monografia pós modernismo

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  • 7/27/2019 monografia ps modernismo

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS SOCIAIS

    ESCOLA DE SERVIO SOCIAL

    TRABALHO DE CONCLUSO DE CURSO

    DOCENTE: MAVI PACHECO RODRIGUES

    DICENTE: MARINA BERNARDINO PINTO JORGE

    PS-MODERNISMO/PS-MODERNIDADE:

    AFINAL, DO QUE SE TRATA?

    Rio de Janeiro

    2010

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    MARINA BERNARDINO PINTO JORGE

    PS-MODERNISMO/PS-MODERNIDADE:

    AFINAL, DO QUE SE TRATA?

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado Escola de Servio Social da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, como parte dosrequisitos necessrios obteno do grau debacharel em Servio Social.

    Orientadora: Mavi Pacheco Rodrigues

    Rio de Janeiro2010

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    DEDICATRIA

    Para minha preciosa me.

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    AGRADECIMENTOS

    No processo de realizao deste trabalho o apoio de pessoas especiais foi

    imprescindvel. Valorizo cada gesto desses que me deram fora e me ajudaram a

    vencer o maior desafio de um estudante de graduao: o trabalho de concluso de

    curso.

    Agradeo aquele a quem devido, sem o qual meu horizonte se torna

    nebuloso e meu presente perde o sentido: Deus;

    minha preciosa me, uma pessoa simplesmente incrvel;

    Ao L;

    s minhas queridas amigas, que tornaram minha graduao mpar: Anglica,

    Pmela, Patrice e Aninha;

    Ao meu querido Lo e Ftima;

    Cris, profissional exemplar e ser humano brilhante;

    Aos professores Leila Netto e Marcelo Braz por aceitarem gentilmente compor

    a banca avaliadora deste trabalho, o que motivo de grande satisfao para mim;

    E Mavi, quem muito admiro e com quem pude aprender muito nesse

    processo.

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    RESUMO

    BERNARDINO, Marina. Ps-modernismo/ps-modernidade: afinal, do que se

    trata? Rio de Janeiro, 2010. Trabalho de Concluso de Curso Escola de ServioSocial, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

    A monografia em tela corresponde a um estudo introdutrio do tema ps-

    modernismo/ps-modernidade, buscando retratar suas principais expresses e

    esclarecer suas determinaes mais elementares. Alm de conhecer

    introdutoriamente o tema, pretendo comprovar que no estamos na ps-

    modernidade e que este perodo cultural perpassado pelo domnio do fetiche, o

    que retrata o aumento do domnio do capital. Na primeira seo recupero as

    principais argumentaes ps-modernas nos campos da arte, da teoria e da vida

    social. Na segunda seo, apoiada em autores de espectros tericos e polticos

    distintos, como Rouanet e Netto, busco recuperar a constituio da Era Moderna, no

    intuito de problematizar as afirmaes que sustentam a sua superao. Na terceira

    seo busco ressaltar a ntima relao entre a fase atual do capitalismo e a cultura

    ps-moderna, bem como a ntima relao entre o discurso ps-moderno e o

    fetichismo da mercadoria.

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    SUMRIO

    INTRODUO 7

    SEO 1 ARGUMENTAES PS-MODERNAS 91.1 ARGUMENTAES PS-MODERNAS NA CULTURA NA VIDA SOCIAL 91.2 CARACTERSTICAS DO DISCURSO PS-MODERNO; ELEMENTOS

    COMUNS E A HETEROGENEIDADE NO CAMPO

    22

    SEO 2 MODERNIDADE 312.1 O QUE MODERNIDADE 312.2 DOIS PROJETOS MODERNOS EM CONFRONTO: LIBERALISMO /CAPITALISMO VERSUS SOCIALISMO

    48

    2.3 SOCIALISMO: PROJETO MODERNO INCONCLUSO 53

    SEO 3 - CAPITALISMO TARDIO E CULTURA PS-MODERNA 583.1 FETICHISMO DA MERCADORIA E DISCURSO PS-MODERNO 81

    CONSIDERAES FINAIS 90

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 92

    ANEXO 1 94

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    INTRODUO

    No decurso da minha formao, duas disciplinas - Servio SocialContemporneo e Identidades Culturais - cujos programas trataram de forma distinta

    da questo ps-modernismo/ps-modernidade, despertaram meu interesse pelo

    tema.

    A complexidade e a controvrsia do tema ficaram evidentes na primeira

    disciplina. Os argumentos ps-modernos me pareceram complexos porque

    perpassam diversas esferas constituintes da sociedade, como a economia, a cultura,

    a poltica etc., rebatendo, at mesmo, na categoria profissional e sendo tratado

    como fio condutor de um neoconservadorismo no campo. E controversos por serem

    defendidos tanto por setores acadmicos de direita, quanto por setores da esquerda,

    enfim, por foras terico-polticas heterogneas e antagnicas.

    Na segunda disciplina o ps-moderno fora apresentado como uma realidade.

    A ps-modernidade corresponderia constituio de uma nova sociedade onde

    haveria uma nova dinmica das Identidades Culturais, tema abordado por meio da

    anlise de Stuart Hall.

    Alm disso, minha atuao como estagiria se efetivou no campo da sade

    mental, rea significativamente influenciada pelo campo ps-moderno.

    Pude perceber tambm que, para alm do Servio Social, o tema perpassava

    questes fundamentais referentes a inmeros temas das cincias sociais, havendo,

    portanto, a possibilidade de influenciar a formao acadmica de muitas outras

    especialidades.

    Minha principal dvida residia na existncia ou no de uma nova configurao

    social, pois at mesmo o senso comum utiliza o termo ps-modernidade, na maioria

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    das vezes para se referir ao caos na contemporaneidade, que est relacionado

    inviabilizao de promessas da modernidade. Concomitantemente feitura do

    trabalho ia me familiarizando a esse debate que amplo e heterogneo. Alm disso,

    precisei estudar a modernidade e seus componentes para conhecer o debate acerca

    das afirmaes de sua superao. Esses foram meus maiores desafios.

    Assim, me foi de fundamental importncia tratar esse tema em meu TCC. E o

    objetivo principal desse trabalho realizar um estudo introdutrio do tema, e

    sobretudo, ponderar at que ponto o quadro cultural referente ao ps-moderno

    contribui para encobrir o domnio do capital.

    Meu esforo de estudo crtico acerca do tema realizado com base em

    autores marxistas, como Jameson, Netto, Coutinho, Braz, Evangelista e Harvey. Mas

    tambm me utilizo de um autor que no possui a mesma perspectiva terico-

    metodolgica: Rouanet, mas cuja anlise sobre o ps-modernismo bastante

    instigante.

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    SEO 1 - ARGUMENTAES PS-MODERNAS

    O objetivo desta seo retratar, em linhas gerais, os principais argumentos

    ps-modernos acerca da vida social e da cultura. Para isso, utilizo a discusso de

    Rouanet que trata das argumentaes ps-modernas relativas ao cotidiano, ao

    Estado, economia, ao conhecimento e arte. Depois, utilizo a discusso de Netto

    que, por meio da crtica a Boaventura de Sousa Santos, trata das diferenciaes

    dentro do campo ps-moderno: o ps-modernismo de contestao e o de

    celebrao.

    As argumentaes ps-modernas esto baseadas na crena da existncia de

    uma sociedade ps-moderna. Tais argumentaes esto apoiadas na afirmao do

    fim da modernidade e na ascenso, por isso mesmo, de uma sociedade para alm

    da modernidade: uma sociedade ps-moderna.

    1.1 ARGUMENTAES PS-MODERNAS NA CULTURA E NA VIDA SOCIAL

    Vejamos, ento, algumas argumentaes ps-modernas no plano da cultura e

    da vida social.

    Rouanet (1987) realiza uma anlise dessas argumentaes por meio da

    diviso dos planos das supostas ps-modernidade social e cultural: ps-

    modernidade social, o autor delimita os planos de estruturas do cotidiano, economia

    e Estado, enquanto que ps-modernidade cultural pertencem as esferas do saber,

    da moral e da arte.

    Em relao s estruturas do cotidiano, o autor escreve:

    A ps-modernidade se manifestaria, inicialmente, no plano do mundo vivido(Lebenswelt), atravs de um novo cotidiano, qualitativamente diferente doque caracterizava a modernidade. um cotidiano em que a mquina foisubstituda pela informao, a fbrica pelo shopping center, o contato depessoa a pessoa pela relao com o vdeo. A esttica impregna os objetos,para que eles se tornem mais atraentes. O apelo da publicidade estetizada

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    envolve a personalizao e a erotizao do mundo das mercadorias: ohomem seduzido pelo objeto para se integrar no circuito do capitalismocomo obra de arte. O mundo social se desmaterializa, passa a ser signo,simulacro, hiper-realidade. O universo lukacsiano das relaes sociaisreificadas muda de natureza: hoje as coisas se repersonalizam, tornam-se

    cordiais, integram-se em nosso dia-a-dia, sob a forma da vitrina e do vdeo,que no nos confrontam como objetividades hostis, mas em quemergulhamos como a prpria verdade (narcsica) do homem ps-moderno.Segundo Baudrillard, as velhas teses subjacentes sociedade de consumoesto hoje ultrapassadas, porque pressupem um investimento libidinal dosobjetos, um desejo de posse e de status, que de alguma maneira implicama diferena entre o interior e o exterior, entre o espao privado e o pblico.O homem tardo-moderno da sociedade de consumo queria uma casa e umautomvel, em que projetava seu desejo de poder e que pressupunham aexistncia de um espao individualizado de intimidade. Era a sociedade doespetculo. O espetculo supunha a diferena entre a cena e a platia.Sob a implacvel luz non da sociedade informatizada, no h mais cena a realidade tornou-se, literalmente, obscena, pois tudo transparncia e

    visibilidade imediata, excluda a dimenso da interioridade. A obscenidadetradicional era o reino do oculto, do reprimido; hoje a total visibilidade doque no tem mais segredo. A doena moderna era a histeria, teatralizaodo sujeito, ou a parania; a projeo de uma interioridade sob a forma deum sistema delirante; hoje Anna O. no tem mais vida interior paradramatizar como sintoma, e o presidente Schreber no tem maissubjetividade que possa ser projetada em ordem do mundo. O homem ps-moderno esquizide, permevel a tudo, tudo demasiadamenteprximo, promscuo com tudo que o toca,deixa-se penetrar por todos osporos e orifcios, e nisso se parece com o anti-dipo de Deleuze e Guattari,que liberta os fluxos de energia obstrudos pelo capitalismo, transformando-se, assim, na pura mquina desejante, no revolucionrio esquizofrnicoque se ope parania fascista. O esquizoconformista de Baudrillard e o

    esquizo-anarquista de Deleuze e Guattari de Baudrillard so co-cidadosda cidade ps-moderna (ROUANET, ibid, p. 233).

