41
CIBELLE JEANNE DE OLIVEIRA AUSEC SILMARA CELIA DE OLIVEIRA AUSEC NEUROPEDAGOGIA - ATENÇÃO, CRONOBIOLOGIA E OS FALSOS DIAGNÓSTICOS DE TRANSTORNOS DE DÉFICIT DE ATENÇÃO - TDAH Londrina-PR 2015

NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

1

CIBELLE JEANNE DE OLIVEIRA AUSEC SILMARA CELIA DE OLIVEIRA AUSEC

NEUROPEDAGOGIA - ATENÇÃO, CRONOBIOLOGIA E OS FALSOS DIAGNÓSTICOS DE TRANSTORNOS DE DÉFICIT

DE ATENÇÃO - TDAH

Londrina-PR 2015

Page 2: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

2

Cibelle Jeanne de Oliveira Ausec Silmara Celia de Oliveira Ausec

NEUROPEDAGOGIA - ATENÇÃO, CRONOBIOLOGIA E OS FALSOS DIAGNÓSTICOS DE TRANSTORNOS DE DÉFICIT DE ATENÇÃO -

TDAH

Monografia apresentada ao curso de Neuropedagogia do Esap como requisito parcial para obtenção do título de Especialista. Orientadora: Profa.Ms.Maria Cristina Carreira Do Valle. Coorientador: Prof. Dr. Rafael Bruno Neto

Londrina-PR 2015

Page 3: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

3

À minha filha amor Bella pela compreensão, carinho e alegria nos dias de

estudo presencial e à distância.

Ao meu esposo e coorientador deste trabalho amor Rafa.

Ao meu irmão Humberto e à minha irmã Ingrid pelas preciosas conversas e

ajustes das pesquisas bibliográficas da literatura pertinente.

Aos meus pais Gerço e Silmara pelo apoio e amor incondicional.

A todas pessoas que direta ou indiretamente fizeram parte deste trabalho.

-----

Ao meu esposo Gerço que soube compreender as minhas ausências em dias de aulas e estudo.

Ao meu genro e coorientador Rafa que em nossas conversas sempre contribuiu com a minha formação.

Aos meus filhos Ingrid, Cibelle e Humberto pelo apoio, estímulo e confiança em mais esta etapa de minha vida.

A todos que de uma forma ou de outra contribuíram para a realização deste trabalho.

Page 4: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

4

AGRADECIMENTOS

A todos que contribuíram de maneira relevante para elaboração desta

pesquisa, em especial ao meu esposo Rafa pelo incentivo e credibilidade, e à minha

orientadora Ms. Maria Cristina Carreira do Valle.

A todos os professores que participaram do curso como ministrantes das

disciplinas que compõem o elenco da Neuropedagogia.

A todos os professores da Neuropedagogia, em especial ao Rafa, meu genro,

que foi tão importante no desenvolvimento deste trabalho, e à minha orientadora Ms.

Maria Cristina Carreira do Valle.

Page 5: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

5

“[...] não procuro condecorações, nem execuções de minhas obras, nem elogios, distinções e artigos em jornais. Minha única ambição foi e será lançar meu dardo nos espaços indefinidos do futuro.”

Ferenc (Franz) Liszt (1811-1886)

Page 6: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

6

AUSEC, Cibelle Jeanne de Oliveira and AUSEC, Silmara Celia de Oliveira. Neuropedagogia atenção, cronobiologia e os falsos diagnósticos de Transtornos de Déficit de Atenção – TDAH. Instituto De Estudos Avançados E Pós-Graduação - Esap. Monografia de pós-graduação Lato Sensu em Neuropedagogia. Londrina-PR. 2015.

RESUMO

Um número crescente de autores tem demonstrado a importância da Neuropedagogia no processo de ensino/aprendizagem, onde a atenção é um processo essencial. A atenção sofre variações, tanto circadianas quanto sazonais investigadas pela Cronobiologia que estuda os fenômenos biológicos dos seres vivos em função do tempo. Dentre os problemas que podem comprometer a atenção e as demais funções a ela relacionadas está o Transtorno de Déficit De Atenção/Hiperatividade – TDAH. As pessoas com TDAH vivem uma série de prejuízos como dificuldades de manter tarefas até sua conclusão. A diversidade de sintomas aliada à presença de comorbidades e às flutuações atencionais promovidas pelas características cronobiológicas, pode levar a falsos diagnósticos. Assim, embora a controvérsia sobre a existência do TDAH permaneça em debate, existem evidências de que se trata de uma disfunção da neurotransmissão dopaminérgica. Permanece, no entanto, o debate a respeito da falta de critério científico objetivo para seu diagnóstico. Discute-se muito que por trás de um suposto excesso de diagnósticos de TDAH exista uma cultura de medicalização impulsionada pela indústria farmacêutica. No caso das crianças, outros atores são os pais e professores. Um rótulo diagnóstico pode ser conveniente para pais e professores que tem filhos e alunos com problemas de comportamento.

Palavras-chave: Atenção; cronobiologia; TDAH.

Page 7: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

1. NEUROCIÊNCIA E NEUROPEDAGOGIA 09

1.1 NEUROPEDAGOGIA 11

2. ATENÇÃO E CRONOBIOLOGIA 14

2.1 CRONOBIOLOGIA 20

3. TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO – TDAH 27

3.1 PROBLEMAS NO DIAGNÓSTICO 33

3.2 RELAÇÃO CRONOBIOLOGIA/ATENÇAO E TDAH 36

CONCLUSÕES 37

REFERÊNCIAS 38

Page 8: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

8

INTRODUÇÃO

“O homem deve saber que de nenhum outro lugar, mas do encéfalo vem a alegria, prazer, o riso e diversão, o pesar, o ressentimento o desânimo e a lamentação. É por isto de uma maneira especial, que adquirimos sabedoria e conhecimento e enxergamos e ouvimos e sabemos que é justo ou injusto, o que é bom e o que é ruim, o que é doce e o que é amargo [...] E pelo mesmo órgão, tornamo-nos loucos e delirantes, e medos e terrores nos assombram... Todas estas coisas suportamos do encéfalo quando não está sadio [...] Neste sentido sou da opinião de que o encéfalo exerce o maior poder sobre o homem” (Hipócrates – Acerca das Doenças Sagradas, Século IX a. C.)

A neurociência voltada para a educação é uma abordagem relativamente

recente dentro da pedagogia. A maioria dos cursos de graduação voltados para a

licenciatura não tem contemplado em seus currículos a abordagem neuropedagógica

do processo ensino-aprendizagem.

Com o intuito de fazer uma abordagem generalista dos diferentes processos

neurológicos envolvidos durante a aprendizagem, este trabalho se divide em três

capítulos. No primeiro é discutida exatamente a relação neurociência neuropedagogia

onde dá-se ênfase na interrelação entre elas. O segundo capítulo aborda os

mecanismos da atenção, fundamentais para a aprendizagem, e sua relação com a

cronobiologia. No terceiro capítulo é abordado o Transtorno De Déficit De Atenção –

TDAH, que tem sido motivo de um alto índice de falso diagnóstico por parte de pais e

educadores, por isso sua discussão no presente trabalho.

Desta feita, este trabalho tem por objetivo dar uma visão neuropedagógica do

processo ensino/aprendizagem ao professor, tendo como base os conceitos de

atenção - ponto central da aprendizagem - conceitos da cronobiologia e de transtorno

do déficit de atenção –TDAH e as dificuldades metodológicas que podem levar a falsos

diagnósticos, servindo assim como um alerta para o professor.

Page 9: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

9

1. NEUROCIÊNCIA E A NEUROPEDAGOGIA

Embora a Neurociência seja considerada uma ciência nova, a observação,

mesmo que intuitiva da importância do Sistema Nervoso Central, e mais

especificamente do encéfalo, remete-nos à Grécia Antiga, conforme atesta o texto

acima atribuído ao filósofo grego Hipócrates, produzido há cerca de dois mil e

quinhentos anos. Nele começa a ficar claro, desde então, entre outras tantas

deduções brilhantes para a época, a importância do encéfalo enquanto local dos

processos de aprendizagem ([...] É por isto de uma maneira especial, que adquirimos

sabedoria e conhecimento).

Portanto, de há muito tempo tem-se a percepção de que a aprendizagem é uma

prerrogativa do encéfalo e, por isso, podemos dizer em um exercício de livre analogia,

que ali nascia, de uma certa forma, a Neuropedagogia.

Sob a ótica da ciência contemporânea, a Neurociência é ciência nova que trata

do desenvolvimento químico, estrutural e funcional, e patológico do sistema nervoso.

As investigações com rigor científico se iniciaram no início do século XIX com os

trabalhos dos fisiologistas Fristsch e Hitzig com estimulação do córtex cerebral

evocando movimentos. Esses resultados foram posteriormente confirmados pelos

médicos Broca e Wernicke observando, durante necropsia, danos cerebrais

localizados em pessoas que tiveram déficits de linguagem após algum acidente

(RELVAS, 2011).

Nos anos que se sucederam a neurociência teve um desenvolvimento

acelerado levando à criação de subáreas com enfoques específicos do funcionamento

do sistema nervoso, culminando com o surgimento da Neurociência cognitiva.

Essa área atua no estudo do pensamento, da memória, do planejamento, da

aprendizagem, do uso da linguagem e das diferenças entre memória para eventos

específicos e para a execução de habilidades motoras (RELVAS, 2011).

Tendo essa perspectiva histórica como ponto de partida, um ponto nevrálgico

a ser discutido neste trabalho diz respeito à formação que nossos professores

Page 10: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

10

(educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil até os graus mais

diferenciados do ensino superior) recebem sobre “Como o cérebro aprende?”. Esse

questionamento é de suma importância, visto que, conforme é debatido a seguir, os

mecanismos neurológicos que envolvem a aprendizagem são fortemente

influenciados pela capacidade e qualidade da atenção; e esta, por sua vez, pode ser

fortemente comprometida por um problema neurológico denominado transtorno de

déficit de atenção. Esse transtorno tem sido alvo de diagnóstico, muitas vezes sem

qualquer embasamento clínico, feitos por pais e educadores não preparados para o

diagnóstico e nem para trabalhar no ambiente escolar.

