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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito O PLURALISMO ABRANGENTE DE MICHEL ROSENFELD Régis Cornélius Celeghini Silveira Belo Horizonte 2011

O Pluralismo Abrangente de Michel Rosenfeld · 5.1. Do pluralismo de fato para o pluralismo como norma ..... 65 5.2. Pluralismo abrangente X Liberalismo, Republicanismo e Comunitarismo

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito

O PLURALISMO ABRANGENTE DE MICHEL ROSENFELD

Régis Cornélius Celeghini Silveira

Belo Horizonte 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Direito

O PLURALISMO ABRANGENTE DE MICHEL ROSENFELD

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção título de Mestre em Direito. Orientador: Júlio Aguiar de Oliveira

Belo Horizonte 2011

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Silveira, Régis Cornélius Celeghini S587p O pluralismo abrangente de Michel Rosenfeld / Régis Cornélius

Celeghini Silveira. Belo Horizonte, 2011. 110p. Orientador: Júlio Aguiar de Oliveira Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Pluralismo. 2. Pluralismo jurídico. 3. Legitimidade (Direito). 4.

Constitucionalismo. 5. Direito-Filosofia. 6. Direito constitucional. 7. Psicologia jurídica. I. Rosenfeld, Michel, 1948- . II. Oliveira, Júlio

Aguiar de. III. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 342

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O PLURALISMO ABRANGENTE DE MICHEL ROSENFELD

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção título de Mestre em Direito. Orientador: Júlio Aguiar de Oliveira

Nome e assinatura dos integrantes da banca examinadora:

_________________________________________________________________ Júlio Aguiar de Oliveira (Orientador) – Puc Minas – Faculdade de Direito

_________________________________________________________________ Fernando Armando – Puc Minas – Faculdade de Direito

_________________________________________________________________ Ricardo Adriano – Faculdade Milton Campos

Belo Horizonte, 30 de maio de 2011.

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RESUMO

Este trabalho busca avaliar o pluralismo abrangente de Michel Rosenfeld. Para isso,

foram necessárias paráfrases de dois livros do autor americano, Just Interpretations

(sem tradução para o português) e A Identidade do Sujeito Constitucional. Em

seguida, se faz uma síntese do pluralismo abrangente e se conclui. No primeiro

desses trabalhos, o jusfilósofo estadunidense analisa os maiores expoentes da

teoria contemporânea do direito e vai delineando sua própria teoria que se baseia no

conceito de pluralismo abrangente partindo da premissa de que a diversidade é

necessária e boa, devendo ser preservada e fomentada. O pluralismo abrangente se

fundamenta na divisão de tarefas entre as normas de primeira e segunda ordem na

qual essas últimas servem de parâmetro para o aperfeiçoamento da interação das

demais. Nesse contexto, a autonomia, a reciprocidade, a empatia, a dignidade e a

diversidade são classificadas como normas de segunda ordem. Além disso, o direito

deve se submeter aos limites do constitucionalismo que são: o compromisso com o

princípio do governo limitado, a adoção do princípio do Estado de Direito e a

proteção dos direitos fundamentais, pois promovem o mútuo reconhecimento e

mantêm os diferentes no mesmo patamar de dignidade. Assim, a submissão ao

direito é comparada à adoção dos limites herdados pelo superego. Segundo

Rosenfeld, perspectivas metafísicas não podem ser aceitas em seus próprios

termos, mas, podem ser abarcadas com modificações através da sobredeterminação

das tendências recalcadas pelo pluralismo abrangente. Apresentada a teoria de

Michel Rosenfeld, houve a conclusão de que a aplicação dessa teoria sempre

dependerá da interpretação do aplicador do direito que deverá se pautar não só na

justiça de acordo com o direito, mas no seu senso de justiça na busca por um

resultado justo (ou menos injusto).

Palavras chave: Pluralismo abrangente. Pluralismo normativo. Teoria do Direito.

Filosofia do Direito. Teoria jurídica. Filosofia jurídica. Michel Rosenfeld. Pluralismo.

Constitucionalismo. Reconstrução. Just Interpretations. Legitimidade. Direito.

Constituição. Direito Constitucional. Psicologia jurídica.

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ABSTRACT

This study intend to evaluate the comprehensive pluralism of Michel Rosenfeld. To

do this it was necessary paraphrases of two books of the American author, Just

Interpretations (no translation in Portuguese) and The Identity of the Constitutional

Subject. Then it was made a synthesis of comprehensive pluralism and the

conclusion. In the first of these studies the American legal philosopher analyzes the

greatest exponents of contemporary law’s theory, and so he does his own theory

based on the concept of comprehensive pluralism adopting the premise that diversity

is necessary and good and should be preserved and fostered. The comprehensive

pluralism is based on division of tasks between first and second order norms

according to which the latter are parameter for improving the interaction of the first. In

this context, autonomy, reciprocity, empathy, dignity and diversity are classified as

second order norms. In addition, the law must submit to the limits of constitutionalism

that be committed to the principle of limited government, the adoption of the rule of

law and protection of fundamental rights, because they promote the mutual

recognition and maintain the different people in same level of dignity. Thus, law’s

submission is compared to the adoption of the limits inherited from the superego.

According to Rosenfeld’s vision, the metaphysical perspectives cannot be accepted

on its own terms, however, can be embraced with modifications by overdetermination

of the trend repressed by comprehensive pluralism. Once showed the Michel

Rosenfeld’s theory, we conclude that the application of this theory will always depend

on the law’s user interpretation who shouldn’t just following the justice according to

law, but must use his/her justice sense in the search for a more just result, (or less

unjust one).

Keywords: Comprehensive pluralism. Normative pluralism. Law’s theory. Law’s

philosophy. Legal theory. Legal philosophy. Michel Rosenfeld. Pluralism.

Constitutionalism. Reconstruction. Just Interpretations. Legitimacy. Law. Constitution.

Constitutional Law. Law’s psychology.

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SUMÁRIO

1 – O CONTEXTO DO PLURALISMO ABRANGENTE ............................................. 6

1.1 Um pouco sobre Michel Rosenfeld ................................................................... 6

1.2 A crise na interpretação do direito brasileiro pós-constituição de 1988 ....... 7

2 – AS ORIGENS DO PLURALISMO ABRANGENTE ............................................... 9

2.1. A demanda por interpretações justas ............................................................... 9

2.2. A desconstrução e a interpretação jurídica (Jaques Derrida) ...................... 10

2.3. Teoria procedimentalista do Direito como integridade (Dworkin) ................ 11

2.4. A desconstrução e relação entre Direito e política. ....................................... 13

3 – DO NOVO FORMALISMO JURÍDICO AO FIM DA INTERPRETAÇÃO............. 17

3.1. O formalismo simplificado de Fish (Stanley Fish) ......................................... 17

3.2. O formalismo Aristotélico-kantiano de Weinrib ............................................. 20

3.3. O direito e a violência e sob o olhar desconstrutivo (Jaques Derrida) ........ 25

3.4. A reconstrução rosenfeldiana das formas e domínios da justiça ................ 28

3.5. Justiça e o Fim da Interpretação (Luhmann) .................................................. 35

4 – HABERMAS E O PRAGMATISMO .................................................................... 43

4.1. A interpretação superadora através do diálogo (Jürgen Habermas) ........... 43

4.2. O Pragmatismo ................................................................................................. 54

4.2.1. Posner e o pragmatismo .............................................................................. 55

4.2.2. O neogragmatismo de Rorty ........................................................................ 58

4.2.3. O pragmatismo e o livre intercâmbio de idéias ......................................... 61

5 – O PLURALISMO ABRANGENTE ....................................................................... 65

5.1. Do pluralismo de fato para o pluralismo como norma .................................. 65

5.2. Pluralismo abrangente X Liberalismo, Republicanismo e Comunitarismo . 70

5.3. O Pluralismo abrangente e a divisão de tarefas entre o direito, a ética e a política. ..................................................................................................................... 73

5.4. A Justiça como reciprocidade reversível ....................................................... 77

5.5. O pluralismo abrangente e a transformação interna dos grupos ................. 80

5.6. Comentários sobre a interpretação justa ....................................................... 86

6 – A IDENTIDADE DO SUJEITO CONSTITUCIONAL ........................................... 90

6.1. A identidade do indivíduo e a identidade constitucional .............................. 90

6.2. A posição do sujeito constitucional e a necessidade de reconstrução ....... 92

6.3. O Discurso Constitucional: A negação, a metáfora e a metonímia .............. 93

6.4. O potencial e os limites da Busca pelo Sujeito Constitucional para o equilíbrio entre o “eu” (self) e o “outro” ............................................................... 98

6.5. O pluralismo abrangente sob a ótica conjunta da justa interpretação e da identidade do sujeito constitucional ................................................................... 100

7. CONCLUSÃO ..................................................................................................... 104

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 108

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1 O CONTEXTO DO PLURALISMO ABRANGENTE

Esse trabalho visa analisar o Pluralismo Abrangente de Michel Rosenfeld que

procura encontrar soluções através da seleção de idéias dos principais escritores

contemporâneos da teoria do direito e aponta qualidades e defeitos de vários

pensadores. Nesse processo, ele desenvolve o conceito pluralismo abrangente

(comprehensive pluralism) que representa o núcleo de sua obra e será estudado

nessa dissertação.

Dessa maneira, o presente trabalho começará fazendo uma apresentação de

Michel Rosenfeld e do contexto de sua obra. Em seguida, ocorrerá a apresentação

dos dois principais livros que abordam o pluralismo abrangente (Just interpretations

– sem tradução para o português - e A identidade de Sujeito Constitucional). Na

seqüência, haverá uma retomada do conceito de pluralismo abrangente e a

conclusão.

1.1 Um pouco sobre Michel Rosenfeld

Michel Rosenfeld é um dos maiores expoentes na atual teoria do direito no

mundo. Foi o presidente da Associação Internacional de Direito Constitucional de

1999 a 2004. Ele é professor de Constitucionalismo Comparado, Direito Comparado,

Interpretação Constitucional e Constitucionalismo e Democracia além de titular na

Cátedra Justice Sidney L. Robins de Direitos Humanos na Faculdade de Direito

Benjamin N. Cardozo, uma das mais conceituadas dos Estados Unidos. Dentre

outras honrarias ele foi condecorado com o prêmio mais alto e prestigioso do

governo francês, a Legião de Honra, em agosto de 2007.

Esse autor tem como uma de suas principais obras o livro Just Interpretations.

A própria estrutura do livro Just Interpretations demonstra a lógica de funcionamento

do pluralismo abrangente que visa a máxima reconciliação dos diferentes. O texto

caminha pelas diferentes concepções de direito e justiça e captura um pouco de

cada autor reconciliando-os, em seguida, através do conceito rosenfeldiano de

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pluralismo abrangente. No processo de confecção do livro, Rosenfeld não perpassa

somente os autores mais notáveis, ele também aborda os temas mais polémicos da

atualidade como: as requisições feministas, as expressões do ódio e dos

extremistas, a eutanásia e o aborto. Nesse processo, vai formulando sua teoria em

busca de soluções justas. Trata-se de um texto difícil, repleto de duplos significados

e ambiguidades propositais (just interpretations, self/other, constituional subject) .

Outro livro de grande importância é o The Identity of the Constitutional

Subject, traduzido para o português com o título de A Identidade do Sujeito

Constitucional. Nele também se percebe a dificuldade proposital na clara definição

dos significados, tanto que o próprio tradutor mantém alguns termos originais na

tradução. Essa complexidade dos textos decorre da própria desconstrução que

orienta as obras vez que a teoria desconstrutiva recusa terminantemente definições

resultando em uma teoria (senão várias teorias) que pode ser descrita como

“indefinível por definição”.

1.2 A crise na interpretação do direito brasileiro pós-constituição de 1988

Ao longo do século XX, a sociedade foi se tornando cada vez mais complexa

e isso levou à coexistência cada vez maior de uma pluralidade de modos de vida e

concepções do bem. Houve várias tentativas de suprimir as diferenças por meios de

regimes totalitários e ditatoriais, mas a repressão da diversidade trouxe enormes

prejuízos para a humanidade.

Após a Segunda Guerra, a democracia voltou a ser o regime adotado por

excelência no ocidente, mas o advento da guerra fria levou a uma nova onda de

intolerância.

Nos países democráticos, ocorreram fortes questionamentos tanto acerca do

jusnaturalismo quanto do positivismo jurídico que, conforme Rosenfeld (1998, p.5),

possuíam cada vez menos sobreposições de resultados. Como pontuado por

Rosenfeld (1998, p.4), por um lado, o naturalismo não poderia garantir

imparcialidade, por outro, o positivismo, embora fosse imparcial, não conseguia

evitar ser arbitrário. Dessa forma, segundo Rosenfeld (1998, p.1), as discussões

acerca do papel do Direito em um universo normativo legítimo passaram a

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preponderar sobre o tradicional conjunto de perguntas sobre como interpretar o

sentido de uma determinada palavra, frase ou instrumento em alguns contextos.

Entretanto, nos países em que não havia a liberdade democrática a situação

era diferente. Sob os efeitos da bipolarização do mundo, o Brasil acabou se

submetendo a uma ditadura de mais de 20 anos durante os quais a repressão do

diferente foi a tônica da sociedade.

Enquanto isso, as sociedades passavam por intensas transformações.

Descolonização da África e da Ásia, lutas por igualdade racial, movimento feminista,

revolução sexual, reformulação da idéia de família, o surgimento do direito do

consumidor, a eclosão do debate ecológico, o reconhecimento das relações

homossexuais, o ressurgimento do debate acerca da questão religiosa, globalização,

integração das mídias e internet foram alguns temas que surgiram e modificaram

profundamente o mundo. Esses tipos de modificações sociais induziram a um

esforço teórico que tentasse explicar tamanhas mudanças.

Com o advento da Constituição Brasileira de 1988 o sistema jurídico se

modificou completamente voltando-se para a democracia. Isso implicou em uma

maior necessidade de legitimação das decisões judiciais que deveriam se conformar

aos ditames de um Estado de Direito que não mais pretendia se pautar apenas no

princípio da autoridade como justificadora do direito.

As mudanças foram tão radicais que já no preâmbulo a nova Lei Maior

instituía o estado com o objetivo de garantir a “igualdade e a justiça enquanto

valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”

(ABREU FILHO, 2007). Assim, não deveria haver qualquer discriminação entre as

pessoas e a nação passava a se organizar em novas bases.

Isso levou a uma busca por novos embasamentos filosóficos para o direito

nacional que buscou orientações em democracias mais amadurecidas para justificar

sua legislação. Com isso, ícones como Dworkin (Estados Unidos), Habermas

(Alemanha) e Derrida (França) passaram a ser cada vez mais estudados havendo

grande evolução nos estudos jurídicos a partir deles.

Entretanto, por não ser tão conhecido ao momento da transição democrática,

Michel Rosenfeld não ganhou o mesmo destaque. Ocorre que ele veio a

desenvolver um grande arcabouço teórico que pode contribuir em muito para a

evolução do pensamento jurídico pátrio. Parte desse aporte teorético será analisado

pelo presente estudo.

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2 AS ORIGENS DO PLURALISMO ABRANGENTE

2.1 e A demanda por interpretações justas

Segundo Michel Rosenfeld (1998, p.1), o interesse a respeito de um assunto

aumenta drasticamente quando ele torna-se problemático. Isso tem ocorrido na

Interpretação Jurídica, gerando dúvidas sobre como o Direito deve ser aplicado.

Uma das causas disso é o fato de que o Direito é um fenômeno interpretativo, na

medida em que um sistema jurídico justo e fidedigno depende de interpretações das

legítimas necessidades, aspirações e objetivos da sociedade.

Como salientado por Dworkin (DWORKIN Apud ROSENFELD 1998, p.1),

quando ela é pouco coesa e não partilha de uma visão de bem comum, a

interpretação jurídica se torna o principal foco de discussão e polêmica e as

preocupações a respeito dos significados do Direito passam a ser centro das

atenções.

Assim, conforme Rosenfeld (1998, p.1), as discussões acerca do papel do

Direito no contexto de um universo normativo forte e legítimo passam a preponderar

sobre o "tradicional conjunto de perguntas sobre como deverá ser dado um efeito

particular a uma determinada palavra, frase ou instrumento em alguns contextos”.

Como o significado e o papel do Direito devem ser adaptados aos pressupostos e

objetivos normativos da sociedade é preciso uma adequada divisão de trabalho

entre direito, ética e política para que as respectivas contribuições para o projeto

normativo da comunidade jurídica sejam mais bem aproveitadas. Por isso,

Rosenfeld entende que o principal dilema da interpretação na sociedade moderna

reside na dúvida sobre como e onde traçar uma linha entre normas legais

majoritaristas e antimajoritaristas de forma a encontrar um equilíbrio justo e

manejável entre unidade e diversidade (ROSENFELD, 1998, p.1),.

A solução dessa questão se torna ainda mais difícil porque, atualmente:

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A tensão entre naturalismo e positivismo não pode ser resolvida satisfatoriamente e isso propicia futuras instabilidades. O naturalismo, mesmo se suficientemente determinado, não pode garantir imparcialidade. O positivismo, por outro lado, embora seja, estritamente falando, imparcial não pode evitar ser arbitrário. (ROSENFELD, 1998, p. 4, tradução nossa).1

Na visão de Rosenfeld (1998), outrora, isso não era muito problemático visto

que em sociedades mais homogêneas o naturalismo e positivismo freqüentemente

conduzem aos mesmos resultados interpretativos. Contudo, mais recentemente, as

possibilidades de sobreposição entre os desfechos das análises interpretativas

naturalistas e positivistas diminuíram de forma significativa. Esse fenômeno é

particularmente evidente no domínio dos julgamentos sobre matéria constitucional

nos quais a legitimidade das interpretações dos juízes tem sido alvo de severas

críticas.

Para Rosenfeld (1998), isso ocorre, dentre outras coisas, porque as

sociedades “pós-modernas” são caracterizadas pela existência de uma pluralidade

de concepções de bem. Por isso, elas sofrem de uma carência de formas eficientes

de promover unidade e coerência de modo a preservar assim a pluralidade e tratar

com justiça os problemas que surgem como conseqüência da diversidade. Nesse

contexto, Rosenfeld (1998, p.7) levanta que ocorre o colapso do naturalismo e do

positivismo fazendo com que o Direito aparentemente perca a sua ligação com a

ética e torne-se aparentemente indistinguível da política.

2.2 e A desconstrução e a interpretação jurídica (Jaques Derrida)

Para Rosenfeld (1998, p.13), em termos gerais, a crise que afeta a

interpretação reflete a perda da confiança na viabilidade de um critério objetivo

permitindo a atribuição de significados transparentes e distintos para os textos

jurídicos. Essa desconfiança se manifesta: na intensificação do conflito entre a

comunidade de atores jurídicos; na dissolução de qualquer consenso genuíno a

1 The tension between naturalism and positivism cannot be satisfactorily resolved and is hence prone to foster instability. Naturalism, even if sufficiently determinate, cannot guarantee impartiality. Positivism, on the other hand, while strictly speaking impartial, cannot avoid being arbitrary.

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respeito dos valores importantes; na aparente intensificação da indeterminabilidade

das regras jurídicas; e na crença de que todas as disposições sobre assuntos

jurídicos são, em última análise, políticas e subjetivas (ROSENFELD, 1998, p. 13-

17).

Para tentar superar esse quadro, surge a desconstrução cujo maior expoente

é Jaques Derrida. De acordo com Rosenfeld (1998, p. 13-17), no contexto da

desconstrução, todos os textos (orais ou escritos) se referem a outros textos e

encerram uma tentativa falha de reconciliar identidade e diferença, unidade e

diversidade, si mesmo e o outro. Um texto deve dar a impressão de ter alcançado a

reconciliação desejada, mas essa impressão só pode ser o produto de distorção

ideológica, supressão da diferença ou subordinação do outro. Assim, o discurso

jurídico e, particularmente, o discurso jurídico moderno (com suas aspirações

universalistas) jamais pode alcançar a coerência e reconciliação. Por isso, Derrida

se apóia em Galilée ao deixar consignado que:

A desconstrução jamais se apresentou como algo possível. [...] ela nada perde ao confessar-se impossível [...]. O perigo para uma tarefa de desconstrução seria antes a possibilidade, e tornar-se um conjunto disponível de procedimentos regrados, práticas metódicas, caminhos acessíveis. O interesse da desconstrução, de sua força e de seu desejo, se ela os tem, é certa experiência do impossível. (GALILÉE Apud DERRIDA, 2007, p. 73)

Diante disso, Rosenfeld (1998, p.14-15) conclui que nem a técnica da

interpretação do sentido original da lei nem a fixação de um significado pela

“comunidade interpretativa” nem a utilização de uma estrutura informada por valores

extrajurídicos apresentam soluções plausíveis ante ao problema colocado pela

desconstrução. A partir dessas constatações, ele começa a analisar as principais

teorias que buscam superar as questões postas.

2.e3 e Teoria procedimentalista do Direito como integridade (Dworkin)

De acordo com Rosenfeld (1998, p.15-16), a teoria do direito como

integridade de Dworkin não se baseia em uma definição concreta do objeto da

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interpretação jurídica ou em valores extrajurídicos contestados. Ela é uma

abordagem procedimental que parte do pressuposto de que, desde que os

procedimentos interpretativos legítimos sejam cumpridos, o resultado será

justificado. Em linhas gerais, sustenta que a interpretação jurídica não ocorre no

vácuo, mas é uma prática situada historicamente. De modo que, para ficar em

condição de proporcionar a melhor interpretação possível de um caso, é preciso se

referir à interpretação jurídica aplicável no passado criando um todo coerente.

Dworkin defende que a literatura se assemelha ao direito e que em ambos

deve haver integridade. Segundo ele, para que uma obra de arte seja vista como um

trabalho valoroso, ele deve atender as características formais da identidade,

coerência e integridade (DWORKIN, 1985, p.160). De forma semelhante,

Qualquer senso de juízo sobre a questão ou função do direito, do qual todos os aspectos dessa abordagem para a interpretação dependerão, iria incluir ou implicar alguma concepção de integridade e coerência do direito como instituição, e essa concepção iria, ao mesmo tempo, tutoriar e limitar essa teoria funcional de ajuste – ou seja, suas convicções sobre quanto da norma anterior uma interpretação deve se ajustar, e como (isso deve ocorrer). (O paralelo com a interpretação literária também suporta isso.) (DWORKIN, 1985, p.161)2.

Assim, de acordo com Rosenfeld (1998, p.15-16), o princípio da integridade

dworkiana argumenta que a mudança de uma possibilidade interpretativa viável para

outra somente é justificada se acompanhada de uma completa e sincera assunção

de todos os prejuízos associados à adoção da nova opção interpretativa para

prevenir abusos.

Entretanto, Rosenfeld (1998, p.17) argumenta que o ajuste ao passado é

redutível a um apelo por coerência feita em um universo interpretativo que foi

despojado de um critério inteligível de coerência. Assim, para ele, abrem-se duas

interpretações distintas: ou essa teoria é baseada em um conjunto de valores

substantivos ou é redutível a uma noção puramente formal e abstrata a qual não se

pode atribuir nenhum significado não arbitrário. Cada uma dessas visões comporta

críticas. Se Dworkin se baseia em valores substantivos específicos, então seu

método não pode ser imparcial e se mostra ideologicamente tendencioso

2 Any judge's sense of the point or function of law, on which every aspect of his approach to interpretation will depend, will include or imply some conception of the integrity and coherence of law as an institution, and this conception will both tutor and constrain his working theory of fit-that is, his convictions about how much of the prior law an interpretation must fit, and which of it, and how. (The parallel with literary interpretation holds here as well.)

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(ROSENFELD, 1998, p.17). Se, por outro lado, o ajuste e a integridade devem ser

entendidos em termos puramente formais e abstratos, separados de qualquer valor

extrajurídico, então a coerência procurada é um mero ideal transcendente

desprovido de qualquer utilidade concreta (ROSENFELD, 1998, p.17). Assim,

qualquer que seja a forma de interpretar essa teoria ela permanece falha.

Entretanto, ela possui a qualidade de ir contra a aceitabilidade da concepção que

reduz o Direito à política. Reforçando a opinião de Rosenfeld, Habermas argumenta

que:

O projeto de Dworkin põe a descoberto o dilema no qual se enreda necessariamente qualquer ética que pretende validade universal no contexto do pensamento pós-metafísico. Na medida em que ela profere enunciados substanciais, suas premissas ficam presas ao contexto de surgimento de determinadas interpretações do mundo, ou até de auto-interpretações pessoais; tão logo ela se formaliza, sua substância passa a residir apenas na explicação do procedimento dos discursos éticos de auto-entendimento (HABERMAS, 2003, p. 92).

2.e4 e A desconstrução e relação entre Direito e política.

Feita uma breve analise de Dworkin, Rosenfeld (1998, p. 18) passa a

examinar o papel da desconstrução e destaca que ela tem como características: a

prioridade da escrita sobre a fala, a natureza intertextual de todos os textos, a

dicotomia entre o que um texto pretende dizer e o que realmente diz, e a falha de

todo texto em considerar as diferenças do outro. De acordo com essa teoria, o

significado de um texto não é dado imediatamente ou auto-explicativo, pois depende

de futuras (re) leituras dos contextos.

Para a desconstrução, “o significado depende da transformação do que não

está mais presente e do que não é presente ainda.” (ROSENFELD, 1998, p. 18,

tradução nossa).3 Nas palavras do próprio Jaques Derrida:

O sofrimento da desconstrução, aquilo de que ela sofre e de que sofrem os que ela faz sofrer, é talvez a ausência de regra, de norma e de critério seguro para distinguir, de modo inequívoco, direito e justiça. Trata-se pois

3 meaning depends on the transformation of what is no longer present by what is not yet present

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destes conceitos (normativos ou não) de norma, de regra ou de critério. (DERRIDA, 2007, p. 05)

Diante desse quadro posto pela desconstrução, Rosenfeld levanta que

diversos pontos de vista podem ser adotados. A desconstrução pode ser vista

exclusivamente como método ou técnica interpretativa desconectada de qualquer

estrutura maior que desestabiliza todos os significados destruindo sistematicamente

as contradições envolvidas em cada escrita e constantemente, mas,

infrutiferamente, inverte as oposições binárias (mente/natureza, sujeito/ objeto,

masculino/feminino) presentes em todo texto (ROSENFELD, 1998, p.19). Desse

modo, se a procura por significado leva a um regresso ao infinito, aquele com mais

poder irá impor, arbitrariamente, o significado e o direito se dissolverá na política

(ROSENFELD, 1998, p.19).

Por outro lado, Rosenfeld (1998, p.19-20) levanta que, também é possível

entender que o processo desconstrutivo implica em uma ontologia da irreconciliável

separação dos semelhantes e dos diferentes e do infinito adiamento da completa

reconciliação. Essa ontologia é suplementada por uma ética da inclusão e do

cuidado com o outro na qual a ética deve sempre ser buscada e renovada uma vez

que “inclusão” e “cuidado” nunca poderão ser suficiente mente determinados

(ROSENFELD, 1998, p. 20). De acordo com essa concepção da desconstrução,

embora o significado nunca seja fixado permanentemente ele não pode ser

puramente arbitrário porque as exigências da ontologia e da ética são inscritos na

história a cada momento e procuram legitimar possíveis significados sem nunca

impor um único e completamente determinado significado (ROSENFELD, 1998, p.

20-21).

Levado ao grau próprio de abstração e aplicando a sucessão de diversas formas de tentar a reconciliação entre os semelhantes e os diferentes, a prática interpretativa intertextual não culmina em conflitos sem objetivo e indeterminação sem esperança. Embora não possa evitar o conflito, essa prática interpretativa pode revelar conflitos particulares que convidam a um número finito de soluções possíveis. Similarmente, essa pratica interpretativa inevitavelmente conduz à indeterminação, mas não à espécie de indeterminação que virtualmente justifique qualquer tipo de significado. Antes, é a espécie de indeterminação limitada que resulta da interação semântica dos caminhos abertos e fechados guiados pela atual sucessão

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15

histórica das formas intertextuais de buscar reconciliação entre os semelhantes e os diferentes. (ROSENFELD, 1998, p. 21, tradução nossa).4

Utilizando uma analogia, Rosenfeld (1998, p. 21) esclarece que

estabelecimento dos significados ocorre de maneira semelhante à definição dos

preços no mercado. Os valores das mercadorias são intersubjetivos por resultarem

do compromisso entre os diversos interesses subjetivos que se manifestam nas

transações do mercado. O preço não é estabelecido pela vontade de qualquer deles,

mas pelo estabelecimento intersubjetivo de valor pelos negociadores. Dessa mesma

maneira, para Rosenfeld (1998, p. 24), todo significado é intersubjetivo e requer

algum consenso coletivo ou compromisso acerca do conjunto de certas relações

intertextuais específicas. Toda interpretação que atribui significado no contexto das

esferas política e social requer uma reescritura coletiva e colaborativa do material

textual historicamente determinado que envolva o grupo de atores. Contudo,

Rosenfeld (1998, p. 24) salienta que como as comunidades atuais se deparam com

a tarefa de interpretar uma infinidade de diferentes textos, pode haver ampla

concordância a respeito da interpretação de alguns deles e, ao mesmo tempo, existir

profundas discordâncias sobre a interpretação de outros textos. Em resumo:

Os limites ontológicos e éticos impostos pela desconstrução normalmente não estabelecem somente um determinado significado. Ao contrário, eles operam através da associação de mecanismos de vias abertas e vias fechadas para a interpretação que legitimam certos significados e barram outros. (ROSENFELD, 1998, p. 27, tradução nossa).5

Assim, na visão de Rosenfeld (1998, p. 28), a desconstrução também adota o

critério da integridade que veda ao intérprete deixar uma interpretação para buscar

vantagens momentâneas e, em seguida, abandonar a escolha retornando ao estado

anterior para evitar prejuízos. Daí se conclui que qualquer prática interpretativa que

4 Conducted at the proper level of abstraction and applied to the historical succession of diverse forms of attempted reconciliation between self and other, intertextual interpretive practice does not culminate in aimless conflict and hopeless indeterminacy. Whereas it cannot avoid conflict, such interpretive practice can reveal particular conflicts that invite a finite range of possible solutions. Similarly, such interpretive practice unavoidably leads to indeterminacy, but not to the kind of indeterminacy that justifies virtually every conceivable meaning. Rather, it is the kind of constrained indeterminacy that results from the interplay between semantic path openings and closings guided by the actual historical succession of intertextual forms of attempted reconciliation between self and other. 5 The ontological and ethical constraints imposed by deconstruction do not usually dictate a single determinate meaning. Rather, they operate through interconnected path-opening and path-closing mechanisms that legitimate certain meanings and bar others.

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opere dentro dos limites éticos e ontológicos da desconstrução, incluindo a exigência

da integridade, não pode ser redutível à mera política.

O requerimento da integridade no contexto da desconstrução é, assim, muito mais limitado do que o principio da integridade de Dworkin, mencionado anteriormente. Ademais, a exigência de integridade da desconstrução não é um limite adicional a ser acrescentado aos limites éticos e ontológicos existentes. A exigência da integridade está contida implicitamente naqueles limites, mas precisa se tornar explicito para melhor indicar o verdadeiro alcance dos limites que fazem parte dele. (ROSENFELD, 1998, p. 28, tradução nossa).6

Na visão de Rosenfeld (1998, p. 28-29), a desconstrução pressupõe a

existência de um universo intersubjetivo que é inevitavelmente dividido entre o

“semelhante” e o “outro” no qual a reconciliação entre eles é eternamente adiada.

Nesse contexto, os conceitos de “semelhante” e do “outro” não devem ser

entendidos como referidos a entidades fixas, mas como designando relações de

identidade ou diferença. Assim, dependendo da situação, “semelhante” e “outro”

podem se referir a indivíduos ou grupos e dois atores podem ser parte do mesmo

“semelhante” (ou grupo de identificação) no que se refere a um aspecto e serem

“outro” (estarem em grupos opostos) em outra relação. Como exemplo, temos um

casal branco. Enquanto com referência ao racismo eles fazem parte do mesmo

grupo de identificação (em oposição aos negros) quando o foco passa a ser o sexual

passam a fazer parte de diferentes grupos por serem de sexos distintos.7 Dessa

maneira, Rosenfeld (1998, p. 29-32) entende que o direito pode abarcar a

desconstrução se conservar a missão de diminuir a lacuna entre o si mesmo e o

outro sem sacrificar ou prejudicar nenhum dos dois.

6 The requirement of integrity in the context of deconstruction is hence much more circumscribed than Dworkin's principle of integrity, mentioned above, Moreover, deconstruction's requirement of integrity is not an additional constraint to be added to existing ontological and ethical constraints. The requirement of integrity is implicitly contained in those constraints but needs to be made explicit to better indicate the actual sweep of the constraints of which it forms apart. 7 Os termos “si mesmo” e “outro” estão sendo utilizados como tradução das palavras “self” e “other”. Essas palavras serão freqüentemente substituídas por “grupo de identificação” e “grupos opostos” ou expressões análogas devido à complexidade envolvida na tradução de tais vocábulos.

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3 DO NOVO FORMALISMO JURÍDICO AO FIM DA INTERPRETAÇÃO

Para Rosenfeld (1998, p. 33), o novo formalismo é considerado um tipo de

formalismo na medida em que considera que não são normas ou processos

extrajurídicos que determinam as relações jurídicas e servem para separá-las de

relações sociais, mas é algo interno ao direito que exerce esse papel. Assim,

Rosenfeld destaca duas correntes representadas por Fish e Weinrib no

neoformalismo jurídico. De acordo com Rosenfeld, a questão central de Fish é que o

formalismo não é algo dado, mas deve ser constantemente feito e refeito (FISH

Apud ROSENFELD, 1998, p. 34). No processo dinâmico de se fazer formal o direito

internaliza valores éticos e políticos os transformando em valores jurídicos.

