservação das suas populações e habitats.
O estado de conservação destas espécies é preocupante e, apesar de todo o esforço de
conservação que lhes tem sido dirigido, o potencial efeito negativo das alterações climáticas
nas suas populações e habitats não foi ainda considerado e pode comprometer a sua
sustentabilidade futura. Torna‐se por isso essencial avaliar o potencial efeito das mudanças
climáticas nestas espécies e intervir de forma adequada a minimizar os seus efeitos.
Este relatório insere‐se assim, no âmbito da acção A4 do projecto LIFE Estepárias,
sendo o seu objectivo compilar a informação já existente que possa contribuir para a
elaboração de medidas de conservação para as espécies abrangidas pelo projecto, tendo em
conta os potenciais efeitos das alterações climáticas nas espécies previamente referidas.
Cenárioseprevisõesdealteraçõesclimáticas
A avaliação dos cenários e padrões actuais do clima e a previsão de cenários climáticos futuros
são ferramentas essenciais para o estudo do fenómeno da alteração do clima, tanto à escala
global como a nível regional, e para a percepção dos potenciais efeitos destas alterações.
Tendo em mente esta necessidade de conhecimento relativamente aos padrões de alteração
do clima, existem actualmente diversos grupos que, trabalhando a diferentes escalas,
procuram identificar os padrões climáticos actuais e prever a evolução futura.
Considerando os trabalhos efectuados até ao momento, é possível fazer o balanço do
conhecimento existente sobre os processos climáticos actuais e sobre os cenários futuros,
quer a nível global, quer a nível nacional.
6
Padrõesdealteraçõesclimáticasglobais
O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) produziu em 2007 o seu
último relatório de avaliação sobre o estado das alterações climáticas a nível global (IPCC
Fourth Assessment Report: Climate Change 2007 – AR4). Este relatório faz o balanço do
conhecimento científico relativo às alterações climáticas até à data, sendo que esta avaliação
abrange não só a evolução climática verificada nos últimos anos, como também as previsões
de cenários climáticos futuros.
Segundo este relatório, a temperatura média global do planeta tem vindo a aumentar
desde a década de 1980, atingindo um aumento de cerca de 0,6 a 0,8oC na última década, em
relação à média climática de 1961‐1990 (Figura 1). Este aumento da temperatura reflecte‐se
num aumento quer da temperatura mínima, quer da máxima, sendo o aumento verificado
mais pronunciado na primeira, o que resulta numa diminuição da amplitude térmica diária,
como se pode observar na Figura 2.
Do ponto de vista regional, o continente Europeu tem uma tendência bem
estabelecida de aquecimento, com um aquecimento médio de 0,9oC no período entre 1901 e
2005, em relação à média de 1961‐1990. Este aumento tem sido mais pronunciado no Norte
da Europa e nas zonas montanhosas do que no Sul da Europa (Alcamo et al. 2007).
Figura 1 – Anomalias anuais na temperatura global do ar à superfície (oC), durante o período de 1850 a 2005, relativas à média entre 1961 e 1990, calculada segundo a base de dados de temperatura à superfície CRUTEM3 (Brohan et al. 2006). A curva a preto representa os valores obtidos pela mesma base de dados CRUTEM3 em comparação com os valores obtidos pelas análises das bases NCDC (Smith & Reynolds, 2005; azul), GISS (Hansen et al. 2001; vermelho) e de Lugina et al. 2005 (verde). Retirado de Solomon et al. 2007.
7
Figura 2 – Anomalias anuais relativas à média de 1961 a 1990 da temperatura máxima, mínima e amplitude térmica diária (DTR). As curvas representam variações decadais. Retirado de Solomon et al. 2007.
No que respeita à precipitação global, e também segundo o último relatório do IPCC,
têm‐se verificado alterações na precipitação média durante as últimas décadas, apesar de não
significativas. Este facto verifica‐se por se tratar de uma análise á média global, que abrange
regiões com tendências de precipitação bastante diferentes.
Ao analisar a evolução da precipitação média a um nível regional, podemos verificar a
existência de uma redução significativa na precipitação média nas últimas décadas em muitas
das regiões analisadas, facto que também se observa na região do Mediterrâneo (Figura 3).
Nesta zona, verifica‐se uma tendência de redução da precipitação de cerca de 5% em relação à
média da precipitação no período 1961‐1990, que se manifesta através de períodos de seca
mais precoces e prolongados, tendência inversa à verificada na Europa do Norte (Alcamo et al.
2007, Solomon et al. 2007).
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Figura 3 – Precipitação anual para o período de 1900 a 2005 na área da Bacia do Mediterrâneo (% da média, considerando o período entre 1961 e 1990). Retirado de Solomon et al. 2007.
PadrõesdealteraçõesclimáticasemPortugal
Em Portugal, os cenários climáticos e os seus potenciais impactos foram analizados pelo
Projecto SIAM – “Climate Change in Portugal: Scenarios, Impacts, and Adaptation Measures”.
Este projecto, iniciado em 1999, teve duas fases das quais resultaram dois relatórios: SIAM I
(Santos et al. 2002) e SIAM II (Santos & Miranda 2006).
Segundo os resultados obtidos por este projecto, Portugal demonstra já alguns indícios
de alterações nos seus padrões climáticos, tanto no que respeita à temperatura como à
precipitação.
Assim, os registos de temperatura mostram que desde o ano de 1975 se verifica um
aumento na temperatura média, seja na mínima, seja na máxima (Figura 4). Este aumento é
concordante com as tendências observadas a nível global e consistente, sendo observado quer
na análise à temperatura média para Portugal, quer ao nível de estações individuais (Santos &
Miranda 2006).
Quanto à evolução da precipitação nos últimos anos, existe uma diminuição global da
precipitação para Portugal Continental. Esta tendência de diminuição observada apresenta
variações sazonais, sendo que são os meses de Inverno e Primavera que parecem apresentar
9
uma maior diminuição da precipitação (Santos & Miranda 2006). Este facto é observado tanto
na análise mensal (Figura 5) como na análise trimestral (Figura 6).
Ainda no que respeita à avaliação das tendências de precipitação, Costa e Soares
(2009) realizaram uma análise às tendências extremas de precipitação para o Sul de Portugal
(durante o período de 1955 a 1999) onde se encontram as áreas de intervenção do Projecto
LIFE Estepárias. Este trabalho demonstra a existência de variações na precipitação, quer em
quantidade (menor precipitação) quer na duração (maior número de dias secos). De salientar
ainda a existência de um aumento significativo do período de seca (número de dias secos) em
Castro Verde, área onde se encontram importantes núcleos populacionais das espécies visadas
pelo projecto LIFE Estepárias.
Figura 4 –Evolução da temperatura média mínima (curva inferior, eixo esquerdo) e máxima (curva superior, eixo direito) para Portugal continental durante o período de 1930 a 2002. Sobrepostas estão linhas de tendência para os períodos propostos por Karl et al. 2000. Retirado de Santos & Miranda 2006.
Figura 5 – Diferenças na precipitação média mensal entre as normais climáticas de 1971 a 2000 e 1941 a 1970. Retirado de Santos & Miranda 2006.
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Previsõesdealteraçõesclimáticasglobais
O último relatório do IPCC sobre o estado das alterações climáticas a nível global apresenta
também previsões, até ao ano de 2100, para a evolução das alterações climáticas segundo
diferentes cenários (Solomon et al. 2007). Sendo a concentração de dióxido de carbono (CO2)
na atmosfera um dos principais factores a influenciar o clima, as previsões apresentadas
baseiam‐se em três de seis possíveis cenários de emissões de dióxido de carbono
apresentados por Nakićenović & Swart (2000): altas (cenário A2), médias‐altas (cenário A1B) e
médias‐baixas (cenário B2).
Figura 6 – Evolução dos valores de precipitação de Portugal Continental entre 1931 e 2002 para os trimestres compreendidos entre Dezembro e Fevereiro (DJF), Março a Maio (MAM), Junho a Agosto (JJA) e Setembro a Novembro (SON). A linha a tracejado indica o valor médio entre 1931 e 2002 para o trimestre analisado. Retirado de Santos & Miranda 2006.
Segundo os resultados das previsões obtidos para os cenários avaliados e para os
diferentes modelos utilizados, podemos esperar de uma forma geral um aumento global da
temperatura e da precipitação (Solomon et al. 2007). Existem no entanto variações a nível
continental e regional nos valores obtidos pelas previsões, quer no que respeita à temperatura
(Figura 7), quer à precipitação (Figura 8).
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Para a Europa, e concretamente para a região da Bacia do Mediterrâneo, as previsões
analisadas pelo IPCC apontam para um aumento da temperatura entre os 2 e os 5oC e uma
diminuição da precipitação de cerca de 0,4 mm dia‐1 até 2099. Por tudo isto, esta região será
uma das potencialmente mais afectadas na Europa, consistindo os potenciais efeitos das
alterações climáticas numa redução da disponibilidade de água, no aumento da seca e a na
existência de perdas severas de biodiversidade (Alcamo et al. 2007).
No entanto, os dados climáticos mais recentes apontam para uma subestimação por
parte das previsões do IPCC no que respeita às variações da temperatura, visto que se tem
observado nos últimos anos um aquecimento mais acelerado do que o esperado para a Bacia
do Mediterrâneo, incluindo a Península Ibérica (Van Oldenborgh et al. 2009). Estes dados
reforçam a ideia de que a região do Mediterrâneo será uma das áreas mais afectadas da
Europa pelas alterações climáticas.
Figura 7 – Média multi‐modelo da média anual do aquecimento à superfície (variação na temperatura do ar à superfície, oC) para os cenários B1 (topo), A1B (centro) e A2 (base) e para três períodos temporais, 2011 a 2030 (esquerda), 2046 a 2065 (centro) e 2080 a 2099 (direita). As variações na temperatura são consideradas em relação à média observada no período de 1980 a 1999. Retirado de Solomon et al. 2007.
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Figura 8 – Variações médias multi‐modelo na precipitação média (mm dia–1) para o cenário A1B para o período de 2080 a 2099, relativas à média de 1980 a 1999. Regiões a ponteado indicam uma consistência de 80% nas alterações previstas pelos modelos. Retirado de Solomon et al. 2007.
PrevisõesdealteraçõesclimáticasemPortugal
A região da Bacia do Mediterrâneo é, como já foi referido, e segundo as previsões, uma das
zonas potencialmente mais afectadas pelas alterações climáticas. Neste panorama, a Península
Ibérica, e Portugal em particular, não são excepção.
As previsões de variação da temperatura para a Península Ibérica compreendem um
aumento da temperatura que varia entre os 2 e os 8.5oC, de acordo com o modelo e cenário
de emissões utilizado (Figura 9).
Figura 9 – Previsão da anomalia da temperatura média para a Península Ibérica em relação á média climática de 1980 a 1999, segundo os modelos e cenários climáticos apresentados. Retirado de Santos & Miranda 2006.
13
No que respeita à precipitação, as previsões foram efectuadas de forma separada para
as zonas este e oeste da Península Ibérica. Deste modo, tendo em conta as previsões
apontadas para o Oeste da Península Ibérica e os pontos considerados em Portugal (Norte,
Centro e Sul) as previsões apontam para uma diminuição geral da precipitação, sendo esta
mais acentuada no Centro do país (Figura 10). Estes dados estão de acordo com a previsão da
redução geral da precipitação média em toda a Península Ibérica (Pérez & Boscolo, 2010).
Quanto às alterações previstas para Portugal Continental em particular, as primeiras
previsões, efectuadas com o modelo regional HadRM GGa2 (Figuras 11 e 12) mostram
elevadas variações quer para a temperatura mínima, quer para a máxima (Santos et al. 2002).
Nas áreas abrangidas por este projecto, as maiores alterações dar‐se‐ão durante o Verão, com
a temperatura mínima a aumentar entre 5.5o e a máxima a aumentar entre 7.5 e 8.5o. No
entanto, segundo o trabalho mais recente de Santos e Miranda (2006), utilizando um modelo
de previsão climática regional mais actual (HadRM3) prevê‐se na mesma um aumento geral da
temperatura que, apesar de menor amplitude, não será menos significativo. Efectivamente, as
previsões mais recentes apontam para uma subida média da temperatura mínima entre 1,5 a
3oC no Inverno e de 2 a 5,5oC no Verão, com base nos cenários de emissões utilizados (A2 e
B2). Quanto à temperatura máxima, os modelos indicam uma subida média de 1,5 a 3,5oC no
Inverno e 6 a 7oC no Verão, segundo os mesmos cenários de emissões.
