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Maria do Amparo de Melo Carvalho O CURRÍCULO PRESCRITO INTERPENETRADO PELO CURRÍCULO ALTERNATIVO: possibilidades e limitações de um trabalho com "atividades curriculares alternativas" numa escola de Ensino Fundamental Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: Sociologia e História da Profissão Docente e da Educação Escolar Orientadora: Professora Doutora Rita Amélia Teixeira Vilela Belo Horizonte Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 2005

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Maria do Amparo de Melo Carvalho

O CURRÍCULO PRESCRITO INTERPENETRADO PELO CURRÍCULO

ALTERNATIVO: possibilidades e limitações de um trabalho com

"atividades curriculares alternativas" numa escola de Ensino Fundamental

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: Sociologia e História da Profissão Docente e da Educação Escolar Orientadora: Professora Doutora Rita Amélia Teixeira Vilela

Belo Horizonte

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

2005

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Maria do Amparo de Melo Carvalho

O CURRÍCULO PRESCRITO INTERPENETRADO PELO CURRÍCULO

ALTERNATIVO: possibilidades e limitações de um trabalho com "atividades curriculares

alternativas" numa escola de Ensino Fundamental

Dissertação defendida e aprovada, em 30 de maio de 2005, pela Banca Examinadora

constituída pelas professoras:

_________________________________________________________________

Professora Doutora Rita Amélia Teixeira Vilela - Orientadora (PUC Minas)

_________________________________________________________________

Professora Doutora Edil Vasconcellos de Paiva (UERJ - Rio de Janeiro)

_________________________________________________________________

Professora Doutora Maria Inez Salgado de Souza - Co-orientadora (PUC Minas)

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Dedico este trabalho aos que formam o meu tripé

humano de sustentação e que dão sentido à minha

vida:

minha mãe, Floripes - exemplo de amor, de fé, de

luta e nobreza;

meu esposo, Marcos - companheiro, cúmplice e

escudeiro;

meus filhos - Ana Flávia e Vinícius José - bênçãos

do Criador, fontes de energia.

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HOMENAGEM

Fazemos parte de um ciclo vital, às vezes

incompreensível...

MARA TELMA, onde estiver, sinta o calor das

minhas mãos.

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AGRADECIMENTOS

. Meu agradecimento maior a Deus, propiciador de tudo, fonte do amor infinito.

. À professora Rita Amélia Teixeira Vilela, pela confiança, orientação competente, convívio

fraterno, apoio afetivo e exemplo de profissionalismo.

. À professora Maria Inez Salgado de Souza, pelo carinho e pelo direcionamento nos

primeiros passos no terreno da pesquisa científica

. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da Puc Minas, pelo trabalho

sério e dedicado, desenvolvido junto aos alunos.

. À querida Marlice de Oliveira e Nogueira, "anjo amigo" que me guiou, apoiou e acima de

tudo, acreditou nas minhas possibilidades.

. Aos alunos, pais, professoras e demais funcionárias da escola onde realizei a pesquisa, pela

boa vontade, disponibilidade e carinho.

. À atenciosa e solícita Valéria das Dores Ermelindo, secretária do Programa de Pós-

Graduação em Educação, pela eficiência e dedicação.

. À professora Meire Mara Coelho, pela disponibilidade e atenção.

. Aos colegas de turma, pela riqueza das experiências partilhadas; e às amigas: Ivna, Eveline,

Ana Nazareth, Adriana, Tereza e Gorete, pelo convívio fraterno e cuidadoso.

. Às amigas Cláudia Baeta, Márcia Damiani Ferreira , Célia Damiani Silva, Márcia Amaral,

Ronilda Diniz, Perpétua Inez, Beatriz Oliveira, Simone Guimarães, Maria das Graças Campos

pelo apoio, colaboração, compreensão e incentivo constantes.

. Ao amigo Benedito Eugênio, pela presença carinhosa e dedicação no compartilhamento de

idéias e sonhos.

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. Ao Senhor José Gerbasi, homem de Deus, que por incontáveis vezes me acolheu, orando por

mim e comigo, na Capela da Universidade.

. Às "amigas - irmãs" Míriam Regina, Imaculada Silva, Marilene, Aparecida Rodrigues,

Zezinha, Jane, Mércia Salomé e Valda, por fazerem parte da minha vida.

. À "sobrinha do coração", Lorenna Cristhinna e à amiga Simone Campos, pelas "caronas"

tão providenciais no percurso Mateus Leme/BH/Mateus Leme.

. À doutora Lenice Aparecida S. Alves, pelo apoio e acompanhamento profissional

competente e afetuoso.

. Às queridas "irmãs do coração", Antonieta Rodrigues e Vicentina Andrade, pela dedicação,

pelo apoio fraterno e pelo cuidado amoroso que tiverem comigo e com os meus enquanto eu

me dedicava aos estudos.

. À D. Alda, Margareth e Silvana pela atenção e carinho constantes.

. À carinhosa Ana Maria Santiago, tia atenciosa e presente em todos os momentos.

. A toda minha família, especialmente minha mãe, meu esposo, meus filhos e minhas irmãs -

Salomé, Aparecida, Salete e Edwiges, meus sobrinhos e cunhados pelo amor incondicional e

apoio sem fronteiras.

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"Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a

última claridade e nada mais valerá a pena.

Escapar, na liberdade do pensamento, desse

espírito de manada que trabalha obstinadamente

para nos enquadrar, seja lá no que for. E que o

mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o

melhor que afinal se conseguiu fazer."

(Lya Luft, 2004, p.23)

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RESUMO

Esta dissertação apresenta os resultados de uma pesquisa realizada numa escola

pública de ensino fundamental, da periferia de um município da Região Metropolitana de

Belo Horizonte. A investigação focaliza a dinâmica de atividades curriculares alternativas

adotadas no cotidiano da escola, procurando desvendar as possibilidades e as limitações do

trabalho pedagógico desenvolvido a partir dos projetos dessas atividades dentro do desenho

curricular da instituição, implantados para criar condições positivas no processo de

aprendizagem e de experiências de socialização dos alunos participantes.

Foi utilizada a metodologia do estudo de caso para a realização da pesquisa. A escolha

da metodologia levou em consideração as vantagens dessa abordagem no estudo de situações

particulares, pouco exploradas em pesquisas, e com conhecimento ainda insuficiente, e que,

portanto, possibilita o conhecimento processual da realidade investigada. Assim, não foi

almejada uma explicação final para a realidade da escola pesquisada em relação ao seu

desenho curricular ampliado com a inclusão de atividades alternativas. Foi buscada, no

processo de pesquisa, uma construção densa da situação dos projetos escolares para

implantação e desenvolvimento das atividades curriculares alternativas numa unidade escolar.

Essa situação determina a validade das conclusões da pesquisa que não almeja generalização.

Foram selecionados como principais sujeitos para a pesquisa, alunos das quatro turmas

de quarta série. Também foram entrevistados os seus pais, suas professoras, os integrantes da

equipe pedagógica e os voluntários que atuam na escola no desenvolvimento do programa

das atividades alternativas.

A fundamentação teórica percorreu alguns campos de análise da cultura escolar, da

cultura da escola. Também focalizou pontos dos recentes estudos curriculares, numa

tentativa de propiciar visibilidade e entendimento das apropriações e determinações

curriculares alternativas adotadas no âmbito da escola. Os resultados da pesquisa destacam a

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importância da utilização de atividades curriculares alternativas, paralelas ou além do

currículo prescrito da instituição, num processo de interpenetração e complementação, como

forma de contribuição e favorecimento do desenvolvimento dos alunos e alunas atendidos na

escola onde a pesquisa foi empreendida.

Este estudo tem como objetivo favorecer uma ampliação do olhar sobre o currículo,

focando a possibilidade de inter-relacionamento de atividades prescritas e alternativas dentro

da estrutura curricular de cada escola, a partir da realidade cultural dos educandos.

PALAVRAS-CHAVES: Currículo, cultura escolar, experiência escolar, atividades

alternativas.

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ABSTRACT

This dissertation presents the results of a study, done in a government primary school

in the surroundings of a town in the Metropolitan Region of Belo Horizonte. The investigation

focusses on the dynamics of alternative curricular activities adopted in the day-to-day

activities and aims to find out the possibilities for and the limitations of the pedagogic work

developped from the projects of these activities within the design of the curriculum of the

institution, implanted to create positive conditions for the learning and socialization processes

of the participating students.

We used the methodology of case study to do this study. The choice of this method

took into consideration the advantages of this approach in the study of particular situations,

little explored in research and with still to little knowledge and that, for that reason, makes the

understanding of the process of the investigated reality possible. In this way, we didn´t search

for a definite explanation for the reality of the school related to it´s curriculum amplified with

the inclusion of alternative activities. We looked, during the study process, for a dense

construction of the situation of school projects for the implementation and development of

alternative curricular activities in a school. This situation deterrmined the validity of the

conclusions of the study but that doesn´t want to generalize.

As principal subjects of the research alumni of the four classes of the fourth grade

were selected. Also their parents, teachers, the members of the pedagogic team were

interviewed, as well as volunteers active in the school for the development of the programme

of alternative activities.

The theoretical foundation consisted of some analysis of the school culture. It also

focussed on the topics of some recent studies on curriculums, in an attempt to gain visibility

and understanding of the adequateness and determinations of alternative curriculums as

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adopted in the school. The outcome of the study points out the importance of the use of

alternative curricular activities, parallel or complementary to the prescribed curriculum of the

institute, in a process of interpenetration and complementation, as a means of contribution and

favouring the development of the alumni of the school where the study was done.

This study has as objective the favouring of a widening of the vision on the

curriculum, focussing on the possibility of intertwining the prescribed and alternative

activities within the structure of each school curriculum, starting from the cultural reality of

the pupils.

KEY WORDS: Curriculum, school culture, school experience, alternative activities.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 14

Abordagem Metodológica 22

Procedimentos Metodológicos 23

CAPÍTULO 1 - APRESENTAÇÃO DA ESCOLA E A VISIBILIDADE DAS

"ATIVIDADES CURRICULARES ALTERNATIVAS" – ACA 32

1.1. Caracterização da Escola e descrição do contexto escolar: reconhecendo o

terreno 33

1.2. História da instituição 37

1.3. As professoras da Escola 39

1.4. A direção e a coordenação pedagógica da escola 42

1.5. Os alunos da Escola - perfil dos alunos selecionados 45

1.6. Os pais e/ou responsáveis dos alunos selecionados, os voluntários e

as voluntárias atuantes 49

1.7. Visibilidade das "atividades curriculares alternativas" – ACA 51

CAPÍTULO 2 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: situando as referências

no campo do currículo. 56

CAPÍTULO 3 - "ATIVIDADES CURRICULARES ALTERNATIVAS" - PARA

ALÉM DAS ATIVIDADES DISCURSIVAS E PRESCRITAS 81

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3.1. Organização e funcionamento das ACA no âmbito escolar 82

3.2. Percepções dos discentes, dos familiares, de membros da escola e

dos voluntários sobre o programa das ACA 101

3.3. O trabalho dos voluntários e das voluntárias 108

3.4. Projetos das ACA: alcances, limitações e resistências 112

CONSIDERAÇÕES FINAIS 130

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 140

ANEXOS

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INTRODUÇÃO

"A utopia continua dando sentido à vida e à educação, e a partir dela dotamos de sentido e avaliamos o mundo que nos rodeia." (Gimeno Sacristán, 2002, p.9)

Vivendo num mundo mutante, temos como tarefa permanente o desafio de

aprendermos a pensar e trabalhar nele. As incertezas e dificuldades do cenário atual nos

atingem por todos os lados. Na Escola, como educadores, os maiores desafios se colocam

quando nos deparamos com alunos tão diferenciados. O mundo que não dá tréguas, que se

transforma tão rapidamente nos oferece cada vez mais o que aprender e o que ensinar,

envolvendo-nos numa "roda viva" de ansiedades, expectativas, esperanças e utopias.

Neste contexto, a pesquisa desenvolvida partiu de inquietações, experiências e

questionamentos acumulados em mais de vinte anos de trabalho na área educacional, onde o

envolvimento com a prática educativa no Ensino Fundamental vem permitindo reflexões,

construções e desconstruções a respeito do cotidiano escolar e da sua relação com o processo

de aprendizagem e com as experiências escolares das crianças. Assumiram centralidade

questões relacionadas com o desenho curricular próprio de cada instituição, principalmente

daquelas que buscam atender seus alunos de uma maneira mais respeitosa às suas diferenças,

necessidades e aspirações.

O quadro delineado para o trabalho investigativo realizado nasceu da minha atuação

como professora e supervisora pedagógica nas séries iniciais do Ensino Fundamental em

escolas públicas, o que tem me proporcionado vivenciar no cotidiano da escola inúmeras e

variadas situações que caracterizam, de forma geral, o panorama da educação brasileira nas

últimas décadas, com seus grandes dilemas e constantes desafios.

Conforme J. Gimeno Sacristán:

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Quando pensamos em qualquer realidade ou objeto, ao percebê-los, o fazemos a partir de um determinado universo de significados que formaram em nós uma certa imagem acerca de suas características, de suas funções, dos pontos de contato que têm com nossos interesses, dos benefícios que nos pode prestar, de seu sentido social, etc. Todas essas conotações são marcas que procedem de experiências relacionadas com a realidade, ou objeto de que se trate, que são nutridas no seio de diferentes tradições culturais. Porém, não percebemos o mundo apenas em função de esquemas mentais e de experiências passadas: pelo contrário, também o entendemos em relação com nossos projetos e desejos.(SACRISTÁN, 2002, p.9)

A partir da minha formação acadêmica em Pedagogia e da vivência profissional como

professora das séries iniciais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, como diretora e

vice-diretora de escola pública e particular, como supervisora pedagógica, como

coordenadora de curso de graduação na área de educação, surgiu o interesse em realizar um

estudo investigativo sobre a relação que existe entre o currículo prescrito e o desenvolvimento

de atividades curriculares alternativas no âmbito escolar. As duas formas curriculares acham-

se presentes na escola escolhida para a pesquisa, situada na Região Metropolitana de Belo

Horizonte. As atividades curriculares alternativas analisadas, embora, algumas poucas vezes,

se desenvolvam de maneira aleatória, outras, de forma tácita e velada, na maioria das vezes,

estão presentes de forma intencional e programada na escola pesquisada.

Reconhecendo, então, a importância das atividades curriculares (prescritas ou não) e

tendo como pressuposto que as séries iniciais de escolarização devem propiciar, através do

currículo prescrito, fundamentos para a construção de uma aprendizagem significativa para os

alunos, me propus a realizar um estudo que buscou ampliar o entendimento, na escola, sobre o

campo curricular e suas interpenetrações, sobre a cultura da escola, além de suas influências

na aprendizagem e nas experiências das crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental.

Conforme MACEDO, o currículo

...em termos de cultura escolar contemporânea, é o documento que legitima a própria existência escolar, mesmo sabendo-se que o currículo real transcende e

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muito o documento oficial, por ser um fenômeno construído eminentemente nos fluxos das interações cotidianas da escola.( MACEDO, 2002, p.171).

Eu acrescentaria, ainda, que o currículo é construído fundamentalmente nos fluxos das

necessidades diárias e específicas da escola. Vale ressaltar que foi também através do

currículo que a Escola assumiu uma posição ímpar na instauração de novas práticas

cotidianas, fazendo dele o seu eixo central.

Nessa perspectiva, o presente estudo se fundamentou na necessidade de identificar,

analisar e compreender as possibilidades e limitações de um trabalho curricular diferenciado e

alternativo, no processo de aprendizagem e de experiências escolares de alunos das séries

iniciais do Ensino Fundamental, na escola já referida, localizada na periferia do município. A

história que será perfilhada neste trabalho, acontece na escola citada, que "se reconhece na

diversidade, na luta contra os processos sociais excludentes, na aposta e na crença

incondicional nos seus alunos repletos de necessidades, desejos e sonhos." (ABRAMOVAY

et al., 2003,p.35)

Na instituição pesquisada, a equipe educativa criou e implementou "atividades

curriculares alternativas"1. São atividades que extrapolam o currículo prescrito,

interpenetrando o espaço educacional e estabelecendo ações integradoras no âmbito escolar.

"Atividades curriculares alternativas" com denominação aqui atribuída por mim às práticas

desenvolvidas no seio da escola, na forma de ações extra-classe, no horário de aula dos

alunos, que concorrem para a aprendizagem e para as experiências das crianças envolvidas.

Essas atividades são, portanto, o objeto da minha análise e serão detalhadamente explicadas e

trabalhadas nos capítulos da dissertação. Tomei a denominação de alguns autores, como

Miriam Abramovay (2003), Maria Fernanda R. Nunes (2003) e outros, que se utilizam da

1 "Atividades curriculares alternativas" - Ver "Escolas Inovadoras: experiências bem-sucedidas em escolas públicas", UNESCO, 2003.

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expressão "atividades curriculares alternativas" para designar projetos inovadores

desenvolvidos em escolas do Brasil que atendem alunos de risco social.

Neste contexto, todo o trabalho investigativo partirá de reflexões do campo de estudos

curriculares e culturais, uma vez que as "atividades curriculares alternativas" se encontram no

âmago das proposições curriculares e das disposições culturais dos atores da escola

pesquisada.

Numa rede complexa de relações que emergem no espaço da Escola, o currículo se

constitui como um terreno profícuo e ao mesmo tempo, ambíguo, de estruturações e

reestruturações que vão delineando e demarcando a forma curricular e pedagógica de cada

realidade educativa.

O currículo possibilita à Escola assumir uma posição singular na instauração de novas

práticas cotidianas, de novas distribuições, de novos significados e de novos saberes. No

mundo contemporâneo, novas mudanças se processam no campo curricular; mudanças que

tratam, sobretudo, do estabelecimento e do aprofundamento das diferenças e da assimetria

entre os diferentes. (VEIGA-NETO, 2002). Ter conhecimento dessa assimetria e buscar a sua

superação é uma tarefa crucial, de relevante importância e difícil realização pela escola.

A partir deste delineamento curricular e educativo da instituição selecionada, a análise

da cultura escolar se tornou de fundamental importância na pesquisa, uma vez que toda

educação sempre supõe uma seleção no interior da cultura e uma reelaboração dos conteúdos

desta, destinados à transmissão para as futuras gerações. Segundo HALL (1997), a cultura

tem assumido uma posição central na organização da sociedade e, conseqüentemente, da

escola. E a necessidade de compreender a cultura como algo fundamental, constitutivo do

mundo, é uma argumentação forte presente nas idéias deste autor.

Considerando que o termo currículo pode ser utilizado para designar as seleções e

escolhas feitas pela escola no interior da cultura, e que estas seleções e escolhas vão interferir

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de forma relevante no processo de aquisição do conhecimento pelos alunos e das demais

experiências escolares (FORQUIN, 1993), as questões desta pesquisa demandaram uma

investigação sociológica do campo curricular na escola para desvendar as "atividades

curriculares alternativas" utilizadas pela equipe educativa no cotidiano escolar, para descobrir:

- quais as funções dessas "atividades curriculares alternativas" ? - quais suas particularidades

como proposta de ação curricular? - quais seus efeitos na escola e na vida dos alunos e alunas

que delas participam?

O interesse investigativo principal se centralizou, portanto, na identificação e análise

das "atividades curriculares alternativas", no cotidiano da escola e na demarcação e

interpretação das possibilidades e das limitações dessas atividades no processo de

aprendizagem dos alunos selecionados para a pesquisa e nas suas experiências escolares.

Conforme SANTOMÉ (1998), educar é uma ação profundamente política e ética,

apesar de os discursos conservadores e liberais pretenderem dissimular esta idiossincrasia.

Nesse sentido, o que percebemos é uma estreita relação entre as intervenções educativas

inovadoras no âmbito das escolas e o êxito e/ou fracasso dos resultados de aprendizagem.

Assim, realizei a pesquisa objetivando responder às seguintes questões:

1) As "atividades curriculares alternativas" interferem no processo de organização das

atividades da escola? Como?

2) Como as "atividades curriculares alternativas" interferem no processo de aprendizagem e

nas experiências escolares dos alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental?

3) É possível a elaboração de um novo currículo que transite entre o currículo prescrito e as

"atividades curriculares alternativas" para o encaminhamento de resultados de sucesso na

aprendizagem de alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental?

4) A equipe escolar da instituição tem percepção de que o conhecimento de seus alunos

perpassa outras vias ou meios de aprendizagem, além das vias do intelecto?

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5) As "atividades curriculares alternativas" desenvolvidas na escola realizam um resgate e

uma valorização dos saberes e experiências sociais dos educandos?

6) Qual é o significado cultural das práticas curriculares desenvolvidas pela escola nos

resultados escolares dos alunos?

Assim, ao desenvolver a pesquisa procurei:

a) Identificar, descrever e analisar as "atividades curriculares alternativas" utilizadas pela

equipe educativa da escola;

b) Identificar e analisar a cultura escolar própria da instituição, que se estabelece no

cotidiano da escola e na relação com as atividades alternativas;

c) Compreender como o desenvolvimento do processo cultural da comunidade escolar

influencia na adoção de "atividades curriculares alternativas", através das preferências,

habilidades e disposições dos alunos para determinados tipos de atividades;

d) Identificar as questões culturais, sociais e educativas que propiciam maior ou menor

rentabilidade de sucesso escolar para os alunos que participam das "atividades curriculares

alternativas".

e) Desvendar como as experiências escolares e a aprendizagem dos alunos evidenciam as

marcas de sua participação nas "atividades curriculares alternativas".

Na escola selecionada, um significativo número de crianças que apresentavam grandes

dificuldades na aprendizagem dos conteúdos formais prescritos pelo currículo e

desenvolvidos nas salas de aula, como também dificuldades de relacionamento com colegas e

com professores no dia-a-dia escolar, destacou-se em atividades não prescritas pelo currículo

oficial. Muitas dessas crianças apresentavam crescente interesse, vontade, facilidade,

aprendizagem e habilidade nas atividades que envolvem as artes, os esportes, a música, as

dramatizações, as práticas manuais e outras desenvolvidas em alguns projetos extra-classe,

dentro de um programa criado pela escola com o trabalho de voluntários e coordenado pela

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equipe escolar. A criação e implementação dessas atividades, conforme informação

preliminar da direção da escola, se deu com o objetivo principal de atender a determinadas

crianças "inadaptadas" ao processo educacional.

Diante de tais elucidações, é perceptível que as crianças envolvidas nos projetos

citados apresentavam uma gama enorme de potencialidades que não são necessariamente

discursivas, mas lúdicas, artísticas, esportivas, plásticas, espirituais, que não podem ser

trabalhadas apenas ao nível do conceito ou apenas ao nível da transmissão de conhecimentos,

porque elas exigem experimentação e uma certa flexibilização de comportamentos, atitudes e

ações.

Nessa perspectiva, certamente coube a discussão, nesta dissertação, sobre a divisão

entre o saber intelectual priorizado pela Escola e os saberes manual, artístico e outros, quase

sempre desprezados pela instituição; dicotomia que exclui, por princípio, um universo de

potencialidades do aluno. A Escola, de uma forma geral, também não se compromete com a

reflexão a respeito da realidade do aluno, estabelecendo outra ruptura entre o espaço do

aprendizado e o espaço da existência, sobretudo da existência cultural. Toda essa ausência

reflexiva em torno da vivência do aluno torna a apreensão da existência cada vez mais

fragmentada, incapacitando o sujeito de pensar o cotidiano, nas suas implicações com a escola

e com o seu universo. (FREI BETO In: GROSSI e BORDIN,1995)

Ainda segundo FREI BETO (In: GROSSI e BORDIN, 1995, p.17) "o aprendizado

dota o sujeito de capacidade para realizar transformações na realidade, ou seja, dota-o de

memória histórica - não para, simplesmente, adaptá-lo às regras do jogo tal como o sistema

impõe." Dotar o sujeito dessa capacidade é um dos grandes e complexos desafios para a

escola, principalmente se ela quer quebrar seu papel historicamente consolidado de

selecionar, classificar, distinguir, hierarquizar.

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Esse papel se deve, sobretudo, a mecanismos ideológicos que se vão reproduzir no

interior da escola. Um desses mecanismos é aquilo que se denomina Currículo Oculto

(GIROUX,1986). Esse currículo tem como função ideológica preparar os alunos para serem

dominados ou para serem dominadores na sociedade em que vivemos, pautado no critério do

esforço pessoal.

Pude perceber que a escola pesquisada tem buscado romper ou atenuar os efeitos

dessa função ideológica visando melhor aproveitamento escolar das crianças, no currículo

formal, através das "atividades curriculares alternativas", ou seja, as estratégias criadas e

utilizadas por esta escola parecem extrapolar o currículo prescrito, demonstrando, com isso, a

possibilidade de ampliar as designações e experiências escolares. O currículo, conforme

APPLE (1999), não se restringe a programas e conteúdos, mas, antes, se constitui como um

desenho a ser construído pelos atores que transitam no espaço da escola.

Estabeleci então, a pressuposição de que as "atividades curriculares alternativas",

desenvolvidas na escola eleita para a pesquisa, poderiam também realizar um resgate e uma

valorização de outros saberes, na perspectiva defendida por EISNER (1994) ressaltando que o

conhecimento também perpassa as vias dos sentidos, além das vias do intelecto.

A pesquisa conseguiu evidenciar como ocorre a complexa apropriação curricular, na

tomada de decisões no cotidiano da escola, e, principalmente, como influencia não só os

resultados da aprendizagem dos alunos envolvidos, mas as experiências escolares do alunado

como um todo.

Espero que o clareamento das questões relacionadas ao processo educativo pela via

das "atividades curriculares alternativas" possa permitir aos professores e demais integrantes

da equipe escolar da instituição pesquisada uma melhor compreensão da prática pedagógica

empreendida, bem como das conseqüências das escolhas realizadas e das decisões tomadas no

seio da escola.

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ABORDAGEM METODOLÓGICA

O trabalho que se apresenta é resultado de uma pesquisa qualitativa. Como em toda

investigação qualitativa, uma das suas estratégias baseou-se no pressuposto de que muito

pouco se sabia acerca das pessoas e ambientes que iriam constituir o objeto de estudo,

situação que orienta a escolha da abordagem metodológica para um Estudo de Caso.

Conforme BOGDAN e BIKLEN (1994, p.50) "não se trata de montar um quebra-cabeças

cuja forma final conhecemos de antemão. Está-se a construir um quadro que vai ganhando

forma à medida que se recolhem e examinam as partes".

Para avaliar a experiência em foco, além da observação sistematizada do

desenvolvimento das "atividades curriculares alternativas" na escola, como também análise

da documentação da escola sobre a proposta curricular e os planos das atividades em questão,

entrevistei, ainda, alunos e alunas, professoras, pais, voluntários e voluntárias, membros das

equipes administrativa e pedagógica.

Foram considerados, portanto, dezesseis alunos das séries iniciais do Ensino

Fundamental, na faixa etária de nove a doze anos, suas professoras, seus pais, a diretora da

escola, a supervisora pedagógica e orientadora educacional do turno diurno, os voluntários e

voluntárias que desenvolvem as "atividades curriculares alternativas", como a unidade social

a ser estudada nos seus aspectos relevantes para a análise do objeto de investigação proposto.

O trabalho de investigação realizado optou por se ater a situações particulares e específicas da

escola selecionada, que dessem conta de compreender os diversos mecanismos utilizados pela

instituição como respostas para o seu cotidiano, promovendo ações e usando recursos de

melhoria da rotina escolar, revertendo de forma mais criativa situações referentes à

dificuldade de aprendizagem e às experiências escolares, bem como situações de

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agressividade, indisciplina dos alunos e dificuldades de relacionamento, sob a ótica dos seus

integrantes.

A opção pela orientação metodológica do Estudo de Caso se fez na perspectiva de que

a pesquisa se constituiria numa análise aprofundada do cotidiano escolar, direcionada para

entender as concepções construídas pelos alunos e alunas, suas professoras, seus pais,

voluntários e demais integrantes da equipe escolar sobre as atividades particularizadas no

currículo sob a forma de "atividades curriculares alternativas", na escola selecionada para a

investigação. Conforme ZAGO; CARVALHO; VILELA (2003, p.8-9), (...) "apenas uma

imersão em seu próprio objeto de investigação e na trama social que o envolve é que cada

pesquisador poderá encontrar as respostas adequadas, os formatos metodológicos mais

precisos, os procedimentos mais fecundos para prosseguir."

Mesmo se configurando como similar a tantos outros, o "caso" em foco tornou-se

distinto, por representar um interesse particular e específico de análise: a dinâmica da

criação, aplicação, desenvolvimento e influência das "atividades curriculares alternativas" no

processo de aprendizagem e de experiências escolares das crianças das séries iniciais do

Ensino Fundamental.

Procedimentos metodológicos

A seguir, descrevo o processo de escolha e seleção da metodologia utilizada, com a

abordagem do "estudo de caso", bem como apresento os instrumentos e procedimentos usados

para a pesquisa empírica.

A pesquisa qualitativa, segundo BOGDAN e BIKLEN (1994), tem o ambiente natural

como a sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. A

pesquisa qualitativa supõe um contato direto e prolongado do investigador com o espaço da

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empiricidade e as questões que estão norteando o seu trabalho. Busquei contato intenso com

as atividades desenvolvidas na escola, ficando em campo no período de março a setembro de

2004, perfazendo um total de duzentas e oitenta horas de trabalho. Portanto, a pesquisa

qualitativa tornou-se adequada, privilegiando o estudo de caso, na tentativa de retratar a

realidade estudada de forma completa e profunda, como ressaltam LUDKE e ANDRÉ (1986),

visando uma apreensão mais detalhada do objeto e considerando o contexto no qual ele se

posiciona.

A escola selecionada para a realização da pesquisa empírica configurou-se como um

caso típico, no qual puderam ser explicitados os elementos necessários para a descrição e

análise do objeto de investigação proposto, por se constituir numa escola com as

caracterizações próprias e comuns às escolas municipais da Região Metropolitana da Grande

BH, onde puderam se manifestar elementos naturais, ricos e relevantes para o estudo das

questões definidas para o estudo.

A escola escolhida funciona em dois turnos e oferece a Educação Infantil e as séries

iniciais do Ensino Fundamental.

Na realização da pesquisa de campo foram entrevistados os dezesseis alunos

selecionados das turmas de quarta série do Ensino Fundamental, suas professoras, o grupo de

pais desses alunos, bem como toda a equipe administrativo-pedagógica da escola que atua

diretamente no turno da manhã2. Também foram entrevistados os voluntários e as

voluntárias que trabalham nos projetos onde são desenvolvidas as "atividades curriculares

alternativas" em foco. A realização da pesquisa se deu no turno da manhã, horário em que

funcionam as turmas selecionadas.

Além da observação do desenvolvimento das atividades dentro dos projetos

específicos foi realizada, também, uma análise documental, com levantamento de informações

2 A explicitação dos critérios para a escolha das turmas, dos alunos e alunas serão detalhados à frente.

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sobre a escola. Conforme BECKER (1993), ao observador é útil coletar documentos e

estatísticas gerados pela comunidade ou organização. Podem propiciar um histórico

importante, uma documentação das condições de ação de determinado grupo ou ainda, um

registro de eventos e análises.

De acordo com BOGDAN e BIKLEN (1994), o planejamento geral de um estudo de

caso apresenta uma aparência de afunilamento, na qual se apresentam, na fase inicial,

aspectos amplos e abrangentes que possam trazer ao investigador elementos exploratórios

para o delineamento dos procedimentos e caminhos para uma efetiva realização de estudo. À

medida que a investigação avança, o afunilamento vai se tornando mais rigoroso e

sistemático, com a organização dos dados já coletados em confronto com os objetivos mais

específicos do trabalho. Esse afunilamento vai permitir ao pesquisador uma maior clareza

para selecionar pessoas a serem entrevistadas, fontes a serem pesquisadas e categorias de

análise a serem construídas, possibilitando ao estudo um maior rigor e o aprofundamento das

questões principais.

A partir dessas características inerentes à metodologia específica do estudo de caso e

da estrutura teórica construída, o desenvolvimento da pesquisa se organizou em quatro fases.

Vale ressaltar que essas fases não se constituíram de forma linear e compartimentada, mas, ao

inverso, se desenvolveram num processo recursivo, flexível e cíclico, de acordo com as

necessidades surgidas.

1ª Fase - Exploratória

1) Entrada no campo: processo de negociação com a diretora e a equipe docente e

pedagógica para a realização da pesquisa;

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2) Reconhecimento do cotidiano da escola, com o objetivo de obter uma visão geral do seu

funcionamento, da rotina do trabalho escolar e do desenvolvimento das "atividades

curriculares alternativas".

2ª Fase - Coleta Sistemática de Dados - Métodos e Técnicas

1) Análise Documental

Consulta aos documentos que pudessem ser utilizados como fonte de informação sobre as

formas curriculares propostas e utilizadas pela escola, assim como a forma como essas

propostas são repassadas às professoras e alunos. Consulta aos documentos que são utilizados

na organização dos Projetos desenvolvidos pela escola, onde consta a dinâmica das

"atividades curriculares alternativas". Consulta aos relatórios elaborados pela orientadora

educacional, que é a coordenadora do programa, sobre o desenvolvimento e desempenho dos

alunos e alunas que participam das ACA3 dentro dos projetos propostos pela escola.