    O autor aponta que homem ps-moderno estaria inserido em novas formas de

    sociabilidade, caracterizadas por trocas de informaes e de jogos de linguagens,

    no havendo regras especficas de funcionamento desses jogos. A sociabilidade

    ps-moderna seria essencialmente pluralista e ao mesmo tempo particularista.

    No que diz respeito economia, o autor aponta que a tese ps-moderna

    afirma uma ruptura entre as sociedades industriais e as supostas sociedades ps-

    industriais. As sociedades industriais so reconhecidas pela produo de bens

    fsicos em grande escala, pelo consumo de energia na produo e pelo emprego de

    grande parte da fora de trabalho (desqualificada ou semiqualificada) nas indstrias

    de forma hierrquica.

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    As sociedades ps-industriais se baseariam na produo de servios. A

    relao estabelecida entre a produo de bens e a energia seria substituda pela

    relao entre os servios e a informao. O padro de vida no seria mais medido

    pela quantidade de produtos, mas pela qualidade de servios oferecidos, em reas

    como a sade a educao, a recreao e a arte. E a figura do trabalhador seria

    substituda pela figura do profissional qualificado para o servio demandado. A tese

    que sustenta a afirmao das sociedades ps-industriais se apia em estatsticas

    que comprovam o aumento do nmero de servios nas sociedades industriais, bem

    como o aumento do nmero de pessoas empregadas no setor.

    Os autores ps-modernos entendem o estgio do capitalismo atual como ps-

    industrial, onde a luta de classes no impera mais e a explorao no seria mais

    perceptvel.

    Em relao ao Estado, Rouanet (ibidem) afirma serem os autores ps-

    modernos surpreendentemente omissos. Semelhantemente economia, o autor

    descreve uma periodizao do Estado, mostrando que a cada fase do Estado

    correspondeu uma fase da economia. Ao primeiro estgio do capital correspondeu

    um Estado liberal clssico, com um mnimo de intervenes pelo Estado. Ao

    segundo estagio correspondeu um Estado Keynesiano e ao terceiro um Estado neo-

    ortodoxo, que promoveu a adeso da sociedade civil para atender as demandas queeram dirigidas ao Estado. O autor aponta, ainda, que os motivos podem ser oriundos

    de uma crise de legitimao, em funo do fracasso em promover pleno emprego ou

    pelo acmulo de reivindicaes dirigidas ao Estado, que no teria condies de

    atend-las.

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    Assim, Rouanet (ibidem) aponta que a omisso dos ps-modernos em

    relao ao Estado no se repete em relao s novas formas de poltica1:

    Enquanto a poltica moderna tinha como palco o Estado e visava aconquista ou a manuteno do poder estatal, a poltica ps-moderna temcomo palco a sociedade civil e visa a conquista de objetivos grupais ousegmentares. Os sujeitos da nova poltica no so mais cidados, masgrupos, e seus fins no so mais universais, visando o interesse geral, masmicrolgicos. O citoyen rousseauista, abstrao social sem biografia,pulveriza-se em seus elementos constitutivos e restitudo suaparticularidade de mulher e judeu, negro e homossexual e,conseqentemente a poltica no mais a genrica, exercida pelo cidado,mas a especfica, de quem est inserido em campos setoriais dedominao a dialtica homem / mulher, anti-semita / judeu, etniadominante / etnias minoritrias.Assim como no h mais atores polticos universais grandes partidos

    agregando um leque amplo de interesses e posies -, no h mais umpoder central, localizado no Estado, mas um poder difuso, estendendosua rede capilar por toda a sociedade civil as disciplinas de Foucault.Poltica segmentar, exercida por grupos particulares, poltica microlgica,destinada a combater o poder instalado nos interstcios mais imperceptveisda via cotidiana estamos longe da poltica moderna, em que o jogopoltico se dava atravs dos partidos, segundo os mecanismos dademocracia representativa.(ROUANET, ibidem, p.237-238).

    O plano do saber, que compreendido na anlise de Rouanet (ibidem) (que

    se baseia em Weber) pela cultura, dividido em cincia e filosofia.

    A melhor descrio de uma cincia ps-moderna sem dvida a deLyotard. Para ele, a cincia moderna inseparvel das narrativaslegitimadoras, tais como a emancipao do povo ou do gnero humano(Iluminismo), e a autobiografia do Esprito (Hegel). Ela legtima porqueserve aos fins emancipatrios do homem, ou porque tem um lugar definidono sistema enciclopdico dos conhecimentos, tal como definido por umdiscurso de nvel mais alto, o da filosofia especulativa. O que caracteriza acincia ps-moderna a incredulidade com relao s narrativaslegitimadoras. Isso no significa um processo de deslegitimao, o quereduziria a cincia a um estado de cegueira positivista quanto a si mesma,

    e sim uma nova forma de legitimao, baseada na pragmtica do prpriodiscurso cientfico. Com efeito, a cincia no busca o consenso (narrativailuminista de uma humanidade razovel, retomada por Habermas), mas odissenso, no busca a eficcia (como a sociedade tecnocrtica dentro daqual ela funciona e gostaria de submet-la aos imperativos daperformatividade), mas a inveno, o contra-exemplo, o ininteligvel, oparadoxal. Se assim, a cincia ps-moderna se legitima pela paralogia,pela diferena com relao ao que num momento dado possa ser cientfico.Assim, todo enunciado com pretenses cognitivas ser aceito comolegtimo pela comunidade dos cientistas quando for argumentvel everificvel, quando comportar uma diferena com relao ao j conhecido e

    1 A discusso da poltica ps-moderna pode ser lida em Hall (2002), autor que possui argumentao ps-moderna e afirma um novo estgio da poltica, onde os grupos sociais, designados pelas identidades culturais,(negros, mulheres, judeus, brancos etc.) teriam substitudo o protagonismo poltico que a classe operria exerciana modernidade.

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    quando der origem a novas idias. Em suma, enquanto a cincia modernase legitima com relao a grandes snteses homogeneizadoras, a cinciaps-moderna, seguindo nisso, a episteme ps-moderna em geral, selegitima pelo heterogneo, pelo inesperado, pela diferena.(ROUANET, ibidem, p.238-239).

    Assim, Rouanet (ibidem) passa ao plano filosfico, analisando as

    determinaes ps-modernas na filosofia e afirmando:

    Se verdade, como diz Lyotard, que a cincia moderna se legitimava pelasgrandes narrativas emancipatrias ou especulativas, podemos dizer que opapel da filosofia era precisamente o de fornecer essas legitimaes.Segundo Foucault, a modernidade foi propriamente inaugurada por Kant,que em seu ensaio de 1784 O que Iluminismo? iniciou um discursoda filosofia como discurso da modernidade. At ento, os homensprocuravam se situar longitudinalmente com relao Antigo regime

    nosso presente melhor ou pior que o dos antigos? -, ao passo que,depois de Kant, a filosofia passou a estabelecer uma relao sagitalcom opresente. A pergunta passou a ser: o que essa atualidade em que estouinscrito como filsofo, e qual o papel da filosofia nessa atualidade? Aresposta de Kant no ensaio citado o prprio manifesto da modernidade: aatualidade em questo era a do Iluminismo, uma poca aufgeklrt, cujaprincipal caracterstica era permitir o acesso do homem maioridade, pelouso da razo. Sacudindo todas as tutelas, religiosas e polticas, o homempodia chegar condio adulta, pelo uso da razo. Sapere aude! Ousaservir-te de tua razo! Eis o lema do Iluminismo.(ROUANET, ibidem, p.239).

    O autor continua sua anlise da filosofia afirmando que a filosofia moderna

    possui a misso de buscar em si mesma suas coordenadas e normas, por haver

    rompido com o mundo antigo. A dissoluo das vises do mundo tradicionais

    permitiu a racionalizao cultural, proclamada por Kant como principal caracterstica

    da atualidade, mas tambm exps o homem ao que Weber define como perda de

    sentido (Sinnverlust); a racionalizao do mundo social, na economia e no Estado,

    do mesmo modo que promoveu um crescimento da riqueza material sem

    precedentes, promoveu tambm uma burocratizao crescente, uma perda de

    liberdade (Freiheitsverlust). A totalidade tica cedeu lugar individualizao do

    homem, tambm dividido ele prprio em partes: cidado, burgus e membro de uma

    famlia.

    Assim, o papel da filosofia moderna o de refletir a modernidade no que diziarespeito s suas promessas, mas tambm aos seus impasses, tendo que oferecer a

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    compensao pela dissoluo do mundo religioso. Contudo a filosofia moderna

    sempre se utilizou do recurso prprio da modernidade: a razo:

    Para Hegel, a razo o auto-conhecimento do Esprito Absoluto, e atravsdela ser possvel promover a reunificao dos disjecta membraproduzidos pela modernidade. Para a esquerda hegeliana, a razo permitea reapropriao produtiva das energias vitais aliendas e, para a direitahegeliana, ela funciona como reminiscncia, como substituto da religio,consolando o homem pelos dilaceramentos inevitveis.(ROUANET, ibidem, p.240).

    Assim, Rouanet (ibidem) aponta que a filosofia moderna sempre procurou

    curar os males da modernidade com os recursos modernos, sem negar os valores

    fundamentais da modernidade. Nietzsche d uma guinada: realiza uma crtica contra

    a prpria razo, contestando a prpria modernidade.

    Nietzsche afirma que a modernidade portadora de um niilismo causado pelo

    uso da razo e da moral, o que, para ele, significou o esvaziamento da sociedade de

    valores vitais. Portanto, ele nega a historicidade moderna e afirma a arte como um

    caminho modernidade.

    Contudo, Rouanet (ibidem) aponta a crtica relativa tese de Nietzsche: ele

    se contradisse ao negar totalmente a razo, pois negou, assim, a razo subjacente

    sua prpria tese.

    Rouanet (ibidem) continua, ento, a explicitar os crticos da modernidade e da

    razo ocidental e os postos centrais de suas teses. Heidegger afirma que o

    pensamento ocidental uma tentativa de reprimir o Ser, em benefcio do Ente. Ele

    no nega totalmente a razo e aponta que o caminho para o fim da represso o

    prprio uso da razo atravs da filosofia, campo privilegiado, por meio do qual

    possvel o desenvolvimento pleno da razo.

    Autor tambm aponta:

    Desde o final dos anos 60 est em voga na Frana, com crescentesrepercusses na Alemanha e nos Estados Unidos, uma corrente de idiasque se filia mais ou menos explicitamente a Nietzsche e a Heidegger. Essa

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    corrente chamada, sem grande rigor conceitual, ps-estruturalista, einclui pensadores como Derrida, Barthes, Foucault, Cartoriadis. Todos elescriticam a razo, como seus dois predecessores, mas uma perspectivacrtica, e no conservadora. Em outras palavras, no so irracionalistas: arazo no denunciada enquanto tal, e sim na medida em que perde sua

    funo subversiva e transforma-se em libi do poder, agente daheteronomia, adversria do prazer ou instrumento da represso.(ROUANET, ibidem, p.242).