De acordo com Bruno-Neto (2012), o Brasil é um dos países onde o “Educador

não conhece o objeto alvo de seu trabalho”. Segue Bruno-Neto (2012):

Essa é uma afirmação que uso faz quase 20 anos para dar início aos meus cursos e minhas palestras. Isso porque a aprendizagem é prerrogativa do Sistema Nervoso. Por mais que na maioria das vezes ela só seja constatada através da mudança ou a aquisição de comportamentos, quem aprende a andar não são os pés, assim como quem aprende a ler ou a escrever não são boca e mãos. Da mesma forma, os processos de terapia de reabilitação ou de suporte para pessoas vitimadas de lesões neurológicas ou portadoras de deficiências congênitas, também são formas de aprendizado que tem de ocorrer em nível de sistema nervoso. Ou seja: seja aprendendo, seja reabilitando, sempre será um processo de aprendizagem neurológica. A aprendizagem diz respeito a toda e qualquer alteração que se processa dentro do sistema nervoso!

No Brasil, quase nenhuma licenciatura tem em seu currículo mínimo (PCNs)

previsto alguma disciplina que capacite o professor com um conteúdo mínimo que seja

sobre “como o cérebro aprende”. Ressalva apenas às licenciaturas de Biologia e de

Ciências com habilitação em Biologia. Assim mesmo, sem o enfoque sobre a

aprendizagem. Assim, o professor vai aprender alguma coisa sobre os procedimentos

didático-pedagógicos que podem facilitar ou dificultar a aprendizagem através da

tentativa e erro: por pura experiência prática ao longo do exercício docente. Porém,

aprende a prática mais adequada, mas não o porquê. (BRUNO-NETO, 2012).

Page 11: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

11

1.1 NEUROPEDAGOGIA

De acordo com Bruno-Neto (2012) a Neuropedagogia surgiu como uma

alternativa, em nível de pós-graduação, para suprir essa deficiência na formação do

professor, pois tem como objetivo primeiro estudar como o cérebro humano aprende

e como guarda este aprendizado, baseando-se em uma concepção ligada a

neurociência. A Neuropedagogia compreende o cérebro como propulsor do

aprendizado, que busca aliar esse conhecimento às práticas e conceitos da educação

escolar, tendo em vista os métodos e metodologias que irão interferir de forma

expressiva para o verdadeiro aprendizado.

Também é consenso entre educadores que ensinar requer compreensão de

como e por que fazê-lo. A capacidade de aprender, de ser inteligente está ligada ao

prazer que a conquista do conhecimento pode proporcionar, principalmente quando

este conhecimento é produzido pelo próprio educando. Isso nos leva a supor que o

nível de emoção no momento do aprender interferiria no resultado final do processo.

O cérebro é o órgão por excelência da inteligência. Nesse caso, para compreender

como ocorrem os processos intelectivos, precisamos compreender os mecanismos

cerebrais responsáveis pela aprendizagem.

Porém, para compreender o complexo humano, nenhuma ciência basta por si

só, surgindo a tão essencial e importante interdisciplinaridade com as Neurociências,

ou Neurociências Cognitivas. Estas, por sua vez, abordam temas relacionados à

normalidade e alterações na memória, atenção, linguagem, emoção, motivação,

consciência, plasticidade cerebral, cognição entre outros.

Assim, atualmente diante dessa unificação das Ciências com disciplinas como

a Física, a Fisiologia, a Matemática, entre outras, a Educação e a Psicopedagogia

aproximaram-se desses estudos, trazendo-nos um novo campo de pesquisa e

atuação frente às dificuldades de aprendizagem: a Neuropedagogia.

O termo "Neuropedagogia" é um neologismo cuja criação é postulada pelo

controverso e folclórico professor Pierluigi Piazzi em torno do ano 2000 para descrever

um paradigma de aprendizagem que levasse em conta as últimas descobertas das

neurociências de forma a utilizar esses novos conhecimentos na gestão do processo

escolar. Basicamente, a Neuropedagogia seria o ramo da pedagogia que se preocupa

em compatibilizar as técnicas de ensino (softwares) com o cérebro humano

(hardware). É uma área de estudo do conhecimento humano que tem como objetos

Page 12: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

12

de estudo a Educação e o Cérebro, sendo este último entendido como um órgão social

que pode ser modificado pela prática pedagógica.

Nesse sentido, essa área de estudo se propõe a fornecer uma razoável base

teórica para o educador, principalmente, sobre o entendimento de como o cérebro da

criança e/ou do adulto aprende.

Para a Neuropedagogia o processo de ensino e aprendizagem requer o

entendimento e a compreensão de como fazê-lo e demanda um novo paradigma que

ultrapassa a mera aula expositiva e os conhecimentos rudimentares do professor em

determinada disciplina.

Muito embora a designação original do termo Neuropedagogia tenha sofrido

mudanças (evolução??), o conceito tem sido cada dia ampliado para também atender

com mais propriedade e eficiência as necessidades especiais de aprendizagem e

desenvolvimento.

Um número cada vez mais crescente de autores (e.g. MAIA, 2011 e 2012;

FONSECA, 2007; RELVAS, 2010 e 2011) tem procurado demonstrar através da

Neuropedagogia a importância do papel do professor no processo de

ensino/aprendizagem. Os estudos da área sobre a memória e o sistema límbico

apontam à motivação como um dos fatores essenciais no aprender, uma vez que para

isso é necessário armazenar os conhecimentos e as experiências na memória. E

essas são formadas inicialmente no hipocampo por meio de experiências com carga

emocional.

Naturalmente que não é suficiente o professor apresentar uma aula motivadora

a seu aluno para que ele aprenda, existem outros processos e estratégias de ensino

que aliadas favorecem o contexto, como a apresentação de conteúdos significativos,

a relevância dos conhecimentos prévios desse aprendiz, a participação da vivência

nas atividades e a oportunidade de rever os conceitos ensinados de maneiras

diferenciadas.

Ainda temos muito a caminhar no processo educacional. A educação formal

precisa ser revista e sair do mecanicismo, é preciso ensinar o indivíduo a aprender a

aprender, a aprender a pensar, a aprender a estudar, a aprender a se comunicar, e

não apenas reproduzir e memorizar informações, mas, sim, desenvolver

competências de resolução de problemas. Seguindo no mesmo pensamento, ressalta-

se a importância do ensino da lógica e do conhecimento de técnicas apropriadas de

acordo com o funcionamento cerebral para tornar a aprendizagem mais eficaz.

Page 13: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

13

Dessa forma, hoje, o neuropedagogo é o profissional docente que vai integrar

à sua formação pedagógica o conhecimento adequado do funcionamento do cérebro,

para melhor entender a forma como esse cérebro recebe, seleciona, transforma,

memoriza, arquiva, processa e elabora todas as sensações captadas pelos diversos

elementos sensores para, a partir desse entendimento, poder adaptar as

metodologias e técnicas educacionais a todas as crianças e, principalmente, aquelas

com características cognitivas e emocionais diferenciadas.

O neuropedagogo tem que estar em constante busca dos conhecimentos

necessários sobre as anomalias neurológicas (da neurologia), psiquiátricas (da

psiquiatria), neuróticas (da psicanálise) e comportamentais (da psicologia) existentes,

para desenvolver seu trabalho de acompanhamento pedagógico, desenvolvimento

cognitivo e harmonização emocional das crianças em condições normais de

desenvolvimento ou que apresentem os sintomas de anomalias que possam

comprometer o seu desenvolvimento.

Isto é, ele (neuropedagogo) deve estar apto a trabalhar o diálogo entre a

neuropsicologia, neurociências, neurodidática e psicanálise, aplicáveis no trato das

questões inerentes ao processo de estruturação do ser humano. Ele deve conhecer

os fundamentos teóricos sobre o desenvolvimento nervoso, e as várias etapas de

aquisição de habilidades sensórias, cognitivas, emocionais e psicológicas,

necessárias ao desenvolvimento da aprendizagem, sob o prisma da neurociência,

estimulando a produção de conhecimentos para a prática neuropedagógica e

neurodidática na área educacional.

O profissional de Neuropedagogia é, portanto, um dos elementos mais

importantes para as instituições que desejam desenvolver um verdadeiro e

harmonioso processo ensino-aprendizagem.

Page 14: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

14

2. ATENÇÃO E CRONOBIOLOGIA

Como a própria designação sugere, o Transtorno do Déficit de Atenção e

Hiperatividade - TDA-H, tem como comprometimento de base uma dificuldade nos

sistemas de produção e sustentação da atenção. Dessa forma é importante a

caracterização dos sistemas atencionais e do seu comprometimento, assim como, dos

critérios para o diagnóstico dos seus transtornos.

A atenção é amplamente estudada por diferentes áreas do conhecimento, tais

como a psicologia, neurociência cognitiva, biologia, fisiologia, é considerada um

importante construto para a compreensão dos processos perceptivos e funções

cognitivas em geral. Desde 1890, o caráter seletivo dos processos psíquicos é exposto

de maneira bastante objetiva por William James (KANDEL, 1997).

Kandel (1997) Ao resgatar Willian James lembra:

Milhões de itens [...] são apresentados aos meus sentidos e nunca entram propriamente na minha consciência. Por quê? Porque não têm interesse para mim. Minha experiência é aquilo que eu concordo em prestar atenção [...]. Todos sabem o que é a atenção. É a tomada de posse pela mente, de forma clara e vívida, de um dentre o que parecem ser vários objetos possíveis simultâneos ou linha de pensamento. A focalização, a concentração da consciência são sua essência. Esta implica, a abstenção de algumas coisas para poder lidar eficazmente com outras. .

Esse relato demonstra que o interesse dos cientistas pelos mecanismos

atencionais não é recente. Três importantes características da atenção são expressas

por William James nesse relato: a) a possibilidade de se exercer um controle voluntário

da atenção; b) inabilidade em atender diversos estímulos ao mesmo tempo, ou seja,

o caráter seletivo e focalização; c) capacidade limitada do processamento atencional.

A atenção é um processo multimodal, essencial para o desenvolvimento e

aprendizado e para a aquisição da linguagem, não só nos aspectos relativos ao

domínio das estruturas linguísticas, como também no desenvolvimento das

habilidades comunicativas que permitam à criança participar de uma conversa, falar

sobre um assunto ou contar uma história (PICOLINI et al., 2010).

Desde então a atenção tem sido objeto de inúmeras tentativas de definição,

de subdivisão, de classificação e de delimitação do seu alcance e da sua importância

na vida das pessoas.

