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31 CADERNOS TEMÁTICOS DE QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 6 – JULHO 2005 O tecnécio no diagnóstico de patologias Radiofármacos para diagnóstico e terapia U m radiofármaco é uma subs- tância que, por sua forma far- macêutica, quantidade e quali- dade de radiação, pode ser utilizada no diagnóstico e tratamento de seres vivos, qualquer que seja a via de administração utilizada. De forma mais simples, podemos dizer que radiofármacos são moléculas ligadas a elementos radioativos (radioisóto- pos ou radionuclídeos), constituindo dessa forma fármacos radioativos que são utilizados em uma especiali- dade médica denominada Medicina Nuclear. Os radiofármacos são utili- zados em quantidades traços (traça- dores radioativos) com a finalidade de diagnosticar patologias e disfunções do organismo. Em menor extensão, são aplicados na terapia de doenças, particularmente no tratamento de tu- mores radiosensíveis. Quando a finalidade é diagnos- ticar patologias, como por exemplo o infarto do miocárdio ou uma disfun- ção renal, utiliza-se, na composição dos radiofármacos, radionuclídeos emissores de radiação gama. A radiação gama é uma onda eletro- magnética e, portanto, apresenta grande penetrabilidade nos tecidos e baixo poder de ionização quando comparada às radiações particu- ladas, representadas pela emissão, pelo núcleo dos átomos radioativos, de partículas alfa (α) ou de négatrons (β ). O menor poder de ionização da radia- ção gama minimiza a dose de radiação absorvida pelo paci- ente. Radionuclídeos emissores de radia- ção gama, tais como o tecnécio-99m, iodo-123, índio-111, galio-67 e o tálio- 201, entre outros, são utilizados na composição de radiofármacos para diagnóstico. Quando a finalidade é terapêutica, o efeito deletério da radiação é utili- zado para destruir células tumorais. Nesse caso, os radiofármacos são compostos por radionuclídeos emis- sores de radiação particulada, (α ou β ), que possuem pequeno poder de penetração mas são altamente ener- géticas, ionizando o meio que atra- vessam e causando uma série de efeitos que resultam na morte das células tumorais. Como exemplo de radionuclídeos emissores de radiação β utilizados em terapia, podemos citar o iodo-131, ítrio- 90, lutécio-177, rê- nio-188, estrôncio- 90 e o samário-153, entre outros. A maioria dos procedimentos reali- zados atualmente em Medicina Nucle- ar tem finalidade diagnóstica. O paciente recebe uma dose de um ra- diofármaco composto por um radio- nuclídeo gama emissor, e é posterior- mente examinado por um equipa- mento capaz de detectar a radiação oriunda do paciente e convertê-la em uma imagem que representa o órgão ou sistema avaliado. Esses equipa- Elaine Bortoleti de Araújo Radiofármacos são fármacos radioativos utilizados no diagnóstico ou tratamento de patologias e disfunções do organismo humano. Vários radioisótopos são utilizados na preparação de radiofármacos, entre os quais o tecnécio-99m ( 99m Tc), que apresenta características físicas ideais para aplicação em Medicina Nuclear Diagnóstica. Uma vez administrado ao paciente, o radiofármaco deposita-se no órgão ou tecido alvo e imagens podem ser adquiridas a partir da detecção da radiação proveniente do paciente, utilizando-se equipamentos apropriados. Trata-se de um procedimento não invasivo, que possibilita avaliações anatômicas, morfológicas e funcionais. O radionuclídeo 99m Tc é obtido a partir do decaimento radioativo de outro radionuclídeo, o molibdênio-99m (elemento pai), podendo ser facilmente disponibilizado, no ambiente hospitalar, a partir de geradores de 99 Mo- 99m Tc. O tecnécio-99m pode ligar-se a diferentes substratos ou ligantes, por reação de complexação, originando radiofármacos com afinidade por diferentes órgãos, sistemas ou receptores no organismo. O conhecimento da química de complexação do elemento tecnécio é de extrema importância para o desenvolvimento destes radiofármacos. radiofármacos, tecnécio-99m, Medicina Nuclear, complexação Radiofármacos são moléculas ligadas a elementos radioativos que são utilizadas em uma especialidade médica denominada Medicina Nuclear