Figura 10 – Previsão da anomalia da precipitação média para a Península Ibérica em relação à média climática de 1980 a 1999 para o período de 2070 a 2099. Retirado de Santos & Miranda 2006. Os diferentes pontos representam as previsões obtidas segundo os modelos e cenários climáticos apresentados.
14
Figura 11 – Previsão da anomalia da temperatura mínima média para Portugal Continental em relação à média climática de 1961 a 1990 para o período de 2080 a 2100. Previsão efectuada com o modelo HadRM2 GGa2 para os trimestres de Dezembro, Janeiro e Fevereiro (a), Março, Abril e Maio (b), Junho, Julho e Agosto (c) e Setembro, Outubro e Novembro (d). Retirado de Santos et al. 2002.
Figura 12 – Previsão da anomalia da temperatura máxima média para Portugal Continental em relação à média climática de 1961 a 1990 para o período de 2080 a 2100. Previsão efectuada com o modelo HadRM2 GGa2 para os trimestres de Dezembro, Janeiro e Fevereiro (a), Março, Abril e Maio (b), Junho, Julho e Agosto (c) e Setembro, Outubro e Novembro (d). Retirado de Santos et al. 2002.
As previsões referentes à precipitação apontam para uma redução da média anual que pode ir
até aos 50%, dependendo da zona do país (Figura 13). Esta redução geral da precipitação está,
no entanto, sujeita a variações sazonais, sendo particularmente acentuada nos períodos de
Primavera e Verão, como pode ser observado na Figura 14 (Santos & Miranda 2006).
15
Figura 13 – Previsão da variação da precipitação média anual em Portugal Continental para o período de 2070 a 2099, com base na média climática de 1980 a 1999, segundo o modelo HadRM3. Retirado de Santos & Miranda 2006.
Figura 14 – Previsão da variação da precipitação média em Portugal Continental nos meses de Inverno (em cima à esquerda), Primavera (em cima à direita), Verão (em baixo à esquerda) e Outono (em baixo à direita) respectivamente, para o período de 2070 a 2099, com base na média climática de 1980 a 1999, segundo o modelo HadRM3. Retirado de Santos & Miranda 2006.
16
Impactosesperadosdasalteraçõesclimáticasnasavesestepárias
A alteração nos padrões actuais do clima é, já hoje, uma realidade que se deverá intensificar
nos próximos anos com consequências para as populações de aves estepárias. Os principais
processos através dos quais se podem dar esses impactos estão resumidos na Figura 13.
Podemos então considerar existirem três processos principais, com efeitos directos e
indirectos nas populações das aves:
(i) Efeitos na biologia e ecologia das espécies – incluem os efeitos directos das alterações
do clima na distribuição, fisiologia, fenologia e comportamento das espécies de aves.
Nesta categoria incluem‐se efeitos que vão desde a alteração da distribuição geográfica
das espécies numa escala alargada até a alterações na época de reprodução ou
migração, alterações comportamentais e fisiológicas;
(ii) Efeitos nos recursos – de uma forma simplificada, consideram‐se três tipos principais
de recursos: a disponibilidade de habitats, a estrutura da vegetação (que está também
associada aos habitats mas pode variar dentro de um mesmo habitat) e a quantidade de
recursos tróficos. O impacto das alterações climáticas sobre os recursos vai afectar, por
sua vez, a biologia e ecologia das espécies, e determinar as suas tendências
demográficas;
(iii) Efeitos na gestão humana – numa paisagem humanizada como as estepes
cerealíferas, é expectável um impacto directo das alterações climáticas sobre políticas
agrícolas e decisões dos agricultores. Este é um processo com fortes implicações nos
recursos disponíveis para as aves e, consequentemente, na dinâmica populacional;
Da análise da Figura 15 resulta também óbvio que, no contexto de um projecto de
conservação como este projecto LIFE, o único processo onde pode haver uma intervenção
eficaz para minimizar os impactos das alterações climáticas é através da intervenção na gestão
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Alterações climáticas
‐ Alteração nos padrões de temperatura e precipitação ‐ Frequência e intensidade de eventos extremos (calor, frio, seca, etc.)
Efeitos na
biologia
‐ Distribuição ‐ Fenologia ‐ Fisiologia ‐ Comportamento
Efeitos nos recursos
‐ Disponibilidade de habitat ‐ Estrutura da vegetação ‐ Disponibilidade de recursos tróficos
Efeitos na gestão humana
‐ Práticas agrícolas e de gestão
humana, de forma directa (acções de gestão de habitat) ou indirecta (promoção de políticas
agrícolas favoráveis à conservação das espécies).
Em seguida, é analisada a informação científica existente que nos permita tirar
elacções sobre os potenciais efeitos directos e indirectos das alterações climáticas na avifauna
estepária, com especial ênfase para as três espécies‐alvo do Projecto LIFE Estepárias –
Abetarda, Sisão e Peneireiro‐das‐Torres. Para esse efeito foi efectuada uma revisão
bibliográfica das publicações científicas existentes sobre as espécies‐alvo do presente projecto
LIFE (Anexo I). Foi com base na revisão desta bibliografia, com destaque para os trabalhos
realizados no Sul de Portugal, que foram avaliados os potenciais impactos das alterações
climáticas nas populações das três espécies, no que diz respeito aos efeitos na sua biologia e
ecologia, bem como na disponibilidade recursos. Esta análise será efectuada separadamente
para cada uma das espécies, em 3 secções diferentes: (i) influência das alterações climáticas
nos padrões geográficos de distribuição, (ii) efeitos na biologia, (iii) efeitos nos recursos.
Posteriormente serão sugeridas medidas de gestão para minimizar os impactos nas
populações destas espécies.
Figura 15 – Principais processos através dos quais se podem verificar os efeitos das alterações climáticas nas populações de aves estepárias.
18
Efeitosdasalteraçõesclimáticasnadistribuiçãogeográficadasespécies‐alvonofuturo
Com a alteração das condições climáticas nas áreas de distribuição das diferentes espécies,
prevê‐se que exista nas espécies com capacidade de migração, a modificação da sua
distribuição para zonas climáticamente “adequadas”. No caso das aves, a sua mobilidade
permitirá, na maioria dos casos, que as aves alterem a sua distribuição, migrando para novas
áreas. Deste modo, a previsão da distribuição futura das espécies de aves é uma ferramenta
essencial no sentido de perceber o potencial impacto das alterações climáticas na avifauna.
No ano de 2007 foi publicado o Atlas Climático das Aves Nidificantes na Europa
(Huntley et al. 2007). Este trabalho modelou a distribuição futura das espécies de aves
nidificantes na Europa utilizando dados exclusivamente climáticos (temperatura e
precipitação). Para isso, utilizaram um cenário de alterações climáticas “intermédio” (modelo
B2 HadCM3), de forma a prever a distribuição das espécies no final do século XXI (2070‐2099).
Deste modo, este trabalho engloba também previsões para as três espécies‐alvo do projecto
LIFE Estepárias (Abetarda, Sisão e Peneireiro‐das‐torres), para as quais encontramos dois
cenários bastante distintos.
Para a Abetarda e Sisão, as previsões efectuadas apontam para uma redução e
simultânea deslocação significativa das suas áreas de distribuição, quer de uma forma global a
nível Europeu, quer concretamente para o nosso país, como podemos observar nas Figuras 16
e 17.
Figura 16 – Distribuição actual (esquerda) e projecção da distribuição futura (direita) para a Abetarda (Otis tarda). R=0.34; O=0.05 (R – Proporção entre a extensão da distribuição futura e a extensão da distribuição actual; O – Proporção da sobreposição entre a distribuição futura e a distribuição actual). Retirado de Huntley et al. 2007.
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Figura 17 – Distribuição actual (esquerda) e projecção da distribuição futura (direita) para o
Sisão (Tetrax tetrax). R=0.61; O=0.14 (R – Proporção entre a extensão da distribuição futura e a
extensão da distribuição actual; O – Proporção da sobreposição entre a distribuição futura e a
distribuição actual). Retirado de Huntley et al. 2007.
No caso do Peneireiro‐das‐torres e segundo as previsões, a tendência será para um aumento
da sua área de distribuição, tanto a nível europeu como a nível nacional, existindo de forma
geral uma sobreposição entre a área de distribuição actual e a área de distribuição projectada
para o futuro (Figura 18).
Figura 18 – Distribuição actual (esquerda) e projecção da distribuição futura (direita) para o
Peneireiro‐das‐torres (Falco naumanni). R=1.49; O=0.70 (R – Proporção entre a extensão da
distribuição futura e a extensão da distribuição actual; O – Proporção da sobreposição entre a
distribuição futura e a distribuição actual). Retirado de Huntley et al. 2007.
20
Estas projecções levantam questões de fundo, no que diz respeito à estratégia de
conservação das populações destas aves estepárias. A confirmarem‐se estes cenários, a região
do Baixo Alentejo poderá tornar‐se totalmente inadequada, de um ponto de vista climático,
para duas das três espécies‐alvo deste projecto: a abetarda e o sisão. A primeira espécie
poderá mesmo extinguir‐se no país, enquanto as áreas climaticamente apropriadas para sisão
se localizarão no centro e norte de Portugal. Em contrapartida, no caso do peneireiro‐das‐
torres, poder‐se‐ia esperar uma expansão da área de distribuição no sul e centro do país, caso
exista habitat adequado.
Há, no entanto, que salientar que estas estimativas são baseadas exclusivamente em
dados climáticos, e não na disponibilidade de habitats adequados às espécies. As implicações
deste facto são que as espécies podem não ter a capacidade de efectivamente migrar para
novas áreas geográficas se nestas não existir habitat onde se possam instalar. De qualquer
forma, do ponto de vista dos objectivos deste projecto LIFE, as alterações climáticas não
favorecem as perspectivas de conservação de abetarda e sisão.
De salientar também as reduções e alterações previstas nas áreas de distribuição de
outras espécies estepárias como são o caso do Alcaravão – Burhinus oedicnemus (R=0.90;
O=0.31), Cortiçol‐de‐barriga‐preta – Pterocles orientalis (R=0.81; O=0.14) e Rolieiro – Coracias
garrulus (R=0.88, O=0.41).
Efeitosdasalteraçõesclimáticasnabiologiadasespécies‐alvo
As condições climáticas são um dos factores naturais com a capacidade de influenciar o
efectivo populacional de uma espécie. O grupo das aves, apesar de apresentar características
como elevada mobilidade e capacidade de regulação da temperatura corporal, não é
excepção. Com efeito, é sabido o efeito de determinadas alterações do clima nas populações
de aves, como por exemplo períodos prolongados de clima adverso ou episódios climáticos
extremos (Newton 1998, Pendlebury et al. 2004, Jiguet et al. 2006, Robinson et al. 2007).
Se, de uma forma geral, em latitudes mais a norte a temperatura é o factor que mais
influencia as populações de aves, nas zonas mais a sul é a precipitação que, condicionando a
disponibilidade de água, representa o factor dominante (Newton 1998). Tendo em
consideração que as previsões climáticas para a região da Bacia do Mediterrâneo, sustentam
21
um aumento da temperatura e uma diminuição da precipitação, é expectável que se verifique
um efeito negativo destas alterações nas populações de aves.
No que diz respeito à comunidade de aves estepárias, é sabido que o clima,
nomeadamente a precipitação, pode influenciar a sua densidade. Os níveis de precipitação
durante o período pré‐reprodutor (Inverno e início da Primavera) parecem influenciar a
densidade de aves estepárias durante o período reprodutor, facto que estará provavelmente
associado a uma simplificação estrutural do habitat, devido a um menor desenvolvimento da
vegetação em anos mais secos (De Juana & Garcia 2005).
Para além dos efeitos do clima na generalidade da comunidade de aves estepárias,
existe já algum conhecimento dos efeitos do clima para algumas espécies em particular.
Efectivamente, as três espécies‐alvo do projecto foram já alvo de trabalhos que procuram
relacionar diferentes aspectos da sua biologia com as condições climáticas.
Abetarda–OtistardaA precipitação parece ser um dos parâmetros do clima com uma forte influência na biologia
desta espécie.
