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REINALDO NOBRE PONTES MEDIAÇÃO e SERVIÇO SOCIAL 8 a edição Obra revista e ampliada

REINALDO NOBRE PONTES

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O escrito de Reinaldo Nobre Pontes concentra-se no tema “mediação”, relacionado à dialética marxista, especialmente dentro da tradição lukacsiana. A mediação aparece na obra como categoria metodológica, não apenas com a capacidade de apreender o real, mas de modo particular com a capacidade de transformá-lo, revelando as infindáveis relações presentes no movimento contraditório da história. O estudo compõe-se de capítulos bem articulados, em muitas passagens representando reflexões cativantes sobre textos, depoimentos e obras. Chamo a atenção para a bibliografia bas-tante especializada, adequadamente distribuída no livro sem excessos, e ainda para o equilibrado relacionamento entre a exposição teórica e o exame dos textos, dos depoimentos e demais publicações. Reinaldo Nobre Pontes esclarece teórica e até didaticamente a mediação, põe a descoberto os jargões tão ao gosto da aca-demia, dentre eles a própria mediação, repelindo o discurso vazio e a análise descabida e ligeira. Mesmo assim, o Autor não aplica nem poderia aplicar todo o conjunto teórico exposto ao longo do estudo. Deste conjunto teórico, em que sobressaem os fundamentos conceituais do marxismo, são empolgantes as considerações analíticas relacionadas com G.W.F. Hegel. É inegável que uma obra desta natureza contribui de fato para as investigações no Serviço Social, tornando assim muito mais complicada a pesquisa de suas práticas e muito mais esmera-das as suas discussões.

Evaldo Vieira

A categoria de mediação é absolutamen-

te central para todos aqueles analistas e

interventores sociais que se pretendem

inspirados por uma perspectiva crítico-

-dialético. Do ponto de vista teórico, é

ela que pode garantir uma apreensão

adequada (rica, multívoca, matizada)

da processualidade histórico-social; do

ponto de vista prático, é ela que pode

assegurar uma intervenção eficaz e racio-

nalmente orientada sobre os fenômenos

societários.

Esta centralidade é consensualmente ad-

mitida, desde a sua valorização por Hegel

e a inflexão teórico-metodológica reali-

zada por Marx. Também se admite, con-

sensualmente, que o seu desvelamento,

dada a sua extrema complexidade, é

operação das mais difíceis. E os debates

teóricos no terreno do Serviço Social são

uma prova eloquente desta dificuldade: a

bibliografia profissional não dispunha de

nenhum trabalho de maior fôlego sobre

mediação, ainda que a categoria viesse

referida a três por dois.

O ensaio que Reinaldo Nobre Pontes publi-

ca agora vem preencher esta considerável

lacuna. Amparado em fontes de maior

credibilidade, o autor, com sólido domínio

do tema e extrema segurança analítica,

oferece da mediação o primeiro tratamen-

to sistemático e profundo de que temos

conhecimento na literatura do Serviço

Social. Sem pretender exaurir a proble-

mática — uma pretensão obviamente

ilegítima —, Reinaldo Nobre Pontes coloca

à disposição de professores, estudantes e

profissionais (e não só da sua área, mas

atendendo a demandas de conjunto das

ciências sociais) uma síntese competente

das determinações constitutivas da ca-

tegoria ontológica que Lukács reputava

como nuclear.

Com a publicação deste livro que é, até

este momento, único, Reinaldo Nobre

Pontes aporta uma preciosa contribui-

ção ao debate teórico e suas incidências

prático-concretas — no Serviço Social, em

particular e, em geral, nas Ciências Sociais.

