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Observatório Das Cidades Porto Alegre megaeventos 2015

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Levantamento dos impactos da Copa 2014 em Porto Alegre/RS

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  • permitida a reproduo desde que citada a obra e seus autores.

    ISBN 978-85-5555-002-7

    Projeto Grfico e Capa Andr Mantelli

    Diagramao Tiago Jaime Machado / Editora Deriva

    Reviso Andr Dick - ReViso

    Editora Deriva deriva.com.br [email protected]

    P853 Porto Alegre: os impactos da Copa do Mundo 2014 / Paulo Roberto Rodrigues Soares [org.] Porto Alegre: Deriva, 2015.

    325f. ; XXcm.

    Vrios autores: Paulo Roberto Rodrigues Soares; Mario Leal Lahorgue; Lucimar Ftima Siqueira; Ira Regina Castello; Rosile Melgarejo da Silva; Celstin Durand; Mariana Aita Dadda; Csar Berzagui; Betnia de Moraes Alfonsin; Karla Moroso; Cristiano Mller.

    ISBN 978-85-5555-002-7

    1. Megaeventos Copa do Mundo. 2.Copa do Mundo 2014 - Brasil 3.Porto Alegre Copa do Mundo 2014. I. Sores, Paulo Roberto Rodrigues

    CDU 911.3:33(816)

    Ficha catalogrfica elaborada por Rosngela Broch Veiga CRB 10/1734

  • SUMRIO

    APRESENTAO ................................................................... 7

    INTRODUO .................................................................. 13

    1. A COPA DO MUNDO DE 2014 E A REESTRUTURAO URBANA EM PORTO ALEGRE: O MEGAEVENTO EM TRS TEMPOS .................................................................... 19

    Paulo Roberto Rodrigues Soares

    2. O MERCADO IMOBILIRIO EM PORTO ALEGRE E A COPA DO MUNDO DE 2014 ...................................... 33

    Mario Leal Lahorgue

    3. A QUESTO DA MORADIA EM TEMPOS DE COPA DO MUNDO EM PORTO ALEGRE .................. 65

    Lucimar Ftima Siqueira

    4. A COPA DO MUNDO, A LEGISLAO URBANSTICA DO PDDUA E A RECONFIGURAO TERRITORIAL DA METRPOLE GACHA ................................................... 113

    Ira Regina Castello

    5. NO VAI TER COPA!. O ESPAO PBLICO NO CAMPO DA DISPUTA DA COPA DO MUNDO ............. 141

    Rosile Melgarejo da Silva

  • 6. OS VENDEDORES AMBULANTES E A COPA DO MUNDO DE 2014 EM PORTO ALEGRE ........................... 163

    Celstin Durand

    7. A TERCEIRA MODERNIDADE URBANA E O SETOR TERCIRIO: COMO PORTO ALEGRE (RS, BRASIL) SE PREPAROU PARA RECEBER A COPA DO MUNDO DE 2014 ....................... 183

    Mariana Aita Dadda

    8. AS ARENAS ESPORTIVAS EM PORTO ALEGRE: A COPA DO MUNDO E OS ESPAOS DO TORCEDOR COMUM .......................................................................... 213

    Csar Berzagui

    9. RESGATANDO O PROCESSO DE PREPARAO DA COPA DE 2014 EM PORTO ALEGRE E PROBLEMATIZANDO OS LEGADOS ............................................................... 237

    Betnia de Moraes Alfonsin

    10. MEGAEVENTOS, DESENVOLVIMENTO E VIOLAES AOS DIREITOS HUMANOS EM PORTO ALEGRE ............. 255

    Karla Moroso e Cristiano Mller

    11. METROPOLIZAO E MEGAVENTOS: IMPACTOS DA COPA DO MUNDO NO ESPAO URBANO E NA GESTO URBANA DE PORTO ALEGRE ....................................... 285

    Paulo Roberto Rodrigues Soares

    Lucimar Ftima Siqueira

    Mrio Leal Lahorgue

    Csar Berzagui

    SOBRE OS AUTORES ............................................................. 315

  • 7APRESENTAO

    Atravs deste livro oINCT - Observatrio das Metrpoles- Ncleo Porto Alegre, apresenta os resultados do projeto de pesquisa Me-tropolizao e Mega-Eventos: impactos dos Jogos Olmpicos/2016 e Copa do Mundo/2014, desenvolvido entre os anos de 2011 e 2014. O projeto nacional Metropolizao e Megaeventos: impactos dos Jo-gos Olmpicos/2016 e Copa do Mundo/2014 nas metrpoles brasilei-ras, coordenado pela Rede Observatrio das Metrpoles, teve como objetivo ampliar o espectro analtico sobre as transformaes fsico--territoriais, socioeconmicas, ambientais e simblicas associadas a esses megaeventos. Especial nfase foi dada distribuio dos bene-fcios e dos custos nas diversas esferas que envolvem o processo de adequao da cidade s exigncias infraestruturais para a realizao dos referidos eventos, partindo-se de um ponto de vista comparativo em relao a experincias internacionais similares anteriores.

    Assim, combinando uma metodologia qualitativa e quantitativa, o projeto investigou as transformaes urbanas ocorridas nas cidades--sede onde se realizaram os jogos da Copa do Mundo e das Olim-padas (Rio de Janeiro, So Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Braslia, Salvador, Recife, Fortaleza, Natal, Manaus e Cuiab), bem como seus desdobramentos socioespaciais. Visando alcanar esse objetivo, a anlise se pautou pela utilizao de quatro eixos in-terligados, quais sejam: (i) desenvolvimento econmico; (ii) esporte e segurana; (iii) moradia e mobilidade; e (iv) governana urbana.

  • 8A pesquisa evidenciou que os megaeventos esportivos no Brasil es-to associados implementao de grandes projetos urbanos e vin-culados a projetos de reestruturao das cidades. Dessa forma, no possvel separar a Copa do Mundo e as Olimpadas dos projetos de cidade que esto sendo implementados. E isso se traduz no prprio oramento que foi disponibilizado e nos investimentos realizados. A anlise da pesquisa at o momento confirma a hiptese inicial de que, associado aos megaeventos, estaria em curso o quepode ser chamado de nova rodada de mercantilizao das cidades, traduzida na elitiza-o das metrpoles brasileiras associada difuso de uma governana urbana empreendedorista de carter neoliberal e do fortalecimento de certas coalizes urbanas de poder que sustentam esse mesmo projeto. preciso registrar que essa uma anlise do ponto de vista nacional, que deve levar em considerao diferenas significativas entre as ci-dades-sede. O presente livro ressalta exatamente os resultados dessa anlise do ponto de vista das pesquisas realizadas em Porto Alegre, por ocasio dos preparativos para o megaevento nessa cidade.

    No processo de preparao da Copa do Mundo, fica evidenciado que a gesto pblica teve um papel central na criao de um ambiente prop-cio aos investimentos, principalmente aqueles vinculados aos setores do capital imobilirio, das empreiteiras de obras pblicas, das constru-toras, do setor hoteleiro, de transportes, de entretenimento e de comu-nicaes. Tais investimentos seriam fundamentais para viabilizar as novas condies de acumulao urbana nas cidades brasileiras. Nes-se sentido, a reestruturao urbana das cidades-sedes da Copa deve contribuir para a criao de novas condies de produo, circulao e consumo, centrada em alguns setores econmicos tradicionais impor-tantes. Esses setores so, principalmente, os de ponta e o setor de ser-vios, envolvendo o mercado imobilirio, o sistema financeiro de cr-dito, o complexo petrolfero, a cadeia de produo de eventos culturais (incluindo o funcionamento das arenas esportivas), o setor de turismo, o setor de segurana pblica e privada, e o setor automobilstico, esse ltimo aquecido com as novas condies de acumulao decorrente dos (des)investimentos em transporte de massas.

  • 9Nessa perspectiva, o poder pblico tem adotado diversas medidas vinculadas aos investimentos desses setores, tais como: iseno de impostos e financiamento com taxas de juros reduzidas; transfern-cia de patrimnio imobilirio, sobre tudo atravs das parcerias pbli-co-privadas as chamadas PPPs e operaes urbanas consorciadas; e remoo de comunidades de baixa renda das reas urbanas a se-rem valorizadas. De fato, a existncia das classes populares em re-as de interesse desses agentes econmicos se torna um obstculo ao processo de apropriao desses espaos aos circuitos de valorizao do capital vinculados produo e gesto da cidade.

    Efetivamente, tal obstculo tem sido enfrentado pelo poder pblico atra-vs de processos de remoo, os quais envolvem reassentamentos das famlias para reas perifricas, indenizaes ou simplesmente despejos. Na prtica, a tendncia que esse processo se constitua numa espcie de transferncia de patrimnio sob a posse das classes populares para alguns setores do capital. Como este livro demonstrar, esse processo particularmente notvel na regio metropolitana de Porto Alegre.

    Alm disso, no que diz respeito governana urbana, percebe-se a crescente adoo dos princpios do empreendedorismo urbano ne-oliberal, nos termos descritos por David Harvey, pelas metrpoles brasileiras, impulsionada em grande parte pela realizao desses megaeventos. Esse projeto empreendedorista de cidade que est em curso parece ser marcado por uma relao promscua entre o poder pblico e o poder privado, uma vez que o poder pblico se subordina lgica mercantil de diversas formas, entre elas atravs das parcerias pblico-privadas. Mas essa no a nica forma de subordinao do poder pblico verificada. Por exemplo, a Lei Geral da Copa, replicada em todas as cidades-sede tanto por meio de contratos firmados entre as prefeituras e a FIFA como por meio de leis e decretos municipais, expressa uma outra forma de subordinao, pelo fato de o Estado adotar um padro de interveno por exceo, incluindo a alterao da legislao urbana para atender aos interesses privados.

    Por tudo isso, parece evidente que as intervenes vinculadas Copa do Mundo/2014 e s Olimpadas/2016 envolvem transformaes mais profundas na dinmica urbana das cidades brasileiras. Com

  • 10

    isso, torna-se necessrio aprofundar a anlise dos impactos desses megaeventos esportivos a partir da hiptese, aqui exposta, de emer-gncia do padro de governana empreendedorista empresarial ur-bana e da nova rodada de mercantilizao/elitizao das cidades. Este livro busca discutir essa hiptese luz da experincia de Porto Alegre e contribuir para o enfrentamento dos processos em curso, na perspectiva da promoo do direito cidade e da justia social.

    Os artigos que compem esta coletnea sobre os impactos da Copa 2014 em Porto Alegre configuram um importante documento insti-tucional desse momento de grandes investimentos e tenses nessa cidade, ao analisar o conjunto de aes dos diferentes atores sociais envolvidos, que revelam o fortalecimento de um processo urbano de grandes investimentos pblicos direcionados a uma seletividade ex-cepcional no uso coletivo da cidade. So prticas que intensificam a segregao e excluso social produzidas na dinmica de moderni-zao e privatizao dessa cidade, desde o incio do sculo passado, ao tempo em geram resistncias ampliadas. Em Porto Alegre, a Copa 2014, semelhante ao que ocorreu nas demais cidades-sede, no re-presenta, portanto, uma inflexo na trajetria poltica dessas cidades, que j vinham vivenciando uma transio na adoo de modelos ne-oliberais de poltica urbana. Mas representa uma acelerao e apro-fundamento nesta direo, estabelecendo um padro de produo e gesto urbana, altamente centralizador e privatista, como demons-tram os estudos ora apresentados. A poltica urbana municipal, sus-tentada na aliana das trs esferas de governo, conforme estabelecida pelo governo brasileiro e a FIFA na Matriz de Responsabilidade, tam-bm em Porto Alegre, agregou a Prefeitura Municipal, o Governo do Estado e o Governo Federal, para a realizao do evento nessa cidade. Esse pacto caminhou na direo da elitizao da cidade, sustentada em uma coalizo de poder que subordina o interesse pblico lgica do mercado. Ao mesmo tempo, observam-se diversos processos de resistncia e contestao que questionam esse modelo e reivindicam uma cidade mais justa e democrtica.

