54

Livro-reportagem_Padre Euclides

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: Livro-reportagem_Padre Euclides

1

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

BibliotecaPadre Euclides

Memória e histórias sob o olhar do público leitor

Herena Oliveira

Isabella Grocelli Oliveira

Page 2: Livro-reportagem_Padre Euclides

O45bOLIVEIRA, Herena; OLIVEIRA, Isabella Grocelli de

Biblioteca Padre Euclides: memória e histórias sob o olhar do público leitor / Herena Oliveira, Isabella Grocelli de Oliveira - Ribeirão Preto,

2014.60p.

Trabalho de conclusão do curso de Licenciatura em Jornalismo do Centro Universitário Barão de Mauá

Orientadora: Profa. Dra. Gabriella Zauith Leite Lopes.

1. Biblioteca 2. Padre Euclides 3. Memória 4. Ribeirão Preto I. OLIVEIRA, Isabella Grocelli de II. LOPES, Gabriella Zauith Leite III. Título

CDU 070.43

Bibliotecária Responsável: Ionara Cabral CRB8 6566

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Orientadora: Profa. Dra. Gabriella Zauith Leite Lopes

Ilustração da capa: Gabriela Cubayachi

Projeto gráfico e diagramação: A. Gaspar

Revisão: Silvio Reinod Costa e Larissa Paris

Fotos: Isabella Grocelli

Page 3: Livro-reportagem_Padre Euclides

CENTRO UNIVERSITÁRIO BARÃO DE MAUÁ COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO

EM JORNALISMO

BIBLIOTECA PADRE EUCLIDES:MEMÓRIA E HISTÓRIAS SOB O OLHAR

DO PÚBLICO LEITOR

Herena OliveiraIsabella Grocelli

Page 4: Livro-reportagem_Padre Euclides
Page 5: Livro-reportagem_Padre Euclides

5

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

AGRADeCImentOS

Depois de terminar o Relatório Teórico-Metodológico, esta é uma das partes mais difíceis do TCC. Agradecer. Porque foram tantas pes-soas que colaboraram no meio do caminho e você não pode esquecer ninguém para não haver injustiças. (E espero que eu não as esqueça).

Quero agradecer a Deus, primeiramente. A meus pais porque sempre me deram apoio nos momentos mais difíceis, pois apesar das brigas, sempre estão ao meu lado. E principalmente, porque, mesmo de longe, sempre se fizeram presentes. Sem vocês, eu, definitivamen-te, não teria chegado até aqui.

Um agradecimento especial ao meu irmão, que, hoje, representa muito mais pra mim, sempre foi um companheiro leal. E que nos momentos difíceis me apoiou como pôde.

Aos amigos. Novos e velhos. De perto e de longe, que enviaram as suas energias positivas da maneira que puderam.

Ao amigo e ex-companheiro de trabalho, Thiago Roque. Que nes-sa jornada até a conclusão do TCC foi amigo, conselheiro, protetor, me ouviu desabafar, me deu ânimos para não desistir e broncas tam-bém. Esteve sempre perto quando eu precisei.

À orientadora mais doidinha e paciente que poderíamos ter arru-mado. Que nos aguentou até o fim e que foi uma das responsáveis para que a realização deste livro fosse possível. Aos outros professo-res que, de alguma maneira, também contribuíram para a conclusão deste trabalho.

Aos nossos entrevistados, pois, sem eles, não teríamos histórias para contar, e nem livro teríamos!

E à pessoa que, por forças do destino, acabou por dividir este sonho comigo, tem um coração gigante, foi amiga e sempre me deu suporte nos dias mais complicados. Que ouviu minhas reclamações. Que me cobrou. Que deu um apelido engraçado ao relatório, tornan-do a tarefa mais leve. Enfim. Que foi parceira. De TCC e da vida. Obrigada, Isa.

HERENA

Page 6: Livro-reportagem_Padre Euclides
Page 7: Livro-reportagem_Padre Euclides

7

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

AGRADeCImentOS

Quem falar que fazer um Trabalho de Conclusão de Curso é fácil, está mentindo. São necessários vários potes de café, noites sem sono, ataques de ansiedade e, principalmente, o apoio da família e de amigos.

