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O impacto de Marilyn Strathern sobre a antropologia pode ser resumido na ideia de que, a partir de sua obra, a tarefa de descrever o mundo ficou mais complicada, porque as consequências das práticas descritivas se tor- naram ao mesmo tempo mais claras e mais sérias. Stra- thern criou uma linguagem nova para a disciplina, uma prosa analítica densa, sutil mas aguçada, ritmada por ve- locidades e lentidões inesperadas, cujo impressionante poder de invenção impõe ao leitor o rigoroso dever da atenção para ser assimilado. A presente coletânea – e a preciosa introdução inédi- ta – dão ao público brasileiro uma amostra de excepcio- nal representatividade dessa obra exigente, instrumento e sítio de um projeto complexo, o da interferência entre dois fluxos etnográficos heterogêneos, o melanésio e o euro-americano, alternadamente aplicados sobre dois discursos em situação de tensão recíproca, aquele da antropologia social clássica e aquele das críticas femi- nistas e pós-modernistas à epistemologia política da re- presentação. O projeto se organiza em torno de certos atratores maiores, como os temas do parentesco e do gênero, de um lado, e os do conhecimento e da propriedade, de ou- tro. A interação recursiva e recíproca dos dois fluxos e dos dois (duplos) temas produz uma tessitura conceitual intrincada, em que descrição etnográfica, análise antro- pológica e reflexão epistemológica estão em estrita con- tinuidade, mas ora ressonante, ora dissonante. O conceito que serve de quadro para tais gestos de conexão e separação, de comparação e de transfusão, o centro dessa alternação polirrítmica entre fluxo etnográ- fico e corte analítico é o conceito de relação. A obra de Strathern é a reflexão mais profunda e mais revolucio- nária que a antropologia produziu sobre a ideia-mestra de relação desde o estruturalismo, acrescentando a ela dimensões e implicações de uma riqueza inestimável. EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO

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O impacto de Marilyn Strathern sobre a antropologia pode ser resumido na ideia de que, a partir de sua obra, a tarefa de descrever o mundo ficou mais complicada, porque as consequências das práticas descritivas se tor-naram ao mesmo tempo mais claras e mais sérias. Stra-thern criou uma linguagem nova para a disciplina, uma prosa analítica densa, sutil mas aguçada, ritmada por ve-locidades e lentidões inesperadas, cujo impressionante poder de invenção impõe ao leitor o rigoroso dever da atenção para ser assimilado.

A presente coletânea – e a preciosa introdução inédi-ta – dão ao público brasileiro uma amostra de excepcio-nal representatividade dessa obra exigente, instrumento e sítio de um projeto complexo, o da interferência entre dois fluxos etnográficos heterogêneos, o melanésio e o euro-americano, alternadamente aplicados sobre dois discursos em situação de tensão recíproca, aquele da antropologia social clássica e aquele das críticas femi-nistas e pós-modernistas à epistemologia política da re-presentação.

O projeto se organiza em torno de certos atratores maiores, como os temas do parentesco e do gênero, de um lado, e os do conhecimento e da propriedade, de ou-tro. A interação recursiva e recíproca dos dois fluxos e dos dois (duplos) temas produz uma tessitura conceitual intrincada, em que descrição etnográfica, análise antro-pológica e reflexão epistemológica estão em estrita con-tinuidade, mas ora ressonante, ora dissonante.

O conceito que serve de quadro para tais gestos de conexão e separação, de comparação e de transfusão, o centro dessa alternação polirrítmica entre fluxo etnográ-fico e corte analítico é o conceito de relação. A obra de Strathern é a reflexão mais profunda e mais revolucio-nária que a antropologia produziu sobre a ideia-mestra de relação desde o estruturalismo, acrescentando a ela dimensões e implicações de uma riqueza inestimável.

EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO

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Índice onomástico 547 546

COLEÇÃO ARGONAUTAS

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MARILYN STRATHERNO EFEITO ETNOGRÁFICOE OUTROS ENSAIOS

tradução Iracema Dulley, Jamille Pinheiro e Luísa Valentini

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7 Nota da edição 11 Introdução

capítulo 1 23 Sem natureza, sem cultura: o caso Hagen

capítulo 2 81 A cultura numa bolsa de malha: a fabricação de uma subdisciplina na antropologia

capítulo 3 117 Sujeito ou objeto? As mulheres e a circulação de bens de valor nas terras altas da Nova Guiné

capítulo 4 143 Os limites da autoantropologia

capítulo 5 171 Artefatos da história: os eventos e a interpretação de imagens

capítulo 6 191 O conceito de sociedade está teoricamente obsoleto?

capítulo 7 201 Partes e todos: refigurando relações

capítulo 8 225 A Relação: acerca da complexidade e da escala

capítulo 9 259 Cortando a rede

capítulo 10 287 As novas modernidades

capítulo 11 311 O efeito etnográfico

capítulo 12 377 O que busca a propriedade intelectual?