  • 11

    O projeto desenvolvido pela Rede Observatrio das Metrpoles con-tou com uma rede de pesquisadores e o engajamento de diversas ins-tituies de pesquisa e universidades espalhadas pelo pas. Em Porto Alegre, a pesquisa teve o apoio do Instituto Latino-americano de Es-tudos Avanados, sediado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ILEA/UFRGS), da Fundao de Economia e Estatstica (FEE/RS) e das organizaes no governamentais Centro de Assessoria e Estudos Urbanos (CIDADE) e Centro de Direitos Econmicos e Sociais (CDES). O Ncleo Porto Alegre viabilizou uma ampla discusso e engajamento de vrios segmentos, entre acadmicos, estudantes e movimentos da sociedade civil organizada, resultando na coletnea ora apresentada.

    O projeto nacional contou com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), vinculada ao Ministrio da Cincia e Tecnologia, a quem a rede de pesquisa do projeto agradece, e sem o qual no seria possvel desenvolver tal estudo. Alm disso, cabe um agradecimento especial aos Comits Populares da Copa, organizados nas cidades--sede, e Articulao Nacional dos Comits Populares (ANCOP), que se constituram em interlocutores privilegiados dos resultados da pesquisa ao longo do seu desenvolvimento.

    Orlando Alves dos Santos Junior Christopher Gaffney Coordenadores do Projeto Metropolizao e Megaeventos: impac-tos da Copa do Mundo e das Olimpadas nas metrpoles brasileiras.

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    INTRODUOPaulo Roberto Rodrigues Soares

    O livro que o INCT Observatrio das Metrpoles - Ncleo Porto Ale-gre apresenta contempla os resultados do projeto de pesquisa Me-tropolizao e Mega-Eventos: impactos dos Jogos Olmpicos/2016 e Copa do Mundo/2014, desenvolvido entre os anos de 2011 e 2014.

    O objetivo da pesquisa foi analisar os impactos da Copa do Mundo de 2014 no espao urbano da metrpole de Porto Alegre nos seus as-pectos econmicos, sociais, polticos e ambientais, bem como anali-sar as mudanas ocorridas em termos de gesto urbana, participao cidad na gesto da cidade, no uso dos espaos pblicos e na organi-zao da sociedade civil e dos movimentos sociais e populares na dis-cusso e no enfrentamento dos impactos sociais das obras da Copa do Mundo na cidade.

    Ao longo destes anos de trabalho, os pesquisadores engajados no projeto levantaram dados, acompanharam notcias nos jornais, re-alizaram trabalhos de campo, participaram de reunies, de debates na mdia, de audincias pblicas, das cmaras temticas, articu-laram-se com os movimentos sociais e com outros setores da uni-versidade em busca de dados e informaes que compusessem um quadro emprico que, posteriormente, e luz de um referencial te-rico e da metodologia construda para a anlise dos dados, puds-semos chegar aos resultados que hora temos em mos. Aproveita-mos aqui para agradecer o empenho dos bolsistas de pesquisa que participaram ativamente do projeto: Mariana Aita Dadda (CNPq), Lucimar Ftima Siqueira (CNPq), Ludmila Losada da Fonseca (BIC/UFRGS) e Csar Berzagui (BIC/UFRGS).

  • 14

    Tambm organizamos debates como a mesa redonda Porto Alegre na marca do pnalti: debatendo a Copa de 2014 na cidade (maio de 2012), a mesa-redonda Participao da populao na construo dos Megaeventos impactos e legados no mbito da XII Conferncia do Observatrio Internacional da Democracia Participativa (junho de 2012) e o seminrio Metropolizao e Megaeventos: Impactos da Copa do Mundo de 2014 na metrpole de Porto Alegre (outubro de 2013), o qual promoveu um amplo debate entre a academia, a socieda-de civil e os movimentos sociais, alm da apresentao dos resultados parciais da pesquisa at ento (8 meses antes da Copa do Mundo).

    O ano de 2013 est marcado na histria brasileira como de grandes mobilizaes pelo Direito Cidade, quando movimentos sociais e sociedade civil foram s ruas das principais cidades brasileiras ques-tionando o atual modelo de desenvolvimento urbano, o qual privatiza a cidade e favorece as grandes corporaes imobilirias e de servios urbanos (especialmente as de transporte coletivo).

    O contexto da Copa do Mundo de 2014 e dos megaeventos esportivos acelerou as contradies urbanas no pas. Vultosos recursos pblicos foram deslocados para as obras da copa, as quais causaram e ainda esto causando fortes impactos urbanos, sociais e ambientais nas cida-des-sede do evento. Populaes tradicionais foram removidas de seus espaos de identidade e de vida, novas reas foram valorizadas e re-va-lorizadas para e pelo capital imobilirio. Reestruturaram-se as cidades. Os espaos pblicos tambm foram afetados, inseridos em um movi-mento de vigilncia, controle e privatizao em nome dos promotores e patrocinadores dos megaeventos e de uma pretenciosa adequao aos parmetros estandardizados do turismo internacional.

    Passado o megaevento a sociedade brasileira ainda questiona os custos, os gastos e os legados da Copa para o pas. Se o megaevento esporti-vo no foi um fracasso de organizao como alardeavam alguns seto-res mais cticos, tambm no foi um xito total na atrao de turistas e divisas para o setor privado, como preconizavam os mais otimistas. Fica ainda em pauta um conjunto de obras inacabadas, de remoes no justificadas e alguns estdios (arenas) candidatos a elefantes brancos pela carncia de eventos que justifiquem a sua construo.

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    Porto Alegre um caso especial. Aqui a longa tradio de participa-o popular na gesto urbana iniciada com a adoo do Oramento Participativo no final da dcada de 1980, o qual se tornou um modelo de referncia mundial de gesto democrtica da cidade confron-tou-se com um poder pblico que jogou todas as suas fichas na Copa do Mundo como acelerador de um projeto de cidade que visa a sua modernizao, representada pela liberalizao dos setores econ-micos, especialmente o mercado imobilirio, visando a sua insero no seleto grupo das cidades globais. O resultado econmico dessa proposta ainda no visvel, embora esteja em andamento um (s ve-zes nem tanto) silencioso embate entre vises diferenciadas de proje-to de cidade. Entretanto, j podemos verificar que a livre atuao dos grupos privados promove uma maior privatizao do espao urbano e uma maior segregao social na cidade, bem como um recuo da es-fera pblica em diversos aspectos (na gesto democrtica da cidade e no uso e apropriao dos espaos pblicos, por exemplo). Por isso, foi primeiro em Porto Alegre que os movimentos urbanos do ano de 2013 eclodiram com mais fora e ainda hoje h um forte questiona-mento dos rumos que a cidade est tomando.

    O livro est estruturado em onze captulos que tratam dos diversos eixos de anlise da pesquisa.

    Nos captulos 1, 2 e 3 so tratados os aspectos do desenvolvimen-to urbano em Porto Alegre relacionado com a Copa do Mundo. So analisadas aqui as transformaes do espao urbano portoalegrense desde a sua designao como uma das cidades-sede da Copa do Mundo de 2014. Realizamos uma anlise geral do processo de rees-truturao urbana, do mercado imobilirio da cidade em tempos de Copa do Mundo e da questo da moradia, um dos aspectos mais im-portantes da pesquisa, uma vez que as aes e obras mais polmicas da preparao da cidade para a Copa envolveram remoes de famlias.

    No captulo 4 realizada uma anlise das mudanas na legislao ur-bana em Porto Alegre em funo da Copa do Mundo. Tratando-se de um megaevento com fortes impactos socioespaciais, foi necessria uma ampla adequao do marco legal urbano da cidade.

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    Essa mudana tambm afetou fortemente os espaos pblicos, ana-lisados no captulo 5, bem como na relao de setores da cidade com esse espao, especialmente os vendedores ambulantes, anali-sados no captulo 6.

    O captulo 7 analisa os impactos econmicos da Copa do Mundo em Porto Alegre, com especial ateno aos setores turstico e hote-leiro. Nesse captulo realiza-se um importante debate da metrpo-le no contexto global e de como a Copa do Mundo pode (ou no) servir de alavanca para a insero da cidade nos fluxos tursticos e econmicos internacionais.

    O captulo 8 trata das arenas esportivas. O caso de Porto Alegre pecu-liar nesse aspecto entre as cidades-sede da Copa. Primeiro, porque em Porto Alegre (assim como So Paulo e Curitiba) foi utilizado um estdio privado (pertencente a um clube de futebol) para os jogos. Nas outras sedes os estdios eram pblicos (a maioria pertencentes aos governos estaduais). Segundo porque aqui foram construdos dois estdios pa-dro FIFA, embora apenas um (o Estdio Beira-rio) tenha sido utilizado para a Copa. Entretanto, outro clube de futebol da cidade aproveitou-se dos incentivos fiscais e construiu seu novo estdio em uma grande ope-rao urbana que tambm foi analisada pela pesquisa. No captulo 8 so analisadas ainda as novas formas do torcer e sentir o futebol em Porto Alegre, ocasionadas pelo advento dos novos estdios.

    Os captulos 9 e 10, realizados por autores convidados, tratam mais especificamente dos embates polticos da Copa do Mundo em Porto Alegre, entre um poder pblico plenamente engajado na preparao da cidade para o evento, nem que para isso necessitasse queimar etapas do processo de participao na gesto visando acelerar a aprovao de grandes projetos e obras e os movimentos sociais e se-tores da sociedade civil organizada que visavam a preservao dos debates e da gesto democrtica. Os captulos tratam ainda de um dos mais fortes impactos da Copa do Mundo nas cidades brasileiras (e em Porto Alegre): as remoes e as violaes ao direito moradia digna de populaes atingidas pelas obras da Copa.

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    Finalmente o captulo 11 realiza uma sntese das anlises, repro-duzindo neste livro o captulo sobre Porto Alegre no livro nacional da coleo do projeto.

    Esperamos que este livro sobre os impactos da Copa do Mundo de 2014 fomente o debate, alm de servir como articulador de diferentes vises de cidade, mas que apontam para um objetivo comum: uma cidade mais democrtica e mais inclusiva. Enfim, uma cidade onde todos e todas tenham o Direito Cidade que se traduz em infra-estrutura urbana, servios coletivos, espaos pblicos e no direito a usufruir das facilidades que a metrpole oferece e que so constru-das por todos e para todos.

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    1. A COPA DO MUNDO DE 2014 E A REESTRUTURAO URBANA EM PORTO

    ALEGRE: O MEGAEVENTO EM TRS TEMPOS

    Paulo Roberto Rodrigues Soares

    Com a finalizao da Copa do Mundo de 2014 (a Copa das Copas?), pretendemos, neste captulo, realizar um pequeno balano do antes, do durante e do depois (ainda que imediato) do Mundial. No no Brasil, mas na cidade de Porto Alegre, atentando mais para o con-texto urbano e social da cidade e para o processo de reestruturao urbana que coincide com o perodo mundialista em Porto Alegre (2009-2014). Essa leitura do megaevento em trs tempos representa uma reflexo dos acontecimentos do (mega)evento Copa do Mun-do na metrpole de Porto Alegre, o qual, sem dvidas, deixa marcas importantes na poltica do espao e no espao da poltica da cidade.