O tecnécio na medicina

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CADERNOS TEMÁTICOS DE QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 6 – JULHO 2005O tecnécio no diagnóstico de patologias

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Radiofármacos para diagnóstico eterapia

Um radiofármaco é uma subs-tância que, por sua forma far-macêutica, quantidade e quali-

dade de radiação, pode ser utilizadano diagnóstico e tratamento de seresvivos, qualquer que seja a via deadministração utilizada. De formamais simples, podemos dizer queradiofármacos são moléculas ligadasa elementos radioativos (radioisóto-pos ou radionuclídeos), constituindodessa forma fármacos radioativosque são utilizados em uma especiali-dade médica denominada MedicinaNuclear. Os radiofármacos são utili-zados em quantidades traços (traça-dores radioativos) com a finalidade dediagnosticar patologias e disfunçõesdo organismo. Em menor extensão,são aplicados na terapia de doenças,particularmente no tratamento de tu-mores radiosensíveis.

Quando a finalidade é diagnos-ticar patologias, como por exemplo oinfarto do miocárdio ou uma disfun-

ção renal, utiliza-se, na composiçãodos radiofármacos, radionuclídeosemissores de radiação gama. Aradiação gama é uma onda eletro-magnética e, portanto, apresentagrande penetrabilidade nos tecidos ebaixo poder de ionização quandocomparada às radiações particu-ladas, representadas pela emissão,pelo núcleo dos átomos radioativos,de partículas alfa (α)ou de négatrons (β–).O menor poder deionização da radia-ção gama minimiza adose de radiaçãoabsorvida pelo paci-ente. Radionuclídeosemissores de radia-ção gama, tais como o tecnécio-99m,iodo-123, índio-111, galio-67 e o tálio-201, entre outros, são utilizados nacomposição de radiofármacos paradiagnóstico.

Quando a finalidade é terapêutica,o efeito deletério da radiação é utili-zado para destruir células tumorais.Nesse caso, os radiofármacos são

compostos por radionuclídeos emis-sores de radiação particulada, (α ouβ–), que possuem pequeno poder depenetração mas são altamente ener-géticas, ionizando o meio que atra-vessam e causando uma série deefeitos que resultam na morte dascélulas tumorais. Como exemplo deradionuclídeos emissores de radiaçãoβ– utilizados em terapia, podemos

citar o iodo-131, ítrio-90, lutécio-177, rê-nio-188, estrôncio-90 e o samário-153,entre outros.

A maioria dosprocedimentos reali-zados atualmenteem Medicina Nucle-

ar tem finalidade diagnóstica. Opaciente recebe uma dose de um ra-diofármaco composto por um radio-nuclídeo gama emissor, e é posterior-mente examinado por um equipa-mento capaz de detectar a radiaçãooriunda do paciente e convertê-la emuma imagem que representa o órgãoou sistema avaliado. Esses equipa-

Elaine Bortoleti de Araújo

Radiofármacos são fármacos radioativos utilizados no diagnóstico ou tratamento de patologias e disfunções do organismohumano. Vários radioisótopos são utilizados na preparação de radiofármacos, entre os quais o tecnécio-99m (99mTc), queapresenta características físicas ideais para aplicação em Medicina Nuclear Diagnóstica. Uma vez administrado ao paciente,o radiofármaco deposita-se no órgão ou tecido alvo e imagens podem ser adquiridas a partir da detecção da radiação provenientedo paciente, utilizando-se equipamentos apropriados. Trata-se de um procedimento não invasivo, que possibilita avaliaçõesanatômicas, morfológicas e funcionais. O radionuclídeo 99mTc é obtido a partir do decaimento radioativo de outro radionuclídeo,o molibdênio-99m (elemento pai), podendo ser facilmente disponibilizado, no ambiente hospitalar, a partir de geradores de99Mo-99mTc. O tecnécio-99m pode ligar-se a diferentes substratos ou ligantes, por reação de complexação, originandoradiofármacos com afinidade por diferentes órgãos, sistemas ou receptores no organismo. O conhecimento da química decomplexação do elemento tecnécio é de extrema importância para o desenvolvimento destes radiofármacos.