Rosenfeld relata que, para Weinrib, o que define uma relação jurídica como tendo

identidade separada são as formas de justiça: corretiva e distributiva (WEINRIB

Apud ROSENFELD, 1998, p. 34). Assim, Rosenfeld (1998, p. 34) relata que a

principal semelhança entre essas duas abordagens é a confiança num processo

dinâmico que conduz a uma abertura das conexões que indicam a unidade do

conteúdo e da forma do direito.

3.1 e O formalismo simplificado de Fish (Stanley Fish)

Rosenfeld relata que, para Fish, a criação de uma existência formal para o

direito envolve dois processos: direito deve absorver e internalizar o que o afeta

externamente, em particular, os valores éticos e políticos e, ao mesmo tempo, deve

negar que está fazendo essa apropriação porque não pode admitir ser dependente

da ética e da política, pois isso tenderia a lhe retirar qualquer identidade própria

(FISH Apud ROSENFELD, 1998, p. 34-35). Nas palavras do próprio Stanley Fish:

O direito deseja ter uma existência formal. Isso significa, primeiramente, que o direito não deseja ser absorvido, ou declarado subordinado, a alguma outra estrutura ou conceito – não jurídico –, o direito quer, eu uma palavra, ser distinto, não algo mais. Em segundo lugar, o direito deseja em sua existência autônoma ser auto-declaratório e não necessitar ser anexado por

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algum discurso suplementar; se fosse necessário para o direito recorrer a discursos suplementares em pontos cruciais, esse discurso estaria em condições de especificar o que o direito é e, conseqüentemente, sua autonomia estaria indiretamente comprometida. Pouco importa se o discurso simplesmente anuncia que os princípios e mecanismos do direito existem automaticamente nas articulações de outro sistema ou autoriza aqueles princípios e mecanismos a ser determinados por algo que eles não contem; em qualquer caso, o direito como algo independente e auto-identificado iria desaparecer. (FISH, 1994, p. 141)8

Assim, o direito incorpora valores éticos e políticos e, ao mesmo tempo, nega

que esteja fazendo isso. No processo de se fazer formal, o direto somente incorpora

certos valores enquanto repele outros. A doutrina jurídica distorce o panorama ético

que percorre e força a submersão dos valores éticos que originaram os argumentos

jurídicos (FISH Apud ROSENFELD, 1998, p. 34-35).

Rosenfeld (1998, p. 39) defende que o mais importante na constante luta do

direto para forjar uma identidade para si mesmo é próprio o processo de

diferenciação na medida em que é possível que as matérias das quais o Direito se

diferencia e a maneira como ocorre essa diferenciação mudem. Assim, ele

argumenta que é fútil procurar por uma forma universal de mediação entre

relacionamentos jurídicos e extrajurídicos porque a cada momento o direito deve

encontrar maneiras para expressar sua diferença com relação às matérias

extrajurídicas (ROSENFELD, 1998, p. 39).

Assim, de acordo com Rosenfeld (1998, p. 35-36), Fish não coloca grandes

limites à doutrina jurídica posto que não exclui nenhuma interpretação jurídica,

mesmo uma que contradiga diretamente a doutrina do significado tradicionalmente

aceito desde que a interpretação em questão siga um caminho que permita evitar a

aparência de contradição. Além disso, ele argumenta que Fish defende que as

inconsistências da doutrina podem ser um problema do ponto de vista da filosofia,

mas não o são da perspectiva interna da prática jurídica (FISH Apud ROSENFELD,

1998, p. 38). Em decorrência dessa falta de seletividade de significados, Rosenfeld

8 The law wishes to have a formal existence. That means, fist of all, that the law does not wish to be absorbed by, or declared subordinate to, some other – nonlegal – structure of concern; the law wishes, in a word, to be distinct, not something else. And second, the law wishes in its autonomous existence be self-declaring and not to be in need of piercing out by some supplementary discourse; for were it necessary for the law to have recourse to a supplementary discourse at crucial points, that discourse would be in the business of specifying what the law is, and, consequently, its autonomy would been have compromised indirectly. It matters little whether one simply announces that the principles and mechanisms of the law exist ready-made in the articulations of another system or allows those principles and mechanisms to be determined by something they do not contain; in either case, the law as something independent and self-identifying will have disappeared.

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(1998, p. 38) afirma que, para todos os efeitos práticos, segundo a teoria de Fish, os

significados gerados através da interpretação jurídica são o produto exclusivo da

força retórica e feita ad hoc.

Rosenfeld expõe que Fish concebe o direito como uma prática auto-

referencial não havendo sobreposição entre o direito e outras práticas (FISH Apud

ROSENFELD, 1998, p. 43-44). Para elucidar esse ponto de vista, Fish, citado por

Rosenfeld, usa o exemplo dos jogos de xadrez e de dama que, apesar de utilizarem

o mesmo tabuleiro, não sofrem sobreposição. Da mesma forma ocorreria no direito

ao utilizar o mesmo pano de fundo de outras áreas. Assim, por exemplo, o Direito e

a filosofia podem atuar sobre os mesmos valores éticos, mas o fazem de maneiras

distintas (FISH Apud ROSENFELD, 1998, p. 43-44).

Discordando desse ponto de vista, Rosenfeld (1998, p. 43) lembra que,

diferentemente do xadrez e da dama, que são práticas auto-referenciais, o direito

pode incorporar não somente materiais descontextualizados de outras práticas, mas,

também, o próprio processo através do qual essas praticas geram seus materiais.

Assim, há casos nos quais os juristas fazem argumentações filosóficas ou éticas que

são sujeitas ao mesmo processo de geração, validação e refutação que seriam

feitos no curso de uma discussão filosófica (ROSENFELD, 1998, p. 43). Nesses

casos, argumentos éticos, políticos ou filosóficos sobre valores podem ser invocados

legitimamente e determinar o resultado judicial (ROSENFELD, 1998, p. 39). Desse

modo, conclui que há sobreposições entre as práticas da filosofia, da política e do

direito que não pode ser visto como uma prática auto-referencial.

Em última análise, longe de promover uma solução para a crise afetando a interpretação jurídica, o novo formalismo de Fish induz à conclusão de que a única maneira de compreender o fluxo infinito de mudanças de valores semânticos produzidos pelo direito como uma pratica interpretativa é através de exercícios ad hoc de poder. Então, a prática jurídica parece transcender, mas, de fato, é animada pela política. (ROSENFELD, 1998. p. 38, tradução nossa).9

Assim, Rosenfeld (1998, p. 39) defende que o formalismo jurídico de Fish leva

à perpétua celebração do status quo reduzindo o direito a uma artimanha retórica

por colocar as justificações puramente nos atos dos tomadores de decisões. Ele

9 In the last analysis, far from providing a solution to the crisis affecting legal interpretation, Fish's new legal formalism compels the conclusion that the only way to punctuate the ceaseless flow of exchange of semantic values produced by law as an interpretive practice is through ad hoc exercises in power. Thus, legal practice may feign to transcend but is in fact animated by politics.

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discorda de Fish porque, a seu ver, embora a lei e a doutrina jurídica mediem o

material ético com que trabalham, eles não, necessariamente, dissimulam isso.

Apesar do significado de uma doutrina jurídica não poder ser diretamente inferível da

visão moral por ela incorporada, essa moralidade coloca limites substantivos, e não

meramente formais ou procedimentais, para o uso legítimo da doutrina jurídica

servindo para abrir e fechar certos possíveis caminhos substantivos para a

interpretação jurídica (ROSENFELD, 1998, p. 39-40).

Contudo, para Rosenfeld, a analise de Fish revela algumas luzes sobre a

crise que afeta a interpretação jurídica. Os maiores desses esclarecimentos são: a

necessidade do direito forjar constantemente uma identidade para si mesmo; a

necessidade do direito incorporar e retrabalhar valores extrajurídicos provindos dos

campos ético e político; e a necessidade de o direito enquanto prática não ser

reduzido, em última analisa a qualquer outra prática como a política ou a filosofia

(ROSENFELD, 1998, p. 40-54).

3 . 2 e O formalismo Aristotélico-kantiano de Weinrib

Rosenfeld afirma que, em síntese, o novo formalismo de Weinrib postula que

o direito é distinto da política porque a estrutura do direito é inteligível como uma

prática internamente coerente sendo que essa coerência interna pode ser

compreendida através da interpretação (WEINRIB Apud ROSENFELD, 1998, p. 45).

Como Weinrib especifica:

De uma perspectiva interna ao conteúdo do direito, o formalismo traça as implicações de uma sofisticada tendência do sistema jurídico para a coerência tornando explícitos os padrões justificativos que o conteúdo desse sistema deve comportar (ibid.) Em outras palavras, em um sistema jurídico maduro, a interpretação – e Weinrib tem em mente principalmente a interpretação jurídica (ibid., 1004-5) – revela a tendência do direito em busca da coerência interna através da articulação de ligações imanentes entre a forma e o conteúdo de relações jurídicas específicas. No nível mais abstrato, as formas de relacionamento jurídico previstas por Weinrib são universais e ahistóricas (ibid., 1011), mas o processo de interpretação jurídica, contudo, continua dinâmico. Isso ocorre porque as relações jurídicas concretas nas quais essas formas devem estar ligadas estão mergulhadas em específicos contextos sociais e históricos e porque as decisões jurídicas devem empregar os significados públicos desenvolvidos

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e aplicáveis nesses contextos (ibid.). (ROSENFELD, 1998, p. 45, tradução nossa).10

Rosenfeld explica que, para Weinrib, as formas abstratas que atribuem

significado as relações jurídicas são as formas de justiça, nomeadamente, a

corretiva e a distributiva que são irredutíveis e cada relação jurídica particular será

afetada apenas por uma ou outra, mas nunca por ambas ao mesmo tempo

(WEINRIB Apud ROSENFELD, 1998, p. 45). Ele entende que a justiça corretiva

envolve a recompensa pelos danos e quantifica o dano sofrido por uma parte em

uma transação particular bipolar (voluntária ou involuntária) (WEINRIB Apud

ROSENFELD, 1998, p. 46). Como declara o próprio Weinrib:

A justiça é afetada pela transferência direta de recursos de uma parte para outra. Os recursos transferidos simultaneamente representam o dano do querelante e o ato ilícito do querelado. Então, a justiça corretiva trata o ilícito e a transferência de recursos e os desfaz, como um simples nexo de atividade e passividade onde autor e vitima são definidos em relação um ao outro. (WEINRIB, 1995, p. 56)11

Através da indenização dos danos, ela desfaz complicações geradas por

contratos (não cumpridos) e interferências dos ilícitos civis se propondo a

restabelecer o equilíbrio inicial entre semelhantes ligados apenas externamente

(WEINRIB Apud ROSENFELD, 1998, p. 46). Ela trabalha com as relações imediatas

de pessoa para pessoa e é completamente excluída da política porque não leva em

consideração a riqueza, mérito ou virtude dos atores jurídicos (WEINRIB Apud

ROSENFELD, 1998, p. 46). Assim, aparentemente, não faz diferença se alguém é

politicamente inclinado para favorecer aos interesses do rico ou do pobre, pois a

única maneira legitima de resolver as disputas jurídicas que recaem sobre o direito

10 As Weinrib specifies, "from a perspective internal to the law's content, formalism draws out the implications of a sophisticated legal system's tendency to coherence by making explicit the justificatory patterns to which the content of such a system must conform" (ibid.). In other words, in a mature legal system, interpretation- and Weinrib has in mind principally judicial interpretation (ibid., 1004-5) - reveals law's tendency toward internal coherence through the articulation of immanent links between the form and the content of particular juridical relationships. At the most abstract level, the forms of juridical relationship envisaged by Weinrib are universal and ahistorical (ibid., 1O11), but the process of judicial interpretation nevertheless remains dynamic. This is because the concrete juridical relationships to which such forms must be immanently linked are embedded in particular social and historical contexts and because judicial decisions must employ the public meanings developed in and applicable to such contexts (ibid.). 11 Justice is effected by the direct transfer of resources from one party to other. The resources transferred simultaneously represent the plaintiff’s wrongful injury and the defendant’s wrongful act. Corrective justice, thus threats the wrong and the transfer of resources that undoes it, as a single nexus of activity and passivity where actor and victim are defined in relation to each other.

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privado é comandar o pagamento dos danos que a justiça corretiva exige para

restaurar a igualdade inicial entre causador e sofredor do dano (ROSENFELD, 1998,

p. 46).

Ao contrário da igualdade quantitativa da justiça corretiva, a justiça distributiva exige a implementação de igualdade proporcional. Enquanto a justiça corretiva é limitada à restituição do status quo ante, a justiça distributiva requer a alocação dos benefícios e prejuízos da cooperação social nas proporções colocadas por um critério aplicável de distribuição (ibid., 988). Também, de acordo com a análise de Weinrib, ao contrário da justiça corretiva, a justiça distributiva não pode ser completamente separada da política. Na verdade, o embasamento em um dado critério de distribuição com o propósito de alcançar uma igualdade proporcional envolve uma decisão política (ibid., 988). Assim, por exemplo, se certos benefícios devem ser distribuídos igualmente de acordo com a proporção da necessidade ou de acordo com a proporção do mérito depende de algo que não é inerente às relações jurídicas ao direito, mas, ao contrário, a alguma decisão coletiva que permanece extrínseca ao direito e deve se basear, pelo menos em parte, sobre considerações políticas. (ROSENFELD, 1998, p. 47, tradução nossa).12

Rosenfeld relata que, para Weinrib, uma vez escolhido um critério específico

de distribuição, a justiça distributiva exige que as relações jurídicas que estão

conforme a igualdade proporcional sejam guiadas por esse critério (WEINRIB Apud

ROSENFELD, 1998, p. 47). Por isso, embora a justiça distributiva não possa evitar a

política, Weinrib sustenta que aquela não é reduzível a essa (WEINRIB Apud

ROSENFELD, 1998, p. 47).

Nas palavras do próprio Weinrib:

Uma vez que a distribuição é escolhida (o aplicador do direito) deve agir de acordo com a coerência da justiça distributiva e seguindo seus aspectos jurídicos, expressos através de normas dos direitos constitucional e administrativo, que estão sujeitas a revisão jurisdicional. Entretanto, a justiça distributiva compreendida como o ordenamento coerente de pessoas, coisas e critérios, não pode descartar as distribuições que estão disponíveis para serem escolhidas. A escolha de uma distribuição particular envolve uma decisão sobre a desejabilidade de um objetivo coletivo específico. O objetivo é extrínseco à forma – e conseqüentemente político – porque sua justificação é independente das exigências da ordenação

12 In contrast to the quantitative equality of corrective justice, distributive justice requires the implementation of proportional equality. Whereas corrective justice is concerned with the recovery of a status quo ante, distributive justice requires the allocation of the benefits and burdens of social cooperation in the proportions set by an applicable criterion of distribution (ibid., 988). Also, consistent with Weinrib analysis, unlike corrective justice, distributive justice cannot be completely severed from politics. Indeed, settling on any given criterion of distribution for purposes of achieving proportional equality involves a political decision (ibid., 989). Thus, for example, whether certain benefits ought to be distributed equally in proportion to need or in proportion to merit depends not on anything inherent to law or to juridical relationships but instead on some collective decision that remains extrinsic to law and that must draw, at least in part, on political considerations.

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coerente. Para a justiça distributiva, a escolha política de um objetivo extrínseco deve suplementar a racionalidade imanente de uma organização distributiva coerente (WEINRIB, 1995, p. 211).13

Rosenfeld argumenta que, para Weinrib, as justiças corretiva e distributiva

oferecem duas alternativas distintas (irredutíveis à política) em busca da

reconciliação dos diferentes (WEINRIB Apud ROSENFELD, 1998, p. 48). A justiça

corretiva promove a harmonia mínima de mútua não interferência apagando

repetitivamente a invasão de um cometedor de ilícito sobre outro que sofre o dano

(WEINRIB Apud ROSENFELD, 1998, p. 48). A justiça distributiva também aspira a

promover a mutua não interferência neutralizando os conflitos através da alocação

de benefícios e prejuízos coletivamente gerados (WEINRIB Apud ROSENFELD,

1998, p. 48). Através da instituição da igualdade proporcional, ela circunscreve uma

ordem na qual cada pessoa pode ver a si mesma como moralmente igual às demais

sendo tratada como um fim em si mesmo e não apenas como um meio para se

alcançar algo (WEINRIB Apud ROSENFELD, 1998, p. 48).

A tarefa da justiça distributiva, como a da justiça corretiva, não pode ser completada nunca, porque ambas presumivelmente irão sempre ter novos bens para serem distribuídos de acordo com a igualdade proporcional e porque o critério específico da justiça distributiva a ser aplicado em dadas circunstâncias históricas e sociais provavelmente será sujeita a controvérsia política enquanto a sociedade continua dividida entre diversos grupos. Não apenas as justiças corretiva e distributiva, como formas de justiça, realmente parecem altamente compatíveis com o Direito tendo internalizado a desconstrução, mas elas também autorizam a indeterminação no cumprimento de sua função de estabelecimento de significados. Na verdade, de acordo com a avaliação de Weinrib, a indeterminação é inevitável no curso da aplicação de formas abstratas para relações jurídicas determinadas que necessariamente possuam um elemento de contingência (ibid., 1009). (ROSENFELD, 1998, p. 48, tradução nossa).14

13

Whatever distribution is chosen must live up to the coherence of distributive justice and accordingly it has juridical aspects, expressive though norms of constitutional and administrative law, that are subject to judicial review. Distributive justice, however, understood as the coherent ordering of persons, things and criterion, cannot single out which the available distributions is to be preferred. The selection of a particular distribution involves a decision about the desirability of a particular collective goal. The goal is extrinsic to form – and therefore political – because its justification is independent of the requirements of coherent ordering. For distributive justice, the political choice of an extrinsic goal must supplement the immanent rationality of a coherent distributive arrangement. 14 the task of distributive justice, like that of corrective justice, can never be completed, both because presumably there will always be new goods to be distributed according to proportional equality and because the particular criterion of distributive justice to be applied in given social and historical circumstances is likely to be a subject of political controversy so long as society remains divided into self and other. Not only do corrective and distributive justices as the forms of justice seem highly compatible with law conceived as having internalized deconstruction but they also allow for indeterminacy in the course of discharging their meaning-endowing function. Indeed, in Weinrib’s assessment, indeterminacy is inevitable in the course of applying abstract forms to particular juridical relationships that necessarily comprise an element of contingency (ibid., 1009).

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A partir dessa exposição, Rosenfeld (1998, p. 49) levanta que há duas falhas

nas premissas que embasam a tese formalista de Weinrib: a primeira se relaciona

com a concepção dele de formas de justiça, a segunda com sua avaliação da

relação entre as justiças corretiva e distributiva.

Segundo Rosenfeld (1998, p. 49), Weinrib escolhe uma (dentre várias outras

possíveis) versão historicamente baseada e ideologicamente determinada do que

são as justiças corretiva e distributiva elevando essa opção a um patamar de

essência universal e ahistorica dessas formas de justiça. Ele supõe que o domínio

da justiça corretiva deve ser dirigido sob um regime de direitos puramente negativos

e que a justiça distributiva necessariamente envolve o respeito às noções kantianas

de igualdade e personalidade (ROSENFELD, 1998, p. 49). Entretanto, isso não é

necessariamente verdade porque a justiça corretiva se baseia no passado, e, para

isso, deve estabelecer algum ponto como base e compará-lo à configuração das

relações intersubjetivas existentes naquele momento com a que ocorre quando do

pedido por reparações (ROSENFELD, 1998, p. 50). Escolher esse ponto base

envolve uma arbitrariedade – que é um elemento político e ideológico e, por causa

disso, a justiça corretiva não exige a imposição de direitos puramente negativos,

mas pode ser aplicável em um regime composto marcadamente por direitos

positivos (ROSENFELD, 1998, p. 50-51). “Dessa maneira, somente suprimindo

visões políticas diferentes sobre o papel próprio da justiça corretiva que Weinrib tem

sucesso em transmitir a impressão de que a justiça corretiva é apolítica.” (1998, p.

51, tradução nossa).15

Weinrib concebe que a “justiça distributiva tem um componente político, mas

ele insiste que apesar disso transcende à política na medida em que impõe o dever

de obedecer às noções kantianas de igualdade e personalidade” (WEINRIB Apud

ROSENFELD, 1998, p. 51, tradução nossa).16 Entretanto, segundo Rosenfeld (1998,

p. 51), essas noções não estão presentes na definição de justiça distributiva de

modo que não há motivo para presumir que a justiça distributiva as inclua. Para

Rosenfeld (1998, p. 51), Weinrib também utiliza uma concepção dessa forma de

15 It is only by suppressing alterative political a vision of the proper role of corrective justice that Weinrib succeeds in conveying the impression that corrective justice is apolitical. 16 Weinrib does concede that distributive justice has a political component, but he insists that it nevertheless transcends politics to the extent that it imposes a duty to abide by Kantian notions of personhood and equality.

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justiça e a apresenta como se fosse universalmente válida, mas como a justiça

distributiva não implica nas noções kantianas de igualdade e personalidade, a

proteção jurídica dessa não é apolítica. Apesar disso, Rosenfeld defende que:

Embora a concepção de justiça distributiva de Weinrib seja, ao mesmo tempo, limitada e condicionada ideologicamente, os limites kantianos que ela impõe, apesar de questionáveis, certamente proporcionam uma maneira legítima de distinguir as relações jurídicas das puramente políticas no contexto daqueles sistemas jurídicos que compartilham esses supostos ideológicos. (ROSENFELD, 1998, p. 53-54, tradução nossa)

Além disso, “a reflexão de que o direito se preocupa com as relações

externas entre as pessoas fornece meios cogentes de demarcação entre as relações

jurídicas e as puramente éticas” (ROSENFELD, 1998, p. 54 tradução nossa)17.

Diante dessa análise do novo formalismo, Rosenfeld (1998, p. 54) conclui que

a justiça formal é comprovadamente inadequada, por isso, é preciso buscar uma

justiça substantiva uma vez que o direito não está contido em si mesmo e possui

sobreposições com a política e a ética.

3 . 3 e O direito e a violência e sob o olhar desconstrutivo (Jaques Derrida)

Rosenfeld passa a buscar soluções na desconstrução de Jaques Derrida de

acordo com a qual a justiça no contexto jurídico não pode ser legitimamente

confinada à justiça de acordo com o direito. Segundo Rosenfeld (1998, p. 56), a

desconstrução se depara com o paradoxo de ter que ser, ao mesmo tempo,

universal e singular. Nas palavras de Derrida:

É preciso também saber que essa justiça se endereça sempre a singularidades, à singularidade do outro, apesar ou mesmo em razão de sua pretensão à universalidade. Por conseguinte, nunca ceder a esse respeito, manter sempre vivo um questionamento sobre a origem, os fundamentos e os limites de nosso aparelho conceitual teórico ou normativo em torno da justiça é, do ponto de vista de uma desconstrução rigorosa, tudo salvo uma neutralização do interesse pela justiça, uma insensibilidade à justiça. (DERRIDA, 2007, p. 37)

17 Weinrib's insight that law is concerned with external relationships between persons furnishes apparently cogent means of demarcation between legal relationships and purely ethical ones.

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Assim, na opinião de Rosenfeld (1998, p. 56), para que a justiça seja justa

com o outro, deve considerá-lo em toda a sua singularidade, mas, para encontrar um

equilíbrio entre os diferentes grupos, tem que evitar usar a forma de expressão de

qualquer deles e, assim, é compelida a utilizar uma linguagem universal que

transcende às peculiaridades de todos os que são abarcados por ela.

A dicotomia de Derrida entre justiça enquanto direito e a justiça enquanto dever de cada pessoa é remanescente da distinção de Aristóteles entre justiça como igualdade e justiça como equidade (Aristóteles 1980, livro 5). Na visão de Aristóteles, a justiça de acordo com o direito deve se expressar em termos universais que são suscetíveis, em alguns casos, a produzir iniqüidades. Para remediar esse problema, o recurso à equidade é necessário como “uma correção do direito que é defeituoso devido á sua universalidade” (ibid., 1137b, linhas 27-28). (...) Apesar das similaridades entre as visões, há uma diferença crucial entre as concepções de justiça de Aristóteles e Derrida. Enquanto para Aristóteles, a justiça como equidade deve suplementar a justiça como igualdade, para Derrida, a justiça do dever de cada um não é somente impossível, mas também frustra completamente o alcance da justiça como direito. No universo Aristotélico, a justiça como igualdade é a regra e a justiça enquanto equidade é introduzida para lidar com a exceção. Para Derrida, ao contrário, cada caso aparenta ser uma exceção, ou mais precisamente – na visão das respectivas demandas da igualdade e da irredutível singularidade do outro – cada caso deve (mas é inevitavelmente condenado a falhar em) satisfazer, ao mesmo tempo, a regra e a exceção. (ROSENFELD, 1998, p. 56-57, tradução nossa).18

Contudo, Rosenfeld defende que não se pode capturar completamente a

irredutível singularidade do outro, por isso, “o singular e o universal são condenados

a caminhar em posições opostas, e a justiça abrangente a permanecer impossível.”

(ROSENFELD, 1998, p. 59 tradução nossa)19. Essa impossibilidade de calcular

todas as similaridades e diferenças faz com que alguns interpretem que a justiça gira

apenas em torno das similaridades e diferenças relevantes. Entretanto, Rosenfeld

acompanha Derrida defendendo que não é possível estabelecer quais diferenças e

18 Derrida's dichotomy between justice as law and justice as each person's due is reminiscent of Aristotle's distinction between justice as equality and justice as equity (Aristotle 1980, bk. 5). In Aristotle's view, justice according to law must speak in universal terms that are susceptible, in some cases, of producing inequities. To remedy this problem, recourse to equity is necessary as "a correction of law where it is defective owing to its universality" (ibid., 1137b, lines 27-28). (…)“In spite of the similarities between their respective views, there is a crucial difference between Aristotle's and Derrida's conceptions of justice. Whereas for Aristotle justice as equity is meant to supplement justice as equality, for Derrida justice as each person's due is not only impossible but also completely frustrates the achievement of justice as law. In the Aristotelian universe, justice as equality is the rule and justice as equity is introduced to deal with the exception. For Derrida, in contrast, every case appears to be an exception, or more accurately -in view of the respective demands of equality and of the irreducible singularity of the other - every case should (but is inevitably bound to fail to) satisfy both the rule and the exception. 19 The singular and the universal are bound to continue pulling in opposite directions, and comprehensive justice remains impossible.

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similaridades são as relevantes porque não há consenso sobre isso entre as

diferentes visões do mundo da atual sociedade (DERRIDA Apud ROSENFELD,

1998, p. 59-60).

Rosenfeld (1998, p. 59) constata que as insuperáveis barreiras entre os

diferentes grupos fazem a justiça abrangente ser impossível e que as concepções

concorrentes do bem dividem as facções nas sociedades pluralistas. Esse contexto

relega qualquer critério de justiça à contingência. Conseqüentemente, a justiça é, ao

mesmo tempo, perpetuamente incompleta e incapaz de forjar uma posição imparcial

entre as concepções concorrentes do bem. Nesse ponto, Derrida lembra que a

própria fundação do direito repousa sobre a violência:

O próprio surgimento da justiça e do direito, o momento instituidor, fundador e justificante do direito, implica uma força performativa, isto é, sempre uma força interpretadora e um apelo à crença (...) Ora, a operação de fundar, inaugurar, justificar o direito, fazer a lei, consistiria num golpe de força, numa violência performativa e portanto interpretativa que, nela mesma, não é nem justa nem injusta, e que nenhuma justiça, nenhum direito prévio e anteriormente fundador, nenhuma fundação preexistente, por definição, poderia nem garantir nem contradizer ou invalidar. (DERRIDA, 2007, p. 24)

Assim, “por ser aprisionada nas insuperáveis oposições entre o singular e o

universal e entre o concreto e o abstrato a justiça não pode evitar a violência”

(ROSENFELD, 1998, p. 60 tradução nossa)20.

Rosenfeld relata que impossibilidade de alcançar a justiça e a inevitabilidade

de se ligar a justiça à violência pode induzir a pensar que a procura pela justiça é

sem sentido, ou que todas as plausíveis organizações de direitos para a

coexistência são equivalentes. Entretanto, no contexto da ontologia do eterno

adiamento da completa reconciliação dos diferentes e da ética da inclusão e do

cuidado, a busca pela justiça é um imperativo ético permanente (ROSENFELD,

1998, p. 60).

Além disso, apesar da justiça abrangente ser impossível, algumas injustiças parecem muito mais questionáveis que outras. Como já acenado antes, um direito tortuoso ou que impiedosamente denigre a concepção do outro de bem será claramente muito mais repreensível que um direito que realmente procure acomodar as preocupações do outro, mas que, apesar disso, falha um pouco por causa de sua inevitável incapacidade de calcular a singularidade do outro. (...) Similarmente, assim como todas as injustiças não estão em pé de igualdade, não são todas as violências que estão

20 Because it is caught in the insurmountable oppositions between the singular and the universal and between the concrete and the abstract, justice cannot avoid producing violence.

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necessariamente ligadas à justiça que são igualmente repreensíveis. Então, a violência emanada da implementação de um direito claramente tendencioso a ofender a concepção de bem do outro claramente se coloca como mais depreciável do que a violência associada à aplicação de uma lei penal contra alguém que pode ser acertadamente demandado por ter livremente consentido com sua promulgação. (ROSENFELD, 1998, p. 60-61, tradução nossa).21

Dessa maneira, Rosenfeld defende que:

O melhor que podemos esperar sob essas circunstancias é que a reconstrução aponte importantes alternativas sob a luz da separação em curso, e, em última análise, impossível de superar, entre as demandas da justiça abrangente e a inevitabilidade de uma incompleta e, logo, imperfeita, justiça. O objetivo da reconstrução é identificar maneiras por meio das quais as lacunas entre a justiça abrangente e a justiça incompleta devem ser diminuídas. Contudo, paradoxalmente, uma reconstrução com sentido requer, ao mesmo tempo, a acentuação do potencial abrangente da justiça – pela ligação conjunta das diferentes formas de justiça – e o realce de sua inerente incompletude – pela separação dos vários domínios da justiça uns dos outros o máximo possível. (ROSENFELD, 1998, p. 62, tradução nossa).22

3 . 4 e A reconstrução rosenfeldiana das formas e domínios da justiça

Rosenfeld afirma que a separação das formas de justiça abre muito mais

brechas à injustiça do que a combinação das várias formas e declara que a

reconstrução ótima requer que as várias formas de justiça sejam abarcadas por um

21 Moreover, notwithstanding that comprehensive justice is impossible, some injustices seem far more objectionable than others. As already hinted above, a law bent on ruthlessly denigrating the other's conception of the good would clearly be much more reprehensible than a law genuinely intended to accommodate the other's concerns but which nonetheless falls short because of its unavoidable failure to fully account for the other's singularity. (…)Similarly, just as not all injustices stand on the same footing, not all violence necessarily linked to justice is equally reprehensible. Thus, the violence emanating from implementation of a law squarely bent on assaulting the other's conception of the good clearly ranks as more despicable than the violence associated with application of a criminal law against someone who can be fairly deemed to have freely consented to its enactment. 22 Set against the impossibility of justice, reconstruction becomes necessary to carve out a path toward just interpretations consistent with a genuine commitment to the pursuit of justice. Moreover, the best that one can hope for under these circumstances is that reconstruction point to meaningful alternatives in light of the ongoing, and ultimately impossible to overcome, clash between the demands of comprehensive justice and the inevitability of incomplete and hence imperfect justice. The objective of reconstruction is to identify ways in which the gap between comprehensive justice and incomplete justice might be narrowed. Paradoxically, however, meaningful reconstruction requires both accentuating the comprehensive potential of justice - by linking together the different forms of justice - and stressing its inherent incompleteness - by separating the various domains of justice from one another as much as possible.

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conjunto que faça cada uma mais coerente com a outra o possível e propõe um

sistema unificado de justiça que organize uma união coerente das justiças corretiva,

distributiva e procedimental sob a égide da justiça abrangente.

A justiça abrangente subsume todas as formas de justiça sob uma única concepção do bem, por exemplo, utilitária ou libertária, então se revelando contrafactual. Essa contrafactualidade, por seu turno, fornece a criação de um coerente ponto de vista crítico para uma determinação principiológica das conseqüências de qualquer tentativa atual para alcançar a justiça, enquanto, ao mesmo tempo, aponta para a melhor – mesmo que sempre imperfeita – justiça. (ROSENFELD, 1998, p. 65, tradução nossa).23

Rosenfeld defende que a justiça corretiva deve viajar da data do ilícito na

direção do futuro projetando como o presente seria se o ilícito não tivesse ocorrido

para estabelecer uma medida própria da compensação. A justiça distributiva

também deve, algumas vezes, calcular por distribuições do passado no processo de

criar meios aptos para distribuições justas para evitar os excessos da

subindenização e da superindenização (ROSENFELD, 1998, p. 66).