Agradeço a Deus primeiro de tudo, por mais esta conquista. Também agradeço meus pais pelos quatro - na verdade 22 - anos de mensalidades, caronas para mim e os vários amigos que fiz na faculdade e, acima de tudo, o incentivo de que eu precisava. Vocês conseguiram não só me tirar do fundo do poço, como me ajudar a chegar onde estou hoje. Sem vocês, eu realmente não sei onde estaria. Muito obrigada, por todo o amor, paciência e carinho.

Eu sei que devo agradecer meu irmão pelas vezes em que ele me fez com-panhia na madrugada e os vídeos que me mandou para rir, mas tiveram vezes em que ele me irritou tanto que ainda não sei se ele merece. Vou pensar no caso e te retorno, Enrico. Agradeço às meninas do Buenos Aires, que infeliz-mente ainda não conseguiram viajar para lá - eu inclusa. Me desculpem pelos vários programas que furei e definitivamente irei furar no futuro porque, caso vocês não saibam, jornalismo não é o tipo de profissão que você escolhe para ter qualidade de vida. Ou dinheiro. Ou dignidade. Vocês são umas lindas.

Também tenho que agradecer os amigos que fiz no jornal A Cidade, em especial o meu CHEFE, Thiago Roque. Apesar de eles tentarem me con-vencer inúmeras vezes que esta não é a melhor profissão para se seguir, eles também me apoiaram, escutaram meus problemas, me deram conselhos que irei carregar por toda minha vida e me fizeram rir. Algumas vezes eu não pre-cisava desses conselhos, mas tem algo melhor que rir?

Agradeço todos os entrevistados, pois, sem eles, esse trabalho não existi-ria. Agradeço todos os professores do Centro Universitário Barão de Mauá pelos quatro anos de trabalhos, brincadeiras, provas e ensinamentos que car-regarei por toda a minha vida. Sem a orientadora mais gracinha de todas, este Trabalho com certeza não teria saído do chão. Gabi, muito obrigada pelos incentivos e pelas broncas. Elas foram bem-vindas e merecidas, acredite.

Última, mas não menos importante, tenho que agradecer e pedir descul-pas para a minha parceira de TCC, Herena. Você aguentou muitos dias de mau humor da minha parte, leituras chatas, reuniões sem fim, procrastinação e a correria para terminar o último, de vários, trabalho da faculdade. Muito obrigada por apoiar quando quase recorri ao combo brigadeiro + filme. Par-tiu escrever outro livro-reportagem?

ISABELLA

Page 8: Livro-reportagem_Padre Euclides
Page 9: Livro-reportagem_Padre Euclides

9

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

Dedicatória

Dedicamos este livro ao padre Euclides. Apesar de não ter nascido em Ribeirão

Preto, ele realizou inúmeras coisas maravilhosas para os moradores da época - que são apreciadas até hoje.

Page 10: Livro-reportagem_Padre Euclides

10

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

A construção deste livro se deu de uma forma muito intuitiva. Mais do que um trabalho de Conclusão de Curso, as futuras jornalis-tas Herena e Isabella se reencontraram em suas memórias de quando frequentavam bibliotecas.

Foi um prazer descobrir os encantos e os encontros que a Biblio-teca Padre Euclides proporciona a seus leitores. Mais do que um acer-vo de livros e jornais, a biblioteca carrega a história de nossa cidade de Ribeirão Preto, em seus 111 anos completados este ano. Escondi-da em meio ao agitado centro da cidade, ela é um alento de silêncio em meio ao barulho da rua. Localizada entre as ruas São Sebastião e General Osório, está a poucas quadras do calçadão, do Quarteirão Paulista e do Theatro Pedro II.

Tire algumas horas da semana e se programe para uma visita. Se estiver subindo a rua Visconde de Inhaúma, ao chegar no número 490, ela está localizada no primeiro andar. Suba os degraus e terá a opção do elevador, mas sugiro subir as escadas logo ao seu lado. Pronto, seu destino está à sua direita.

