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213 Manchete: a cortesã do poder Manchete: la cortesana del poder Gesner Duarte PÁDUA 1 Resumo: Este artigo aborda a trajetória histórica da re- vista Manchete, uma das mais importantes publicações brasileiras nos anos de 1950 a 1990. Analisa seu caráter eminentemente comercial e sua estratégia de se manter sempre ao lado de quem detinha o poderio político em troca das benesses econômicas que o cortejo ao poder lhe trazia. Comandada diretamente pelo dono, Adolpho Bloch, a revista se transformou em veículo de propagan- da de diversos governos, especialmente durante o regi- me militar. Durante várias décadas acomodou-se às mais diversas facções políticas hegemônicas: apoiou Getúlio Vargas, saudou Jânio Quadros, fez apologia de Juscelino Kubitschek, bajulou os generais-ditadores, depois Tan- credo Neves, José Sarney, e alardeou aos quatro ventos o “poder jovem” de Collor. Quando o alagoano foi der- rubado, saudou a ascensão de Itamar Franco como “a vitória da democracia”. Palavras-chave: Revista Manchete; Jornalismo e interes- ses econômicos; Propaganda política. Resumen: En este artículo se analiza la trayectoria his- tórica de la revista Manchete, una de las publicaciones más importantes de Brasil en las décadas de 1960 y 1990. Analiza su carácter profundamente comercial y su estra- tegia de estar siempre al lado de los que tienen el poder político a cambio de dádivas económicas. Controlada di- rectamente por el propietario, Adolpho Bloch, la revista se convirtió en un vehículo de propaganda para muchos gobiernos, especialmente durante el régimen militar. En cinco décadas apoyó a varias facciones políticas hegemó- nicas: Getulio Vargas, Jânio Quadros, Juscelino Kubits- chek, los generales dictadores, después Tancredo Neves, José Sarney. Hizo propaganda de la “fuerza joven” de Collor, pero cuando el presidente fue impedido aplaudió el ascenso de Itamar Franco como una “victoria de la democracia”. 1 Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), graduado em Jor- nalismo (Unifev) e História (Unesp). Professor do Curso de Comu- nicação Social- Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected]. Palabras clave: Revista Manchete; Periodismo y intere- ses económicos; Propaganda política. Introdução O ano de 2012 marca os sessenta anos de lança- mento daquela que foi uma das mais importantes publi- cações da história da mídia no Brasil: a revista Manchete, que, depois de um tenso processo de falência, concluído em 2000, retornou às bancas, reformulada, exatamen- te dez anos atrás, em 2002. Porém, voltou desfigurada em vários aspectos, com algumas modificações gráficas, editoriais e sem a periodicidade semanal característica. Passou a ser editada esporadicamente, geralmente por ocasião de grandes eventos, como o carnaval, até desapa- recer por completo. Um ponto final numa longa, tumul- tuada e interessantíssima trajetória histórica. Provavelmente, mais do que qualquer outra pu- blicação da sua categoria, Manchete se inseriu plenamen- te na lógica da indústria cultural brasileira. Para o grupo Bloch, e mais especificamente para o dono, Adolpho Bloch, a informação jornalística não passava, assumida- mente, de uma mercadoria a ser vendida ou barganhada com aqueles que detinham o poder, com o objetivo de receber benefícios comerciais ou políticos. E por falar em política, eis um ponto fundamental para entender essa publicação e sua longevidade em relação a muitas outras que fecharam as portas bem antes. Manchete era uma espécie de camaleão, que ganhava as cores da ide- ologia e dos interesses dos grupos no poder em cada época. Transformou-se, por conveniência, em uma cor- tesã do poder- uma estratégia do velho gráfico Adolpho para garantir a sobrevivência do seu império editorial em meio à instabilidade constante que marcou a história re- publicana brasileira até os anos 90. Neste artigo analiso panoramicamente a traje- tória dessa revista, abordando mais especificamente as suas relações com os diversos regimes e governos desde que foi lançada, em 1952. Como dizia o historiador Marc Bloch (2002), olhar para o passado nos ajuda a compre- ender melhor o presente. Espiar um pouco a história dessa grande revista pode, talvez, nos ajudar a refletir melhor sobre algumas práticas que se tornaram frequen- tes na nossa mídia nas últimas décadas. “Aconteceu, virou Manchete” Foi no final da década de 1960 que Manchete se transformou na mais importante revista semanal brasilei- ra, quando superou a então insuperável O Cruzeiro. Per- deu o posto para Veja, da Editora Abril, no começo dos

Manchete: a cortesã do poder Gesner Duarte Pádua

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Manchete: a cortesã do poderManchete: la cortesana del poder

GesnerDuartePÁDUA1

Resumo: Esteartigoabordaatrajetóriahistóricadare-vistaManchete,umadasmais importantespublicaçõesbrasileirasnosanosde1950a1990.Analisaseucarátereminentementecomercialesuaestratégiadesemantersempreaoladodequemdetinhaopoderiopolíticoemtrocadasbenesseseconômicasqueocortejoaopoderlhetrazia.Comandadadiretamentepelodono,AdolphoBloch,arevistasetransformouemveículodepropagan-dadediversosgovernos,especialmenteduranteoregi-memilitar.Duranteváriasdécadasacomodou-seàsmaisdiversas facçõespolíticashegemônicas: apoiouGetúlioVargas,saudouJânioQuadros,fezapologiadeJuscelinoKubitschek, bajulouos generais-ditadores, depoisTan-credoNeves,JoséSarney,ealardeouaosquatroventoso“poderjovem”deCollor.Quandooalagoanofoider-rubado, saudou a ascensãode ItamarFranco como“avitóriadademocracia”.