Para tanto, ele se apóia no pensamento de John Rawls que afirma que:

Uma correta igualdade de oportunidade requer que “aqueles com habilidades e capacidades similares devem ter chances similares na vida (...) independentemente da respectiva classe em que nasceram” (ibid., 73). Conseqüentemente, implementar uma igualdade de oportunidades acertada requer que olhemos as discrepâncias das condições do passado, para, então ser capaz de elaborar medidas – como educação corretiva – indicadas para erradicar essas vantagens na competição por escassas posições de trabalho que são atribuíveis a disparidades de riqueza no passado. (...) Em outras palavras, as discrepâncias de arrecadação não são “ilícitos”, mas o efeito delas na competição por benefícios escassos deve ser calculado assim como as conseqüências dos ilícitos sob a justiça corretiva. Então, embora por diferentes razões, a justiça distributiva deve, na ocasião, olhar para o passado da mesma maneira que a justiça corretiva se limita a fazer. (RAWLS Apud ROSENFELD, 1998, p. 66, tradução nossa).24

23 Comprehensive justice subsumes all the forms of justice under a single conception of the good, for example, utilitarian or libertarian, thus yielding a counterfactual. This counterfactual, in turn, affords a coherent critical standpoint making for a principled determination of the shortcomings of any actual attempt to achieve justice while, at the same time, pointing to available paths toward greater-if ever imperfect-justice. 24 According to (John) Rawls, fair equality of opportunity requires that "those with similar abilities and skills should have similar life chances (. . .) irrespective of the income class to which they are born" (ibid., 73). Consistent with this, implementing fair equality of opportunity requires looking to past income discrepancies, so as to be able to devise measures - such as remedial education-designed to eradicate those advantages in the competition for scarce employment positions that are attributable to past disparities in wealth. (…)In other words, discrepancies in income are not "wrongs," but their effect on the competition for scarce benefits must be counted much as the consequences of wrongs under corrective justice. Thus, although for differ reasons, distributive justice must on occasion look to the past just as corrective justice is bound to do.

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Assim, do ponto de vista de Rosenfeld (1998, p. 66-67), há uma complexa

rede que interliga as justiças corretiva, distributiva, restitutiva, retributiva e

procedimental. Nessa organização, a justiça procedimental é indispensável uma vez

que a justiça não pode ser alcançada sem procedimentos justos. Seguindo Rawls,

Rosenfeld divide a justiça procedimental em dois tipos básicos.

O primeiro requer que exista ao mesmo tempo um critério independente para determinar o que será considerado um resultado justo para as justiças distributiva, corretiva, restitutiva ou retributiva e exige um procedimento que leve ao resultado justo. (RAWLS Apud ROSENFELD, 1998, p. 67 tradução nossa)25.

O segundo conduz à “justiça puramente procedimental” de acordo com a qual

qualquer resultado será justo, desde que o procedimento correto tenha sido seguido

(RAWLS Apud ROSENFELD, 1998, p. 67). Dentro do primeiro tipo de justiça

procedimental, ela pode ser dividida em “perfeita” e “imperfeita”. Quando o

procedimento assegura o resultado prescrito pelo critério aplicável da justiça

substantiva temos uma justiça procedimental perfeita; se isso não ocorrer, temos

uma justiça procedimental imperfeita (ROSENFELD, 1998, p. 67). Nessa linha de

raciocínio, Rosenfeld (1998, p. 67) argumenta que a justiça de acordo com o direito

está intimamente associada à justiça procedimental imperfeita. Então, ele conclui

que a necessidade de se basear na justiça procedimental imperfeita é suficiente

para fazer a justiça completa impossível porque mesmo que a justiça de acordo com

o direito estivesse em perfeita harmonia com as normas de justiça além do direito,

isso poderia não garantir resultados justos (ROSENFELD, 1998, p. 67).

Assim, o objetivo de Rosenfeld ao fazer a separação dos domínios da justiça

é contabilizar todo o material relevante e reformulá-lo dentro de uma perspectiva

única que possibilite que cada domínio particular da justiça possa ser diferenciado

dos demais (ROSENFELD, 1998, p. 68). Ele defende que, apesar de não ser

possível expulsar do direito as influências dos campos limítrofes a ele por causa da

inevitável a transposição de conteúdos da ética e da política para o direito, a

separação entre os domínios da justiça pode neutralizar conflitos embebidos nos

domínios da ética e da política levando a uma coesão suficiente para assegurar uma 25 The first type requires both an independent criterion of distributive, corrective, restitutive, or retributive justice to determine what would count as a just outcome and a procedure designed to lead to such a just outcome.

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correta e produtiva existência comum em uma sociedade pluralista (ROSENFELD,

1998, p. 68-69). Por isso, ele entende ser preciso diferenciar as justiças ética, legal e

procedimental.

Rosenfeld entende que o direito e a ética dividem o mesmo propósito de

superar as lacunas entre os grupos estabelecendo justas e mutuamente aceitáveis

ligações entre eles. Para ele, a principal diferença entre o direito e a ética é que a

ética procura modelar e promover vínculos internos entre os sujeitos, enquanto o

direito concentra-se nos vínculos externos (ROSENFELD, 1998, p. 69). “Em linhas

gerais, vínculos internos são forjados pela auto-limitação, enquanto vínculos

externos são, em última instância, garantidos pela ameaça de sanções” (1998, p. 69

tradução nossa).26

Para Rosenfeld (1998, p. 70), quando as disputas entre desconhecidos

podem ser legitimamente resolvidas sem recurso aos valores comunitários

endossados por apenas alguns dos envolvidos a justiça de acordo com o direito

pode alcançar validade normativa sem referencia à justiça de acordo com a ética.

Contudo, nas sociedades pluralistas os conflitos entre desconhecidos tendem a

traduzir uma disputa entre as concepções do bem fazendo com que a justiça de

acordo com o direito se revele injusta quando vista pelos os vários domínios da

justiça (ROSENFELD, 1998, p. 70). Isso leva a uma dúvida sobre a possibilidade de

reconstrução dos vínculos entre os grupos que supere as discordâncias entre as

concepções do bem (ROSENFELD, 1998, p. 70-71). Da mesma forma, se questiona

se as normas comunitárias que buscam alcançar a justiça de acordo com o direito

poderiam ser efetivamente separadas de suas raízes no domínio da ética

(ROSENFELD, 1998, p. 71). Então, Rosenfeld apresenta a distinção entre

moralidade e ética colocada pelas filosofias de Kant e Hegel:

A moral engloba as normas de justiça universalmente aplicáveis bem como os direitos e deveres universalmente válidos que transcendem todas as diferentes concepções do bem. Ética, por outro lado, se refere, dentro dessa concepção, aos costumes, máximas da prudência e padrões normativos de uma comunidade situada historicamente com sua própria concepção de bem. (ROSENFELD, 1998, p. 71, tradução nossa) 27

26 Broadly speaking, internal links are those forged through self-constraint, whereas external links are those that are ultimately guaranteed by the threat of sanctions. 27 "Morals" as encompassing universally applicable norms of justice and universally valid rights and duties that transcend all different conceptions of the good. "Ethics," on the other hand, refers, under this conception, to the mores, prudential maxims, and normative standards of a historically grounded community with its own conception of the good.

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Para Rosenfeld (1998, p. 71), de acordo com essa distinção, desde que a

moral ofereça uma perspectiva universal, a justificação moral do direito possibilita

um caminho para a reconciliação entre a justiça de acordo com o direito e a justiça

além do direito. Entretanto, Rosenfeld (1998, p. 71) acredita que os limites forjados

pela internalização dos costumes comunitários tendem a ser substantivos e fortes e

os vínculos internos derivados da moral kantiana podem ser considerados

puramente formais. Assim, Rosenfeld (1998, p. 71) entende que enquanto a ética

oferece um meio para a internalização recíproca dos sujeitos, a moral kantiana

aborda as pessoas com tal grau de abstração que elimina, em grande medida, as

diferenças que distinguem os indivíduos. Dessa forma, na medida em que a moral

kantiana reduz um indivíduo a um equivalente do outro, ela promove, em última

análise, uma auto-limitação solipsista (ROSENFELD, 1998, p. 71).

A adesão estrita à moral kantiana, longe de embasar normativamente a justiça de acordo com o direito, na verdade, tende a deslegitimá-la, já que na busca de vínculos externos contradiz mais do que complementa a implantação do imperativo categórico. Em resumo, a moral kantiana é, no final, tão formal e rígida que se apresenta alheia a esse mundo, e, assim, amplamente vazia. (ROSENFELD, 1998, p. 71-72, tradução nossa).28

Rosenfeld (1998, p. 72) defende que, deixando a moral de lado, é possível

superar a fenda entre as concepções concorrentes do bem neutralizando normas

comunitárias contestadas inseridas no direito pela reconstrução do universo

normativo através de uma clara divisão entre direito e ética.

É mais difícil separar o direito da política do que da ética porque a política, como o direito, governa sobre todas as relações externas entre atores intersubjetivamente engajados na busca pelo interesse próprio. Na verdade, o processo de geração do direito recai completamente sobre o domínio da política. Em conseqüência disso, a política freqüentemente alcança sua expressão máxima no direito e, reversamente o direito – ou, pelo menos, o direito legislativamente gerado – deve toda a sua existência e formulação à política. Em suma, a política engendra o direito o que significa que para o direito alcançar qualquer independência da política, ele deve ter sucesso em escapar dos grilhões do legislador. (ROSENFELD, 1998, p. 74-75, tradução nossa).29

28 Strict adherence to Kantian morals, far from normatively buttressing justice according to law, actually tends to delegitimize it, as the pursuit of external links contradicts rather than complements principled deployment of the categorical imperative. In short, Kantian morals are ultimately so formal and so rigid as to appear otherworldly, and hence largely empty. 29 It is more difficult to set law apart from politics than from ethics, because politics like law presides over external relationships among intersubjectively engaged actors in pursuit of self-interest. As a

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Para Rosenfeld (1998, p. 75), a política engloba o estabelecimento de

objetivos para a sociedade e criação dos meios para atendê-los. Do ponto de vista

da política, "a sociedade é mais o locus de tratamentos externos intersubjetivos

entre cidadãos do que da expressão das normas comuns de uma comunidade ética”

(ROSENFELD, 1998, p. 75 tradução nossa)30. Ele entende que o direito e a política

podem exercer um papel estratégico na institucionalização da justiça trabalhando em

busca de uma correta reconciliação dos interesses individuais e dos comuns

(ROSENFELD, 1998, p. 76). Rosenfeld acredita que pode-se conseguir uma boa

divisão do trabalho entre direito e política da seguinte maneira:

(Deixando) a integração sobre assuntos relativamente assentados para regulação jurídica enquanto deixam-se os assuntos mais divisíveis ou mais voláteis para as cotidianas negociações da política. Por outro lado, para prevenir futura fragmentação indevida, faz sentido por certos assuntos particularmente explosivos temporariamente fora de discussão, para sujeitá-los a regulação jurídica. Em resumo, como não há sociedade que pode suportar uma constante e improdutiva controvérsia sobre todos os assuntos possivelmente controversos, parece prudente manter um bloqueio temporário sob certos temas, e a divisão do trabalho entre a política o direito pode ser produtivamente ajustada para esse propósito. (ROSENFELD, 1998, p. 77, tradução nossa).31

Para ilustrar isso, Rosenfeld (1998, p. 78) esclarece que a diferença de

perspectiva entre o direito e a política pode ser vista mais claramente através do

contraste entre a justiça de acordo com o direto e a justiça política. A justiça de

acordo com o direito está ligada a normas jurídicas estabelecidas anteriormente e

válidas ao tempo da ocorrência dos eventos que dão origem aos pedidos por

matter of fact, democratic lawmaking falls squarely within the domain of politics. Consistent with this, moreover, politics frequently achieves its optimal expression in laws, and conversely laws-or at least legislatively generated laws-owe both their existence and formulation to politics. In short, politics engenders law, which means that for law to achieve any independence from politics, it must succeed in escaping from the fetters of the lawmaker. 30 from the perspective of politics, the polity appears as the locus of external intersubjective dealings between citizens rather than as the locus of expression for the internally appropriated intersubjectively shared common norms of an ethical community 31 It seems reasonable to buttress integration by subjecting relatively settled matters to legal regulation while leaving potentially more divisive or more volatile matters to the day-to-day give-and-take of politics. Conversely, to prevent further undue fragmentation, it may make sense to take certain particularly explosive issues temporarily off the table, by subjecting them to legal regulation. Such regulation may please no one but may nonetheless succeed in partially and temporarily depoliticizing certain inherently divisive issues as all sides to the relevant issue feel they have more to lose than to gain from repeal of existing legal regulation. In short, as no polity can afford constant relentless controversy on all potentially divisive issues, it seems wise to keep a temporary lid on certain issues, and the division of labor between politics and law can be productively garnered for that purpose.

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reparação (ROSENFELD, 1998, p. 78). A justiça política é caracterizada por sua

inabilidade de estabelecer ligações suficientes com essas normas jurídicas

preexistentes (ROSENFELD, 1998, p. 78). Nesse caso, tanto o ponto de referência

com base no qual se pretende estabelecer o equilíbrio quanto a determinação do

que deve contar como um desequilíbrio ocorrem ex post facto (ROSENFELD, 1998,

p. 79). Rosenfeld (1998, p. 83) entende que, do ponto de vista político, o direito é um

veículo para a ação política através da incorporação de valores políticos. Para ele,

em certas ocasiões, a política pode usar a forma do direito, mas, nesses casos, o

direito serve como uma mascara para encobrir o que continua, substancialmente,

uma batalha política (ROSENFELD, 1998, p. 83) . Entretanto, Rosenfeld acredita

que o mais importante é que a reconstrução possa instituir uma divisão funcional

entre o direito e a política além da aparência das formas abrindo a possibilidade de

que a justiça de acordo com o direito possa agir contra a justiça política minimizando

o perigo de uma fragmentação indevida na sociedade (ROSENFELD, 1998, p. 83).

Nesse contexto, ele entende que uma via possível é a reconstrução contrafactual

baseada no ideal da justiça abrangente que torna possível entender maneiras

desejadas para que padrões prevalentes da justiça divisem alternativas ajustadas

para levar a uma justiça melhor (ROSENFELD, 1998, p. 83).

A reconstrução contrafactual não pode levar a superação da oposição entre o universal e o singular, a regra e a exceção, ou o abstrato e o concreto, mas ela pode apontar para os melhores compromissos disponíveis dadas as tensões existentes e as plausíveis vias de alívio como delimitado por uma razoável delimitação de um horizonte de possibilidades. (...) A reconstrução contrafactual se baseia em combinar juntas as várias formas de justiça o máximo possível. Por outro lado, a reconstrução contrafactual não exige, necessariamente, a separação dos domínios da justiça, mas é certamente compatível com essa atitude. Além disso, pelo encaixe dos domínios da justiça ela maximiza visivelmente as oportunidades para reconciliar os pedidos conflitantes por justiça nos confins da justiça de acordo com o direito. (ROSENFELD, 1998, p. 83-84, tradução nossa).32

32Counterfactual reconstruction cannot lead to overcoming the opposition between the universal and the singular, the rule and the exception, or the abstract and the concrete, but it can point to the optimal compromises available given existing tensions and plausible avenues of relief as delimited by a reasonably drawn horizon of possibilities. (…)Counterfactual reconstruction relies on drawing together the various forms of justice as much as possible. On the other hand, counterfactual reconstruction may not require separating the domains of justice, but it is certainly compatible with it. Moreover, by uncoupling the domains of justice one apparently maximizes the opportunities for reconciling conflicting claims to justice within the confines of justice according to law.

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3 . 5 e Justiça e o Fim da Interpretação (Luhmann)

Rosenfeld (1998, p. 89) ressalta que a consideração da justiça além do direito

leva a uma amplificação dos horizontes da justiça, mas isso gera o risco de que, ao

escapar da justiça estritamente legal, se acabe por encontrar, não apenas a justiça

além do direito, mas a justiça contra o direito. O jusfilósofo revela que, diante dessa

constatação, o positivismo jurídico incitou a abandonar a busca por uma medida

universalmente válida de justiça além do direito e propôs que vivamos de sob a

justiça de acordo com as leis (ROSENFELD, 1998, p. 91). Entretanto, Rosenfeld

entende que o juspositivismo é arbitrário porque só “pode resolver a fenda entre a

justiça de acordo com o direito e a justiça contra o direito possibilitando ao direito

escapar completamente dos laços da justiça” (ROSENFELD, 1998, p. 91, tradução

nossa)33. Rosenfeld (1998, p. 91) entende que o positivismo jurídico atrela a

legitimidade do direito ao seu pedigree e leva aos valores subjetivos incorporados na

vontade de um soberano devidamente reconhecido. Entretanto, no entender de

Rosenfeld, “na medida em que nenhum valor subjetivo pode ser comprovado como

inerentemente superior a qualquer outro, o positivismo jurídico tende a reduzir a

justiça de acordo com o direito a uma formalidade virtualmente sem sentido”

(ROSENFELD, 1998, p. 91, tradução nossa)34. Assim, ao buscar neutralizar a justiça

contra o direito ele acaba por trivializar a justiça de acordo com o direito

(ROSENFELD, 1998, p. 91).

A concepção de Niklas Luhmann do direito como um sistema autopoiético compartilha com o positivismo jurídico a crença que a validade das normas jurídicas não é dependente de normas extralegais. Contudo, ao contrário do positivismo jurídico a concepção de Luhmann aparenta evitar com sucesso se apoiar na interferência de valores subjetivos como um componente indispensável na articulação de normas jurídicas legítimas. O direito concebido como um sistema autopoiético é auto-referencial e produz e estrutura seus elementos componentes. Além disso, como um subsistema do sistema social, os elementos do direito e suas formas de reprodução consistem em comunicação (Luhmann 1990, 3). (LUHMANN Apud ROSENFELD, 1998, p. 91-92, tradução nossa).35

33 (Positivism) can only resolve the dash between justice according to law and justice against law by making it possible for law to escape completely from the grasp of justice. 34 to the extent that no subjectively held value can be proven inherently superior to any other (…)legal positivism tends to reduce justice according to law to a virtually meaningless formality. 35 Niklas Luhmann's conception of law as an autopoietic system shares with legal positivism the belief that the validity of legal norms is not dependent on extralegal norms. In contrast to legal positivism, however, Luhmann's conception seemingly successfully avoids reliance on the injection of subjective

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36

Para Rosenfeld, a autopoiésis do direito de Luhmann torna aparentemente

possível para o sistema jurídico “permanecer operacionalmente separado tanto das

normas extrajurídicos quanto da influência da subjetividade arbitrária por embasar a

fundação do direito em uma circularidade auto-referencial”. (ROSENFELD,1998, p.

92, tradução nossa)36. Assim, para Rosenfeld (1998, p. 92), a teoria de Luhmann

visa possibilitar o abandono de uma busca pela justiça além do direito.

De acordo com essa estrutura, seguindo explicações de Simioni, o ambiente é

complexidade bruta, os meios, que no caso do direito são as leis, reduzem essa

complexidade através de conexões comunicativas, a partir das quais os sistemas

selecionam formas de diferença que produzem sentido criando condições para que a

sociedade possa diferenciar-se funcionalmente para uma cada vez mais alta

complexidade (SIMIONI, 2006, p. 134).

O meio facilita a comunicação com sentido. Ele reduz complexidade produzindo uma complexidade própria, auto-estruturada pela forma. Com outros termos, o meio codificado binariamente reduz a complexidade do ambiente, disponibilizando uma complexidade condicionada para a recepção de novas formas, as quais, por sua vez, duplicarão a complexidade do meio. Complexidade condicionada é um efeito de atrator, isto é, de um mecanismo de seleção de possibilidades – possibilidades comunicativas, neste caso. Selecionando as possibilidades de comunicação com sentido, os meios coordenam a organização autopoiética de sistemas sociais. Uma coordenação que opera através do desenvolvimento de uma seleção de comunicação como fundamento para outras comunicações subseqüentes (...). Sem o meio “leis”, o sistema jurídico não se diferenciaria da moral. (SIMIONI, 2006, p. 151)

Rosenfeld expõe que Luhmann entende a sociedade como formada por uma

série de sistemas e subsistemas autopoiéticos autônomos ligados entre si. Nesse

contexto, o direito é apenas um subsistema. Seguindo esse raciocínio, o sistema

jurídico não é apartado do contato com os campos da política e da economia.

Apesar disso, os fatores políticos e econômicos não podem determinar a produção e

aplicação das normas jurídicas porque o sistema jurídico é normativamente fechado

values as an indispensable component in the articulation of legitimate legal norms. Law conceived as an autopoietic system is self-referential and produces and structures its component elements.35 Moreover, as a subsystem of the social system, law's elements and mode of reproduction consist of communications (Luhmann 1990, 3). 36 (Legal autopoiesis makes it possible for the legal system) to remain operationally severed both from extralegal norms and from the imprint of arbitrary subjectivity by relying on self-referential circularity.

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37

embora permaneça cognitivamente aberto (ROSENFELD, 1998, p. 92-93).

Nessa organização, de acordo com Simioni (2006, p. 153), Luhmann nega, a

graduação da autonomia operacional dos sistemas autopoiéticos e, por conseguinte

do direito. O direito não pode ser mais ou menos fechado, mais ou menos

autopoiético, porque suas operações não podem ter referência fora dele, não há

gradualidade na autopoiese: ou o sistema é autoprodutor ou não é (LUHMANN Apud

SIMIONI, 2006, p. 153).

As respostas de um sistema às interferências do outro são respostas condicionadas pela própria estrutura do sistema, e isso significa que não há nenhuma garantia de produção de ressonância controlada. Em outros termos, a resposta da economia às interferências do Direito são respostas da economia e não do Direito (LUHMANN Apud SIMIONI, 2006, p. 154-155).

Entretanto, Rosenfeld argumenta que, como os valores políticos e

econômicos desempenham um papel significante na geração das normas jurídicas,

esse fechamento normativo não é aceitável. Além disso, é difícil imaginar que a

geração e a aplicação das normas jurídicas permaneçam limitadas ao trabalho

normativo de atores individuais (ROSENFELD, 1998, p. 93).

Rosenfeld esclarece que Luhmann entende que a busca pela autonomia e

autoreferencialidade é uma tendência fundamental dos sistemas jurídicos modernos

(LUHMANN Apud ROSENFELD 1998, p. 94). Contudo, para Rosenfeld (1998, p.

94), os sistemas jurídicos contemporâneos devem ser entendidos nos termos de

uma batalha dinâmica em curso entre a justiça contra o direito e uma a justiça de

acordo com o direito que busca a separação e a autonomia. Assim, no entender de

Rosenfeld, a teoria autopoiética de Luhmann não pode fazer justiça ao dinâmico

processo característico das relações jurídicas contemporâneas.

Ele defende que, atualmente, é importante que as leis focadas nas relações

não comunitárias sejam diferenciadas das normas comunitárias e evitem depender

delas (ROSENFELD, 1998, p. 97). Por isso, o direito formal deve projetar uma

imagem de distanciamento dos valores éticos e religiosos por meio do alastramento

da convicção de que o próprio direito pode se tronar completamente independente

da religião e da ética (ROSENFELD, 1998, p. 97). Para Rosenfeld (1998, p. 97), a

conseqüência desse processo é tendência da justiça do direito contemporânea em

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concentrar-se exclusivamente na justiça procedimental excluindo as outras formas

de justiça.

Em resumo, sob as condições ótimas e na presença de um modelo de mercado livre de relações não comunitárias, o direito adquire a independência das outras esferas normativas, e sua implementação é capaz de produzir pura justiça procedimental. Contudo, sob essas circunstâncias, a justiça além do direito muito provavelmente se torna fragmentada e, em grande medida, lançada para um horizonte distante. A justiça de acordo com o direito pode então reclamar tanto a independência quanto a auto-suficiência uma vez que ela gera pura justiça procedimental. Como o mercado tende a englobar tudo e as comunidades locais a recuarem ao ponto de quase desaparecerem, a justiça de acordo com o direito tende a diminuir a justiça contra o direito e a pura justiça procedimental tende a englobar crescentemente. Como culminação lógica desse processo, iria aparentar que o direito alcançaria uma independência completa e que a justiça de acordo com o direito baseada na pura justiça procedimental iria ocupar todo o domínio da justiça, tornando a justiça além do direito completamente supérflua: Contudo, na atualidade, é impossível alcançar esse estado de coisas por, pelo menos, duas razoes principais. Primeira, a expulsão dos valores éticos e religiosos do mercado só é possível desde que esses valores possam encontrar uma saída para expressão em comunidades locais que permanecem além do alcance do mercado. (...) Em suma, ou os limites éticos e religiosos estão confinados às esferas comunitárias e, então, permanecem além do direito ou eles são obrigados a entrar no mercado por causa da falta de qualquer outra saída disponível. A segunda principal razão pela qual a justiça de acordo com o direito não poderá nunca vir a ocupar todo o domínio da justiça é que a competição de mercado nunca é perfeita, e, mesmo se a perfeita competição pudesse ser alcançada no sentido econômico, o mercado ainda falharia automaticamente em promover uma concepção universalmente aceitável do bem. (ROSENFELD, 1998, p. 98-99, tradução nossa).37

Rosenfeld (1998, p. 99) argumenta que um bom exemplo da influência de

normas extrajurídicas, da justiça além do direito, no direito é a limitação de jornada

37 In sum, under optimal conditions and in the presence of a free market model of noncommunal relationships, law acquires independence from other normative spheres, and its implementation is capable of producing pure procedural justice. Under these circumstances, moreover, justice beyond law has most likely become fragmented and largely cast away to a distant horizon. Justice according to law can then claim both independence and self-sufficiency inasmuch as it generates pure procedural justice. As the market tends to become all-encompassing and local communities recede toward the vanishing point, justice according to law tends to dwarf justice against law and pure procedural justice becomes increasingly sweeping. At the logical culmination of this process, it would appear that law would achieve complete independence and that justice according to law relying on pure procedural justice would occupy the entire domain of justice, rendering justice beyond law completely superfluous. In reality, however, this state of affairs is impossible to realize for at least two principal reasons. First, the expulsion of ethical and religious values from the market is only possible so long as these values can find an outlet for expression in local communities that remain beyond the reach of the market. (…)In short, either ethical and religious concerns are confined to communal spheres that remain beyond the market or they are bound to irrupt on the market for the lack of any other available outlet. The second principal reason why justice according to law can never come to occupy the entire domain of justice is that market competition is never perfect, and, even if perfect competition could be achieved in the economic sense, the market would still fail automatically to promote a universally acceptable conception of the common good.

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de trabalho e estipulação de salário mínimo. Enquanto o contrato de trabalho é justo

por causa do acordo de vontades há espaço para a pura justiça procedimental, mas,

a determinação de quanto espaço deve permanecer para a pura justiça

procedimental requer o recurso a justiça além do direito, assim a legitimidade da

justiça puramente procedimental também depende, em última instância, das normas

extralegais (ROSENFELD, 1998, p. 99).

Além disso, para Rosenfeld (1998, p. 101), o fato de que a esfera de interação

não comunitária não pode ser estabilizada através o recurso às normas éticas e

religiosas não significa que um sistema jurídico autônomo seja a única via plausível

para a estabilização das expectativas, pois a estabilização também pode se dar

também através de um processo de acomodação política que evite se basear em

normas éticas ou religiosas contestadas.

Assim, Rosenfeld (1998, p. 101) entende que, devido aos papéis

complementares que direito e política desempenham na estabilização de

expectativas parece que eles devam se unir ao invés de se separarem como

campos autônomos, mas, do ponto de vista da teoria autopoiética, a estabilização de

expectativas deve ser alcançada através do aumento da diferenciação funcional das

esferas exigindo a separação dos subsistemas do direito e da política.

De acordo com a análise funcional do direito desenvolvida por Luhmann e

explicitada por Pedron:

Tomando por base as transformações empreendidas pela modernidade, pode-se perceber que a sociedade atual mostra-se bem mais complexa que outrora. Em razão desse aumento de complexidade, diversos subsistemas surgem a partir de um processo de especificação e de diferenciação funcional, formando o que Niklas Luhmann denominará de subsistemas sociais, cuja característica primordial será o seu fechamento operacional e sua, subseqüente, autonomia com relação aos outros subsistemas. (...) Sistema é, então, um "conjunto de elementos inter-relacionados, cuja unidade é dada por suas interações e cujas propriedades são distintas da soma desses elementos”. Assim, a teoria dos sistemas começa a ser construída pela distinção feita entre sistema e ambiente. É a identificação de uma igualdade em uma diferença que projeta a distinção entre sistema e ambiente, deste modo, o sistema se constitui e se conserva mediante a criação e recriação dessa diferença. Tal processo permite ao sistema desenvolver o que Luhmann vai chamar de autoreferência, isto é, "capacidade de estabelecer aquelas relações entre si ao mesmo tempo em que diferenciam essas relações das relações mantidas com seu ambiente", e que permitem o fechamento operacional do mesmo sistema. (LUHMANN Apud PEDRON, 2006, p.54-56)

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Rosenfeld (1998, p. 103) cita que o sistema autopoiético do direito assegura

que os sujeitos não sejam submetidos à vontade de um só indivíduo ou grupo. Ele

complementa afirmando que:

O fechamento normativo do sistema jurídico assegura a disponibilidade da justiça corretiva como um meio necessário para a contínua estabilização de expectativas normativas. Diante de inevitáveis desapontamentos de expectativas legítimas através da transgressão de normas jurídicas, a contínua estabilização de expectativas normativas depende da disponibilidade de remédios compensatórios. Além disso, na medida em que um sistema jurídico autopoiético gera internamente os meios necessários para fornecer a justiça corretiva, ele é obrigado a também produzir algumas formas de justiça procedimental. (ROSENFELD, 1998, p. 104, tradução nossa).38

Para Rosenfeld (1998, p. 106), a justiça distributiva gerada pela diferenciação

do sistema autopoiético jurídico deve ser vista sob dois aspectos: a diferenciação

entre ordem e desordem, e a diferenciação entre as esferas política e jurídica. Na

medida em que o sistema jurídico fornece estabilidade de expectativas que resulta

na distribuição de prejuízos e benefícios, essa distribuição será, certamente, mais

justa do que aquela emanada do caos decorrente do estado de natureza hobbesiano

(ROSENFELD, 1998, p. 104). Assim, essa melhora com relação ao que ocorreria se

o sistema não funcionasse gera o que se pode chamar de justiça distributiva mínima

(ROSENFELD, 1998, p. 104). A diferenciação do direito e da política faz com que,

no campo jurídico, haja uma menor desigualdade de poder entre as partes do que a

que ocorre no campo político (ROSENFELD, 1998, p. 104). De modo que, a simples

alternativa de que uma questão seja resolvida por meios jurídicos ao invés de

políticos gera certa justiça distributiva. Dessa forma, a autopoiésis jurídica produz

uma justiça distributiva mínima e promove alguma justiça distributiva através de

certa equalização de benefícios e prejuízos (ROSENFELD, 1998, p. 104-105).

Assim, Rosenfeld entende que, na medida em que o direito providencia

remédios para o desapontamento das expectativas normativas legitimas, ele fornece

segurança aos atores jurídicos gerando uma estabilização das expectativas

normativas (ROSENFELD, 1998, p. 105). O sistema jurídico também é capaz de

38 The normative closure of the legal system ensures the availability of corrective justice as a necessary means to continued stabilization of normative expectations. In the face of inevitable disappointments of legitimate expectations through the transgression of legal norms, the continued stability of normative expectations depends on the availability of compensatory remedies. Moreover, to the extent that an autopoietic legal system internally generates the means necessary to dispense corrective justice, it is also bound to produce some form of procedural justice.

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levar a um decréscimo significante na flutuação das expectativas cognitivas na

medida em que se pode esperar que ao longo do tempo a grande maioria das

pessoas irá tender a se comportar de acordo com suas obrigações jurídicas

(ROSENFELD, 1998, p. 105).

Rosenfeld explica que função essencial das comunicações jurídicas na teoria

autopoiética de Luhmann é fornecer informação a respeito do significado de

acontecimentos e, em particular, ações em relação ao código binário lícito/ilícito que

é a base do direito (ROSENFELD, 1998, p. 107). Entretanto, Rosenfeld argumenta

que, em um complexo sistema jurídico moderno o código binário lícito/ilícito não é

suficiente para calcular as características normativas do direito (ROSENFELD,1998,

p. 108-109).

À crítica de Rosenfeld deve ser acrescida a de Habermas que argumenta que:

No final de um longo processo de desencantamento das ciências sociais, a teoria do sistema acabou com os derradeiros vestígios de normativismo do direito racional. Do ângulo sociológico alienante, o direito, que se retirou para um sistema autopoiético, é despido de todas as conotações normativas, que se referiam, em última instância, à auto-organização de uma comunidade de direito. Sob a descrição de um sistema autopoiético, o direito marginalizado narcisisticamente só pode reagir a problemas próprios, que podem, quando muito, ser provocados a partir de fora. Por isso, ele não pode levar a sério nem elaborar problemas que oneram o sistema da sociedade como um todo. Ao mesmo tempo, ele precisa, de acordo com sua constituição autopoiética, desempenhar todas as tarefas, servindo-se de fontes produzidas por ele mesmo. O direito tem que deduzir sua validade de modo positivista, a partir do direito vigente; ele lança fora todas as pretensões e legitimidade que ultrapassam esse nível, como se pode ver, segundo Luhmann, no processo judicial. Não há um out put que o sistema jurídico pudesse fornecer na forma de normatizações: são-lhe vedadas intervenções no mundo circundante. Nem há um in put que o sistema jurídico recebe na forma de legitimações: o próprio processo político, a esfera pública e a cultura política formam mundos circundantes, cujas linguagens o sistema jurídico não entende. O direito produz para seus mundos circundantes o som que pode, quando muito, induzir os sistemas à variação de suas próprias ordens internas, para os quais o direito constitui, por seu turno, um mundo circundante. A indiferença recíproca entre o direito e outros sistemas funcionais da sociedade não coincide com as interdependências empiricamente observáveis, nem mesmo quando alguém sob a impressão dos resultados da pesquisa de implementação, julga ceticamente os efeitos de intervenções jurídicas na direção do comportamento e, contrariando as interpretações correntes, está disposto a ver no processo de legislação um processo rigorosamente interno ao direito (HABERMAS, 2003, p. 76-77).