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    1. OS MEGAEVENTOS E O ESPAO DA CIDADE

    Em seu livro A Natureza do Espao (1996), especialmente no captulo 6 (O tempo (os eventos) e o espao), o gegrafo Milton Santos trata dos eventos e de sua relao com espao social, o espao geogrfico. Dessa anlise dos eventos e de sua importncia para a produo do espao, retiramos algumas lies para entender o alcance e o significado mais amplo dos megaeventos especialmente os esportivos que foram e so objetos de nossa anlise ao longo desses ltimos anos.

    Aponta Milton Santos (1996, p.61) que um evento o resultado de um feixe de vetores, conduzido por um processo, levando uma nova fun-o ao meio preexistente. Mas o evento s identificvel quando ele percebido, isto , quando se perfaz e se completa. Tambm salienta que um evento no pode ser realizado sem sua materialidade, sem as formas espaciais que lhe do suporte e que, muitas vezes, so impacta-das e modificadas pelo prprio evento. Nas palavras de Santos,

    a cada evento, a forma se recria. Assim, a forma-contedo no pode ser considerada, apenas, como forma, nem, apenas, como conte-do. Ela significa que o evento, para se realizar, encaixa-se na forma disponvel mais adequada a que se realizem as funes de que portador. Por outro lado, desde o momento em que o evento se d, a forma, o objeto que o acolhe ganha uma outra significao, pro-vinda desse encontro. Em termos de significao e de realidade, um no pode ser entendido sem o outro, e, de fato, um no existe sem o outro. No h como v-los separadamente (1996, p.66).

    E, mais adiante, completa: os eventos mudam as coisas, transfor-mam os objetos, dando-lhes, ali mesmo onde esto, novas caracte-rsticas (1996, p.95).

    Milton Santos ainda classifica dos megaeventos em termos de escala temporal (durao) e espacial (alcance). Com relao escala tempo-ral, considera que o evento tem uma durao natural (o tempo do evento em si, quando ele est se desenrolando) e uma durao orga-nizacional (a durao das suas regulaes, das suas consequncias). Nesse sentido, os eventos podem ser prolongados, durando alm de seu mpeto prprio, mediante um princpio de ordem. Completando:

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    Os eventos no se do isoladamente, mas em conjuntos sistmi-cosverdadeiras situaes que so cada vez mais objeto de or-ganizao: na sua instalao, no seu funcionamento e no respectivo controle e regulao. Dessa organizao vo depender, ao mesmo tempo, a durao e a amplitude do evento. Do nvel da organizao depende a escala de sua regulao e a incidncia sobre a rea de ocorrncia do evento (1996, p.97).

    A mundializao do capital trouxe consigo a mundializao dos eventos. Nos dias atuais, segundo Milton Santos (1994, p. 73) os even-tos so dotados de uma simultaneidade que se distingue das simul-taneidades precedentes por ser movida pela mais-valia no nvel mundial, que responsvel pela forma como os eventos se do so-bre os diversos territrios. Essa unificao, segundo o autor, conduz a uma reformulao do espao em escala mundial.

    Aqui estamos nos aproximando da noo de megaevento (especial-mente o esportivo) e de seus impactos polticos, econmicos e sociais, bem como espaciais e territoriais. A materialidade imprescindvel para o megaevento: os estdios, as arenas, as estruturas temporrias, as infraestruturas (aeroportos, hotis, restaurantes). Caso ela no exista, deve ser produzida. Tambm existe a necessidade da cidade possuir um ambiente previamente construdo que seja adequado ao porte do megaevento. Por esse motivo que as escolha das sedes da Copa do Mundo no Brasil recaiu sobre as suas principais metrpoles, como apontamos em um trabalho anterior (SOARES, 2013).1

    Os megaeventos esportivos (e nos referimos aqui Copa do Mundo de 2014) so um evento em trs tempos: o antes, o durante e o depois. durao natural da Copa do Mundo (os 32 dias do megaevento entre 12 de junho e 13 de julho de 2014) temos tambm que adir a sua durao organizacional, a qual se divide em dois tempos: o antes, a preparao, as obras, as mudanas legais, e o depois, o legado mate-rial e imaterial que fica para a cidade e o pas que a acolheram.

    1. Entre as doze cidades-sede da Copa do Mundo no Brasil, esto as suas princi-pais metrpoles (So Paulo, Rio de Janeiro, Braslia, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, Fortaleza, Manaus) e uma cidade com elevado potencial turstico (Natal). Cuiab era a nica cidade fora dos grandes circuitos econmicos e tursticos do pas e sua escolha representa a tentativa de vender um novo destino turstico internacional (o Pantanal), alm da necessidade de adequao da sua infra-estrutura urbana em um contexto logstico nacional e continental (a FERRONORTE Ferrovia Norte Brasil).

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    Por fim, Milton Santos (op. cit., p. 99) refere-se que a escala espacial se aplica aos eventos segundo duas acepes: a primeira a escala da origem das variveis envolvidas na produo do evento; a segun-da a escala do seu impacto, de sua realizao.

    Aos megaeventos esportivos tambm possvel aplicarmos essas duas escalas. A escala de origem aquela onde se situam as corpora-es que detm o poder de organizao dos megaeventos esportivos, bem como da rede de corporaes que so parceiras (patrocinadoras, fornecedoras) das organizadoras. Insere-se ainda nesta escala (que podemos chamar de global) o Estado nacional, o qual firma com-promissos com a acolhida e a organizao do megaevento em seu territrio. Essa escala pode ser considerada a do espao concebido, pois aqui que se tomam as grandes decises sobre o planejamento do megaevento. J a escala de impacto a escala local, a escala das cidades-sede, assim como a escala dos impactos sociais e territoriais mais perversos que recaem sobre as populaes (as remoes, a hi-gienizao das cidades) e seu espao vivido. Outros impactos tam-bm so visveis: transformaes na paisagem urbana, intensificao de atividades econmicas. Todos com srias consequncias polticas e sociais para nossas cidades.

    importante, para compreender o megaevento, buscar as inter-rela-es entre as duas escalas, pois as decises na escala de origem (global e nacional) no se realizam sem as respostas na escala de impacto (a escala local). Trata-se da articulao entre as verticalidades (a ordem distante) com as horizontalidades (a ordem prxima), metodologia que se apropria muito bem anlise dos megaeventos esportivos.

    Tentaremos agora, de forma breve, analisar a reestruturao do espa-o urbano e os impactos da Copa do Mundo de 2014 em Porto Alegre, luz deste esquema de anlise proposto por Milton Santos.

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    2. A COPA DO MUNDO EM PORTO ALEGRE EM TRS TEMPOS

    2.1 PRIMEIRO TEMPO: O ANTES

    Antes da Copa do Mundo, os preparativos: a definio do estdio, o planejamento das obras, o caderno de encargos, os compromissos da cidade com a organizao do evento. Mas tambm outras mudan-as: leis de incentivo atividade econmica, flexibilizao das lici-taes e das construes. Transformaes nos espaos pblicos, re-ordenamento das posturas na cidade. Desde o incio, o poder pblico municipal vislumbrou a Copa do Mundo de 2014 como uma janela de oportunidades para consolidar seu projeto de cidade. Ressalte-mos que este projeto j vinha sendo desenvolvido desde 2005 quando se encerrou o ciclo das chamadas administraes populares (1989-2004) em Porto Alegre (ver anlise mais detalhada no captulo 11).

    Inicialmente, a definio da rea prioritria de planejamento (Fi-gura 1) reforou uma centralidade j existente na metrpole. Tal rea limitada basicamente pela via Terceira Perimetral2, a qual no seu trecho central (chamada Avenida Carlos Gomes) forma a nova cen-tralidade do tercirio superior da cidade (ver captulos 6 e 11), sendo que nas suas adjacncias a avenida percorre bairros nobres e valo-rizados da cidade, como Auxiliadora, MontSerrat, Petrpolis, Bela Vista, Boa Vista, Trs Figueiras e Jardim Botnico. Essa rea priori-tria inclui ainda o Centro Histrico (centro metropolitano), o bairro Moinhos de Vento (importante concentrao comercial e de servios de alto status), bem como os entornos dos dois principais estdios de futebol da cidade, o Beira-Rio (estdio sede dos jogos da Copa do Mundo) e a Arena Porto-alegrense.

    2. A Terceira Perimetral uma via rpida de ligao norte-sul com 12,5 km de ex-tenso, que inclui as avenidas Dom Pedro II, Carlos Gomes, Senador Tarso Dutra, Salvador Frana e Coronel Aparcio Borges. Foi projetada no primeiro plano diretor de Porto Alegre (1959) e concluda em seu trecho principal em 2004.

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    Figura 1 Porto Alegre: rea prioritria de planejamentopara a Copa do Mundo de 2014

    Fonte: Observatrio do Trabalho. DIEESE. Porto Alegre. Disponvel em: http://geo.dieese.org.br/poa/variaveis.php#mapa.

    Foi um momento tambm de intensas disputas e embates. O poder pblico local estava disposto a realizar todas as obras permitindo que o capital construtor e comercial tivesse todas as condies para atuar na cidade ao longo desse processo. Inicialmente, tivemos a reviso do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA), a qual foi mais favorvel ao capital imobilirio. A legislao urbana municipal foi flexibilizada, visando menos entraves e maior agili-dade para aprovao dos grandes empreendimentos imobilirios. Posteriormente, outras leis de incentivo desoneraram os empreendi-mentos relativos Copa de impostos. Acrescente-se que leis estadu-ais de incentivo tambm foram aprovadas. Os movimentos sociais, j percebendo o pacote de transformaes que se avizinhavam para a

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    cidade, iniciaram os questionamentos dos rumos que a cidade pode-ria tomar. Importante salientar que esses questionamentos no par-tiram somente nos bairros perifricos. Tambm em bairros de classe mdia e classe mdia alta, a cidadania organizada questionou a ade-quao da cidade s necessidades da Copa do Mundo.

    Uma primeira particularidade: Porto Alegre definiu a construo de dois estdios padro FIFA, o Beira-Rio, que foi totalmente remode-lado para ser a sede dos cinco jogos programados para a cidade, e a Arena, construda com os mesmos incentivos fiscais e atravs de um sistema de financiamento muito semelhante ao do estdio da Copa. Tanto um como outro contaram com benesses estatais para sua efe-tivao. Ambos geraram investimentos imobilirios no seu entorno e adjacncias. Assim, os estdios, somados s infraestruturas e servi-os de seu entorno, candidatam-se a constiturem novas centralidades da cidade. Isso ocorre especialmente com o Beira-Rio, pois situa-se na porta de entrada para a Zona Sul da cidade, um dos novos setores de valorizao imobiliria da cidade. Prximo ao Beira-Rio, localiza-se o BarraShopping Sul, um dos maiores centros comerciais da cidade.

    As grandes obras de mobilidade urbana (adequao e modernizao da Terceira Perimetral, corredores de BRT, duplicao e moderniza-o da Avenida Tronco) tambm esto nessarea prioritria. O ca-pital imobilirio, o qual apresentou grande expanso nesse perodo (2007-2014), atuou especialmente nessa rea, com grandes empre-endimentos, normalmente voltados para a populao de maior po-der aquisitivo (ver captulo 2).

    Algumas dessas obras (ampliao da pista do aeroporto Salgado Filho e duplicao da Avenida Tronco) geraram fortes impactos nas comu-nidades tradicionais adjacentes. Territrios de vivncia de dcadas fo-ram desagregados em nome das obras da Copa. Nem todas as remo-es programadas foram realizadas. A organizao e a resistncia deu flego a algumas comunidades, ou a parcelas das comunidades que conquistaram, ainda que precariamente ou talvez temporariamente, o direito permanncia ou de no remoo para locais distantes. Essas conquistas no ocorreram de maneira tranquila: aconteceram aps in-tensos embates, tentativas de cooptao de lideranas, propostas ten-

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    tadoras que dividiam a resistncia (ver captulo 3 sobre a questo da moradia). Ao final, apenas um tero das obras prometidas e programa-das foram concludas. A maioria ficou para o depois, o terceiro tempo da Copa do Mundo em Porto Alegre.