José Paulo Netto

REINALDO NOBRE PONTES

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MEDIAÇÃOe SERVIÇO SOCIAL

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AÇÃO

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VIÇO

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8a ediçãoObra revista e ampliada

ISBN 978-85-249-2450-7

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Sumário

Apresentação à 8ª edição — Quase vinte anos se passaram ......... 13

Prefácio — Evaldo Vieira .................................................................... 19

Agradecimentos .................................................................................... 21

Introdução .............................................................................................. 25

Capítulo I

A categoria de mediação na dialética de Marx

1. A atualidade da dialética .............................................................. 38

2. Hegel e a dialética .......................................................................... 50

2.1 A razão no método e na história ......................................... 51

2.2 O núcleo racional revolucionário ........................................ 57

2.3 A mediação .............................................................................. 64

3. A dialética em Marx e o papel da categoria de mediação ....... 67

3.1 Contextualização do método na ontologia do ser social de Marx .................................................................................... 68

3.2 A dialética materialista .......................................................... 74

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3.2.1 As categorias e a história ........................................... 77

3.2.2 O método ..................................................................... 79

3.2.2.1 A totalidade .................................................... 80

3.2.2.2 A negatividade ............................................... 84

3.2.2.3 A legalidade do ser social ............................ 86

4. A categoria de mediação ............................................................... 87

4.1 A mediação como categoria ontológica .............................. 87

4.1.1 Mediação e filosofia .................................................... 88

4.1.2 Mediação e trabalho ................................................... 90

4.2 A mediação como categoria reflexiva e ontológica .......... 92

4.2.1 Mediação e totalidade ................................................ 92

4.2.2 Mediação e particularidade ....................................... 95

Capítulo II

A categoria de mediação na literatura do Serviço Social da pós-reconceituação

1. Cenário da emergência da categoria de mediação no discurso profissional ...................................................................... 103

2. Balanço crítico do uso da categoria de mediação no Serviço Social pós-reconceituado ................................................. 112

2.1 Vicente de Paula Faleiros ...................................................... 112

2.2 Aldaíza Sposati ....................................................................... 124

2.3 José Paulo Netto ..................................................................... 133

2.4 Nobuco Kameyama ............................................................... 144

2.5 Raimunda Nonato da Cruz Oliveira Lemos ..................... 152

2.6 Odária Battini ......................................................................... 159

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Capítulo III

Reflexões sobre a contribuição teórica da mediação para a intervenção do Serviço Social

1. A mediação: categoria reflexiva central do Serviço Social ...... 172

1.1 A face teórica da mediação no Serviço Social ................... 173

1.1.1 A mediação como categoria histórica para o Serviço Social ............................................................... 177

1.2 A mediação como categoria reflexiva (teórica) do Serviço Social .......................................................................... 181

2. A mediação como categoria central da intervenção profissional ...................................................................................... 186

2.1 As mediações no espaço institucional ................................ 197

Conclusões ............................................................................................. 203

Referências ............................................................................................. 207

Sobre o Autor ......................................................................................... 215

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Capítulo I

A categoria de mediação na dialética de Marx

Para uma abordagem responsável da questão objeto do presente estudo, necessita-se enfrentar um feixe desafiador de questões de ordem teórico-filosófico-política. Questões típicas de um final de século ca-racterizado por significativas transformações sociais,1 que impuseram às ciências humano-sociais a chamada “crise de paradigmas”.2

Considerando que o nosso objeto de estudo está contido no uni-verso de debate da dialética marxiana, a qual se encontra há muito envolvida no embate teórico-político da crise de paradigmas, neces-sitamos qualificar a ambiência teórica em que se dará a abordagem deste estudo no sentido da análise de sua atualidade.

1. Apesar de se terem passado quase 20 anos dessa conjuntura, podemos assinalar que a crise global do capitalismo permanece até os presentes dias, assumindo novos e dramáticos contornos (Harvey, 2008).

2. Sobre esta controvertida questão — crise de paradigmas — ver Ianni, 1990; Kuhn, 1975; Löwy, 1987; e Santos, 1988.

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1. A atualidade da dialética

Discutir a questão teórico-metodológica, com o objetivo de ana-lisar o conhecimento e a intervenção no plano das relações típicas da sociedade burguesa, é certamente uma espinhosa tarefa. A própria natureza da questão teórico-metodológica e a complexificação cres-cente em que se encontram imersas as relações sociais típicas da so-ciedade capitalista são fatores definidores dos problemas imersos no campo social.

Contemporaneamente, tentar tematizar uma categoria metodo-lógica da dialética concreta — a categoria de mediação3 — implica uma vigilância epistemológica redobrada, buscando evitar os redu-cionismos, os dogmatismos, os ideologismos e outros congêneres.