2) Observação Sistemática

A observação sistemática foi realizada nos espaços onde se desenvolvem as ACA com os

alunos das quartas séries. Foram ainda observadas as quatro professoras das séries citadas e

todos os voluntários e voluntárias que participam dos projetos. Essa etapa de pesquisa teve

por objetivo proporcionar a coleta de dados relevantes que pudessem fornecer elementos para

a análise da aplicação, desenvolvimento e influências das "atividades curriculares

alternativas" no processo de aprendizagem e das experiências escolares das crianças

selecionadas para a pesquisa, conforme o proposto.

3 Adoto, a partir deste momento, a abreviatura ACA para designar "atividades curriculares alternativas".

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3) Entrevistas

a) Foram realizadas entrevistas em profundidade, semi-estruturadas, com o objetivo de

coletar dados e informações junto aos voluntários e voluntárias responsáveis pela aplicação

das "atividades curriculares alternativas", procurando explicitar o tipo de planejamento

utilizado no desenvolvimento das atividades, bem como as percepções dos voluntários e

voluntárias sobre o que ocorre com os alunos participantes das atividades. Os informantes

para esta coleta foram todos os cinco voluntários e voluntárias que atuam com as crianças no

turno da manhã, horário em que a pesquisa se realizou.

b) Foram realizadas entrevistas em profundidade, semi-estruturadas, com a diretora da escola,

com a orientadora educacional que é a coordenadora geral dos projetos em que são

desenvolvidas "as atividades curriculares alternativas", com a supervisora pedagógica e com

as quatro professoras dos alunos selecionados para a pesquisa. Tais entrevistas tiveram como

objetivo principal a identificação e análise do processo de organização das "atividades

curriculares alternativas", do seu desenvolvimento no cotidiano da escola, bem como as

percepções dos membros das equipes administrativa e pedagógica sobre as ACA.

c) Também foram realizadas entrevistas abertas com os dezesseis alunos das quatro turmas

de quarta série, selecionadas para a pesquisa, uma vez que considerei a possibilidade destas

crianças, por estarem na 4ª série, terem maiores condições de verbalização para as questões

das entrevistas e das observações diárias, revelando as suas percepções sobre as "atividades

curriculares alternativas" das quais participam. Um outro critério para a seleção dos alunos

das quartas séries recaiu sobre o tempo de escolaridade, uma vez que foram selecionados

dezesseis alunos que participam das "atividades curriculares alternativas" há mais de dois

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anos. A escolha do total de dezesseis crianças foi em conseqüência das condições de tempo

para realizar a pesquisa. Por outro lado, considerei que quatro alunos de cada turma de quarta

série poderiam fornecer uma dimensão mais ampliada da realidade da turma, do que apenas

um representante de cada uma delas. Tais entrevistas tiveram como objetivo principal

identificar e analisar as formas de apropriação do conhecimento por eles realizadas e para

identificação da percepção que os mesmos têm sobre as "atividades curriculares alternativas"

das quais participam.

d) Finalmente, foram entrevistados os pais dos dezesseis alunos selecionados, com o objetivo

de identificar a percepção que os mesmos têm sobre as ACA no âmbito da escola, o

conhecimento que têm sobre o desenvolvimento das ACA na vida escolar dos filhos e a

avaliação que fazem sobre estas atividades alternativas no dia-a-dia das crianças, dentro e

fora da escola.

3ª Fase - Análise e interpretação de dados

Os objetivos geral e específicos deste estudo são subsidiados por questões que

norteiam o desenvolvimento da pesquisa teórica e empírica, e indicam a forma para a escolha

de instrumentos e técnicas específicas para a investigação, análise e interpretação dos dados

deste estudo de caso. A análise dos dados coletados foi qualitativa e de conteúdo, sendo que

os dados foram confrontados com o contexto do qual emergem e com o referencial teórico

construído ao longo de todo o trabalho, possibilitando a elaboração de categorias de análise

para uma compreensão do objeto de investigação.

Na identificação da escola pesquisada, bem como de seus alunos e alunas,

professoras, pais, voluntários e voluntárias e demais sujeitos envolvidos na investigação,

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optei, por recomendação metodológica, mantê-los no anonimato. Para denominação da

escola utilizei um nome fictício. Para denominar as professoras, diretora, supervisora,

orientadora educacional, voluntárias e voluntários, utilizei ordem seqüencial, nomeando-os e

numerando-os pelo cargo / função. Na identificação dos alunos e alunas selecionados e seus

pais, usei de abreviaturas nominais. Também optei por não identificar a cidade onde fica

localizada a escola, foco da pesquisa empreendida.

As identidades dos sujeitos devem ser protegidas, para que a informação que o investigador recolhe não possa causar-lhes qualquer tipo de transtorno ou prejuízo. O anonimato deve contemplar não só o material escrito, mas também os relatos verbais da informação recolhida durante as observações. (BOGDAN e BIKLEN, 1994,p.77)

Concluída a análise dos dados à luz dos referenciais teóricos que embasaram a

pesquisa, buscando captar todas as percepções possíveis dos atores envolvidos e a construção

da síntese das principais idéias desenvolvidas, foi então elaborada a redação final da

dissertação, que tem seu relato organizado de forma a percorrer textualmente as abordagens

consideradas, caminhando pelo percurso da criação, implementação, desenvolvimento e

resultados das "atividades curriculares alternativas" no processo de aprendizagem e demais

experiências escolares dos dezesseis alunos da quarta série do Ensino Fundamental.

O texto apresenta três capítulos, além da introdução e das considerações finais.

No Capítulo 1 - Apresentação da escola e a visibilidade das "atividades curriculares

alternativas" - ACA -, apresento a escola, lócus da pesquisa, seu quadro de funcionários e

todo o grupo de sujeitos selecionados para a investigação. Dou visibilidade às "atividades

curriculares alternativas" no contexto escolar e também explicito sobre as necessidades que

levaram a escola à criação e implementação das citadas atividades.

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No Capítulo 2 - Fundamentação Teórica: situando as referências no campo do

currículo -, apresento as teorias principais e secundárias que embasaram a pesquisa, bem

como os eixos de discussão que a suscitaram. Estabeleço um breve histórico sobre o

Currículo, explicito a respeito do campo da cultura como conteúdo da educação e sobre a

cultura própria da instituição pesquisada e sua comunidade. Discuto sobre o currículo formal

e o currículo em ação, principalmente dentro do programa de suplementação do currículo

formal pelas "atividades curriculares alternativas" . Procuro estabelecer algumas questões

sobre o Cotidiano, como espaço real de aprendizagem e de experiências dentro da escola,

ressaltando que o processo de aprendizagem e a aquisição de experiências e conhecimento

perpassa por outras vias ou meios, além das vias do intelecto. Finalizo, destacando a

possibilidade de inter-relação entre o conhecimento escolar e o cotidiano, destacando sobre

as diferenciadas aprendizagens e experiências escolares possíveis a partir de um desenho

curricular que contemple atividades alternativas além das estritamente discursivas e prescritas.

No Capítulo 3 - "Atividades curriculares alternativas" - para além das atividades

discursivas e prescritas -, apresento as ACA inseridas no cotidiano da escola, sua

organização e configuração de espaço e tempo, o trabalho alternativo no âmbito da instituição

e o envolvimento das professoras e das famílias das crianças. Discuto sobre os alcances e as

limitações do trabalho empreendido pela escola, a dimensão cognitiva das "atividades

curriculares alternativas", os tipos de aprendizagens e experiências escolares contempladas e

os significados destas aprendizagens e experiências.

Focalizo, ainda, a percepção dos sujeitos envolvidos nas "atividades curriculares

alternativas", a relação entre o currículo prescrito e as possibilidades de elaboração de um

novo currículo que contemple as atividades em foco, as resistências quanto às "atividades

curriculares alternativas" na rotina escolar e o trabalho dos voluntários e voluntárias no

processo educativo da instituição.

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Nas Considerações Finais, apresento uma tentativa de dar visibilidade ao que ocorre

verdadeiramente na escola, no seu cotidiano, mostrando as descobertas realizadas através da

pesquisa. Procuro também viabilizar o entendimento dos mecanismos internos que ocorrem

na escola através da articulação do currículo prescrito e do currículo alternativo, no

desenvolvimento das "atividades curriculares alternativas", suas limitações e abrangências. A

busca foi de procurar estabelecer uma relação entre as questões que impulsionaram e

direcionaram a pesquisa com os resultados obtidos ao logo do processo investigativo.

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CAPÍTULO 1 . APRESENTAÇÃO DA ESCOLA E A VISIBILIDADE DAS

"ATIVIDADES CURRICULARES ALTERNATIVAS" - ACA

"A educação escolar é uma atividade complexa, socialmente construída e pessoalmente recriada e, principalmente, interpretada." (Fernando Hernández, 2000, p.40)

Neste capítulo, objetivo inicialmente, apresentar a escola num todo e, especificamente,

as professoras, os alunos e alunas selecionados para o estudo, seus pais, a equipe

administrativo-pedagógica atuante, bem como apresentar o programa de trabalho alternativo

da escola que conta com a atuação de voluntários e voluntárias. A denominação dada às

atividades receberá, oportunamente, um tratamento específico no que diz respeito à sua

concretude e ao seu entendimento no cotidiano da escola. Esclareço que, quando falo das

ACA no âmbito da escola pesquisada, falo de atividades distintas e específicas, que foram

propostas para um contexto determinado de vida e ação.

Na apresentação da escola, descrevo a sua história, sua localização, seu espaço físico,

sua organização e funcionamento e seu quadro de profissionais e discentes. A compreensão e

apreensão da realidade na qual os dados empíricos foram coletados se torna fundamental a

partir da concepção de que qualquer mudança curricular implementada envolve os docentes,

os discentes, a comunidade educativa e o local ocupado pela escola. Portanto, busco

contemplar todos esses aspectos na construção do trabalho empreendido.

A cultura própria da escola, com sua multiplicidade social, sempre será levada em

consideração, sem perder o foco histórico na qual se configura, uma vez que "a cultura é o

conteúdo substancial da educação, sua fonte e sua justificação última: a educação não é

nada fora da cultura e sem ela." (FORQUIN,1993, p.12) . Isto é, a justificação fundamental e

contínua do processo educativo é a responsabilidade com a transmissão e a perpetuação da

experiência humana tida como cultura.

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Sendo a escola uma construção social imersa numa historicidade, entendê-la implica

uma construção teórica comprometida com a compreensão dos sujeitos que a freqüentam

cotidianamente ou não, para que seja vista, além de um espaço de reprodução de um sistema

de valores, também como um espaço de criação e interação de múltiplos saberes por meio das

relações estabelecidas pelos que a compõem.

Em um segundo momento, procuro dar visibilidade ao que denomino "atividades

curriculares alternativas" - atividades que acontecem fora da sala no horário de aulas dos

alunos, em modalidades esportivas, artesanais e de caráter cultural.

A escola em foco se utiliza dessas atividades através do desenvolvimento de projetos4

específicos de trabalho, assumidos por voluntários e coordenados pela equipe escolar. A

tentativa é compreender o cotidiano dessa escola, identificando e reconhecendo as

necessidades que levaram a instituição a criar e implementar um programa de atividades extra

classe, que extrapola o currículo prescrito.

Ressalto que os dados utilizados em todos os capítulos foram extraídos dos documentos

oficiais da escola, das anotações das observações diárias no campo e das entrevistas realizadas

com os diversos sujeitos selecionados para a investigação. Ressalto, ainda, que a

receptividade de toda a equipe de trabalho da escola e de todos os alunos, pais e voluntários

contatados foi um diferencial muito positivo para a investigação empreendida, uma vez que

pude me sentir acolhida e ao mesmo tempo, respeitada como pesquisadora em Educação.

1.1 Caracterização da Escola e descrição do contexto escolar: reconhecendo o

terreno

4 Projetos - tratamento dado pelos alunos, alunas, professoras, voluntários, voluntárias, pais e demais funcionários às "atividades curriculares alternativas" desenvolvidas na escola. Também são tratadas dessa forma no documento oficial do programa elaborado pela equipe escolar, que serve de base para todo o trabalho desenvolvido na instituição.

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A pesquisa foi realizada numa escola de periferia da rede pública municipal em uma

cidade da Região Metropolitana da Grande BH. A essa escola chamo de Escola Cristal. Ela

mantém as modalidades de educação infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental,

funcionando em dois turnos - diurno e vespertino, com dez turmas em cada turno, atendendo,

segundo informações da diretora, a uma clientela de alunos, na sua maioria, pertencente às

camadas desprivilegiadas da população.

A comunidade na qual está inserida a escola tem uma percepção muito positiva da

instituição, sendo reconhecida até como a "melhor escola do município” pelos pais dos

alunos, pelos alunos e membros da comunidade em suas conversas rotineiras, dentro e fora da

escola. Tal constatação se observa na maneira como os pais se referem a ela e ao seu

movimento cotidiano:

Esta escola é boa demais! Todo mundo aqui trabalha direito. Por isso meu filho não quer sair daqui. ( MJ , mãe de aluno da 4ª série) A escola aqui é perfeita. Atende bem todos os alunos. Se vocês levarem esses projetos para outras escolas vai ser bom demais. O que vocês fazem aqui é perfeito. (IRO, pai de aluna da 4ª série)

Percebe-se que o destaque atribuído à escola é resultado de um trabalho construído ao

longo dos poucos anos de sua história5. O trabalho desenvolvido pela escola desponta como

pioneiro no município, principalmente pelo desenvolvimento de alguns projetos de atividades

curriculares extra classe dentro de um programa de voluntariado implementado desde o início

do funcionamento da escola, quando a equipe educativa procurava caminhos para um

atendimento adequado aos alunos que recebia, conforme explica a diretora da escola:

De repente nós viemos para um bairro completamente desconhecido, ... eu não sabia qual o tipo, quais os alunos que nós iríamos trabalhar. Chegamos

5 Apresentarei, mais à frente, a história da Escola Cristal.

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neste bairro pensando que iríamos trabalhar com treze turmas e de repente estávamos com dezenove, com uma clientela completamente diferente. Alunos de um nível social melhor, alunos de um nível social mediano e... nós nos deparamos com uma grande quantidade de alunos com problemas sociais muito grandes: problema de indisciplina, desinteresse pela escola, brigas mesmo dentro da escola, agressão, ... eram crianças muito agressivas. A orientadora então, me deu a idéia de trabalharmos com projetos porque ela tinha trabalhado numa outra escola menor com o Projeto da Capoeira e lá foi muito positivo. E começamos a pensar nisso.

O bairro onde se localiza a escola é residencial e conta com algumas pequenas

indústrias. A área residencial nas laterais da escola é constituída de casas populares e o

comércio formado por poucos estabelecimentos de pequeno porte. No bairro não há áreas de

lazer, contando apenas com uma pequena praça, distante uns quinhentos metros da escola, que

durante o dia é vista como um ponto de encontro e de diversão e à noite como um espaço que

oferece riscos, tido como alvo de brigas, de traficantes de droga e de ações da "moçada"

(como é chamado o grupo de jovens e adultos freqüentador do local), com abusos e

promiscuidade. Muitas crianças da escola têm acesso à praça no horário noturno e chegam às

aulas relatando o que viram e ouviram. Algumas delas chegam a se envolver com o

movimento da praça durante a noite. Neste contexto, o que também ocorre, por falta de

opção de lazer, é uma "invasão" da quadra da escola à noite e nos finais de semana. O fato

interessante é que as crianças e jovens que utilizam a quadra sem permissão da diretoria da

escola o fazem com o cuidado de não danificar qualquer material ou espaço da escola. Estas

entradas na escola sem permissão só acontecem nas noites em que não há nenhuma atividade

na escola, pois nas demais noites, as dependências são cedidas para o funcionamento de

turmas de TELECURSO 2000 e de turmas de uma Faculdade local. Também ocorrem as

"invasões" nos finais de semana, durante o dia, quando não há serviço de vigilância da

Prefeitura Municipal.

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As ruas principais do bairro e que circundam a escola são asfaltadas e o bairro não

conta com sistema de transporte coletivo, sendo muito comum o uso de bicicletas e motos

para a locomoção dos moradores.

Em frente à entrada principal da escola ficam os fundos de uma fábrica de peças

automotivas, bem como, no início da rua de acesso à escola, pela Rodovia Estadual, fica uma

outra indústria, também de peças automotivas.

O prédio da escola é amplo, construído nos padrões mais recentes de arquitetura da

Secretaria de Estado da Educação. É composto por uma área térrea onde funcionam a

diretoria, a secretaria, a orientação educacional, a biblioteca, a sala de vídeo e TV - montada

provisoriamente na sala construída para ser um laboratório, três salas de administração geral,

um depósito, os sanitários - dois femininos e dois masculinos, dois sanitários para

funcionários, a cantina, a cozinha, a despensa e uma sala de aula. O primeiro andar abriga

amplos corredores, nove salas de aula e a supervisão pedagógica.

Como se pode notar, a escola dispõe de uma ótima estrutura física e é muito bem

cuidada e conservada. No que se refere à biblioteca, vale ressaltar que ela conta com variados

materiais didático-pedagógicos - materiais estes recebidos como doação da Escola Estadual

que mantinha as turmas iniciais do Ensino Fundamental anteriormente à municipalização.

Conta ainda com uma pequena quantidade de livros para pesquisa dos alunos e uma grande

quantidade de livros didáticos. Entretanto, tem se transformado num espaço "morto", uma vez

que não conta com nenhum funcionário para a sua organização e atendimento, servindo mais

como depósito. A direção da escola informou que, dentro de um plano de contenção de

despesas da Secretaria Municipal da Educação, foi reduzido o número de professoras da

escola.

Ainda em referência à área física, a escola tem jardins bem cuidados e áreas livres bem

utilizadas e adequadas ao movimento dos alunos, professores e demais funcionários. As salas

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de aula revelam utilização criativa do espaço interno e todas as demais dependências também

têm aparência agradável, com móveis e equipamentos bem distribuídos e organizados.

A escola tem uma quadra esportiva bem construída, com arquibancadas em alvenaria,

alambrado e iluminação adequados. Tem ainda um espaço onde está plantada uma pequena

horta que supre as necessidades básicas da alimentação dos alunos, com verduras e temperos.

A área de terreno é toda cercada com muro, tendo duas entradas distintas: uma para

movimentação de pedestres e outra para automóveis.

O conjunto da escola, nos seus aspectos externo e interno, revelam um modelo de boa

administração escolar. No aspecto das relações pessoais, o que pude perceber foi um

ambiente de tranqüilidade, no qual os profissionais buscam a superação dos obstáculos

diários através da ação colaborativa e do respeito mútuo. Durante o tempo da pesquisa, não

presenciei nenhuma situação de desconforto entre as profissionais da escola, desde as

professoras até as auxiliares de serviços gerais. Por poucas vezes, surgiram situações de

maior preocupação na rotina do trabalho, que foram contornadas com moderação e sensatez.

1.2 História da instituição

No ano de 1997, houve a municipalização das séries iniciais do Ensino Fundamental

no município. A partir de 1998, as dez turmas de 1ª à 4ª série de uma Escola Estadual do

centro da cidade foram municipalizadas6 e então repassadas para a gestão da Prefeitura

Municipal.

6 O processo de municipalização das séries iniciais do Ensino Fundamental ocorreu através de um acordo entre o governo estadual e o governo municipal. No caso da escola em foco, professoras da rede municipal de ensino assumiram as turmas que pertenciam à rede estadual. Na Escola Estadual, as professoras que atendiam às turmas que foram municipalizadas, engajaram no trabalho docente a partir de suas formações acadêmicas e das especificidades dos seus cargos.

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Na época, as turmas continuaram funcionando no prédio da Escola Estadual da qual

pertenciam anteriormente, sob a coordenação de funcionárias da rede municipal. No início do

ano 2000, as turmas foram então transferidas para um prédio recém construído pelo governo

estadual em parceria com a municipalidade, e criada então uma nova escola municipal. Nos

dias da transferência oficial das turmas para o novo prédio, houve uma contundente

manifestação de pais da comunidade escolar, solicitando a permanência de alguns alunos no

prédio da Escola Estadual, uma vez que a nova escola estava construída acima da Rodovia

Estadual, o que em muito preocupava os pais, em função do transporte das crianças que

moravam abaixo da movimentada via rodoviária. Algumas reuniões com representantes

políticos e comunitários foram realizadas e o Poder Executivo garantiu o transporte diário

para as crianças. Logo a comunidade se habituou à mudança.

No mês de janeiro de 2000, a nova escola iniciou suas atividades e em fevereiro do

mesmo ano, recebeu as turmas de alunos para as séries iniciais do Ensino Fundamental. Com

a mudança de endereço da escola e a crescente expansão do bairro, o que ocorreu foi o

recebimento de novas matrículas, de alunos do bairro e de bairros próximos à escola, bairros

estes também da área periférica da cidade.

O que se observou foi a formação de uma clientela com um novo perfil e com novas

demandas escolares e sociais, conforme explicou a diretora da escola:

... o ponto chave mesmo foram as dificuldades que nós encontramos quando nós chegamos aqui: alunos agressivos, num primeiro momento a gente via que muitas crianças passavam a noite na rua em más companhias, desinteressadas pela escola. A freqüência era uma outra seríssima questão na época. Alunos que não tinham mesmo um amparo, ou seja, uma responsabilidade dos pais. Os pais também às vezes diziam: _ Nós não damos conta! Vê o que podem fazer para nos ajudar.(Diretora)

A escola foi se construindo assim, com o esforço pessoal e profissional de toda a

equipe em prol das crianças. Tal esforço e determinação no trabalho se caracterizaram,

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principalmente, pelo imediatismo das educadoras que empreenderam o trabalho

administrativo e pedagógico da instituição, numa sistemática marcada por iniciativas

emergenciais, sem estudos teóricos prévios, sem oportunidades de discussão mais ampla e

detalhada sobre as possíveis trajetórias e resoluções. Parece que a necessidade de

atendimento satisfatório aos alunos da escola na sua fase de implantação era fator

determinante para a manutenção da escola e até mesmo da sua sobrevivência naquele espaço

tão desconhecido e diversificado.

1.3 As professoras da escola

Para as vinte turmas que funcionam na escola, o quadro de professoras é formado por

vinte e cinco professoras, sendo que dez atuam no turno da manhã e dez no turno da tarde,

como regentes, além de uma professora eventual e uma auxiliar de secretaria no turno da

manhã e duas professoras eventuais e uma professora como auxiliar de secretaria no turno da

tarde.

O grupo de professoras por turno é bastante homogêneo, do ponto de vista da carreira

docente, uma vez que apenas cinco professoras não pertencem ao quadro efetivo da

municipalidade, sendo que a maioria possui mais de dez anos de experiência profissional.

Das vinte e cinco professoras, além do curso de Magistério, dez possuem formação de nível

superior, com predominância dos cursos de Letras e Pedagogia. Três delas estão cursando o

Normal Superior, outras quatro participam do processo de formação em serviço do Projeto

Veredas e oito possuem apenas o curso Normal, na modalidade de Ensino Médio.

As professoras formam um grupo de trabalho coeso, bem adaptado às condições e

necessidades dos alunos da escola.

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Durante a pesquisa realizada, pude perceber que as docentes têm uma preocupação

especial pela escola no tocante à manutenção do "prestígio educacional" atribuído a ela pela

comunidade, a partir de sua trajetória, desde sua implantação até os dias de hoje.

Sendo muito complexo todo e qualquer trabalho na escola, impondo desafios para os

quais não existem soluções pré-fabricadas, a resposta a esses desafios exige dos professores,

de uma maneira geral, uma resposta ativa, resultando num saber que lhes é próprio. Conforme

esclarece TARDIF:

... o saber dos professores deve ser compreendido em íntima relação com o trabalho deles na escola e na sala de aula. Noutras palavras, embora os professores utilizem diferentes saberes, essa utilização se dá em função do seu trabalho e das situações, condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho. Em suma, o saber está a serviço do trabalho. Isso significa que as relações dos professores com os saberes nunca são relações estritamente cognitivas: são relações mediadas pelo trabalho que lhes fornece princípios para enfrentar e solucionar situações cotidianas. (TARDIF, 2002, p. 16,17. grifo meu)

Durante o tempo da pesquisa de campo não houve nenhum momento de estudo,

reflexão ou discussão acerca de qualquer tema relacionado à educação. As professoras, neste

contexto, trabalham prestigiando a prática sobre a teoria.

Em relação às turmas e suas respectivas professoras, fui informada pela diretoria que,

no final de cada ano letivo, após realizadas as renovações de matrículas e as matrículas dos

alunos novatos para o ano seguinte, é realizada uma reunião para a escolha das turmas pelas

professoras, para o ano letivo vindouro, obedecendo critérios estabelecidos pela escola, em

comum acordo com as docentes, e aprovados pelo Colegiado. Os critérios vão da avaliação de

desempenho satisfatória ao tempo de serviço na rede pública municipal até o desempate pela

idade das professoras que pleiteiam as turmas.

Atendendo à seleção de sujeitos para a pesquisa, já explicada, as quatro professoras

das turmas de quarta série foram detalhadamente observadas e acompanhadas, durante os

dias de trabalho empírico. Todas possuem curso superior: duas com a graduação em Letras,

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uma em Pedagogia e a outra em História. Duas delas possuem pós-graduação lato sensu em

área específica. Trabalham no turno da manhã, com turmas de trinta a trinta e cinco alunos.

Entre elas, há uma troca constante de idéias e sugestões de atividades diárias, trocas estas

feitas, às vezes, nas portas das salas de aula e, na maioria das vezes, antes do início das aulas

e, raramente, no final do horário.

Durante todo o trabalho de investigação, comprovei atitudes destas professoras que

me permitiram considerá-las como "sujeitos educacionais" (NOGUEIRA, 2004), constituídas

nas diversas dimensões do seu cotidiano. Tais dimensões vão além do âmbito da relação

formal de ensino-aprendizagem, constituindo-se em processos dinâmicos de relações e inter-

relações entre os sujeitos e o conhecimento, nos diversos tempos e espaços do universo

educativo.

Como a maioria dos alunos das quartas séries participa das ACA, isso impõe às

professoras um ritmo de trabalho semanal direcionado ao atendimento dos horários das

referidas atividades, bem como aos alunos participantes e aos outros que ficam nas salas de

aula enquanto acontecem as ACA fora do espaço da sala de aula. Observei uma constante

adequação das professoras à rotina, que acredito ter sido adquirida com o passar dos anos,

desde a implantação do programa até o momento.

Como esclarece NOGUEIRA:

... ver as professoras e os seus alunos como sujeitos educacionais cotidianos implica considerá-los envolvidos com as pequenas atividades que desenvolvem nas suas práticas diárias, através da utilização dos saberes que constroem, não somente na escola, mas em outros locais e situações da vida cotidiana. (NOGUEIRA,2004, p. 72,73)

As professoras selecionadas para a pesquisa, quando entrevistadas, demonstraram, na

maioria, uma boa aceitação pelas ACA, explicitando até mesmo que, na opinião delas, as

referidas atividades fazem parte do currículo prescrito da escola:

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Estas atividades fazem parte do currículo e contribuem para o desenvolvimento do currículo na sala de aula, porque as crianças aprendem muito mais fora da sala de aula, fora da rotina. ( Professora 1)

Eu acho que as atividades fazem parte do currículo, atendendo as necessidades do aluno, da escola, da comunidade. (Professora 3)

Fazem parte do currículo da escola. Não é aquele currículo que vai estar lá na 'papelada', mas é parte do currículo da escola. (Professora 4)

Mas há, também, resistências ao programa das ACA. Uma das professoras, no seu

depoimento, deixa explícita, numa de suas exposições, uma certa rejeição ao trabalho

desenvolvido na escola:

A minha opinião é manter os projetos fora do horário de aula e com pessoas qualificadas para o trabalho. Deveriam fazer parte do currículo e serem tratados como uma coisa natural. (Professora 2)

Em outro momento da entrevista, a professora revela, implicitamente, dúvidas quanto

à própria resistência e quanto ao reconhecimento das ACA como algo negativo no

desenvolvimento dos alunos:

A idéia é a de que os projetos beneficiariam os alunos, principalmente aqueles que têm mais dificuldade, que seria um incentivo, tanto pra eles em disciplina quanto com o intuito de melhorar também o aprendizado deles, na socialização, na aprendizagem, na responsabilidade, porque para participar do projeto ele tem que cumprir regras, Então eu acho que foi uma forma de trazer a responsabilidade, o compromisso, atingindo a disciplina. (Professora 2)

1.4 A direção e a coordenação pedagógica da escola

A administração da escola conta com o trabalho de uma diretora e uma vice-diretora.

A diretora tem formação superior na área de Estudos Sociais e uma pós-graduação lato sensu

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em História. A vice-diretora formou-se recentemente no curso de Letras. As duas parecem

formar uma dupla de trabalho sintonizada na perspectiva de uma administração colaborativa

que procura satisfazer as necessidades dos alunos, professoras, funcionárias e comunidade

escolar. A escola denota, nos seus aspectos físico, legal e pedagógico, uma rede de interações

positivas em relação à organização, ordem e apoio aos servidores e alunos.

Pude perceber que a diretora tem toda a movimentação diária da escola sob controle,

permanecendo nela praticamente durante todo o período de funcionamento, ou seja, de sete

às dezessete horas, de segunda à sexta-feira, com raríssimas ausências. Mesmo com todo o

controle exercido pela diretora, há uma dinâmica democrática de trabalho, não havendo

autoritarismo e sim, uso da autoridade quando necessário. A diretora demonstra habilidades

de liderança e tranqüilidade administrativa. A escola está diretamente vinculada à Secretaria

Municipal da Educação, e por algumas vezes, necessita de apoio da instância superior. Mas,

com o passar dos dias pude notar um distanciamento administrativo do órgão municipal e

uma crescente autonomia no que é possível e viável dentro da escola, por parte da equipe

administrativo-pedagógica.

A vice-diretora trabalha em um dos turnos de funcionamento da escola, em regime de

revezamento com a diretora. Também é tranqüila e supre bem as ausências da diretora nas

necessidades rotineiras e excepcionais. Portanto, o que se percebe é uma direção que busca

aperfeiçoamentos constantes e que demonstra saber da responsabilidade que lhe é imposta.

A coordenação pedagógica da escola é formada por duas supervisoras pedagógicas e

duas orientadoras educacionais, sendo que uma das orientadoras tem o curso de

Psicopedagogia e uma das supervisoras tem pós-graduação em Metodologia e Didática do

Ensino, também na modalidade lato sensu. Elas trabalham em turnos distintos, sempre uma

supervisora e uma orientadora. Atuam na modalidade de assessoramento pedagógico aberto,

com ações de cooperação e coordenação do trabalho educativo junto às professoras, alunos,

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diretoria e pais, tendo um bom acesso a eles todos. Em alguns momentos foi possível

observar algumas poucas resistências por parte das professoras em relação às orientações

mais específicas vindas das pedagogas no trabalho diário na sala de aula.

As pedagogas da instituição realizam atendimentos individuais aos alunos que

necessitam de um acompanhamento mais permanente. Realizam reuniões periódicas com as

professoras levantando dados sobre a aprendizagem dos alunos, das turmas e definição de

formas de atendimento às mesmas. Realizam bimestralmente, as reuniões de Conselho de

Classe, bem como solicitam a presença dos pais sempre que necessário. Procuram fazer uma

parceria constante com as famílias.

Na rotina escolar, pude observar que as pedagogas, por muitas vezes, durante o

período da investigação, necessitaram paralisar suas atividades específicas e pré-organizadas

para substituírem professoras faltosas. Também pude perceber que um acúmulo de tarefas e

atendimentos recaía, por vários dias, sobre as pedagogas do turno. O quadro de funcionárias

da escola não atende às necessidades cotidianas no que diz respeito ao número de professoras

para a movimentação da instituição em detrimento das faltas ao trabalho, licenças médicas e

afastamentos para férias-prêmio das funcionárias. Por várias vezes as pedagogas

comentavam:

Não consigo seguir com o meu esquema de trabalho, pois agora sou 'professora', dou aula todo dia. (Supervisora pedagógica 1)

Aqui agora é assim: milagre o dia em que não tenho que ir para a sala de aula. (Orientadora educacional 2)

A administração da escola procura evitar transtornos com os desvios de função, mas

nem sempre consegue, pois não tem autonomia para contratar e/ou demitir funcionários.

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No tocante à contínua preparação e formação continuada das professoras, a diretora, a

vice-diretora e as pedagogas demonstram preocupação com a escassez de oportunidades para

as docentes participarem de grupos de estudos e reflexões acerca das teorias educacionais.

Não há autonomia para que a escola proponha encontros fora da carga horária de trabalho das

professoras e a Secretaria Municipal da Educação quase nunca promove encontros,

seminários ou similares.

Mesmo com todas as dificuldades elencadas, há uma visível coesão no trabalho

administrativo e pedagógico dentro da instituição, que reflete na percepção positiva da escola

pela comunidade escolar.