Palavras-chave:RevistaManchete;Jornalismoeinteres-seseconômicos;Propagandapolítica.

Resumen: Enesteartículoseanalizalatrayectoriahis-tóricade la revistaManchete, unade laspublicacionesmásimportantesdeBrasilenlasdécadasde1960y1990.Analizasucarácterprofundamentecomercialysuestra-tegiadeestarsiemprealladodelosquetienenelpoderpolíticoacambiodedádivaseconómicas.Controladadi-rectamenteporelpropietario,AdolphoBloch,larevistaseconvirtióenunvehículodepropagandaparamuchosgobiernos,especialmenteduranteelrégimenmilitar.Encincodécadasapoyóavariasfaccionespolíticashegemó-nicas:GetulioVargas,JânioQuadros,JuscelinoKubits-chek,losgeneralesdictadores,despuésTancredoNeves,José Sarney.Hizo propaganda de la “fuerza joven” deCollor,perocuandoelpresidentefueimpedidoaplaudióel ascenso de ItamarFranco comouna “victoria de lademocracia”.

1MestreemComunicaçãoeSemiótica(PUC-SP),graduadoemJor-nalismo(Unifev)eHistória(Unesp).ProfessordoCursodeComu-nicação Social- Jornalismo daUniversidade Federal deUberlândia.E-mail:[email protected].

Palabras clave: RevistaManchete;Periodismoyintere-seseconómicos;Propagandapolítica.

Introdução

Oanode2012marcaossessentaanosdelança-mentodaquelaquefoiumadasmaisimportantespubli-caçõesdahistóriadamídianoBrasil:arevistaManchete,que,depoisdeumtensoprocessodefalência,concluídoem2000, retornouàsbancas, reformulada, exatamen-te dez anos atrás, em2002.Porém, voltoudesfiguradaemváriosaspectos,comalgumasmodificaçõesgráficas,editoriais e sem a periodicidade semanal característica.Passou a ser editada esporadicamente, geralmente porocasiãodegrandeseventos,comoocarnaval,atédesapa-recerporcompleto.Umpontofinalnumalonga,tumul-tuadaeinteressantíssimatrajetóriahistórica.

Provavelmente,maisdoquequalqueroutrapu-blicaçãodasuacategoria,Mancheteseinseriuplenamen-tenalógicadaindústriaculturalbrasileira.ParaogrupoBloch, e mais especificamente para o dono, AdolphoBloch,ainformaçãojornalísticanãopassava,assumida-mente,deumamercadoriaaservendidaoubarganhadacomaquelesquedetinhamopoder,comoobjetivodereceber benefícios comerciais ou políticos.E por falarem política, eis um ponto fundamental para entenderessapublicaçãoe sua longevidadeem relação amuitasoutrasquefecharamasportasbemantes.Manchete eraumaespéciedecamaleão,queganhavaascoresdaide-ologia e dos interesses dos grupos no poder em cadaépoca.Transformou-se,porconveniência,emumacor-tesãdopoder-umaestratégiadovelhográficoAdolphoparagarantirasobrevivênciadoseuimpérioeditorialemmeioàinstabilidadeconstantequemarcouahistóriare-publicanabrasileiraatéosanos90.

Neste artigo analiso panoramicamente a traje-tória dessa revista, abordandomais especificamente assuasrelaçõescomosdiversosregimesegovernosdesdequefoilançada,em1952.ComodiziaohistoriadorMarcBloch(2002),olharparaopassadonosajudaacompre-ender melhor o presente. Espiar um pouco a históriadessa grande revista pode, talvez, nos ajudar a refletirmelhorsobrealgumaspráticasquesetornaramfrequen-tesnanossamídianasúltimasdécadas.

“Aconteceu, virou Manchete”Foinofinaldadécadade1960queManchetese

transformounamaisimportanterevistasemanalbrasilei-ra,quandosuperouaentãoinsuperávelOCruzeiro.Per-deuopostoparaVeja,daEditoraAbril,nocomeçodos

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anos80,masmantevepormuitotempooprestígioeaimportânciadeantes,mesmoocupandoosegundolugardo ranking.Arevista foiocarro-chefedogrupocariocaBlochque,emborasemasmesmasestratégiassofistica-dasdemarketingegestãodaAbril,teveumcarátermer-cadológicotãooumaisagudoqueaconcorrentepaulista.

Figura1.PrimeiraediçãodeManchete,26/04/1952.

O fundador, Adolpho Bloch, era judeu e imi-grante.Com13anosfugiucomafamíliadaUcrâniaparao Brasil, em 1921, depois da Revolução Russa. Tinhaumapersonalidadeparadoxal,detemperamentoaomes-mo tempo explosivo e bonachão: “Adolpho passa domauhumorpara o riso emquestãode segundos.Dospalavrõesaosafagos.Docarinhoaviolência.Dadiscus-sãoaodiálogomanso.Elogiaeesculhambaseusfuncio-nárioseseusparentescomamesmafacilidade.”(PENA,2010,p.64-65).Nocomeçodadécadade50,usouaex-periênciadafamília,quetinhaumagráficanoantigoIm-périoRusso,paramontarnoRiodeJaneiroumaeditoraesetransformaremumdosbarõesdaindústriaculturalbrasileira,comrevistasdesucesso,emissorasderádioeTV.Lançoupublicaçõesparaosmaisdiferentespúblicos,desdeosgibis,comosheróisdaMarvel,passandoporfotonovelas,revistasfemininas,rural,esportiva,atéeróti-ca,destinadaahomensdasclassesmédiaealta.Nalongalistaincluem-seFatoseFotos,Desfile,MulherdeHoje,SuperMoldes,PaiseFilhos,MancheteRural,MancheteEsportiva,SétimoCéueEle&Ela.

