PDF Panofsky

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/7/2019 PDF Panofsky

    1/10

    ge 0 espaco de mil ou tres mil anos! Pais, na verdade,pode-se dizer que um hornern viveu tantos rnilenios ~quantos as abarcados pelo alcance de seu conhecimento 1 1 , . 'de historia" 20, !

    I

    20. MAnsILw FICrNO, "Cart a a Giacomo Bracciol .i ru" (Mar-sHii Fic 'ini: Opela o"mniu, Leyden, 1676, 1, p. 658): " res i ps a[scil . ruator ia l est a d vitam non modo oblectandam, ve r urn-tarnen mor-ibus irist l tuendarn surnmop ere necessai-ia. Si quidemper s e mo rta li a sur it, i mmcr t alf t at er n a b h is to ria cons equunt ur ,quae abs ent ia . per ea rn pr 'a es ent fa f iunt , veter a i uv enes cunt ,I u v e n e s c r t o maturitatem s e n i s adaequarrt. A c s f s e n e x ' s e p t u a -gint a annorum ob ips arum rerum exper ien t iam prudens habe tur ,q u e n t c p r u d e r r t i o r . qui, a n n o rw m m i l l e , e t ' t r t u m m l l i u m I m p l e ta et at em! To t ver o anno rum mi li a vfxt ss e qui sque videtur qua ta rmor-urn act a di dfclt ab rus to r- la ".

    46

    1. ICONOGRAFIA E ICONOLOGIA:INTRODUCAO AO ESTUDO DADA RENASCENCAUMAARTE

    Ir Iconografia e 0 ramo da historia da arte que tratado lema ou mensagcm das obras de arte em contra-posicao a . sua forma. Tenternos, portanto, definir adistincao entre lema ou significado, de urn lado, e for-ma, de outre.. Quando, na rua, Urn conhecido me cumpr imentatirando 0 chapeu, 0 que vejo, de urn ponto de vista

    formal, e apenas a mudanca de alguns detalhes dentroda configuracao que Iaz parte do padrao geral de

    47

  • 8/7/2019 PDF Panofsky

    2/10

    cores, linhas e 'Volumes que constitui 0 m u n d o da minhav is ao, Ao i dentif ic ar, 0 que taco automaticamente,e ss a con figuracao como urn obje to (c ava lheir o) e arnudanca de detalhe como um acontecimento (tirar 0chapeu) , ult rapasso os l imites da percepcjio puramenteformal e penetro na primeira esfera do tema ou men-sagern, 0 significado assim percebido e de naturezae lement ar e fa ci lmente eompreensfveL e pass ar er nos acharna- lo de s igni ficado fatual; e apreendido pela s im-p le s ident if ic acao de cert as f ormas v isi ve is corn cer to sobjetos que ja conheco por experiencia pratica e pelai denti fi ca cao da mudanca de suas re la coe s com ce rt asacoes ou fates .

    Ora , o s ob je to s e fa to s a ss im ident if ic ados pr odu -zirao, naturalrnente, uma reacao em mim. Pelo mododo meu conhecido executar sua ac i 'io, poderei saber seesta de born ou mau humor, ou se sens sentimentosa meu re speit o sao de amizade, i nd if er enca ou hostil i-dade. Essas nuancas psicologicas darao ao gesto demeu amigo um si gn if ic ado ul te ri or que chamar er nos deexpre ss ional . Di fe re do Ia tua l por s er ap reend ido, naopor simpLes identificacao, mas por "empatia". Paracompr eende- lo p recis o de uma cer ta s ensib il idade, masessa e ai nda pa rt e de r ni nha expe rienc ia p ra ti ca , i st o e ,de minha famil ia ridade co ti diana com obj et os e fa to s.Assim, tanto 0 significado expressional como 0 fatualpod em classificar-se juntos: constituem a c1asse dossignificados primaries ou naturais.