Assim, no que se refere à gestão escolar, constata-se a presença atuante da equipe

administrativa e pedagógica, traduzida no seu conhecimento acerca dos problemas da escola

e no grau de interlocução com os alunos, professoras, funcionárias e familiares do alunado. O

respeito pela escola e o reconhecimento de que seu espaço deve ser preservado são

compartilhados pelos diversos sujeitos educacionais.

1.5 Os alunos da escola - perfil dos alunos selecionados

Delinear o quadro da escola pesquisada, com seus participantes é uma tarefa

desafiadora, no que diz respeito à apresentação desses como sujeitos inseridos num cotidiano

específico e particular.

No período de março a setembro de 2004, havia na escola um total de seiscentos e

dezoito alunos, distribuídos nos dois turnos. Desse total, sessenta e nove alunos estavam na

Educação Infantil, no turno da tarde; duzentos e trinta e nove alunos nas séries iniciais no

turno da tarde; trezentos e dez alunos nas séries iniciais no turno da manhã. Estavam nas

quatro turmas de quartas séries do Ensino Fundamental cento e dezoito alunos. Cada turma

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tinha, em média, trinta a trinta e cinco alunos, com enturmação feita com base,

principalmente, na faixa etária para a série e no melhor aproveitamento escolar.

De acordo com as informações contidas nos registros da secretaria e no Plano de

Desenvolvimento da Escola - PDE, uma grande parte dos alunos da escola reside no próprio

bairro, sendo filhos de operários, empregadas domésticas, donas de casa, pedreiros e

desempregados. Outra pequena parte dos alunos reside na área central da cidade e é formada

por filhos de professoras, profissionais liberais e pequenos comerciantes. Vale ressaltar que

no centro da cidade, abaixo da Rodovia Estadual não há nenhuma escola pública de

Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Uma outra parte dos alunos reside

em bairros próximos à escola e também são filhos de famílias que vivem em péssimas

condições de moradia, sem trabalho e vivendo basicamente de doações de membros da

comunidade e de grupos de assistência. Outra parcela do alunado é beneficiária da Bolsa-

Família, do Governo Federal. Dos seiscentos e dezoito alunos, aproximadamente setenta

alunos estão inscritos no programa do Governo Federal. A escola tem um rigoroso controle

da freqüência dos alunos, principalmente daqueles que são beneficiários dos recursos federais.

Há toda uma organização deste controle, inclusive com visitas das orientadoras educacionais

às famílias dos alunos faltosos por mais de um/dois dias e posterior comunicação ao Conselho

Tutelar sobre a condição de freqüência dos alunos. As orientadoras também mantêm contato

permanente com as famílias dos alunos que demonstram deficiência na freqüência, mesmo

não sendo os recebedores dos benefícios.

Durante o trabalho de investigação pude observar que a escola é sempre visitada por

mães e pais e/ou responsáveis pelos alunos, que chegam para conversar com as professoras e

pedagogas. São sempre muito bem recebidos e a diretoria da escola viabiliza o diálogo dos

pais com as professoras liberando alguma outra funcionária para estar na sala de aula com os

alunos, para que a docente solicitada possa atender a família ou seu representante em local

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apropriado e com a devida atenção. Os pais, mães e demais responsáveis pelos alunos - há

uma grande parte das crianças que vive com avós, tios e outros parentes - revelam uma

grande valorização pela escola e participam ativamente da rotina escolar dos filhos, filhas,

netos, netas, sobrinhos e sobrinhas. Demonstraram essa valorização durante o dia-a-dia da

escola e, principalmente quando pude entrevistá-los:

Acho que a escola tem um atendimento muito bom. Porque tudo o que vem dos funcionários, das professoras é só coisa boa, pra colaborar com os filhos da gente, para uma boa educação. (MACS, mãe de aluna da 4ª série)

Eu acho esta escola excelente. Entre todas, essa é a que eu acho muito boa. ( LGBS, mãe de aluna da 4ª série)

Os alunos, normalmente, são tranqüilos e disciplinados. Conforme comentários da

diretora e das pedagogas não era assim no início do funcionamento da escola, uma vez que

grande parte dos alunos era muito agitada. Durante a pesquisa, os alunos demonstraram

conhecer as regras da escola e transitavam pelas dependências da instituição, durante o

horário das aulas com intimidade e segurança, sem agitação e barulho excessivo. Nos

intervalos, início e fim das aulas, surgiam barulhentas, alegres, correndo por todos os lados.

As crianças têm horários semanais definidos pela diretoria e coordenação pedagógica,

para uso das dependências externas, como a quadra e os pátios, além dos horários para a

participação nas ACA, tudo registrado em cronogramas que são afixados fartamente nas

dependências da escola.

Pude observar ainda que, mediante algum problema com os alunos dentro das salas ou

fora delas, houve sempre uma constante presença e apoio das pedagogas e direção da escola,

com o objetivo principal de solucionar ou atenuar o conflito.

A descrição dos alunos e alunas selecionados para a pesquisa torna-se necessária, uma

vez que se constituem como os principais sujeitos do trabalho, no que diz respeito às

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influências recebidas do programa implementado pela escola - adequação dos alunos e alunas

à realidade cotidiana da escola, nos seus aspectos pedagógico e comportamental.

Do bloco de cento e dezoito alunos e alunas que formam as quatro turmas de quarta

série, com crianças na faixa etária de nove a doze anos, foram selecionados dezesseis alunos

e alunas, de acordo com os critérios já explicitados anteriormente (possibilidades dessas

crianças terem maiores e melhores condições de verbalização para as questões das entrevistas

e das observações diárias, e estarem participando as ACA há mais de dois anos). Desses 16

alunos e alunas, o que se percebeu, dentre muitos outros aspectos que serão ainda

contemplados, foi uma ligação muito positiva com as professoras e a instituição, tendo sido

revelada durante os contatos informais estabelecidos, as observações sistemáticas das ACA e

as entrevistas realizadas com os alunos e seus pais.

Em relação à participação dos alunos e alunas nos "projetos" ( como são chamadas as

ACA no cotidiano) o que pôde ser constatado é muito promissor:

Depois de ter entrado o projeto do Futsal eu fiquei mais feliz. (MPB, 10 anos)

O projeto me ajuda porque estou melhor, porque não estou conversando muito igual eu conversava antes na sala e não estou mais brigando. (ACW, 9 anos, Futsal)

Pelo que estou vendo as minhas notas estão melhorando. (BLS, 11 anos, Crochê)

Quando entrevistados, a totalidade dos alunos revelou uma perceptível vontade de

poder continuar participando das ACA, mesmo depois de concluída a quarta série e

transferida para uma outra escola, uma vez que a escola pesquisada não oferece as séries

finais do Ensino Fundamental. Os alunos demonstraram uma grande afinidade com a

instituição, através das formas de se referirem às professoras, aos colegas, à coordenação das

ACA, aos voluntários e voluntárias, à direção, à supervisora pedagógica e à orientadora

educacional.

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Durante as observações das ACA e da rotina escolar, pude perceber que os alunos e

alunas, na sua quase totalidade, se sentem muito bem dentro da escola. Não que os problemas

comuns de uma escola sejam inexistentes, mas são atenuados pela reciprocidade de atenção e

respeito aos alunos e profissionais. Ouvi depoimentos assim:

Estou pensando em "tomar bomba" na 4ª série, só para não sair desta escola e não sair do projeto do Crochê. (AGMS, 10 anos)

Ainda que tal depoimento tenha que ser relativizado, é possível reconhecer que ele

traduz, de alguma maneira, um sentimento de que caberia, em grande parte à escola, a

responsabilidade pelo bem estar de seus alunos e pela permanência deles na instituição.

1.6 Os pais e/ou responsáveis dos alunos selecionados, os voluntários e as voluntárias

atuantes

A escola em foco procurou manter, durante todo o período da investigação um contato

direto e objetivo com as famílias dos seus alunos. Tal comportamento veio comprovar a

dinâmica do trabalho da instituição com os familiares de seu alunado, num processo dialógico

permanente.

Em relação aos pais e/ou responsáveis pelos 16 alunos selecionados para a pesquisa, o

que se comprovou, da sua parte, foi uma completa e irrestrita confiança no trabalho inovador

desenvolvido pela escola e mais especificamente nas ACA.

Alguns pais e/ou responsáveis salientaram sobre o diferencial de atendimento da

escola em função das ACA que, segundo eles, é um aspecto não encontrado em outras

instituições. Assim, podemos afirmar que a iniciativa da Escola Cristal é inovadora em

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relação ao seu projeto educacional. Dentro da perspectiva da inovação7 na educação escolar,

o que se nota é que os pais e/ou responsáveis percebem que a escola e as ACA oferecem

possibilidades para o crescimento cognitivo, social e emocional dos filhos, através de seu

engajamento no cotidiano da instituição.

Além disso, os pais e/ou responsáveis manifestaram curiosidade, interesse e satisfação

pelo fato de se estar realizando um trabalho de pesquisa sobre a escola de seus filhos e filhas.

Em relação ao programa que desenvolve as ACA, é nítido o conhecimento que as

famílias têm sobre o mesmo desde o começo. Portanto, são conhecedores do processo. Seu

apoio à inovação baseia-se na grande confiança que têm depositada na equipe da escola:

A escola fica mais fácil para as crianças com estes projetos. A escola fica diferente por causa disso. E fica ótima. (ILT, mãe de aluno da 4ª série)

Acho que a escola é boa demais, principalmente por causa dos projetos. E o estudo aqui também é muito bom. (DT, mãe de aluna da 4ª série)

No que diz respeito aos voluntários e voluntárias atuantes, constatei um engajamento

que vem sendo construído ao longo dos quase cinco anos de desenvolvimento do programa

das ACA na escola. Os voluntários e voluntárias chegam até a escola por convite da

coordenação e da direção ou por iniciativa própria. A coordenação das ACA procura

estabelecer vínculos profissionais e pessoais com os voluntários e voluntárias, recebendo-os

na escola por inúmeras vezes antes do início definitivo dos trabalhos deles com as crianças.

Pelo fato de a escola não contar com nenhum recurso financeiro específico para a

implementação e dinâmica cotidiana das ACA, seja através da Secretaria Municipal da

Educação, seja através de quaisquer outros órgãos públicos, ela se viu impulsionada pela

necessidade e foi buscar recursos em outras instâncias, como no comércio local, nas

7 Inovação - em termos gerais, pode-se dizer que uma inovação é, como afirma HORD (1987) "qualquer aspecto novo para um indivíduo dentro de um sistema". Segundo Margarida Fernandes (1998, p.70) a inovação é entendida como um instrumento de resposta a um contexto evolutivo e incerto, como é o da sociedade de mudança acelerada em que vivemos, ..."

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indústrias, com os profissionais liberais da cidade e outros, e principalmente dentro da própria

escola, através da colaboração de seus profissionais. Tais recursos, quando adquiridos, muitas

vezes através de doações, outras vezes através de ações entre amigos ou venda de material

confeccionado pelos próprios alunos, é que sustentam as necessidades materiais das ACA,

como aquisição de bolas esportivas, uniformes para os times, linhas, tecidos, agulhas,

instrumentos para a capoeira, dentro muitos outros. Muitos voluntários e voluntárias, além de

colaborar com o trabalho, também fazem doações materiais para os projetos.

Os voluntários e voluntárias que atuam na escola formam um grupo diversificado no

que se refere à formação acadêmica e profissional, variando desde donas de casa até

graduandos do curso Normal Superior.

Da parte da coordenação das ACA há uma preocupação e uma vigilância constantes

com a atuação dos voluntários e voluntárias. Conforme relato da diretora e da orientadora

educacional, já ocorreram, em anos anteriores, dispensas de colaboradores por parte da escola,

uma vez que não correspondiam com a finalidade e os objetivos do programa. Desta forma, a

escola em foco realiza com uma organização impecável o trabalho de controle,

assessoramento e acompanhamento das ACA dentro do programa Amigos da Escola8 ,

atendendo quase a totalidade dos seus alunos matriculados nas séries iniciais do ensino

fundamental, uma vez que os alunos da educação infantil ainda não participam das ACA

propostas pela instituição.

1.7 Visibilidade das "Atividades Curriculares Alternativas" - ACA

8 Programa Amigos da Escola - um projeto do Brasil 500 Anos e Comunidade Solidária - Governo Federal e Rede Globo. Tal assunto será tratado no Capítulo 3.

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A partir das observações realizadas durante o trabalho empírico e do contexto já

apresentado, percebe-se que a escola, desde seu começo, tem uma ação renovadora que se

plasma em um compromisso profissional ativo e participativo das professoras e demais

funcionárias, principalmente no desenvolvimento da inovação educativa gerada por ela

mesma, primeiramente em atendimento emergencial aos alunos que recebera quando da sua

instalação. Depois, em manutenção das atividades que geravam resultados positivos ao

acolhimento das necessidades da sua clientela discente.

A perspectiva pela qual a direção e demais profissionais enxergam as ACA é a de que

elas acrescentam outras possibilidades de educação, não contempladas no currículo prescrito

da escola.

O processo de implementação e desenvolvimento de um programa que privilegia

atividades extra classe, coordenado pela equipe da escola e dirigido por voluntários e

voluntárias, seguiu uma trajetória que apresenta-se, para os que fizeram e fazem parte dele,

em diferentes momentos e de diferentes posições, como um percurso repleto de luzes e

sombras. Claro-escuro que se faz notável, principalmente nas diferenças que surgem entre as

concepções, as proposições, os desejos, as avaliações da prática e a realidade tal como se

mostra.

A diretora da Escola Cristal explicita que as principais necessidades que levaram à

implantação das ACA foram as dificuldades ligadas às questões disciplinares e de

convivência:

Primeiro mesmo começamos pensando na disciplina, que foi o principal. A maior dificuldade nossa era a agressividade dos alunos que nós encontramos na escola.Os problemas que eles tinham lá fora repercutiam diretamente dentro da escola. E estávamos sentindo impotentes diante de tanta rebeldia.(Diretora da Escola)

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A orientadora educacional ratifica os motivos: "Foi o problema da freqüência, da

indisciplina, da aprendizagem. Foi tudo isto. Não sabíamos como agir".

Conforme consta na Justificativa do documento oficial da escola que trata sobre o

programa em discussão,

Partindo da preocupação com alunos inadaptados ao processo ensino-aprendizagem e ao ambiente escolar, nasceu a necessidade de desenvolvimento de um trabalho que pudesse redirecionar e contribuir para uma reversão da situação vigente. Acreditando que a construção de ambientes que transmitam confiança e a reconstrução da grande família (escola) são de vital importância para o desenvolvimento saudável das crianças, favorecendo-as na busca incessante da felicidade, que é uma busca própria do ser humano; é que propomos este trabalho.(Programa de Atividades elaborado pela escola, 2000, p.8)

Mesmo sugerindo uma conotação messiânica, a justificativa traduz a base da

intencionalidade da escola que era proporcionar uma adaptação aos alunos e alunas que

recebera no ano 2000, quando do início de seu funcionamento.

No Objetivo Geral do programa, o documento explicita:

-Proporcionar aos alunos uma educação integradora, através da participação em projetos específicos desenvolvidos pela escola com a colaboração de voluntários da comunidade, visando a diminuição ou superação das dificuldades de aprendizagem e de convivência, por meio da utilização das inteligências dominantes ( inteligências múltiplas) dos alunos como rotas secundárias na ampliação das habilidades pessoais.(Programa de Atividades elaborado pela escola, 2000,p.9)

E, nos Objetivos Específicos, dispõe:

Durante a realização dos Projetos, espera-se que o aluno possa: -participar das atividades promovidas, envolvendo-se com os temas

propostos - esportes, música, artes, dança, etc; -demonstrar atitudes através de ações que evidenciem a valorização dos

princípios éticos e morais; -desenvolver a auto-disciplina; -aprimorar sua qualidade de vida, através de relacionamentos mais

saudáveis com as pessoas do grupo social: família, escola, comunidade;

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-valorizar e desenvolver a sua criatividade, a iniciativa pessoal e a sua participação nas atividades propostas;

-descobrir e explorar as suas habilidades artísticas; -desenvolver a expressão oral, a afetividade e respeito ao próximo em suas

relações interpessoais (capacidade de compreender outras pessoas e o que as motiva);

-participar oportunamente de atividades ao ar livre sendo estimulado para o desenvolvimento de suas potencialidades e para o reconhecimento de seus dons;

-respeitar as idéias dos outros e a opinião da maioria do grupo; -conhecer e respeitar as possibilidades dos movimentos do próprio corpo e

suas limitações; -ser pontual, assíduo e participativo nas atividades escolares; -cumprir com as atividades propostas nos deveres de casa; -reconhecer a importância da criação, do estabelecimento e do

cumprimento das regras propostas.(Programa de Atividades elaborado pela escola, 2000, p.10)

Os objetivos discriminados acima demonstram uma série de intenções e finalidades do

programa. O atingimento ou não destes objetivos pelas crianças que participam das ACA será

analisado mais à frente.

O documento define ainda as ações estratégicas de desenvolvimento das ACA e

contempla as formas de Avaliação e desdobramentos do programa.

As ACA se desenvolvem no horário de aula das crianças, e quando da entrevista com

a diretora da Escola Cristal, este ponto foi clareado

Os projetos funcionam no horário de aula das crianças que participam. A coordenadora fica próxima dos voluntários e dos alunos, acompanhando tudo. Extra-horário dificultaria muito, porque a escola é de periferia e que atende alunos de vários lugares, alunos que utilizam transporte escolar. Então, esses alunos andando, vindo a pé para a escola, atravessando rodovia, atravessando lugares perigosos, por exemplo, a gente tem um bairro bem afastado, são de lá os alunos que a gente quer mais atender dentro dos projetos. É muito complicado assumir a vinda das crianças para a escola no turno diferente das aulas delas. Então, não tem como eles virem fora do horário, estando dentro da escola dá uma segurança maior pra gente. Ele está aqui, próximo. A gente vai estar olhando. Então é viável, por uma questão mesmo de segurança e por estarmos num bairro distante dos outros onde moram os alunos. Mas, é um sonho podermos atender as crianças fora do horário de aula. Ainda nos deparamos com muitas dificuldades. (Diretora)

Na pesquisa empreendida foram observados e analisados os seguintes projetos de

ACA desenvolvidos na escola:

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Projeto do Futsal - conta com o trabalho de um voluntário graduando do curso

Normal Superior. O projeto acontece três vezes por semana, de setes às oito horas e vinte

minutos, atendendo a alunos de 3ª e 4ª séries.

Projeto do Crochê - conta com o trabalho de duas voluntárias, sendo que uma é dona

de casa e a outra é também graduanda do Curso Normal Superior. O projeto acontece uma vez

por semana, de sete às oito horas, e atende alunas de CAII ( 2ª série) , 3ª e 4ª séries.

Projeto da Capoeira - conta com o trabalho de um voluntário com formação prática

na modalidade e com nível médio de escolaridade. O projeto acontece duas vezes por semana,

no horário de dez às onze horas. Atende alunos e alunas de CAII, 3ª e 4ª séries.

Projeto do Handball - conta com o trabalho do mesmo voluntário do Futsal e

acontece uma vez por semana, de sete às oito horas e vinte minutos. Atende alunas da 3ª e 4ª

séries.

Com o objetivo de promover uma visibilidade inicial da Escola Cristal, com sua

dinâmica de trabalho, seus alunos e alunas, professoras, voluntárias e voluntários, pais e

demais profissionais, neste capítulo foi privilegiado o entrecruzamento de elementos e

informações sobre a instituição em foco. Tudo isso com vistas a propiciar uma imagem do

cotidiano da escola. No Capítulo 3, serão detalhados os pontos principais da sistemática

diária das ACA, seus alcances e limitações, o trabalho do voluntariado na escola, dentre

outros aspectos inerentes ao estudo realizado.

Todo este delineamento traçado até aqui, teve como foco principal levar ao

reconhecimento, não da existência de um currículo prescritivo, predefinido e único, mas

também da existência, na Escola Cristal, de um currículo gerado cotidianamente, através de

uma rede ininterrupta de ações no âmbito da escola, a partir da adoção das ACA no seu fazer

diário.

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CAPITULO 2 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: situando as referências no campo do

currículo

"A grande potencialidade da educação reside em aproximar os sujeitos de muitas outras experiências vicárias tidas por outros em diferentes tempos e lugares, de modo que possam mediar as próprias e as alheias revividas." (J. Gimeno Sacristán, 2002,p.38)

"... acredito que os programas escolares devem propor ampla oportunidade para os jovens se tornaram "letrados" numa variedade de formas." (Eisner, 1994, p.103)

No presente capítulo, busco apresentar uma discussão com pressupostos teóricos de

alguns autores, que considero imprescindíveis para a compreensão do objeto por mim

pesquisado. As teorias tratadas aqui, com o reconhecimento da importância de cada uma

delas, propõem o desafio teórico de conseguir, sem imbricá-las num ponto único, aproximar

os diferentes elementos dos diversos pensamentos, resguardando suas semelhanças,

diferenças, limitações e possibilidades dentro do estudo proposto.

O objeto de pesquisa deste trabalho, como destacado no capítulo anterior, envolveu o

estudo da dinâmica de criação, aplicação, desenvolvimento e resultados de "atividades

curriculares alternativas" no processo de aprendizagem e das experiências escolares das

crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental em uma escola pública de um município

da Região Metropolitana da Grande BH. Para um melhor entendimento deste objeto de

investigação, tornou-se necessária uma fundamentação teórica que orientasse a análise do

mesmo, no sentido de ampliar a compreensão sobre o que ocorre no âmbito escolar que

influencia e altera o processo de desenvolvimento das atividades propostas e, em

conseqüência, a aprendizagem das crianças e suas diversas experiências na escola.

Conforme esclarece Míriam Abramovay:

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As iniciativas, consideradas inovadoras porque propiciam processos criativos de articulação e transformação do clima escolar, promovem uma maior integração dos diferentes setores da escola, fortalecendo laços e mecanismos de compartilhamento de interesses e objetivos. E, neste sentido, permitem um contraponto aos diferentes tipos de problemas vivenciados, contribuindo para a diminuição da violência na escola - indisciplina, agressões, ameaças, intimidações-, para a melhoria do desempenho escolar e para a promoção da motivação de alunos e professores. Enfim, tais iniciativas vêm despertando em muitos gestores, professores, alunos e comunidades a convicção de que a mudança é possível.(ABRAMOVAY et a.l., 2003, p.35)

Conclamando HUGO ASSMANN (2003), para com ele caminhar e acreditar que "a

escola deve ser um lugar gostoso" - mesmo sabendo que muitas não se configuram como tal -,

a pesquisa realizada me mostrou principalmente, que há viabilidade em manter uma

programação curricular que contemple ao mesmo tempo, formas prescritas e alternativas,

fazendo da escola um espaço onde é possível "reencantar a educação", através da valorização

das diferenças, potencialidades e especificidades de cada aluno envolvido no processo

educativo.

A pedagogia escolar deve estar ciente, por uma lado, de que não é a única instância educativa, mas, pelo outro, não pode renunciar a ser aquela instância educacional que tem o papel peculiar de criar conscientemente experiências de aprendizagem, reconhecíveis como tais pelos sujeitos envolvidos. Para adquirir essa consciência deve estar atenta, sobretudo, ao fato de que a corporeidade aprendente de seres vivos concretos é a sua referência básica de critérios. (ASSMAN,,2003, p.26)

Como primeiras questões que emergem dessa situação, temos orientações curriculares

que permeiam as escolhas realizadas pelos professores e demais profissionais da escola e o

processo de seleção dos conteúdos escolares no interior da cultura. Conforme FORQUIN

(1993) , a Escola seleciona os saberes de uma cultura social mais ampla e os reorganiza, num

processo constante de recontextualização, que produz modalidades cognitivas específicas do

campo escolar, e, que, no conjunto com outros aspectos, também específicos, configuram uma

"cultura escolar" própria e original.

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Segundo BOURDIEU (1983), a cultura escolar dota os sujeitos de um aparato

cognitivo específico, formando categorias de pensamento próprias e específicas, que

possibilitarão aos indivíduos uma determinada forma de ação e integração social e moral.

Assim, toda educação escolar supõe uma seleção no interior de uma determinada

cultura e uma reelaboração dos conteúdos desta cultura, destinados a serem transmitidos às

novas gerações, sendo este o objetivo maior da educação. Mas é importante lembrar que a

relação entre cultura e escola não se dá de maneira uniforme, antes disso, constitui-se uma

relação complexa e matizada por elementos tanto educacionais quanto sociais. A cultura não

pode ser considerada como algo imutável, ao contrário, possui uma grande diversidade de

aparências e formas; e principalmente, não se impõe aos sujeitos da mesma maneira,

submetendo-se a interpretações e relações simbólicas diferenciadas. (FORQUIN, 1993)

Nesta perspectiva, os atores escolares se tornam sujeitos ativos da cotidianidade

escolar, a partir de suas necessidades, aspirações, desejos e escolhas, enfim, através da sua

história pessoal e do envolvimento desta com a história coletiva.

VEIGA-NETO dá ênfase a esta permeabilidade que tem o currículo:

De certa forma, então, um currículo guarda estreita correspondência com a cultura na qual ele se organizou, de modo que ao analisarmos um determinado currículo, poderemos inferir não só os conteúdos que, explícita ou implicitamente, são vistos como importantes naquela cultura, como, também, de que maneira aquela cultura prioriza alguns conteúdos em detrimento de outros, isto é, podemos inferir quais foram os critérios de escolha que guiaram os professores, administradores, curriculistas etc. que montaram aquele currículo. Esse é o motivo pelo qual o currículo se situa no cruzamento entre a escola e a cultura. (VEIGA-NETO, 2002, p.44)

Na pesquisa empreendida, um dos objetivos principais focou a identificação e análise

da cultura escolar e da cultura própria da escola selecionada para o trabalho, com vistas à

percepção de como estas culturas influenciam ou não as escolhas, decisões e atitudes da

comunidade escolar como um todo. De acordo com FORQUIN (1993, p.22) há duas grandes

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contribuições ao debate sobre a escola e a cultura. Uma delas destaca-se pela importância que

dá ao estudo dos fatores e determinações extra-escolares da educação, entre eles a estrutura

social, a econômica, a familiar e os meios de comunicação. A outra, e é a que FORQUIN

enaltece e acredita ser a mais original, está mais centrada na escola, "nos processos de

ensino, nos conteúdos dos programas, nos modos de estruturação, de legitimação, de

transmissão da 'cultura escolar' ". Essa é a dimensão apropriada de Forquin para este estudo

Segundo FORQUIN:

Ensinar supõe querer fazer alguém aceder a um grau ou a uma forma de desenvolvimento intelectual e pessoal que se considera desejável. Isto não pode ser feito sem se apoiar sobre os conteúdos, sem extrair da totalidade da cultura - no sentido objetivo do termo, a cultura enquanto mundo humanamente construído, mundo das instituições e dos signos no qual, desde a origem, se banha todo indivíduo humano, tão-somente por ser humano, e que constitui como que sua segunda matriz - certos elementos que se consideram como mais essenciais, ou mais intimamente apropriados a este projeto. Educar, ensinar, é colocar alguém em presença de certos elementos da cultura a fim de que ele deles se nutra, que ele os incorpore à sua substância, que ele construa sua identidade intelectual e pessoal em função deles. Ora, tal projeto repousa necessariamente, num momento ou noutro, sobre uma concepção seletiva e normativa da cultura. (FORQUIN, 1993, p. 167-168)

Dessa forma, o caráter seletivo e normativo da tarefa de educar implica quase sempre

numa prática de produção e veiculação de significados relacionados aos grupos culturais que

exercem o poder. Em conseqüência, o currículo se faz constitutivo de culturas, de formas de

compreender o mundo social, de produção e de atribuição de sentidos.

ELIZABETH MACEDO (2003) destaca que o currículo é um campo de trabalho, que

tem todo um conjunto de práticas sociais; é um espaço onde se definem coisas, onde vão

ocorrendo ações, ou seja, onde vai acontecendo o próprio currículo. Acontece à medida que

vai se constituindo.

A história mundial do campo curricular demonstra que a preocupação com a

elaboração e organização de currículos está presente desde que os homens começaram a

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dedicar tempos e espaços específicos para socializar e educar novas gerações, em função do

contexto de cada época e de cada sociedade (GOODSON, 1998). O currículo, portanto, toma

forma e transforma sua natureza no cotidiano da escola e nas interações da sala de aula.

Segundo SILVA (2002), o currículo é o espaço onde se desdobram as experiências de

conhecimento que a escola propicia aos estudantes.

O currículo, como um campo de estudo delimitado, emergiu especialmente nos

Estados Unidos, nas primeiras décadas do século XX. Os primeiros estudos do campo, neste

país, foram realizados em função de proporcionar um melhor planejamento curricular,

baseado na eficiência e na racionalização do trabalho escolar. Com influências marcantes da

experiência norte-americana, no Brasil, o campo do currículo ganhou visibilidade nas décadas

de 60 e 70, quando especialistas brasileiros elegeram a preocupação com a construção

"científica", na escola, de um ambiente que pudesse proporcionar aos educandos

possibilidades de instrumentalização para a obtenção de metas pré-definidas. A incorporação

desse movimento associado ao pensamento de teóricos americanos, na época, suscitou o

tecnicismo, nomenclatura utilizada por toda a área educacional para se referir, tanto a práticas

pedagógicas quanto à concepção de educação. Somente por volta de 1970, é que surgiram, na

Inglaterra, e posteriormente, nos Estados Unidos, os estudos críticos do campo curricular.

Estes estudos romperam com a visão tecnicista imperante e introduziram conceitos que

buscavam compreender e explicar as diversas relações que ocorrem no currículo, assim como

os processos de seleção e organização dos conhecimentos escolares. Esta visão crítica dá

início, então, a uma discussão sobre a relação entre a estratificação dos saberes escolares e a

estratificação social. No Brasil, somente no final da década de 80 é que as discussões em

torno do currículo focaram sua atenção para a seleção do conhecimento escolar e seus efeitos

nos resultados de aprendizagem das crianças brasileiras, influenciadas pelos estudos da teoria

crítica de currículo, advindas dos Estados Unidos e Inglaterra, principalmente.

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Assim, a relação entre escola e cultura não pode mais ser olhada, na perspectiva das

teorias curriculares tradicionais, como uma relação tranqüila e uniforme entre prescrições de

conteúdos e resultados de aprendizagem. Os currículos e a educação teriam, na visão

curricular tradicional, a função de transmitir uma cultura unitária e universal. Ao contrário, as

teorias curriculares críticas compreendem a educação e o currículo como campos de

contestação, nos quais a cultura é vista como um terreno conflituoso e descontínuo. A escola

e o currículo selecionam conhecimentos no interior de uma dada cultura e os reorganizam

num processo integrador de produção e reprodução simbólicas. A escola não somente

reproduz, como também produz resistências ao que lhe é imposto: reprodução e resistência se

superpõem em contradições e conflitos.

Alice Casimiro Lopes esclarece:

Toda política curricular é, assim, uma política de constituição do conhecimento escolar: um conhecimento construído simultaneamente para a escola ( em ações externas à escola) e pela escola ( em suas práticas institucionais cotidianas). Ao mesmo tempo, toda política curricular é uma política cultural, pois o currículo é fruto de uma seleção da cultura e é um campo conflituoso de produção de cultura, de embate entre sujeitos, concepções de conhecimento, formas de entender e construir o mundo.(LOPES,2004, p.111)

TOMAZ TADEU (2003) ressalta a importância de um currículo que esteja baseado

numa idéia dinâmica de cultura, "vista menos como produto e mais como produção, como

criação, como trabalho". Ressalta ainda a capacidade que teria esta cultura de lidar com os

materiais disponíveis numa ação de desmontagem e desconstrução, de remontagem e

reconstrução.

Conforme MOREIRA (1998), o campo de estudos curriculares no Brasil se

desenvolveu em ritmo descompassado com a realidade educacional. As escolas adotam

programas curriculares oficiais, buscando um "planejar", sem uma compreensão reflexiva e

imanente do objeto, tornando a educação um processo acrítico. O que ocorreu durante muito

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tempo foi a transferência dos conceitos e idéias dos estrangeiros para os estudos sobre o

currículo no Brasil. Nos dias atuais, ao contrário deste quadro anterior, ELIZABETH

MACEDO (2003) expõe que o que se percebe é um processo onde o que vale é o

hibridismo9, numa relação de interpenetração de idéias e conceitos.

As relações de poder continuam ocorrendo, mas não de forma vertical como antes. O

volume de informações e conhecimentos de influência estrangeira "tanto pode provocar

homogeneização, invasão e destruição dos processos culturais, como estimular uma

apropriação crítica de idéias e teorias elaboradas pelo'outro' ". (MOREIRA e MACEDO,

1999, apud MOREIRA, 2000, p.130)

Para compreender como os professores percebem e escolhem formas curriculares a

serem adotadas nas escolas, é imprescindível ampliar a visão para o que ocorre nas escolas e

nas salas de aula. O currículo toma forma e transforma sua natureza no cotidiano da escola e

nas interações da sala de aula. Conforme APPLE (1999), o currículo deve ser compreendido

como um

ambiente simbólico, material e humano que é constantemente reconstruído. Este processo de planejamento envolve não apenas o técnico, mas o estético, o ético e o político, se quisermos que ele responda plenamente tanto ao nível pessoal, quanto social.