De modo genérico, a atenção pode ser definida como o "fenômeno pelo qual

Page 15: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

15

o ser humano processa ativamente uma quantidade limitada de informações do

enorme montante de informações disponíveis através dos órgãos dos sentidos, de

memórias armazenadas e de outros processos cognitivos". Desta forma, possibilita a

filtragem de informação relevante em um dado momento e o uso eficaz e criterioso

dos limitados recursos mentais de um indivíduo, constituindo um mecanismo

facilitador das respostas neuronais ao concentrar os processos mentais em uma

tarefa, legando os demais estímulos a um segundo plano. Assim, a atenção facilita o

processamento de todas as características do objeto atendido (CAPOVILLA e DIAS,

2008).

Para outros, a atenção pode ser definida como a capacidade do indivíduo

responder predominantemente os estímulos que lhe são significativos em detrimento

de outros. Nesse processo, o sistema nervoso é capaz de manter um contato seletivo

com as informações que chegam através dos órgãos sensoriais, dirigindo a atenção

para aqueles que são comportamentalmente relevantes e garantindo uma interação

eficaz como meio (BRANDÃO, 1995).

Desse modo, a atenção está relacionada ao processamento preferencial de

determinadas informações sensoriais (BEAR; CONNORS e PARADISO, 2002). Aquilo

que nós percebemos depende diretamente de onde estamos dirigindo a nossa

atenção. O ato de prestar atenção, independente da modalidade sensorial, aumenta

a sensibilidade perceptual para a discriminação do alvo, além de reduzir a

interferência causada por estímulos distratores (PESSOA; KASTNER e

UNGERLEIDER, 2003).

Ou ainda, de uma outra forma, a atenção poderia ser definida como “a

capacidade de reagir e ou orientar-se adequadamente aos estímulos em qualquer

situação presente”, ou ainda, concentração da atividade mental sobre um determinado

objeto. Os propósitos da atenção seriam então permitir e aperfeiçoar a interação com

o meio e, por consequência, a aprendizagem (PARASURAMAN, 1998).

Como afirma Parasuraman (1998), “[...] de toda a miríade de tarefas que o

cérebro humano realiza talvez nenhuma seja tão crucial para o desempenho das

outras tarefas como é a atenção”. De fato, quando o cérebro atende a um dado

estímulo ele também o percebe e ao perceber o atende, seja conscientemente, seja

inconscientemente – isto é, o cérebro aprende. Por outro lado, embora o que é

aprendido possa ser por vezes espontaneamente recordado sem a necessidade da

presença da atenção, a verdade é que o resgate ou a recuperação voluntária da

Page 16: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

16

informação aprendida exige um “cérebro atento” (PARASURAMAN, 1998). Na

verdade, muitos dos problemas relacionados com a memória e aprendizagem podem

ser a manifestação maior de problemas atencionais.

Portanto, fica claro que a atenção para ser processada conta com a atuação

de todo o sistema nervoso desde os receptores do sistema nervoso periférico ao

córtex encefálico.

Assim, o sistema nervoso periférico, através dos receptores e das vias

sensitivas envia para o sistema nervoso central impulsos nervosos originados a partir

de estímulos diferentes, como os visuais, táteis, dolorosos, olfativos, auditivos etc.

Esses impulsos, após percorrerem várias estruturas neurais, finalmente chegam ao

córtex cerebral para serem interpretados.

Nesta breve descrição das ações neurais envolvidas no recebimento de um

estímulo, no seu processamento mental, e na elaboração de uma resposta motora

consciente, ficou subentendido todo um processo de direcionamento da atenção

voluntária em suas modalidades sensorial, intelectual e motora. Trata-se, portanto, de

uma função mental complexa que para ser desempenhada envolve amplamente o

substrato orgânico da mente e seus componentes psíquicos. Fatos esses resumidos

na afirmação de Campos-Castelló (1998) de que a atenção é uma função cognitiva de

alta complexidade em que estão implicados numerosos subprocessos como a

percepção, a intenção e a ação.

Através da atenção focalizamos nossas atividades conscientes, possibilitando

a percepção, a memória e a aprendizagem, pois o direcionamento da atenção

promove uma filtragem da informação não desejada. É, portanto, a base sobre a qual

se organiza o caráter direcional e a seletividade dos processos mentais.

Também se pode falar em tipos de atenção (CAPOVILLA e DIAS, 2008). De

acordo com o tipo de atividade predominante a atenção pode ser classificada em

sensorial, motora e intelectual. A atenção sensorial corresponde a uma atividade de

espera. Os fenômenos envolvidos são semelhantes na atenção visual, auditiva,

gustativa, tátil, etc. Atenção motora consiste no aparecimento de movimentos

voluntários de uma tensão ao mesmo tempo sensorial e intelectual. Neste tipo de

atenção, a consciência está centrada na execução de uma atividade, representa uma

forma de alerta às atividades musculares que devem responder a determinada

orientação.

Atenção intelectual é o tipo de atenção que predomina quando nos voltamos

Page 17: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

17

aos aspectos de nossa vida intrapsíquica, atua selecionando os elementos que

ocuparão o foco de nossos pensamentos. É solicitada quando necessitamos resolver

problemas que envolvem o raciocínio.

De um modo geral, as conceituações de atenção, acima referidas, concernem,

mais especificamente, à atenção seletiva. No entanto, a atenção não constitui um

processo único, podendo ser dividida de acordo com diferentes critérios.

Para Capovilla e Dias (2008), uma primeira divisão pode ser feita entre os

processos atencionais voluntários ou controlados e os processos espontâneos,

reflexos ou automáticos. Há, ainda, outras propostas no que tange à classificação da

atenção, tais como a divisão entre atenção externa, ou projetada para aspectos

exteriores ao indivíduo, e atenção interna, que está envolvida com os processos

mentais do indivíduo. Há, ainda, uma divisão entre atenção focal ou dispersa. No

entanto, a divisão ou classificação dos mecanismos atencionais adotada neste

trabalho é a relativa ao tipo de processamento envolvido, delimitando, assim, a

atenção seletiva, sustentada, alternada e dividida as quais serão apresentadas a

seguir.

A atenção seletiva refere-se à capacidade de emitir respostas a um estímulo

específico desconsiderando aqueles não relevantes, mantendo sobre este estímulo

específico uma orientação atencional focal. Com relação a tal habilidade, alguns

autores delimitam ainda os processos de busca de característica e busca de

conjunção. No primeiro processo, sujeitos são solicitados a encontrar um estímulo-

alvo que difere em apenas uma característica em relação aos distratores, o que torna

a tarefa relativamente fácil. Na busca de conjunção, no entanto, os estímulos-alvo

possuem duas ou mais características que os distinguem dos distratores, ou seja, o

indivíduo deve processar uma conjunção de características, o que torna a tarefa mais

complexa (CAPOVILLA e DIAS, 2008).

Ainda segundo Capovilla e Dias (2008) a atenção sustentada ou

vigilância refere-se à capacidade de manter o foco de atenção em um estímulo por

um período de tempo, e de detectar o aparecimento de um sinal ou um estímulo-alvo

de interesse quando este ocorrer esporadicamente e que exija imediata reação. Ou

seja, refere-se à capacidade do indivíduo em manter, sustentar por um período

prolongado de tempo a atenção seletiva sobre o estímulo. A atenção sustentada é

comumente e, às vezes leigamente, referida como 'concentração'.

A atenção alternada, por sua vez, refere-se à capacidade de substituir um

Page 18: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

18

estímulo-alvo da atenção por outro, por meio da investigação ativa no ambiente,

identificando particularidades em estímulos mediante as alterações. É uma função

complexa, pois depende da memória de trabalho e do controle inibitório.

Já a atenção dividida pode ser compreendida como a capacidade de dividir a

atenção entre vários estímulos ao mesmo tempo em duas ou mais tarefas

independentes, que exijam respostas rápidas, coordenando e executando as tarefas

simultâneas, por exemplo, a atenção dividida impõe o tratamento simultâneo de várias

informações. Apesar de a realização concomitante de dois processos controlados,

geralmente, refletir em rapidez e exatidão de execuções insatisfatórias, a execução

simultânea de duas tarefas pode ser otimizada se ao menos uma das tarefas

envolverem um processo automático.

Como é característica das funções mentais a atenção apresenta aspectos

inatos e aspectos que se desenvolvem após o nascimento.

É construída em duas vertentes, uma orgânica e outra psicológica, que se

retroalimentam podendo modificar-se durante toda a vida.

Podemos dizer que a atenção é uma função plástica moldada através de

processos sociais que tem o poder de atuar sobre a plasticidade do tecido nervoso,

modificando-o para que seja otimizada a sua possibilidade de atuação em resposta

aos processos sociais que solicitam a mobilização da atenção.

Nos primeiros meses de vida há um grande predomínio da atenção

involuntária, esta é atraída pelos estímulos mais poderosos ou biologicamente

significativos. Este tipo de atenção quando mobilizado leva a manifestações como

voltar os olhos em direção ao estímulo, parar outras formas de atividades irrelevantes

no momento.

A atenção voluntária vai sendo desenvolvida gradativamente, e a criança só

adquire uma atenção estável e socialmente organizada próxima à idade escolar.

A atenção desenvolve-se gradualmente e o ritmo de desenvolvimento é

diferente de uma criança para outra, sendo que as crianças com Déficit de Atenção

mostram uma capacidade para manter a atenção seletiva semelhante à de crianças

de idade inferior, e menor que de seus colegas de mesma idade e sem problemas de

aprendizagem.

Seguramente, é evidente a necessidade de uma avaliação mais completa e

pormenorizada do construto atenção, considerando seus diferentes tipos.

Analogamente, estas diferentes fontes atencionais podem seguir trajetos

Page 19: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

19

desenvolvimentais distintos e ter importância relativa diferencial sobre o desempenho

escolar de alunos no ensino fundamental.

No que tange à investigação do desenvolvimento das habilidades atencionais,

estudos têm evidenciado que o córtex pré-frontal, uma das diversas áreas envolvidas

nos processos da atenção, é uma das regiões corticais que atinge maturidade mais

tardiamente no ciclo da vida. Autores sugerem que, conforme estes circuitos

amadurecem, podem sustentar o desenvolvimento de novas capacidades cognitivas.