radiofármacos, tecnécio-99m, Medicina Nuclear, complexação

Radiofármacos sãomoléculas ligadas a

elementos radioativos quesão utilizadas em umaespecialidade médicadenominada Medicina

Nuclear

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mentos são denominados câmaras-gama ou câmaras de cintilação, enesse caso adquirem imagens cinti-lográficas em um único plano. Maspodem ainda estar associados atomógrafos, que permitem a aquisi-ção de imagens em cortes, possibili-tando a avaliação de um órgão emtoda a sua profundidade. As imagenstomográficas em Medicina Nuclearsão denominadas SPECT, sigla doinglês “Single Photon Emission Com-puter Tomography” ou seja, Tomogra-fia Computadorizada por Emissão deFóton Único. Dessa forma, todo exa-me em Medicina Nuclear inicia-secom a administração do radiofármacoou fármaco radioativo. Podemos dizerque o radiofármaco é uma das prin-cipais ferramentas de trabalho domédico nuclear.

Desenvolver e produzir radiofár-macos significa estudar, entre outrascoisas, a química da interação entreelementos radioativos e diferentesmoléculas (substratos ou ligantes),para a preparação de compostos ra-dioativos com afinidade e especifici-dade por diferentes órgãos, sistemasou patologias. Os substratos pararadiofármacos são geralmente com-postos orgânicos, mas tambémpodem constituir-se de espécies co-loidais ou particuladas, proteínas(anticorpos ou peptídeos) ou mesmocélulas, como as células vermelhas ebrancas do sangue.

A natureza do ligante geralmentedetermina a especificidade do radio-fármaco. Outras vezes, a ligação doelemento radioativo ao substrato pro-move alterações nas propriedadesquímicas e, conseqüentemente, naspropriedades biológicas do compos-to. Dessa forma, após o estudo daligação do elemento radioativo aosubstrato, o desenvolvimento de umradiofármaco não pode prescindirdos estudos de distribuição biológicaem animais de experimentação, demodo a determinar a eficácia da distri-buição ou a especificidade biológica.

Atualmente, o radionuclídeo maisimportante para a preparação de ra-diofármacos com finalidade diagnós-tica é o tecnécio-99m (99mTc).

Ao propor a Tabela Periódica doselementos em 1869, Mendeleev dei-

xou vários lugares vazios para os ele-mentos até então desconhecidos epreviu que os espaços abaixo domanganês, correspondentes aos nú-meros atômicos 43 e 75, seriam even-tualmente ocupados por elementosparecidos a este e, por isso, chamou-os de ekamanganês e dvimanganês(Murphy e Ferro Flores, 2003).

O elemento de número atômico43, que ficava entre o manganês e orênio, foi descoberto em 1937 porCarlo Perrie e Emilio Gino Segrè. Apósa Segunda Guerra Mundial, o elemen-to foi batizado com o nome de tecné-cio. Esse nome vem do adjetivo gregotechnetos ou artificial, e foi utilizadopelo fato de o tecnécio ter sido o pri-meiro elemento químico preparadoartificialmente (Murphy e Ferro Flores,2003).

O tecnécio (Tc) é um metal da se-gunda série de transição da TabelaPeriódica, pertencente à família 7B, eestá localizado entre o molibdênio eo rutênio e entre o manganês e o rênio(Murphy e Ferro Flores, 2003).

MnMo Tc Ru

ReAté o momento, todos os isótopos

conhecidos do tecnécio são radioati-vos, desde o tecnécio-90 ao tecnécio-110, e incluem oito pares de isômerosnucleares, entre eles 99mTc-99Tc (Mur-phy e Ferro Flores, 2003). Isômerosnucleares são nuclídeos que se dife-renciam apenas pelo seu conteúdoenergético. O nuclídeo no estadomais energético (metaestável), liberaenergia eletromagnética (radiaçãogama) na transição para um estadoisomérico de energia mais baixa.