A produtividade da Abetarda (no de crias por fêmea) apresenta uma relação positiva
com a precipitação durante o período pré‐reprodutor (Outubro a Março). Esta situação
prende‐se com a relação positiva entre a precipitação e produtividade vegetal levando a (i) um
aumento da disponibilidade de artrópodes durante o período de crescimento das crias e a (ii)
uma melhor condição das fêmeas (uma vez que se alimentam de matéria vegetal) que
resultará num aumento do número de fêmeas reprodutoras, tamanho das posturas e
viabilidade das mesmas. No entanto, a relação é a inversa considerando a precipitação durante
a época de eclosão dos ovos, sendo que quanto maior o número de dias de chuva durante esta
fase, menor a produtividade. Este facto deve‐se, provavelmente, à baixa capacidade de
termoregulação das crias (Morales et al. 2002).
De referir também que aproximações de modelação à selecção de habitat da Abetarda
em Espanha (Suárez‐Seoanne et al. 2004) demonstram que esta espécie parece selecionar
áreas com maiores valores de precipitação e valores reduzidos de evapotranspiração (que
depende de variáveis climáticas como precipitação e radiação, sendo que valores mais baixos
indicam solos mais húmidos).
22
A análise comparada destes resultados com a evolução observada da precipitação no
país nas últimas décadas (ver Figura 5), sugere um cenário pessimista para esta espécie. De
facto, a tendência para menos chuva nos meses que antecedem o período reprodutor (Janeiro
a Março) e o aumento (ligeiro) observado no período Abril a Julho dos últimos 30 anos,
quando comparados com o período anterior, poderão ter tido um impacto negativo na
produtividade da abetarda. As projecções, que apontam para uma continuação da diminuição
da precipitação (Figura 14), sugerem um agravamento deste impacto potencial, assim como
uma potencial diminuição da qualidade do habitat para esta espécie.
Adicionalmente, também a temperatura influi na biologia desta espécie,
especificamente no comportamento migratório dos machos após a época de reprodução.
Findo o período reprodutor, e ao contrário das fêmeas que, normalmente, se mantêm nas
áreas de reprodução para nidificar, os machos tendem a migrar para outras áreas logo de
seguida. Este comportamento, assim como a selecção da área onde permanecem durante o
Verão, parecem ser influenciados pela temperatura (Alonso et al. 2009).
Os machos que se reproduzem em áreas mais quentes, de acordo com a temperatura
do mês de Julho, apresentam uma maior tendência para migrar do que machos que se
reproduzem em zonas mais amenas. Simultaneamente, os machos que se reproduzem em
áreas com temperaturas mais elevadas durante o mês de Julho tendem a migrar uma maior
distância do que machos que se reproduzem em zonas mais temperadas. Este comportamento
é explicado pelos autores como uma possível adaptação de forma a reduzir os custos
energéticos com regulação térmica. No entanto, os resultados que apresentam não excluem
também a hipótese que este comportamento esteja relacionado com a procura de áreas com
maior abundância de alimento. Estes resultados sugerem que, com a tendência para o
aumento da temperatura, os machos de abetarda do Baixo Alentejo efectuarão migrações
mais frequentes e de maior amplitude. Esta situação não só implicará um esforço energético
adicional para as aves, como poderá também resultar num aumento de outros efeitos
negativos como é o caso da colisão com linhas eléctricas uma vez que, se se verificar um
aumento da frequência e distância de migração desta espécie, também a probabilidade de
colisão com linhas transmissão eléctrica aumentará.
Quanto à selecção da área de Verão, os machos de Abetarda que tendem a migrar
parecem seleccionar áreas que apresentam não só um maior valor de precipitação em relação
às áreas de reprodução, mas também áreas como plantações de girassol ou com presença de
árvores, que providenciam uma maior disponibilidade de sombra e protecção contra
23
predadores (Palacín 2007, Alonso et al. 2009), facto que contrasta com a selecção de habitat
durante a época de reprodução (Lane et al. 2001, Rocha 2006). No entanto, a preferência das
Abetardas presentes numa das áreas de intervenção deste projecto durante o Verão não
reflecte totalmente a mesma preferência descrita anteriormente para os machos migradores,
particularmente no que diz respeito à utilização de áreas com presença de árvores (Rocha
2006). Os resultados obtidos em Espanha, relativamente à precipitação, sugerem que a
adequabilidade das áreas tradicionais de veraneio poderá diminuir com a diminuição da
precipitação.
Ainda no que respeita à influência da temperatura na reprodução da Abetarda, esta
parece também influenciar no comportamento de display dos machos. Hidalgo de Trucios e
Carranza (1991) afirmam que temperaturas muito elevadas podem aumentar os gastos de
energia associados com esta actividade e torná‐la menos eficiente devido a um menor
movimento das fêmeas nestas condições. Desta forma, o futuro aumento da temperatura
devido às alterações climáticas poderá também afectar o comportamento reprodutor dos
machos de Abetarda.
Sisão–TetraxtetraxNo caso do Sisão, os factores climáticos parecem ter alguma influência na selecção do habitat.
As tentativas de modelar a distribuição desta espécie em Espanha mostram que a
incorporação de dados climáticos, nomeadamente de precipitação e evapotranspiração, leva a
uma melhoria estatística dos modelos, indicando que o clima pode ser um importante factor
na selecção de habitat para esta espécie (Suárez‐Seoanne et al. 2004). Neste trabalho,
variáveis de qualidade do habitat (foram utilizados diferentes índices de NDVI – Normalized
Difference Vegetation Index) foram excluídas do modelo em favor de variáveis climáticas,
sendo que esta espécie demonstra uma elevada selecção por áreas de solo húmido durante o
Verão (elevada precipitação e baixa evapotranspiração).
Estudos recentes na região de Madrid e Castro Verde (Delgado et al. 2009, Delgado &
Moreira 2010) mostram que a precipitação durante o período pré‐reprodutor influencia
positivamente a densidade de machos de Sisão durante o período reprodutor. Sendo
conhecido que a precipitação é um factor importante na produtividade de populações de aves
(Newton 1998), estes autores demonstram que a precipitação tem particular importância para
o Sisão uma vez que a influência desta nas populações desta espécie se regista mesmo em
24
áreas com elevada disponibilidade de habitat adequado. Os autores sugerem que índices de
precipitação elevados terão um efeito positivo quer na qualidade do habitat (através da
estrutura da vegetação) quer na disponibilidade de alimento (maior disponibilidade de matéria
vegetal e de artrópodes), promovendo e suportando maiores densidades de machos
reprodutores.
Assim, e tal como para a Abetarda, a análise dos resultados anteriormente
apresentados em comparação com a evolução observada da precipitação no país nas últimas
décadas (ver Figura 5), sugere que as recentes alterações do clima poderão ter tido um
impacto negativo na produtividade do Sisão. Da mesma forma, as previsões que apontam para
uma diminuição da precipitação no nosso país (Figura 14) sugerem um agravamento deste
impacto potencial e uma potencial diminuição da qualidade do habitat para esta espécie, o
que acabará por condicionar a sua selecção de habitat.
É de salientar, ainda, que o estudo de Delgado & Moreira (2010) foi efectuado na área
de intervenção deste projecto, demonstrando que os impactos das alterações climáticas,
nomeadamente na precipitação, já se fazem sentir e podem afectar de forma significativa as
populações de Sisão alvo deste projecto.
Peneireiro‐das‐torres–FalconaumanniConsiderando que o Peneireiro‐das‐torres é uma espécie migradora, a distribuição de colónias
durante o período estival é influenciada por factores como a disponibilidade de estruturas de
nidificação e a presença de habitat adequado à espécie, mas também o clima parece ser um
factor importante. Com efeito, as tentativas de modelar a distribuição desta espécie no Sul de
Espanha mostram que a precipitação é um factor que está positivamente relacionado com a
presença da espécie e a persistência de colónias (Bustamante 1997). Apesar de a precipitação
não apresentar uma relação directa com estes dois factores, ela está positivamente associada
com presença e sobrevivência das colónias quando considerada em conjunto com factores
como o uso do solo.
Este facto poderá estar relacionado com as indicações que demonstram que os índices
de precipitação durante o final do Inverno e Primavera são um bom preditor do sucesso
reprodutor desta espécie (Rodriguez & Bustamante 2003). Efectivamente, os autores mostram
que a existência de Invernos e Primaveras secas têm um impacto negativo nos três parâmetros
reprodutores que analisaram: taxa de ocupação da colónia, taxa de sucesso das posturas e
25
número médio de crias por ninho. Esta relação estará provavelmente associada à influência
positiva que a precipitação tem no desenvolvimento da vegetação e consequente
disponibilidade de alimento (vegetação mais desenvolvida levará a uma maior abundância de
artrópodes). No entanto, e apesar de um aumento da precipitação beneficiar de forma geral o
sucesso reprodutor do Peneireiro‐das‐torres, os autores afirmam que existe uma diminuição
da taxa de ocupação dos ninhos se a precipitação durante o período de corte for superior a 84
mm.
Finalmente, também a temperatura influencia o sucesso reprodutor desta espécie,
através da sobrevivência das crias. Um estudo realizado recentemente numa das áreas de
intervenção deste projecto demonstra que a existência de extremos de temperatura elevados
durante o período de desenvolvimento das crias tem uma grande influência no seu
desenvolvimento e pode inclusivamente levar à mortalidade das crias por desidratação (Catry
et al. 2010).
Como resultado destas evidências científicas, e considerando os cenários de previsão
climática nas áreas de intervenção do projecto, podemos esperar que as populações de
Peneireiro‐das‐torres destas áreas respondam da seguinte forma à diminuição esperada da
precipitação e ao aumento da temperatura: (i) diminuição da probabilidade de ocorrência da
espécie; (ii) diminuição do sucesso reprodutor.
Efeitosdasalteraçõesclimáticasnosrecursosdasavesestepárias
O clima, para além de influênciar directamente a biologia das aves estepárias, terá
potencialmente um efeito indirecto, também, através da sua influência no habitat e nos
recursos dos quais estas aves dependem. Deste modo, a influência das alterações do clima na
vegetação, nomeadamente na vegetação herbácea, nas políticas agrícolas e na comunidade de
artrópodes, que representam um importante recurso alimentar, serão factores que
potencialmente afectarão esta comunidade de aves.
26
Influênciadoclimanavegetação
Do ponto de vista ecológico, o clima é visto como um factor de controlo da vegetação (Smith &
Smith 2008) e é sabido que alterações a longo prazo em elementos como a temperatura,
precipitação e a concentração de CO2 atmosférico, entre outros, poderão alterar processos
como a fotossíntese, respiração, reprodução e disponibilidade de nutrientes, resultando em
alterações na diversidade e estrutura da vegetação (Bonan 2002).
As aves estepárias apresentam requisitos ambientais muito específicos, e que se
centram sobretudo na diversidade de culturas disponíveis e na estrutura da vegetação que as
compõem, variando de acordo com a espécie e a fase do ciclo anual, e dependendo da sua
utilização como área de reprodução, nidificação e alimentação. Assim sendo, é importante
perceber quais são as potenciais alterações na vegetação, nomeadamente na utilizada pelas
espécies estepárias (vegetação herbácea, cereais, leguminosas), que resultarão da alteração
do clima, quer de forma directa, quer através da gestão humana em resposta às alterações
climáticas. Esta última dependerá, em grande medida, das políticas agrícolas promovidas.
Investigação direccionada no sentido de perceber os potenciais efeitos das alterações
climáticas na vegetação Mediterrânica permitiu já identificar alterações na biologia deste
grupo, provocadas por mudanças na temperatura e disponibilidade de água, derivadas das
alterações climáticas e das mudanças na concentração de CO2 (Gordo & Sanz 2005).
Considerando especificamente os efeitos do clima na vegetação herbácea, estes
dependem da amplitude e frequência das alterações. O clima Mediterrânico apresenta
tradicionalmente uma grande variabilidade anual (Lázaro et al. 2001), nomeadamente no que
respeita à precipitação, à qual as espécies anuais estão adaptadas. Estas adaptações poderão
conferir‐lhes alguma resistência e diminuir os efeitos das alterações no clima (Lázaro et al.
2001). No entanto, alterações de grande amplitude (como as que estão previstas para a região
do Mediterrâneo), como o aumento significativo da temperatura, a diminuição da precipitação
(acima dos 30%) e o aumento do número de eventos extremos, poderão ter consequências
bastante acentuadas na vegetação herbácea.