    Tentou-se, nesse perodo, estabelecer uma nova relao entre a ci-dadania e a cidade, especialmente no uso e apropriao dos espaos pblicos (captulo 5). Os anos anteriores Copa foram de tentativa de disciplinarizao do uso dos espaos: retirada do comrcio de rua, das populaes de rua, um novo regulamento (restritivo, repressivo) da vida noturna na cidade, especialmente no seu bairro bohemio mais popular: a Cidade Baixa. Bares foram fechados em nome dos regulamentos de segurana, a permanncia nos espaos pblicos foi reprimida, cerceada em nome da tranquilidade dos moradores. Cha-mava a ateno a seletividade dos lugares de controle, especialmente os de concentrao da juventude com propostas alternativas de uso do espao pblico.

    No plano das ideias, a mudana poltica na gesto da cidade (a par-tir de 2005) veio acompanhada da desconstruo do iderio ante-rior, embora (como afirmava em seu incio a prpria administrao) mantendo as conquistas. Iniciou-se o que chamamos de embates na psicosfera, com a nova administrao municipal introduzindo sua ideia de cidade, cidadania e gesto urbana visando superar o mo-mento anterior, que marcou profundamente a cidade em nvel local, nacional e, especialmente, internacional. Talvez, por esse motivo no houve uma desconstruo total do discurso, j que pela prpria nova estratgia de governana havia a inteno de manter Porto Alegre nos circuitos globais de circulao de ideias sobre a gesto urbana.

    Conforme Milton Santos (1996, p. 173), os espaos da globalizao se definem pela presena conjunta, indissocivel, de uma tecnosfera e de uma psicosfera, funcionando de modo unitrio. A tecnosfera o mundo dos objetos, a psicosfera a esfera da ao3.

    3. Sobre a psicosfera aponta Milton Santos: A psicosfera, reino das ideias, crenas, paixes e lugar da produo de um sentido, tambm faz parte desse meio ambiente, desse entorno da vida, fornecendo regras racionalidade ou estimulando o imagin-rio. Ambas - tecnosfera e psicosfera - so locais, mas constituem o produto de uma sociedade bem mais ampla que o lugar. Sua inspirao e suas leis tm dimenses mais amplas e mais complexas (1996, p. 171).

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    Assim, para um poder local que deseja uma mudana na base material e a construo de uma nova base social hegemnica, necessrio atuar nas duas esferas. E, no plano da psicosfera, a atuao principal ficou a cargo do Gabinete de Planejamento Estratgico. Sabemos que o plane-jamento estratgico urbano uma adaptao do modelo de gesto em-presarial para as cidades em um contexto de desregulao econmica, globalizao e de guerra dos lugares (HARVEY, 1996). A ortodoxia do planejamento estratgico urbano preconiza que as cidades devem es-tar preparadas para atrair negcios e investimentos em um contexto de concorrncia global, uma vez que, na sua fase globalizada e flexvel, o capital tem autonomia para territorializa-se onde obtiver maiores van-tagens (leia-se menos entraves para a atuao e acumulao)4.

    Desde a sua criao, a partir de 2005, o novo Modelo de Gesto de Porto Alegre passou por trs fases de evoluo: entre 2005 e 2008, foi a de mon-tagem, com o estabelecimento do Mapa Estratgico e a estruturao da Viso Sistmica. Nessa etapa foram definidos os vinte um Progra-mas Estratgicos da nova gesto da cidade. A segunda fase (entre 2009 e 2012) foi de refinamento dos contedos, reviso dos programas, terri-torializao e definio das competncias a serem desenvolvidas. Nes-sa fase, foi includo o programa Porto Alegre Copa 2014. Atualmente, segundo a prpria Prefeitura, o modelo de gesto urbana encontra-se na terceira fase evolutiva, que objetiva sua consolidao e expanso. O prprio Gabinete, a partir de 2012, ganhou status de Secretaria Mu-nicipal de Planejamento Estratgico e Oramento (SMPEO)5.

    Desde ento e atualmente, diferentes conceitos de cidade so adotados em Porto Alegre. Cada vez mais, os documentos oficiais e de referncia mencionam a cidade como uma Cidade Resiliente, Cidade Inovado-ra, ou Cidade Inteligente, entre outros termos prprios dos manuais do mainstream dos centros globais de pensamento. Igualmente as re-laes com fundaes, consultorias e centros de estratgia e de pensa-mento empresarial se estreitam e a gesto urbana passa a ser orientada

    4. Para uma anlise crtica do Planejamento Estratgico Urbano Sobre esta questo, ver com mais detalhe Arantes, Vainer e Maricato (2000) e Snchez (2010).

    5. Fonte: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Secretaria Municipal de Planejamen-to Estratgico e Oramento. Disponvel em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/sm-peo/. Acesso em 23/06/2014.

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    pelos princpios da eficincia, do gerenciamento e da qualidade, pr-prios do mundo empresarial. Esses conceitos visam substituir a ideia de gesto democrtica da cidade pela de governana solidaria local, mais adequada aos propsitos da linha poltica de governo atual.

    O que observamos em Porto Alegre hoje e que consideramos conse-quncia do modelo de produo de cidade implantado nos ltimos anos um conjunto importante de mudanas mais amplo. Primeira-mente, a expanso da construo civil, com grandes empreendimen-tos em setores valorizados ou em valorizao da cidade. A chegada do grande capital construtor nacional relacionada com a prpria conjuntura e com o modelo de crescimento das nossas cidades ado-tado no ltimo decnio ampliou a escala dos empreendimentos: grandes conjuntos habitacionais, bairros planejados e centros em-presariais tomam conta da paisagem urbana da cidade, especialmen-te nos seus principais eixos de desenvolvimento.

    A construo de um grande nmero de shopping centers e hipermer-cados tambm marcam a mudana na estrutura comercial, mais con-centrada nas mos dos grandes grupos empresariais, inclusive com a forte presena de um grupo de capital local que tambm investe na psicosfera, gravando fortemente a sua imagem em lugares significati-vos da paisagem urbana da cidade.

    Por outro lado, a expanso da moradia popular se d especialmente nos extremos sul e leste da metrpole, onde o solo urbano de menor custo permite a construo de habitaes tambm de baixo custo. Entretanto, essa produo no suficiente para atender a demanda do dficit habitacional, concentrada nos extratos mais baixos da pir-mide social. Persistem, portanto, as ocupaes informais nos inters-tcios do tecido urbano pouco valorizados pelo capital imobilirio, mas nem estes espaos esto relegados de suas intenes de ocupa-o futura, pois o direito propriedade tem prevalecido sobre a sua funo social. Com isso, observamos uma cidade mais segregada em termos de moradia e de grupos e classes sociais.

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    Porto Alegre alinha-se, assim, s tendncias da urbanizao na Amri-ca Latina no perodo neoliberal, mesmo que consideremos que aqui no Brasil passamos tambm por um perodo (ou fase?) neodesenvolvimen-tista6. Sobre a Amrica Latina descreve Pradilla-Cobos (2014, p. 41):

    Al interior de las metrpolis, asistimos tambin a intensos cambios de la distribucin territorial de la poblacin derivados de: la peri-ferizacin de la vivienda de inters social construida por el capital inmobiliario en grandes mega-conjuntos o por los ocupantes irre-gulares y autoconstructores; el vaciamiento de poblacin residente de las reas centrales o los corredores terciarios donde la vivienda es sustituida por actividades terciarias y por grandes megaproyectos inmobiliarios mixtos destinados a las actividades empresariales y a vivienda de sectores de altos ingresos.

    O ano de 2013, especialmente nos meses de junho e julho, ficou mar-cado pelas intensas mobilizaes de rua nas principais metrpoles e cidades brasileiras, muitas das quais reuniram milhares de pessoas nas manifestaes. No casualmente as origens desta mobilizao tem como seu ponto de partida a cidade de Porto Alegre, onde a mo-bilidade urbana (qualidade e preo do transporte coletivo) e o ques-tionamento dos gastos e dos impactos sociais das obras da Copa do Mundo estavam na primeira fila das palavras de ordem. Destapou-se uma fratura entre o poder pblico, a sociedade civil organizada e os movimentos sociais. Os canais formais atuais de representao po-ltica da populao foram seriamente questionados, seja por coop-tados, seja por inoperantes frente diversidade de demandas. Mas tambm ficou claro o alinhamento do poder pblico local com o poder econmico: o capital construtor especialmente, liberado para construir onde e como quisesse. Isto afetou at mesmo a setores da classe mdia da cidade, que sentiram tambm os efeitos da Copa do Mundo e se organizaram para resistir.

    6. Sobre o debate neoliberalismo e neodesenvolvimentismo e as metrpoles latino--americanas, ver Ribeiro (2013).

  • 30

    2.2 SEGUNDO TEMPO: O DURANTE.

    Cabe salientar que o megaevento inclui diferentes temporalidades: o tempo longo da preparao e o tempo curto e imediato dos jogos. Du-rante esse ltimo, o megaevento, com sua capacidade de acelerao do tempo, subverteos ritmos cotidianos e ocupa outros tempos: o de trabalho, o de consumo, o de lazer, o de informao. O bombardeio mi-ditico, a sucesso de feriados e as interrupes na temporalidade ro-tineira alteram nossa percepo do tempo. As horas equivaliam adias. Os dias equivaliam a semanas. O tempo da cidade tambm se alterou: aulas suspensas, reparties fechadas, alterao de trnsito e horrios de trabalho. Para muitos, o melhor foi parar. Ficar em casa ou aderir onda dos jogos. A cidade mudou. Turistas torcedores de diferentes nacionalidades transitaram por ela. Diferentes lnguas e culturas se en-contrando nos espaos dos jogos: o estdio, a FanFest e o Caminho do Gol. Esse foi uma inovao de Porto Alegre e ligava a rea central (o largo do Mercado Pblico) ao estdio Beira-Rio, via Avenida Borges de Medeiros, que foi fechada para o trnsito de automveis e nibus.

    Nas noites que seguiam aos jogos,houve uma grande ocupao das ruas do bairro Cidade Baixa. Estranhamente (ou no) aquele que a Prefeitura no exerceu o controle da ocupao das vias pblicas pe-los frequentadores. Os mecanismos de controle ao comrcio de rua tambm foram relaxados. Aos turistas e estrangeiros foi permitido permanecer e ocupar as ruas at o amanhecer.

    Do outro lado da cidade, junto ao centro histrico, na zona portu-ria,um ensaio de gentrificao: o projeto Cais Embarcadero reuniu vips em uma outra forma de celebrar a Copa do Mundo. Trata-se de uma pequena amostra da planejada revitalizao da zona por-turia da cidade. Esta aguarda a concretizao do plano que preten-de convert-la em equipamento turstico, equiparando Porto Alegre com outras cidades que adaptaram seus antigos espaos porturios centrais para a atrao de turistas, especialmente internacionais.

    Porm, o sonho acabou. Os quinze dias de Copa do Mundo em Porto Alegre se passaram, com a presena de turistas de diferentes nacio-nalidades e a invaso argentina. A cidade sobreviveu e recebeu

  • 31

    bem o pblico da Copa; os comerciantes, apesar de comemorarem os resultados, no tiveram todas as expectativas realizadas. Alm disso, problemas climticos tpicos do inverno gacho (frio e chuva) preju-dicaram a frequncia de torcedores na FanFest.