    Rouanet (ibidem), com base ainda em Weber, aponta expresses ps-

    modernas no plano da moral. A moral moderna, capitalista, resultado de um

    processo de racionalizao e secularizao, que, absorvida pelo indivduo, permitiu

    a conduo racional da vida, de acordo com a qual os primeiros capitalistas

    puderam agir consoantes s novas exigncias feitas pelo modo de produo

    capitalista. E um trao central dessa moral foi a universalizao, graas qual as

    normas passaram a valer para todos, independentemente de cls ou tribos, como

    ocorria nas sociedades tradicionais.

    No incio do sculo XX, o autor demonstra o delinear de outra moral:(...) comeou a delinear-se uma certa mutao moral. A psicanlisedevassou os mecanismos da represso. Simultaneamente, o modernismoesttico passou a valorizar a espontaneidade, a dessublimao, a vidapulsional. O surrealismo passou a advogar a estetizao da vida, suatransformao em obra de arte. Em contraste com a moral burguesa doincio do capitalismo, a moral do capitalismo tornou-se crescentementeanrquica, invertendo a hierarquia tradicional entre a razo e as paixes: ainteligncia agora era vista como secundria com relao ao desejo.A ps-modernidade teria se iniciado nesse momento: ela designaria apassagem da moral moderna, derivada de princpios universais e supondoa subordinao da vida pulsional razo, a uma nova moral que coloca a

    nfase sobre os valores da vida e da espontaneidade. Segundo outros, ops-moderno tico seria, simplesmente a radicalizao do modernismo.Daniel Bell, por exemplo, v o modernismo como um movimento anrquico,anti-social, que solapou os valores morais e polticos das modernassociedades industriais e, longe de considerar o ps-modernismo umcorretivo para essas calamidades, interpreta-o como uma versoaumentada e piorada do modernismo. Nesse sentido, no tem cabimento atentativa de Habermas de classificar os neoconservadores como ps-modernistas de direita: o que eles so antimodernistas e como taisrejeitam o que para eles um simples prolongamento do modernismo. Anica diferena que o modernismo em geral ficava nos limites da arte, pormais destrutivas que fossem suas fantasias, ao passo que o ps-modernismo tenta realizar essas fantasias. So duas variedades de

    modernismo: mas a atual mais perigosa. O ps-modernismo substituiu ajustificao esttica da vida (caracterstica do modernismo) pela vidapulsional. S o impulso e o prazer so reais e afirmadores da vida; o resto neurose e morte. Alm disso, o modernismo tradicional, por mais

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    audacioso que fosse, realiza a seus impulsos na imaginao, dentro doslimites da arte[...]. O ps-modernismo transborda as fronteiras da arte.(ROUANET, ibidem, p.247-248).

    Rouanet (ibidem) aponta, ainda, que essa descrio hostil da tica ps-

    moderna no costuma ser rejeitada pelos partidrios do ps-moderno. Eles notam

    uma mutao moral que observada por certa liberao pulsional, impensada pelos

    primeiros praticantes da moralidade moderna, os empresrios calvinistas. A

    austeridade e o autocontrole, caracterizadores da moral do incio da modernidade,

    foram substitudos pelo hedonismo. Alm disso, possvel observar uma regresso

    ao particularismo que caracterizava as sociedades antigas, deixando para trs o

    universalismo que marcava a tica moderna. H hoje uma atomizao de morais,

    marcada pelas culturas jovens, pelas seitas, pelos ecologistas e etc., que seria a

    moralidade ps-moderna.

    No que diz respeito arte, o autor observa que o termo ps-moderno foi

    usado pela primeira vez para se referir arquitetura, designando uma tendncia a

    distanciar-se do modernismo esttico. Jameson (1997) observa que a ruptura teria

    ocorrido a partir do ltimo espasmo, tardio, do alto modernismo, nos anos 50,

    caracterizado, principalmente, pelo abstract expressionism, pela nouvelie vague

    cinematogrfica e pelo existencialismo. A partir desse momento houve um corte ps-

    moderno, caracterizado pela pintura popde Andy Warhol, pela msica de John Cage

    e at mesmo pelo rock punk ou new wave, em oposio ao rock moderno

    pertencente ao perodo anterior, como o rock dos Beatles ou dos Rolling Stones.

    Rouanet (ibidem) ainda aponta outros autores que, embora considerando o

    mesmo perodo como divisor de guas, detectam mudanas dentro do ps-moderno,

    que possuiria diferenas relativas aos anos 60 e 70. Os anos 60 so caracterizados

    pelo apogeu da new left, da contracultura e do movimento pacifista, perodo

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    qualificado como um ps-moderno anrquico, vanguardista e que no representou,

    portanto, uma ruptura com o modernismo ou com o vanguardismo, mas com o alto

    modernismo, institucionalizado e aceito nas universidades, transformado em cultura

    oficial, em smbolo de statusdo modo operante liberal-conservadorismo.

    Essa vanguarda ps-moderna tinha um curioso entusiasmo pelas novastecnologias o que o cinema e a fotografia representavam para Brecht ouBenjamin, a televiso, o vdeo e o computador representaram para essagerao. Ela era populista, valorizando o rocke a folk-music. As tendnciastpicas dessa primeira fase foram a arte pop, a op, a cintica, a minimalistae a conceitual. (ROUANET, ibidem, p.249).

    Com relao segunda fase, os anos 70, o autor observa uma tendncia

    menos contestadora, voltada ao retorno de tendncias passadas:

    A segunda fase, que estamos vivendo atualmente, um ps-moderno maisaptico e em geral mais despolitizado. O impulso iconoclstico da primeiragerao parece ter se esgotado. Sobrevive apenas um certo interesse narecuperao das tradies esquecidas e reprimidas, como a das mulheres,e nas culturas do terceiro mundo.(ROUANET, ibidem, p.249).

    Segundo Jameson (1997) o ps-modernismo tem entre suas caractersticas aeliminao das fronteiras entre a arte popular, ou de massas, e a arte erudita. Outro

    elemento caracterstico do ps-modernismo o desaparecimento do sujeito, o que

    acarreta o apagamento da figura do artista genial, obrigado a exprimir-se em

    linguagens totalmente inditas. Tambm, o ps-modernismo caracterizado pela

    sua relao com a histria, definida pelo autor como sui generis. O artista ps-

    moderno tem sua capacidade de criao esgotada e recorre ao passado, valendo-se

    do pastichede obras anteriores:

    O artista moderno usava a pardia, como recurso cmico ou satrico(Flaubert, por exemplo, em Bouvard et Pcuchet), mas a pardia supe aexistncia de uma norma lingstica com relao qual o estilo que estsendo parodiado pode ser compreendido em sua singularidade, criticado,ridicularizado. Num mundo em que no h mais uma norma hegemnica, esim mil estilos concorrentes, a imitao no se d sobre o pano de fundode um estilo padronizado e, portanto, no tem uma inteno ulterior,

    satrica ou cmica. o pastiche, a imitao pela imitao. Donde oecletismo do ps-modernismo, sua tendncia a saquear o museuimaginrio dos estilos sucessivos, canibalizando o passado: a histria substituda pelo historicismo, como a pardia substituda pelo pastiche.

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    Privado da capacidade de vincular-se como passado de uma formaautntica, sem nenhuma concepo do futuro, porque a crena noprogresso foi uma utopia moderna e, portanto, arcaica, a cultura ps-moderna s tem a dimenso do presente um presente monstruoso,avassalador, responsvel pela estrutura esquizo da ps-modernidade.

    Segundo Lacan, a esquizofrenia resulta da cadeia de significantes, na qualreside o sentido e de onde emerge a noo do tempo. Exposto asignificantes desmembrados, sem nenhuma relao orgnica entre si, oartista ps-moderno est privado do sentido e da histria.(ROUANET, ibidem, p. 250).

    Adiante, o autor analisa as expresses do ps-modernismo em diferentes

    gneros estticos: na arquitetura, nas artes plsticas, no cinema e na literatura.

    Ele comea pelo ps-modernismo arquitetnico, que aponta como, talvez, o

    ps-modernismo mais amplamente divulgado. O ps-modernismo arquitetnico

    nasceu como reao arquitetura funcional moderna, principalmente em sua verso

    mais estereotipada, a do international style, que entrou em vigor em 1945.

    A arquitetura moderna nasceu com um projeto esttico e poltico. Seu objetivo

    era combater o perodo arquitetnico anterior (final do sculo XIX), caracterizado

    pelo ecletismo e pela presena das fachadas neoclssicas, pela frivolidade, pela

    mera aparncia, denunciada como possuidora de recalques e pela formao de

    sintomas, perodo que coincidiu com o surgimento da psicanlise.

    O novo estilo desenvolvido era baseado na razo e no ascetismo da forma,

    creditado como uma contribuio construo de uma nova ordem social.

    Entretanto, o funcionalismo arquitetnico acabou se degenerando num estilo aservio do capitalismo tecnocrtico e sendo apontado como portador de uma utopia

    civilizatria. O novo estilo, sob uma gramtica uniforme, passou a ser utilizado de

    maneira montona em todas as partes do globo.

    A arquitetura moderna foi criticada por ser portadora de uma crena na fuso

    da arte e da indstria como agente de transformao social, ou na crena de que

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    bastava a construo de um novo tecido urbano para que o progresso fosse

    alcanado.

    Adepta do pastiche, a arquitetura ps-moderna se utiliza de vrios estilos

    passados, podendo se especializar em um nico:

    As possibilidades so ilimitadas podemos imaginar, inclusive, um ps-moderno especializado em citar a arquitetura do alto modernismo. Aarquitetura ps-moderna contextualista. Ao contrrio do modernismo, quefazia questo de distanciar-se do contexto urbano, ela procura integrar-sena paisagem de motis e cadeias de fast foodque constituem o cotidianodas grandes cidades contemporneas. Enquanto a arquitetura moderna eraimperialista, destruindo os vernculos e os estilos tradicionais, a arquiteturaps-moderna regionalista e procura respeitar a especificidade dos estilos

    locais, sem com isso recusar a contribuio das novas linguagensartsticas, o que perfeitamente compatvel com sua filosofia ecltica.Enfim, a arquitetura ps-moderna populista: ela se identifica com acultura de massas, e est mais prxima do Readers Digest e de IrvingWallace que de James Joyce.(ROUANET, ibidem, p.251-252).

    Em relao s artes plsticas, o ps-moderno teria comeado a figurar desde

    os anos 50 e 60, com Andy Warhol, Rauschenbrg e Lichtenstein. E sua principal

    caracterstica a figurao, o que no significa a volta da visualidade tradicional,

    porque numa tela popou hiper-realista, o objeto aparece ausente. O retratado no

    o real, mas uma fotografia dele, uma cpia grosseira, ou seja, um simulacro.