No que respeita aos potenciais impactos da alteração do clima nas culturas
cerealíferas, os estudos já efectuados prevêem, de uma forma geral, uma diminuição
acentuada na produtividade da generalidade dessas culturas no Sul da Europa,
particularmente na região Mediterrânica (Rosenweig & Hillel 1998, Olesen & Bindi 2002,
Giannakopoulos et al. 2005, Audsley et al. 2006, Alcamo et al. 2007).
27
Este é também o panorama previsto por alguns trabalhos focados em Portugal,
particularmente no que respeita à produção cerealífera no centro e sul do país, derivado do
aumento stress hídrico devido às previsões de diminuição acentuada da precipitação (Brandão
2006, Santos & Miranda 2006). Esta diminuição da produção poderá, no entanto, ser
minimizada com uma antecipação do calendário de cultivo, permitindo melhorar os níveis de
produção, mas potencialmente enfatizando outros conflitos, como por exemplo, entre a
colheita do cereal e a fenologia reprodutora das aves estepárias.
Da mesma forma, as previsões indicam que a produção de leguminosas será, também,
afectada pelos efeitos das alterações climáticas, prevendo‐se uma diminuição da sua
produtividade no sul da Europa, nomeadamente no Mediterrâneo (Rosenzweig & Hillel 1998,
Giannakopoulos et al. 2005).
Deste modo, a confirmarem‐se as previsões para o Sul da Península Ibérica, verificar‐
se‐á uma diminuição da diversidade, produtividade, biomassa e recrutamento, resultando na
alteração da estrutura, fenologia e, em casos mais extremos, na tipologia da vegetação
(Rosenweig & Hillel 1998, Cheddadi et al. 2001, Olesen & Bindi 2002, Peñuelas et al. 2004,
Giannakopoulos et al. 2005, Audsley et al. 2006, Alcamo et al. 2007, Mannetje 2007, Miranda
et al. 2009a, Miranda et al. 2009b). Para melhor perceber como as alterações na vegetação
poderão afectar as três espécies em foco, analisamos de seguida a sua relação com a
vegetação.
Abetarda–Otistarda
A Abetarda alimenta‐se preferencialmente de matéria vegetal verde, durante grande parte do
ciclo anual (BWP, Lane et al. 1999, Caballero 2002, Rocha 2006). Desta forma, a vegetação
constitui um recurso alimentar importante para esta espécie. A confirmarem‐se as previsões
de alteração do clima, poderá verificar‐se uma diminuição da qualidade e quantidade de
matéria vegetal disponível como recurso alimentar para esta espécie, afectando a sua
sobrevivência.
Adicionalmente, a Abetarda é uma espécie que nidifica no solo (BWP 2006) e, como
tal, a selecção do local de nidificação está em grande parte relacionada com a estrutura da
vegetação, devendo permitir um balanço entre camuflagem e visibilidade (Magaña et al.
2010). Desta forma, a Abetarda selecciona preferencialmente pousios desenvolvidos para
28
nidificar, assim como searas em áreas onde estas são mais esparsas e menos desenvolvidas
(Morgado & Moreira 2000, Rocha 2006). A variação inter‐anual na selecção entre pousios
desenvolvidos e searas deverá estar ligada a variações climáticas anuais (nomeadamente na
precipitação) que influenciarão a estrutura da vegetação e as opções agrícolas (Morgado 1997,
Rocha 2006) e, desta forma, condicionam o balanço entre protecção e visibilidade necessário
pela Abetarda e referido anteriormente.
Os efeitos das alterações climáticas na estrutura de vegetação dos pousios deverão
assim resultar numa diminuição deste habitat para nidificação, uma vez que são expectáveis
pousios menos desenvolvidos. No entanto, este efeito poderá ser compensado pelas searas
que, por se esperarem também menos desenvolvidas e mais esparsas, poderão assim tornar‐
se mais indicadas às necessidades desta espécie.
Sisão–Tetraxtetrax
O Sisão, tal como a Abetarda, alimenta‐se preferencialmente de matéria vegetal durante
grande parte do ciclo anual. É então expectável que a qualidade e disponibilidade deste
recurso diminua em função dos impactos das alterações climáticas, podendo apresentar
consequências importantes para a sobrevivência desta espécie.
Também no que respeita à época de reprodução e nidificação, o Sisão tal como a
Abetarda, apresenta uma grande associação com a estrutura da vegetação. Sendo os pousios o
uso do solo preferencial durante a época reprodutora para esta espécie (Martínez 1994,
Delgado & Moreira 2000, Silva 2005), os machos de Sisão apresentam uma forte relação com a
estrutura da vegetação, provavelmente relacionada com a necessidade de maximizar a sua
visibilidade durante o período de display nos leks (Moreira 1999, Morales et al. 2008). No
entanto, tendem a selecionar áreas com maior abundância de alimento e, consequentemente,
com uma grande disponibilidade de matéria vegetal verde (Morales et al. 2008). Já as fêmeas,
parecem selecionar áreas de vegetação mais elevada (até 30cm) mas também como uma
elevada disponibilidade de alimento.
Assim sendo, os impactos esperados das alterações climáticas na vegetação afectarão
também o Sisão, quer através da estrutura da vegetação, quer como recurso alimentar, devido
a um menor desenvolvimento da vegetação. Esta situação poderá ser particularmente grave
para as fêmeas, devido à sua necessidade de camuflagem durante o período de nidificação.
29
Peneireiro‐das‐torres–Falconaumanni
No caso do Peneireiro‐das‐torres, apesar de não existir uma relação directa com a vegetação,
esta existe de forma indirecta, devido à influência da vegetação na disponibilidade de
artrópodes. Alimentando‐se maioritariamente de insectos herbívoros, a disponibilidade de
alimento para esta espécie estará dependente da abundância de vegetação, que se reflectirá
na abundância das populações de artrópodes.
Se considerarmos as previsões que apontam para uma menor produtividade da
vegetação devido às alterações climáticas, podemos então esperar também um efeito
negativo nas populações de artrópodes (analisado em maior promenor de seguida) facto que
afectará as populações de Peneireiro‐das‐torres.
Influênciadoclimanosartrópodes
No caso das aves estepárias, os insectos representam um importante recurso alimentar,
nomeadamente durante a época de reprodução, tanto para espécies insectívoras como o
Peneireiro‐das‐torres, como para espécies como o Sisão e a Abetarda, cujos indivíduos adultos
recorrem quer a uma dieta herbívora, quer insectívora, mas cujas crias dependem de uma
alimentação exclusivamente insectívora durante os primeiros meses de vida (BWP 2006, Jiguet
2002, Rocha et al. 2005, Traba et al. 2008). Existem inclusivamente dados de que a ausência de
insectos como recurso alimentar possa ter sido a causa para um elevado declínio da população
de Sisão em França (Inchausti & Bretagnolle 2005), reforçando a importância deste recurso
para esta espécie. Assim sendo, é necessário entender de que forma os prováveis efeitos das
alterações climáticas nas comunidades de insectos afectarão estas espécies.
Os artrópodes, sendo organismos ectotérmicos, apresentam, no geral, uma grande
sensibilidade ao clima. Deste modo, aspectos da sua biologia, nomeadamente fisiológicos e
fenológicos, estão extremamente dependentes de condições climáticas adequadas (Menéndez
2007, Robinet & Roques 2010). Por estas razões, prevê‐se que os insectos serão um dos grupos
mais afectados pelas mudanças climáticas, o que, por seu turno, afectará as espécies que deles
dependem (Samways 2005; Samways et al. 2010).
30
Efectivamente, estudos recentes demonstram que as alterações climáticas estão já a
afectar as populações de insectos. Apesar de se observarem alguns efeitos positivos das
alterações do clima nesta comunidade, nomeadamente permitindo uma maior sobrevivência
durante os meses de Inverno (Robinet & Roques 2010, Bale & Hayward 2010), a grande
maioria dos reflexos destas alterações nas espécies de insectos parecem confirmar que este
será um dos grupos potencialmente mais afectados pelas alterações climáticas.
A existência de alterações na distribuição de algumas espécies, coincidentes com
alterações observadas no clima, é já um efeito bem documentado para diversos grupos de
insectos (Hill et al. 2002, Hickling et al. 2006, Menéndez 2007, Bale & Hayward 2010). Da
mesma forma, alterações na fenologia de diferentes grupos de insectos, referentes a
diferentes estádios do ciclo de vida, foram também observadas e documentadas (Roy & Sparks
2000, Gordo & Sanz 2006, Hassal et al. 2007, Memmott et al. 2007, Parmesan 2007, Bale &
Hayward 2010, Bonal et al. 2010). Finalmente, outros aspectos da biologia deste grupo como
taxas de desenvolvimento, interacções entre espécies, parâmetros evolutivos, dispersão e
colonização por invasoras são também afectados pelas mudanças no clima (Menéndez 2007,
Robinet & Roques 2010, Bale & Hayward, 2010).
Para além de afectar a distribuição e fenologia dos artrópodes, o clima
(particularmente a precipitação) é também um importante factor na determinação da
abundância deste grupo. Índices de precipitação reduzidos durante a Primavera podem
condicionar de forma significativa a abundância de vários grupos artrópodes em áreas
agrícolas (Frampton et al. 2000). Tendo em consideração as previsões de diminuição da
precipitação para o nosso país, podemos esperar uma diminuição da abundância de
artrópodes no futuro, facto que afectará as populações de vertebrados insectívoros dos
sistemas agrícolas.
Deste modo, os efeitos das alterações no clima, que se prevêm nas comunidades de
insectos, nomeadamente no que diz respeito à alteração da distribuição, fenologia e
abundância, poderão afectar gravemente a sobrevivência das aves estepárias. Analisamos de
seguida como estes efeitos podem afectar cada uma das espécies‐alvo deste projecto em
maior pormenor.
31
Abetarda–Otistarda
Os juvenis de Abetarda apresentam uma dieta quase exclusivamente inserctívora, que se vai
alterando com a época e idade. Quanto aos indíviduos adultos desta espécie, apesar de a sua
durante esta fase consistir maioritariamente de matéria vegetal durante grande parte do ciclo
anual, os insectos são também um recurso alimentar utilizado, particularmente no Verão
quando a vegetação se encontra mais seca (BWP 2006, Lane et al. 1999).
Desta forma, as alterações previstas na abundância e fenologia da fauna de artrópodes
podem apresentar um grande impacto nos recursos alimentares para esta espécie, quer
durante o período de reprodução, durante a qual são essenciais para a alimentação das crias,
como também durante o período do Verão, durante o qual a vegetação não apresenta
condições para colmatar as necessidades alimentares desta espécie.
Sisão–Tetraxtetrax
O Sisão apresenta uma dieta semelhante à Abetarda, quer durante a fase juvenil, durante a
qual depende quase exclusivamente de artrópodes, quer durante a fase adulta, durante a qual
utiliza também artrópodes na sua dieta, especialmente durante a época reprodutora e o Verão
(BWP 2006, Jiguet 2002). Mais uma vez, as alterações previstas na abundância de artrópodes
que foram referidas anteriormente podem resultar em graves impactos na sobrevivência desta
espécie, nomeadamente durante os períodos em que mais depende deste recurso.
Peneireiro‐das‐torres–Falconaumanni
Esta espécie é maioritáriamente insectívora (BWP 2006), pelo que qualquer alteração na
disponibilidade de artrópodes terá sempre um impacto elevado na sua sobrevivência. No
entanto, há que destacar os potenciais impactos durante o período reprodutor e pós‐
reprodutor/pré‐migratório. Durante o período reprodutor, a abundância e disponiblidade de
artrópodes influenciará não só a condição das fêmeas (e consequentemente o tamanho e
condição das ninhadas) como também a sobrevivência das crias. A variação da disponibilidade
32
de artrópodes com o clima é precisamente uma das justificações apontada para a relação
observada entre o clima e o sucesso reprodutor desta espécie, como já foi referido
anteriormente (Rodriguez & Bustamante 2003). Durante o período pré‐migratório os
indivíduos desta espécie necessitam de acumular reservas energéticas para poder efectuar a
migração com sucesso, estando por isso dependentes de uma disponibilidade de recursos
adequada (Newton 2008).
