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MAPA DA VIOLÊNCIA LETAL CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE NOVA
IGUAÇU
RELATÓRIO FINAL
Março de 2010
2
MAPA DA VIOLÊNCIA LETAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE NOVA
IGUAÇU
RELATÓRIO FINAL
Coordenação:
João Trajano Sento-Sé
André Rodrigues
3
MAPA DA VIOLÊNCIA LETAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE NOVA
IGUAÇU
RELATÓRIO FINAL
Secretário Executivo:
Pedro Strozenberg
Pesquisadores:
Angelica Faria
Caio Dias
Carolina de Souza Costa
Raphael Torres Brigeiro
Márcio Lázaro
Secretária:
Helena Mendonça
4
AGRADECIMENTOS
A variedade e a densidade das informações contidas no presente relatório – que
buscam corresponder à complexidade do fenômeno que nos arvoramos a estudar aqui –
deve servir ao leitor como um indicativo da quantidade de pessoas e instituições com as
quais tivemos de contar para que lográssemos um resultado satisfatório na pesquisa.
Trata-se, portanto, de um trabalho coletivo, costurado a muitas mãos em árduos meses
de presença em campo e maturação analítica. É nosso dever, dessa forma, expressar a
gratidão aos diversos atores que contribuíram para que este trabalho fosse realizado.
Esperamos corresponder às contribuições que recebemos com as análises que
apresentaremos a seguir.
Agradecemos também a iniciativa da Prefeitura de Nova Iguaçu
operacionalizada pela Secretaria Municipal de Assistência Social e Prevenção da
Violência – SEMASPV. Dessa instância recebemos finíssimo acompanhamento
decorrente de uma afinada parceria posta em prática pelas pessoas da Secretária Sra.
Olga Salgado Castro e dos técnicos e especialistas da secretaria, Anderson Francisco B.
da Silva, Angela Brandão, Marcio Lázaro, Laudicéia da Silva, Paulo Mantuano, Letícia
Almeida; todos foram, em alguma etapa do processo, atentos interlocutores para a
construção do projeto. Gostaríamos de lembrar especialmente de Luiz Eduardo Soares,
Eduardo Ribeiro e Dorian Borges, idealizadores do projeto e que seguiram sendo
parceiros importantes nas formulações e discussões acerca dos resultados.
Do ISER tivemos, além da equipe do projeto, o apoio e o carinho
imprescindíveis de pessoas que colaboraram com idéias, debates, trâmites formais,
produção de documentação para registro e histórico do projeto, além de terem fornecido
o incentivo que resulta da parceria cotidiana. Agradecemos, então, a nossos colegas de
trabalho George Telles, Helena Mendonça, Silvia Vieira, Pedro Strozenberg e Christina
Vital.
No trabalho de campo fomos sempre recebidos com a paciência e a atenção de
pessoas de diversas instâncias nas quais coletamos informações e realizamos
entrevistas. Agradecemos a generosidade com que trataram a equipe de pesquisa
(lembremos que o pesquisador muitas vezes é uma figura inconveniente pela própria
5
natureza de sua atividade, interferindo nas rotinas de trabalho, fazendo perguntas,
fuçando em arquivos, etc.): do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do
Adolescente, a Sra. Nair; da Vara da Infâcia, o juiz Sr. Francisco Mariano Brito, a
assistente social Sra. Ana Lucia Gomes, a psicóloga Renata Monteiro; da coordenação
dos Conselhos Tutelares a Sra. Claudia Peruci; dos Conselhos Tutelares, a Sra. Aretha
de Santos Ramos Guimarães, a Sra. Jordelina, a Sra. Dulcelena, a Sra. Ana Cléia, a Sra.
Monalisa, a Sra. Luisa Melo da Silva, o Sr. Paulo Henrique, a Sra. Ana Paula e o Sr.
Wilker; da Promotoria da Infância e da Juventude, as promotoras Carla Tereza de
Freitas Baptista Cruz e Cristiane Nascimento Ferreira; do FAVVO, a Sra. Lydia
Marques; os moradores de Nova Iguaçu, Sr. José Roberto Moraes Barbosa e Sra.
Luciene Silva; do Hospital Geral de Nova Iguaçu, o diretor Geral Sr. Marcelo Alcântara
Ribeiro de Castro, a psicóloga Lusanir Carvalho, a assistente social Mara Cunha; do
IML, o Sr. Taurion; da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, o delegado Orlando
Zaccone; do Instituto de Segurança Pública, o Ten. Cel. Paulo Augusto Souza Teixeira.
Todos, em diversos momentos da pesquisa foram imprescindíveis para que este
relatório pudesse ser elaborado. Manifestamos, por isso, nossa sincera gratidão e
reconhecimento.
É preciso lembrar, ainda, daqueles que puseram a mão na massa e foram a
campo atrás de cada uma das informações aqui presentes. Nossos pesquisadores: Caio
Gonçalves Dias, Carolina de Souza Costa e Raphael Torres Brigeiro. Muito obrigado.
É preciso agradecer e reconhecer, por fim, o incentivo a uma iniciativa tão
importante para Nova Iguaçu manifestado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos
do Governo Federal, que foi a fonte financiadora do projeto.
A despeito das contribuições de cada um dos que foram aqui citados, quaisquer
erros ou eventuais imprecisões analíticas são de responsabilidade dos autores desse
relatório.
Contando que este relatório pode ser uma merecida contrapartida a toda a
atenção dispensada por cada um dos personagens que lembramos, reafirmamos nossa
gratidão.
6
SUMÁRIO
Introdução 7
I. De Moxambomba à Baixada; da Baixada à Nova Iguaçu. Um histórico de
violência 10
II. Mortes violentas em Nova Iguaçu 22
II.1. Nova Iguaçu no cenário nacional 24
II.2. A violência letal e a violência letal que atinge crianças e
adolescentes em Nova Iguaçu 29
III. Georreferenciamento da violência letal intencional em Nova Iguaçu 42
III. 1. Georreferenciamento como instrumento de diagnóstico 44
III. 2. Notas metodológicas 46
III. 3. Distribuição espacial das mortes provocadas por crimes
letais intencionais 48
III.4. Apresentação dos mapas, enfatizando a concentração e os
deslocamentos nos últimos três anos 58
IV. Um passo adiante dos dados policiais. Disque denúncia e conselhos
tutelares 71
IV. 1. O que a população de Nova Iguaçu revela ao Disque
Denúncia 73
IV. 2 Conselhos Tutelares. O que se passa com crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade em Nova Iguaçu 95
IV.3 Fluxos de atendimento de três conselhos em Nova Iguaçu 96
V. Organograma do sistema de controle e de proteção 124
V.1. O circuito de proteção e de justiça em Nova Iguaçu 131
V. 2. O(s) Lugar(es) da sociedade civil. Grupo de Apoio a
Familiares de Vitimas da Violência -- FAVVO 150
VI. Para a criação de um sistema municipal de informações sobre vitimização
infantil e juvenil 154
VII. Breve conclusão para um longo percurso ou notas para a criação de um
sistema integrado de proteção focado na redução da vitimização letal de
crianças e adolescentes 159
VIII. Referências bibliográficas 160
7
Introdução
O quadro geral de mortes violentas intencionalmente perpetradas tem se
revelado um dos principais problemas no Brasil desde as últimas duas décadas do
século passado. Lidar com tal fenômeno não tem sido fácil, em função de fatores
variados. Algumas das razões têm a ver com questões estruturais, como os altos
índices de desigualdade social, a baixa capacidade dos agentes públicos de promover
acesso a direitos básicos à sociedade como um todo e uma cultura consolidada,
através de séculos, em que o princípio da autoridade foi negligenciado em favor do
mero recurso à força extremada com a finalidade de produzir uma ordenação pública
razoavelmente estável. Há muito a se fazer em cada um desses campos, mas seus
resultados, é legítimo recear, não aparecerão em curto ou mesmo médio prazo. Outras
razões são quase tão complexas quanto as primeiras, mas podem ser objeto de
intervenções mais contundentes que redundem em inflexões mais rápidas e efetivas
para a queda do volume de incidências letais. A precariedade do sistema de
informações criminais, os padrões de atuação das instituições do sistema de justiça
criminal, a ausência de articulação dessas com outras instâncias de promoção de
justiça e acesso a direitos são problemas difíceis, mas passíveis de serem contornados
com ganhos sensíveis. A pesquisa aqui apresentada tem estas últimas como seu foco
privilegiado. Tem, também, uma ênfase num segmento específico de vítimas da
violência letal: crianças e adolescentes.
O interesse pelas mortes violentas de crianças e adolescentes pode ser
justificado por várias maneiras. Em primeiro lugar, a incidência dessa modalidade
específica de violência criminal - a morte intencional - sobre esse segmento
específico é bastante alto. Em segundo lugar, embora ele seja superado pelas taxas
encontradas nas faixas etárias subseqüentes, acreditamos que é nas faixas etárias
iniciais que são criadas as condições para o aumento significativo observado nas
faixas que lhes sucedem. Em terceiro e último lugar, dado seu lugar social, crianças e
adolescentes, num contexto conflagrado como se tem revelado a sociedade brasileira,
são segmentos especialmente vulneráveis, carentes, portanto, de providências
especiais que lhes protejam, quando, por vezes, as próprias famílias e demais círculos
básicos de socialização e proteção não o fazem.
8
O espaço em que nossa pesquisa se realizou foi determinado por uma bem
vinda combinação de necessidade e contingência. A partir de um convênio entre a
Prefeitura de Nova Iguaçu e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, o ISER foi
convidado para realizar um mapeamento das mortes causadas intencionalmente de
crianças e adolescentes em Nova Iguaçu. Iniciativa bem vinda, uma vez que uma das
dificuldades para lidarmos com o problema da letalidade intencional tem sido a
indisponibilidade de diagnósticos e de conhecimento qualificados sobre o fenômeno.
Reverter tamanho grau de desinformação não é fácil, mas é tarefa totalmente factível
e tenderá a causar impacto nas taxas se levada adiante com firmeza e seriedade.
Realizar tal experiência em Nova Iguaçu se justifica por seu histórico de violência
continuada ao longo de muitas décadas.
A pesquisa foi realizada, portanto, com uma dupla ambição. Mapear as mortes
intencionalmente provocadas em Nova Iguaçu. Além do interesse sociológico
embutido nesse tipo de inquirição, podemos, a partir dele, fornecer às autoridades as
indicações das áreas críticas de maior incidência de violência letal contra crianças e
adolescentes. Simultaneamente, o percurso foi concebido de forma a ser encarado
como uma pista para a formulação de modelos a serem adotados em outros
municípios brasileiros que porventura se imponham o mesmo desafio assumido pela
prefeitura de Nova Iguaçu com o aval da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
Não pretendemos, que fique claro, estabelecer um modelo. Sinalizamos, apenas, com
algumas sugestões de percursos, fontes, problemas a serem contemplados. Outras
contribuições, esperamos, deverão somar-se às nossas, num trabalho em que
paternidades e autorias devem ser encaradas como preocupações menores diante do
imperativo de conferir mais solidez às bases civis e políticas da democracia brasileira,
bem como de robustecer o conhecimento acerca das dinâmicas da violência letal
intencional no Brasil.
No primeiro capítulo, possivelmente inspirados nas lições toquevilleanas
acerca do aprendizado que a história nos confere para a devida compreensão de
fenômenos sociais, estabelecemos um rápido relato sobre a formação histórica da
Baixada Fluminense e as conexões desta com a recorrência da violência e da
criminalidade na região. Longe de ser uma espécie de maldição inerente, ou
9
destinação inevitável de uma determinada área, as dinâmicas pautadas pela violência
em Nova Iguaçu têm a ver com escolhas e artifícios humanos, ainda que os resultados
escapem a suas intenções originais. Têm a ver, portanto, com os rumos sociais,
políticos e culturais que atravessaram a história da formação dessa região em que
virtude e fortuna conspiraram de modo a pautar uma trajetória em que a violência e o
crime ocupam um lugar específico nas dinâmicas sociais e nas formas de construção
de um tipo específico de ordenamento político.
No segundo capítulo, apresentamos o cenário da violência letal em Nova
Iguaçu numa perspectiva nacional. A idéia de uma região insulada de seu contexto
mais geral é uma péssima companhia para quem quiser efetivamente entender o lugar
de Nova Iguaçu e o que ali se passa. Ainda nesse capítulo, fazemos nossa primeira
imersão no município, divisando os pontos de estrangulamento e alguns aspectos das
dinâmicas ali observadas.
No capítulo três, procedemos a um georreferenciamento dos casos de
vitimização letal intencional, tentando identificar as áreas mais conflagradas e o nível
de dispersão desses episódios, em geral, e dos casos específicos relativos à morte de
crianças e adolescentes no município.
No capítulo quatro, saímos da dimensão propriamente policial para
identificarmos o que a população de Nova Iguaçu, através do programa Disque
Denúncia, aponta como problemas cruciais do município no que diz respeito à
violência criminal. Operamos esse deslocamento por duas razões. Em primeiro lugar,
acreditamos que os episódios de violência letal só podem ser isolados de contextos de
conflitos mais amplos através de um procedimento artificial de caráter analítico. Na
prática, entendemos que esse universo está cercado por uma ambiência de agressões,
violações e disfunções do aparato de produção da ordem pública muito mais amplos,
que devem ser levados em consideração para a formulação de políticas para o setor.
Ainda no capítulo cinco, tratamos da mesma temática com um foco mais específico,
tendo por fonte o fluxo de atendimento de três conselhos tutelares em Nova Iguaçu.
Verificando tais fluxos e aprendendo com a experiência dos conselheiros tutelares
dedicados ao atendimento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade,
10
supomos verificar as fissuras de um padrão de sociabilidade que produz um volume
de mortes absolutamente inadmissível.
No capítulo cinco, alargamos nosso escopo para as instâncias afetas
diretamente às dinâmicas que geram os indicadores com que somos obrigados a lidar,
visando, também, verificar os ruídos e disfunções de um sistema que, a despeito de
estar, hoje, bastante equipado institucionalmente, funciona de forma insuficiente, ao
menos se levamos em conta os números sumarizados no capítulo dois.
Finalmente, no capítulo seis, apresentamos uma proposta de construção de um
sistema integrado de informações. Acreditamos que a construção de um sistema dessa
natureza pode ser extremamente útil para a orientação de iniciativas e de
investimentos do poder público para a redução dos índices de mortes voluntariamente
perpetradas contra crianças e adolescentes em Nova Iguaçu. Acreditamos que a
construção de um sistema dessa natureza não é propriamente fácil, mas as
dificuldades aí implicadas são muito mais de caráter político do que propriamente
técnicos. Elas, contudo, podem ser contornadas e aqueles que o fizerem certamente
carregarão consigo o mérito por terem se disposto a isso.
Deixemos explícito, em linhas gerais, o que buscamos e a que resultado
chegamos, sem prender a apresentação à ordem dos capítulos tal como seguem.
Temos uma convergência razoável, mas não absoluta, entre os bairros de maior
concentração de violência letal e de violência letal afetando crianças e adolescentes.
Esses bairros são preferencialmente áreas de grande concentração populacional, mas,
também, de serviços e agências do poder público, o que nos leva a crer que, a
despeito de alguns pontos graves em áreas mais distantes, é nos bairros centrais que
se concentram os maiores problemas de Nova Iguaçu quanto a questão aqui tratada. O
fato dessa concentração se dar onde há um maior número de serviços e equipamentos
públicos sugere que o desafio não está tanto na criação de mecanismos de controle e
de acesso a direitos, mas, sim, em seu funcionamento. Um dos problemas relativos ao
mau cumprimento das atribuições do poder público, aparentemente, diz respeito à
insularidade de cada setor de atendimento e prestação de serviços em relação aos
demais.
11
Muitas das dinâmicas que vitimizam crianças e adolescentes têm a ver com
padrões sociológicos instituídos historicamente no município. À violência privada
soma-se o arbítrio de certas instituições públicas, resultando numa espécie de barril
de pólvora de acionamento continuado. O padrão de resignação frente a essa lógica
encontra-se ainda fortemente enraizado, mas são perceptíveis mudanças propiciadas
pelo advento de certas normas e marcos legais, bem como pela atuação, ainda que
precária, de algumas instituições. Dentre estas, cabe destacar duas. Os conselhos
tutelares revelam-se, em Nova Iguaçu, um promissor recurso de políticas públicas,
ainda que marcados, hoje, por uma carência de recursos técnicos que inibem o
adequado desenvolvimento de seu potencial. Acreditamos que está na radicalização
desse invento, associando uma sofisticação técnica a seu perfil original militante (que
deve ser preservado) um instrumento indispensável para políticas para crianças e
adolescentes em âmbito nacional. Tomada essa iniciativa, os conselhos podem
efetivamente funcionar como eixo agregador e integrador tanto das demais instâncias
públicas (ligadas aos poderes executivos e ao judiciário), quanto dessas com a
sociedade civil. Quanto a esta última, cabe atentar, dando seu devido valor, para uma
possível tendência associativa, novidade maior e melhor no contexto das discussões
sobre segurança pública no Brasil. Destroçadas pelos regimes autoritários que se
sucederam no Brasil, as instâncias associativas da região retomaram o fôlego
recentemente e têm no confronto à violência um dos seus princípios articuladores
mais relevantes.
No longo percurso que fizemos, tomamos contato com profissionais e atores
públicos imbuídos e comprometidos com seus respectivos trabalhos. Colecionamos
histórias estarrecedoras, algumas das quais relatadas parcial ou integralmente nas
páginas a seguir. Arriscamos, ao fim de cada capítulo e na conclusão, algumas
conclusões e indicações do que pode ser feito para o curto prazo que o fenômeno
impõe para sua superação. A avaliação sobre os avanços obtidos e a plausibilidade
dos postulados aqui defendidos é prerrogativa do leitor interessado.
12
I. De Maxambomba à Baixada; da Baixada à Nova Iguaçu. Um histórico
de violência
Nas décadas de sessenta e setenta do século XX, a Baixada Fluminense
chegou a ser considerada a área urbana mais violenta do mundo. Nesse momento, a
Baixada era cenário regular de homicídios com traços suficientemente fortes para
aparecerem com destaque nas folhas policiais e nos meios de comunicação
especializados em crônica policial sensacionalista. Ações de justiceiros, corpos
abandonados com marcas de torturas e sevícias, chacinas, indícios de participação de
policiais em execuções sumárias, cadáveres encontrados com mensagens
ameaçadoras ou de grupos de extermínio acrescentavam invariavelmente um tom
mais sinistro a episódios cuja mera ocorrência, o assassinato, por si só já deveria
bastar para causar repulsa e indignação. O Brasil vivia, então, um período de ditadura
política e a recorrência quase naturalizada disso que virou uma prática e uma
característica de um conjunto de municípios tão próximos da mais conhecida e
glamorosa cidade do país fazia da Baixada Fluminense uma região marcada pelo
medo, a insegurança e o arbítrio de tempos sombrios.
A julgar pelos historiadores que reconstituíram a história da região, contudo, a
violência em sua configuração mais radical é bem mais antiga. A crônica da violência
letal na Baixada Fluminense confunde-se com a própria história de ocupação e
consolidação dessa área limítrofe à cidade do Rio de Janeiro. Ainda quando o que
hoje reúne mais de dez municípios era conhecido por Maxambomba, a violência era
marca da região e o mais utilizado instrumento de poder político. Lá se concentravam
senhores escravocratas que, em suas disputas intraelites, apoiavam quilombolas;
escravos fugidos que serviam a senhores que, posteriormente, os perseguiam, e
aventureiros que ou encapavam a mesma lógica ou despareciam numa região em que
cerca de metade de sua área era composta por pântanos e mangues sem qualquer
utilidade para a atividade produtiva.
Associada à violência, a pobreza. Os cultivos da cana e, muito posteriormente,
da laranja, jamais foram expressivos o suficiente para consagrarem uma era de
abundância, nem mesmo em seus períodos de maior intensidade. Entre um e outro, o
13
papel de corredor no transporte do café para o porto do Rio de Janeiro se traduziu em
uma atividade dispendiosa, intensiva e dificultada pelas condições geográficas da
região, abandonada pela criação de linhas férreas que tornavam o fluxo dos centros
produtores para o porto mais rápido, racional e seguro. Datam do período de apogeu
dessa atividade as primeiras notícias de epidemia de malária e que indicavam o quão
propícias as condições locais eram para a disseminação de doenças infecto-
contagiosas. O mesmo eixo ferroviário que solapou a precária fonte de riqueza da
região no final do século XIX, foi também decisivo para novas configurações da
região.
A partir do início do século XX, o município de Maxambomba começa a
receber um grande fluxo populacional, em parte devido ao incremento da agricultura
citrícola, principalmente do cultivo da laranja, em parte devido a iniciativas do
governo federal, estimulando a construção de casas na cidade e nos distritos de
Nilópolis, Duque de Caxias e São João de Meriti. Em 1916, a antiga vila é rebatizada
como Nova Iguaçu. Já nas décadas de 1940, os três distritos mais urbanizados da
região se tornam autônomos compondo com a cidade matriz, Nova Iguaçu, a Baixada
Fluminense que, ao longo da democracia de 1945, será um importante reduto
eleitoral, uma fábrica de lideranças políticas locais que fazem carreira combinando
promoção de benefícios às populações pobres e intimidação, e um foco de tensões
sociais.
A literatura especializada costuma relacionar as dinâmicas que se instituíram
na Baixada às políticas adotadas para a cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente,
às estratégias de “higienização” da capital federal, posteriormente estado da
Guanabara e, finalmente, capital do novo estado do Rio de Janeiro. Segundo tais
versões, a Baixada foi receptáculo de levas de migração de setores empobrecidos da
população carioca expulsos da região central da cidade e mesmo de sua periferia mais
próxima. Do mesmo modo, foi pólo de atração de ondas migratórias do interior do
estado do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. A ocupação que fez com que os
municípios da Baixada crescessem em escala teve como uma de suas estratégias o
estímulo à ocupação de loteamentos de terras outrora utilizadas para o cultivo da
laranja, e viabilizada pelo desenvolvimento dos meios de transporte de massa. As
14
casas, construídas às custas de seus novos ocupantes, foram se avolumando sem
qualquer infraestrutura ou planejamento.
Cidades como Nova Iguaçu, Belford Roxo, Nilópolis e, em menor escala,
Duque de Caxias se tornaram o abrigo de populações extremamente pauperizadas,
subempregadas e sem acesso a serviços como saneamento, saúde e segurança. O
sistema de transporte, ainda que tenha sido uma das molas propulsoras para a
ocupação da região, também estava longe de ser satisfatório, restringindo-se a
garantir o fluxo em massa de trabalhadores de baixa qualificação da Baixada para
seus postos de trabalho, em geral na cidade do Rio de Janeiro.
Esse é o enquadramento para as dinâmicas em que estiveram presentes os
protagonistas de um sistema em que não se tinha como verificar as fronteiras entre o
mundo legal e a ilegalidade, o crime e a ordem jurídica, homens de bem e criminosos.
Ao contrário, o que se erige e se consagra na região da Baixada nos anos 1960 e 1970
é um imbróglio em que os pares opostos se misturam e se confundem, tendo como
conseqüência a barbárie que consagrou a região com o nada honroso título já
mencionado anteriormente.
A marca diferenciadora da violência na Baixada nesse passado recente foi a
atuação aberta de grupos de extermínio. Estes eram (o uso do tempo pretérito aqui é
quase um recurso meramente expositivo, uma vez que há claros indícios de sua
permanência ainda nos dias de hoje) normalmente compostos por autoridades
policiais e justiceiros locais. Segundo relatos jornalísticos e esparsas pesquisas
históricas, esses grupos foram formados, financiados e apoiados por comerciantes
locais, legitimados por autoridades e complacentemente acobertados pelo poder
judiciário. O problema, porém, seria menos complexo se por aí parasse. Comerciantes
locais também participavam de execuções, matadores tinham acesso a cargos na
administração pública, incluindo órgãos do judiciário, os famigerados grupos por
vezes eram comandados por lideranças locais e, trata-se de mais do que de uma
simples lenda, muitas vezes funcionaram como uma espécie de escola de formação de
líderes locais. Certa vez, um pesquisador apurou, durante seu trabalho de campo, o
caso de um influente comerciante de Nova Iguaçu que, associado a um grupo de
15
extermínio, tinha o improvável hábito de levar seu filho, ainda pequeno, nas
operações, para que o garoto desde cedo soubesse como se faz justiça e se garante
seus negócios.
Autores como Alves (1998) apontam a forma de intervenção dos governos
militares na região como uma das principais razões para que ela fosse palco do
arbítrio e da violência de grupos armados. Tal inferência procede. É difícil imaginar
que um Estado pautado pelo império da lei não disponha de recursos para mitigar a
proliferação e quase institucionalização desse tipo de procedimento para a produção
de uma ordem pautada pelo medo, pela instabilidade e pelo crime. Na ausência de
uma ordenação legal consistente e efetiva, a violência se firmou como linguagem
comum compartilhada, pela qual se dirimiram conflitos, se estabeleceram sentenças e
se consagraram nichos de poder.
Utilizada como instrumento de dominação, a violência foi incorporada
também em manifestações de resistência, reação e inconformismo pelos mais
desvalidos que, em situações limites, acabaram inscrevendo seus nomes na crônica da
Baixada mediante o uso das mesmas armas de que foram vítimas. São casos como o
de Dona Ilda do Prado (conhecida, também, como Ilda do Facão ou Ilda Furacão) e as
justiceiras do Capivari, que, tomando para si o papel de defenderem a comunidade a
partir de um episódio isolado, tornaram-se figuras emblemáticas de um tipo de
resistência que, invariavelmente, leva à morte e à reprodução da cadeia
aparentemente irrepresável de assassinatos (Monteiro, 2007)1.
A opacidade própria de regimes de exceção é adubo perfeito para proliferarem
acordos celebrados na calada da noite, convênios espúrios entre criminosos que,
diferentes em natureza, compartilham a mesma flexibilidade e complacência para
com a violação dos marcos legais. Assim, foi no regime militar que, com o endosso
das autoridades federais, uma família de comerciantes que enriquece com a prática da
1 Descrito por Linderval Augusto Monteiro, o caso de Dona Ilda é paradigmático de um tipo de
personagem que, diante do desamparo em relação ao aparato de serviços públicos, segurança inclusive, assume o papel de justiceiro, cuidando da segurança local, arregimentando adesões e apoio popular.
Alguns desses personagens acabaram seguindo bem sucedidas carreiras políticas, associando práticas
clientelistas ao uso da violência, abduzidos pelas dinâmicas locais convencionais. Outras, como Dona
Ilda, acabaram encontrando a morte violenta. Em seu caso, assassinada na porta de sua casa.
16
contravenção ascende ao poder em Nilópolis, tornando-se o mais influente e poderoso
ator político do município. É com base nas leis de exceção que as lideranças
organizadas em torno de sindicatos e associações são abatidas uma a uma, deixando
espaço livre para os orquestradores do consórcio que uniu poder político e crime.
Como funciona essa engrenagem? Tomemos um caso específico, que ganhou
manchetes, arrastou-se durante anos e é relatado por Alves (idem) em seu estudo
sobre a Baixada, tomando-o como paradigma. O cenário: Vila de Cava; distrito
periférico e longínquo de Nova Iguaçu. Numa noite de agosto de 1974, dois jovens,
um de 17 anos, e outro, de 15, o segundo jamais identificado, são postos contra um
muro da Rua das Rosas e fuzilados com cerca de cinqüenta tiros de metralhadora. O
garoto cujo nome foi identificado, apurou-se logo, não tinha qualquer passagem na
polícia. Relatemos brevemente o caso reconstituído por Alves.
A ação fora coordenado por um ex-subdelegado de Nova Iguaçu, a partir de
denúncia da dona de uma padaria que fora assaltada e seviciada por um grupo de
ladrões. Sem obter resposta positiva da delegacia policial, a comerciante procurou a
ajuda extralegal. Após a investigação privada, os matadores acabaram identificando
equivocadamente os dois jovens como responsáveis pela ação contra a comerciante.
Feita a identificação, o destino dos dois adolescentes estava selado.
A execução ganhou destaque na imprensa especializada nesse tipo de episódio
e despertou interesse generalizado. Foi a própria imprensa que localizou quatro
moradores da região que testemunharam a ocorrência. Levadas a depor, elas
descreveram o episódio com detalhes, atestaram a execução sem resistência dos
jovens e declararam a inocência da vítima identificada. Em seus relatos, confirmaram
que os matadores estavam num carro da polícia de Nova Iguaçu (a rigor, os
matadores agiam abertamente e sem preocupações em terem seus vínculos oficiais
identificados). Posteriormente, contudo, as testemunhas recuaram no tom incisivo de
seus depoimentos iniciais. Nessa época, assim como hoje, assumir esse papel
representava tornar-se objeto de intimidações e aqueles que se mantinham firmes com
freqüência acabavam mortos.
17
As investigações, sempre com a pressão da mídia que cobria o caso, levaram
a dois soldados da Polícia Militar. Ambos assumiram o crime, relatando-o, porém,
como resultante de uma incursão em que teriam sido alvo de resistência de cinco
elementos com os quais teriam trocado tiros. Entre estes, estariam os dois jovens
assassinados. Presos e interrogados, os réus confessos deram depoimentos
contraditórios, apresentaram versões implausíveis sem qualquer coesão ou coerência.
O caso da Rua Rosa ganhou tamanha proporção que levou o então presidente
da República a solicitar a intervenção do governador do estado para sua elucidação. O
resultado final, já no final na década de 1970, após um total de dois julgamentos, da
construção de um sem número de estratagemas voltados para a absolvição dos
matadores, da indisponibilidade de qualquer testemunha de acusação e do uso de
outros recursos próprios do período foi a impunidade daqueles que certamente
funcionaram como bodes expiatórios de um grupo do qual faziam parte sem serem
dele peças de comando. Alves sintetiza:
“No dia do julgamento, o promotor declararia aos jornais que o seu trabalho
quase se constituiu em evitar que a polícia incriminasse os mortos. Para atenuar a
culpabilidade dos dois soldados, ela pretendia apresentar os mortos como perigosos
assaltantes. Desse modo, chegaram a falsificar ocorrências não apuradas para
atribuir-lhes a autoria.(...) Não houve, porém, nenhuma testemunha apresentada pela
promotoria. No auditório, estavam aproximadamente 200 pessoas, na sua maioria
policiais. Não havia nenhum parente das vítimas ou testemunha do fuzilamento.(...)
Enquanto durou o caso da Rua das Rosas, vários elementos foram sendo
identificados, revelando pela primeira vez os mecanismos de uma execução e dos
processos de julgamento. A atuação ilegal de policiais militares enquanto
investigadores e matadores; o financiamento desses policiais por comerciantes; a
ação da corporação dos policiais militares e mesmo dos hierarquicamente superiores
na construção de versões e no apoio a seus pares acusados; o medo das testemunhas,
a sua total fragilidade, a proteção inexistente a elas no julgamento; a pressão dos
policiais militares sobre os jurados; as vinculações do governo estadual com essa
estrutura, expressa na sua impotência e consentimento, enfim, um esquema
18
construído para garantir o funcionamento e a perpetuação de uma estrtura de
execuções sumárias” (Alves; 133-135)
Como fica claro pelo relato anterior, o caso da Rua das Rosas é emblemático
pela impunidade e pelo beneplácito do poder público: polícia, política, promotoria e
tribunal, por caminhos os mais tortuosos, concertam para a impunidade e a não
elucidação das execuções sumárias. A morte por engano de dois jovens (não é demais
lembrar a idade das vítimas – 15 e 17 anos) atesta a gratuidade da vida, bem como
sugere o que havia de errático e arbitrário no funcionamento dessa engrenagem. Os
“erros”, e eram muitos, ao fim e ao cabo não comprometiam a “eficácia” do sistema.
A Arquidiocese de Nova Iguaçu, um dos poucos bastiões de resistência legal que não
foram totalmente aniquilados pela repressão policial e política, apresentava, em suas
denúncias, o enorme volume de vítimas inocentes, sem qualquer passagem pela
polícia, cujos corpos eram encontrados a céu aberto, muitas vezes com dizeres do
gênero “esse não rouba mais” ou “esse não estupra mais ninguém”. Eram comuns,
também, serem deixadas as iniciais do esquadrão da morte, uma espécie de grupo
paramilitar comprovadamente formado por agentes policiais, que atuava e se tornava
a lei impessoal da Baixada sob o endosso tácito ou aberto das autoridades.
Interessa também destacar que a ênfase, mesmo entre aqueles que
denunciavam a atuação desses grupos, era maior quando sua atuação atingia
inocentes. Embora não fosse essa a intenção, tal abordagem sugere uma espécie de
aceitação tácita ao tipo de intervenção dos grupos de extermínio, desde que
atingissem indivíduos efetivamente comprometidos com atividades criminosas. Esse
traço, frequentemente desconsiderado, do discurso público sobre a atuação de grupos
e justiceiros desconsidera o caráter inaceitável de execuções extrajudiciais
independentemente da ficha criminal de suas vítimas. Há fortes indícios de que tal
aceitação parece ainda muito comum.
Que não se confunda a arbitrariedade e as largas margens de “erro” da atuação
desses grupos com desorganização e anarquia. Antes do advento das ONGs e das
associações que surgiriam com força nos anos 1980, esses consórcios de matadores já
sabiam atuar em rede. O território da Baixada era todo ele dividido por grupos
19
comandados por personagens como Carlinhos blá-blá-blá, Paulinho Dedo Nervoso,
Pintado, João Gordo, Pedro Capeta, entre outros. Eventuais dissensos eram,
naturalmente, resolvidos a bala, e o destino da maior parte desses heróis às avessas ou
é ignorado ou foi o mesmo de suas vítimas. Desse sistema também fizeram parte, ao
que tudo indica, policiais que se tornaram famosos, além de, em certos casos, terem
saído dele alguns personagens que galgaram posições de relevo na vida política local
e estadual.
É importante ressaltar que a violência na Baixada Fluminense foi destaque
bem antes de se tornar um dos grandes temas nacionais, a partir de meados dos anos
1980. O crescimento da violência nas grandes cidades brasileiras, em geral, e na
cidade do Rio de Janeiro, em particular, verificado no último quarto do século
passado, teve como uma de suas conseqüências uma espécie de deslocamento de
foco. No caso do estado do Rio de Janeiro, por exemplo, as chacinas, comuns,
sobretudo, nos municípios mais conflagrados da Baixada – Belford Roxo, Duque de
Caxias e Nova Iguaçu – passaram a ser usuais em outras áreas da Região
Metropolitana e na própria capital, com destaque, nesse último caso, para aquelas
ocorridas no ano de 1993, em Vigário Geral e na Candelária. Nesse período, contudo,
a atuação de grupos de extermínio, que caracterizava o lado mais sombrio da
violência na Baixada, passa para segundo plano em relação às atividades dos grupos
ligados ao comércio varejista de drogas, principal foco dos debates públicos nos
últimos vinte e cinco anos. Ao deslocamento temático associa-se uma mudança
territorial de foco. No novo contexto dos problemas relativos à violência, a capital do
Rio de Janeiro ganha destaque em relação às demais áreas do estado, passando a ser
ela, agora, e sua centenas de comunidades pobres, identificada como o grande centro
de ocorrência de mortes violentas intencionalmente perpetradas.
O referido deslocamento, que reduz a visibilidade e as atenções à violência
letal na Baixada Fluminense, tem mais a ver com o seu crescimento na cidade do Rio
de Janeiro do que propriamente por uma pacificação dos municípios no seu entorno.
Trata-se muito mais de um realinhamento em virtude da degradação das condições de
segurança em outros espaços do que de uma melhora das condições na Baixada, o
que, de certo modo, acaba por significar uma piora da situação dessa última. Sem
20
despertar tanto interesse da mídia, a violência na Baixada passa por uma espécie de
reorganização decorrente das novas configurações do mundo do crime e das relações
deste com as instituições estatais, sem merecer a atenção de outrora e sem que
aspectos do passado recente tivessem mudanças significativas. Um exemplo disso é a
chacina ocorrida em Nova Iguaçu e Queimados, em 2005.
Na noite de 31 março de 2005, um grupo de homens armados matou
aleatoriamente e em série vinte e nove pessoas nos municípios de Nova Iguaçu e
Queimados. A ação, apurou-se, foi perpetrada por onze policiais militares lotados no
15◦ Batalhão da Polícia Militar, em Duque de Caxias. Ainda segundo a investigação,
a chacina foi uma reação à operação Navalha na Carne, que tinha como objetivo
investigar e erradicar crimes de policiais e seu envolvimento em mortes
extrajudiciais. Nove policiais foram presos e cinco indiciados e julgados. A ação, bem
como suas motivações, é elucidativa da permanência de dinâmicas antigas na região.
Sua visibilidade, porém, se deu em função da magnitude, da gratuidade e da
aleatoriedade na escolha das vítimas (tudo o que tinham em comum era o fato de
serem de classe popular e moradores de áreas pobres, sem passagem pela polícia).
Como veremos mais adiante, há alguns elementos que diferenciam os
desdobramentos desse episódio daqueles tão recorrentes nos anos 1960 e 1970. No
entanto, a despeito disso, um certo padrão comum de um passado nem tão longínquo
também pode ser verificado e atesta a perpetuação de ações extralegais com
participação de policiais e a clara intenção de agir ostensivamente como forma de
demonstração de poder (a cabeça de uma das vítimas foi cortada e lançada ao fundo
do Batalhão cujo comando encampava a política de combate aos grupos de que,
certamente, faziam parte os assassinos). Importante, contudo, destacar que as polícias
são apenas uma das instâncias estatais que alimentam esse padrão, perpetuado por
acordos políticos tácitos, partilhas de áreas de influência e controle (eleitoral,
inclusive), e ineficiência dos órgãos de Justiça.