Segundo os mesmos autores, há evidências, ainda, de que o desenvolvimento

cognitivo observado durante a adolescência está relacionado principalmente a uma

maior capacidade de controle cognitivo, tal como a habilidade de selecionar estímulos

frente a distratores e inibir respostas desadaptativas (CAPOVILLA e DIAS, 2008).

De acordo com Bruno - Neto (2012b), em consonância com tantos outros

autores, as habilidades atencionais, em muitos dos seus aspectos, não são inatas,

elas são desenvolvidas concomitantemente com o desenvolvimento neuropsicomotor

da criança. Como é característica das funções mentais, a atenção apresenta aspectos

inatos e aspectos que se desenvolvem após o nascimento. É construída em duas

vertentes, uma orgânica e outra psicológica, que se retroalimentam positivamente

(feedback positivo) modificando-se durante toda a vida. É portando causa e

consequência do desenvolvimento do sistema nervoso. É causa porque a criança, a

partir das interações sociais, aprende a focalizar sua atenção, o que contribui para o

desenvolvimento dos circuitos neuronais que dão suporte biológico a essa função. É

consequência porque à medida que os circuitos neuronais vão sendo otimizados

aumenta-se a possibilidade de estar atento.

Essa característica da atenção é determinante da sua plasticidade. Podemos

assim dizer que a atenção é uma função plástica moldada através de processos

sociais que tem o poder de atuar sobre a plasticidade do tecido nervoso, modificando-

o para que seja otimizada a sua possibilidade de atuação em resposta aos processos

sociais que solicitam a mobilização da atenção (BRUNO-NETO, 2012b).

É sabido que o processo neuromaturacional do encéfalo tem uma progressão

póstero-anterior, ou seja, primeiro, mieliniza-se a região da visão, cuja janela

maturacional se abre próximo do nascimento e se fecha em torno dos dois anos de

idade. Por último, mielinizam-se as áreas anteriores. Por isso, do ponto de vista

neuroevolutivo, é aceitável certo nível de hiperatividade pura em crianças sem lesão

ou comprometimento neurológico até aproximadamente os quatro a cinco anos de

Page 20: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

20

idade, (grifo nosso) visto que a região pré-frontal, onde está o “freio motor” só completa

seu ciclo mielinogenético nessa faixa etária (LEFÈVRE, 1989).

2.1 CRONOBIOLOGIA

Enquanto uma prerrogativa da consciência, conforme discutido acima, a

atenção sofre variações, tanto circadianas quanto sazonais. As variações circadianas

se manifestando ao longo do ciclo claro-escuro de um dia e as sazonais em diferentes

épocas ao longo do ano. Essas variações são investigadas por uma área do

conhecimento chamada de Cronobiologia - Cronos, deus grego que controlava o

tempo.

A Cronobiologia é uma ciência relativamente recente, começou a se

desenvolver a partir de meados do século XX, estuda os fenômenos biológicos dos

seres vivos em função do tempo. No momento a Cronobiologia não está mais restrita

à comunidade científica especializada, já está inserida nos vários ramos das ciências

biológicas e na saúde. Sua importância pode ser avaliada em duas vertentes. Na

vertente das ciências básicas, em que a Cronobiologia tem contribuído para a

compreensão dos mecanismos básicos das respostas fisiológicas e comportamentais,

principalmente pela inclusão da dimensão temporal, fazendo com que esses

mecanismos básicos das respostas fisiológicas e comportamentais por uma óptica

dinâmica e não estática. A outra vertente é a aplicação dos conceitos cronobiológicos,

que têm sido aplicados principalmente na medicina e na psicologia (MARQUES e

ARAÚJO, 2001).

A Cronobiologia tem importantes implicações em todas as áreas da vida do

homem em sociedade ela pode ser aplicada na organização de atividades sociais,

escolares, em fábricas, hospitais e escritórios que necessitam de trabalhos em turnos.

Em relação às atividades escolares, verificam-se períodos de menor

desempenho intelectual das 08h00min às 09h30min e logo após o almoço ou início

da tarde. Por outro lado, o desempenho intelectual aumenta em torno das 11h30min

h e alcança um pico entre 15h00min e 17h00min, (CIPOLLA-NETO, MARQUES e

MENNA - BARRETO, 1988).

Page 21: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

21

Considerando-se as atividades das fábricas e hospitais, é importante

ressaltar a relação da inversão do horário de trabalho e suas nefastas consequências

para a saúde.

Essa inversão modifica a ordem biológica interna, os costumes sociais e as

relações familiares dos trabalhadores. Foi encontrado, em trabalhadores de turnos

alternantes um maior risco para doença coronária, provavelmente devido a maiores

níveis séricos de triglicérides e maior frequência de tabagismo entre esses

trabalhadores. Tais trabalhadores apresentam uma maior sonolência referida tanto

subjetivamente, como observada fisiologicamente a fatores fisiológicos circadianos.

Esta sonolência aumentada pode representar perigo para os trabalhadores e para a

sociedade podendo ser a responsável por vários acidentes de trabalho.

Com a relação à adaptação ao trabalho em turnos alternantes de acordo com

o sexo, sabe se que se mulheres experimentam mais distúrbios de sono do que os

homens e sofrem mais sonolência durante o trabalho, especialmente quando

trabalham em mudança de turno pela manhã. Além disso, consequentemente ou não,

sofrem mais de sintomas psiconeuróticos, digestivos e circulatórios do que seus

companheiros de trabalho de sexo masculino,

O planejamento de um sistema de turnos deve seguir algumas

recomendações: (1) o trabalho noturno deve ser reduzido o máximo possível, se não

for possível, deve-se dar preferência a sistemas com turnos mais alternantes para a

cada trabalhador do que a sistemas lentos (menos rotativos ou alternantes ) onde o

trabalhador acaba por adaptar seu relógio biológico pouco antes de ser trocado de

turno, sofrendo mais ainda com a troca.( 2) longos períodos de trabalho (9-12 horas )

devem ser evitados, a menos que a natureza do trabalho seja sutil; (3) início muito

cedo, pela manhã deve ser evitado, embora deva-se manter a flexibilidade

administrativa para permitir que os trabalhadores façam ajustes de preferências de

turno e (4) o número de dias de trabalho deve ser limitado a 5-7 dias antes de cada

folga e deve haver sempre alguns finais de semana com, pelo menos 2 dias livres.

No ponto de vista cronobiológico não se pode desconsiderar as

características individuais ( CIPOLA-NETO, 1988), a população é dividida em três

grandes grupos, sendo um matutino: indivíduos que acordam naturalmente entre

05:00 e 07:00 horas da manhã e em contra partida dormem também muito cedo, em

torno de 23:00 horas são cerca de 10 a 12% da população geral, ao grupo dois

pertencem os vespertinos: indivíduos que acordam naturalmente entre 12 e 14 horas

Page 22: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

22

e dormem por volta de 02:00 a 03:00 horas da manhã, pertencem a esse grupo

entorno de 8 a 10 % da população, esse grupo tem sua curva de ritmos endógenos

atrasada no ponto de vista dos matutinos. No último grupo temos grande parte da

população, são chamados de intermediários e podem ter seus horários adiantados

(comportando assim como um matutino) ou mesmo atrasados.

Ainda sob o ponto de vista cronobiológico, existem dois tipos de indivíduo

quanto ao sono, sendo o primeiro pequeno dormidor, onde precisam cerca de 5h30 e

6h 30 de sono em quanto o segundo grupo, grandes dormidores possui a necessidade

de dormir de 8h30 a 9h30 (CIPOLA-NETO; MARQUES; MENNA - BARRETO, 1988).

Miranda Neto e Iwanko (1997) mostram outra variação para o tempo de sono em um

indivíduo adulto, sendo esse dividido em três grupos: os pequenos dormidores, que

tem a necessidade de sono de 5 a 6 horas, os médios dormidores onde esse tempo

de sono é de 7 a 9 horas, os grandes dormidores que precisam dormir de 10 a 12

horas diárias. Com isso, o autor afirma que não se pode dizer que um determinado

indivíduo está em privação de sono olhando apenas para a média da população e sim

o que é o normal essa pessoa, olhando por exemplo, quando ela dorme normalmente.

Devido ao cronotipo, a imposição de um horário de trabalho ou escolar único

afeta de maneira distinta as pessoas. Para algumas pessoas, o horário acerta “em

cheio” as preferências individuais e tende a ser bem assimilado.

Para outras pessoas, o ajuste necessário exige um enorme esforço do

organismo, sendo que, muitas vezes, a adaptação não é possível. Não precisamos ir

longe para constatar que nossa organização social privilegia os indivíduos matutinos,

que, consequentemente, são considerados mais trabalhadores menos preguiçosos.

Isso obviamente não passa de um preconceito (MARQUES e MENNA- BARRETO,

1997).

A sonolência é a consequência mais direta da privação do sono.

Na criança e no adolescente, manifesta-se na dificuldade em levantar no

horário para a escola e no sono durante as aulas (LOUZADA e MENNA - BARRETO,

2007).

Sensação de fadiga é outro sintoma da privação de sono e inclui mudanças na

motivação, principalmente para o início de atividades com objetivos abstratos ou de

longo prazo. Além disso, provoca a diminuição da persistência para atividades em

andamento (MARQUES e MENNA- BARRETO, 1997).

Page 23: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

23

Alguns autores descrevem efeitos bidirecionais entre problemas

comportamentais e privação de sono. A privação de sono pode ter um efeito negativo

sobre o humor e o comportamento, o que leva a dificuldades comportamentais que

desencadeiam novos problemas de sono. Alguns autores relacionam esta espiral à

evasão escolar e a problemas psiquiátricos. Diante de uma situação frustrante, um

adolescente privado de sono torna-se mais facilmente bravo ou agressivo. As

primeiras mudanças emocionais sugerem uma redução nas habilidades de controlar,

inibir ou modificar respostas emocionais que as tornem mais adequadas aos objetivos

estabelecidos, as regras sociais ao a princípios aprendidos.

A privação de sono também provoca mudanças na atenção e no desempenho.

A privação de sono está associada aos lapsos de atenção durante atividades simples.

Pode ainda mimetizar ou exacerbar sintomas de hiperatividade que incluem

desatenção, impulsividade e dificuldade no controle das respostas emocionais.

Aumentos de atividades podem configurar a expressão mais evidente de aumento de

sono em crianças pequenas: a chamada “hiperatividade” associada a deficiência de

atenção, fato que nos ajuda a compreender a preocupação crescente com esse tipo

de distúrbio na infância (MARQUES e MENNA - BARRETO, 1997).