Outra crítica cabível à teoria de Luhmann é que o direito autopoiético de fato

promove os valores da ordem, segurança e igualdade, contudo, como ressaltado por

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Rosenfeld (1998, p. 109), esses valores não são os únicos perseguidos pelo direito

enquanto prática distinta contemporânea. Além disso:

Na medida em que a jurisprudência constitucional trabalha com valores fundamentais associados à justiça além do direito fazendo com que seja mais provável que ela deixe em aberto do que promova a previsibilidade necessária para promover a segurança. (...) Na medida em que o direito contemporâneo enquanto prática não é adstrito exclusivamente à busca da ordem, segurança e relativa equalização, a tese autopoiética mostra ser rejeitável por limitar indevida e arbitrariamente o domínio das legítimas relações jurídicas contemporâneas. (ROSENFELD, 1998, p. 110, tradução nossa).39

De acordo com Rosenfeld, ao contrário do que Luhmann afirma, a função do

direito contemporâneo não é simplesmente de diferenciação, mas também de

unificação já que as circunstancias predominantes geram a possibilidade de

reconciliar normas jurídicas e valores extrajurídicos condicionando a formação de

uma esfera de diferenciação distinta (ROSENFELD, 1998, p. 111-112). Para

Rosenfeld:

Em última análise, a autopoiésis jurídica de Luhmann representa um avanço sobre o positivismo, mas isso falha no final ao erguer uma barreira inexpugnável entre a justiça de acordo com o direito e a justiça além do direito. (...) Contrariamente aos pontos dos principais supostos de Luhmann, os sistemas jurídicos contemporâneos devem permanecer normativamente abertos para a sempre crescente juridificação dos direitos humanos e constitucionais fortemente embasados em normas extrajurídicas. Como vimos, os sistemas jurídicos contemporâneos tendem em direção à autonomia, mas isso representa apenas parte do conjunto. Na verdade, a tendência contemporânea em direção a autonomia e a justiça de acordo com o direito mostra ser acompanhada por (...) uma tendência contrária em direção às normas extrajurídicas e a justiça além do direito. (ROSENFELD, 1998, p. 113, tradução nossa).40

39 To the extent that constitutional jurisprudence wrestles with fundamental values associated with justice beyond law, it is more likely to undermine than to promote the kind of predictability necessary to provide insurance.(…) To the extent that contemporary law as a practice is not restricted to the exclusive pursuit of order, insurance, and relative equalization, the autopoietic thesis seems defective as it unduly and arbitrarily narrows the domain of legitimate contemporary legal relationships. 40 In the last analysis, Luhmann's legal autopoiesis represents an advance over positivism, but it ultimately fails to erect an impregnable barrier between justice according to law and justice beyond law. (…) Contrary to the thrust of Luhmann's fundamental assumptions, contemporary legal systems must remain normatively open to the ever-greater juridification of human and constitutional rights squarely grounded on extralegal norms. As we have seen, contemporary legal systems tend toward autonomy, but that represents only part of the story. Indeed, contemporary law's tendency toward autonomy and justice according to law seems to be accompanied by (the often concealed but nevertheless always present) contrary tendency toward extralegal norms and justice beyond law.

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4 HABERMAS E O PRAGMATISMO

4.1 A interpretação superadora através do diálogo (Jürgen Habermas)

Feita a analise de Luhmann, Rosenfeld parte para uma avaliação da teoria de

Habermas. Habermas (2003, p. 110) que entende por "direito" o moderno direito

normatizado, que se apresenta com a pretensão à fundamentação sistemática, à

interpretação obrigatória e à imposição. Ele sustenta que o direito não representa

apenas uma forma do saber cultural, como a moral, pois forma, simultaneamente,

um componente importante do sistema de instituições sociais (HABERMAS, 2003, p.

110). Em suas palavras:

O direito é um sistema de saber e, ao mesmo tempo, um sistema de ação. Ele tanto pode ser entendido como um texto de proposições e de interpretações normativas, ou como uma instituição, ou seja, como um complexo de reguladores da ação. E, dado que motivos e orientações axiológicas encontram-se interligados no direito interpretado como sistema de ação, as proposições do direito adquirem uma eficácia direta para a ação, o que não acontece nos juízos morais. (...) Os indivíduos socializados não conseguiriam afirmar-se na qualidade de sujeitos, se não encontrassem apoio nas condições de reconhecimento recíproco, articuladas nas tradições culturais e estabilizadas em ordens legítimas e vice-versa. A prática comunicativa cotidiana, na qual o mundo da vida certamente está centrado, resulta, com a mesma originariedade, do jogo entre reprodução cultural, integração social e socialização. A cultura, a sociedade e a pessoa pressupõem-se reciprocamente. (...) Em termos da teoria do agir comunicativo, o sistema de ação “direito” enquanto ordem legítima que se tornou reflexiva, faz parte do componente social do mundo da vida. Ora, como este só se reproduz junto com a cultura e as estruturas da personalidade, através da corrente do agir comunicativo. (Habermas, 2003, p. 110-112)

Para Rosenfeld (1998, p. 114-117), Jürgen Habermas busca uma abordagem

procedimental não arbitrária para alcançar a justiça sem o recurso a concepções

contestadas do bem através do paradigma procedimentalista do direito que ele

deriva de sua teoria do discurso. Rosenfeld declara que “Habermas concorda com

Luhmann que o direito deve estabilizar expectativas, mas vai além e insiste que a

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interpretação jurídica deve ser correta” (ROSENFELD, 1998, p. 114, tradução

nossa)41.

Habermas faz coro com Weber ao subscrever que:

Uma ordem mantida apenas por motivos teleológicos (zweckrational) é geralmente muito mais frágil do que a simples força do costume... E esta é muito mais frágil do que a que surge com o prestígio da exemplaridade ou da obrigatoriedade, queremos dizer: da “legitimidade”. No agir ordenado legitimamente, o consentimento reciprocamente suposto está referido ao fato de "que, ao lado de outros motivos, a ordem também aparece, aos olhos de uma parte dos agentes, como exemplar ou obrigatória e, portanto, como devendo valer" (HABERMAS, 2003, p. 96-97)

É por isso que Habermas afirma que:

Interesses só podem ser satisfeitos a longo prazo, quando ligados a idéias que justificam pretensões de validade; idéias, por sua vez, somente podem impor-se empiricamente, quando unidas a interesses que lhes emprestam força impulsionadora. Disso resulta a seguinte conseqüência metódica: ordens legítimas podem ser analisadas tanto “a partir de cima” como “a partir de baixo”; uma sociologia que procede reconstrutivamente precisa fazer jus a ambas as perspectivas. Desta maneira, o discurso sociológico do direito pode engatar-se também no discurso filosófico da justiça e, ao mesmo tempo, transcender os limites desse último (HABERMAS, 2003, p. 97-98).

Rosenfeld afirma que, para Habermas, a justiça de acordo com o direito além

e ser previsível deve ser conforme a justiça além do direito (HABERMAS Apud

ROSENFELD 1998, p. 114).

Para Habermas a interdependência entre Moral, Política e Direito é intrínseca e necessária. O Direito sempre clamou por legitimidade e justificação (e daí sua ligação com a moral) e sempre foi produzido, de uma forma ou de outra, socialmente (e daí sua ligação com a política). O Direito não pode negar seus vínculos com estas duas esferas, sob pena de ser ilegítimo ou estéril. Assim é que em Habermas o Direito se situa a meio caminho entre a moral e a política, e é exatamente daí que emerge sua função social. O Direito deve ser entendido não só corno "medium" de organização, mas também como instituição. (HABERMAS Apud GALUPPO, 1994, p. 26)

Segundo a exposição de Gallupo, no pensamento de Habermas:

A verdade dos fatos e a retitude das normas são passíveis de ser estabelecidas com base em um consenso social. É preciso se encontrar os

41 Habermas agrees with Luhmann that law must stabilize expectations but goes further and insists that legal interpretations must be right

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interesses universalizáveis para se estabelecer o consenso. Decorre disto tudo o princípio básico da ética discursiva, o princípio da universalização (U): "Toda norma válida deve satisfazer a condição que as conseqüências e efeitos colaterais que, (previsivelmente) resultarem para a satisfação de cada um dos indivíduos do fato de ser ela universalmente seguida, possam ser aceitos por todos os concernidos (e preferidos a todas as conseqüências das possibilidades alternativas e conhecidas de regragem”. É isto que garante a imparcialidade na fundamentação de uma norma. A conseqüência imediata é que a ética discursiva é iminentemente universalista (na medida em que envolve todos na elaboração da norma) e cognitivista (na medida em que o critério do universalismo fornece um padrão para se aferir a legitimidade de uma norma). Só pode ser considerada legítima a norma que, em tese, contar com a adesão racional de todos os envolvidos, o que só é possível se a todos for permitido participar, mesmo que potencialmente, do discurso, Além disto, a ética do discurso é iminentemente formalista: a justificação das normas não se dá pelo seu conteúdo, mas procedimentalmente. (HABERMAS Apud GALUPPO, 1994, p. 26-27)

Rosenfeld (1998, p. 114-130) entende que, o procedimentalismo jurídico de

Habermas, baseado na ação comunicativa, tem a intenção de estabelecer a

legitimidade do direito através da pura justiça procedimental e atribui a fonte de

legitimidade do direito ao consenso dialógico.

De acordo com Dutra, para Habermas:

A associação de arbítrios entre si, ou seja, o problema da integração social, só pode ser resolvido sob o ponto de vista moral, o qual, como sabemos, introduz a questão da legitimidade ou da validade normativa das regras, as quais merecem o reconhecimento não coagido e racionalmente motivado, isto porque "o embate contingente de interesses não é capaz de produzir uma ordem social", o que levou Durkheim a postular um consenso prévio sobre valores para explicar a formação e a estabilidade de padrões de comportamento. (HABERMAS Apud DUTRA, 2002, p. 230)

Rosenfeld entende que além da teoria habermasiana para o direito oferecer

uma alternativa para resolver o conflito entre a democracia e a justiça, ela busca

estabelecer uma conexão interna entre a soberania popular e os direitos humanos

(ROSENFELD, 1998, p. 116). Entretanto, na visão de Rosenfeld (1998, p. 116), o

paradigma procedimentalista de Habermas falha em gerar justiça procedimental

pura porque depende das suposições e condições materiais subjacentes para a

inserção e desenvolvimento dos dispositivos e práticas procedimentais que defende.

Rosenfeld esclarece que o consenso dialógico afirmado na ação comunicativa

de Habermas não envolve nenhum dispositivo real, ele é uma construções

contrafactual centrada sobre um procedimento hipotético ou imaginário (HABERMAS

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46

Apud ROSENFELD, 1998, p. 123). Processo semelhante ocorre na teoria proposta

por Roselfeld:

O núcleo da reconstrução contrafactual é fornecer uma figura imaginária destacando, a um só tempo, similaridades e diferenças suficientes para um retrato "realista" das práticas atuais para facilitar importantes críticas ou justificações do status quo. Então, a reconstrução contrafactual deve ir longe o bastante para realmente servir como um ponto de referência contra o qual as mudanças propostas no status quo que devem ser avaliadas, e ainda próxima o suficiente à maneira como as coisas estão para permitir determinar se as mudanças propostas são plausíveis ou meramente quiméricas. (ROSENFELD, 1998, p. 124, tradução nossa).42

Na teoria de Habermas, a ação comunicativa é a ação orientada em busca da

compreensão como meio de gerar consenso.

A racionalidade comunicativa, composta por pressupostos quase-transcendentais de coerção contra-fáticos, implica num poder de questionamento infinito sobre todas as proposições, com o objetivo de chegar a um consenso, a um entendimento. (DUTRA, 2002, p. 228)

Rosenfeld (1998, p. 129) esclarece que, na ação comunicativa tanto a

vontade arbitrária quanto a fraude para obter sucesso dos atores estratégicos são

isoladas e neutralizadas. “O procedimentalismo de Habermas requer que os conflitos

sejam considerados por todos os participantes de cada uma das perspectivas

envolvidas como um pré-requisito para alcançar um consenso legítimo”

(ROSENFELD, 1998, p. 129, tradução nossa)43. Assim, cada um deve participar

para a geração e validação de normas intersubjetivas e cada um é livre para

introduzir qualquer assunto para a discussão. Dessa maneira, as diferenças são

levadas completamente em consideração em uma decisão final que estabelece

quais diferenças devem ser consideradas relevantes e quais não devem

(ROSENFELD, 1998, p. 129). Nessa lógica o direito será considerado legitimo se um

grupo imaginário de desconhecidos que represente a completa panóplia das

perspectivas relevantes concordasse em promulgar e obedecer à determinada

42 The point of counterfactual reconstruction is to furnish an imaginary picture bearing at once sufficient similarities and contrasts to "realistic" pictures of actual practices to facilitate meaningful critiques or justifications of the status quo. Thus, the counterfactual reconstruction must be far enough from prevailing reality to serve as a point of reference against which proposed changes from the status quo may be evaluated, and yet dose enough to the way things stand to allow for a determination of whether proposed changes are plausible or merely chimeric. 43 Habermas's proceduralism requires that conflicts presented for discursive resolution be considered by all participants from each and every perspective involved as a prerequisite to reaching a legitimate consensus.

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47

norma (ROSENFELD, 1998, p. 129-130). Dessa forma, a legitimidade do direito é

aferida contrafactualmente.

Para Habermas (2003, p. 101), a positividade do direito pós-metafísico

significa que as ordens jurídicas só podem ser construídas e desenvolvidas à luz de

princípios justificados racionalmente, portanto universalistas. Por isso, ele concorda

com Parsons ao afirmar:

Dado que a positivação do direito resulta da racionalização de suas bases de validade, o direito moderno conseguirá estabilizar as expectativas de comportamento de uma sociedade complexa, que inclui mundos da vida estruturalmente diferenciados e subsistemas funcionalmente independentes, se ele assumir a função de lugar-tenente de uma “societal community” que se transformou numa sociedade civil. (HABERMAS, 2003, p. 105)

No entender de Rosenfeld (1998, p. 130), uma das maiores virtudes o

procedimentalismo dialógico de Habermas reside no fato de que o direito pode ser

genuinamente concebido como auto-imposto pelos sujeitos de direito. Afinal:

Numa sociedade pós-tradicional, o direito coercitivo, segundo o comportamento legal, só consegue garantir sua força integradora se os destinatários singulares puderem se considerar como autores dessas regras. (DUTRA, 2002, p. 232-232)

Dentro desse procedimentalismo, na visão de Rosenfeld “a democracia e os

direitos não só podem ser reconciliados, mas também são compreendidos como

conectados internamente e mutuamente interdependentes” (1998, p. 130, tradução

nossa) 44·. Além disso, Rosenfeld (1998, p. 136) afirma que a ação comunicativa

intencionalmente exclui não só as perspectivas metafísicas, mas também as não-

metafísicas que rejeitam a adesão à igualdade.

Para Rosenfeld, a ação comunicativa de Habermas pode contribuir para a

formação da opinião e do desejo, ela “não é relegada simplesmente à procura por

interesses sobrepostos, mas também é preparada para harmonizar os interesses

através da transformação dialógica” (ROSENFELD, 1998, p. 137, tradução nossa) 45.

Ao ver as características do procedimentalismo de Habermas, há, pelo menos, três importantes impedimentos para alcançar a meta de um acordo

44 Democracy and rights can not only be reconciled but also apprehended as internally connected and mutually dependent. 45 (Communicative action) is not simply relegated to finding overlapping interests but is also equipped to harmonize interests through dialogical transformation.

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sobre a justiça entre os representantes das diversas perspectivas englobadas na ação comunicativa. Primeiro, a reconciliação das perspectivas pode provar ser, em última análise, uma matéria puramente contingente. Nesse caso, o procedimentalismo de Habermas se mostrará inadequado porque sob várias circunstâncias plausíveis, ele irá, na conjunção dos fatores, falhar em levar a qualquer reconciliação legítima das igualdades jurídica e fática. (...) Uma maneira de evitar essa última possibilidade é colocando um grande apelo na exigência de racionalidade. Na verdade, se a ação comunicativa reclamar racionalidade para a seleção dos fins, assim como ao lidar com os meios em direção aos fins de alguém, e no tratamento com os conflitos existentes entre pessoas que perseguem diferentes fins, então o alcance de um acordo sobre justiça não deverá ser contingente mais. Mas isso conduz ao segundo problema. Se a exigência de racionalidade é colocada forte o suficiente para impedir a contingência de um acordo, então esse acordo é mais dependente de uma norma de racionalidade que esteja funcionando do que de uma reciprocidade dialógica. Conseqüentemente, o procedimentalismo de Habermas se transformaria em algo essencialmente derivado (da moral). (...) Se baseando na barganha e no compromisso, assim como no consenso associado com a ênfase na possibilidade de transformação das necessidades, ele fornece uma via alternativa para minimizar a chance de que o paradigma procedimentalista falhe em gerar um acordo. Contudo, essa última alternativa leva ao terceiro problema. Se a pressão para alcançar um acordo é muito intensa, então a barganha e o compromisso – mesmo se eles permanecem livres da ação estratégica – devem favorecer certas perspectivas sobre as demais (por exemplo, realçando certos indivíduos mais que outros). Se esse for o caso, o procedimentalismo de Habermas irá falhar em permanecer neutro entre as perspectivas que engloba (assim como o contratualismo hobbesiano mostra ser inábil para permanecer neutro entre todos os contratantes). (ROSENFELD, 1998, p. 137-138, tradução nossa).46

Além desses pontos, Rosenfeld também revela que existem também

problemas levantados pela objeção feminista ao procedimentalismo de Habermas a

qual é lançada de uma perspectiva que não é nem metafísica nem de natureza

46 In view of the characteristics of Habermas's proceduralism, there are at least three significant impediments to the goal of achieving an accord on justice among representatives of the diverse perspectives engaged in communicative action. First, the reconciliation of perspectives might ultimately prove to be a purely contingent matter. In that case, Habermas's proceduralism would prove inadequate because under many plausible circumstances it would altogether fail to lead to any legitimate reconciliation of legal and factual equality (...) One way to avoid this latter possibility is by placing great weight on the requirement of rationality. Indeed, if communicative action called for rationality in the selection of ends, as well as rationality in dealing with the means toward one's ends, and in dealing with existing conflicts among persons who pursue different ends, then the reaching of an accord on justice may no longer be contingent. But that leads to the second problem. If the requirement of rationality is made strong enough to foreclose the contingency of an accord, then that accord is dependent on the operative norm of rationality rather than on dialogical reciprocity. Consequently, Habermas's proceduralism would become essentially derivative. (...) “Relying on bargaining and compromise, as well as on consensus coupled with emphasis on the transformability of needs, provides an alternative way to minimize the chance that the proceduralist paradigm will fail to yield an accord. This last alternative, however, leads to the third problem. If the pressure to reach an accord is very intense, then bargaining and compromising- even if they remain free of strategic action-may favor certain perspectives over others (as contrasted with certain individuals over others). If that were the case, Habermas's proceduralism would fail to remain neutral as between the perspectives it encompasses (much like Hobbesian contractarianism proved unable to remain neutral as between all contractors)

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49

hierárquica (ROSENFELD, 1998, p. 138). As feministas atacam Habermas em, pelo

menos, duas frentes diferentes. Em uma delas, afirma-se que, mesmo supondo que

a ação comunicativa permaneça neutra entre os pontos de vista feministas e

masculinistas, as interpretações dessas perspectivas são tão diferentes que não se

pode esperar qualquer concordância geral a respeito de como reconciliar as

igualdades jurídica e fática (ROSENFELD, 1998, p. 139). Na outra frente, as

feministas podem afirmar que o procedimentalismo discursivo não pode igualar o

campo de discussão que tem tradicionalmente pendido fortemente a favor das

perspectivas masculinistas (ROSENFELD, 1998, p. 139).

A leitura feminista de Habermas47 deixa claro que feministas renomadas como

Fraser, Cohen, Fleming, e Landes reconhecem a importância e utilidade da estrutura

teórica que Habermas desenvolve, entretanto, todas concordam que o fechamento

do status social e político diferenciado dos homens e mulheres, e o modelo

habermasiano de modernidade falham e precisam de revisão e reconceitualização.

(MEEHAN, 1995, p. 7)

Complementarmente, no entender de Rosenfeld (1998, p. 139), as feministas

podem reclamar que, por sua própria estrutura, a ação comunicativa favorece as

perspectivas machistas. “Assim, não poderia haver determinação puramente

dialógica na relação entre as igualdades fática e jurídica que seja genuinamente

aceitável para as feministas” (ROSENFELD, 1998, p. 139, tradução nossa) 48.

Inspiradas pela visão de Carol Gilligan, as feministas tendem a construir uma concepção do bem enfatizando intimidade, apego, interdependência, cuidado, preocupação, responsabilidade e auto-sacrifíco (1982, 12,73-74, 132). Essa concepção feminista do bem irá contrastar grandemente com sua adversária tipicamente orientada masculinamente movida pela ênfase na separação, competição e alcance de metas. (ROSENFELD, 1998, p. 140, tradução nossa).49

Para Rosenfeld, supondo que nenhuma norma jurídica seja capaz de

satisfazer machistas e feministas eles podem tentar negociar de acordo com suas

prioridades, mas, mesmo depois de fazer isso, pode não haver acordo sobre as

47 Livro: Feminists Read Habermas: Gendering the Subject of Discourse 48 Consequently, no purely dialogical determination of the relation between legal and factual equality could ever prove genuinely acceptable to feminists 49 Inspired by Carol Gilligan's vision, feminists might construct a conception of the good stressing intimacy, attachment, interdependence, care, concern, responsibility, and selfsacrifice (1982, 12, 73-74,132). Such a feminist conception of the good would sharply contrast with its typical male-oriented counterpart propelled by its emphasis on separation, competition, and achievement.

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normas jurídicas aceitáveis. Eles poderiam ainda cada qual tentar convencer o outro

a mudar o ponto de vista e, ainda assim não haver consenso de modo que se

constate que o consenso jamais será alcançado entre eles (ROSENFELD, 1998, p.

139-140). Nesse contexto:

A falha para alcançar o consenso não ocorrerá por causa de nenhum comportamento estratégico, mas simplesmente porque eles realmente defendem diferentes concepções do bem, mesmo depois de buscar todas as concessões e acordos mencionados, (seus pontos de vista) ainda permanecerão distantes demais. (ROSENFELD, 1998, p. 141, tradução nossa).50

Dessa maneira, Rosenfeld argumenta que as feministas podem afirmar que o

paradigma procedimentalista não é neutro entre as perspectivas machistas e

feministas discordando de Habermas de modo moderado ou radical. Segundo a

objeção moderada, as garantias procedimentais do procedimentalismo dialógico são

insuficientes para igualar o campo de disputa vez que o discurso público foi

fortemente dirigido por perspectivas machistas de modo que é bastante improvável

que se tenha igual oportunidade para se buscar uma transformação de

necessidades, desejos e interesses colocando as posições conflitantes em equilíbrio

(ROSENFELD, 1998, p. 141-142).

Nesse sentido, Fraser ressalta que:

O cálculo de Habermas dos papeis ligando a família e a economia (oficial) contem uma omissão significativa: não há menção nesse esquema de qualquer papel infantil (childrearer), embora a matéria claramente requeira um. Por que motivo a criança estaria fazendo um trabalho não pago certificando a produção da “força de trabalho socializada apropriada” que a família troca por salários? É claro, o papel da infância no capitalismo clássico (como em qualquer outro lugar) é patentemente um papel feminino. Essa omissão aqui é uma marca do androcentrismo, e isso tem algumas conseqüências significativas. A consideração do papel infantil no contexto poderia certamente ter apontado para a importância central do gênero para a estrutura institucional do capitalismo clássico. E isso, por sua vez, poderia levar a uma abertura do subtexto do gênero dos outros papeis e da importância da identidade de gênero como um “meio de troca” (FRASER, 1995. p. 34)51

50 The failure to reach a consensus would not occur because of any strategic behavior, but simply because the honestly held divergent conceptions of the good, even after accounting for all the concessions and adjustments mentioned above, would still remain too far apart. 51 Habermas's account of the roles linking family and (official) economy contains a significant omission: there is no mention in his schema of any childrearer role, although the material clearly requires one. For who other than the childrearer is performing the unpaid work of overseeing the production of the "appropriately socialized labor power" that the family exchanges for wages? Of course, the childrearer role in classical capitalism (as elsewhere) is patently a feminine role. Its omission here is a mark of androcentrism, and it has some significant consequences. A consideration

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Ela entende que é preciso superar a cegueira-ao-gênero do modelo de

Habermas para tornar claro que as identidades de gênero perpassam as áreas do

trabalho pago, administração do estado, da cidadania assim como o domínio das

relações familiares e sexuais. Desse modo, para ela a identidade de gênero é o

“meio de troca” por excelência, um elemento básico da liga social que os une uns

aos outros (FRASER, 1995. p. 36).

Ademais, uma leitura sensível-ao-gênero dessas conexões tem algumas importantes implicações teóricas e conceituais. Ela revela que a dominação masculina é intrínseca ao invés de acidental para o capitalismo clássico, pela estrutura institucional da sua formação social ser realizada por meio de papéis de gênero. Daí segue que as formas de dominação masculina sobre o assunto não são entendidas apropriadamente como formas remanescentes de desigualdade do status premoderno elas são antes, intrinsecamente modernas no senso de Habermas, uma vez que são baseadas na separação do trabalho assalariado e o estado da infância e dos cuidados domésticos. Daí também segue que uma teoria social crítica das sociedades capitalistas precisa de categorias sensíveis-ao-gênero. A analise anterior mostra que, contrariamente à compreensão usual androcentrica, os conceitos aplicáveis de trabalhador, consumidor, e salário, não são, de fato, conceitos estritamente econômicos. Antes, eles tem um subtexto de gênero implícito e então são conceitos “gênero-econômicos”. Da mesma forma, o conceito aplicável de cidadania não é estritamente um conceito político; ele tem um subtexto de gênero implícito e, então, é um conceito “gênero-político”. Então, essa análise revela a inadequação daquelas teorias críticas que tratam o gênero como incidental para a política, e político-economia. Ele clareia a necessidade de uma teoria crítica com uma estrutura categórica na qual gênero, política, e político-economia estão integrados internamente. (FRASER, 1995. p. 36-37) 52

Rosenfeld cita que Habermas poderia contra-argumentar algumas das

objeções feministas dizendo que mesmo profundamente arraigadas posições podem

of the childrearer role in this context might well have pointed to the central relevance of gender to the institutional structure of classical capitalism. And this in turn could have led to the disclosure of the gender subtext of the other roles and of the importance of gender identity as an “exchange medium”. 52 Moreover, a gender-sensitive reading of these connections has some important theoretical and conceptual implications. It reveals that male dominance is intrinsic rather than accidental to classical capitalism, for the institutional structure of this social formation is actualized by means of gendered roles. It follows that the forms of male dominance at issue here are not properly understood as lingering forms of premodern status inequality. They are, rather, intrinsically modern in Habermas's sense, since they are premised on the separation of waged labor and the state from childrearing and the household. It also follows that a critical social theory of capitalist societies needs gender-sensitive categories. The preceding analysis shows that, contrary to the usual androcentric understanding, the relevant concepts of worker, consumer, and wage are not, in fact, strictly economic concepts. Rather, they have an implicit gender subtext and thus are "gender-economic" concepts. Likewise, the relevant concept of citizenship is not strictly a political concept; it has an implicit gender subtext and so, rather, is a "gender-political" concept. Thus, this analysis reveals the inadequacy of those critical theories that treat gender as incidental to politics, and political-economy. It highlights the need for a critical theory with a categorical framework in which gender, politics, and political-economy are internally integrated.

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mudar ao longo do tempo, mas ele levanta que, se considerarmos que importantes

mudanças na formação de opiniões e desejos levem algumas gerações, então o

embasamento exclusivo no procedimentalismo dialógico se revelaria indesejável e

inadequado (ROSENFELD, 1998, p. 142). De acordo com a objeção feminista

radical, exposta por Rosenfeld (1998, p. 142) a ética masculina é orientada em para

direitos, igualdade, e lealdade, mas a feminina é orientada para responsabilidade,

equidade e reconhecimento das diferenças de necessidades entre as diferentes

pessoas. Assim, “por sua própria estrutura – que é destinada a conduzir à justiça,

igualdade e direitos – o paradigma procedimentalista tendência em favor das

perspectivas masculinas, contra as femininas” (ROSENFELD, 1998, p. 142, tradução

nossa) 53.

Baseado no exame anterior das objeções feministas ao paradigma

procedimentalista do direito de Habermas, Rosenfeld chega à conclusão de que

“sem ajuda de normas substantivas adicionais, não se pode esperar que o

procedimentalismo jurídico produza justiça entre as diferentes perspectivas que

estão sob seu alcance” (ROSENFELD, 1998, p. 144, tradução nossa) 54.

Habermas afirma que o domínio próprio da moral abrange todo o espaço social e tempo histórico, enquanto o domínio do direito é o de uma sociedade específica vivendo em uma estrutura histórica delimitada. Similarmente os argumentos discursivos morais devem ser universais no escopo, enquanto os argumentos discursivos jurídicos podem incluir também argumentos éticos atrelados a concepções do bem que só são prevalecentes na sociedade em questão, assim como argumentos pragmáticos. Ademais, enquanto discussões morais só podem ser resolvidas pelo consenso, as discussões jurídicas também podem ser resolvidas pelo compromisso e barganha, e as discussões políticas pela regra da maioria. Ainda, por todas essas diferenças, Habermas diz que, no contexto da teoria do discurso, a moral, a ética, o direito e a política são coerentes entre si e que o direito e a moral realmente complementam-se um ao outro (Habermas 1996, 451-53). Contudo, num exame apurado, essas afirmações não são corroboradas necessariamente. (HABERMAS Apud ROSENFELD, 1998, p. 145, tradução nossa).55

53 By its very structure-which is designed to lead to justice, equality, and rights-the proceduralist paradigm is inherently biased in favor of masculinist perspectives, against feminist perspectives. 54 Unaided by additional substantive norms, legal proceduralism cannot be expected to produce justice among different perspectives that dearly come under its sweep. 55 In general terms, Habermas's discourse theory approaches legal, moral, and political conflicts in the same way-providing an impartial discursive procedure, which, if followed by communicatively engaged actors, will yield legitimate solutions acceptable to all affected. Accordingly, the differences among law, morals, and politics boil down to differences concerning their relevant domains and concerning the kinds of arguments that are appropriate in relation to each of these domains. Thus, for example, Habermas asserts that the proper moral domain spans all social space and historical time, whereas law's domain is that of a particular society living in a circumscribed historical time frame. Similarly, discursive moral arguments must be universal in scope, whereas discursive legal arguments can also inc1ude ethical arguments tied to conceptions of the good that are only prevalent in the relevant

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Para Rosenfeld (1998, p. 145-146), a validade do direito em uma sociedade

multicultural e pluralista não requer imparcialidade entre todas as concepções do

bem, mas somente entre aquelas concepções que estão presentes nessa

sociedade. Ademais, Rosenfeld (1998, p. 146) argumenta que, por mais que se

debata, não parece plausível que os debatedores consigam chegar a um consenso a

cerca de assuntos polêmicos como o aborto por meio de um método racional.

Pelo menos no que se refere a certos assuntos, mostra-se impossível que as normas morais sejam imparciais entre todas as concepções do bem, essas normas morais parecem estar mais provavelmente em conflito com as normas éticas do que em harmonia com elas; e que os valores de preferência na comunidade jurídica podem estar tão polarizados que impossibilitam um livre compromisso político ou equilíbrio de interesses. Logo, o contrafactualismo de Habermas descansa sobre uma concepção da relação entre moral, ética, direito e política que leva a um impasse em certos assuntos importantes e muito polêmicos nas sociedades pluralistas contemporâneas. Além disso, na medida em que leva a esses impasses, o contrafactualismo de Habermas falha em engendrar uma crítica construtiva dos regimes institucionais existentes ou em sugerir soluções criativas para conflitos sociais que dividem opiniões. (ROSENFELD, 1998, p. 147-148, tradução nossa).56

Para Rosenfeld (1998, p. 148) , nas sociedades contemporâneas eticamente

diversificadas não há espaço para uma perspectiva moral neutra universalmente

aceitável de modo que qualquer reconciliação procedimental entre as igualdades

jurídica e fática está condenada a permanecer tendenciosa, e, logo, ilegítima.

Mesmo se a suposição de uma perspectiva moral universal permanecer inquestionada, o procedimentalismo jurídico de Habermas ainda se mostraria insatisfatório. Isso se segue da assertiva de Habermas de que o procedimentalismo jurídico se baseia em argumentos éticos e pragmáticos combinados com a rejeição de sua conclusão de que os argumentos éticos

society, as well as pragmatic arguments. Also, whereas moral arguments can only be settled by consensus, legal arguments can also be resolved through compromise and bargaining, and political arguments through majority rule. Yet for all these differences, Habermas claims that, in the context of discourse theory, morals, ethics, law, and politics are mutually consistent and that law and morals actually complement each other (Habermas 1996, 451-53). On close examination, however, these claims are not necessarily borne out. 56 At least with respect to certain issues, moral norms that are impartial as among all conceptions of the good seem impossible; that moral norms appear more likely to be in conflict with ethical norms than in harmony with them; and that value preferences within the polity may be so polarized as to preclude uncoerced political compromise or balancing of interests. Hence, Habermas's counterfactual rests on a conception of the relation among morals, ethics, law, and politics that leads to an impasse on certain important and bitterly divisive issues within contemporary pluralist societies. Moreover, to the extent that it leads to such impasses, Habermas's counterfactual fails to engender constructive criticism of existing institutional arrangements or to suggest creative solutions to divisive social conflicts.