    2.3 TERCEIRO TEMPO: O DEPOIS

    Esse o momento de fazer as contas, avaliar e discutir os legados da Copa do Mundo em Porto Alegre. A metrpole retomou a sua roti-na, sem a presena dos turistas estrangeiros. com muitas obras ina-cabadas a serem retomadas e concludas com prazo mais alargado (at dois anos). O final do perodo Copa desencadeou uma nova ao regulamentadora no bairro Cidade Baixa, com bares e casas noturnas novamente fechados.

    As lutas urbanas tambm foram retomadas contra processos de rein-tegrao de posse de duas grandes ocupaes: umana zona sul e ou-tra na zona norteda cidade. Nos estdios padro FIFA da cidade, a elitizao da torcida e uma nova maneira de torcer vem ocorrendo progressivamente (ver captulo 8). Embora fora deles as faces mais radicais de torcedores continuem se enfrentando violentamente.

    A nova metrpole emergente das obras da Copa do Mundo de 2014 so-mente estar devidamente concluda em alguns anos. Enquanto isso, os agentes dominantes na produo da cidade (o grande capital construtor e incorporador) seguem sua estratgia de acumulao, antecipando em-preendimentos em reas valorizadas ou produzindo novos vetores de valorizao. Essa produo no se d sem a presena do poder pblico local, o qual de forma gradual, mas constante, vem alterando a legisla-o urbana e criando um novo marco urbanstico para a produo da cidade. Por outro lado, diferentes embates ideolgicos tm como palco a arena poltica da cidade, com vises de cidade distintas se enfrentando.

    Em setembro de 2014, a Prefeitura anunciou que se iniciariam os re-paros nas rachaduras nos viadutos e corredores de nibus inaugura-dos dias antes do mundial. Essas podem ser consertadas. As racha-duras no tecido social da cidade demandaro mais tempo.

  • 32

    REFERNCIAS

    ARANTES, O.;VAINER, C.e MARICATO, E. A cidade do pensamento nico. Desmanchando consensos. Petrpolis: Vozes, 2000 (Coleo Zero Esquerda).

    HARVEY, D. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformao da go-vernana urbana no capitalismo tardio. Espao & Debates. Revista de Estudos Regionais e Urbanos. Ano XVI, no. 39. So Paulo, NERU/CNPq/FINEP,1996.

    PRADILLA-COBOS, E. La ciudad capitalista en el patrn neoliberal de acu-mulacin en Amrica Latina. Cadernos Metrpole, So Paulo, vol. XVI, no. 31, p. 37-60, jun. 2014.

    PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Modelo de Gesto. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2014. Disponvel em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smpeo/usu_doc/manual_de_gestao_prefeitura_2014_site.pdf. Acesso em 24/06/2014.

    RIBEIRO, L. C. Q. Transformaes na Ordem Urbana na Metrpole Libe-ral-Perifrica: 1980/2010. Hipteses e estratgica terico-metodolgica. Rio de Janeiro: Observatrio das Metrpoles, INCT/FAPERJ-CAPES-CNPq, 2013.

    SNCHEZ, F. A reinveno das cidades para um mercado mundial. Cha-pec (SC): Argos, 2010.

    SANTOS, M. Tcnica, espao, tempo: globalizao e meio tcnico-cientfi-co informacional. So Paulo: Hucitec, 1994.

    SANTOS, M. A Natureza do Espao. Tcnica e Tempo. Razo e Emoo. So Paulo: Hucitec, 1996.

    SOARES, P. R. R. O PIB das cidades da Copa (2007-2010). Copa em Discus-so. Curitiba: Observatrio das Metrpoles Ncleo Curitiba, no. 28, feverei-ro de 2013, p. 4-7.

    VARGAS, H. C. e LISBOA, V. S. Dinmicas espaciais dos grandes eventos no cotidiano da cidade: significados e impactos urbanos. Cadernos Metrpole, So Paulo, v. 13, n. 25, p. 145-161, jan./jun. 2011.

  • 33

    2. O MERCADO IMOBILIRIO EM PORTO

    ALEGRE E A COPA DO MUNDO DE 2014

    Mario Leal Lahorgue

    Desde que o Brasil foi anunciado como sede da Copa do Mundo FIFA 2014, muito se tem pesquisado sobre os impactos e legados das diversas obras e intervenes urbanas nas cidades-sede. Algumas mudanas so visveis, como, por exemplo, a reforma dos estdios e entornos. Outros impactos ainda parecem nebulosos. Um deles exa-tamente sobre o mercado imobilirio: a Copa do Mundo influenciou de alguma forma a dinmica de oferta de imveis em Porto Alegre? Se no na cidade como um todo, possvel perceber influncia em alguns lugares? Por outro lado, sabendo que o mercado imobilirio e a construo de habitaes pelo Programa Minha Casa Minha Vida tem experimentado significativo aumento de unidades construdas na ltima dcada pelo menos, pode-se pensar em influncia ao con-trrio? O mercado imobilirio e sua dinmica impactaram de alguma forma as obras do evento (ou megaevento)?

    Este texto se prope a discutir essas questes a partir de dados cole-tados em Censos e Indicadores Imobilirios divulgados pelo sistema SECOVI/AGADEMI (Sindicato da Habitao/Associao Gacha de Empresas do Mercado Imobilirio) e SINDUSCON (Sindicato da In-dstria da Construo Civil do Estado do Rio Grande do Sul), alm de

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    Censos Populacionais e Indicadores divulgados pelo Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatstica IBGE. Partindo do pressuposto que se sabe de antemo quais so as obras listadas na Matriz de Respon-sabilidades (e a localizao delas no territrio urbano)1, a pergunta permanece: afinal, a Copa influenciou ou no o panorama do Merca-do Imobilirio em Porto Alegre? Como ser visto ao longo do texto, a resposta talvez no seja exatamente a esperada.

    1. A PRODUO IMOBILIRIA NOS LTIMOS 10 ANOS

    Para responder se a Copa tem ou no influncia no mercado imobi-lirio, preciso em primeiro lugar obter um retrato da produo de imveis novos em Porto Alegre. Isso ser feito apresentando dados correspondentes ao perodo 2003-2013, no s pela questo de mos-trar as informaes mais atualizadas possveis, mas porque nesse pe-rodo se tem a possibilidade de analisar o antes e o depois: antes das obras da Copa e os efeitos (o depois) dos programas governamen-tais referentes disponibilizao de crdito imobilirio e estmulos construo pelo mercado de unidades habitacionais.

    1. Para uma discusso mais aprofundada sobre as obras e seus diversos significados no espao urbano, consultar Lahorgue e Cabette (2013) e Siqueira e Lahorgue (2012), alm de outros textos nesta mesma coletnea.

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    Tabela 1 Distribuio da oferta de imveis novos (2003-2013)Ti

    pos

    Qu

    anti

    dade

    de

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    idad

    es e

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    0520

    0620

    0720

    0820

    0920

    1020

    1120

    1220

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    m.

    135

    169

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    276

    461

    395

    378

    219

    202

    275

    316

    3.03

    8

    Ap

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    8216

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    8516

    7319

    0024

    9423

    4130

    1637

    7337

    8024

    .548

    Ap

    to. 3

    dor

    m.

    2077

    2196

    2431

    2195

    2145

    3006

    2313

    2111

    2443

    3470

    3024

    27.4

    11

    Ap

    to. 4

    dor

    m.

    241

    208

    244

    139

    164

    249

    174

    104

    108

    106

    137

    1874

    Cob

    . 1 d

    orm

    .16

    119

    56

    48

    41

    11

    66

    Cob

    . 2 d

    orm

    .39

    3222

    1717

    77

    44

    1120

    180

    Cob

    . 3 d

    orm

    .11

    172

    5950

    3227

    2142

    3028

    4351

    5

    Cob

    . 4 d

    orm

    .7

    25

    62

    64

    11

    00

    34

    Subt

    otal

    3824

    4302

    4474

    4053

    4595

    5686

    5417

    4826

    5805

    7692

    7331

    58.0

    05

    Cas

    a 2

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    m.

    151

    126

    6290

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    9372

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    923

    Cas

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    m.

    727

    1264

    1286

    787

    308

    482

    314

    316

    324

    192

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    6.25

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    m.

    9617

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    4035

    2519

    8833

    2424

    596

    Subt

    otal

    974

    1566

    1384

    917

    381

    528

    518

    497

    429

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    326

    7.76

    9

    Flat

    s83

    8715

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    3

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    635

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    43.

    320

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    150

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    5359

    9510

    184

    0

    Subt

    otal

    379

    554

    624

    425

    507

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    355

    339

    462

    634

    5.02

    9

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    7764

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    9554

    8366

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    7456

    7865

    7384

    2382

    9170

    .803

  • 36

    Em primeiro lugar, preciso lembrar que os dados se referem ao mer-cado formal de imveis, colocados venda atravs do complexo que se inicia na indstria da incorporao e construo civil e passa pelo sistema de empresas que atuam na comercializao e locao de imveis (as imobilirias). Ficam fora desse levantamento tanto novas construes informais (autoconstruo, por exemplo) quanto novas unidades formais (legais do ponto de vista da legislao urbanstica), mas contratadas diretamente por particulares e no colocadas ven-da, pois foram construdas para uso habitacional prprio. Feita essa ressalva, algumas coisas chamam a ateno nessa primeira tabela:

    a) Certamente, possvel afirmar que o mercado imobilirio est passando por um boom, pois mais de 70 mil unidades foram ofertadas no perodo estudado numa cidade que tem apresenta-do um crescimento demogrfico bastante moderado; percebe--se tambm a tendncia de alta nos ltimos trs anos do inter-valo de tempo.

    b) O motor dessa expanso o setor de imveis residenciais: os mais de 65.000 imveis ofertados correspondem a aproximada-mente 92% de todas as unidades construdas. Portanto, de se supor que a pequena bolha de sobreoferta de imveis comer-ciais que j se comea a observar em algumas capitais brasileiras no deve ocorrer em Porto Alegre. Em matria recente, a revista Exame (2014) anunciou: a bolha dos imveis comea a estourar no mercado comercial, com forte queda nos preos de imveis deste setor liderados por So Paulo.

    Pela distribuio das ofertas entre apartamentos e casas, nitidamen-te se observa um processo de verticalizao na capital gacha: as unidades tipo apartamento correspondem a aproximadamente 88% de todos os imveis residenciais construdos no perodo analisado. interessante observar que, comparativamente s capitais brasilei-ras, Porto Alegre a cidade mais verticalizada do Brasil no sentido de apresentar o maior percentual de populao vivendo em apartamen-tos. Segundo os dados do Censo 2010 levantados pelo IBGE, do total de domiclios particulares permanentes efetivamente ocupados para moradia, 251.080 so Casas; 15.960 so Casas em Condomnios ou Vilas; e 239.055 so apartamentos. Esse ltimo, portanto, correspon-de a 47,23% das moradias na cidade. Para uma comparao rpida:

  • 37

    So Paulo tem contabilizados: 2.460.091 casas; 52.673 casas de vila ou em condomnio; e 1.017.720 de apartamentos, ou seja, menos de 1/3 dos domiclios so verticalizados.

    bastante conhecida a vinculao entre a expanso para o alto e processos de valorizao do espao urbano. Lefebvre (1976, p. 101) lembra, por exemplo, que atravs de um veculo o espao o di-nheiro produz dinheiro e Maria Adlia de Souza (1994, p. 143) des-creve uma geografia da verticalizao associada disponibilidade de terrenos grandes, acessibilidade e nvel de renda da populao: a verticalizao, portanto, tem um efeito de sobrevalorizao do es-pao, visto que se instala em reas bem equipadas, do ponto de vista da infraestrutura e vai projetar-se como valor. Isto ntido em Porto Alegre, onde esta geografia da verticalizao tende a seguir, grosso modo, um padro Centro-Periferia: os bairros mais consolidados e centrais so muito mais verticalizados que os bairros perifricos, as-sim como os bairros com predominncia de populao de baixa ren-da tendem a ter predominantemente habitaes tipo casa.