    A hiperfigurao pop pode ser analisada sob as ticas de duas leituras. A

    primeira diz que ela uma continuidade do impulso crtico do modernismo, segundo

    a qual as obras de Warhol que reproduzem em inmeros exemplares a figura de

    uma sopa industrializada e a imagem de Marilyn Monroe significam uma crtica

    indstria cultural, ao aparelho publicitrio, ao mundo das mercadorias e ao processo

    de transformao de pessoas em mercadorias fungveis.

    A segunda leitura credita hiperfigurao o desaparecimento de toda

    inteno crtica, contendo somente uma dimenso: a superfcie. Posio que

    contrria ao modernismo. Este, ao se utilizar da figurao, tinha como objetivo uma

    inteno crtica, de aluso a uma realidade subjacente ou utpica.

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    Tambm, outras tendncias podem ser consideradas ps-modernas, como a

    minimal art, nos anos 60, que retira do objeto todos os seus traos estticos, como a

    cor, a forma e a composio, reduzindo-o s suas propriedades materiais mnimas.

    Este o caso da arte conceitual, da arte ambiental, e da arte como ao.

    O cinema tambm estaria sofrendo influncias ps-modernas:

    Entre elas est o fim das experincias formais associadas ao cinema russoe ao expressionismo alemo, ou seja, o fim da vanguarda cinematogrfica;de uma autotematizao irnica do cinema como indstria cultural; ainevitvel tendncia ao pastiche. Os filmes retr, como American Grafiti, deLucas, sobre os Estados Unidos nos anos 50, ou mesmo Chinatown, dePolanski, sobre os Estados Unidos nos anos 30, ilustrariam essa nostalgia

    ps-moderna. O mesmo podemos dizer de filmes de fico cientfica, comoGuerra nas Estrelas, ou de aventuras, como os de Spielberg eles noaludem a um passado coletivo, mas ao nosso passado individual de ex-adolescentes, leitores de histrias em quadrinhos (Flash Gordon) eentusiastas de filmes em srie. Truffautt se especializa em filmes sobrefilmes: a Sereia do Mississipi um verdadeiro manual de citaes. TalvezWoody Allen seja, nesse sentido, o verdadeiro cineasta ps-moderno.Filmes como Play it again, Sam e A Rosa Prpura do Cairo tematizam oprprio cinema, numa auto-referencialidade a que s Derrida pode fazerjustia, com sua tese de que tudo intertextual, de que todo texto sempresobre outro texto - o mundo da critureuniversal.(ROUANET, ibidem, p.254).

    Na literatura, o termo ps-moderno foi usado pela primeira vez por Frederico

    de Onis, em 1934, ao realizar uma seleta da poesia espanhola e hispano-americana.

    Irwing Howe, em 1934, escreveu na revista Pastisan Reviewum artigo denominado

    A sociedade de massas e a fico ps-moderna, no qual lastimou a decadncia da

    qualidade ficcional contempornea, em virtude da sociedade de massas. Leslie

    Fiedler, em 1965, publicou um artigo na mesma revista, Os novos mutantes, no

    qual aprecia positivamente o movimento ps-moderno.

    No obstante, o autor salienta que em grande parte o ps-modernismo

    literrio foi uma inveno de crticos:

    o caso de Ihab Assan, da Universidade de Wisconsin, que distingue ops-modernismo tanto das vanguardas mais antigas quanto do altomodernismo: nem olmpico e distante como este, nem bomio e

    indisciplinado como aquelas, o ps-modernismo prefere formas ldicas,disjuntivas, abertas, processuais, anrquicas, enquanto o modernismoenfatiza o desgnio, a conjuno o fechamento, o objeto, a ordem. O ps-

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    modernismo a literatura do fragmento, da fratura, do desfazimento(Unmaking).(ROUANET, ibidem, p.254-255).

    Outro crtico (e autor de romances ps-modernos), John Barth, da

    Universidade de John Hopkins, em 1967, escreveu que a literatura estava esgotada,

    no sendo possvel escrever alm de pardias. Um autor considerado

    paradigmtico, pertencente nova poca, Borges, escreveu Pierre Mnard, Autor do

    Quixote, que falava a respeito de um poeta francs que se props a escrever o

    Quixote. Mnard chegou concluso que sua obra era superior de Cervantes, pois

    a obra continha maior grau de reflexo sobre a consagrada obra.

    Esse posicionamento mostrava a idia de que toda obra literria (...)

    sempre citao, intertextualidade, infinita. (ROUANET, ibidem, p.255). J em 1980,

    o crtico e autor Barth escreveu novamente sobre a literatura e corrigiu sua citao

    anterior, dizendo que o esgotamento literrio no se refere literatura, mas

    literatura do alto modernismo. E ops a literatura moderna ps-moderna. Aprimeira apresentava como caractersticas:

    (...) a oposio ordem burguesa, o que se manifesta, formalmente, nasubstituio do universo mtico pelo do realismo, na manipulaoconsciente de paralelos entre o mundo antigo e o moderno (Ulysses), naruptura do fluxo linear da narrativa, na frustrao das expectativas do leitorquanto ao destino dos personagens, na oposio do discurso interior aodiscurso pblico, objetivo, racional, no privilgio da tcnica e da linguagemsobre o contedo e no carter alienado do artista numa sociedade hostil.(ROUANET, ibidem, p.255).

    Segundo Barth, o ps-modernismo incorpora todas essas caractersticas, com

    um esprito de subverso e anarquia cultural. Mas a nfase foi dada ao privilgio

    concedido linguagem, pois a literatura ps-moderna se ocuparia mais de si prpria

    que da realidade ao seu redor. A literatura ps-moderna mais ecltica que a

    moderna:

    Interessa-se por Balzac, mas tambm por Joyce. Nesse sentido, asntese da literatura realista (pr-modernista) e da modernista. Os tericosda literatura ps-moderna geralmente salientam o carter dessa literatura,em oposio literatura simblica que caracterizaria o classicismo e o

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    romantismo. Isso significa vrias coisas. Significaria, em primeiro lugar,partindo da etimologia, do vocbulo allegorein -, outra linguagem, ou afigura pela qual, falando de uma coisa, estamos aludindo a outra quetodo texto alude continuamente a outro texto. a idia de Derrida, jamplamente familiar. E significa, em segundo lugar, que a literatura ps-

    moderna fragmentria, descontnua, polissmica, caractersticasatribudas alegoria por Walter Benjamin, em contraste com a literaturaclssica e moderna, que se basearia na esttica do smbolo. Isto , seriatotalizadora, harmnica, contnua e representaria a unidade de umainteno significante e de uma significao objetiva.(ROUANET, ibidem, p.256).

    O romance ps-moderno baseia-se em outros romances, uma obra tratando

    de outra obra. O exemplo citado por Rouanet como essencialmente ps-moderno

    O Nome da Rosa. Este livro apresenta inmeras aluses intertextuais, se baseia

    num livro, que se baseia noutro livro, que se baseia noutro. A metfora do livro o

    texto.

    O romance ps-moderno, assim como O Nome da Rosa, adepto da

    literatura popular, mais acessvel ao leitor comum, e com uma linguagem comum.

    Caracterstica que diferencia a literatura ps-moderna da moderna, que tem como

    qualidade um distanciamento da literatura popular.

    1.2 CARACTERSTICAS DO DISCURSO PS-MODERNO: ELEMENTOS COMUNS

    E A HETEROGENEIDADE NO CAMPO

    O discurso ps-moderno j fora apresentado neste trabalho como

    heterogneo, o que ser elucidado, em linhas gerais, a seguir. Entretanto, podemos

    identificar caractersticas comuns, quer entre os ps-modernos de direita, quer entre

    os ps-modernos de esquerda. O discurso ps-moderno, em geral, critica a teoria

    social moderna.

    Soares Santos (2007) observa uma caracterstica eminente dos ps-

    modernos, denominando essa caracterstica de satanizao da totalidade, o que

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    demonstra que as argumentaes ps-modernas rejeitam o conceito de totalidade

    como capaz de nortear a teoria social, rejeitando de igual forma as metanarrativas.

    Para eles, examina Soares Santos (ibid), h uma crise, na atualidade, de

    legitimao da cincia moderna. Assim, a autora examina as argumentaes de

    Lyotard (1989), designando sua lgica como semelhante lgica de Santos (1996).

    Essa lgica diz respeito no somente existncia de uma crise de paradigmas nas

    cincias sociais, mas que a superao dessa crise se daria em virtude de uma

    mudana na cincia, em virtude de seu papel como fora produtiva na sociedade

    supostamente ps-industrial:

    A mesma lgica ordena a proposta de Lyotard (1989) para a superao dacrise no mbito da cincia que, de acordo com sua leitura, equivale crisedas metanarrativascomo formas de legitimao do discurso cientfico. Issosignifica dizer que, devido importncia da cincia como fora produtiva nasociedade dita ps-industrial e ao poder demonstrado pelas inovaestecnolgicas, uma nova linguagem se faz necessria. Fazendo clarasmenes ao pensamento moderno, Lyotard caracteriza o chamadopensamento por oposies como inadequado ao perfil da cinciacontempornea. No seu raciocnio, a atualidade requer o abandono da

    totalidade e o reconhecimento da hiper-positividade da diferena.Diferena: eis a palavra-chave que rege, tanto aqui como em Santos, acaracterizao do tempo presente e da proposta metodolgica que, emLyotard, corresponde aos jogos de linguagem.(SOARES SANTOS, ibidem, p.41).

    Soares Santos (ibidem) ainda afirma que, mesmo havendo diferenas nas

    posies polticas dos ps-modernos, quer sejam eles reconfortantes (como se

    declara Santos) quer sejam ps-modernos de oposio, para ela, todos

    apresentam a mesma posio terica. 2

    Netto (1992) observa que o ps-moderno caracterizado pela ausncia de

    determinaes ontolgicas: o discurso do real se sobrepe ao real, os fragmentos da

    2Na obra de Netto (1992) as diferenas no campo ps-modernos so elucidadas, apontando que os ps-modernos

    de celebrao no acreditam numa alternativa s impossibilidades de emancipao postas pelo capitalismo. Jos ps-modernos de oposio, como Santos, acreditam numa transio paradigmtica como soluo para essasimpossibilidades.

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    totalidade se sobrepem totalidade e j no haveria uma imagem do real, mas um

    conjunto de imagens do real, fornecendo o simulacro. Assim,

    (...) a reflexo prpria a essa ps-modernidade pouco tem a ver com apesquisa que busca a apreenso da dinmica da totalidade da vida social,mas, antes, pretende a apreenso do dado imediato, do molecular, dovivido. Enfim, e em poucas palavras, o que se encontra questionado, nodebate contemporneo, so os paradigmas de racionalidade que seafirmaram no processo da modernidade.(NETTO, ibid, p.12-13).