Poucotextoemuitafoto(deexcelentequalida-de), temasvariados, coberturas especiais eum timedecolaboradores que incluía algumas estrelas do cenárioculturalbrasileiro,comoCarlosDrummonddeAndrade,CarlosHeitorCony,ManuelBandeira,RubemBraga eFernandoSabino.EssaéareceitaquefezdeManchete a

galinhadosovosdeourodaBlochEditores.=Oretornofinanceirotinhaqueseralto,name-

didados investimentosfeitos (amaiorpartefinanciadapelogovernofederal).Eforam.Adolphomodernizouagráfica,aredação,ecomandoupessoalmenteaproduçãodarevista.

Investindo em equipamentos gráficos,priorizando a fotografia e a diagrama-ção, procurando pautar assuntos maismodernos, Manchete vai deixando OCruzeiro para trás na preferência dopúblico(...).OsnúmerossobreamortedeKennedyem1963oudosastronau-taspisandonaluaem1969tambémtêmenormerepercussão.Issosemcontarosnúmeros especiais, como por exemploos do Carnaval, cujomaterial é propí-cioàexplosãodecoresedavisualidade(MIRA,2001,p.84).

Como tempo,Mancheteprecisou investirain-damaisemqualidadegráficaparaacompanharopadrãovisual criadopelaTV, que entravana era das cores nadécadade1970.Assim,arevistapassouter20%detexto,30%detítuloseespaçosembrancoe50%defotografia(MIRA,2001,p.84).

“Seu Adolpho” e a lógica do jornalismo-merca-doria

Tudo passava pelo crivo do dono. “SeuAdol-pho”,comoerachamadopelosfuncionários,gostavadedizer que não era jornalista,mas “apenas um gráfico”(PENA,2010),oque,obviamente,lhedavamaisliberda-deparacolocardeladoalgunsprincípiosdojornalismo,comonão barganharmatérias por dinheiro ou favore-cimento político.Um exemplo relatado pelo publicitá-rioLulaVieiraexprimeessa lógica já institucionalizadanassuasrevistas.DuranteoprocessodeorganizaçãodaTVManchete, no começo dos anos 80, o publicitáriofoichamadoparaajudarnamontagemdeumatabeladepreçosparaagradedeintervaloscomerciaisdaemissoraeteveaseguinteconversacomoempresário:

[Bloch]“Lula,naeditoratemosumpre-çoparaespaçoemreportagem.Nãoes-touvendoissoaqui.”[LulaVieira]“Mas,SeuAdolpho,nate-levisãoninguémfazisso.NenhumaTV

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domundotemtabelaparanoticiário.”[Bloch]“Masissonãoémaishonesto?emvezdedefenderumououtroanun-ciante, cobramos logo pela notícia.”(PENA,2010,p.79).

O comportamento deAdolphoBloch lembra,emalgunsaspectos,odeAssisChateaubriand,quenãoeraexatamenteumbastiãodaéticajornalística.OsseusDiáriosAssociadoschegaramanegociarmatériasfavo-ráveisapolíticospeloequivalentea700milreais,alémdepressionar,comchantagemvelada,grandesempresasaanunciaremnosseusveículos(LAURENZA,2008,p.183).ComBlochoprincípiodolucroemfunçãodavisi-bilidadequesuasrevistasofereciameraomesmo,porémosmétodos geralmente diferentes: não usava coerçõesveladas,massimojogodecintura,ocortejo,paraconse-guirfavoresdepolíticospoderososouconvencerempre-sáriosacomprarsuamercadoriamaisvaliosa:oespaçopublicitárioejornalísticodassuasrevistas,especialmenteManchete(PENA,2010;BLOCH,A.,2008).

Senaindústriaculturalosbensjánãosãotam-bém mercadoria,maso são integralmente, comodiz GiselaGoldenstein(1987,p.22,grifosmeus),ficamuitotênue o limite entre os chamados “valores-notícia” dojornalismoeosvaloresmercadológicos,principalmenteemumcontextodeconcorrênciaacirrada,metasfinan-ceirasacumprirepredomíniodafilosofiado“oqueven-demais”.Umcasoexemplar:nocomeçodeagostode1955,acapadeMancheteseriasobreamortedeCarmenMiranda,segundoescolhadeAdolphoBlochedosedi-tores.Horasdepoisdofechamento,oincêndioemumaboatedoRiodeJaneirochocouosmoradoresdacidade.Adolphofoichamadoàspressasàredação.

Milharesde exemplares já foram roda-dos,masopatrãoenxergalucroalémdoprejuízo. “Parem as máquinas! Vamosmudar a capa.O impacto do incêndioémaisnotíciadoque amortedeCar-menMiranda.”Acapa é refeita.Adol-pho volta para casa, deita na poltronadasalaeligaorádio.Osobrinhoestáaseulado.“Oscar,hojeeuaprendioqueé jornalismo.”A revistavende200milexemplares(PENA,2010,p.83).