capítulo 13 411 Ambientes internos: um comentário etnográfico sobre a questão da escala

capítulo 14 441 Dando apenas uma força à natureza? A cessão temporária de útero: um debate sobre tecnologia e sociedade

capítulo 15 463 A pessoa como um todo e seus artefatos

489 Bibliografia geral 525 Sobre a autora 537 Índice onomástico

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6 7

NOTA DA EDIÇÃO

Esta é uma coletânea inédita de quinze dos artigos mais influen-tes da antropóloga britânica Marilyn Strathern, publicados ori-ginalmente em revistas acadêmicas ou como capítulos de livros. Em outubro de 2009, após a conferência de abertura dada por Strathern no 33o Encontro Anual da Anpocs, em Caxambu (mg), nos encontramos e lhe propus esta publicação. Vários dos textos da lista que apresentei na ocasião já constavam da bibliografia de cursos de pós-graduação em antropologia social daqui, uma vez que, como mostra a introdução que ela escreveu especial-mente para este volume, havia um círculo de leitores brasileiros familiarizados com sua obra em inglês, ampliado com a publica-ção de O gênero da dádiva em 2006, pela editora da Unicamp. Ou-tros artigos, desconhecidos no Brasil, foram sugeridos pela pró-pria autora.

Strathern escreveu um número impressionante de livros e ar-tigos sobre temas bastante diversos – as categorias etnográficas de doméstico e selvagem, gênero, parentesco, economias da dádi-va versus economia da mercadoria, noção de pessoa, evento histó-rico, cultura material, técnicas de fertilização, direitos de pro-priedade intelectual, sem falar na constante reflexão sobre a própria antropologia – tendo todos eles em comum a vocação de desestabilizar conceitos naturalizados, sejam eles conceitos onto-lógicos “ocidentais” (como “natureza” e “cultura”), ou conceitos da disciplina antropológica (como “indivíduo” e “sociedade”, “sujeito” e “objeto”). A reflexividade – um dos legados da crítica pós-mo-derna que a autora reconhece – é parte constitutiva de sua obra,

Nota da edição

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Nota da edição 9 8

tudos, discutimos a nomenclatura adotada pela autora, nos reuni-mos para comentar versões preliminares das traduções e, por fim, revisamos as versões finais do conjunto. Graças a isso foi possível encontrar soluções para a riqueza expressiva da autora e dar acesso à polissemia de termos como “appropriate” e “relation” ou, ao contrário, manter a diferenciação original de conceitos, como

“ownership” [posse] e “property” [propriedade]. Restou, entretanto, a perene dificuldade de traduzir para o português o par seminal nature/nurture, que denota, nos campos da antropologia, da biolo-gia e da psicologia, uma série de debates sobre a interação entre natureza e cultura, inato e adquirido, genética e ambiente. Se “na-ture” nos permite uma tradução mais imediata para natureza, seu complementar “nurture” em inglês significa tanto nutrição (cujo correspondente direto é “nutrition”), como os cuidados envolvi-dos na criação de uma criança. A acepção de “nutrição” em portu-guês associa-se, entretanto, apenas ao processo biológico de ab-sorção de nutrientes, sem o sentido social de criação. Optamos, portanto, por divergir da tradução adotada em O gênero da dádiva e traduzir “nurture” por educação, criação ou nutrição conforme o contexto, mantendo entre colchetes o conceito original [nurture].

Agradecemos à professora Marilyn Strathern pela paciência e dedicação para prover textos, bibliografia e imagens, esclarecer dúvidas e acompanhar as diferentes etapas desta edição, além da generosa introdução ao volume, que revela sua afetuosa relação com a antropologia no Brasil. Agradeço ainda a Justin Shaffner pela ajuda com as imagens e o mapa.

f. f.

na medida em que ela toma, a si mesma e à sociedade da qual faz parte (inglesa, britânica, ocidental), como objeto de estudo lado a lado com os habitantes do monte Hagen na Papua-Nova Guiné, seu principal campo de pesquisa.

É no modo como ela pratica a comparação – que em nada se pa-rece ao método comparativo exercido tradicionalmente pela an-tropologia –, aproximando ou, em seus termos, fazendo “conexões parciais”, entre objetos de estudo, metodologias e modos de pen-sar aparentemente incomensuráveis que reside a originalidade de sua obra e sua contribuição crítica. Numa linguagem radical-mente nova, autoconsciente e por isso mesmo de absorção lenta, Marilyn adota a descrição – em detrimento da explicação e da re-presentação – como forma de compreender um outro pensamen-to e uma outra vida possível. A escrita como recriação imaginati-va da experiência no campo guarda em si uma relação “complexa” entre dois campos (o etnográfico e o teórico, mas também o mela-nésio e o euro-americano) que se tocam mas não se sobrepõem um ao outro. O “efeito etnográfico” se dá no momento da escrita, em que observação e análise estão em relação e num mesmo plano.