Aprendizados, em geral, são extraídos de experiências dolorosas, que
envolvem dor, perdas e perplexidades. Seria desejável que fosse diferente, mas assim
costumam caminhar as coisas. O caso da última grande chacina da Baixada ensina
que, a despeito dos problemas relativos à segurança pública se terem complexificados
21
e suas dinâmicas terem transbordado as inóspitas fronteiras dos empobrecidos e
outrora abandonados municípios da Baixada Fluminense, essa é uma região que
segue exigindo intervenções efetivas do Estado e de seu aparato de justiça criminal,
para a consagração de uma ordem legal e pautada pelos preceitos do direito. Na
primeira década do século XXI, essa região mudou drasticamente do ponto de vista
sócio-econômico. Nela existe hoje uma variada rede de serviços e de comércio. Suas
atividades econômicas atuais inverteram a natureza de cidades dormitório que
predominava décadas atrás. Condomínios de classe média com razoável estrutura
dividem espaço com ruas esburacadas e habitações populares. Há, portanto, focos de
prosperidade, pouco comuns há pouco tempo. No entanto, a pobreza, a indigência, o
arbítrio, a violência e, consequentemente, a insegurança, seguem dando o tom.
Embora a piora das condições de segurança de outros centros, como o da
própria capital, tenham minimizado o impacto e o interesse das autoridades e da
mídia a respeito da violência, ela está presente e, como veremos, segue colocando
suas principais cidades, como Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Nilópolis e Belford
Roxo (os três primeiros sendo, juntamente com São João de Meriti, os municípios
mais antigos da Baixada) entre as mais violentas do país. Se, outrora, a sua
proximidade com a capital causava apreensão sobre possíveis efeitos de
contaminação e migração das dinâmicas (que, ao fim e ao cabo, ficaram represadas
em suas fronteiras) para a cidade do Rio de Janeiro, hoje temos uma espécie de
nivelamento de taxas e uma tendência a padrões de circulações recíprocas entre a
capital e a sua periferia. As novidades mais alvissareiras são o fim do regime de
exceção e o fortalecimento, ainda que lento e cheio de idas e vindas, dos mecanismos
necessários para a contenção das práticas criminosas, o fim da impunidade e a
consolidação do Estado e de seus poderes legítimos.
Para o avanço na direção apontada no final do parágrafo anterior, é necessário,
antes de tudo, lançar mão dos recursos hoje disponíveis e qualificar de modo preciso
quais são as dinâmicas que efetivamente estão em curso. Para tanto, teremos como
foco privilegiado o município de Nova Iguaçu, espécie de célula original da região.
Neste município, daremos atenção especial aos mais jovens, às crianças e aos
adolescentes vítimas da violência letal cujas proporções já ameaçam incidir sobre o
22
perfil etário da população fluminense. O próximo capítulo dedica-se à contabilização
das mortes violentas causadas intencionalmente em Nova Iguaçu, com ênfase em um
de seus segmentos mais vulneráveis, as crianças e os adolescentes que vivem no
município.
II. Mortes violentas em Nova Iguaçu
Foi em torno da metade dos anos 1980 que a violência urbana nas grandes
cidades passou a ocupar, pouco a pouco, um lugar de destaque na agenda pública
brasileira. Para nosso caso específico, podemos dizer que o auge da violência
criminosa letal que caracterizava a Baixada Fluminense, nas duas décadas anteriores,
era tida como um problema local, circunscrito a uma região específica e decorrente de
peculiaridades suas. O grande fantasma de então era a expansão dessa lógica para
uma área tão próxima como a cidade do Rio de Janeiro. Vivia-se, então, uma espécie
de temor da contaminação que a área vizinha, moradia de vastos segmentos da
população pobre subempregada poderia causar à capital.
A negligência com que o poder público lidava com as questões relativas à
segurança pública na Baixada se traduzia não somente na omissão, no acobertamento
dos crimes por parte de autoridades do Estado e na impunidade. Ela se revelou de
forma igualmente dramática quando, diante do imperativo de intervir num processo
de crescimento de episódios de violência não mais circunscritos à periferia,
constatou-se a indisponibilidade de mecanismos até mesmo para a feitura de
diagnósticos que orientassem ações planejadas. A inexistência de informações
confiáveis, a ausência de mecanismos de controle e de planejamento e o despreparo
de profissionais de segurança pública davam o tom de um setor até então ignorado
pelas elites políticas. A negligência para com esse tema foi, por décadas,
compartilhada por todo o espectro ideológico e político do Brasil. Dos setores mais
conservadores, às correntes mais progressistas, a segurança pública era tratada como
um problema menor. Espécie de epifenômeno do padrão de dominação de classe, para
a esquerda, e resultado de distorções próprias do comportamento das classes
perigosas, para a direita, a violência não era tema que exigisse e merecesse muita
23
reflexão: resolvia-se com a revolução, para uns, ou com a mera repressão, temperada
com alguma dose de assistencialismos, para outros2. Apenas a título de exemplo da
indigência do setor de segurança pública, até os anos 1980, no estado do Rio de
Janeiro, os registros de ocorrência para homicídios eram contabilizados e
sistematizados pela polícia por episódio criminal. Desse modo, um homicídio com
uma vítima e uma chacina que resultava em várias mortes eram computados nas
estatísticas policiais (a expressão nesse caso é quase uma licença retórica) da mesma
forma, cada um deles abordado analiticamente (outra licença retórica) como um único
caso. Ora, na vala comum da noção genérica de homicídio, eram jogados
indistintamente casos os mais variados, derivados de dinâmicas distintas e, o mais
grave, produzindo um número maior de mortos do que aquele que os incautos eram
capazes de supor à luz da contabilização que reduzia qualquer evento,
independentemente do número de vítimas nele produzidas, a um.
Desde então, um longo percurso foi coberto. Muito pequeno, contudo, em
relação ao que resta a ser feito para a consolidação de um sistema de segurança
pública eficiente, informado, racional e transparente. Como evidenciaremos em várias
passagens, o volume de dados sem informação nos registros de homicídios é
estarrecedor, o que alimenta a desinformação daqueles que são responsáveis pela
elaboração de diagnósticos e formulação de estratégias. Além disso, e mais
preocupante ainda, o volume de dados desconhecidos concorre para as altas taxas de
irresolução e, consequentemente, para a impunidade que, como todos sabem, acabam
se tornando vetores para a perpetuação desse ciclo de violência letal que se estende há
décadas em patamares tão elevados.
O conteúdo desse capítulo é basicamente extraído dos avanços já alcançados.
Por ele, poderemos falar de forma razoavelmente informada de alguns dos aspectos
da violência letal intencional em Nova Iguaçu. Ao longo da exposição, serão
apontadas, também, as inumeráveis brechas, zonas cinzentas e desinformações
2 Embora esse seja um dado histórico mencionado por vários especialistas, destacamos, aqui, a
recorrência com que Soares (2007) o discute, com atenção crítica especial à postura das correntes de
esquerda. De certo modo, por sua omissão, as esquerdas acabam deixando o campo livre para que as
práticas discricionárias e arbitrárias dessem o tom da segurança pública no país por muitas décadas.
24
decorrentes da precariedade e negligência acumuladas, e que precisam ainda ser
sanadas.
II.1. Nova Iguaçu no cenário nacional
A inexistência de um sistema de informação criminal integrado em âmbito
nacional torna inviável estudos comparativos sobre as dinâmicas da criminalidade no
Brasil. A exceção é justamente quando a violência envolve letalidade. Nesses casos,
os pesquisadores se utilizam dos dados do Ministério da Saúde que cobrem todo o
território nacional de forma padronizada e apresentam alto grau de confiabilidade.
Através do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), é possível ter acesso às
informações sobre todas as mortes, suas causas, local de ocorrência, além de dados
básicos como idade, sexo, profissão e local de moradia das vítimas. Como é previsto
por lei federal que qualquer sepultamento só pode ocorrer mediante a formalização do
registro de óbito e este deve ser feito no local em que a morte se deu, temos, no que
diz respeito às causas mortes, informações suficientes para traçar um quadro geral das
mesmas e, no interior desse grande universo, daquelas decorrentes de violência
externa causada de forma dolosa.
Com base nessas informações, o Ministério da Justiça tem publicado a cada
dois anos, desde 1998, um Mapa da Violência Letal no Brasil. Em sua versão
publicada em 2008, com dados até 2006, temos um quadro geral dos municípios
brasileiros e da situação de Nova Iguaçu nesse contexto. Na série histórica composta
entre os anos de 1996 e 2006, o total de homicídios no Brasil passou de 38.888 para
46.660. Essa mudança representa um crescimento de 20,0% de homicídios dolosos
ocorridos no país. Entre 1996 e 2003, o número de homicídios aumentou com uma
taxa média de 4,4% ao ano. De 2003 para 2004, observamos a primeira queda das
taxas nacionais, da ordem de 5,2%. A partir daí, a linha seguiu em queda menor,
ainda que constante. Entre 2003 e 2006, último ano trabalhado no referido mapa, a
média de redução anual foi de 2,9%. A partir dos dados coligidos no mapa,
aprendemos que 73,3% dos homicídios dolosos corridos no Brasil concentram-se em
556 municípios, ou seja, em 10% do total dos municípios brasileiros. A título de
25
introdução de nossa análise sobre Nova Iguaçu, vejamos como esse município se
situa no quadro nacional3.
Tomando o período entre 2002 e 2006, Nova Iguaçu apresenta uma taxa
média de 64,2 homicídios por 100 mil habitantes. Com esse resultado, o município
ocupa a quinquagésima nona posição entre os 556 municípios selecionados para o
estudo, ficando atrás, entre os municípios do estado do Rio de Janeiro, de Macaé –
15◦; Duque de Caxias - 21◦; Cabo Frio – 30◦; Itaguaí – 32◦; Armação de Búzios –
35◦; Saquarema – 45◦ e um pouco a frente de Nilópolis, que ficou em sexagésimo
nono lugar. Dessa perspectiva, Nova Iguaçu ocupa a sétima posição entre os
municípios fluminenses e a segunda da Baixada Fluminense. Se, tomando o ano de
2006 como referência, listamos os 200 municípios com maiores números absolutos de
homicídios, Nova Iguaçu encontra-se em décimo terceiro lugar. Em relação a esse
dado, cabe destacar que entre os quinze primeiros, apenas Duque de Caxias (na 10◦
posição) e Guarulhos, que faz parte da Região Metropolitana de São Paulo e está em
décimo quarto lugar, além de Nova Iguaçu, não são capitais.
As informações apresentadas no parágrafo anterior são bastante desfavoráveis
para uma visão otimista em relação a Nova Iguaçu e à Baixada de uma forma geral.
Ela fica mais sombria, quando avançamos para o capítulo dedicado à juventude.
Seguindo a categorização da OMS, juventude, no estudo de Waiselfisz, compreende a
faixa entre 15 e 24 anos. No ano de 1996, 13.186 mortos pelo uso voluntário de
violência estavam nessa faixa etária. Em 2006, esse número chegou a 17.312, o que
representa um aumento de 31,3% em dez anos. Para esse grupo específico, Nova
Iguaçu detém, entre 2002 e 2006, a taxa média anual de 117,7 vítimas por 100 mil
habitantes, ocupando, com isso, a sexagésima sexta posição nacional. Entre os
municípios fluminenses, ela fica em décimo segundo lugar, atrás de Duque de Caxias
– 8◦; Carapebus – 16◦; Macaé – 18◦; Nilópolis – 24◦; Niterói – 27◦; Armação de
Búzios – 31◦; Itaboraí - 33◦; Itaguaí - 34◦; Cabo Frio – 39◦; Belford Roxo – 52◦; São
Pedro da Aldeia – 65◦.
3 Os dados utilizados para situarmos o município de Nova Iguaçu num quadro nacional foram extraídos,
portanto, de Waiselfisz (2008)
26
Que o leitor apressado não se engane: a despeito do elevado número de
municípios a frente, a gravidade da incidência de homicídios entre a população da
faixa de 15 a 24 anos em Nova Iguaçu é bastante alta, assim como é desconcertante o
elevado número de municípios fluminenses na lista dos duzentos em que ocorrem
mais mortes entre jovens. Seguindo o mesmo procedimento da descrição para as
mortes entre o total da população, vejamos a participação de Nova Iguaçu quanto aos
números absolutos de 2006. Nesse caso, Nova Iguaçu ocupa a décima quinta posição
com uma taxa de 158 mortes de jovens por 100 mil habitantes. Nessa lista em que dos
quinze primeiros, além de Nova Iguaçu, apenas Duque de Caxias (9◦), Jaboatão dos
Guararapes (12◦) e Guarulhos (14◦) não são capitais, o município do Rio de Janeiro
ocupa o nada honroso primeiro lugar.
Informações como estas, produzidas a partir de macro dados que apresentam o
quadro nacional, são cruciais e deve chegar o momento em que haja um sistema de
segurança pública dotado dos recursos de produção de informações equivalentes aos
que hoje existem no campo da saúde. Por outro lado, elas são insuficientes em vários
aspectos. Os dados da saúde permitem comparações exatamente por serem
padronizados e viabilizados por um sistema único de informações, criado a partir de
uma legislação federal. A consolidação de tal sistema permite que as taxas de
subnotificação fiquem muito próximas de zero e a qualidade dos preenchimentos na
ponta do sistema são bastante satisfatórias. Por outro lado, os registros de óbito
indicam o local de ocorrência da morte, o que muitas vezes não coincide com o local
em que se deu a agressão que causos o óbito. Vítimas de agressão são muitas vezes
removidas para hospitais distantes, em alguns casos em municípios vizinhos, e neles
vêm a falecer. No campo da saúde, será esse último o lugar de registro de óbito, o
que, para um mapeamento mais detalhado de áreas conflagradas em territórios de
menor extensão, como municípios ou bairros, acaba representando uma perda
considerável. Como para a abordagem que propomos a perspectiva comparativa em
âmbito nacional é secundária em relação à localização territorial dos episódios, os
dados policiais, que registram o local de ocorrência do evento que resulta em morte,
acaba sendo a melhor fonte de dados para análise, a despeito dos inumeráveis
27
problemas de registro, de subnotificação e de ausência de informações cruciais que
acabam sendo negligenciadas já no momento original de preenchimento dos dados.
Priorizar esse tipo de mergulho justifica-se pelo imperativo de compreensão
mais detalhada sobre os padrões locais de conflitos que concorrem para a incidência
de agressões letais. Tal imperativo se torna mais evidente quando a abordagem dos
problemas que incidem na produção acentuada de mortes causadas voluntariamente
por meio do uso da violência passa a ser reconhecida como atribuição também dos
poderes locais.
Desde o início da presente década, ganhou força a tendência dos poderes
locais reconhecerem que também têm o que fazer no que tange a políticas de
segurança pública. Há algumas boas razões para isso:
1. embora seja plausível que o fluxo de violências tenha componentes
estruturais, sua configuração obedece a fatores muitas vezes de natureza local.
Municípios podem ser bastante semelhantes no que tange às suas taxas de homicídios
ou pelo número absoluto de mortes provocadas dessa forma, mas revelarem
dinâmicas, fatores causais e distribuição espacial das mortes muito diferentes entre si.
Muitos desses fatores podem estar relacionados a questões extrapoliciais e podem ser
abordadas mais eficazmente se são acionados recursos públicos não diretamente
atrelados ao aparato de justiça criminal. Ruas mal iluminadas, espaços públicos
abandonados, áreas que concentram espaços destinados ao consumo de drogas ou
bebidas alcoólicas podem ser, ensina a literatura especializada, vetores importantes na
produção de conflitos letais em determinadas regiões. Muitos desses e outros vetores
que concorrem para a violência letal podem ser abordados a partir de medidas
inscritas no mandato de prefeituras e legislativos municipais.
2. a Constituição de 1988 consagrou a segurança pública como área de
atuação dos governos estaduais, cabendo-lhes, nesses termos, a definição das políticas
mais adequadas a sua respectiva unidade federativa e o comando dos órgãos de
segurança pública, basicamente identificados nas polícias civis e militares. Tal
determinação, acertada do ponto de vista do pacto federativo, não exclui, porém, o
reconhecimento de que, embora às instâncias policiais caiba o papel precípuo de
28
manutenção da ordem e de desencadeamento das ações previstas por lei quando de
sua violação, o campo da segurança pública é mais vasto e complexo. Ele implica o
funcionamento adequado e ordenado pela lei de uma série de instâncias do poder do
Estado e uma série de mecanismos que estão além do poder dos governos estaduais.
3. por sua própria natureza, o poder municipal é dotado de maior capilaridade,
comparado aos demais entes da federação, dispondo de mecanismos mais ágeis de
proximidade e de ausculta junto às populações sob sua jurisprudência. A participação
do poder local na formulação, implementação, acompanhamento e avaliação de um
sistema de segurança pública integrado é reconhecida, hoje, como fundamental para o
sucesso nas tentativas de redução da violência criminal, de modo geral, e da violência
letal, mais especificamente.
4. o item anterior decorre da constatação, mais de vinte anos após a questão da
violência se tornar um dos principais problemas sociais brasileiros e, talvez, o maior
desafio para a consolidação de um Estado Democrático de Direito no país, de que as
fórmulas tradicionais de lidar com a violência são insuficientes e inaceitáveis.
Basicamente, a segurança pública foi pensada, durante décadas, como problema de
polícia. Trabalho de polícia, por sua vez, costuma ser encarado como combate ao
crime e enfrentamento de criminosos. Entender a segurança como um bem a cujo
acesso todos os cidadãos têm direito e como condição de possibilidade para a fruição
de outros direitos fundamentais implica uma mudança radical de foco. Mais
especificamente, implica o cumprimento de tarefas voltadas para a prevenção da
violência e para a sua redução a níveis o mais próximos possível de zero. Para isso, é
crucial dispor de informações, definir prioridades e avaliar estratégias cientificamente
sustentadas.
Do quadro geral, apontado no mapa da violência citado anteriormente,
devemos, portanto, passar para uma investigação mais detalhada e fina do que se
passa nas regiões mais conflagradas, passando do estado para o município, deste para
o bairro até chegarmos às informações mais detalhadas que nos permitam identificar
pontos de concentração, perfis de vulnerabilidade e dinâmicas prevalecentes. Apenas
munidos dessas informações, podemos sentir-nos suficientemente informados para o
29
estabelecimento de prioridades, estratégias e mecanismos de intervenção efetivas. É o
que passamos a fazer a partir de agora, tomando como referência o caso do município
de Nova Iguaçu.
II.2. A violência letal e a violência letal que atinge crianças e adolescentes
em Nova Iguaçu
No intuito de analisar o panorama da violência letal contra crianças e
adolescentes em Nova Iguaçu, este estudo lançou mão dos microdados do Instituto de
Segurança Pública do Rio de Janeiro, produzido através dos Registros de Ocorrência
(ROs) da Polícia Civil para os anos de 2006, 2007 e 2008. Para o cálculo das taxas
dos Crimes Letais Intencionais utilizou-se também as projeções populacionais
elaboradas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para obtenção
das informações referentes à população residente das áreas analisadas neste estudo
(Município de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro (Capital) e Estado do Rio de Janeiro.
Os dados fornecidos pelo ISP-RJ apresentam algumas dificuldades de análise,
devido, entre outros aspectos, à alta porcentagem de subregistros de algumas
informações. Muitas variáveis apresentam uma alta proporção de dados não
informados nos Registros de Ocorrência. Adicionalmente, encontramos muitas
dificuldades quanto às informações referentes aos municípios onde ocorreu o delito
(possivelmente por erro no preenchimento das informações). Grande parte dos dados
dos municípios precisou ser corrigida, seja porque o campo não estava preenchido de
forma correta, seja porque no campo destinado ao nome do município da ocorrência
constavam nomes de bairros. Em alguns casos não foi possível fazer a recodificação,
pois os nomes informados não constavam na lista oficial fornecida pelo governo do
estado do Rio de Janeiro4. Para esse estudo específico, em que buscamos
4 É importante salientar que Nova Iguaçu sedia três delegacias de polícia, mas apenas duas delas são
informatizadas e equipadas com os recursos das chamadas delegacias legais. Além disso, as delegacias
cobrem áreas delimitadas a partir de critérios próprios da Secretaria de Segurança Pública do Estado do
Rio de Janeiro, que não coincidem com outras delimitações oficiais e extrapolam, por vezes, os limites do
30
georreferenciar os casos de violência letal intencional, fomos obrigados a tomar
outras providências metodológicas, que serão explicitadas oportunamente. Por ora,
cabe mencionar que, também em virtude das características da base de dados da
Secretaria Estadual de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, procedemos à análise
a partir da agregação de casos que, no banco de dados oficial, encontram-se
separados.
Tal como aparecem na base de dados da Polícia Civil, os casos de homicídios
dolosos são tipificações mais gerais de algumas variáveis um pouco mais específicas
em que, segundo o entendimento da autoridade responsável pelo registro da
ocorrência, fica caracterizado o dolo no cometimento do crime letal. Temos assim,
uma série de episódios inequivocamente caracterizados como homicídios dolosos.
Ocorrem, porém, não poucos casos em que o campo em que a definição mais
específica deixa patenteada uma agressão com intenção de provocar a morte da
vítima, mas na categorização mais geral não são registrados como homicídio doloso.
Por essa razão, optamos por redefinir nosso foco, abandonando o termo mais usual,
homicídio doloso, e incorporando todos os casos em que fica caracterizada a agressão
com intenção letal nas categorias violência letal intencional ou crimes letais
intencionais, doravante utilizadas nesse trabalho. Embora semanticamente a distinção
entre ambas as terminologias por nós adotadas e a mais comum – homicídios dolosos
- possa parecer quase nula, substantivamente tal redefinição permite-nos tratar de um
fenômeno que vai além daquele que, ao menos no entendimento das autoridades
policiais responsáveis pelos registros, caracteriza um universo mais restrito. Por
violência letal intencional, agregamos os episódios registrados como: extorsão
seguida de morte/homicídio, homicídio, homicídio provocado por arma branca,
homicídio provocado por auto de resistência, homicídio provocado por pedrada,
homicídio provocado por PAF, homicídio provocado por asfixia, homicídio
provocado por paulada, homicídio provocado por queimaduras, lesão corporal
seguida de morte/violência doméstica, lesão corporal seguida de morte/violência
doméstica provocada por arma branca, lesão corporal seguida de morte provocada por
município. Finalmente, por razões que não fomos capazes de elucidar, alguns episódios residuais de nosso
universo, foram registrados em delegacias que não estão sediadas no município.
31
socos, tapas ou pontapés, maus tratos com resultado morte por afogamento e remoção
para verificação de óbito. Muitos desses casos apareciam, na rubrica geral, com
definição outras que não homicídios dolosos e foram integrados ao nosso universo de
análise.
Para o cálculo das taxas dos crimes letais intencionais por idade, procedemos
à padronização de medidas sínteses. Tal procedimento é necessário uma vez que não
se pode comparar diferenciais de níveis (no caso, da mortalidade) a partir de taxas
brutas ou gerais, já que esses níveis dependem muito da distribuição etária da
população a que se referem. Assim, para comparar diferenciais de níveis através de
indicadores síntese de várias regiões e períodos distintos, uma das alternativas seria
eliminar o efeito da composição etária sobre os indicadores que se deseja comparar,
ajustando-os segundo uma mesma distribuição etária padrão. Essa técnica é
conhecida como padronização. Com isso, uma vez que, todas as taxas referem-se a
uma única distribuição etária (padrão), as diferenças entre elas passam a ser
explicadas pelas distinções entre as diversas funções da variável em estudo (conjunto
das taxas específicas de homicídios) (Carvalho, Sawyer & Rodrigues, 1998).
De modo geral, pode-se selecionar como padrão a estrutura etária de uma das
populações em estudo, ou a média das distribuições etárias proporcionais das
populações consideradas. Por isso, optou-se pela escolha da distribuição etária
relativa da população do estado do Rio de Janeiro de 2007. A descrição completa de
todos os procedimentos metodológicos encontra-se em anexo (anexo 1).
No intuito de investigar com maior profundidade o perfil da violência letal
que atinge crianças e adolescentes no município de Nova Iguaçu, optou-se por
estabelecer algumas comparações, destacando, também, os dados referentes ao estado
do Rio de Janeiro, Baixada Fluminense e Rio de Janeiro Capital para efeito
comparativo.
A tabela 1 apresenta as taxas de vítimas de crimes letais intencionais do
estado do Rio de Janeiro, de sua capital, da Região Metropolitana, da Baixada
Fluminense e, finalmente, do município de Nova Iguaçu para os anos de 2006 a 2008.
Aparentemente simples, essa informação inicial aponta pistas interessantes. A
32
primeira delas diz respeito à proximidade das taxas entre si. A despeito do alarde em
torno da violência na cidade do Rio de Janeiro, o que levou, como mencionado
anteriormente, a um decréscimo no interesse sobre o que se passa nos municípios da
Baixada, o que temos é algo muito próximo a uma equivalência de taxas. A Baixada
apresenta taxas ligeiramente superiores às da capital, enquanto Nova Iguaçu, com
exceção do ano de 2007, quando a capital conhece taxas mais elevadas, tem taxas um
pouco mais baixas apenas daquelas observadas na cidade do Rio de Janeiro. Em
comum, todos os recortes territoriais apresentam taxas incrivelmente altas,
justificando a tese daqueles que encaram a redução da letalidade como um dos
principais desafios a serem superados com urgência pelo poder público.
Tabela 1
Taxas dos Crimes Letais Intencionais, 2006-2008
Estado Capital
Região
Metropolitana Baixada Nova Iguaçu
2006 52,29 56,66 55,92 58,52 54,93
2007 50,87 57,10 54,37 55,06 51,12
2008 44,73 47,58 47,62 51,23 46,61
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), IBGE (tabulações disponíveis pelo site:
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popRJ.def). Utilizou-se a distribuição etária do Estado do Rio de Janeiro de
2007 para a padronização das taxas.
Outro traço comum é mais alvissareiro, embora esteja longe de contemplar as
expectativas de redução da letalidade a níveis minimamente toleráveis: assim como se
tem observado no país de uma forma geral, as taxas de vítimas de crimes letais
intencionais vêm caindo significativamente em todos os recortes territoriais
observados (conforme pode ser observado na tabela 2), com uma redução em torno de
16% a 12% no período entre 2006 e 2008 para as áreas analisadas.
Tabela 2
Variação (%) das taxas em relação ao período anterior
Estado Capital
Região
Metropolitana Baixada Nova Iguaçu
2006-2007 -2,72 0,77 -2,78 -5,92 -6,94
2007-2008 -12,08 -16,67 -12,42 -6,96 -8,83
2006-2008 -14,47 -16,02 -14,86 -12,46 -15,16
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), IBGE (tabulações disponíveis pelo site:
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popRJ.def). Utilizou-se a distribuição etária do Estado do Rio de Janeiro de
2007 para a padronização das taxas.
33
O padrão de redução pode ser melhor visualizado no gráfico a seguir. Note-se
que as taxas da capital tiveram um ligeiro crescimento em 2007 para, depois, caírem
de forma acentuada em 2008. O estado e a Região Metropolitana apresentam uma
linha simétrica, com queda maior no ano de 2008. Já as taxas desses três anos na
Baixada Fluminense e em Nova Iguaçu, em particular, formam uma reta, indicando
um movimento regular e constante de queda.
Gráfico 1
40
42
44
46
48
50
52
54
56
58
60
2006 2007 2008
Taxa p
or
100.0
00 h
ab
itan
tes
Ano
Taxas Padronizadas dos Crimes Letais Intencionais 2006-2008
Estado Capital Região Metropolitana Baixada Nova Iguaçu
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), IBGE (tabulações disponíveis pelo site:
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popRJ.def). Utilizou-se a distribuição etária do Estado do Rio de Janeiro de
2007 para a padronização das taxas.
É verdade que três anos compõem um período curto para maiores inferências.
Estudos semelhantes, contudo, sugerem que a tendência observada por nós remonta
no mínimo ao ano de 2004 (Lázaro, 2007), o que nos leva a crer que, a despeito das
taxas serem muito altas, de estudos nacionais apontarem tendência semelhante no
país em geral e não sermos capazes de identificar as razões para essa redução, ela tem
se mantido ao longo dos últimos anos. Passemos, agora, a identificar algumas das
características básicas desses episódios. Para fins expositivos, apresentaremos
34
preferencialmente gráficos e tabelas com os dados de Nova Iguaçu relativos ao ano de
2008. Os anos de 2006 e 2007 aparecerão no corpo do texto somente quando forem
imprescindíveis para uma ou outra inferência. Em anexo (anexo 2), tabelas e gráficos
adicionais estarão disponíveis para eventuais consultas dos interessados em comparar
os resultados obtidos neste município com os demais cortes territoriais por nós
analisados.
Na tabela 3, temos os totais de vítimas de violência letal intencional
verificadas em Nova Iguaçu.
Tabela 3
Porcentagem de homicídios por Arma Branca, Arma de fogo, Auto de resistência, Agressão e outros homicídios
intencionais em Nova Iguaçu, 2008
2008
Nº %
Arma Branca 12 3,04
Ama de fogo 255 64,56
Auto de resistência 40 10,13
Agressão 7 1,77
Outro 81 20,51
Total 395 100
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ).
Como o uso de violência excessiva por parte da polícia tem sido uma questão
constante nos debates sobre segurança pública e violência letal no Rio de Janeiro,
optamos por desagregar esse dado da categoria mais geral mortes por armas de fogo,
na qual eles de fato devem estar inscritos. O quadro a que chegamos não surpreende.
Em Nova Iguaçu, segundo os dados oficiais, a ação policial é responsável por 10,13%
de mortes violentas causadas intencionalmente, totalizando, em números absolutos,
40 mortes.
Os resultados quanto ao instrumento usados nos crimes letais intencionais
também não são discrepantes em relação ao padrão nacional. Nada menos que
64,56% das mortes encontram-se nessa rubrica. Se adicionados os casos de auto de
resistência (mortes provocadas por policiais em situação de confronto em que,
supostamente, os mesmos ou terceiros se encontravam sob risco), temos que, ao todo,
35
quase 75% das mortes foram provocadas por armas de fogo. Finalmente, cabe notar a
alta incidência de vítimas em números absolutos. No ano de 2008, nada menos que
395 mortes por violência intencionalmente perpetrada por terceiros foram
contabilizadas no município. O que representa mais de uma morte por dia ao longo do
ano.
Também no que diz respeito ao perfil das vítimas, Nova Iguaçu reafirma o que
se passa nas regiões mais conflagradas do país. As duas tabelas a seguir apresentam
os dados sobre sexo e sobre cor das vítimas.
A tabela 4 apresenta as taxas (por 100 mil habitantes) dos crimes letais
intencionais por sexo das vítimas. Ficou evidente, através dos dados analisados, que o
sexo masculino é mais suscetível a mortes violentas do que o grupo das mulheres,
acompanhando, também nesse aspecto, uma tendência nacional e internacional. As
taxas apresentadas pelo contingente feminino se mantiveram comparativamente
baixas e sem grandes oscilações. Já o grupo dos homens apresentou taxas de
homicídios altíssimas, embora tenha ocorrido um pequeno declínio nos valores nos
últimos dois anos analisados. Análises demográficas apontam que as mortes violentas
por homicídios e por acidentes de trânsito são responsáveis por aquilo que os
demógrafos costumam chamar de “sobremortalidade masculina”.
Tabela 4
Taxas (por 100.000 hab.) dos Crimes Letais Intencionais por sexo, 2006-2008
2006 2007 2008
Mulheres 5,14 8,05 6,12
Homens 101,15 86,68 84,52
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), IBGE (tabulações disponíveis pelo site:
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popRJ.def). Utilizou-se a distribuição etária do Estado do Rio de Janeiro de
2007 para a padronização das taxas.
A tabela 5 mostra, para os três anos analisados, que o grupo dos não-brancos
apresenta a maior porcentagem de vítimas (cerca de 65% do total). Conforme já
mencionado, essas informações estão em congruência com tendências nacionais e
36
mostram que há um claro viés racial quando computamos os casos de vítimas de
violência letal5.
Tabela 5
Percentual e número de óbitos de Vítimas por Crimes Letais Intencionais em Nova Iguaçu por cor/raça, 2006-2008
Ano
2006 2007 2008 Total
Nº % Nº % Nº % Nº %
Brancos 117 25,43 86 19,91 89 22,53 292 22,69
Não-Brancos 285 61,96 287 66,44 259 65,57 831 64,57
Não informado 58 12,61 59 13,66 47 11,90 164 12,74
Total 460 100,00 432 100,00 395 100,00 1287 100,00
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ)
Se os dados referentes à cor e ao sexo preferenciais das vítimas de Nova
Iguaçu seguem o padrão que predomina em outras regiões conflagradas, o que dizer,
então, da sua faixa etária? Sendo essa uma variável central para nosso estudo,
optamos por apresentar no corpo da análise os dados colhidos, sempre para o ano de
2008, em cada um dos recortes territoriais por nós estudados (excetuando, nesse caso,
a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, para evitarmos redundância), o que é
apresentado nas tabelas subseqüentes.
Tabela 6
Vítimas de Violência Letal por Faixas de Idade - por recorte territorial - 2008
Estado Região
Metropolitana Capital Baixada Nova Iguaçu
Nº
Taxa (por
100.000
Hab.) Nº
Taxa (por
100.000
Hab.) Nº
Taxa (por
100.000
Hab.) Nº
Taxa (por
100.000
Hab.) Nº
Taxa (por
100.000
Hab.)
De 0 a 11 anos 35 1,19 23 1,06 14 1,34 9 1,12 4 2,18
De 12 a 17 anos 220 14,99 170 15,68 93 17,55 48 12,38 12 13,52
De 18 a 24 anos 1169 65,61 918 69,96 465 70,2 285 63,98 52 51,84
De 25 a 29 anos 758 55,02 593 57,72 288 54,02 203 61,27 40 53,33
De 30 a 34 anos 570 44,69 403 41,95 196 39,15 144 47,15 26 37,42
De 35 a 39 anos 403 35,21 295 34,46 157 35,57 98 35,5 26 41,14
40 anos ou mais 943 16,05 672 15,29 364 14,86 212 17,21 48 17,46
Não informado 2994 2540 1342 926 187
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), IBGE (tabulações disponíveis pelo site:
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popRJ.def).
5 É importante ressaltar que cerca de 12% dos dados não possuíam informações da raça das vítimas
(tabela 5).
37
É importante ressaltar que uma parte significativa dos casos analisados (cerca
de 40% a 48%)6 não dispõe de informações relativas à idade da vítima
7. Por isso, é
necessário uma certa cautela ao analisar os resultados. De qualquer modo, vale
destacar que os dados que contam com as informações de idade estão em consonância
com estudos sobre o tema (como pode ser observado nas tabelas anteriores, os
resultados indicam que a “sobremortalidade” de que tratam os demógrafos também
conta com um viés etário, sendo a concentração observada exatamente entre os
jovens).
Ainda sobre a tabela 6, cabe perceber que em todos os cinco recortes
territoriais as maiores taxas estão na faixa de 18 a 24 anos, seguida de perto pela faixa
subseqüente (25 a 29). Note-se, também, que a distância da segunda taxa mais alta
para a seguinte (30 a 34 anos) é bem pequena na capital e ainda que seja maior nos
demais recortes, as taxas de 30 a 34 e de 35 a 39 são sempre bastante mais altas do
que as demais, localizadas nas duas pontas do espectro etário. Isso nos autoriza a
afirmar que é nesse grande intervalo entre os 18 e os 39 anos que localizamos a
principal faixa de risco.
Comparadas às dos demais recortes territoriais, Nova Iguaçu apresenta taxas
inferiores em todas as faixas etárias, com a curiosa exceção daquela entre 35 e 39
anos, em que é a mais alta de todos os recortes, e a faixa de 0 a 11, em que, a despeito
do baixo número absoluto (4 casos), acaba apresentando uma taxa superior às do
estado, da capital e da Baixada.8 Por outro lado, a taxa compreendida entre as idades
de 12 a 17 anos é superior à da Baixada e está apenas um pouco abaixo da
apresentada pelo estado.
6 Ver dados para os anos de 2006 e 2007 no anexo 2, tabelas 3 e 4.
7 O alto percentual de informações sobre idade das vítimas merece um comentário. Como é fartamente
sabido, um exame preliminar é suficiente para que um perito estime com margem de erro muito próxima
de zero a idade da vítima. O grande número de casos sem tal informação é eloqüente quanto à negligência
com que esses registros são feitos nas delegacias. 8 As altas freqüências de mortes provocadas intencionalmente por meio de violência no Brasil não nos
deve levar a subestimar o fato de que a ocorrência regular, ano após ano, de quatro ou cinco mortes dessa
natureza atingindo crianças em um município como Nova Iguaçu representa um indício gravíssimo dos
padrões de incivilidade vigentes em nossa sociedade.
38
Erra, portanto, quem, a luz desses números, julgar que o caso de Nova Iguaçu
é pouco grave. Devemos lembrar, inicialmente, que estamos confrontando os dados
do município com o de realidades reconhecidamente graves e conflagradas. Tendo
isso em mente, devemos atentar para que as distâncias entre taxas muito altas não são
suficientes para que se considere qualquer um dos recortes em situação confortável.
No que tange à questão da criança e do adolescente, o fato das maiores taxas estarem
sempre concentradas no que poderíamos chamar primeira maturidade, sugere que
essa concentração é o resultado fatal de falhas no cuidado da população situadas nas
faixas etárias imediatamente anteriores (exatamente o período aqui privilegiado, a
saber, a infância e, principalmente, a adolescência). O ponto que deve ser enfatizado
aqui é que a vitimização letal é uma modalidade de violência que, em boa parte dos
casos, é a culminância de um histórico marcado por episódios de violência na
biografia da vítima, seja como agressor, seja como vítima de modalidades não letais
de violência, seja, finalmente, vivendo ambos os papéis. Já que retornaremos a esse
ponto mais adiante, por ora basta dizer que uma das formas de redução da letalidade
nas faixas etárias mais atingidas passa necessariamente pelo cuidado com a população
das faixas anteriores, o que, em nosso caso, diz respeito às crianças e aos
adolescentes.
Outro dado reforça a importância do recorte etário e das duas primeiras faixas
aqui examinadas. Como já foi mencionado, Nova Iguaçu conheceu, assim como os
demais recortes territoriais por nós estudados, uma sensível redução das taxas de
letalidade violenta causada intencionalmente nos últimos anos. Se acompanharmos
essa trajetória descendente pelo viés da faixa etária, chegamos aos resultados
ilustrados no gráfico a seguir.