O tecnécio-99m é um radionuclí-deo que apresenta característicasfísicas ideais para utilização emMedicina Nuclear Diagnóstica: é mo-no-emissor gama de baixa energia(140 keV), possui tempo de meia-vidafísico relativamente curto (6,02 h, ouseja, a cada intervalo de 6,02 h a ati-vidade de uma amostra de tecnécio-99m decai pela metade), e não emiteradiação do tipo particulada (α ou β–).Essas características físicas, em con-junto, possibilitam a aquisição de ima-gens cintilográficas com excelenteresolução, utilizando-se os equipa-

mentos de detecção de radiaçãoatualmente disponíveis, sem compro-metimento dosimétrico para o pacien-te. Assim, a grande maioria dosradiofármacos utilizados atualmentesão preparados a partir desse radio-nuclídeo (Saha, 1998).

O tecnécio-99m é produto dodecaimento radioativo do molibdênio-99. Cerca de 87,5% dos átomos de99Mo de uma amostra desintegram-se por emissão de radiação β– e origi-nam núcleos de 99mTc que, por suavez, desintegram-se por emissão deradiação gama para originar o 99Tc, oqual se desintegra a 99Ru (estável)(Figura 1) (SAHA, 1998). Dessa forma,99Mo é chamado de elemento “pai” e99mTc de elemento “filho”. 99Mo e 99mTcformam um par radioativo em equi-líbrio transiente, já que o tempo demeia-vida físico do pai é cerca de dezvezes maior que o do filho. Esse equi-líbrio possibilita a fabricação do siste-ma gerador de radionuclídeo de 99Mo-99mTc.

Por meio do sistema gerador de99Mo-99mTc, o elemento tecnécio-99mpode ser facilmente disponibilizadono hospital ou serviço de MedicinaNuclear. O gerador é um sistema fe-chado, composto por uma colunacromatográfica de óxido de alumínio(Al2O3), na qual é depositada umaatividade conhecida de 99Mo. 99Modesintegra-se na coluna e origina o99mTc. Fazendo-se passar através dacoluna uma solução salina estéril(solução NaCl 0,9%), coleta-se nolíquido eluente somente o tecnécio-99m na forma de pertecnetato desódio (Na+TcO4

-), enquanto que o99Mo permanece adsorvido à colunade alumina (Figura 2) (Saha, 1998).

Após um período de crescimentoideal (aproximadamente 24 h), ogerador pode ser novamente eluídocom rendimento teórico máximo de

Figura 1: Esquema de decaimento do99Mo.

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tecnécio-99m. A vida útil de um ge-rador pode variar de uma semana a15 dias, dependendo da carga inicialde 99Mo. A cada dia, uma atividademenor de tecnécio-99m é eluída,devido ao próprio decaimento doelemento pai.

Radiofármacos de tecnécio-99mA própria solução de pertecnetato

de sódio eluída do gerador constitui-se em um radiofármaco. Administra-da intravenosamente, permite a aqui-sição de imagens das glândulastireóide e salivar, sendo também utili-zada em estudos de fluxo sanguíneoe pesquisas de sangramento oculto.Entretanto, a grande utilidade dasolução de Na99mTcO4 está no seu usona marcação de moléculas, resultan-do em diversos radiofármacos comespecificidade por diferentes órgãose sistemas do organismo.

Para que ocorra a ligação do ele-mento tecnécio às diversas molécu-las, temos que considerar a químicado elemento, que é muito complicadadevido a seus múltiplos estados deoxidação. O tecnécio pode apresen-tar estados de oxidação que vão de3–, 1– e 1+ a 7+, sendo mais freqüentesos estados de oxidação 7+, represen-tados pelos heptaóxidos e pelospermetalatos, e 4+, nos dióxidos,tetracloretos e halogenometalatos

(Murphy e Ferro Flores, 2003).Na forma de pertecnetato de só-

dio, o Tc apresenta estado de oxida-ção 7+, bastante estável em soluçãoaquosa. Apesar dessa estabilidade,nesse estado de oxidação o tecnécionão pode se ligar às moléculas de for-ma a constituir radiofármacos de inte-resse. Torna-se necessária a reduçãodo Tc(VII) para estados oxidação maisbaixos, como 3+, 4+ ou 5+ (Murphy eFerro Flores, 2003).

