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Palmares, ontem e hoje

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Page 1: Palmares, Ontem e Hoje

Palmares, ontem e hoje

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Pedro Paulo Funari eAline Vieira de Carvalho

Palmares, ontem e hoje

Jorge ZAHAR EditorRio de Janeiro

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A meus irmãos Joãozinho e Suzana, pelo carinho e apoio.Pedro Paulo Funari

A meus pais e irmão, pelo infinito carinho e incentivo;ao Du, pelo imenso amor.Aline Vieira de Carvalho

Copyright © 2005, Pedro Paulo Abreu Funari e Aline Vieira de Carvalho

Copyright desta edição © 2005:Jorge Zahar Editor Ltda.

rua México 31 sobreloja • 20031-144 Rio de Janeiro, RJtel.: (21) 2240-0226 • fax: (21) 2262-5123

e-mail: [email protected] • site: www.zahar.com.br

Todos os direitos reservados.A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo

ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)

Preparação de originais: Rita JobimRevisão tipográfica: Henrique Tarnapolsky e Letícia VillelaComposição eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Ltda.

Impressão: Geográfica EditoraCapa: Sérgio Campante, sobre ilustração de Debret

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

F977pFunari, Pedro Paulo Palmares, ontem e hoje / Pedro Paulo Funari e Aline Vieira deCarvalho. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005 il. – (Descobrindo o Brasil)

Inclui bibliografia ISBN 85-7110-875-7

1. Palmares (AL) – História. 2. Escravos – Brasil – Insurreições etc.3. Brasil – História – Palmares, 1630-1695. 4. Quilombos – Brasil –História. 5. Negros – Brasil – Condições sociais. I. Carvalho, Aline Vieirade. II. Título. III. Série.

CDD 981.35205-2430 CDU 94(813.52)

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Sumário

Introdução 7

Palmares: passado e presente (ou presente e passado,como preferir o leitor) 13

Palmares ontem 28

Palmares hoje 38

Conclusão: Palmares e o leitor 52

Cronologia 60

Referências e fontes 64

Sugestões de leitura 68

Agradecimentos 72

Sobre os autores 73

Ilustrações (entre p. 32 e 33)

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Créditos das ilustrações

1. Moinho de açúcar, Rugendas.

2. Acervo The Newberry Library, Chicago.

3. Óleo de Benedito Calixto, acervo Museu Paulista.

4. Óleo de Antônio Parreiras, acervo Museu A.P./ Funarj.

5. Ilustração de Henrique Kipper para o livro Palmares, de LuizGaldino (São Paulo, Ática, 1993).

7. Óleo de Manuel Victor.

8. Desenho de Bruna Benvegnú (fonte: Super Interessante, set1993).

9. Fotos de Marcelo de Breyne e Editora Abrail.

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Introdução

Quando se ouvem os nomes de Palmares e de Zumbi,logo lembramos da saga daqueles que lutaram pelaliberdade, em plena época da escravidão, nos temposcoloniais. Zumbi foi o único líder de uma revolta es-crava a figurar entre os Grandes personagens da nossahistória, uma coleção que marcou época, lançada em1969, no auge da ditadura em que vivia o Brasil. Únicoherói popular da coleção, seu fim é descrito, no trechoabaixo, como singular por ter atingido às pessoas maishumildes:

“Zumbi está morto? A pergunta, como um venda-val, varreu as vilas e povoações de Pernambuco, espa-lhou-se pelos engenhos de cana, entrou nas fazendasdo interior das capitanias e chegou até terras maislongínquas, onde negros fugidos viviam em pequenosgrupos. Os fazendeiros, satisfeitos, queriam a confir-mação da notícia. A morte de Zumbi poria fim à luta.Estaria afinal destruído o grande reino negro dos Pal-mares? Se isso fosse verdade, os escravos não teriammais estímulo para fugir e os senhores de engenho

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poderiam respirar aliviados. Os negros — e mesmomuitos brancos e índios — não acreditavam na mortedo Rei Zumbi. Não podia ser verdade, Zumbi não eraum homem comum e sim o deus da guerra, o maispoderoso dos gênios, irmão e dono do mar. E viera à Terrapara chefiar a luta dos negros libertos e dar esperançaaos ainda cativos. Por isso, diziam os negros, Zumbiera imortal. Mas alguns garantiam que Zumbi já foraderrotado; tanto falavam que os negros começaram aficar em dúvida. Nos alojamentos de escravos em todoo Nordeste, durante a noite, feiticeiros se ajoelhavampara rezar.

— Zumbi, Zumbi, oia Zumbi! Oia muchicongo.Oia Zumbi.

E outros respondiam, em coro:— Zumbi, Zumbi, oia Zumbi!Era o canto cerimonial da ressurreição. Se Zumbi

morreu, o cântico mágico poderá restituir-lhe a vida.Se não está morto, mas corre perigo, a reza o ajudará asalvar-se. Durante noites e noites, a música triste seelevou nas senzalas.”