    Tambm importante mencionar que a verticalizao s possvel com uma legislao permissiva. Foi exatamente o que aconteceu nos ltimos anos: a entrada em vigor do novo Plano Diretor de Desenvol-vimento Urbano e Ambiental (PDDUA) em 2000 aumentou a altura permitida para edificaes em vrios bairros da cidade, facilitando a valorizao e sendo, portanto, um dos fatores a aumentar a pres-so sobre os preos dos terrenos, ainda que a inteno manifesta do Plano Diretor no tenha sido encarecer a terra. Desde que a Lei foi sancionada e publicada, bairros centrais pouco verticalizados ou pelo menos com um estoque grande de casas antigas em terrenos de tamanho suficiente comearam a trocar essas casas por edifcios de apartamentos; atualmente, preos de casas em bairros como o Me-nino Deus determinado muito mais pelo potencial construtivo do terreno do que pelo valor de uso da residncia.

    Por fim, ainda sobre a primeira tabela, observa-se amplo predom-nio, dentre as tipologias produzidas, de apartamentos de 2 e 3 dormi-trios. Os dois juntos correspondem a 89% de todos os apartamentos construdos. Concomitantemente, uma mudana est em curso: at 2008, produziam-se mais unidades de 3 dormitrios; a partir de 2009, a tipologia 2 dormitrios passa a predominar. Uma das possveis ex-

  • 38

    plicaes para isso a reduo do tamanho das famlias trazida pela baixa fecundidade atual das mulheres, refletindo-se em uma necessi-dade menor do nmero de quartos nas novas aquisies de moradias das famlias contemporneas.

    Figura 1- Porto Alegre: percentual de domiclios tipo apartamento sobre o total de domiclios

    Fonte: dados do IBGE e Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Mapa: elaborao prpria.

  • 39

    Para entender o que est acontecendo com o mercado imobilirio em Porto Alegre, no basta saber a quantidade de imveis construdos; importante acompanhar tambm o comportamento dos preos2. A Tabela 2, a seguir, est focada em apartamentos de 2 e 3 dormitrios porque, como comentado anteriormente, a maioria absoluta dos imveis est nessa tipologia. Alm disso, optou-se por usar dados de imveis usados, visto que os novos podem ter variao pontual, de-pendendo do foco do lanamento: em um perodo com grande quan-tidade de imveis de alto padro, pode haver um desvio para cima na curva de preos, assim como uma oferta momentnea de imveis com padro mais baixo pode forar a curva em sentido inverso.

    2. Desde o meio do ano de 2012, a Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas (FIPE) tem acompanhado o preo dos imveis em Porto Alegre atravs dos anncios no portal ZAP (para uma descrio, pode-se consultar http://www.fipe.org.br/web/index.asp?aspx=/web/indices/FIPEZAP/index.aspx). No ser usado aqui neste es-tudo por duas razes: a) por ser muito recente, no permitir o acompanhamento e comparao com a srie histrica; b) tem apresentado nmeros completamente discrepantes em relao aos levantamentos do SECOVI/AGADEMI. Por exemplo: na edio n 1065 da revista Exame, de 14/05/2014, o Guia de Imveis 2014 apresenta os dados do ndice FIPE/ZAP com preo mdio do m2 dos imveis usados em 2013 como sendo R$ 4.834,00, com alta de 14% em relao a 2012. praticamente 1.500 reais mais alto que os dados apresentados na Tabela 2. No s isso: na pgina 107 da referida revista, em que se comenta a queda dos lanamentos de imveis novos, os nmeros tambm so bastante diferentes dos Censos do Mercado Imobilirio do Sindicato da Construo Civil de Porto Alegre: a revista fala em 15.000 (!) lanamen-tos em 2012 e 7.300 em 2013, totalmente diversos dos nmeros apresentados na Ta-bela 1. Com certeza, essas discrepncias merecem uma investigao, o que escapa aos propsitos deste texto. Fica a sugesto.

  • 40

    Tabela 2 Porto Alegre: preo mdio do m2 para venda de imveis usados em

    Ano / Tipo 2 dormitrios R$/m23 dormitrios

    R$/m22003 828,94 937,84

    2005 923,22 1007,49

    2007 1177,55 1329,06

    2008 1354,89 1575,78

    2009 1708,27 1909,99

    2010 2072,07 2190,35

    2011 2354,00 2571,39

    2012 2737,48 2937,47

    2013 3076,60 3347,28

    Fonte: Panorama do mercado imobilirio (vrios anos) SECOVI/RS AGADEMI

    Com exceo dos dois primeiros anos, quando os preos estiveram praticamente estveis, durante o perodo analisado fica claro a for-te elevao dos preos de venda dos imveis. Entre 2003 e 2013, o aumento do custo mdio do m2 dos imveis de 2 dormitrios foi de 271,14%; j os imveis de 3 dormitrios tiveram elevao de 256,96%. Enquanto isso, a inflao medida pelo IPCA (ndice de Nacional de Preos ao Consumidor Amplo) no perodo de dezembro de 2003 a dezembro de 2013 correspondeu a 72,02%. Os nmeros falam por si: acompanhando o que vem acontecendo no Brasil como um todo, em Porto Alegre esses bens se valorizaram muito acima da inflao.

    Quando se olha mais detalhadamente esse processo de elevao de custos, uma coisa deve ser ressaltada: j entre 2004 e 2005, os preos estavam em uma curva ascendente e acima da inflao, ou seja, an-tes de o Brasil ser escolhido para sediar a Copa do Mundo (anncio em outubro de 2007), anteriormente at ao anncio das cidades-se-de (que ocorreu dois anos depois), e, portanto, tambm muito an-

  • 41

    tes de as Matrizes de Responsabilidade listando obras relacionadas ao evento de 2014, ser assinado pelos entes federativos (Prefeitura de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul e Governo Federal). E, quase desnecessrio salientar tambm, antes de comearem as inter-venes no tecido urbano conhecidas como obras da Copa.

    Mas, ento, por que os preos subiram? Para ajudar na reflexo, in-teressante observar o que o Censo de 2010 trouxe de dados para enri-quecer a anlise que est sendo feita aqui.

    2. POPULAO E DOMICLIOS EM PORTO ALEGRE

    Para comear esta seo, vamos dar uma olhada nas informaes mais gerais sobre a cidade no perodo correspondente aos dois lti-mos Censos Demogrficos:

    Tabela 3 Populao e domiclios em Porto Alegre: 2000-2010

    2000 2010

    Populao total 1.360.590 1.409.350

    Total de domiclios 503.536 574.831

    Populao em aglomerados subnormais

    143.353 192.843

    Domiclios em aglomerados subnormais

    37.480 56.024

    Domiclios particulares no ocupados vagos

    42.736 48.934

    Fonte: IBGE. Censos demogrficos de 2000 e 2010.

  • 42

    Em primeiro lugar, os nmeros mostram um baixssimo crescimento populacional no perodo intercensitrio: apenas 48.760 pessoas fo-ram acrescidas populao total da cidade, fazendo de Porto Alegre a capital com a menor taxa de crescimento do pas, 0,36% ao ano. Entretanto, a visualizao dos nmeros referentes aos domiclios re-velam algumas peculiaridades. Entre os Censos, foram acrescidos na cidade mais 71.295 domiclios, o que d um imvel para cada novo morador e ainda sobra um excedente significativo. Quando se exa-mina a quantidade de domiclios particulares vazios, a situao se repete: esse nmero maior que o acrscimo de populao da ltima dcada. E isso que no aparece nessa tabela o nmero de domiclios no ocupados de uso ocasional; so 16.292 imveis, que, somados com os vazios, d um total de 65.226 imveis no ocupados, ou signi-ficativos 11,34% do estoque de moradias porto-alegrenses. Deve ser ressaltado que, mesmo os perodos no sendo totalmente coinciden-tes, praticamente impossvel no fazer a comparao: a indstria da construo civil colocou no mercado, nos ltimos anos, um nmero maior de moradias do que os domiclios contabilizados em aglome-rados subnormais no censo de 2010. Essa comparao, se no uma resposta definitiva pergunta do porqu da subida de preos, pelo menos indica uma que deve ser descartada: o dficit habitacional no pode ser responsabilizado nem pela quantidade de imveis ofer-tados e nem pelo aumento generalizado dos preos, j que, mesmo com toda a oferta imobiliria ao longo da ltima dcada, no houve diminuio da quantidade de aglomerados subnormais.

    Existem outros dados censitrios que podem ajudar a explicar o boom imobilirio? A capital gacha, como j escrito anteriormente, tem al-gumas particularidades: alm do menor crescimento, a capital do pas com a maior proporo de unidades domsticas unipessoais, com 21,6% de todo o estoque de domiclios ocupados (novamente, uma pe-quena comparao com So Paulo: na capital paulista, so 14,1% dos domiclios). Se forem contabilizados apenas as unidades domsticas nucleares, a distribuio percentual por organizao familiar tambm destaca Porto Alegre. a capital com a maior quantidade relativa de casais sem filhos (26,9%) e, quase como consequncia, a cidade com o menor percentual de casais com filhos (exatos 50%). Essas peculia-

  • 43

    ridades da organizao familiar porto-alegrense pelo menos ajudam a explicar a grande proporo de domiclios em relao populao total, ainda que no possa ser responsabilizada pela subida nos preos.

    Por conta disso, de se supor que o mercado imobilirio no pode contar com novas unies de casais como o principal motor de sua expanso, ainda que seja recorrente o artifcio de se mostrar jovens (e brancos) casais com filhos nas propagandas dos lanamentos imobi-lirios. Isso fica ntido na tabela seguinte:

    Tabela 4 Porto Alegre: nmero de casamentos (2003-2012)

    Nmero de casamentos (Unidades)

    Anos Porto Alegre2003 4.172

    2004 4.061

    2005 4.244

    2006 4.379

    2007 4.479

    2008 5.001

    2009 4.927

    2010 4.935

    2011 5.197

    2012 5.523

    Fonte: IBGE: Estatsticas do Registro Civil.

  • 44

    Como podemos perceber comparando esses dados com o nmero de lanamentos da Tabela 1, a quantidade de novos casais formados menor que os imveis novos construdos e colocados venda em todos os anos da srie histrica. Se todos os casais comprassem ime-diatamente aps o casamento somente imveis novos, sem nunca se interessar por usados, mesmo assim sobrariam habitaes. Mais uma vez, parece que o boom da construo no est relacionado com uma demanda de necessidades reais de moradia na cidade.