As profundas e radicais transformações por que passa a própria cena histórica atual dão maior vulto a essas dificuldades. São trans-formações sempre em processo e é impossível saber por quanto tempo e em que intensidade continuarão atingindo a sociedade.

A discussão quanto à “morte” da teoria social de Marx tomou a dimensão de mundialidade, atingindo principalmente as instituições partidárias comunistas e socialistas, além de provocar um forte im-pacto no plano acadêmico,4 contando com a decisiva, e não raras vezes tendenciosa, contribuição da mídia de todas as cores ideológi-cas.5 São colocados, no plano teórico e prático-político, problemas que ampliam o grau de dificuldade de análise do método dialético — como tal — e do rebatimento de sua análise no real concreto.

3. Pode-se antecipar desde já a incompatibilidade dentro do “espírito do método” de fazer um tratamento segmentado de uma categoria para se entender seu papel dentro do método. Entretanto, entende-se como lícita tal tentativa porque não se pretende fazer esta segmentação, nem tampouco diluí-la no mar das indeterminações abstratas, mas apenas captar o seu movi-mento no plano intelectivo e ontológico.

4. Sobre esta questão consultar Kurz, 1992, que apreende a problemática com notável propriedade e atualidade, indicando — para além do dogmatismo — caminhos amadurecidos para a análise histórica.

5. Como dado recente observe-se o rumoroso caso do fechamento da tradicional revista marxista inglesa Marxism Today nos finais de 1991.

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Sem dúvida, este tipo de estudo teórico-metodológico, aqui con-siderado não enquanto epistemologia pura, inevitavelmente, deveria passar por uma checagem quanto ao seu poder explicativo em face do real concreto. Ou seja, tem que passar pelo “crivo crítico” já anun-ciado por Marx: “a prática social” (Marx, 1986, p. 11).

No caso do método dialético, há um fator complicador: a confu-são que se faz entre as práticas sócio-econômico-políticas das socie-dades que foram conhecidas como “socialismo real” e a teoria social de Marx, que traz na sua estrutura o referido método.

Esta identidade é falsa, por duas razões principais: primeiro pela mais evidente das duas, que é a razão histórica. Um sereno analista da história das sociedades do ex-socialismo real certamente vai obser-var que a crise que o derruiu não foi de natureza teórica, mas sim, a crise de um tipo de organização social que se propôs a uma transição para uma sociedade socialista, e não da teoria de Marx, da qual as experiências vividas naqueles países se afastaram em larga medida.6 (cf. Netto, 1991, p. 6).

A segunda razão prende-se à própria teoria marxiana. O próprio Marx anunciou a flagrante diferença entre os movimentos das cate-gorias no real e a apreensão deste movimento pela razão (Marx, 1982, p. 14-21). No limite, não sendo tais experiências a expressão da teoria marxiana, logo a crise e o esgotamento da primeira não significam necessariamente a crise e o esgotamento da segunda.

A manutenção da fidelidade ao pensamento marxiano, espe-cialmente ao seu método, implica a necessidade de que sejam dis-tinguidos, dentro de sua concepção, os resultados da pesquisa sobre a sociedade burguesa de seu tempo, suas tendências gerais e o método da economia política. Os primeiros sofrem a corrosão do mo-vimento das categorias sociais que vão assumindo novas “formas de ser”, o que historicamente conduz à caducidade algumas

6. Vale enfatizar que tal ambiguidade em grande medida deve-se aos apologistas do ex-socialismo real, porque identificavam qualquer procedimento econômico-político com a teoria marxiana, ficando, portanto, fácil para os críticos do marxismo equalizarem ao destino dado historicamente as sociedades referidas à teoria de Marx (Netto, 1993).

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tendências na legalidade do ser social, além, evidentemente, das previsões e prognósticos calcados na observação destas legalidades ultrapassadas no plano real.

Por outro lado, o método que propõe a “máxima fidelidade na reprodução ideal do objeto de análise” mantém inalterada sua vali-dade teórico-prática, na medida em que este processo de “máxima fidelidade” significa a própria autoverificação de suas categorias em face do movimento do real.7

Para efeito ilustrativo, cabe colocar que um dos componentes causais do malogro de grande parte das experiências do chamado “socialismo real” consistiu exatamente no enrijecimento das estrutu-ras analíticas e institucionais e de categorias — as quais não tiveram sua gênese em si próprias, mas, como vimos anteriormente, suas raízes são históricas que se autonomizaram do real, ganhando vida própria,8 levando ao descolamento entre a direção política e a própria classe que dizia representar.