Imaginemos a impressão que tais palavras gerariam emleitores amedrontados pelas trevas de um regime deopressão que não admitia contestação. A morte de Zumbie a derrota de Palmares não podiam deixar de seremsentidas como metáfora para a situação daquela época.Não podia escapar ao leitor a alegria dos poderosos

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contrastada à tristeza de muitos, da gente trabalhadora;nem tampouco o historiador que supervisionava acoleção, Sérgio Buarque de Holanda, tinha outro inte-resse. Em certo sentido, vivemos, em pleno século XXI,sob imagens de Palmares forjadas naquela luta por umpassado que servisse de arma para libertação no presen-te. As condições, nesses mais de 30 anos, contudo,mudaram — por um lado bastante, por outro muitopouco. A liberdade foi restaurada, o poder civil resta-belecido, a censura do estado não existe mais, podemosdizer e pensar o que quisermos. O medo não é onipre-sente, como àquela época. Por outro lado, as desigual-dades sociais seculares não se atenuaram, as hierarquiasnão se enfraqueceram, as estruturas patriarcais e oligár-quicas tampouco.

Como tratar de Palmares hoje? Seria possível des-vencilhar-se dessa miragem e deixar de vê-lo como umaresposta às nossas angústias atuais? Estaríamos nosiludindo se disséssemos que nosso ponto de vista, àdiferença dos anteriores, é o mais objetivo e o maispróximo da realidade, neutro e distante de nossaspróprias experiências e expectativas. Já dizia o historia-dor francês George Duby que construímos nossa Gré-cia e nossa Roma a cada momento, e não seria diferentecom Palmares, um símbolo tão potente — seja paraaqueles que defendem a ordem social seja para os quea contestam. Não nos podemos subtrair da historici-dade de nossa própria condição, interesses e pontos de

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vista. Este livro parte de uma perspectiva crítica eparticipativa. Pressupõe que apenas o exame crítico dosargumentos pode produzir o conhecimento autônomodo leitor, que participa como formulador de suas pró-prias idéias sobre os diversos temas e abordagens trata-dos e contrastados.

Há muitas maneiras de estudar o passado. Nestelivro, partimos do pressuposto de que o leitor deve teracesso a uma variedade de interpretações, ainda quesempre fique claro, como se verá, qual a perspectivaque adotamos. Em seguida, não cremos que se possaestudar o passado sem discutir duas questões: as fonteshistóricas de que dispomos e as teorias sociais quepodemos agenciar na interpretação delas. Para o estudode Palmares, dispomos de duas categorias de fontes:literárias ou documentais e materiais ou arqueológicas.Trataremos, portanto das especificidades e característi-cas dessas duas categorias. Para o estudo das sociedades,pode-se usar uma variedade de modelos antropológicosou sociológicos — e em particular no que se refere asociedades rebeldes como Palmares. No final, caberáao leitor formar seu próprio juízo.

Palmares: o que se sabe. Os portugueses, em sua recon-quista das terras ibéricas ocupadas pelos muçulmanos,avançaram sobre a costa africana já no início do séculoXV, tomando Ceuta, um importante entreposto noNorte da África, em 1415. Nos decênios seguintes,

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continuaram sua exploração do continente e das ilhasatlânticas, com o início da plantação de cana-de-açúcare do uso da mão-de-obra escrava africana. Quandodesembarcaram no continente americano, tinham jáem mente a sua exploração nos mesmos moldes, e logotentaram plantar a cana em São Vicente, ao sul, massem grandes êxitos. Melhores resultados tiveram naregião mais ao norte, entre Salvador e Recife, princi-palmente a partir de 1570, com a implantação defazendas e usinas que se utilizavam tanto dos chamadosnegros da terra, os indígenas, como os negros de Guiné,vindos da África. Em 1580, Portugal foi incorporadoà Espanha e, ainda que a administração colonial semantivesse separada, a colônia portuguesa ficou maisdistante das preocupações da metrópole.

No início do século XVII, temos as primeiras refe-rências, nos documentos, a escravos fugidos que for-mam uma comunidade na área dos Palmares, na regiãoserrana a cerca de 60 quilômetros da costa do atualestado de Alagoas, por volta de 1605. Já em 1612,Palmares adquire grande fama, e os colonizadores man-dam uma expedição punitiva, sem sucesso. O agru-pamento cresceu continuamente, e a entrada dos ho-landeses em 1630 iria, em certo sentido, favorecer oassentamento de refugiados, pois os invasores e osportugueses estariam ocupados uns com os outros. Em1640, os holandeses viam Palmares como “um sérioperigo”. Mandaram Bartolomeu Lintz para obter in-

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formações sobre o quilombo, que foi descrito comocomposto de dois grandes assentamentos: uma aldeiagrande na Serra da Barriga e uma menor à margemesquerda do rio Gurungumba. Quatro anos depois,Rodolfo Baro liderava forças holandesas no ataque àcomunidade, onde viveriam seis mil pessoas, tendosido mortas cem e capturadas 31, dentre as quais seteindígenas e crianças mulatas. No ano seguinte, JürgensReimbach atacava Palmares, descrito já como compos-to por nove aldeias.