    Ent re tanto , minha com preen sao de que 0 ato detirar 0 chapeu repre sents ur n cumpriment o pe rt ence aurn campo totalmente diverse de interpretacao. Essaforma de saudacao 6 peculiar ao mundo ocidental eum resquicio do cavalheirisrno medieval: os homensarmados costumavam retirar os elmos para deixaremc1ar as suas i nt encoe s pac if ic as e sua confi anca nas i n-tencoes pacfficas dos outros. Nao se poderia esperarque um bosquimano australiuno ou urn grego antigocompreendessem que 0 a te de tir ar 0 chapeu fosse , naoso u rn acont ec imen to p ra ti co com a lgumas conot acoesexp re ss ivas, como t ambern u rn s igno de polidez. Pa raentender 0 que 0 gesto do cavalheiro s igni fica , preci sonao sornen te es ta r famil ia ri zado com 0 mundo pratico

    dos ohjetos e fatos, mas, alem disso, com 0 mundornai s do que p ra ti co dos cost umes e tr ad icoes cultu rai speculiares a uma dada civilizacao. De modo inverso,men conhec ido' nao-s e senti ria impel ido a me cumpri -mentar tirando 0 chapeu se nao estivesse conscio dosigni ficado deste ato. Quanto as conotacoes express io-nais que acompanham sua acao, pode ou niio tee cons-ciencia delas. Portanto, quando interpreto 0 fato detirar 0 chapeu como uma saudacao pol ida, r econheconele um significado que pode ser chamado de secun-dario ou convencional; difere do prirnario ou naturalpo r dua s ra zoes: em prime ir o Ingar , por s er i nt el ig fvelem vez de sensivel e, em segundo, par ter sido cons-cientemente conferido it acao pratica pela qual e vei-culado.

    E t inalmente: a lern de const itui r urn acontecimen-t o nat ur al no tempo e e spac; o, a lem de indic ar, na lu raL-mente, disposicoes de animo e sentimentos, alem decomun ica r uma saudacao convenci ona l, a a cao do meu]conhecido pode revelar a urn observador exper imentado]tudo aquilo que entra na composicao de sua "perso-inalidade". Essa personalidade e cond ic ionada po r sece le um homem do secul o XX, por snas bas es nac ionai s,soci ais e de educacao, pel a h is t6 ria de sua v ida pas sadae pe la s c ir cunst ancia s a tuais que 0 rodeiam; mas elat ambern s e di st ingue pe lo modo indi vidua l de enca raras coisas e de reagir ao mundo que, se racionalizado,dever ia chamar- se de fi lo so fia . Na ac il o is olada de umasaudacao cort es , todos e ss es fa to s nao se mani fe st amc la ramente , po rem si ntomat ic amen te . Nao podemosconstruir 0 retrato mental de urn homern com basenesta acao isolada, e sirn coordenando urn grande nu-mero de observacoes similares e interprctando-as nocontexto de novas intormacoes gerais quanto a suaepoca, nac ional idade, c la ss e soc ia l, tradicoes in tel ec -tuais e assim por diante. No entanto, todas essas qua-l idades que 0 retrato mental .explicitamente mostrariasao implicitarnente inerentes a cada aciio isolada; demodo que, inversamente, cada acao pode ser inter-pretada a luz dessas qualidades.o significado assim descoberto pode denorninar-seintrinseco ou conteudo; e essencial, enquanto qLle osIl 48

    ~I

    49

  • 8/7/2019 PDF Panofsky

    3/10

    out ros d ai s t ip os d e s ign if ica do , 0 prirnario au natural-e 0 secundario au convencional, sao fenornenais. Epossivel defini-l o como ur n princi pio unif icador quesublinha e explica os acontecimentos visiveis e suas ign if ica cao int el igive l e q ue d et er rnina a te a forma soba qual 0 a conteci rne nto v isivel se man if est a. Normal -men te , e ss e sign if ica do int ri nse co ou conteudo e st a t aoa cima da e sf 'er a de vontade consc iente quanto 0 signi-f ica do e xp re ssion al es ta ab aixo de la .