Certamente, não se pode afirmar — sem incorrer-se num brutal logicismo — que a determinação central destes equívocos deveu-se exclusivamente a um problema metodológico, mas também não se pode negar que a orientação teórico-metodológica está necessaria-mente aderida a outras determinações, sejam estas de que natureza forem: políticas, ideológicas, estratégicas etc. sem entretanto ser o fator determinante primordial.

7. O movimento metodológico de busca da máxima fidelidade ao objeto é o que Michael Löwy chama de “princípio da carruagem” que, acompanhando a crítica weberiana, levanta a necessidade de o marxismo superá-lo; em outras palavras, que o marxismo tem que ser “autoaplicável” (Löwy, 1987).

8. As categorias que se autonomizaram do real, na nossa análise, foram formas sociais que, em face do enrijecimento das estruturas analíticas dogmáticas, perderam o seu poder de captar e dar dinâmica à sociedade, torná-la cada vez mais socialista, por exemplo, a categoria de Partido, que, ao evoluir na direção da incorporação do Estado e subsunção quase total da so-ciedade civil, se autonomiza das raízes genéticas do próprio ideário revolucionário. Outro exemplo bastante elucidativo é a categoria de Ciência, que teve a sua existência cada vez mais limitada por um torniquete ideopolítico-policial, que lhe impediu avançar dialeticamente na direção do progresso socioeconômico.

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A argumentação acima se faz pertinente, na medida em que se deseja demonstrar, mesmo que minimamente, as razões de insistir-se em tratar de uma temática que perdeu muito de seu “charme”, em virtude dos fatos expostos linhas acima.

A principal razão de esta publicação centrar-se no campo da dialética marxista, prismada dentro de uma categoria metodológica (mediação) numa profissão (Serviço Social), prende-se à convicção de que o potencial heurístico e transformador deste método permanece, mais do que nunca, vivo.

O conhecimento científico, presumivelmente fiel à realidade social, tal como vem sendo perseguido desde as primeiras formas9 sistemáticas de compreensão deste conhecimento, tem se polarizado em duas grandes frentes: a primeira, compondo a tradição positivis-ta e a segunda, a perspectiva crítico-dialética.

A primeira busca compreender o funcionamento da sociedade e das estruturas que a compõem, com a finalidade de controlar, corrigir e reformar as disfunções das relações sociais, contribuindo para que o mais avançado modo de organização socioeconômico (sistema ca-pitalista) que a humanidade conquistou se mantenha garantido nas suas formas gerais e no seu aperfeiçoamento necessário.

A segunda transita numa concepção diametralmente oposta, buscando não só conhecer os processos históricos, que estruturam o ser social burguês, bem como suas leis tendenciais-históricas, como também apontar as forças sociais, políticas, culturais etc. de dissolu-ção desta ordem social.

Evidenciam-se, aqui, duas matrizes de racionalidade que se opõem: a racionalidade instrumental-manipuladora (positiva), e a racionalidade crítico-dialética (negativa)10 (Guerra, 1995).

9. Considera-se a Economia Política como o embrião de sistematização do conhecimento do ser social, rigorosamente dentro do ponto de vista marxiano; esta expressão relaciona-se à obra de Adam Smith e David Ricardo, distinguindo-os do que Marx classificava como “Econo-mistas Vulgares” (Bottomore, 1988, p. 119).

10. Esta problemática, devido a sua complexidade e importância, será objeto de análise nas seções posteriores do presente capítulo.

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Este tipo de classificação não implica um esquematismo do naipe “a verdade está aqui e não ali”. A questão incontornável é que a razão assume formas nitidamente distintas nas duas formulações, o que implica formas também distintas de encarar o dilema ciência--ideologia.