Sendo assim, o currículo envolve tanto aquilo que está prescrito nos documentos

oficiais, como o que realmente acontece nas salas de aula e fora das salas, no ambiente da

escola; e ainda, aquilo que, mesmo de forma oculta, não visível, modela o comportamento e o

pensamento de alunos e professores. No ambiente escolar, vários elementos emergem e

contribuem para que estas aprendizagens de comportamento, crenças, valores e significados

9 Hibridismo - Processo onde as teorias analisadas perdem as matrizes oficiais e estabelecem outro discurso; os marcadores originais desaparecem. (Anotações de aula - Palestra com a doutora Elizabeth Macedo, PUC MG, 2003)

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possam se constituir. Dentre esses elementos, podemos citar as relações entre professores e

alunos, entre a administração escolar e professores, entre a administração e os alunos, entre os

alunos e alunos, entre a comunidade e alunos e professores; as relações e organizações

referentes ao tempo e ao espaço escolares, a divisão do trabalho escolar; os regulamentos, as

regras e as normas escolares; as categorizações entre os capazes e os incapazes, entre homens

e mulheres e, finalmente, entre um currículo acadêmico e um currículo profissional. (SILVA,

2002)

Nessa linha de idéias e em relação ao que ocorre realmente dentro e fora das salas de

aula, no horário de aulas dos alunos da Escola Cristal, no que se refere às ACA, utilizo-me do

que CORINTA GERALDI (1993), a partir de um trabalho de pesquisa de doutorado, definiu

sobre o que vem a ser um "currículo em ação":

O currículo é entendido e trabalhado como o conjunto das aprendizagens vivenciadas pelos alunos, planejadas ou não pela escola, dentro ou fora da aula e da escola, mas sob a responsabilidade desta, ao longo de sua trajetória escolar.

Não é um conceito novo, uma vez que APPLE (1982) já o denominava como currículo

em uso.

Neste sentido, o que pude observar é que na Escola Cristal, além da utilização do

currículo prescrito formalmente pelas instâncias superiores, explicita-se o desenvolvimento de

um currículo em ação, uma vez que organiza, planeja e aplica um conjunto de atividades

alternativas, fora das salas de aula, nos horários de aula dos alunos, dentro da escola e sob a

responsabilidade da equipe educacional, ao longo dos seus períodos letivos, há cinco anos,

ininterruptamente.

Assim, todo o movimento cotidiano da escola gira em torno do que ocorre, de fato,

com o desenrolar das ACA , com suas implicações e concepções subjacentes, e não apenas

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com o que está prescrito formalmente, institucionalmente no currículo formal da escola.

Conforme GERALDI:

...como uma referência para detectar saberes e conhecimentos, as concepções e ideologias subjacentes que circulam, consolidando e explicitando o entendimento de currículo como o que, de fato, ocorre nas aulas/escolas, superando, com isso, a concepção prescritiva que era hegemônica até então.(GERALDI, 1993)

Ao contrário da dinâmica sedimentada na cultura escolar, de uma forma mais ampla,

que apresenta dificuldades de incorporar diferentes formas de aquisição do conhecimento e

experiências nas escolas, o que a pesquisa empreendida demonstrou foi uma distinta

permeabilidade da Escola Cristal às mudanças e propostas culturais presentes na comunidade,

principalmente através da inserção das ACA no seu currículo. FORQUIN chama a atenção

sobre um ponto que serve para aprofundar o estudo sobre as relações entre escola e cultura:

A escola é também um "mundo social", que tem suas características e vida próprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de símbolos. E esta "cultura da escola" ( no sentido em que se pode também falar da "cultura da oficina" ou da "cultura da prisão") não deve ser confundida tampouco com o que se entende por "cultura escolar", que se pode definir como o conjunto de conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados, "normalizados", "rotinizados",sob o efeito de imperativos de didatização, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no contexto das escolas.(FORQUIN, 1993, P.167)

Caminhando na direção do entendimento de que na Escola Cristal há a presença de

uma inter-relação entre o Currículo Formal10 e o Currículo em Ação, é importante destacar

que a interpenetração entre o currículo formal e o currículo em ação, provoca modificações,

aproximações e distanciamentos em ambos, uma vez que as conseqüências das políticas

10 Currículo Formal - programa de estudos prescritos por uma instituição normativa, de que são exemplos os diferentes guias curriculares elaborados pelos estados e municípios brasileiros. (GOODLAD, 1997, in Messick, Paixão e Bastos, 1980)

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curriculares na prática escolar resultam em diferentes experiências e habilidades. Conforme

BALL:

... as políticas estão sempre em processo de vir a ser, sendo múltiplas as leituras possíveis de serem realizadas por múltiplos leitores, em um constante processo de interpretação das interpretações. (BALL, 1994, apud LOPES, 2004, p.113)

Assim, é possível constatar que não só as políticas curriculares governamentais têm o

privilégio de produzir sentidos nos projetos curriculares da escola, mas que também as

práticas propostas e desenvolvidas na escola pelos sujeitos educacionais, produzem sentidos

para as políticas curriculares.

Um outro ponto que merece destaque é a influência da cotidianidade no processo de

aprendizagem e das experiências escolares dos alunos, principalmente dos que foram

selecionados para a pesquisa, a partir do que a equipe educativa implementou na rotina da

escola.

A construção, dentro da ciência moderna, de um processo de "seleção, organização,

classificação e transformação de 'dados' em algo que se possa reproduzir, delimitando e

simplificando os objetos" (OLIVEIRA, 2003, p.47), constitui um espaço científico. Fora

deste espaço reservado à ciência, existe um outro espaço, que é a vida cotidiana, "com

operações, atos e usos práticos, de objetos, regras e linguagens, historicamente constituídos e

reconstituídos de acordo e em função de situações, de conjunturas plurais e móveis."

(OLIVEIRA, 2003, p.48).

A cotidianidade se diferencia de acordo com os variados modos de existência dos

homens. A relação que é estabelecida com o conhecimento cotidiano e com a própria

cotidianidade é determinada diretamente pelas relações sociais às quais os homens se

submetem.

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Segundo LOPES o conhecimento cotidiano

...é a soma dos nossos conhecimentos sobre a realidade que utilizamos de um modo efetivo na vida cotidiana, sempre de modo heterogêneo. É o conhecimento-guia de nossas ações, nossas conversas, nossas decisões. Saber algo na vida cotidiana é levar a cabo os tipos de ações cotidianas heterogêneas. O saber cotidiano pode, inclusive, acolher certas aquisições científicas, mas não o conhecimento científico como tal. Muitos autores enfatizam que o conhecimento cotidiano se transforma, inclusive por incorporação de conhecimentos científicos, e mesmo alguns usam esse fato como argumento para valorização do conhecimento comum.( LOPES, 1999, p.143)

A Escola, em geral, na sua dinâmica diária se inscreve neste espaço, que é o da vida

cotidiana, quando desenvolve inúmeras maneiras de fazer acontecer a aprendizagem e de

utilizar diversas formas de favorecimento de experiências aos alunos e alunas, que não as

prescritas e formalizadas nos documentos oficiais. A Escola Cristal mostra esse quadro de

características quando podemos visualizar a sua rotina específica, principalmente através das

ACA.

A idéia que vem sendo disseminada na atualidade é a de que o cotidiano se restringe à

repetição rotineira de atividades, atitudes e ações. Mas é possível falar sobre o que é o

cotidiano para além dessa idéia.

Destacando como características principais do cotidiano a multiplicidade, a

provisoriedade, o dinamismo e a imprevisibilidade, OLIVEIRA ressalta ainda que:

Todas as atividades que desempenhamos em nossas vidas são aprendidas, mesmo que instintiva ou mecanicamente, como é o caso das atividades básicas. Isso significa que tanto o conteúdo das nossas ações quanto as múltiplas formas através das quais as desenvolvemos são plurais, resultado de aprendizagens e das manifestações daí decorrentes, sempre múltiplas. Se acrescentarmos a isso nossa convicção de que nossos processos de aprendizagem são permanentes e jamais completos, teremos de aceitar que nossas formas de agir cotidianamente, que deles derivam, são sempre provisórias e, portanto, dinâmicas. Tecendo-se em redes de saberes e de fazeres que não podem ser explicadas através de relações lineares de causalidade, sendo, portanto, imprevisíveis, as aprendizagens que servem de base aos conteúdos e às formas através das quais nossas ações cotidianas são desenvolvidas têm também como característica a imprevisibilidade e a permanente mutação, sob influência de fatores mais ou menos aleatórios.(OLIVEIRA, 2003, p.52)

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Neste contexto, pode-se destacar que o cotidiano é o espaço-tempo no qual e através

do qual, o homem se torna produtor de conhecimentos, até daqueles identificados como

científicos e mais valorizados pela escola. Além de ser um espaço onde ocorre ainda a

tessitura de redes de subjetividade e a construção de identidades, em função da convivência

com os valores, as experiências e os múltiplos conhecimentos, nem sempre identificados e

valorizados pela escola.

Diante do quadro formado pelo estudo empreendido, uma questão tornou-se, para

mim, notória: a Escola Cristal , através de sua equipe educativa, diante da emergência que se

lhe apresentava, criou, implementou e desenvolveu as ACA, dentro da cotidianidade da

instituição e das necessidades e crenças dos seus atores. Esta urgência não criou espaços para

estudos aprofundados ou mesmo superficiais sobre a realidade do problema, através de

possíveis análises e estudos teóricos. Cada membro da equipe agiu e colaborou com o arsenal

teórico que possuía até então, através de sua formação acadêmica e de sua experiência

profissional. Pois bem, ainda conforme OLIVEIRA:

No que se refere às características básicas da ação cotidiana, às quais outras tantas vêm se juntar, podemos, então, dizer que elas assumem suas significações específicas em função dos processos de recriação permanente dos nossos fazeres, produzidos tanto em função das circunstâncias especificas do momento e da forma como os vivenciamos, quanto dos processos históricos mais amplos - culturais, sociais, familiares, políticos etc. - que nos formam, constitutivos de nossas identidades individuais e coletivas. (OLIVEIRA,2003, p.55)

Destaco na citação acima a expressão "...nossos fazeres, produzidos tanto em função

das circunstâncias específicas do momento e da forma como os vivenciamos ..." para

procurar fazer uma analogia com o que moveu a Escola Cristal na decisão de implementar as

ACA e fazer com que elas passassem a fazer parte do currículo formal e ao mesmo tempo do

cotidiano da instituição.

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É necessário atentar para o perigo de generalizar ou até mesmo banalizar o espaço

cotidiano da escola, valorizando em demasia rotinas escolares que não contribuem

significativamente para o processo da aprendizagem das crianças e de suas experiências

escolares. Mais necessário ainda é reconhecer que em detrimento de desenhos curriculares

normativos e gerais advindos das autoridades educacionais, muitas vezes são desconsideradas

as inúmeras opções que as práticas cotidianas alternativas realizam e promovem dentro do

processo educativo de cada escola. A busca de um entendimento e de um equilíbrio a respeito

do espaço cotidiano e suas implicações é responsabilidade de cada escola que almeja a

promoção de sucesso e felicidade para os seus alunos.

Buscando a compreensão das formas cotidianas de criação de atividades curriculares

alternativas nas escolas, Inês Barbosa de Oliveira ressalta peculiaridades deste cotidiano,

interpretado como um espaço no qual evidenciam-se as "artes de fazer":

O cotidiano, assim entendido, aparece como espaço privilegiado de produção curricular, para além do previsto nas propostas oficiais. Especificamente no que diz respeito aos processos de ensino-aprendizagem, as formas criativas e particulares através das quais professoras e professores buscam o aprendizado de seus alunos avançam muito além daquilo que poderíamos captar ou compreender pela via dos textos que definem e explicam as propostas do curso. Cada nova forma de se ensinar, cada conteúdo trabalhado, cada experiência particular só pode ser entendida junto ao conjunto de circunstâncias que a torna possível, o que envolve a história de vida dos sujeitos em interação, sua formação e a realidade local específica, com as experiências e saberes anteriores de todos, entre outros elementos da vida cotidiana. Pensar em alternativas curriculares a partir dessa forma de percepção nos encaminha para um diálogo sem preconceitos com os educadores que, estando nessas escolas, produzem saberes e criam currículo,cotidianamente.(OLIVEIRA,2002,apud OLIVEIRA,2003, p.68-69)

Visualizo a Escola Cristal, com seus alunos, alunas, professoras, equipe pedagógica e

administrativa, voluntários atuantes e familiares dos alunos selecionados, compondo um

quadro real, onde as múltiplas e complexas realidades diárias se mostram e desafiam a todos

os envolvidos, principalmente a extrapolar as prescrições curriculares estabelecidas pelos

órgãos competentes. E este desafio de extrapolação se firma na necessidade de "buscar

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outras marcas, da vida cotidiana, das opções tecidas nos acasos e situações que compõem a

história de vida dos sujeitos pedagógicos que, em processos reais de interação, dão vida e

corpo às propostas curriculares" (OLIVEIRA, 2003, p.69).

Tratando-se de investigação sobre um aspecto curricular pouco explorado, ou seja, a

utilização de "atividades curriculares alternativas" com vistas a mudanças no processo de

aprendizagem e das experiências escolares, utilizei para a análise desse tipo de proposta

pedagógica, que envolve a utilização de formas alternativas de ensino, a partir do meio social

das crianças, os estudos que tratam, principalmente, das relações entre cultura e escola.

Utilização esta baseada no fato de que as disposições culturais e sociais dos alunos e da

comunidade escolar exercem uma forte influência nas tomadas de decisões do corpo escolar.

No que se refere à cultura, levei em consideração, principalmente, as concepções de

FORQUIN (1993), SACRISTÁN (2000, 2002), LOPES (1999) e OLIVEIRA (2003), uma vez

que a centralidade do conceito de cultura é baseada no pressuposto de que ela é um conjunto

de idéias nas quais determinados modos de vida são integrados. Nesse contexto, a cultura se

torna democratizada e socializada através de padrões que sustentam toda a vida social. E,

também nesse contexto cultural, emerge a ação da escola e o desafio para que ela possa

mover-se e sair do lugar comum em benefício de seus sujeitos.

Entre os teóricos da educação e curriculistas tradicionais e críticos, parece haver uma

unanimidade de pensamento no que se refere à questão da cultura. Segundo LOPES:

... quanto à cultura ser o conteúdo substancial do processo educativo e o currículo a forma institucionalizada de transmitir e reelaborar a cultura de uma sociedade, perpetuando-a como produção social garantidora da especificidade humana. Em dado contexto histórico, são selecionados os conteúdos da cultura, considerados necessários às gerações mais novas, constituintes do conhecimento escolar. (LOPES, 1999, p.63)

Nessa perspectiva, a cultura é fundamentalmente "o campo do diverso, da diferença,

da heterogeneidade, da ruptura, da multiplicidade, do pluralismo" (LOPES,1999, p.73) . E

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seguindo a dinâmica da nossa sociedade, onde impera a divisão de classes e,

conseqüentemente, a divisão social do trabalho, também é engendrada a divisão da cultura e

do saber. No tocante a esta divisão e, no âmbito educacional, posterior seleção cultural para

o currículo escolar, APPLE (1999) esclarece que não está explícito quem realiza esta seleção,

nem mesmo qual é o conjunto de suposições sociais e ideológicas que legitima o

conhecimento de determinados grupos em detrimento do conhecimento de outros grupos. "O

currículo é produto dinâmico de lutas contínuas entre grupos dominantes e dominados, fruto

de acordos, conflitos, concessões e alianças." (LOPES, 1999, p.86).

Portanto, o processo de seleção cultural que ocorre para com o currículo implica em

sucessivas reinterpretações, uma vez que as escolhas são a todo momento, feitas e refeitas.

Vale ressaltar que nem todo conhecimento humano está disponível para ser

selecionado, e que é ingênuo considerar a possibilidade de a escola deter a condição de

selecionar/escolher qualquer conhecimento. Mas, esta questão não será desdobrada neste

estudo.

Por existir, entre a educação e a cultura uma íntima relação,

... o pensamento pedagógico contemporâneo não pode se esquivar de uma reflexão sobre a questão da cultura e dos elementos culturais dos diferentes tipos de escolhas educativas, sob pena de cair na superficialidade".(FORQUIN, 1993, p..10)

Tomando-se por base a acepção contemporânea de cultura, de forma descritiva e

objetiva, desenvolvida pelas ciências sociais, que determina a cultura como o conjunto dos

traços característicos do modo de vida de uma sociedade, de uma comunidade ou de um

grupo, nos seus aspectos cotidianos, triviais e até os "inconfessáveis", desloco esta idéia para

focar a escola que foi pesquisada neste estudo.

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As ACA desenvolvidas pela escola representam, ao meu ver, uma faceta desta cultura

própria da comunidade na qual está inserida a escola e que ela incorpora no seu cotidiano. E,

certamente, esta face cultural em destaque inscreve-se numa perspectiva cultural mais ampla,

que desempenha a função de transmitir culturalmente a educação, se corporificando como

uma obra coletiva e um bem coletivo objetivável. Neste contexto, aparece o currículo da

escola, sendo modificado, reestruturado, reelaborado pela equipe pedagógica e escolar, no

sentido de propiciar melhores condições de aprendizagem e de diversificação de experiências

para os alunos.

Diante de todo este panorama, o que pude perceber foi a Escola Cristal em busca de

um currículo a partir de seus atores escolares e de suas necessidades. Neste sentido, busquei

então, nos autores que saem em defesa da construção de uma educação democrática e de

ampliação do acesso à educação básica, linhas teóricas para análise da dinâmica que se

visualiza na escola selecionada para a pesquisa. Para isso, foi necessário resgatar no

pensamento educacional clássico e também no contemporâneo, autores que confirmaram a

plasticidade dos projetos pedagógicos voltados para as camadas menos privilegiadas da

população.

A pretensão foi no sentido de reconsiderar o espaço escolar onde acontecem as

"atividades curriculares alternativas" e o cunho do trabalho desenvolvido a partir delas.

Conforme teorizações do reformista pedagógico Rousseau, a educação não deverá ser

entendida puramente como intelectualista, que fatalmente leva ao ensino formal e livresco.

Ele defendeu a idéia de que o homem não se constitui apenas de intelecto, pois disposições

primitivas nele presentes como: as emoções, os sentidos, os instintos e os sentimentos,

existem antes do pensamento elaborado. Essas dimensões primitivas foram, para ele, mais

dignas de confiança do que hábitos de pensamento que foram forjados pela sociedade e

impostos ao indivíduo. Ele afirmou que a educação não vem de fora, é a expressão livre da

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criança no seu contato com a natureza. Ao contrário da rígida disciplina e excessivo uso da

memória vigentes em sua época, propôs serem trabalhados com a criança: o brinquedo, o

esporte, a agricultura e o uso de instrumentos de variados ofícios, linguagens, canto,

aritmética e geometria. Através dessas atividades, a criança estaria medindo, contando,

pesando; portanto, estariam sendo desenvolvidas atividades relacionadas à vida e aos seus

interesses (ROUSSEAU, 1995). Podemos afirmar que as idéias de Rousseau influenciaram

diferentes correntes pedagógicas, principalmente as tendências não diretivas no século XX.

Entre os reformadores pedagógicos do século XX, FREINET (apud MENDOZA,

2001, p.67-68) buscou desenvolver uma prática pedagógica de resgate, exaltação e

valorização dos saberes do povo, de seus afetos, de sua alegria e de sua riqueza. Sua proposta

de educação insere a escolarização no processo da vida: uma prática social na formação de

indivíduos (alunos e educadores), através de uma postura ativa, de busca da transformação

para uma sociedade democrática. Isto implica, mais que a adoção de um discurso de denúncia

das deficiências da escola tradicional, na modificação das relações em sala de aula e fora dela

e na utilização de ferramentas e procedimentos de ensino diferenciados que transformam tanto

a dinâmica da classe, quanto da escola, como os papéis de alunos e professores. O

pensamento pedagógico de Freinet lança algumas luzes sobre a investigação das ACA,

principalmente no aprofundamento de uma das etapas educativas pelas quais passa a criança.

A escola elementar estabelece quatro etapas educativas, com crianças na faixa etária de sete

aos quatorze anos. É neste período, quando a brincadeira e trabalho se interpenetram, que ele

propõe uma outra organização de classes, com oficinas para trabalhos manuais, intelectuais e

artísticos, não deixando de lado o trabalho junto à natureza.

As novas configurações curriculares que estão em vigor na escola analisada , poderão

ser melhor compreendidas se recorrermos de forma particular às conceituações de autores

como Bantock e principalmente Elliot Eisner. Ambos identificam formas diferenciadas de se

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processar o ensino e a aprendizagem. O primeiro, como historiador e teórico da educação, que

na contra-corrente de todas as forças, enaltece o "desenvolvimento separado" dos cursos

escolares, sublinhando que o conceito de igualdade de oportunidades perseguido pelas escolas

há tantas décadas é, no mínimo, ambíguo. Tomarei algumas características de suas teorizações

mais à frente. O segundo, ELLIOT W. EISNER (1994), não como teórico do currículo, mas

como seu crítico. EISNER (1994) chama a atenção sobre a relevância da percepção e do

caráter cognitivo que ela possui. Procura revelar as contribuições que diferentes formas de

representação, vários modos de tratamento e diferentes estruturas sintáticas dão aos

significados, do que somos aptos para criar e experimentar. Utilizando suas teorizações,

centradamente na discussão que ele apresenta sobre a importância dos sentidos como uma

maneira através da qual o mundo qualitativo que habitamos é experimentado, busco

relacionar o que ocorre com as crianças participantes das ACA, com tal explicitação.

Elliot W. Eisner enfatiza a interdependência entre cognição e afetividade, destacando

que uma visão de cognição, que restringe pensamento e conhecimento a formas mentais que

são exclusivamente discursivas e matemáticas, exclui muitas outras possibilidades de

aprendizagem e de experiências,

A tendência em separar o cognitivo do afetivo está refletida na separação entre mente e corpo, pensamento e sentimento e na maneira em que dicotomizamos o trabalho intelectual e o trabalho manual. O que parece ser distinção abstrata que tem pouco a ver com o mundo real no qual vivemos, acaba por influenciar não apenas nossa concepção de conhecimento, como também nossas políticas educacionais. Estudantes que são bons com suas mãos podem ser vistos como talentosos, mas raramente como inteligentes. Aqueles que são emotivos, sensitivos ou imaginativos podem ter aptidão para as artes, mas os "realmente brilhantes" vão para as matemáticas ou as ciências. Em alguns Estados ( refere-se aos EUA) aqueles que são considerados "inteligentes" como é definido pelo seu Q.I., recebem fundos públicos para desenvolver seu desempenho educacional. Aqueles que são apenas "talentosos" não recebem. Tais distinções em políticas e em teoria, a meu ver, não fazem justiça às crianças ou à sociedade. Uma política curricular mais adequada deve ser formulada apelando para uma concepção mais ampla de inteligência e formulando programas educacionais que são indicados para aumentar o seu poder. A maneira pela qual alguém deve começar a desenvolver uma concepção mais larga de inteligência é examinando as funções dos sentidos e identificando o papel que eles desempenham no sucesso da inteligência.(EISNER,1994, p.49)

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Nesse sentido, observei que a Escola Cristal, através dos seus projetos específicos com

ACA procura implementar no seu currículo possibilidades que desenvolvam os sentidos, as

artes manuais e habilidades esportivas dos seus alunos, como rotas secundárias para a

melhoria da aprendizagem dos conteúdos formais e diversificação de experiências.

EISNER (1994), ao se referir ainda sobre a reciprocidade entre o que organismo faz

ao mundo e o mundo faz ao organismo11, destaca sobre a importância das oportunidades

propiciadas às crianças na escola e no âmbito cultural mais abrangente, através dos estímulos

oferecidos e das habilidades desenvolvidas. Não cumprir esse papel faz da escola um lugar

onde algo se perdeu. "Porque os estudantes individualmente possuem aptidões diferenciadas,

as oportunidades que eles encontram na escola, oportunidades definidas pelo currículo

escolar, proporciona-lhes acesso ao sucesso ou à possibilidade do fracasso". (EISNER,

1994, p.105)

Pelo que nos é dado a ver, necessário se faz reconceituar o que é chamado de intelecto.

Enquanto o sistema sensório for entendido numa escala de importância secundária na

cognição humana, muitas dificuldades persistirão dentro das escolas no tocante à

aprendizagem e às experiências educativas.

EISNER acredita que é possível reverter essa questão quando afirma:

Os seres humanos entendem e raciocinam sobre o mundo de várias maneiras. Estas maneiras manifestam-se nas formas de representação de que são capazes. Daí, acredito que um dos maiores objetivos da educação é a expansão e aprofundamento dos significados que os indivíduos podem assegurar em sua vida; acredito que os seres humanos possuem diferentes aptidões com relação às formas nas quais os significados podem ser construídos, acredito que os programas escolares devem propor ampla oportunidade para os jovens se tornarem "letrados" numa variedade de formas. Isto aumentará os significados que todos os estudantes podem atingir e expandir as oportunidades educacionais para aqueles cujas

11"Pesquisa intercultural da percepção e por trabalhos sobre a privação sensorial - pesquisa com filhotes de gatos entre quatro e doze semanas de idade cujos olhos foram vendados, são incapazes de ver quando as vendas são removidas. A concepção de prontidão, que é aqui sugerida mostra que, se um organismo não tem oportunidade de usar certas capacidades em períodos críticos de sua vida, ele não será capaz de usá-lo uma vez passado esse período. A pesquisa foi, por certo, feita com filhotes de gato, mas é sugestiva com relação a questões de oportunidades fornecidas a crianças na escola e no meio cultural mais amplo." (EISNER,1994, p.52)

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aptidões são mais congruentes com as formas mais negligenciadas. (EISNER,1994, p.102-103)

Para EISNER, portanto, a aprendizagem não se restringe à aprendizagem cognitiva,

uma vez que outras experiências criam outras formas de aprender.

As atividades que parecem se apoiar no uso dos sentidos ou sobre o afeto são sempre olhadas como não intelectuais, isto é, atividades que colocam pouca exigência sobre o pensamento ou a inteligência humana. Esta tradição, que é refletida não somente em nosso discurso psicológico mas nas nossas políticas educacionais, é baseada em uma limitada e, acredito, educacionalmente contraproducente visão de inteligência. A formação de conceitos depende da construção de imagens derivadas dos materiais que os sentidos fornecem. Tais conceitos são desenvolvidos a partir de propriedades possuídas por particulares dentre os quais os esquemas gerais são construídos. (EISNER,1994, p.55)

Na perspectiva sinalizada por Eisner, também ZABALA (1998) diferencia as

aprendizagens segundo o seu conteúdo e chama a atenção para a necessidade de se conceber a

aprendizagem escolar para além da dimensão cognitiva. Segundo este mesmo autor, o

conceito de aprender abarca capacidades cognitivas, motoras, afetivas, de relação interpessoal

e de inserção social. Destaca ainda que todas essas capacidades têm igual valor do ponto de

vista da aquisição da aprendizagem.

Hugo Assmann, quando valoriza o ambiente pedagógico das escolas e enfatiza que

esse ambiente precisa ser "lugar de fascinação e inventividade", ressalta, também, que o

entrecruzamento de todos os sentidos humanos é caminho para a efetivação das experiências

de aprendizagem.

Não inibir, mas propiciar, aquela dose de alucinação consensual entusiástica requerida para que o processo de aprender aconteça como mixagem de todos os sentidos. Reviravolta dos sentidos-significados e potenciamento de todos os sentidos com os quais sensoriamos corporalmente o mundo. Porque a aprendizagem é, antes de mais nada, um processo corporal. Todo conhecimento tem um inscrição corporal. Que ela venha acompanhada de sensação de prazer não é, de modo algum, um aspecto secundário. (ASSMANN, 2003, p.29)

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Seguindo uma linha de pensamento racionalista e cognitivista, a escola da

modernidade deu grande ênfase aos aspectos cognitivos do processo de aprendizagem e da

transmissão do conhecimento. Colocam-se em segundo plano todas as outras questões ligadas

ao corpo, à imaginação, ao prazer no processo da aquisição de experiências de aprendizagem.

Isso tem conseqüências nas relações estabelecidas no ambiente escolar.

Retomando as teorizações de Bantock e reservando-se algumas especificidades

questionadas da sua tese, ressalto o que diz respeito, principalmente, à sua reflexão sobre a

cultura escrita que, segundo ele, favorece o individualismo, o racionalismo, o

enfraquecimento dos laços de participação comunitária, estando a escola, aos seus olhos,

responsável pela crise cultural na qual se encontra mergulhada. O autor acredita na

elaboração e no desenvolvimento de um "currículo alternativo". Mesmo que percebido de um

ponto de vista parcial, o currículo por ele proposto privilegia o enaltecimento de atividades

não letradas, ou seja, as artísticas, esportivas e de movimentos, com a finalidade de atender

alunos com dificuldades cognitivas e com outras dificuldades de aprendizagem e de

relacionamento interpessoal. Essa dimensão da proposta de Bantock é reconhecida pelo

próprio FORQUIN, quando ressalta:

No pensamento pedagógico elitista e conservador mais corrente, a preocupação em distinguir e em preservar os melhores talentos acompanha-se freqüentemente de uma indiferença pelo destino escolar de todos os outros, que são de algum modo enviados às "trevas exteriores". Deste ponto de vista, o pensamento de Bantock parece original. Ele se esforça, com efeito, para propor para as crianças menos dotadas ou menos motivadas escolarmente um verdadeiro 'currículo alternativo' completamente diferente daquele destinado às elites e no entanto autenticamente 'liberal', isto é, que vise o desabrochar de algumas atitudes e disposições fundamentais da pessoa mais do que a aquisição de competências especializadas com vistas à inserção profissional e social precoce.(FORQUIN, 1993, p.49)

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Pelo que se pode notar, vários são os autores que destacam outros aspectos, além do

estritamente intelectual e discursivo, como partes integrantes do processo de aprendizagem12.

Ao meu ver, a educação tem a função de dotar os indivíduos de uma visão binocular, ou seja,

dotá-los de capacidades para enxergar o mundo através da ciência, mas também através da

visão que congrega a sensibilidade, a imaginação, a estética e o fazer cotidiano cultural.

Segundo EISNER (1998, p.6), "a educação escolar tem a tarefa de ver o mundo educacional

através das lentes de ambos, da ciência e do artista"13.

Focalizando o objeto de estudo estabelecido e trabalhado nesta pesquisa, quando da

entrevista com a diretora da Escola Cristal, pude registrar, conforme explicação da mesma,

que as "atividades curriculares alternativas" foram criadas e implementadas com o objetivo de

atender às crianças com dificuldades de aprendizagem, com dificuldades e problemas de

relacionamento, ou seja, as crianças "inadaptadas" à escola. E quais seriam essas crianças?

De qual tipo de adaptação estariam carentes?

Desta forma, FORQUIN vem reforçar esta indagação:

Mas quem são exatamente estes alunos escolarmente inadaptados, para os quais um currículo completamente diferente é necessário? Por certo, freqüentemente alunos com capacidades intelectuais limitadas, mas não sempre, não necessariamente, pois muito freqüentemente também se trata de um problema de ordem cultural mais do que cognitivo: existe um conflito latente entre as orientações, as atitudes, os valores culturais que eles devem ao seu meio familiar e social e as exigências implícitas da cultura escolar, pelo fato de que esta põe ênfase numa abordagem essencialmente intelectual e livresca do mundo. É por isso que é mais em termos de conteúdos culturais do que em termos de níveis de conhecimentos ou de métodos pedagógicos que Bantock define a especificidade do 'currículo alternativo' que ele propõe para as crianças menos 'escolares'.(FORQUIN, 1993, p.50)

Caminhando por trajetos similares, no que se refere ao estudo sobre o currículo,

SACRISTÁN (2000) chama-nos a atenção sobre a importância de ponderar os aspectos

12 Autores como Morin e Maturana também sinalizam na direção de que as experiências educativas devem ampliar a formação cognitiva dos sujeitos, necessária à nova ordem planetária. Estes autores, entretanto, não foram incorporados neste estudo. 13 Tradução pessoal.

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metodológicos do ensino, uma vez que deles depende a realização de muitas finalidades no

desenvolvimento e na vida do indivíduo, além dos conteúdos estritos do ensino, ou seja, os

aspectos intelectuais, físicos, emocionais e sociais. E eu acrescentaria, aceitando a direção

apontada por EISNER (1994, 1998), os sensoriais. Desta maneira, a metodologia utilizada na

escola e a importância das experiências estão ligadas, de forma estreita, ao conceito de

currículo e ao seu desenrolar no âmbito da escola.