Na primeira sala, encontrará uma grande mesa de madeira e uma estante com relíquias de sua fundação, com um acervo de livros raros do Padre, datados dos séculos XIX e XX. Depois de examinar essas preciosas obras, estará a poucos passos do salão principal da biblio-teca.

Olhe ao fundo e veja alguém o observando. Guardião de seu re-banho, Padre Euclides está à espreita, com sua figura pintada emol-durada em toda parede. Sob sua guarda, estão mais de 15 mil títulos, sendo cerca de 8 mil disponíveis para empréstimo. Agora é só curtir o momento, estará ali a salvo do tempo. Livros, jornais, revistas e me-sas para poder se acomodar. Se quiser pode acessar seu computador, adiantar um trabalho ou conferir um e-mail. Pode levar as crianças

PREfÁCIO

Page 11: Livro-reportagem_Padre Euclides

11

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

PReFáCIO

também, o espaço Labibe - homenagem a uma pessoa muito especial - está convidativo aos pequenos futuros leitores.

Fique mais um pouco, pois daqui a pouco chega o Angelo, na hora do almoço, e não se esqueça de perguntar sobre seus fanzines. Também poderá encontrar o jovem estudante Filipe. Apaixonado por livros, sua missão é convencer seus amigos para o acompanharem se-manalmente em sua visita à biblioteca. Às terças e quintas, o Alfredo. Não se acanhe em tirar alguma dúvida ou uma orientação; ele poderá ser seu fiel companheiro nas mais profundas leituras de filosofia e história. E se ouvir uma conversa animada, pode ter certeza de que encontrou os Três Mosqueteiros: Carlos, Márcio e José Roberto es-tarão numa inflamada conversa sobre política e acontecimentos da cidade. Finalizando os encontros, Aline, que conhece a biblioteca como ninguém. Será muita sorte se você a reconhecer, pois ela traz a esperança: as bibliotecas são o futuro.

Construído a partir da memória de todos eles, frequentadores da biblioteca, este livro nos traz momentos alegres, memórias tristes, encontros e desencontros. A visão particular de Herena e Isabella observou mais que os livros ou a presença enigmática do padre. Elas chegaram bem próximo ao coração da Biblioteca, o que a faz pulsar a cada dia, seus leitores.

Foi gratificante acompanhar a saga e a inspiração dessas meninas. Obrigada pela parceria.

Gabriella Zauith

Page 12: Livro-reportagem_Padre Euclides
Page 13: Livro-reportagem_Padre Euclides

nOtA DAS AUtORAS

IntRODUçãO

CAPítULO I – PASSADO

CAPítULO II – PReSente

CAPítULO III – FUtURO

QUem SOmOS

ÍNDICE

14

16

24

34

44

53

Page 14: Livro-reportagem_Padre Euclides

14

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

Isabella Grocelli

No primeiro dia de aula do último ano da universidade, nosso pro-fessor fez uma pergunta: “Qual será o tema do seu trabalho de conclu-são de curso?”. Essa pergunta me aterrorizou desde o primeiro ano da faculdade, mas, desta vez, o medo foi maior, mais real. Vários foram os assuntos pensados, até que eu e a Herena finalmente encontramos algo em comum: os livros.

Nós crescemos com um livro colado nas mãos. E que lugar repre-senta mais esta paixão que uma biblioteca? Com livros novos, velhos, com histórias de saxões ou de patricinhas, com capas cheias de firulas e pinturas até outras mais descoladas, com desenhos e nomes diferentes.

As bibliotecas são um lugar onde sempre é possível conhecer não somen-te novas pessoas, como novas histórias. Porém, a confirmação que este defini-tivamente seria o nosso assunto veio por quase que uma intervenção divina: a história do Padre Euclides. Mesmo não tendo nascido na cidade, ele fez muito por Ribeirão Preto e todos os seus moradores. Após descobrir mais sobre a vida dele, não houve discussão. Este seria o assunto abordado por nós.

Mas, infelizmente, não existem muitos livros que contam não só a sua história, como a história da Biblioteca. Os registros são quase nulos: apenas algumas notas em jornais da cidade, uma ou duas fotos e só.