Influênciadoclimanagestãoepolitícaagrícola
As previsões dos efeitos do clima na vegetação e nas comunidades de artrópodes
apresentadas anteriormente são ainda reforçadas se considerarmos o factor humano como
determinante nas opções agrícolas. O último relatório do IPCC aponta a adopção de medidas
de adaptação da agricultura ao clima a curto prazo como um factor muito importante na
resposta deste sector ao clima, particularmente no Sul da Europa (Alcamo et al. 2007). Neste
relatório são sugeridas medidas como mudanças nas espécies e variedades cultivadas (mais
adaptadas à seca) e a alteração dos períodos de sementeira.
No entanto, será também necessário adoptar medidas a longo prazo, e que passarão
pela adaptação das políticas agrícolas, favorecendo a utilização da área agrícola de acordo com
a sua adequabilidade numa perspectiva climática e sócio‐económica. As projecções apontam
para uma diminuição geral da área agrícola e de pastoreio na Europa (devido ao aumento da
produtividade agrícola esperado para o norte da Europa), levando de uma forma geral, e
dependendo do cenário considerado, a um aumento da intensificação e/ou do abandono
agrícola (Rounsevell et al. 2005, Berry et al. 2006). No entanto, o abandono de áreas agrícolas
de produção poderá criar novas oportunidades para um aumento da área de agricultura
extensiva, segundo as previsões sócio‐económicas para os casos em que as opções políticas
tenham em consideração questões ambientais (Rounsevell et al. 2005, Berry et al. 2006).
Desta forma, a reforma das políticas agrícolas a nível Europeu será um importante mecanismo
de adaptação do sector agrícola às alterações climáticas (Alcamo et al. 2007) e,
consequentemente, de extrema importância para a conservação da biodiversidade
dependente dos sistemas agrícolas. A adequação das políticas agrícolas à conservação das
espécies dependentes dos sistemas agrícolas terá obrigatoriamente de passar pela adopção de
medidas de gestão adequadas a estas espécies. Na secção seguinte deste relatório analisamos
33
em maior pormenor que medidas de gestão poderão ser implementadas, numa perspectiva de
alteração do clima, para a conservação das três espécies alvo deste projecto.
Recomendaçõesdegestão
Com base no conhecimento existente, podemos afirmar que as alterações climáticas que se
farão sentir na área do Mediterrâneo reflectir‐se‐ão, de uma forma geral, num impacto
negativo acentuado para as aves estepárias em geral e, em particular, para as espécies‐alvo
deste projecto. Estes impactos sentir‐se‐ão em diversos aspectos da ecologia das espécies,
resultando numa alteração do estado das suas populações, tal como esquematizado na Figura
19.
Figura 19 – Esquema representativo da relação entre o clima, as práticas agrícolas e as populações de aves estepárias.
Desta forma, e apesar de alguma incerteza relativamente aos efeitos concretos do
clima nestas espécies, torna‐se necessário providenciar atempadamente medidas que
34
permitam minimizar estes potenciais efeitos no futuro. Assim, e com base no conhecimento
existente, apresentamos algumas recomendações de gestão aplicadas às três espécies‐alvo
deste projecto, com vista a minimizar os potenciais efeitos das alterações climáticas nas suas
populações, os quais foram descritos no capítulo anterior.
Gestãodomosaicoagrícola
Hoje em dia, a gestão agrícola em ambientes estepários é essencial à conservação das aves
que deles dependem, e nas quais se enquadram as três espécies‐alvo deste projecto. Assim
sendo, os potenciais impactos das alterações climáticas na gestão agrícola serão
potencialmente um dos efeitos mais significativos para a conservação destas espécies.
Como foi discutido no capítulo anterior, é espectável a existência de alterações no
mosaico agrícola tradicional. Estas deverão acontecer nível da paisagem, quer com a potencial
alteração da dimensão da área agrícola, quer com a alteração do próprio mosaico agrícola
tradicional para um panorama que pode variar entre o abandono e a intensificação agrícola.
Neste aspecto, todas as espécies‐alvo do projecto serão afectadas, uma vez que todas
dependem do mosaico agrícola para a sua conservação.
No caso da abetarda, a alteração do mosaico agrícola tradicional será prejudicial uma
vez que esta espécie utiliza os vários componentes deste mosaico, designadamente áreas de
cereal (seara e restolho), pousio/pastagem natural e leguminosas, consoante o tipo de
actividade (nidificação ou alimentação) e a época do ano (Martínez 1992, Morgado & Moreira
2000, Lane et al. 2001, Moreira et al. 2004, Morales et al. 2006, Rocha 2006, Magaña et al.
2010). Assim sendo, é recomendável a manutenção de um mosaico de habitats (searas,
pousios, restolhos, leguminosas), atendendo ao sistema tradicional de rotação de culturas, que
permita não só disponibilizar os diferentes habitats preferenciais durante todo o ciclo anual,
mas também compensar os potenciais impactos negativos do clima nos recursos desta
espécie.
As preferências de habitat descritas para o Sisão mostram que esta espécie utiliza
preferencialmente áreas de pousio durante a época de reprodução, sendo esta situação
descrita por vários trabalhos (Martínez 1994, Salamolard & Moreau 1999, Silva 2005),
inclusivamente em áreas abrangidas por este projecto (Delgado & Moreira 2000, Henriques
2003, Fonseca 2004, Moreira et al. 2007). Apesar de os pousios serem claramente o habitat
35
reprodutor preferencial para o Sisão, outros cultivos, como cereal (searas e restolhos) e
leguminosas, são também importantes nas diferentes fases do ciclo anual (Martínez 1994,
Salamolard & Moreau 1999, Henriques 2003, Fonseca 2004, Silva et al. 2004, Morales et al.
2006, Silva et al. 2007). Consequentemente, e tal como para a Abetarda, a manutenção do
mosaico de culturas de exploração tradicional é essencial, de forma a permitir não só
disponibilizar os diferentes habitats utilizados durante todo o ciclo anual, mas também
compensar os previsíveis impactos do clima nos recursos destas espécies, nomeadamente
compensando a provável perda de biodiversidade e potencial perda de qualidade dos pousios.
Finalmente, os trabalhos referentes à utilização do habitat por parte do Peneireiro‐
das‐torres mostram que esta espécie se alimenta sobretudo em áreas de pousio (normalmente
pastoreado) e áreas de cereal, sendo esta informação coincidente entre os estudos realizados
no nosso país (Rocha 1995, Franco et al. 2004a) e a informação obtida noutras áreas (Donázar
et al. 1993, Bustamante 1997, Tella et al. 1998, Ursúa et al. 2005, Gracía et al. 2006, Rodríguez
et al. 2006, Rodríguez & Bustamante 2008, De Frutos et al. 2008, De Frutos et al. 2009), sendo
que todos estes usos do solo fazem parte do modelo de exploração agrícola tradicional.
Perante este facto, a manutenção da exploração agrícola tradicional, representada pelo
mosaico de culturas de cereal e pousios é recomendável e de incentivar (Franco et al. 2004b),
nomeadamente, nas áreas em torno das colónias, de forma a disponibilizar os habitats
utilizados por esta espécie como áreas de caça, essenciais ao seu sucesso reprodutor.
Desta forma, a manutenção do mosaico agrícola tradicional será muito importante e
benéfico para a conservação das três espécies no panorama das alterações climáticas, pelo
que será de incentivar. O esforço pela sua manutenção deverá ser incorporado em futuras
reformas efectuadas às políticas agrícolas, factor importante na adaptação aos efeitos das
alterações climáticas na agricultura (Alcamo et al. 2007) e poderá inclusivamente beneficiar de
novas oportunidades criadas pelo espectável abandono de áreas agrícolas de produção se as
opções políticas tiverem em consideração questões ambientais (Rounsevell et al. 2005, Berry
et al. 2006).
36
Gestãodospousios/pastagens
Os pousios são um dos componentes do mosaico tradicional de exploração agrícola com maior
importância para as aves que dependem deste sistema, e prova disso é a sua grande utilização
por parte das três espécies‐alvo deste projecto, como já foi referido anteriormente.
Actualmente, algumas áreas de pousio são muitas vezes utilizadas como áreas de
pastagem de gado durante períodos alargados de tempo (cerca de 3‐5 anos), tendo efeitos
negativos na estrutura da vegetação. Estes impactos poderão ser ainda agravados pelos
grandes impactos esperados devido às alterações climáticas. Como já foi abordado na secção
anterior deste relatório, os impactos das alterações climáticas na vegetação reflectir‐se‐ão na
diversidade, produtividade, biomassa, recrutamento, estrutura, fenologia e, inclusivamente,
tipologia da vegetação. Nas áreas de intervenção deste projecto são esperadas grandes
alterações na temperatura e precipitação (Figuras 11 a 14), que se reflectirão no
desenvolvimento da vegetação, e consequentemente na sua estrutura. Desta forma, as
espécies que dependem da vegetação herbácea, e particularmente da sua estrutura, como
local de nidificação serão potencialmente as mais afectadas, pelo que uma gestão adequada
destas áreas será essencial para a sua conservação.
Os pousios são uma das áreas preferenciais para a Abetarda durante as várias épocas
do ano (Martínez 1992, Fonseca 2004, Moreira et al. 2004, Rocha 2006, Magaña et al. 2010)
sendo utilizados como locais de paradas nupciais pelos machos, enquanto que os pousios mais
desenvolvidos são importantes como locais de nidificação de fêmeas (Rocha 2006). Neste
contexto, e considerando a alteração do clima, o principal impacto esperado será então a
escassez de pousios altos, devido à reduzida precipitação.
Apesar da utilização de vários tipos de uso do solo envolvidos no mosaico agrícola
tradicional, o Sisão é uma espécie extremamente associada aos pousios, sendo este o seu
habitat preferencial durante a época reprodutora (Martínez 1994, Salamolard & Moreau 1999,
Fonseca 2004, Silva 2005, Moreira et al. 2007). Durante esta época, o Sisão apresenta uma
elevada dependência de uma estrutura de vegetação adequada para o seu sucesso reprodutor,
que lhe permita um balanço entre visibilidade/protecção (Martínez 1994, Wolff et al. 2001), e
37
esta situação poderá tornar‐lo numa espécie particularmente sensível às alterações da
vegetação.
Para o Peneireiro‐das‐torres os pousios representam um habitat particularmente
importante, sendo bastante utilizado como área de caça, tanto durante o período reprodutor
(Donazár et al. 1993, Franco et al. 2004a, Garcia et al. 2006), como no período pós‐
reprodutor/pré‐migratório (De Frutos et al. 2008, De Frutos et al. 2009). Este habitat é
especialmente utilizado pela sua abundância de recursos (Rodríguez & Bustamante 2008), mas
essa abundância poderá diminuir de acordo com as previsões referentes às alterações
climáticas, pelo que a sua gestão adequada é particularmente importante.
Desta forma, e tendo em conta as necessidades das espécies, é recomendada a
manutenção de áreas de pousio não pastoreadas no mosaico agrícola para a manutenção de
uma estrutura de vegetação adequada à nidificação do Sisão e Abetarda, facto que poderá
também favorecer a abundância de artrópodes utilizados pelas três espécies. Em alternativa, a
criação de áreas de set‐aside anual ou sazonal, de forma a abranger os períodos de pré‐época
e época de nidificação, permitirá não só a recuperação da estrutura da vegetação adequada
para a nidificação mas também contribuiria para o aumento da disponibilidade alimentar
durante este período, que constitui a altura crítica para o sucesso dos ninhos e sobrevivência
das crias. Este aspecto pode ser particularmente importante se os cenários de política agrícola
levarem ao desaparecimento progressivo dos cultivos de cereais.
No caso das áreas utilizadas como pastagens para o gado, será necessária uma gestão
do encabeçamento de gado que permita manter uma estrutura de vegetação mais
desenvolvida, adequada às espécies que nidificam no solo, e que será agravada num cenário
de seca. Esta gestão assume especial importância em áreas de pousio próximas das áreas de
lek de sisão e abetarda, onde as fêmeas tendem a nidificar (Estanque 2008, Magaña et al.
2010). Esta situação poderá também beneficiar a diversidade e abundância de insectos para o
Peneireiro‐das‐torres, mas poderá inversamente diminuir a sua acessibilidade (Franco et al.