39
Gráfico 2
Taxas dos Crimes Letais Intencionais do Município de Nova
Iguaçu por faixas de idade, 2006-2008
0,00
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
70,00
80,00
90,00
De 0 a 11
anos
De 12 a
17 anos
De 18 a
24 anos
De 25 a
29 anos
De 30 a
34 anos
De 35 a
39 anos
40 anos
ou mais
Grupos etários
Taxas p
or
100.0
00 h
ab
.
2006
2007
2008
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), IBGE (tabulações disponíveis pelo site:
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popRJ.def).
Enquanto no cômputo geral, observa-se uma queda constante ao longo dos
três anos estudados, quando desagregamos por faixa etária as coisas não ocorrem
exatamente desse jeito. Na verdade, essa tendência constante só é observada na faixa
de 18 a 24 e na última, de 40 anos ou mais. Na faixa de 25 a 29 anos as linhas
relativas aos anos de 2006 e 2007 praticamente se tocam enquanto que na faixa de 35
a 39, o ano de 2007 apresentava uma taxa inferior àquela de 2008. Por outro lado, na
faixa de 30 a 34 anos, observamos taxas superiores em 2007, quando comparadas ao
ano anterior. O que mais chama atenção no gráfico, contudo, é a relativa estabilidade
nos três anos nas faixas de 0 a 11 e de 12 a 17 anos. Exatamente no universo de
crianças e adolescentes, a situação de Nova Iguaçu nos três anos estudados é
absolutamente inalterada.
Como já vimos anteriormente, as mortes aqui estudadas ocorrem em Nova
Iguaçu preferencialmente por arma de fogo. Em geral, a literatura indica que quão
mais baixa a idade da vítima maior a probabilidade que o meio da agressão seja outro
que não esse. Tal tendência seria explicada em função de crianças, principalmente,
40
terem recorrentemente como agressores fatais membros da família ou vizinhos. Sendo
assim, é mais comum observarmos mortes de crianças e de adolescentes por agressão,
armas brancas (instrumentos perfuro-cortantes) e outros. Sempre tomando o ano de
2008 como referência, encontramos em Nova Iguaçu uma realidade bem distinta.
Tabela 7
Porcentagem de Homicídios por Arma Branca, Arma de Fogo, Auto de Resistência, Agressão e outros homicídios
intencionais divididos por grupos etários - Nova Iguaçu; 2008
Arma
Branca Arma de Fogo Auto de
resistência Agressão Outro Total
Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
De 0 a 11 anos 1 25,00 3 75,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 104 100,00
De 12 a 17 anos 0 0,00 8 66,67 0 0,00 0 0,00 4 33,33 78,67 100,00
De 18 a 24 anos 1 1,92 43 82,69 2 3,85 0 0,00 6 11,54 140,5 100,00
De 25 a 29 anos 1 2,50 27 67,50 2 5,00 1 2,50 9 22,50 117,5 100,00
De 30 a 34 anos 0 0,00 17 65,38 2 7,69 0 0,00 7 26,92 99,07 100,00
De 35 a 39 anos 1 3,85 19 73,08 1 3,85 1 3,85 4 15,38 110,6 100,00
40 anos ou mais 7 14,58 26 54,17 2 4,17 2 4,17 11 22,92 125,1 100,00
Não Informado 1 0,53 112 59,89 31 16,58 3 1,60 40 21,39 265,6 100,00
Total 12 3,04 255 64,56 40 10,13 7 1,77 81 20,51 474,5 100,00
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ).
Chama a atenção que das quatro crianças cujas idades foram determinadas no
registro de ocorrência como vítimas em 2008, três foram mortas por arma de fogo.
Note-se, adicionalmente, que a maior concentração percentual de vítimas por esse
instrumento encontra-se na faixa de 18 a 24 anos, ou seja, na primeira maturidade.
Note-se, finalmente, que em todas as faixas etárias as mortes por arma de fogo
ultrapassam a casa dos cinqüenta por cento, o que deixa mais clara a estreita relação
entre circulação de armas de fogo e vitimização letal em Nova Iguaçu.
Os dados apresentados na tabela anterior nos levaram a inquirir mais
detalhadamente sobre as circunstâncias das mortes que atingiram crianças,
adolescentes e jovens na primeira maturidade (18 a 24 anos) em Nova Iguaçu no ano
de 2008. O que podemos dizer sobre elas a partir dos dados oficiais da segurança
pública? Quem foram seus algozes? Em que circunstâncias foram mortas?
Infelizmente, a resposta para tais perguntas não estão disponíveis para nós. Para uma
aproximação maior com esse universo teríamos que ir aos registros de ocorrência e
verificar caso a caso. Ainda assim, teríamos um resultado desanimador. Embora
41
estejamos, nos dias de hoje, em situação bem melhor do que há vinte anos, o acesso
aos dados policiais é bem difícil e sua qualidade bastante precária. Os problemas
começam na própria constatação do episódio letal. Frequentemente os procedimentos
básicos de coleta de informações são simplesmente ignorados. Os problemas
continuam no preenchimento dos registros de ocorrência, em que informações
básicas, facilmente apuráveis, são negligenciadas e o volume de perda é perturbador.
O sistema implantado nas delegacias legais poderia reduzi um pouco mais essas
perdas, mas além delas continuarem expressivas, deve-se repetir que uma das três
delegacias sediadas em Nova Iguaçu ainda é convencional.
Seguindo o percurso de dificuldades, o acesso às informações policiais
disponíveis é difícil, está sujeito a um trâmite burocrático moroso e, ao final, nem
sempre tempos todas as variáveis solicitadas. No caso presente, não tivemos acesso,
por exemplo, aos números dos registros de ocorrência referentes aos casos de
violência letal intencional. Uma resolução estadual obstaculiza o acesso a esse dado
que nos permitiria, por exemplo, auferir o destino dos inquéritos relativos a essas
mortes. Tudo leva a crer que o grau de elucidação é baixíssimo (como, de resto, em
todo o Brasil) e que os casos que resultam em denúncia de um suspeito e seu
julgamento só costuma se dar quando as mortes envolvem agressões com motivações
passionais ou envolvendo vizinhos ou familiares. Termos esse quadro em mãos,
contudo, continua sendo importante e tornar esses dados públicos faz parte das
condições necessárias para as melhorias no sistema que redundarão em políticas mais
eficazes de redução da letalidade dolosa.
É verdade que há, hoje, uma abertura muito maior de cooperação entre os
órgãos de justiça criminal, polícias inclusive, e os centros de pesquisa comprometidos
com a melhoria da qualidade das informações criminais. Os focos de resistência,
contudo, seguem prevalecendo e dificultando o trabalho de qualificação das
informações. Mas, é importante repetir, a indigência das informações já começa no
momento imediatamente posterior à constatação do episódio, quando os agentes
policiais coletam as informações primeiras sobre a ocorrência.
42
Ainda que tenhamos que lidar com tais dificuldades, estamos capacitados a
definir territorialmente as áreas de concentração de ao menos uma parcela de
episódios de violência letal intencional. É a essa análise que se dedica o próximo
capítulo.
III. Georreferenciamento da violência letal intencional em Nova Iguaçu
Ao contrário do que possa parecer, a violência criminal obedece a certos
padrões relativamente fáceis de serem observados se utilizados os instrumentos
corretos para sua decodificação. Essa é uma tendência que serve para praticamente
todas entre as consideradas mais graves modalidades de violência criminal, incluindo
entre elas a violência letal intencional. Os variados estudos realizados nos últimos
anos já geraram um sólido consenso entre pesquisadores e gestores que atuam nesse
campo a respeito do perfil preferencial das vítimas letais no Brasil. Elas são jovens,
não-brancas, moradoras de áreas pobres dos grandes centros urbanos e de cidades de
médio porte, além de serem predominantemente do sexo masculino. Para o caso do
Rio de Janeiro, essa tendência já é apontada nos estudos seminais de Soares et alli,
realizados no ISER, no início dos anos 1990 e reunidos em livro (1995). Mais
recentemente, Lengruber faz um apanhado geral no âmbito nacional em que a
tendência já antecipada anteriormente é confirmada. Dentre os trabalhos que
relacionam incidências criminais violentas e estrutura social, Soares (2008) reúne
alguns estudos importantes de sua produção, com ênfase nas implicações
metodológicas das inferências possíveis a partir dos dados disponíveis. No âmbito
internacional, as conclusões que apontam para a mesma direção, resultantes de
análises macro e de estudos monográficos, são correlacionadas por Braithwayte a
cinco correntes sociológicas que, diferindo em seus respectivos paradigmas teóricos e
métodos de pesquisa, convergem para o mesmo diagnóstico geral. Variáveis étnicas,
socioeconômicas, etárias e de gênero configuram perfis preferenciais de
envolvimento em episódios criminais com violência, qualquer que seja o lugar no
mundo em que seja estudado.
43
É evidente que esse diagnóstico inicial é muito importante e funciona como
balizador geral para que medidas sejam tomadas focadas nesse segmento
populacional. Por outro lado, exatamente em função de seu caráter geral, ela é
insuficiente tanto para o planejamento de ações mais concentradas de natureza
estritamente policial, quanto para a formulação de estratégias mais complexas e
duradouras de intervenções que levem em conta não somente o crime em sua
dimensão fenomênica, mas, também, as condições que tendem a concorrer para sua
ocorrência reiterada.
Pesquisas internacionais apontam para a correlação entre altas taxas de
violência criminal e fatores variados de natureza sociológica. O amplo inventário
realizado sob coordenação de Lawrence Sherman sobre a efetividade de estratégias de
prevenção e de redução da violência letal nos Estados Unidos assinala que cerca de
metade dos homicídios ali registrados estão concentrados nas sessenta e três maiores
cidades do país, que abrigam, por outro lado, 16% da população9. Um mergulho mais
acurado em cada uma dessas cidades, por sua vez, revela que em cada uma delas
também há concentração de episódios de violência letal intencional. Segundo o
balanço realizado pelo grupo de pesquisadores associado a esse estudo, a incidência
de homicídios é maior onde são verificadas concentração de pobreza, hipersegregação
racial, desagregação familiar e alto volume de armas em circulação10
. Sintetizando os
resultados de pesquisa mais expressivos sobre incidência de homicídios intencionais,
Sherman aponta sete “instituições” (as aspas são nossas) relevantes para a abordagem
do problema da violência: comunidades, famílias, escola, mercado de trabalho,
espaços públicos, polícias e outras agências do sistema de justiça criminal. Importante
ter em mente que tais “instituições” são relevantes em dois aspectos. Suas
9 Apenas a título de ilustração, Segundo o mapa da violência no Brasil, composto por Julio Jacobo
Waiselvsz, 73,3% dos homicídios no Brasil ocorreram em 10% dos maiores municípios que concentra
44,1% da população. WAISELVISZ, Julio Jacobo. Mapa da violênciados municípios brasileiros, 2008
(2008). Brasília; RITLA, Instituto Sangari, Ministério da Justiça, Ministério da Saúde
10 SHERMAN, Lawrence W (et alli). Preventing crime: what works, what doesn’t, what’s promising: a report to the United States Congress. A report to the United States Congress. National Institute of Justice.
Sem por em dúvida a qualidade e o rigor do trabalho de Sherman, é importante mencionar que o total de
cidades mencionado é 63, em uma passagem, e 66, em outra. Possivelmente, um problema de revisão que
não minimiza a força do argumento.
44
configurações podem ser determinantes para maiores ou menores taxas de violência.
São, também, e por causa, campos promissores de investimento para políticas
voltadas para a prevenção e redução da violência letal. Embora tais definições sejam
plausíveis e relevantes, é importante lembrar que as formas com que se articulam são
igualmente cruciais tanto para o devido entendimento da incidência de crimes letais,
quanto para o desenho de programas focados em sua redução.
Embora ainda de forma muito incipiente, os recursos e técnicas para a
elaboração de diagnósticos dessa natureza têm sido incorporados no Brasil por grupos
de pesquisa e, de modo mais modesto, por agentes de segurança pública. Nessa
tendência, a adoção de recursos tecnológicos e de análise que viabilizam a definição
da distribuição ecológica de certas modalidades de crimes em um determinado
território específico é procedimento indispensável. Vale dizer, não basta somente
contabilizar episódios, tampouco definir os perfis dos envolvidos (o que, repetimos,
também é necessário). É preciso verificar áreas de concentração, focos de maior
incidência e, por conseguinte, dependentes de maior atenção por parte das instituições
do Estado e das agências voltadas para a redução da violência. Daí a importância do
georreferenciamento criminal. Ele por si só funciona como ferramenta para a
definição de prioridades e estratégias de ação, segundo as áreas de maior freqüência
de determinados tipos específicos de violência criminal e não criminal. Além disso,
contudo, o georeferenciamento pode ser entendido como ponto de partida para outras
análises que permitem elucidar aspectos importantes das dinâmicas criminais
violentas. Daí a pertinência desse tipo de trabalho que, presentemente, realizamos no
município de Nova Iguaçu e cujos resultados passam, agora, a ser expostos.
III. 1. Georreferenciamento como instrumento de diagnóstico
Vários casos poderiam ser mencionados rapidamente para ilustrar a
importância sociológica e estratégica do georreferenciamento na abordagem da
criminalidade letal intencional. Um diagnóstico geral como esse é, indiscutivelmente,
um importante ponto de partida para a definição de focos prioritários para a
realização de diagnósticos mais finos e detalhados que, uma vez feitos
45
criteriosamente, podem subsidiar intervenções capazes de produzir resultados
significativos em períodos de tempo relativamente curto.
Um dos mais citados e conhecidos casos de políticas de redução da letalidade
orientadas por estudos dessa natureza foi o aclamado programa de redução da
violência letal em Boston, em meados da década 1990. Diante do aumento dos casos
de homicídios vitimando jovens, fenômeno observado em várias outras cidades
americanas no mesmo período, o departamento de polícia local realizou um
mapeamento pelo qual constatou que esse processo estava concentrado em dois
bairros da cidade e tinha estreita ligação com disputas de gangues locais. A partir daí,
a polícia concentrou sua atenção nessas áreas, visando a redução da mortalidade
provocada intencionalmente. Esse primeiro passo foi crucial para a orientação dos
esforços e para a mobilização de recursos humanos e logísticos.
O caso de Boston é elucidativo não somente pelos resultados obtidos, mas,
também, pelo seu fracasso inicial. A tendência inicial da ação da polícia para
enfrentar a violência nas áreas apontadas pelo georeferrenciamento como as mais
conflagradas foi responder com força e dureza, contrapondo à violência das gangues a
sua própria capacidade de usar a força. O resultado foi desastroso. Apenas diante do
fracasso de uma estratégia que só serviu para aumentar a violência arbitrária da
polícia e acirrar os ânimos nas áreas em questão é que as estratégias foram revistas,
atores públicos foram chamados a cooperar e, finalmente, ao cabo de um período
relativamente curto, a desejada redução das mortes foi obtida.
Mencionamos rapidamente o caso de Boston não somente para reiterar a
relevância da verificação das áreas de maior concentração das mais variadas
modalidades de crimes violentos como, também, para frisar que tal procedimento,
embora importante, não é condição suficiente para a definição de estratégias
conseqüentes para a redução dessas incidências.
Cientes, portanto, da relevância e dos limites desse trabalho, realizamos um
esforço de análise da distribuição das mortes violentas perpetradas intencionalmente
em Nova Iguaçu, com ênfase nos casos envolvendo crianças e adolescentes como
vítimas. Pensamos que a metodologia utilizada pode ser bastante útil para novos
46
estudos nesse e em outros municípios brasileiros para o melhor dimensionamento do
problema e das alternativas de ações para seu enfrentamento. Antes de passar para os
resultados propriamente ditos, apresentaremos brevemente os passos que foram
dados.
III. 2. Notas metodológicas
Embora a princípio possa parecer uma tarefa simples, o georreferenciamento é
um trabalho razoavelmente complexo, que implica a mobilização de dados dotados de
boa dose de precisão e confiabilidade. E é exatamente nesse último ponto que
residem as maiores dificuldades para a produção em escala de mapas da
criminalidade letal violenta intencional no âmbito dos municípios.
Além dos problemas apontados na abertura do capítulo anterior a respeito dos
dados da Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro, enfrentamos dificuldades
adicionais para o mapeamento das incidências dos crimes letais intencionais no
município de Nova Iguaçu. Os logradouros informados nos registros policiais como
locais onde ocorreram os homicídios apresentam uma alta porcentagem de erros.
Foram detectadas muitas informações imprecisas e deficientes. Em muitos casos, os
logradouros informados eram inconsistentes e/ou conflitavam com as informações
cartográficas. Por exemplo, havia informação da rua ou de algum ponto de referência,
mas o bairro informado estava incorreto, ou, ainda, não havia dados como o número
de porta do local onde o incidente ocorreu, ou, em outros casos, o nome do
logradouro não estava escrito da maneira correta.
Para a correção dos dados foi utilizado o aplicativo de georreferenciamento
denominado GeoNIguaçu. Este aplicativo foi desenvolvido para a Prefeitura
Municipal de Nova Iguaçu. O software permite a identificação espacial dos registros
do Cadastro Técnico Imobiliário e, dentre suas várias aplicações, há o boletim de
zoneamento e a geração de mapas temáticos a partir de tabelas relacionadas
espacialmente pelo endereço.
47
Uma série de procedimentos foi adotada para a correção dos dados visando à
localização cartográfica das informações. Entre elas pode-se destacar:
1- Identificação do registro no cadastro do IPTU pelo endereço existente;
2- em caso negativo, foi analisada, e corrigida se necessário, a grafia do
logradouro informado;
3- localizado o logradouro, quando não identificado o endereço, foi utilizada a
identificação de um vizinho (distância menor do que 100 metros pela numeração da
porta) para a apresentação espacial da ocorrência;
4- quando não encontrado um “vizinho”, caso dos registros sem número de
porta e números incorretos, foi identificado um lote no meio do logradouro;
5- se, após todos os recursos, pesquisa nas tabelas de unidades imobiliárias,
logradouros e no mapa, não foi possível identificar espacialmente a ocorrência, o
registro foi lançado como "analisado e não encontrado".
As soluções apresentadas visaram, portanto, reduzir ao máximo as perdas
decorrentes da conjunção do mau preenchimento dos registros de ocorrência, o uso de
referências não oficiais para a designação das áreas em que se deram os episódios e a
alta taxa de anarquia da ocupação urbana que se dá sem maior controle do poder
público nas grandes cidades brasileiras, fenômeno, por sinal, apontado desde
clássicos de nossa ensaística, como, por exemplo, em Raízes do Brasil, de Sérgio
Buarque de Holanda. O trabalho de enfrentamento de cada uma das dificuldades
impostas por esses três fatores demanda muito tempo e inesgotável paciência. Feitas
as correções, contudo, é possível ao gestor localizar não somente os bairros de maior
incidência (trabalho aqui realizado e apresentado a seguir), mas, também, descer a um
detalhamento ainda maior, verificando ruas ou conjunto de logradouros públicos no
interior de cada bairro. Com tempo e recursos maiores, podem-se agregar outras
informações potencialmente relevantes como horários de maior incidência segundo as
áreas, proximidade dos locais de incidência com o de moradia das vítimas e eventuais
coincidências entre locais de ocorrência de variados tipos de criminalidade violenta.
O desenvolvimento de mecanismos para esses fins, uma vez levado a sério, pode
induzir a um maior cuidado no preenchimento dos dados na base (leia-se, nas
unidades policiais onde são feitos os registros) e, uma vez encampada a metodologia
48
e um sistema de armazenamento e sistematização das informações, mapas mais
informados e complexos podem ser produzidos em menor tempo e com menor
consumo de recursos materiais e humanos.
No presente caso, porém, restringimo-nos à apresentação da distribuição
espacial das mortes violentas intencionais por bairros. Condição necessária para
qualquer iniciativa posterior de maior qualificação da natureza desse fenômeno em
Nova Iguaçu. Os resultados obtidos são os que estão expostos a seguir.
III. 3. Distribuição espacial das mortes provocadas por crimes letais
intencionais
Nossa unidade temporal de referência será 2008, último ano com que
trabalhamos em nossa pequena série. Os anos de 2006 e 2007 servirão como
instrumentos de controle capazes de estimar recorrências e variações no padrão de
concentração territorial dos crimes letais intencionais em Nova Iguaçu.
O município de Nova Iguaçu é dividido em nove unidades regionais de
governo (URGs) que agregam os sessenta e oito bairros que compõem o município. A
extensão e a densidade populacional de cada URG, assim como de cada bairro,
variam bastante. De qualquer modo, interessou-nos, predominantemente, verificar os
focos de maior concentração de homicídios, vale dizer, consideramos que para fins de
políticas públicas, em se tratando de uma análise no âmbito municipal, o foco
preferencial deve ser a localização das áreas de maior incidência de episódios
criminais. Em nosso caso, interessou identificar as unidades regionais de governo e,
no interior de cada uma delas, os bairros de maior incidência de crimes letais
intencionais. A tabela a seguir apresenta a distribuição dos casos para o ano de 2008.
49
Tabela 8 Porcentagem dos Crimes Letais Intencionais em Nova Iguaçu por bairro – 2008
URG Bairro Nº
% no
total
% na
URG URG Bairro Nº
% no
total
% na
URG
CENTRO CENTRO 9 3,18 19,57 TINGUA TINGUA 4 1,41 66,51
CALIFORNIA 3 1,06 6,52 MONTEVIDEU 0 0,00 0,00
VILA NOVA 0 0,00 0,00 ADRIANOPOLIS 0 0,00 0,00
CAONZE 3 1,06 6,52 RIO D OURO 2 0,71 33,49
BAIRRO DA LUZ 7 2,47 15,20 JACERUBA 0 0,00 0,00
SANTA EUGENIA 2 0,71 4,37 TINGUA Subtotal 6 2,12 100,00
JARDIM IGUAÇU 3 1,06 6,52
CHACRINHA 2 0,71 4,37 KM 32 KM 32 5 1,77 26,38
MOQUETA 3 1,06 6,52 PARAISO 4 1,41 21,01
BAIRRO DA VIGA 4 1,41 8,68 JARDIM GUANDU 7 2,47 36,81
RANCHO NOVO 3 1,06 6,52 PRADOS VERDES 3 1,06 15,80
VILA OPERARIA 2 0,71 4,37 KM 32 Subtotal 19 6,71 100,00
ENGENHO PEQUENO 0 0,00 0,00
JARDIM TROPICAL 4 1,41 8,68 AUSTIN AUSTIN 6 2,12 22,22
PRATA 1 0,35 2,15 RIACHAO 5 1,77 18,55
CENTRO Subtotal 46 16,26 100,00 INCONFIDENCIA 4 1,41 14,78
CARLOS SAMPAIO 3 1,06 11,11
POSSE POSSE 19 6,71 33,96 TINGUAZINHO 2 0,71 7,44
CERAMICA 7 2,47 12,50 CACUIA 3 1,06 11,11
PONTO CHIC 7 2,47 12,50 RODILANDIA 3 1,06 11,11
AMBAI 4 1,41 7,14 VILA GUIMARAES 1 0,35 3,67
NOVA AMERICA 5 1,77 8,96 AUSTIN Subtotal 27 9,54 100,00
CAMARY 1 0,35 1,77
TRES CORACOES 1 0,35 1,77 VILA DE CAVA VILA DE CAVA 1 0,35 4,95
KENNEDY 4 1,41 7,14 SANTA RITA 9 3,18 44,98
PARQUE FLORA 1 0,35 1,77 RANCHO FUNDO 1 0,35 4,95
BAIRRO BOTAFOGO 7 2,47 12,50 FIGUEIRAS 2 0,71 10,04
POSSE Subtotal 56 19,79 100,00 IGUACU VELHO 2 0,71 10,04
CORUMBA 5 1,77 25,04
COMENDADOR SOARES
COMENDADOR SOARES 10 3,53 33,33 VILA DE CAVA Subtotal 20 7,07 100,00
OURO VERDE 2 0,71 6,70
JARDIM ALVORADA 2 0,71 6,70
MIGUEL
COUTO MIGUEL COUTO 15 5,30 57,67
DANON 4 1,41 13,31 BOA ESPERANCA 0 0,00 0,00
JARDIM PALMARES 4 1,41 13,31 PARQUE AMBAI 3 1,06 11,53
ROSA DOS VENTOS 1 0,35 3,31 GRAMA 2 0,71 7,73
JARDIM PERNANBUCO 0 0,00 0,00 GENECIANO 6 2,12 23,07
JARDIM NOVA ERA 7 2,47 23,32 MIGUEL COUTO Subtotal 26 9,19 100,00
COMENDADOR
SOARES Subtotal 30 10,60 100,00
CABUCU CABUCU 13 4,59 24,52
PALHADA 7 2,47 13,19
VALVERDE 4 1,41 7,53
MARAPICU 5 1,77 9,46
LAGOINHA 16 5,65 30,18 Localizados Total 283 100,00
CAMPO ALEGRE 3 1,06 5,66
IPIRANGA 5 1,77 9,46
CABUCU Subtotal 53 18,73 100,00
Não
Localizados Total 112
50
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ).
Em primeiro lugar, cabe acentuar que dos 395 casos, 112 foram perdidos por
um dos vários problemas apontados anteriormente, o que representa um volume
bastante grande do universo total. Infelizmente, apenas com as medidas já indicadas,
dentre as quais a melhoria da qualidade do preenchimento dos registros de ocorrência
é a mais importante, poderemos reduzir drasticamente o total de casos perdidos e,
consequentemente, melhorar a qualidade de análise. Feita essa observação, tomemos
as URGs como unidade de referência inicial. Podemos perceber que quatro delas
(Centro, Posse, Comendador Soares e Cabuçu) apresentam uma freqüência maior que
10% do total de casos válidos. Juntas, elas totalizam 64,82 dos casos válidos de
vítimas de crimes letais intencionais. Se excluirmos Comendador Soares, que das três
é a que apresenta freqüência mais baixa, (10,06% dos casos), ainda temos as três
URGs mais conflagradas com percentual superior à metade dos casos (Centro,
16,26%; Posse, 19,77% e Cabuçu com 18,73% totalizam 54,76% dos casos).
A análise que toma as URGs como referência, portanto, aponta para quatro
grandes áreas como aquelas mais fortemente marcadas pela incidência de crimes
letais intencionais. Quando descemos a um maior nível de detalhamento, no entanto,
outras características espaciais são reveladas.
Em cada uma das quatro URGs com maior concentração de casos, os bairros
que dão nome à unidade são aqueles com maior incidência, exceção feita à área de
Cabuçu. Nesta última, além do bairro de Cabuçu, com treze casos, temos o bairro de
Lagoinha, com dezesseis casos. Nos demais, o bairro do centro apresenta nove dos
quarenta e seis casos de sua URG, o bairro da Posse apresenta nove dos cinqüenta e
seis casos de sua URG e Comendador Soares dez dos trinta casos da URG com o
mesmo nome.
A análise pelas URGs poderia sugerir que estão nas quatro destacadas
anteriormente o principal foco de incidência de casos de violência letal intencional.
De fato, em seu conjunto essas são as áreas mais conflagradas. A desagregação por
bairro, porém, nos revela outros focos preocupantes. O bairro de Miguel Couto, por
51
exemplo, apresenta quinze casos, ocupando o terceiro lugar entre os bairros de maior
incidência, embora faça parte de uma URG (Miguel Couto) que totaliza menos que
10% do total de casos que foram apurados. Além de Miguel Couto, os bairros de
Santa Rita, em Vila de Cava (com sete casos); Jardim Guandu, no km. 32 (com sete
casos) e Austin, na URG com o mesmo nome (com seis casos), estão entre os
dezesseis mais violentos de Nova Iguaçu e não fazem parte das quatro URGs com
maior participação percentual de vítimas de violência letal intencional neste
município. A lista dos quinze bairros mais violentos por números absolutos está no
quadro a seguir.
Tabela 9 Bairros com maior incidência de vítimas por crimes letais intencionais – 2008
Bairro URG Número de óbitos
Posse Posse 19
Lagoinha Cabuçú 16
Miguel Couto Miguel Couto 15
Cabuçú Cabuçú 13
Comendador Soares Comendador Soares 10
Centro Centro 9
Santa Rita Vila de Cava 9
Bairro da Luz Centro 7
Cerâmica Posse 7
Ponto Chique Posse 7
Jardim Nova Era Comendador Soares 7 Palhada Cabuçú 7
Jardim Guandu Km. 32 7
Bairro Botafogo Posse 7
Austin Austin 6
Geneciano Miguel Couto 6
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ)
O exercício de depuração das informações permite-nos, dessa maneira,
verificar os pontos de concentração espacial de incidência de crimes letais
intencionais. A visualização dessa distribuição está nos mapas a serem apresentados
na próxima seção.
Embora estejamos trabalhando com uma sequência muito curta, julgamos
conveniente confrontar os dados de 2008 com os dos dois anos anteriores com o
intuito de verificar persistências e deslocamentos entre as áreas de maior incidência
de crimes letais intencionais. Como já observamos, houve em Nova Iguaçu uma
52
redução dessa modalidade de crime nos últimos anos, fato que se deu em muitos
outros municípios do Rio de Janeiro e do Brasil, em geral. Buscamos divisar se, nesse
cenário, há persistência e/ou migração de maiores concentração de ocorrências por
URGs e por bairros.
As tabelas dez e onze apresentam, tal como já foi feito para o ano de 2008, a
distribuição dos episódios aqui estudados nos anos de 2006 e 2007.
Tabela 10
Porcentagem dos Crimes Letais Intencionais em Nova Iguaçu por bairro – 2006
URG Bairro Nº
% no
total
% na
URG URG Bairro Nº
% no
total
% na
URG
CENTRO CENTRO 15 4,29 26,80 TINGUA TINGUA 2 0,57 22,18
CALIFORNIA 3 0,86 5,37 MONTEVIDEU 3 0,86 33,46
VILA NOVA 3 0,86 5,37 ADRIANOPOLIS 2 0,57 22,18
CAONZE 1 0,29 1,81 RIO D OURO 2 0,57 22,18
BAIRRO DA LUZ 7 2,00 12,59 JACERUBA 0 0,00 0,00
SANTA EUGENIA 2 0,57 3,56 TINGUA Subtotal 9 2,57 100,00
JARDIM IGUAÇU 6 1,71 10,68
CHACRINHA 0 0,00 0,00 KM 32 KM 32 3 0,86 13,07
MOQUETA 2 0,57 3,56 PARAISO 8 2,29 34,80
BAIRRO DA VIGA 4 1,14 7,12 JARDIM GUANDU 10 2,86 43,47
RANCHO NOVO 3 0,86 5,37 PRADOS VERDES 2 0,57 8,66
VILA OPERARIA 3 0,86 5,37 KM 32 Subtotal 23 6,58 100,00
ENGENHO PEQUENO 4 1,14 7,12
JARDIM TROPICAL 2 0,57 3,56 AUSTIN AUSTIN 13 3,71 24,49
PRATA 1 0,29 1,81 RIACHAO 5 1,43 9,44
CENTRO Subtotal 56 16,01 100,00 INCONFIDENCIA 7 2,00 13,20
CARLOS SAMPAIO 2 0,57 3,76
POSSE POSSE 8 2,29 19,54 TINGUAZINHO 8 2,29 15,12
CERAMICA 13 3,71 31,66 CACUIA 5 1,43 9,44
PONTO CHIC 5 1,43 12,20 RODILANDIA 8 2,29 15,12
AMBAI 2 0,57 4,86 VILA GUIMARAES 5 1,43 9,44
NOVA AMERICA 2 0,57 4,86 AUSTIN Subtotal 53 15,15 100,00
CAMARY 3 0,86 7,34
TRES CORACOES 2 0,57 4,86 VILA DE CAVA VILA DE CAVA 3 0,86 9,12
KENNEDY 3 0,86 7,34 SANTA RITA 16 4,57 48,46
PARQUE FLORA 3 0,86 7,34 RANCHO FUNDO 4 1,14 12,09
BAIRRO BOTAFOGO 0 0,00 0,00 FIGUEIRAS 1 0,29 3,08
POSSE Subtotal 41 11,72 100,00 IGUACU VELHO 6 1,71 18,13
CORUMBA 3 0,86 9,12
COMENDADOR
SOARES
COMENDADOR
SOARES 18 5,14 27,68
VILA DE
CAVA Subtotal 33 9,43 100,00
OURO VERDE 4 1,14 6,14
JARDIM ALVORADA 10 2,86 15,40
MIGUEL
COUTO MIGUEL COUTO 12 3,43 44,49
DANON 6 1,71 9,21 BOA ESPERANCA 0 0,00 0,00
JARDIM PALMARES 10 2,86 15,40 PARQUE AMBAI 2 0,57 7,39
ROSA DOS VENTOS 0 0,00 0,00 GRAMA 6 1,71 22,18
53
JARDIM PERNANBUCO 8 2,29 12,33 GENECIANO 7 2,00 25,94
JARDIM NOVA ERA 9 2,57 13,84
MIGUEL
COUTO Subtotal 27 7,71 100,00
COMENDADOR
SOARES Subtotal 65 18,56 100,00
CABUCU CABUCU 12 3,43 27,91
PALHADA 6 1,71 13,91
VALVERDE 3 0,86 7,00
MARAPICU 7 2,00 16,27
LAGOINHA 7 2,00 16,27
CAMPO ALEGRE 3 0,86 7,00 Localizados Total 350 100,00
IPIRANGA 5 1,43 11,64
CABUCU Subtotal 43 12,29 100,00
Não
Localizados Total 110
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ)
Tabela 11
Porcentagem dos Crimes Letais Intencionais em Nova Iguaçu por bairro – 2007
URG Bairro Nº % no total
% na URG URG Bairro Nº
% no total
% na URG
CENTRO CENTRO 11 3,48 16,40 TINGUA TINGUA 5 1,58 45,40
CALIFORNIA 3 0,95 4,48 MONTEVIDEU 1 0,32 9,20
VILA NOVA 4 1,27 5,98 ADRIANOPOLIS 2 0,63 18,10
CAONZE 2 0,63 2,97 RIO D OURO 2 0,63 18,10
BAIRRO DA LUZ 4 1,27 5,98 JACERUBA 1 0,32 9,20
SANTA EUGENIA 2 0,63 2,97 TINGUA Subtotal 11 3,48 100,00
JARDIM IGUAÇU 3 0,95 4,48
CHACRINHA 1 0,32 1,51 KM 32 KM 32 2 0,63 9,94
MOQUETA 3 0,95 4,48 PARAISO 7 2,22 35,02
BAIRRO DA VIGA 6 1,90 8,95 JARDIM GUANDU 7 2,22 35,02
RANCHO NOVO 4 1,27 5,98 PRADOS VERDES 4 1,27 20,03
VILA OPERARIA 5 1,58 7,45 KM 32 Subtotal 20 6,34 100,00
ENGENHO
PEQUENO 7 2,22 10,46
JARDIM TROPICAL 7 2,22 10,46 AUSTIN AUSTIN 10 3,16 24,38
PRATA 5 1,58 7,45 RIACHAO 6 1,90 14,66
CENTRO Subtotal 67 21,21 100,00 INCONFIDENCIA 5 1,58 12,19
CARLOS SAMPAIO 3 0,95 7,33
POSSE POSSE 9 2,85 22,49 TINGUAZINHO 0 0,00 0,00
CERAMICA 8 2,53 19,97 CACUIA 2 0,63 4,86
PONTO CHIC 4 1,27 10,02 RODILANDIA 10 3,16 24,38
AMBAI 4 1,27 10,02 VILA GUIMARAES 5 1,58 12,19
NOVA AMERICA 3 0,95 7,50 AUSTIN Subtotal 41 12,95 100,00
CAMARY 3 0,95 7,50
TRES CORACOES 0 0,00 0,00 VILA DE CAVA VILA DE CAVA 3 0,95 15,78
KENNEDY 3 0,95 7,50 SANTA RITA 4 1,27 21,10
PARQUE FLORA 2 0,63 4,97 RANCHO FUNDO 1 0,32 5,32
BAIRRO BOTAFOGO 4 1,27 10,02 FIGUEIRAS 3 0,95 15,78
POSSE Subtotal 40 12,66 100,00 IGUACU VELHO 3 0,95 15,78
CORUMBA 5 1,58 26,25
54
COMENDADOR
SOARES
COMENDADOR
SOARES 13 4,11 28,86 VILA DE CAVA Subtotal 19 6,02 100,00
OURO VERDE 8 2,53 17,77
JARDIM ALVORADA 4 1,27 8,92 MIGUEL COUTO MIGUEL COUTO 11 3,48 36,63
DANON 3 0,95 6,67 BOA ESPERANCA 3 0,95 10,00
JARDIM PALMARES 6 1,90 13,34 PARQUE AMBAI 3 0,95 10,00
ROSA DOS VENTOS 2 0,63 4,42 GRAMA 7 2,22 23,37
JARDIM
PERNANBUCO 1 0,32 2,25 GENECIANO 6 1,90 20,00
JARDIM NOVA ERA 8 2,53 17,77 MIGUEL COUTO Subtotal 30 9,50 100,00
COMENDADOR
SOARES Subtotal 45 14,23 100,00
CABUCU CABUCU 12 3,80 27,90
PALHADA 9 2,85 20,93
VALVERDE 4 1,27 9,32
MARAPICU 2 0,63 4,63
LAGOINHA 7 2,22 16,30
CAMPO ALEGRE 5 1,58 11,60 Localizados Total 316 100,00
IPIRANGA 4 1,27 9,32
CABUCU Subtotal 43 13,61 100,00
Não
Localizados Total 116
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ)
Assim como em 2008, Centro, Posse, Comendador Soares e Cabuçu já eram,
em 2006 e 2007, URGs com grande frequência de crimes letais intencionais,
acompanhadas, então, por Austin. Vale assinalar que, nesse pequeno universo,
Comendador Soares e Posse fazem caminhos inversos. Em 2006, Comendador Soares
era a URG com maior freqüência (18,56% dos casos), enquanto Posse era, entre as
quatro mais violentas, a de menor incidência (11,72%). Em 2007, Comendador
Soares segue com freqüência maior do que Posse (14,23% para 12,66), mas já é
superada pelo Centro enquanto que Posse apresenta um percentual um pouco mais
alto do que o verificado no ano anterior. Finalmente, como já vimos, em 2008 Posse
já é a URG mais violenta, enquanto Comendador Soares fica em quarto lugar. Juntas,
as quatro URGs totalizaram 58,58% dos casos de mortes intencionais em 2006 e
61,71% daquelas ocorridas em 2007 (apenas para lembrar, em 2008 as quatro
concentraram 64,82% dos casos apurados). O caso de Austin é semelhante ao de
Comendador Soares. Depois de ser a terceira URG mais violenta em 2006 (15,15%),
Austin fica em quarto lugar em 2007 (12,95%) e em sexto lugar em 2008 (9,54%).