Depois lembramos que existia um lugar onde era possível ter uma fonte quase que interminável de informações: a memória de quem fre-quentou ou ainda frequenta o lugar. Portanto, ao invés de contar a his-tória através de números e fatos, pedimos a ajuda de vários frequentado-res para não só falar os marcos que a biblioteca passou, como também passará nos anos por vir – pois acreditamos que ela possui muito fôlego pela frente.

NOTA DAS AUTORAS

Page 15: Livro-reportagem_Padre Euclides

15

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

NOTA DAS AUTORASHerena Oliveira

Fui apresentada aos livros desde muito cedo. Meus pais liam para mim e, quando eu finalmente aprendi a ler, eu lia para mim mesma e para eles também. Sou da época em que ainda não existia internet. Quando ela foi inventada, era caro demais. Tanto ter o computador, como ter a própria internet, ainda discada.

Então, sempre precisei frequentar bibliotecas. Na minha cidade, só existia uma, então era frequente que todos os alunos da escola que precisavam fazer algum trabalho de pesquisa se encontrassem por lá. E era uma experiência muito legal. Apesar de não poder fazer barulho, conversávamos o tempo todo, pegávamos as definições das enciclopédias e eu ainda podia escolher um livro para devorar durante a semana.

Escolher falar sobre uma biblioteca, no meu TCC, foi uma coisa mágica, sabe? Parece que a ideia estava ali o tempo todo, só esperan-do o momento. E dividir isso com alguém que sente a mesma paixão por livros é sensacional. Contar a história da Padre Euclides, um lugar tão cheio de histórias é uma honra.

Poder ouvir as histórias de seus frequentadores e descobrir mais sobre o próprio fundador, o destemido Padre Euclides, é uma sensa-ção muito grande de responsabilidade por poder, finalmente, regis-trar de uma forma diferenciada essa história. E mais que isso, poder escrever um livro é um sonho realizando-se.

E um livro que vai contribuir para a história de Ribeirão Preto, bem, não tem nem palavras para descrever. Vida longa à Biblioteca Padre Euclides! Vida longa às bibliotecas e aos livros!

Page 16: Livro-reportagem_Padre Euclides

16

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R IntRODUçãO

Page 17: Livro-reportagem_Padre Euclides

17

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

INTRODUÇÃO“Tudo o que desejava, realizei”. Essas foram as últimas palavras

do padre Euclides Gomes Carneiro ao amigo e braço direito, Alfredo Porto. Mas o que exatamente ele desejava realizar?

Apesar de ter nascido em Itajubá (MG), no dia 14 de agosto de 1879, ele passou uma pequena parte de sua vida em Ribeirão Preto – cidade para qual se transferiu em 1902 a convite do reverendo pároco Joaquim Antônio de Siqueira – e conseguiu deixar não só sua marca de generosidade e fé, como ruas e prédios, como também bibliotecas, dentre elas a que leva seu nome.

Por chegar num momento em que a febre amarela se alastrava pela cidade, o padre assumiu a direção da Santa Casa, que, na época, era um conjunto de enfermarias abandonadas. Com a ajuda das irmãs Salesianas, que o padre Euclides trouxe para Ribeirão, eles consegui-ram angariar fundos e investir em o que se tornou um dos maiores hospitais públicos da cidade até hoje.

Também, em 1903, fundou a Sociedade dos Catequistas Volun-tários, que, posteriormente, passaria se chamar de Sociedade Legião Brasileira, no dia 3 de maio. As reuniões eram feitas na casa do páro-co Joaquim, na esquina das ruas Visconde Inhaúma e São Sebastião. A antiga casa, que muitas vezes serviu de abrigo para a população em momentos que variam desde crises políticas, epidemias de varíola e até chuvas de pedras, foi destruída em 1965, para dar lugar ao edifício Padre Euclides, que abriga a Biblioteca, que leva seu nome, assim como vários escritórios.

