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Irmãos negros, irmãs negras, eu quero que vocês saibam que eu os amo e que espero que em algum lugar em seus corações vocês também tenham amor por mim. Meu nome é Assata Shakur (nome de escrava Joanne Chesimard), e eu sou uma revolucionária.
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Osmundo Pinho Austin, janeiro de 2014
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Para o meu Povo1
Assata Shakur2 Irmãos negros, irmãs negras, eu quero que vocês saibam que eu os amo e que espero que em algum lugar em seus corações vocês também tenham amor por mim. Meu nome é Assata Shakur (nome de escrava Joanne Chesimard), e eu sou uma revolucionária. Com isso eu quero dizer que declarei guerra à todas as forças que estupraram nossas mulheres, castraram nossos homens, e deixaram nossas crianças de barriga vazia. Eu declarei guerra aos ricos que prosperam com nossa pobreza, aos políticos que mentem para nós com sorrisos nos lábios, e a todos os robôs sem consciência e
sem coração que os protegem e à sua prosperidade. Eu sou uma negra revolucionária e, como tal, sou uma vítima de toda ira, ódio e difamação de que a Amerika é capaz. Como faz com todos os outros revolucionários negros, a Amerika está tentando me linchar. Eu sou uma mulher negra revolucionária, e por causa disso eu tenho sido acusada e apontada como autora de todos os crimes que acredita-‐se que uma mulher seja capaz de participar. Os alegados crimes, em que apenas homens estiverem envolvidos, eu fui acusada de tê-‐los planejado. Fixaram retratos dizendo que seria meus em postos de correio, aeroportos, hotéis, carros de polícia, metrôs, bancos, televisão e jornais. Ofereceram mais de cinquenta mil dólares em recompensa pela minha captura3, e deram ordens para atirarem se me vissem, e
1 “To my People”, foi escrito na prisão, em New Jersey, em julho de 1973. A versão traduzida aqui está disponível em inglês na página oficial de apoio à ativista: http://www.assatashakur.org/mypeople.htm . 2 Assata Shakur, anteriormente conhecida como Joanne Deborah Chesimard, é uma ativista revolucionária afro-‐americana. Militou no Black Panther Party, do qual retirou-‐se acusando os seus membros de comportamento machista e misógino. Em 1970 mudou seu nome para Assata Olugubala Shakur e aderiu ao Black Liberation Army, uma organização armada. Em 1973 esteve envolvida em um tiroteio que resultou na morte do patrulheiro do Estado de New Jersey, Werner Foster. Assata foi condenada por assassinato, e outros alegados crimes, e permaneceu presa por seis anos e meio, até que conseguiu fugir em 1979 e escapar para Cuba, onde vive como exilada politica até hoje. O meio-‐irmão de Assata, Mutulu Shakur, é o pai do rapper Tupac Shakur, assassinado em 1996. 3 Em 2005 o FBI a classificou “terrorista doméstica” e estipulou um prêmio de 1 milhão de dólares pela sua captura, em 2013 o FBI a adicionou a lista dos “terroristas mais procurados”, e o Estado de New Jersey ofereceu mais 1 milhão de dólares para sua captura, elevando pra 2 milhões de dólares a soma total oferecida.
Assata Shakur nos anos 70.