Figura2.ManchetesobreamortedeVargas,28/08/1954.

Já antes, em outra ocasião parecida, em 1954,duranteo famosoepisódiodo atentado ao jornalista egovernadordaGuanabara,CarlosLacerda(episódioquelevariaaosuicídiodeGetúlioVargas),aproveitandoqueo governodeGetúlio já estava emcriseManchete fezumareportagemdecapadandovozaumdosprincipaiscríticos do presidente, o brigadeiro Eduardo Gomes,membrodogrupoqueprovavelmenteocupariaopoderdepoisda saídadeVargas.A edição já estava rodandoquandoAdolphorecebeanotíciadamortedeGetúlio.Elemandaparara impressãoe trocaracapa.Nanovaedição, as críticas viraram exacerbados elogios ao pre-sidentemorto, que era, naquelemomento de tragédia,aclamadopelopovo.ComointerpretaFelipePena(2010,p.90),“Ográficojáentendeoqueéojornalismoesabeque a notícia é seu produto (...). A edição esgota-se ànoite”.

Dois dias depois, uma edição extra, igualmen-teapologética,vaiparaasbancascobrindoofuneraldeGetúlio.

Figura3.Manchete,30/08/1954.

Apesardevenderbem,Mancheteaindaerasufo-cadapelarivalOCruzeiro,quetinhaqualidadejornalísti-caetécnicasuperior.Aviradasedánoiníciodosanosde

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1960quandoBlochresolveapoiaraentãoconsideradainsanaempreitadade JuscelinoKubitschekdeergueranovaemodernacapitaldaRepúblicanomeiodocerra-do.OsdoissetornamamigoseManchetepassaaserumveículodepropagandadonovogoverno.Acompanha-vaquasequecomexclusividadecadapassodoprojeto,mostradocomoumaverdadeirasaga.Registrandocadaetapaecontribuindoparacriarumclimaufanista,arevis-tatemasmaioresvendasdesuahistória,comsucessivasediçõesespeciais(BLOCH,A.,2008).

Oprestígioeasvendasiambem,masobalan-ço contábil iamuitomal.Durante as suas três primei-ras décadas de existência, a Bloch Editores acumulouimensasdívidas,frutodosempréstimoscontraídosparao lançamentodesuas revistasedasconstantesmelho-riasnecessáriasparasefirmarnomercado.EsseobjetivofoialcançadocomoaumentonatiragemeaconquistadoprimeirolugardeManchetenasvendas,porém,“(...)onegóciocresceucombaseemdívidas,promissóriaseinvestimentosafundoperdido.”(BLOCH,A.,2008,p.256).Sónocomeçodadécadade1980,apósumperíododemodernização,équeasituaçãomelhorae,pelapri-meiravez,arevistapassouaoperarnoazul.

Manchete imprimia nessa época nuncamenosque200milexemplaresporse-mana (...) e, no carnaval e em ediçõeshistóricas continuava imbatível, alcan-çando sempre ummilhão de exempla-res. O número extra da visita de JoãoPauloIIaoBrasil,comumamedalhinhado papa encartada, foi um estouro devendas (...)oaugehistóricodecircula-ção anual (BLOCH,A., 2008,p. 255-256).

Commaisleitoresarentabilidadecomavendadeanúnciostambémaumentou.Boapartedessabonan-çacertamentesedeveàcapacidadedarevistadecontinu-aratraenteemumaépocadeconcorrênciacomdezenasdepublicaçõese,principalmente,comaTV(oquenãoerafácilparaumarevistacujomaiormérito,desdeoiní-cio,eraser ilustrada).Temascomopolíticaeeconomiacontinuavamtendoespaço,pois,apesardeseremassun-tosmais“duros”,comosediznojargãojornalístico,da-vamprestígioeajudavamamanteroveículocombomtrânsitonaesferadopoder.

Maséemoutraáreaquearevistabusca lastroparanãoperderpúblico.AssimcomoaEditoraAbril,a

Blochpercebeeconsegueaproveitara intensaondademudançascomportamentaisecientíficas,trazendoparaaspáginasdeManchete,deformaleve,temasatualíssi-mosqueiamdesdeosavançosnamedicina,asrelaçõesafetivasesexuais,atéasnovastecnologias.Nessenovocenário,umelementopresentedesdeosprimeirostem-poséespecialmentetrabalhadoeexacerbado:oerotismo.

Figura4.AlgumascapasdarevistaManchetedadécadade1980explorandooerotismo.

Apartirde1983,desviosmilionáriosnaeditorafeitosporfuncionários,perdascomplanoseconômicoseoendividamentogigantescoparamontaraTVMancheteminamaestruturadogrupoedãoinicioàsuaderrocada(BLOCH,A., 2008, p. 256-317).AmortedeAdolphoBloch,em1995,complicamaisasituaçãoenocomeçode2000aempresapedefalência.