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discursivos e argumentos discursivos morais são mutuamente coerentes. Entretanto, uma vez que a moral e a ética divergem, o procedimentalismo jurídico impulsionado por argumentos éticos não pode levar a reconciliações não tendenciosas das igualdades jurídica e fática. Ademais, para permanecer puramente procedimental, o procedimentalismo jurídico de Habermas teria que arriscar se tornar moralmente arbitrário. No sentido contrário, para evitar esse risco, o procedimentalismo de Habermas teria que se tornar meramente derivado (da moral) e as soluções dos conflitos jurídicos teriam que depender, em última análise, da aplicação de preceitos morais ao invés de qualquer procedimento discursivo. (ROSENFELD, 1998, p. 148, tradução nossa).57

Assim, para Rosenfeld (1998, p. 149), a construção habermasiana baseada

na unidade dos direitos, democracia e justiça é uma ferramenta contrafactual critica

potencialmente poderosa, mas não se pode dizer que ela é preferível a outras ou

que é capaz de ajudar a determinar o que deve ser considerado justo em um

universo pluralista desprovido de uma moral universal.

4 . 2 e O Pragmatismo

Segundo Rosenfeld (1998, p. 150-151), há várias interpretações e variações

do pragmatismo, mas, em termos gerais, ele abarca qualquer abordagem prática,

orientada para os resultados, em contraponto às abordagens sistemáticas

enraizadas em princípios fundamentais.

Deslocando o foco dos fundamentos para os resultados, o pragmatismo convida todos os membros de uma sociedade pluralista a sair de suas disputas a respeito das respectivas concepções do bem para se juntar na busca comum por resultados práticos. Assim, sob o pragmatismo, a justiça de acordo com o direito não dependerá nem de concepções do bem específicas nem de encontrar um ponto de Arquimedes entre essas concepções nem de separar sistematicamente o direito dos outros empreendimentos normativos ou sociais. Ao invés disso, a justiça de acordo com o direito deve ser avaliada por suas conseqüências práticas, pelos

57 Even if the postulation of a universal moral perspective remained unchallenged, Habermas's legal proceduralism would still prove unsatisfactory. This follows from Habermas's assertion that legal proceduralism relies on ethical and pragmatic arguments combined with rejection of his conclusion that discursive ethical arguments and discursive moral arguments are mutually consistent. Indeed, inasmuch as morals and ethics clash, legal proceduralism boosted by ethical arguments cannot lead to unbiased reconciliations of legal and factual equality. Accordingly, to remain purely procedural, Habermas's legal proceduralism would have to risk becoming morally arbitrary. Conversely, to avoid such risk, Habermas's proceduralism would have to become merely derivative, and resolutions of legal conflicts would have to depend ultimately on application of universal moral precepts rather than on any discursive procedure.

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verdadeiros resultados a que ela leva. (ROSENFELD, 1998, p. 151, tradução nossa).58

Entretanto, Rosenfeld afirma que não se sabe se o pragmatismo pode

determinar qual das conseqüências disponíveis deve ser perseguida quando regras

diferentes (ou diferentes interpretações da mesma regra) levam a diferentes

conseqüências práticas. Assim, ele poderia ajudar a evitar disputas normativas

quando não há conseqüências práticas demonstráveis em jogo, mas pouco poderia

fazer para superar os conflitos entre as concepções do bem em outras situações

(ROSENFELD, 1998, p. 151). Por isso, Rosenfeld (1998, p. 152) defende que é

ilusão acreditar que o pragmatismo pode ser completamente libertado da influência

de concepções contestáveis do bem. Por outro lado, um pragmatismo parasitário

dessas concepções é bastante desinteressante (ROSENFELD, 1998, p. 152). Dessa

maneira, ele conclui que a única alternativa é que se busque um pragmatismo que

se situe entre esses dois extremos, ou seja, um “pragmatismo intermediário” que

seja um pragmatismo dos meios e de alguns fins (ou, no mínimo, um pragmatismo

especial dos meios possibilitando uma diferente perspectiva dos fins) (ROSENFELD,

1998, p. 152).

4 . 2 .1 P os ne r e o p r a gma ti sm o

Rosenfeld passa a examinar a teoria de Richard Posner que é um

preeminente expoente da Escola do Direito e Economia e foi um dos maiores juízes

federais nos Estados Unidos. Ele alega que, para Posner, o direito não é autônomo

e “é o pragmatismo que justifica a abordagem econômica do direito e a adesão ao

individualismo liberal” (POSNER Apud ROSENFELD, 1998, p. 160, tradução nossa) 59.

58 By shifting the focus from foundations to results, pragmatism invites all members of a pluralist society to turn away from their disputes concerning conceptions of the good in order to join in the common pursuit of practical results. Thus, under pragmatism, justice according to law would depend neither on particular conceptions of the good, nor on finding an Archimedean point between these conceptions, nor on systematically severing law from other normative or social endeavors. Instead, justice according to law would be measured by its practical consequences, by the actual results to which it leads. 59 It is pragmatism that justifies the economic approach to law and adherence to liberal individualism.

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56

Rosenfeld (1998, p. 161) esclarece que a abordagem econômica do direito e

o individualismo liberal de Posner são apenas meios no esquema de maximização

das oportunidades para cada um buscar sua própria concepção do bem. Assim,

Rosenfeld afirma que em Posner há um o agnosticismo a respeito dos fins últimos e,

como no pragmatismo os meios são justificados quando oferecem a melhor maneira

prática para um fim desejado, os compromissos com a abordagem econômica do

direito e com o individualismo liberal implicam que não há melhores alternativas

práticas (POSNER Apud ROSENFELD, 1998, p. 161).

Ele acrescenta que: “o antifundacionismo do pragmatismo não implica na

equivalência de todos os fins disponíveis, mas antes na convicção de que nenhuma

concepção do bem pode ser definitivamente estabelecida como superior às rivais”

(ROSENFELD, 1998, p. 163, tradução nossa) 60. Para Rosenfeld, pragmatismo

coloca um fim em um plano deferente dos demais, o fim de maximizar a igual

liberdade de perseguir os outros fins. Esse fim especial se transforma em um fim de

segunda ordem enquanto todos os demais permanecem no mesmo plano como fins

de primeira ordem (ROSENFELD, 1998, p. 163). Os fins de segunda ordem são

apenas um meio para o alcance dos fins de primeira ordem e devem ser alcançados

para preservar uma escolha mais ampla o possível de fins últimos (ROSENFELD,

1998, p. 163). Para Rosenfeld (1998, p. 163), como o cético pragmático não pode

apoiar definitivamente qualquer fim de primeira ordem (fim último) ele se pauta no

fim de segunda ordem como o único critério para testar a praticidade de todos os

fins disponíveis.

Rosenfeld acrescenta que, para Posner, o direito e economia (“Law and

economics”) prescreve que, quando houver diferentes interpretações possíveis, a

interpretação mais ajustada para levar a maximização da riqueza deve ser adotada,

pois conduziria à maximização da liberdade de buscar a gama mais ampla possível

de fins de primeira ordem (POSNER Apud ROSENFELD, 1998, p. 164). Dessa

forma, de acordo com Rosenfeld (1998, p. 164), a economia fornece um critério

objetivo, cientificamente testável, para a avaliação e interpretação do direito por se

basear na racionalidade instrumental. Entretanto, para Rosenfeld (1998, p. 164-

165), “o direito e economia” acaba por considerar que a economia tem um papel

60 pragmatism's antifoundationalism results not in the equivalence of all conceivable ends but rather in the belief that no conception of the good could ever be definitively established as superior to all of its rivals

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onipresente nas relações jurídicas, contudo, em algumas áreas do direito, ela tem

pouca ou nenhuma relevância na busca de uma interpretação justa.

Outra crítica cabível é que, em alguns casos, a maximização da riqueza entra

em conflito com a justiça distributiva porque justifica que se concentrem os prejuízos

nos menos afortunados desde que, no somatório de todas as despesas, a atribuição

de um encargo ao mais pobre acarrete um custo financeiro menor. Assim, esse

método pode conduzir a uma injustificada concentração de riqueza ao buscar a

solução mais eficiente.

Rosenfeld declara que, para Posner, os problemas de distribuição devem ser

relegados ao campo político enquanto o direito consistiria essencialmente na

interpretação e aplicação das leis que incorporam relações a respeito da

redistribuição e na elaboração de meios eficientes para a resolução de disputas em

áreas não cobertas pelas leis (POSNER Apud ROSENFELD, 1998, p. 169).

Entretanto, Rosenfeld (1998, p. 170) prevê que os grupos mais poderosos

provavelmente estejam em melhores condições para influenciar o legislativo de

modo que a combinação da redistribuição da riqueza pelo legislativo e a

maximização da riqueza pelo judiciário conduzirá a disparidades de riqueza sempre

crescentes.

Posner parece atento ao perigo de dar ao Homo Economicus amplitude ilimitada no campo da política e do direito, por isso ele apela para a Constituição (dos EUA) para eliminar as redistribuições políticas mais questionáveis e para regular os usos mais eticamente repreensíveis da maximização da riqueza nas decisões judiciais (do Common Law) (ibid. 387 88). (ROSENFELD, 1998, p. 170, tradução nossa).61

Assim, Rosenfeld (1998, p. 171) argumenta que a interpretação constitucional

não é redutível ao “direito e economia” o mesmo ocorrendo com a interpretação de

qualquer regra que posa sujeita à contestação constitucional.

Rosenfeld considera que, para Posner, toda a atividade humana pode ser

avaliada nos termos do modelo econômico que postula que todos os atores sociais

são racionalmente instrumentalistas (POSNER Apud ROSENFELD, 1998, p. 171).

Entretanto, não se vislumbra como as considerações de custo/benefício possam

61 Posner seems mindful of the danger of giving Homo economicus unconstrained latitude in the realms of politics and law, as he appeals to the U.S. Constitution to curtail the most objectionable political redistributions and to rule out the most ethically reprehensible uses of wealth maximization in common law adjudication (ibid., 387-88).

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motivar da mesma forma diferentes perfis de pessoas como, por exemplo, mercador

que busca lucro, um provável adúltero e um fanático religioso (ROSENFELD, 1998,

p. 171). Dessa forma, no entender de Rosenfeld (1998, p. 171), na medida em que

as atividades vão se tornado avessas ao mercado, afastam-se do modelo

econômico tornando mais irreal a utilização dos parâmetros oferecidos pelo “direito e

economia”.

Além do mais, Rosenfeld ressalta que não há evidencia que a teoria de “o

direito e economia” forneça os melhores meios práticos para alcançar os fins de

segunda ordem que busca. É possível que o utilitarismo, por exemplo, conduza

melhor a esses fins do que a maximização da riqueza. O mesmo raciocínio se aplica

ao individualismo. Nada faz dele mais adequado a conduzir aos fins de segunda

ordem do que, por exemplo, a democracia participativa, o republicanismo cívico ou o

estado de bem estar social (ROSENFELD, 1998, p. 171).

Diante dessas constatações, Rosenfeld (1998, p. 172) conclui que a

maximização da riqueza não é um mecanismo neutro destinado a otimizar as

escolhas de cada um, mas é parte de um modo de vida que engloba um sistema de

valores e uma concepção do bem que compete com várias outras.

4 . 2 .2 O ne ogr a gm a tis m o de Ror ty

Rosenfeld afirma que, para Rorty, o antifundacionalismo exige que nos

abstenhamos de concordar com a ciência e com “o método científico” ou lhes

fornecer qualquer deferência especial, além disso, a linguagem não deve ser vista

como um meio de expressão ou de representação de modo que não se pode tratar a

linguagem como se referindo a, ou correspondendo a, uma realidade além dela, ou

como conectando um sujeito e um objeto (RORTY Apud ROSENFELD, 1998, p.

173). Ao invés disso, ela deve ser concebida “nos termos Wittgenstainianos, como

um jogo fazendo possível o uso de vocabulários alternativos que se relacionam entre

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si mais “como ferramentas alternativas do que peças de um quebra-cabeça””

(RORTY Apud ROSENFELD, 1998, p. 173, tradução nossa) 62

Rorty nos convida a fugir do tema interpretativo e seus assuntos ardilosos e aceitar que o humano se faz pelo uso do vocabulário (ibid., 7). Além disso, as escolhas entre vocabulários alternativos devem ser avaliadas em termos de suas conseqüências práticas - nos termos de se elas são prováveis de levar a um maior e mais frutífero consenso entre os membros da sociedade.

Coerente com o lugar dos jogos de linguagem na visão de Rorty, a justiça é mais provável de emergir da imaginação dos poetas do que da pesquisa do filósofo em busca de uma normatividade coerente (Rorty 1991). Então, como Rorty enfatiza, há um lado profético da justiça (ibid., 92-93). (ROSENFELD, 1998, p. 173, tradução nossa).63

Rosenfeld afirma que o objetivo de Rorty não é a realização de qualquer

verdade transcendente ou imanente, mas a redescrição na esperança de encontrar

maneiras mais adequadas para lidar com a contingência (RORTY Apud

ROSENFELD, 1998, p. 175). De acordo com Rosenfeld, Rorty acredita que não

devemos nos debater sobre questões que estão além da nossa capacidade, nem

perder tempo nos preocupando com a verdade já que não se pode assegurar sua

existência ou sua natureza precisa (RORTY Apud ROSENFELD, 1998, p. 175).

Segundo Rosenfeld, Rorty concebe que um diálogo não distorcido é aquele no qual

os participantes estão atentos sobre seus pontos de partidas contingenciais,

conscientes que eles não podem transcender as marcas da própria cultura e sabem

que qualquer consenso que eles possam alcançar será fortuito e frágil (RORTY

Apud ROSENFELD, 1998, p. 176).

Rosenfeld alega que Rorty acredita que ninguém pode provar que sua

concepção de bem – ou seu “vocabulário final” 64 – é melhor que qualquer outra. Por

isso, Rosenfeld infere que maximizar a liberdade de desenvolver e escolher entre

62 conceived in Wittgensteinian terms, as a game making possible the use of alternative vocabularies relating to one another more "like alternative tools than like bits of a jigsaw puzzle 63 Rorty invites us to turn away from the interpretive subject and its elusive objects and to accept that the human self makes its mark by the use of a vocabulary (ibid., 7). Moreover, choices among alternative vocabularies are supposed to be evaluated in terms of their practical consequences-that is, in terms of whether they are likely to lead to a greater and more fruitful consensus among members of the polity.

Consistent with the place of language games in Rorty's vision, justice is more likely to emerge out of the poet's imagination than out of the philosopher's search for normative coherence (Rorty 1991). Thus, as Rorty emphasizes, there is a prophetic side to justice (ibid., 92-93). 64 Todos os seres humanos se preocupam com uma configuração de palavras que eles utilizam para justificar suas ações, crenças e vidas... Devo chamar essas palavras de vocabulário final da pessoa. (ROSENFELD, 1998, p. 176, tradução nossa) / (“AII human beings carry about a set of words which they employ to justify their actions, their beliefs, and their lives. I shall call these words a person’s final vocabulary.”)

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todos os vocabulários é um fim de segunda ordem nessa teoria enquanto os demais

seriam fins de primeira ordem (ROSENFELD, 1998, p. 176).

Michel Rosenfeld concebe que o protagonista da jornada profética de Rorty é

o “irônico liberal” 65 que possui dois compromissos distintos: erradicar a crueldade e

lutar contra a imposição forçada de qualquer vocabulário final (RORTY Apud

ROSENFELD, 1998, p. 176). “A agenda profética de Rorty combina dois objetivos

distintos: a autocriação e a solidariedade” (ROSENFELD, 1998, p. 176, tradução

nossa) 66. Assim, Rosenfeld declara que, para Rorty, deve ser dada a cada um a

maior liberdade o possível de usar sua imaginação para divisar um vocabulário final

mais ajustado às suas necessidades e desejos, para isso, são necessários: paz,

riqueza, e os padrões das “liberdades burguesas” (RORTY Apud ROSENFELD,

1998, p. 176-177). Por outro lado, nessa forma de pensar, a busca coletiva pela

solidariedade também envolve embasamento na imaginação para fomentar uma

percepção mútua dos sujeitos enquanto companheiros sofredores vulneráveis à

humilhação (RORTY Apud ROSENFELD, 1998, p. 177).

Nesse contexto, Rosenfeld afirma que Rorty apresenta uma proposta de

redenção que se dá em uma sociedade secular e não se embasa na religiosidade a

qual necessita de um cenário político razoavelmente concreto e otimista para ser

alcançada, contrariamente aos cenários sobre a redenção pós-tumulo

(ROSENFELD, 1998, p. 178). Assim, a liberdade ilimitada de expressão é um dos

objetivos primordiais na busca por redescrições úteis dentro de uma sociedade

liberal (ROSENFELD, 1998, p. 179).

Ao considerar que a filosofia de Rorty é dirigida ao objetivo constante de

promover a esperança para redescrições mais úteis, Rosenfeld (1998, p. 179)

estabelece que a maximização das oportunidades para redescrições imaginativas

deva ser interpretada como o fim de segunda ordem de sua teoria que exige que se

forneça a maior proteção possível à liberdade de expressão.

Dessa forma, no entender de Rosenfeld (1998, p. 179), tanto Posner quanto

Rorty concordam que a filosofia pragmatista conduz ao apoio da liberdade de

expressão.

65 Liberal ironist 66 Rorty's prophetic agenda combines an individualistic objective with a collective one, namely self-creation with solidarity

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4 . 2 .3 O p r a gm a ti sm o e o l iv r e i nte rc â m bi o de i dé i a s

Rosenfeld (1998, p. 180) argumenta que Posner e Rorty desenvolvem uma

justificação da liberdade de expressão baseada na impossibilidade de uma verdade

completa ou imutável. Posner tem a convicção de que uma limitação ao livre

intercâmbio de idéias traria mais dano do que benefício, por isso, qualquer

expressão, seja racional ou emotiva, factual ou ficcional, deve ser protegida dentro

da estrutura do mercado livre de idéias de modo que somente são justificadas certas

restrições quando sirvam para impedir a geração de custos muito altos para a

sociedade (POSNER Apud ROSENFELD, 1998, p. 181-182).

Diante desse quadro, Rosenfeld sugere que é preciso checar se as soluções

encontradas pelos pragmatistas podem ser mantidas quando confrontadas pelas

expressões do ódio e dos extremistas.

Segundo Rosenfeld, a expressão dos extremistas gera o que Karl Popper

havia chamado de “paradoxo da tolerância” que surge como conseqüência de tolerar

o intolerante que pode obter vantagem da ampla proteção à expressão para

espalhar visões extremistas porque se ele conseguir persuadir um público grande o

suficiente, poderá ascender ao poder e erradicar a tolerância (POPPER Apud

ROSENFELD, 1998, p. 181-182). Desse modo surge o dilema: para permanecer

tolerante, a sociedade deve ser tolerante com todos ou deve ser intolerante com o

intolerante?

O paradoxo causado pela expressão do ódio é análogo ao disparado pela expressão extremista. (nota: as expressões do ódio e dos extremistas são distinguíveis mesmo quando elas estão unidas como no caso do nazismo no qual o totalitarismo político foi combinado com uma sistemática propaganda do ódio contra os judeus. Contudo, é possível adotar um extremismo político totalitarista sem abranger qualquer ódio com base em raça, sexo, origem étnica ou orientação sexual. Assim, por exemplo, alguém pode concebivelmente aderir a uma visão radical comunista antidemocrática, predicada em um igualitarismo rígido e forçado. Da mesma maneira, é possível rejeitar o extremismo político em favor de certa concepção de democracia e ainda odiar, vilipendiar e humilhar os membros de certos grupos raciais, étnicos ou religiosos.) (ROSENFELD, 1998, p. 182-183, tradução nossa).67

67 The paradox raised by hate speech is analogous to that triggered by extremist speech.(note: Extremist and hate speech are distinguishable even though they often go hand in hand, as in the case

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62

Diante disso, Rosenfeld (1998, p. 184) levanta que uma abordagem

pragmática focada nas prováveis conseqüências reais parece ser a mais adequada

para evitar sacrifícios desnecessários somente para satisfazer as demandas não

práticas da coerência teórica. Contudo, ele argumenta que, na verdade a abordagem

pragmatista mostra ser seriamente deficiente nesse ponto porque os resultados

práticos das diferentes abordagens para com as expressões do ódio e dos

extremistas são variados e nuançados, eles não são bem definidos por causa das

complexidades inerentes à dialética entre a tolerância e a intolerância

(ROSENFELD, 1998, p. 184). Dessa maneira, Rosenfeld (1998, p. 184) entende que

enfocar as conseqüências práticas seria inconclusivo, pois haveria a necessidade de

escolher entre possíveis conseqüências práticas semelhantes. Além disso, as

conseqüências práticas da tolerância dos intolerantes podem ser simplesmente

imprevisíveis (ROSENFELD, 1998, p. 184). Conseqüentemente, na visão de

Rosenfeld (1998, p. 185), a abordagem a ser dada à liberdade de expressão

segundo o pragmatismo parece ser mais uma questão de valores de preferência do

que predominantemente de considerações pragmáticas. Dessa forma, é possível

que dois países abordem de maneira diferente essa questão alegando se basear no

pragmatismo. Para exemplificar, citemos o exemplo dos Estados Unidos e do

Canadá em que o primeiro tem atribuído uma tolerância muito maior para com os

extremistas e com a expressão do ódio do que o último.

Uma vez reconhecido que os Estados Unidos e o Canadá têm certas prioridades diferentes, se torna evidente que nada inerente a qualquer das abordagens a torna mais pragmática do que a outra. Se a preocupação é com o gradual, ainda que potencialmente devastador, efeito da expressão do ódio na auto-estima e no respeito ao outro, a abordagem canadense revela-se mais pragmática. (...) Inversamente, é claro, se o objetivo é promover a maior disseminação das visões disponíveis, limitada apenas pela prevenção de perigo ou violência iminentes, então a abordagem norte-americana mostra-se claramente mais pragmaticamente apropriada. (...) Mais genericamente, revela-se muito plausível que não haja maneira confiável de prever as conseqüências práticas da tolerância das expressões do ódio e dos extremistas por causa do número e da complexidade dos fatores aplicáveis e de toda a gama das variações contextuais que excedem

of Nazism where political totalitarianism was combined with systematic hate propaganda against Jews. It is possible, however, to embrace totalitarian political extremism without harboring any hatred on the basis of race, sex, ethnic origin, religion, or sexual orientation. Thus, for example, one could conceivably adhere to a radical, antidemocratic, communist vision predicated on rigid forced egalitarianism. By the same token, it is possible to reject political extremism in favor of a certain conception of democracy and yet hate, vilify, and demean the members of certain racial, ethnic, or religious groups.)

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em muito nossa compreensão. (...) Dessa forma, a escolha teria que depender das concepções do bem e dos valores preferências mais do que das considerações práticas. Coerente com isso, a abordagem canadense seria mais adequada para com uma perspectiva mais igualitária e multicultural enquanto a norte-americana se revelaria para aqueles inclinados libertariamente. Em resumo, não há solução pragmática para os paradoxos das expressões do ódio e dos extremistas. (ROSENFELD, 1998, p. 186-187, tradução nossa).68

Além disso, Rosenfeld (1998, p. 188) defende que é bastante provável que

uma campanha verbal de ódio mostre ser mais dolorosa, degradante e humilhante

do que uma agressão física, por isso, o pragmatismo não pode garantir de que o

sonho profético utópico de Rorty de solidariedade entre os poetas não irá se tornar

um pesadelo angustiante devido a propagandas de ódio e humilhação. Rosenfeld

(1998, p. 188) entende que não se pode considerar esse pragmatismo o meio

adequado em busca dos fins, não sendo, portanto, pragmaticamente adequado.

Como Posner enfatiza, os prejuízos da expressão do ódio impõem custos que devem ser empiricamente apurados. E é só na base desses custos e dos custos e benefícios aplicáveis que uma decisão legítima pode ser feita sobre se a expressão do ódio deve ser tolerada ou proibida (Posner 1995, 396). Ademais, os “custos” e “benefícios” em questão devem ser determinados em termos do critério da maximização da riqueza ou algum outro critério normativo substantivo como o libertarianismo ou igualitarianismo. Em qualquer caso, de acordo com a própria observação de Posner, o pragmatismo, por si mesmo, não pode oferecer justificação contra ou a favor da tolerância das expressões do ódio ou dos extremistas. (ROSENFELD, 1998, p. 190, tradução nossa).69

68 Once one realizes that the United States and Canada have certain different priorities, it becomes obvious that nothing inherent in either approach makes it more pragmatic than the other. If one is concerned with the gradual yet potentially devastating effect of hate speech on self-esteem and on respect for others, then the Canadian approach looms as more pragmatic than the American one. (…)Conversely, of course, if the object is to foster the greatest dissemination of available views, limited only by avoidance of imminent danger and violence, then the American approach clearly seems more pragmatically suited than its Canadian counterpart. “(…) More generally, it seems quite plausible that there is no reliable way to predict the practical consequences of tolerating extremist and hate speech, as the number and complexity of relevant factors and as the full gamut of contextual variations far exceed our grasp. (…) Accordingly, the choice would have to depend on conceptions of the good and value preferences rather than on practical considerations. Consistent with this, the Canadian approach would be better suited for those with a more egalitarian and multicultural outlook while the American one would seem preferable for those with a libertarian bento In sum, there is no pragmatist solution to the paradoxes of extremist and hate speech. 69 As Posner emphasizes, the harms of hate speech impose costs that must be empirically ascertained. And it is only on the basis of those costs, and of other relevant costs and benefits, that a legitimate decision can be made on whether hate speech should be tolerated or prohibited (Posner 1995, 396). Moreover, the "costs" and "benefits" in question may be determined in terms of a wealth-maximization criterion or some other substantive normative criterion such as libertarianism or egalitarianism. In any event, consistent with Posner's own recent remarks, pragmatism itself can offer no justification for or against tolerating extremist or hate speech.

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Dessa forma, para Rosenfeld (1998, p. 191), depois de estabelecer que

nenhuma concepção do bem pode ser convincentemente estabelecida como

superior às outras, o pragmatismo deve determinar o melhor caminho prático a

seguir de acordo com circunstâncias. Entretanto, a definição última dos fins tende a

se basear em considerações não pragmáticas (ROSENFELD, 1998, p. 192).

Além disso, há problemas decorrentes da inconsistência teórica resultante do

pragmatismo. Na medida em que não há necessidade de coerência, o campo se

encontra aberto para a manipulação do direito, pois a consistência teórica impõe

alguns limites que dificultam uma eventual arbitrariedade na utilização do direito.

Ademais, embora se defenda que o antifundacionalismo do pragmatismo gere

a orientação dele para o futuro, de fato, ocorre o oposto, “é a orientação do

pragmatismo para o futuro que forma e sustenta seu antifundacionalismo”

(ROSENFELD, 1998, p. 194, tradução nossa) 70.

Do ponto de vista do pragmatismo, a prova de qualquer teoria ou hipótese reside em suas conseqüências, e uma vez que o futuro jamais poderá ser conhecido ex ante, estritamente falando, nenhuma ação jamais poderá ser pragmaticamente justificada antes ou ao tempo de sua ocorrência sem o recurso a alguma fundação injustificada. Conseqüentemente, os velhos pragmatistas foram fundacionalistas que basearam na ciência e na experiência para justificar suas ações orientadas para o futuro. Por outro lado, neopragmatistas como Rorty rejeitam a ciência empírica como incompatível com o antifundacionalismo do pragmatismo, mas o substituem por fundações arbitrárias deles mesmos. (ROSENFELD, 1998, p. 194, tradução nossa).71

Dessa análise, se conclui que as fundações são necessárias e inevitáveis.

70 It is pragmatism's orientation toward the future that shapes and sustains its antifoundationalism. 71 From the standpoint of pragmatism, the proof of any theory or hypothesis lies in its consequences, and since the future cannot ever be known ex ante, strictly speaking, no action could ever be pragmatically justified before or at the time of its occurrence without recourse to some unwarranted foundation. Consequently, the old pragmatists were foundationalists who relied on science and experience to justify their future-oriented actions. Neopragmatists like Rorty, on the other hand, reject empirical science as incompatible with pragmatism's antifoundationalism but replace it with arbitrary foundations of their own.

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5 O PLURALISMO ABRANGENTE

5.1e Do pluralismo de fato para o pluralismo como norma

Rosenfeld (1998, p. 199) chega à conclusão de que; uma vez que a teoria dos

sistemas, o procedimentalismo discursivo e o pragmatismo falharam em justificar um

proclamado fim para a interpretação; cabe buscar uma nova alternativa para superar

a crise na interpretação promovendo a reconciliação entre a justiça de acordo e a

justiça além do direito. Ele acredita que, para isso, é preciso, preencher a lacuna

entre os diferentes grupos preservando a diversidade que decorre da coexistência

de uma pluralidade de concepções de bem em uma tarefa que deve considerar: a

contingência, a falta de um utilizável ponto de vista moral neutro, a impossibilidade

de embasamento no procedimentalismo puro, e a impraticabilidade do direito romper

com a ética ou com a política (ROSENFELD, 1998, p. 199). Então, ele propõe que

“um caminho para interpretações justas pode ser alcançado por meio do

embasamento no pluralismo ou, mais precisamente, no pluralismo entendido em

termos normativos substantivos” (ROSENFELD, 1998, p. 199, tradução nossa).72

Rosenfeld (1998, p. 200) esclarece que o pluralismo de fato ocorre em

sociedades cujos membros aderem a uma multiplicidade de diversas concepções do

bem e que o simples fato de existir um pluralismo não fornece nenhum dado a

respeito de como lidar com conflitos que afetam essas sociedades. Apesar disso,

Rosenfeld defende uma abordagem fundada na convicção de que o pluralismo em si

mesmo é desejável e, portanto, deve ser endossado e promovido. Ele chama essa

perspectiva de pluralismo como norma, pluralismo normativo ou pluralismo

abrangente73 (ROSENFELD, 1998, p. 200). Ele argumenta que sua abordagem

fornece os melhores meios possíveis para lidar com os conflitos em uma sociedade

pluralista de fato seguindo uma ética da reconciliação ente os diversos grupos e com

vistas a minimizar a violência (ROSENFELD, 1998, p. 200). Assim, pode-se

sintetizar seu pensamento da seguinte maneira:

72 A path to just interpretations may be found through reliance on pluralism-or more precisely, on pluralism understood in substantive normative terms. 73 Comprehensive pluralism.

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A interpretação jurídica não pode evitar se basear em compromissos normativos substantivos e isso impede uma neutralidade genuína entre as concepções concorrentes do bem. Por sua vez, o pluralismo abrangente é uma concepção do bem, mas enquanto assumidamente não neutra é diferente de outras concepções vez que depende delas para sua própria sobrevivência. Na verdade, o objetivo do pluralismo abrangente é englobar e fomentar a coexistência pacífica entre o máximo de concorrentes concepções do bem o possível. Ademais, o pluralismo abrangente deve estar preparado para aceitar as normas produzidas pelas outras concepções do bem, mas somente na medida em que essas normas não interfiram no objetivo descrito. (ROSENFELD, 1998, p. 200, tradução nossa).74

O pluralismo abrangente de Rosenfeld (1998, p. 201) se baseia nas normas

de segunda ordem que servem de parâmetro para o aperfeiçoamento da interação

entre as normas de primeira ordem que são as normas associadas às demais

concepções do bem.

Rosenfeld (1998, p. 203) concebe que a divisão dos grupos na atual

sociedade não é fixa ou permanente, mas múltipla, frágil e dependente do contexto

porque as mesmas pessoas fazem parte de diversos grupos de interesse. Assim, a

delimitação dos grupos tende a mudar em conseqüência de alianças e divisões,

aptas a mudar ao longo do tempo, e prováveis de se intensificar ou diminuir

dependendo do clima político ou dos temas específicos envolvidos (ROSENFELD,

1998, p. 203). Para Rosenfeld (1998, p. 204), cada concepção do bem é uma ética

específica que pode ser primariamente religiosa, étnica, cultural ou ideológica. Além

disso, “a perspectiva integrada estruturada por uma concepção do bem prescreve

certos valores de julgamento e certos valores de preferência” (ROSENFELD, 1998,

p. 204, tradução nossa).75

Rosenfeld (1998, p. 206) explica que o pluralismo normativo se distingue, ao

mesmo tempo, do monismo e do relativismo. Ele entende que no monismo há

apenas uma visão do bem correta e que todos os valores de preferências devem ser

julgados nos termos dessa concepção (ROSENFELD, 1998, p. 206). De acordo com

74 Legal interpretation cannot avoid reliance on substantive normative commitments, and that precludes genuine neutrality as between competing conceptions of the good. Comprehensive pluralism, in turn, is a conception of the good, but while admittedly non-neutral, it is different from other such conceptions inasmuch as it is dependent on the latter for its own survival. Indeed, the aim of comprehensive pluralism is to encompass, and to foster peaceful coexistence among, as many competing conceptions of the good as possible. Moreover, comprehensive pluralism must be prepared to accept the norms produced by other conceptions of the good, but only to the extent that such norms do not interfere with its encompassing design. 75 The integrated perspective framed by a conception of the good prescribes certain value judgments and certain value preferences.

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o relativismo, todos os valores preferências são, em ultima análise, puramente

subjetivos de forma que não faz sentido buscar hierarquizá-los ou afirmar que

qualquer deles seja mais correto que outro (ROSENFELD, 1998, p. 206). Dessa

forma:

Contra o monismo, o pluralismo normativo assegura que o bem se estende além de qualquer concepção do bem; contra o relativismo, que não são todas as concepções do bem que são equivalentes como meras projeções de perspectivas contingentes. (ROSENFELD, 1998, p. 206, tradução nossa).76

Rosenfeld (1998, p. 206-207) entende o pluralismo abrangente como um

pluralismo substantivo, pois prescreve a inclusão e acomodação da mais ampla

pluralidade de concepções do bem possível através do nivelamento de todas as

hierarquias existentes entre as concepções do bem.