Além dos textos já clássicos e de considerável circulação (em inglês) na academia brasileira, esta edição contém outros que fica-ram inacessíveis até mesmo para o público britânico, em especial aqueles publicados em livros há muito tempo esgotados, como é o caso dos capítulos 3 e 5. Nesta edição, foi preciso, em alguns mo-mentos, adaptar o texto, excluindo referências a capítulos do li-vro original – como no capítulo 11, que junta o primeiro capítulo e a conclusão de uma coletânea de 1999 –, ou, como nos capítulos 9 e 10, pensados em conjunto, suprimindo no segundo passagens que retomavam um caso já descrito no primeiro.

Organizado em ordem cronológica, o livro oferece um arco do pensamento de Marilyn Strathern, dos anos 1980 a 2004. A pes-quisa bibliográfica atualizou as referências a manuscritos no ori-ginal para as edições efetivamente publicadas. Finalmente, todas as referências foram reunidas na bibliografia geral ao final do volume. Com o aval da autora, eliminamos os agradecimentos, não raro extensos, que constavam nos originais de cada artigo, por es-tarem mais ligados às circunstâncias da primeira publicação.

O trabalho de tradução foi desafiador. Junto com as três tradu-toras, duas delas também antropólogas, criamos um grupo de es-

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INTRODUÇÃO

É um prazer ter sido convidada a escrever esta introdução. Não é difícil imaginar a apresentação de uma coletânea de ensaios de outra pessoa – ou uma espécie de prefácio cujo propósito é intro-duzir o trabalho de um colega, seja ele bastante recente ou de um passado remoto. Já apresentar um conjunto de ensaios de minha autoria – cujo contexto sem dúvida é o passado, mas que, em al-guns aspectos, ainda é bastante recente – é um tanto desafiador. O que torna esta escrita um prazer muito real, no entanto, é saber que ela se destina a um leitor brasileiro.

Tomo como certa a sofisticação desse leitor. Meu limitado co-nhecimento do que caracteriza a academia brasileira reitera um comentário informal, feito por um renomado antropólogo  – ele próprio brasileiro –, acerca de até que ponto ao menos parte de seu vigor, típico do Novo Mundo, vem da fusão de fontes do Velho Mun-do – sejam elas do continente europeu, norte-americanas (hoje cer-tamente podemos chamar a América do Norte de Velho Mundo) ou da antropologia britânica. Espero que este volume traga uma pe-quena contribuição a essa mistura, apesar de os textos aqui reuni-dos serem provenientes de um período específico e das mãos de uma antropóloga social anglófona que vem de uma escola muito específica (nos dias em que ainda havia escolas desse tipo). A antro-pologia social britânica da década de 1960, época em que eu era es-tudante de graduação na Universidade de Cambridge,1 veio a conso-

1. Isso se deu de 1960 a 1963. Concluí meu doutorado na Universidade de Cambridge em 1967.

Introdução

PRINCIPAIS POPULAÇÕES CITADAS

1 Melpa 2 Chimbu 3 Siane 4 Wiru 5 Mendi 6 Kuma 7 Enga 8 Mareng

9 Karam 10 Iatmul 11 Gimi 12 Daribi 13 Baruya 14 Kaluli 15 Duna 16 Yongkom

POVOS DA PAPUA-NOVA GUINÉ

Wewak

Wabag

Mendi

Monte Hagen

Madang

Kundiawa

Popondetta

Port Moresby

Wau

GorokaKainantu Lae

Kimbe

Arquipélago de Bismarck

MAR DE CORAL

NOVA BRETANHA

NOVA IRLANDA

10

14

15

16

Lago Murray

98

61

3

7

12 1113

4

27

5

Rio Sepik

Rio Ramu

300 KM0

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Introdução 13 12

condições de pesquisa, os movimentos políticos, a opinião pública, e assim por diante – também dão seus próprios saltos. Assim, no período entre a graduação e o ano de 1980 (data do primeiro capí-tulo deste volume), mesmo tendo permanecido ancorada na antro-pologia social britânica, eu já estava completamente imersa nos frutos de um movimento inovador que então ocorria na disciplina.

O que se iniciou na década de 60 na forma do Women’s Libera-tion Movement [Movimento de Libertação das Mulheres] no Rei-no Unido (e nos Estados Unidos) teve sua contrapartida acadêmica em uma série de pesquisas feministas que ganharam força nos anos 70, alcançando rápida repercussão em outros países. Na an-tropologia, os estudos feministas se aliaram simultaneamente, de diferentes formas, à crescente redescoberta do pensamento mar-xista. Em todo caso, o movimento conquistou boa parte da comu-nidade antropológica da Grã-Bretanha (cheguei a escrever um li-vro nunca publicado, que tinha tudo para ser popular, sobre

“homens e mulheres”). Para os interessados em relações de poder, na autoria das narrativas, em quais “sociedades” ou “culturas” es-tavam sendo investigadas, perspectivas inimagináveis se revela-ram. Os estudos subalternos ainda não tinham decolado: no caso específico da antropologia, muitos escritos eram publicados ape-nas por serem associados ao que então se chamava de “preconceito de gênero”. Os três primeiros capítulos deste livro provêm desse momento. Conceitos como natureza e cultura (capítulo 1), pressu-postos universalizantes sobre as mulheres (capítulo 2) e sujeito versus objeto (capítulo 3) desmoronaram.