    Transportando os resul tados desta anal ise da vidacoridiana para uma obra de arte, cabe distinguir osmesmos tres nive is n o seu tema ou s ignificado :

    1. Tema primdrio ou natural, s ubdividido em[atual e expressional. E apreendido pela identiticacaodas formas puras, ou seja: certas configuracoes delinha e cor, ou determinados pedacos de bronze aupe dra d e forma p ec ul iar , como rep re se nt at iv os d e obje-lOS natural s tais que ser es humanos, animais, plant as,casas, ferramentas e assim por di an te; pe la iden ti fi ea -9ao de suas relacoes mutuas como acontecimentos; ep eJ a pe rce pc ao d e a lgumas qu al ida des expres siona is,como 0 carater pesaroso de uma pose ou gesto, ou aa tmosfera c ase ir a e p aci fi ca de urn int er io r. 0 mundoda s for rn as pu ras as sim reconh ec ida s como por tad orasd e s ig ni fi ca do s p rima ri es o u n aturai s p od e se r c harna dode mundo dos motivos artisticos. Urna enumeracaod es ses mot ivo s cons ti tui ri a uma de sc ri cao pre- ic ono-grafica de uma obra de arte.

    II. Tema secunddrlo 011 convencional: e apreen-dido peIa percepcao de que urna f igura mascul ina comuma faca represent a Sao Bart ol orneu, que uma f iguraf eminina cor n um pessego na mao e a personiti cacaoda veracidade, que uru grupo de Iiguras, sentadas auma mesa de jan tar numa certa disposicao e pose, re-pr esent a a Oft im a Ceia, ou que duus Iiguras comb a-t en do en tr e si , numa dada po si ca o, r epres en tam [l Lutaentre 0 Vicio e a Virtude. Assirn fazendo, ligamos osmotivos arti sti cos e as combinacoes de moti vos ar tis-ti cos (cornposicoes) com assuntos e conceitos. Moti -vos reconhecidos como port adores de urn signi ficado

    50

    J secundario ou convenc iona l podem chamar-se imagens ,sendo que combinacoes de imagens sao 0 que os anti -gos teori cos de arte charnavam de invenrloni; nos c os -tumamos dar-Ihes 0 nome de es tor ias e al ego ri as 1. Aidentif icacao de t ais imagens, est6rias e alegor ias 6"0dominic daquilo gue e normalmente conhecido por"iconografia". De Iato, ao Ialarmos do "terna em opo-sicao a forma", referirno-nos, principalmente, a esferados temas secundarios au convencionais, au seja, aomundo dos a ssu ntos e sp ec if ico s ou c on ce it os manires-tados em imagens, estorias e alegorias, em oposicaoao c ampo do s t ernas p rima ri es o u na tu ral s man if est ado snos motivos artisticos, "Analise formal", segundoWolfflin, e urna analise de motivos e cornbinacoes demotives (composicoes), pois, no s en tido e xa to da pa-I av ra, u rn a an al ise formal d ev er ia ev it ar ex press oe s c o-mo "homern", "cavalo" ou "coluna", sem falarmos e mfra ses como "0~feio triangulo entre as pemas de Davide Michelangel o" ou "a admiravel il urninacao das j un-tas do corpo humane". E 6bvio que uma analise ico-nograf ica co rr et a press upoe urna ide nt if ic ac ao ex at a do srnotivos. Se a faca gue nos permite identificar SaoBartolomeu na o for uma faca, mas ur n abridor degarrafas, a Iigura nao sera Sao Bartolorneu. Alerndisso, e impor tante notar que a afi rmacao "essa f igura

    1. Imagens que veiculam a Idei a , nfio de obf e to s e pess oasconcret es e Indivi dua ls {t ai s como Sao Eartolomeu, Venus. Mrs.Jones au 0 Castelo de Winds or ). mas de nccdes ger ais e abstr -a-t a s c o m o Fe, L u x u r - ia , S a b e d o ri a e t c . . sao cbumadas ' pe r s cn tf fc a-

  • 8/7/2019 PDF Panofsky

    4/10

    J

    e uma imagem de Sa o Bar to lorneu" implica a inten9i ioconsci en te do u rt ist a d e r ep rese nt ar es te S an to , emboraas q ualidades expressivas da Iigura possarn perfeita-mente nao ser intencionais,

    III. Significado intrlnseco 011 conteutlo; e apre-en dido p ela determina~ao daqueles princlpios snbja-centes que revel am a atitude basica de uma na,iio, deurn periodo, classe social, crenca religiosa ou fi 10'0-fica - qualificados par u rn a p er sonal id ad e e conden -s acos nurua obra. N50 e preciso dizer que. estes prin-cipios se rnanifestam, e portanto esclareeem, quera trav es dos "mel od_o s _de c~r 1}pos~" , que r d a " si gn i-fica~ao iconcgrafica". Nos seculos XIV e XV, porexernplo (os primeiros exernplos datam de cerca de1300), 0 t ip o d a Na ti vi dad e tr ad ic ional , com a Vi rg emMaria reclinada numa cam a ou canape, foi Ireqiien-temente substituido pOl' lim ou tro que mostra a Virg ernajnelhada em adoracao ante 0 Menino, Do ponto de