    Para exemplificar o pensamento ps-moderno sobre a teoria social moderna,

    bem como sobre a tradio marxista, podemos nos valer da anlise de Santos

    (2001). Nessa obra, Santos parte da premissa que, assim como os seres humanos,

    os paradigmas scio-culturais nascem, desenvolvem-se e morrem, afirmando que a

    morte de um paradigma, de dentro de si, origina o outro paradigma que o h de

    substituir. Entretanto, esse caminho de nascimento do novo paradigma no se d

    seguramente, ou linearmente, ele construdo. Afirma que o paradigma da

    modernidade se encontra no fim.

    Ele explica:

    A partir dos sculos XVI e XVII, a modernidade ocidental emergiu como umambicioso e revolucionrio paradigma scio-cultutal assente numatendncia dinmica entre regulao social e emancipao social. A partirde meados do sculo XIX, com a consolidao da convergncia entre oparadigma da modernidade e o capitalismo, a tenso entre regulao eemancipao entrou num longo processo histrico de degradaocaracterizado pela gradual e crescente transformao das energiasemancipatrias em energias regulatrias. (...) Com o colapso da

    emancipao na regulao , o paradigma da modernidade deixa de poderrenovar-se e entra em crise final. O fato de continuar ainda comoparadigma dominante deve-se inrcia histrica.(SANTOS, ibidem, 15).

    Santos afirma estarmos numa dupla transio paradigmtica: epistemolgica

    e societal. Para ele,

    A transio epistemolgica ocorre entre o paradigma dominante da cinciamoderna e o paradigma emergente que designo por paradigma de umconhecimento prudente para uma vida decente. A transio societal menosvisvel ocorre do paradigma dominante sociedade patriarcal; produocapitalista; consumismo individualista e mercadorizado; identidades-

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    fortaleza; democracia autoritria; desenvolvimento global desigual eexcludente para um paradigma ou conjunto de paradigmas de que porenquanto no conhecemos seno as vibrations ascendantes de quefalava Fourier.(SANTOS, ibidem, p.16).

    Santos (ibidem) afirma apresentar crtica forte do paradigma dominante,

    inserindo-se na tradio crtica da modernidade, mas desviando-se dela em trs

    aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, ele distancia-se da crtica moderna

    subparadigmtica, que procura desenvolver alternativas emancipatrias dentro do

    paradigma dominante. Ao contrrio das alternativas subparadigmticas, Santos

    procura desenvolver alternativas fora do paradigma moderno, desenvolvendo uma

    crtica radical a esse paradigma, negando tanto os seus modelos por ele chamados

    regulatrios, tanto os seus modelos por ele chamados de emancipatrios. E

    atentando-se, assim, para as supostas alternativas emanciptrias que anunciam o

    paradigma emergente.

    O segundo desvio realizado por ele em relao crtica moderna

    subparadigmtica diz respeito:

    (...) ao estatuto e objetivos da crtica. Todo o pensamento crtico centrfugo e subversivo na medida em que visa criar desfamiliarizao emrelao ao que est estabelecido e convencionalmente aceite comonormal virtual inevitvel necessrio. Mas quanto para crtica moderna oobjetivo do trabalho crtico criai desfamiliarizao a residindo o seucarter vanguardista a tese aqui defendida que o objetivo da vida nopode deixar de ser familiaridade com a vida. Por isso a desfamiliarizao aqui concebida como um momento de suspenso necessrio para criaruma nova familiaridade. O objetivo ltimo da teoria crtica ela prpria,transformar-se num novo senso comum, um senso comum emancipatrio.No h vanguardas seno na cabea dos vanguardistas.(SANTOS, ibidem, p.16-17).

    O terceiro fator de distanciamento da crtica moderna est relacionado a certa

    tendncia de auto-crtica. Para ele, quando a teoria crtica moderna critica

    elementos, no critica si prpria, ponderando at que ponto legtima. Ou seja, a

    crtica moderna deveria no somente criticar fatores externos a si mesma, mas

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    fatores internos, relativizando sua prpria estrutura interna como caminho a

    alternativas emancipatrias, criticando sua prpria crtica. Ele argumenta:

    A auto-reflexidade a atitude de percorrer criticamente o caminho dacrtica. Esta atitude particularmente crucial quando o caminho atransio paradigmtica porque, nesse caso, a dificuldade dupla: a crticacorre sempre o risco de estar mais perto do paradigma dominante e maislonge do paradigma emergente que supe. (...)Pelo fato de a modernidade ser o paradigma dominante, a auto-reflexividade tem de enfrentar um problema adicional. Mesmoreconhecendo que, como nos ensinam Kierkegaarrd, Dewey e Bordieu, oautor da crtica est to situado numa dada cultura quanto o que critica,qual o valor desse reconhecimento quando a cultura em causa se recusaa reconhecer a sua prpria situao, ou seja, o seu contexto e o seuparticularismo? este o caso da modernidade. Neste livro, a modernidade simultaneamente menos e mais do que convencionalmente se dizia.

    menos porque a modernidade aqui entendida como modernidadeocidental. No se trata de um paradigma scio-cultural global ou universal,mas sim de um paradigma local que se localizou com xito, um localismoglobalizado. Mas, por outro lado, a modernidade, na concepo aquiadotada, mais do que o que cabe na definio que convencionalmente setem em tela. As tradies e as dimenses da modernidade ocidentalexercem em muito o que acabou por ser consagrado no cnone moderno.A constituio do cnone foi, em parte, um processo de marginalizao,supresso e subverso de epistemologias, tradies culturais e opessociais e polticas alternativas em relao s que foram nele includas.(SANTOS, ibidem, p.17-18).

    Santos (ibidem) se prope a realizar este movimento a partir da recuperao

    de alternativas presentes nos resduos e runas, buscando fragmentos

    epistemolgicos, culturais, sociais e polticos que ajudem a reinventar a

    emancipao. Essas alternativas seriam buscadas no lixo cultural do paradigma

    dominante e nas culturas subjugadas pelo colonialismo e neocolonialismo exercidos

    pelo paradigma ocidental dominante.Netto (1997) mostra como os ps-modernos equiparam a teoria social

    marxiana teoria positivista, por meio da anlise da obra de Santos Pela Mo de

    Alice.

    Netto (ibid) afirma que Santos se contradiz quando afirma que o marxismo

    nada tem a contribuir ao ps-modernismo de celebrao, mas tambm pouco

    poderia contribuir, no plano epistemolgico, para ajudar na transio paradigmtica,

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    afirmada pelo ps-modernismo de oposio. O antagonismo reside no apenas no

    fato de as duas posies serem portadoras de um neoirracionalismo, mas tambm

    no paradigma de cincia moderna com que os dois ps-modernismos operam. O

    prprio paradigma de cincia moderna com que Santos opera (e a referida

    interpretao de Marx) questionado pelo referido autor:

    O conceito de paradigma, se pode ter alguma valia quando se trata deabordar o desenvolvimento das cincias que tm por objetivo a realidadedo ser natural, enferma de inteira imprestabilidade quando deslocadopara a apreciao do evolver do conhecimento do ser natural (recorde-se,alis, que Kuhn, responsvel pela divulgao do conceito no seu conhecidoA estrutura das revolues cientficas,mostrou-se muito ctico quanto

    sua aplicabilidade sobre as cincias sociais, consideradas por ele comopr-paradigmticas). Ora, Sousa Santos desenvolve uma elaboradaverso do paradigma da cincia moderna que estende tranquilamente daanlise das cincias duras ao trato das cincias sociais e, nestatranslao, tal paradigma se converte num instrumento de reduoindiferenciada que equaliza todo o sculo XIX, enfiando no mesmo saco dacincia moderna seja a lgica hegeliana, o sistema categorial de Marx ouas tipologias durkheimianas (Weber, naturalmente, tem a umenquadramento difcil). Neste reino de absoluta indiscriminao,praticamente toda construo terica (insista-se nessa qualificao:terica) do sculo XIX, e no s, subsumida na razo puramenteinstrumental e, pois, repugna sensibilidade ps-moderna, seja elareconfortante ou no.

    A determinao fundamental da qual parte Sousa Santos para interpelar aMarx situa-se neste marco. Afirma o autor: Marx demonstrou uma fincondicional na cincia moderna e no progresso e racionalidade que elapoderia gerar. Pensou mesmo que o governo e a evoluo da sociedadepodiam estar sujeitos a leis to rigorosas quanto as que supostameteregem a natureza, numa antecipao do sonho, mais tarde articulado pelopositivismo, da cincia unificada (35). Este o Marx de Sousa Santos um positivista avant la lettre, um pr-Durkheim edulcorado por umaperspectiva utpica (de um utopismo insufucientemente radical!) , este o Marx que, com a facilidade viabilizada pelo desprezo textualidade e documentao, todos os ps-modernos consideram personagem doJurassic Park.(NETTO, ibidem, p. 132 133).

    O autor salienta que esse um grave equvoco sobre a cincia moderna, bem

    como uma considerao reducionista da teoria social de Marx, no levando em

    conta fatores centrais que Marx notou sobre o carter das leis histrico-sociais.

    Netto (ibidem) mostra que Santos afirma em seu referido livro que a teoria

    social de Marx afirmaria a conexo automtica entre o desenvolvimento tecnolgico

    das foras produtivas e a transio para o socialismo. Santos completou que, com o

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    evidente desenvolvimento do capitalismo e a no realizao da transio socialista,

    a teoria marxiana teria se perdido no prprio capitalismo.

    Contudo, Netto (ibidem) reafirma o equvoco do autor, por meio da anlise de

    um preceito central na teoria de Marx, que sinaliza que a transio socialista

    somente pode ser alcanada mediante a organizao da vontade poltica dos

    proletrios. (NETTO, ibidem, p.134).

    Netto (ibidem) salienta que Marx deixou claro que as lutas entre capital e

    trabalho, que dependendo do nvel de conscincia e mobilizao do proletariado,

    podem levar o capital a inovar cientfica e tecnologicamente.

    O autor salienta que similar equvoco pode considerar uma conexo (na obra

    de Marx) entre o progresso tecnolgico e o progresso social. Marx salientou que a

    sociedade capitalista formada por contradies de carter antagnico e que o alto

    desenvolvimento tecnolgico, na sociedade burguesa, pode conduzir barbrie.

    Netto (ibidem) mostra que Santos se confunde em outra tentativa de anlise

    da teoria marxiana, quando separa a sociologia e a utopia de Marx, na busca pela

    resposta se Marx poderia contribuir como alternativa societria, buscando em

    partes da teoria de Marx, que ele denomina de: processos de determinao social

    e autonomia do poltico, ao coletiva e identidade e direo da transformao

    social. Nessas trs partes, Santos avalia que Marx nada mais que um utpico, oque diz, portanto, que sua teoria no valida como alternativa societal.