Em compasso com o poderEm 1964, identificadas comos ideais do libe-

ralismo econômico e do partido político conservadordeoposição,aUDN,muitasempresasdecomunicaçãopassaramapromoverumaferrenhacampanhacontraopresidente JoãoGoulart.Opopulismodeesquerdaas-sustava a elite, da qual fazia parte a grandemídia, queajudouaprepararumclimafavorávelparaogolpemilitar(DREIFUSS,2007)2.Assim,

2Existemdezenasdeestudosquedemonstramopapeldosgrandesveículos de comunicação na criação de uma imagem negativa dogovernoJoãoGoulartenaprecipitaçãodogolpe.Umapesquisanabase de dados das principais bibliotecas brasileiras, plataformas dearquivos científicos ou sites de editoras resultará em uma enormelista.Enumeroaquidoisdeles:um jáclássico,do iníciode1980,ereferência nos trabalhos sobre essa temática,1964: a conquista doEstado,deRenéDreifuss(aúltimaediçãoéde2007,EditoraVozes),eoutro,umadasmaisrecentespublicaçõesnessaárea,A Rede da De-mocracia:OGlobo,OJornaleJornaldoBrasilnaquedadoGovernoGoulart (1961-64), deAloysioCastelo deCarvalho, que analisa osjornaiscariocas(2010,EditoraUFF/Nitpress).Umamostradotra-tamentoqueagrande imprensadeuaogolpepode ser encontradanoblogBrHistória,dajornalistaCristianeCosta,quereproduzman-cheteseeditoriaisdosprincipaisjornaisdoPaís.http://blogdabrhis-toria.blog.uol.com.br/arch2007-07-08_2007-07-14.html#2007_07-12_16_24_16-11592283-0(Acessoem:20/07/2012).

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(...) os grandes jornais alertavam parao perigo do “estatismo” na economiae condenavam as restrições ao capitalestrangeiro, que impediriam o país deavançar no seu processo de industria-lização. Diante da intensificação dasreivindicações populares e do “perigocomunista”os empresários da impren-saabdicaramdesuacrençanaliberdadeindividual e aceitaram a centralizaçãodopodernasmãosdosmilitarescomoúnicasaídaparaimpedirasubversão,oua ascensão dos grupos de esquerda aocomandodopaís(ABREU,2002,p.13).

Apósseinstalaremnopoder,sobapresidênciadeCastelloBranco,osmilitarescomeçaramosexpurgose perseguições a políticos, militares, juízes, professo-res eoutrosmembrosda sociedadecivil, consideradoscorruptosou“comunistas”.Deinício,amaiorpartedamídiaconsiderouqueelesestavamexecutandoopapelquelhescabia,ouseja,“sanear”oEstadoeemseguidarestabelecer a normalidade institucional (SKIDMORE,1988).Masaeuforiaduroupouco.Oautoritarismoearepressãosetornavammaioresacadaanoatéatingiremopontomaisbrutal,em1968,comoAI-5.

A essa altura a grande imprensa já perceberaquesuaajudanaderrubadadeGoulartnãorepresentavasalvaguardaparaaperseguiçãodoEstado.Arepressãonão atingia somente osmilitantes pobres da esquerda,mastambémmembrosdasclassesmédiaealta,supos-tamenteenvolvidoscomocomunismo.Prisões,torturasedesaparecimentos se tornaram rotinaparaumapartedoclero,líderesdemovimentospopulares,comerciantes,estudantese...jornalistas.OcasoHerzogéamelhorex-pressãodomomentoemqueaimprensasedeuconta,deformamaisexplícita,dequeninguémestavaimune,videadimensãodosprotestoscontraamortedojornalista.

Antes, porém, as empresas de comunicação játinham sofrido um duro golpe: a censura, que durariacercadeoitoanosparaamaioriadosveículos.Paraal-gunsmais,outrosmenos,deacordocomograudecon-fiabilidade que demonstravam em acatar as ordens dogovernoedepraticaremaautocensura,comoosgruposGloboeDiáriosAssociados,quecontinuaramfazendovistasgrossasaoarbítrio.3Alémdealtasverbasdepubli-3EmumprotocoloassinadocomoServiçodeCensuraeaPolíciaFederal, em setembro de 1970, aTVGlobo, aRedeAssociada deTelevisão, RededeEmissorasIndependentes,TVBandeirantes,TVCulturaeCentroPaulistadeRádioeTelevisãoEducativa,aceitaramfazeraautocensura.Algunsdospontosfixadospelodocumentoeram

cidadeestatal,ogrupodeRobertoMarinhoeosDiáriosdeChateaubriandforambeneficiadospelapolíticadeex-pansãodastelecomunicaçõesdoGovernoFederal,quepossibilitouocrescimentoeamodernizaçãodaTVGlo-boedaTVTupi.(ABREU,2002).Assim,dandoapoioexplícitoousilenciando-seoutrasvezes,muitosveículospermaneceramnaretaguardadopoderduranteoregime.

Manchete também empenhou explicitamenteseu apoio ao regimemilitar desde o princípio e assimomanteveatéofinal,reproduzindoaideiadeumBra-silgrandequenecessitavadoautoritarismoparasede-senvolver.Maisdoquedefenderossagradosprincípiosliberais na economia (“ameaçados” pela esquerda, queambicionavachegaraopoder),comofaziamosCivitanogrupoAbril,aoapoiarem,durantecertotempo,osgene-rais-presidentes(PÁDUA,2011),oqueAdolphoBlochdesejavaeracontinuarrecebendoasbenessesdoEstado.Seoregimecontivesseumadosedeautoritarismo issonãoeraempecilho,pois,ao longodeumbomperíododa sua história, o seu grupo empresarial cresceu e so-breviveu emmomentos de crise graças à intimidade ecumplicidadecomosgovernosmilitares.