    ' vi st a d a compcs icao , e ss a rnudanca s igni li ca, f al andogrosso modo, a s ub sti tu ic ao do esquema t ri angu lar porout ro re tangu lar ; d o pon to d e v ist a i conogr af ico , si gn i-fica a inrrodu,ao de um novo terna a ser Iormuladona escrita por autores como 0 Pseudo -Boaven tu ra eSanta Brigida. Mas, ao mesmo tempo, revela umanova a ti tude emocional , c ar ac te rf sr ic n do ult imo per fododa Idade Media. Uma interpretac;ao realments ex aus-t iva do significado intrinseco I ou conteudo poderia atenos rnostrar recnicas caracteristicns de urn cer to pai s,periodo ou artista, por exernplo, a preferencia deMichelangelo pela escultura em pcdra, em vez de embronze, ou 0 usa peculiar das sornbras em. seus de-se nh os , sao s i nt omat i c os de urnu mesilla atitude basicaque e d is cer nf vel em. todas as out ras qual id ad es esp eci -ficas de seu estilo, Ao conceberrno s assirn as Io rrnaspuras, os rnotivos, imagens , e sror ia s e a legorias , comor nan if es taco es d e p ri nci pi os b as ico s e g er ai s, i nt er pr e-tames todos esses elementos como sendo 0 que ErnstCassirer charnou de val o res "simbolico s". Enquaru onos limitarrnos a afirmar que o ramoso atresco de Leo-nardo. da Vinci mostra urn grupo de treze hornens emv olta a uma mesa de jantar e que esse grupo de hornensrepresent. a Ultima Ceia, tratarnos a obra de artecomo t al e i nt er pr et amos su as c ar act er is ti cas composi -

    ci on ai s e i conogra fi ca s c omo qua lif ica co es e p ropr ie-dades a el a inerentes. Mas, quan do tentamos compre-ende-la como urn documento da personalidade deLeonardo, ou da civilizacso da Alta Renascenca ita-i ian a, ou de u rn a at it ud e r el ig io sa p art ic ul ar , t rat amosa obra de arte como urn sintoma de alga mais que seexpressa Duma var iedade incontave l de out ros s in tornase interpretarnos sua s c aruc te ri st ic as cornpos ic lona is ei conograf ic as como evidenc ia ma is par ri cula ri zada de sse"algo mais", A descoberta e tuterprerucao desses va-iores "sirnbolicos" (que, muitas vezes, sao desconhc-cidos pelo proprio artista e pod em, ate, diferir enfati-c ar nen te do que el e cons ci en -emen te t en tou expr es sa r )e 0 obje ro do que s e poder ia d esi gn ar por " icono logi a"eui oposicao a "iconograf.a".

    [0 sutlxo "gratia" vern do ver ba g rego graphein," es cr ev er "; i rn pl ica u rn met oda de p ro ced er puramen tedescritivo, au ate mesrno estatfstlco. A i conograf ia e ,p or tan to , a d cscr ics o e cl as si fi ca cs das i rn ag en s, a ss imcomo a et nograf ia e a descr.cfio e classificacao dasrat ;~ s hurnana s ; _8 um estudo ,1im ita do e. co mo q ueanciiar, que nos inforrna q uando e an d e ternas especi-fi co s Io ram v is ual iza do s por quai s mo ti ve s es pecl fi co s .Diz-nos qu ando e onde 0 Cr ist o cr uci fi ca do u savu umat anga au u rn a vest e comp ri da; quando e onde Ioi Elepregado a Cruz, e se com quatro ou ires cravos; comoa Vfcio e a Virtude eram reprcscntados nos diferentesseculos e ambientes. Ao tazer este trnbalho, a icono -grafia e de a ux il io in cal cu la vel p ar a 0 estabelecimenrode datas, origens 87 as vezes , autcnti cidade ; e Iorne cea s. bases neces sa ri es pam qua isquer interpretacoe s ul-t en o res. E nt rc tar uo , e la n ao t en ta el abor ar a in terp re - ita~50 sozinha. Coleta e classificn a evidenc.a, masn ii o se c on si der a obri ga da au capacitada a investigara g en es e e significaa;ao dessa evidencia: a Lntera~aoentre os diversos "tipos" ; a inffuencia das ideias filo-so fi ca s, t eo logi cas e pol it icas ; o s p ropo si ro s c i ncl in a-< ;6 e s i ndi v i duais dos a rt is ra s e p atr onos ; a co rr el ac aoentre as conceitos inteligfveis e a forma visivel quea ss um e e m cada caso e spec if ic o, Resumindo, a icono-grafia consideru apenas uma parte de todos esse, el e-me nt es que consti-uern 0 conr ei id o i nt ri nse co de uma