A privação total de sono mata um animal em aproximadamente o mesmo tempo

que a privação total de comida. A privação parcial de sono pode ter consequências

sérias a saúde, assim como uma alimentação inadequada. Por esse motivo, se a

preocupação da escola, os hábitos alimentares dos alunos, com a qualidade de sua

cantina e com o incentivo ou consumo de alimentos mais saudáveis é plenamente

justificada, deveríamos pensar da mesma forma em relação aos hábitos de sono dos

alunos. Essa preocupação deveria, portanto estar presente na proposta pedagógica

das escolas.

Poderíamos levantar duas razões pelas quais a preocupação com os hábitos

de sono ainda não faz parte da cultura da maioria das escolas. A primeira delas é que

a neurociência do sono é área nova. Muitos conhecimentos só agora começaram a

ser incorporados à prática médica, com o surgimento de especialistas em sono e a

criação de laboratórios de sono, onde podemos passar a noite investigando possíveis

distúrbios de sono. Vivemos por assim dizer no “império dos preconceitos” nessa área,

com consequências no mínimo desastrosas como as pechas de dorminhoco, agitado,

vagabundo, etc. (LOUZADA e MENNA - BARRETO, 2007). Tudo indica que passar

uma noite em claro é a última coisa que devemos fazer se não quisermos esquecer o

Page 24: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

24

que aprendemos durante o dia. Em outras palavras, uma noite mal dormida, além de

alterar a nossa capacidade de aprender no dia seguinte, também afeta a consolidação

do que aprendemos no dia anterior. Em lugar de aprender dormindo, talvez a frase

mais correta, e que tem sido utilizada pelos pesquisadores da área, seja dormir para

aprender (LOUZADA e MENNA - BARRETO, 2007)

A adoção de horários de início das aulas mais flexíveis, com turmas que

começam e terminam mais cedo e outras com início e termino das aulas mais tardio,

nos parece a melhor solução. Em tempos de revolução mais relações de trabalho,

com adoção de jornadas flexíveis em que setores de produção e serviços, a escola

deve também enfrentar esse desafio. Novos espaços têm sido criados, aplicando o

conceito de sala de aula e dando novo sentido ao aprendizado. Essas novas

concepções também exigem a adoção de um novo tempo, que seja mais flexível, que

respeite as características temporais de casa aluno ou que no mínimo, evite privações

de sono para maioria.

Vários argumentos sustentam essa proposta da flexibilização dos horários

escolares, desde aqueles mais evidentes, ligados ao processo de aprendizagem e

memória, até os mais sutis como o papel da escola como espaço despido de

preconceitos para reconhecimento das necessidades do corpo. Por outro lado, na

nossa experiência, a resistência às propostas de mudanças de horários articula-se a

partir de conveniências de indivíduos, de pais e professores (LOUZADA e MENNA -

BARRETO, 2007).

Um momento que merece atenção é o das transições, principalmente a do

quinto para o sexto ano e o do nono ano do Ensino Fundamental para o primeiro ano

do ensino médio. Além dos desafios de enfrentar novas disciplinas e professores

muitas vezes acompanhados de aumento das exigências acadêmicas, há o desafio

temporal.

Enquanto a puberdade atrasa a expressão da ritmicidade biológica, nessas

situações os alunos tem de adiantar os ritmos, como se estivessem andando na contra

mão, contrariando a tendência característica dessa etapa do desenvolvimento. No

caso de entrada para o sexto ano, em muitas escolas essa transição é ainda mais

brusca. Significa a passagem do turno vespertino, no quinto ano, para o matutino, no

sexto ano (LOUZADA e MENNA - BARRETO, 2007).

Essa irregularidade dos horários de sono é um dos fatores que aumenta a

sonolência diurna observada nesses alunos. Escola e família devem avaliar o custo

Page 25: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

25

benefício da “troca” que está sendo feita, entre o sono e as outras atividades. Não há

dúvida que no caso de alunos vespertinos e grandes dormidores, aulas no turno

vespertino seriam mais produtivas, mesmo que causassem a sensação de que o dia

ficou mais curto.

Estudo realizado com alunos da escola de aplicação da Universidade de São

Paulo mostrou que há uma perda de aproximadamente uma hora de sono nesses

alunos após a transição do horário da tarde para o horário da manhã. Com redução

da duração média de sono não é uma tendência ontogenética, isso significa que esses

alunos estarão privados de sono. Alguns alunos conseguem ajustar seus ritmos após

algumas semanas adiantando seus horários de dormir e acordar.

Outros alunos com maiores tendências a vespertinidade, poderão sofrer os

efeitos durante meses, pois nessa idade o desenvolvimento puberal exacerba o atraso

de fase, (LOUZADA e MENNA - BARRETO, 2007).

Um dos grandes problemas da vespertinidade é que o sujeito vai deitar-se

muito tarde pois o metabolismo do hormônio que dispara o gatilho para dormir sofre

uma defasagem no momento de sua produção. Por outro lado, estes sujeitos

geralmente são alunos das últimas séries do ensino fundamental ou do médio que, na

maioria das escolas, só oferece turno diurno no período da manhã.

O resultado já é bem conhecido: uma verdadeira batalha doméstica para retirar

o adolescente vespertino da cama e outra batalha na escola para mantê-lo acordado.

Na verdade, estes alunos vão para a escola quando ainda deveriam estar dormindo,

pois, se a sua noite de sono iniciou-se às duas horas às seis horas da manhã, ele está

começando a segunda metade que deveria estender-se até as 10 ou 11 horas.

Nesta fase, iria ocorrer a intensificação do sono REM (rapid eye movement -

movimento rápido dos olhos) e os processos de consolidação da memória, além da

importante testagem das vivências através do processamento onírico (sonho). No

entanto, o aluno tem seu sono interrompido para ir à escola, pois existe uma crença

generalista de que pela manhã a aprendizagem se processa com maior facilidade.

Esta crença não chega a ser errada. O que está incorreto é o conceito de

manhã. É preciso diferenciar a manhã ambiental marcada pelo surgimento do sol, da

manhã hipotética, de cunho biológico, que ocorre no organismo de cada indivíduo.

Para os sujeitos matutinos a manhã biológica coincide com a ambiental

enquanto para os vespertinos isso não ocorre, pois a manhã ambiental ocorre

enquanto eles ainda se encontram na segunda metade da noite de sono. A

Page 26: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

26

aprendizagem não depende apenas dos recursos de ensino, nem apenas do

professor, mais também de muitas outras variáveis [...] sem falar nas condições dos

educandos (LOUZADA e MENNA - BARRETO, 2007).

Page 27: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

27

3. TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE - TDAH

Conforme já amplamente discutido, a atenção é uma função psíquica que nos

permite manter a vigilância em relação ao que acontece ao nosso redor, selecionar os

estímulos mais importantes em dado momento e colocá-los no centro de nossa

consciência através do processo de focalização da atenção. Dentre os diversos

problemas que podem comprometer a atenção e as demais funções a ela

relacionadas está o Transtorno de Déficit De Atenção/Hiperatividade - TDAH.

Em sua última revisão o chamado “DSM”, Manual de Estatística e Diagnóstico

da Associação Americana de Psiquiatra, teve a sua quinta edição lançada no

congresso de psiquiatria, ocorrido em São Francisco, em maio de 2013 (ARAUJO e

LOTUFO NETO, 2014). Nele estão descritos os critérios para se diagnosticar com

segurança, sob a perspectiva dos novos estudos sobre a caracterização do TDAH.

O seu planejamento começou muitos anos antes, em 1999, quando uma série

de colaborações delineou as questões que precisavam ser mais bem esclarecidas na

então vigente quarta edição, DSM-IV, sempre através de pesquisas científicas. Uma

segunda fase, entre 2003 e 2008, compreendeu 13 conferências internacionais com

os maiores especialistas de cada uma das diferentes áreas (transtornos infantis,

transtornos de ansiedade, dependência de drogas, doenças degenerativas, etc.),

incluindo o TDAH. A confecção do DSM-V envolveu os chamados Grupos de

Trabalho, Grupos de Estudo e as chamadas Forças-Tarefa, a quem coube a maior

parte da revisão dos critérios diagnósticos que constituem o manual. Parte do trabalho

realizado por todos estes pesquisadores será utilizada na confecção da CID-11, a

futura versão da Classificação Internacional de Doenças proposta pela Organização

Mundial da Saúde (OMS), que é a referência oficial para diagnósticos na maioria dos

países do mundo, incluindo o Brasil. O Professor Luis Rohde, da Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, fez parte da equipe responsável pelo TDAH. Cerca de 300

consultores internacionais foram ouvidos, além de milhares de comentários postados

no site por médicos especialistas e não especialistas, pacientes e familiares, além das

associações de pacientes.

Alguns diagnósticos psiquiátricos pouco ou nada mudaram na quinta edição,

outros se modificaram de modo significativo; alguns diagnósticos novos foram

propostos e outros foram abandonados. No caso do TDAH, foram efetuadas algumas

modificações pontuais.

Page 28: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

28

A lista de 18 sintomas, sendo 9 de desatenção, 6 de hiperatividade e 3 de

impulsividade (estes dois últimos computados conjuntamente) permaneceu a mesma

que na edição anterior. O ponto-de-corte para o diagnóstico, isto é, o número de

sintomas acima do qual se faz o diagnóstico, também permaneceu o mesmo (6

sintomas de desatenção e/ou 6 sintomas de hiperatividade-impulsividade). No caso

de adultos, este número passou para 5 sintomas, o que é um novo critério. A lista de

sintomas de desatenção e hiperatividade-impulsividade compreende o critério A.

Todos estes sintomas, para serem considerados clinicamente significativos, devem

estar presentes pelo menos durante 6 meses e serem nitidamente inconsistentes com

a idade do indivíduo (ou seja, ser muito mais desatento ou inquieto do que o esperado

para uma determinada idade).

A necessidade de haver comprometimento em pelo menos duas áreas

diferentes (casa e escola, por exemplo), critério C, permaneceu como antes. A

necessidade de haver claro comprometimento na vida acadêmica, social, profissional,

etc. (critério D), também permaneceu idêntica.

O critério E se modificou em relação à DSM-IV. Antes, não era possível fazer o

diagnóstico de TDAH caso houvesse um quadro de Autismo, o que agora é possível.