O convite de Mariza Corrêa para falar ao Pagu, Núcleo de Estu-dos de Gênero,4 que motivou minha primeira visita ao Brasil, em 1998, veio de interesses semelhantes. Foi Mariza que, posterior-mente, tornou possível a tradução de O gênero da dádiva para o português, pela qual estou em dívida com ela. Foi uma gentileza dupla, já que aquele primeiro encontro que tivemos registrou também uma das sessões de perguntas e respostas mais difíceis e

4. No Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Na mesma visita memorável, visitei o Museu Nacional da Universi-dade Federal do Rio de Janeiro, além de ter encontrado bons colegas cujo nome não menciono aqui.

lidar o êxito de um paradigma de organização social e estrutura que predominou no Reino Unido antes e depois da Segunda Guerra Mundial. Não tenho de justificar a influência desse paradigma so-bre mim. Meu único mérito, porém, foi o fato de ter me dedicado à pesquisa etnográfica na Melanésia. Caí sob o fascínio de alguns im-pressionantes papuásios2 e melanesistas notáveis. Essa região do mundo e esses encontros constituíram o trampolim para me apro-ximar de tudo o que sei a respeito da Amazônia e, posteriormente, de alguns igualmente notáveis amazonistas brasileiros. Nesta cole-tânea, a primeira referência direta a esse assunto aparece no capí-tulo 11 (“O efeito etnográfico”), resultado imediato da visita de Eduardo Viveiros de Castro entre 1997 e 1998 a Cambridge, onde, para um público encantado, ele falou sobre o perspectivismo.

Primeiras imersões

Ao tratar do trabalho de campo, a parte inicial do capítulo 11 se re-fere à questão da imersão. Nela apresento um ponto de vista teóri-co sobre aprendermos (por assim dizer) além do que já sabemos e, portanto, sobre a imprevisibilidade das informações a serem ad-quiridas de um material que acreditamos (equivocadamente) ter compreendido. Quero neste momento chamar a atenção apenas para a práxis. Parece-me que a formação com vistas à imersão – preparar alguém para estar em um lugar, que também poderia ser um texto, assim como um campo de estudos ou um local onde con-duzir trabalho de campo – é uma formação que permite de fato saltar de um contexto para outro, aplicando as mesmas noções em lugares diferentes. Uma vez imersos, estaríamos aptos a imergir novamente.3 Até certo ponto, isso também pode acontecer com posições teóricas. A introdução que ora se apresenta é uma tenta-tiva de transmitir alguns dos contextos mutáveis dos capítulos que se seguem. É claro, porém, que os contextos – os interesses conceituais, aquilo a que se atribui valor, a vida universitária, as

2. Seus nomes são pouco citados nos capítulos deste livro, mas tenho inúmeras e cada vez mais razões para ser grata a eles.3. Não pretendo sugerir que só vale a pena ter esse truque na manga: a etno-grafia multissituada, por exemplo, se vê apta a convocar habilidades muito di-ferentes para transitar por mundos interligados.

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Introdução 15 14

bases do meu trabalho terem em parte se desenvolvido sobre inte-resses que precedem essa fase (ver o capítulo 1), fica evidente que o capítulo 2 foi uma tentativa de me recompor. Nessa época, os estudos de gênero estavam voltados para questões da noção de pessoa, conforme deixa claro o capítulo 3.

Mesmo que a Melanésia e os estudos feministas tenham me marcado tanto, senti que seria importante tomar um rumo que me proporcionasse um novo contexto e um novo convite à imer-são. Isso veio do advento da reprodução assistida – as “novas tec-nologias reprodutivas”, como eram chamadas, aqui representadas no capítulo 14. Entre outras coisas, o assunto fez com que o femi-nismo ganhasse um alcance internacional evidente: lembro-me de ter me deparado, por exemplo, com uma descrição da fertiliza-ção in vitro no Brasil.8 As consequências disso para a vida das mu-lheres foram muito debatidas, e parte da prática conceitual adqui-rida nas discussões sobre o pensamento em torno do gênero e das ideias de pessoa pode ter sido pertinente. “Dando apenas uma força à natureza? A cessão temporária de útero: um debate sobre tecnologia e sociedade”, originalmente apresentado a estagiários da área de ciências naturais no European Molecular Biology Labo-ratory (embl), em Heidelberg, demonstra uma das primeiras e mais duradouras lições a serem aprendidas com os estudos femi-nistas: a de que os conceitos baseados no gênero (neste caso, a ma-ternidade) não podem ser dados como certos. O capítulo se desti-na principalmente a mostrar a um público não antropológico o que uma compreensão ou interpretação de uma perspectiva an-tropológica poderia render. Se é que havia iniciativas similares ao programa de formação em ciência e sociedade oferecido em Hei-delberg na época, o sentido de “social” sempre se mostrava fugidio. Eis um exemplo de onde se podia “ver” ou de como se “via” isso.