A polêmica neste particular, no âmbito das ciências sociais, é infindável e está longe de ser solucionada.11

É neste campo de árduos embates teóricos contemporâneos, que teóricos não marxistas presumem acenar para a grande fragilidade da teoria marxiana, acusando-a de enveredar pelo ideologismo mais chão, quando coloca o ponto de vista de classe, no caso, o proletariado, como o único capaz de captar a verdade, conforme está claro nesta canônica afirmação de Lukács: “[...] do ponto de vista do proletariado, o conhecimento de si mesmo e da totalidade coincidem — o proleta-riado é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto de seu próprio conheci-mento” (Lukács, 1981, p. 82).12 Se em parte os críticos do marxismo têm razão ao atingirem o feixe de pensamento contido na tradição marxista que se dogmatizou, particularmente os pensadores sintoni-zados com o espírito da Terceira Internacional, não logram atingir o

11. A discussão da cientificidade, no bojo das ciências sociais, não é nova, porque desde o século XIX vem atraindo pensadores para a arena de debates. No entanto, nos dias de hoje, esta peleja assume um caráter mais acirrado, exatamente porque se tem travado intensa discussão em torno da validade e das fragilidades do modelo de racionalidade científica, que emergiu no século XVI, com Descartes e aportou nas ciências sociais no século XIX, sendo a tradição positivista a sua clássica representação. Esta discussão é mais conhecida hoje como crise de paradigmas, que foi iniciada em relação às ciências exatas e naturais com o advento da teoria da Relatividade de Einstein e pelo marxismo e existencialismo em relação às ciências sociais. Para uma abordagem que visa levantar o “paradigma emergente”, que procura quebrar os rigores epistemológicos que separam as ciências naturais e as ciências sociais, ver Santos, 1988. Para uma abordagem que polariza marxismo e positivismo em face da sociologia do conhecimento, ver Löwy, 1988, e Lukács, 1979, para uma crítica ao existencialismo como cami-nho alternativo ao paradigma dominante.

12. Importante lembrar que o próprio Lúkacs fez autocrítica desta sua famosa identidade hegeliana sujeito-objeto, no prefácio de História e Consciência de Classe, de 1967 e em obras posteriores suas. No entanto, ao longo de sua trajetória intelectual sempre sustentou que o ponto de vista do proletariado é superior ao pensamento burguês, por ser vital à superação de sua condição de classe o conhecimento da sociedade burguesa (Lukács, 1979(3); Löwy, 1979).

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pensamento marxiano, conforme demonstrar-se-á a seguir através de seu melhor intérprete: Lukács.

Desta complexa discussão acerca do protagonista central do processo revolucionário, abordar-se-á apenas o aspecto da relação ciência-ideologia; em outras palavras, a discussão da teoria do conhe-cimento e sua polêmica contemporânea, considerando o centro da nossa análise ser neste momento a afirmação da validade e atualida-de do método dialético no processo de conhecimento. Ainda aqui não se ultrapassará uma abordagem tangencial, apenas com o fito de situar esta temática na polêmica contemporânea.

Retornando ao principal eixo lukacsiano de História e consciência de classe (1974) anteriormente citado, necessita-se buscar a raiz desta tão profunda e controvertida afirmação. Lukács chega a tal assertiva desenvolvendo sua conhecida ideia de que a sociedade é uma tota-lidade; então a única classe capaz historicamente de buscar esse ponto de vista totalizante era a classe proletária, porque somente através desta perspectiva poderia superar sua condição de subjugação (cf. Lukács, 1981).

O principal desdobramento da ideia de Lukács, acima colocada, é o aprofundamento da abordagem feita por Marx no Posfácio da segunda edição d’O capital, onde este afirma ter soado “o dobre de finados da ciência econômica burguesa” (1988, p. 11). Lukács vai chamar de decadência do pensamento burguês o resultado da análise que, após o período de dissolução do pensamento hegeliano13 (1830-1848), no qual a classe burguesa abandona definitivamente sua posição histórica de classe revolucionária, para assumir a postura conserva-dora e dominante.

13. A dissolução do pensamento hegeliano é um marco essencial na trajetória da história do pensamento ocidental, mais especificamente aquele surgido dentro dos marcos da ordem burguesa, porque a maioria das correntes de pensamento que desempenham papel mais pon-derável no cenário sociofilosófico, com raízes no século XIX, necessariamente passa por dentro de uma das tendências advindas da dissolução do pensamento hegeliano, seja à direita (incor-porando o logicismo idealista ou o conservadorismo político do último Hegel), ou à esquerda (incorporando os núcleos temáticos essenciais do pensamento hegeliano: o humanismo e a razão dialética). Para ampliação desta análise, consultar Coutinho, 1972, p. 14.