Para Rosenfeld (1998, p. 207), as atuais democracias tendem a ceder espaço

para tolerância sem modificar certas tradições profundamente arraigadas, por isso,

ele acredita não ser provável que o pluralismo abrangente seja adotado na prática

atual por causa de suas implicações radicais. Entretanto, essa teoria pode servir

como um padrão normativo perfeitamente apto para a reconstrução contrafactual

vez que “fornece o melhor critério normativo o possível para a reconciliação dos

diferentes grupos em uma sociedade faticamente pluralista de maneira a maximizar

o potencial para a justiça enquanto o minimiza para a violência” (ROSENFELD,

1998, p. 207, tradução nossa).77

Rosenfeld (1998, p. 208) acredita que da mesma forma que a tolerância para

com os intolerantes pode eliminar a tolerância, a equalização de todas as

concepções do bem pode eventualmente classificar o pluralismo e anti-pluralismo

como igualmente legítimos. Mas o pluralismo abrangente não é relativista, é apenas

cético a respeito de qualquer hierarquia entre as concepções do bem (ROSENFELD,

1998, p. 208). O pluralismo enquanto norma se limita a fornecer prioridade às

normas de segunda ordem sobre normas de primeira ordem para alcançar igualdade

entre essas últimas (ROSENFELD, 1998, p. 209).

76 Against monism, normative pluralism holds that the good extends beyond any single conception of the good; against relativism, that not all conceptions of the good are equivalent as the mere projections of contingent perspectives. 77 (Comprehensive pluralism) yields the best possible normative criterion for the reconciliation of self and other within a pluralistic in fact society, in a way that maximizes the potential for justice while minimizing that for violence.

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Para ele, “o pluralismo normativo se confronta com o status quo através de

um processo dialético que envolve dois momentos lógicos distintos” (ROSENFELD,

1998, p. 209, tradução nossa) 78. O primeiro deles é o negativo caracterizado pela

estrita recusa em endossar ou favorecer qualquer das normas de primeira ordem em

competição impondo uma estrita igualdade e neutralidade entre todas as normas de

primeira ordem e concepções do bem existentes (ROSENFELD, 1998, p. 209).

Contudo, na ausência de uma pluralidade de concepções viáveis do bem, não

restarão normas de primeira ordem para a proteção do pluralismo levando-o à

autodestruição (ROSENFELD, 1998, p. 209). Para evitar isso, o pluralismo

abrangente deve suplementar seu momento negativo com um positivo que busca

fomentar a readmissão das concepções do bem previamente niveladas e

equalizadas no universo pluralista (ROSENFELD, 1998, p. 209). Mas, para

Rosenfeld (1998, p. 209-212), nem todas as concepções do bem podem obter a

readmissão do momento positivo e mesmo as que podem fazê-lo estão sujeitas a

não ocupar a mesma posição de antes por sofrerem limitações e adaptações para

se compatibilizarem com o pluralismo abrangente. Entretanto, ao não readmitir todas

as concepções do bem que havia excluído em seu momento negativo, o pluralismo

abrangente falha no seu ideal de igual acomodação de todas as concepções do bem

(ROSENFELD, 1998, p. 210). Conseqüentemente, na visão do próprio criador, o

pluralismo abrangente pode se aproximar da igualdade entre todas as normas de

primeira ordem, mas jamais alcançará esse objetivo, por isso, ele resulta em uma

dialética sem fim marcada por uma constante sucessão de momentos negativos e

positivos que jamais alcança um ponto final (ROSENFELD, 1998, p. 210).

Rosenfeld (1998, p. 210) levanta que há dois fatores que demandam novos

momentos negativos. Primeiramente, ao fim de cada momento positivo algumas

normas são completamente abandonadas e outras incluídas e modificadas dando

margem para requisições por maior inclusão e igualdade (ROSENFELD, 1998, p.

210). Em segundo lugar, o constante reposicionamento das normas de primeira

ordem acaba por torná-las mais suscetíveis a alterações internas e reconfigurações

(ROSENFELD, 1998, p. 210). Assim, “o melhor que se pode esperar é que em seu

78 Comprehensive pluralism confronts the status quo through a dialectical process that involves two distinct logical moments.

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momento positivo o pluralismo abrangente irá erradicar algumas desigualdades e

deixar outras no lugar.” (ROSENFELD, 1998, p. 211, tradução nossa).79

Rosenfeld (1998, p. 211) alerta que enquanto o momento negativo do

pluralismo abrangente se reduz a uma atitude procedimental, isso não ocorre no

momento positivo porque a reintegração das normas de primeira ordem não é

automática, mas contingente porque elas podem ser compatíveis ou não com as

normas de segunda ordem. Assim, no momento positivo, o pluralismo abrangente

deve se basear em normas substantivas e não pode evitar práticas interpretativas

contestáveis, pois “a aplicação de um critério substantivo para determinar quais

normas serão readmitidas não é redutível a procedimentos puramente formais ou

quantitativos” (ROSENFELD, 1998, p. 211, tradução nossa) 80. Apesar disso,

Rosenfeld (1998, p. 212) ressalta que a prioridade das normas de segunda ordem

exige o repúdio a concepções do bem ativamente anti-pluralistas e a limitada

aceitação das ideologias menos ativistas que, apesar, disso são intolerantes.

Quando a busca de uma concepção do bem que não se enquadra nessas

categorias que sofrem limitação rotineira pelo pluralismo abrangente impede a busca

de outra concepção do bem, freqüentemente soluções satisfatórias podem ser

encontradas através de uma inversão de perspectivas nos termos contemplados por

Habermas (ROSENFELD, 1998, p. 212).

No pluralismo abrangente de Rosenfeld, a reconciliação entre os diversos

grupos é o bem último, o summum bonum, conseqüentemente, autonomia,

reciprocidade, empatia, dignidade e diversidade são classificados entre os mais altos

valores e ocupam o lugar das normas de segunda ordem (ROSENFELD, 1998, p.

213). Nesse contexto, para Rosenfeld (1998, p. 214), as perspectivas metafísicas

não podem ser aceitas em seus próprios termos porque os sistemas

metafisicamente fundados são anti-pluralísticos por isso são reduzidos ao nível de

normas de primeira ordem. Ao abarcar limitadamente essas visões do mundo, o

pluralismo abrangente lhes dá expressão e, ao mesmo tempo, lhes incita à

adequação à pluralidade por ceifar seu conteúdo anti-pluralista e incentivar o

pluralismo na sociedade e, por conseguinte, no interior dos centros que adotam

perspectivas não pluralistas (ROSENFELD, 1998, p. 214-215).

79 The best that can be hoped for is that in its positive moment, comprehensive pluralism will eradicate some inequalities while leaving others in place. 80 Application of substantive criteria to determine which first-order norms ought to be readmitted is not reducible to purely formal or quantitative procedures.

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Assim, para Rosenfeld (1998, p. 214), a reciprocidade consolida os limites

entre um indivíduo e os outros pela prescrição de que o outro seja igualmente

reconhecido como sujeito. Dentro desse conceito ele diferencia a “mera

reciprocidade” e a “reciprocidade reversível”. A mera reciprocidade prescreve o

reconhecimento do outro como possuindo uma perspectiva, sem considerar as

diferenças reais entre as perspectivas (ROSENFELD, 1998, p. 214). A reciprocidade

reversível requer uma empatia pelo outro baseada no adequado reconhecimento

das diferenças de perspectivas (ROSENFELD, 1998, p. 214).

5 . 2 Pluralismo abrangente X Liberalismo, Republicanismo e Comunitarismo

Rosenfeld afirma que, para todos os liberalismos, o individuo é o centro da

escolha moral e “a função da sociedade é otimizar as oportunidades para a auto-

realização do individuo forjando um equilíbrio apropriado entre autonomia individual

e bem estar individual” (ROSENFELD, 1998, p. 216) 81. Nessa estrutura, em última

análise, os interesses individuais prevalecem sobre os interesses de grupo e os

grupos são concebidos como associações ou agregações justificadas por sua

utilidade para alcançar os interesses individuais (ROSENFELD, 1998, p. 216).

Rosenfeld (1998, p. 216) entende que, para os liberais, liberdade, igualdade e justiça

são os valores primordiais aos quais podem ser adicionados os direitos humanos

fundamentais.

Assim, Melo (2002, p. 73) explica que, para Dworkin, o liberalismo não se

apóia em nenhuma teoria especial da personalidade e é indiferente à participação

dos indivíduos na cena política, a concepção liberal de igualdade é um princípio de

organização política exigido pela justiça, não um modo de vida para indivíduos.

Entretanto, Rosenfeld (1998, p. 216-217) explica que o liberalismo necessita

se fechar em um dos valores primordiais mencionados ou em apenas uma

organização deles e se torna inflexível, por isso, seria muito mais adequada à

reconciliação uma abordagem que permita recurso a diferentes valores, dependendo

81 The purpose of society is to optimize the opportunities for individual self-realization by striking an appropriate balance between individual autonomy and individual welfare.

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das condições materiais e das condições de auto-realização envolvidas. Até porque,

no entender de Rosenfeld (1998, p. 217), as concepções de autonomia e bem estar

tendem a mudar significativamente ao longo do tempo de modo a gerar uma

necessidade de adaptação das maneiras possíveis de encontrar um equilíbrio entre

esses fatores. Assim, para Rosenfeld (1998, p. 217), uma abordagem pluralística

altamente flexível mostra-se superior à liberal.

De acordo com a descrição de Rosenfeld (1998, p. 218), o republicanismo

tem como foco principal a cidadania e as virtudes cívicas e o comunitarismo tem

como característica mais marcante o comprometimento com a primazia da

comunidade sobre o individuo.

Nesse diapasão, Melo afirma que, para os defensores de uma concepção

republicana:

O autogoverno e envolvimento com a res publica é precondição para a democracia. As liberdades negativas só estão asseguradas por uma cidadania ativa e mobilizada. Não perceber que as duas liberdades constituem faces da mesma moeda é uma falha da tradição liberal que vem de seu período formativo. Para Skinner (1993) os teóricos liberais assumem um mecanismo de mão invisível. Se todos perseguirmos nossos interesses próprios o resultado será o bem estar da comunidade como um todo. Do ponto de vista da tradição republicana, "esta é uma outra forma de descrever a corrupção", cuja superação é uma condição para a maximização de nossa liberdade individual. (MELO, 2002, p.61)

Ainda segundo Melo, de acordo com Skinner:

Para o republicanismo, virtudes tais como coragem, temperança e prudência, juntamente com o envolvimento ativo com a esfera pública, são pré-condições para a preservação das liberdades individuais. O cidadão prudente reconhece que a extensão das liberdades negativas que desfruta só pode ser o resultado ou a recompensa para a busca do bem público às expensas do interesse privado individual. (SKINNER Apud MELO, 2002, p. 62)

Na visão de Rosenfeld, embora nem todos os comunitaristas sejam

republicanos, “todas as versões contemporâneas do republicanismo são, ao final,

indiscutivelmente de natureza comunitária” (ROSENFELD, 1998, p. 218, tradução

nossa) 82. Por isso, o autor busca alternativas de republicanismo não-comunitário em

exemplos não contemporâneos. Assim, ele aborda o republicanismo rosseauniano

por ser um dos raros exemplos de republicanismo não comunitário compatível com o

82 All contemporary versions of republicanism are arguably ultimately communitarian in nature.

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pluralismo. Para ele, “a vontade geral de Rousseau leva em consideração o

pluralismo de fato uma vez que leva as vontades individuais conflitantes em conta no

curso de sua formulação.” (ROSENFELD, 1998, p. 219, tradução nossa) 83.

Rosenfeld entende que “o individuo de Rousseau deve sacrificar os interesses

próprios puramente particulares com o propósito de buscar a reconciliação com o

outro sob o direcionamento da vontade geral” (ROSENFELD, 1998, p. 220, tradução

nossa) 84. Ocorre um processo semelhante no pluralismo abrangente, pois ele

condiciona a auto-realização à aceitação de algum grau de alienação dos próprios

objetivos de primeira ordem por submetê-los às normas de segunda ordem

(ROSENFELD, 1998, p. 219). Entretanto, por não requerer qualquer escolha a priori

entre o cidadão publico e a pessoa privada, o pluralismo abrangente tende a exigir

menor sacrifício pessoal para se gerir a coesão da sociedade (ROSENFELD, 1998,

p. 221).

Retornando ao comunitarismo, Rosenfeld (1998, p. 221) relata que ele eleva

os valores da solidariedade e da lealdade grupal ao topo normativo. Entretanto,

Rosenfeld argumenta que “o ethos comunitarista em sociedades comunitariamente

pluralistas requer alguma perda de lealdade e solidariedade para permitir uma

expansão do alcance da interação comunitária (para com as outras comunidades)”

(ROSENFELD, 1998, p. 222, tradução nossa) 85.

A proliferação de comunidades sobrepostas e a multiplicação dos diversos compromissos comunitários dependem da disponibilidade de certo grau de flexibilidade e diversidade que faltam quando ocorre a estrita aderência aos valores essenciais da lealdade e solidariedade (ROSENFELD, 1998, p. 222 -223, tradução nossa).86.

Por isso, Rosenfeld (1998, p. 223) acredita que o pluralismo é mais adequado

do que o comunitarismo. Por outro lado, todos os principais valores liberais,

republicanos, e comunitaristas aparentam ter um significante papel para reconciliar

os diferentes grupos (ROSENFELD, 1998, p. 223). Conseqüentemente, para o

83 Rousseau's general will accounts for pluralism in fact inasmuch as it takes clashing individual wills into account in the course of its formulation. 84 the Rousseauian individual must sacrifice purely particular self interest for the sake of seeking reconciliation with the other under the guidance of the general will, 85 The communitarian ethos in communally pluralistic polities requires some loosening of loyalty and solidarity in order to allow for an expansion of the reach of communal interaction. 86 Proliferation of overlapping communities and multiplication of diverse communal commitments depend on the availability of a degree of flexibility and diversity largely lacking in the context of strict adherence to loyalty and solidarity as overriding values.

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pluralismo abrangente, liberdade, igualdade, direitos humanos, justiça, virtude cívica,

solidariedade e lealdade de grupo, devem ser buscados, entretanto, eles devem ser

harmonizados e combinados para um melhor resultado (ROSENFELD, 1998, p.

223). Entretanto o autor salienta que:

Não há resposta simples para essa questão porque o correto intercâmbio entre os valores citados depende em parte de fatores contingentes e contextuais. Então, por exemplo, a busca de valores liberais pode predominar em situações nas quais as comunidades são poderosas, repressivas e fechadas em si. Inversamente, os valores comunitaristas devem ser fortemente afirmados em face do individualismo galopante com conseqüente perda de consciência social e cooperação coletiva. Mais geralmente, como necessidades, interesses e circunstancias variam, nenhum dos valores sob consideração pode reclamar nenhum direito a prioridade. Por isso, e porque molda o relacionamento entre esses valores para ajustar o problema constantemente envolvente da reconciliação entre os diferentes grupos, o pluralismo abrangente emerge como muito superior ao liberalismo, republicanismo e comunitarismo. (ROSENFELD, 1998, p. 223-224, tradução nossa).87

5 . 3e O Pluralismo abrangente e a divisão de tarefas entre o direito, a ética e a política.

Para Rosenfeld (1998, p. 227-228), dentro do processo interminável de

confrontação e acomodação do direito, o pluralismo abrangente se limita a fornecer

um senso de direção para estabelecer interpretações justas, até porque, a justiça

abrangente, ou justiça completa é impossível de ser alcançada. Nessa estrutura, ele

defende que a ética, o direito e a política deveriam tentar se organizar da seguinte

maneira. À ética caberia regular a internalização tanto das normas intracomunitárias

quanto intercomunitárias, ou, em outras palavras, das normas de primeira e segunda

ordem (ROSENFELD, 1998, p. 228). A função da política é fornecer uma

87 There is no single answer to the last question, because the right interplay among the above-mentioned values depends in part on contingent and contextual factors. Thus, for example, pursuit of liberal values ought to predominate in settings where communities are powerful, repressive, and rather self-enclosed. Conversely, communitarian values should be strongly stressed in the face of rampant individualism with consequent loss in social conscience and collective cooperation. More generally, as needs, interests, and circumstances vary, none of the values under consideration can claim any set entitlement to priority. Because of this, and because it molds the relationship among these values to suit the constant1y evolving quest for reconciliation between self and other, comprehensive pluralism emerges as far superior to liberalism, republicanism, and communitarianism.

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harmonização externa de objetivos intra-comunitários e intercomunitários através do

autogoverno (ROSENFELD, 1998, p. 228). Finalmente, o direito deve assegurar as

condições necessárias para o funcionamento adequando da ética e da política e

fornecer regulação pontual para preencher as brechas deixadas pela ética ou pela

política (ROSENFELD, 1998, p. 228). Assim, ele declara que, “essa divisão de

tarefas colocaria, grosso modo, o direito sob um ideal liberal, a ética sob um ideal

comunitarista e a política sob um ideal republicano” (ROSENFELD, 1998, p. 228-

229, tradução nossa).88 Entretanto, Rosenfeld (1998, p. 229) entende que verdadeira

internalização das normas de segunda ordem requer a externalização das normas

de primeira ordem e isso não pode ser feito somente pela ética, mas requer o

recurso ao direito e a política.

Em termos de uma dialética operante, o sujeito deve inicialmente recorrer ao direito para colocar as normas de primeira ordem dos demais em uma distância suficiente para criar o espaço necessário para que ele atenda a seus próprios conteúdos de primeira ordem. Mas, uma vez que a ampla rede do direito é posta, as normas de primeira ordem dele também se submeterão a ela, fazendo com que ele se afaste de suas próprias normas de primeira ordem. Finalmente, ainda, em outra dialética reversa, essa mesma distância que separa o sujeito de seus próprios compromissos de primeira ordem autoriza maior tolerância com as normas de primeira ordem dos demais. (ROSENFELD, 1998, p. 229, tradução nossa).89

Assim, para Rosenfeld (1998, p. 230), a ética e o direito são antagonistas e

complementares, portanto, não podem ser fundidos, até porque, há uma

dependência recíproca entre eles. O direito deve permanecer aberto para a crítica e

influência da ética na medida em que não pode alcançar neutralidade e igualdade ao

tentar acomodar as normas de primeira ordem em seu momento positivo

(ROSENFELD, 1998, p. 230). Rosenfeld (1998, p. 230) entende que, do ponto de

vista da ética, a política exerce um papel similar ao direito, pois tende a nivelar todas

as normas de primeira ordem, forçando as a competir para a aprovação da maioria.

Contudo, ele ressalta que o jogo político possui duas tendências destrutivas.

88 this division of tasks would, by and large, place law under the liberal ideal, ethics under the communitarian ideal, and politics under the republican ideal 89 To put it in terms of the operative dialectic, the self may be initially drawn to law in order to place the other's first-order norms at a sufficient distance to create the space necessary for the self to attend to his or her own first-order concerns. But once the wide net of law is cast, the self's own first-order norms will also become caught in it, with the consequent alienation of the self from his or her own first-order norms. Finally, in yet another dialectic reversal the very distance that separates the self from his or her own first-order commitments allows for greater tolerance of the other's first-order norms.

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A busca do autogoverno pode se tornar reduzida à tentativa de coerção do outro, através do uso da influência política para forçar o diferente a indevidamente sacrificar sua auto-realização em nome de um “bem comum” que o coloca em clara desvantagem. Por outro lado, em uma busca infrutífera pela auto-realização o conflito político dos interesses próprios é capaz de conduzir à fragmentação tão excessiva que destrua a coesão da sociedade. Contra esses dois perigos o direito oferece dois resguardos: contrabalanceamento dos antagonistas e o auxilio da complementaridade. (ROSENFELD, 1998, p. 231, tradução nossa) 90

Rosenfeld (1998, p. 232) entende que é possível contrabalancear uma política

excessivamente coerciva através de limites constitucionais, pois as prescrições

constitucionais servem como regras jurídicas que fornecem estabilidade institucional

para a política democrática. Assim, na concepção rosenfeldiana “a política emerge

como um médium para a reconciliação da auto-realização e o autogoverno, contudo,

ela deve ser limitada pelo direito e pela ética para evitar o excesso de auto-governo”

(ROSENFELD, 1998, p. 232, tradução nossa) 91 que pode implicar tanto a exclusão

da auto-realização de alguns quanto à auto-realização de alguns a expensas dos

outros.

Dentro dessa estrutura, Rosenfeld (1998, p. 233) entende que o contrafactual

pluralismo abrangente serve como parâmetro para a interpretação do real servindo

para criticar o conteúdo do direito. O embasamento na contrafactualidade do

pluralismo abrangente deve ser usado para interpretar o direito atual o trazendo o

mais próximo o possível de sua imagem contrafactual quando há espaço pra uma

gama de interpretações plausíveis. (ROSENFELD, 1998, p. 233).

Rosenfeld (1998, p. 237) argumenta que em situações nas quais os diferentes

grupos não são capazes de encontrar pontos em comum para chegarem a uma

reconciliação mutuamente aceitável um direito que não favoreça qualquer deles é

justificado, mesmo que não seja voluntariamente adotado por qualquer deles. A

adoção dessa estratégia pode prevenir a mútua erradicação dos sujeitos

antagônicos e/ou evitar a dominação de um pelo outro por meio da preservação do

status quo (ROSENFELD, 1998, p. 237).

90 Pursuit of self-government may become reduced to attempting coercion of the other, through use of political leverage to force the other unduly to sacrifice self-realization in the name of a "common good" that leaves that other at a distinct disadvantage. On the other hand, in the relentless pursuit of self-realization, the political clash of selfinterests may lead to such excessive fragmentation as to threaten the cohesion of the polity. Against these two dangers, law offers two kinds of safeguards: antagonistic counterweights and complementary relief. 91 politics emerges as a medium for external reconciliation of self-realization and self-government (…) however, politics needs to be constrained by law and ethics to avoid the excesses of self-government

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Rosenfeld (1998, p. 237) defende que a principal tarefa do pluralismo

abrangente é encontrar um conteúdo semântico adequado a cada contexto

fornecendo representações críveis do relacionamento entre o status quo desafiado e

possíveis alternativas. Para isso, ele deve harmonizar os argumentos disponíveis a

favor ou contra o abandono do modelo existente através de representações do(s)

ideal (is) contrafactual (is) aplicável (is) permanecendo dentro dos limites normativos

do pluralismo abrangente (ROSENFELD, 1998, p. 237-238).

Na estrutura do pluralismo abrangente rosenfeldiano o direito é obrigatório

porque ele é auto-imposto e porque é coercitivo assim como um contrato

(ROSENFELD, 1998, p. 239). O contrato é livremente acordado, mas, uma vez

estabelecido, vincula as partes que são obrigadas a cumpri-lo. Da mesma forma

ocorre com o direito que é criado pela sociedade, mas impõe limites e obrigações

que devem ser observados. Através desse mecanismo os sujeitos são coagidos a

contribuir para que os demais alcancem seus fins de primeira ordem embora possam

não concordar com eles. Nesse contexto, mesmo se nenhum dos envolvidos obtiver

qualquer ganho com um direito, ele ainda seria legitimo se os sacrifícios de cada um

deles forem equivalentes, pois, em alguns casos, uma solução imposta pode ser a

única maneira de fazer com que entre diferentes grupos encontrem um meio-termo

resultando na melhor alternativa para evitar dissolver a unidade da sociedade.

A analogia da auto-legislação do contrato ajudou a identificar três tarefas interpretativas distintas prováveis de figurar no desafio por justas interpretações coerentes com o pluralismo abrangente. Primeiro, uma intenção deve ser imputada para as diferentes partes. Segundo a intenção contrafactual delas deve ser reconstruída de modo a conformar-se com os ditados do pluralismo abrangente. E terceiro, as normas substantivas derivadas do pluralismo abrangente devem estar preparadas para a aplicação através da interpretação. (ROSENFELD, 1998, p. 241, tradução nossa).92

Mesmo assim, é provável que a busca pela reconciliação faça com que a

interpretação jurídica permaneça incompleta e tateante. Apesar disso, Rosenfeld

(1998, p. 242) entende que essas três tarefas podem contribuir para uma diminuição

92 The contract analogy to self-Legislation has thus helped identify three different interpretive tasks likely to figure in the quest for just interpretations consistent with comprehensive pluralism. First, an actual intent for self and other must be imputed. Second, their counterfactual intent must be reconstructed so as to conform with the dictates of comprehensive pluralism. And third, substantive norms derived from comprehensive pluralism must be readied for application through interpretation.

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significante das opções disponíveis e canalizar para maior justiça e mais adequada

reconciliação dos diferentes grupos.

5 . 4 e A Justiça como reciprocidade reversível

Para Rosenfeld (1998, p. 243), os limites normativos e reconstruções

contrafactuais do pluralismo abrangente não podem afastar a contingência da

jornada interpretativa, por isso, o próprio ponto de partida do desafio por

interpretações justas é focado na contingência. Por outro lado, Rosenfeld entende

que:

A estrutura dos limites normativos e os princípios estruturais da reconstrução contrafactual ligados ao pluralismo abrangente são essencialmente invariáveis e então fornecem um molde normativo transponível de uma situação para outra. (ROSENFELD, 1998, p. 243, tradução nossa).93

O núcleo o pluralismo abrangente de Rosenfeld é um compromisso normativo

com o igual valor atribuído aos diferentes sujeitos e, para que isso seja possível, é

preciso que se reconheça o diferente como um sujeito semelhante a si mesmo, ou

seja, que se adote a “mera reciprocidade” (ROSENFELD, 1998, p. 243-244). Esse

mútuo reconhecimento figura como pré-requisito para a autolegislação e para o

contrato. Ao mesmo tempo, ele se coloca além dos limites legislativos e contratuais

fornecendo a fundação e os limites da autolegislação e do contrato (ROSENFELD,

1998, p. 244). Por isso, Rosenfeld (1998, p. 244) acredita que o mútuo

reconhecimento deve ser considerado um princípio constitucional a ser usado pelos

juízes para moldar o direito e a interpretação jurídica de acordo com pluralismo

abrangente.

Assim, Rosenfeld (1998, p. 245) entende que a mera reciprocidade promove

certa tolerância, entretanto ela não pode fazer com que os sujeitos antagonistas

encontrem um meio termo porque lhe faltam os meios para obrigar os indivíduos

93 The framework of normative constraints and the architectonic principles of counterfactual reconstruction linked to comprehensive pluralism are essentially invariable and thus furnish a set mold transportable from one setting to the next.

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dominadores a reconhecer as necessidades e aspirações enraizadas na perspectiva

dos demais. Por isso, a mera reciprocidade deve ser suplementada pela

reciprocidade reversível que requer o reconhecimento e a empatia para com a

perspectiva do outro e busca o apropriado reconhecimento das diferenças e a

acomodação da diversidade (ROSENFELD, 1998, p. 245).

A reciprocidade reversível baseada na inversão de perspectivas autoriza a avaliação dos conflitos a partir de cada ponto de vista envolvido e, então, abre caminho para soluções que calculam apropriadamente as diferenças de perspectiva e pontos de vista. Enquanto a mera reciprocidade implica igualdade entre os sujeitos como possuidores de uma perspectiva ou ponto de vista, a reciprocidade reversível busca a igualdade entre as perspectivas. (ROSENFELD, 1998, p. 245, tradução nossa).94

De acordo com a reconstrução, o juiz deve buscar harmonizar os vários

subgrupos de destinatários do direito como se fossem contratantes ou

autolegisladores contrafactuais dentro de uma perspectiva coesiva que poderia

plausivelmente ser endossada pelos grupos em questão como se fosse própria,

nessa tarefa, ele deve desenvolver igual empatia pelas perspectivas em conflito

(ROSENFELD, 1998, p. 246). Além disso:

A rejeição das noções habermasianas de moralidade universal dialogicamente resgatada ou de soluções para o igual interesse de todos implica que um embasamento do juiz na reciprocidade reversível não pode jamais levar a uma justiça completa ou resultados incontestáveis. (ROSENFELD, 1998, p. 247, tradução nossa).95

Para desenvolver essa tarefa, na visão de Rosenfeld (1998, p. 248), primeiro,

o juiz deve avaliar se as posições conflitantes são compatíveis com as normas de

segunda ordem precavidamente para não inibir a busca de normas de primeira

ordem mais do que o estritamente necessário para garantir a prioridade das normas

de segunda ordem. Entretanto, há situações nas quais a busca de um conjunto de

normas de primeira ordem não é inerentemente incompatível com normas de

segunda ordem, mas atrapalha inevitavelmente a busca de outro grupo de normas

94 Reversible reciprocity relying on the reversal of perspectives allows for evaluation of conflicts from the standpoint of each perspective and vantage point involved and thus opens the way to solutions that fairly account for differences in perspective and vantage point. Whereas mere reciprocity implies equality among subjects as possessors of a perspective or vantage point, reversible reciprocity targets equality among perspectives. 95 Rejection of Habermasian notions of dialogically redeemed universal morality, or of solutions in the equal interests of all, implies that an adjudicator's reliance on reversible reciprocity can never lead to complete justice or incontestable outcomes.

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de primeira ordem. Essas situações, para Rosenfeld (1998, p. 249), demandam o

recurso à reciprocidade reversível.

Rosenfeld (1998, p. 249) esclarece que a justiça enquanto reciprocidade

reversível autoriza a ranquear os pedidos conflitantes não inerentemente

incompatíveis com o pluralismo abrangente em ordem hierárquica e requer que seja

dada prioridade aos pedidos mais bem colocados. Desse modo, os interesses,

valores preferência e objetivos devem ser classificados de acordo com a ordem de

importância que tem dentro de uma concepção específica do bem (ROSENFELD,

1998, p. 249). Assim, quando é impossível igualmente acomodar interesses, valores

preferências ou objetivos conflitantes, aqueles que estão mais bem classificados

dentro da perspectiva de seus defensores devem prevalecer sobre aqueles que se

classificam mal na classificação dos respectivos defensores (ROSENFELD, 1998, p.

249). Quando os interesses são igualmente classificados, a justiça como

reciprocidade reversível clama pela satisfação primeira dos mais amplamente

adotados, então se baseia no princípio da democracia majoritária (ROSENFELD,

1998, p. 249). Para Rosenfeld:

O direito emergente de um processo majoritário deve ser tratado como uma instância de autolegislação e o juiz deve, escrupulosamente, buscar a intenção legislativa (ou reconstruí-la na medida em que a real intenção é difícil de discernir) por trás dele no curso estipulação de seu significado. Ele deve ser entendido como produto da ordinária e rotineira política majoritarista e distinguido da mera política se acentuando seu potencial para a estabilidade e previsibilidade. (ROSENFELD, 1998, p. 250, tradução nossa).96

Feita a exposição do funcionamento da justiça como reciprocidade reversível,

Rosenfeld passa a examinar seus limites. Para isso, ele utiliza o exemplo de uma

sociedade composta de duas comunidades religiosas diametralmente opostas não

somente quanto ao dogma religioso, mas também em todas as matérias

significativas de economia, sociedade e política considerando que nenhuma dessas

duas religiões defende a erradicação da outra. Nesse caso, a seu ver, nenhum dos

métodos da justiça como reciprocidade reversível é capaz de atingir resultados

compatíveis com o pluralismo abrangente. Dessa forma, no entendimento de

96 Laws emerging from a majoritarian process ought to be treated as instances of self-legislation, and the adjudicator should scrupulously track the legislative intent (or reconstruct it to the extent that the actual intent is difficult to discern) behind them in the course of articulating their meaning. (…) laws (…) are best reconstructed as the products of ordinary everyday majoritarian politics, and distinguished from mere politics by stressing their potential for stability and predictability.

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Rosenfeld (1998, p. 254), a única maneira de resolver o conflito é tomar medidas

para que nenhum dos grupos ganhe o controle sobre o campo das relações

intracomunitárias.

Isso se segue da própria lógica do pluralismo abrangente, porque qualquer outra solução iria resultar em subordinação de uma perspectiva de primeira ordem em favor de outra. (...) Mesmo se nossa religião minoritária contar com apenas um aderente, o pluralismo abrangente ainda reclamaria pela recusa em regular as relações intracomunitárias em conformidade com os ditados de qualquer das duas religiões. (ROSENFELD, 1998, p. 254, tradução nossa).97

5 . 5 e O pluralismo abrangente e a transformação interna dos grupos

Para Rosenfeld (1998, p. 257), dentro da dialética do pluralismo abrangente,

abertura para a perspectiva de cada um possibilita uma transformação interna dos

grupos de maneira que se tornem mais aptos a forjar caminhos mutuamente

aceitáveis sem ter que abandonar suas diferenças. Nesse processo, quando a

sociedade aceita o diferente, ela abre espaço para direitos dele de modo que ele

possa exercitar suas diferenças recém-aceitas livremente (ROSENFELD, 1998, p.

257-260). Entretanto, Rosenfeld (1998, p. 260) adverte que os defensores de uma

mudança estão propensos a desencadear transformações que não buscam e que

eles podem até temer, pois podem inconscientemente desestabilizar significados

estabelecidos de maneira que frustrem sua própria luta por inclusão.