Escrevendo as sociedades

Com uma espécie de eco de Women in Between, sobre as relações de gênero, mas escrito antes de o próprio termo (“gênero”) se esta-belecer, o capítulo 4 aponta para um contexto de mudança da es-

8. Ana Regina Gomes dos Reis (1987), para o Fórum Internacional dos Estudos de Mulheres.

mais bem informadas que já vivenciei.5 No que diz respeito à teo-ria, fiquei com a impressão de que praticamente não restou pedra sobre pedra. A dedicação com que Mariza acompanhou a realiza-ção da tarefa (não existe outra palavra para designá-la) da tra-dução do livro foi de um companheirismo extraordinário.6

Assim como os conceitos, algumas das velhas certezas também ruíram. E não apenas as que sustentavam paradigmas específicos na antropologia, mas – e altero aqui a escala de importância – até mesmo para mim em um nível pessoal. Minha mãe já era feminis-ta antes de a segunda onda do feminismo decolar, tendo ministra-do aulas em organizações não universitárias como a Workers’ Educational Association (wea) no sul e nos subúrbios de Londres, tratando de tópicos como as mulheres e a arte, as mulheres na lite-ratura, e assim por diante. Seria natural que as questões das mu-lheres constituíssem para mim uma área interessante de estudo: não à toa, minha primeira monografia sobre os Hagen, da Papua-

-Nova Guiné, foi intitulada Women in Between. Ela foi escrita bem antes de “gênero” passar a ser um conceito predominante.7 Talvez tivesse resvalado facilmente para a nova cena feminista – como acreditei por certo tempo que poderia acontecer – se não fosse por outra melanesista, Annette Weiner, cuja monografia sobre os Trobriand faz críticas severas à minha, alegar que meu trabalho tinha assumido uma voz masculina. A princípio, fiquei arrasada; com o passar do tempo, aprendi com a situação. Por um tempo, o fato de ter ficado abalada me deixou emudecida perante tudo o que dizia respeito à Melanésia, e passei a voltar minha atenção aos britânicos. (No capítulo 4, faço menção ao povoado inglês de Elmdon; no capítulo 7, refiro-me ao parentesco inglês em termos mais gerais.) O que aprendi me levou a prestar mais atenção a dis-cussões específicas sobre o problema da adoção de uma lingua-gem tendenciosa na nova antropologia feminista; apesar de as

5. Particularmente em um seminário que discutiu a contribuição do livro dez anos depois de sua publicação original. Ele foi, verdade seja dita, seguido por um momento de troca bastante diferente, mas igualmente profundo (desta vez, uma entrevista), quando cheguei ao Rio de Janeiro. [Ver revista Mana, v. 5, n. 3, n. e.]6. Aproveito a oportunidade para agradecer publicamente ao tradutor de O gênero da dádiva, André Villalobos.7. Um termo usado pela primeira vez, que eu tenha conhecimento, por Ann Oakley em 1972.

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Introdução 17 16

intelectual (dpi).9 O tema havia entrado na antropologia no final dos anos 80, início dos 90, a partir de descrições da forma como os protocolos internacionais dos dpi estavam sendo aplicados e assu-midos pelos países em desenvolvimento, como eram então chama-dos. O capítulo 9, “Cortando a rede”, se baseia em exemplos do pro-cesso de registro de patentes no contexto de um comentário sobre questões relacionadas à teoria do ator-rede, desenvolvido no capí-tulo 12.10 Por meio do encontro com John Law e da leitura de seu tra-balho – assim como do de sua colega Annemarie Mol –, também to-mei conhecimento dos textos de Michel Callon e Bruno Latour. Fiquei entusiasmada com a crítica proposta por eles acerca das

“coisas e pessoas” nativas do pensamento euro-americano, cujas re-lações possíveis com alguns dos problemas relacionados à questão da agência, explorados em O gênero da dádiva, são fascinantes. Em retrospecto, pergunto-me se de certa forma deveria ter empreendi-do uma busca semelhante para falar  da propriedade “imaterial” (dpi) em um campo (teoria do ator-rede) que costumava ser equivo-cadamente associado ao trato das materialidades.