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O pensamento burguês, conforme análise arguta de Coutinho (1972, p. 7-16), é premido por necessidades históricas no sentido de mudar as “armas” que usou enquanto classe revolucionária para superar o “ancien régime”, porque estas voltariam o seu gume racional contra si próprias.14

É Lukács quem busca demonstrar que a emergência do proleta-riado, como classe que possui a missão histórica de conduzir a ultra-passagem da sociedade capitalista, através da superação da “ciência burguesa” apologética, concretiza-se, principalmente, com a superação revolucionária de sua condição de classe.

Esta tendência, real e corretamente captada pelo mesmo autor, da decadência do pensamento burguês, já há algum tempo e espe-cialmente nos dias de hoje, não pode ser tomada como absoluta.

Sem dúvida que jogar todo o saber produzido por pensadores burgueses, desde 1848, na conta de “falsa consciência” seria incorrer-se em generalizações de pouca consistência. Mas, por outro lado, há que se constatar que claramente se percebe no fio condutor das produções burguesas o traço marcante da parcialidade e o limitado alcance eluci-dativo quanto aos processos genéticos que estruturam o ser social. Sem falar nas segmentações particularistas operadas por estas tendências teórico-filosóficas no plano da compartimentalização do conhecimento.

Tais afirmações absolutamente não infirmam a possível validade destes conhecimentos mesmo que parciais e distantes da perspectiva de totalidade.

Evitando a posição relativista no tratamento da questão do co-nhecimento, enfocar-se-á a relação da dialética concreta de Marx com a tradição marxista.

14. Sobre esta questão Marx pronunciou-se da seguinte forma: “[...] daí em diante (pós-1848) a luta de classes adquiriu, prática e teoricamente, formas mais definidas e ameaçadoras [...] não interessava mais saber se este ou aquele teorema era verdadeiro ou não; mas importa-va saber o que, para o capital, era útil ou prejudicial, conveniente ou inconveniente [...] os pesquisadores desinteressados [economistas políticos clássicos] foram substituídos por espa-dachins mercenários, a investigação científica imparcial cedeu lugar à consciência deformada e às intenções perversas da apologética” (Marx, 1988, p. 11).

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Pode-se verificar na tradição marxista, no que tange à questão da relação ciência-ideologia, que os enfoques se dão de maneira diversificada.

Dentro desta perspectiva, há inúmeros autores que, embora par-tindo de Marx, vão se colocar em posições bastante estranhas ao autor d’O capital, por exemplo aqueles que tentaram introduzir “ciên-cia” no marxismo na II Internacional (como Bernstein, Kautsky, Plekhanov).15 Além destes, lembre-se da concepção marxista-leninis-ta, como modelo teórico e prático-político de compreensão “científica” para a chegada à sociedade socialista, vulgarizado através dos vários manuais de tipo “Questões da Doutrina Marxista-Leninista” ou “Fun-damentos de marxismo-leninismo”. Esta última postura redundou no engessamento da dialética e da própria possibilidade de avanço teó-rico-prático da sociedade através do burocratismo.

Finalmente, neste quadro necessita-se incluir o chamado marxis-mo estruturalista com nítida contaminação positivista,16 cujo clássico representante é Althusser.

O quadro anteriormente delineado, apresentando alguns dos principais enviesamentos em face do pensamento de Marx, vem de-monstrar que algumas das críticas advindas dos pensamentos histo-ricista e/ou existencialista (aqui explicitamente é o caso de Sartre, 1978) tem procedência quando dirigidas às vertentes acima citadas.

15. Aqui se necessita ressalvar que os autores citados, Bernstein, Kautsky e Plekhanov, sem dúvida possuem o traço comum de terem buscado a introdução do perfil “científico” no pen-samento de Marx, com evidentes traços positivistas; todavia as formas usadas por cada um foram bastante distintas. Por exemplo, o primeiro, clássico representante da corrente revisio-nista, faz uma crítica positivista de Marx, não reconhecendo em sua dialética o caráter de im-parcialidade necessário à ciência, o que o leva a propor a articulação de uma ética socialista com uma “ciência” positivista; o segundo, sob nítida influência darwiniana e em luta contra o revisionismo, tentou introduzir na análise marxista a concepção da naturalização das leis da sociedade e, finalmente, o terceiro, combatendo os dois primeiros se embate contra o subjeti-vismo no pensamento de Marx e um materialismo inteiramente determinista (cf. Löwy, 1988, p. 110; Quiroga, 1991, p. 27; Bottomore, 1988, p. 196 e 206).