NabiografiaqueescreveusobreosirmãosBlo-ch, o jornalista e sobrinho-neto deAdolpho,Arnaldo,explicitaopensamentodotio,quecomandavapessoal-mentearevista:

(...) no essencial, achava sinceramentequeoBrasil tinhaque terumaespéciedeczarnaformadepresidente,eaor-demtotalitáriainstituídapelosmilitaresestavadentrodessemodelo - aopassoque os movimentos de resistência, nasua cabeça, eram sempre reproduçõesexatasde1917[quandosuafamíliaqua-se foi morta pelos soldados durante arevoluçãocomunista].Esseczar incon-dicional podia encarnar em qualquerfigurade força, fossea forçapolíticaedocarisma-comofoiocasodeJK,uminsofismáveldemocrata-,fosseaforçadostanques.(BLOCH,A.,2008,p.251).

ParaRicardoMartins(1999),quepesquisouare-vistaduranteotruculentogovernoMédici(1969-1974),Mancheteseconfiguroucomoum“aparelhoideológicodeEstado”duranteoregime,namedidaemque

“Cultivar as tradiçõesdapátria, respeitar adignidadedo indivíduo,usar corretamente a línguaportuguesa, condenar aviolência” (BA-HIA,1990,p.330).

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incorporou integralmenteaideologiadoEs-tado militar, disseminando exatamentea leitura que osmilitares faziam da si-tuação nacional naquele momento. Arevista disseminou a mística elaboradapelo regimedo “país do futuro”, alémde estabelecer uma relação de causa eefeitoentreoautoritarismopolíticoeomilagre econômico (MARTINS, 1999,p.04,grifodoautor).

Nãoeraparamenos.Alémdosbenefíciosdire-tosdoEstado,comofinanciamentosepublicidade,Man-chete faturoumuitocomodesenvolvimentodaecono-miaduranteo“milagreeconômico”,assimcomooutrosveículosdecomunicação.Nesseperíodo,de1970a1974,omercadopublicitáriobrasileiro(tendoogovernocomoum dosmaiores anunciantes) cresceu percentualmentemaisdoquealgumaseconomiasavançadas,comoaita-liana, a holandesa e a australiana (MARTINS, 1999, p.140).

Manchetetinhaumaenormeversatilidadeparase adaptar às mais variadas conjunturas. Adolpho erapróximo,porexemplo,dopresidenteJoãoGoulart,paraquemabriuaspáginasdasuarevistaváriasvezes.Naúl-tima, trouxe empáginaduplaopolêmico comícioqueJangofeznodia13demarçode1964,noRiodeJaneiro,noqualanunciouobombásticoprogramadereformas,especialmenteamaispolêmicadetodas,aagrária.Oco-míciofoiumdosestopinsdacrisequeviriaemseguidae levouaogolpemilitarquedepôsopresidente.Dizia,estranhamente, amatériadeManchete (jáqueodono,lembremos, era um conservador assumido): “O refor-mismoagrárioéhojeumaidéiairreversívelcujamarchanenhumaforçapodedeter.”Diasdepois,comogolpeeopodernasmãosdosmilitares,amesmarevista nãodemorouasaudara“revolução”quehaviaderrubadoo“amigo”JoãoGoulart,aquemAdolphotinhafeitoase-guinteadvertênciaemumalmoçonasuafazendadepoisdocomício incendiáriodasreformas:“Presidente,seusamigosdesejamqueosenhorcontinuenogoverno,masseiqueseusadversáriosestãodispostosaagir.” (BLO-CH,A.,2008,p.204-205)

Acapadessa“ediçãohistórica”,umaediçãoex-tra (figura 5), estampava triunfalmente um dos líderesdaconspiração,CarlosLacerda.Emumadaschamadas(tendo como fundoo amarelodabandeira nacional) aconservadoraMarchadaFamília,realizadanoRioparapediradeposiçãodeJoãoGoulart,émencionadacomo

a“MarchadaLiberdade”.Ogolpeéchamadode“revo-lução”.

Figura5.EdiçãodarevistaManchetelogoapósogolpedemarçode1964.

Figura6.Manchete,11/04/1964

Poucosdiasdepois,arevista lançavamaisumaediçãoextracom“AsfotosdaRevolução”,novamentecomCarlosLacerda ao lado demilitares empunhandoarmas(figura6).

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Figura7.EdiçãodeManchetecomapossedeCastelloBranco,25/04/1964.

Napossedoprimeiro general-presidente,Cas-telloBranco (figura 7), outra vez a referência à pátria,comoamarelodominandoapartesuperiordacapaeotítulo“Brasíliaespetacular:apossedonovopresidente”.Logoabaixo,aschamadasparaasreportagensmencio-navamaanáliseda“revolução”ea“Amazôniamaravi-lhosa”.ManchetecomeçaaconstruiraimagemdoBrasilespetacularemaravilhoso, sobogovernodos“revolu-cionários”.

Bloch, mais uma vez, acomoda-se ao podercomoestratégiadeobtervantagens econômicas, tendocomomoedade trocaas ilustradaspáginasdasegundamaior revista semanal do País.Assim, amesma publi-cação que apoiou Getúlio Vargas, no começo do seusegundogoverno(1951-1954),tambémfoioveículodepropaganda“oficial”nogovernoJK(1956-1961).Sau-dou JânioQuadros e suapolêmicahomenagemaCheGuevara (1961), confraternizou com JoãoGoulart du-ranteseumandato(1961-1964)ebajulouosgeneraisqueodepuseram(1964-1985).Comofimdoregimemilitar,passouaadularorecém-eleitoTancredoNeves(1985).Quandoopresidentemorreu,arevistavoltouseureper-tóriodeelogiosfáceisaonovoocupantedoPlanalto,JoséSarney(1985-1988).Fezapologiado“poderjovem”deCollor(1989).Quandooalagoanofoiderrubado,saudoua ascensão de Itamar como “Avitória da democracia”(1992),comomostramascapasabaixo.