Esses temas – gêneros de autoria, semiótica da performance, agência humana e não humana – também estavam sujeitos à con-ceitualização da sociedade. “Os antropólogos sociais”, como mui-tos antropólogos britânicos ainda se denominam, tendem a voltar de vez em quando à discussão do conceito de “sociedade”, embora o vocabulário com o qual trabalham possa se apoiar mais em no-ções como a socialidade ou o relacional. Os capítulos 6 e 7 esclare-cem esse ponto. Deve-se dizer aqui que o debate de 1990 foi literal-mente isto: tomei um lado em um debate, o que é bastante dife rente de expressar uma opinião em meus próprios termos. A crítica que apresento no capítulo 7, “Partes e todos”, é provavelmente

9. Projeto colaborativo desenvolvido por Eric Hirsch e por mim. O envolvi-mento com os dpi manifestou um interesse tardio pela antropologia jurídica, uma área que me fascina desde que estudei a “resolução de controvérsias” (uma expressão há muito superada) em Hagen, na Papua-Nova Guiné.10. Uma versão mais longa desse capítulo foi publicada em Property, Substance and Effect, de 1999. Ela inclui um posfácio que chama a atenção para a forma como o fluxo do argumento desse capítulo, antevendo um evento em particular, foi “cortado” pelo resultado do que posteriormente se desenrolou. Em vez de

“corrigir” o texto retrospectivamente, deixei-o como estava, tendo como propó-sito mostrar as limitações do argumento.

crita antropológica que ainda não tinha uma designação própria que o descrevesse. Ele saiu um ano depois da publicação da confe-rência Frazer, época em que era possível se referir a esse contexto pelo termo “pós-modernismo” com muito mais segurança (embo-ra eu tenha, quando proferi a conferência, usado o termo – empre-gado fora da antropologia e por alguns antropólogos – de forma hesitante e um tanto experimental). De todo modo, a autocons-ciência sobre a autoria e a percepção da escrita etnográfica como um gênero, além da demanda de reflexividade que a acompanha, ampliava então uma discussão sobre a representação, o que para mim, pelo menos, encontrava algumas ressonâncias no interesse feminista pelo problema da “linguagem tendenciosa”, mesmo que fossem conduzidas de outra maneira. Essa discussão certamente levou a outro patamar uma preocupação permanente com a lin-guagem da descrição.

No entanto, a noção de representação também havia sido criti-cada por outras correntes antropológicas das décadas de 1970 e 1980, e eu tinha sido irremediavelmente influenciada pela crítica semiótica de Roy Wagner, aplicada por ele tanto a seu material melanésio como à condição humana de acordo com seu ponto de vista. Estávamos na era da antropologia interpretativa e simbóli-ca, no Reino Unido e nos Estados Unidos. A influência de Wagner fica clara nos capítulos 1 e 2, assim como no capítulo 5, que trata de uma série de ideias de Wagner sobre a questão das imagens.

“Artefatos  da história” também representa um interesse antigo, embora expresso de forma intermitente, pela arte e pelos artefa-tos, do qual há ecos nos capítulos 13 e 15. Nestes analiso os efeitos performativos do que as pessoas “fazem” ou trazem à existência e (um pouco menos diretamente) o que há no modernismo – assim como na imaginação sobre o impacto dos primeiros europeus na Papua-Nova Guiné – que os antropólogos acreditam que caracte-riza sua própria mentalidade. Os capítulos 9 e 10, escritos para serem lidos em conjunto, dão prosseguimento a esse tema, pois abordam de modo oblíquo o tipo específico de criatividade que os euro-americanos tendem a atribuir a si mesmos. De certa forma, todos esses capítulos podem ser considerados uma elaboração de A invenção da cultura, de Wagner.

Esse interesse se formalizou, podemos dizer, com a investigação da teorização de outro tipo de autoria: os direitos de propriedade

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18 Introdução 19

levância” de sua pesquisa para o que de diferentes maneiras – po-pular, política – é conhecido como um mundo real, contemporâ-neo ou prático. Naquele momento, porém, as sociedades antes chamadas de sociedades de pequena escala também não pareciam mais adequadas como objeto de estudo dos antropólogos (refiro-

-me, em um sentido político, ao que se optou por chamar de “pe-quena escala”). Os antropólogos sabiam havia anos que, concei-tualmente falando, eram os únicos responsáveis pelo fato de que a natureza aparentemente autossuficiente dessas “sociedades” ti-vesse se tornado uma ficção ou heurística, adquirindo contornos de representação ilusória fora da disciplina. No entanto, uma ên-fase renovada na ideia de que todas as coisas faziam parte umas das outras, assim como nas interconexões e nos fluxos globais (a globalização teve destaque máximo na ordem do dia da reunião de-cenal da Association of Social Anthropologists em 1993), também surtiu efeito sobre os assuntos então considerados dignos de estudo.