Com base nesses conhecimen-tos, uma série de reagentes parapronta marcação com tecnécio-99mforam desenvolvidos e encontram-sedisponíveis comercialmente. Essesreagentes são constituídos pelo ligan-te ou molécula que se pretende ligarao tecnécio-99m e por um agente re-dutor, sendo que o mais comumenteempregado é o cloreto estanoso(SnCl2). Os íons Sn+2 promovem a re-dução do Tc+7 para estados de oxida-ção mais favoráveis à incorporaçãodo metal, que poderá se ligar a umaou mais moléculas do ligante, forman-do complexos com diferentes núme-ros de coordenação (Murphy e FerroFlores, 2003).

TcO4– + Sn+2 + 8H+ + 1e– →

Tc+4 + Sn+4 + 4H2O

Contudo, o grau de redução de-penderá de vários fatores: (1) a rela-ção estequiométrica Sn/Tc; (2) as con-dições em que se realiza a reação;(3) a presença de um ligante; (4) anatureza química do ligante e (5) oxi-gênio presente em solução. As molé-culas dos ligantes, por sua vez,devem apresentar átomos doadoresde elétrons, a exemplo do que ocorrecom as oxotioaminas, que se unemao metal por meio de ligações comátomos de oxigênio, enxofre e nitro-gênio.

Vários reagentes para pronta mar-cação com tecnécio encontram-se

disponíveis e são comercializados naforma liofilizada (isentos de água), esob vácuo ou atmosfera de gás inerte,para conservar as propriedades doagente redutor. Dessa forma, os ser-viços de Medicina Nuclear podemadquirir os reagentes liofilizados parapronta marcação com tecnécio-99m,bem como o gerador de 99Mo-99mTc,e realizar a marcação de moléculasmomentos antes da realização dosexames.

Várias moléculas são excelentesligantes para o tecnécio-99m comaplicação em Medicina Nuclear dia-gnóstica. Uma classe importante deligantes é representada por com-postos fosforados como o pirofosfato(H4P2O7), um dímero anidro do orto-fosfato; o etano-1-hidroxi-1,1-bifosfo-nato (HEDP ou EHDP) e o metileno-difosfonato (MDP) (Figura 3) (Murphye Ferro Flores, 2003; Saha,1998;Welch e Redvanty, 2003).

Não se conhece ao certo a estru-tura química dos fosfocomplexos for-mados pelo tecnécio. O MDP-99mTcparece ser um polímero em que cadaátomo de tecnécio se une a doisligantes e cada MDP coordenado seliga a dois tecnécios e, portanto, o Tcfica rodeado por seis átomos de oxi-gênio e o mais provável é que o oligô-mero tenha 4-6 centros de tecnécio(IV) (Figura 4) (Murphy e Ferro Flores,2003).

O radiofármaco MDP-99mTc depo-sita-se no osso sadio, com preferên-cia por áreas de crescimento ósseo.Processos inflamatórios e tumoresósseos concentram o radiofármacoem maior quantidade e podem serfacilmente diagnosticados por meiodas imagens ósseas cintilográficas decorpo inteiro. O radiofármaco MDP-99mTc é um dos mais utilizados emMedicina Nuclear, particularmente napesquisa de metástases ósseas empacientes com câncer.

Figura 2: Gerador de 99Mo-99mTc de colunacromatográfica IPEN-TEC (Fonte: Institutode Pesquisas Energéticas e Nucleares –IPEN).

Figura 3: Estrutura de compostos fosforados para marcação com 99mTc: pirofosfato(H4P2O7); metileno-difosfonato (MDP); etano-1-hidroxi-1,1-bifosfonato (EHDP).

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O ácido dietilenotriamino pentacé-tico (DTPA), o ácido dimercaptosuc-cínico (DMSA) e o ácido glucohep-tônico ou glucoheptonato de sódio(GH) são agentes quelantes quepossuem grupos coordenantes taiscomo amino, tiol, hidroxi ou carboxi-lato (Figura 5) (Saha,1998; Welch eRedvanty, 2003).

No caso do DMSA, os grupamen-tos tiol de duas moléculas coorde-nam-se a um átomo de Tc (um com-plexo bis). Em contraste, no GH, doisgrupos hidroxila de cada moléculasão responsáveis pela complexação(Figura 6) (Murphy e Ferro Flores,2003).

O DTPA interage com o 99mTc redu-zido para formar complexos com car-ga negativa em meio neutro ou leve-mente ácido. O estado de oxidaçãodo 99mTc no complexo não é conhe-cido, mas tem sido relatado como III,IV e V ou uma combinação destes.