Figuras8e9.CapasdarevistaManchetecomospresi-dentesJânioQuadros, JuscelinoKubitschek, João Fi-gueiredo,TancredoNeves,Sarney,ColloreItamar.

Alémdefacilitaroacessoàsreceitaspublicitá-rias governamentais, esse “apoio editorial” era devida-mentecobrado,principalmentenosmomentosdecrise.Endividado,AdolphoBlochprocurouCollorembuscadeajudafinanceira e foi atrás tambémdospresidentesSarneyeItamarpediroperdãodasgigantescasdívidascomogovernofederal(PENA,2010,p.123-130).

É interessante notar,mais especificamente du-ranteoregimemilitar,amaneiracomqueMancheteten-tavamostraroladomaisamenodosgenerais-presiden-tesàmedidaqueelessesucediam,cumprindoumpapelpropagandísticotípicodosórgãosoficiais.Oestoquedeelogiosserenovavaacadamandato.

Figura10.CapasdeManchetecomospresidentesCostaeSilva,Médici,GeiseleFigueiredo.

Assim,comosepodeveremdiversascapas(fi-gura10),CostaeSilvaaparece,em1967,deformasinge-lacomanetanocolo,otruculentoMédicicomoopresi-dente-torcedornacopade1970,recebendoosheróisdotri,emplenacampanhanacionalistado“Brasil:ame-ooudeixe-o”.OsisudoefrioGeisel,ganhaaresdesimpáticopaidefamíliaantesdeassumirogoverno,em1974,eoautoritárioegrosseiro JoãoFigueiredoémostrado,em1979,em“fotossensacionais”,comoojovialpresidente

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queassumiuomandatoprometendodarumnovofôlegoàaberturademocrática.

BajulandoosgeneraisManchete nãotevegran-desproblemascomacensura,aocontráriodamaiorpar-te dos jornais e revistas.Apesar de ter uma sessão depolíticacomarticulistasderenome,aintençãoeramaisobterprestígioparaarevistacomumassuntomais“sé-rio”emmeioàsvariedadesdoquepolemizarcomore-gime.Logo,nãoteveatritotambémcoma“linhadura”dos militares, facção ultradireitista das forças armadasquecontrolavaosórgãosderepressãoecausavaprejuí-zosamuitosveículosdecomunicação,comperseguiçõesajornalistas,vetodematérias,apreensõesdeediçõesin-teiraseempastelamentos.

Oúnicocerceamentodasualiberdadeficavaporcontadopatrulhamentoemrelaçãoa“moraleosbonscostumes”. Manchete, que tinha por tradição abordartemascomosexualidadeeestamparemsuascapasbe-lasmulheresseminuas,teveumaediçãoapreendida,em1978,porordemdeumjuizdemenoresqueconsiderouobscenaamatériasobreumcentrodemeditaçãoindia-no(BAHIA,1990,p.346).Aliás,essetipodecoberturajá causavaproblemasà revistahaviamuito tempo.Em1952,umaediçãofoiproibidadecircularporcontadeumamatériasobredançaafricanaemParis,consideradaimoral, e no ano seguinte a revista foi apreendida porcausadeumafotodeMarilynMonroenua(ABREUetal.,2001,p.3.519).

FoinomandatodeJoãoFigueiredoqueogrupoBlochganhou,em1981,aconcessãoparamontaraTVManchete.OGovernohaviaabertoconcorrênciapúbli-caparanovecanais(divididosemduasredes)dasextin-tasTVTupieExcelsior.EstavamnadisputaosgruposBloch,SilvioSantos,JornaldoBrasileAbril.OsBlochfizeramumintensolobbyjuntoamembrosdogovernoeaoprópriopresidente(BLOCH,2008,p.253-263;GAR-CIA,1990,p.227-228).OsgruposdeAdolphoeSilvioSantosvenceramsobfortesacusaçõesdefavorecimentopolítico,emumesquemaenvolvendoamizadeseinteres-sedogovernoememissorasquenãoexercessemjorna-lismocríticoequepromovessemumaboa imagemdoregime: “A opção deve ser feita pela segurança e pelodescompromissopolíticodosamigosfiéisaogoverno”,dizFelipePena(2010,p.221).

NalógicadotomaládacáaeditoraBlochpres-taramuitosfavoresaFigueiredo,mesmoquandoeleain-dadisputavaaindicaçãodopartidoparaconcorreràpre-sidência.Partedomaterialdedivulgaçãodacampanha,comokits biográficosefotográficos, foipreparadanoslaboratórios da revista Manchete (DUARTE, 1987, p.