    Em relao aos processos de determinao social e autonomia do poltico,

    Santos afirma que a teoria marxista portadora de um reducionismo econmico

    (SANTOS apud NETTO, ibidem, p.136). Santos assim o faz por tratar o legado de

    Marx em partes distintas, sem considerar o conceito da totalidade. Ao contrrio, trata

    o conceito como um preceito totalizador, o que o leva a essa anlise inadequada.

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    No que diz respeito ao que Santos denomina de ao coletiva e identidade,

    Netto (ibidem) afirma que as afirmaes de Santos so pertinentes e instigantes, e

    merecem atenciosa anlise, o que no caberia na nota em questo.

    Sobre direo da transformao social, Santos diz que a anlise de Marx

    sobre a transformao da sociedade por meio do desenvolvimento de contradies

    vlida, porm, para ele, Marx no teria notado a articulao entre a explorao do

    trabalho e a destruio da natureza, por isso a utopia de Marx.

    Assim, podemos notar que a anlise de Santos uma anlise empobrecida

    de uma teoria social bastante complexa, que exige uma anlise criteriosa e atenta

    sobre o mtodo e as questes centrais. Esse tipo de anlise reducionista no

    realizado somente com a teoria marxiana, mas com quaisquer outras, como a teoria

    de Weber e a de Drukheim, ignorando questes fundamentais compreenso

    destas.

    Netto (ibidem) completa sua crtica anlise de Santos investigando os

    motivos pelos quais um socilogo renomado e competente como Santos teria se

    deixado realizar uma anlise repleta de equvocos sobre a teoria marxiana e/ou

    marxista, chegando a credit-la como ultrapassada.

    Ele aponta que a anlise de Santos (que procede a estrutura das teorias

    sociolgicas, como o fazem os socilogos crticos ou radicais) no considera ocarter totalizante da teoria marxiana, e pressupe nveis sociolgicos que

    atuariam separadamente, tais como, o econmico, o social e o utpico.

    Esses so os motivos mediante os quais Santos realiza uma anlise pobre e

    dbil da teoria marxiana.

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    Assim, tanto o ps-modernismo de celebrao, quanto o ps-modernismo

    de oposio operam com uma caracterstica comum, o neoirracionalismo, que

    opera reduzindo e empobrecendo as teorias cientficas.

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    SEO 2 - MODERNIDADE

    O suposto colapso da modernidade asseverado com eloqncia, desde os

    anos 90, por setores das cincias humanas, pela mdia, pela arte e at pelo senso

    comum. O termo ps-modernidade utilizado para designar no s a falncia dos

    valores modernos, mas tambm o prenuncio de uma sociedade posterior, a

    sociedade ps-moderna.

    Aqueles que se baseiam nessa idia e que possuem, portanto, uma

    argumentao ps-moderna, diagnosticam o fim das estruturas da modernidade e

    dos seus principais preceitos, sobretudo da razo, elemento norteador da vida

    moderna. A razo declarada culpada pelos males modernos, pelas injustias

    sociais, at mesmo pela destruio da natureza. A cincia, regida pela razo,

    acusada de provocar novas formas de dominao entre os homens e de estimular a

    destrutividade humana.

    Entretanto, possvel assegurar a persistncia da modernidade. Para tanto, a

    anlise dos processos constituintes da Era Moderna o Iluminismo, a Ilustrao, a

    Revoluo Francesa e a Revoluo Industrial - indispensvel.

    2.1 O QUE MODERNIDADE

    A Era Moderna corresponde ao perodo histrico posterior ao perodo da

    Idade Mdia. Contudo, sua constituio se deu concomitantemente ao fim do

    sistema feudal.

    Segundo nos apontam Braz e Netto (2008), a crise do feudalismo se abriu no

    sculo XVI e se finalizou no sculo XVIII. Ainda, de acordo com as indicaes de

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    Netto (1986), a Era Moderna resultado de um processo de mudanas que se

    instaurou entre o sculo XVIII e o XIX, na Europa Ocidental.

    Com efeito, neste perodo (entre o incio da crise do feudalismo e a

    instaurao da modernidade) ocorreram transformaes de inmeras ordens, das

    quais o Iluminismo e a Ilustrao se constituem como fundamento. Rouanet (1993)

    nos mostra que a Ilustrao se difere do Iluminismo:

    O Iluminismo um ens rationis, no uma poca ou um movimento. Porisso, sempre o distingui da Ilustrao, que designa, esta sim, um momentona histria cultural na histria do Ocidente. Enquanto construo, oIluminismo tem uma existncia meramente conceitual: a destilaoterica da corrente de idias que floresceu no sculo XVIII em torno dosfilsofos enciclopedistas como Voltaire e Diderot, e de herdeiros dessacorrente, como o liberalismo e o socialismo, que, incorporando de modoseletivo certas categorias da Ilustrao, levaram adiante a cruzadailustrada pela emancipao do homem. (ROUANET, ibid, p.13-14).

    O Iluminismo, portanto, no foi um fato que se limitou ao sculo XVIII, tal

    como a Ilustrao. De fato, existem autores iluministas pertencentes a pocas

    posteriores ao perodo de consolidao da sociedade moderna, como Karl Marx e

    Freud, por exemplo.

    Rouanet (ibidem) analisa a Ilustrao e seus herdeiros, o projeto societrio

    capitalista e o projeto societrio socialista. Para ele, a Ilustrao, bem como seus

    herdeiros esto em crise. A Ilustrao foi a mais generosa materializao histrica

    do Iluminismo, capaz de levar grandioso avano ao gnero humano, entretanto,

    suas principais estruturas no alcanaram os objetivos iluministas propostos. A

    sociedade moderna est sendo conduzida barbrie social. O autor teoriza a

    Ilustrao, o socialismo e o capitalismo. Seu intuito a retomada da idia iluminista,

    para a construo de uma modernidade que supere os males que esses processos

    no conseguiram superar.

    Assim, Ilustrao postula trs principais preceitos, a saber, a universalidade, a

    individualidade e a autonomia.

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    A universalidade considera a igualdade entre os homens, independentemente

    de fronteiras, raas e religies. Corresponde ao reconhecimento de que todos tm

    condies de formar uma sociedade livre dos critrios de diferenciao antes

    estabelecidos, pois todos possuem a mesma natureza, dotados da razo universal

    capaz de direcion-los tanto para a cincia (uma cincia universal, com os mesmos

    princpios para todos), quanto para a moral (uma moral igualmente universal, vlida

    para quaisquer povos e formulada nos mesmos critrios). certo que a Ilustrao

    no atentou para as diferenas reais, que impediam a universalidade de entrar em

    vigor, entretanto, essa abordagem abstrata da universalidade cooperou para a

    eliminao de formas de preconceitos at ento arraigadas e distantes da crtica at

    mesmo por parte de importantes filsofos iluministas, como Voltaire, que

    apresentava certa dose de anti-semitismo.

    A individualidade corresponde ao reconhecimento das caractersticas prprias

    dos homens que os diferenciam entre si, tais como talentos e gostos. Essa premissa

    liberou os homens da existncia circunscrita apenas coletividade.

    O foco no indivduo o fez portador de direitos, concedendo o direito

    felicidade, auto-realizao e posicionando o indivduo no centro de tudo em

    relao ao coletivo, o colocando numa posio de exterioridade em relao

    estrutura social, com possibilidade de elaborar juzos ticos e polticos de justiauniversal, o que antes no era possvel, pois o homem estava fixado s

    particularidades regionais. A partir desse princpio o indivduo poderia ser

    reconhecido como sujeito nico, sujeito pensante e passvel de modificar seu

    destino. Algo totalmente inovador em relao Antigo regime, pois as

    potencialidades dos homens estavam subordinadas a seus grupos de origem, como

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    os feudos e famlias a que pertenciam, se eram nobres etc., no sendo possvel a

    realizao de trabalho inovador, que o distinguisse da atividade de sua famlia.

    Entretanto, o princpio individualizante disseminou, j no sculo XVIII, uma

    dose de hedonismo no antigo regime, fazendo o homem esquecer que a auto-

    realizao s pode ser alcanada pela prtica social coletiva. Caracterstica esta que

    em muito concernia com o estabelecimento do projeto capitalista-liberal de

    sociedade.

    A autonomia intelectual correspondeu libertao do homem em relao aos

    preconceitos e supersties, levando-o prtica da razo e adoo da cincia.

    Este ideal estava no cerne da Ilustrao, porque liberava o homem de aceitar as

    verdades absolutas da Igreja feudal e o direcionava ao desenvolvimento da razo

    humana, podendo questionar livremente as estruturas sociais e as idias presentes

    na sociedade.

    A autonomia poltica consistiu na liberao da ao do homem na vida

    pblica. Na vertente liberal, o homem poderia agir livremente independentemente de

    regras estatais. Deste pensamento partilhavam Montesquieu, Voltaire e Diderot.

    Outro princpio devidamente incorporado pelo projeto societrio liberal e utilizado

    como base ideolgica de suas estruturas, foi o da liberdade econmica.

    A autonomia econmica se revelou um princpio totalmente conivente aoprojeto societrio liberal, pois ia ao encontro dos interesses da nascente burguesia.

    E mesmo diante do visvel estado de misria dos trabalhadores das primeiras

    fbricas capitalistas os economistas liberais acreditavam que bastava deixar as leis

    do mercado agir livremente para que os homens encontrassem melhores condies

    de vida, como se esse princpio validasse os outros, trazendo-os existncia

    simplesmente por estar em vigor.

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    H ainda o princpio da liberdade poltica, preconizando que o homem deveria

    participar da formao do governo ou ser o prprio governo. Era o que pensava

    Rousseau. Este filsofo se constitua como exceo em relao aos outros, por ser

    o nico essencialmente democrtico, defendendo a total participao do povo no

    exerccio do governo. Este princpio bastante alinhado ao projeto socialista, pois

    segue a lgica de uma sociedade direcionada pelo povo e no somente por uma

    minoria detentora de poder.

    Os projetos societrios inspirados na Ilustrao incorporaram de maneiras

    diferentes estes ideais. O liberalismo incorporou de maneira distinta os ideais

    modernos, levando-os a interpretaes diferentes. Preconizou a liberdade

    econmica em detrimento de todos os outros e, como veremos mais adiante por

    meio da anlise de outro autor, o princpio de liberdade econmica foi absorvido pelo

    liberalismo de forma conservadora para dar outro direcionamento ao projeto

    Ilustrado, freando-o no que tange ao alcance da liberdade e igualdade entre os

    homens. Assim, a burguesia encontra justificativa ideolgica para continuar sendo

    proprietria dos meios de produo.

    Rouanet (ibidem) demonstra que a Ilustrao foi uma materializao histrica

    do Iluminismo, responsvel por transformaes no plano econmico, poltico e

    cultural. E que a Era Moderna fruto de um processo de racionalizao (Ilustrao)que abarcou a economia, a poltica e a cultura.