Feitas essas considerações mais gerais, passemos à comparação no âmbito dos
bairros. Nas duas tabelas a seguir, apresentamos o ranking dos bairros mais violentos.
55
Tabela 12
Bairros com maior incidência de vítimas por crimes letais intencionais – 2006
Bairro URG Número de óbitos
Comendador Soares Comendador Soares 18
Santa Rita Vila de Cava 16
Centro Centro 15
Cerâmica Posse 13
Austin Austin 13
Cabuçú Cabuçú 12
Miguel Couto Miguel Couto 12
Jardim Palmares Comendador Soares 10
Jardim Alvorada Comendador Soares 10
Jardim Guandu Km. 32 10
Jardim Nova Era Comendador Soares 9
Rondilândia Austin 8
Tinguazinho Austin 8
Paraiso Km. 32 8
Jardim Pernambuco Comendador Soares 8
Posse Posse 8
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ)
Tabela 13
Bairros com maior incidência de vítimas por crimes letais intencionais - 2007
Bairro URG Número de óbitos
Comendador Soares Comendador Soares 13 Cabuçú Cabuçu 12
Miguel Couto Miguel Couto 11
Centro Centro 11 Austin Austin 10
Rondilândia Austin 10
Posse Posse 9 Palhada Cabuçú 9
Ouro Verde Comendador Soares 8 Cerâmica Posse 8
Jardim Nova Era Comendador Soares 8
Engenho Pequeno Centro 7
Jardim Tropical Centro 7 Lagoinha Cabuçú 7
Paraíso Km. 32 7 Jardim Guandu Km. 32 7
Grama Miguel Couto 7 Geneciano Miguel Couto 6
Riachão Austin 6
Jardim Palmares Comendador Soares 6 Bairro da Viga Centro 6
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ)
A listagem dos bairros em que se verificam os maiores números de casos de
violência letal intencional revela uma regularidade bastante razoável. Bairros como
56
Centro, Comendador Soares, Posse, Miguel Couto, Lagoinha e Cabuçu estão
invariavelmente entre os primeiros lugares. É claro que esses estão, também, entre os
bairros mais populosos e dotados de características mais urbanas no município. Do
ponto de vista da identificação das áreas mais sensíveis no âmbito de um município
das dimensões de Nova Iguaçu, contudo, julgamos que a freqüência de episódios é
mais importante do que a comparação por taxas. A reduzida ocupação pode elevar,
comparativamente, a taxa de um bairro ou região com episódios relativamente baixos
de incidência, enquanto que outras áreas, com incidência alta e população também
expressiva, podem, se estudadas a partir da ponderação episódios/população,
apresentar taxas comparativamente baixas. Em ambos os casos, um recurso
importante de análise comparativa pode acabar por mascarar contextos de maiores ou
menores frequências.
Apenas a título de exercício comparativo para o que estamos alegando,
apresentamos a seguir um ranking dos bairros com mais altas taxas para o ano de
2008 (o cálculo das taxas para 2006 e 2007 encontram-se no anexo 2, tabelas 14 e
15).
Tabela 14
Bairros com maiores taxas de vítimas por crimes letais intencionais – 2008
Bairro URG Taxa (por 10.000 Hab.) Número de óbitos
RIO D OURO TINGUA 20,79 2
LAGOINHA CABUCU 18,62 16
BAIRRO BOTAFOGO POSSE 15,43 7
POSSE POSSE 12,93 19
TINGUA TINGUA 9,24 4
FIGUEIRAS VILA DE CAVA 7,33 2
GENECIANO MIGUEL COUTO 7,10 6
MIGUEL COUTO MIGUEL COUTO 7,07 15
INCONFIDENCIA AUSTIN 7,06 4
AMBAI POSSE 6,03 4
DANON
COMENDADOR
SOARES 5,71 4
IPIRANGA CABUCU 5,40 5
CABUCU CABUCU 5,32 13
PALHADA CABUCU 5,26 7
JARDIM NOVA ERA
COMENDADOR
SOARES 5,07 7
57
CARLOS SAMPAIO AUSTIN 4,44 3
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ)
Tomando o ano de 2008 como referência, podemos perceber que oito dos
dezesseis bairros relacionados como os de maior incidência de vítimas, apresentados
na tabela nove, não constam do ranking dos bairros com maiores taxas de vítimas de
violência letal intencional. Isso porque alguns bairros com incidência baixa em
comparação a outros apresentam números elevados, quando usamos como critério a
ponderação de episódios pela população. Sendo assim, o primeiro lugar do ranking
pelas taxas, em 2008 assim como nos anos anteriores, é Rio D’Ouro, que apresenta a
impressionante regularidade de contabilizar duas mortes a cada um dos três anos
estudados. Por outro lado, bairros como Centro, Santa Rita, Bairro da Luz e
Comendador Soares, que apresentam números absolutos destacados, sequer aparecem
na listagem por taxas. Finalmente, cabe enfatizar o caso de bairros como Lagoinha,
Posse, Tinguá e Cabuçu, que apresentam dois dígitos em números absolutos e
ocupam, respectivamente, segundo, quarto, sétimo e décimo terceiro lugares entre as
maiores taxas. A presença desses bairros nos rankings independentemente do critério
utilizado parece confirmar o lugar de destaque negativo entre os mais violentos do
município.
Feitas as observações anteriores, é importante acrescentar algumas outras
sobre a distribuição dos episódios de violência letal intencional em Nova Iguaçu. As
URGs com maiores incidências são, naturalmente, aquelas onde está concentrada a
população do município (Centro, Posse e Comendador Soares). Nesse sentido, cabe
destacar que Cabuçu, que em 2008 foi a segunda URG mais violenta, era, segundo o
censo de 2000, do IBGE, a quinta URG mais populosa. Na mesma direção, cabe
salientar que Miguel Couto, segunda URG menos populosa do município, foi,
também em 2008, a quinta URG com maior número de casos.
Feita essa apresentação introdutória acerca da distribuição espacial da
vitimização por crimes letais intencionais em Nova Iguaçu, vejamos como ela se
distribui no mapa do município propriamente dito.
58
III.4. Apresentação dos mapas, enfatizando a concentração e os
deslocamentos nos últimos três anos
A distribuição por URGs e bairros dos episódios de violência letal intencional
em Nova Iguaçu já nos dá uma razoável idéia sobre as áreas mais conflagradas, os
espaços mais freqüentes de ocorrências dessa natureza. A pura descrição nominal dos
bairros em que os casos se dão pode, contudo, sugerir uma dispersão maior do que
aquela que efetivamente ocorre. A digitalização dos casos no mapa, através do uso do
programa GeoNIguaçu, contribui para que tenhamos uma idéia mais precisa sobre
concentração e dispersão espacial das mortes provocadas intencionalmente. É o que
passamos a apresentar agora.
Mapa 1
Porcentagem dos Crimes Letais Intencionais – 2008
Assim como já procedemos anteriormente, começamos a exposição pelo
último ano de nossa série. Optamos, também, por utilizar matizes em que a cor mais
escura aponta as áreas mais conflagradas e a redução das incidências equivale ao
clareamento dos tons avermelhados. O leitor pode observar que há uma razoável
contigüidade entre boa parte dos bairros que apresentam maior freqüência de crimes
letais intencionais. Trata-se de bairros não muito extensos territorialmente e que se
localizam no centro do mapa.
Acima, quase a nordeste do mapa, temos o grande bairro de Geneciano,
relativamente afastado da concentração mencionada anteriormente. Em sua mesma
latitude, caminhando para o centro,temos o bairro de Santa Rita, ponto de partida para
um movimento de descida no mapa pelo qual passamos por Ponto Chique e Posse em
direção à região onde se concentram os bairros com maior incidência. De
Genenciano, podemos fazer o mesmo percurso descendente, passando por Miguel
Couto até chegarmos ao mesmo conglomerado de bairros em que são verificados os
maiores números de vítimas.
Nesse percurso, que tem, ao sul, o Jardim Nova Era, e a leste, o Centro,
identificamos o maior foco de concentração de vítimas de crimes letais intencionais.
Por outro lado, a oeste, relativamente isolado, temos o extenso bairro de Austin, que
também apresenta incidência alta. Ainda muito próximos do bloco de concentração
no centro do mapa, temos os bairros contíguos de Palhada e de Cabuçu, próximos do
limite do município. Mais abaixo, relativamente isolados, temos Lagoinha e Jardim
Guandu.
Temos na descrição de nosso mapa dezesseis bairros que apresentam maior
incidência de crimes letais intencionais. Esses bairros, naturalmente, equivalem
àqueles apresentados anteriormente na tabela sobre o mesmo tema. O que o mapa
acrescenta às informações anteriores é que embora não haja uma concentração
absoluta em alguns poucos bairros vizinhos entre si, é possível verificar uma relativa
contigüidade entre dez deles, além de três outros pontos, não totalmente isolados, de
concentração. Aconselhável insistir: esse acréscimo não é pouca coisa.
A incidência de crimes letais intencionais num determinado ano talvez não
pareça informação suficientemente sólida para as autoridades competentes voltarem
as atenções para as áreas em que tais crimes se concentram. Para esse caso,
buscamos, então, verificar, assim como já o fizemos anteriormente, o comportamento
61
dos dados nos dois anos anteriores (2006 e 2007) para verificarmos persistências e
variações. Os resultados aparecem nos dois mapas a seguir.
Mapa 2
Porcentagem dos Crimes Letais Intencionais – 2006
Como o leitor deve recordar, a tabela de 2006 reúne um número maior de
bairros com maior incidência de crimes letais intencionais do que aquela destinada à
distribuição em 2008. Do mesmo modo, apontamos que o número de crimes dessa
natureza vem caindo ao longo do tempo. À luz do mapa de 2006, podemos
acrescentar que a área de concentração dos bairros com maior incidência é mais
ampla do que no mapa anterior. No ano de 2006, começamos nosso périplo um pouco
mais abaixo do que o fizemos para 2008, mais próximos, portanto, do centro do
mapa. Ao norte desse aglomerado, temos Santa Rita, a partir de onde descemos por
Tinguazinho em direção a Austin, à esquerda, e em direção à Posse, passando por
Rondilândia e Ponto Chique, à direita. É nessa área, indo na direção do Centro, à
direita, e mais abaixo, onde se encontram Comendador Soares e, descendo um pouco
mais, Jardim Palmares, Rosa dos Ventos, Jardim Pernambuco e Jardim Nova Era, que
temos, ainda uma vez, os bairros com maior freqüência dos crimes aqui pesquisados.
Ao sul do mapa, temos novamente Jardim Guandu em nosso universo. Dessa vez sem
a companhia de Lagoinha, mas com o vizinho Paraíso.
A mera comparação do ano de 2006 com o de 2008 sugere alguns pontos de
concentração recorrentes, ainda que com pequenas alterações tópicas quanto aos
bairros listados. Temos claramente um problema ao sul do mapa, numa região
relativamente afastada do centro, que diz respeito aos bairros Lagoinha, Jardim
Guandu e Paraíso. A leste do mapa, temos o reincidente bairro de Austin. No
caminho entre a primeira e o segundo, o também reincidente bairro de Cabuçu. A
região central do mapa, a despeito da extensão que a mancha apresenta para o norte,
situa a área mais complicada. Trata-se de uma região que concentra um número
elevado de bairros e uma densidade demográfica igualmente expressiva, onde se
concentra a mancha mais escura de nossa distribuição. Na passagem de 2006 para
2008, o ano de 2007 confirma nossas impressões, como o mapa revela a seguir.
Mapa 3
Porcentagem dos Crimes Letais Intencionais – 2007
Ao sul, temos confirmado um foco de problemas nos bairros de Lagoinha,
Paraíso e Jardim Guandu. Subindo em direção ao centro do mapa, temos, mais uma
vez, Cabuçu, cuja concentração se aproxima mais da região central em função da
incorporação, nesse ano, do bairro acima de Palhada, que também faz parte, nesse
ano, do conjunto de bairros com maior incidência. À nordeste da região central, os
bairros de Miguel Couto e de Grama ocupam posição em nossa lista de dezessete
bairros mais violentos (extraímos os quatro últimos bairros apresentados na tabela
correspondente na seção anterior). A oeste, como de costume, temos Austin, que se
liga aos bairros centrais pelo também presente, nesse ano, bairro de Rondilândia.
Do cotejo dos mapas apresentados, podemos extrair, a princípio, três
conclusões. Em primeiro lugar, cabe salientar que há dois grandes focos de
concentração. Um no centro do mapa e outro ao sul. A despeito de variações que
esticam nossa mancha um pouco mais ao norte e oscilações de presença e ausência de
alguns bairros, essas são áreas aparentemente críticas. Em segundo lugar, cabe
reforçar as persistentemente altas incidências nos bairros de Austin e de Cabuçu que
não se encontram necessariamente em contigüidade com bairros que concentram o
maior número de vítimas. Finalmente, a pior das notícias: a despeito da redução das
taxas e dos números absolutos de crimes letais intencionais em Nova Iguaçu e do
número praticamente igual de bairros incorporados à mancha mais escura de nossos
mapas, o último ano de nosso conjunto apresenta uma fragmentação espacial maior
do que nos anos anteriores. Se for uma tendência confirmada nos próximos anos,
certamente imporá dificuldades na concentração de esforços e na definição de áreas
prioritárias para estratégias voltadas para a redução das mortes violentas causadas
intencionalmente. É claro que em se tratando de um município das dimensões de
Nova Iguaçu e de sua distribuição demográfica essa tendência é sutil, mas cabe
atenção e monitoramento para eventual confirmação ou falsificação dessa possível
tendência.
A pergunta que cabe ser feita nesse momento, contudo, é de outra natureza. Se
isolarmos apenas as vítimas que se situam na faixa etária de maior interesse para nós,
as tendências verificadas no universo mais abrangente se repetem?
Mapa 4
Crimes Letais Intencionais por Idade – de 0 a 17 anos – 2006
A nordeste do mapa, temos o bairro de Iguaçu Velho, relativamente distante
do centro do mapa onde, novamente, há a maior concentração de bairros com
incidência mais alta. Ainda um pouco distante, mas mais ao centro do mapa, temos o
bairro de Santa Rita e a sua direita, um pouco mais abaixo, Miguel Couto. Ao sul,
dessa vez isolado de seus vizinhos, Jardim Guandu. Mais acima, o freqüentador
permanente de nossa mancha mais escura bairro de Cabuçu. Ao centro, cortando o
mapa em sua latitude, temos a concentração de bairros com maiores incidências de
crimes letais intencionais. Nesse caso, a mancha vai de Vila Guimarães, nos limites a
oeste do município, ao bairro do Centro, no extremo leste.
O mapa cinco, a seguir, sugere que encontraremos a mesma tendência de
dispersão territorial no suceder dos anos, ainda que haja o acréscimo de um único
bairro, se comparado ao ano anterior. Se os bairros mais ao norte deixam a zona mais
escura de nosso mapa, a concentração verificada na área central no mapa anterior é
fragmentada, ainda que em distâncias não muito grandes entre si.
Mapa 5
Crimes Letais Intencionais por Idade – de 0 a 17 anos – 2007
Finalmente, no último ano de nossa série temos um total de dezoito bairros,
dos quais cinco estão na região sul do município, o que confirma nosso argumento
anterior sobre a importância de se dar atenção a essa área11
. Do mesmo modo, ainda
que persista numericamente a concentração de bairros na área central do município,
ela também parece mais fragmentada, repetindo, nessa faixa etária o que indicamos
como uma possível tendência a um ligeiro aumento da dispersão territorial ocorrida
ao longo dos três anos aqui estudados.
11
Situados na área do Km. 32, esses bairros, segundo apuramos, têm uma forte presença de grupos
ligados ao comércio de drogas o que, talvez, explique parcialmente as incidências verificadas.
Mapa 6
Crimes Letais Intencionais por Idade – de 0 a 17 anos – 2008
Nunca é demais repetir que esses dados são parciais e devem ser encarados
com cuidado. Lidamos aqui apenas com a parcela de vítimas cujo local de ocorrência
foi apurado a partir dos dados dos registros de ocorrência. Infelizmente, não temos
como estimar as mudanças na distribuição, caso estivéssemos lidando com o volume
total de informações ou algo mais próximo disso. De todo modo, a freqüência
apurada nessas áreas é volumosa o bastante para reconhecermos nas áreas e bairros
mencionados campos que impõem a intervenção qualificada do poder público para a
redução dessas incidências. Comparativamente, não há grandes variações também
entre as áreas mais conflagradas pelo viés etário. Crianças e adolescentes morrem
mais praticamente nas mesmas regiões em que está concentrado o maior número de
mortos intencionalmente em Nova Iguaçu, a despeito da idade. Tais indícios são
fortes o suficiente para a orientação de ações públicas, bem como pra o
aprofundamento da compreensão a respeito das dinâmicas de criminalidade letal
intencional no município. Podemos, contudo, tentar ir além e, através de fontes
alternativas, conhecer melhor como se dão tais dinâmicas e o que podemos encontrar
no seu entorno. É o que passamos a fazer no próximo capítulo.
IV. Um passo adiante dos dados policiais. Disque denúncia e conselhos
tutelares
Os dados policiais são, indiscutivelmente, o instrumento privilegiado para
auferir o quadro criminal de um dado contexto. Sua precisão e sua confiabilidade são
o termômetro mais importante sobre os recursos disponíveis num dado contexto para
a realização de diagnósticos, formulação de políticas e avaliação do impacto de ações
do poder público voltadas para o aperfeiçoamento do aparato de segurança e a
redução de episódios de violência. Ainda assim eles são insuficientes para darmos
conta da complexidade dos fatores implicados nas dinâmicas criminais e sozinhos não
bastam para entendermos questões relevantes para a promoção de um sistema
eficiente e defensável de segurança.
Para a análise do caso de incidência de violência letal intencional contra
crianças e adolescentes em Nova Iguaçu, utilizamos uma série de fontes adicionais de
informação. Nesse capítulo trataremos do material extraído em duas delas: o disque
denúncia e os conselhos tutelares. Pelo primeiro, podemos estimar quais são as
manifestações mais freqüentes da população de Nova Iguaçu no que toca à violência
72
criminal. Evidentemente, por sua própria natureza, os resultados obtidos por essa
fonte não podem ser tomados como representativos do que inquieta a população do
município em geral. Tomados em seu conjunto, contudo, eles são expressivos daquilo
que uma parcela da população julga passível de denúncia e de atenção do aparato
policial. Esse universo de denunciantes não é representativo da população como um
todo. Há em sua constituição um claro viés relacionado ao acesso a informação, ao
conhecimento da existência do programa e à crença de que sua iniciativa pode render
resultados. Esse viés, possivelmente, se traduz nos tipos de denúncia que são feitas,
bem como em sua distribuição por incidência e localidade. Ainda assim, insistimos, o
material daí resultante rende uma boa análise sobre as inquietações dessa parcela da
população de Nova Iguaçu e merece ser analisado.
Os dados extraídos junto aos conselhos tutelares têm uma natureza distinta e
complementar. Há indícios fortíssimos de que, na maior parte dos casos, um episódio
de violência letal intencional é o desfecho trágico e anunciado de trajetórias marcadas
pela proximidade à violência. Dito de outra forma: muitas das mortes poderiam ser
evitadas se o percurso de violência em que a vítima esteve enredada sistematicamente
(também na qualidade de vítima, de agressor ou de ambos) fosse interrompido a
tempo. Para o caso das mortes que atingem crianças e adolescentes, os conselhos
tutelares são, por sua vocação e pela rotina de trabalho, uma fonte preciosa de
informações.
Criados sob a égide do estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em
1990, os conselhos tutelares são, ou deveriam ser, a instância privilegiada a ser
acionada e dar encaminhamento aos casos em que crianças e adolescentes têm seus
direitos violados e sua integridade ameaçada. Seu lugar institucional, suas
articulações com demais instâncias do poder público e com a sociedade e suas
limitações operacionais serão objeto de discussão no próximo capítulo. Neste,
buscamos utilizar as preciosas informações que nos são reveladas pelos fluxos de
atendimento e pelo depoimento de alguns de seus membros. Através deles julgamos
obter um melhor entendimento acerca das dinâmicas de violência e/ou violação de
direitos nas quais crianças e adolescentes estão envolvidos, as fontes de maior pressão
por demandas e situações preferenciais em que esse segmento da população revela
sua vulnerabilidade.
73
IV. 1. O que a população de Nova Iguaçu revela ao Disque Denúncia
O disque Denúncia é uma Organização Não Governamental criada em 1995 e
funciona com base em uma parceria entre o MovRio e a Secretaria de Segurança do
Estado do Rio de Janeiro. O programa recebe informações da população em geral
sobre episódios criminais e violações da lei, garantindo sempre o anonimato do
denunciante. Uma vez recebidas, as denúncias passam por uma triagem destinada a
checar a pertinência da denúncia e, quando é o caso, repassá-la aos órgãos oficiais
competentes (no mais das vezes, à polícia). Segundo o site oficial do programa
(www.disquedenuncia.org.br) desde sua criação já foram recebidas cerca de um
milhão de denúncias e o serviço auxiliou a elucidação de aproximadamente 90 mil
casos.
Para auxiliar e qualificar nossa análise, a equipe do Disque Denúncia nos
franqueou todos os dados relativos a denúncias feitas em Nova Iguaçu entre os anos
de 2002 e 2008. Durante esse período, foram contabilizadas 10964. Em tabela em
anexo (anexo 2, tabela 16), apresentamos o total delas por tipo. Na tabela a seguir,
estão listadas as vinte mais recorrentes, segundo categorização do próprio órgão.
Tabela 15
Tipo de Assunto da denúncia - Nova Iguaçu - 20 mais denunciados (2002/2008)
Nº %
TRÁFICO DE DROGAS 2708 24,7
MAUS TRATOS 959 8,7
HOMICÍDIO CONSUMADO 692 6,3
ESTELIONATO 397 3,6
VIOLÊNCIA CONTRA IDOSO 367 3,3
GRUPOS DE EXTERMÍNIO 353 3,2
VIOLÊNCIA CONTRA MULHER 316 2,9
POSSE ILÍCITA DE ARMAS FOGO 278 2,5
ROUBO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES 229 2,1
LOCALIZAÇÃO DE FORAGIDOS DA JUSTIÇA 225 2,1
CONSUMO DE DROGAS 219 2
CORRUPÇÃO DE MENORES 203 1,9
DESVIO DE CONDUTA 199 1,8
AMEAÇA 175 1,6
DESMONTE VEÍCULOS 160 1,5
BARULHO 157 1,4
CRIAÇÃO ANIMAIS DES NORMAS SEGURANÇA 143 1,3
ABANDONO 141 1,3
ESTUPRO 133 1,2
ROUBO/FURTO A RESIDÊNCIAS 129 1,2
Fonte: Disque Denúncia
74
Como pode ser verificado, é flagrante a predominância de questões relativas
ao tráfico de drogas, que totalizam quase um quarto de todas as denúncias feitas no
período destacado. Chama atenção, também, a alta incidência de maus tratos, segundo
tipo mais frequente. Cabe destacar, também, a posição ocupada pelos casos de grupos
de extermínio, problema reconhecidamente relevante em Nova Iguaçu e outros
municípios da Baixada, e de violência contra mulher, respectivamente sexto e sétimo
casos mais freqüentes.
Ainda em uma perspectiva mais geral das denúncias, buscamos determinar os
bairros sobre os quais as denúncias são mais freqüentes. Os resultados obtidos estão
expostos na tabela a seguir.
Tabela 16
Bairro do Local da Ocorrência - Corrigido - Nova Iguaçu
Freq. %
Centro 772 7,8
California 152 1,5
Vila Nova 97 1
Caonze 42 0,4
Da Luz 138 1,4
Santa Eugenia 156 1,6
Jardim Iguaçu 78 0,8
Chacrinha 40 0,4
Moqueta 134 1,4
Viga 58 0,6
Rancho Novo 131 1,3
Vila Operaria 110 1,1
Engenho Pequeno 264 2,7
Jardim Tropical 161 1,6
Da Prata 126 1,3
Posse 683 6,9
Da Ceramica 239 2,4
Ponto Chic 81 0,8
Ambai 107 1,1
Nova America 74 0,7
Camari 217 2,2
Tres Coraçoes 34 0,3
Kennedy (Caioaba) 94 0,9
Parque Flora 116 1,2
Botafogo 107 1,1
Comendador Soares 720 7,3
Ouro Verde 43 0,4
Jardim Alvorada 194 2
Danon 61 0,6
Jardim Palmares 46 0,5
Rosa dos Ventos 100 1
Jardim Pernambuco 195 2
75
Jardim Nova Era 235 2,4
Cabuçu 268 2,7
Da Palhada 163 1,6
Valverde 106 1,1
Marapicu 198 2
Lagoinha 84 0,8
Campo Alegre 156 1,6
Ipiranga 43 0,4
Km – 32 73 0,7
Paraiso 130 1,3
Jardim Guandu 26 0,3
Prados Verdes 34 0,3
Austin 931 9,4
Riachao 27 0,3
Carlos Sampaio 2 0
Tinguazinho 32 0,3
Cacuia 65 0,7
Rodilandia 15 0,2
Vila Guimaraes 33 0,3
Vila de Cava 271 2,7
Santa Rita 382 3,9
Rancho Fundo 25 0,3
Figueiras 100 1
Iguaçu Velho 18 0,2
Corumba 147 1,5
Miguel Couto 374 3,8
Boa Esperança 53 0,5
Parque Ambai 56 0,6
Grama 38 0,4
Geneciano 35 0,4
Tingua 80 0,8
Montevideu 89 0,9
Adrianopolis 37 0,4
Total 9896 100
Bairros não encontrados 1068
Fonte: Disque Denúncia
Centro, Austin, Comendador Soares e Posse são, pela ordem, as que
apresentam maior incidência de denúncias. Mais uma vez, devemos lembrar que as
diferenças populacionais não podem simplesmente ser negligenciadas. Do mesmo
modo, é plausível imaginar que a tendência a fazer denúncias está diretamente
relacionada ao maior acesso a informações e ao conhecimento dos serviços
disponíveis. Ainda assim, vale apontar a razoável consistência entre as áreas em que
mais há denúncias de crimes e violações da lei e aquelas em que estão concentradas
as incidências de violências letais intencionais.
Para lidarmos com as questões envolvendo especificamente crianças e
adolescentes, filtramos entre todos os casos em que há referência a idade do
76
envolvido aqueles que dizem respeito a essas faixas etárias especificamente. Para dar
um pouco mais de consistência à análise e reduzir a dispersão, agregamos os casos tal
como aparecem na base do Disque Denúncia em sete variáveis. Os resultados obtidos
para a faixa de zero a onze anos estão expostos na tabela 17.
Tabela 17
Tipo de Assunto agregado - 0 a 11 anos - Total de Ocorrências - Nova Iguaçu - 2002-2008
Tipo de Assunto Freq. %
Crimes contra a pessoa c/ violência 11 7,2
Crimes contra a pessoa s/ violência 82 53,9
Crimes de natureza sexual 23 15,1
Crimes contra o patrimônio 3 2
Crimes relacionados a drogas 14 9,2
Desaparecimento 3 2
Outros 12 7,9
Menor infrator 4 2,6
Total 152 100
Fonte: Disque Denúncia
Como já era esperado a luz do que auscultamos junto aos conselhos tutelares e
a outros informantes, a maior incidência nessa faixa etária recai sobre crimes contra a
pessoa sem violência. É importante não se deixar levar pela aparência de que se trata
de problemas de menor importância. Nessa rubrica estão embutidos casos como maus
tratos, corrupção de menor e ameaça, tipos de violação que, embora não envolvam
necessariamente o uso de violência aberta, causam evidentes danos às vítimas. Nessa
faixa etária as crianças ainda estão pouco sujeitas às dinâmicas do espaço público e
normalmente é no espaço doméstico, e sob formas menos facilmente captáveis, que
são iniciadas nas dinâmicas que, na maior parte das vezes, deixam sequelas de difícil
superação.
Também chama a atenção nos dados apresentados anteriormente a
relativamente alta incidência de crimes de natureza sexual. Eles são o segundo tipo
mais freqüente. Finalmente, cabe mencionar que das quatorze denúncias relativas a
drogas, treze diziam respeito a tráfico.
Como fica explícito por alguns casos agregados nas categorias por nós
criadas, nem todas as denúncias têm a criança como vítima. Seriam necessários
77
muitos meses de trabalho para, tal como o banco está estruturado, apurássemos cada
caso, definindo se a criança está envolvida como vítima ou como autora. Uma leitura
aleatória e parcial das informações, contudo, nos assegura que em grande parte o
envolvimento da criança se dá na condição de vítima.
Não custa destacar mais uma vez que esses dados são interessantes não por
traduzirem as dinâmicas que ocorrem no cotidiano do município. Eles expressam,
mais exatamente, o conjunto de questões e problemas que tendem a causar maior
mobilização junto aos cidadãos e os leva a acionar o serviço. É exatamente nesse
aspecto, no que desvela o que assombra e perturba, que eles devem ser analisados. O
cruzamento deles com os dados oficiais oferece pistas promissoras. Eles podem
reforçar o quadro geral descrito nos dados policiais; podem apontar questões pouco
visíveis a luz desses mesmos dados; podem, finalmente, abrir canais interpretativos
sobre convergências e divergências entre o que é apresentado por uma parte da
população e o que é captado pela atividade policial e se traduz em registros de
ocorrências criminais. Infelizmente, a exploração de cada um desses pontos nos
levaria para muito longe do alcance a que nos propomos presentemente.
Voltando, então, aos resultados obtidos junto ao Disque Denúncia,
apresentamos a seguir a distribuição dos casos por bairros. Para essa discussão,
optamos por assumir a dispersão e mantivemos os registros distribuídos por bairros.
No resultado final, temos Comendador Soares, Austin e Miguel Couto, bairros já
bastante citados a essa altura do trabalho, liderando as ocorrências envolvendo
crianças. Por outro lado, bairros como o Centro apresentam apenas dois casos ao
longo dos sete anos aqui apresentados.
Tabela 18
Bairro do Local da Ocorrência - 0 a 11 anos - Total de Ocorrências - Nova Iguaçu - 2002-2008
Bairro Freq. %
Comendador Soares 22 15,6
Austin 16 11,3
Miguel Couto 10 7,1
California 7 5
Da Prata 6 4,3
Posse 6 4,3
Campo Alegre 6 4,3
Corumba 6 4,3
78
Santa Eugenia 4 2,8
Parque Flora 4 2,8
Santa Rita 4 2,8
Moqueta 3 2,1
Da Ceramica 3 2,1
Nova America 3 2,1
Camari 3 2,1
Kennedy (Caioaba) 3 2,1
Jardim Alvorada 3 2,1
Cacuia 3 2,1
Centro 2 1,4
Jardim Iguaçu 2 1,4
Engenho Pequeno 2 1,4
Tres Coraçoes 2 1,4
Jardim Palmares 2 1,4
Cabuçu 2 1,4
Da Palhada 2 1,4
Figueiras 2 1,4
Parque Ambai 2 1,4
Tingua 2 1,4
Viga 1 0,7
Vila Operaria 1 0,7
Jardim Tropical 1 0,7
Botafogo 1 0,7
Rosa dos Ventos 1 0,7
Valverde 1 0,7
Riachao 1 0,7
Vila de Cava 1 0,7
Montevidéu 1 0,7
Total 141 100
Não encontrados 11 7,8
Fonte: Disque Denúncia
Para que o leitor possa mais facilmente visualizar a incidência dos principais
grupos de episódios criminais denunciados ao programa, apresentamos, a seguir, os
mapas para cada um deles.
O mapa número sete apresenta a distribuição no município das incidências de
denúncias de crimes com violência em que crianças estão envolvidas.
79
Mapa 7
Fonte: Disque Denúncia
Tingua
Adrianopolis
Campo Alegre
Iguaçu Velho
Km - 32
Tinguazinho
Montevideu
Lagoinha
Marapicu
Geneciano
Ipiranga
Prados Verdes
Rio D'Ouro
Cabuçu
Austin
Paraiso
Centro
Riachao
Jaceruba
Santa Rita
Da LuzDa Palhada
Corumba
Jardim Guandu
Valverde
Cacuia
Ponto Chic
Danon
Camari
Vila de Cava
Grama
Moqueta
Rodilandia
AmbaiMiguel Couto
Da CeramicaDa Posse
Rancho Fundo
Jardim Palmares
Nova America
Carlos Sampaio
Figueiras
Vila Guimaraes
Da VigaInconfidencia
Caonze
Comendador Soares
Vila Nova
Ouro Verde
Jardim Alvorada
Parque Ambai
Jardim Nova Era
Rosa dos Ventos
Da Prata
Tres Coraçoes
California
Rancho Novo
Botafogo
Vila Operaria
Engenho Pequeno
Boa Esperança
Chacrinha
Crimes contra a pessoa com violência - 0 a 11 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008
Legenda
0
1
2
3
APA®
80
Quão mais escura a cor utilizada para o bairro, maior a incidência de
denúncias ali situadas. Para esse caso específico, Comendador Soares reforça,
solitariamente, a imagem pouco favorável que lhe vem sendo imposta pela análise
apresentada até o momento. No grupo que se encontra na segunda escala temos
Austin, Jardim Palhada, Jardim Palmares, Engenho Pequeno, Camari, Engenho Novo,
Miguel Couto e Figueiras. Nesse segundo grupo temos bairros que freqüentam
regularmente posições de destaque em todos os comentários realizados nesse estudo.
São casos como os de Austin e Miguel Couto, por exemplo.
É importante realçar que dentre as categorias por nós estabelecidas esse é o
conjunto que reúne os episódios mais graves de violação, uma vez que envolvem o
uso efetivo de violência física (exceção feita aos crimes de natureza sexual, que
optamos por tratar como um caso a parte). Comparativamente aos demais universos
tratados aqui, temos um conjunto reduzido de bairros. Ainda assim, se sobrepusermos
esse mapa com os mapas de violência letal encontraremos várias coincidências locais,
que apontarão, certamente, os locais mais sensíveis tanto do ponto de vista de
incidência quanto de potencial de reprodução desse quadro nos anos posteriores,
abstraídas, naturalmente, possíveis novidades como intervenções públicas e políticas
focadas para tais regiões.
No mapa a seguir, verificamos a distribuição das denúncias de episódios que
não envolvem o uso efetivo de violência. Nele, encontramos novamente o bairro de
Comendador Soares, dessa vez, contudo, na companhia de outro freqüentador assíduo
de nossas listas: o bairro de Austin. Em escala um pouco inferior, Miguel Couto volta
a aparecer nesse item, cuja lista é completada por Campo Alegre, a sudoeste do
município, Corumbá e Prata. Importante lembrar que, embora a rubrica sem violência
possa sugerir que este seja um mapa sobre denúncias de problemas de menor
gravidade, esse não é o caso. Nossa inclinação é considerar que os tipos de ocorrência
inscritas nessa categoria são comuns nas trajetórias daqueles que, de um jeito ou de
outro, acabam envolvidos em episódios de violência letal intencional e dificilmente é
possível agir sobre a incidência dessa modalidade de violência sem atentar para
aquelas supostamente mais “brandas”.
81
Mapa 8
Fonte: Disque Denúncia
Tingua
Adrianopolis
Campo Alegre
Iguaçu Velho
Km - 32
Tinguazinho
Montevideu
Lagoinha
Marapicu
Geneciano
Ipiranga
Prados Verdes
Rio D'Ouro
Cabuçu
Austin
Paraiso
Centro
Riachao
Jaceruba
Santa Rita
Da LuzDa Palhada
Corumba
Jardim Guandu
Valverde
Cacuia
Ponto Chic
Danon
Camari
Vila de Cava
Grama
Moqueta
Rodilandia
AmbaiMiguel Couto
Da CeramicaDa Posse
Rancho Fundo
Jardim Palmares
Nova America
Carlos Sampaio
Figueiras
Vila Guimaraes
Da VigaInconfidencia
Caonze
Comendador Soares
Vila Nova
Ouro Verde
Jardim Alvorada
Parque Ambai
Jardim Nova Era
Rosa dos Ventos
Da Prata
Tres Coraçoes
California
Rancho Novo
Botafogo
Vila Operaria
Engenho Pequeno
Boa Esperança
Chacrinha
Crimes contra a pessoa sem violência - 0 a 11 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008
Legenda
0
1
2 - 3
4 - 6
7 - 12
APA®
82
O mapa 9 se refere a denúncias de crimes relacionados a drogas. Como já
mencionamos, chamou nossa atenção o fato de que, mesmo na faixa etária mais baixa
essas denúncias se concentram na rubrica tráfico. Não temos como saber exatamente
o que isso significa para além da incidência das denúncias. Elas tanto podem atestar
uma tendência, apontada por alguns intérpretes, sobre a redução da idade de
recrutados para o cumprimento de tarefas específicas nos grupos ligados ao comércio
de drogas, quanto podem resultar de uma certa tendência dos próprios denunciantes
em fazer tábula rasa dos vários tipos de envolvimento com as drogas (uso e
comercialização, por exemplo). Uma terceira alternativa seria a de que a população
tende a fazer denúncia mais recorrentemente quando associa a presença de drogas ao
envolvimento com o tráfico. O mais provável é que esse três fatores estejam
convergindo para esse resultado, cuja distribuição é ilustrada no mapa a seguir.
Importante repetir que para nosso interesse e dados os números obtidos, apresentamos
as questões relativas a drogas em um mesmo conjunto. Em relação a esse problema,
Cerâmica, Posse e Prata são os bairros que apresentam a maior incidência de
denúncias. Talvez não seja casual que as duas primeiras sejam freqüentadoras
assíduas de nossas listagens.