O deslocamento constante de pressupostos faz parte da ciência normal. Até aí, nenhuma surpresa. No entanto, tomei consciência (será que tendo em vista o fim do século passado?) de como podería-mos ver – isto é, de como poderíamos conseguir ver ou continuar a ver – o “porte” dos materiais etnográficos. Parecia-me que o que era válido para a Melanésia também era válido para um século de pes-quisas etnográficas: como tratá-la em seus próprios termos, além de, posterior e mais urgentemente (embora talvez de modo dema-siado condescendente), como sustentar sua contribuição contínua para uma antropologia que muda rápido e constantemente. Isso fica bastante evidente no capítulo 8,12 e reaparece nos capítulos 11 e 13. Entre outras coisas, introduzir deliberadamente a linguagem da chamada teoria da complexidade implicou abordar mais uma vez a problemática da dissociação entre a significância do complexo, so-cialmente falando, e a significância das longas redes de ampla esca-la do reconhecimento da influência dos euro-americanos por si mesmos em toda parte. Daí as comparações entre contextos mela-

afetaram a minha pesquisa e a de outras pessoas de diversas formas. (O último capítulo faz uma breve referência aos processos de auditoria.)12. Como o capítulo consiste em uma conferência realizada na Universidade de Cambridge, ele apresenta muitas referências ao trabalho desenvolvido no Depar tamento de Antropologia Social ou por ex-alunos que passaram por lá.

mais fiel à minha posição, que continua a se modificar. Uma das minhas expectativas em relação a esse capítulo era de pelo menos deixar de lado (mesmo que algum tempo depois do evento!) os ti-pos de certezas antropológicas que outrora haviam se baseado em classificações mais amplas, como a predileção pelas linhagens e não pelos sistemas cognáticos de parentesco. Os sistemas “cogná-ticos” da Melanésia pareciam mais com seus homólogos dos siste-mas de linhagem do que com os sistemas cognáticos (conforme meu exemplo) dos ingleses. Compreender as noções inglesas de sociedade foi algo fundamental para esse exercício.

Escala e proporção

No entanto, o capítulo 7 aponta para outro caminho em cuja dire-ção meus interesses estavam se voltando na época, embora eu hoje veja que eles também devem ter sido motivados pela reteori-zação da autoria, ou seja – se é que posso descrevê-la nesses ter-mos –, a significância da significância. A questão é como as descri-ções antropológicas e etnográficas são ponderadas. Um autor acha que tem controle sobre como pondera essas descrições, mas isso não passa da manipulação da linguagem por meio da qual se produz a escrita, e dos contextos em que alguns tipos de materiais são privilegiados em detrimento de outros. Deixo isso claro aqui por ser um ponto que, acredito eu, não fica evidente nos textos. Na realidade, os leitores brasileiros podem ficar intrigados ao sa-ber que no Reino Unido (não tanto na Europa continental) não é adequado supor que toda etnografia merece igual interesse e tem um mesmo “porte” analítico ou teórico, por assim dizer. No Reino Unido, há uma constante oscilação entre o apreço e o desgosto pelo utilitarismo, em todas as suas manifestações, e cada geração de acadêmicos tem de justificar sua existência11 em termos da “re-

11. E, nas universidades do Reino Unido, a utilização de dinheiro público. Os capítulos deste livro foram escritos ao longo de um período que abarcou desde um apoio inquestionável e vigoroso às instituições acadêmicas até um questio-namento intenso de seu propósito, passando por exigências de “justificativas” dos gastos (o senão era que apenas determinados fins valiam como justifica-tiva). Durante a época em que fui chefe de departamento, primeiro em Man-chester (1985-93) e depois em Cambridge (1993-98), e até me aposentar, em 2008, as iniciativas nacionais de realização de auditorias da performance acadêmica

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crita estava sendo flagrado com outros objetivos, não alguém que escrevia tendo a si próprio em mente de maneira direta). Esse algo era uma palestra no British Museum (que coincidiu com a abertu-ra de uma nova galeria cujos temas, curiosamente, ressoavam nos apresentados na Annual Review daquele ano, uma conjuntura fe-liz que nos faz lembrar o importante papel sempre desempenha-do pelo acaso), que havia sido baseada em diversos materiais rela-cionados a meus grandes interesses (mas provenientes do trabalho de outras pessoas: o “eu” fez parte da composição da pa-lestra). A imagem de uma pessoa no texto teve origem no trabalho de um ex-aluno. Essa breve referência deve dar conta de muitos agradecimentos: não mencionei a influência de vários estudantes maravilhosos nesta introdução. No entanto, quando retornei ao Brasil para uma segunda visita, em 2009, eles já vinham havia muito exercendo um papel em minha antropologia.