Os três radiofármacos são utiliza-dos em estudos renais. O DTPA-99mTc

é utilizado paraavaliar a funçãode filtração glo-merular dos rins.DMSA-99mTc eGH-99mTc con-centram-se nocórtex renal esão utilizadosem avaliaçõesanatômicas emorfológicas.

O tecnécio-99m também

forma quelatos com compostos ami-notiólicos ou tetraamínicos, resul-tando em complexos lipofílicos queapresentam a propriedade de atra-vessar a barreira hemato-encefálica,distribuindo-se no tecido cerebral. Éo caso do complexo formado com aetilenodicisteína dietil éster (ECD) ecom um derivado propileno aminooxima, denominado HMPAO (Figura7) (Saha,1998; Welch e Redvanty,2003).

Esses complexos possibilitam arealização de estudos de perfusãosanguínea cerebral, contribuindo parao diagnóstico de morte cerebral, bemcomo na investigação de inúmeraspatologias relacionadas ao sistemanervoso central, tais como o mal deParkinson e a doença de Alzheimer.

Um complexo catiônico hexacoor-denado de carga final +1 é formadoquando seis moléculas da isonitrila 2-metoxi-2-isobutil isonitrila (MIBI)ligam-se a um átomo de Tc. O radio-fármaco assim constituído denomina-

se hexamibi-99mTc(Figura 8) e é utiliza-do em estudos deperfusão do miocár-dio para detecçãode anormalidades

como o infarto do miocárdio(Saha,1998; Welch e Redvanty, 2003).

O tecnécio-99m pode também seligar a espécies coloidais ou particu-ladas. Colóides pré-formados de sul-feto de antimônio (Sb2S3) ou nanoco-loides obtidos a partir de soro albu-mina humana (SAH) podem serposteriormente marcados com 99mTc.

Colóides de enxofre ou de estanhosão formados durante a redução do99mTcO4 em presença de tiossulfato oucloreto de estanho. As preparaçõescoloidais radiomarcadas são utiliza-das para obtenção de imagens do fí-gado, baço e medula (Murphy e FerroFlores, 2003).

Partículas maiores, formadas apartir de SAH, podem constituir ma-croagregados (MAA) de tamanho de10 a 90 µm que, marcados com 99mTc,são utilizados para mapeamentopulmonar.

Na busca por radiofármacos cadavez mais específicos, com especialinteresse para o diagnóstico de dife-rentes tipos de tumores, vários radio-fármacos de tecnécio vêm sendo pro-postos, constituídos de ligantes pro-téicos. Tais proteínas são represen-tadas por anticorpos monoclonais epeptídeos que reconhecem algumantígeno de superfície ou receptorpresente na célula tumoral. Marcadas

Figura 5: Agentes quelantes para marcação com 99mTc: ácidodietilenotriamino pentacético (DTPA); ácido glucoheptônico ouglucoheptonato de sódio (GH); ácido dimercaptosuccínico(DMSA).

Figura 6: Complexo de glucoheptonato desódio (GH)-99mTc.

Figura 7: Complexos lipofílicos de etilenodicisteína dietil éster (ECD)-99mTc (direita) e de um derivado propileno amino oxima, HMPAO-99mTc (esquerda).

Figura 4: Estrutura provável do complexo metileno-difosfonato(MDP)-99mTc.

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Abstract: Radiopharmaceuticals are radioactive compounds used in the diagnostic and treatment of pathologies and dysfunctions of the human organism. A variety of radioisotopes can beemployed in the preparation of radiopharmaceuticals, among which technetium-99m (99mTc), which presents ideal physical characteristics for its application in Diagnostic Nuclear Medicine. Onceadministered to the patient, the radiopharmaceutical is deposited in the target organ or tissue and suitable equipments can acquire images from the radiation emitted by the patient. It is a noninvasiveprocess which allows anatomic, morphological and functional evaluations. 99mTc is obtained from the radioactive decay of molybdenum-99 and can be made available in the hospital from 99Mo-99Tcgenerators. 99mTc can bind to different substrates or ligands, by means of complexation reactions, originating radiopharmaceuticals with affinities for different organs, systems or receptors in theorganism. Knowing 99mTc coordination chemistry is extremely important for the development of these radiopharmaceuticals.Keywords: radiopharmaceuticals, technetium-99m, Nuclear Medicine, complexation

Referências bibliográficasCOMET, M. e VIDAL, M. Radiophar-

maceutiques - chimie des radiotraceurset applications biologiques. Grenoble:Presses Universitaries de Grenoble,1998.