16. Há uma vasta literatura bastante recomendável da qual se destaca principalmente Coutinho (1972). Também a publicação na literatura do Serviço Social de Quiroga (1991).

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Não se está, em hipótese nenhuma, na dogmática posição que aponta Marx como um inquestionável ou infalível pensador, nem tampouco recolocando a já surrada tentativa de descobrir a mais nova e correta releitura de Marx.

Concorda-se com a postura que centra sua ortodoxia no método e não em postulados e previsões que a história e a prática social mos-traram e demonstraram ser, senão equivocadas, pelo menos parciais. Mas, tais objeções não infirmam a teoria marxiana, muito menos seu método. Desenvolver-se-á esta afirmação na seção sobre a dialética marxiana neste capítulo.

Considera-se o método dialético superior às outras formas me-todológicas de conhecimento do ser social na sua complexidade in-trínseca. Não por um princípio escatológico de fé, mas em primeiro lugar devido a consideração concreta daquilo que está vivo na obra marxiana, ou seja, na captação correta das tendências históricas prin-cipais da sociedade burguesa, como por exemplo:

a consolidação do monopólio, a concentração e a centralização do ca-pital, o caráter anárquico da produção capitalista, a reinteração das crises periódicas, as dificuldades crescentes para a valorização, os problemas da baixa tendencial das taxas de lucro, a contínua reprodu-ção da pobreza relativa, os processos alienantes e reificantes (Netto, 1991, p. 21).

Em segundo lugar, pela convicção que estas argutas percepções de Marx quanto às leis tendenciais da ordem burguesa sinalizam a correção do método de conhecimento da sociedade dentro do mo-vimento histórico. É como afirma Lukács quanto à ortodoxia do método:

A ortodoxia em matéria de marxismo refere-se ao contrário e exclusi-vamente ao método. Ela implica a convicção científica de que, com o marxismo dialético, encontrou-se o método correto de investigação [...] (Lukács, 1981, p. 60) (grifo nosso).

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A mais nova “crise” vivida pela teoria social de Marx,17 na rea-lidade, não é mais que o reflexo do esgotamento da experiência do socialismo burocrático, que foi uma organização social historicamen-te datada. Mas, torna-se fácil compreender a razão da falsa identida-de feita entre as duas crises: quando uma dada forma de organização social entra em colapso, evidentemente a base teórica sobre a qual presumivelmente esta se erguera, necessariamente tem que ser colo-cada em causa. É aqui neste ponto que se explicita mais claramente as diferenças entre as duas “crises”, pois para a concepção dialética materialista o ser social é intrinsecamente contraditório, porque atra-vessado por forças antagônicas que estão constantemente desestabi-lizando as estruturas sociais, levando, inevitavelmente às crises sociais; então o fato do colapso do socialismo real em absoluto infirma a teoria social marxiana. É forçoso e incontornável que a teoria sofra o impacto das evoluções históricas do ser social, porque somente atra-vés do “critério da prática” é que a teoria pode afirmar ou não seu poder heurístico.

São da própria essencialidade do método lidar com as crises, descobrindo seus determinantes, mediações e tendências históricas. Até porque o processo de superação (aufheben) somente se dá através do processo de negação, de ultrapassagem, de crise.

É, portanto, extremamente saudável, que esse intenso “bombar-deio” que o método marxiano vem sofrendo coloque em xeque fun-damentos da teoria na qual está inscrito, porque é deste processo contraditório que emergirá a superação dos limites, das imprecisões, das simplificações e porque não dos próprios equívocos que Marx e seus seguidores cometeram.18

17. Afirmou-se: “a mais nova crise do marxismo, porque não são recentes os anúncios de ‘morte do marxismo’, antecede em muito aos fatos de 1989”. Em Anderson (1985) tem-se um legítimo mapeamento do problema.