83
Mapa 9
Fonte: Disque Denúncia
Tingua
Adrianopolis
Campo Alegre
Iguaçu Velho
Km - 32
Tinguazinho
Montevideu
Lagoinha
Marapicu
Geneciano
Ipiranga
Prados Verdes
Rio D'Ouro
Cabuçu
Austin
Paraiso
Centro
Riachao
Jaceruba
Santa Rita
Da LuzDa Palhada
Corumba
Jardim Guandu
Valverde
Cacuia
Ponto Chic
Danon
Camari
Vila de Cava
Grama
Moqueta
Rodilandia
AmbaiMiguel Couto
Da CeramicaDa Posse
Rancho Fundo
Jardim Palmares
Nova America
Carlos Sampaio
Figueiras
Vila Guimaraes
Da VigaInconfidencia
Caonze
Comendador Soares
Vila Nova
Ouro Verde
Jardim Alvorada
Parque Ambai
Jardim Nova Era
Rosa dos Ventos
Da Prata
Tres Coraçoes
California
Rancho Novo
Botafogo
Vila Operaria
Engenho Pequeno
Boa Esperança
Chacrinha
Crimes relacionados a drogas - 0 a 11 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008
Legenda
0
1
2
APA®
84
O último mapa produzido com base nas informações do Disque Denúncia para
a faixa etária de 0 a 11 anos refere-se às denúncias relativas a crimes contra o
patrimônio. Nesses casos, por inacreditável que possa parecer, as denúncias incidem
sobre crianças como perpetradoras dessa modalidade de violação. Ainda que residual,
optamos por apresentar a distribuição dos números no mapa a seguir.
Exatamente pelo volume reduzido de casos, temos apenas duas faixas e na
mais escura temos, novamente, o bairro de Austin em nossa lista, acompanhado,
dessa feita, por Vila Operária e Camari. Os demais bairros estão zerados ou próximos
de zero.
85
Mapa 10
Fonte: Disque Denúncia
Tingua
Adrianopolis
Campo Alegre
Iguaçu Velho
Km - 32
Tinguazinho
Montevideu
Lagoinha
Marapicu
Geneciano
Ipiranga
Prados Verdes
Rio D'Ouro
Cabuçu
Austin
Paraiso
Centro
Riachao
Jaceruba
Santa Rita
Da LuzDa Palhada
Corumba
Jardim Guandu
Valverde
Cacuia
Ponto Chic
Danon
Camari
Vila de Cava
Grama
Moqueta
Rodilandia
AmbaiMiguel Couto
Da CeramicaDa Posse
Rancho Fundo
Jardim Palmares
Nova America
Carlos Sampaio
Figueiras
Vila Guimaraes
Da VigaInconfidencia
Caonze
Comendador Soares
Vila Nova
Ouro Verde
Jardim Alvorada
Parque Ambai
Jardim Nova Era
Rosa dos Ventos
Da Prata
Tres Coraçoes
California
Rancho Novo
Botafogo
Vila Operaria
Engenho Pequeno
Boa Esperança
Chacrinha
Crimes contra o patrimônio - 0 a 11 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008
Legenda
0
1
APA®
86
A passagem do universo da infância para a adolescência implica mudanças de
várias naturezas. Para o foco de nosso interesse, percebemos, como já era esperado,
alterações significativas. A primeira delas, que não está traduzida em números por
razões já apontadas, diz respeito ao tipo de participação nos episódios denunciados.
Se no caso da faixa entre zero e onze anos predominava o envolvimento como vítima,
na faixa subseqüente (doze a dezessete anos) a tendência se inverte. À medida que a
idade avança, passam a predominar os casos em que adolescentes aparecem
envolvidos como autores ou ao menos objeto das denúncias. Infelizmente, pelas
razões mencionadas anteriormente, não tivemos como quantificar de modo preciso
essa tendência.
Outra diferença observada entre as duas faixas etárias aqui estudadas diz
respeito às frequências das modalidades de crime denunciadas12
. Crimes relativos a
drogas e denúncias contra menores infratores totalizam quase metade das 1123
denúncias realizadas, sendo que dos 313 casos relativos a drogas, 240 são referidos a
tráfico. Embora tenha sua participação reduzida comparativamente à infância, os
episódios reunidos sob a rubrica crimes contra a pessoa sem violência estão no
mesmo patamar que crimes contra o patrimônio (nunca é demais lembrar que essa é
uma modalidade muito comum na aplicação de medidas sócio-educativas) e abaixo
de crimes de natureza sexual. Um estudo mais longo e detalhado da base de dados do
Disque Denúncia certamente revelará que, no uso desse serviço, crianças mobilizam
ímpetos de proteção por parte dos denunciantes contra as violações de que são
vítimas, enquanto adolescentes tendem, à medida que avançam sua idade, a ser objeto
de denúncia.
12
A categorização usada para os casos envolvendo adolescentes foi: crimes contra a pessoa com violência
(homicídio consumado, lesão corporal, violência contra a mulher, violência contra idoso, violência contra
deficientes, seqüestro simples e cárcere privado, tentativa de homicídio, aborto, tentativa de homicídio e
grupos de extermínio); crimes contra a pessoa sem violência (criança e adolescente infrator, maus tratos,
abandono, ameaça e corrupção de menores); crimes de natureza sexual (favorecimento à prostituição/lenocínio, atentado violento ao pudor, estupro e prostituição infantil); crimes contra o
patrimônio (roubo/furto a residências, roubo de veículos, roubo/furto a transeuntes, roubo de fios de
cobre, roubo de carga, roubo/furto a estabelecimentos, receptação/comercialização de produtos roubados,
estelionato, extorsão simples, furto de veículos, crimes relacionados a drogas (apologia ao tráfico,
consumo de drogas e tráfico de drogas). As categorias menor infrator e desaparecimento não foram
agregadas. Em outros está uma série de episódios de interesse menor para nossa pesquisa.
87
Tabela 19
Tipo de Assunto agregado - 12 a 17 anos - Total de Ocorrências - Nova Iguaçu - 2002-2008
Tipo de Assunto Freq. %
Crimes contra a pessoa c/ violência 101 9
Crimes contra a pessoa s/ violência 124 11
Crimes de natureza sexual 85 7,6
Crimes contra o patrimônio 126 11,2
Crimes relacionados a drogas 313 27,9
Desaparecimento 10 0,9
Outros 127 11,3
Menor infrator 237 21,1
Total 1123 100
Fonte: Disque Denúncia
Em relação aos bairros em que os episódios denunciados se verificam, Austin
apresenta freqüência bem maior do que todos os demais, participando com 11,6% do
total. Mais abaixo, os repetidamente mencionados bairros de Posse, do Centro e de
Comendador Soares. Miguel Couto, outro bairro bastante mencionado ao longo de
nosso estudo, aparece com freqüência relativamente baixa, atrás de Marapicu, bairro
mencionado aqui pela primeira vez. Seguem a distribuição das denúncias por bairros
e os mapas por modalidades de crimes denunciados.
Tabela 20
Bairro do Local da Ocorrência - 12 a 17 anos - Total de Ocorrências - Nova Iguaçu
Bairro Freq. %
Austin 117 11,6
Posse 66 6,5
Centro 65 6,4
Comendador Soares 64 6,3
Marapicu 38 3,8
Miguel Couto 37 3,7
Parque Flora 35 3,5
Valverde 34 3,4
Jardim Nova Era 33 3,3
Rosa dos Ventos 30 3
Santa Rita 26 2,6
Engenho Pequeno 25 2,5
Cabuçu 25 2,5
Jardim Pernambuco 24 2,4
Vila de Cava 24 2,4
Da Palhada 21 2,1
88
Figueiras 20 2
Paraiso 19 1,9
Riachao 19 1,9
Moqueta 18 1,8
Da Ceramica 17 1,7
Ambai 16 1,6
Camari 14 1,4
Tres Coraçoes 14 1,4
Kennedy (Caioaba) 14 1,4
Botafogo 14 1,4
Jardim Alvorada 14 1,4
Lagoinha 14 1,4
Santa Eugenia 11 1,1
Montevideu 11 1,1
Adrianopolis 11 1,1
Rancho Novo 10 1
Campo Alegre 10 1
Corumba 10 1
Caonze 8 0,8
Jardim Iguaçu 8 0,8
Cacuia 8 0,8
California 6 0,6
Vila Operaria 6 0,6
Nova America 6 0,6
Viga 5 0,5
Ipiranga 5 0,5
Tinguazinho 5 0,5
Tingua 5 0,5
Jardim Tropical 4 0,4
Da Prata 4 0,4
Km – 32 4 0,4
Parque Ambai 4 0,4
Danon 3 0,3
Vila Nova 2 0,2
Ponto Chic 2 0,2
Prados Verdes 2 0,2
Vila Guimaraes 2 0,2
Rancho Fundo 2 0,2
Iguaçu Velho 1 0,1
Total 1012 100
Não encontrados 111 11
Fonte: Disque Denúncia
Para fins comparativos, observamos nos casos dos adolescentes os mesmos
procedimentos adotados com a faixa anterior. Os quatro mapas expostos a seguir
dizem respeito às mesmas categorias para as quais utilizamos as mesmas estratégias
analíticas. O que eles sugerem?
Em relação às denúncias de crimes envolvendo efetivamente o uso de
violência, reencontramos um bairro contumaz no capítulo precedente e não
mencionado na exposição dos mapas anteriores produzidos a partir do Disque
89
Denúncia: o Centro. Ausente dos conjuntos relativos à faixa de 0 a 11 anos, ele é o
único que apresenta a mancha mais escura nos casos de crimes envolvendo uso da
violência. Para os casos em que não há uso de violência, o Centro também está
presente, dessa vez com dois companheiros contumazes e também freqüentes nos
mapas anteriores: Austin e Comendador Soares. No que diz respeito aos crimes
relacionados a drogas, Austin aparece mais uma vez, solitário, como o bairro de
maior freqüência. Finalmente, nas denúncias atinentes a crimes contra o patrimônio
com envolvimento de adolescentes, novamente o Centro aparece com destaque,
acompanhado, dessa vez, do não muito citado bairro de Engenho Pequeno.
90
Mapa 11
Fonte: Disque Denúncia
Tingua
Adrianopolis
Campo Alegre
Iguaçu Velho
Km - 32
Tinguazinho
Montevideu
Lagoinha
Marapicu
Geneciano
Ipiranga
Prados Verdes
Rio D'Ouro
Cabuçu
Austin
Paraiso
Centro
Riachao
Jaceruba
Santa Rita
Da LuzDa Palhada
Corumba
Jardim Guandu
Valverde
Cacuia
Ponto Chic
Danon
Camari
Vila de Cava
Grama
Moqueta
Rodilandia
AmbaiMiguel Couto
Da CeramicaDa Posse
Rancho Fundo
Jardim Palmares
Nova America
Carlos Sampaio
Figueiras
Vila Guimaraes
Da VigaInconfidencia
Caonze
Comendador Soares
Vila Nova
Ouro Verde
Jardim Alvorada
Parque Ambai
Jardim Nova Era
Rosa dos Ventos
Da Prata
Tres Coraçoes
California
Rancho Novo
Botafogo
Vila Operaria
Engenho Pequeno
Boa Esperança
Chacrinha
Crimes contra a pessoa com violência - 12 a 17 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008
Legenda
0
1 - 2
3 - 4
5 - 6
7 - 12
APA®
91
Mapa 12
Fonte: Disque Denúncia
Tingua
Adrianopolis
Campo Alegre
Iguaçu Velho
Km - 32
Tinguazinho
Montevideu
Lagoinha
Marapicu
Geneciano
Ipiranga
Prados Verdes
Rio D'Ouro
Cabuçu
Austin
Paraiso
Centro
Riachao
Jaceruba
Santa Rita
Da LuzDa Palhada
Corumba
Jardim Guandu
Valverde
Cacuia
Ponto Chic
Danon
Camari
Vila de Cava
Grama
Moqueta
Rodilandia
AmbaiMiguel Couto
Da CeramicaDa Posse
Rancho Fundo
Jardim Palmares
Nova America
Carlos Sampaio
Figueiras
Vila Guimaraes
Da VigaInconfidencia
Caonze
Comendador Soares
Vila Nova
Ouro Verde
Jardim Alvorada
Parque Ambai
Jardim Nova Era
Rosa dos Ventos
Da Prata
Tres Coraçoes
California
Rancho Novo
Botafogo
Vila Operaria
Engenho Pequeno
Boa Esperança
Chacrinha
Crimes contra a pessoa sem violência - 12 a 17 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008
Legenda
0
1
2
3 - 5
6 - 15
APA®
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Mapa 13
Fonte: Disque Denúncia
Tingua
Adrianopolis
Campo Alegre
Iguaçu Velho
Km - 32
Tinguazinho
Montevideu
Lagoinha
Marapicu
Geneciano
Ipiranga
Prados Verdes
Rio D'Ouro
Cabuçu
Austin
Paraiso
Centro
Riachao
Jaceruba
Santa Rita
Da LuzDa Palhada
Corumba
Jardim Guandu
Valverde
Cacuia
Ponto Chic
Danon
Camari
Vila de Cava
Grama
Moqueta
Rodilandia
AmbaiMiguel Couto
Da CeramicaDa Posse
Rancho Fundo
Jardim Palmares
Nova America
Carlos Sampaio
Figueiras
Vila Guimaraes
Da VigaInconfidencia
Caonze
Comendador Soares
Vila Nova
Ouro Verde
Jardim Alvorada
Parque Ambai
Jardim Nova Era
Rosa dos Ventos
Da Prata
Tres Coraçoes
California
Rancho Novo
Botafogo
Vila Operaria
Engenho Pequeno
Boa Esperança
Chacrinha
Crimes relacionados a drogas - 12 a 17 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008
Legenda
0 - 2
3 - 6
7 - 12
13 - 21
22 - 37
APA®
93
Mapa 14
Fonte: Disque Denúncia
Tingua
Adrianopolis
Campo Alegre
Iguaçu Velho
Km - 32
Tinguazinho
Montevideu
Lagoinha
Marapicu
Geneciano
Ipiranga
Prados Verdes
Rio D'Ouro
Cabuçu
Austin
Paraiso
Centro
Riachao
Jaceruba
Santa Rita
Da LuzDa Palhada
Corumba
Jardim Guandu
Valverde
Cacuia
Ponto Chic
Danon
Camari
Vila de Cava
Grama
Moqueta
Rodilandia
AmbaiMiguel Couto
Da CeramicaDa Posse
Rancho Fundo
Jardim Palmares
Nova America
Carlos Sampaio
Figueiras
Vila Guimaraes
Da VigaInconfidencia
Caonze
Comendador Soares
Vila Nova
Ouro Verde
Jardim Alvorada
Parque Ambai
Jardim Nova Era
Rosa dos Ventos
Da Prata
Tres Coraçoes
California
Rancho Novo
Botafogo
Vila Operaria
Engenho Pequeno
Boa Esperança
Chacrinha
Crimes contra o patrimônio - 12 a 17 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008
Legenda
0
1
2
3
4
APA®
94
Os resultados encontrados permitem algumas inferências tentativas, desde que
acompanhadas por reservas orientadas pelo princípio da prudência. A julgar pelos
dados do programa aqui estudado, o Centro, bairro que apresenta incidência constante
de episódios de crimes letais intencionais, é o inferno dos adolescentes, mas,
aparentemente, não é foco de concentração de denúncias referidas a crianças. Austin
aparece quatro vezes nos últimos oito mapas, inserido nos grupos de maior incidência
em dois tipos relativos a crianças (crime sem violência e crimes contra o patrimônio)
e dois referentes a adolescentes (crime sem violência e drogas). Comendador Soares
aparece nos dois primeiros mapas dedicados às denúncias envolvendo crianças
(crimes com e sem violência) e em um dedicado a adolescentes (crimes sem
violência).
Vale lembrar que os três bairros citados no parágrafo anterior aparecem com
regularidade na análise dedicada à incidência de violência letal intencional. São
bairros, portanto, que merecem atenção do poder público e adoção de iniciativas
variadas voltadas pra a redução e a prevenção da violência letal. Esse é o caso,
também, de alguns outros bairros, como Jardim Palhada, Miguel Couto e Campo
Alegre, por exemplo.
As freqüências de denúncias observadas a partir da análise do banco de dados
do programa estudado apresentam algumas convergências com as localizações dos
episódios de violência letal intencional verificados a partir dos dados da Polícia Civil.
Elas reforçam o temor quanto ao tráfico, ao seu potencial perturbador. Esse é o caso
mais freqüente no universo dos adolescentes e também no quadro geral das denúncias
em Nova Iguaçu (são 24,7% do total de denúncias). Se confrontamos o total de
denúncias de homicídios àquele referido ao corte etário privilegiado por nossa
análise, também somos instados a supor que, na percepção dos usuários do Disque
Denúncia, os casos de homicídios se tornam mais graves à proporção que a faixa
etária sobe.
Agregados em nossa análise à categoria mais geral crime contra a pessoa com
violência, o total de denúncias de homicídios envolvendo crianças e adolescentes
contribui para que a categoria mais geral em que está agregada não passe de um
quinto lugar em ambas as faixas etárias aqui destacadas. Tomada isoladamente,
porém, essa categoria, no total de denúncias, encontra-se em terceiro lugar, superada
95
apenas por tráfico de drogas e maus tratos. Isso nos leva a crer que, sem descuidar da
incidência de homicídios consumados contra crianças e adolescentes, devemos focar
nossas atenções também em modalidades mais “brandas” de violência e em crimes
que não necessariamente envolvem violência e que afetam preferencialmente crianças
e adolescentes (assim como mulheres e idosos). Como argumentaremos mais adiante,
agir sobre essas últimas modalidades equivale a adoção de uma abordagem de médio
prazo para a redução da violência letal que atinge jovens adultos.
Uma última observação cabe ser feita em relação às informações extraídas do
disque denúncia. Como já apontamos anteriormente, a violência e a violência letal em
Nova Iguaçu estão historicamente marcadas pela atuação de grupos de extermínio.
Embora menos visível que outrora, esse personagem segue atuando e assombrando a
população desse e dos municípios vizinhos. No total de denúncias recebidas, esse
problema aparece em sexto lugar, contabilizando 353 num total de 10.964 casos. No
recorte etário aqui estudado, encontramos uma única denúncia, computada na faixa
entre 12 e 17 anos.
Os dados do Disque Denúncia, repetimos, apresentam razoável convergência
entre as áreas mais afetadas por interações que implicam uso da violência ou violação
de direitos e aquelas de maior incidência de violência letal intencional. Embora não
tenhamos condições de inferências conclusivas, a comparação das informações
analisadas até aqui sugerem uma grande correlação entre tais modalidades de
violência e de violação de direitos. Essa impressão fica mais forte a luz das
informações colhidas junto aos conselhos tutelares, matéria da seção a seguir.
IV. 2 Conselhos Tutelares. O que se passa com crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade em Nova Iguaçu
Em nosso estudo, os conselhos tutelares da criança e do adolescente de Nova
Iguaçu têm um triplo interesse. Concebidos sob o marco do Estatuto da Criança e do
Adolescente, essa modalidade de conselho tem a missão de receber denúncias e tomar
providências quanto à violação de direitos, ao uso da força e encaminhamento para a
adoção de medidas de proteção a esses dois segmentos da sociedade. Isso faz com
96
que o conselho ocupe um papel institucional fundamental para qualquer política
voltada para crianças e adolescentes. Aí está a primeira fonte de nosso interesse.
Em segundo lugar, exatamente por sua atribuição institucional, os fluxos de
atendimento dos conselhos são um uma fonte importante para auscultarmos as
dinâmicas predominantes que atingem crianças e adolescentes, sobretudo para os
casos que, por sua natureza, se caracterizam como violações ou violações graves de
direitos.
Em terceiro lugar, em função da natureza de seu trabalho e da forma como
alçam a essa posição (o cargo de conselheiro é ocupado a partir de um mandato
eletivo de três anos e para exercer tal função os postulantes devem necessariamente
morar no raio de alcance do conselho), os conselheiros têm larga experiência e um
conhecimento qualitativo bastante apurado sobre as dinâmicas que implicam
vitimização e violação de direitos de crianças e adolescentes.
O primeiro aspecto dos conselhos tutelares será explorado no capítulo
posterior, dedicado ao sistema de público de atendimento à criança e ao adolescente.
Nessa seção, apresentaremos uma análise do fluxo de atendimentos dos conselhos e
das percepções dos conselheiros sobre os problemas relativos a seu público alvo.
IV.3 Fluxos de atendimento de três conselhos em Nova Iguaçu
O município de Nova Iguaçu dispõe, atualmente, de cinco conselhos tutelares
– Centro, Comendador Soares, Vila de Cava, Cabuçu e Austin. Dados o tempo
disponível para a realização do levantamento e as condições em que se encontram as
informações relativas ao atendimento, optamos por selecionar apenas três conselhos e
levantar o total de atendimentos realizados no ano de 2008. Antes desse trabalho,
realizamos entrevistas com conselheiros de todos os conselhos e com a responsável
pela coordenação dessas instâncias, lotada na Secretaria Municipal de Assistência
Social e Proteção à Vida de Nova Iguaçu. A partir dessas entrevistas, escolhemos
como campo para o recolhimento das informações os conselhos de Vila de Cava, do
Centro e de Comendador Soares.
97
Nossa expectativa era cobrir todos os processos abertos, verificando perfil das
vítimas, dos agressores/violadores, natureza da queixa e seus desdobramentos
imediatos. Conseguimos cobrir o total de casos de Vila de Cava e uma parte
expressiva dos casos de Comendador Soares. O levantamento no conselho do Centro
foi bastante prejudicado por uma série de problemas operacionais. Por isso,
conseguimos cobrir apenas cerca de 60% do total, o que, de toda forma, oferece um
conjunto expressivo do seu fluxo.
Além de doze entrevistas realizadas com conselheiros e com servidores da
prefeitura vinculadas ao sistema, preparamos uma ficha de preenchimento para extrair
as informações que nos pareciam mais relevantes dos processos abertos. A realização
das entrevistas não ofereceu maiores dificuldades (ver no anexo 3 o roteiro de
entrevistas e no anexo 4 a ficha de coleta de dados do atendimento). Em geral, os
agentes contatados mostraram-se atenciosos e dispostos a cooperar, enfatizando,
invariavelmente, o interesse e o reconhecimento da importância do trabalho. A coleta,
por outro lado, impôs muitos problemas.
A rotina de atendimento dos conselheiros é intensa, são necessários
deslocamentos freqüentes para visitas e atendimentos externos, as demandas são de
tipos variados e os problemas encaminhados são complexos, envolvendo,
frequentemente, muitos personagens e papéis sobrepostos (não são poucos os casos,
por exemplo, em que um mesmo ator aparece como vítima e transgressor ou em que
há adolescentes vítimas e agressores). Além disso, e pour cause, os registros são
feitos de forma não padronizada, o que fez com que o preenchimento do instrumento
concebido para captação de informações constantes nos processos tenha se
transformado num árduo, demorado e, por vezes, estressante exercício hermenêutico.
As condições de trabalho dos conselheiros estão longe de ser das melhores. As
informações são preenchidas à mão e pilhas de papéis se avolumam sem que haja
condições mínimas de consolidação das informações. No ano de 2008, a SEMASPV
criou uma ficha com informações básicas a serem preenchidas pelos conselheiros.
Utilizadas inicialmente, essas fichas logo foram abandonadas, uma vez que seu
preenchimento adicionava mais uma atribuição aos conselheiros, representando, ao
menos aos seus olhos, duplicação de trabalho. As dificuldades para sistematizar as
98
informações, analisá-las e definir parâmetros a partir dessa análise aparecem com
freqüência nos depoimentos. O trecho a seguir ilustra tais problemas;
“(...) eu vou torcer pra que vocês consigam mesmo fazer esse mapeamento, ele é
necessário. Inclusive eu sinto muito, porque a gente às vezes não consegue... mesmo
sabendo de muita coisa, a gente não consegue ajudar muito. Por quê? É difícil pra
gente fazer o nosso próprio mapeamento, porque o dia é corrido. Hoje, por exemplo,
está sendo um dia tranqüilo, porque está chovendo, está muito frio; tem lugares que a
pessoa vai tentar sair de casa pra chegar aqui, não vai conseguir, entendeu, por conta
da chuva. Só que, o que é que acontece? A gente está se esforçando pra isso. A gente
estava conversando, na última reunião do Colegiado, que a gente vai se esforçar pra ter
o nosso próprio diagnóstico interno; é importante pra gente isso. Porque é o único
momento que a gente consegue fazer; que aí faz um mês, dois, certinho, e aí acaba
ganhando um volume grande, e aí não consegue fazer, e aí fica uma coisa assim, dos
encaminhamentos, a gente consegue saber quantos atendimentos foram feitos; quantos
encaminhamentos foram realizados; quantos atendimentos com a psicóloga foram
pedidos, solicitados; quantos com a assistente social. Isso, no grosso, a gente consegue
saber, mas a gente acaba não sabendo dividir ali, certinho, quantos abusos, quantas
agressões físicas, assim, certinho no mês.”13
O depoimento da conselheira é interessante porque ao destacar a importância
que atribuía à nossa pesquisa, revelava, simultânea e, talvez, inconscientemente, uma
espécie de angústia bastante recorrente do dia a dia dos conselheiros. O imperativo de
dar respostas às demandas cotidianas absorve o tempo dedicado ao conselho e
dificulta um olhar mais abrangente sobre seu próprio papel no sistema de que fazem
parte.
A despeito das dificuldades e dos problemas estruturais, o levantamento
revelou informações importantes para nosso trabalho. Foram analisadas ao todo 934
fichas de atendimento – 586 do Conselho Tutelar do Centro, 196 de Comendador
Soares e 152 fichas de Vila de Cava. Foram descartados onze questionários por
inconsistência. Quase 1/3 do banco de informações sofreu modificações por
13
A equipe optou por não identificar nominalmente os conselheiros, a despeito do fato de nenhum deles,
em qualquer momento das entrevistas tenha solicitado anonimato ou omissão de qualquer informação a
nós transmitida.
99
problemas na coleta de informações e por problemas na estrutura do próprio banco de
dados. É importante repetir que para cada ficha de atendimento poderia haver mais de
uma vítima, agressor e/ou violação. Tentamos, sempre que possível, preservar e
aproveitar todas as informações disponíveis, mas diante das dificuldades devemos
reconhecer que o resultado obtido é muito mais uma estimativa aproximada do que
propriamente um retrato do que chega aos conselhos. O total de fichas preenchidas
(para cada processo uma ficha) está apresentado na tabela a seguir.
Tabela 21
Fichas dos Conselhos Tutelares analisadas Frequência %
Centro 586 62,74
Comendador Soares 196 20,99
Vila de Cava 152 16,27
Total 934 100,00
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
Levando-se em conta que conseguimos cobrir o total (ou quase) de processos
abertos em Vila de Cava e Comendador Soares, enquanto chegamos a apenas pouco
mais da metade dos casos do Centro, podemos notar a discrepância de atendimento
entre esse último e os dois primeiros. Em função de sua localização e dos bairros a
que atende, o conselho tutelar do Centro é muito mais acionado e, consequentemente,
está sobrerrepresentado em nosso universo.
Na tabela 22 apresentamos os casos por nós apurados. Como em certos
processos relativos a um atendimento pode haver mais de um caso, o total é superior
ao número de fichas preenchidas.
100
Tabela 22
Categorias de Violações Frequência %
Ocorrências envolvendo uso ou ameaça de agressão 444 38,05
Envolvendo evasão escolar ou falta de vagas em escola 221 18,94
Questões civis (documentação) 6 0,51
Questão de família (pensão, abandono dos responsáveis, reconhecimento de paternidade 108 9,25
Outros 388 33,25
Total 1167 100,00
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
Assim como foi necessário com as demais fontes utilizadas, agrupamos o sem
número de tipificações com o intuito de minimizar a enorme dispersão que a primeira
leitura do material apresentou. Com isso, temos um volume bastante expressivo de
casos de ocorrências envolvendo o uso ou a ameaça de agressão, que totalizam quase
quarenta por cento dos casos. Em segundo lugar, chama atenção a elevada incidência
de questões relacionadas ao espaço escolar. Nesse ponto, vale frisar a recorrência de
alusões a problemas de falta de vagas em escolas e de evasão escolar, quando, devido
a problemas familiares ou à “rebeldia” dos adolescentes, os atendidos se vêem
afastados da escola.
Embora sejam mais comuns encaminhamentos em que crianças e adolescentes
aparecem como vítimas, nossos pesquisadores perceberam, também, uma razoável
incidência em que principalmente adolescentes aparecem como perpetradores de
alguma violência ou violação. Em função disso, buscamos estimar melhor o peso de
cada um dos papéis desempenhados por eles nos episódios encaminhados aos
conselhos tutelares. Os resultados encontram-se na tabela 23.
Tabela 23
Envolvimento das crianças ou adolescentes com o fato
analisado Frequência %
Vítima 801 85,76
Autor 104 11,13
Vítima e autor 22 2,36
Não informado no processo 2 0,21
Não se aplica 5 0,54
Total 934 100,00
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
101
Como supúnhamos, na maioria esmagadora dos processos apurados crianças e
adolescentes são vítimas. De qualquer modo, merece destaque a incidência de mais de
dez por cento dos processos em que aparecem como autores, além dos vinte e dois
processos em que a criança ou o adolescente aparece em ambos os papéis. Casos em
que principalmente adolescentes são violadores aparecem bastante nos relatos dos
conselheiros. Este é um tipo de ocorrência que os mobiliza, os faz refletir e os insta a
buscar saídas e explicações. Coletamos relatos impactantes, ao longo do trabalho
sobre situações dessa natureza. Destacamos, a seguir, um breve relato extraído do
depoimento de uma promotora;
“O (xxx) tinha uma queixa de que o pai era violento com a mãe e com ele
também e ele acabou matando o pai, com... Como é o nome daquele negócio
aquela ferramenta? Pé de cabra. (...) e ele depois foi morto, ele foi
assassinado na comunidade já maior de idade”.
A passagem ilustra o trágico circuito sobre o qual temos insistido aqui. O
adolescente, vítima de violência sistemática no espaço doméstico, testemunhando a
vitimização de terceiros (no caso, a própria mãe), acaba ele próprio sendo agente de
violência letal até encontrar seu próprio destino como vítima fatal. Lamentavelmente
não foram poucos os relatos semelhantes que tivemos a oportunidade de recolher ao
longo da pesquisa.
Em razão do objeto privilegiado de nosso trabalho, buscamos qualificar os
casos relacionados à categoria que definimos, em linhas gerais, como agressão. O
resultado não surpreende. Metade dos casos referem-se a agressão física consumada.
Maus tratos, de que são objeto, sobretudo, crianças, vêm em segundo lugar. Violência
sexual, tipo de episódio que aparece regularmente em todas as fontes que utilizamos,
apresenta incidência bem próxima a abandono.
Tabela 24
Violações baseadas na categoria "agressões" Frequência %
Agressão 224 50,45
Violência Sexual 55 12,39
Maus tratos 97 21,85
Abandono 68 15,32
Total 444 100,00
102
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
Um dos objetivos de nosso levantamento foi qualificar o perfil de vítimas e de
agressores. Essa tarefa, porém, não foi nada fácil. As informações por idade da vítima
estavam quase completas. O mesmo, infelizmente, não se pode dizer sobre sexo e cor
das vítimas. É possível que essa perda tenha a ver com a combinação de falhas no
procedimento de coleta e inconsistências nos processos analisados. Esses problemas
se agravam mais no caso dos agressores.
Tabela 25
Idade das vitimas
Idade Total por idade %
0 38 3,89
1 27 2,76
2 35 3,58
3 43 4,40
4 48 4,91
5 42 4,30
6 59 6,04
7 85 8,70
8 76 7,78
9 57 5,83
10 72 7,37
11 53 5,42
12 67 6,86
13 68 6,96
14 63 6,45
15 63 6,45
16 55 5,63
17 26 2,66
Total 977 100,00
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
Pela distribuição apresentada na tabela anterior, temos uma concentração de
casos entre sete e dez anos. Ainda assim, há um certo equilíbrio entre as faixas,
chamando atenção os baixos percentuais das duas pontas. Agrupando as idades em
dois universos, temos, como revela a tabela a seguir, uma concentração maior na
faixa de zero a dez anos.
103
Tabela 26
Faixas de idade Total por grupos etários %
De 0 a 10 anos 582 59,57
De 11 a 17 anos 395 40,43
Total 977 100,00
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
Mesmo se levarmos em conta que a primeira das duas faixas apresentadas
anteriormente reúnem um número maior de idades, julgamos patente que há uma
ligeira predominância de crianças em comparação a adolescentes atendidas pelos
conselhos tutelares.
Na tabela 27 passamos a apresentar alguns dados que conseguimos apurar
sobre agressores ou violadores.
Tabela 27
Sexo do agressor Frequência %
Masculino 493 41,08
Feminino 527 43,92
Não Informado 32 2,67
Não se aplica 148 12,33
Total 1200 100,00
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
O primeiro resultado que nos chamou atenção foi o equilíbrio entre os sexos.
Pesquisas nacionais e internacionais atestam que há uma forte sobrerrepresentação do
sexo masculino em episódios envolvendo violência. Mesmo tendo em mente que
casos como estes compõem apenas uma parte do universo de atendimentos nos
conselhos tutelares, é desconcertante deparar-se com um quadro em que as mulheres
predominam como agentes de violência ou violação. Buscamos, então, qualificar um
pouco melhor esse universo identificando possíveis laços entre os denunciados e as
vítimas. Os resultados são o que segue.
104
Tabela 28
Agressor - Pessoa Física Frequência %
O próprio 124 11,15
Mãe 384 34,53
Pai 303 27,25
Imão(s) 5 0,45
Irmã(s) 2 0,18
Tio 17 1,53
Tia 11 0,99
Avô 3 0,27
Avó 27 2,43
Padrasto 36 3,24
Madrasta 15 1,35
Professor(a) 10 0,90
Amigo(s) 6 0,54
Ex-namorado(a) / Ex-Noivo(a) 3 0,27
Namorado(a) / Noivo(a) 6 0,54
Vizinho(s) 16 1,44
Conhecido(a) de vista 6 0,54
Desconhecido(a) 12 1,08
Outros Pessoa Física 37 3,33
Não informado no processo 25 2,25
Não se aplica 64 5,76
Total 1112 100,00
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
O comentário da tabela 28 deve ser precedido por dois esclarecimentos. Em
primeiro lugar, deve-se lembrar que é possível que haja mais do que um agressor ou
violador em um mesmo processo. Em segundo lugar, cabe notar que os 124 casos em
que o próprio é apresentado como agressor diz respeito a episódios em que o
comportamento do próprio adolescente ou criança o coloca em situação de risco. Os
mais freqüentes episódios dessa natureza referem-se a evasão escolar e a
encaminhamento de adolescentes envolvidos direta ou indiretamente em circuitos que
o expõem e o tornam vulnerável. Pela distribuição percentual apresentada na tabela
podemos concluir que não são poucos os casos em que isso ocorre. Lidar com eles
não parece algo fácil para os conselheiros. A certa altura de seu depoimento, uma
conselheira relata um caso por ela atendida em que o jovem é levado pelos pais em
função de seu envolvimento com drogas;
“Qual era a preocupação dos pais? Ele se envolvia com o tráfico, e aí ficava
ameaçado de morte, aí. vinha pra cá, a mãe: “Ah o meu filho está em risco’, a
(...) abrigava; ele fugia do abrigo, aí voltava pra cá; aí a (...) reabrigava, aí
105
voltava pra cá; aí, em alguns momentos, ficava mais calmo, e conseguia levar
ele pra casa, mas aí ele acabava voltando de novo, e sempre acontecia isso;
até que ele foi assassinado; ele foi assassinado, se não me engano com quinze
anos; foi assassinado por conta dessas idas e vindas, né, com essa relação
com o tráfico.”
O relato apresenta um caso típico em que o encaminhamento é feito numa
situação em que o próprio adolescente aparece como violador. A reincidência na
busca pelo conselho sugere uma sucessão de fracassos do sistema de atendimento
como um todo, mas, também, o reconhecimento, por parte dos pais, do conselho
como um espaço legítimo de ajuda. Nem sempre, como a continuação do mesmo
relato pode sugerir, o desenlace é necessariamente trágico como o caso apresentado.
Há, também, situações, não menos desalentadoras, em que o adolescente atendido
simplesmente é perdido, não havendo sobre ele qualquer informação;
“Tem um caso que eu atuei, que não chegou à letalidade, mas ele chegou a
ser... o juiz que expediu a ordem pra que ele fosse pro abrigo, porque também
não queria voltar à escola; eu tentei várias vezes, não aceitava voltar à
escola, não aceitava ficar em casa, e agrediu o irmão mais novo, e, enfim, era
uma bola de neve, né, e estava sempre criando problema; a mãe se mudou,
inclusive, três vezes de comunidade, pra poder tentar ficar com ele em casa,
mas ele sempre aprontava novamente. E tem um caso, que agora ele ganhou a
maioridade, e o último registro foi feito agora contra ele, agora ele já sendo
maior, mas assim, era um caso muito complicado, porque a promotoria tentou
fazer as suas medidas, inclusive o GAP veio uma vez pra buscá-lo, porque ele
andava armado, ameaçava os vizinhos, roubava, agredia, enfim, era uma
confusão; só que a avó acabava protegendo; ela mesmo denunciava, mas,
quando via que estava vindo a polícia ou o GAP, ela acabava protegendo ele
pra que ele não fosse levado. Era assim, era um problema, né?”
Retomando ainda uma vez as informações da tabela 28, uma observação
importante diz respeito aos principais denunciados: pai e mãe somados totalizam mais
de 60% dos casos, sendo que a violação ou violência cometida pela mãe supera todas
106
as demais. No somatório geral, temos a confirmação da suspeita de que adolescentes
e, principalmente, crianças são vítimas principalmente de pessoas de seu círculo
familiar. A confirmação dessa intuição inicial nos levou a apurar o local em que a
agressão ou violação ocorreu. Os resultados estão na tabela a seguir.