Como se vê, é preciso refletir: pensar a Escola na perspectiva da racionalidade, da

década de 50, principalmente, é engessá-la numa lógica que serve à indústria, à produção, à

obtenção de lucros. Cabe então, uma discussão sobre a necessidade de ver a escola com o seu

dinamismo e incompletude. Incompletude esta que significa ver-se inclinada a propiciar

oportunidades de colocar seus alunos, de fato, uns ao lado dos outros. Viabilizar a

possibilidade de enxergar a riqueza do processo de retroalimentação da escola com a vida e,

conseqüentemente, com os sujeitos que lhe dão concretude. Hoje a lógica é outra e é preciso

reconhecer a escola dentro da dinâmica da vida. Deixar de lado a crença que o professor

ensina e a criança aprende, que o professor tem o conhecimento pronto para suprir as

necessidades dos alunos. É preciso perceber que nada está pronto, tudo está por fazer, tudo

está sujeito a transformações, tudo está sujeito às demandas do corpo e da mente,

interligadamente.

Não se pode negar que a Escola é o lugar privilegiado para que o sujeito possa atingir

as suas formas produtivas, portanto o lugar da reprodução da sociedade capitalista. Mas não

se pode tirar da Escola o seu campo possível de resistência, de transformação interna, e por

conseguinte, de colaboradora na transformação da sociedade.

As opções teóricas, aqui elencadas, tiveram o objetivo principal de focar o que ocorre

no interior da escola selecionada para a investigação e conduzir a análise e o entendimento da

dinâmica curricular diferenciada presente na instituição.

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Do panorama até então por mim perfilhado, esclareço que não defendo um

movimento contra o uso do Currículo Formal nas escolas, mas levanto uma bandeira em favor

da construção de um Currículo que contemple um ponto de encontro entre o currículo

prescrito e um currículo que desenvolva atividades alternativas com vistas ao sucesso da

aprendizagem e das experiências escolares dos alunos das séries iniciais do Ensino

Fundamental, objetivando atenuar a lógica neo-conservadora imperante em uma grande

maioria de escolas públicas do país. Acredito que a flexibilidade curricular é um aspecto

importantíssimo no resgate de uma escola mais humanizada, mais respeitosa e mais justa.

Diante da possibilidade de formulação de um desenho curricular com mais plasticidade,

acredito ser possível encaminhar o processo de ensino - aprendizagem numa perspectiva

mais criativa, dinamizada e alternativa, que atenda às demandas das crianças para enfrentarem

a nova ordem mundial, onde o consenso aponta para a necessidade de novas referências para a

escola e para a vida social. ( EISNER, 1994), ( EUGÊNIO e VILELA, 2004)

Sandra Corazza nos brinda com uma reflexão que acredito possa ratificar o que foi

traçado até então, pela investigação realizada.

Porque somos sujeitos desta época e de nenhuma outra, não conseguimos experienciar mais a Educação e a Pedagogia do mesmo jeito que antes. Por isso, as praticamos, enquanto os novos seres híbridos que somos. Seres que, dentre outras características, possuem, em seus fazeres, pensares e dizeres, uma porção de currículo "oficial" e outra porção de currículo "alternativo". Ao perdermos os fatores distintivos, entre "oficial" e "alternativo", nossos currículos passam a ser representados pelo traço de união que liga, agora, as duas palavras. (CORAZZA, 2001, p.102)

Na Escola Cristal, detectei uma predisposição da equipe educativa em colocar na

pauta das discussões curriculares e educacionais o desenvolvimento das ACA, acreditando na

possibilidade de colaboração entre o prescrito e o alternativo no processo de aprender das

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crianças. Há, portanto, uma flexibilização, uma experimentação de possibilidades que possam

levar os alunos à aprendizagem e às novas experiências escolares.

O capítulo seguinte irá mapear e escrutinar todo o processo da dinâmica das ACA na

Escola Cristal.

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CAPÍTULO 3 - "ATIVIDADES CURRICULARES ALTERNATIVAS" - PARA ALÉM

DAS ATIVIDADES DISCURSIVAS E PRESCRITAS

"Só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder." (Go Back - Sérgio Britto/Torquato Neto)

Neste capítulo descreverei e examinarei a dinâmica das ACA no cotidiano da Escola

Cristal. Pretendo reconstruir o cotidiano da instituição a partir das observações sistemáticas e

assistemáticas do que é vivenciado na escola dentro das atividades desenvolvidas na

modalidade extra classe, que denominei como "atividades curriculares alternativas" - ACA.

Conforme OLIVEIRA (2003) a forma de se entrar no universo da escola a ser

pesquisada mereceu uma atenção especial, uma vez que a finalidade foi realizar uma pesquisa

que compreendesse a dinâmica das ACA, seus modos de interpenetração no currículo e no

cotidiano da instituição, sem caráter de julgamento, e sim de entendimento de possibilidades e

limitações no processo de aprendizagem e nas experiências dos alunos, tentando explicitar em

que termos estas atividades curriculares buscam ampliar as competências dos alunos,

incorporando suas competências culturais particulares. (FORQUIN, 1993)

Inicialmente, traçarei percursos sobre a organização, o funcionamento e a

participação dos alunos e alunas nas ACA, bem como todo o movimento escolar em torno

das atividades analisadas.

A pressuposição sustentada na pesquisa de que a participação dos alunos e alunas nas

ACA interfere no processo de aprendizagem e das experiências escolares dos mesmos, torna

de grande relevância a análise do trabalho alternativo desenvolvido pela Escola Cristal,

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trabalho este que envolve, além de toda a equipe escolar e o voluntariado14, também os

familiares das crianças envolvidas.

Mesmo parecendo simples, a implementação e o desenvolvimento das ACA pela

Escola Cristal, dependeu e depende de uma série de disposições individuais e coletivas,

internas e externas ao universo escolar que, observadas com o olhar no cotidiano, revelam um

enorme esforço e uma grande demanda de trabalho por parte de todos os envolvidos.

Buscarei, ainda neste capítulo, explicitar os alcances e as limitações do trabalho com

as ACA, na vida escolar dos sujeitos analisados, no que se refere aos tipos de aprendizagens

e experiências adquiridas ou não pelos alunos e pelas alunas, através da participação nas

atividades em foco. Destacarei também as resistências ao trabalho com as ACA.

3.1 Organização e funcionamento das ACA no âmbito da escola

A equipe da Escola Cristal, no início do ano de 2000 se viu frente a inúmeras

dificuldades pedagógicas, relacionais e materiais, quando iniciou seus trabalhos na recém

criada instituição.

Os problemas se dispunham ininterruptamente, desde os mais simples aos mais

complexos - indisciplina dos alunos, desinteresse pela escola, dificuldades de aprendizagem,

agressividade física e verbal entre as crianças, dentre outros.

De fevereiro a maio nós ficamos trabalhando isso na nossa cabeça, eu, a orientadora, pedindo sugestões para a equipe colhendo idéias sobre que tipo de trabalho poderíamos fazer. (Diretora)

14 Embora reconheça a pertinência de discussões na área de políticas educacionais sobre o sentido social e político de programas de voluntariado na escola, essa perspectiva não é incorporada neste trabalho.

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Mesmo sem conhecimento detalhado sobre o espaço que há na legislação federal e

estadual (Lei Federal nº 9.394, de 20/12/96 e Resoluções da SEE/MG nº 06/2000 e nº

151/2001) para que a escola possa elaborar e implementar inovações e mudanças na sua

proposta curricular e pedagógica (NOGUEIRA, 2005), a equipe da Escola Cristal resolveu

seguir o caminho da inovação, criando e implementando o trabalho com as ACA no seu

currículo formal. O que pude constatar é que não foi nada fácil para a Escola Cristal, pois

conforme esclarece NOGUEIRA:

(...) a concretização dessas leis e resoluções apresenta muitas incongruências, quando se olha de perto a realidade de muitas escolas públicas. A escassez de material, a carência de programas efetivos de formação continuada, os imperativos temporais, a intensificação do trabalho docente, o excesso de burocratização dos processos escolares e a inadequação da estrutura física da escola produzem obstáculos concretos e efetivos para as inovações educacionais.(NOGUEIRA,2005, p.60)

De fato, conforme relatos da diretora e demais membros da equipe, a Escola Cristal

vivenciou inicialmente, e de forma contundente, todos estes desafios, principalmente os de

ordem técnica e material. Quando a diretora, em sua entrevista, trata da manutenção dos

projetos no dia-a-dia, esclarece:

Tudo que nós temos dos projetos até hoje foi doação. Temos um caderno, um livro de ata, com todas as doações que a gente recebeu até hoje. Inclusive até a doação de uma agulha é anotada. Os projetos vivem de doações das pessoas. A gente coloca o projeto " debaixo do braço" e vai nas empresas, nos comércios e pede patrocínio e pede doação e vivemos de doação, mesmo. Claro, já fizemos, por exemplo, um Festival Esportivo. Com o que a gente arrecadou, o lucro, nós empregamos em instrumentos, como a Bandinha Infantil, que é usada tanto para os projetos como para o dia-a-dia da escola. Mas, até hoje foi só através de doação mesmo, patrocinadores.(Diretora)

A orientadora educacional, que é a coordenadora dos projetos, também explica sobre a

carência de recursos para o trabalho:

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Então, quando eu falo em patrocínio às vezes a gente consegue de uma ou outra indústria, mas principalmente dos amigos que estão do nosso lado. São pequenas coisas, como uma agulha de crochê, como linha, como retalhos, é... como uma bola, desde a coisa mais cara, como o uniforme para as crianças jogarem, desde as coisas mais simples a gente consegue através desses patrocinadores, que têm mais condição financeira, né... que têm indústria e também daquelas pessoas humildes que vem doando aquilo que podem.(Orientadora Educacional)

Perguntei à diretora se a escola recebe alguma ajuda financeira da municipalidade,

através da Secretaria Municipal da Educação e ela me informou que não há o recebimento de

nenhuma ajuda, nem financeira, nem de material para os projetos, nem de trabalho de algum

funcionário municipal que possa colaborar com o trabalho dos voluntários e voluntárias.

Como afirmam ROCKWELL e EZPELETA (1989), as diversas práticas

particularizadas de uma escola são possibilitadas pelas condições materiais da instituição, mas

não chegam a determinar estas práticas, uma vez que muitos outros aspectos estão em jogo,

principalmente o controle e a autonomia. E a relação entre a autonomia e o controle vai

desenhando, cotidianamente, o quadro da escola com as suas práticas educacionais

específicas, com sua realidade material própria, com suas condições efetivas para o trabalho

institucional através da ação dos seus integrantes.

Desta forma, a Escola Cristal se viu impulsionada, pela força da urgência, a buscar

outros caminhos curriculares, além dos prescritos. E essa tomada de decisão nasceu, muito

mais do imediatismo e necessidade do que em detrimento dos resultados de análises e

discussões à luz de estudos e arcabouços teóricos por parte de seus profissionais.

A diretora da Escola Cristal, explicita o porquê da criação e da implantação dos

projetos:

A maior dificuldade nossa era a agressividade dos alunos que compunham a escola. Os problemas que eles tinham lá fora repercutiam diretamente dentro da escola. A orientadora, eu, a supervisora e as professoras estávamos sentindo assim, impotentes diante de tanta agressividade, de tanta rebeldia. E o primeiro ponto foi a disciplina, depois a freqüência, e o desinteresse . Achávamos que a sala de aula teria que ir além, ou seja, a aula teria que ser além da sala de aula. Teria que ampliar, dar outras oportunidades para esses alunos mostrarem talentos,

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habilidades que eles às vezes não tinham como mostrar no dia-a-dia, então eles partiam para a violência, para a indisciplina mesmo. E quem sabe, um aluno indisciplinado seria um aluno bom de bola? Ele poderia mostrar lá na quadra um talento que ele tinha e com isso ele ia sentir uma auto-estima, a gente iria levantar a auto-estima dele. Quem sabe ele poderia mostrar uma habilidade que naquele momento ele estava mostrando ou chamando a atenção, não sei se o termo seria esse, pro lado negativo. E dando oportunidade para ele mostrar alguma coisa que ele sabia fazer fora da sala de aula, ou capoeira, ou a música15, ou o teatro, ele poderia extravasar toda aquela dificuldade, às vezes até de relacionamento. E, sem falar que, o Futsal exige uma disciplina, a capoeira exige uma disciplina, a música exige , o teatro exige. Então nós iríamos exigir dele uma disciplina dentro desses projetos sem estarmos sendo autoritários, seria discutindo com eles a disciplina dentro dos projetos e levando para dentro da sala de aula essa melhoria, porque para participar do projeto ele tem que ter uma certa disciplina, e para estar dentro da sala de aula ele poderia aprender mais, crescer muito mais.(Diretora)

Retomando as teorizações de EISNER (1994) pode-se constatar que os motivos

impulsionadores das ações da Escola Cristal em relação às ACA, advindos de uma

necessidade de ampliar a abrangência de sua ação formadora dos sujeitos-alunos, parecem ter

respaldo na explanação do autor quando mostra que:

...a separação de mente e do corpo, iniciada por Platão e à qual foi dada um empurrão por Descartes, contribui para uma concepção estreita de intelecto. ...o nosso sistema sensório é nossa primeira via para a consciência e que seu desenvolvimento e refinamento é o que torna a formação dos conceitos possível. (EISNER,1994, p.102)

A equipe pedagógica e administrativa da Escola Cristal, acreditando que seria

possível, e ao mesmo tempo, indispensável, uma intervenção na estrutura curricular, para

atendimento mais abrangente das necessidades de sua clientela, resolveu colocar em

funcionamento as ACA.

Bom. No primeiro momento nós começamos, colocamos os projetos para funcionar. Acreditamos que iria dar certo. Incentivamos toda a escola, professoras, pais, serviçais, todos tiveram que estar a par daquilo que nós pretendíamos, dos nossos objetivos, quase que específicos, vamos dizer. O mais importante era valorizar aquilo que as crianças sabiam e gostariam de fazer. (Diretora)

15 Música - entre os anos de 2000 e 2003, a Escola Cristal contou com o Projeto do Coral e com o Projeto do Teatro, dentro das ACA.

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As pedagogas, a diretora e as professoras, no intuito de legitimar as ações cotidianas

implementadas na escola através das ACA, procuraram então, priorizar as atividades criadas

no próprio cotidiano, fazendo surgir uma série de alternativas curriculares. Nesta perspectiva,

ressalto as afirmações de ALVES e OLIVEIRA (2002) de que, na realidade cotidiana, há

sempre locais e situações em que táticas e alternativas são postas em prática, de modo a

minimizar os problemas vinculados a algumas normas impostas, o que permite afirmar a

permanência de um certo espaço de exercício de autonomia dos sujeitos presentes na escola.

Diante da mudança na rotina escolar, a diretora da escola esclarece:

A rotina da escola foi alterada. Mas os alunos e as alunas, as professoras e funcionárias não demoraram para implementar essa nova rotina nas suas vidas. Porque a minha preocupação, principalmente como articuladora, como gestora era não deixar que esses projetos atrapalhassem a rotina da escola. Então... altera a rotina mas não atrapalha. Por que não atrapalha? Porque a gente segue aquilo que é combinado. A escala de participação das turmas nas ACA é feita e nós procuramos segui-la rigorosamente. Se houver alguma alteração, ela é comunicada imediatamente às professoras, alunas e alunos.Quem está na coordenação dos projetos, no caso, a orientadora, tem essa preocupação, de não deixar que a coisa fique desorganizada. Pra funcionar tem que ter uma organização.(Diretora)

As ACA se destacam no movimento cotidiano da escola, mobilizando esforços dos

voluntários, voluntárias, alunos, alunas, professoras e demais integrantes da equipe. O

currículo real da Escola Cristal passou a ser desenhado também a partir das ACA em

movimento.

No ano de 2000, quando os serviços pedagógico e administrativo da Escola Cristal, se

viram frente a dezenove turmas de, aproximadamente 35 alunos por turma, em dois turnos,

com inúmeras dificuldades a enfrentar, resolveram utilizar de uma experiência anterior da

orientadora educacional com um projeto de capoeira numa escola de menor porte, como um

primeiro passo para a criação das ACA. A orientadora passou a coordenar a implementação

dos projetos com as ACA, contando com o apoio da equipe escolar, da comunidade em geral,

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dos pais dos alunos e dos voluntários e voluntárias participantes. A coordenadora chega a se

emocionar quando fala do trabalho desenvolvido nos últimos cinco anos:

Pra falar a verdade, fico muito emocionada. É minha maior alegria...eu me emociono mesmo, porque vejo cada vez mais, no rostinho das crianças, a alegria de sair da sala de aula e jogar, fazer crochê, participar da capoeira, e esquecer todos os problemas, que é a realidade da vida deles.(Orientadora Educacional)

A supervisora pedagógica do turno da manhã ratifica sobre os objetivos principais da

criação dos projetos das ACA:

Os projetos nasceram de nossa preocupação com alunos que rendiam pouco em aprendizagem e que se mostravam inadaptados ao ambiente escolar. Eles foram criados com o objetivo geral de proporcionar uma educação integrada, através da participação em projetos específicos, visando a diminuição ou superação das dificuldades de aprendizagem, de convivência e de comportamento, por meio das inteligências dominantes16 dos alunos.(Supervisora Pedagógica)

Neste contexto, a experiência curricular da Escola Cristal é permeada por uma

variedade de ações alternativas - os projetos da Capoeira, do Crochê, do Futsal e do

Handball -, que ditam boa parte da organização da realidade escolar e assumem uma certa

centralidade na prática dos docentes, equipe pedagógica e administrativa, além da dos

discentes.

Todo o trabalho desenvolvido com os alunos e alunas da Escola Cristal, dentro das

ACA é realizado por voluntários e voluntárias, que são convidados e acompanhados pela

coordenadora do programa.

16 Inteligências dominantes - expressão utilizada pela supervisora e também utilizada por outros membros da equipe educativa, que além desta expressão utilizam também a expressão "inteligências múltiplas", com referência aos estudos de Howard Gardner. Durante os dias de pesquisa de campo pude perceber que as expressões são utilizadas esporadicamente pelas pedagogas e algumas professoras da escola. Quando as professoras, diretora e pedagogas foram indagadas sobre o uso do tema "inteligências múltiplas" disseram que a utilização do termo se deve ao fato de terem participado de alguns poucos encontros que trataram sobre o assunto, sem maiores aprofundamentos e discussões sobre o assunto.

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A diretora conta como foi o início deste trabalho com os voluntários e voluntárias:

Assistia na televisão sobre os Amigos da Escola e parecia que dava certo em outras escolas. E quem sabe seria o nosso caminho? Cadastramos a escola mais interessados na propaganda que poderíamos fazer na comunidade e no amparo legal que é a Lei do Voluntário, que nos daria um pouco de tranqüilidade, porque a gente não teria a preocupação com o vínculo empregatício dos voluntários e voluntárias. Depois disso começamos a procurar voluntários e voluntários para o trabalho, que iniciou-se com o projeto do Coral. A participação deles é de acordo com a disponibilidade que têm. Mas, só aceitamos o trabalho de pessoas que conhecemos, que têm boa índole, discrição no trabalho e disponibilidade para crescer no trabalho com as crianças. (Diretora)

Toda esta movimentação inicial contou ainda com a participação dos docentes,

conforme esclarece a diretora:

Passávamos as sugestões para a equipe da escola, colhíamos sugestões também da equipe e fizemos um trabalho de parceria.As professoras só liberariam os alunos para os projetos se realmente eles acreditassem que seria viável e bom para o progresso deles.(Diretora)

Outro ponto analisado dentro do programa foi a seleção dos alunos e alunas para os

projetos. A supervisora pedagógica do turno da manhã explica:

Os alunos são selecionados dando-se preferência àqueles com necessidades de atendimento diferenciado em relação à defasagem de aprendizagem, vindas de questões disciplinares, emocionais, familiares e sociais. Havendo ainda vagas, são integrados outros alunos e alunas com aprendizagem e comportamento tidos como "normais', mas que manifestam interesse em participar dos projetos, apenas por buscar desenvolver mais uma habilidade em sua vida. Tem sido dadas oportunidades para, praticamente, todos os alunos interessados.(Supervisora Pedagógica)

O trabalho de seleção dos alunos é feito por toda a equipe educativa:

A escola toda participa. A supervisora participa, indica. A professora, principalmente, é que sugere, indica. Eu também, quando percebo que algum aluno

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tá precisando de alguma coisa além da sala de aula. É mesmo toda a escola que participa.(Diretora)

Como já descrito no Capítulo 1, os projetos de ACA desenvolvidos na escola são:

Futsal, Capoeira, Crochê e Handball. A partir da observação destes projetos no dia-a-dia da

escola e de anotações de campo, pude registrar algumas especificidades dos mesmos:

Projeto Futsal: O projeto é desenvolvido com dez alunos em cada horário, sendo

cinco alunos em cada time. Os alunos, normalmente chegam eufóricos à quadra. Alguns, por

ansiedade em iniciar a atividade, querem iniciar o jogo sem fazer aquecimento e/ou

alongamento. Participam da atividade com muito entusiasmo e dizem "gostar muito do

Futsal". O voluntário recebe os alunos na quadra, com atitudes de orientador e coordenador

das atividades. Tem postura de professor, organizando as ações e exigindo disciplina e

respeito. Primeiramente, o voluntário lembra os alunos de observarem a quadra e se ela

precisa de alguma limpeza. Organiza-os para os exercícios físicos e logo depois inicia o jogo,

orientando a todo instante cada aluno e cada passe dado. A atividade tem mais cunho de

treino do que de disputa, mas os alunos agem como jogadores, todo o tempo, querendo vencer

o jogo. O voluntário usa de voz mediana com os alunos e trata-os com respeito, atenção e

carinho. Sempre que necessário, o voluntário corrige os alunos, principalmente nos

momentos em que as regras do jogo são desrespeitadas. Também emite frases de incentivo,

de estímulo aos alunos. O voluntário organiza os times de acordo com as habilidades já

observadas de cada aluno, alterando os times em todos os encontros e ressaltando que a

diversificação enriquece o trabalho coletivo. Aponta para a necessidade de cada jogador

procurar a participação do colega, "tocando" a bola para o outro e incentivando as trocas

constantes dentro do campo. Os alunos reagem muito bem diante das intervenções do

voluntário, são disciplinados, na maioria do tempo e disputam a bola com muita garra e

vontade de fazer gol. A relação entre o voluntário e os alunos é muito boa, com partilha de

sugestões, dúvidas e opiniões. Ele organiza os alunos de maneira objetiva e dá orientações

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quanto à importância do trabalho coletivo. Pude observar ainda que o voluntário demonstra

coerência na seqüência das atividades e preocupa-se em informar qualquer alteração ou

novidade do trabalho. Pareceu-me que ele busca ser professor dos meninos, e não só

voluntário do Futsal, utilizando estratégias e ações de treinador e docente, ao mesmo tempo.

O voluntário, como consta do Capítulo 1, é graduando do curso Normal Superior. Ele

preocupa-se em utilizar um vocabulário adequado e condizente com a faixa etária das

crianças, não perdendo nenhuma oportunidade em destacar a importância dos valores de uma

boa convivência e respeito mútuo. O voluntário não permite que situações de stress durante o

jogo/treino perturbem a relação dos alunos. Quando necessário, faz paradas na atividade para

dialogar com as crianças e fazer com que elas se desculpem pelas atitudes inadequadas.

Observei também que os alunos trabalham bem em equipe. São companheiros e cúmplices no

momento do jogo. Vibram com as vitórias e pareceu-me que estão lidando bem com as

derrotas decorrentes do jogo. A orientadora educacional, na condição de coordenadora dos

projetos, após a atividade faz intervenções, ressaltando a importância do esporte sem

violência, sobre a oportunidade de todos poderem ganhar o jogo, pelo fato dos times não

serem fixos. Ela ainda faz a chamada dos presentes e lembra-os sobre a dinâmica utilizada

dos cartões de advertência, sempre que necessário, como nos jogos oficiais. As crianças que

participam do projeto demonstram muita alegria e satisfação durante a atividade e qualquer

possibilidade de suspensão ou exclusão do grupo é motivo de grande preocupação por parte

dos alunos.

Projeto Capoeira: Participam deste projeto uma média de quinze alunos, entre

meninas e meninos. A disposição para a atividade é feita inicialmente em círculo, o que

possibilita uma visão geral por parte de todos os integrantes. O voluntário se coloca no centro

do círculo e inicia as atividades com um breve aquecimento físico. As crianças ficam atentas

às orientações do voluntário, ansiosas pelo início dos exercícios da Capoeira. O voluntário

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tem uma postura de compromisso com o trabalho, demonstrando seriedade e compenetração.

Na seqüência, ele dispõe as crianças em fila para outros exercícios de concentração e

aquecimento. Colocam-se em círculo novamente e o voluntário controla os gestos e

movimentos de cada aluno ou aluna que está no centro da roda. O voluntário usa linguagem

coloquial e também utiliza das terminologias e expressões específicas da Capoeira. Todos os

participantes entendem a comunicação utilizada, porque nos primeiros encontros, todo o

jargão da Capoeira, necessário para o trabalho, foi passado e discutido com as crianças,

conforme informação do próprio voluntário. Também foi repassada uma parte teórica para as

crianças, destacando o fato de que a capoeira não é uma luta, mas uma dança afro-brasileira.

O voluntário utiliza dos próprios movimentos da Capoeira para demonstrar os exercícios e

prender a atenção das crianças. Elas aprendem a valorizar o seu corpo, em sintonia com o

grupo. As reações dos alunos e alunas diante das intervenções do voluntário são tranqüilas,

demonstrando que é muito boa a relação entre eles. O voluntário, durante todo o tempo,

controla as atitudes e atividades do aluno com organização de tarefas e demonstrações

práticas dos exercícios. Também utiliza os movimentos dos alunos que estão em nível mais

adiantado de aprendizagem da Capoeira para demonstrar aos novatos e menores como se faz.

Pareceu-me que o voluntário utiliza seu conhecimento e suas habilidades para também

"impressionar" os alunos e alunas. Demonstra um certo exibicionismo na conduta frente às

crianças, em algumas situações. Os participantes não chegam a perceber isso e revelam

gostar das apresentações, às vezes excessivas, do voluntário. O voluntário também propicia

oportunidades para as crianças mais inexperientes demonstrarem suas habilidades e vai

orientando a cada uma. Mas, nem sempre revela facilidade para o manejo da turma, deixando

entrever uma certa imaturidade no trato com as crianças em determinados momentos,

revelando dificuldades nos aspectos pedagógico e escolar. É uma atividade alegre que

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transcorre, normalmente, com fundo musical específico ou com as batidas cadenciadas das

mãos das crianças, dando ritmo e movimento para as apresentações e treinos.

Projeto Crochê: O projeto funciona regularmente com uma média de doze alunas,

que demonstram muito interesse pela atividade, num ambiente tranqüilo e de cooperação,

umas ajudando as outras no processo de superação das fases do "bordado". A maioria das

crianças se concentra no trabalho. Algumas têm mais dificuldades de concentração e de

habilidade manual. O projeto conta com a colaboração de duas voluntárias, que se revezam no

atendimento. Elas mantêm um ritmo de atendimento individualizado, sem perderem o

controle geral da turma. Quando necessário elas pedem silêncio e exigem um ambiente bem

disciplinado. As voluntárias procuram agir como colaboradoras das alunas durante o trabalho,

atendendo individualmente a cada uma e incentivando a superação de dificuldades. Também

se preocupam em orientar as meninas para usarem de postura adequada para o trabalho,

evitando problemas físicos. Durante todo o tempo, as voluntárias incentivam as alunas a

melhorar cada vez mais o desempenho na atividade. Algumas alunas que já conseguem fazer

os pontos básicos colaboram com outras como monitoras, demonstrando como fazer a trama

correta do bordado. As alunas reagem bem às intervenções das voluntárias e têm uma boa

relação pessoal. A coordenadora costuma fazer a chamada das presentes durante a atividade e

por algumas vezes participa da aula, destacando a importância da disciplina e a manutenção

da ordem no local. A marca principal do projeto do crochê, conforme observação sistemática,

é o atendimento individualizado por parte das voluntárias. Nos momentos de incentivo e

correção, as voluntárias utilizam de expressões de elogio e nas correções são objetivas e

diretas, com uma linguagem coloquial, simples e respeitosa. Quando o horário da atividade

termina, as alunas reclamam, querendo ficar mais tempo no trabalho.

Projeto Handball: O voluntário é o mesmo que trabalha com o Futsal, utilizando os

mesmos procedimentos de recepção, controle e organização no Handball. O projeto é

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direcionado às meninas, que formam times de sete a dez alunas. As alunas são mais agitadas

que os meninos durante o jogo/treino, uma vez que falam um pouco mais, reivindicando e

"brigando" pela bola. Elas treinam entusiasmadas e determinadas. Às vezes, umas discutem

com as outras, saindo da quadra e ficando isoladas do jogo por algum tempo. O voluntário

controla a atividade através da exigência do cumprimento das regras já conhecidas pelas

alunas. Quando necessário, faz intervenções individuais, corrigindo e orientando as meninas.

O voluntário utiliza linguagem adequada, procurando manter um clima de respeito e

cooperação. Para as correções, procura levá-las à reflexão sobre as falhas e erros. O

voluntário utiliza ações de incentivo ao desenvolvimento de um jogo cada vez mais "claro".

Incentiva os acertos e cobra das alunas uma postura ética constante. Utiliza ainda de recursos

pedagógicos, como o cuidado com a linguagem, o incentivo individual e coletivo, a

cooperação de uma aluna com a outra, a intervenção para impor limites. O voluntário, como

no projeto do Futsal, usa de linguagem técnica relacionada à modalidade esportiva e também

utiliza linguagem de professor, visando o entrosamento do grupo, a valorização dos acertos e

a correção dos erros, sem exageros ou insistências. O voluntário destaca que as alunas têm

mais facilidade em assimilar as regras do jogo e as normas que regem o projeto, em relação

aos meninos no Futsal. A coordenadora assiste quase todos os jogos, observa as atitudes de

todas e no final da atividade se reúne com elas, ressaltando a importância do cumprimento das

regras e a manutenção do espírito esportivo e de equipe. Destaca sobre a necessidade

constante de entrosamento entre as jogadoras, para um jogo/treino mais produtivo e tranqüilo.

Diante das condições que são disponibilizadas aos alunos e alunas participantes das

ACA, a Escola Cristal altera, de uma certa forma, a lógica que desqualifica a criança

"diferente" dentro da instituição. Ela quebra com esta lógica e faz surgir possibilidades de

construção coletiva de alternativas pedagógicas no âmbito escolar. Os alunos e as alunas, as

professoras, os voluntários e as voluntárias, e demais integrantes da escola desempenham

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papéis fundamentais ao bom funcionamento das ACA. A capacidade de negociação e

articulação se mostra fundamental para o sucesso que esperam das ACA. É interessante

perceber que o espaço escolar assume outras características, sendo não apenas um espaço de

"aprendizagem" mas de cultura, de esporte, de trabalhos manuais, numa perspectiva

compartilhada e aberta de trabalho.

Conforme SACRISTÁN:

O currículo, em seu conteúdo e nas formas através das quais se nos apresenta e se apresenta aos professores e aos alunos, é uma opção historicamente configurada, que se sedimentou dentro de uma determinada trama cultural, política, social e escolar; está carregado, portanto, de valores e pressupostos que é preciso decifrar. Tarefa a cumprir tanto a partir de um nível de análise político-social quanto a partir do ponto de vista de sua instrumentação "mais técnica", descobrindo os mecanismos que operam em seu desenvolvimento dentro dos campos escolares. (SACRISTÁN, 2000, p. 17)

A pesquisa me mostrou que, ao contrário de oferecer uma educação compensatória aos

alunos e alunas que apresentam dificuldades de aprendizagem, de relacionamento interpessoal

e de comportamento, a Escola Cristal caminha, através das ACA, num percurso de oferta de

possibilidades, de formas de superação das dificuldades e limitações de cada criança dentro

do currículo escolar, na rotina institucional.

..., vamos falar em currículo escolar, que é o que me interessa. O currículo escolar que está interagindo, que está recebendo impulsos, que está dialogando, que está buscando informações, está buscando enriquecimento, que está levando o aluno a entender melhor as relações, a criticar, a se situar. (GARCIA E MOREIRA, 2003, p.24)

No que se refere à participação das professoras, na rotina implementada na Escola

Cristal, pude detectar, entre as quatro professoras das 4ª séries, que três delas se articulam

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cotidianamente acreditando nos objetivos da implantação e nos resultados dos projetos dentro

das ACA, sendo que uma delas é mais resistente ao trabalho desenvolvido17.

As três professoras, quando entrevistadas demonstraram uma crença real no

funcionamento das ACA. Primeiramente, quando questionadas sobre o que pensam que é o

Currículo da escola e se as ACA fazem parte deste Currículo, responderam:

Para mim, Currículo é a base de todo o meu trabalho, em relação aos conteúdos que desenvolvo na série que eu estou trabalhando. E as ACA fazem parte deste currículo.(Professora 1) Eu acho que as ACA fazem parte do currículo, dentro daquela parte diversificada, atendendo a necessidade do aluno, da escola, da comunidade. Por isso acho que as ACA integram este currículo. (Professora2) As ACA fazem parte do currículo diário da escola.(Professora 3)

SACRISTÁN esclarece:

O currículo modela-se dentro de um sistema escolar concreto, dirige-se a determinados professores e alunos, serve-se de determinados meios, cristaliza, enfim, num contexto, que é o que acaba por lhe dar o significado real. Daí que a única teoria possível que possa dar conta desses processos tenha de ser do tipo crítico, pondo em evidência as realidades que o condicionam. ( SACRISTÁN, 2000, p.21)

Ao tentar investigar o fazer curricular cotidiano da Escola Cristal, é preciso destacar ,

como nos ajuda MACEDO et al. (2002), que o professor modifica o currículo oficialmente

proposto, dando a ele um "colorido" particular que se faz existir a partir das experiências

vividas por cada docente. Assim, o professor interage com o currículo formalmente prescrito,

construindo, no dia-a-dia, novas alternativas curriculares.