    52 53

  • 8/7/2019 PDF Panofsky

    5/10

    obra de arte e que precisam tornar-se explicit os se sequiser que a percepcao desse conteudo venha a setarticulada e coinunicavel,

    [Devido as graves res tr icoes que 0 uso corriqueiro,especialrnente ness e pa is *, op i5em a palavra "icono-gratia", proponho reviver 0 velho e born termo, "icono-logia", sempre que a iconografia for tirada de seuisolamento e integrada em qualquer outro metodo his-torico, psicol6gico ou critico, que tenternos usar pararesolver 0 enigma da esfinge. Pois, se 0 sufixo "graf ia"denota algo descr it ivo, ass irn tambern 0 sufixo "logia"- derivado de logos, que qUer dizer "pensamento","razao' ~ denota algo interpretativo. "Etnologia",por exernplo, e def inida como "ciencia das racas hu-manas" pelo mesmo Oxford Dictionary que defi ne"etnograf ia" como "descricao das raca s humanas" ; eo Webster adverte, explicitarnente, contra uma coniusaodos dois terrnos, na medida em qne a "etnografia sere st ri nge ao t ra tament o pu ramente desc ri ti vo de povose racas, enquanto a etnologia denota seu estudo com-parativo". Assim, ct:'Dceb_(l a iconologia como umaiconografia que se torn a interpretativa e, dessc modo,converte-se em parte integral do estudo da arte, emvez de Iicar limitada ao papel de exame estatisticoprelirnjnar. Hit, ent re tanto, cer to per igo de a iconologiase portar, uao como a etnologia em oposicao it etno-gratia, mas como a astrologia em oposicao a astro-grafia.]

    Iconologia, portanto, e lIIll mctodo de illteRL''e.ta::_~ao que advern da slntese mais que da. an:Hi,se. Eassim como a exata identificacao dos motrvos e 0 re-quisito basico de uma correta analise icouografica,tambern a exata analise das imagens, estorias e ale-gorias e 0 requ isi te e ss encia l para uma c? rre ta i nt er -pretacao iconologica - a nao ser que lidemos comobras de arte nas quais todo 0 campo do t erna s ecun-dario au convenci onal t enha s ide) e lim inado e haj a umatransicao direta dos motives para oconteudo, como eo casu da pinturu . puisagistica europeia, da naturezamorta e da pintura de geuero, sem falarmos da arte"nao-objeriva".

    II< 0 autor se rerere 8{)S Estados Unidus da America doNorte. (N. da T.)

    54

    ItI

    Pois bern, como poderernos conseguir "exat idao"ao I idarmos com csses t res niveis, descr lcao pre-icono-g ra ti ca , analis e i conogr afic a e i nt erp re ra cao i cono lo -giea? No casu de uma descricao pre-iconografica, quese mantem dentro dos Iimites do mundo dos motivos,o problema parcce bastante sil:lples. Os objetos eevento s, cuja repr esent acao por li nhas; core s e volumesconstituem 0 mundo dos motivos, podem ser identifi-cados, como ja vimo s, tendo por base nossa experien-cia pratica, Qualquer pessoa pode reconhecer a formae 0 comporta rnent o dos s cr es humanos, an imai s e p lan-tas, e nao ha quem nao possa distlnguir um rosto zan-gado de um alegre. E claro, as vezes acontece, numdado caso, que 0alcance de nossa experiencia nao sejasuf ic iente , por exemplo , quando nos de frontamos ~~ma reprcscntacao de urn utcnsil io obsoleto ou de:sfar ruharou com a representacao de uma planta ou ammal des-conhecidos. Nesses casos , preci sarnos aumentar 0 al-cauce de nossa expcricncia pratica consultando urn livroou urn perito: mas mesmo assim, nfio abandonamos ae sfe ra da cxperi encia p ra ti ca como ta l, que nos indic a,e desnecessario dizer, a tipo de perito que se deveconsultar.