115).Algosemelhanteaoquetambémfez,demonstran-doflexibilidadedeacordocomseusinteresseseconômi-cos,parao socialistaLeonelBrizola,financiandopartedasuapublicidadequandoconcorreuaogovernodoRiodeJaneiro,em1982(PENA,2010,P.76).Ajudinhare-compensadadepoiscomaautorizaçãoparaTVManche-te transmitir comexclusividadeosdesfilesdecarnaval,oquerendeuàTVumbomdinheirocomavendadecomerciais(BLOCH,2008,p.269).4AindacomrelaçãoaFigueiredohaviatambémasdiversasmatériasrealiza-dasaolongodoseumandato,nasquaisarevistaforjavaaimagemdopresidentecomcaracterísticasque,senãoeramtotalmentecondizentescomarealidade,tinhamnomínimoumbenevolenteexagero.De truculentorepre-sentante da ditadura o presidente se transformou, emumaverdadeira“metamorfose”,nomaisempenhadode-fensordosideaisdemocráticos,deacordocomaimagemconstruídaporManchete(PÁDUA,2012).

Tendoumhistóricode ligaçõescomquase to-dosospresidentesnastrêsdécadasanteriores,oferecen-doaelesumtipodepropagandaideológicabaseadanaconstruçãodeimagensaltamentefavoráveis,emtrocadebenefícios econômicos, era de se esperar que a revista fizesseomesmocomopresidenteasereleitoem1984.Naquelecomeçodadécadade80,atransiçãodoregimemilitarparaademocraciaaindaeraincerta.Manchete se-guiaadulandoFigueiredo,oquecontinuoufazendoatéperceberqueosventosirreversíveisdamudançasopra-vamparaoladodaoposição,comandadapeloentãogo-vernadormineiro,TancredoNeves.

4 Segundo Arnaldo Bloch (op. cit. p. 252-253), Adolpho, que eraanticomunista ferrenho, tinha uma relação peculiar commilitantessocialistas e comunistas contrários ao regimemilitar: ele “abrigavaemManchete a sua cota de esquerdas. E desdemuito contribuía,atravésdomilitanteepatrícioMarcos Jayumovich, comopartidão[PCB]-paraaeventualidadedeprecisarcomporcomoladodelá(oquenãooimpediadedemitircomunistasemviasdesetransformaremdirigentes sindicais e ganhar estabilidade)”.A relação comBri-zolaseguiaomesmoprincípio.Adolphochegouaalertarosmilitaresparaoperigodeanistiá-lo,em1979.Porém,anosdepois,quandoopolíticovirougovernadordoRiodeJaneiro,odonodaManchetesetornou“umamáquinadeelogiarLeonel”.Oque,segundooautor,“nãosignificavaqueoapoiarianomomentoemquedemonstrasseaspiraçõespresidenciais-quando,então,voltariaaseroperigosoele-mento,comquemtomaria,tantasvezes,café-da-manhã,moradoresqueeramdaAvenidaAtlântica.”

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Figura 11. Adolpho Bloch em encontro com Tancredo, em 1984 (In: PENA, 2010, p. 104).

Atéessemomentoelepoucoaparecianaspági-nasdarevista.Em1983e1984AdolphoBlochseencon-troualgumasvezescomTancredo,buscandoaproximar-se dele.Mais tarde a revista passou a lhe dar o amploeeufórico tratamentoque resultarianacristalizaçãodaimagemdeheróiemártirdademocracia(PÁDUA,2011).

Acompanharocomportamentodoconsumidor,emseuposicionamentopolítico,tambémeraimportan-te. Se durante o período de repressãomilitar eramaisdifícil,poisabrirespaçoparacontestaçãoaoregimeim-plicarianainviabilidadeeconômicadarevista,noperío-dofinaldatransiçãoissoficoubemmaisfácil:Tancredoeraquaseumaunanimidade.Assim,engrossarodiscursomessiânicodocandidatoajudavatantoa“contarpontos”comeleembarganhasfuturasquantoaagradaroleitor.Equandoissoacontece,costuma-seouvirdoistiposdebarulhonasempresas:odasrotativasatodovaporeoti-lintardascaixasregistradoras,doissonsquesetornaramquaseumaobsessãoparaográficoquesaiudaUcrâniaefundounoBrasilumdosmaisimportantesgruposdemídiadoPaís.

Considerações finais

SegundoArnaldoBloch(2008,p.251),umim-portantemotivoque levavaAdolphoasemprecortejaropodereraomedodeperder tudoemumaviradaderegime,umtraumadaépocaemqueafamíliadegráficosse viu envolta pela instabilidade, a violência e pobrezaduranteaRevoluçãoRussa.Sejaporquaismotivosfo-rem,ofatoéqueManchete,comoprincipalpublicaçãodogrupo,semantevesempredoladodaquelesquede-tinhamascartasdojogopolíticoeeconômicodoPaís.Transformou-seemumacortesãdopoder,adaptando-se,deformaextremamenteflexível,aosinteresseseco-resideológicasdosdiversosgovernosquesesucederamapartirdosanos50.

Asegundarevistasemanalmais importantedoPaísatéadécadade1990eumadasmaisrelevantesnahistóriadanossamídiatalveztenharepresentadocomonenhumaoutradoseuporteessavinculaçãoqueaindasobreviveemmuitosveículos(hojetalvezdeformame-nos explícita,mas igualmente danosa ao papel do jor-nalismoenquantoprestaçãodeserviçopúblico)entreoconteúdoeditorialeosinteresseseconômicosdosgru-posqueoscontrolam.Prestaratençãoaosexemplosdopassado,comomencioneino iníciodeste trabalho,nosajuda,portanto,aentendermelhorcomoamídiabrasi-leirasetornouoqueéatualmente.

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Recebido:15/11/2012Aprovado:21/02/2013