2004a) e, nesse sentido, mais investigação deverá ser realizada no sentido de perceber qual o
encabeçamento de gado que permita maiores benefícios para as três espécies.
No que diz respeito ao tipo de gado, apesar de existirem alguns estudos que abordam
esta temática, as informações são algo contraditórias. Hounsome et al. 2010 demonstram que
existe um efeito directo do gado bovino na nidificação, através do pisoteio de ninhos. No
entanto, Reino et al. 2010 demonstram que o gado bovino parece ser mais favorável que o
gado ovino, cujo pastoreio parece afectar mais o Sisão. Sendo assim, é necessária mais
38
informação sobre o efeito (directo e indirecto) do pastoreio nas aves estepárias para a
elaboração de sugestões adequadas quanto ao tipo de gado a utilizar.
A criação de pastagens semeadas biodiversas (ricas em leguminosas), também poderá
contribuir para a recuperação da diversidade floristica/herbácea, permitindo uma estrutura de
vegetação mais desenvolvida, e consequentemente um aumento da disponibilidade de
artrópodes. A importância destas pastagens no contexto das alterações climáticas já foi
comprovada em diferentes projectos (e.g. Projecto Extensity da LPN) e poderá contribuir
também para as aves estepárias.
Gestãodocereal
As searas são, a par dos pousios, um dos componentes do mosaico tradicional de exploração
agrícola do qual as aves deste sistema mais dependem, facto confirmado pela sua elevada
utilização por parte das três espécies‐alvo deste projecto.
Sendo previsto que as searas poderão ser particularmente afectadas pelas alterações
climáticas (Giannakopoulos et al. 2005, Santos & Miranda 2006, Brandão 2006), é expectável
que, para além da diminuição da qualidade deste habitat, as alterações climáticas potenciem
as questões económicas e políticas que têm levado a uma diminuição da área de cereal. Neste
cenário, as espécies mais afectadas serão as que dependem directamente das searas, quer
como fonte de alimento, quer como local de nidificação.
As culturas de cereal são, a par dos pousios, um dos usos do solo preferencialmente
utilizados pela Abetarda, nomeadamente durante a época de reprodução e durante o Inverno
(Morgado & Moreira 2000, Fonseca 2004, Moreira et al. 2004, Rocha 2006, Magaña et al.
2010). A utilização das searas deve‐se à sua importância como fonte de recursos alimentares
ao longo do ciclo agrícola e como habitat de nidificação, pelo que os efeitos das alterações
climáticas nas searas afectarão directamente (diminuição da qualidade/produtividade do
cereal) e indirectamente (abandono agrícola) as populações desta espécie.
A utilização de áreas de cereal por parte do Sisão, quer de searas por parte das fêmeas
durante a nidificação, quer de restolhos e sementeiras durante o Inverno como áreas de
alimentação, está descrita por vários autores (Wolff et al. 2001, Wolff et al. 2002, Fonseca
2004, Silva et al. 2004, Morales et al. 2006). Como já foi referido, o impacto previsto das
alterações climáticas nas culturas cerealíferas é grande (Giannakopoulos et al. 2005, Santos &
39
Miranda 2006, Brandão 2006), reflectindo‐se na diminuição da qualidade das searas e,
eventualmente, no abandono desta prática, factos que afectarão a reprodução (diminuição e
perda de qualidade de habitat de nidificação) e sobrevivência (dimiuição de recursos
alimentares) desta espécie.
Já no que respeita ao Peneireiro‐das‐torres, as searas são exclusivamente utilizadas
como habitat de alimentação, representando uma importante fonte de recursos alimentares, a
par dos pousios (Donázar et al. 1993, Rocha 1995, Tella et al. 1998, Franco et al. 2004a, Ursua
et al. 2005, Rodríguez et al. 2006, De Frutos et al. 2008, De Frutos et al. 2009). O impacto das
alterações climáticas irá afectar as searas (Giannakopoulos et al. 2005, Santos & Miranda 2006,
Brandão 2006), nomeadamente a nível da sua produtividade, podendo levar ao abandono
desta prática e, desta forma, à perda de importantes locais de alimentação.
Assim sendo, a manutenção e gestão destas culturas será uma medida importante
para a conservação destas espécies no contexto das alterações climáticas e a sua gestão
deverá passar pela selecção do cereal que pareça ser mais benéfico para as espécies que dele
dependem como recurso alimentar e como habitat de nidificação, escolhendo variedades de
cereal que conciliem a preferência das espécies com a adequabilidade aos cenários climáticos
futuros. Desta forma, mesmo considerando que o grau de desenvolvimento (em termos de
biomassa, altura e densidade) e de produtividade (quantidade de semente disponível para as
aves) de variedades mais adaptadas à seca (como por exemplo as variedades tradicionais
utilizadas no passado na região, ver Baptista 2010) não ser possivelmente semelhante às
utilizadas no presente, ainda assim deverão representar um importante recurso alimentar para
o Sisão e Abetarda (ao longo do ciclo, desde a sementeira até após a ceifa) e ainda constituir
um habitat adequado para a nidificação, quer para a Abetarda, que parece preferir searas mais
esparsas e menos desenvolvidas (Morgado & Moreira 2000, Rocha 2006), quer para o Sisão,
podendo colmatar a diminuição de qualidade e estrutura prevista para os pousios.
A adequação do ciclo de cultivo dos cereais, concretamente no que respeita às datas
de lavra, sementeira e ceifa, é tida pelos especialistas como uma das acções de gestão agrícola
mais importantes no que respeita à conservação das aves agrícolas que nidificam no solo,
como são os casos da Abetarda e Sisão (BWP 2006, Moreno et al. 2010).
Apesar dos esforços que têm sido realizados para adaptar esta situação nas políticas
agrícolas de forma a beneficiar estas espécies, a alteração destes períodos é tida como um
factor muito importante na resposta do sector agrícola ao clima, particularmente no Sul da
40
Europa (Alcamo et al. 2007). Desta forma, é expectável que possam surgir novos conflitos
entre a actividade agrícola e a conservação destas espécies.
Tendo em conta as alterações no ciclo de cultivo aconselhadas para minimizar os
efeitos do clima nas culturas cerealíferas (Santos & Miranda 2006), através da antecipação do
período de sementeira e, consequentemente, do período de ceifa, é de prever que haja uma
coincidência entre este período e a época reprodutora da Abetarda e do Sisão. Considerando o
elevado impacto da ceifa no sucesso reprodutor destas espécies, devido à destruição de
ninhos e mortalidade de crias derivadas desta acção, é de extrema importância que, nas áreas
de reprodução de Abetarda e Sisão, os dois períodos não sejam coincidentes.
Para isso é necessário garantir a monitorização do período de reprodução de ambas as
espécies (que também poderá mudar em função das alterações no clima) e articular essa
informação com os agricultores, com o objectivo de garantir que a ceifa ocorra no final ou
após o término do período reprodutor destas espécies.
Gestãodasleguminosas
As plantações de leguminosas estão também muitas vezes presentes no mosaico agrícola, mas
geralmente em proporções inferiores aos restantes usos do solo. Num cenário futuro, e com a
diminuição da produtividade geral da vegetação, as sementeiras de leguminosas poderão
representar um recurso alimentar importante, sendo, por isso, essencial a sua manutenção no
mosaico agrícola. No entanto, as previsões dos impactos das alterações climáticas nas culturas
de leguminosas apontam para uma grande diminuição da sua produtividade no Mediterrâneo,
em especial em Portugal (Giannakopoulos et al. 2005). Esta situação poderá levar a uma
diminuição da utilização deste tipo de culturas no mosaico agrícola.
A importância das sementeitas de leguminosas para as populações de Abetarda é
mencionada por vários autores, nomeadamente como fonte de alimento (Martínez 1992, Lane
et al. 1999, Morales et al. 2006, Rocha e tal. 2006). Tal como para a Abetarda, as plantações de
leguminosas parecem apresentar alguma importância para as populações de Sisão,
nomeadamente como fonte de alimento, tanto vegetal como animal, durante diferentes fases
do ciclo anual (Martinez, 1994, Salamolard & Moreau 1999, Wolff et al. 2001, Wolff et al. 2002,
Fonseca 2004, Silva et al. 2007). Num estudo recente realizado em França por Bretagnolle et
41
al. (2010), verificou‐se inclusivamente um aumento da população de sisão com o cultivo da
alfafa.
Assim, e num cenário futuro de alterações climáticas, com a diminuição da
produtividade geral da vegetação, as sementeiras de leguminosas poderão representar um
recurso alimentar adicional, pelo que a sua manutenção no mosaico agrícola será importante,
mesmo tendo em conta a diminuição de produtividade prevista para as próprias culturas de
leguminosas (Giannakopoulos et al. 2005). A opção por culturas mais adequadas ao clima e o
adiantamento no calendário da sementeira poderão favorecer a manutenção e qualidade de
áreas de leguminosas e, consequentemente, do recurso alimentar que representa para ambas
as espécies.
No entanto, para isso, é necessário que as leguminosas mais indicadas para climas
mais secos sejam também utilizadas por ambas as espécies. Sabe‐se que o grão‐de‐bico
favorece as aves estepárias, no entanto, seria importante a realização de um estudo nas áreas
afectadas pelo projecto, recorrendo a diferentes tipos e variedades de leguminosas (e.g. grão‐
de‐bico, alfalfa, luzerna, etc.), em que seja avaliada não só a produtividade das diferentes
leguminosas, mas também a sua utilização por Sisão e Abetarda, permitindo uma melhor
definição de quais os tipos de leguminosas e suas variedades mais indicadas no futuro para
estas espécies.
Gestãodospontosdeágua
A diminuição da precipitação associada às alterações climáticas, que se prevê particularmente
acentuada em algumas das áreas de intervenção deste projecto (Santos & Miranda 2006), terá
consequências directas e indirectas nas populações de aves estepárias. Além de influenciar
indirectamente os recursos utilizados pelas três espécies‐alvo deste projecto (como já foi
analisado na secção anterior deste relatório), como a vegetação e os artrópodes, a diminuição
da precipitação terá como efeito directo a diminuição da disponibilidade de água para estas
espécies.
Sendo sabido que a disponibilidade de água é um dos factores ambientais que mais
afecta as populações de aves de latitudes inferiores, nomeadamente durante o Verão (Newton
1998, Suárez‐Seoanne et al. 2004), a promoção de pontos de água, que permitam o acesso das
aves a este recurso, será uma medida importante no cenário de diminuição de precipitação
42
previsto para o Mediterrâneo. Esta situação poderá favorecer directamente as três espécies‐
alvo, quer através da sua utilização directa (a utilização das margens de riachos está descrita
na literatura para a Abetarda – Hidalgo de Trucios e Carranza 1990, Moreira et al. 2004 – mas
deverá ser uma realidade também para as outras espécies), quer indirectamente
providenciando maior qualidade de abundância de recursos alimentares (Borralho et al. 1998,
Rocha 2006).
Gestãodadimensãodaparcelaedapressãohumana
No contexto dos ecossistemas agrícolas, um dos efeitos indirectos das alterações climáticas
sobre as populações de aves estepárias será o aumento da pressão humana nestes sistemas,
manifestado através da sua intensificação com o objectivo a minimizar os efeitos do aumento
da temperatura e da seca na produção agrícola.
É sabido que as espécies de aves de ambientes agrícolas extensivos são
particularmente sensíveis à perturbação humana, e essa situação está descrita para o Sisão
(Suárez‐Seoanne et al. 2002, Fonseca 2004, Silva et al. 2004), a Abetarda (Lane et al. 2001,
Magaña et al. 2010) e o Peneireiro‐das‐torres (Bustamante 1997, Catry et al. 2009), sendo que
as medidas de diminuição da pressão humana sobre estes sistemas são vistas como acções
importantes para a conservação destas espécies (Moreno et al. 2010) e poderão servir como
contrapeso aos efeitos directos do clima.
Sendo assim, a diminuição de fontes de perturbação directa (perturbação, tráfego,
etc.) e indirecta (presença de estruturas humanizadas como caminhos, vedações, linhas
eléctricas) nestes sistemas favorecerá a capacidade das populações destas espécies lidarem
com os impactos derivados das alterações climáticas.