    Entretanto, a Ilustrao apresentou duas correntes modernizadoras, uma

    centrada na busca pela eficcia dos sistemas e outra na tnica da autonomia dos

    homens. O objetivo da Ilustrao era o de modernizar os sistemas do antigo regime

    por meio da racionalizao, conceito que possua diferentes significados, de acordo

    com cada herdeiro da Ilustrao, o socialismo e o liberalismo/capitalismo.

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    O socialismo est ligado ao conceito de modernizao por meio da busca

    pela autonomia dos homens, deixando subordinadas a essa busca todas as outras

    implicaes da modernizao, inclusive o plano econmico. J o capitalismo prima

    pela eficcia dos sistemas e deixa em segundo plano as outras implicaes, at

    mesmo o ideal de autonomia dos homens.

    Para analisar o processo de modernizao segundo o projeto capitalista,

    Rouanet (ibidem) se utiliza de Weber, que descreve a Modernidade se utilizando dos

    termos modernizao e racionalizao, porm se valendo muito mais do segundo

    que do primeiro, pois, o termo racionalizao significa, para aquele autor, aumento

    de eficcia. Assim sendo, Weber trata da consolidao do capitalismo industrial,

    segundo a difuso da tica protestante. Para Weber, racionalizar significava atribuir

    eficcia3.

    A sociedade ocidental do antigo regime, ento, sofreu inmeros processos de

    racionalizao que a conduziram Modernidade:

    (...) esses processos de racionalizao se aceleraram, se difundiram, seinterpenetraram, reforando-se mutuamente, e provocaram inovaes emcadeia, destruindo as bases da sociedade tradicional.(ROUANET, ibidem, p.120).

    Rouanet (ibidem), ento, nos demonstra como os processos de

    racionalizao segundo o conceito de eficcia invadiram as esferas da economia, da

    poltica e da cultura. No plano econmico, a economia feudal era consideradaultrapassada pela carncia de eficincia de seus sistemas, pela privao de eficcia.

    As formas de produo feudal, baseadas nos vnculos de subordinao e

    imobilidade espacial dos fatores de produo, foram dissolvidas e substitudas pelo

    formato de economia moderna capitalista. Entrava em cena a mentalidade

    3 Rouanet (ibidem) elucida a terminologia por meio da diferenciao dos termos, na exemplificao desociedades que foram submetidas a intensos processos de racionalizao, mas que no so modernas, como ohindusmo e alguma sociedade baseada no animismo.

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    empresarial moderna, baseada na previso, no clculo, em tcnicas racionais de

    contabilidade. (ROUANET, ibidem, p.120).

    A configurao desses fatores propiciou a instituio do trabalho formalmente

    livre e da, a instalao do trabalho assalariado, e esse processo abriu caminho

    constituio do capitalismo industrial, que possui como caractersticas as tcnicas de

    gesto num nvel de racionalidade mais elevado, com a administrao racional da

    empresa e constante incorporao de conhecimentos cientficos no processo de

    produo. A instituio desse quadro econmico instaurou todas as caractersticas

    constituintes da economia moderna.

    A racionalizao levou tambm dissoluo do sistema poltico do antigo

    regime. Tal processo no plano poltico conduziu substituio da autoridade

    descentralizada pelo Estado absolutista e, posteriormente pelo Estado com todas as

    caractersticas modernas, a saber, um sistema tributrio centralizado, um poder

    militar permanente, o monoplio da violncia e da legislao e uma administrao

    burocrtica racional.

    E a racionalizao cultural, ocorreu por meio da dessacralizao das esferas

    de viso de mundo at ento submetidas religio e, portanto desprovidas de

    autonomia: a cincia, a moral e a arte:

    A cincia moderna permite o aumento cumulativo do saber emprico e dacapacidade de prognose, que podem ser postos a servio dodesenvolvimento das foras produtivas. A moral, inicialmente em relaosimbitica com a religio, se torna cada vez mais secular: ela passa aderivar de princpios gerais, e adquire carter universalista, distinguindo-senisso das morais tradicionais, cujos limites coincidiam com o do grupo oudo cl. Enfim, surge a arte autnoma, destacando-se do seu contextotradicionalista (arte religiosa) em direo a formas cada vez maisindependentes, como o mecenato e a produo para o mercado. Cada umadas esferas de valor se desenvolve dentro de contextos institucionaisprprios as universidades e laboratrios, no caso da cincia, acomunidade dos juristas, no caso do direito, e no caso da arte o sistema deproduo, distribuio e consumo dos bens estticos, assim como a crtica,mediando entre o artista e o pblico.(ROUANET, ibidem, p.121).

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    Portanto, Weber (apud Rouanet, ibidem, p.121) mostra como um processo de

    racionalizao progressivo, o conceito de modernizao est relacionado ao

    aumento de eficcia dos sistemas poltico, econmico e social da sociedade

    moderna.

    Rouanet (ibidem) demonstra que a anlise de Weber sobre o conceito de

    eficcia pode ajudar na compreenso dos processos que levaram o antigo regime a

    se tornar moderna. Ele contrape o conceito de modernizao arbitrria ao conceito

    de modernizao iluminista. Em seguida, elucida que a modernizao arbitrria visa

    eficcia dos sistemas, pois uma sociedade no pode ser reconhecida como

    moderna se suas instituies no funcionam eficazmente. Contudo, o conceito

    iluminista de modernizao objetiva em primeiro lugar a autonomia dos sujeitos,

    portanto, o bom funcionamento dos sistemas no deve sobrepujar a autonomia dos

    indivduos.

    Rouanet (ibidem) alerta que a formulao iluminista de modernizao no

    uma construo arbitrria, antes, foi derivada de trs construes histricas (a

    Ilustrao, o socialismo e o liberalismo) que servem como base construo da

    idia iluminista proposta por ele.

    Ele se detm anlise da Ilustrao para interpretar os eixos do conceito de

    modernizao iluminista: o que objetiva a eficcia (e est relacionado interpretaode Weber) e o que pretende o alcance da autonomia, se valendo da diviso analtica

    do processo de modernizao em modernizao econmica, poltica e cultural.

    Desse modo, o autor busca a compreenso da funcionalidade do programa

    modernizador ilustrado e se utiliza da interpretao de Weber como fio condutor.

    Todavia, o autor alerta para uma questo prvia sobre a teoria de Weber. Essa

    questo reside no ato de Weber ter dirigido seu enfoque de estudo da modernizao

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    pela tica protestante, e no ter utilizado seu mtodo de tipo ideal para o estudo da

    Ilustrao como agente modernizador. Para Weber, a Reforma Protestante exerceu

    papel fundamental na formao da sociedade capitalista. Ele indica que existe uma

    relao direta entre as doutrinas de denominaes protestantes e a tica capitalista,

    pois essas doutrinas pregam a adeso a prticas que acabam por favorecer o

    sistema de trabalho capitalista. Diz respeito a:

    Uma tica econmica, que favorece o trabalho, como forma de evitar astentaes mundanas, e estimular a poupana, pois o luxo e o consumo

    ostensivo revelam uma preocupao condenvel com os bens materiais. Otrabalho incessante, necessrio para evitar uma ociosidade culpada,associado extrema austeridade nos hbitos de consumo, pode levar riqueza. Esta no um mal em si, pois o pecado est na fruio dos bensterrestres, no em sua aquisio. Ao contrrio, a atividade aquisitiva,fundada no sacrifcio e impondo a renncia ao prazer, no pode deixar deser bem-vista por Deus. De resto, a riqueza tem um valor psicolgicoimportante: adepto da doutrina da predestinao, o empresrio calvinistanunca pode saber se pertence ou no ao nmero dos eleitos, e o trabalhointenso, abenoado pela prosperidade, pode ser uma prova de ter sidoescolhido pela graa divina. Examinando no somente a teologia deCalvino e Lutero, mas as recomendaes pastorais contidas nos livros derecomendaes da poca, como os de Baxter e de Wesley, Weber est

    convencido de que essa doutrina, pregada nos plpitos e ensinada nosmanuais piedosos, contribuiu para formar um tipo de personalidadeajustada s exigncias da acumulao capitalista. Filtrada pelos sermes,a teologia transformou-se em tica, que levou a uma organizao racionalda vida rationale Lebensfhrung caracterizada pelo estritoplanejamento de todas as atividades, pelo aproveitamento integral dotempo, pela dedicao incondicional ao ofcio, ao Beruf, e esse estilo devida racional acabou se convertendo num dos suportes mais importantesdo processo de racionalizao. Foi por essa via que a Reforma, comoconstelao ideal, veio a funcionar como um poderosssimo veculo demodernizao.(ROUANET, ibidem, p.123)

    Contudo, Rouanet (ibidem) se dispe ao estudo da modernizao ilustrada

    por meio do mtodo de Weber, argumentando:

    Dada essa nfase nos fatores ideais, surpreende um pouco que Weber notenha estudado outra constelao ideal, que parece pelo menos torelevante na segunda etapa do processo de modernizao (contemporneada Revoluo Industrial) quanto a Reforma havia sido para aprotomodernidade. Refiro-me, evidentemente, Ilustrao.(ROUANET, ibidem, p.123).

    E completa externando sua surpresa por Weber no ter problematizado a

    Ilustrao, considerada por ele como uma etapa mais marcante e produtora de

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    efeitos mais profundos que a Reforma, alm de a Ilustrao ter se declarado, desde

    o incio, como um programa de modernizao. Tambm, completa que o objetivo

    central da Ilustrao a modernizao, ou seja, a passagem do velho para o novo,

    de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna, racionalizando as

    estruturas sociais, da economia, da poltica e da cultura. E aponta como ocorreu o

    processo de modernizao nas principais estruturas do mundo antigo, quais so a

    economia, a poltica e a cultura, que se subdivide em moral e arte.

    No plano da modernidade econmica, a Ilustrao atuou assentando e

    intensificando as bases da tica econmica que a Reforma Protestante j havia

    iniciado, criando uma mentalidade favorvel ao comrcio, ao ganho e ao trabalho. O

    mundo do trabalho unia todas as religies que, no exerccio da economia, podiam

    encontrar paz. O mundo da aristocracia era criticado e as atividades capitalistas

    eram estimuladas como prticas modernas.

    Alm da unificao das religies, o trabalho e o comrcio tambm eram vistos

    como unificadores dos povos, em virtude do fato de que todos eram comerciantes,

    burgueses ou trabalhadores e no mais identificados como pertencentes a um cl ou

    a uma regio. O mundo da economia capitalista trazia um horizonte ainda no

    experimentado, uma promessa de vida nova, promissora, unificadora dos povos.

    O trabalho tomou a cena, como elemento norteador da vida, somentehavendo sentido nesta mediante o exerccio do trabalho. Assim como os pregadores

    daquelas denominaes protestantes estimulavam o trabalho como forma de fugir

    do cio e de agradar a Deus, os filsofos iluministas pensavam o trabalho como o

    fim nico do homem. Sem a ocupao, o homem no encontra razo para sua

    existncia.