A partir deste novo "desenho curricular", a Escola Cristal vai tomando rumos que

objetivam, conforme observação diária, atender os seus alunos e alunas de forma

integralizada, valorizando tanto as atividades discursivas quanto as artísticas, esportivas,

17 Tratarei sobre as resistências às ACA mais à frente.

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manuais e sensoriais dos discentes. EISNER (1994) delineia um quadro que destaca sobre a

importância dos sentidos, "como uma maneira através da qual o mundo qualitativo que

habitamos é experimentado." Ele ressalta sobre as "contribuições que diferentes formas de

representação, vários modos de tratamento e diferentes estruturas sintáticas dão aos

significados que somos aptos para criar e experimentar."

Durante a pesquisa e os momentos de observação sistemática dos projetos das ACA,

constatei ainda que as professoras, de maneira geral, trabalham com seus alunos e alunas, nas

salas de aula, adequando-se à rotina das ACA e crendo na eficácia deles.

O simultâneo domínio do conhecimento sobre os alunos e das suas necessidades e interesses, do conhecimento profundo das características do currículo, da consciência construída através da experiência da margem de autonomia que usufrui no espaço da sua profissão, tudo isso abre ao professor a possibilidade de recontextualizar os saberes eleitos como importantes pelo currículo. Mas agora, em vez de se limitar a veicular, e/ou traduzir um conhecimento recontextualizado já (e sobretudo) nos materiais didáticos, o professor (re)cria o saber. Produz em situação, formas originais com que procura conseguir que aconteçam aprendizagens várias através da comunicação com aqueles alunos, com aquelas características.(CORTESÃO e STOER In: GARCIA e MOREIRA, 2003 , p.202)

As professoras então, organizam o trabalho diário com os alunos conforme o

cronograma semanal das ACA, procurando atender as crianças que saem da sala de aula para

os projetos e as que ficam na sala.

No dia que eles têm o projeto eu costumo não dar matéria nova, é mais uma revisão e fixação de atividades já feitas. E eu conto também com o apoio das crianças que ficam na sala de aula. A questão assim, de corrigir o dever para o colega, ou até mesmo copiar o dever para o colega, eu deixo eles ajudarem(sic). E quando estes alunos chegam à sala eles levam o caderno do colega para poderem colocar a matéria em dia. Mas, explicar matéria só quando eles estão em sala de aula. (Professora 1)

A conduta de outra professora demonstra menos preocupação com a rotina das ACA

dentro da sua programação semanal. Relata sobre as suas atitudes:

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Eu, na verdade, tem dias que eu me esqueço. Eu esqueço do "danado" do projeto. Mas, aí a gente tenta, né? No horário que eles estão fora a gente tenta dar atividades que eles possam chegar e fazer mais rápido, colocar em dia. Porque a gente cobra. Pra sair tem que estar, pelo menos, adiantado, não pode sair e deixar atividade sem fazer. Vem, amanhã a gente dá uma olhada, confere. Porque é a maneira da gente cobrar deles. Dever de casa: não fez dever, ah... tô de olho, não vai participar do projeto. Então a gente cobra, e lá na sala a gente... quando eu me esqueço, na hora dou um "joguinho de cintura", a gente dá um jeitinho. A gente tenta colocar atividades que, quem estiver saindo, não fique prejudicado, não dá matéria nova, sempre é uma atividade de revisão para eles saírem e não ficarem prejudicados. (Professora 3)

Uma outra professora também tem uma forma própria de organizar o trabalho diário

da sala em relação às crianças que participam dos projetos das ACA:

Enquanto eles saem da sala procuro fazer alguma atividade que não vai prejudicá-los. Por exemplo, se eu sei que o aluno que saiu tem dificuldade em alguma matéria, eu não vou aplicar a matéria naquele horário. Logicamente, eu procuro conversar mais com quem fica dentro da sala, procuro saber mais a respeito da vida de quem tá lá dentro, para a aula não correr muito rápido e quem tá lá fora não perder o que está acontecendo lá dentro. (Professora 4)

Em relação ao aspecto prático e rotineiro da saída dos alunos e alunas das salas de aula

para os projetos, indaguei de cada criança entrevistada, como procedia para estar sempre com

o material organizado e com as atividades prescritas em dia com o restante da turma. Todas

me responderam demonstrando terem já se acostumado à rotina imposta pelo ritmo das saídas

da sala. Eis alguns depoimentos:

Eu sempre pego algum caderno, copio de algum colega, passo a limpo, vou na casa de um colega meu. E fico tranqüilo. (MPG, 10 anos)

Eu peço o caderno emprestado, e quando é Português e Matemática, nos intervalos e no recreio eu vou e escrevo. O dever eu já copio primeiro para não ficar atrasada. E de vez em quando, eu levo o caderno de colegas para casa. (JCS, 9 anos) Eu peço o caderno emprestado e copio em casa. Copio o dever na sala. Já me acostumei. (AGSM, 10 anos) Eu peço o caderno para alguém. Se não der tempo eu vou na casa de algum colega para copiar o dever e as outras matérias.(ACW, 9 anos)

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Eu procuro um caderno emprestado para copiar.(JCDV, 11 anos) Quando eu saio para o projeto e deixo coisa incompleta eu pego caderno emprestado. E, se tiver no quadro eu copio rápido. (EBS, 11 anos) Eu chego e copio as atividades pegando caderno emprestado,( HHPS, 12 anos) Eu peço o caderno pra alguma das minhas amigas. (DRSO, 9 anos)

Conversando com as professoras sobre a sistemática adotada e incorporada pelas

crianças, pude perceber que tais procedimentos e atitudes não impedem o desenvolvimento

dos conteúdos ministrados por elas, nem mesmo interferem negativamente no movimento

diário das salas de aula.

A equipe da Escola Cristal, no início da implantação dos projetos com ACA,

encontrou muitas dificuldades, como já explicitadas. Porém, a realidade que se apresentava no

dia-a-dia da escola era tão preocupante, que a meu ver, a necessidade em alterar o quadro de

inadaptabilidade dos alunos e alunas foi mais forte, falou mais alto. O que ocorreu então, do

ano de 2000 até o presente foi um esforço organizado de toda a equipe para fazer com que as

experiências bem sucedidas fossem incorporadas e nada do que era positivo se perdesse pela

escola e seus atores, invertendo a tendência de se localizar o currículo acima da atividade

prática dos sujeitos que constituem a unidade escolar.

Conforme destaca HARGREAVES (2001), o currículo deve ser visto não como uma

série de competências ou objetivos a ser atingidos, mas como uma série de histórias a ser

contada. Nesta perspectiva, a Escola Cristal busca nos saberes do seu alunado, das suas

professoras e comunidade educativa, possibilidades para o desenvolvimento das ACA que

estão para além do que é oficialmente proposto.

(...) toda educação, e em particular toda educação do tipo escolar, supõe sempre na verdade uma seleção no interior da cultura e uma reelaboração dos conteúdos da cultura destinados a serem transmitidos às novas gerações. Esta dupla exigência de seleção na cultura e de reelaboração didática faz com que não se possa apegar-se à afirmação geral e abstrata de uma unidade da educação e da cultura: é

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necessário matizar e especificar, isto é, construir uma verdadeira problemática das relações entre escola e cultura. (FORQUIN, 1993, p. 14, grifo meu)

No que se refere ao envolvimento das famílias dos alunos selecionados na dinâmica

das ACA, pude observar que a coordenadora dos projetos realiza encontros periódicos com

integrantes dos núcleos familiares e, sempre que necessário, convida-os para participarem

mais ativamente da vida escolar das crianças. Conforme explica a diretora, os pais e/ou

responsáveis pelos alunos são convocados para reuniões anuais, momento em que a equipe

coordenadora dos projetos das ACA passa aos presentes todas as informações relativas ao

programa que será desenvolvido no ano que se inicia. São colocados em pauta os objetivos

dos projetos, os critérios para a participação dos alunos e das alunas. Na oportunidade, os

pais assinam uma autorização, que franqueia a participação do filho ou filha no projeto que

almeja. Nos encontros anuais, os voluntários e voluntárias são apresentados à comunidade

presente. A diretora procura passar todas as informações importantes e necessárias em relação

ao funcionamento dos projetos durante o ano letivo. A diretora reafirma a aceitação dos pais

e/ou responsáveis:

A aceitação dos pais é excelente! Nós nunca tivemos problema com os pais com relação aos projetos. Ao contrário. Eu acho que a escola se tornou uma escola mais valorizada pela comunidade, ela se tornou uma escola com maior credibilidade. Todos vendo que estamos fazendo um trabalho diferente, um trabalho voltado para o social e muito voltado para os nossos alunos. O tempo todo a gente coloca os alunos em primeiro lugar. (Diretora)

A coordenadora também ratifica sobre a aceitação positiva dos pais e/ou responsáveis

das crianças em relação aos projetos:

...A escola tem o sucesso que tem, eu acredito que é por causa dos projetos. Muitos pais matriculam os filhos aqui nesta escola pensando no projeto que tem, na atividade esportiva, nas atividades manuais e artísticas que a escola oferece. A maioria dos pais gosta muito de todo esse movimento e quando tem atividades esportivas na escola, há uma grande participação dos pais.(Orientadora Educacional)

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Quando das entrevistas com os pais e/ou responsáveis pelos alunos e alunas, sujeitos

da pesquisa, pude comprovar o que os membros da equipe explanaram sobre a questão, uma

vez que todos os dezesseis pais e/ou responsáveis entrevistados proferiram a favor dos

projetos das ACA, valorizando o trabalho da escola e respeitando a dinâmica estabelecida na

Escola Cristal, e, na verdade, reconhecendo esse trabalho como fazendo parte daquilo que a

escola tem e deve fazer para educar seus filhos. Conforme MACEDO (2003) o currículo vai

se constituindo à medida que vai sendo construído e vivenciado pelos sujeitos da escola.

Eu acho muito importante esse trabalho que a escola tem com os alunos, principalmente para eles aprenderem mais alguma coisa. (AD,mãe) Os projetos ajudam muito. As crianças estão em fase de aprendizagem e tudo o que vem assim, diferente, ajuda. Eu acho maravilhoso! (MACS,mãe) Participar dos projetos faz o aluno gostar mais da escola.Acho que a participação dele vale a pena.(DCS, mãe) Acho necessário, importante. Incentiva. Os alunos ficam tão entusiasmados pela escola e isso estimula a vir pra aula. Sem dúvida, os projetos ajudam muito os alunos. (IRO, pai) Acho que a escola tem um atendimento melhor por causa dos projetos. Porque tudo o que vem dos funcionários, das professoras é para colaborar com os filhos da gente, para uma boa educação. Seria bom se aqui tivesse até 8ª série. (MACS, mãe) Os projetos fazem o aluno gostar mais da escola. (DCS, mãe) Ela melhorou. Agora não precisa mandar mais fazer o dever, ela faz tudo sozinha. Gosta de vir pra escola. É tranq6uila. (MAO, mãe) Beleza! Muito bom! Ajuda muito no desenvolvimento dos alunos. Pena que ela vai pra outra escola no ano que vem. A AGSM já falou até em "tomar bomba", pra continuar na escola. Até hoje a escola sempre foi muito boa. E a AGSM está aqui desde o pré.(MJSM, mãe)

Eu acho que ela gosta de participar, Ela fala: -Oba! Hoje tem crochê. Ela tem melhorado muito. (RCC, mãe) A escola é muito boa. Não tenho nada a reclamar. Conheço todos daqui.(RCC, mãe) O projeto na escola está sendo bom. Está entusiasmando os meninos pra vir para a escola. O meu, principalmente. Acho que ele gosta mais da escola agora do que antes. Ele já "tomou" duas bombas. Talvez se ele tivesse participado antes do projeto não tinha tomado tanta bomba. (MPS, mãe)

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Eu acho que com os projetos a criança aprende a valorizar a escola, faz ela se sentir capaz, acreditar mais em si mesma. (MGFS, mãe) O MWOT quer " tomar bomba" toda vida pra não sair daqui, Ele gosta da escola e nós também. Ela é ótima. (MAOT, mãe) A escola é boa demais, principalmente por causa dos projetos. E o estudo aqui também é muito bom. (DT,mãe) A escola fica mais fácil para as crianças com estes projetos, a escola fica diferente por causa disso. E fica ótima.(ILT, mãe)

As ACA descritas tratam de diferentes ações dentro da Escola Cristal. São

organizadas dentro da dinâmica curricular da instituição e denotam um compromisso e um

entusiasmo da equipe educativa e da comunidade escolar. São experiências que estão tendo o

mérito de articular e promover processos de integração e a possibilidade de discentes,

docentes e demais integrantes da escola, se incluírem em novas redes de conhecimento,

cultura e experiências cotidianas. As ACA são desenvolvidas em projetos que nasceram da

cultura local, ou seja, do interesse e do conhecimento dos alunos, dos voluntários e

voluntárias que se dispuseram a trabalhar com as crianças atividades próprias do seu cotidiano

e da sua cultura própria e peculiar. Os alunos e alunas da Escola Cristal valorizam estas

experiências culturais, uma vez que foram elas que, primeiramente, sugeriram os tipos de

projetos para serem colocados em execução, dentro dos seus anseios e expectativas pessoais e

coletivas. A equipe da escola procurou atender às sugestões e não teve muitas dificuldades,

pois os voluntários e voluntárias contatados também se sentem à vontade em trabalhar com

atividades que fazem parte de suas possibilidades pessoais e profissionais.

3.2 Percepções dos discentes, dos familiares, de membros da escola e dos voluntários

sobre o programa das ACA

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Pelos depoimentos dos alunos e das alunas, sujeitos da pesquisa, é possível perceber

que as aprendizagens adquiridas por eles na Escola Cristal são valorizadas e têm significações

diferenciadas, e que eles dão valor também às experiências e aos saberes provenientes da

participação nas ACA.

Na visão dos alunos e alunas selecionados para a pesquisa, os projetos servem como

um "algo a mais" no currículo da escola, que foi implementado na rotina deles para "somar",

para fazê-los mais felizes, para colaborar de maneira geral na aprendizagem e nas diversas

experiências e demandas escolares. FORQUIN colabora neste entendimento destacando que a

idéia básica que parece poder ser defendida é:

(...) a de uma "oferta cultural escolar" original, uma "oferta de cultura" que de um lado não pode ser independente de uma "demanda cultural social" ( a menos que se faça da escola um mundo à parte, uma instituição esotérica e abstrata que se condenaria rapidamente a ser apenas uma fortaleza inútil ou uma voz clamando no deserto), mas que, de outro lado, não pode tampouco estar completamente a reboque desta demanda, nem se regular por ela, ... ( FORQUIN, 1993, p.169)

Quando das entrevistas com as crianças, elas reforçaram esta observação:

Penso que esses projetos da escola são para agradar a gente, pra gente não ficar só estudando, refrescar a cabeça um pouco. E eu fico feliz! (MPG, 10 anos) Eu gosto do projeto do crochê porque ajuda a gente, faz a gente desenvolver mais nos estudos. Os projetos fazem a gente ficar melhor. (JES, 9 anos) O projeto do crochê me ajuda a fazer movimentos com a mão que eu não conseguia antes. Minha letra também ficou melhor. (AGSM, 10 anos) O projeto do futsal me ajuda a não brigar com os colegas mais, não conversar muito na sala de aula e não "caçar" confusão. (ACW, 9 anos) Me ajuda aprender mais, ficar mais obediente. (JCDV, 11 anos) Depois do futsal eu melhorei nas atividades, estou fazendo dever. O meu comportamento está bom. (HHPS, 12 anos) O futebol relaxa a cabeça da gente e deixa a gente calmo. E a gente consegue resolver tudo. (PHGQ, 10 anos)

Eu acho maravilhoso os projetos da escola. (PHSB, 11 anos)

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Para cada uma das crianças, a participação nas ACA oferece uma possibilidade

diferente, uma perspectiva educativa e cultural distinta.

Analisando os depoimentos dos alunos e alunas, estabeleço uma relação direta de

aproximação entre a escola, as ACA e a vida dos discentes, sujeitos da pesquisa, no sentido de

que as questões da escolarização fazem sentido nas existências de cada um deles. Esta

observação, de certa forma, contraria alguns resultados dos estudos sociológicos e mais

recentemente, das análises culturais, que ressaltam e expõem "a escola como uma maquinaria

que põe em funcionamento complicados, perversos e minuciosos jogos de poder-saber no

interior da cultura" (COSTA, 2003, p.12). Diria que estes jogos de poder-saber nem sempre

são complicados, perversos e minuciosos. Podem ser simples, generosos e colaborativos,

influenciando positivamente nas experiências escolares e contribuindo para as aprendizagens

significativas e pessoais dos educandos.

Numa entrevista concedida por Antônio Flávio (MOREIRA, 2003 apud COSTA,

2003, p.56), ele reafirma sua idéia de cultura como um espaço produtivo, ratificando a

possibilidade de a escola e, conseqüentemente o currículo, também se constituírem como

espaços produtivos, onde são produzidos os significados e onde as identidades são formadas.

Nesta linha de pensamento, concluo que as ACA vivenciadas pelos alunos da Escola Cristal

contribuem para a concretização de um espaço produtivo dentro do currículo da instituição,

favorecendo o desenvolvimento cultural, cognitivo e social dos envolvidos, através de um

trabalho simples, mas ao mesmo tempo, particularizado e respeitoso às diferenciações e

anseios das crianças.

LIBÂNEO (2003, apud COSTA, 2003, p. 49) destaca a importância da relação entre o

aprender e a cultura:

Porque aprender, hoje, é basicamente interlocução, mas interlocução a partir de se saber qual é a relação que o aluno tem com o saber. E essa relação com o saber tem que ser dentro do modo de vida dele, na origem social dele, sob as influências

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da cultura midiática, dessa cultura paralela que estamos chamando de mundo da mídia, mas também o mundo da rua, da cidade, dos movimentos sociais. (grifo meu)

Para os pais e/ou responsáveis pelas crianças, as ACA colaboram no desenvolvimento

geral, possibilitando melhorias aos alunos e alunas, até mesmo fora da escola:

Eu acho que ele melhorou assim... uns 70%, porque ele não tinha muita disciplina, e através desse projeto ele tem mais amizade com os coleguinhas, sabe perder, sabe ganhar, antes só pensava em ganhar. Até nas brincadeiras de rua na porta de casa ele sabe ganhar e perder. Ele gosta de participar do projeto, fica feliz quando tem um jogo. Acho que ele melhorou muito! (AD, mãe) Ela ficou mais calma, mais tranqüila. As horas que ele está mais folgada ela lembra e vai pegar as linhas e agulhas. Ela pediu pra praticar em casa, tece, faz o seu crochê.(MACS, mãe) Ele consertou demais. Tanto aqui como também em casa. Ele já participou também do Escoteiro. Essas coisas me ajudaram a criar o meu filho sozinha, sem o pai dele. (DCS, mãe) No princípio ela estava entusiasmada. Mas como ela é canhota, começou a desistir do crochê. Mas, eu disse que ela tinha que tentar e agora está entusiasmada de novo. As voluntárias ajudaram ela a acreditar que podia fazer o crochê. Ela está melhorando nos deveres de casa. (MJSM, mãe) Acho que é bom. Ajuda muito. Muitas crianças que eram desinteressadas passam a ter mais interesse com a escola. (RCC, mãe) Eu acho que no início teve uma "quedazinha" na sala de aula. Ela se interessou mais pelo Handball do que pelas atividades da sala. Agora está chegando no lugar. Ela já está mais equilibrada com o projeto e com as atividades da sala. (IRO, pai) Os projetos são necessários, importantes. Incentivam. Quem não é muito entusiasmado pela escola, vem estimulado para o projeto. Acaba melhorando no geral. (IRO, pai) Antes dele participar do projeto eu vinha na escola o ano todo por causa da indisciplina dele e falta de responsabilidade. Agora ele tem entusiasmo para vir para a escola. Não é só dia de jogo, é todo dia. (MPS, mãe) Para o meu filho foi uma maneira de fazer mais amizades, ser mais unido, ter mais responsabilidade com os compromissos assumidos dentro e fora da escola. A participação dele no projeto ajudou muito no desenvolvimento da fala dele, que era bem comprometida. (MGFS, mãe) Em casa ele continua do mesmo jeito. Fica fora de casa, na rua, o dia todo. Na escola ele está melhor, porque eles tem me chamado menos para vir aqui, depois que ele participa dos projetos. (MJP, avó) Meu filho melhorou bastante. Melhorou na educação. Acho que criei ele muito agarrado em mim, ele agora está mais solto, mais independente. As notas dele melhoraram bastante Já melhorou na leitura, tá mais ajuizado.(LGBS, mãe)

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O meu filho mudou. Ficou com mais vontade de vir pra aula. Ficou mais interessado. Melhorou as notas. (MAOT, mãe) Ela mudou muito. Para melhor. Ela está mais tranqüila, porque ela tem o temperamento agitado, normalmente. (VLM, mãe) Eu acho muito boa esta atividade na escola. Pena que eu não tenho muito tempo para dar assistência para a minha filha, ela fica quase o dia todo sozinha. Fico preocupada. Queria que a escola tivesse outras atividades no horário da tarde, para ela ficar aqui. Eu ia ficar mais sossegada.(VLM, mãe) A escola que tem estes projetos faz uma diferença das outras. Com os projetos a criança tem mais vontade de vir pra a escola. Na escola é ótimo este tipo de atividade . Não deixa a criança estressar. (DT, mãe) Ele melhorou uns 80%, no comportamento, na disciplina, na responsabilidade. A professora disse que as notas dele também melhoraram nos últimos meses. (ILT, mãe) O trabalho com projetos na escola é excelente, porque ajuda muito na evolução da criança na escola e fora dela. O meu filho já está trabalhando, vendendo picolé. Está mais responsável. (ILT, mãe) O meu filho está mais tranqüilo, com certeza. Ajuda muito a criança. Não só o meu filho, mas todas as crianças. (AD, mãe)

Pelos depoimentos dos pais e/ou responsáveis entrevistados, pude constatar que a

estratégia das ACA dentro do currículo escolar é significativa, trazendo consigo a perspectiva

da transformação de práticas cotidianas, numa inter-relação entre o desenho curricular

prescrito e o alternativo. As ACA indicam estabelecimento de acordos mediados pelo diálogo

e pela abertura de espaços de sociabilidade, uma vez que acontecem através de projetos que

visam "o sentimento de pertencimento à escola e os mecanismos de valorização dos sujeitos

que fazem seu cotidiano." (ABRAMOVAY et al., 2003, p.385)

Analisando ainda o material das entrevistas com os familiares, encontrei uma

unanimidade no que se refere às condições materiais para a manutenção dos projetos na

escola. Sendo a maioria dos alunos e alunas, carente de recursos, a Escola Cristal não solicita

nenhuma ajuda financeira ou material às famílias das crianças. Na fala dos entrevistados isto é

uma das vantagens dos projetos, pois se precisassem contribuir com algum recurso ou dispor

algum material, teriam que impedir a participação dos filhos nas ACA.

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Na escola não me pedem nada. Só chamam para participar das reuniões e dos encontros. (MACS, mãe) A escola nunca solicitou nada para ajudar nos projetos (MAO, mãe) Ajuda material a escola nunca solicitou. Já solicitou a presença na escola, nas reuniões. (MJSM, mãe) A presença na escola sempre foi solicitada. Mas, solicitação de ajuda material, nunca. (RCC, mãe) Eu venho sempre nas reuniões que a professora e a diretora convocam e discutem junto sobre o projeto. Ajuda de dinheiro nunca pediram. (MPS, mãe) Quando tem Festival eu colaboro na organização dos uniformes dos times. Mas, ajuda material nunca me pediram, (MGFS, mãe)

Os outros dez pais e/ou responsáveis entrevistados responderam, praticamente, da

mesma forma, em frases curtas, como por exemplo: - Nunca me pediram ajuda.

A diretora da Escola Cristal também expõe sobre o percurso das ACA na unidade

educacional e o que percebe deste percurso:

É... o que eu percebo é o seguinte: foi uma construção. Ao longo deste tempo nós erramos e acertamos. Podemos dizer que a gente avaliou muito, o tempo todo nós sentamos para avaliar. O que está bom. O que não está. O que precisa ser mudado. Sempre houve uma abertura muito grande, toda a equipe para tentar adaptar e fazer dos projetos, o melhor, para que eles funcionassem da melhor maneira possível. Eu acredito que os projetos funcionam até hoje porque todos têm abraçado o programa. E o mais interessante é as crianças amarem a escola. A gente percebe que as crianças gostam muito da nossa escola. Os pais falam que nós temos uma preocupação a mais com os alunos e isto faz a diferença. Eles dizem que nós nos preocupamos, não só com a aprendizagem, mas em dar aos alunos outras oportunidades.(Diretora)

No bojo das observações feitas pela diretora da Escola Cristal, destaco ainda:

Nós nunca tivemos problemas com os pais, com relação aos projetos das ACA. Muito pelo contrário. Eu acho que a escola se tornou mais valorizada pela comunidade, se tornou uma escola com maior credibilidade. E assim, em pouco tempo. Bem aceita pelos pais, pela comunidade, pelas autoridades do município, pois vêm que nós estamos tentando fazer um trabalho diferente, voltado para o social, voltado para os nossos alunos. O tempo todo a gente coloca os alunos em primeiro lugar. (Diretora)

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Nesta linha de concretização de ações na Escola Cristal, também a partir das ACA, é

perceptível a influência das ACA na definição do currículo da instituição. SACRISTÁN

ressalta:

Quando definimos o currículo estamos descrevendo a concretização das funções da própria escola e a forma particular de enfocá-las num momento histórico e social determinado, para um nível ou modalidade de educação, numa trama institucional, etc. (SACRISTÁN, 2000, p.15)

Portanto, um currículo é a significação particular de uma escola estabelecer contatos

diretos com a cultura, promovendo possibilidades de acesso dos seus alunos ao conhecimento.

A supervisora pedagógica do turno da manhã, também destaca pontos positivos das

ACA, referindo-se ainda aos objetivos específicos do programa:

Minha opinião sobre os projetos é que temos atingido muito dos nossos objetivos específicos do programa. São projetos muito bem organizados e estruturados, desenvolvidos com muito compromisso e seriedade, tanto por parte da escola, como dos voluntários e alunos.(Supervisora Pedagógica 1)

Para os voluntários e voluntárias, a percepção das ACA se fixa na possibilidade de

colaborarem, mas também na perspectiva de crescimento pessoal, uma vez que participam de

um grupo maior de trabalho, dentro da Escola Cristal.

Acho muito importante estes projetos na escola. Na minha maneira de pensar as meninas já mudaram muito, e para melhor. Elas têm muita vontade de aprender. (Voluntária 1 do crochê) O trabalho voluntário nesta escola é muito bom, deveria se expandir. No trabalho voluntário ganha quem recebe ajuda, mas muito mais recebe quem o executa: a gratificação é inexplicável, sem medidas! (Voluntária 4)

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Pude constatar que os sujeitos envolvidos nas ACA dentro da Escola Cristal têm

percepções muito positivas sobre as atividades desenvolvidas e acreditam na força destas

ações alternativas como colaboradoras no processo educativo das crianças. Mais do que isso,

eles percebem essas atividades como fazendo parte da vida escolar e como respostas acertadas

para atender às crianças com suas demandas reais da vida cultural.

3.3 O trabalho dos voluntários e das voluntárias

A atuação do voluntariado no âmbito das instituições públicas tem sido motivo de

calorosa discussão na sociedade. De um lado, há grupos que legitimam esta atuação, de outro,

grupos que argumentam contra, em virtude do amadorismo dos voluntários, falta de formação

profissional, enfim, várias são as contradições e argumentações. Um exemplo deste embate é

a Moção aprovada no XI Encontro Nacional da ANFOPE, em 2002, que dispõe

MOÇÃO: "AMIGOS DA ESCOLA" A ANFOPE posiciona-se contrária à campanha "Amigos da Escola - Todos Pela Educação", promovida pela Rede Globo de Televisão com apoio do MEC, na medida em que esta proposta defende o trabalho voluntário e sem formação dentro de escolas públicas em funções que deveriam ser exercidas por profissionais da educação, o que contraria as posições desta Entidade ao longo de vinte anos de construção social e coletiva.

Não tem este trabalho o objetivo nem a pretensão de analisar detidamente, questão tão

polêmica que é a do trabalho de voluntários nas escolas, principalmente. Mas, abordarei a

questão no âmbito da Escola Cristal, através de alguns dados obtidos na pesquisa documental

e nas entrevistas, quando pude detectar a realidade das ocorrências e das influências do

Programa Amigos da Escola, na instituição.

Começamos a entrar em contato com a Rede Globo mesmo, com o pessoal responsável pelo Programa Amigos da Escola, através da internet, telefone, e eles

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começaram a mandar pra gente, folhetos de orientação. Apenas isso que eles oferecem! E também o amparo legal que é a cópia da Lei do Voluntário, assinada por Fernando Henrique Cardoso, que nos dá um pouco de tranqüilidade, porque a gente não tem a preocupação com o vínculo empregatício. (Diretora)

A partir do depoimento da coordenadora dos projetos, também é visível a limitação da

colaboração do Programa Amigos da Escola nas ações da instituição:

O Programa Amigos da Escola é uma propaganda enorme que eles fazem na televisão e as únicas coisas que eu vejo de benefício, são duas. Primeira é que, com a propaganda alguns voluntários chegam até a escola e acredito nesse trabalho de doação. E o segundo é a lei que tem dentro do programa, que é a Lei do Voluntariado. São as duas coisas que eu vejo que o programa ajuda a escola. Nós que temos que correr atrás dos patrocinadores, dos recursos que a escola precisa para que os projetos funcionem. Algumas vezes, o Programa oficial envia uns encartes, algumas propagandas. Mais nada do que isso. (Orientadora Educacional e coordenadora).

Como constou das falas da diretora e da orientadora/coordenadora, o Programa

Amigos da Escola contribui, basicamente, com a Lei do Voluntariado (que pode também ter

o seu texto encontrado em outros setores) e com algumas propagandas. Deixa, portanto, uma

lacuna de possibilidades no trabalho da escola. É possível perceber que a equipe educativa da

Escola Cristal não se apegou às deficiências do Programa oficial para atender a demanda da

instituição e conseguiu caminhar no seu propósito, apesar das dificuldades. Pela

demonstração dos membros da equipe organizadora dos projetos, em relação ao Programa

Amigos da Escola veiculado e patrocinado pela Rede Globo, pude notar em suas informações

que tiveram uma certa decepção quando do início dos trabalhos em 2000, momento que

esperavam mais ajuda e receberam apenas alguns materiais gráficos de divulgação e

propaganda, mesmo assim de forma ampla, não individualizada como aguardavam. Mesmo

assim, observei durante a pesquisa de campo, que a Escola Cristal faz questão de identificar

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os voluntários, as voluntárias e todas as atividades desenvolvidas dentro da perspectiva visual

do Programa oficial, utilizando do seu nome e logotipo, ressaltando que é em razão da sua

força na mídia. A equipe diz acreditar que esta identificação colabora de alguma maneira nos

contatos com novos voluntários, na divulgação dos trabalhos realizados pelas crianças, bem

como uma referência dentro e fora da escola, para os alunos, familiares e demais integrantes

da comunidade escolar.

Passarei então, a relatar sobre a participação dos voluntários e voluntárias no trabalho

alternativo da Escola Cristal, com suas especificidades, abrangências e limitações, detendo-

me ao caráter colaborativo, resolutivo e possível que a instituição encontrou para dar

concretude ao seu programa com ACA através dos projetos implantados.

O que observei e constatei, desde os primeiros dias de pesquisa de campo, foi uma

dedicação, participação e colaboração constantes dos voluntários e voluntárias no

desenvolvimento das ACA. Como a diretora e a orientadora da Escola Cristal já afirmaram,

os voluntários e voluntárias que atuam nas ACA são pessoas que participam do movimento

cotidiano da escola, num processo interativo e colaborativo.