Tabela 29
Local do Fato (onde ocorreu a violação) Frequência %
Casa/residência (onde o envolvido reside) 460 49,62
Casa/residência (de outra pessoa) 28 3,02
Escola/instituição de ensino 291 31,39
Outros 83 8,95
Não informado no processo 36 3,88
Não se aplica 29 3,13
Total 927 100,00
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
Pode-se perceber claramente a predominância do espaço doméstico como
local de risco para esse segmento. Quase metade dos episódios encaminhados se deu
na residência da vítima. Temos nessas duas últimas tabelas a configuração de uma
espécie de drama contemporâneo de alcance que transborda os limites de Nova
Iguaçu, mas que, aparentemente, é vivido de modo agudo nesse município. Esse foi
um dos temas que predominaram nas várias entrevistas feitas com conselheiros do
município. A título introdutório para essa temática que é claramente sensível em
Nova Iguaçu, ao menos na visão dos conselheiros, destacamos a passagem a seguir;
“A realidade de Nova Iguaçu é diferente da realidade do Rio de Janeiro, da
classe média burguesa. Aqui as famílias são compostas por mães e esses filhos
são cada filho de um pai diferente e ás vezes não é registrado e daqui a pouco
ele é chefe de família. Então as crianças não são criadas por ela, são criadas
por irmãos, criança de dois anos de idade. Tios, avós. E só passa o olho e é
uma realidade que quando chega no conselho...
Até Bolsa Família pra conseguir aqui é bem complicado, agora ta fechada e só
no final do ano que a gente consegue inserir ele ali. Uma Bolsa Família de 140
Reais. A gente vai obrigar essa mãe a largar o trabalho e ficar dentro de casa.
107
Como eu já ouvi o juiz na audiência falar: “morre de fome, mas morre com
seus filhos.”
O depoimento enfatiza a ausência da mãe imposta por sua necessidade de
trabalhar. Tomado ao pé da letra, a solução, apresentada no relato da declaração de
um juiz, se desdobraria para um cenário irreal e, possivelmente indesejável, em que
cabe à mulher o papel doméstico, de cuidar da casa e dos filhos, não importando o
preço a ser pago por isso. Se tomamos o problema de uma perspectiva
sociologicamente mais informada, o que temos é não propriamente a necessidade da
mãe ir para o mercado de trabalho, mas a ausência de suportes alternativos e
estruturados, o que induz a soluções de improviso e precárias. Acreditamos que é
dessa perspectiva que devemos encarar um problema que se impõe, e vem sendo
apontado regularmente por agentes da área da educação e da assistência social. É
claro que as mudanças significativas em uma das instituições de socialização básicas
como a família trazem conseqüências graves, sobretudo para os segmentos sociais
que dispõem de menos recursos para lidar com um novo quadro sociológico.
Aprender a lidar com isso sem que se não condene crianças e adolescentes ao
desamparo está longe de ser algo alheio às atribuições do poder público.
A crise do modelo de família mononuclear que, de certa forma, pautou a
estrutura social moderna é fato largamente admitido por pesquisadores da área. Tudo
leva a crer que se trata de um processo irreversível, cujos desdobramentos são, hoje,
imprevisíveis. Posições saudosistas, além de tenderem ao conservadorismo e à
idealização de um modelo cheio de ambigüidades, não ajudam muito. Por outro lado,
é inquestionável que estamos diante de um desafio que deve ser reconhecido como
tal. Se a fragmentação familiar atravessa a sociedade contemporânea como um todo
(ou ao menos aquela parte em que prevaleceram os modelos originados na Europa
Ocidental novecentista), parece claro que os recursos materiais e simbólicos para lidar
com ela variam consideravelmente. Nesse caso, temos questões específicas que
aparecem de forma mais evidente nas camadas mais pobres da população.
108
Embora seja fora de questão esperar de gestores de segurança pública
respostas para problemas macro sociológicos como os relativos à família e à sua
fragmentação, não há nada de despropositado em levar em consideração essa
variável, em se tratando de desenhos de políticas públicas focadas na prevenção da
violência e, sobretudo, na prevenção da violência que atinge crianças e adolescentes.
A associação entre fragmentação familiar e incidência de violência criminal tem sido
objeto de pesquisas que apontam, com ressalvas, sua procedência. Sumariando alguns
experimentos levados a termo em algumas cidades norte-americanas, Skogan (1990)
destaca a associação entre maiores incidências de episódios violentos e criminais e
concentração de famílias fragmentadas. Por famílias fragmentadas entenda-se com a
presença apenas do pai ou da mãe. A luz de diversas pesquisas essa associação,
portanto, parece proceder. Skogan lembra, contudo, que a fragmentação familiar não
é uma variável independente e, por si só, não explica variações de taxas de violência.
A desagregação familiar incide em contextos em que há concentração de
desempregados e subempregados, moradores de segmentos socialmente
estigmatizados e bairros fortemente deteriorados. Dissociada dessas variáveis
(sobretudo as duas primeiras) a família deixa de incidir como chave explicativa para a
avaliação de tendências das taxas de violência e criminalidade. Vale dizer, a
desagregação familiar é condição de possibilidade, mas está longe de ser condição
suficiente para a grande incidência de violência em um dado contexto.
Podemos dizer, de qualquer modo, que embora possam, à primeira vista,
parecer excessivas as digressões sobre os dramas familiares por parte dos
conselheiros, elas revelam, na verdade, uma percepção pertinente e relevante sobre as
dinâmicas que não somente se tornam processos nos conselhos tutelares, mas que
concorrem para socializações precárias, que produzem adultos vulneráveis e à
incorporação de práticas violentas.
É provável que os efeitos devastadores de socializações familiares precárias
tenham alguma influência no interior das próprias relações familiares. Possivelmente
está aí o aspecto mais perturbador do que colhemos em relação à associação
violência/família em nossa pesquisa. Embora não tenha sido propriamente uma
surpresa, a recorrência de relatos de atendimentos de crianças e adolescentes vítimas
109
de violência perpetrada por país, mães, padrastos e demais familiares espanta pelos
detalhes descritos e pela confirmação do sentimento de beco sem saída experimentada
pelos próprios conselheiros. As modalidades em que esse fenômeno se manifesta são
variadas e, para que apareçam de modo compatível com o que os números sugerem,
serão apresentadas no que poderíamos chamar de escala de dramaticidade;
“(...) a gente tem outros problemas, porque quando essa mãe trabalha,
dependendo do trabalho que ela tenha, ela não tem tempo de criar esses filhos;
e aí, quando a criança está com dez, onze anos, ela chega aqui, em alguns
casos, e diz assim: ”Olha, a senhora vende, empresta, dá, manda ir preso. A
senhora dá o seu jeito, porque eu não aguento mais”, e ela não entende que o
problema também foi porque ela não teve condições de se dedicar a essa
criança, porque ela acha que se dedicou ao máximo, porque ela saía todos os
dias às quatro da manhã, chegava às nove da noite, pra dar o que comer pra
esse filho; ela não entende que esse filho precisava mais do que só o de comer;
mas é um problema que não tem solução, porque só o bolsa família não vai
resolver. Uma família de cinco filhos, mesmo que ganhe aí o valor máximo do
bolsa família, ainda não vai ter como se alimentar com isso. Então, assim, é
muito complicado; é deficiente a rede; embora tenha alguns programas que
funcionem, funcionem bem, não atinge a totalidade da necessidade. Em todo o
programa tem aqueles casos que quem precisa realmente, às vezes não é
beneficiado, e quem não precisa, consegue. E assim, aí vira uma bola de neve,
né? Não é que não tenha solução, mas que é muito complicado, é. O país não
para de crescer, o controle de natalidade, não acho que seria necessário, mas o
planejamento familiar, que de fato em alguns lugares existe – no nosso posto
tem –, mas fica mais nas palestras, a efetivação do programa não acontece,
porque a mãe faz, ela diz que não deseja mais filhos porque ela já tem cinco,
tem três, tem sete, e aí ela não consegue, ela quer via tubária, ela não consegue
vasectomia pro marido, ela não consegue o anticoncepcional com
regularidade, e nem mesmo o preventivo, nem mesmo o contraceptivo, a
camisinha, né, que é um outro método; enfim, acaba daqui a mais um ano, ou
110
dois, ela vai engravidar de novo, e aí daqui a pouco de novo, e isso é um
problema, um problemão.”
O depoimento anterior aponta para uma série de questões. Inicialmente, ilustra
uma postura que, a julgar pelos depoimentos, é bastante comum, quando a própria
mãe simplesmente não deseja mais responder pelos filhos. Muito prematuramente já
os julga um estorvo, alguém que lhes causa transtorno e que deve ganhar um rumo
independente, seja ele qual for. Casos como o relatado povoam as estatísticas
computadas como abandono, mus tratos ou negligência. O poder argumentativo do
conselheiro parece a ele mesmo inócuo, quase pueril. Em sua sequência, o
depoimento do conselheiro indica a precariedade dos serviços de assistência e de
saúde, as fragilidades do sistema de atendimento dessas famílias, mesmo aquelas que
buscam soluções, tidas como esclarecidas, para evitar o crescimento da prole e por
em prática o planejamento familiar.
No que diz respeito à violência envolvendo as redes familiares e ao espaço
doméstico como lócus do risco, o “problemão”, contudo, é, frequentemente, muito
maior.
“Dentro da questão do abuso, que é uma questão muito também frequente
aqui, no Conselho, eu acho o que mais fere, o que mais dificulta o trabalho, é
quando a genitora fica... ou a parte, porque às vezes não é o pai, não é o
padrasto, às vezes é o irmão, às vezes é o avô, mas, geralmente. é dentro desse
contexto familiar. Dificilmente, em pouquíssimos casos, ou é alguém de fora
desse contexto familiar. Geralmente, alguém intitulado, ou é o pai, ou o
padrasto, ou o avô, ou um tio, irmão, né, o padrinho; é alguém que convive ali
dentro da família diretamente; é alguém que tem intimidade, leva a criança
pra passear, que às vezes dorme com a criança. Então, por essa relação ser
muito próxima, essa questão do muro do silêncio é muito forte, né?”
Um dos maiores desafios para a abordagem da convencionalmente chamada
violência doméstica é exatamente o muro de silêncio a que a conselheira se refere.
Sua afirmação é categórica: casos como esse, envolvendo violência sexual, têm em
figuras próximas da vítima, protegidas por uma rede de medos, desamparo e
111
vulnerabilidade, o agressor mais frequente. O silêncio, contudo, é apenas uma das
camadas que perpetuam e difundem tais práticas no espaço familiar;
“E quando o genitor, ou a pessoa que tem coragem de denunciar, vem ao
Conselho, ela acredita que, naquele momento, aquele agressor vai ser preso, e
tudo vai se resolver de uma hora pra outra. E quando, às vezes, não acontece
isso, dependendo do que aconteceu, porque às vezes não foi uma questão que
foi conclusiva, né, foi um abuso, não foi um estupro, então, assim, não vai
adiantar ir ao IML, vai ter que ser um estudo psicossocial, e aí vai ter que ir
lá pro órgão, que faz a revelação, e a mãe não tem paciência de levar dois,
três, quatro filhos a encontros necessários pra que o psicólogo dê o parecer; e
aí ela já começa, nesse período, a duvidar, porque todo mundo fala pra ela:
“Se fosse verdade, ele já estava preso, entendeu? E se ninguém fez nada, é
porque deve ser mentira”, entendeu? E aí tem casos em que a mãe acaba por
desistir; aí a gente tem que estar buscando saber o que aconteceu,
efetivamente como é que está essa criança. Tem situações em que a mãe retira
a queixa, né?”
Como camadas adicionais de proteção aos agressores sexuais de crianças e
adolescentes, temos uma cultura social bem pouco consciente da gravidade e dos
desdobramentos possíveis de tais padrões de comportamento, e um sistema de
atendimento que acaba por deixar mais vulneráveis aquele(a)s que ousam se levantar
contra esse padrão. Acreditamos, por outro lado, que os casos piores são aqueles
definidos pela conselheira como revitimização da vítima;
“E assim, é muito complicado, é muito complicado. Tem casos em que a mãe
revitimiza essa criança, ou essa adolescente. Tive um caso de uma adolescente de 15
anos que foi abusada pelo padrasto, foi aliciado por ele dos 12 a... né? E quando
esse casamento acabou, até hoje essa mãe culpa essa filha; ela diz que ela deu
confiança, que era pra ela ter contado pra ela; só que o argumento do padrasto era
muito bom: “Olha, sou amigo da sua mãe há 12 anos, eu já conheço a sua família
inteira, todo mundo gosta de mim. Ninguém vai acreditar em você”. E, realmente, a
criança se sente dessa forma: acuada, sozinha, tem medo. Quando ela conseguiu
112
vencer essa barreira na cabeça dela, aí ele passou pras ameaças. “Olha, se você
contar, eu vou matar a tua mãe, eu vou te matar, eu vou te bater.”
Acreditamos que os depoimentos dos conselheiros são relevantes por dois
aspectos. Em primeiro lugar, eles conferem carne, sentidos, nervuras aos números que
extraímos arduamente dos processos de atendimento por eles realizados. Em segundo
lugar, por vezes de forma inconsciente, eles ajudam o pesquisador a seguir nas por
vezes obscuras dinâmicas que, de outro modo, produzem silenciosamente as
urdiduras do fenômeno central que nos preocupa preferencialmente: o crime em sua
manifestação de violência mais radical que é a subtração da vida de um terceiro.
Esses sinais nos são dados quando explicam, de forma compenetrada, sua “missão”,
quando se queixam das dificuldades da rotina, quando concedem fazer uma
autocrítica ou revelam, voluntária ou involuntariamente, a precariedade dos serviços
de atendimento e de seu próprio trabalho. Engana-se, no entanto, quem julga que
esses atores não lidam diretamente com situações de violência letal. Isso ocorre e, por
vezes, de maneiras pouco críveis;
“Três meses atrás isso aconteceu na Posse e inclusive eu fui lá porque foi do Jardim
Roma, uma criança de quatro meses espancada pela mãe, espancada e assim batendo
nele de uma maneira. E já tinham feito denúncias sobre essa situação só que ele
nunca foi averiguado. Então quer dizer, quatro meses e a criança morreu na Posse.
Espancamento há um monte, mas tem casos que a gente reverte, como um caso aqui
que estavam queimando a mão da criança e a gente atendeu e foi tudo bem e hoje a
família ta super bem, foi bem atendido, ta tudo correndo legal, então quer dizer,
quando a gente tem possibilidade. Aquele dia tinha carro e a gente saiu na hora eu, a
(...) e a outra. No outro dia a mãe já tava aqui, o padrasto tava aqui foi atendido pela
psicóloga, foi atendido pela gente, pela instituição. Então é aquilo que eu falei no
início, quando a gente tem a possibilidade de atuar, a possibilidade de você atender
de cinqüenta, setenta por cento de chances, agora quando você não tem pela
deficiência, aí a coisa piora.”
Os relatos sobre casos de violências perpetradas no espaço doméstico por
parentes próximos das vítimas foram escolhidos por nós aleatoriamente. Ao longo da
pesquisa de campo, tivemos a oportunidade de acumular uma diversificada coleção
113
deles. Relações degradadas, alcoolismo, desemprego, medo e sentimento de
impunidade são alguns dos ingredientes que, somados à precariedade das redes de
atendimento concorrem para um cenário propício para a produção de biografias
marcadas por agressões, violações e, em seu desenlace, mortes violentas. Como já
mencionamos, lidar com a família como foco não equivale a culpabilizá-la ou a
fundamentar a postulação para o retorno a uma idéia que, ao fim e ao cabo, é
idealizada e superada. Outra coisa é identificar os dados colhidos (estatísticos e
qualitativos) como sinais para a orientação de estratégias que forneçam alternativas
positivas de atendimento e socialização de crianças e jovens. As classes médias e
altas, embora longe de estarem imunes aos problemas aqui apontados, dispõem de um
repertório de recursos inacessíveis as camadas mais pobres, daí estarem nesse último
segmento, postos de forma mais aberta e dramática, os desdobramentos decorrentes
de um processo de mudança inelutável. É desejável assumir essa questão como
prioritária e fazer uso de criatividade e empenho para buscar soluções. Um aliado
nessa empreitada seria, logicamente, o espaço escolar. Ele, no entanto, também se
revelou um problema em busca de respostas.
Ainda sobre fragilidades e fissuras dos mecanismos de socialização básica de
crianças e adolescentes, os dados coligidos na última tabela, apresentada algumas
páginas atrás, revelam outra área a ser abordada, revelação esta também corroborada
pelos depoimentos dos conselheiros tutelares: o espaço escolar. Temas como
violência na escola, índices de desempenho e evasão escolar, integração
escola/comunidade e crise da autoridade docente têm sido cada vez mais abordados
como questões chave para alguns dos problemas centrais da sociedade brasileira
contemporânea. Não é este o espaço para sequer inventariarmos as intervenções
acumuladas sobre tais questões nos últimos anos.14
Cabe somente assinalar que,
segundo pudemos verificar, o fluxo dos conselhos tutelares pode e deve, pelo volume
14 Para uma análise geral do tema no Brasil, ver ABRAMOVAY, Miriam e RUAS, Maria das Graças
(2002), Violência nas Escolas. Brasília, UNESCO. Um estudo de caso sobre o Rio de Janeiro foi
realizado por BOMENY, Helena, Maria Claudia Coelho, e João Trajano Sento-Sé. 2009. “Violência nas
Escolas Públicas do Rio de Janeiro: notas exploratórias sobre a autoridade docente e as percepções da
violência”. Desigualdade & Diversidade, no. 4: 70-109.
114
de demandas e encaminhamentos, ser encarado como termômetro dos problemas
relativos à rede oficial de ensino. Processos referentes ao espaço escolar totalizam
31,39% do total de casos por nós apurados. Tais cifras se revelaram mais relevantes
quando confrontadas com os dados expostos na tabela a seguir.
Tabela 30
Agressor - Pessoa Jurídica Frequência %
Escola / Unidade de Ensino 68 40,48
Polícia Militar 5 2,98
Polícia Civil 1 0,60
Hospital / Posto de saúde 2 1,19
Vara da Infância e da Juventude / Juizado 1 0,60
Abrigo 1 0,60
Outros Instituição Pessoa Jurídica 17 10,12
Não informado do processo 7 4,17
Não se aplica 66 39,29
Total 168 100,00
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
Ao fim do pré-teste para a aplicação da ficha de coleta, a equipe de campo
percebeu que havia um razoável número de casos em que a fonte da
violação/agressão não era uma ou mais pessoas, mas sim instituições específicas.
Optamos, então, por abrir uma alternativa de preenchimento para casos como esse.
No cômputo geral, o procedimento por nós adotado revelou-se carente de melhor
arranjo no quadro do levantamento em geral. Ainda assim, pudemos apurar que entre
os 168 casos em que havia alguma instituição envolvida diretamente no processo
levantado, 68 (40,48%) eram instituições de ensino.
Esses são indícios não exatamente da falência escolar ou de incapacidade dos
profissionais ali inseridos. São, na verdade, sinais de que o funcionamento do espaço
escolar e suas dificuldades atuais não somente redundam em problemas graves que se
tornam processos instituídos pelos conselhos como, também, indicam que estes
últimos podem contribuir decisivamente para que os gestores identifiquem pontos de
estrangulamento e de disfuncionalidade do sistema escolar oficial.
As relações entre conselheiros e diretores de escola por vezes são bastante
tensas. Há casos em que os conselheiros adotam posturas categóricas, quase
desrespeitosas no cumprimento de seu mandato de dar respostas a demandas de
115
familiares que se queixam da indisponibilidade de vagas ou da adoção de medidas
drásticas por parte das escolas frente a comportamentos inadequados de crianças e
adolescentes. Uma funcionária da prefeitura com larga experiência de interação com
os conselhos atesta;
“(...) aí chega com arrogância pra diretora da escola, chega com arrogância...
Claro que você também tem a relação de volta, eles também tratam com
arrogância, mas não é devolvendo a arrogância que você vai conseguir (...); é
transformando essa relação. E isso... não digo na totalidade, mas, na maioria
das vezes, é dessa maneira.”
Por outro lado, os conselhos são identificados por membros da comunidade
escolar como aliados em potencial para a busca de soluções de determinados
problemas. Acreditamos, enfim, que há um potencial enorme no investimento de uma
melhor integração entre esses dois agentes com vistas ao aperfeiçoamento do
desempenho de ambos. Aparentemente, os ruídos de comunicação entre conselhos e
direções de escolas é um problema menor, ao menos da perspectiva dos conselheiros.
A análise de depoimentos, porém, sugere algo diverso. Os canais de comunicação
entre essas áreas são precários, funcionam reativamente a demandas tópicas e estão
sujeitos a perturbações e tensões. O investimento na melhoria e no aperfeiçoamento
desses canais representaria, contudo, um enorme ganho, a despeito do tempo e das
dificuldades implicadas nessa tarefa.
Os dados apresentados até o presente momento revelam o total de casos
apurados nos três conselhos cujos processos foram investigados pela equipe. Eles nos
fornecem um quadro geral do que ocorre em Nova Iguaçu a partir do que chega aos
conselhos. Município vasto, densamente povoado, com discrepâncias de perfis
sócioeconômicos e demográficos entre suas áreas, Nova Iguaçu lida com problemas
diferentes segundo as características específicas de cada uma de suas regiões. Ter isso
em mente não se resume a um cuidado sociológico pertinente, mas, também, é crucial
para a definição de escolhas e estratégias que dêem conta dessa diversidade. O
contato com conselheiros e atores públicos de Nova Iguaçu reforçou essa idéia inicial
também no que diz respeito às dinâmicas de violência;
116
“Por exemplo, em Vila de Cava, onde eu estava, que pega Vila de Cava,
Tinguá, Miguel Couto, isso é uma coisa que a gente vê, tinha pouca questão de
abuso sexual, exploração sexual. Tínhamos suspeita, mas não tínhamos casos;
mas muita questão de maus tratos da criança, que vinha da questão da
miséria, do bater porque você foi pego pedindo comida na vizinhança, e a mãe
ficava extremamente envergonhada ou porque foi lá e pegou uma bala ou um
biscoito no mercado; era questão de fome. A questão do trabalho infantil, que
eram os meninos que ficavam fazendo carreto nos mercadinhos, e maus tratos
porque o vizinho foi lá e denunciou porque estava preso dentro de casa, ou a
escola que veio porque estava faltando muito às aulas, e era porque o pai e
mãe tinham saído às quatro horas da manhã e chegando às oito horas da
noite.(...)a gente tinha muito disso na região. Diferente de Cabuçu, que era
questão de abuso muito barra pesada, da criança chegar ao hospital tendo que
fazer cirurgia pra re... Então, assim, eram questões (...), como é até hoje,
muita questão de espancamento. Então, a gente tinha coisas diferenciadas.”
Foi com base em depoimentos como o anteriormente citado que optamos,
então, por identificar as modalidades de ocorrência segundo os três conselhos por nós
escolhidos. Os resultados estão na tabela a seguir.
Tabela 31
Violações nos Conselhos Tutelares
Centro Comendador
Soares Vila de Cava
Categorias de Violações Nº % Nº % Nº %
Ocorrências envolvendo uso ou ameaça de agressão 264 34,92 102 49,76 78 37,86
Envolvendo evasão escolar ou falta de vagas em escola 143 18,92 51 24,88 27 13,11
Questões civis (documentação) 6 0,79 0,00 0,00 0,00 0,00
Questões de família (pensão, abandono dos resposáveis, reconhecimento de paternidade) 74 9,79 5 2,44 29 14,08
Outros 269 35,58 47 22,93 72 34,95
Total 756 100,00 205 100,00 206 100,00
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
Podemos perceber claramente que em todos os três conselhos estudados
prevalecem as ocorrências envolvendo agressão ou ameaça. Note-se que embora o
conselho do Centro apresente, em números absolutos, mais do que o dobro dos casos
117
ocorridos em Comendador Soares e mais do que o triplo do total de Vila de Cava, ele
é, entre os três, aquele em que o percentual para essa modalidade de denúncia é a
menor no universo de atendimentos de cada um dos conselhos tutelares. Nesse
aspecto, cabe destacar, ainda, que, tomados separadamente, o conselho tutelar de
Comendador Soares é aquele que apresenta a maior freqüência de episódios de
agressão ou ameaça, que totalizam metade do total de encaminhamentos de processos
ali encaminhados.
É também em Comendador Soares onde encontramos a maior freqüência de
questões relativas à escola, o que inclui falta de vagas e evasão escolar. Essa
tendência tanto pode indicar meramente uma menor dispersão de tipos de
encaminhamentos (esse mesmo conselho é o que apresenta menor freqüência na
categoria outros), quanto sinalizar para um problema real da região coberta pelo
conselho relativo ao sistema oficial de ensino.
O detalhamento dos episódios de agressão ou ameaça nos três conselhos
resulta nas distribuições apresentadas na próxima tabela.
Tabela 32
Agressões - por Conselho Tutelar
Violações baseadas na
categoria "agressões" Centro Comendador Soares Vila de Cava
Nº % Nº % Nº %
Agressão 141 53,41 35 34,31 48 61,54
Violênia sexual 40 15,15 5 4,90 10 12,82
Maus tratos 35 13,26 55 53,92 7 8,97
Abandono 48 18,18 7 6,86 13 16,67
Total 264 100,00 102 100,00 78 100,00
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
Embora o volume total de casos dessa natureza em Vila de Cava, por
exemplo, imponha um certo cuidado na discussão da freqüência dessa modalidade de
episódios, não podemos nos furtar da observação de que mais de sessenta por cento
dos atendimentos ali feitos foram agressões consumadas. O percentual para essa
modalidade também é bastante alto no Centro, com mais da metade dos atendimentos
118
da rubrica destacada. Comendador Soares, por seu lado, apresenta altíssima
freqüência de maus tratos, enquanto seus casos de violência sexual são bastante
baixos comparativamente aos dois outros conselhos.
O que podemos extrair da análise aqui apresentada a partir do fluxo de
atendimentos dos conselhos tutelares e dos depoimentos dos conselheiros? Em
primeiro lugar devemos mais uma vez lembrar o alerta segundo o qual as dificuldades
encontradas no campo e na construção de uma base de dados consistente impõem a
percepção e o reconhecimento de que os resultados obtidos são provisórios e
estimativos. Adicionalmente, deve-se dizer que mesmo conseguindo cobrir o fluxo de
atendimento de forma precisa ele nos indicaria tendências e não um retrato fiel de
violências e violações perpetradas contra ou por crianças e adolescentes. Ainda assim,
esse é um universo que merece ser estudado de forma cuidadosa e permanente.
Os conselhos tutelares são um dos avanços obtidos tanto pelo vigor
associativista conhecido pelo Brasil nos anos 1980, quanto pela promulgação do
Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. O volume de encaminhamentos
feitos a eles pela população de Nova Iguaçu e a variedade de temas com que são
obrigados a lidar confirmam sua legitimidade, bem como o imperativo de que seja
aperfeiçoado. O modelo de escolha dos conselheiros, mandato eletivo pela
comunidade com duração de dois anos, garante uma boa dose de organicidade e
identificação com o público atendido (o conselheiro deve necessariamente ser
morador da área coberta pelo conselho). Tal identificação, por outro lado, pode causar
constrangimentos, sobretudo quando ocorrem casos envolvendo pessoas conhecidas
do conselheiro.
A forma pra neutralizar esse tipo de problema poderia ser a mesma para dar
conta de outras dificuldades vividas hoje nos conselhos. Dados o modo de escolha e
os requisitos pra a postulação ao cargo, o papel do conselheiro tem um caráter
predominantemente político e comunitário. Ele deve ser alguém que conheça as
mazelas da população a que atende e ser capaz de dar respostas positivas a suas
demandas. Por outro lado, está isento de satisfazer exigências de caráter técnico,
papel que é suprido, no caso de Nova Iguaçu, por profissionais contratados pela
119
prefeitura. Segundo a coordenadora dos conselhos tutelares de Nova Iguaçu, além dos
cinco conselheiros, cada conselho conta com dois técnicos (assistente social e
psicólogo(a)), um auxiliar administrativo e um funcionário de serviços gerais. Até
bem pouco tempo, as instalações dos conselhos, ainda segundo a coordenadora, não
dispunham de linhas telefônicas nem de equipamento de informática. Aparentemente,
houve, nos últimos anos, uma tendência à valorização dessa instância. São realizadas
reuniões regulares de capacitação e há esforços de estreitamento da interlocução com
esferas do poder público. Finalmente, ainda segundo a mesma informante, existem
dezoito conselhos municipais da criança e do adolescente em Nova Iguaçu.
Não é o caso de desconsiderar os avanços logrados em Nova Iguaçu. A
própria abertura para que se realizem balanços e análises atestam o cuidado com que
o tema é tratado. Ao contrário, o que os dados e as informações colhidas sugerem é
que o investimento na qualificação do trabalho dos conselhos é algo que deve ser
radicalizado e pode render bons frutos. Para isso, retomamos o ponto do argumento
iniciado anteriormente, ao caráter comunitário e político dos conselhos é desejável
adicionar maior investimento técnico, prover os conselhos de recursos materiais e
humanos não somente para fazerem melhor o que fazem hoje, como, também, para
que funcionem como usinas de informação para o poder público sobre campos de
investimento a serem contemplados. Além disso, dispondo de uma estrutura técnica
mais adequada os conselhos poderão cumprir melhor o papel de articuladores
privilegiados de uma rede eficiente de atendimento às demandas relativas a crianças e
adolescentes no município. Mesmo levando-se em conta as dificuldades fartamente
conhecidas da administração pública, seria importante aperfeiçoar esse formato.
Sintetizando: além de seu caráter primeiro de atendimento e encaminhamento de
casos de violação de direitos ou agressões sofridas por crianças e adolescentes, os
conselhos tutelares podem ser aliados preciosos para a orientação de políticas em
diversos campos do poder público como provedores de dados sobre vulnerabilidade
infantil e juvenil.
No que diz respeito à questão da violência criminal, os conselhos podem ir
além da denúncia e do encaminhamento de cada caso e, com a mera apresentação das
tendências predominantes de atendimento, sinalizar com prioridades e pontos de
120
estrangulamento do sistema de serviços públicos. O mesmo pode ser dito no que
concerne à rede de ensino e à assistência social. Concebido como um recurso da
sociedade civil, em estreita interação com o poder local, de acesso a direitos, os
conselhos tutelares podem preservar sua vocação militante (quase todos os
conselheiros por nós entrevistados tinham, antes de ocuparem esse lugar, uma longa
trajetória de militância em movimentos sociais) aperfeiçoando-se, ao mesmo tempo,
na prestação qualificada de serviços às comunidades que atende. Para isso, pequenos
ajustes que melhorassem seus recursos técnicos seriam suficientes.
Os conselhos tutelares, repetimos, podem e devem se tornar verdadeiras
usinas de informação sobre as dinâmicas que vitimizam seu público preferencial. Tal
reconhecimento não implica, porém, reduzi-las a meras fontes de dados nem,
tampouco, esvaziar seu componente político. Ao contrário, melhor equipadas,
investidas da capacidade de apresentar fluxos de atendimento e perfis de atores
litigantes eles tenderão a ser mais eficientes no provimento dos benefícios e direitos
àqueles a quem devem sua razão de existir. Serão mais bem sucedidos, inclusive, em
sua interação com o sem número de agências do poder público com que, em função
da natureza das demandas que recebem, são levados a interagir.
Esse último ponto é central e serve tanto para encerrarmos (provisoriamente,
esperamos) o capítulo destinado exclusivamente aos conselhos, quanto para
passarmos para a discussão seguinte do presente estudo. Uma de nossas ambições no
levantamento realizado foi estimar a rede de que os conselhos tutelares fazem parte.
Em função disso, incluímos em nossa ficha questões sobre origens de
encaminhamentos aos conselhos e encaminhamentos feitos pelos conselhos a partir
dos processos instituídos. Quanto ao primeiro, tratado como origem do
encaminhamento, buscamos definir o que chamamos de denunciantes preferenciais de
questões enviadas aos conselhos, o que é apresentado nas duas tabelas a seguir.
121
Tabela 33
Origem do Encaminhamento
Denunciante - Pessoa Física Frequência %
O próprio 31 4,54
Mãe 332 48,61
Pai 100 14,64
Imão(s) 2 0,29
Irmã(s) 1 0,15
Tio 8 1,17
Tia 19 2,78
Avô 9 1,32
Avó 53 7,76
Padrasto 2 0,29
Madrasta 3 0,44
Professor(a) 4 0,59
Diretor(a) / Coordenador(a) de escola 2 0,29
Anônima 44 6,44
Vizinho(s) 29 4,25
Outros 16 2,34
Não informado no processo 26 3,81
Não se aplica 2 0,29
Total 683 100,00
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
Chamamos de denunciante aquele, pessoa física ou jurídica, que faz o
encaminhamento do caso contemplado pelos conselhos. Na tabela 33 temos a
freqüência daquelas caracterizadas como pessoas físicas, maioria do universo
apurado. A complexidade dos problemas com que estamos lidando é bem ilustrada
pela esmagadora maioria dos casos serem encaminhados pela mãe da criança ou
adolescente. Lembre o leitor que era ela, também, a mãe, que aparecia com maior
freqüência nos casos de perpetração da agressão ou violação. Note-se,
adicionalmente, que a despeito de predominarem os encaminhamentos realizados por
parentes e pessoas próximas, a freqüência de denúncias anônimas e de vizinhos não
deve ser subestimada. Os casos de encaminhamento pelos pais não entram em
contradição com as informações que os situam como violadores preferenciais. Antes,
apontam para o emaranhado de responsabilidades e omissões em que são tecidas as
dinâmicas que afetam de forma grave as crianças e os adolescentes de Nova Iguaçu,
como ficou atestado em alguns dos depoimentos citados. O campo destinado a
instituições que encaminham os casos aos conselhos aponta complexidade
equivalente.
122
Tabela 34
Origem do Encaminhamento
Denunciante - Pessoa Jurídica Frequência %
Escola / Unidade de Ensino 178 57,05
Polícia Militar 8 2,56
Polícia Civil 6 1,92
Polícia Federal (inclui Rodoviária) 1 0,32
Hospital / Posto de Saúde 26 8,33
Vara da Infância e da Juventude / Juizado 17 5,45
Centro de Referência Social (CRAS/CREAS) 1 0,32
Pessoa Jurídica: Abrigo 4 1,28
Pessoa Jurídica: Delecacia / DEAM / DPCA 17 5,45
Defensoria Pública 2 0,64
Ministério Público 9 2,88
Disque 100 / Denúncia por telefone 11 3,53
Outra instituição jurídica 11 3,53
Não informado no processo 20 6,41
Não se aplica 1 0,32
Total 312 100,00
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
Destaque-se, sobre os dados da tabela 34, a diversidade de instâncias e órgãos
que acionam os conselhos tutelares, ainda que num universo apenas parcialmente
explorado por nossa equipe. Estão representados em nossa lista agentes variados do
poder público o que, possivelmente, só aumentará, à medida que o reconhecimento do
lugar e do papel dos conselhos se consolide junto à população e aos atores públicos
em geral. A estreita interface entre os conselhos e a rede oficial de ensino, sugerida
em várias passagens das páginas precedentes, é reforçada, quando constatamos que
desses órgãos é a escola que predomina como sujeito a acionar os conselhos em busca
de atendimento.
A participação dos conselhos numa verdadeira rede de atendimento é
reforçada na tabela 35, onde aparece a mesma diversidade revelada na tabela anterior.
123
Tabela 35
Para o onde a vítima foi encaminhada Frequência %
Escola / Unidade de Ensino 240 20,71
Polícia Civil 14 1,21
Hospital / Posto de Saúde 56 4,83
Vara da Infância e da Juventude / Juizado 90 7,77
Nucleos de atendimento / CIAM / NAV 72 6,21
Centro de Referência Social (CRAS/CREAS) 27 2,33
Abrigo 53 4,57
Unidade Socioeducativa 3 0,26
Delecacia / DEAM / DPCA 41 3,54
Defensoria Pública 158 13,63
Ministério Público 14 1,21
Outros 161 13,89
Não informado no processo 50 4,31
Não se aplica 180 15,53
Total 1159 100,00
Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de
Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.
De novo a escola aparece como destino preferencial dos casos em que há
menção de encaminhamento feito pelo conselho. Deve-se notar, igualmente, a
incidência de encaminhamentos à Defensoria Pública, à Vara da Infância e aos
núcleos de atendimento, o que sugere desdobramentos de natureza jurídica a um
volume razoável de casos recebidos pelos conselhos. Desse circuito, não estão
excluídos, também, situações em que conselheiros e autoridades policiais
compartilham dificuldades que dizem respeito aos seus respectivos trabalhos.
“Ás vezes a própria policia liga: eu tô encaminhando aí uma mãe que trouxe
um adolescente envolvido com droga, um envolvido com furto de coisas
pequenas, a própria polícia às vezes liga e encaminha pra cá, evita que vá pra
lá e às vezes funciona. Esse rapazinho que tava aqui agora, por exemplo, é um
caso especifico desses. A (...) atendeu ele uma quarta feira dessas da vida às
seis e meia da noite, trazido por terceiros porque ele estava furtando. A partir
daí notificamos a avó que veio porque os pais são falecidos, fizemos uma certa
conversação com a avó, um certo acompanhamento dele, ele assumiu um
compromisso comigo de toda segunda-feira tá vindo.”
124
Embora já mencionado, não custa repetir que, a despeito das aparências, lidar
com tais informações está longe de se constituir um desvio da questão prioritária de
nosso estudo, a violência letal intencional que atinge crianças e adolescentes em Nova
Iguaçu. Muito do que temos como resultados do capítulo diretamente dedicado a essa
temática se deve às questões tratadas aqui e que aparecem ao analisarmos as redes de
socialização primária e de atendimento a esse segmento social. Tratar de problemas
relacionados à família ou à crise do sistema oficial de ensino, como já observamos,
não está na alçada direta dos gestores da segurança pública. Certamente, contudo, ter
atenção a tais questões e oferecer a elas respostas positivas certamente reduzirá
significativamente os problemas desses gestores e o volume de casos com que
acabam tendo que lidar. Isso significa que, queiram ou não, eles também fazem parte
desse problema e também são parte interessada em abordagens conseqüentes para
resolvê-los. Não é gratuita a afirmação amargamente irônica do promotor que, ao
atender a um adolescente infrator, disse-lhe que dificilmente o encontraria
novamente, pois ou o garoto mudaria seus hábitos ou o matador daria cabo de sua
vida15
. A teia tecida até esse último e trágico desfecho, ao que tudo indica, tem sua
origem nas agressões sistemáticas, no abandono, nos maus tratos, no absenteísmo
escolar e em outras violações “mais brandas” registradas nos não sistematizados
fluxos de atendimento dos conselhos tutelares. Por serem não sistematizados, acabam
invisíveis, espectros dos quais temos uma vaga e difusa idéia, o que, naturalmente, é
pouco para a formulação de políticas.