Tradução Jamille Pinheiro

nésios/euro-americanos que aparecem com frequência nos capítu-los 7 a 10. Ao mesmo tempo, também considero esclarecedor como a teoria da complexidade aborda a questão da imprevisibilidade, ponto que exploro na abertura do capítulo 13.13

Talvez uma das razões de o discurso do perspectivismo, tal como foi tratado na antropologia brasileira, ter me impactado tanto tenha sido o caráter intrépido que o acompanhou. Sem a necessida-de (muitas vezes espúria) de fazer esforço para resistir a sua “rele-vância” ou deslocá-la, trata-se de um trabalho que se mostrou evi-dentemente relevante para os fundamentos epistemológicos da antropologia acadêmica – e da pesquisa acadêmica, de modo mais amplo – e suas categorias de pensamento. Admiro imensamente essa coragem. Eu mesma, preocupada com a linguagem da descri-ção, sempre tive uma propensão a me guiar por parâmetros verna-culares ou nativos, isto é, a compreender essas categorias de um ponto de vista anglófono nativo. Dessa maneira, tentei, pelo menos em parte, manter essas categorias inglesas de pensamento e exis-tência “etnograficamente” verdadeiras.14 Torcer a linguagem de vez em quando, buscando um afastamento dos conceitos que recebe-mos, também preserva, ao mesmo tempo, os conceitos em sua for-ma original (linguisticamente não torcida). Os leitores brasileiros viriam a conhecer isso sob o nome de “equivocação controlada”.15

Muitas das questões e preocupações abordadas aqui são introduzi-das no capítulo 15, fruto de um convite para apresentar reflexões pessoais sobre a disciplina e, pelo que entendi, algo a respeito de

“mim mesma”. A fim de situar essa entidade, tentei deslocar-me, aproximar-me de mim mesma de maneira indireta. Assim, a maior parte do capítulo se origina em algo que eu já tinha feito (um “‘eu’ autêntico”, na medida em que era alguém cujo ato da es-

13. O capítulo 13 foi pensado em conjunto com o capítulo 12. Em alguns momen-tos, um se sobrepõe ao outro.14. Sejam elas atribuídas aos ingleses, britânicos ou euro-americanos. Para a se-leção de textos apresentados neste livro, uma especificidade maior não se mos-trou relevante; podemos pensar que existe uma cosmologia “euro-americana” que pode ser imaginada como um campo linguístico-cultural e que informa grande parte das principais correntes da antropologia, incluindo a minha.15. Não me parece necessário dizer que o conceito vem de “Perspectival anthro-pology and the method of controlled equivocation”, de Viveiros de Castro (2004).

Introdução 21

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© Ubu Editora, 2017© Marilyn Strathern, 2014

Este livro foi originalmente publicado pela editora Cosac Naify em 2014.

coordenação editorial Florencia Ferrariassistente editorial Isabela Sanchespreparação Maria Fernanda Alvaresrevisão Ana Cecília Agua de Melo, Gustavo Godoy e Carlos Alberto Inadadesign Elaine Ramosassistente de design Livia Takemuracomposição Jussara Fino produção gráfica Aline Valli

Nesta edição, respeitou-se o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Strathern, Ann Marilyn (1941–) O efeito etnográfico e outros ensaios: Marilyn StrathernTradução: Iracema Dulley, Jamille Pinheiro

e Luísa ValentiniSão Pau lo: Ubu Editora, 2017544 pp., 8 ils.

isbn 978 85 92886 36 3

1. Antropologia social 2. Teoria antropológica 3. Etno-grafia 4. Papua-Nova Guiné i. Título.

301.39(41) cdd 301.39

Índices para catálogo sistemático:1. Antropologia social; etnografia 301.39

ubu editoraLargo do Arouche 161 sobreloja 201219 011 São Paulo SP(11) 3331 2275 ubueditora.com.br

COLEÇÃO ARGONAUTAS

Marcel Mauss Sociologia e antropologia

Henri Hubert & Marcel Mauss Sobre o sacrifício

Claude Lévi-Strauss Antropologia estrutural

Claude Lévi-Strauss Antropologia estrutural dois

Pierre Clastres A sociedade contra o Estado

Roy Wagner A invenção da cultura

Marilyn Strathern O efeito etnográfico

Gayle Rubin Políticas do sexo

Manuela Carneiro da Cunha Cultura com aspas

Eduardo Viveiros de Castro A inconstância da alma selvagem

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MARILYN STRATHERN nasceu em North Wales, no Reino Unido, em 1941. Estudou arqueologia e antropologia no Girton Colle-ge, da Universidade de Cambridge, formando-se em 1963. Fez pesquisa de campo no monte Hagen, na Papua-Nova Guiné, focada nas relações entre homens e mulheres. Antropóloga feminista, desenvolveu reflexões originais sobre gênero com base em sua etnografia, publicando O gênero da dádiva, em 1988. Foi Professor na Universidade de Manchester, de 1985 a 1993, quando assumiu a cátedra William Wyse Professor of Social Anthropology na Universidade de Cambridge, permane-cendo nela até sua aposentadoria em 2008. Em 2001, recebeu o título de Dame da Coroa britânica pelos serviços prestados à antropologia social.