Entretanto, permanecem as exigências de os sintomas não ocorrerem exclusivamente

durante outro quadro (esquizofrenia, por exemplo) e não serem mais bem explicados

por outro transtorno (ansiedade e depressão, por exemplo).

O critério B, que determina a idade de início dos sintomas, também se

modificou. Anteriormente, era necessário demonstrar que os sintomas estivessem

presentes antes dos 7 anos de idade, o que era particularmente difícil no caso de

adultos com TDAH que geralmente tem dificuldade para lembrar-se deste período e

cujos pais já são mais velhos. O limite de idade foi modificado para 12 anos, algo que

alguns grupos de pesquisa já vinham fazendo anteriormente.

Os “subtipos” foram retirados do manual; ao invés disso, optou-se pelo

emprego do termo “apresentação”, denotando que o perfil de sintomas atuais pode se

modificar com o tempo (o que é bastante comum). O termo “subtipo” favorecia uma

interpretação errada que aquela era uma “subcategoria” estável, fixa, do TDAH. As

apresentações mantem as mesmas “divisões” que os antigos subtipos: com

predomínio de desatenção, com predomínio de hiperatividade-impulsividade e

apresentação combinada.

Page 29: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

29

O novo DSM-5 traz a opção de TDAH com Remissão Parcial, que deve ser

empregado naqueles casos onde houve diagnóstico pleno de TDAH anteriormente

(isto é, de acordo com todos os critérios), porém com um menor número de sintomas

atuais.

Uma última novidade desta quinta edição é a possibilidade de se classificar o

TDAH em Leve, Moderado e Grave, de acordo com o grau de comprometimento que

os sintomas causam na vida do indivíduo.

A DSM-V recebeu algumas críticas por parte da imprensa e de alguns

pesquisadores, porém nenhuma das críticas apresentadas com relação ao

diagnóstico de TDAH foi fundamentada em resultado de pesquisa científica, mas sim

em meras “opiniões pessoais”, algo que é obviamente inaceitável nos tempos

modernos. Cabe ressaltar que o uso do DSM-V tem como maior benefício padronizar

diagnósticos clínicos (mesmo que de modo imperfeito), diminuindo a variabilidade que

ocorreria caso cada pesquisador tivesse sua “opinião pessoal” sobre o assunto. Não

seria possível, por exemplo, comparar os resultados de um tratamento realizado por

uma equipe X com aqueles realizados por outra equipe Y, se cada uma delas chamar

de “TDAH” um quadro clínico muito diferente. Por fim, é importante dizer que os

critérios do sistema DSM-V devem ser investigados por um profissional com

experiência clínica. Por motivos óbvios, não é possível fazer um diagnóstico definitivo

conhecendo apenas a lista de sintomas que caracteriza uma determinada doença

(ARAUJO e LOTUFO NETO, 2014).

Esse transtorno, segundo Rohde e Benczik (1999), é um problema de saúde

mental que tem três características básicas: a desatenção; a agitação (ou

hiperatividade) e a impulsividade. Pesquisas têm demonstrado que no Brasil de 3 a

6% da população com idade entre 7 e 14 anos apresentam TDAH numa proporção de

dois meninos para cada menina.

A pessoa com TDAH mantém-se sempre vigilante sendo sua atenção atraída

por estímulos novos na maioria das vezes irrelevantes o que compromete sua

capacidade de concentrar-se e prestar atenção no que lhe está sendo apresentado

sem distrair-se.

A capacidade de direcionar e manter a atenção focalizada, ou seja de

concentrar-se, é fundamental para o direcionamento de nossas ações conscientes

quer seja para a elaboração de uma atividade mental ou para o adequado

desempenho de ações de natureza sensório motoras em que se busca compreender

Page 30: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

30

e apreender com o que está ao nosso redor, ao mesmo tempo em que refletimos e

agimos de maneira adequada em diferentes situações.

Essa capacidade não é inata ela vai sendo gradativamente desenvolvida no

decorrer dos anos, somente por volta dos 15 anos de idade é que a atenção voluntária

com suas características de focalização e tenacidade estará completamente

desenvolvida. Espera-se entretanto que por volta dos cinco a sete anos de idade a

criança já seja capaz de eliminar os estímulos irrelevantes e manter sua atenção

voltada a um objetivo por períodos relativamente longos e que seja capaz de manter

um certo controle sobre as suas emoções e seu nível de atividades motoras.

Geralmente antes dos sete anos as crianças são bastante ativas o que torna difícil a

diferenciação se padrões intensos de atividade são parte do desenvolvimento normal

ou do TDAH.

A desatenção, a agitação psicomotora, a instabilidade afetiva, a impulsividade

e o baixo limiar de frustração comprometem as relações da criança em casa, na escola

e nos mais variados ambientes. Todavia é importante lembrar que crianças hiperativas

apresentam uma exacerbação de comportamentos ou dificuldades que são comuns

na infância de qualquer criança.

Desde a sua descrição clínica, oficialmente aceita, pelo pediatra George Still

em 1902, o transtorno do déficit de atenção vem sendo periodicamente reavaliado

enquanto denominação, enquanto definição, enquanto mecanismos promotores e

enquanto consequências.

Bruno-Neto (2012b) faz uma revisão concisa dos prováveis mecanismos

comprometidos nas manifestações características do transtorno de déficit de atenção.

Segundo o autor, citando Riccioet al. (2000), embora o enfoque seja a atenção

sustentada, ela é bem mais ampla, diversa e complexa. As habilidades relacionadas

à atenção envolvem a concentração, o esforço mental, a manutenção do estado de

observação ou alerta e a capacidade de focalizar, ignorar estímulos distratores ou

irrelevantes e modificar o alvo da atenção quando necessário. A atenção, portanto,

não é um processo único, envolve subcomponentes ou aspectos: Atenção focalizada;

atenção sustentada; atenção seletiva e atenção alternada.

Vários desses componentes apresentam sobreposição entre si e com outras

habilidades cognitivas, como por exemplo memória operacional (LEZAK, 2004). Do

ponto de vista neurobiológico percebe-se que existem diferentes sistemas atencionais

que operariam em conjunto para o desempenho dos diferentes tipos de atenção, e

Page 31: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

31

consequentemente, envolvidos nos prejuízos característicos do TDAH.

Esses sistemas seriam, basicamente, o sistema voluntário anterior de

atenção, envolvendo a estrutura límbica circuito cingulado anterior – um sistema que

parece ser predominantemente dopaminérgico. Esse sistema está relacionado aos

componentes atencionais que envolvem controle e esforço deliberado.

O sistema automático posterior da atenção, por sua vez, é um sistema

envolvendo o córtex parietal superior, o núcleo pulvinar do tálamo e colículos

superiores – um sistema que seria predominantemente noradrenérgico. Os

componentes automáticos estão relacionados às reações reflexas e adaptativas aos

estímulos do ambiente.

Finalmente, um sistema de vigilância englobando o locusceruleus, sistema

colinérgico, núcleos basais, núcleo intralaminar do tálamo e córtex pré-frontal direito

(HUANG-POLLICK et al., 2007). Esse sistema é que faz a mediação da sustentação

atencional e a manutenção do estado de alerta.

Todos esses sistemas envolvem diferentes sistemas neurotransmissores,

porém o fator central é a existência de alteração nos mecanismos das catecolaminas

– grupo de neurotransmissores envolvendo a Dopamina e Noradrenalina.

Os transtornos de déficit de atenção formam um conjunto de subtipos que

envolvem diferentes comprometimentos dos sistemas atencionais descritos acima. De

tal forma que no dia-a-dia as pessoas com TDAH vivem uma série de prejuízos como

dificuldades de manter tarefas até sua conclusão, baixa tolerância a tarefas tediosas,

esquecimentos, dificuldade de focalizar a atenção em diálogos (o que você disse

mesmo?) e emissão de comportamentos fora do contexto da atividade em curso – um

dos principais problemas a chamar a atenção de educadores e cuidadores.

Os indivíduos do tipo desatento teriam maior comprometimento dos sistemas

de controle da atenção focalizada e seletiva – o sistema voluntário anterior da atenção.

Já os indivíduos do tipo combinado e hiperativo teriam suas dificuldades relacionadas

à atenção sustentada – muito provavelmente envolvendo sistemas acima descritos

como sistema de vigilância.

Os déficits nas funções executivas são os mais facilmente identificados no

ambiente escolar e tem sido verificado de forma consistente nos indivíduos com TDAH

independentemente da faixa etária (WILLCUTT et al., 2005). Esses déficits estão

diretamente relacionados às habilidades de controle inibitório, memória operacional,

flexibilidade cognitiva, tomada de decisões e fluência verbal.

Page 32: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

32

As dificuldades no controle inibitório (alteração da modulação dopaminérgica)

é um sintoma central do TDAH predominantemente hiperativo e combinado

(BARKLEY, 1997), uma vez que essas falhas acabam comprometendo a memória

operacional (de trabalho, já discutida), a internalização do discurso, a autorregulação

comportamental e a análise e síntese do comportamento (capacidade de

replanejamento).

Essas dificuldades seriam responsáveis pelo aumento da impulsividade

motora do indivíduo com TDAH – eis aqui o grande motivo de queixa de

comportamento do aluno por parte do professor.

Além disso, para complicar ainda mais a interação sócio educacional desse

indivíduo, a impulsividade não tem de ser essencialmente motora, ela pode ser

definida e manifesta como intolerância à frustração, incapacidade de adiar

gratificação, capacidade reduzida de reflexão e precipitação ao ato ou desejo de

experimentação, busca por novidades ou necessidade de manter um alto nível de

estimulação (FUENTES et al., 2008).

Finalmente outro aspecto importante fortemente comprometido no indivíduo

com TDAH, e que precede muitos dos aspectos já discutidos, é vivência temporal

(YANG et al., 2007). A vivência subjetiva do tempo é uma habilidade que nos permite

planejar, predizer, antecipar e responder eficientemente aos eventos atuais e aos que

estão por acontecer. Esse tipo de dificuldade levam os indivíduos com TDAH,

independentemente da faixa etária (mais uma vez) a terem dificuldades em

estabelecer prioridades, cumprir prazos, concluir tarefas e levar em consideração as

consequências de longo prazo de suas atitudes.

Olhando para o indivíduo sabidamente e comprovadamente com o TDAH,

acredita-se que essas dificuldades estariam relacionadas com a memória operacional

e com o controle inibitório.