Com o ensejo de tornar a aplicação do critério de justiça como reciprocidade

reversível mais manejável, Rosenfeld (1998, p. 262) introduz uma distinção entre a

exclusão do sujeito e a exclusão dos benefícios (ou danos). Para Rosenfeld (1998,

p. 265), todos os direitos classificam, e, conseqüentemente, beneficiam ou

prejudicam apenas certos membros de determinados grupos. Quando um

determinado conjunto de pessoas é prejudicado por uma norma, estamos diante de

uma exclusão de benefício que não é necessariamente injusta (ROSENFELD, 1998,

97 This follows from the very logic of comprehensive pluralism, for any other solution would result in subordination of one first-order perspective to another (…) Even if our minority religion counted with but a single adherent, comprehensive pluralism would still call for refusing to regulate intercommunal dealings in conformity with the dictates of either of the two religions.

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p. 265). Entretanto, quando essa exclusão de sujeitos implica em uma exclusão da

qualidade de membro da comunidade, ou, em outras palavras, a exclusão da

mesma qualidade de membro na sociedade, isso faz com que a exclusão de

benefício seja incompatível com o igual valor dos diversos (ROSENFELD, 1998, p.

265). Cabe salientar que:

Não são todas as mudanças na igual qualidade de membro de uma sociedade que envolvem necessariamente violações do princípio do igual valor. Por exemplo, pelo menos argumentativamente, negar aos estrangeiros que permanecem por curto espaço de tempo o direito pleno ao voto não significa uma violação dos seus direitos ao igual valor. Por outro lado, negar às mulheres pleno direito ao voto iria obviamente ser contrário à sustentação do igual valor. (ROSENFELD, 1998, p. 265, tradução nossa).98

Rosenfeld (1998, p. 265), então, distingue dois tipos de exclusão do sujeito, a

propriamente dita e a exclusão comparativa do sujeito. A primeira inclui a pura e

simples negação a qualidade de membro da comunidade e exclusões de benefício

envolvendo um bem primário/valor primário (ROSENFELD, 1998, p. 265). A

comparativa envolve uma exclusão de benefício que resulta em exclusão de alguns

por causa das condições específicas em que se encontram gerando meios indiretos

de alcançar uma exclusão do sujeito (ROSENFELD, 1998, p. 265). Para

exemplificar, Rosenfeld (1998, p. 265) cita o exemplo de uma sociedade na qual se

pretenda acabar com o ensino público. Se a sociedade for rica e todos tiverem

condições de arcar com os custos educacionais, estaremos diante de uma mera

exclusão de beneficio o mesmo ocorreria ainda que esse corte afetasse apenas os

mais ricos, ainda assim não haveria exclusão de sujeitos o (ROSENFELD, 1998, p.

265- 266). Mas, em sua visão, se apenas uma minoria étnica perseguida tivesse o

ensino publico negado, então:

Isso resultaria em uma exclusão do sujeito – ou, mas especificamente a uma comparativa exclusão dos sujeitos uma vez que é o fato de serem destacados para um tratamento diferente do reservado aos outros que estão situados em condição similar, ao invés de uma exclusão de benefício por si mesma, o que resulta em prejuízo para o igual valor (dos diferentes). De um ponto de vista interpretativo, exclusões de sujeitos per se podem ser eliminadas através da implementação do critério da mera reciprocidade. Da mesma forma que algumas exclusões comparativas de sujeitos, como, por exemplo, aquelas baseadas na discriminação racial. Mas outras não podem

98 Not all departures from equal membership in the polity necessarily involve violations of the equal worth principle. For example, at least arguably, denying short-term foreign transients full voting rights does not amount to a violation of their right to equal worth. On the other hand, denying women full voting rights would obviously be contrary to upholding their equal worth.

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ser assim eliminadas, também não se pode esclarecê-las através da implementação da inversão de perspectivas de acordo com a justiça enquanto reciprocidade reversível. Assim, o exemplo (...) da eutanásia mostra se enquadrar dentro do último padrão. Na verdade, o conflito entre os defensores e opositores da eutanásia não pode ser resolvido no nível da mera reciprocidade já que eles reconhecem mutuamente um ao outro como possuidores de uma perspectiva e nenhum deles está inclinado a eliminar ou suprimir a perspectiva do outro, mas somente estão determinados a buscar sua própria concepção do bem em uma justa e aberta competição. Como vimos, o conflito também não pode ser resolvido, pelo menos no que se refere a valores preferência, apelando para a justiça enquanto reciprocidade reversível uma vez que os protagonistas de ambos os lados em conflito alcançam valores primários. (ROSENFELD, 1998, p. 266, tradução nossa).99

Considerando que a justiça enquanto reciprocidade reversível não foi capaz

de estabilizar o assunto, ele conclui que há um impasse: “nem a perspectiva dos

proponentes da eutanásia deve prevalecer a expensas de seus oponentes, nem,

inversamente, os últimos devem ser prejudicados a expensas dos primeiros”

(ROSENFELD, 1998, p. 266, tradução nossa).100 Diante disso, Rosenfeld sugere

que o juiz deve superar o aparente impasse através do embasamento na distinção

entre exclusão do benefício e comparativa exclusão do benefício se baseando em

valores compartilhados igualmente por defensores e opositores da eutanásia, e na

assimetria entre as respectivas posições. Nesse caso, se a visão dos defensores da

eutanásia for adotada na legislação da sociedade como um todo, os opositores da

eutanásia ainda podem reclamar seus valores primários intracomunitariamente

embora estejam proibidos de fazer isso intercomunitariamente (ROSENFELD, 1998,

p. 267). “Por outro lado, se a eutanásia é considerada ilegal, seus defensores serão

proibidos de implementar seus valores primários mesmo dentro dos limites de sua

99 (It) would be tantamount to subject-exclusion – or, more specifically, to comparative subject-exclusion – inasmuch as it is the fact of being singled out for different treatment than that reserved for others who are similarly situated, rather than the benefit-exclusion itself, which results in the denial of equal worth. From an interpretive standpoint, per se subject-exclusions can be weeded out through implementation of the mere reciprocity criterion. And so can some comparative subject-exclusions, such as, for example, those based on racial discrimination. But others cannot be thus eliminated, nor can they be brought to light through implementation of the reversal of perspectives in accordance with justice as reversible reciprocity. Moreover, the (…) example concerning euthanasia appears to fit within the latter pattern. Indeed, the conflict between proponents and opponents of euthanasia cannot be resolved at the level of mere reciprocity as they mutually recognize each other as possessors of a perspective, and as neither of them are bent on eliminating or suppressing the perspective of the other but are only determined to pursue their own conception of the good in a fair and open competition. Also, as we have seen, the conflict cannot be resolved at least with respect to value preferences by appealing to justice as reversible reciprocity since protagonists on both sides of the conflict advance primary values. 100 Either the perspective of the proponents of euthanasia must prevail at the expense of that of its opponents or, conversely, the latter must be vindicated at the expense of the former.

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própria comunidade” (ROSENFELD, 1998, p. 267, tradução nossa) 101. Assim

Rosenfeld (1998, p. 267) conclui que, nessas circunstâncias, parece justo

caracterizar a frustração dos objetivos dos oponentes da eutanásia como uma

exclusão de benefício e a frustração dos objetivos dos defensores da eutanásia

como, em comparação, resultando em uma exclusão dos sujeitos de modo que a

solução para a questão, de acordo com o pluralismo abrangente, residiria na

autorização da eutanásia.

Continuando a tarefa de testar o pluralismo abrangente, Rosenfeld passa a se

debruçar sobre o aborto enquanto desafio interpretativo. Primeiramente, ele exclui a

possibilidade de considerações religiosas ou metafísicas por serem incompatíveis

com o pluralismo abrangente (ROSENFELD, 1998, p. 269). Então, ao analisar os

pontos de vista seculares, ele ressalta que os opositores do aborto firmam que os

fetos devem ser considerados como pessoas de pontos de vista éticos,

constitucionais e jurídicos e que, conseqüentemente, o aborto é inadmissível como

violador das exigências mínimas da mera reciprocidade (ROSENFELD, 1998, p.

269-270). Por outro lado, Rosenfeld (1998, p. 270) declara que os opositores

seculares do aborto argumentam que a personalidade surge com o nascimento e a

proibição do aborto significa a negação do igual valor das mulheres e reforçam a

argumentação afirmando que a proibição do aborto resultaria na desconsideração da

perspectiva daqueles que vêem o direito ao aborto como essencial para que alguém

possa manter o controle sobre seu próprio corpo e destino.

Rosenfeld (1998, p. 270) entende que não é interpretativamente coerente

acatar a sugestão de Dworkin que afirma que o estado não deve favorecer nem os

defensores nem os opositores do aborto e remover do tema da agenda da esfera

pública intercomunitária, pois, de um ponto de vista prático, a proibição da

intervenção do estado é equivalente a uma determinação constitucional contra o

banimento dos abortos e resulta em uma clara vitória para os defensores do aborto.

Assim, Rosenfeld chega à conclusão de que não há solução prima facie para o caso:

O aborto leva o pluralismo abrangente ao limite, porque ele não pode ser confinado dentro de um campo de normas de primeira ordem. Inevitavelmente, na medida em que cria a questão de se a personalidade deve ser estendida até atingir o feto nascituro em bases indiscutivelmente exclusivamente seculares, o aborto dispara assuntos normativos de

101 On the other hand, if euthanasia becomes illegal, its proponents will be prohibited from implementing their primary values even within the limits of their own community.

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segunda ordem. Especificamente, o aborto problematiza a questão da qualidade de membro dentro da sociedade que é uma questão crítica sobre a qual todo o edifício do pluralismo abrangente se baseia. Na verdade, como notado anteriormente, o objetivo máximo do pluralismo abrangente é levar a melhor reconciliação possível entre os diferentes grupos de maneira a minimizar a violência e a subordinação. Por isso, a integridade do pluralismo abrangente depende de evitar tendenciosidades em determinar quem deve contar como sujeito para os propósitos de implementar normas de segunda ordem e, de um acordo com a igual consideração de todas as perspectivas de primeira ordem que tenham algum defensor na sociedade. Ademais, o requisito de integridade depende indiscutivelmente da determinação de que cada pessoa – entendida em termos gerais como englobando indivíduos e grupos comunitários – dentro da sociedade se qualifica como um sujeito. Mas, desde que a personalidade se torna contestada, e especificamente se aqueles envolvidos chegam a concepções de personalidade caracterizadas por perspectivas especificas de primeira ordem, a integridade do pluralismo abrangente se torna comprometida severamente e até mesmo de maneira potencialmente fatal. Porque, se os defensores de uma perspectiva de primeira ordem podem impor um critério para a qualidade de membro dentro de um espaço normativo executado pela sociedade, eles passam a ter o poder de subordinar ou excluir as outras perspectivas de primeira ordem e assim minar os preceitos fundamentais do pluralismo abrangente. Na medida em que o conflito sobre o aborto se volta para os limites seculares plausíveis da personalidade, o pluralismo abrangente não pode alcançar sua solução. (ROSENFELD, 1998, p. 272, tradução nossa).102

Como o pluralismo abrangente não pode responder se a personalidade deve

ser estendida ao feto ou não, Rosenfeld (1998, p. 272-273) argumenta que ele

começa seu trabalho somente depois que a decisão sobre a extensão da

personalidade ao feto foi tomada. Apesar disso, ele declara que há, pelo menos,

duas tarefas interpretativas que estão ao alcance do juiz que trabalha de acordo com

os limites do pluralismo abrangente. A primeira delas é excluir os argumentos

102 Abortion drives comprehensive pluralism to the limit, because it cannot be confined within the realm of first-order norms. inevitably, to the extent that it raises the question of whether personhood ought to be extended back to cover the unborn fetus on grounds that are arguably exclusively secular, abortion triggers second-order normative issues. Specifically, abortion problematizes the question of membership within the polity, which is a critical question on which the entire edifice of comprehensive pluralism rests. Indeed, as noted already, the chief objective of comprehensive pluralism is to lead to the best possible reconciliation between self and other in ways that minimize violence and subordination. Because of this, the integrity of comprehensive pluralism hinges on avoiding bias in determining who shall count as a self for purposes of implementing second-order norms and of according equal consideration to all first-order perspectives that happen to have a proponent within the polity. Moreover, the requisite integrity arguably depends on the determination that every person-understood broadly as encompassing individuals and communal groups-within the polity qualifies as a self. But as soon as personhood becomes contested, and especially if those involved advance conceptions of personhood predicated on particular first-order perspectives, the integrity of comprehensive pluralism becomes severely and even potentially fatally compromised. For if proponents of a first-order perspective can impose criteria for membership within the normative space carved out for the polity, they become empowered to subordinate or exclude other first-order perspectives and thus undermine the fundamental precepts of comprehensive pluralism. To the extent that the conflict on abortion turns on the plausible secular limits of personhood, comprehensive pluralism cannot advance its resolution.

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religiosos sobre o tema; a segunda é explorar em que medida as divisões podem ser

plausivelmente reformuladas (ROSENFELD, 1998, p. 273).

Rosenfeld (1998, p. 273) entende que é necessário separar os

embasamentos religiosos dos seculares sobre o aborto porque somente os últimos

tem conseqüências normativas de segunda ordem.

“Na medida em que o pluralismo abrangente recusa-se a basear seu universo normativo em fundações metafísicas, somente as considerações seculares devem ser levadas em conta com o propósito de determinar o escopo das normas de segunda ordem.” (ROSENFELD, 1998, p. 273, tradução nossa) 103

Por outro lado, Rosenfeld (1998, p. 274) argumenta que o juiz deve esforçar-

se para assegurar que os defensores de uma perspectiva sejam capazes, tanto

quanto possível, de atuar de acordo com suas convicções sobre o aborto dentro de

suas próprias comunidades.

De qualquer forma, independente do ponto de vista a ser adotado a respeito

da legalidade ou não do aborto, Rosenfeld (1998, p. 274) afirma que o juiz não

poderá condenar a o aborto no caso de risco para a vida da mulher, pois, nem a

mera reciprocidade nem a justiça como reciprocidade reversível exigem o sacrifício

da vida de alguém em prol de outrem.

Rosenfeld (1998, p. 267-268) levanta que, embora algumas soluções

alcançadas pelo pluralismo abrangente possam ser similares ou mesmo idênticas

aqueles derivadas de concepções monísticas do bem, como o liberalismo, nem

sempre isso ocorrerá. “As soluções sob o pluralismo abrangente são dependentes

do contexto e, logo, se voltam para as contingências específicas envolvidas de

maneiras que soluções monísticas não fazem.” (ROSENFELD, 1998, p. 268,

tradução nossa) 104

Por outro lado, Rosenfeld (1998, p. 268) argumenta que as soluções sob o

pluralismo normativo também diferem das do relativismo já que nesse último

contextualiza por completo as decisões enquanto no pluralismo abrangente elas são

103 Because of comprehensive pluralism's refusal to ground its normative universe on metaphysical foundations, only secular considerations may be taken into account for purposes of determining the scope of second-order norms. 104 solutions under comprehensive pluralism are context dependent and hence turn on the particular contingencies involved in ways that monistic solutions do not

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contextualizadas somente na medida em que coerentes com os moldes forjados

pelo pluralismo abrangente.

Em última análise, a jornada interpretativa planejada pelo pluralismo abrangente é caracterizada pelo processamento de um fluxo eternamente mutante de influências contingentes através de um modelo estável e definido de maneira completamente acertada. (...) O intercâmbio entre os fatores contingentes e o molde estável criado pelo pluralismo abrangente mais provavelmente iria resultar em uma pequena gama de caminhos semanticamente legítimos abertos ou fechados, reduzindo assim, em grande parte, o número de soluções potencialmente aceitáveis. Ademais, embora os meios mudem constantemente sob o pluralismo abrangente, essas mudanças são prováveis de, ao mesmo tempo, incrementar e limitar quando consideradas nos termos da passagem de um momento para o seguinte. Por isso, um juiz consciencioso suporta apenas um risco relativamente pequeno de ser involuntariamente desviado. (ROSENFELD, 1998, p. 268-269, tradução nossa).105

Para Rosenfeld (1998, p. 274), Os conflitos podem ser neutralizados de, pelo

menos, duas maneiras: pela esquiva ou pelo desenvolvimento de compreensão e

empatia crescentes e o pluralismo utiliza ambas as estratégias. Contudo, a esquiva

tem duas facetas distintas: ela pode ser o único meio de evitar a destruição mútua

de grupos antagônicos ou, quando em excesso, tende a reduzir as relações

intercomunitárias e a incentivar que as pessoas se fechem dentro dos muros da

própria comunidade levando a um excesso de precaução e indiferença nos

relacionamentos intercomunitários remanescentes (ROSENFELD, 1998, p. 274-

275). Por isso, para Rosenfeld (1998, p. 275), é preciso buscar vias interpretativas

que reduzam o apoio na esquiva ao mínimo necessário e que enfatizem o desejo e o

potencial de diversidade tanto quanto possível.

5 . 6 e Comentários sobre a interpretação justa

105 In the last analysis, the interpretive enterprise charted by comprehensive pluralism is characterized by the processing of an ever-changing flow of contingent inputs through a steady and fairly thoroughly defined mold. (…) The interplay between contingent factors and the enduring mold carved out by comprehensive pluralism will most likely yield a narrow range of legitimate semantic path openings and path closings, hence greatly reducing the number of potentially acceptable solutions. Accordingly, although meanings constantly change under comprehensive pluralism, such changes are likely to be both incremental and limited when gauged in terms of the passage from one moment to the next. Because of this, the conscientious adjudicator bears but a relatively small risk of being unwittingly led astray.

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No último capítulo do livro Just Interpretations, Michel Rosenfeld (1998, p.

276) afirma que nas sociedades pluralistas de fato a desestabilização e a

problematização dos significados tem como principal fonte o conflito entre

concepções concorrentes do bem que ocorreu por causa da ausência de uma

convicção metafísica e da perda de confiança na razão e na inevitabilidade do

progresso. Assim, “a sociedade pós-moderna experimentou uma aparentemente

insuperável divisão entre a justiça de acordo com o direito e a justiça além do

direito.” (ROSENFELD, 1998, p. 276, tradução nossa).106 Desse modo, Rosenfeld

(1998, p. 276) afirma que a desestabilização dos significados jurídicos está

intimamente relacionada com o destacamento do direito de suas origens normativas

tradicionais. Como conseqüência disso, na opinião de Rosenfeld (1998, p. 276), o

direito perde sua aura de autoridade e legitimidade e parece se tornar puramente

político em decorrência da fragmentação de sua base ética. Sob essas condições, a

interpretação jurídica parece ter se tornado uma fonte de ansiedade e incerteza e a

desconstrução aparenta ser a principal culpada pela indeterminação do conjunto dos

significados jurídicos porque o destacamento dos significados aparentemente

estáveis faz com que as possibilidades de interpretações plausíveis se multipliquem,

mas falhem em fornecer qualquer conforto porque deixam matérias cada vez mais

desarranjadas (ROSENFELD, 1998, p. 276). Dessa maneira, Rosenfeld (1998, p.

276) entende não haver surpresa no fato de que os esforços para resolver a crise

contemporânea na interpretação tenham conduzido ao retorno ao formalismo e

propiciado várias tentativas diferentes de reinstalar a autoridade do direito

estabelecendo um fim para a interpretação.

Contudo, nem o formalismo nem o fim da interpretação podem, em última análise, fornecer uma solução viável e legitima para a crise contemporânea na interpretação. Como nossa investigação revelou, como eles buscam superar o pluralismo e transcender o elemento subjetivo na interpretação como meios de superar essa crise, todos os esforços para alcançar uma solução satisfatória estão fadados a terminar em frustração. Contrariamente às expectativas, é somente aceitando o pluralismo e reconhecendo que é impossível alcançar interpretações objetivas, ou a algum fundamento neutro e objetivo baseado em algum lugar além da interpretação, que podemos trabalhar em nosso próprio caminho para fora dessa crise. Mais precisamente, não é somente aceitando o fato do pluralismo, mas também adotando o pluralismo abrangente como um imperativo normativo, e percebendo que a interpretação é, em última análise, nem puramente

106 The postmodern polity has experienced a seemingly insurmountable split between justice according to law and justice beyond law.

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subjetiva nem objetiva, mas intersubjetiva como o produto conjunto dos diversos que o caminho a redescobrir para a crise pode ser localizado. O pluralismo, compreendido em termos gerais, é então, ao mesmo tempo, fonte da crise na interpretação e a chave para sua solução. Ademais, a desconstrução, que aparece primeiramente como sinônimo da desestabilização dos significados, exerce, de fato, um papel principal no processo de recuperação do significado sob as condições pós-modernas. Na verdade, a desconstrução entendida em um amplo sentido ontológico e ético ao invés de um sentido metodológico restrito, não é redutível a oposição absoluta da construção ou reconstrução. Ao invés disso, quando considerada adequadamente, a desconstrução e a reconstrução representam os dois lados da mesma moeda. Eles complementam-se um ao outro guiando a sociedade de significados obsoletos arraigados derivados de visões metafísicas descartadas, clareando então o caminho para elaboração de significados intersubjetivamente negociados focados em diminuir o vão entre os diferentes. (ROSENFELD, 1998, p. 276-277, tradução nossa). 107

Dessa forma, o pluralismo abrangente transforma o fato do pluralismo em um

imperativo normativo, enquanto a justiça abrangente transforma a impossibilidade da

justiça no ponto de partida para um interminável desafio por uma melhor, ainda que

imperfeita, justiça pós-metafísica (ROSENFELD, 1998, p. 277). Por isso, Rosenfeld

(1998, p. 277) entende que a consciência da impossibilidade da justiça deve ser

atrelada a um compromisso para com a ética do pluralismo abrangente. Além disso,

ele acrescenta que é preciso ter em mente que a justiça de acordo com o direito não

pode nem ser completamente separada nem completamente reconciliada com a

justiça além do direito para não cair na tentação pós-moderna de outorgar

autonomia à justiça de acordo com o direito. Assim, no contexto do pluralismo

abrangente, há espaço para interpretações justas, mas não para algo além da

interpretação (ROSENFELD, 1998, p. 277). 107 Neither formalism nor the end of interpretation, however, can ultimately furnish a viable and legitimate solution to the contemporary crisis in interpretation. As our inquiry has revealed, so long as one looks to overcoming pluralism and to transcending the subjective element in interpretation as the means to overcome this crisis, all efforts to reach a satisfactory solution are bound to end in frustration. Contrary to expectations, it is only by accepting pluralism and by acknowledging that it is impossible to arrive at objective interpretations, or at some neutral and objective ground lying somewhere beyond interpretation, that we can work our way out of this crisis. More precisely , it is not only by accepting the fact of pluralism but also by embracing comprehensive pluralism as normative imperative, and by realizing that interpretation is ultimately neither purely subjective nor objective but inter subjective as the joint product of self and other, that the path to recovery from the crisis cam be located. Pluralism, understood broadly, is thus both the source of the crisis in interpretation and the key to its solution. Moreover, deconstruction, which seems at first synonymous with the destabilization of meaning, in fact plays a key role in the process of recovering meaning under postmodern conditions. Indeed, deconstruction, understood in its broader ontological and ethical sense rather than in its narrowest purely methodological sense, is not reducible to the absolute opposite of construction or reconstruction. Instead, when properly considered, deconstruction and reconstruction make up the two sides of the same coin. They complement one another in ridding the polity of obsolete entrenched meanings derived from discarded metaphysical visions, thus clearing the way for the elaboration of intersubjectively negotiated meanings aimed at narrowing the gap between self and other.

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Em outras palavras, dentro do universo delimitado pelo pluralismo abrangente, os dois sentidos de “just interpretations” (interpretações justas e apenas interpretações) convergem. Porque não há nada atrás ou além da interpretação, “just interpretations” - no sentido de que interpretações corretas – são, em última análise não mais do que “just interpretations” – no sentido de meras interpretações. Na verdade, na falta de um campo metafísico além daquele de nossa existência diária e de uma realidade objetiva por trás do plano de nossos relacionamentos intersubjetivos com os outros, a interação entre os diversos é através da interpretação e a melhor reconciliação possível entre os antagonistas é através da melhor interpretação possível. Em suma, todos os significados intersubjetivos são derivados da interpretação, e o direito, a ética, e a política, através dos quais os grupos buscam criar o melhor de suas características comuns, são, no fundo, apenas interpretação. Ao final, o melhor que podemos fazer é buscar a justiça que depende da interpretação. Isso pode não parecer muito, mas é tudo. (ROSENFELD, 1998, p. 277-278, tradução nossa).108

108 In other words, within the universe delimited by comprehensive pluralism, the two senses of just interpretations converge. Because there is nothing behind or beyond interpretation, just interpretations - in the sense of the right interpretations - are ultimately no more than just interpretations - in the sense of mere interpretations. Indeed, in the absence of a metaphysical realm beyond that of our daily existence, and of an objective reality behind the plane of our intersubjective dealings with others, interaction between self and other is through interpretation, and the optimal possible reconciliation between self and other through the best possible interpretation. In sum, all intersubjective meaning is derived from interpretation, and law, ethics, and politics, through which self and other seek to make the best of their common predicament, are at bottom but interpretation. At the end, the best we can do is to aim at a justice that depends on interpretation. That may not seem to be much, but it is everything.

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6 A IDENTIDADE DO SUJEITO CONSTITUCIONAL

6.1 e A identidade do indivíduo e a identidade constitucional

Rosenfeld (2003, p. 21) deixa claro, já no início do livro “A Identidade do

Sujeito Constitucional” que, para ele, o constitucionalismo só faz muito sentido

quando há pluralismo de fato, pois uma comunidade completamente homogênea e

sem uma concepção de que o individuo tem algum direito legitimo ou interesse

distinto da comunidade o constitucionalismo seria supérfluo.

A busca dos valores centrais incrustados no constitucionalismo só faz sentido em relação a contextos sociopolíticos que possam ser construídos como girando ao redor dos dois pólos opostos da identidade e diversidade, ou diferença. Na verdade, sem certa identidade predominante, como aquela da nação soberana, ou do eu constitucional, é difícil imaginar como se pode justificar a imposição de uma ordem constitucional. Em contraste, se um contexto sociopolítico for tão homogêneo que faltem diferenças suscetíveis de se tornarem implicadas em conflitos políticos, parecerá não haver necessidade de impor a espécie de limite usualmente associada ao constitucionalismo. (ROSENFELD, 1994, p. 4, tradução nossa)109

Assim, Rosenfeld (2003, p. 20-21) compreende que é inevitável o confronto

entre a identidade constitucional e outras identidades relevantes, como a nacional,

as étnicas, religiosas ou culturais, devido à tensão entre o pluralismo inerente ao

constitucionalismo contemporâneo e a tradição. Nesse contexto, ele concebe que a

identidade constitucional deve permanecer distinta e oposta a outras identidades,

mas é forçada a incorporá-las parcialmente para adquirir sentido suficientemente

determinado ou determinável (ROSENFELD, 2003, p. 22). Ela precisa se distanciar

o suficiente das outras identidades para forjar sua própria imagem, enquanto, ao

109 The pursuit of the central values embodied in constitutionalism only makes sense in relation to sociopolitical settings that can be construed as revolving around the two opposite poles of identity, and diversity or difference. Indeed, without some predominant identity, such as that of the sovereign nation or of the constitutional self, it is difficult to imagine how one could justify the imposition of a constitutional order. In contrast, if a sociopolitical setting were so homogeneous as to lack differences susceptible to becoming implicated in political conflicts, there would appear to be no need for imposing the kind of constraints usually associated with constitutionalism.

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mesmo tempo, incorpora elementos delas o suficiente para continuar viável

(ROSENFELD, 2003, p. 23). Assim:

Encontramos um hiato, um vazio, no lugar em que buscamos uma fonte última de legitimidade e autoridade para a ordem constitucional. Além do mais, o sujeito constitucional deve ser considerado como um hiato ou uma ausência em pelo menos dois sentidos distintos: primeiramente, a ausência do sujeito constitucional não nega o seu caráter indispensável, daí a necessidade de sua reconstrução; e, em segundo lugar, o sujeito constitucional sempre envolve um hiato porque ele é inerentemente incompleto, e então sempre aberto a uma necessária, mas impossível, busca de completude. Conseqüentemente, o sujeito constitucional encontra-se constantemente carente de reconstrução, mas essa reconstrução jamais pode se tornar definitiva ou completa. (ROSENFELD, 2003, p. 26)

Diante dessa afirmação, Rosenfeld traça um paralelo entre a identidade do

sujeito constitucional e a formação da identidade no ser humano. Ele lembra que,

segundo a fenomenologia de Hegel, o eu tem que compreender que a via para a

realização de sua identidade não passa pelos objetos do desejo, mas volta-se para o

outro em busca de reconhecimento (HEGEL Apud ROSENFELD, 2003, p. 31). Para

adquirir uma identidade como sujeito, a criança deve abandonar o mundo dos

objetos e entrar na ordem simbólica da linguagem, pois somente por meio dela a

criança pode afirmar a sua identidade como sujeito (HEGEL Apud ROSENFELD,

2003, p. 33). “Mas a linguagem e as regras que a organizam em um sistema de

comunicação são impostas "externamente", "de fora", em relação à criança. Assim, a

linguagem aliena a criança ao torná-la submissa a um código imposto por outros.”

(HEGEL Apud ROSENFELD, 2003, p. 33). De modo semelhante, na visão de

Rosenfeld (2003, p. 33), para adquirir o próprio modo de ser nesse universo, o bebê

primeiramente adquire um sentido de identidade mediante o reconhecimento de seu

nome que também lhe é dado por outrem. Dessa forma, Rosenfeld (2003, p. 34)

entende que a assimilação da identidade implica em uma alienação na medida em

que a auto-identificação implica na aquiescência em se deixar identificar como um

símbolo no discurso do outro através do nome. Em ambos os casos, o sujeito

emerge como a conseqüência de uma carência e requer a mediação para alcançar a

identidade cuja busca prova-se alienante porque que resulta de uma inesperada

sujeição do eu ao outro (ROSENFELD, 2003, p. 34).

Rosenfeld entende que um autêntico eu constitucional não pode impor a sua

vontade eliminando ou desconsiderando o outro, pois “a imposição irrestrita da

vontade revolucionária não conduz ao constitucionalismo, mas ao reinado do

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Terror.” (ROSENFELD, 2003, p. 35-36). Assim, de acordo com Rosenfeld (2003, p.

36), para articular o constitucionalismo com o pluralismo, os constituintes devem

forjar uma identidade que transcenda os limites de sua própria subjetividade. Nesse

contexto, a elaboração da Constituição é uma tentativa de preencher o vazio que

separa a auto-imagem própria dos constituintes daquela da comunidade política

constitucional pluralista (ROSENFELD, 2003, p. 36). A Constituição busca envolver

os diferentes através de um texto constitucional compartilhado que não se identifica

com a linguagem de qualquer deles e atua como uma língua estrangeira, alienando

todos os que devem aprender como usá-la (ROSENFELD, 2003, p. 36). Dessa

forma, o sujeito constitucional, motivado pela necessidade de superar a sua carência

e incompletude, precisa recorrer ao discurso constitucional para inventar e reinventar

a sua identidade construindo uma narrativa coerente (ROSENFELD, 2003, p. 40).

6.2e A posição do sujeito constitucional e a necessidade de reconstrução

Para Rosenfeld (2003, p. 43), devido ao nosso ponto de vista limitado, não

podemos ver o "eu" constitucional de que somos parte, por isso, somos obrigados a

imaginá-lo. No entanto, ele entende que como o sujeito constitucional ideal não é

limitado pela realidade, sua construção e reconstrução se tornam ferramentas

perigosas (ROSENFELD, 2003, p. 43). Assim, para que uma determinada teoria

reconstrutiva seja adequada e legitimamente usada é preciso que se avalie seu

mérito através da checagem da lógica e do grau de persuasão com que ela compara

o real e o ideal, ou o factual e a imaginação contrafactual (ROSENFELD, 2003, p.

44). Nesse contexto, de acordo com Rosenfeld (2003, p. 46), a tarefa da

reconstrução é harmonizar os novos elementos que surgem das modificações da

Constituição com os já existentes ou recombinar todos os elementos envolvidos em

um quadro inteligível quando os novos elementos rompem com as relações

anteriores.

Rosenfeld explicita melhor o funcionamento desses mecanismos se apoiando

em Dworkin que afirma que a interpretação jurídica deve considerar o direito de cada

pessoa a igual respeito e dignidade (DWORKIN Apud ROSENFELD, 2003, p. 46).

Por isso, no entender desses autores, a reconstrução é submetida aos limites

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normativos inerentes ao constitucionalismo que são: o compromisso com o princípio

do governo limitado, a adoção do princípio do Estado de Direito e a proteção dos

direitos fundamentais, pois promovem o mútuo reconhecimento e mantêm eu e outro

no mesmo patamar de dignidade (DWORKIN Apud ROSENFELD, 2003, p. 47).

A limitação do poder dos governantes implica, especificamente, no reconhecimento e em consideração pela dignidade dos governados. A adesão ao estado de direito, entendido como a igualdade perante e sob o Direito, promove, da mesma maneira, o respeito entre o eu e o outro. A mesma coisa pode ser dita sobre a proteção dos direitos fundamentais. (ROSENFELD, 2003, p. 47)

6.e3 e O Discurso Constitucional: A negação, a metáfora e a metonímia

Para Rosenfeldb(2003, p. 49-50), o discurso constitucional sempre se utiliza

do mesmo instrumental básico: a negação, a metáfora e a metonímia. Assim, a

formação da identidade do sujeito constitucional pode ser reconstruída como um

processo de três estágios da mesma forma que a lógica dialética do sujeito de Hegel

(ROSENFELD, 2003, p. 52).

No primeiro estágio, ela é a pura negação porque o sujeito constitucional

adquire uma identidade diferenciada, distinta, mediante a negação daquilo que lhe

antecede, um mero produto das identidades cultural, histórica, étnica ou religiosa

vigentes que podemos chamar de sujeito pré-constitucional (ROSENFELD, 2003, p.