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para atirarem para matar. Eu sou uma revolucionaria negra e, por definição, isso me torna parte do Black Liberation Army (Exército de Libertação Negro). Os porcos usaram seus jornais e TV’s para pintar o Black Liberation Army como perverso, brutal e formado por criminosos tresloucados. Eles nos chamaram de gangsteres e “mulheres de bandido” (gun molls) e nos compararam a personagens como John Dilinger e Ma Barker4. Deveria ser claro, deve ser claro, para qualquer um que pensa, vê, ou escuta, que nós somos as vítimas. As vítimas e não os criminosos. Deveria também ser claro para nós agora quem são os verdadeiros criminosos. Nixon, e os seus parceiros no crime, assassinaram centenas de irmãos e irmãs do Terceiro Mundo, no Vietnã, Camboja, Moçambique, Angola e África do Sul. Como foi provado em Watergate, as mais altas autoridades responsáveis pela aplicação da lei neste país são uma mentirosa quadrilha de criminosos. O presidente, dois procuradores gerais, o Chefe do FBI, o Chefe da CIA, e metade do pessoal da Casa Branca esteve implicado nos crimes de Watergate5 . Eles nos chamam de assassinos, mas nós não matamos mais de duzentos e cinquentas homens, mulheres e crianças negras desarmadas, nem ferimos milhares de outros nos tumultos (riots) que eles provocaram nos anos sessenta. Os governantes desse país sempre consideraram sua propriedade mais importante que nossas vidas. Eles nos chamam de assassinos, mas nós não somos responsáveis pelos vinte e oito irmãos aprisionados e nove reféns assassinados em Attica6. Eles nos chamam de assassinos, mas nós não matamos e ferimos mais de trinta estudantes negros desarmados em Jackson State -‐ ou Southern State, do mesmo modo. Eles nos chamam de assassinos, mas nos não matamos Martin Luther King, Jr., Emmet Till, Medgar Evers, Malcom X, George Jackson, Nat Turner, James Chaney e incontáveis outros. Nos não assassinamos, atirando pelas costas, Rita Loyd de dezesseis anos, Rickie Bodden de onze, Clifford Glover, de dez7. Eles nos chamam de assassinos, mas nos não controlamos ou impomos um sistema de racismo e opressão que mata sistematicamente negros e pessoas do Terceiro Mundo. Embora o povo negro supostamente represente em torno de quinze por cento da população amerikkkana total, ao menos sessenta por cento das vítimas de assassinato são negras. Para cada porco que é morto no assim chamado “cumprimento do dever”, há ao menos cinquenta pessoas mortas pela polícia.
4 Famosos criminosos norte-‐americanos do período da Grande Depressão. 5 Ele 1973 o Presidente Norte-‐Americano Richard Nixon foi obrigado a renunciar apos ficar comprovado que ele tentou encobrir sua responsabilidade, e de outros membros do governo, na invasão do comitê do Partido Democrata em Washington na qual cinco indivíduos foram flagrados tentando roubar documentos e instalar aparelhos de escuta. Diversos elementos do governo estiveram implicado, inclusive o então presidente do FBI. 6 Presídio norte-‐americano onde, em 1971 milhares de prisioneiros tomaram a prisão por quatro dias. 7 Assata se refere a diversos lideres negros assassinados em circunstâncias obscuras, como Martin Luther Kg, ou afro-‐americanos comuns torturados e linchados por multidões brancas enfurecidas, como Emett Till, um adolescente de 14 anos brutalizado e enforcado por ter supostamente flertado com uma garota branca no Mississipi em 1955.
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A expectativa de vida dos negros é muito menor que a dos brancos, e eles dão o seu melhor para nos matar antes mesmo de nascermos. Somos queimados vivos em cortiços, verdadeiras armadilhas incendiárias (fire-‐trap tenements). Nossos irmãos e irmãs morrem diariamente de overdose de heroína e metadona. Nosso bebês morem de envenenamento por chumbo. Milhões de negros tem morrido como resultado de cuidados de saúde indecentes. Isto é assassinato. Eles nos chamam de sequestradores, contudo o irmão Clark Squires (que está acusado comigo de ter matado um policial do Estado de Nova Jersey) foi sequestrado em abril de 1969, de nossa comunidade negra e mantido sob resgate de um milhão de dólares no caso da conspiração dos 21 Panteras Negras8. Ele foi absolvido em 13 de maio de 1971, juntamente com todos os outros 156 acusados de conspiração, por um júri que que levou menos de duas horas para deliberar. Irmão Squires era inocente9. Contudo, ele foi sequestrado de sua comunidade e de sua família. Mais de dois anos de sua vida foi roubada, mas eles chamam a nós de sequestradores. Nós não sequestramos os milhares de irmãos e irmãs, mantidos cativos nos campos de concentração da Amerika10. Noventa por cento da população prisional deste país é negra e de países do Terceiro Mundo, que não podem pagar nem fiança, nem advogados. Eles nos chamam de bandidos e ladrões. Eles dizem que nós roubamos. Mas não fomos nós que roubamos milhões de pessoas negras do continente africano. Nos foi roubada nossa linguagem, nossos deuses, nossa cultura, nossa dignidade humana, nosso trabalho e nossas vidas. Eles nos chamam de ladrões, contudo não somos nós que
8 Em 1969, 21 membros dos Black Panthers foram presos em New York sob acusação de conspiração, submetidos a tratamento cruel e degradante na prisão foram libertados após julgamento por falta de provas. 9 Squires mudou seu nome para Sundiata Acoli, e foi preso juntamente com Assata em 1973. Continua preso ainda hoje, apesar do excelente comportamento teve negado todos os pedidos de liberdade condicional. Mais informações em: http://www.sundiataacoli.org/about . 10 Assata grafa aqui américa com “K” e em outros trechos com “KKK”, numa provável alusão à Ku Klux Klan. Marcus Garvey em “O Maior Inimigo do Homem Negro” diz: “A Ku Klux Klan é o governo invisível dos Estados Unidos”.