Ainda Rohde e Benczik (1999) lembram que algumas características comuns

em pessoas com o TDAH, como a alta carga emocional e de energia colocada nas

suas ações, a espontaneidade e a criatividade, podem representar vantagens em

ambientes que requerem menor estruturação, como em algumas atividades do meio

artístico.

Page 33: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

33

3.1 PROBLEMAS NO DIAGNÓSTICO

A diversidade de sintomas aliada à presença de comorbidades e às flutuações

atencionais promovidas pelas características cronobiológicas de cada indivíduo,

conforme discussão acima fica fácil chegar a conclusões apressadas de falsos

diagnósticos e fica difícil a obtenção de um diagnóstico seguro.

Segundo Larroca e Domingos (2012), apesar da relevância do transtorno de

déficit de atenção, seu diagnóstico é controverso devido, em grande parte, à variância

nas taxas de prevalência encontradas. Estudos mostram índices variando de 1 a 26%

(AMARAL & GUERREIRO, 2001; BROWN & COLS., 2001; HERNÁNDEZ, 2007;

GRAEFF e VAZ, 2008). A revisão realizada por Rohde e Halpern (2004) demonstrou

que a tendência de prevalência nos estudos que utilizam os critérios plenos do DSM-

IV é ao redor de 3% a 6% da população. O caráter subjetivo dos critérios estabelecidos

pelo Manual de Diagnóstico e Estatística de Desordens Mentais – DSM-IV (APA,

1994) e diferenças metodológicas - tipo de amostra, delineamento, fonte de

informação, idade e critérios utilizados - são responsáveis pelas discrepâncias nas

taxas de prevalência observadas em diversas pesquisas (SOUZA, SERRA-

PINHEIRO, FORTES, & PINNA, 2007; VASCONCELOS et al., 2003).

As discrepâncias e suposta falta de critério científico dos sintomas do transtorno

alimentam o questionamento de uma corrente de pensamento que se opõe à sua

existência. A patologia da atenção, segundo esses teóricos, é definida não em termos

qualitativos, mas temporais e de intensidade – uma questão quantitativa. Aponta-se

essa espécie de diagnóstico como uma obscura tendência a distinguir o normal e o

anormal, sendo este último o indivíduo que difere do “normal” apenas por estar um

passo atrás no desenvolvimento de suas capacidades. O diagnóstico do TDAH seria,

portanto, não um fato médico e científico, mas um construto baseado na mistura de

expectativas pessoais, sociais, morais e econômicas (LARROCA e DOMINGOS,

2012).

Assim, embora a controvérsia sobre a existência do TDAH permaneça em

debate, existem evidências amplamente investigadas, de que se trata, de fato, de uma

disfunção da neurotransmissão dopaminérgica na área frontal, regiões subcorticais e

região límbica cerebral, evidenciada através de estudos científicos, apoiados por

evidências neurológicas e estudos genéticos. Permanece, no entanto, o debate a

respeito da falta de critério científico objetivo para seu diagnóstico.

Page 34: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

34

Mesmo considerando-se que o TDAH é um transtorno multifatorial de base

neurobiológica, a ausência de uma bateria fixa de testes para avaliação, mas um

roteiro do DSM-IV (agora revisto pelo DSM-V) que apresenta elementos basicamente

comportamentais e passíveis de julgamento subjetivo (AMARAL & GUERREIRO,

2001; CIASCA et al., 2007; SOUZA & INGBERMAN, 2000;), associado à inexistência

de comprovação através da realização de testes físicos, neurológicos ou psicológicos

(GRAEFF & VAZ, 2008), acirra a polêmica sobre o seu diagnóstico. Segundo

Hernández (2007), não existe nenhum marcador biológico que permita efetuar com

certeza o diagnóstico de TDAH. O diagnóstico de TDAH torna-se um desafio – ou uma

“armadilha” – com o risco de erros, falso positivo ou “overdiagnóstico” (ROHDE,

MIGUEL FILHO, BENTTI, GALLOIS, & KIELING, 2004; THAPAR & THAPAR, 2003).

Os critérios do DSM-IV (ainda mais utilizado do que o DSM-V) também não levam em

consideração diferenças comportamentais normais da conduta infantil ou típicas de

gêneros diferentes.

Os sintomas que definem o transtorno (desatenção, impulsividade e

hiperatividade) não constituem uma descrição médica clara e unificada, mas são

traços comuns da natureza humana, que se tornariam patológicos não devido a uma

mudança qualitativa, mas temporal e de intensidade, julgamento esse que extrapolaria

o campo científico para inserir-se em questões sociais e morais (CALIMAN, 2008).

Segundo Hernández (2007), são imprescindíveis a presença adicional de outros

critérios, sem os quais não se pode diagnosticar uma criança com TDAH: impedimento

funcional, presença dos sintomas em dois ou mais ambientes diferentes, conduta que

afeta negativamente sua adaptação social, escola ou outros ambientes.

Uma pesquisa divulgada na Alemanha por ocasião do Congresso Mundial de

TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) em 2011 revela que quase

75% das crianças e adolescentes brasileiros que tomam remédios para déficit de

atenção não cumprem os critérios diagnósticos para essa condição clínica (TEIXEIRA,

2011).

A pesquisa envolveu quase seis mil crianças e adolescentes de 16 Estados do

Brasil e Distrito Federal com idades entre quatro e 18 anos. Os pais e professores das

crianças responderam a um questionário baseado nos critérios diagnósticos para o

TDAH do DSM-IV (manual americano de diagnóstico de transtornos mentais). Apenas

23,7% das 459 crianças que haviam sido diagnosticadas com déficit de atenção

Page 35: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

35

realmente tinham o transtorno, segundo os critérios do manual. Das 128 que tomavam

remédios para tratá-lo, apenas 27,3% cumpriam os critérios diagnósticos para TDAH.

A dificuldade diagnóstica do TDAH não é um problema restrito ao Brasil. Já no

ano de 1993, uma pesquisa já apontava que mais de 70% das crianças encaminhadas

para uma clínica especializada em TDAH nos EUA não apresentavam esse

diagnóstico.

O TDAH é uma condição geneticamente herdada que se caracteriza por

sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. O problema acomete entre 6 e

8% das crianças em todo o mundo e até 60% delas continuarão a apresentar os

sintomas durante a adolescência e idade adulta. A abordagem clínica costuma ser

complexa, já que a maioria das pessoas acometidas apresenta outras comorbidades

do sistema psíquico, como é o caso de ansiedade, depressão e uso de drogas.

Teixeira (2011) afirma acreditar que o TDAH esteja lado a lado com a

depressão como exemplos típicos de um fenômeno de nossa sociedade

contemporânea chamado de medicalização da experiência humana. Qualquer

experiência de tristeza ou de perda de foco nos estudos ou no trabalho são

frequentemente interpretadas de forma errônea por aqueles que têm os sintomas,

pelos que interagem com eles (inclui-se aí os professores) e mesmo pelos médicos,

como se fosse um diagnóstico de depressão ou TDAH. Não se está dizendo que esses

diagnósticos não existam. Pelo contrário. São dois dos diagnósticos mais prevalentes

na área de saúde mental, que precisam de tratamento, e quando se pensa em saúde

pública, certamente tem muito mais indivíduos não diagnosticados do que “super-

diagnosticados”.

Teixeira (2011) é enfático ao afirmar que não é exagero falar que o TDAH seja

hoje o diagnóstico da moda. Já virou até gíria. As pessoas chamam a atenção uma

das outras quando há uma falha de atenção com expressões do tipo: hoje você está

muito TDA! Hillary Clinton no ano 2000 manifestou oficialmente sua preocupação com

excessos no diagnóstico de TDAH. A rede CNN fez uma enquete online no ano 2002

e 76% daqueles que responderam acreditavam que existia um exagero no diagnóstico

de TDAH.

Ainda segundo Teixeira (2011), recentemente a coordenadora de uma das

principais escolas de Brasília, através de uma comunicação pessoal, que revelou que

quase metade das crianças da escola já recebeu o diagnóstico. Mesmo que seja 20%

e não 50%, já seria muito alto. Durante uma aula de educação física, uma professora

Page 36: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

36

dessa escola chamou a atenção de um aluno para seguir sua orientação e a resposta

foi desconcertante: “Professora, não peça isso para mim. Sou TDAH” (TEIXEIRA,

2011).

3.2 RELAÇÃO CRONOBIOLOGIA/ATENÇÃO E TDAH

O planejamento das atividades escolares pode (e deve) ser visto por um prisma

cronobiológico. Isso significa organizar atividades de modo a contemplar momentos

de maior ou menor rendimento nas tarefas escolares, seja do ponto de vista dos

alunos quanto dos professores (MENNA - BARRETO, 1997). O custo orgânico e

comportamental de uma tarefa escolar não é o mesmo nas diferentes horas do dia e

modificações e programas, levando em consideração esse fator, tem sido testada com

sucesso. Segue ainda MENNA - BARRETO (1997), talvez, um exemplo de uma

idiossincrasia cronobiológica bem comum nas nossas escolas possa servir como

ilustração desse ramo de aplicação da cronobiologia.

Continuando MENNA - BARRETO (1997) trata-se do fenômeno de mudança

de horários escolares da tarde para a manhã quando as crianças atingem a quinta

série do primeiro grau. Além do impacto do aumento do número de professores e

matérias, as crianças passam a acordar bem cedo para começar as aulas às 7 ou

7:30 horas da manhã, quando estavam acostumadas a entrar na escola às 13:00h.

Acontece que nessa faixa etária (10 a 12 anos) há evidências de uma modificação

dos hábitos diários para horários um pouco mais tardios, aumentando, portanto, o

custo da mudança para essas crianças; nesse caso a recomendação cronobiológica

seria alterar os horários no sentido inverso, da manhã para a tarde.

Dessa forma fica fácil ao professor, ao avaliar o comportamento e a postura do

aluno que faz essa inversão, como portador de um transtorno de déficit de atenção

onde o seu comportamento tanto pode ser de desatenção quanto de hiperatividade.

Page 37: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

37

4. CONCLUSÕES

Conforme discutido anteriormente, existe um excesso de diagnóstico indevido

de TDAH. O maior problema resido no fato que envolve exatamente o sistema

atencional da pessoa e como amplamente investigado e discutido na cronobiologia,

sempre que não se respeita o ritmo cronobiológico da pessoa, o sistema atencional é

o primeiro a sofrer prejuízo e, por consequência surge a possibilidade do falso

diagnóstico emitido por pais e professores.