    Todavia, mesmo nesta area, depararnos com urnp roblema especi al . Pondo de lado 0 Jato de os objetos ,acon te ciment os e expre ssoes p in tados numa obra de a rt epoderem ser ir re conheci ve is devi do it incompetenciaou premcdi racao mal ic iosa do art is ta , e irnpossivel che-gar a uma exata descricao pre-iconografica o~ identi-f icacilo pri rnar ia do tema, apl icando, indiscr iminar la-mente, nossa experiencia pratica a uma obra de arte.Nossa exper iencia pratica e indispensavel e suticiente,como material para a descricao pre-iconografica, masnfio garante sua exatidao,

    Uma descricao pre-iconografica da obra de Rogervan der Weyden, Os Tres Magos, que esta no KaiserFriedrich Museum, de Berlirn (Fig. 1), teria, e claro,que evitar termos como "Mago~'" e "Menino Je~u~"etc. Mas seria obrigada a mcncionar que a apancaoda crianca foi vista no ceu. Como sabemos que af igura da crianca e para ser entendida como uma ap~-ricao? 0 fato de estar rodeada de halos dourados nao

    55

  • 8/7/2019 PDF Panofsky

    6/10

    e prova suf ic iente dessa suposicao, pois halos s irni larespoder n se r obser vados em rep res ent acoes da Nat iv i-dade, Dude a Menino Jesus e real. S6 podemos deduzirque a crianca do quadro de Roger deve ser entendidacomo uma aparicao pelo fato de pairar em pleno ar.Mas, como sabemos que paira no ar? Sua pose naoser ia d if er en te s e es ti ve sse s ent ada numa a lmofada no, chao; de fato, e altamente provavel que 0 artista tenhausado um desenho ao vivo de uma crianca sentadanum travesseiro. A unica razao valida para a nossasuposi

  • 8/7/2019 PDF Panofsky

    7/10

    t ag5e~ cont ras tan tes nos sa o suger id as p el as quali da des"realisticas" da pintura e pel as qualidades "irrealisti-cas" d a miniatura, Mas, 0 fato de apreendermos essasqual id ad es n a f racao de um se gundo, qua se a ut or nat ica. .men~e, nfio nos deve levar a crer que jarnais nos sejapossivel d ar uma correta de s cricao pre-iconograiica deuma obra de arte sern adivinharmos, par assirn dizer,qual 0 seu locus historico. Embora acrediternos estaridentificando os motivos COm base em nossa expericn-cia pratica pur a e simples, est a mos na verd ade lendoHO que vemos" , d e c on fo rmi da de J com 0 modo peloqual as objetos e fatos silo expresses par formas quevariam segundo as condicoes historicas, Ao fazermosi sso, subrnctemos nossa exper iencia pratica a urn prin-cipio corretivo que cabe chamar de historia doestila 3.

    A analise iconografica, tratan do das imagen s, es-torias e alegorias em vez de motivos, pressupoe, eclaro, muito mais que a familiaridadc com objetos efatos que adquirimos pela experiencia pratica. Pres-sUPGe a familiaridad e com ternas cspecificos ou co n"ceitos, tal COmo sao transmitidos atraves de Fontesliterarias, quer obtidos par leitura deliberad a o u tradi-,ao oral. Nosso bosquimano ausrraliano nfio seriacapaz de reconhccer 0 assunto da Ultima Ccia; est a Ihecornunicaria apenas a ideia de urn jantar anirnado. Paracomp reender a si gn if icado i conogra fi co d a p in tu rn , t er iaque se Iamiliarizur corn o conteudo dos Evangelhos.