Adicionalmente, a gestão do tamanho da parcela, através da manutenção de parcelas
extensas poderá também contribuir para a diminuição da pressão humana. No caso do
Peneireiro‐das‐torres, uma vez que se prevê que no futuro as populações desta espécie
estejam dependentes de colónias artificiais para a sua nidificação (Catry et al. 2009), a
implementação de novas colónias em áreas extensas de habitat adequado e afastadas de
fontes de perturbação humana deverão ser outra medida a ter em conta.
No caso do Sisão, apesar de na realidade agrícola Portuguesa, a presença de parcelas
de maior dimensão ser benéfica (Silva et al. 2010), este facto não acontece noutras populações
43
europeias (Wolff et al. 2001). Provavelmente, em zonas de terrenos pouco férteis (como é o
caso de Castro Verde) e num cenário de seca poderá tornar‐se vantajoso para esta espécie a
existência de um mosaico agrícola com parcelas de menor dimensão mas com maior
diversidade de usos do solo. Esta diversidade poderá ser particularmente importante na
procura de alimento e habitat de nidificação, em contraste com parcelas de pousio de grandes
dimensões, mas de fraca qualidade, e poderá criar uma situação de conflito entre a gestão
mais adequada para as diferentes espécies. Desta forma, numa perspectiva de alterações
climáticas, será recomendável para o Sisão a existência de parcelas de tamanho intermédio e
inseridas na diversidade do mosaico agrícola.
PromoçãodeninhosartificiaisadequadosparaPeneireiro‐das‐torres
Como já foi descrito, as populações de Peneireiro‐das‐torres estão actualmente muito
dependentes de estruturas artificiais para nidificar, nomeadamente em Portugal (Franco et al.
2005, Catry et al. 2007). Actualmente, já mais de metade da população desta espécie em
Portugal, e particularmente na área de Castro Verde, intervencionada por este projecto,
recorre a estruturas artificiais para nidificar (Catry et al. 2009). Mais, prevê‐se que esta
situação se deve intensificar no futuro (Catry et al. 2009). O aumento da temperatura devido
às alterações climáticas é previsível, facto que se deverá reflectir também num aumento da
temperatura no interior dos ninhos desta espécie. Esta situação é prejudicial ao
desenvolvimento e sobrevivência das crias e representa um novo e sério problema para a
conservação desta espécie (Catry et al. 2010).
A monitorização das condições internas do ninho e paralelamente da condição das
crias mostra que os ninhos de madeira são particularmente prejudiciais ao desenvolvimento
das crias desta espécie devido às elevadas temperaturas que se fazem sentir no seu interior, e
que podem atingir os 55oC (Catry et al. 2010). Desta forma, deverão ser realizados esforços no
sentido de os adequar às novas condições ambientais, com o objectivo de minimizar este
impacto na sobrevivência das crias. A utilização de materiais isolantes e de cor clara na
construção dos ninhos serão medidas importantes a adoptar nos locais onde a utilização de
caixas ninho pelo Peneireiro‐das‐torres seja comum.
44
Actividadesdesenvolvidasem2010paraasespécies‐alvo
O estudo da dinâmica populacional das espécies alvo, que tem vindo a ser realizada desde
1980 para a Abetarda, 2002 para o Sisão e 1995 para o Peneireiro‐das‐torres, permite analisar
o possível impacte das alterações climáticas nas espécies‐alvo, de forma a sugerir medidas de
mitigação dos potenciais impactos negativos resultantes destas alterações. Sendo assim, faz
parte do objectivo deste projecto a continuação da monitorização das espécies‐alvo de 2010 a
2012, de forma a aumentar a informação temporal sequencial sobre a dinâmica populacional
destas espécies para uma posterior análise da sua relação com variáveis climáticas.
Neste primeiro relatório de progresso são apresentados os resultados referentes às
actividades desenvolvidas no presente ano de 2010.
MonitorizaçãodaAbetarda–Otistarda
A Abetarda é a espécie com o maior historial de monitorização anual. A monitorização
sequencial da abetarda teve início no ano de 1980, quando começou a ser aplicada a
metodologia de censos para esta espécie (Pinto et al. 2005, Rocha 2006).Neste relatório são
apresentados os principais resultados do censo realizado na Primavera de 2010, que resultou
da colaboração com a equipa de censo (PNVG e LPN).
ÁreadeestudoeMetodologia
A área de estudo (08º14’ W, 37º54’ N – 07º46’ W, 37º34’ N) cobriu uma superfície de 90528
hectares, coincidindo com o núcleo do Campo Branco e sobrepondo‐se quase na totalidade à
Zona de Protecção Especial de Castro Verde. Esta área foi dividida em 15 sectores (Figura 20),
sendo cada sector prospectado por uma equipa de pelo menos 2 elementos com experiência
na área. A cobertura visual foi realizada pecorrendo os caminhos agrícolas, em veículo todo‐o‐
terreno.
45
Figura 20 – Delimitação da área de estudo e a sua divisão nos 15 sectores (a vermelho) e
apresentação do limite da ZPE de Castro Verde (a verde).
O censo foi realizado no dia 27 de Março de 2010, excepto para os sectores 8 (27 e 28 de
Março) e 4 (1 de Abril). Não foi possível a realização de censos para os sectores 2 (Pedras‐
Brancas) e 13 (Beringelinho/Filipeja) por razões logísticas. De qualquer forma, nos últimos
anos, não têm ocorrido abetardas nessas zonas durante a época de paradas nupciais.
ResultadosO número total de abetardas observadas na Primavera de 2010 foi de 1048 indivíduos (Figura
21 e Quadro 1), com o número máximo observado de 286 indivíduos no sector 12 (área de São
Marcos) e o número mínimo de 10 indivíduos no sector 4 (área de Braciosas/Magros). Foram
observadas na área de estudo um total de 706 machos e 277 fêmeas.
Figura 21 – Número de indivíduos de abetarda contabilizados no censo da Primavera de 2010, de acordo com o sexo e idade.
0
100
200
300
400
500
600
700
800
Machos adultos Machos jovens Fêmeas Indeterminados
46
Quadro 1 – Número de indivíduos de abetarda contabilizados, de acordo com o sexo e idade,
nos sectores da área de estudo, no censo da Primavera de 2010.
Sectores
Área (ha)
Nº to
tal
indivíd
uos
Nº to
tal mach
os
Nº m
achos
adulto
s
Nº m
achos
jovens
Nº fê
meas
Nº
indeterm
inad
os
1 – Carregueiro‐Messejana 11 065 19 7 7 0 1 11
3 ‐ Gavião/Albernoa 7 433 107 49 49 0 22 36
4 ‐ Braciosas/Magros 5 418 10 1 1 0 9 0
5 ‐ Corte Pequena 8 037 115 80 80 0 35 0
6 – Algodor 4 096 16 4 4 0 2 10
7 ‐ Bispos/Mourão/
Mestras 7 315 151 81 78 3 69 1
8 ‐ Perdigoa/Paraíso 4 670 104 75 71 4 28 1
9 – Entradas 7 425 110 101 98 3 5 4
10 – Cuchilhas 5 459 54 53 52 1 1 0
11 ‐ Mt Seixo 4 364 39 35 34 1 4 0
12 ‐ S. Marcos 6 208 286 191 177 14 95 0
14 ‐ Sete/Viseus 6 875 15 8 1 7 5 2
15 ‐ Guerreiro/Tacões 2 759 22 21 21 0 1 0
Total para a área de estudo 1048 706 673 33 277 65
47
MonitorizaçãodoSisão–Tetraxtetrax
O Sisão é uma das espécies para as quais há registos detalhados de dinâmica populacional.
Como já foi referido no presente relatório, Delgado e Moreira (2010) demonstraram a
influência da precipitação durante o período pré‐reprodutor na densidade de machos de Sisão
durante o período reprodutor (ver Anexo II). Este estudo de monitorização teve início em
2002, e foi realizado em três áreas de estudo: São Marcos (4418 ha), Entradas (4219 ha) e
Ervidel (5926 ha). Entre as actividades a serem desenvolvidas entre 2010‐2012 para esta
espécie, será dada continuação à monitorização para as áreas de estudo referidas
anteriormente, segundo a mesma metodologia. Esta monitorização, para além de contemplar
censos nas três áreas monitorizadas, engloba também dados sobre a disponibilidade e
qualidade do habitat principal para os machos de sisão, os pousios e pastagens. As tendências
populacionais, bem como da disponibilidade e qualidade do habitat serão relacionadas com
variáveis climáticas disponíveis para a zona.
Metodologia
Durante a segunda quinzena de Abril de 2010, foi realizado o censo de machos de Sisão nas
áreas de Entradas e São Marcos, localizadas na ZPE de Castro Verde, e na área de Ervidel, área
agrícola de características intensivas (sobretudo cereal de regadio, girassol e também olival de
regadio).
A metodologia de censo tem como base o registo auditivo e visual de machos num raio
de 250m em torno de pontos de escuta fixos, por um período de 5 minutos. As fêmeas não
foram consideradas por serem tímidas e insconspícuas (Cramp & Simmons, 1980). Os pontos
foram definidos no início da monitorização do sisão nestas áreas (2002) (ver Delgado &
Moreira 2010), distanciados 600m entre si, ao longo de caminhos em percursos pré‐definidos
realizados de carro.
Foram definidos 184 pontos de escuta (Figura 22) no total, para as três áreas (68
pontos em São Marcos, 63 pontos em Entradas e 53 pontos em Ervidel). Em cada ponto, foi
registado o habitat onde os machos se encontravam, e medida a disponibilidade do habitat,
estimando o habitat dominante por oitavos da circunferência com raio de 250m. Cada sessão
de campo teve a duração de 2h, coincidindo com os picos de actividade da espécie, uma
48
sessão de manhã tendo início 30 minutos antes do nascer do sol, e a sessão do final de tarde
terminando 30 minutos após o pôr‐do‐sol.
Figura 22 – Localização das áreas de estudo de São Marcos, Entradas e Ervidel e respectivos pontos de escuta. A cinzento‐claro está representada a ZPE de Castro Verde. Retirado de Delgado & Moreira 2010.
Resultados
Na figura 23 é apresentada a abundância média de machos de sisão para a contagem ocorrida
na segunda quinzena de Abril de 2010. A abundância média foi superior na área de Entradas,
com 9.65machos/km2 e inferior na área intensiva de Ervidel, com 0.88 machos/km2. O valor
máximo de abundância atingido num ponto de escuta foi de 30.39 machos/km2 nas áreas de
Entradas e de São Marcos.
Figura 23 – Abundância média de machos de sisão (número de machos/km2) e respectivos intervalos de confiança a 95%, nas áreas de São Marcos, Entradas e Ervidel.
49
MonitorizaçãodoPeneireiro‐das‐torres–Falconaumanni
A população de Peneireiro‐das‐torres tem sido monitorizada desde 1995 na região de Castro
Verde, nos trabalhos desenvolvidos por Rocha 1995, Rocha et al 2002, e também no âmbito do
projecto LIFE Peneireiro (LIFE02/NAT/P8481) por Catry & Reis 2003, Catry et al. 2004, 2005 e
Henriques et al. 2006. O presente estudo tem como objectivo complementar a série temporal
de parâmetros reprodutores existente, com informação recolhida no período de 2010‐2012,
de forma a poder relacionar as variações anuais destes parâmetros com as variáveis climáticas.
Neste relatório são apresentados os resultados da monitorização dos parâmetros reprodutores
para as oito colónias seleccionadas, realizada durante a época reprodutora de 2010.
Metodologia
Para a monitorização do Peneireiro‐das‐torres foram seleccionadas um total de oito colónias
segundo dois critérios: colónias com maior número de anos de acompanhamento e com
historial de um número igual ou superior superior a 15 casais/colónia (quadro 2).
Quadro 2 ‐ Colónias seleccionadas para monitorização de Peneireiro‐das‐torres (2010‐2012).
PNVG – Parque Natural do Vale do Guadiana; CEABN – Centro de Ecologia Aplicada “Prof.
Baeta Neves”; *monitorização assegurada pela LPN (dados serão cedidos posteriormente).
Colónias seleccionadas de
Peneireiro‐das‐torres
Monitorização 2010 Número de anos
monitorizados
CV1 LPN* 16
CV13 LPN* 7
CV19 LPN* 7
CV5 CEABN 8
CV10 CEABN 9
OU1 CEABN 8
ME1 CEABN 8
OU6 PNVG e CEABN 15
50
Figura 24 – Colónia de Peneireiro‐das‐torres do Monte Álamo.