Conforme SACRISTÁN, as relações de cooperação perpassam caminhos muito

distintos:

Nós, seres humanos, temos a peculiaridade de poder fixar metas e objetivos para nós mesmos, porque somos capazes de aspirar a ser o que não somos ou a ter o que não temos e porque nossa capacidade intelectual permite-nos imaginar o que não existe, mas pode ser possível. Nessa busca, podemos associar-nos a outros para a realização de metas, ou porque ultrapassem nossas possibilidades pessoais, ou porque se refiram a aspectos que concernem ao grupo ou à coletividade. O apego entre os indivíduos baseia-se também na compreensão da necessidade de sua complementaridade para realizar aquilo que, por si sós, não poderiam alcançar. As relações de colaboração ou cooperação - mais uma modalidade da sociabilidade {atividades de significação coletiva, como as denomina Gusfield (1994)] - são mantidas com indivíduos que se identificam pessoalmente entre si e que se reconhecem como possuidores de determinadas qualidades para alcançar certos objetivos ou valores compartilhados pelos cooperados. Ou seja, são relações que existem entre sujeitos que costumam conhecer-se, embora de maneira superficial. Por isso, geralmente exigem proximidade física dos sujeitos que cooperam.(SACRISTÁN, 2002, p. 131)

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Também na linha de pensamento de SACRISTÁN (2002) destacamos as relações de

solidariedade, que mesmo tendo uma conjuntura mais complexa que as de cooperação,

basicamente se acham presentes no trabalho dos voluntários e voluntárias da Escola Cristal,

uma vez que "partem do reconhecimento de que certas necessidades, qualidades ou

condições do outro podem ser satisfeitas ou melhoradas com as contribuições de quem se

solidariza". (SACRISTÁN, 2002, p.132)

Neste sentido, a relação entre a equipe de voluntários e as crianças que participam das

ACA, constitui-se numa relação assimétrica, na qual os agentes colaborativos se solidarizam

com os alunos e alunas, exercendo a fraternidade com eles.

Os voluntários e voluntárias ratificam:

O meu objetivo é agradar as crianças. Porque são muitos os carentes e precisam muito da gente, da ajuda das pessoas, principalmente na área esportiva que vai estar levando a pessoa a criar valores e assim, ter um relacionamento melhor na sua família e na sua comunidade. (voluntário 1) O trabalho como voluntária é muito gratificante! (Voluntária 3) Eu acho importante porque a gente fica muito mais próxima da escola. Eu fico muito empolgada com o trabalho. (Voluntária 4)

Inserido numa perspectiva de cooperação e solidariedade, o trabalho voluntariado na

Escola Cristal modifica o seu cotidiano, colaborando na reinterpretação do seu currículo

formal através das ACA e me fez refletir, mais uma vez, sobre o tema da cultura da escola. De

acordo com MAFRA

Os estudos voltados para a compreensão da cultura da escola buscam dar visibilidade ao que se denomina ethos cultural de um estabelecimento de ensino, sua marca ou identidade cultural, constituída por características ou traços culturais que são transmitidos, produzidos e incorporados pela e na experiência vivida do cotidiano escolar.(MAFRA,2003, p.126)

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Assim, os traços impressos no cotidiano da Escola Cristal formam um desenho

específico, a partir de suas especificidades e distinções, e, principalmente, através do trabalho

dos voluntários e voluntárias, dentro das ACA, fazendo da instituição um espaço com um

ethos cultural próprio e singular.

Uma das voluntárias acredita na existência deste espaço singular quando diz:

Acho que a escola fica tendo um diferencial por causa dos projetos. Acho que ela se destaca, ela cresce mais. Porque todo mundo já sabe. Quando eu comento onde moro (porque moro perto da escola), as pessoas comentam: - É aquela escola que tem voluntários? Todo mundo já reconhece a escola pelo trabalho voluntário comas ACA. Ela se destaca. Se torna diferente. Eu acho isso uma coisa muito boa.(Voluntária 3)

3.4 Projetos das ACA: alcances, limitações e resistências

Partindo-se de iniciativas e ações criadas e implementadas pela Escola Cristal, com os

objetivos já descritos no início da dissertação, procurei delimitar alcances e limitações do

trabalho com as ACA no cotidiano escolar dos dezesseis alunos selecionados para o trabalho

de pesquisa, bem como as resistências direcionadas às atividades focadas. Como já ressaltado,

as ACA nasceram da necessidade de estabelecer e fortalecer outros canais de interlocução

entre os alunos e demais integrantes da escola, contando com a possibilidade de ampliar a

participação das crianças, visando a melhoria do desempenho escolar e, principalmente, a

minimização dos conflitos interpessoais e disciplinares dos mesmos. ABRAMOVAY et al.

nos ajuda a entender a premência destas atitudes em escolas públicas, quando esclarece:

É neste panorama que o debate sobre a escola pública assume grande importância, pois se espera dela uma cultura escolar apta a lidar não só com a diversidade de seus alunos e com as desigualdades existentes entre eles, mas, também, a contribuir para a construção de uma escola mais igualitária. Em tal processo, a existência de um clima escolar propenso à inclusão dos alunos e de suas famílias, dos valores, crenças e cultura que os cercam, trará impactos à aprendizagem. Assim, o clima

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positivo e o respeito à heterogeneidade cultural serão motivadores para os alunos e professores na busca de novos conhecimentos e, ao mesmo tempo, responsáveis por uma cultura escolar capaz de construir uma identidade compartilhada.(ABRAMOVAY et al., 2003, p.61 - grifo meu)

Neste contexto, destacamos a importância da identificação da cultura escolar da

instituição em foco, uma vez que, segundo MAFRA:

Os estudos que têm o foco na cultura escolar tendem a privilegiar as transformações e impregnações que constituem a vida escolar, reconstituindo a trajetória histórica e social de instituições escolares, a partir de recortes espaço-temporais mais demarcados. Busca-se identificar a presença de um ethos escolar na maneira de ser, de agir, de sentir, de conceber e representar a vida escolar, as vivências de alunos e professores que passaram por um estabelecimento de ensino, em determinado momento histórico. (MAFRA, 2003, p. 128-129)

No que se refere ao "clima da escola" ou à"atmosfera" escolar, MAFRA (2003, p.115)

destaca que ele "é caracterizado por um 'sentimento geral afinado' com o estabelecimento,

favorecendo o bom relacionamento e a identificação institucional necessária ao

funcionamento adequado das instituições".

Com o passar do tempo, outros elementos foram incorporados ao quadro que delineia

o clima da escola. Mas, em todos os casos, percebe-se principalmente que, "o conceito 'clima

social escolar' expressa algo sobre os sentimentos gerados pelo conjunto de relações entre

membros das instituições e os seus alunos, e entre todos aqueles que convivem num ambiente

escolar,...” (MAFRA, 2003, p. 116)

A existência de "um bom clima" na escola transparece em observações que denotam a

sintonia entre a expectativa dos alunos e o cumprimento da tarefa de ensinar na escola, como

esclarece um aluno quando entrevistado:

Eu gosto muito do projeto. Faço tudo para não perder o dia de participar. Me ajuda a ser um melhor aluno. Queria que fosse três vezes por semana. Não quero sair dessa escola (BLS, 11 anos)

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Os projetos com as ACA, que nasceram da necessidade dos alunos e alunas, do desejo

da comunidade educativa em atender melhor suas crianças, parecem cumprir o papel de

colaboradores na formação e desenvolvimento de uma cultura própria da Escola Cristal, numa

perspectiva de crescimento e avanços, de manutenção de um clima escolar favorável.

O tipo de trabalho pedagógico, de gestão e da proposta educativa, presente nas ações e

na conduta dos integrantes da Escola Cristal, parece ser decisivo para a constatação de um

bom clima escolar na instituição. Segundo ABRAMOVAY et al. (2003, p.330) "a construção

de um bom clima escolar, por certo, está igualmente pautada no investimento em propostas

educativas e em projetos que valorizam aqueles que compartilham o espaço da escola".

Diante da necessidade de fazer das atividades de aprendizagem e dos momentos de

experiências na escola, ocasiões para que o aluno se expresse tal como é, necessário se faz dar

a este aluno condições para que ele possa distinguir-se dos demais e se constituir como

indivíduo singular.

De maneira geral, o que se vê é a escola, ao invés de utilizar a diversidade de seus

alunos como projeto de trabalho, culpar esta questão como fator de insucesso deles. A escola

legitima a desigualdade social, transformando-a em desigualdade escolar. Portanto, é

preciso desvendar na escola os momentos de dominação, mas também os momentos de

resistência e transformação.

A investigação realizada me mostrou alguns pontos muito importantes e positivos,

num contexto em que a educação necessita, com urgência, reconhecer a heterogeneidade

como condição dos seres humanos e riqueza das culturas.

Como primeiro ponto, destaco a liberdade dada aos alunos e alunas para escolherem o

projeto desejado. Pareceu-me, principalmente, uma oportunidade dada pela escola para

colaborar na formação das crianças, lidando com a liberdade de escolha. Nas entrevistas com

as dezesseis crianças, todas disseram que, elas próprias, escolheram o projeto do qual queriam

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participar. A Escola Cristal, através de seus integrantes, principalmente os que coordenam e

viabilizam os projetos das ACA, busca a existência de um bom clima de trabalho, destacado

pela sintonia entre a expectativa do alunado e o cumprimento da função de ensinar pela

escola.

Outro ponto que merece relevância é a valorização dos gostos culturais e facilidades

pessoais das crianças envolvidas nos projetos das ACA, uma vez que a escola procura, a cada

ano, abrir espaços que atendam as demandas dos seus alunos e alunas. Exemplo disso é o

Projeto da Capoeira, que funciona há mais de quatro anos e que foi dinamizado pela

influência dos discentes. Os projetos esportivos, que atendem as solicitações dos alunos e

alunas, dentro das modalidades que fazem parte do gosto e dos anseios deles, é outro

exemplo. O projeto que nasceu do desejo das alunas foi o do crochê. A coordenadora dos

projetos informou que, a cada ano, faz-se um levantamento das aspirações das crianças e

procura-se manter os projetos que elas preferem, buscando novos voluntários e voluntárias

que possam atender às diferentes solicitações. Esclareceu ainda que nem sempre é possível

atender a todas as demandas dos discentes.

Vejo então o trabalho da Escola Cristal numa trajetória de desvendamento de

possibilidades, de resistência ao que atrapalha o trabalho e de transformação da situação que

se mostrou a ela com as dificuldades pedagógicas e relacionais de seus alunos no início do seu

funcionamento.

Objetivando criar uma diferente agenda educativa com a implantação das ACA no seu

arcabouço curricular, ousaria dizer que a Escola Cristal estabeleceu uma ordem, uma trama

que vem dando sentido aos pequenos passos de seus alunos e alunas. Ela se posicionou como

um guia que disciplina o cotidiano, em função da consecução de frutos substanciosos à frente,

sendo o sucesso e a alegria das suas crianças um desses frutos. A meta principal da escola

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parece trafegar na direção de uma educação que valorize as diversas aptidões dos seus

alunos, pois conforme alerta EISNER (1994):

Numa escola que limita as formas de representação em letras e números, as crianças cujas aptidões estão em outras áreas que não as da palavra e do número estão em desvantagem. Tais crianças têm menos oportunidades de encontrar um lugar ao sol no nosso espaço educacional. Em segundo lugar, o tipo de diversidade que as escolas deveriam cultivar é diminuída quando uma ênfase só prevalece num limitado número de formas de representação. Em terceiro lugar, vantagens de status injustas são conferidas aos estudantes cujas aptidões são congruentes com as formas empregadas pela escola.( EISNER, 1994, p.89)

A Escola Cristal reconhece então, a pertinência da valorização das diversas formas de

aprender que podem ser incorporadas pelos seus educandos. E são eles que ratificam:

Eu não tinha problemas com notas. Mas este ano melhorou muito. Este ano eu tirei só 24 e 2518 até agora. (JCS, 9 anos) Os projetos fazem a gente ficar melhor, como aluna, como colega, como pessoa. (JCS, 9 anos) As minhas notas melhoraram! (ACW, 9 anos) Pelo que estou vendo, estou só melhorando e as minhas notas também. (EBS, 11 anos) O projeto me ajuda a ser uma melhor aluna.(DRSO, 9 anos) Eu tirei notas boas. Melhorei. Parei de brigar na escola e na rua. (MVOT, 10 anos) O projeto me ajudou a melhorar nas notas "um tiquinho" .(IVFS, 9 anos) Estou mais atencioso, melhorei nas notas. Até em casa estou mais ajuizado. (PHSB, 11 anos)

É importante lembrar que o processo de desenvolvimento das ACA não é fácil,

exigindo uma disposição permanente da equipe escolar, sem esmorecimentos. As dificuldades

materiais, técnicas e relacionais são uma constante, provocando uma conduta de vigilância e

trabalho sem tréguas, por parte da coordenadora, supervisora, orientadora e diretora,

18 O valor total atribuído, em cada bimestre avaliativo, é de 25 pontos.

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principalmente. Constatei que em alguns momentos há uma tensão por parte da coordenadora

dos projetos e algumas resistências ao trabalho que é executado. Resistências estas que se

evidenciam na rotina do trabalho com as ACA, mais especificamente por parte de docentes da

instituição.

Eu posso dizer que a implementação dos projetos na escola foi bem aceita. Não posso dizer que por unanimidade. Sempre tem dois... Nós tivemos duas professoras que resistiram. E ainda resistem. Mas eu acho que, em quarenta funcionárias, dois resistindo e trinta e oito acreditando, tinha tudo para dar certo. E essa resistência, é... posso dizer que não dificultou muito o nosso trabalho, não. Porque vendo uma maioria acreditando, elas cediam e deixavam os alunos também livres e disponíveis, e, davam oportunidades para eles participarem. Nunca houve assim, uma professora falar: - Meus alunos não vão participar do projeto! Isso nunca aconteceu aqui. Mesmo essas duas ou três que resistiam, acredito que duas, elas davam oportunidade para os alunos, não tiravam deles e não tiram deles a oportunidade. (Diretora)

A coordenadora dos projetos das ACA também fala destas resistências:

Olha, se eu disser que a aceitação foi unânime, eu estaria mentindo. É... nós temos professoras sim, que às vezes têm um pouco de rejeição. Mas é o mínimo. São poucas professoras que não acreditam. Muito pouco. Mas elas não impedem a participação dos alunos nos projetos. Sempre fazemos uma avaliação de como foi o trabalho durante o ano, de como está sendo, se está dando certo, se as professoras querem que continue. Então, a maioria prefere e acha que está dando certo e quer que continuem os projetos. A gente está conquistando aos poucos. Essas pessoas que achavam que não estava dando certo, estão passando a acreditar que sim, que está valendo a pena. (Orientadora educacional)

Em relação à questão da resistência às ACA dentro da Escola Cristal, pude perceber

que uma das professoras que se enquadra neste terreno, mesmo expondo suas reservas quanto

ao trabalho alternativo desenvolvido, não impede e procura não atrapalhar a participação dos

seus alunos e alunas nos projetos escolhidos por eles.

Nunca fui fã. Nunca. Principalmente eu acho que hoje em dia o aluno está precisando de uma certa formação que atinja mais o seu sentimento como ser humano, sabe, o projeto dos esportes tem outra forma de buscar. Ele joga bola no campo, na porta da casa dele. Eu tenho aluno que participa de futebol lá fora e ele aqui dentro da sala modifica quando é o dia de participar. Nos outros dias ele é

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outro tipo de aluno. Ele cumpre as obrigações na 2ª,3ª e 4ª. Na 5ª feira ele já perdeu o incentivo. Se a gente não ficar de olho, ele se torna um aluno irresponsável naqueles dois dias. Pra mim, os projetos têm que ser revistos. A forma de ser colocado para o aluno... eu não gosto do projeto, nunca gostei e eu acho que tem outras prioridades. (Professora 2)

Mesmo afirmando que não é "fã" dos projetos das ACA, a professora em outro

depoimento demonstra dúvidas quanto à eficácia das ACA no desenvolvimento dos alunos e

alunas, quando diz:

Eu tenho um aluno que no ano passado a vida dele era muito choro. Ele chorava muito por causa das atividades e eu lembro dos próprios coleguinhas contaram que ele era um aluno muito "momento", tudo que falava ele chorava. E, nesse ano ele está outro aluno. Está mais responsável. Não sei se é o fato de estar na 4ª série ou se é o fato dele estar no projeto, pois no ano passado ele não estava. Os próprios colegas já perceberam a melhora dele. Agora, não sei te responder se é por causa do projeto ou porque ele amadureceu. (Professora 2)

Outra professora fala das suas primeiras dificuldades e resistências quanto ao trabalho

das ACA e sinaliza sobre a atual aceitação das mesmas:

A princípio incomodava, achava que não ia valer a pena. Quando começou, eu era um pouquinho contra, apesar de acreditar que talvez valeria a pena. Acredito que a gente tem que experimentar pra saber. Quando começou, incomodava bastante. Hoje não incomoda mais porque a gente já viu o fruto do trabalho acontecendo, a gente não se incomoda mais. (Professora 4)

O que se percebe é um processo de adaptabilidade por parte das professoras, uma das

que resistiam ao trabalho já conseguiu pontuar melhorias quanto à dinâmica das ACA e a

outra caminha na observação e uma certa dificuldade em aceitar o que ocorre no cotidiano na

Escola Cristal, com demonstração de incertezas quanto à própria resistência. Esta professora

conclui sua entrevista dizendo:

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Bom, eu não sou muito fã dos projetos, não. Eu acho que eles poderiam ter uma certa conduta melhor do que eles estão tendo hoje. Os projetos estão sendo uma forma de punir o aluno que não segue as normas. Eu acho esse ponto negativo e não sou fã, não concordo com a forma que ele é tratado (sic). (Professora 2))

A constatação de resistências às ACA, mesmo tendo sido mínima, não pode ser

ignorada no âmbito da Escola Cristal, e se configura como um elemento que compõe o

contexto e merece atenção e acompanhamento por parte da equipe educativa . Acredito que

uma das questões que pode ser destacada quanto às resistências às ACA, seja uma certa

dificuldade docente em integrar os projetos das ACA ao currículo como um todo. A

permeabilidade do currículo formal e a possibilidade dele abarcar as ACA no seu bojo e

produzir daí um outro currículo, mais flexível e concreto, não estaria sendo percebida ou até

mesmo, visualizada como possível pela docente, em detrimento de suas questões e crenças

pessoais e profissionais.

Mas, contrário a esse quadro de resistências e, numa dimensão bem maior, há uma

determinação constante dos envolvidos no processo de trabalho alternativo na escola. E o que

mais me chamou a atenção como pesquisadora foi a alegria com a qual os alunos e alunas

saem das salas de aula para as ACA, não só os dezesseis observados diretamente, mas todos

do turno da manhã, sem exceção. Esta constatação me fez refletir sobre uma questão: Para os

alunos, sair sempre da sala de aula é muito bom. Por quê? Talvez esta pergunta seja um dos

limites da pesquisa realizada, uma vez que não pude me deter na investigação e discussão

desta questão, pela limitação do tempo no trabalho empreendido.

Retornando ao aspecto do trabalho alternativo das ACA no currículo da escola,

destaco o caráter da significação que estas atividades têm para as crianças da Escola Cristal,

ressaltando o que SACRISTÁN nos diz:

A aprendizagem de conteúdos e a habilidade aperfeiçoada de aprender estimulam a liberdade, mas também precisam ser significativas para os que aprendem e possam

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usufruir delas enquanto estão aprendendo, e isso requer entrar em contato com a vida e com os desejos de cada aprendiz.(SACRISTÁN, 2002 ,p.170)

Portanto, o único caminho para a autonomia dos indivíduos é a liberdade afirmada na

educação.

SACRISTÁN (2002) afirma que "a função básica das instituições escolares consiste

em 'ir além' ", ampliando a experiência dos seus alunos para "fora do raio de ação que limita

as condições e os meios de que o sujeito dispõe estando na família, na comunidade ou na

cultura em que vive". Uma vez que o determinante desse "ir além" é formado pelas

necessidades dos sujeitos nas diversas circunstâncias de vida, sem exigir um formato pré-

estabelecido e inflexível, atrevo-me a considerar que a Escola Cristal está "indo além"

quando propõe e desenvolve as ACA. E a proposição e desenvolvimento das ACA

estabelecem formas específicas de obtenção de aprendizagens e experiências pelos alunos e

alunas.

Durante a observação sistemática dos projetos e após as entrevistas, algumas relações

puderam ser por mim estabelecidas entre as ACA e as atividades discursivas, ou seja, as

prescritas para as salas de aula. Exemplificando, destaco a situação de uma aluna de uma das

quartas séries que, conforme informações da professora e relatório da coordenadora, nas

aulas de Matemática demonstrava grandes dificuldades para realizar as quatro operações

fundamentais. A mesma aluna, durante o projeto do Crochê, observada na sua rotina, pôde

demonstrar que realiza operações fundamentais com certa precisão, uma vez que tece o

crochê seguindo uma trama pré-estabelecida, que exige contagens de adição, subtração e até

de multiplicação de pontos, além de realizar contagens numéricas alternadas e seqüenciais

para a concretização do bordado proposto pelas voluntárias.

Uma outra situação observada foi a de um aluno que, conforme informações da

professora, durante as aulas tem dificuldades para se expressar verbalmente, demonstrando

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uma certa timidez e recolhimento excessivo. Observando este mesmo aluno nas aulas de

Capoeira, o que pude perceber foi um comportamento diferenciado no que diz respeito à sua

expressão verbal e corporal. O aluno participa de todas as aulas com muito entusiasmo, faz

demonstrações no centro da "roda" para todos os colegas e colabora com o voluntário num

trabalho de monitoria com os alunos menores e mais novos. Conhece todo o jargão da

Capoeira e está sempre "conversando" durante os encontros, com todos os alunos

participantes.

Também observei que, em relação aos alunos e alunas participantes das atividades

esportivas, há uma adequação por parte das crianças às normas e regulamentos dos jogos,

muito mais rápida e tranqüila do que a adequação às normas estabelecidas em sala de aula, de

acordo com informações das docentes.

A dimensão cognitiva, que as ACA possam ter, perpassa um caminho de

aproximações e distanciamentos em relação à sala de aula e aos projetos que acontecem fora

dela. Refletindo sobre as facilidades demonstradas por alguns alunos e alunas em momentos

específicos das ACA e sobre suas dificuldades pontuais com conteúdos prescritos na sala de

aula, indago se as crianças que participam das ACA buscam nelas o que não sabem, ou

buscam o que já sabem e, por isso, já dominam? Talvez seja esta indagação mais um limite

da pesquisa realizada. Arriscando uma análise, a partir de todo o material coletado na

pesquisa de campo e das observações, diria que as crianças buscam a participação em

atividades que proporcionam a elas mais prazer, mais auto-confiança, mais dinamismo e mais

sentido.

Os processos cognitivos e os processos vitais finalmente descobrem seu encontro, desde sempre marcado, em pleno coração do que a vida é, enquanto processo de auto-organização, desde o plano biofísico até o das esferas societais, a saber, a vida quer continuar sendo vida - a vida se "gosta" e se ama - e anela ampliar-se em mais vida. A produção e reprodução biológica e social da vida não se deixa enquadrar plenamente em esquemas econométricos, porque os seres vivos entrelaçam necessidades e desejos de um modo muito mais complexo. Necessidades e desejos formam um tema unificado. (ASSMANN, 2003, p. 28)

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Mesmo não tendo realizado observações dentro das salas de aula, mantive um contato

diário com as professoras antes do início das atividades do dia, momento em que elas me

passavam informações relativas ao comportamento, aproveitamento e especificidades das

crianças participantes das ACA. Tais informações puderam colaborar nas minhas

observações sistemáticas das crianças selecionadas para a pesquisa, uma vez que as

professoras detalharam sobre o comportamento dos alunos e das alunas na rotina das salas de

aula. Explicitaram que, muito raramente, algum aluno ou aluna era impedido de participar do

projeto das ACA por quebra de regras ou normas dentro da sala. Algumas poucas vezes esse

impedimento acontecia e os alunos e alunas demonstravam entender o motivo da não

participação no projeto. Mas não deixavam de argumentar e de insistir na participação

negada. As professoras, durante as conversas informais, ratificavam o valor das ACA para o

crescimento pessoal e coletivo do alunado, destacando que ficava mais fácil o trabalho

rotineiro com a turma nas salas de aula. Uma das professoras destacou que "as ACA são uma

carta a mais que temos na manga para o trabalho com os alunos". (Professora 4).

Destaco também todas as observações constantes dos relatórios elaborados pela

coordenadora dos projetos, que tratam de situações de progresso de alunos, após a

participação e permanência nas ACA. Progressos estes tanto no contexto da aprendizagem dos

conteúdos prescritos, quanto no contexto das relações interpessoais dentro da sala de aula e

da escola. Os relatórios consultados não mostram resultados quantitativos em relação a notas,

mas expressam resultados de ordem qualitativa. Conforme esclarecimento da coordenadora,

pode-se perceber o tipo de observação e registro que é realizado:

Nós temos um levantamento, do dia-a-dia, se o aluno está melhorando, se está precisando melhorar. Com certeza a participação nos projetos colabora com a aprendizagem das crianças na sala de aula, e a gente tem controle sobre isso.Porque a criança que não fazia uma atividade, deixava incompleto, não tinha interesse, depois de entrar no projeto passa a gostar de vir pra escola, passa a gostar de fazer as atividades, cumpre com suas obrigações, com sua responsabilidade, tem vontade de fazer. Com certeza tem dado certo.(Orientadora Educacional)

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A diretora da Escola Cristal ratifica:

Eu acredito que a participação das crianças nos projetos altera a aprendizagem delas para melhor, porque a partir do momento que elas têm oportunidade de participar, isso requer delas uma responsabilidade maior, um compromisso com os estudos para ser liberada para os projetos. A partir deste compromisso elas vão melhorar na aprendizagem, com certeza. No dia-a-dia a gente tem percebido uma melhora. A aprendizagem é uma conseqüência. É uma decorrência. (Diretora)

E as próprias crianças declaram:

As minhas notas são boas. Sou um bom aluno em todas as matérias.(MPG,10 anos) Eu acho que o crochê me ajuda no desenvolvimento, porque a gente se acostuma mais com as pessoas à nossa volta. Se sente mais acostumada na escola, mais favorecida. (JCS, 9 anos).

Quando perguntei à coordenadora dos projetos se ela mantinha controle de notas de

aproveitamento das crianças participantes das ACA, durante os cinco anos de seu

funcionamento, me explicou que ela e a equipe nunca se preocuparam com este aspecto,

sempre se detiveram na observação e registro dos progressos das crianças de uma forma mais

ampla, levando em conta o seu desenvolvimento geral. Principalmente sempre levaram em

conta as possibilidades de integração das crianças à classe, melhoria do comportamento

disciplinar, melhoria nos relacionamentos interpessoais e constatação de adaptação à escola e

demonstração de alegria em permanecer nela. Para a Escola Cristal, os resultados do

aproveitamento dos seus alunos, configuram-se nos aspectos relacionais, afetivos,

disciplinares, de integração escolar, em relevância sobre os resultados quantitativos. Para a

equipe educativa, as notas de seus alunos se configuram como conseqüência do trabalho

desenvolvido, principalmente a partir das ACA. As professoras, as pedagogas, os familiares e

as crianças percebem como "ganhos", muito mais que as boas notas, todo o resultado obtido

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através da participação e envolvimento nas atividades discursivas e prescritivas, tendo as

ACA como carro-chefe de todo o trabalho cotidiano.

É perceptível que as ACA estabelecem algumas formas de interferência no contexto da

sala de aula, seja através da necessidade dos alunos e alunas terem que seguir regras já

determinadas, seja pela melhoria da auto-estima daqueles alunos e alunas que têm nas ACA

uma opção de crescimento (os depoimentos deles nos mostram isto), seja nos ganhos

individuais no processo de melhoria da comunicação e até mesmo de ganhos com a aquisição

de um pensamento mais amadurecido e até mesmo mais crítico.

A relação pedagógica nas salas de aula e as mudanças no processo de aprendizagem,

mesmo que não observadas diretamente nas salas de aula durante a pesquisa, puderam ser

percebidas em alguns aspectos, principalmente no estabelecimento de relações que as

professoras e supervisora fazem do trabalho realizado na rotina da Escola Cristal:

Existem alunos que é visível a mudança na aprendizagem.A questão até mesmo do comportamento. Mesmo com os alunos mais fechados, é possível perceber melhoras, por mínimas que sejam.(Professora 1) Creio que os projetos influenciam muito na aprendizagem dos alunos, pois a vontade de participar, o incentivo de quem os promove, fazem com que os alunos estudem mais, se empenhem mais, cumpram melhor suas tarefas e obrigações escolares. (Supervisora Pedagógica 1) Acho que o principal é a disciplina que melhorou muito. E no dia do projeto, principalmente, é o dia que a gente vê os alunos mais animados. Porque eles têm vontade de participar. Muitos alunos que tinham dificuldades estão mais interessados, fazem mais rápido as atividades, mas com mais atenção, porque querem sair para o projeto. Estou encantada com a minha turminha este ano. (Professora 3) Já percebi melhorias na aprendizagem deles. A gente presencia o interesse maior que eles têm, até mesmo em aprender, porque se não esforçar e aprender a matéria não vão conseguir cumprir com as obrigações de fazer o dever, cumprir com as atividades em sala. Então, até neste ponto de ter mais interesse, em participar mais, eles acabam aprendendo mais, conseqüentemente, no caso das notas, também aumentam. (Professora 4)

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Um outro dado importante é a discreta diminuição da evasão19 na Escola Cristal, a

partir do ano de 2002 até o momento. O número de alunos evadidos, que já era bem pequeno,

nos anos de 2000 e 2001, foi quase insignificante nos anos de 2002 e 2003: cerca de menos

de 1% dos alunos matriculados e freqüentes. Mesmo tendo outros fatores que colaboraram

para esta diminuição - como possibilidade de perda da Bolsa Família, possibilidade de perda

do passe para o transporte escolar, dentre outros, a direção da Escola Cristal acredita que as

ACA também contribuíram significativamente para esta diminuição. A diretora ratifica:

A evasão na nossa escola é quase "zero". Acreditamos que os projetos das ACA ajudam muito com esse resultado. As crianças se sentem mais motivadas a chegarem até o final do ano, participando do Festival das ACA, fazendo aquilo que eles gostam muito, como o Futsal, a Capoeira, o Crochê, ...(Diretora)

Em se tratando da freqüência dos alunos e das alunas participantes das ACA, a

TABELA 1 estabelece alguns dados importantes:

TABELA 1

Ano

Alunos / % de Freqüência Anual20

MPG JCS SLM AG

SM

ACW JC

DV

EBS HH

OS

FSO DR

SO

BLS PH

GQ

MV

OT

IV

FS

LG

TS

PH

SB

2003

96,5

97.0

94,0

96,0

97,5

91,5

94,5

95,5

98,5

99,5

92,5

95,5

90,0

95,0

85,5

87,0

2004

95,5

97,5

89,0

96,5

97,5

92,0

95,0

95,0

98,0

95,0

92,5

95,0

90,0

93,5

89,0

85,0

FONTE - Diários de Classe das turmas de 3ª série (2003) e das turmas de 4ª série (2004) da

Escola Cristal.

19 Índices de evasão nas séries iniciais do Ensino Fundamental da Escola Cristal: em 2000: 04 alunos no total de 519 = 0,77%; em 2001: 05 alunos no total de 485 = 1,03%; em 2002: 03 alunos no total de 524 = 0,57%; em 2003: 03 alunos no total de 533 = 0,56%. 20 Retornei à Escola Cristal em fevereiro de 2005 para a verificação e apuração dos dados constantes da Tabela 1.

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Em relação à freqüência dos alunos, as ACA foram ponto crucial no ótimo nível de

freqüência dos alunos e alunas selecionados para a pesquisa, uma vez que os alunos, de

acordo com o Programa das ACA, só podem se manter nos projetos escolhidos se

apresentarem ótimo nível de assiduidade durante os períodos letivos, ou seja, a partir de

85,0% (oitenta e cinco por cento) de freqüência da carga horária anual. (Tabela 1)

Após ter realizado as análises sobre as possibilidades de aprendizagem e das

experiências escolares das crianças selecionadas, através do entendimento das suas falas e

atitudes no bojo da rotina escolar, da percepção que têm sobre os seus próprios resultados no

processo de aprender e de experienciar, da percepção dos docentes e demais membros da

escola, destaco que uma outra dimensão dessa investigação poderia ser o levantamento de

dados quantitativos referentes às notas dos alunos e das alunas selecionados, durante todos os

anos da vida escolar de cada um. Mas ressalto que essa dimensão não foi do escopo da

pesquisa realizada. Mesmo assim, procurei com a coordenação dos projetos das ACA dados

relacionados a essa análise quantitativa para utilizá-los como enriquecimento da pesquisa

empreendida. Quando do contato com a coordenadora dos projetos das ACA e indagada se a

Escola Cristal já teria um levantamento quantitativo do aproveitamento escolar das crianças

que participam das ACA, obtive a seguinte resposta:

Não. Seria até interessante nós fazermos. Nós temos assim, no dia-a-dia apenas oralmente. Quero dizer: a professora me procura, diz que tal aluno está melhorando, que outro está precisando melhorar. Então, no dia-a-dia nós temos sim, mas sem registro formal. Seria até interessante fazer um levantamento ... (Orientadora Educacional e coordenadora dos projetos)

Como culminância do trabalho com as ACA, destaco os dois Festivais Esportivos e

Culturais realizados pela equipe escolar e discente. O primeiro deles foi no ano 2001 e,

segundo informações da coordenadora e da diretora, e de registros escritos e fotográficos

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arquivados na escola, constituiu um momento de demonstração para toda a comunidade

escolar do que havia sido realizado durante o ano letivo. O I Festival teve uma programação

esportiva, quando os times de Futsal e Queimada, da época, disputaram troféus e medalhas.