    Olhar a geografia da populao tambm til para se compreen-der a dinmica, no s da construo imobiliria, mas dos proces-sos de produo do espao e ocupao do territrio. A Tabela 5 a seguir mostra a evoluo da populao de Porto Alegre por bairros captada nos ltimos Censos:

    Tabela 5 Porto Alegre: populao por bairros nos trs ltimos Censos

    Bairros 1991 2000 2010Acrscimo (+)Diminuio (-)

    Farroupilha 1.246 1.101 961 -

    Bom Fim 11.711 11.351 11.630 -

    Centro Histrico 43.252 36.862 39.154 -

    Independncia 7.394 6.407 6.121 -

    Moinhos de Vento 8.132 8.067 7.264 -

    Santa Ceclia 6.492 5.800 5.768 -

    Cidade Baixa 19.441 16.634 16.522 -

    Rio Branco 21.089 19.069 20.058 -

    Bela Vista 7.612 9.621 11.128 +

    Petrpolis 36.099 35.069 38.155 +

    Menino Deus 30.309 29.577 30.507 +

    Auxiliadora 10.212 9.985 9.683 -

    MontSerrat 9.958 10.236 11.236 +

    Santana 23.589 21.221 20.723 -

    Higienpolis 9.007 9.096 10.724 +

    Floresta 25.408 14.941 14.972 -

    Praia de Belas 1.911 1.869 2.281 +

  • 45

    Bairros 1991 2000 2010Acrscimo (+)Diminuio (-)

    Cristo Redentor 15.187 16.103 16.455 +

    So Geraldo 5.516 8.692 8.292 +

    Boa Vista 8.134 8.691 8.750 +

    Passo DAreia 22.341 23.083 23.271 +

    Azenha 15.433 13.449 13.459 -

    Jardim Lindoia 6.875 7.334 7.417 +

    So Joo 11.574 13.238 12.418 +

    Jardim Botnico 12.110 11.494 12.521 +

    Vila Ipiranga 22.188 20.951 20.958 -

    Santo Antnio 14.761 14.392 13.161 -

    Jardim do Salso 4.462 5.143 5.160 +

    Humait 10.765 10.470 11.502 +

    Jardim So Pedro 4.378 3.998 3.775 -

    Navegantes 6.449 4.475 4.322 -

    Rubem Berta 71.669 78.624 87.367 +

    Cristal 21.474 21.054 19.225 -

    Santa Maria Goretti 4.931 4.132 3.509 -

    Chcara das Pedras 6.298 7.034 7.471 +

    Medianeira 13.386 12.428 11.568 -

    Tristeza 14.200 15.125 16.198 +

    Jardim It-Sabar 34.472 31.127 31.790 -

    So Sebastio 6.807 6.465 6.511 -

    Trs Figueiras 4.041 3.657 4.070 -

    Vila Nova 29.095 33.145 36.225 +

    Partenon 47.584 47.460 45.768 -

    Camaqu 22.848 21.723 20.101 -

    Nonoai 29.683 32.222 31.001 +

    Terespolis 11.695 12.844 15.219 +

    Cavalhada 19.604 19.854 18.582 -

    Glria 9.085 8.809 7.538 -

    Sarandi 55.144 60.403 59.707 +

  • 46

    Bairros 1991 2000 2010Acrscimo (+)Diminuio (-)

    Jardim Carvalho 22.926 25.915 25.763 +

    Vila Jardim 9.465 14.251 11.979 +

    Santa Tereza 41.898 47.175 43.391 +

    Bom Jesus 21.987 28.229 26.719 +

    Vila Assuno 4.567 4.591 4.418 -

    Vila Joo Pessoa 10.738 10.522 10.098 -

    Ipanema 12.804 16.877 14.136 +

    Anchieta 194 203 147 -

    So Jos 26.647 28.957 28.156 +

    Farrapos 13.410 17.019 18.986 +

    Restinga 33.567 50.020 51.569 +

    Cel. Aparcio Borges 17.572 22.786 23.167 +

    Jardim Isabel 2.835

    Mario Quintana 14.965 21.848 27.767 +

    Agronomia 2.192 10.681 12.222 +

    Lomba do Pinheiro 26.488 30.388 51.415 +

    Cascata 20.008 24.130 23.133 +

    Esprito Santo 5.202 5.734 5.606 +

    Vila Conceio 1.418 1.467 1.349 +

    Guaruj 2.123 2.589 2.612 +

    Lajeado 3.942 3.425 7.765 +

    Hpica 7.868 10.363 11.889 +

    Ponta Grossa 1.711 3.290 4.213 +

    Belm Velho 5.492 7.876 8.903 +

    Arquiplago 2.270 5.061 8.330 +

    Belm Novo 11.054 13.787 15.833 +

    Lami 1.937 2.699 4.642 +

    Pedra Redonda 312 316 274 -

    Serraria 4.528 5.775 5.885 +

    Fonte: IBGE: censos demogrficos e Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

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    Em primeiro lugar, cumpre alertar que comparar bairros tem seus complicadores, pois suas dimenses territoriais variam muito. O re-sultado dessa diferena que Porto Alegre tem, ao mesmo tempo, um bairro como Pedra Redonda, com rea de 0,51km2 e apenas 274 habitantes contrastando com Rubem Berta, com rea de 8,20 km2 e mais de 87 mil habitantes. Mas essa ampla desigualdade no impede a compreenso mais geral da ocupao do territrio pela populao.

    J foi comentado neste texto o fato de Porto Alegre ter apresentado indicadores demogrficos abaixo da mdia nacional na maior par-te dos casos, como o pequeno crescimento total da populao. Esse baixo crescimento deriva de dois fenmenos interligados: uma fe-cundidade que j inferior ao nvel de reproduo (no Brasil, a taxa de fecundidade total estava em 1,90 filhos por mulher em 2010; em Porto Alegre, essa mdia era de 1,5 filhos por mulher) e uma migra-o que arrefeceu bastante neste incio de sculo XXI. Um indicador simples foi levantado pelo Censo 2010: pessoas de 5 ou mais anos de idade que no residiam na cidade em 31/07/2005 totalizavam 82.454 indivduos. Resumindo: a migrao em direo a Porto Alegre mui-to pequena; pode ter contribudo com o crescimento populacional da cidade, compensando parcialmente a baixa natalidade, mas no capaz de explicar possvel presso no mercado imobilirio.

    Sem dvida, um dos principais fenmenos deste incio de sculo a baixa fecundidade. A reduo no nmero de filhos e, consequente-mente, no tamanho das famlias tem um efeito simples, mas ntido, sobre a ocupao do territrio: bairros mais antigos tendem a perder populao e diminuir a densidade demogrfica. Esse fenmeno no foi uniforme sobre os locais da cidade, mas a antiguidade somada verticalizao dos bairros nos d uma pista sobre os lugares que tiveram decrscimo populacional. Bairros mais antigos, centrais e com poucas casas/terrenos disponveis para novos empreendimen-tos tenderam a perder populao nessa passagem de sculo. Assim, os 8 bairros mais verticalizados da cidade perderam populao. Mas, novamente, deve ser ressaltado que esse fenmeno no foi uniforme: bairros altamente verticalizados, como Menino Deus, Bela Vista e Pe-trpolis, voltaram a ganhar populao.

  • 48

    A Tabela 6 ajuda a visualizar esse fenmeno, pois mostra a desigual-dade na verticalizao em Porto Alegre e complementa as informa-es da tabela anterior:

    Tabela 6 Porto Alegre: verticalizao e rendimento domiciliar por bairro

    Bairro Percentual de domic-lios tipo apartamento

    Rendimento mdio dos responsveis pelo domiclio (salrios--mnimos)

    Farroupilha 98,63 8,90

    Bom Fim 98,47 7,67

    Centro Histrico 98,20 6,46

    Independncia 97,95 9,87

    Moinhos de Vento 95,96 16,05

    Santa Ceclia 94,64 7,60

    Cidade Baixa 94,30 5,92

    Rio Branco 92,15 11,98

    Bela Vista 91,75 17,58

    Petrpolis 90,25 10,70

    Menino Deus 90,13 8,74

    Auxiliadora 89,42 9,77

    MontSerrat 89,41 12,50

    Santana 88,10 7,10

    Higienpolis 87,11 10,74

    Floresta 86,89 6,00

    Praia de Belas 86,02 7,17

    Cristo Redentor 83,15 5,69

    So Geraldo 81,85 4,31

    Boa Vista 81,81 11,99

    Passo DAreia 81,15 5,68

    Azenha 80,34 5,64

    Jardim Lindoia 77,03 9,57

    So Joo 75,99 6,62

    Jardim Botnico 75,67 7,45

  • 49

    Bairro Percentual de domic-lios tipo apartamento

    Rendimento mdio dos responsveis pelo domiclio (salrios--mnimos)

    Vila Ipiranga 74,10 5,93

    Santo Antnio 70,66 5,23

    Jardim do Salso 68,56 6,55

    Humait 66,03 3,90

    Jardim So Pedro 63,18 5,58

    Navegantes 58,18 3,54

    Rubem Berta 56,91 3,04

    Cristal 56,33 5,26

    Santa Maria Goretti 53,58 4,41

    Chcara das Pedras 50,47 12,7

    Medianeira 49,64 5,35

    Tristeza 47,96 9,44

    Jardim Sabar 47,58 4,32

    So Sebastio 47,23 4,24

    Trs Figueiras 46,67 17,67

    Vila Nova 37,45 3,31

    Partenon 36,58 4,14

    Camaqu 35,62 4,12

    Nonoai 35,37 5,12

    Terespolis 33,83 5,77

    Cavalhada 33,67 3,93

    Jardim Itu 32,72 6,43

    Morro Santana 31,29 3,41

    Glria 30,90 4,71

    Sarandi 21,96 2,64

    Jardim Carvalho 21,05 3,55

    Vila Jardim 20,80 3,95

    Passo das Pedras 20,17 3,39

    Santa Tereza 18,64 3,48

    Bom Jesus 16,87 2,71

  • 50

    Bairro Percentual de domic-lios tipo apartamento

    Rendimento mdio dos responsveis pelo domiclio (salrios--mnimos)

    Vila Assuno 14,82 11,14

    Jardim Floresta 13,87 3,44

    Vila Joo Pessoa 9,63 3,23

    Ipanema 9,53 6,53

    Anchieta 9,04 2,49

    So Jos 8,31 2,22

    Farrapos 8,06 2,03

    Restinga 7,40 2,10

    Coronel Aparcio Borges 7,39 2,58

    Jardim Isabel 6,01 14,57

    Mario Quintana 4,32 1,68

    Agronomia 3,85 2,51

    Lomba do Pinheiro 3,61 1,96

    Cascata 3,07 2,18

    Esprito Santo 2,89 6,37

    Campo Novo 1,44 2,38

    Vila Conceio 0,67 8,72

    Guaruj 0,64 5,82

    Lajeado 0,64 2,37

    Hpica 0,58 3,25

    Ponta Grossa 0,51 2,90

    Belm Velho 0,47 2,31

    Arquiplago 0,39 2,03

    Belm Novo 0,31 3,51

    Chapu do Sol 0,00 1,75

    Lami 0,00 2,15

    Pedra Redonda 0,00 18,24

    Serraria 0,00 1,54

    Fonte: IBGE: Censo Demogrfico 2010 e Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

  • 51

    O cruzamento dos dados de verticalizao com renda mostra uma cor-relao interessante, ainda que no absoluta: morar em condomnios de apartamentos tende a ser hbito de habitantes com um patamar de ren-da mais elevado; da mesma forma, na maior parte dos casos de bairros com predominncia de casas, a renda tende a ser menor (com excees vide Pedra Redonda com 100% de casas e mais de 18 salrios-mnimos do rendimento do responsvel). Outro fato que no pode deixar de ser observado a tendncia a um padro Centro-Periferia: as reas centrais so, de modo geral, mais verticalizadas que bairros afastados.

    Com a exceo dos bairros onde quase no h mais terrenos disponveis para a construo de edifcios (por exemplo, nos bairros com mais de 95% de moradores em domiclios tipo apartamento), no se pode dizer que o mercado tenha tido uma tendncia ntida em direo periferia ou a algum tipo especfico de bairro. Na verdade, o que mais tem in-fluenciado a disponibilidade de terrenos (com ou sem casa em cima). Nos ltimos cinco anos, o SINDUSCON tem contabilizado lanamentos em praticamente todas as regies da cidade e em mais de 50 bairros. Os bairros com mais lanamentos imobilirios tm sido os seguintes3:

    Quadro 1 Porto Alegre: Bairros com maior nmero de lanamentos imobilirios

    Ano Bairros2009 Rubem Berta, Petrpolis, Jardim Carvalho, MontSerrat, Passo

    DAreia, Agronomia

    2010 So Joo, Passo DAreia, Lomba do Pinheiro, Jardim Carvalho, Passo das Pedras, Partenon

    2011 Petrpolis, Partenon, Jardim Carvalho, Mrio Quintana, Sarandi, Passo das Pedras

    2012 Jardim Carvalho, Petrpolis, Sarandi, Jardim Planalto, Hpica, Azenha

    2013 Petrpolis, Jardim Carvalho, Jardim It-Sabar, Passo DAreia, Nonoai

    Fonte: Panorama do mercado imobilirio (vrios anos) SECOVI/RS AGADEMI.