Com a expulsão dos holandeses em 1654, os portu-gueses começaram a atacar o quilombo, em expediçõesmodestas e infrutíferas. Em 1667, os quilombolas co-meçaram a atacar fazendas para conseguir armas, liber-tar escravos e vingar-se de senhores e feitores. Em 1670,o governador de Pernambuco denunciou os colonosque passavam armas de fogo para os habitantes de Pal-mares, em desrespeito a Deus e às leis. Os ataques aPalmares continuaram e, em 1675, na campanha deManoel Lopes, Zumbi se destacava como líder dosrebeldes, mas o governante era seu tio Ganga-Zumba.Em 1677, segundo documentos, Palmares compreen-deria mais de 60 léguas e dez aldeias. Em 1678, FernãoCarrilho capturou os dois filhos de Ganga-Zumba. EmRecife, embaixadores do quilombo e as autoridadesestaduais subscreveram um tratado de paz. Zumbi nãoconfiava nas autoridades; revoltou-se, matou seu tio eproclamou-se rei de Palmares. Os ataques portugueses

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intensificaram-se nos anos seguintes, sem sucesso, atéque o paulista Domingos Jorge Velho ofereceu-se paraconquistar os índios de Pernambuco, em 1685, o queabria as portas para sua atuação, também, no combateaos escravos fugidos e agrupados em Palmares. Oscolonos ainda insistiram em contar com as forças lo-cais, sem êxito, e começaram a perseguir mais intensa-mente aqueles que colaborassem com os fugitivos.Dois anos depois, Jorge Velho e o governador de Per-nambuco chegaram a acordo para a destruição de Pal-mares. Em 1694, o paulista, à frente de sua tropa de índiose mamelucos, conseguiu, em fevereiro, destruir o qui-lombo; no ano seguinte, Zumbi foi encontrado, mortoe exposto em praça pública. Palmares deixava de existir,mas sua imagem não seria mais esquecida, rememoradaa cada novo momento, por diferentes grupos sociais ede diferentes modos, como veremos.

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1. As obras do pintor alemão Rugendas retratam a vida dos escravos naslavouras do século XIX. Os maus-tratos e a opressão levavam à revolta eà fuga para comunidades como o Quilombo dos Palmares.

2. Poucas são as imagens de Palmaresrealizadas durante a existência do

assentamento. Este desenho holandês de1647 representa uma cena cotidiana:

pescadores recolhem a rede, próximo auma das torres de vigilância do quilombo.

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4. Esta imagem de Zumbipintada por Antônio Parreiras

foi utilizada com diferentesinteresses ideológicos, ora pararessaltar a fraqueza do negro,

ora para valorizar sua força.

3. Imagem de DomingosJorge Velho em óleo deBenedito Calixto:o bandeirante responsávelpela aniquilação de Palmaresé representado em trajeslimpos e posição heróica.

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5. Ilustração de um livroparadidático do início dadécada de 1990: Zumbiadquire músculos, roupas deguerra e expressões ferozes,em uma imagem que ressaltaa violência da luta contrainvasores do quilombo.

7. Retrato de Zumbi feito por ManuelVictor, mostrando um homem forte, masde expressão tranqüila e olhar franco.As várias representações do líder negromostram que a fidelidade à realidadeé substituída por valores e julgamentospessoais e de época.

6. A partir da década de 1960, Zumbi passoua ser percebido também como herói nacional:

monumentos têm sido erigidos em suahomenagem (este encontra-se na avenida

Presidente Vargas, no Rio de Janeiro),e o dia 20 de novembro foi escolhido para

rememorar o Quilombo dos Palmares e seu líder.

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8. Mapa com a suposta localizaçãodas principais aldeias que formavam

Palmares. Seus nomes mostram amistura de tradições e influências:

palavras tupis, como Subupira e Tabocas,convivem com outras de origem banto,

como Zumbi e Mococo (ou Macaco).Esta última aldeia tornou-se a capital doquilombo depois da morte de Ganga-Zumba.

9. Em 1992, uma equipede estudiosos realizou

escavações no Quilombodos Palmares. A descobertade novos elementos, cujas

características denotaminfluências africanas,

mediterrâneas e indígenas,permite outras interpreta-ções sobre as identidades

culturais e as relaçõeshumanas existentes

no quilombo.