52). Dessa forma, “o sujeito constitucional experiencia a si próprio como uma

ausência, uma carência, um hiato e, conseqüentemente, aspira preencher esse seu

vazio” (ROSENFELD, 2003, p. 52-53) e desenvolver uma identidade positiva que

busque preencher essa lacuna.

O segundo estágio, de acordo com Rosenfeld (2003, p. 53), busca uma

identidade positiva que só se torna possível quando se recorre às mesmas

identidades descartadas no primeiro estágio através de uma incorporação seletiva

que aproveita somente as tradições capazes de servir aos interesses do

constitucionalismo.

A lógica que se encontra subjacente ao desenvolvimento do sujeito constitucional é análoga à que informa a implantação do pluralismo como

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uma concepção abrangente do bem.110Assim, um rápido exame dos dois primeiros momentos lógicos do pluralismo nos possibilitará um exemplo mais vívido da transição do sujeito constitucional do primeiro para o segundo estágio. Em termos mais amplos, o pluralismo busca promover a maior diversidade possível de concepções de bem como meio para a maximização da autonomia e dignidade humanas. Desse modo, o primeiro estágio do pluralismo deve ser um momento negativo, no qual ele nega exclusividade ou predomínio a todas as concepções concorrentes de bem (exceto, é claro, a do próprio pluralismo). (...) Para evitar a autodestruição, o pluralismo precisa, portanto, suplementar o seu momento negativo com um positivo, no qual as concepções excluídas de bem são readmitidas no universo pluralista. Mas as concepções readmitidas não mais podem ocupar a mesma posição, que tinham anteriormente à sua expulsão. (ROSENFELD, 2003, p. 54)

Finalmente, a evolução dialética do sujeito constitucional requer ainda a

negação da negação - ou, em outros termos, a negação da proposição segundo a

qual a busca da identidade envolve a perda da subjetividade (ROSENFELD, 2003, p.

56).

O trabalho da negação da negação encontra-se completo quando o sujeito constitucional compreende que, embora o material bruto que figura em sua identidade positiva se origine do mundo objetivo exterior, sua seleção, combinação, organização e emprego em um todo coerente é o produto de sua própria obra, o resultado de seu próprio trabalho, de seus próprios esforços na luta por uma identidade distinta. Aqui, novamente, a analogia com o pluralismo revela-se instrutiva. Como nos recordamos, em seu momento positivo o pluralismo deve reincorporar as concepções de bem anteriormente excluídas em seu momento negativo. Mas quais dessas concepções de bem deverão ser reincorporadas, e em qual medida, é algo que é determinado pelos critérios normativos impostos pelo pluralismo, tornando claro, assim, que a tolerância do pluralismo das diversas concepções de bem resulta de uma posição ativa e não de uma postura passiva. Do mesmo modo, a construção pelo sujeito constitucional de sua identidade positiva não pode ser completada sem que o material bruto originariamente externo à esfera constitucional seja submetido aos limites normativos prescritos pelo constitucionalismo. (ROSENFELD, 2003, p. 57)

Rosenfeld (2003, p. 61) afirma que, nesse processo, a metáfora é uma

ferramenta para estabelecer similaridades e equivalências que estabelece o eixo, o

ponto de apoio, do pólo da identidade na dialética entre identidade - no sentido de

similaridade - e diferença. A metáfora explora similaridades e equivalências para

forjar vínculos de identidade e contribui para a produção de sentido ao fixar as

relações de similaridade com relação a um código mediante um processo de

combinação e substituição (ROSENFELD, 2003, p. 61-63).

110 Dificilmente isso nos surpreende, tendo em vista que o constitucionalismo depende do pluralismo e pode, em última instância, ser visto como aquele que outorga os meios para institucionalizar o pluralismo.

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Para Rosenfeld (2003, p. 63-70), o pensamento metafórico conduz a um nível

de abstração no qual em certa situação as peculiaridades do caso são afastadas o

suficiente para que ele seja tratado como análogo a outro. Assim, o raciocínio

metafórico exerce um relevante papel na conformação dos direitos constitucionais e

na definição da identidade constitucional ao possibilitar que se alcancem os níveis

mais altos de abstração necessários para se assegurar direitos constitucionais

(ROSENFELD, 2003, p. 67).

Rosenfeld (2003, p. 67-68) levanta que, em contraposição à metáfora, a

metonímia promove relações de contigüidade no interior de um contexto, o processo

metafórico tende à descontextualização, ao passo que o metonímico, busca a

contextualização. Para explicar esse mecanismo, ele utiliza o pensamento de Lacan

que trabalha o conceito de freudiano de deslocamento ao enfocar a metonímia como

o símbolo do revoar do desejo de um objeto para outro quando o objeto original do

desejo se encontra reprimido conduzindo à busca sempre insatisfeita de objetos de

desejo contíguos que dele poderiam se aproximar (LACAN Apud ROSENFELD,

2003, p. 68). No entender de Rosenfeld (2003, p. 69), a busca do sujeito

constitucional por identidade é análoga à metonímia do desejo, pois ele não pode

superar plenamente a experiência de si mesmo como uma ausência, mas busca a

auto-delimitação, o que lhe é impossível.

A carência, o vazio, do sujeito constitucional, é, em último termo, o desejo insatisfeito de determinação exaustiva. Essa determinação exaustiva, no entanto, só poderia se realizar como uma conseqüência de sua plena contextualização - ou seja, como o resultado de uma síntese de todas as manifestações concretas passadas, presentes e futuras do lugar do sujeito constitucional no interior da ordem constitucional. E isso, é claro, é impossível; não somente porque o futuro não pode ser plenamente profetizado, mas porque o passado não pode ser inteiramente recordado. (ROSENFELD, 2003, p. 69-70)

Rosenfeld (2003, p. 73) entende que a função metonímica auxilia na

implementação dos direitos constitucionais porque para que todos gozem dos

mesmos direitos é preciso que esses sejam adequadamente moldados às diversas

necessidades e circunstâncias com que se defrontam os seus beneficiários. Assim,

ele entende que é necessário contextualizar e levar determinadas diferenças em

conta até porque a identidade constitucional não pode ser reduzida à mera relação

de semelhança uma vez que o próprio constitucionalismo pressupõe o pluralismo e a

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heterogeneidade e deve evitar a subordinação de uns aos outros no interior do

mesmo regime constitucional (ROSENFELD, 2003, p. 73-74).

Rosenfeld (2003, p. 75) salienta que, algumas vezes, a metonímia pode

envolver não somente a mera contextualização, ela pode tornar o deslocamento

absoluto quando a influência de outra identidade (por exemplo, a religiosa) é forte

demais para ser suprimida, ou polemica demais para ser aberta e plenamente

reconhecida, o seu impacto pode ser mascarado mediante o redirecionamento do

foco para as identidades parciais contíguas. Dessa maneira, é possível se encontrar

argumentos que defendem determinadas religiões e práticas em detrimento de

outras sem assumir o viés religioso da questão (ROSENFELD, 2003, p. 80-81).

De um ponto de vista assim geral, a negação especificamente por meio da determinação, do recalcamento ou da repressão e da renúncia, assume o papel principal na tarefa de esculpir a identidade do sujeito constitucional, com a metáfora e a metonímia cumprindo a importante missão de fornecer conteúdo aos respectivos papéis da identidade e da diferença. A negação, é claro, delimita o sujeito constitucional ao fazer a mediação entre identidade e diferença. Mas identidade e diferença só podem adquirir formas determinadas ao se utilizar o trabalho da metáfora e da metonímia. Em outros termos, somente a metáfora e a metonímia revelarão qual identidade – ou mais precisamente, quais identidades - e qual diferença – ou diferenças - devem ser mediatizadas pela negação para a produção de uma reconstrução plausível de um sujeito constitucional adequado. (ROSENFELD, 2003, p. 83)

Consoante o acima exposto, Rosenfeld (2003, p. 84) entende que nem a

metáfora nem a metonímia podem gerar qualquer significação coerente

isoladamente, completamente desvinculadas de qualquer código ou contexto. Assim,

para que o significado seja produzido, “a via semântica constituída por relações

metafóricas deve se cruzar com a via construída por relações metonímicas”.

(ROSENFELD, 2003, p. 84).

Rosenfeld (2003, p. 85- 86) destaca que, no domínio da argumentação

jurídica, a inclinação por processos metafóricos ou metonímicos costuma ser

determinada pelos interesses nos resultados jurídicos; os que desejam ampliar a

aplicação de uma norma apóiam-se na metáfora, enquanto os que buscam limitar a

abrangência dela recorrem à metonímia.

Para Rosenfeld (2003, p. 91), a submissão aos ditames do direito pode ser

comparada à adoção do limites herdados pelo superego na medida em que o Direito

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é coercitivo, pois sua aplicação impõe constrangimentos externos a todos os que se

encontram sob o seu âmbito de incidência.

Na medida em que o Direito Constitucional é Direito, também ele é limitador e alienante. No entanto, como o Direito Constitucional pode ser invocado para conter ou se sobrepor a leis democraticamente promulgadas, ele também contribui para a auto-afirmação e para a emancipação. Em última instância, tanto o eu cuja auto-afirmação e emancipação são promovidas pelo Direito Constitucional, quanto o outro, que busca a auto-afirmação mediante a lei aprovada pela maioria, devem ser incluídos no sujeito constitucional. Assim, além de ser coercitiva como a lei, a Constituição é, a um só tempo, coercitiva e emancipatória: ela obriga e se impõe coercitivamente a todos os que sob ela venham a se encontrar enquanto membros do corpo legislativo soberano; e, à medida que eles se tornem obrigados a obedecer aos ditames das leis corretamente promulgadas, ela contribui para a emancipação dos membros desse mesmo corpo. Desse modo é que negação, metáfora e metonímia devem se combinar para moldar a substância relevante produzida pela herança sociocultural da comunidade forma política de sorte a construir uma identidade constitucional adequada ao papel a um só tempo coercitivo e emancipatório do Direito Constitucional. (ROSENFELD, 2003, p. 91-92)

Assim, “a identidade constitucional deve promover a reconciliação ou o

equilíbrio entre o eu e o outro, a identidade e a diferença, a imposição coercitiva e a

emancipação, a herança sociocultural e a renovação ou reinvenção sociocultural.”

(ROSENFELD, 2003, p. 93).

Então, Rosenfeld (2003, p. 94) volta a traçar um paralelo entre a psicologia e

o direito ao explicar o fenômeno da sobredeterminação da teoria freudiana que é um

sintoma que dá vazão, simultaneamente, a diferentes tendências psíquicas. Ela

surge como uma manifestação ímpar que resulta da combinação de diferentes

associações nas vias metafórica e via metonímica (ROSENFELD, 2003, p. 94).

Paralelamente, Rosenfeld (2003, p. 94-95 e 104) argumenta que, no direito,

os fatores contextuais devem delimitar o processo adaptação e aperfeiçoamento de

uma determinada tradição sem enfraquecer a distinção entre o que é duradouro (e,

portanto, transcendente-de-contexto) e o que é específico-do-contexto. Afinal, “a

própria noção de tradição requer a seleção de coordenadas adequadas tanto ao

longo do eixo metafórico quanto do metonímico.” (ROSENFELD, 2003, p. 104)

Dessa maneira:

A sobredeterminação amalgama duas conotações semânticas distintas do termo constituição: primeiramente, a Constituição é ela própria a tradição; e, em segundo lugar, conquanto a Constituição em grande medida seja contratradicional, ela não filtra todas as tradições pré-existentes e pode assim se apropriar daquelas tradições que não ameacem a sua integridade.

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Em termos freudianos, a tradição representa desse modo tanto o recalcamento ou a repressão da tradição - ao abolir a tradição mediante a exposição do que é contra-a-tradição - como a tradição – quanto o retorno do recalcado ou reprimido- já que a Constituição Americana é, de fato, tão firmemente contratradicional que o retomo parcial de práticas suavizadas, ainda que recobertas pelos andrajos da tradição, preenche o hiato, o vazio, sem subverter o recalque ou a repressão original. (ROSENFELD, 2003, p. 105)

Assim, a sobredeterminação sintetiza aspectos das três tradições que

envolvem a Constituição: a tradição pré-constitucional, a contratradição da

Constituição e a nova tradição necessária à construção de uma identidade

constitucional positiva (ROSENFELD, 2003, p. 107). Assim, Rosenfeld (2003, p. 107)

entende que a sobredeterminação assegura que as tradições sejam usadas para

moldar os direitos constitucionais de modo a se tornarem legítimos e adequados. A

tradição sobredeterminada não é, portanto, arbitrária, o que não significa que deva

se tornar fixa, pois o próprio processo de sobredeterminação é sensível às

diferenças de tempo e lugar e deve ser maleável (ROSENFELD, 2003, p. 107).

6.e4 e O potencial e os limites da Busca pelo Sujeito Constitucional para o

equilíbrio entre o “eu” (self) e o “outro”

Rosenfeld (2003, p. 110) entende que a identidade constitucional em

desenvolvimento repousa na invenção e na reinvenção da tradição. Nesse processo,

ela não pode ser esculpida livre ou arbitrariamente porque a determinação de quais

elementos podem figurar na reconstrução da identidade constitucional e como eles

podem ser integrados ou transformados é sujeita a determinados limites estruturais,

funcionais e culturais (ROSENFELD, 2003, p. 110). No entanto, para Rosenfeld

(2003, p. 110), essas limitações não conduzem a um resultado único, mas, reduzem

significativamente o número de opções disponíveis.

De fato, inevitáveis pressões concorrentes reclamam o trabalho da sobredeterminação que, por sua vez, resulta em um grande estreitamento das escolhas semânticas ao longo dos interstícios da negação, da metáfora e da metonímia. No interior desses limites, a identidade do sujeito constitucional jamais pode se tomar assentada, pois não há como superar a separação entre o "eu" (self) e o "outro". (ROSENFELD, 2003, p. 110-111)

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Diante dessa constatação, Rosenfeld (2003, p. 113) defende que o self deve

buscar se reconciliar com os "outros" internos e adotar um enfoque inclusivo em

relação a eles. Por outro lado, quando se trata de "outros" externos, o self deve

mantê-los à distância e, em alguns casos, adotar uma postura de exclusão para com

eles (ROSENFELD, 2003, p. 113). Ele argumenta que:

Há uma tendência a ver atitudes de exclusão como sendo repreensíveis. Sob um exame cuidadoso, entretanto, saber se uma política de exclusão é louvável ou condenável depende das circunstâncias do caso e de quem está sendo excluído. Assim, a exclusão de nazistas ou racistas de uma organização política pareceria louvável na maioria dos casos. De igual modo, parece condenável buscar a implantação de uma identidade constitucional por contraste com a de um país vizinho que se tornou presa de um regime opressor. Além disso, mesmo que a alternativa excluída não seja inerentemente indesejável ou repreensível, um enfoque excludente pode, não obstante, ser justificável. Por exemplo, ao se escolher entre uma política de inclusão que torne os adultos responsáveis pelo bem-estar de todas as crianças e uma política excludente que torne os pais responsáveis pelo bem-estar de seus próprios filhos, é certamente defensável argumentar que a alternativa excludente é preferível, em vista do vínculo natural existente entre pais e filhos. Assim, um maior número de crianças pode estar em melhores condições se entregues aos cuidados de seus pais, ao invés de à população adulta como um todo. (ROSENFELD, 2003, p. 112)

Rosenfeld (2003, p. 112-113) explica que a divisão entre "outros" internos e

externos não está ligada às fronteiras nacionais, mas a amplitude de aplicabilidade

das normas. Assim, quando há normas transnacionais, aqueles submetidos a elas

devem ser tratados como “outros” internos (ROSENFELD, 2003, p. 112). Da mesma

forma, é possível que o “outro” externo esteja dentro de uma mesma comunidade

política como, por exemplo, foram os escravos afro-americanos, no contexto da

identidade americana anterior à Guerra Civil (ROSENFELD, 2003, p. 112-113).

Dessa forma, Rosenfeld (2003, p. 113-114) aconselha a busca de inclusão

apenas com referência ao “outro” interno e adverte que, mesmo sob as melhores

condições, a plena reconciliação entre o eu e o "outro" interno é algo

necessariamente inalcançável. Daí resulta que a identidade do sujeito constitucional

jamais poderá ser totalmente representativa de todos os que estão sob o seu âmbito

porque é impossível se ascender a uma posição neutra eqüidistante de todas as

diferenças que competem no interior do sujeito constitucional (ROSENFELD, 2003,

p. 114).

De acordo com essas observações, portanto, o melhor equilíbrio entre o self e o "outro" que o sujeito constitucional pode esperar alcançar é aquele no

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qual o máximo possível de diferenças encontrem guarida na postura inclusiva em relação ao outro interno. O ideal de integrar todas as diferenças, embora inalcançável, fornece uma útil finalidade crítica que opera como um contrafactual pensado para nos recordar que todas as identidades constitucionais são falhas, insuficientes e sempre em constante carência de maior aperfeiçoamento e finalização. No entanto, a confiança exclusiva nesse ideal é inadequada quando se trata de criticar uma reconstrução da identidade constitucional do ponto de vista de uma alternativa preferível, ainda que alcançável. Quando a identidade constitucional falha diante de tal alternativa, é essa alternativa que deve fornecer o ponto de partida contrafactual para a avaliação crítica. A avaliabilidade de tais alternativas depende da possibilidade de, no interior dos limites impostos pelo constitucionalismo o, self promover a acomodação das diferenças do "outro" interno sem comprometer os elementos centrais ou a integridade de sua concepção de bem, tal como mediada pelos requisitos fundamentais do constitucionalismo. Como as concepções de bem e as preferências de valor não são estáticas, freqüentemente é possível um maior ajustamento mútuo, mas bastante suscetível de transformação, de sorte que se pode promover uma maior emancipação sem requerer um crescente recalcamento geral. A força propulsora no sentido de uma maior inclusão e acolhida das diferenças é, no entanto, plena de riscos. À medida que o domínio do "outro" internos e expande para além das fronteiras dos Estados-nações, o self pode muito bem se tomar mais incerto e inseguro em relação à sua identidade. E, quanto mais a identidade positiva de alguém pareça estar sob ataque, tanto mais tentadora pode parecer a aquisição do controle por meio da exclusão. 111 Para evitar isso a imaginação contrafactual deve postular o desafio e fornecer o instrumental crítico necessário para subverter a implantação das desnecessárias identidades constitucionais repressivas. (ROSENFELD, 2003, p. 114-115)

6.5. O pluralismo abrangente sob a ótica conjunta da justa interpretação e da

identidade do sujeito constitucional

A identidade constitucional busca envolver os diferentes grupos através de

um texto constitucional compartilhado que não se identifica com a linguagem de

qualquer deles e atua como uma língua estrangeira, alienando todos os que devem

aprender como usá-la. Devido a essa alteridade, não é possível apreender o "eu"

constitucional de modo que é preciso projetá-lo contrafactualmente. Para

111

Paradoxalmente, à medida que o reino do outro interno se estende mais, o reino externo pode muito bem se mover cada vez mais perto de casa e passar a ser percebido como uma ameaça crescente na forma política (polity). Quando isto acontece, a identidade excludente tende a substituir a luta pela inclusão e a abertura para a diferença. Levado até um extremo lógico, essa tendência seria destrutiva para o constitucionalismo e para o sujeito constitucional na medida em que o eu excludente asseguraria sua identidade através da subordinação e da opressão daqueles que julga diferentes. Mas mesmo sem chegar a esse extremo, a tendência pela identidade excludente pode roubar muito do potencial emancipatório do sujeito constitucional.

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desempenhar essa tarefa, utiliza-se do arcabouço teórico do pluralismo abrangente

que parte da premissa de que a diversidade é necessária e boa, devendo, portanto,

ser preservada e fomentada. O núcleo dessa teoria é um compromisso normativo

com o igual valor atribuído aos diferentes sujeitos e se fundamenta na divisão de

tarefas entre as normas de primeira e segunda ordem sendo que as últimas servem

de parâmetro para o aperfeiçoamento da interação entre as primeiras.

Nesse contexto, a tarefa da reconstrução é harmonizar os novos elementos

que surgem das modificações da Constituição com os já existentes ou recombinar

todos os elementos envolvidos em um quadro inteligível quando os novos elementos

rompem com as relações anteriores. A reconstrução é submetida aos limites

normativos inerentes ao constitucionalismo que são: o compromisso com o princípio

do governo limitado, a adoção do princípio do Estado de Direito e a proteção dos

direitos fundamentais, pois promovem o mútuo reconhecimento e mantêm os

diferentes no mesmo patamar de dignidade.

Mais especificamente, cada uma das três características gerais do constitucionalismo acima – nomeadamente, governo limitado, adesão ao estado de direito e proteção dos direitos fundamentais – adquire sua legitimação em relação à realidade sociopolítica orientado sobre os pólos em conflito da identidade e diferença. Então, o governo limitado é justificado como um meio de reconhecer e, com vantagens, fazer uso do conflito produzido pelo confronto entre identidades parciais e cismas parciais que caracterizam o relacionamento entre governantes e governados. Sem identidade parcial – como no caso de uma ocupação estrangeira – faltará completamente ao governo legitimidade constitucional; sem diferença significativa, contudo, não haverá razão para limitar o governo, já que os governantes seriam indistinguíveis dos governados.A adoção do estado de direito também adquire força normativa particularmente significativa no contexto de um estado de coisas marcado pela colocação de intrincadas ligações entre identidade e diferenciação parcial. Compromisso com o estado de direito evidencia uma determinação de marcar uma firme demarcação entre a geração de regras de conduta destinadas a regular os governados, e a aplicação de tais regras a casos específicos. (...) A proteção dos direitos fundamentais, a terceira característica geral do constitucionalismo moderno, também implica na existência de uma tensão em curso entre identidade e diferença. A diferença envolvida é aquela entre o cidadão individual e a coletividade da maioria legisladora. Sem essa diferença, o indivíduo não iria realmente requerer proteção contra as intromissões do governo dentro de sua zona de interesses fundamentais. (ROSENFELD, 1994, p. 4-5, tradução nossa)112

112 More specifically, each of the three general features of constitutionalism identified above – namely, limited government, adherence to the rule of law, and protection of fundamental rights – acquires its legitimacy in relation to a sociopolitical reality oriented towards conflicting poles of identity and difference. Limited government is thus justified as a means to acknowledge, and profitably to make use of, the conflict produced by the confrontation between the partial identity and the partial schism that characterizes the relationship between the governors and the governed. Without partial identity – as in the case of foreign occupation – the government would lack constitutional legitimacy altogether;

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A submissão aos ditames do direito pode ser comparada à adoção do limites

herdados pelo superego na medida em que o Direito é coercitivo, pois sua aplicação

impõe constrangimentos externos a todos os que se encontram sob o seu âmbito de

incidência.

A autonomia, a reciprocidade, a empatia, a dignidade e a diversidade são

classificadas como normas de segunda ordem e servem de filtro para a aceitação

das de primeira ordem.

Essa prioridade das normas de segunda ordem exige o repúdio a concepções

do bem ativamente anti-pluralistas e a limitada aceitação das ideologias intolerantes.

Nesse contexto, as perspectivas metafísicas não podem ser aceitas em seus

próprios termos porque os sistemas metafisicamente fundados são anti-pluralísticos.

Contudo, elas podem ser abarcadas com modificações através de uma

sobredeterminação das tendências anti-pluralistas que foram recalcadas pelo

pluralismo abrangente.

A sobredeterminação sintetiza aspectos das três tradições que envolvem a

Constituição. A tradição pré-constitucional, a contratradição da Constituição e a nova

tradição necessária à construção de uma identidade constitucional positiva. Assim,

ela assegura que as tradições sejam usadas para moldar os direitos constitucionais

de modo a se tornarem legítimos e adequados.

Como definido pelo próprio Michel Rosenfeld:

“A estrutura dos limites normativos e dos princípios estruturais da reconstrução contrafactual ligados ao pluralismo abrangente são essencialmente invariáveis e, assim, fornecem um molde de organização

without significant difference, however, there would be no point in limiting government, as the governors would be indistinguishable from the governed. Adherence to the rule of law also acquires particularly significant normative force in the context of a setting marked by the deployment of intricate links between partial identity and partial differentiation. Commitment to the rule of law evinces a determination to mark a firm demarcation between the generation of rules of conduct designed to regulate the governed, and the application of such rules to particular cases.(…) Protection of fundamental rights, the third general feature of modern constitutionalism, also implies the existence of an ongoing tension between identity and difference. The difference involved is that between the individual citizen and the collectivity or ruling majority. Without that difference the individual would not really require protection against government intrusions into her zone of fundamental interests.

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transponível de uma situação para outra. (ROSENFELD, 1998, p. 243, tradução nossa).113

Ao estabelecer esse molde, o pluralismo abrangente busca colocar limites

dentro dos quais a interpretação jurídica pode ser considerada justa. Ele obtém

sucesso nessa tarefa, entretanto, como salientado por Kelsen, a norma jurídica (e o

pluralismo abrangente propõe um conjunto de normas jurídicas) não é capaz de

regular sua própria interpretação (KELSEN Apud OLIVEIRA, 2007).

Nos dizeres de Taylor, que se apóia em Wittgenstein, o sujeito não só não

tem como não pode ter consciência de toda uma gama de questões que têm

influência direta sobre a correta aplicação de uma regra (WITTGENSTEIN Apud

TAYLOR, 2000, p.181). Isso ocorre por ser interminável o número de compreensões

errôneas potenciais, há um número indefinido de pontos nos quais, para dada

explicação de uma regra e dadas algumas ocorrências, alguém poderia ainda assim

entender errado (WITTGENSTEIN Apud TAYLOR, 2000, p.182). Compreendemos

sempre contra um pano de fundo daquilo que é tido por certo, em que simplesmente

nos apoiamos. Sempre pode aparecer alguém que não disponha desse pano de

fundo, razão por que a mais simples coisa pode ser entendida erroneamente

(TAYLOR, 2000, p. 183). Assim, não há como se assegurar que as normas do

pluralismo abrangente serão corretamente interpretadas.

Como conseqüência disso, por mais que a estrutura interpretativa de

Rosenfeld seja aparentemente funcional e justa, ela ainda pode resultar em

injustiças se o operador do direito que as interpreta não possuir as qualidades

necessárias para a tarefa. Ele precisará estar atento à rede intertextual que gera a

noção intersubjetiva do justo e usar de prudência, no sentido aristotélico do termo,

para desempenhar bem seu papel.

113 The framework of normative constraints and the architectonic principles of counterfactual reconstruction linked to comprehensive pluralism are essentially invariable and thus furnish a set mold transportable from one setting to the next.

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7 CONCLUSÃO

Devido à tensão entre o pluralismo inerente ao constitucionalismo

contemporâneo e a tradição é inevitável o confronto entre a identidade constitucional

e outras identidades como a nacional, as étnicas, religiosas ou culturais. Nesse

contexto, a identidade constitucional deve permanecer distinta das outras

identidades, mas é forçada a incorporá-las parcialmente para adquirir sentido

suficientemente determinado ou determinável. Para isso, a identidade constitucional

busca envolver os diferentes grupos através de um texto constitucional

compartilhado que não se identifica com a linguagem de qualquer deles e atua como

uma língua estrangeira, alienando todos os que devem aprender como usá-la.

Devido a essa alteridade, não é possível apreender o "eu" constitucional de modo

que é preciso projetá-lo contrafactualmente.

Nesse contexto, Rosenfeld formula uma teoria que busca promover a

reconciliação entre a justiça de acordo com o direito e a justiça além dele

preenchendo a lacuna entre os diferentes grupos e preservando a diversidade que

decorre da coexistência de uma pluralidade de concepções de bem. Ele propõe que

um caminho para interpretações justas pode ser alcançado por meio do pluralismo

abrangente que parte da premissa de que a diversidade é necessária e boa,

devendo, portanto, ser preservada e fomentada. O núcleo dessa teoria é um

compromisso normativo com o igual valor atribuído aos diferentes sujeitos. Ele

considera que não existe uma posição de neutralidade genuína entre as concepções

concorrentes do bem. Por isso, a interpretação jurídica tem que basear-se em

compromissos normativos substantivos.

O pluralismo abrangente se fundamenta na divisão de tarefas entre as

normas de primeira e segunda ordem. As normas de primeira ordem são àquelas

associadas às mais diversas concepções do bem, por exemplo, o pragmatismo

defende a liberdade de expressão, o comunitarismo a coesão social, o

republicanismo as virtudes cívicas e assim por diante. As normas de segunda ordem

servem de parâmetro para o aperfeiçoamento da interação entre as normas de

primeira ordem. Os fins de segunda ordem são apenas um meio para o alcance dos

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fins de primeira ordem e devem ser alcançados para preservar uma escolha mais

ampla o possível de fins últimos. Quando não se pode apoiar definitivamente

qualquer fim de primeira ordem (fim último) deve-se pautar nos fins de segunda

ordem.

Nesse contexto, a tarefa da reconstrução é harmonizar os novos elementos

que surgem das modificações da Constituição com os já existentes ou recombinar

todos os elementos envolvidos em um quadro inteligível quando os novos elementos

rompem com as relações anteriores. A reconstrução é submetida aos limites

normativos inerentes ao constitucionalismo que são: o compromisso com o princípio

do governo limitado, a adoção do princípio do Estado de Direito e a proteção dos

direitos fundamentais, pois promovem o mútuo reconhecimento e mantêm os

diferentes no mesmo patamar de dignidade.

A submissão aos ditames do direito pode ser comparada à adoção do limites

herdados pelo superego na medida em que o Direito é coercitivo, pois sua aplicação

impõe constrangimentos externos a todos os que se encontram sob o seu âmbito de

incidência.

Como essa teoria considera que a reconciliação entre os diversos grupos que

apóiam diferentes concepções do bem é o bem último, a autonomia, a reciprocidade,

a empatia, a dignidade e a diversidade são classificadas como normas de segunda

ordem e servem de filtro para a aceitação das de primeira ordem. Assim, o ideal é

que cada um tenha a liberdade de perseguir sua concepção do bem na medida em

que não atrapalhe os demais limitado por essas barreiras normativas de segunda

ordem.

O pluralismo normativo utiliza um processo dialético que envolve dois

momentos lógicos distintos. O primeiro deles é o negativo caracterizado pela estrita

recusa em endossar ou favorecer qualquer das normas de primeira ordem em

competição impondo uma estrita igualdade entre todas elas. Contudo, sem essas

concepções do bem, não restarão normas de primeira ordem para a proteção do

pluralismo. Por isso, ele também possui momento positivo que fomenta a

readmissão das concepções do bem previamente niveladas e equalizadas no

universo pluralista. Mas como não é possível uma igualdade plena entre essas

visões do mundo, ele resulta em uma dialética sem fim de momentos negativos e

positivos.

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Essa prioridade das normas de segunda ordem exige o repúdio a concepções

do bem ativamente anti-pluralistas e a limitada aceitação das ideologias intolerantes.

Nesse contexto, as perspectivas metafísicas não podem ser aceitas em seus

próprios termos porque os sistemas metafisicamente fundados são anti-pluralísticos.

Contudo, elas podem ser abarcadas com modificações através de uma

sobredeterminação das tendências anti-pluralistas que foram recalcadas pelo

pluralismo abrangente. Ao abarcar limitadamente essas visões do mundo, ele lhes

dá expressão e, ao mesmo tempo, lhes limita o conteúdo anti-pluralista de modo a

incentivar o pluralismo na sociedade e no interior dos centros que adotam

perspectivas não pluralistas.

A sobredeterminação sintetiza aspectos das três tradições que envolvem a

Constituição. A tradição pré-constitucional, a contratradição da Constituição e a nova

tradição necessária à construção de uma identidade constitucional positiva. Assim,

ela assegura que as tradições sejam usadas para moldar os direitos constitucionais

de modo a se tornarem legítimos e adequados.

O pluralismo abrangente autoriza que se classifiquem os pedidos conflitantes

compatíveis com ele em ordem hierárquica e requer que seja dada prioridade aos

pedidos mais bem colocados. Assim, quando é impossível igualmente acomodá-los

aqueles que estão mais bem classificados dentro da perspectiva de seus defensores

devem prevalecer sobre aqueles que se classificam mal na classificação dos

respectivos defensores. Quando os interesses são igualmente classificados, a

justiça como reciprocidade reversível clama pela satisfação primeira dos mais

amplamente adotados de acordo com o princípio da democracia majoritária.

Nas situações em que a preponderância de um grupo obstar absolutamente a

busca de outro pelos seus objetivos a única maneira de resolver o conflito é tomar

medidas para que nenhum dos grupos ganhe o controle sobre o campo das relações

intracomunitárias. Entretanto, se dois grupos competirem e a preponderância do

ponto de vista de um deles proibir que os opositores reclamem seus valores

primários intercomunitariamente, mas permitir que os utilizem intracomunitariamente

e a vitória do grupo oposto bloquear absolutamente a busca da concepção do bem

do primeiro haverá uma exclusão de benefício no primeiro caso e uma comparativa

exclusão dos sujeitos no segundo caso. Como o pluralismo abrangente rejeita a

exclusão dos sujeitos, a solução seria aquela que acomodasse melhor os interesses

de uns sem obstruir absolutamente os demais.

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Ao estabelecer esse molde, o pluralismo abrangente busca colocar limites

dentro dos quais a interpretação jurídica pode ser considerada justa. Ele obtém

sucesso nessa tarefa, entretanto, como salientado por Kelsen, a norma jurídica (e o

pluralismo abrangente propõe um conjunto de normas jurídicas) não é capaz de

regular sua própria interpretação.

Como conseqüência disso, a aplicação dessa teoria sempre dependerá da

interpretação do aplicador do direito que deverá se pautar não só na justiça de

acordo com o direito, mas no seu senso de justiça na busca por um resultado justo

(ou menos injusto).

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