MURPHY, C.A. e FERRO-FLORES, G.Compuestos de tecnecio. 1ª ed. México:Instituto Nacional de Ciencias Médicasy Nutrición Salvador Zubirán, 2003.

SAHA, G.B. Fundamentals of nuclearpharmacy. 4ª ed. EUA: Springer, 1998.WELCH, M.J. e REDVANTY, C.S. Hand-book of radiopharmaceuticals – Radio-chemistry and Applications. Inglaterra:John Wiley & Sons Ltda, 2003.

Para saber maiswww.ipen.br.

Figura 8: Complexo de isonitrila 2-metoxi-2-isobutil isonitrila (MIBI) contendo seis (hexa)ligantes HEXAMIBI-99mTc.

com tecnécio-99m e administradasao paciente, essas moléculas reco-nhecem e se ligam às célulastumorais, possibilitando o diagnósticoprecoce do câncer bem como oacompanhamento de recidivas pós-tratamento. Tais radiofármacos sãochamados de receptor-específicos(Murphy e Ferro Flores, 2003; Comete Vidal, 1998).

Muitos ligantes foram estudadospara marcação com 99mTc e apresen-tam utilidade real em Medicina Nu-clear Diagnóstica. Uma vantageminerente dessa técnica diagnóstica éa de ser um procedimento não inva-sivo que possibilita uma avaliaçãoanatômica ou morfológica dos órgãos

e, principalmente, uma avaliação fun-cional dos mesmos.

A busca pela especificidade nodiagnóstico movimenta pesquisas nomundo todo para o desenvolvimentode novos radiofármacos, com grandeinteresse por radiofármacos de tecné-cio-99m, em razão das propriedadesfísicas ideais deste radionuclídeo,além da disponibilidade do uso atra-vés dos sistemas geradores e custorelativamente baixo. Nesse sentido, oconhecimento da química de coorde-nação do tecnécio é imprescindívelpara o desenvolvimento de tais radio-fármacos, contribuindo para um dosaspectos do conhecimento multidis-ciplinar envolvido nesta ciência deno-

minada Radiofarmácia.

Elaine Bortoleti de Araújo ([email protected]),farmacêutica-bioquímica pela Universidade de SãoPaulo, doutora em Tecnologia Nuclear (Radiofarmá-cia) pelo Instituto de Pesquisas Energéticas eNucleares (IPEN-CNEN) da Universidade de SãoPaulo, é chefe da Divisão de Pesquisa e Desenvol-vimento de Radiofármacos do IPEN.

Nota

Portal do Professor de QuímicaProfessor de Química do Ensino Médio e Fundamental, consulte o Portal do Professor de Química, nas páginas

da Divisão de Ensino de Química da SBQ na internet: http://www.sbqensino.foco.fae.ufmg.br/. Neste Portal você,Professor, encontrará uma série de recursos para ajudá-lo a prepararsuas atividades em sala de aula: poderá selecionar questões devestibular das mais diversas Universidades brasileiras e de váriosanos, organizadas por assunto, parar preparar suas provas. Poderáelaborar, on-line, tabelas periódicas personalizadas e gráficos comas variações de uma grande quantidade de propriedades em fun-ção do número atômico, para aqueles elementos que selecionar.Será capaz de produzir gráficos da variação da solubilidade de váriassubstâncias com as temperaturas. Em uma outra janela do Portal,você encontrará explicações de como essas propriedades forammedidas e quais as técnicas utilizadas na sua determinação. Poderáainda baixar artigos publicados em Química Nova na Escola e fazera busca desses artigos por assunto, por autor e por seção. Tam-bém os artigos dos Cadernos Temáticos de Química Nova na Escolaestarão disponíveis em breve, com as mesmas facilidades de buscapor assuntos e por autores.

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