Emett Til.
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desviamos milhões de dólares todos os anos, através de sonegação fiscal, fixação ilegal de preços, desfalques, superfaturamento, fraudes e propinas. Eles nos chamam de bandidos, contudo cada vez que uma pessoa negra pega o seu cheque de pagamento nós estamos sendo roubados. Todas as vezes que entramos em uma loja em nossos bairros estamos sendo roubados. E todas as vezes que pagamos nosso aluguel ao senhorio, ele enfia uma pistola em nossa costela. Eles nos chamam de ladrões, mas nós não roubamos e nem matamos milhões de índios para arranca-‐los de sua terra natal, e ainda chamamos a nos mesmos pioneiros11. Eles nos chamam de bandidos, mas não somos que estamos roubando a África, a Ásia e a América Latina de seus recursos naturais e liberdade, enquanto que as pessoas que vivem lá estão doentes e famintas. Os governantes desse país, e seus lacaios, cometeram alguns dos mais brutais e perversos crimes da História. Eles são os bandidos. Eles são os assassinos. E devem ser tratados como tal. Esses maníacos não servem para julgar-‐me, ou a Clark, ou a qualquer outra pessoa negra em julgamento na Amerika. Os negros deveriam, e inevitavelmente devem, determinar nossos destinos.
Toda revolução na História tem sido realizada por meio de ações, embora palavras sejam necessárias. Devemos criar escudos para nos proteger e lanças, que atravessem nossos inimigos, os homens da lei. Temos que aprender com nossos erros. E eu quero pedir desculpas a vocês, meus irmãos e irmãs negros, por estar em um pedágio em Nova Jersey. Eu deveria saber. Pedágios são barreiras de controle (check points) onde negros
11 “Pioneiros”, como são conhecidos os primeiros colonizadores brancos dos Estados Unidos. Responsáveis, no folclore histórico principalmente pela ocupação do Oeste, como a figura lendária de Daniel Boone.
Cartaz alusivo a rebelião em Attica.
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são parados, investigados, abusados e assaltados. Revolucionários nunca devem estar com muita pressa, nem devem tomar decisões descuidadas. Aqueles que partem quando o sol adormece tropeçam muitas vezes. Todas as vezes que um Lutador da Liberdade negro é assassinado ou capturado, os porcos tentam criar a impressão que extinguiram o movimento, destruíram nossas forças, e derrubaram a Revolução Negra. Os porcos também tentam dar a impressão que cinco ou dez guerrilheiros são responsáveis por cada ação revolucionária realizada na Amerika. Isso é nonsense. Isso é um absurdo. Revolucionários negros não caem da lua. Somos criados pelas nossas condições. Formados pela nossa opressão. Nós estamos sendo manufaturados em massa nas ruas do gueto, em lugares como Attica, San Quentin, Bedford Hils, Leavenworth, e Sing Sing12. Estão fabricando milhares de nós. Muitos veteranos negros desempregados, e mães dependentes da assistência social, que estão cansados de sofrer passivamente, eles compõem o BLA (Black Liberation Army). Existe e sempre existirá, até que cada homem, mulher e criança negras estejam livres, um Exército da Libertação Negra. A principal função do Exército da Libertação Negra nesse momento é dar bons exemplos, lutar pela liberdade dos negros e preparar o futuro. Devemos defender a nós mesmos e não deixar ninguém nos desrespeitar. Ganharemos nossa libertação, por qualquer meio necessário. É o nosso dever lutar pela nossa liberdade. É o nosso dever vencer. Devemos amar uns aos outros e apoiar uns aos outros. Não temos nada a perder além das correntes13.
Tradução: Osmundo Pinho Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (Cachoeira)/University of Texas (Austin).
12 Presídios norte-‐americanos. 13 Assata publicou a sua autobiografia, disponível na internet em: http://libcom.org/files/assataauto.pdf .