18. Discutindo os impactos das profundas e recentes mudanças nos países do leste europeu sobre a teoria marxiana, Netto faz uma síntese precisa acerca deste ponto: a validez da teoria marxiana está exatamente no método que permitiu a Marx descobrir as determinações nuclea-res da ordem burguesa e é este método que permite, hoje, superar as próprias teses marxianas que o evolver da ordem burguesa anacronizou (1991, p. 24).

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O escrito de Reinaldo Nobre Pontes concentra-se no tema “mediação”, relacionado à dialética marxista, especialmente dentro da tradição lukacsiana. A mediação aparece na obra como categoria metodológica, não apenas com a capacidade de apreender o real, mas de modo particular com a capacidade de transformá-lo, revelando as infindáveis relações presentes no movimento contraditório da história. O estudo compõe-se de capítulos bem articulados, em muitas passagens representando reflexões cativantes sobre textos, depoimentos e obras. Chamo a atenção para a bibliografia bas-tante especializada, adequadamente distribuída no livro sem excessos, e ainda para o equilibrado relacionamento entre a exposição teórica e o exame dos textos, dos depoimentos e demais publicações. Reinaldo Nobre Pontes esclarece teórica e até didaticamente a mediação, põe a descoberto os jargões tão ao gosto da aca-demia, dentre eles a própria mediação, repelindo o discurso vazio e a análise descabida e ligeira. Mesmo assim, o Autor não aplica nem poderia aplicar todo o conjunto teórico exposto ao longo do estudo. Deste conjunto teórico, em que sobressaem os fundamentos conceituais do marxismo, são empolgantes as considerações analíticas relacionadas com G.W.F. Hegel. É inegável que uma obra desta natureza contribui de fato para as investigações no Serviço Social, tornando assim muito mais complicada a pesquisa de suas práticas e muito mais esmera-das as suas discussões.

Evaldo Vieira

A categoria de mediação é absolutamen-

te central para todos aqueles analistas e

interventores sociais que se pretendem

inspirados por uma perspectiva crítico-

-dialético. Do ponto de vista teórico, é

ela que pode garantir uma apreensão

adequada (rica, multívoca, matizada)

da processualidade histórico-social; do

ponto de vista prático, é ela que pode

assegurar uma intervenção eficaz e racio-

nalmente orientada sobre os fenômenos

societários.

Esta centralidade é consensualmente ad-

mitida, desde a sua valorização por Hegel

e a inflexão teórico-metodológica reali-

zada por Marx. Também se admite, con-

sensualmente, que o seu desvelamento,

dada a sua extrema complexidade, é

operação das mais difíceis. E os debates

teóricos no terreno do Serviço Social são

uma prova eloquente desta dificuldade: a

bibliografia profissional não dispunha de

nenhum trabalho de maior fôlego sobre

mediação, ainda que a categoria viesse

referida a três por dois.

O ensaio que Reinaldo Nobre Pontes publi-

ca agora vem preencher esta considerável

lacuna. Amparado em fontes de maior

credibilidade, o autor, com sólido domínio

do tema e extrema segurança analítica,

oferece da mediação o primeiro tratamen-

to sistemático e profundo de que temos

conhecimento na literatura do Serviço

Social. Sem pretender exaurir a proble-

mática — uma pretensão obviamente

ilegítima —, Reinaldo Nobre Pontes coloca

à disposição de professores, estudantes e

profissionais (e não só da sua área, mas

atendendo a demandas de conjunto das

ciências sociais) uma síntese competente

das determinações constitutivas da ca-

tegoria ontológica que Lukács reputava

como nuclear.

Com a publicação deste livro que é, até

este momento, único, Reinaldo Nobre

Pontes aporta uma preciosa contribui-

ção ao debate teórico e suas incidências

prático-concretas — no Serviço Social, em

particular e, em geral, nas Ciências Sociais.

José Paulo Netto

REINALDO NOBRE PONTES

REIN

ALDO

NOB

RE P

ONTE

S

MEDIAÇÃOe SERVIÇO SOCIAL

MEDI

AÇÃO

e SER

VIÇO

SOCIA

L

8a ediçãoObra revista e ampliada

ISBN 978-85-249-2450-7