    3. Segundo a sinopse anual do Censo do Mercado Imobilirio de Porto Alegre,de 2009 a 2013.

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    Mesmo limitados aos ltimos cinco anos e aos seis bairros com mais lanamentos, a lista mostra que o mercado investe tanto em bairros verticalizados e centrais quanto em lugares mais perifricos e horizon-tais; sem dvida a disponibilidade de terra um dos principais deter-minantes da geografia da construo imobiliria em Porto Alegre.

    Essa pulverizao dos lanamentos em praticamente todos os bair-ros, em que pese a importante existncia de empreendimentos de maior porte em reas especficas da cidade (por exemplo: lanamen-to de novos bairros como Central Parque e Amrica; na prtica localizados entre os bairros de Jardim do Salso e principalmente Jardim Carvalho), remete pergunta seguinte: afinal, existe um pa-dro para esta geografia? E afinal, por que sobem os preos?

    3. DE VOLTA AOS CLSSICOS: RENDA DA TERRA

    A propriedade fundiria pressupe que certas pessoas tm o mono-plio de dispor de determinadas pores do globo terrestre como esferas exclusivas de sua vontade privada, com excluso de todas as outras. Isso pressuposto, trata-se agora de expor o valor econmico, ou seja, a valorizao desse monoplio na base da produo capita-lista. O poder jurdico destas pessoas de usar e abusar de pores do globo terrestre em nada contribui para isso. A utilizao dessas por-es depende inteiramente de condies econmicas que so inde-pendentes da vontade desses proprietrios (MARX, 1986, p.124).

    Em primeiro lugar, deve ser alertado que no ser reproduzido aqui o exaustivo debate acerca da transposio da teoria da renda fundiria ru-ral para a cidade. A citao de Marx serve para lembrar que o monoplio de pores de espao importante para o entendimento sobre vrios conflitos urbanos e, talvez mais importante ainda, o fundamento para entender essas disputas no est na terra, mas na produo em geral.

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    A questo, como lembra David Harvey (1980, p. 135-36), que o solo e suas benfeitorias, apesar de sob o capitalismo terem se transforma-do em mercadorias, no so mercadorias quaisquer, pois:

    a) ao contrrio das mercadorias produzidas em fbricas, so fi-xas e no podem se deslocar;

    b) os indivduos no podem dispensar esta mercadoria, pois impossvel existir sem ocupar espao;

    c) o solo e suas benfeitorias mudam de mos com relativamente pouca frequncia, o que d um carter peculiar realizao do valor de troca;

    d) como o solo algo permanente e as benfeitorias costumam ter uma longa durabilidade, os direitos de uso ligados a eles so meio de acumular riquezas;

    e) como a troca ocorre em um momento de tempo, mas o uso se estende por um perodo bem maior, os direitos de consumo obtidos pelo pagamento de um preo so bastante altos, o que implica que as instituies financeiras desempenham um papel fundamental no funcionamento do mercado de terra e uso do solo urbanos.

    f) o solo e as benfeitorias tm usos diversos e numerosos, ao contrrio da mercadoria comum.

    Alm de todas essas particularidades, o solo e suas benfeitorias tm um atributo fundamental: localizao. Como lembra Villaa (2012, p.31), a localizao um valor de uso produzido. Isso significa que no uma qualidade intrnseca terra ou mesmo s edificaes sobre o terreno o fundamento da renda da terra. A localizao uma qualidade configu-rada pela sociedade como um todo. O preo que pode alcanar o solo numa venda advm de suas vantagens locacionais que so construdas socialmente, como proximidade de servios e comrcio, fornecimento

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    de gua, luz e esgotamento sanitrio, existncia de transporte coletivo e mesmo legislao que permita a verticalizao etc. Em suma, condi-es que no s independem do terreno em si, como so totalmente independentes da vontade individual do proprietrio.

    Portanto, para voltar questo da subida dos preos dos imveis em Porto Alegre, no est nos proprietrios a explicao para a subida dos preos. Se dependesse unicamente dos proprietrios, os preos sempre seriam altos, afinal no capitalismo sempre se busca o ganho mximo. Mas, como visto anteriormente, a escalada de preos re-cente, denunciando que isso s acontece em situaes especficas.

    Alis, a retomada da discusso da renda da terra importante por-que as peculiaridades no se resumem s levantadas acima; Topalov (1984, p.6), por exemplo, mostra que o aumento da oferta dos imveis no implica necessariamente uma baixa dos preos. Isso porque,

    Contrariamente a los productos del capital que salen de la producci-n como capital mercanca em vias de realizacin, los bienes races no implican ninguna necessidad social de ser vendidos. Por tanto, en este mercado tan especial no hay mercanca producida, ni pre-cio regulador, ni ley de oferta autnoma. Se trata, entonces, de un mercado en el que la formacin de los precios se presenta a la inver-sa, en el que la ley de la demanda regula los precios de transaccin, mientras que stos regulan a su vez los precios de oferta. Todo el mundo sabe que el precio del suelo depende de lo que se hace o se

    puede hacer em l (TOPALOV, 1984, p.9-10).

    Ora, os dados j mostrados sobre a capital gacha (ver novamente Ta-bela 1) comprovam a enorme preferncia do mercado imobilirio por edifcios residenciais; essa preferncia dada pelo Plano Diretor, que, por exemplo, na Macrozona 14 permite, atravs de transferncia de

    4. O Plano Diretor atual, em seu captulo sobre o Modelo Espacial, divide a cidade em 9 Macrozonas. A Macrozona 1 engloba o territrio compreendido pelo centro histrico e sua extenso at a III Perimetral, constituindo a rea mais estruturada e densificada do municpio (Prefeitura Municipal de Porto Alegre, s/d., p.43).

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    potencial construtivo ou aquisio de solo criado, edificaes de at 52 metros de altura (PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, s/d., p.63). O que explica a transformao de casas, nesta Macrozona, em edifcios. O preo do solo dependendo do que se pode fazer nele.

    Isso o que Neil Smith, seguindo Harvey (2013), chama de renda po-tencial do solo. Ainda que o solo e suas melhorias estejam fixados no espao, o seu valor tudo, menos fixo (SMITH, 2012, p. 111). Como nunca demais lembrar, um pedao de terra qualquer no necessita de manuteno nem qualquer trabalho em especial de seu proprie-trio para ter potencial de uso. Sendo a localizao um valor de uso produzido, proprietrios e mais ainda, bairros inteiros podem ca-pitalizar quantidades diferentes de renda da terra. A renda potencial do solo a quantidade que poderia ser capitalizada sob o melhor e mais elevado uso do solo (nos termos dos planejadores) ou pelo menos um uso mais alto e melhor (SMITH, 2012, p. 118). Nesses ter-mos, pode-se conceber o aumento de preos como uma busca pelo mais alto potencial possvel.

    E se, como colocou Marx, esse potencial est em verdade atrelado a condies independentes da vontade dos proprietrios, na produ-o e distribuio do mais-valor que devem ser buscadas as causas da subida de preos. O preo do solo no pode ser entendido ali onde ofertado o mercado imobilirio mas onde se forma, que so os processos de valorizao do capital.

    Consequentemente, sumamente importante lembrar que o Brasil tem experimentado crescimento econmico mesmo no perodo ps-2008 de extrema crise dos mercados e economias capitalistas centrais. Conco-mitantemente, o Governo Federal tem implementado vrios programas de melhoria de renda para extratos mais pobres e disponibilizao de crditos para a aquisio, construo ou reforma de moradias.

    Para o caso de Porto Alegre, pode-se exemplificar com indicadores do mercado de trabalho obtidos pela Pesquisa Emprego e Desemprego (sistema PED-RMPA),coletados pela Fundao de Economia e Estats-

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    tica do Estado do Rio Grande do Sul (FEE). O rendimento mdio real dos 25% de ocupados com menor rendimento nessa Regio Metropo-litana teve taxa de crescimento mdio anual de 3,3%. Em 1993, o ren-dimento mdio real deste estrato era de R$ 375,00; em 2000, estava em R$ 434,00, chegando a R$ 620,00 em 2012 (INFORME PED, 2013, p. 23).

    Porto Alegre reflete, de modo geral, as transformaes que vm ocorrendo no mundo do trabalho e na distribuio de renda no Brasil. A reativao do crescimento econmico, combinado com re-ajustes acima da inflao do salrio mnimo, tem significado uma ampliao do trabalho formal, maior participao dos rendimentos do trabalho na renda nacional, desemprego aberto e taxas de de-socupao mnimos, alm de reduo no grau de desigualdade da distribuio de renda (POCHMANN, 2012, p. 21).

    Por um outro ngulo, Marcelo Neri interpreta a situao da se-guinte forma:

    Se continuarmos na trajetria de crescimento e reduo de desigual-dade vistas em cada estado brasileiro desde 2003, teremos em 2014 cerca de 118 milhes de pessoas na classe C em 2014 e 29,1 milhes nas classes AB contra 65,8 milhes e 13,3 milhes, respectivamente, em 2003. Isto significa que no perodo 2003-14, 52,1 milhes de pesso-as entraro na classe C e outros 15,7 milhes nas classes AB. Perfazen-do um total de 67,8 milhes mais do que a populao do Reino Unido de novos integrantes de classes mais altas. Este dado notvel, dada a contrao dos mercados consumidores nos pases desenvolvidos fun-o da crise internacional em curso (NERI, 2012, p. 28).

    No importante para este texto entrar na polmica da existncia ou no de uma nova classe mdia ou classe C. Independente da inter-pretao, no h dvida que houve aumento de renda disponvel para uma parcela maior da populao no Brasil. E exatamente isso que est sendo capturado, via renda da terra, pelo mercado imobilirio.

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    Como no produz valor, o mercado imobilirio s pode aumentar preos quando a quantidade de valor distribudo na forma de salrios ou mesmo rendimentos aumenta para parcelas da populao capa-zes de (ou dispostas a) adquirir habitao. Mas isso no suficiente. preciso que um outro componente esteja presente nessa equao para resultar no boom do mercado imobilirio: a disponibilidade de crdito. E como pode ser comprovado pelo grfico a seguir, isso tem crescido enormemente no Brasil.

    A evoluo do financiamento concedido para aquisio/constru-o de imveis no Brasil coincide com o aumento de preos. Como j observado na Tabela 2, a escalada dos preos em Porto Alegre co-mea em 2005. Exatamente quando tambm inicia o incremento na disponibilidade de crdito no Brasil como um todo. E no foi um in-cremento pequeno. Partiu de um pouco menos de 2 bilhes de reais anuais at 2003 para chegar a mais de 80 bilhes em 2012. Em termos de unidades financiadas, eram menos de 40.000 por ano at 2003 e chegou a quase 500.000 em 2012.

    Figura 2 Financiamentos imobilirios concedidos em R$ bilhes pelo SBPE Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimos

    Fonte: Banco Central do Brasil. Obs: os valores de 2013 so at junho.

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    Essa uma das contradies deste mercado to especial, o do solo e suas benfeitorias. Por suas caractersticas, praticamente no func