Se isso não bastasse, algo bastante preocupante, é que discute-se muito que

por trás de um suposto excesso de diagnósticos de TDAH exista uma cultura de

medicalização impulsionada pela indústria farmacêutica. No caso das crianças, essa

cultura tem outros fortes atores que são os pais e professores. Chega-se a provocar

que um rótulo diagnóstico pode ser conveniente para pais e professores que tem filhos

e alunos com problemas de comportamento. Já ouvi até mesmo um professor

hipotetizar que algumas escolas podem orientar o professor a solicitar pareceres

médicos estrategicamente exagerados, por interesses institucionais competitivos.

Mais adolescentes usando medicações levando a maiores índices de aprovação no

vestibular do colégio tal? Que assunto complicado! A sociologia tem muito a colaborar

afirma Teixeira (2011).

Muitas ideias e suposições. Entretanto, essa pesquisa traz uma grande

contribuição ao sugerir que as crianças e adolescentes brasileiras estão recebendo

mais diagnósticos de TDAH do que deveriam.

Portanto, fica o alerta para nossos educadores quando se sentem propensos a

rapidamente diagnosticar e acabar estigmatizando o aluno.

Page 38: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

38

REFERÊNCIAS

AMARAL, A. H., & GUERREIRO, M. M. Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade – proposta de avaliação neuropsicológica para diagnóstico. Revista Arquivos de Neuropsiquiatria, 59(4), 884-888, 2001.

American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, (4a ed.). Washington, DC: Autor, 1994.

ARAÚJO, A. C. e LOTUFO NETO, F. A Nova Classificação Americana Para os Transtornos Mentais – o DSM-5. Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Vol. XVI, no. 1, p. 67 – 82, 2014.

BARKLEY, R. A., ADHD and the nature of self-control. New York: Guilford, 1997.

BEAR, M. F.; CONNORS, B. W; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.

BRANDÃO, M. L. (Org). Psicofisiologia. São Paulo: Atheneu, 1995.

BROWN, R. T., FREEMAN, W. S., PERRIN, J. M., STEIN, M. T., AMLER, R. W., FELDMAN, H.M., PIERCE, K., & WOLRAICH, M. L. Prevalence and Assessment of Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder in Primary Care Settings. Pediatrics, 107(e), 43, 2001.

BRUNO-NETO, R. (Coord.). Apostila, curso de pós-graduação lato sensu Neuropedagogia, ESAP, Londrina-PR, 2012.

BRUNO-NETO, R. Neurofisiologia da atenção. in: YAEGASHI, S. F. R. (Org) A Psicopedagogia e suas interfaces- reflexões sobre a atuação do Psicopedagogo. CRV, Curitiba, 2012.

CALIMAN, L. V. O TDAH: entre as funções, disfunções e otimização da atenção. Psicologia em Estudo, 13(3), 559-566, 2008.

CAMPOS-CASTELLÓ, J. Evaluación neurológica de los transtornos del aprendizaje. Ver Neurol, 27 (156): 280-285, 1998.

CAPOVILLA, A. G. S. e N. M. DIAS, Desenvolvimento de habilidades atencionais em estudantes da primeira à quarta série do ensino fundamental e relação com rendimento escolar. Rev. psicopedag. v 25 no.78 São Paulo 2008

CIASCA, S. M., CAPELLINI, A. S., TOLEDO, M. M., SIMÃO, N. A., & FERREIRA, T. L. Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade: Abordagem neuropsicológica. Revista Brasileira de Neurologia, 43(3), 11-14, 2007.

CIPOLLA-NETO, J.; MARQUES, N.; MENNA - BARRETO, L. S. Introdução ao estudo da cronobiologia. Ícone Edusp, São Paulo, Brasil, 270pp, 1988.

Page 39: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

39

FONSECA, V. Cognição neuropsicologia e aprendizagem: abordagem neuropsicológica e psicopedagógica. 5. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

FUENTES, D., MALLOY-DINIZ, L. F., CAMARGO, C. H. P., COSENZA, R. M. e cols. Neuropsicologia– teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2008

GRAEFF, R. L., & VAZ, C. E. Avaliação e diagnóstico do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Psicologia – USP, 19(3), 341-361, 2008.

HERNÁNDEZ, G. M. C. Transtorno por déficit de atención e hiperactividad. Revista Peruana de Pediatria, 60(2), 126-131, 2007.

HUANG-POLLICK, C. L., MIKAMI, A. Y., PFIFFNER, L., Mc BURNETT, K. ADHD subtype differences in motivational responsivity but not inhibitory control: evidence from a reward-based variation of the stop signal paradigm. Journal of Clinical Child and Adolescent Psychology: The official Journal for the Society of Clinical Child and Adolescent Psychology, American Psychological Association, Division 53, 36(2), 127-36. 2007.

KANDEL, E. R. Construção da imagem visual. In Kandel, E. R.; Schwartz, J.H. & Jessell, T. M. Fundamentos da neurociência e do comportamento (pp. 311-324). Rio de Janeiro: Prentice-Hall, 1997.

LEFÈVRE, B.H. Neuropsicologia Infantil. São Paulo: Sarvier, 1989.

LEZAK, M. D., HOWIESON, D., LORING, D., HANNAY, J; FISHER, J., Neuropsychological assessment. (4th. Ed.) New York: Oxford. 2004

LARROCA, L. M. e DOMINGOS, N. M.. TDAH – Investigação dos critérios para diagnóstico do subtipo predominantemente desatento. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, 113-123, Janeiro/Junho de 2012.

LOUZADA, F.; MENNA-BARRETO, L. O sono na sala de aula: Tempo escolar e tempo biológico. Rio de Janeiro,Editora Vieira e Lent, 2007.

MAIA, H. (Org.). Neurociências e desenvolvimento cognitivo. 2.ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2012.

MAIA, H. (Org.). Neuroeducação e ações pedagógicas. 5.ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.

MARQUES, N. & ARAÚJO, JF. Ampliação dos Conhecimentos em Cronobiologia e Sono. Ciência Hoje, 137, pp. 41-43, 2001

MARQUES, N. e MENNA - BARRETO, L. (Org.) Cronobiologia: princípios e aplicações. São Paulo: Editora da USP, 1997.

MIRANDA-NETO, M. H.; IWANKO, N. S. Reflexões sobre a aplicação da cronobiologia nos ambientes de trabalho e escolar. Arq. Apadec, Maringá, 1(1): 36-38, jul./dez., 1997.

Page 40: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

40

PARASURAMAN, R. (Ed.). The Attentive Brain. Cambridge, Mass.: MIT Press. 1998

PESSOA, L.; KASTNER, S; UNGERLEIDER, L. G. Neuroimaging studies of attention: from modulations sensory processing to top-down control. The Journal of Neuroscience, v 15, n 10, 3990 - 3998, 2003.

PICOLINI M. M.; STIVANIN, D.; SAMPAIO, A. R.; SALVADOR, K. K.; LAURIS, J. R. P.; FENIMAN, M. R. Atenção Auditiva: Período do Dia e Tipo de Escola, Arq. Int. Otorrinolaringol. / Intl. Arch. Otorhinolaryngol., São Paulo - Brasil, v.14, n.2, 2010

RELVAS, M. P.; Neurociências e transtornos de aprendizagem: as múltiplas eficiências para uma educação inclusiva, 5.ed. Wak editora, Rio de Janeiro, 2011.

RICCIO, C. A., REYNOLDS, C. R., LOWE, P., MOORE, J. J. The continuous performance test: a window on the neural substrates for attention? Archives of Clinical Neuropsychology. v1, n 7, 235-272, 2000.

ROHDE, L. A., & HALPERN, R. Transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade: atualização. Jornal de Pediatria, 80(2, supl):s61-s70, 2004.

ROHDE, L. A., MIGUEL FILHO, E. C., BENTTI, L., GALLOIS, C., e KIELING, C. Transtorno de déficit de atenção / hiperatividade na infância e adolescência: considerações clínicas e terapêuticas. Revista de Psiquiatria Clínica, 31(3), 124-131, 2004.

ROHDE, L.A e BENCZIK, E.B.P. Atenção/Hiperatividade: O que é? Como ajudar?, Porto Alegre: ARTMED 1999.

SOUZA, E. M. L. e INGBERMAN, Y. K. Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade: características, diagnóstico e formas de tratamento. Interação, 4, 23-37, 2000.

SOUZA, I. G. S., SERRA-PINHEIRO, M. A., FORTES, D., E PINNA, C. Dificuldades no diagnóstico de TDAH em crianças. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 56(1), 14-18, 2007.

TEIXEIRA, R. Déficit de atenção - TDAH - diagnósticos errados, excesso de medicação - futuros comprometidos Disponível em: <http://www.psicologiaracional.com.br/2011/05/deficit-de-atencao-tdah-diagnosticos.html>, acessado em 15 de abril de 2015, 2011.

THAPAR, A. K., & THAPAR, A. Attention-deficit hyperactivity disorder. British Journal of General Practice, 53, 227- 232, 2003.

VALENTE, A. B. Evaluation of executive function in AD/HD children using neuropsychological instruments and logo computer programming activities. Jornal brasileiro de psiquiatria, 52(1), 13-23, 2003.

VASCONCELOS, M. M., WERNER JR., J., MALHEIROS, A. F. A., LIMA, D. F. N. L., SANTOS, I. S. O. S., & BARBOSA, J. B. Prevalência do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade numa escola pública primária. Arquivo de Neuropsiquiatria, 61(1), 67-73, 2003.

Page 41: NEUROPEDAGOGIA - ausec.files.wordpress.com · RESUMO Um número crescente ... médicos Broca e Wernicke observando, ... 10 (educadores que atuam desde a mais tenra Educação Infantil

41

WILLCUTT, E.G., DOYLE, A. E., NIGG, J. T., FARAONE, S. V., PENNINGTON, B. F., Validity of the executive function theory of attention-deficit/hyperactivity disorder: a meta-analytic review. Biological Psychiatry. v. 57, n 11, 1336-1346. 2005.

YANG, B., CHAN, R. C., ZOU, X., JING, J., MAI, J., LI, J. Time perception deficit in children with ADHD. Brain Research, 1170, 90-96. 2007.