Além das atividades esportivas, houve demonstrações do grupo de Capoeira, do Coral e ainda

exposição dos trabalhos manuais produzidos nos projetos de crochê e pintura. O II Festival

aconteceu no mês de agosto de 2004, ocasião em que pude participar das atividades,

juntamente com toda a equipe escolar, discente e convidados. Aconteceram as disputas de

Futsal e Handball , também com a participação da comunidade local oferecendo troféus, bolas

e medalhas para as competições entre os alunos e times convidados de outra escola pública.

O grupo de Capoeira também se apresentou, além da exposição dos trabalhos produzidos

pelas alunas no projeto do Crochê. Houve grande participação da comunidade escolar,

através dos alunos, familiares e convidados da escola. Os trabalhos manuais de crochê,

produzidos pelas alunas, ficaram expostos e disponíveis à venda. Além de se constituir como

um espaço que possibilitou o desenvolvimento de potencialidades esportivas e artísticas, o

Festival deu oportunidade para que todos os alunos e alunas, integrantes das ACA ou não,

participassem de um momento ímpar no construção de uma escola mais aberta e portanto,

mais democratizada. Com o Festival, a Escola Cristal promove a integração e a troca de

experiências entre todos os envolvidos, principalmente os alunos e alunas. Socializa ainda as

ACA desenvolvidas na escola, fortalecendo laços de amizade, solidariedade e cooperação.

EISNER (1998) destaca que escolas são locais para criar cultura, em dois sentidos nos

quais o termo cultura pode ser utilizado: como um caminho para a vida e como um meio para

as coisas se desenvolverem. O que me parece é que a Escola Cristal utiliza da sua cultura

escolar, somada à cultura de seus discentes e profissionais para articular ações e fazer

acontecer um trabalho diferenciado e alternativo que atenda aos seus sujeitos escolares.

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Em face das colocações feitas até aqui, argumento que a proposta curricular da Escola

Cristal, com a inserção das ACA no seu ritmo curricular prescrito, demonstra uma fusão, uma

associação, uma combinação. E nesta fusão, o aspecto em destaque é a flexibilidade em torno

das ações pedagógicas, pelo trabalho das professoras, da equipe educativa, dos familiares, dos

voluntários e voluntárias e dos próprios discentes. Hugo Assmann ratifica essa constatação

quando afirma que "a flexibilidade é um aspecto cada vez mais imprescindível de um

conhecimento personalizado e de uma ética social democrática;..." (ASSMANN, 2003, p.33)

Em decorrência do delineamento traçado pela pesquisa, reservando-se todas as

dificuldades pelas quais passou e passa a Escola Cristal para manter as ACA, além de todas as

lacunas que pode carregar o trabalho com as ACA, é possível afirmar que são atividades bem

sucedidas como estas, que criadas, implementadas e desenvolvidas pelos sujeitos da escola

em foco, que concretizam uma boa parte do seu fazer curricular cotidiano.

Também é visível a crença das professoras, equipe administrativa e pedagógica e dos

familiares, de que a aprendizagem das crianças da Escola Cristal também se desenvolve por

outras vias, como as lúdicas, as esportivas, as manuais e artísticas, além das vias exclusivas do

intelecto, além das vias que priorizam as atividades discursivas e prescritas do currículo

formal. Talvez não seja o caso de elaboração de um novo currículo para a escola, mas a

continuidade de abertura para as ACA interpenetrarem o currículo formal da instituição, com

vistas ao alcance do sucesso de seus alunos. Como afirma MACEDO et al. (2002), existem

muitos currículos em ação em nossas escolas, apesar dos diferentes mecanismos

homogeneizadores.

Foi possível perceber, através da pesquisa, que as crianças levam para a Escola Cristal

suas expectativas e anseios, suas riquezas culturais e necessidades pessoais, onde, na maioria

das vezes, têm encontrado guarida e apoio, numa junção da própria cultura com a cultura

escolar e a cultura da escola.

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O desenvolvimento das ACA parece assumir um significado especial, uma vez que são

incorporadas ao cotidiano, ao projeto pedagógico da Escola Cristal, contribuindo para a

mudança de padrões de comportamento, de relacionamento e de atitudes dos vários sujeitos

escolares. A instituição pesquisada, para além das determinações oficiais, cria e implementa

atividades capazes de estabelecer um novo significado no currículo prescrito, que está a todo

tempo sendo interpenetrado pelas ACA (COSTA, 2004). Os projetos das ACA deixaram de

ser um apêndice para se tornarem um programa curricular efetivo na Escola Cristal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

"I suppose one of the gifts of maturity is an appreciation of the interrelatedness of the processes of the world. That, of course, includes the world of education". (EISNER,1998, p.1) "Eu suponho que um dos presentes da maturidade é uma apreciação da inter-relação dos processos do mundo. O que, é claro, inclui o mundo da educação". (EISNER, 1998, p.1 - tradução pessoal) "Uma sociedade onde caibam todos só será possível num mundo no qual caibam muitos mundos. A educação se confronta com essa apaixonante tarefa: formar seres humanos para os quais a criatividade e a ternura sejam necessidades vivenciais e elementos definidores dos sonhos de felicidade individual e social". (Hugo Assmann, 2003, p.29)

Produzir um trabalho científico objetivando alcançar o que ele tecnicamente demanda

e torná-lo colaborativo, compreensível e de agradável leitura é tarefa árdua, mas ao mesmo

tempo, desafiadora e prazerosa. Acredito que eu não tenha alcançado todo o quadro de

necessidades que propõe uma investigação, nos seus aspectos empíricos e teóricos. Mas,

acreditem, busquei fazer o melhor que podia no momento em que o realizava. E concluir ente

trabalho está me parecendo uma tarefa ainda mais difícil e mais desafiadora. Carrego a

sensação de que poderia descrever e analisar muitos outros pontos que ficaram apenas nos

rascunhos ou até mesmo só nas pressuposições. Ou até mesmo alterar alguns elementos que

estão agora definidos. E a sensação mais inquietante é a de que poderia ter produzido mais e

de que "algo" ainda precisa ser feito, dito e analisado. Como muito bem LOPES esclarece:

Concluir um trabalho nunca é efetivamente colocar um ponto final, estabelecer resoluções definitivas, fechar questões. Talvez seja o momento em que mais precisamos ter consciência da provisoriedade do conhecimento, da necessidade de manter a polêmica e a vigilância epistemológica. Nessa perspectiva, concluir se torna apenas o fechamento provisório de um ciclo, a reflexão sobre o conhecimento produzido, sobre as inúmeras questões que permanecem em aberto, a organização de idéias com vistas à abertura de outros projetos e, de certa forma, uma definição de princípios." (LOPES, 1999, p.221)

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Mas, reflexões à parte, encerro meu trabalho concluindo este texto e tecendo alguns

últimos comentários.

Prosseguindo nestas considerações, gostaria de registrar sobre a importância do estudo

realizado para a minha trajetória pessoal e profissional. Várias dificuldades foram por mim

vivenciadas no percurso empreendido, desde o ingresso no Mestrado em Educação até o

término deste trabalho. Porém, em proporções e variedades bem maiores foram os progressos,

as vitórias e acima de tudo, o aprendizado e as experiências adquiridos.

Como destacado no início deste trabalho, o estudo que se encerra se fundamentou na

necessidade de identificar, analisar e compreender as possibilidades e limitações de um

processo curricular diferenciado e alternativo, no processo de aprendizagem e de experiências

escolares de alunos das séries iniciais de uma escola pública de periferia, numa cidade da

região metropolitana de Belo Horizonte. A pressuposição inicial foi de que as atividades

alternativas desenvolvidas na escola alteravam, e para melhor, o desenvolvimento das

crianças atendidas na instituição. Da mesma forma, eu pressupunha que a adoção das ACA

interferia na concepção e ações curriculares na Escola Cristal. O interesse pelo objeto de

pesquisa selecionado também nasceu da necessidade de compreender o processo adotado na

escola, que chamei de Escola Cristal. Uma escola que, num contexto inicialmente

desfavorável, vem desenvolvendo uma experiência bem-sucedida no cotidiano escolar.

Também como objetivo, esteve o interesse de registrar uma experiência que vem sendo

construída de forma não-instituída e que pode fornecer caminhos possíveis para a alteração de

contextos ainda precários no sistema educacional.

Perfilharei algumas considerações gerais que servirão para identificar e esclarecer os

aspectos da seleção dos aportes teóricos para a pesquisa realizada. Em se tratando de um

assunto ainda pouco explorado de forma sistemática - a utilização de atividades curriculares

alternativas no cotidiano de escolas de ensino fundamental - tive a necessidade de buscar

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referenciais teóricos de autores diversos, na tentativa de utilizar, de cada uma deles,

contribuições pontuais para formar uma análise teórica mais globalizada do assunto em

questão. Quando da discussão empreendida sobre as ACA no bojo das demais atividades

prescritas da Escola Cristal, analisando a questão da cultura em seus vários aspectos, utilizei

principalmente, as bases teóricas de FORQUIN e SACRISTÁN e as considerações de LEILA

MAFRA acerca da cultura da escola. Ao analisar questões da aprendizagem, das

experiências escolares e das atividades alternativas de sucesso, as teorizações de ELLIOT

EISNER, HUGO ASSMANN e MÍRIAM ABRAMOVAY e colaboradores foram base para o

trabalho. No contexto de análises e discussões sobre o currículo, cotidiano e instituições

escolares, utilizei os trabalhos de ELIZABETH MACEDO, ANTONIO FLÁVIO MOREIRA,

ALICE CASIMIRO, VEIGA-NETO, TOMAZ TADEU, CORINTA GERALDI, INÊS B.

OLIVEIRA, dentre outros.

Retomarei, agora, as questões colocadas inicialmente para a pesquisa e outras que

surgiram no transcorrer do trabalho empírico e teórico, objetivando dar visibilidade às

respostas que a investigação conseguiu revelar.

1) As ACA interferem no processo de organização das atividades da escola? Como?

Com certeza há uma interferência no processo, mas, de forma consensual e positiva,

na maioria das vezes. A partir da congruência das ACA e as atividades prescritas, a Escola

Cristal busca se livrar de um "engessamento" curricular que lhe é imposto e que ela incorpora,

mesmo que implicitamente. A equipe educativa implementou o programa das ACA e faz com

que ele aconteça, cotidianamente, deixando a própria estrutura curricular se reconceitualizar.

Como explanado no Capítulo 3, toda a Escola se movimenta tendo como referência,

principalmente, a organização e a execução das ACA no seu dia-a-dia.

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2) Como as ACA interferem no processo de aprendizagem e nas experiências

escolares dos alunos das séries iniciais do ensino fundamental?

Interferem no sentido de colaborar com o estado geral dos alunos e alunas, no tocante

ao comportamento disciplinar, às relações interpessoais dentro da escola, às aquisições de

experiências várias e ao desenvolvimento do processo de aprender de cada discente. Como

relatado no Capítulo 3, as crianças acumulam "ganhos" num sentido amplo, através da

mudança de comportamento, quando comprometido; melhoria da auto-estima; melhoria da

organização dentro das salas para participação das atividades dos conteúdos prescritos,

melhoria das possibilidades de comunicação verbal e corporal. Tudo isto concorre para

deflagrar uma melhoria no processo de aprendizagem e das experiências obtidas na escola. O

projeto das ACA parece conferir à escola um sentido mais amplo, se incorporando ao campo

pedagógico da instituição (conteúdos, metodologias, avaliações) e às complexas relações

sociais e culturais de seus sujeitos. Retomando as teorizações de EISNER (1994), quando

afirma que o importante para a criança é encontrar na escola programas que sejam

harmoniosos em relação às suas aptidões ou formas de inteligência e aprendizagem, é

possível estabelecer uma relação de interferência positiva das ACA no processo de

aprendizagem das crianças participantes e analisadas. A propósito dos objetivos específicos

discriminados no Programa das ACA elaborado pela Escola Cristal e citados às páginas 40 e

41 desta dissertação, argumento que os objetivos são alcançados pelas crianças que

participam das ACA, no rotina do trabalho, ainda que seja com especificidades e

individuações para cada criança.

3) É possível a elaboração de um novo currículo que transite entre o currículo prescrito

e as ACA para o encaminhamento de resultados de sucesso na aprendizagem dos alunos das

séries iniciais do ensino fundamental?

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Destaco o uso do espaço de autonomia utilizado pela equipe educativa da Escola

Cristal, que de uma certa forma, ao implementar um programa com ACA no seu cotidiano,

desafiou os padrões de escolas públicas com dificuldades tão sérias quanto as que constatou

no início dos seus trabalhos em 2000. Com base nas análises, contidas no Capítulo 3

principalmente, é possível perceber que a Escola Cristal deslocou o processo de construção

curricular do esquema estritamente oficial e prescritivo para uma inter-relação deste com o

esquema alternativo organizado pela sua equipe. Adotou, no seu cotidiano, um conjunto de

princípios, normas e procedimentos, a partir do qual as professoras, os funcionários

envolvidos, os voluntários e os alunos passaram a vivenciar uma realidade própria, distinta da

de antes. As professoras deixaram de, meramente, executar prescrições curriculares, fazendo

da inter-relação das ACA com as atividades discursivas um processo mais democrático, o que

abriu um espaço para a diversidade no currículo. Portanto, o que pude constatar foi uma

correlação entre o currículo formal e as ACA. Talvez isto possa viabilizar a elaboração de um

novo currículo ou um currículo "real" e "particular" para a Escola Cristal, através do qual

seja possível estabelecer, de forma cada vez mais integrada, o prescritivo e o alternativo.

4) A equipe escolar da instituição tem percepção de que o conhecimento de seus

alunos perpassa outras vias ou meios de aprendizagem além das vias do intelecto?

Com a aceitação e a valorização que a maioria dos membros da equipe escolar enxerga

as ACA, é possível entender que esta mesma equipe valoriza as diversas formas de

aprendizagem pelas quais passam os alunos da Escola Cristal, ou seja, as vias do artístico, do

esportivo, do manual, da valorização dos sentidos e dos afetos, dentre outros, mesmo que não

sejam capazes de defini-las como formas curriculares ditas formais.

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5) As ACA desenvolvidas na escola realizam um resgate e uma valorização dos

saberes e experiências sociais dos educandos?

Todos os familiares do alunado e demais integrantes contatados da comunidade

escolar e local foram estimulados a participar do programa das ACA, com a intenção de

formar um grupo coeso que valorizasse os saberes e as experiências levadas pelos alunos para

o seio da Escola. O envolvimento dos voluntários e das voluntárias faz a diferença neste

contexto, propiciando a realização prática das propostas alternativas, que nasceram das

necessidades e demandas das crianças da Escola Cristal. Os projetos das ACA se

encaminharam em oposição às tentativas centralizadoras dos órgãos públicos, apresentando

como principais vitórias os esforços pela democratização do espaço escolar e pela integração

dos conteúdos formais com as ACA.

É importante destacar que os conteúdos prescritos pelo currículo formal não foram

excluídos nem negligenciados do currículo da Escola Cristal. Eles continuam presentes na

proposta e na rotina escolar, mesmo porque o contrário não procederia. "Se a escola é antes

de tudo o espaço da aprendizagem, esta pressupõe planejamento, instrução e uma seleção de

conteúdos a serem trabalhados pedagogicamente." (SOUZA, 2004)

Outra evidência é a vontade permanente da equipe educativa da Escola Cristal em

incrementar a qualidade do trabalho com as ACA e garantir o sucesso cada vez maior do

programa no âmbito escolar.

6) Qual é o significado cultural das práticas curriculares desenvolvidas pela escola nos

resultados escolares dos alunos?

SACRISTÁN (2002) ressalta que não devemos perder de vista a função cultural da

escola e do ensino, uma vez que o currículo deve estabelecer uma ligação entre a prática

escolar e o mundo do conhecimento ou da cultura em geral.

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Abordando o fato de a Escola Cristal utilizar de um programa com ACA no bojo de

seu trabalho cotidiano, que interpenetra todo o seu desenho curricular prescrito, destaco

através da pesquisa empreendida, que o currículo alternativo desenvolvido na instituição criou

uma nova cultura na escola, fornecendo um ambiente que reflete os valores com os quais se

importa. Prova inequívoca da influência da cultura em todo o processo educativo é a

variedade e ações desenvolvidas na escola pesquisada, tendo como farol e rumo as

experiências de seus alunos e alunas, do seu corpo pedagógico e administrativo e de toda a

sua comunidade escolar. Assim, uma nova cultura escolar, por sua vez, cria outras relações

dos alunos e das alunas com o processo educativo. Tais relações podem ser constatadas

quando estabelecido que as ACA demonstram impacto em termos de rentabilidade dos alunos

e da escola, ou seja, evidencia uma cultura escolar particular. Na constituição desta cultura

própria, os sujeitos envolvidos no processo educativo mostram-se conhecedores desta

particularidade da instituição, quando comprovam que a participação nas ACA cria retornos

significativos nas suas vidas escolares. Na mesma perspectiva, as famílias dos envolvidos

contabilizam positivamente a participação dos seus filhos e filhas, com explicitações dessa

comprovação, dentro da escola e até fora dela. Considero ainda que, a partir da adoção das

ACA na Escola Cristal, a instituição passou a ser reconhecida e respeitada de maneira

diferenciada, pela comunidade escolar e pela comunidade em geral.

Uma questão que merece também ser revisitada é a que trata sobre a alteração de

comportamento dos alunos e alunas da Escola Cristal, após a implantação das ACA.

Conforme relatado pela diretora e pedagogas, no início do funcionamento da escola, uma

grande parte dos educandos era muito agitada. O que constatei foi uma alteração no

movimento das crianças, que durante a pesquisa de campo se mostraram muito mais

tranqüilas e conhecedoras das regras de funcionamento da escola. A equipe administrativo-

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pedagógica cita o desenvolvimento das ACA na escola como um dos fatores principais para a

mudança positiva dos alunos e das alunas.

Destaco também, o trabalho coletivo que acontece na Escola Cristal. Normalmente, as

ações empreendidas se constituem como ponto de confluência onde se conta com a

participação de todos os envolvidos. Assim, pode-se dizer que as ações "não acontecem da

noite para o dia: são tecidas no coletivo com um fio articulador que, aos poucos, vai se

embrenhando no trabalho desenvolvido dentro e fora da escola, pela maioria e em benefício

da maioria". (ABRAMOVAY et al., 2003, p.349). Neste sentido, realço o trabalho dos

voluntários e voluntárias, que durante todo o período de observação no desenrolar da pesquisa

de campo se mostraram disponíveis, engajados no trabalho coletivo da Escola Cristal,

otimistas e sérios com os compromissos assumidos perante os alunos e alunas.

Refletindo ainda sobre as análises advindas da dinâmica das ACA utilizadas na

Escola Cristal, destacaria que muitas são as dificuldades pelas quais passa uma instituição

quando decide "fazer diferente", em busca de soluções imediatas e/ou emergenciais. Buscar

um currículo que nasça das desigualdades e dificuldades, e ao mesmo tempo garanta espaço

para as diferentes vozes de seus alunos e alunas não é nada fácil. Atualmente, tem sido

recuperada a idéia da diferenciação nas escolas, como um aspecto a ser considerado não mais

como ilegítimo, mas como uma forma de democratização do sucesso das crianças.

Argumentar a favor de novos saberes que atendam os reais interesses das camadas populares

presentes nas escolas públicas, é pois, tarefa desafiadora.

VEIGA-NETO nos faz refletir sobre a questão do respeito às diferenças:

"... o próprio discurso pedagógico parece estar se afastando rapidamente do programa homogeneizante pensado por muitos dos ideólogos da Modernidade - os quais preconizavam uma sociedade sem diferenças de qualquer ordem -, e parece estar se deslocando no sentido de reconhecer e até defender as diferenças". (VEIGA-NETO, 2002, p. 11)

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Pois bem, o que constatei foi uma valorização, pela Escola Cristal, dos saberes

afetivos, culturais e sociais dos seus alunos, buscando uma reconstrução curricular balizada

nas diferenças, necessidades e interesses de seu alunado.

Citando MOREIRA é possível reafirmar a importância de se alterar o currículo em

função dos interesses de seus atores,

Como reformar currículos é alterar a prática da educação, está-se diante de problema de relação entre teoria e prática que interessa e concerne a muitos, não apenas aos técnicos, aos especialistas e aos professores. Cabe, então, tanto promover o diálogo entre esses grupos, como estendê-lo para além das escolas, das universidades e dos sistemas escolares. (MOREIRA, 2000, p.131)

Ainda que as estratégias utilizadas pela Escola Cristal a partir das ACA se apresentem

pouco estruturadas numa perspectiva mais ampla, parece haver uma grande possibilidade de

aprimoramento e dinamização das mesmas. Talvez, um tratamento mais individualizado e

valorativo das ACA por parte de órgãos públicos municipais, poderia constituir ponto de

abertura de possibilidades para expansão desta experiência e levá-la a outras escolas, tirando

partido de seu potencial criativo e de sua disposição para a mudança.

No momento em que os poderes governamentais se prontificarem a proceder a uma

releitura dos processos pedagógicos e dos atores escolares, dos quais eles se esquecem quase

sempre, talvez haverá uma outra luz no fim do túnel, a clarear o percurso educacional

brasileiro através do apoio às escolas, principalmente àquelas que se atiram à resolução dos

seus problemas sem suporte e ajuda para tal. É preciso retrabalhar os processos pedagógicos

estabelecidos, na perspectiva de serem utilizados como suporte para as atividades cotidianas

da escola, no espaço do alternativo e do resolutivo. A pretensão nesta pesquisa foi a de reunir

informações relevantes e estabelecer análises sobre a visibilidade das possibilidades reais e

das limitações que emergem do campo curricular, especialmente fora das salas de aula,

através das ACA dentro da Escola Cristal.

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Com certeza, cada instituição de ensino é que sabe dizer do que é possível,

necessário, plausível e fundamental para a aprendizagem e para as experiências de suas

crianças. É a escola que deve dizer daquilo que sabe, daquilo que estudou, teorizou,

problematizou, ou seja, daquilo que se tornou conhecimento e reconhecimento legítimos.

Abrir um espaço para "ouvir" cada escola é um grande passo no caminho a percorrer.

Toda a discussão empreendida nessa dissertação procurou focar o trabalho singular de

uma escola pública, com suas dificuldades e expectativas cotidianas, com suas atitudes

emergenciais e, por que não, inovadoras. Não tive a intenção de fazer parecer que na Escola

Cristal tudo dá certo, que ela é perfeita, adequada e competente em todos os seus fazeres. A

pressuposição de que as ACA alteram, para melhor, o desenvolvimento geral dos alunos e

alunas foi constatada e esta confirmação traduz o esforço para o trabalho de investigação e

estudos realizados.

Acreditando que através da pesquisa empreendida e do texto construído através dela,

foram suscitadas indagações e questionamentos, evidenciadas limitações, possibilidades e

concretudes, o presente trabalho procurou contribuir para a ampliação do olhar sobre o

currículo escolar, onde atividades prescritas e alternativas se interpenetram.

Para além de saídas mirabolantes e estratosféricas, portanto praticamente inviáveis, as experiências aqui apresentadas se caracterizam por estarem situadas nos limites do possível e da boa vontade, tocadas em frente não por heróis, mas por pessoas comuns, de carne, osso e um coração enorme, capaz de abrigar uma fé do tamanho do Brasil. Bons ventos espalhem essas notícias. E que ouvidos sábios e mãos ativas sejam capazes de fazer com que elas se multipliquem... (CRISTÓVAM BUARQUE, apud ABRAMOVAY et al., 2003, p.27)

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ANEXOS

OBSERVAÇÃO SISTEMÁTICA DOS PROJETOS DAS ACA

ESCOLA CRISTAL

1º Semestre / 2004

PROJETO DE ACA:_______________________________________DATA:____/____/____

Alunos das 4ªs séries do 1º turno HORÁRIO: ___________________

VOLUNTÁRIO (A) __________________________________________________________

Postura do(a) voluntário(a) frente aos alunos:

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Postura dos alunos e alunas participantes das ACA:

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Formas de controle por parte do(a) voluntário(a):

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Linguagem utilizada pelo(a) voluntário(a) para incentivar, para corrigir,para controlar:

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Ações e estratégias utilizadas pelo (a) voluntário (a):

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Reações dos alunos diante das intervenções do (a) voluntário (a):

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Relação pessoal : voluntário (a) / alunos e alunas:

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Relação pedagógica: voluntário (a) / alunos e alunas:

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Ocorrências durante a observação que merecem destaque:

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QUESTÕES NORTEADORAS PARA A ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM OS

ALUNOS E ALUNAS PARTICIPANTES DOS PROJETOS E SELECIONADOS PARA A

PESQUISA

ESCOLA CRISTAL

1º SEMESTRE / 2004

* Alunos das quatro quartas séries do turno diurno

. Nome, idade, turma e professora?

. Você participa de qual projeto de ACA?

. Como foi a sua entrada para o projeto: você escolheu o projeto ou escolheram para você?

Quem escolheu?

. Você gosta de participar do projeto de ACA? Por quê?

. No ano passado você participou de qual projeto de ACA?

. Gostaria de participar de outro projeto? Qual?

. A participação no projeto te ajuda como aluno ou em outra coisa?

. Como você faz para ser pontual com as atividades da sala de aula, quando você sai para o

projeto?

. Tem alguma parte do projeto que você não gosta?

. Você gostaria que houvesse outros projetos de ACA na escola?

. Como estão as suas notas depois que você começou a participar do projeto?

. Como sua professora te avalia depois do projeto: ficou melhor, ficou a mesma coisa, ficou

pior?

. No próximo ano você deverá estar na 5ª série. Você já sabe para qual escola você vai ?

. Se você já sabe, pode me dizer se na escola tem algum tipo de projeto como os daqui?

. Se você pudesse escolher, escolheria uma escola com ou sem projetos de ACA?

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QUESTÕES NORTEADORAS PARA A ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM AS

PROFESSORAS PARTICIPANTES DA PESQUISA

ESCOLA CRISTAL

1º Semestre / 2004

* Professoras das quartas séries do turno diurno

. Nome

. Qual é a sua formação acadêmica?

. Há quanto tempo é professora? E nesta escola?

. Mais alguma informação sobre a sua experiência profissional.

. Para quais séries já lecionou?

. O que você pode me dizer sobre a origem dos projetos das ACA criados e desenvolvidos na

escola?

. Você conhece o Programa "Amigos da Escola"?

. O que você sabe sobre este programa?

. O que você pode dizer a respeito dos projetos das ACA desenvolvidos na escola?

. Os seus alunos participam dos projetos?

. Quantos alunos?

. Em quais projetos?

. Como você organiza o trabalho diário para que os alunos possam sair da sala e participar dos

projetos?

. Qual é a sua aceitação em relação aos projetos e a participação dos seus alunos?

. O que você tem a dizer sobre a aprendizagem dos alunos que participam dos projetos?

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. E sobre a aprendizagem dos alunos que não participam ?

. O que você tem a dizer sobre o comportamento e a freqüência às aulas dos alunos que

participam dos projetos e dos que não participam?

. Qual é a sua opinião sobre a organização dos projetos na escola?

. Qual é a aceitação das crianças pelos projetos?

. E a aceitação dos pais?

. Você já teve algum tipo de dificuldades na sala de aula com alunos participantes dos

projetos?

. O que você pode acrescentar de informação a respeito dos projetos das ACA?

. Você tem alguma sugestão a dar sobre os projetos das ACA?

. Para você, o que é Currículo?

. Na sua opinião, os projetos desenvolvidos na escola fazem parte do Currículo Formal da

escola?

. O que você considera importante "fazer parte" de um currículo escolar?

. Quais outras informações você poderia dar a respeito da dinâmica das ACA no âmbito da

escola?

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QUESTÕES NORTEADORAS PARA A ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM OS

VOLUNTÁRIOS E VOLUNTÁRIAS PARTICIPANTES DA PESQUISA

ESCOLA CRISTAL

1º Semestre / 2004

. Por favor, identifique-se: nome, idade, profissão, escolaridade.

. Fale sobre a sua participação como voluntário(a) nos projetos das ACA da escola.

. Por que você passou a integrar a equipe de voluntários da escola?

. O que você pensa sobre o trabalho de voluntários nas escolas, de uma maneira geral?

. Qual é o seu principal objetivo ao realizar este trabalho voluntário?

. Você pode dizer se há alguma mudança no comportamento das crianças que participam dos

projetos das ACA?

. Como você vê o trabalho da equipe coordenadora dos projetos na escola?

. O que você gostaria de complementar sobre o trabalho com projetos das ACA na escola?

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QUESTÕES NORTEADORAS PARA A ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

COM OS PAIS E/OU RESPONSÁVEIS DOS ALUNOS PARTICIPANTES DA

PESQUISA

ESCOLA CRISTAL

1º Semestre / 2004

. De qual projeto seu / sua filho (a) participa?

. Como a equipe da escola se comunicou com a família para tratar da participação dele (a) no

projeto das ACA?

. O que vocês pensam sobre esse trabalho da escola com os projetos das ACA?

. Vocês observaram alguma mudança no (a) filho (a) na escola e fora dela, após a entrada e

participação no projeto das ACA?

. Vocês colaboram com a escola no desenvolvimento dos projetos?

. Que outros projetos gostariam que a escola oferecesse?

. Vocês gostariam de acrescentar alguma informação ou dar algum depoimento relacionado

aos projetos das ACA na escola?

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ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM A DIRETORA, COM A

SUPERVISORA PEDAGÓGICA E A ORIENTADORA EDUCACIONAL DA ESCOLA

CRISTAL - 1º Semestre / 2004

OBJETIVOS:

- Identificar a origem e a organização dos Projetos das ACA desenvolvidos na escola, como

atividades extra classe.

- Identificar os motivos que levaram a direção e o serviço de orientação educacional e

supervisão pedagógica a criarem os Projetos das ACA e implementá-los na escola.

- Perceber como se dá a escolha, aceitação e recrutamento dos voluntários para a execução

sistemática dos Projetos na escola.

- Identificar a formação educacional e profissional dos voluntários envolvidos com os

Projetos, bem como a formação educacional e profissional de outros elementos que

desenvolvem os Projetos na escola.

BLOCO A - Origem e organização dos Projetos

1) Qual é a origem e como foram criados os Projetos das ACA desenvolvidos na Escola?

2) Desde quando eles funcionam?

3) Em quais os turnos eles funcionam e para quais turmas?

4) Os Projetos foram criados isoladamente ou fazem parte de algum programa da escola?

5) Os Projetos das ACA foram baseados em algum outro programa de educação? Qual? De

onde?

6) Quem elaborou e organizou os Projetos das ACA para o funcionamento cotidiano?

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7) Quem coordena os Projetos das ACA na escola?

8) Eles funcionam em quais dias da semana? Têm um horário pré-determinado para

funcionarem? Qual é a periodicidade do horário? Quem elabora o horário?

9) Os Projetos são desenvolvidos por quem?

10) Dê outras informações pontuais referentes à organização e funcionamento das ACA na

escola, que você considera importantes.

BLOCO B - Motivos para criação dos Projetos e sua implementação

1) Quais os motivos que levaram a direção da escola a abrir espaço para a criação dos

Projetos das ACA ?

2) Como foi a implementação dos Projetos na Escola? Houve boa aceitação? Houve

resistência? De quem?

3) Os professores aceitaram bem a nova organização da rotina da escola a partir dos Projetos

das ACA?

4) Como foi a aceitação dos pais?

5) Como é feita a comunicação da escola com os pais e/ou responsáveis dos alunos

participantes dos Projetos das ACA?

6) E a aceitação dos alunos? Compreenderam bem ou não? Apresentaram alguma

dificuldade de adaptação?

7) De qual tipo de ajuda a escola dispõe para a manutenção dos Projetos das ACA?

8) A comunidade educativa do município tem conhecimento do trabalho desenvolvido na

escola através dos Projetos das ACA?

9) Há despesas financeiras com os Projetos das ACA? De qual ordem? Como são

contabilizados os gastos ?

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10) Quem seleciona as crianças participantes dos Projetos das ACA?

11) Como é feita a seleção das crianças?

BLOCO C - Escolha, aceitação e recrutamento de voluntários e outros

1) Os Projetos das ACA são desenvolvidos por quem?

2) Como é feita a escolha dos voluntários para desenvolvimento dos Projetos das ACA?

3) A escola recebe oferta de trabalho voluntário para os Projetos das ACA?

4) A escola tem dificuldades para recrutar os voluntários? Como é feito o recrutamento?

5) Qual é a formação profissional dos voluntários que atuam na escola? E a formação

acadêmica?

6) A escola conta com o trabalho de profissionais da própria escola ou da Prefeitura

Municipal para o desenvolvimento dos Projetos das ACA?

7) Complemente com informações que julga importantes para o entendimento da dinâmica

das ACA na escola.