    , - Quando ~e..trata da representacao de temas outros quer el at os b fb li co s _ou ce nas d a h is to ria 011 mitologia que ,norrnalmente, sao conhecidos pela media das "pessoaseducadas", todos n os sornos bcsq uimanos australian os,Nes~es casas, devem()s, tambem nos, ten tar nos Iami-liarizar com aquila que as auroras das representacoesham ou .sabJ.am. No entanto, mais uma vez, ernborno conheclmen :o . dos , t emas e conc ei to s es pecf fl co , t ran s-rnitidos atraves de tontes literarias seja ind ispensavel esuficiente yara uma analise icon ografica, nao garantesua exatidao. E tao impossivel , par a nos I oru ecer U1113analise iconografica corre ta aplicando, i~discriminada-men te , n os so conhecimen to Ii ter ar io ao s mo ti vo s, qua n-to forn~ce~ u~a. descricar. pre-iconografica certa apli-~ando J i nd iscr ir ni nad ame nr e, nos sa exper ien cia p rat icaas formas., Urn quadro, de autoria de um pintor veneziano do

    secul? XVII, Francesco Maffei, representando urna bo-n~la.jovern com Ulna espada na mao esquerda e, nadireita, uma travessa na qual esta a cabeca de urnhornem degolado (Fig. 3) foi p ublicado como 0 retratode Salome COm a cabeca de Sao Joao Bat ist a " . Defato, a Bfblia afirma que a cabeca de Sao Joao Batistaloi apresentada a Salome numa bandeja ou prato. Mas,e a espada? Salome nao decapitou 0 santo com asproprias rnaos, Pais bern, a Biblia nos Iala de limaoutra bela mulher em conexao com 0 degol amen to d eurn homern: Judite. Neste caso, a sitlla,ao Ii exata-mente inversa. A espada no quadro de Maffei estariacorreta, porque Judite decapitou Holofernes com aspro prius maos, mas a travessa .nao concorda Com suae stor ia , pai s texto diz, cxplicitamente, qu e a cabecade Holofernes foi posta nurn saco. Assim, temos duasfontes lirerarias aplicaveis Ii mesrna obra com os rnes1110S direitos e mesma incoerencia, Se a lnterpretarmoscomo? re tr at a de Salome, 0 texto explicaria a travessa,mas oao a espada; se a interpretarmos como figura~iiode Judite, texto explicaria a espada, mas n50 at r3 lVes sa . Es tar iamos i nt ei ramen te p er di do s s e d epen -dessemos apenas das fontes literarias. Felizrnente essenfio e 0 caso. Assim como pudernos suplcrncntar e

    I.

    j.4 . FlO Cco, G. Venetiam Painting of the Seicento and treeSdtecento. Fto re nc a e No va Yo rte , 192~ , pro 29,

    59

    I

    ' I :l. Corrigira tnterpretacao de urna otn-a de arte tndtvtdualper uma "nt st or ta do es tno " que, per s ua vez. :06 pede s erconstrulda p~la tnterpretaego de obras mdividuais pede parecerWe1. .eirculo \,l.cioso. Na verdade e U!Tlctrculc. oorern nfio viclosoe s un m,et 6dlf.'o ( cf, E_ Wr xo , Da. ~ Exper iment und die Met a-physik, crtedo actma p. 23; idem, "Some polnts of contact betweenHbtory and Science", cttado ibidem) Quer lictemos com reno-menos his toricos au ncturats. a observacao individual assume 0cara ter de urn "rete" sornente quando for uosstvet reiactona-jacom outras observncoes anatogas de t al modo que a serte rnteira"race senttdo". Tal "senttdo" code. per-tanto. perrettamente serapltcudo a interprebl(;:ao de uma nova obser vacgo individualdenuo de urn mesmc rato de renomeuos. Sa, -11tr 'p.tnnto,essa~o va obs er va ca o mdi vt ct ua j se r ecus ar -. def ini ti va l11enle, a Set~ntel"pret.a~a segundo Q " sent tdc -' d a ser-ie. e se se prover atmpcssibilidade de erro, dever-se-a l 'efOl'mura~'0 "sentido" dasene para incrutr a nova

  • 8/7/2019 PDF Panofsky

    8/10

    ~~cp:l,;N"1 i ''_II