Durante a época de reprodução de 2010, foram realizadas no mínimo 2 visitas a cada uma das
colónias (Quadro 3). A primeira visita, em meados de Maio, visava confirmar os locais de
nidificação (cavidades, caixas‐ninho) ocupados por casais em cada colónia, e também
determinar o tamanho das posturas. Considerou‐se a existência de casal nidificante, quando
foram encontrados indícios de reprodução (mais de 1 ovo ou crias). A segunda visita, realizada
em meados de Junho teve como objectivo determinar o número total de crias e de crias
voadoras/ninho, considerando crias voadoras aquelas com mais de 20 dias. A determinação da
idade foi feita visualmente a partir do desenvolvimento das remiges primárias. Para as crias
voadoras procedeu‐se à anilhagem e à recolha de dados de condição corporal, como o peso e
o comprimento da 8ª primária a partir da junta carpal.
Quadro 3 – Número de visitas realizadas às colónias e respectivas datas, para a época
reprodutora de 2010. São apresentadas as colónias para as quais a monitorização foi realizada
pela LPN e PNVG.
Colónias seleccionadas Nº de visitas Datas das visitas
CV1 LPN LPN
CV13 LPN LPN
CV19 LPN LPN
CV5 3 22 de Maio; 19 de Junho; e 3 de Julho de 2010.
CV10 2 22 de Maio; e 19 de Junho de 2010.
OU1 4 17 e 27 de Maio; 20 de Junho; e 6 de Julho de 2010.
ME1 3 23 de Maio; 1 de Junho; e 2 de Julho 2010.
OU6 12 17, 26 de Abril; 9,17,27 de Maio; 3,11,20,22,29 de Junho; e
6,15 de Julho de 2010.
51
Em cada uma das visitas procedeu‐se ao registo dos resultados obtidos em fichas, com
o esquema de anos anteriores de todos os locais de nidificação existentes nas colónias,
disponibilizados pela LPN e PNVG (OU6). Foram acompanhados todos os locais de nidificação
disponíveis em cada colónia, excepto na OU6 onde uma cavidade se encontrava inacessível. Na
colónia ME1, grande parte dos locais de nidificação existentes debaixo de telha deixaram de
existir, devido ao estado de degradação do telhado.
No âmbito deste trabalho, e de acordo com o objectivo do estudo seleccionaram‐se os
seguintes parâmetros reprodutores a monitorizar:
1. Taxa de ocupação – proporção de locais de nidificação ocupados pela espécie (casais
nidificantes) em relação aos disponíveis em cada colónia.
2. Taxa de voo ‐ como o número de crias voadoras por casal com sucesso na
nidificação, isto é, que produziram no mínimo uma cria voadora. As crias foram
consideradas voadoras após os 20 dias de idade (Rocha 1995).
3. Produtividade – número de crias voadoras por casal nidificante.
4. Sucesso reprodutor ‐ percentagem de posturas que produziram pelo menos, uma
cria voadora relativamente ao número total de posturas detectadas.
5. Condição corporal das crias ‐ indicador de probabilidade de sobrevivência, medido a
partir do peso (±2 g) e medição do comprimento da 8ª pena primária (±1mm) nas
crias com mais de 20 dias (Figura 25), segundo Rodriguez & Bustamante 2003.
Figura 25 – Medição do comprimento da 8ª pena primária de uma cria fêmea de peneireiro‐
das‐torres.
52
Para cada colónia, também foram registadas as causas de insucesso reprodutor
(ausência de crias voadoras), tanto em posturas como em ninhadas (predadas, abandonadas).
Resultados
Parâmetros reprodutores
O número de casais por colónia e respectivos parâmetros reprodutores para a época
de nidificação de 2010 são apresentados no quadro 4. O número de casais/colónia foi superior
na colónia OU6 (66 casais), como se tem vindo a verificar nos anos anteriores. Na colónia CV5
o número de casais diminuiu para esta época reprodutora, ocorrendo apenas 11 casais. A taxa
de ocupação foi mais elevada na colónia CV10 (84%) e mais baixa na OU1 (30%), devido à
elevada ocupação de locais de nidificação por outras espécies, principalmente por pombo.
O sucesso reprodutor foi elevado, atingindo o máximo de 88.9% na colónia CV10, e o
mínimo na colónia ME1, com 9.1 % devido à elevada predação.
A taxa de voo atingiu o valor máximo de 3.08 crias voadoras/casal na colónia OU1, e a
produtividade foi máxima no na colónia CV5 (2.44 crias voadoras/casal).
Relativamente à condição corporal das crias para as colónias amostradas, o peso
variou entre 84 e 200 gramas, e o tamanho da 8ª primária variou entre 105 e 227 m (ver
Quadro 5). Verifica‐se uma variação do peso das crias entre as colónias, sendo as crias das
colónias OU1 e CV10, aquelas que atingiram pesos mais elevados entre os 160‐190mm de
comprimento de asa (a partir dos 190mm os indivíduos passam a adquirir capacidade de voo).
(ver Figura 26). Considerando os valores médios de peso das crias, as colónias OU1 e CV5,
atingiram os valores mais elevados (ver Quadro 5.).
53
Figura 26 – Distribuição do peso (g) relativamente ao comprimento da asa (mm) das crias de
Peneireiro‐das‐torres, nas colónias seleccionadas para a época reprodutora de 2010. Os
pontos coloridos diferenciam as colónias amostradas (azul – OU1; verde – ME1; beje – CV5;
preto – CV10; vermelho – OU6). A linha a preto representa a linha de ajuste.
Figura 27 – à esquerda – ninhada de crias com 5 dias de idade, à direita – ninhada com crias de
15 dias de idade.
240220200180160140120100
200
180
160
140
120
100
80
pe
so
cri
a
54
Quadro 4 – Número de casais nidificantes e parâmetros reprodutores para cada colónia (média
e desvio‐padrão para a taxa de voo e produtividade, N corresponde ao número de casais
utilizados para estimar o parâmetro reprodutor). São apresentadas as colónias em que a
monitorização foi realizada pela LPN, resultados que não foram disponibilizados.
Colónias Nº de casais Taxa de
ocupação
Sucesso
reprodutor
Taxa de voo Produtividade
CV1 LPN LPN LPN LPN LPN
CV13 LPN LPN LPN LPN LPN
CV19 LPN LPN LPN LPN LPN
CV5 11 47.83%
88.89%
(N=9)
2.75±
1.58crias
(N=8)
2.44±1.74 crias
(N=9)
CV10 43 84.31%
81.08%
(N=37)
2.97±
0.96crias
(N=30)
2.40±1.46 crias
(N=37)
OU1 22 28.95% 76.46%
(N=17)
3.08±1.11
crias (n=13)
2.35±1.66 crias
(N=17)
OU6 66 61.68% 83.07%
(N=65)
3.37±1.14
crias (N=54)
2.80±1.64 crias
(N=65)
ME1 15 83.33% 9.09%
(N=11)
‐
(N=1)
0.36±1.20 crias
(N=11)
55
Quadro 5 – Número total de crias amostradas e o número de crias de acordo com o sexo, o
peso médio e o tamanho médio da 8ª primária e respectiva variação (mínimo, máximo) das
crias amostradas em cada colónia.
Seguidamente, é apresentada uma breve descrição para cada uma das colónias
montorizadas para a época reprodutora de 2010:
Colónia CV5
Na colónia CV5 em 2010 existiam 23 locais de nidificação, entre 9 debaixo de telha e
14 caixas‐ninho/potes‐ninho. Destes, 11 foram ocupadas por casais de Peneireiro‐das‐torres
Falco naumanni e 8 ocupadas por outras espécies (1 casal de Rolieiro Coracias garrulus, 1 casal
de Coruja‐das‐torres Tyto alba, 3 casais de Estorninho‐preto Sturnus unicolor, 2 casais de
Peneireiro‐vulgar Falco tinnunculus, 1 casal de Pombo Columba livia).
Colónias
Nº to
tal de crias
Nº d
e mach
os
Nº d
e fêmeas
Nº d
e
indeterm
inados
Comprim
ento de
asa
Peso
CV1
LPN LPN LPN LPN LPN LPN
CV13
LPN LPN LPN LPN LPN LPN
CV19
LPN LPN LPN LPN LPN LPN
CV5
20 11 8 1
160.95mm (105‐208)
158.60g (129‐183)
CV10
30 13 16 1
172.47mm (124‐204)
155.63g (98‐200)
OU1 33 23 10 0
162.91mm (112‐202)
158.39g (86‐196)
OU6
157 99 58 0 177.04mm (112‐227)
148.56 (84‐176)
ME1 4 2 2 0
156.75mm (138‐167)
138.00g (134‐144)
56
Para o sucesso reprodutor foram consideradas 9 posturas das 11 existentes, porque na
última visita ainda existiam crias em duas das ninhadas que ainda não tinham atingido os 20
dias. Nesta colónia, uma das posturas foi abandonada.
Colónia CV10
Na colónia CV10 em 2010 existiam 51 locais de nidificação, entre cavidades e caixas‐
ninho. Destes, 43 foram ocupadas por casais de Peneireiro‐das‐torres e 4 ocupadas por outras
espécies (1 casal de Rolieiro, 3 casais de Peneireiro‐vulgar).
Para o sucesso reprodutor foram consideradas 37 posturas das 43 existentes, porque
na última visita ainda existiam crias em 6 ninhadas que ainda não tinham atingido os 20 dias.
Na 2ª visita foram encontradas 5 crias mortas no solo, e 2 posturas em que os ovos foram
predados.
Colónia OU1
Na colónia OU1 em 2010 existiam 77 locais de nidificação, 71 cavidades e 6 caixas‐
ninho. Destes, 23 foram ocupados por casais de Peneireiro‐das‐torres e 23 ocupados por
outras espécies (2 casais de Rolieiro, 1 casal de Coruja‐das‐torres, 3 casais de Estorninho‐preto,
1 casal de Peneireiro‐vulgar e 16 casais de Pombo).
Para o sucesso reprodutor foram consideradas 18 posturas das 23 existentes, porque
na última visita ainda existiam crias em duas ninhadas que ainda não tinham atingido os 20
dias. Nesta colónia, uma das posturas foi abandonada.
Colónia OU6
Na colónia OU6 em 2010 existiam 107 locais de nidificação (cavidades), onde 66
cavidades foram ocupadas por casais de Peneireiro‐das‐torres, e 7 cavidades ocupadas por
outras espécies (1 casal de Rolieiro, 1 casal de Coruja‐das‐torres, 2 casais de Estorninho‐preto
e 3 casais de Peneireiro‐vulgar).
Para o sucesso reprodutor foram consideradas 65 posturas das 66 existentes, porque
numa ninhada as crias não tinham atingido os 20 dias aquando da última visita. Nesta colónia,
sete posturas foram abandonadas.
57
Colónia ME1
Na colónia ME1 em 2010 existiam 18 locais de nidificação (6 cavidades, 11 caixas‐ninho
e 1 debaixo de telha). Em anos anteriores existiam mais locais debaixo de telha, mas
actualmente o telhado encontra‐se em mau estado pelo que desapareceram ou estão
degradadas. Dos 18 locais disponíveis, 15 foram ocupadas por casais de Peneireiro‐das‐torres e
2 ocupadas por outras espécies (1 casal de Peneireiro‐vulgar e 1 casal de Pombo).
Para o sucesso reprodutor foram consideradas 11 posturas das 15 existentes, porque
na última visita ainda existiam crias em 4 ninhadas que ainda não tinham atingido os 20 dias.
Nesta colónia, 8 posturas foram predadas (rato), correspondendo a 75.73% das posturas.
Apenas uma ninhada teve sucesso, resultando 4 crias voadoras.
Alterações previstas no plano de actividades para 2011 e 2012
Na monitorização do Peneireiro‐das‐torres para as épocas de 2011 e 2012, não irá ser
considerada a colónia ME1, devido ao baixo número de crias e de casais registados em 2010,
associado à elevada predação das posturas e ao estado de degradação do Monte.
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AnexoIRevisão bibliográfica das publicações científicas existentes sobre as espécies‐alvo do presente
projecto LIFE (Anexo I).
AnexoIIDELGADO, A. & MOREIRA, F. (2010) Between‐year variations in Little Bustard Tetrax tetrax
population densities are influenced by agricultural intensification and rainfall. Ibis, 152.