Redimensionado o problema da violência letal, fica patente que uma única
instância do poder público e a sociedade civil organizada não são suficientes para a
oferta de respostas satisfatórias. É preciso mobilizar uma rede de atendimento, de
acesso a direitos e de assistência aos candidatos potenciais à estatística criminal.
Passemos, então, a ela e ao seu funcionamento.
15
Menção feita num depoimento dado à equipe por um promotor de Nova Iguaçu.
125
V. Organograma do sistema de controle e de proteção
Existe um consenso bastante sólido quanto ao reconhecimento de que o
regime de 1945 foi o primeiro experimento de democracia de massas vivido no
Brasil. A enorme instabilidade que marcou os curtos dezenove anos de sua existência
e seu melancólico desfecho, determinado pelo golpe militar que projetou o país em
mais um longo período de autoritarismo, foram o objeto preferencial de estudos e
pesquisas na área de teoria política no país, desde o final dos anos 1960 até o início
dos anos 1990. Os diagnósticos foram muitos e seguem disponíveis para a consulta e
possíveis discussões historiográficas e políticas. Um deles, talvez o mais profícuo e
consequente, identificou na fragilidade das instituições formais de representação e de
organização de interesses a principal causa da vulnerabilidade do regime democrático
que atravessou menos de duas décadas açoitado por golpes e tentativas de golpe
advindas dos mais variados setores do espectro político nacional16
.
Ao longo dos anos 1970, alguns dos mais importantes trabalhos sobre
democracia no Brasil foram produzidos com um duplo interesse: decodificar as
razões para a derrocada do regime de 1945 e o golpe militar, por um lado, e indicar
caminhos possíveis para que não fossem repetidos os erros do passado numa nova
democracia que, apostavam todos, cedo ou tarde acabaria por vir. É importante notar
que, a essa altura, por instituições formais a literatura, em consonância com a tradição
anglo-saxã, pensava fundamentalmente as instâncias de representação parlamentar,
vale dizer, os partidos e o parlamento17
. Quando o objeto de balanço eram as
instâncias de organização de interesses coletivos, pensava-se, fundamentalmente, nos
sindicatos de trabalhadores e suas invariavelmente ambivalentes relações com os
16
A lista é extensa e não caberia tentar dar conta em sua totalidade. Apenas a título de exemplo,
mencionamos alguns dos artigos reunidos em Albuquerque & Moisés (1989), Rouquié, Lamounier &
Schwarzer (1985) e Stepam (1988). 17
A literatura a que nos referimos é grande e, também nesse caso, não caberia mencioná-las aqui com
pretensões de sermos exaustivos. Sendo assim, mencionamos, de passagem, Santos (1986); Santos (1987)
e Lamounier (1989).
126
poderes instituídos do Estado18
. Em ambos os casos, foram produzidas obras que
certamente terão lugar perene em futuras histórias da produção intelectual brasileira.
A esperada redemocratização acabou por vir. Aparentemente, pelo menos
alguns dos ensinamentos acumulados foram absorvidos por elites dirigentes e
lideranças de movimentos sociais, mas, surpresas da história por vezes são
benfazejas, o imperativo de formalização de instâncias ordenadoras da ordem
jurídico-política foi além do restrito universo de partidos, sindicatos e casas
legislativas. A nova ordem republicana consagrada pela Constituição de 1988
redefine de forma substantiva a própria noção de democracia no Brasil e estende a
importância da institucionalização de instâncias formais de regulação da vida coletiva
a campos até então não muito explorados.
Tal deslocamento é crucial para a formação de agendas públicas e para a
abertura de novas angulações para a abordagem dos dilemas da questão democrática
no Brasil. Em artigo bastante conhecido, José Murilo de Carvalho (1999) aponta
como problema e como provável fator para o supostamente escasso amadurecimento
político no Brasil, a prevalência dada a conquistas de direitos sociais em detrimento a
equivalentes nos campos civil e político. Seguindo análise de Marshall, sobre o
processo de construção da noção de cidadania, Carvalho postula que,
convencionalmente, os avanços quanto aos direitos civis e políticos (nessa ordem)
precedem mobilizações e conquistas no que, por tradição, se identifica como direitos
sociais. Frágeis e negligentes em relação aos dois primeiros, os movimentos sociais e
os atores coletivos teriam, por aqui, priorizado o último sem, contudo, dispor de um
respaldo institucional capaz de sustentar os inevitáveis conflitos e dissensos
decorrentes do choque de interesses em contextos pluralistas.
Sem entrar no mérito da incorporação do modelo estabelecido por Marshall,
formulado muito mais para dar conta da construção da ordem constitucional
democrática inglesa e sem maiores pretensões de universalização, a linha explorada
por Carvalho fornece uma boa pista para o que se passa no Brasil, a partir de seu
18
Também aqui vale a mesma observação feita na nota anterior. Nesse caso, um dos mais completos
estudos sobre o tema, bem como o relato de alguns debates contemporâneos seus, pode ser encontrado em
Vianna (1978).
127
último processo de redemocratização. Para além dos esforços de consolidação das
instâncias de representação e de organização de interesses, houve, nos últimos anos,
um inegável esforço de construção de um aparato institucional vocacionado para a
garantia de acesso a direitos fundamentais, políticos e civis, que aparentemente
extravasam muito do que, hoje, pode fazer soar modestas as pretensões dos
defensores da restauração da estrutura democrática pautada nos princípios clássicos
da democracia representativa. Na falta de denominação melhor, podemos identificar a
ordem postulada como aquela pautada pela vigência do império da lei garantido por
instituições sólidas de garantia de acesso a direitos e de proteção contra o arbítrio do
poder privado e do próprio Estado. Em uma palavra, podemos definir a nova
orientação como aquela em que, além de não subsumir nenhum dos três direitos de
cidadania clássicos descritos por Marshall a qualquer outro, introduz um quarto
princípio que, de certo modo, reforça e engloba todos os demais: os direitos humanos.
Comentado as formulações de Arendt a respeito da condição dos apátridas do
século XX, Lafer (1988) aponta aspectos da formulação aredtiana de direitos
humanos que, guardadas as devidas especificidades temáticas, podem nos auxiliar a
refletir a respeito dos dilemas da consolidação dos direitos humanos no Brasil.
Segundo Arendt, a condição do apátrida caracteriza-se pela privação radical de
existência em função da perda dos vínculos à trindade cujo pertencimento é condição
de possibilidade de sua própria humanidade. A referida trindade é composta pelo
vínculo a um Estado, a um povo e a um território. Deslocado desse eixo de referência,
o apátrida é privado, em última instância, de sua própria humanidade, uma vez que
esta condição não é um dado de sua natureza, mas, uma investidura de caráter
jurídico-política pela qual é afirmado o pertencimento a uma dada comunidade.
O último ponto é o que nos interessa, e nos remete do trauma episódio das
diásporas contemporâneas e pretéritas às periferias das grandes cidades brasileiras,
como Nova Iguaçu. Os assim chamados direitos humanos são um conjunto de
preceitos e filiações fundados no princípio da igualdade. Esta é de natureza
eminentemente pública e viabilizada por um conjunto de regras que subsumem, ao
mesmo tempo em que garantem, a livre fruição das desigualdades privadas. O caráter
fundador de uma ordem republicana democrática reside nos direitos humanos à
128
medida que tal ordenamento é igualmente aplicado pela força da lei a toda
comunidade, entendida simultaneamente como agente coletivo, engendrador da
coletividade identificada no aparato jurídico, e à coleção de individualidades
relativamente autônomas, portadoras, indiferentemente, do princípio de identidade à
comunidade em questão. Sendo esse o caso, não são exatamente os direitos que
conferem legitimidade à ordenação, mas a igual aplicabilidade de coerções e limites à
fruição dos direitos.
Tratam-se os direitos humanos, portanto, não de um atributo natural da
espécie humana, mas um construto resultante da ação coletiva, positivada na lei que,
desde então, rege a universalidade do direito. Evidentemente, e Arendt nos ensina em
Origens do Totalitarismo, o primado dos direitos humanos não prescinde de margens
não muito pronunciadas de desigualdades sociais, mas se configura como algo de
natureza distinta dos direitos sociais. A fruição dos direitos humanos, sendo assim,
estaria sintetizada na sentença, muito citada e pouco compreendida, “direito a ter
direitos”, o que atesta o seu caráter formal e não finalista. Sua tradução na vida
prática pode ser encarada na existência, legitimidade e funcionamento adequado de
instâncias do aparato de ordenação da vida social e seu acesso equânime a todos os
membros da comunidade política aí instituída. O que, no discurso da filosofia do
direito, pode ser entendido como o primado da isonomia. É esse exatamente o desafio
que as gerações recentes têm enfrentado no processo de consolidação democrática no
Brasil do início do século XXI. Ter garantido o funcionamento dos mecanismos de
produção de uma ordem pautada pelo império da lei, aos quais os membros da
comunidade política sejam, a um só tempo, submetidos nela se reconheçam como
portadores dos atributos básicos de pertencimento.
Nosso estudo diz respeito ao direito que é convencionalmente reconhecido
como o mais fundamental de todos: o direito à vida. Nesse momento, o que se impõe
é verificar em que medida essa grande novidade da agenda pública brasileira, os
direitos humanos, é contemplada e o que há nela que elucida as dinâmicas que fazem
de cidadãos brasileiros apátridas fora das condições de diáspora.
129
O primeiro passo dado por nós foi identificar as instâncias do sistema de
atendimento e de serviços públicos existentes em Nova Iguaçu cujas atribuições são
entendidas como estratégicas para o desenho de uma rede de atendimento e de
proteção à infância e à adolescência. A relevância de cada uma delas diz respeito,
sobretudo, ao modo pelo qual cada uma dessas instâncias é ou pode estar articulada
com órgãos que travam contato mais direto com ocorrências que ameaçam a
integridade de crianças e jovens. A essas instituições que estão nas “pontas”
chamaremos, no fluxo que construímos, de “entradas”. Classificamos, nesta
categoria, as delegacias de polícia, os Conselhos Tutelares, o Hospital Geral de Nova
Iguaçu e o Instituto Médico Legal.19
A partir dessas entradas, dividimos o fluxo em dois sistemas: um para casos
em que há vitimização letal e outro para ocorrências sem vítimas fatais, como atos
infracionais, negligência, maus tratos, etc. Ainda que o circuito interno a cada um dos
sistemas varie de caso a caso, resultando em variados percursos possíveis,
procuramos extrair de seu funcionamento um esquema que torne mais claro o modo
pelo qual os sistemas operam. Evidentemente, não tivemos a intenção de esgotar
todas as possibilidades de combinações possíveis segundo os mais variados casos
relativos à proteção de crianças e jovens. Buscamos, na verdade, identificar os órgãos
que podem ser entendidos como núcleo estratégico para a formação de uma rede
eficaz de produção de informações e de proteção. As instituições identificadas,
portanto, compõem o eixo nodal para a formulação e encampação de políticas de
proteção de crianças e de adolescentes, bem como para a redução da letalidade
intencional que atinge esse segmento. Os dois sistemas são aqui apresentados
separadamente por razões expositivas. Na prática, eles compõem, ou deveriam
compor, uma rede ampla agregando saberes e competências, para a efetivação de
políticas públicas voltadas para um problema tão complexo como as violências que
vitimizam crianças e adolescentes.
19 O IML, neste caso, é identificado como entrada mediante a possibilidade de um corpo ser
encontrado na rua e derivar disso uma investigação sobre a vítimização. O IML possui ainda, como
veremos, interação com o restante do sistema como órgão responsável pela realização de exames de corpo
de delito – o que é fundamental para a caracterização de diversos tipos de violência.
130
Apesar do fato da presente pesquisa ter como foco de seu escopo o
mapeamento da violência letal contra crianças e adolescentes, consideramos
fundamental a compreensão das dinâmicas que mobilizam o sistema em casos em que
não há letalidade. A ausculta de profissionais que lidam com casos que não envolvem
vitimização letal intencional, mas estão em contato direto com demais dinâmicas
violentas, é essencial para a identificação dos vetores que ampliam as probabilidades
de que uma criança ou um adolescente sejam mortos, ainda nessa faixa etária ou logo
após se tornarem adultos. Estas instâncias, sensíveis às dinâmicas que afetam os
riscos de morte, são estratégicas também para a elaboração de políticas preventivas:
isto porque a prevenção requer, obviamente, a intervenção em fatores que precedem a
letalidade.
Apresentamos, a seguir, os dois organogramas por nós estabelecidos.
Fluxo em casos de vitimização
Entradas
Delegacias de Polícia
Conselhos Tutelares
Instituto Médico Legal
Tramitação de casos de vitimização
Hospital Geral de Nova
Iguaçu
Promotoria da Infância e da
Adolescência
Vara da Infância
131
Fluxo em casos envolvendo vitimização letal
Entradas
Delegacias de Polícia
Conselhos Tutelares
Instituto Médico Legal
Tramitação de casos de vitimização letal
Hospital Geral de Nova
Iguaçu
Promotoria de Investigação Penal (PIP)
4ª Vara Criminal
132
V.1. O circuito de proteção e de justiça em Nova Iguaçu
Começamos nossa exposição pelo ponto em que concluímos o capítulo
anterior: os conselhos tutelares. O Conselho Tutelar, de acordo com o artigo 131 do
ECA, é “um órgão permanente e autônomo, não-jurisdicional, encarregado pela
sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente,
definidos nesta Lei”. Ele é vinculado à administração municipal, responsável pela sua
manutenção e infra-estrutura, apesar não ser subordinado a ela.
Como já foi mencionado, em Nova Iguaçu existem cinco Conselhos Tutelares
(de agora em diante CTs): Vila de Cava, Centro, Comendador Soares, Austin e
Cabuçu. Nesse município, os conselhos estão vinculados à Coordenaria dos
Conselhos, instituição da Secretaria de Governo do Município, e são fiscalizados pelo
CMDCA, Conselho Municipal dos Direito da Criança e do Adolescente, órgão
composto por membros do poder público e da sociedade civil.
Os CTs de Nova Iguaçu foram instituídos no ano de 1996 e os mandatos em
vigor quando da realização do trabalho de campo haviam começado em 2007. Seus
membros são eleitos a cada três anos, podendo concorrer a uma reeleição. É
obrigatório que os candidatos sejam residentes na localidade para qual concorrem há
pelo menos três anos. Para terem suas candidaturas habilitadas, é necessário que os
candidatos tenham experiência comprovada em trabalhos com crianças e/ou
adolescentes. Além disso, os conselheiros são submetidos a uma avaliação, sob
responsabilidade do CMDCA e com supervisão do Ministério Público.
Cada um dos CTs conta com cinco conselheiros eleitos, além de assessoria
técnica composta por um psicólogo, um assistente social, um auxiliar administrativo e
um funcionário pra serviços gerais. A estrutura oferecida pela Secretaria de Governo
aos CTs é considerada precária. Nenhum dos locais dispõe de espaço adequado para
garantir privacidade aos atendimentos, estão em mau estado de conservação e os
aluguéis estão atrasados. Não há equipamentos básicos para o funcionamento, como
computadores com acesso à internet ou impressoras, e o suprimento de bens de
consumo, como papel, é feito de modo assistemático e em quantidade insuficiente.
Através de depoimentos de conselheiros e de funcionários da prefeitura pudemos
133
observar que alguns esforços foram feitos, nos últimos anos, para a melhoria das
condições de trabalho dos primeiros, mas em nossa avaliação há muito em que
avançar. Como tentamos evidenciar no capítulo anterior, a atuação de conselhos
tutelares em Nova Iguaçu e demais municípios com perfil semelhante é estratégica
para a formulação e avaliação de iniciativas voltadas para crianças e adolescentes.
Sendo assim, parece-nos muito distantes as condições estruturais dos conselhos e os
recursos técnicos e humanos hoje investidos para seu funcionamento. Não temos
razão para pensarmos que esse seja um caso restrito a Nova Iguaçu. Ao contrário,
tudo leva a crer que um levantamento estadual ou nacional nesse campo não
propiciaria um quadro melhor daquele que encontramos em nossa pesquisa. Ainda no
que diz respeito à carência de infraestrutura, a indisponibilidade de veículos para
realizar visitas e atendimentos apareceu com uma freqüência que impressionou a
equipe de pesquisa, sobretudo tendo em vista a dimensão do município e as distâncias
entre os bairros cobertos por cada um dos conselhos.
Outra queixa comum dos Conselheiros é a falta de segurança dos locais em
que trabalham. Muitos dos casos atendidos pelos conselhos, como ficou patenteado
anteriormente, envolvem graus bastante altos de violência e os desdobramentos de
muitos são pouco favoráveis a indivíduos violentos. Percebemos da parte dos
conselheiros um receio bastante acentuado, ainda que, na maioria das vezes, tenham
procurado passar uma imagem de força e de destemor no cumprimento de suas
atribuições. O sentimento de insegurança, contudo, é apenas um dos aspectos pelos
quais os conselheiros expõem uma espécie de sentimento de abandono. Tal
sentimento aparece, também, quando admitem que poderiam fazer melhor, caso
recebessem treinamento adequado logo no início do cumprimento de seus mandatos.
Curiosamente, esse despreparo aparece em depoimentos de outros atores quando se
queixam da performance dos conselheiros. Nem tudo, porém, deve ser reduzido à
negligência do poder público. Segundo um funcionário da prefeitura, os esforços para
a realização de qualificação e integração dos conselhos não tem encontrado respaldo
junto aos próprios conselheiros;
“E eu acho que tem uma situação de falta de comprometimento, não é mais
questão de capacidade, não é de maneira alguma, mas tem uma questão de
134
comprometimento dos conselheiros, em relação ao sistema de garantia de
direitos (...) na Conferência da Igualdade Racial, que eles tinham que estar
pra discutir a questão da etnia, da igualdade racial no município. Tem a
Conferência de Educação, tem a Conferência da Assistente Social”. (...) Da
Igualdade Racial, não foi ninguém, ninguém que sentasse pra poder assistir
nada, pra também discutir o tema. Da Assistência, não teve ninguém. Da
Educação vai ser agora também, e da Criança e do Adolescente. (...) Então,
assim, você tem um grau de desinteresse, com esse tipo de informação, como
não tivesse nenhum tipo de influência no trabalho deles.”
Não caberia à equipe de pesquisa arbitrar o claro conflito explicitado nas duas
últimas passagens citadas ou apontar aquele que tem razão em suas queixas. Antes,
vale começar a indicar os ruídos de comunicação e os desencontros entre atores
estratégicos, segundo nosso próprio organograma. Está aí a gravidade do problema
que apuramos ao longo da pesquisa.
A dimensão do problema sugerido anteriormente se avoluma se tivermos em
mente que os CTs são os principais agentes da ponta no fluxo de casos sem
vitimização letal, atuando, também, embora de forma menos acentuada, quando nos
casos de vitimização letal em que o perpetrador é criança ou adolescente. Os contatos
institucionais principais dos CTs são o Ministério Público, a Vara da Infância, da
Juventude e do Idoso, o Hospital Geral da Posse, as Delegacias de Policia e o
Instituto Médico Legal.
Os encaminhamentos chegam aos CTs por vias institucionais – sistema de
saúde, escolas, delegacias de polícia – ou por procura dos usuários. Nesse último
caso, os encaminhamentos podem ser feitos diretamente nas sedes dos CTs ou através
de denúncia telefônica. A maior parte dos atendimentos, entretanto, ocorre a partir de
procura direta dos usuários.
Os casos mais comuns, como já relatamos, são falta de vagas no sistema
escolar, abuso sexual, negligência e agressão física. Nos primeiros atendimentos de
casos que envolvem violência o objetivo inicial é salvaguardar a criança ou o
adolescente envolvido e, posteriormente, investigar a situação da denúncia e a
135
possibilidade de permanência do atendido com a família. No caso de necessidade de
afastamento do núcleo familiar, primeiro são procurados outros familiares que
possam assumir a guarda da criança. Caso isso não seja possível, ocorre o
abrigamento. Uma questão que em várias situações dificulta o trabalho dos CTs é a
falta de registro civil dos atendidos.
Os CTs têm boa integração com as comunidades atendidas e são referenciais
importantes. Nem sempre, no entanto, são procurados para tratar de casos de sua
competência, o que evidencia duas questões. Em primeiro lugar, o entendimento pela
comunidade das atribuições dos CTs é parcial, o que leva, por vezes, ao
congestionamento no fluxo de atendimento. Em segundo lugar, os CTs são
procurados recorrentemente pela ausência de conhecimento de outras instituições
públicas que as possam assessorar. Nesse contexto, a grande maioria dos
atendimentos iniciais é solucionada nos próprios CTs, apenas com a orientação
oferecida pelos conselheiros. Há um consenso de que os usuários são, na grande
maioria, de classes populares.
As Promotorias da Infância são os órgãos para os quais os CTs fazem o maior
número de encaminhamentos. Elas são, desse modo, peças chave no sistema de
atendimento e proteção. Suas relações com os demais setores, contudo, não são muito
fáceis. Segundo uma promotora,
“(...) o conselho tutelar é uma dificuldade, é complicado muitas vezes por n
motivos. A gente às vezes manda um oficio pedindo pra eles irem numa família
e a gente dá um prazo de trinta dias e eles não respondem, reitera mais trinta
dias e não responde e reitera e não responde e isso é complicado. Porque a
gente não sabe se eles foram lá ou se eles não foram e ás vezes eles foram e
esquecem de responder e ás vezes não foram porque tem milhões de coisas pra
fazer e ás vezes é uma situação mais grave. (...) Já aconteceu de eu mandar um
oficio pro prefeito num outro município e um mês depois eu vou procurar saber
e o ofício não chegou nem nas mãos do prefeito. Porque vai pra aqui e vai pra
lá e vai pra não sei aonde.”
136
No que concerne às suas relações especificamente com os conselhos, os ruídos
são de outra natureza. Segundo alguns conselheiros, os promotores se colocam numa
posição de superioridade hierárquica que não deveria existir. Os prazos estipulados
pelas Promotorias para o cumprimento das demandas são considerados insuficientes e
a avaliação geral dos conselheiros é a de que isso ocorre pela falta de estrutura –
especialmente do carro. Esses prazos são estabelecidos sem que haja conhecimento da
real situação dos CTs; uma reclamação comum é a de que os Promotores nunca
visitaram os CTs. De sua parte, percebemos, no discurso dos promotores uma visão
bastante ácida do desempenho dos conselheiros.
Os encaminhamentos recebidos pela Vara da Infância são de duas naturezas.
O primeiro refere-se aos casos levados ao serviço técnico da Vara, composto por
assistentes sociais e psicólogos. O segundo, que de fato se caracteriza como de
natureza jurídica, são os casos efetuados pela Promotoria. As relações entre a Vara da
Infância e os CTs, portanto, são diretas apenas quando a primeira tem demandas a
serem supridas por esses últimos. O caminho inverso nunca se dá.
O Hospital Geral da Posse faz encaminhamento para o CT quando há
necessidade de tutelamento de crianças ou adolescentes, ou quando há suspeitas de
que há algum tipo de suspeita de violação continuada -- especialmente por parte dos
responsáveis. Normalmente, o encaminhamento se dá para o CT do Centro,
responsável pelo bairro da Posse, que, quando pertinente, redistribui o caso para outro
CT.
Já com as Delegacias de Polícia o contato é freqüente, tanto como órgão que
recebe usuários e os encaminha para os CTs, como no atendimento de casos
encaminhados pelos CTs. A qualidade das relações com as delegacias varia de um
conselho para outro. Curiosamente, delegacias policiais e polícia militar não são foco
de muitas queixas entre os diversos atores por nós ouvidos. Mesmo entre conselheiros
tutelares, as polícias ou não foram mencionadas ou foram citadas sem maiores
críticas. Houve casos, inclusive, de relatos de contatos amigáveis e cooperativos. A
exceção, talvez exatamente por ser o órgão que mais se relaciona com casos
efetivamente policiais, foi a promotoria, como veremos mais adiante.
137
Aparentemente, não é incomum que casos cheguem aos CTs através das
delegacias. A integração entre estas, contudo, não parece ser das maiores. Segundo
um delegado que trabalhou durante algum tempo a frente de uma das delegacias de
Nova Iguaçu, cada delegacia cuida de sua jurisdição, estabelece seus próprios padrões
de interação com os demais órgãos do poder público e conduz sua rotina segundo o
entendimento de seus titulares. Não tivemos, portanto, qualquer informação que
pudesse qualificar as instituições policiais como instâncias causadoras de medo ou
identificadas como fonte de risco, o que supúnhamos, dado o histórico da região
reforçado por episódios recentes, encontrar. O máximo que apuramos foram algumas
queixas a respeito de uma suposta falta de sensibilidade dos policiais no trato com os
casos envolvendo crianças e adolescentes.
Por outro lado, ficou patenteado um certo absenteísmo por parte das polícias
para uma participação mais orgânica no sistema de que fazem parte. Segundo relatos,
é comum casos que se caracterizariam como episódios criminais serem enviados a
outras instâncias sem feitura de registro de ocorrência ou qualquer outra medida
cabível. Em muitos desses casos, os envolvidos ficam circulando de um órgão a outro
até retornarem, agora melhor instruídos, à delegacia para a formalização de queixa.
Nessas idas e vindas, muitos desistem de dar continuidade à busca de auxílio e o caso
cai na vala comum do subregistro.
Embora reconheçamos as dificuldades aí implicadas, não podemos omitir que
qualquer política integrada de atendimento a vítimas de violência, sobretudo quando
temos a redução da violência letal intencional em nosso horizonte de expectativas,
não pode prescindir da integração das polícias às suas fileiras. As dificuldades para se
chegar a tal ponto, contudo, não se restringem a Nova Iguaçu. Nesse município,
porém, tais dificuldades são bastante evidentes. Uma das três delegacias situadas
nesse município ainda é convencional, vale dizer, ainda não está integrada ao sistema
Delegacia Legal, o que por si só atesta o relativo esquecimento a que essa área do
estado está relegado. Se não há um sistema de cooperação entre as próprias delegacias
e entre essas e a Polícia Militar, como poderíamos esperar algo diferente no que diz
respeito aos demais órgãos? Mesmo o Instituto Médico Legal da Baixada, sediado em
Nova Iguaçu, não conta com maior articulação com seus colegas de delegacias. A
138
relação entre estas e o instituto se dá fundamentalmente pelo cumprimento de envio
de solicitações de laudos e as respostas a estes pelo IML. Mais grave: no caso das
delegacias convencionais, os trâmites são demorados e a integração de laudos a
inquéritos é bastante artesanal. O Instituto Médico Legal, por sua vez, é acionado nos
casos em que há necessidade de exame de corpo de delito, aos quais dá respostas
simplesmente pelo encaminhamento de laudos. O tempo despendido entre a
solicitação de laudos, para a sua feitura, e o envio à instância mobilizada no
atendimento conspira contra as vítimas e estende a sensação de desamparo.
Outro setor importante na rede de atendimento é o sistema de saúde. No caso
de Nova Iguaçu, sua principal referência é o Hospital Geral de Nova Iguaçu –
comumente referido como Hospital da Posse, devido a sua localização no bairro de
mesmo nome. Inaugurado no segundo trimestre de 1982, a unidade era uma entidade
autárquica federal do ex-INAMPS. Com a extinção do instituto, o HGNI ficou ligado
ao Ministério da Saúde até 2002, quando foi municipalizado, passando a ser gerido
pela prefeitura de Nova Iguaçu, através de Termo de Cessão de Uso. A unidade ocupa
15 mil metros quadrados divididos entre ambulatórios, laboratórios, emergência, UTI,
centro cirúrgico, entre outros setores.
O Hospital Geral de Nova Iguaçu (de agora em diante HGNI) é uma unidade
que tem como missão realizar atendimentos de urgência e emergência de média e alta
complexidade, tanto clínicos como cirúrgicos e obstétricos de alto risco. O HGNI é
referência para toda a Baixada Fluminense, estando localizado próximo às rodovias
Presidente Dutra e Washington Luis, e à Avenida Brasil.
Trata-se de uma importante instituição no que diz respeito à rede de proteção à
infância e à adolescência, especialmente por contar, tanto com uma emergência,
quanto com um ambulatório especificamente pediátricos, onde são atendidas crianças
de 0 a 11 anos. Não existe, entretanto, em sua estrutura, setores voltados
especificamente para o atendimento de adolescentes, que acabam sendo atendidos nos
setores destinados aos adultos. Para além dessas deficiências, é, sem dúvida, uma
importante entrada de casos com ou sem vitimização letal, mantendo contatos
institucionais constantes com os CTs (especialmente o do Centro), com o Ministério
139
Público, com a Polícia Civil e com o IML. Tais contatos são mais frequentemente
mediados pelos profissionais da área de assistência social, do que pelos outros
profissionais do Hospital (Médicos, enfermeiros, técnicos administrativos).
Além das deficiências anteriormente mencionadas, ficou evidente, quando de
nossa visita, que seus mais graves problemas se concentram no setor de emergência:
pela necessidade imposta por um conjunto de obras no local em que originalmente o
setor de emergência estava instalado, o atendimento estava sendo efetuado em um
outro espaço do hospital, cujas condições podem ser consideradas completamente
insatisfatórias para uma emergência médica, especialmente em um hospital tão
grande, e de referência para boa parte da Baixada Fluminense. Dentre as listas destes
problemas, os mais evidentes são a falta de espaço adequado para o alojamento dos
pacientes, cuja demanda acaba sendo satisfeita com a utilização dos corredores, além
das condições insalubres das instalações temporárias, sem qualquer tipo de controle
de temperatura ou da entrada de radiação solar.
Os depoimentos colhidos junto aos profissionais do HGNI confirmam as
indicações por nós já sugeridas em páginas anteriores. Os casos de atendimento mais
comuns quase sempre dizem respeito a algum tipo de negligência, sendo também
muito frequentes casos envolvendo violência física e sexual, boa parte deles tendo por
perpetradores membros do próprio círculo familiar. Alguns profissionais
manifestaram particular inquietude em relação ao atendimento de crianças ou
adolescentes vítimas de violência sexual. Tal sentimento traduz um certo medo de, de
algum modo, implicados na violação. Surpreendeu-nos a constatação de que tais
receios induzem alguns profissionais de saúde a evitarem a realização de qualquer
tipo de exame mais aprofundado, optando por avaliações superficiais e pelo
encaminhando das vítimas para o IML, que seria, de fato, o órgão responsável por
fornecer laudos passíveis de comprovar a ocorrência ou não de violência.
O temor confessado por profissionais de saúde do hospital é eloqüente. Se, por
um lado, a população sofre as conseqüências pelo funcionamento institucional que, a
despeito de ser bastante completo, é mal integrado e, consequentemente, oferece um
atendimento precário, moroso e insuficiente, os profissionais inscritos nesse mesmo
140
sistema não sentem fragilidade menor. Assim como os conselheiros tutelares, os
profissionais de saúde sentem receio, “pisam em ovos” no cumprimento de suas
funções, temerosos de, por razões inesperadas, serem arrastados pela lógica da
violência contra a qual seu trabalho deveria se impor. A fragilidade dos lugares
institucionais parece um dos mais flagrantes sinais da fragilidade do próprio sistema
como um todo.
As instituições até aqui mencionadas operam em casos que envolvem ou não
vitimização letal. São vinculadas aos poderes executivos estadual ou municipal. Não
são as únicas, contudo, a ter lugar nos sistemas por nós propostos. Sigamos, então, em
direção à esfera judicial.
A Promotoria da Infância e da Adolescência de Nova Iguaçu é um órgão
vinculado ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro que tem por finalidade
receber denúncias e encaminhamentos de casos nos quais esteja ameaçada a
integridade de crianças e adolescentes. Esta instância é acionada, de forma geral,
pelas delegacias de polícia e pelos conselhos tutelares. Qualquer cidadão também
pode acionar a Promotoria da Infância e da Adolescência para efetuar uma denúncia,
caso tenha conhecimento de uma situação na qual a integridade de uma criança ou
adolescente esteja ameaçada. O Ministério Público, através de suas diversas
promotorias, em nosso caso da Promotoria da Infância e da Adolescência, é uma
porta de entrada para o poder judiciário. A Promotoria pode, neste sentido, acionar
outras instâncias para o cumprimento de medidas contra situações que representem
ameaça a criança ou ao adolescente, ou, ainda, encaminhar o caso para o poder
judiciário, mais precisamente para a Vara da Infância. O encaminhamento à Vara da
Infância redunda na abertura de um processo judicial que vai levar à sentença legal
que procura resolver o caso e resguardar a criança ou o adolescente.
Para realizar esta tarefa, a Promotoria da Infância e da Adolescência de Nova
Iguaçu (que cobre este município e Mesquita) está dividida em duas instâncias
autônomas. Uma promotoria é destinada aos casos individuais, como atos
infracionais, denúncias de negligência, etc. Outra promotoria dá conta das chamadas
questões coletivas, ou seja, situações que envolvem a exposição a um risco coletivo,
141
como condições de abrigamento, problemas relacionados à escola, etc. Em
decorrência de suas naturezas distintas, cada uma destas promotorias mantém
articulações específicas com órgãos distintos. A promotoria voltada para os casos
individuas, neste sentido, mantém contato com as delegacias de polícia e com a Vara
da Infância. Já a que lida com os casos coletivos dispõe de uma articulação mais
próxima à Secretaria de Educação e às casas de abrigamento. As duas promotorias,
porém, mantêm contato muito estreito com os Conselhos Tutelares.
Por lidar com adolescentes infratores, a promotoria voltada para casos
infracionais tem como principal porta de entrada as delegacias. Quando não há
flagrante, as delegacias encaminham os adolescentes infratores e a Promotoria
notifica os adolescentes e os seus responsáveis. Em seguida, os envolvidos
(adolescentes e responsáveis) são ouvidos e, a partir daí, pode ser instaurado um
processo contra os infratores, pode haver a decisão por uma representação
socioeducativa, ou, ainda, o processo pode ser arquivado. Os procedimentos variam
segundo a gravidade da infração e segundo a decisão da Promotoria, que deve ser
ratificada pela Vara da Infância, através da remissão do caso. Não há relatos de que o
juiz da infância tenha deixado de ratificar uma decisão de remissão efetuada em Nova
Iguaçu. Este aspecto é um indício de que há um relacionamento saudável entre a
Promotoria e a Vara da Infância.
O mesmo não se pode dizer de outras instituições do poder público com que
os promotores lidam. Segundo o depoimento de uma promotora;
“(...) pelo ECA todas as medidas e atribuições são do conselho tutelar, não é
do Ministério Público, então vem muita denúncia pra gente que não é do
Ministério Público entendeu? É do conselho tutelar.(...) Porque às vezes a
gente vai pegando um trabalho e vai se assoberbando do trabalho de coisas
que não são nossas, são do conselho e ás vezes por uma falta de estrutura do
conselho alguma coisa a gente acaba fazendo ou então nem fazendo, mas
instaurando um procedimento pra ver se o conselho fez, se o conselho ta
fazendo ou não, mas isso acarreta um tempo de outras coisas que a gente
poderia tá fazendo, então essa confusão ainda é muito complicada.”
142
A confusão de atribuições pode também se transformar numa espécie de
absenteísmo de certas instituições. No caso específico das promotorias, tal queixa
recai com freqüência sobre a Polícia Civil;
“E outra dificuldade também, a questão das delegacias serem muito resistentes
a fazer o registro de ocorrência do adolescente. Um adolescente pratica um ato
infracional seja de ameaça seja de lesão corporal aquela pessoa vai pelo
caminho natural, vai fazer o registro muitos inspetores encaminham pro
conselho tutelar que não tem nada a ver com a delegacia ignorando que houve
um ato infracional. O conselho tutelar encaminha pra delegacia e a pessoa
obviamente muitas das vezes acaba deixando de lado aqui e se o adolescente
voltar a praticar isso muitas das vezes acaba tomando uma providência
diretamente porque isso é uma dificuldade. E por mais que eu fale com os
delegados a gente também tem uma dificuldade porque tem uma rotatividade
muito grande nas cinco delegacias com as quais eu trabalho, você fala hoje
com o delegado e amanhã muda o delegado e o mesmo problema.”
Nos casos em que há flagrante, a delegacia tem até vinte e quatro horas para
apresentar o adolescente. A promotoria, ao receber o adolescente, toma
imediatamente as providências ao ouvir o envolvido e instaurar o processo. O curso
mais provável destes casos é a instauração do processo com o encaminhamento ao
judiciário, podendo ser solicitada, ainda, a internação cautelar do adolescente. Em
nossa pesquisa, houve relatos de problemas na caracterização dos casos de flagrante
decorrente de ocasionais demoras no encaminhamento à promotoria. Esta demora
teria relação com o fato de Nova Iguaçu ter adotado um sistema que funciona com
uma central de flagrantes – operada pela 56ª delegacia. O tempo de descolamento
entre uma delegacia e outra para a caracterização do flagrante impacta, às vezes, o
tempo de apresentação do adolescente à promotoria para a abertura do processo.
Além das dificuldades decorrentes das situações de flagrante, outros
problemas foram apurados em relação ao relacionamento entre a Promotoria da
Infância e da Adolescência e as delegacias. Esta dificuldade foi identificada pelos
profissionais entrevistados como uma certa resistência das delegacias em registrar os
143
atos infracionais dos quais os adolescentes são autores. Há relatos – tanto na
promotoria quanto nos conselhos tutelares – de casos nos quais a delegacia, no lugar
de registrar a ocorrência, encaminha o adolescente para o conselho tutelar. A
rotatividade dos delegados de polícia a frente das DPs também foi mencionada como
um obstáculo ao estabelecimento de relações mais eficientes entre a promotoria e as
delegacias, como atesta o relato anteriormente citado.