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    Alm disso, a exaltao do trabalho serviu aos empregadores como meio de

    enquadrar os seus empregados disciplina do trabalho. De acordo com essa lgica,

    os feriados so considerados como um bloqueio quilo que pode glorificar o homem:

    o trabalho. Assim, a tica de glorificao do trabalho contribuiu de forma decisiva

    para a formao do sistema industrial de produo.

    A Ilustrao ajudou a minar todas as bases econmicas do Antigo Regime.

    Ajudou a tornar a fora de trabalho livre, inclusive a que pertencia ao regime de

    mosteiros. Contribuiu, ainda, para o cercamento dos campos, para a abolio dos

    impostos alfandegrios, para a livre iniciativa dos novos burgueses, para a total

    liberdade de mercado e para a formao da economia industrial.

    Tambm contribuiu para o estabelecimento do contrato de trabalho livre,

    numa suposta troca4 justa entre empregador e empregado, sendo o salrio

    correspondente ao preo do trabalho, determinado pelo mercado.

    A modernizao poltica foi decisiva na abolio das estruturas do Antigo

    Regime. Rouanet (ibidem) demonstra que os filsofos foram ativos em cada uma

    das esferas enunciadas por Weber, atuando diretamente na campanha pela

    eliminao de prticas polticas baseadas em critrios no racionais, mas pela

    tradio religiosa e na dominao da nobreza feudal.

    Se quisssemos resumir em duas palavras o programa de modernizaopoltica da Ilustrao, a frmula simples, ela tambm weberiana:dominao legal. O Estado do Antigo Regime correspondia ao tipo ideal dadominao tradicional, buscando sua legitimao seja na teoria do direitodivino, seja nas tradies do reino, desde a conquista da Glia pelosfrancos de quem os reis se consideravam os descendentes. Os filsofosrecusam essa legitimao, e a substituem quer pro princpios derivados darazo ou da utilidade, quer pela manifestao da vontade popular.(ROUANET, ibidem, p.128).

    4Netto e Braz (2008) demonstram como essa suposta troca justa no sistema capitalista encobre a mais-valia,definida como a extrao do excedente produzido pelos trabalhadores e realizada pelos proprietrios dos meiosde produo.

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    A racionalizao cultural ocorreu, em ltima instancia, em oposio religio,

    ao papel que esta exercia na mentalidade dos homens, levando-os a seguirem

    verdades pr-determinadas e sem questionamento racional. Foi o desencantamento

    do homem, a secularizao do mundo. Um conjunto de esforos para eliminar a

    superstio e o fanatismo, antes responsveis por ditar a viso de mundo que os

    homens possuam.

    Exorcizada a religio, as condies esto criadas para a autonomizaodas diferentes esferas de valor, que antes aderiam simbioticamente aouniverso religioso: a cincia, a moral e a arte.(ROUANET, ibidem, p.132).

    No podemos deixar de mencionar a atuao da Ilustrao na f no potencial

    da cincia pura e da cincia aplicada em benefcio da produo.

    Rouanet (ibidem) salienta o vnculo eminentemente dialtico entre a cincia e

    a Ilustrao. A cincia forneceu os subsdios Ilustrao para desarraigamento da

    religio, para a emancipao da cincia como esfera autnoma, com princpios

    norteadores livres do saber religioso.

    A moral tambm tomou seu lugar como esfera autnoma da religio, graas

    aos esforos dos filsofos contra as influncias religiosas nesta rea. A atuao dos

    filsofos nessa esfera se deu por meio da aluso a sociedades em que a moral no

    era regida pela religio, consideradas mais justas que as sociedades possuidoras de

    moral religiosa. O argumento era fundamentado nos inmeros casos de atrocidades

    cometidas em nome da religio. Esses esforos pretendiam a criao e legitimao

    de uma sociedade cuja moral fosse secular e apresentasse resultados positivos:

    uma moral racional e universalista.

    Com efeito, todo o proselitismo dos filsofos, na esfera tica, tendia amostrar que os homens podiam ser virtuosos sem a religio revelada, eque esta, pelo contrrio, estimulando o fanatismo e a intolerncia, tinhasido a principal responsvel pelos crimes da humanidade.(ROUANET, ibidem, p.135).

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    Liberta de critrios religiosos, a moral podia se basear em princpios sociais e

    materiais. Num primeiro momento, a moral recebeu influncias do desmo5, mais

    tarde, caminhou em direo a princpios materialistas6

    .

    No campo artstico, a modernizao, seguindo pelo mesmo caminho,

    transformou a arte em uma esfera de valor auto-suficiente. Durante o sculo XVIII,

    saiu de cena o mecenato e entrou o artista liberal. Gradualmente, os artistas

    deixaram de ser financiados por um produtor opulento, secular ou eclesistico, e

    passaram a produzir para uma clientela amante da arte.

    Dessa relao, surgiu a necessidade da mediao entre o artista e o pblico:

    nasceu a crtica esttica. No primeiro momento, essa relao era amadora, mais

    tarde, surgiu a necessidade de seu aprimoramento.

    Os filsofos tambm participaram ativamente tambm nesse processo, isso

    porque muitos deles eram artistas, dedicavam-se pintura e s letras. Portanto,

    muitos artistas podiam legitimar o direito de filosofar sobre a arte, o que acabou por

    aprimorar a crtica da arte. Rouanet (ibidem) examina que tarefa difcil distinguir

    quais foram exatamente as influncias da Ilustrao nessa relao de reciprocidade

    entre arte e filosofia. Entretanto, subentende-se que a relao foi contaminada pelo

    clima ilustrado. Os filsofos se esforaram para pensar a arte como uma esfera que

    no estava a servio de nenhuma instncia, fosse do Estado, da religio, da razoou dos poderosos. A arte deveria estar a servio da humanidade. Seus critrios

    deveriam ser livres.

    5Sistema ou atitude dos que rejeitam toda espcie de revelao divina, mas admitem a existncia da divindade.(FERREIRA, 2001, p.206).

    6 O materialismo pode ser definido como Qualquer das doutrinas filosficas que afirme a antecedncia danatureza com relao ao esprito, mente ou a qualquer realidade de ordem intelectual.(FERREIRA, ibid, p.451).

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    Do mesmo modo, houve esforos por parte dos filsofos em autonomizar os

    critrios internos da arte com relao cultura adjacente. A princpio, os filsofos e

    artistas seguiram as tendncias da esttica neoclssica, segundo a qual o belo

    estava a servio do verdadeiro e do justo, retratando a realidade. Os artistas

    acreditavam que a funo da arte era aperfeioar a moral dos homens.

    Mas esse papel moralizador da arte foi sendo substitudo por outro, o seu

    contrrio. Filsofos como Nicolai argumentavam que a arte poderia servir como

    educadora num mundo de brbaros, mas, numa sociedade civilizada, a arte deveria

    divertir os homens racionalmente.

    Pouco a pouco, a funo da arte foi mudando. A arte no possua mais a

    obrigao de tratar do real, mas uma verdade esttica, subjugada a uma legalidade

    interna prpria esttica:

    O artista continua a servio da verdade, mas trata-se de uma verdadeesttica, que o pintor produz pela preciso com que usa suas cores e

    volumes. A beleza no est na cpia dos objetos externos, e sim naproduo de um objeto novo, a partir de um modelo interior, no contidona realidade.(ROUANET, ibidem, p.142).

    Da mesma forma, o padro de gosto esttico deixou de se submeter a

    influncias da religio, do Estado, da moral etc. tal como a atividade esttica, o juzo

    esttico deveria ser desinteressado, livre de influncias externas. Nesse processo

    residiam as influncias ilustradas.

    Rouanet (ibidem) ainda examina como os herdeiros da Ilustrao levaram

    adiante, com diferentes enfoques, o seu projeto de racionalizao e modernizao

    da vida e incorporaram de maneiras distintas os principais ideais ilustrativos, a

    saber, a universalidade, a individualidade e a liberdade.

    Tanto o projeto capitalista/liberal quanto o socialista so derivados da

    Ilustrao. Contudo, esses projetos possuem enfoques diferentes. O liberal possui

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    enfoque na eficcia dos sistemas, valor que foi bem demonstrado por Weber em sua

    anlise do capitalismo a partir da difuso de valores protestantes. J o foco do

    projeto socialista reside na autonomia dos homens.7

    O projeto socialista ilustrado prima pela autonomia e pelo universalismo,

    deixando em segundo plano o aumento de eficcia dos sistemas, bem como o ideal

    de liberdade, quando este se restringe liberdade econmica. Portanto, este

    herdeiro da Ilustrao, o socialismo, diz respeito ao que Rouanet (ibidem) chama de

    modernizao iluminista, ao contrrio da modernizao funcional, caracterizada pela

    primazia do aumento da eficcia dos sistemas e materializada por outro herdeiro da

    Ilustrao: o capitalismo/liberalismo.

    A modernizao que preza pelo aumento da autonomia apresenta propostas

    diferentes de modernizao para a economia, a poltica e a cultura. Propostas que

    esto direcionadas ao homem, no ao sistema de produo e circulao de bens e

    servios. Estes devem funcionar bem, porm o bom funcionamento deve ser

    mensurado com critrio relacionado ao bem-estar dos homens, e no do sistema de

    coisas.

    Rouanet (ibidem) indica que aps o primeiro impulso de modernizao,

    influenciado pela Reforma e pelos ideais puritanos, outra mentalidade filosfica

    emerge. Uma mentalidade com influncia hedonista

    8

    , que se contraps e sesobreps aos ideais puritanos de glorificao do trabalho e conteno dos prazeres

    mundanos. Os prprios filsofos seguiam vidas duplas, entre os ideais difundidos

    pelo puritanismo e hbitos contraditrios: muitos deles se dedicavam ao teatro, s

    7 importante salientar que a anlise de Rouanet apresenta limites com relao teoria marxiana, visto que omesmo autor no partilha dessa posio poltica e terico-metodolgica. A teoria social marxiana, alm de estar

    focada na obteno da autonomia dos homens, prope outra forma de organizao econmica e a abolio doEstado.8Definio de hedonismo: Tendncia a considerar que o prazer individual e imediato a finalidade da vida.(FERREIRA, ibidem, p.361).

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    letras, sociabilidade, arte (j delineada como desprendida de qualquer ncora

    cultural, inclusive dos ideais puritanos relativos ao trabalho capitalista).

    Como explicar a difuso desse motivo hedonista? Influncia aristocrticacontaminando a moralidade burguesa dos filsofos? No seriasurpreendente, considerando as relaes ntimas, para no dizerincestuosas, que os filsofos mantinham com a alta nobreza europia. Masse o que dissemos sobre a existncia de uma lgica da eficcia com umalgica da autonomia vlido, h uma explicao mais tentadora: o motivohedonista alude a uma viso no utilitria do mundo, alm dos imperativosdo trabalho e da reproduo material da vida. Alude a um tipo depersonalidade mais rico que o do homo economicus, livre dedetermini