Além das delegacias e do judiciário, instâncias mais frequentes na articulação
com o sistema, a promotoria ainda mantém contato com os CRIAADs – Centros de
Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente – (antigos CRIAMs – Centros
de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor) e com os CREAS – Centros de
Referência Especializados de Assistência Social. Os CRIAADs são responsáveis pela
aplicação de medidas socioeducativas de semi-liberdade. Já os CREAS executam as
ações voltadas para medidas de liberdade assistida e de prestação de serviços à
comunidade. Estes encaminhamentos feitos aos CRIAADs e aos CREAS são
acompanhados pela Promotoria da Infância e da Adolescência, que também
comparece a todas as audiências que precedem a decisão.
A Promotoria que cuida dos casos não infracionais e que se ocupa de todas as
relações pertinentes à tutela coletiva tem como escopo de trabalho os direitos
transindividuais da criança e do adolescente. Trata, portanto, de questões
fundamentalmente relacionadas à saúde, à educação e à assistência social. Questões
como falta de vagas em escola, problemas de infra-estrutura escolar, falta de
professores, condições de abrigamento etc. são de competência desta promotoria.
As portas de entrada para esta promotoria são os conselhos tutelares ou a
recepção direta de denúncias da população diretamente. Muitas das denúncias
recebidas são encaminhadas para os conselhos tutelares para que eles apurem a
veracidade dos fatos e tomem as providências necessárias à sua solução. Dependendo
do caso, a promotoria apura diretamente através de um grupo da Polícia Civil de
apoio aos promotores – o GAP – e, então, notifica os conselhos tutelares.
A relação com os conselhos tutelares é dificultada pela falta de infra-estrutura
destas instituições para o cumprimento de suas atribuições. No contato com as
144
secretarias de saúde, educação e de obras (casos relativos a problemas de infra-
estrutura em escolas), houve relatos de que a burocracia nos trâmites dessas
secretarias dificultam os processos. Um relato relevante, neste sentido, chama a
atenção para o fato de que o Ministério Público muitas vezes é acionado apenas para
atuar como elemento de pressão para a aceleração de determinados trâmites
burocráticos que podem impedir a solução de uma situação que traga riscos às
crianças ou aos adolescentes.
O público atendido pela Promotoria da Infância e da Adolescência, via de
regra, é composto por pessoas de camadas baixas, a maioria muito pobres. Fatores
como desestruturação familiar foram ressaltados pelos profissionais entrevistados
como muito recorrentes nas dinâmicas que compõem o conjunto de casos a que
atendem. Os elementos de desestruturação são identificados como decorrentes da
negligência dos pais, que passa pela ausência da figura paterna (há casos frequentes
de crianças e adolescentes sem o reconhecimento paterno20
) e pelo fato da mãe muitas
vezes trabalhar longe de sua residência, o que implica a necessidade de passar muitas
horas fora de casa e não ter quem fique responsável pelos filhos. Dificuldades de
acesso à educação e a má qualidade do ensino também são elementos mencionados
pelos entrevistados na Promotoria como questões que afetam suas atividades.
De uma maneira geral, é comum que as crianças e os adolescentes atendidos
como autores de atos infracionais tenham algum histórico de violência na família. As
diversas formas de negligência, contudo, são mais frequentes na formação dos
cenários de risco aos quais estão expostos as crianças e os adolescentes.
Em relação aos atos infracionais, os profissionais entrevistados alegaram que
não são recorrentes casos de adolescentes autores de ocorrências seguidas de
letalidade, como latrocínio e homicídio. Segundo os relatos, entre 2006 e 2008,
teriam chegado à Promotoria da Infância e da Adolescência no máximo três casos de
homicídio e dois de latrocínio.
20 A este respeito, o jornal O Globo do dia 10 de janeiro de 2010 publicou uma matéria na qual é
apontado que um quarto das crianças no Brasil não possui o reconhecimento do pai em seus registros de
nascimento. Isto ilustra a extensão e a profundidade deste problema.
145
No que diz respeito às questões relacionadas ao abrigamento, um dos
problemas frequentes combatidos pela Promotoria da Infância e da Adolescência é a
permanência de crianças e de adolescentes em abrigos por muito tempo. A
dificuldade de adoção é o principal entrave relativo a esta questão. De uma forma
geral, as crianças mais velhas e os adolescentes encontram dificuldade de serem
adotados porque a procura por “crianças de colo” é muito maior. O abrigamento
demasiadamente prolongado representa um fator de risco na medida em que mina as
condições de socialização da criança, que logo se tornará um adulto e terá que deixar
o abrigo.
Houve relatos que indicaram que a expansão das milícias afetou a quantidade
de atendimentos a adolescentes infratores, diminuindo sua ocorrência. Isto foi
reputado ao fato dos grupos milicianos não recrutarem crianças e adolescentes em
suas atividades. A despeito dessa redução, nossos entrevistados afirmaram não terem
como medir até que ponto este número de atendimentos não diminuiu em virtude da
provável eliminação dos adolescentes que atuavam no tráfico. Não há como precisar
em que medida as milícias produzem uma mudança de cenário na qual os
adolescentes figurem menos como autores. É difícil, contudo, crer que as milícias
reduzem a exposição de crianças e adolescentes a fatores de risco, mesmo se
aceitarmos o discurso vigente segundo o qual elas não recrutam seus membros nessa
faixa etária. A prática de assassinar pessoas que cometem roubos e furtos em sua área
de atuação, muito característica das milícias e marca histórica dos grupos de
justiceiros da Baixada, pode ser um dos fatores relevantes na vitimização letal de
crianças e os adolescentes. Não temos, contudo, elementos suficientes para afirmá-lo
de modo categórico.
O que nos parece sugestivo, por outro lado, é a ambigüidade que se percebe
em vários depoimentos, da percepção da atuação das milícias. Se, por vezes, a elas é
atribuída uma parte das ações que resultam em mortes, por outro lado, o não
recrutamento de crianças e adolescentes parece ser visto como uma vantagem
comparativa em relação ao tráfico. Tal ambigüidade talvez seja explicada
parcialmente pela própria história da Baixada, em que a ação de grupos de justiceiros
chegou a ser encarada como uma espécie de mal necessário por uma parcela
146
significativa da população local. Talvez a referência a milícias, hoje, seja muito uma
alteração terminológica do que propriamente semântica. Como deixamos patenteado
no primeiro capítulo, a atuação de grupos organizados destinados a prover segurança
e fazer justiça pelo uso da força e do crime é antiga em Nova Iguaçu e na Baixada
como um todo. Não apuramos elementos que nos autorizem a afirmar que tais grupos
estejam estruturados atualmente da mesma forma que aqueles que encontramos em
algumas áreas da cidade do Rio de Janeiro. Por outro lado, a maior incidência de
adolescentes cumprindo medidas sócioeducativas em decorrência de atos infracionais
contra o patrimônio é extensivo a todo o estado do Rio de Janeiro.
A Vara da Infância é o órgão do poder judiciário responsável por tratar das
questões relativas à infância e à adolescência nas quais seus direitos tenham sido
feridos ou ameaçados, ou nas quais eles sejam autores de atos infracionais. A
principal porta de entrada na Vara da Infância é a Promotoria da Infância e da
Adolescência. Nos casos em que o adolescente é autor de um ato infracional, o juiz
pode decidir por aplicar uma medida protetiva. É emitido, então, um PAMP – Pedido
de Aplicação de Medida Protetiva – que pode variar desde a internação até a
determinação de acompanhamento psicológico e social. A Vara da Infância dispõe de
um conjunto variado de atores institucionais que podem ser executores das decisões
decorrentes de suas atividades: Conselhos Tutelares, CREAS, CRIAAD, instituições
voltadas para o tratamento contra adicção etc.
Uma dificuldade institucional apontada entre os entrevistados desta instância
diz respeito ao fato de haver uma certa descontinuidade em programas que poderiam
ser importantes parceiros para o cumprimento de decisões da Vara da Infância. Isto é
sentido, sobretudo, nos casos em que a decisão demanda acompanhamentos
terapêuticos tanto psicológicos strictu sensu quanto em casos de tratamento contra
drogas.
A Vara da Infância conta, ainda, com um setor de psicologia e assistência
social, que, além de acompanhar os casos sentenciados pelo juiz nos quais há
necessidade de atuação de psicólogos ou assistentes sociais, recebe encaminhamentos
dos Conselhos Tutelares e oferece orientação ao público. Foi relatado que houve um
147
momento no qual os próprios serviços da Vara da Infância tinham que suprir a
necessidade de cumprimento de determinados PAMPs; isto antes de os conselhos
tutelares ampliarem sua atuação. Os conselhos tutelares, neste sentido, contam,
atualmente, com serviços de psicologia e serviço social. A precariedade das
condições de atuação dos conselhos tutelares, entretanto, torna ainda insuficiente o
trabalho desta instância
Apesar das Varas da Família e da Mulher também disporem de setores de
psicologia e de assistência social, foi relatado que não há uma integração entre eles.
Nossos entrevistados, em relação a este aspecto, ressaltaram um elemento
fundamental, que talvez esteja entre os principais pontos fracos do fluxo em relação a
sua eficácia: cada instância, apesar de ter vínculos e articulações com outros atores
institucionais, trabalham de forma isolada. Existe uma evidente ausência da
interlocução que deveria existir quando estamos falando de um sistema que integre
efetivamente diversas instâncias.
A integração das diversas instituições do sistema de atendimento é condição
necessária para que o poder público atenda adequadamente a população. Menos
fechados em si mesmos, mais integrados, com suas práticas vascularizadas pela
interlocução e pela reflexão conjunta, os órgãos públicos envolvidos no sistema de
proteção à criança e ao adolescente de Nova Iguaçu poderiam contrariar a percepção
frequente – e, em certa medida, muito justa – que se manifesta na própria fala de um
de nossos entrevistados: “Eu acho que as instituições são públicas até a página dois”.
Acompanhando o que foi apurado na Promotoria da Infância e da
Adolescência, o público da Vara da Infância é predominantemente de pessoas das
camadas baixas. Os casos de negligência, também em consonância com o que foi
observado na promotoria, são as ocorrências mais freqüentes também na Vara da
Infância.
Em relação às tendências geográficas da distribuição dos casos atendidos na
Vara da Infância, os relatos indicam que tanto o Centro quanto as áreas mais
afastadas, como Tinguá, figuram com menor frequência. A isto foram atribuídos tanto
o fato de o Centro ter uma população menos empobrecida quanto à distância de áreas
148
como Tinguá. Essas observações surpreenderam a equipe de pesquisa, sobretudo no
que diz respeito ao Centro que, como foi visto nos capítulos precedentes, costuma ser
um bairro assíduo nas listas de vitimização. Infelizmente, não nos foram franqueadas
as estatísticas para cotejarmos tal informação com os registros de atendimento.
As mudanças afetas à atuação das milícias observadas pelos profissionais da
Vara entrevistados foram as mesmas colhidas na promotoria. Um relato foi bastante
emblemático no que diz respeito ao fato das milícias exterminarem adolescentes
envolvidos em roubos ou furtos: o próprio profissional da Vara da Infância alegou
advertir os adolescentes reincidentes em atos infracionais, afirmando que ele poderia
ser morto por milicianos se continuasse cometendo roubos.
As Promotorias de Investigação Penal (PIP) são órgãos do Ministério Público
que atuam vinculados ao modelo das Centrais de Inquéritos e têm a atribuição de
tratar de todos os casos decorrentes de inquéritos policiais. Todos os casos nos quais
existe vitimização são tratados, portanto, pela PIP e ficam vinculados à Central de
Inquérito. Existem em Nova Iguaçu quatro PIPs, cada uma delas ligada a uma
Delegacia de Polícia 52 DP, 56 DP, 58 DP e delegacias especiais. Os inquéritos são
apurados pelas PIPs, que podem ou não formular uma denúncia. Quando esta ocorre,
é encaminhada para a Vara Criminal, que pode acatá-la, abrindo o processo, ou
recusá-la.
A porta de entrada das PIPs é, portanto, as delegacias. Elas instruem o
inquérito policial que é encaminhado à PIP, que instaura o processo judicial a ser
encaminhado à Vara Criminal – que em Nova Iguaçu é a 4ª Vara. Nos processos que
resultam em julgamentos, a PIP opera todas as atribuições pertinentes aos promotores
de justiça.
A despeito dos esforços envidados, não conseguimos realizar entrevistas com
os profissionais da PIP. As informações relevantes para nossa pesquisa que poderiam
ser fornecidas pelas percepções destes profissionais dizem respeito, sobretudo, aos
perfis das vítimas e dos perpetradores. Essa foi uma perda importante já que
poderíamos qualificar melhor os dados obtidos nos registros policiais. Temos razões
149
para acreditar que o perfil das vítimas e dos perpetradores nos casos tratados pela PIP
são similares àqueles que figuram nos casos da Promotoria da Infância e da
Adolescência: crianças e adolescentes pobres, vítimas seja da ação de milícias, seja de
conflitos decorrentes do tráfico, ou, ainda, vítimas de violência doméstica e/ou
sexual. O que fundamenta esta suspeita é o fato da violência de uma forma geral estar
concentrada nos setores mais pobres da sociedade e a percepção de que as dinâmicas
presentes nos casos em que não há letalidade fornecem os ingredientes que resultam
nas lastimáveis ocorrências letais que vitimizam crianças e adolescentes.
A PIP, apesar de ter um papel fundamental na apuração dos casos letais, não
dispõe de uma forte articulação com os atores institucionais que podem ser
implicados na formulação de uma rede ou sistema de proteção da infância e da
adolescência. Talvez a razão para isso seja o fato da PIP lidar com fatos já
consumados de letalidade. O próprio caráter linear do fluxo de casos que envolvem
vitimização – as setas seguem sempre em apenas um sentido – denota a pouca
interação com as demais instâncias que possuem um caráter fundamentalmente
preventivo. A interação da PIP com a rede preventiva pode consistir na rápida e
eficaz elucidação de casos que, além de fornecer informações importantes sobre o
fenômeno, pode fazer com que haja um elemento coibidor de ocorrências de violência
contra crianças e adolescentes.
A Vara Criminal é o órgão do poder judiciário estadual que possui a atribuição
de tratar de todos os casos que são processos decorrentes de inquéritos policiais. Ela
conta com uma interação mais direta com a PIP e é a ponta do fluxo de casos nos
quais há vitimização e se tornam processos penais. A Vara Criminal elucida os casos
decorrentes de inquéritos e emite suas decisões. As implicações desta instância para o
fluxo são similares àquelas destacadas no caso da PIP.
Temos, assim, um sistema razoavelmente complexo e equipado de duas linhas
de atuação. Uma que poderia ser chamada de sistema de justiça criminal e outro de
sistema de proteção. Cabe salientar que mesmo a primeira, que tem em seu bojo uma
dimensão punitiva, pode e deve, dado o status conferido a crianças e adolescentes e
formalizado pelo ECA, incorporar também uma perspectiva protetiva, mesmo nos
150
casos em que ocorre ato infracional por parte desse segmento da população. Não
estamos seguros que seja assim. Pelo que pudemos perceber, o peso punitivo
predomina e dá o tom.
Embora os profissionais ligados a esse sistema sejam solícitos e articulados, o
acesso a informações como fluxo judicial, sentenças e demais desdobramentos dos
casos em que há violação de direitos o violência criminal envolvendo crianças e
adolescentes é dificílimo. Há uma opacidade sobre o destino das queixas e registros
de ocorrência que se adensa a medida que percorremos o circuito aqui retratado. A
indisponibilidade de acesso a informações reforça uma espécie de blindagem que
protege a disfuncionalidade de um sistema cuja inefetividade, repetimos, tem muito
mais a ver com o insulamento das instituições entre si. Os resultados desastrosos
recaem, como não poderia deixar de ser, sobre os segmentos mais carentes do suporte
estatal. Vejamos que respostas a sociedade de Nova Iguaçu tem logrado quanto a esse
debilidade.
V. 2. O(s) Lugar(es) da sociedade civil. Grupo de Apoio a Familiares de
Vitimas da Violência -- FAVVO
A persistência com que, ao longo das duas últimas décadas, as taxas de
violência criminal apresentam números altíssimos tem suscitado um fenômeno
alvissareiro: o surgimento de redes e de grupos de familiares de vítimas que se
associam com duas intenções distintas, mas complementares. Em primeiro lugar, tais
associações buscam criar mecanismos de apoio e de solidariedade, constituindo-se,
assim, referência para a redução dos danos emocionais e psicológicos decorrentes do
trauma da perda de um parente ou amigo por meios violentos21
. Em segundo lugar, é
possível estarmos diante de uma nova modalidade de associativismo de caráter
público, que tem na reação à difusão da violência e à impunidade seu principal eixo
articulador. Essa é uma hipótese ainda a ser confirmada empiricamente e sua
21
A síndrome póstraumática é uma patologia diagnosticada e reconhecida como uma das mais graves e
difundidas no mundo contemporâneo. Lamentavelmente, ainda há poucos estudos sobre ela no Brasil.
Nesse campo, vale mencionar o trabalho pioneiro de Soares relativo ao stress póstrauma decorrente da
vitimização letal de familiares por meios violentos.
151
consolidação é algo a ser verificada. Em Nova Iguaçu, tivemos a oportunidade de
testemunhar a rotina de encontros e de mobilização de um grupo dessa natureza.
O contato com familiares de vitimas se deu através do acompanhamento do
Grupo de Apoio a Familiares de Vítimas da Violência – FAVVO, iniciativa mantida
pela Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu através da SEMASPV entre Janeiro de
2008 e Setembro de 2009. Eram realizadas reuniões quinzenais, e a equipe
acompanhou aquelas ocorridas entre os meses de Junho e Setembro.
A equipe ligada à prefeitura responsável pelos encontros do FAVVO era
bastante pequena – contando, no máximo, com 4 membros – e teve várias formações,
sendo que o único membro que passou por todas elas foi a psicóloga coordenadora do
projeto. As participantes do grupo foram localizadas e convidadas a partir de contatos
já existentes da SEMASPV, especialmente por conta da Chacina da Baixada. Após as
primeiras reuniões, as próprias participantes traziam convidadas que eventualmente se
fixavam no grupo.
Entre as participantes, há que se ressaltar algumas regularidades: todas elas
são mulheres (na maioria dos casos mãe, mas também há esposas, irmãs e tias); a
maior parte das atendidas perdeu familiares na Chacina da Baixada (há outros casos,
como a chacina do Brizolão, que resultou na morte de cinco adolescentes em Miguel
Couto); quase todas as vitimas foram mortas por policiais; todas são oriundas de
classes populares.
As participantes vêem no grupo a possibilidade de amparo e de apoio mútuos.
Nenhuma delas teria condições de pagar por acompanhamento psicológico. As trocas
de experiência são a tônica das relações, e passam tanto por sentimentos como por
questões de ordem prática, como lidar com as instituições, acompanhar processos,
fazer pressão pública, etc. Em vários momentos são feitas reflexões sobre o modo
como os familiares poderiam atuar para contribuir para redução da violência e há uma
militância que se traduz na participação e organização de protestos (todas as
mobilizações com participantes do FAVVO contavam com organização de membros
externos).
152
Questões de natureza prática se colocam nessas relações, especialmente para
os familiares de vítimas em chacinas. Essas pessoas passam, assim, a constituir um
grupo perante a justiça, já que estão vinculadas ao mesmo processo criminal (quando
os perpetradores são policiais, há dois processos, um na Vara Criminal, pela
condenação dos acusados, e um segundo na Vara Cível, contra o Estado, em busca de
indenizações). Dessa forma, acabam sendo estabelecidos laços de solidariedade e de
obrigações entre elas, vinculadas entre si não necessariamente pela afinidade ou pelo
pertencimento (embora, apesar disso, se cobrem mutuamente, sobretudo nos
encontros de rotina, um tipo de amizade).
O comportamento nos julgamentos, por exemplo, é algo valorizado nessa
relação. A conduta de um familiar durante uma audiência, por exemplo, pode
comprometer todo o processo. É preciso “conseguir se controlar” durante certas
ocasiões. “Não fazer escândalo” é fundamental, já que uma atitude mais contundente
ou emocionada de alguém da audiência pode atrapalhar o processo, provocando seu
adiamento. Esse tipo de socialização acaba funcionando como uma espécie de escola,
de aprendizado sobre etiqueta no qual pessoas por vezes de baixa escolaridade e nível
renda são “educadas” para lidar com as liturgias do poder e da justiça, resultando no
que poderíamos chamar de efeito inesperado de uma tragédia social.
A mobilização num grupo como o FAVVO é, portanto, um longo, tortuoso e
sofrido processo de aprendizado pelo qual esses familiares passam por conta dos
crimes. Como já foi dito, são pobres e a maioria conhece pouco sobre as instituições
jurídicas e outros setores do poder público (Polícia, IML, Ministério Público,
Juizados, Defensoria Pública). Mas, a partir do crime, e da necessidade então
instaurada de acompanhar o fluxo institucional pelo qual passam, eles aprendem todo
um novo léxico, que precisam utilizar cotidianamente. Essa apropriação,
naturalmente, se dá a partir de categorias pré-existentes, fazendo com que as
definições soem inexatas aos ouvidos mais íntimos à linguagem e aos menadros do
aparato da justiça criminal. De qualquer modo, há uma modificação estrutural, que
acaba por ressignificar não só essa instância específica, mas que se enquadra numa
dinâmica que se espraia para suas vidas como um todo.
153
Esse processo, contudo, acaba por evidenciar a falta de acessibilidade das
instituições públicas. O desconhecimento das funções básicas de cada um desses
agentes é uma das características de um contexto de exclusão que se mostra também
de outras formas. Ao final do ano de 2009, o programa foi desativado pela prefeitura.
As participantes do FAVVO, contudo, continuaram a realizar reuniões informais e se
dispunham, até o momento em que suspendemos nossa atividade no campo, a manter
por sua própria conta a articulação entre elas. Há boas chances de serem bem
sucedidas nessa ambição. Ao longo dos dois últimos anos, suas redes se ampliaram,
travaram contato com outros parentes de vítimas da violência e, no resultado final do
julgamento da última chacina de grandes proporções em Nova Iguaçu, puderam
sentir-se suficientemente fortes para testemunhar a condenação dos envolvidos. Essa,
talvez, tenha sido a melhor novidade que encontramos em Nova Iguaçu e a grande
mudança, em relação aos nada saudosos tempos da chacina da Rua das Rosas,
descrita no primeiro capítulo.
Aparentemente o poder público permanece blindado ao acesso da cidadania e
aos direitos mais fundamentais consagrados pela tradição iluminista do longínquo
século XVIII. Pelo que pudemos perceber, tal blindagem é, também, intraestatal. Os
esforços de alguns agentes do poder público e de cidadãs (as mulheres são
especialmente importantes nesse processo. Para confirmar isso, basta checar o
volume de entrevistadas em nosso trabalho) levadas a esse esforço por vias, algumas
vezes, especialmente trágicas, têm feito alguma diferença. Não o suficiente, porém,
para aplacar as evidentes mazelas com que nos deparamos.
Nova Iguaçu dispõe de uma larga rede de instituições formais de acesso a
direitos e à promoção da justiça. Ela, contudo, funciona precariamente. Seria curioso,
não fosse trágico, por exemplo, a existência de serviços de assistência social e apoio
psicológico em várias das instâncias por nós contatadas. Em lugar de representar um
aporte eficiente de apoio e de orientação àqueles que se vêem arrastados pelas
dinâmicas de violência, elas acabam por multiplicar a dor. Como observou um de
nossos entrevistados, a cada instituição a que uma vítima ou familiar de vítima é
encaminhada, ela se vê obrigada a relatar mais uma vez a sua história, detalhar seu
calvário e revelar seu desamparo. Em cada uma dessas instâncias, porém, o tom de
154
seus, por vezes, abnegados profissionais é invariável: más condições de atendimento,
falta de privacidade e indisponibilidade de agenda para um acompanhamento mais
qualificado. Talvez essa seja uma versão entre outras da natureza paradoxal do Estado
e do poder público no Brasil: ele é largo, tentacular e tem braços compridos, ao
mesmo tempo que se revela volátil, acanhado e esquálido.
VI. Para a criação de um sistema municipal de informações sobre
vitimização infantil e juvenil
Como já foi mencionado anteriormente, existe uma tendência no Brasil de
superar a restrição das abordagens relativas à segurança pública ao plano estritamente
dos governos estaduais. Tal superação não implica mudanças substantivas na
definição constitucional, que confere aos governos estaduais as responsabilidades
relativas ao policiamento e à provisão de ordem e garantia do primado da lei. Mantida
essa determinação, ainda restam aos poderes municipais, de um lado, e à União, de
outro, tarefas específicas que podem concorrer para a melhoria da segurança pública e
para a redução dos altos índices de violência criminal que têm garantido ao país
lugares nada honrosos nas análises comparativas de alcance internacional. Deixando
de lado o caráter analítico-descritivo que pautou o presente estudo até aqui, passamos,
agora, a apresentar alguns argumentos de natureza normativa sobre providências
desejáveis para que a incorporação do poder municipal seja viabilizada com o intuito
de redução dos números hoje em vigor. Dada a natureza do trabalho realizado e os
resultados que subsidiam tais proposições, nosso argumento se concentra no âmbito
municipal e, dessa perspectiva, na proposição de mecanismos produtores de
informação que possam orientar estratégias públicas de redução da letalidade
intencionalmente perpetrada, com ênfase naquela que atinge crianças e adolescentes.
Tal esforço se justifica pelo reconhecimento de que é comum, hoje, que políticas com
tal ambição geralmente sejam levadas a termos às escuras, sem que se disponha de
recursos para definição de prioridades, monitoramento e avaliação.
O primeiro ponto a ser destacado é sobre a natureza da participação do poder
municipal. Suas atribuições e competências o colocam em lugar privilegiado para
uma participação no sistema de segurança como promotor de políticas focadas na
155
prevenção à violência letal. Estratégias de prevenção devem contar necessariamente
com o aporte do aparato policial e repressivo. O acionamento dessas agências é
condição necessária para que políticas preventivas tenham resultado. Isso não quer
dizer, contudo, que o trabalho policial focado na prevenção seja suficiente para a
consecução do fim desejado. É desejável, portanto, mantidas as prerrogativas
constitucionalmente consagradas, que os poderes municipais e estaduais estabeleçam
laços institucionalizados de cooperação para a redução da violência, de maneira geral
e da criminalidade letal, particularmente. Para fins expositivos, apresentamos
algumas propostas sobre tal cooperação tendo em mente especificamente o problema
da criminalidade letal contra crianças e adolescentes. Mais especificamente,
encaminhamos o que seria o primeiro passo para se alcançar tal objetivo: a criação de
um sistema integrado de informações de criminalidade e vulnerabilidade de crianças e
adolescentes.
Como mencionado anteriormente, a criação de um sistema de informações em
segurança pública é condição para a formulação, implementação, monitoramento e
avaliação de políticas focadas na melhoria das hoje precaríssimas condições desse
campo. A criação do SUSP (Sistema Unificado de Segurança Pública em âmbito
nacional) é uma ambição há anos ventilada por gestores, pesquisadores e
profissionais de segurança. As dificuldades técnicas, operacionais e políticas,
contudo, têm prevalecido sobre o bom senso e a determinação dos defensores dessa
iniciativa. Menos difícil, ao menos do ponto de vista técnico e operacional, seria a
criação de um sistema municipal de informações em segurança pública. Como isso
poderia ser levado a cabo e que informações seriam parte dele, no caso de Nova
Iguaçu?
A construção de um sistema municipal de informações em segurança de Nova
Iguaçu implica, em primeiro lugar, a reunião de bases de dados já existentes em
diversos setores do poder público e a promoção de condições para que outros setores,
que não dispõem desse recurso, possam criá-lo. É desejável que um setor específico
da prefeitura funcione como catalisador e receptor de informações das diversas bases
de dados relevantes para a feitura de cruzamentos de informações que possam definir
áreas de risco, detectar suas carências, divisar a distribuição de investimentos e
156
monitorar a variação dos indicadores ao longo do tempo. Tal setor ficaria responsável
pela produção de relatórios regulares, cuja freqüência poderia ser semestral, cruzando
o comportamento dos indicadores nas diversas URGs dos municípios e realizando
diagnósticos passíveis de orientar políticas para a melhoria das condições de
segurança do município como um todo.
A base de dados matricial para a criação desse sistema seria a do fluxo de
episódios de violência letal intencional no município. A celebração de um convênio
entre o governo do estado e a prefeitura poderia garantir a transmissão dos dados
criminais para o setor responsável no âmbito da prefeitura (chamemos esse setor de
centro de referência municipal de informações criminais – CREMIC). Em
contrapartida à cessão das informações, os técnicos vinculados ao CREMIC
realizariam um trabalho de limpeza e crítica dos dados, no que tange à localização
dos episódios e dos endereços residenciais dos envolvidos, sempre que possível,
auxiliando, assim, o ISP no trabalho de depuração das informações brutas.
A segunda base de dados a compor o sistema do CREMIC seria aquela
produzida no âmbito da secretaria municipal de saúde. Como é sabido, as secretarias
municipais são as fontes primeiras do sistema unificado nacional, referência no Brasil
para a produção de informações qualificadas no campo da saúde. Da extensa base de
dados desse campo, interessariam ao CREMIC predominantemente as rubricas
inscritas na categoria geral mortes por causas externas. O cruzamento das
informações da saúde e da segurança pública propiciaria a produção de quadros
detalhados e qualificados de grande importância para o conhecimento das dinâmicas
de violência letal intencional, o que tornaria o município referência nacional nesse
tipo de abordagem.
O terceiro setor a ser incorporado seria aquele destinado aos investimentos em
assistência social. Se o município pretende encampar uma perspectiva preventiva nos
termos aqui definidos, é fundamental saber onde o volume de recursos destinados a
essa área tem sido alocado e que impactos tal investimento redunda no campo da
segurança. Assim como ocorre em muitos outros municípios do Brasil, o sistema de
informações de assistência social carece de investimentos técnicos, ainda que
157
empreendimentos recentes do governo federal apontem para a correção dessa
carência. Os sistemas gerados a partir da implantação dos CRAS e dos CREAS
certamente podem contribuir bastante.
Para lidar especificamente com a questão da infância e da adolescência seria
desejável que as informações relativas a vagas nas redes municipal e estadual de
ensino também sejam objeto de acompanhamento permanente, bem como a relação
entre a oferta de vagas e a demanda por elas em cada unidade territorial do município.
Como foi mencionado em várias passagens anteriores, os conselhos tutelares
são um instrumento precioso e subutilizado no sistema de atendimento e de
prevenção à violência contra crianças e adolescentes no país como um todo. Por sua
própria natureza, os conselhos têm uma clara vocação para intervir em situações que
implicam risco para crianças e adolescentes. Diferentemente das outras instâncias,
porém, um dos desafios impostos é equipar os conselhos com os recursos técnicos
necessários para que o volume de informações acumuladas por essas instâncias não se
perca ou seja subutilizado, como ocorre atualmente. A criação de um sistema de
informação de proteção à criança e ao adolescente que integre o CREMIC seria um
passo importante por si só para a melhoria da rede de informações e de atendimento a
esse segmento da população e a sua proteção.
Ainda no escopo da proteção da criança e do adolescente especificamente,
caberia fazer-se os esforços necessários para aumentar o acesso às informações das
promotorias e das Varas especializadas. As instâncias judiciais têm sido
especialmente refratárias ao compartilhamento de informações e a celebração de
parcerias com os demais poderes públicos para a produção de informações relativas
ao desempenho do sistema de justiça criminal.
Na perspectiva de maior qualificação do conhecimento dos fluxos do
judiciário no esforço de qualificação das informações criminais, caberia um
acompanhamento mais regular do fluxo judicial dos casos de mortes violentas
intencionais. Embora o poder municipal nada possa fazer nesse campo, julgamos
importante e legítimo que as autoridades dedicadas a uma abordagem responsável
nesse campo disponham das informações relativas à capacidade do sistema de justiça
158
como um todo em dar termo legal aos casos ocorridos no âmbito local. Como
pudemos verificar no início do presente trabalho, os piores momentos da Baixada, em
geral, e de Nova Iguaçu, em particular, foram resultantes de um sinistro concerto de
omissões, complacências e incompetências de todos os setores do poder público,
incluído aí o poder judiciário.
A articulação de um sistema capaz de integrar distintas bases de dados não é
tecnicamente tarefa das mais fáceis, mas é inteiramente factível. A criação de um
sistema para áreas como os conselhos tutelares ou para a assistência social é tarefa
bem simples e de custos relativamente baixos. A existência de um sistema como o
GeoNIguaçu representa alguns passos já avançados para a realização de mapas
georreferenciados passíveis de serem superpostos e analisados. Com a possibilidade
de se estabelecer diálogos entre tais bases, ganha-se, adicionalmente, instrumentos
para que cada uma delas seja aperfeiçoada. Operacionalmente, a restrição do acesso a
essas informações a um grupo qualificado de servidores, treinados especialmente para
desempenhar tal tarefa, garantiria a proteção quanto aos dados sigilosos e a
divulgação regular de análises e indicações para orientar a ação do poder público em
suas diferentes instâncias.
Uma questão importante a ser considerada seria o lugar institucional em que
estaria ancorado esse centro de referência. Mais uma vez, acreditamos que não seria
necessário um grande esforço de invenção institucional. Existe uma tendência
nacional a se incentivar a criação de grupos integrados de gestão municipal em
segurança (os GGIMs). Nova Iguaçu já deu os primeiros passos nessa direção e,
ainda que esteja em gestação, esse pode ser o lugar institucional para coordenar e
articular um sistema de informações de âmbito municipal. Investir o GGIM desse
papel representaria, simultaneamente, um incentivo adicional a sua
institucionalização e fortalecimento.
A reunião dessas bases de dados já existentes (a única, dentre a que listamos
anteriormente, que teria que ser criada é a dos conselhos tutelares) implica
dificuldades políticas e pode afetar suscetibilidades corporativas. Rigorosamente,
essas barreiras são maiores e mais difíceis de serem vencidas do que os desafios
159
técnicos. Uma vez superadas, teríamos como viabilizar um sistema passível de
incorporar informações de outros campos do setor público de modo que as políticas
municipais, os convênios cada vez mais comuns com a União e os esforços
coordenados com o poder estadual resultassem numa reversão realmente consistente
no quadro de letalidade do município de Nova Iguaçu. Dado esse passo inicial que, a
despeito de sua complexidade, deveria funcionar como experimento piloto, o passo
seguinte seria a criação de um sistema que incorporasse os municípios adjacentes, até
que um sistema de informações sobre a Baixada pudesse ser viabilizado. Há um
vínculo histórico entre esses municípios e ele pode servir como solo comum para a
viabilização de mecanismos apartidários, transgovernamentais e estritamente públicos
de produção de informações sobre segurança. Uma vez bem sucedida, a experiência
em Nova Iguaçu poderia se tornar referência para o estado e concorrer para avanços
no âmbito nacional.
VII. Breve conclusão para um longo percurso ou notas para a criação de
um sistema integrado de proteção focado na redução da vitimização letal de
crianças e adolescentes
O objetivo central desse trabalho foi apresentar a distribuição ecológica dos
episódios de violência letal intencional que atinge crianças e adolescentes em Nova
Iguaçu. O percurso por nós estabelecido teve a intenção adicional de sugerir um
roteiro de investigação de fontes e informações necessárias para a compreensão das
dinâmicas implicadas nesse tipo específico de violência criminal. Desse modo,
julgamos que não deveríamos simplesmente plotar cada episódio em seu respectivo
espaço de ocorrência segundo as informações policiais, mas indicar algumas das
possíveis fontes que, ano após ano, alimentam a base de dados de mortes violentas
perpetradas intencionalmente. Para isso, julgamos fundamental a utilização de fontes
adicionais que podem revelar alguns dos vetores que concorrem para o cenário com
que lidamos. Como ficou claro, há alguns pontos de estrangulamento no município
que exigem intervenções imediatas do poder público. Por serem claramente restritas
a algumas áreas específicas que reúnem, cada qual, um grupo de bairros, julgamos
160
que as instituições de segurança pública sejam capazes de acionar mecanismos de
controle mais eficazes para agir, inclusive, contra eventuais segmentos de seu próprio
interior que concorrem para as somas de crimes letais intencionais que computamos
todos os anos em Nova Iguaçu. Isso, contudo, não bastaria e não teria sustentação ao
longo do tempo.
São desejáveis estratégias focadas nas dinâmicas que, subterraneamente,
concorrem para que essas somas se repitam ano a ano. A primeira providência é
justamente tirar tais dinâmicas do subterrâneo, trazê-las a luz e entender suas
engrenagens. Nesse aspecto, repetimos, os conselhos tutelares são peça central. É
possível e desejável, em primeiro lugar, a melhoria do sistema de atendimento. Para
isso, é importante qualificar os conselhos, suprir-lhes de um aporte técnico que tenha
uma considerável interface com outras instâncias de atendimento, como a rede de
saúde, as instâncias jurídicas e de assistência social. Não é possível, por exemplo, o
público dispor de assistência psicológica na rede de saúde, no Juizado da Infância,
nos conselhos tutelares e, como resultado final, não dispor de um serviço de
qualidade em lugar algum. Um segundo aspecto que deve ser levado em consideração
também é de caráter técnico. O fluxo de atendimento dos conselhos tem que ser
informatizado e organizado de modo que sistematicamente possam ser feitos
balanços, avaliações e estudos sobre tendências. De outro modo, seguimos com um
processo contínuo de atendimentos ad hoc sem qualquer acúmulo ou base empírica
que oriente iniciativas e subsidie a definição de prioridades. É importante ter em
mente que esse não pode ser encarado como um trabalho do conselheiro. Este
preenche uma das exigências dos conselhos que é sua capilaridade comunitária e sua
capacidade de ouvir e dar encaminhamento às demandas e queixas da população:
orientá-la para protegê-la. Ao que tudo indica, esse aspecto dos conselhos está
razoavelmente contemplado. A coleta e o processamento das informações básicas
dessa instância, contudo, é de natureza técnica e pode ser desenvolvida sem maior
ônus para a administração municipal.
Finalmente, temos, em Nova Iguaçu, um sistema de garantia de direitos bem
equipado. Aparentemente, tomadas isoladamente tais instituições contam com
profissionais dedicados, que conhecem seu trabalho apreciam seu papel. A
161
integração, contudo, revela-se precária, o que faz com que o sistema como um todo
funcione mal e as dificuldades recíprocas prevaleçam sobre as virtudes individuais.
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