Além disso, o padre também teve a oportunidade de lançar a pe-dra fundamental da Catedral, em 1907, criar o Centro Operário São Benedito em 1912, que funcionava como uma escola profissionali-zante com máquinas de carpintaria e mecânica, assim como um asilo em 1919. Uma das ruas do bairro Campos Elíseos foi nomeada em sua homenagem.

O padre se esforçava para levar os livros e a leitura para todos, não

Page 18: Livro-reportagem_Padre Euclides

18

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R IntRODUçãO

só com a Biblioteca na Legião Brasileira. Além dos exemplares en-contrados na biblioteca da Legião, ele também doou livros e estantes para instalar uma pequena biblioteca na cadeia da cidade. O Centro Operário também recebeu sua própria biblioteca, no dia 6 de abril de 1913, a primeira do gênero no Estado de São Paulo.

Refúgio

Padre Euclides foi expulso das igrejas de Ribeirão Preto no dia 20 de janeiro de 1919 pelos outros padres por causa do número de admirado-res e seguidores que tinha conquistado na cidade durante os anos em que morou aqui.

Apesar de ter sido expulso e mudado para outro estado, Rio de Janei-ro, ele continuou desempenhando suas funções que tinha na cidade. Ele conseguiu fazer melhorias no asilo e ampliar o acervo da biblioteca da

Page 19: Livro-reportagem_Padre Euclides

19

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

Legião Brasileira, que, anos mais tarde, teria seu nome.Euclides Gomes Carneiro faleceu em 26 de fevereiro de 1946. Em

diversos relatos, ele era retratado como caridoso, justo e modesto. Era comum ele sair de casa com uma camisa nova e entregá-la a uma pessoa pobre no caminho. Nos jornais da cidade, a imparcialidade era descarta-da nos comentários de seus feitos. As palavras “louvável”, “incansável” eram usadas aos montes ao contar das novas construções e ideias que ele tinha para a cidade.

Biblioteca Padre euclides

Fundada em 3 de maio de 1903, a biblioteca Padre Euclides está localizada no edifício de mesmo nome, no cruzamento da rua São Sebastião com a Visconde de Inhaúma. Ela foi estabelecida na então sede da Sociedade dos Catequistas Voluntários, fundada por homens da alta-sociedade ribeirão-pretana, e posteriormente passaria se cha-mar de Sociedade Legião Brasileira Civismo e Cultura de Ribeirão Preto (Solebrarp).

A “Biblioteca do Padre Euclides”, como sempre foi chamada pe-los moradores, ganhou nome oficial do padre após sua morte, em 1945. Até 1950, foi o ponto mais importante da cidade, onde todos os eventos cívicos ocorriam. A antiga casa foi destruída em 1965 para dar lugar ao edifício Padre Euclides.

Nesse mesmo prédio ficam localizados hoje, além da bibliote-ca, um auditório, diversos escritórios, e a Oficina Cultural Candido Portinari, transferida em 2010. Em atividade desde 1990, destacam--se na programação da Oficina projetos voltados às áreas de lite-ratura, teatro, artes plásticas, dança, música e fotografia. As duas entidades trabalham em conjunto para trazer novos projetos para a cidade. Fatu Antunes, coordenadora da Oficina, foi nomeada presi-dente da Solebrarp em 2014, estreitando ainda mais os laços entre ambas instituições.

Atualmente, a biblioteca conta com um acervo de mais de 15 mil livros, 8 mil deles podem ser retirados para leitura. A biblioteca reali-za palestras, feiras de livros e workshops gratuitos.

IntRODUçãO

Page 20: Livro-reportagem_Padre Euclides

20

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R IntRODUçãO

memória

Porém, nos dias de hoje é difícil achar alguém com menos de 50 anos que saiba da existência do Padre, pessoa tão importante para Ri-beirão Preto. Mesmo com a ajuda da internet, ao pesquisar o nome do padre em uma ferramenta de busca, são raras as informações sobre ele. Apenas é encontrada uma foto de Euclides, de baixa qualidade.

Este é o intuito deste livro-reportagem: fazer com que mais pesso-as conheçam este homem que apesar de ter vivido poucos anos da ci-dade, construiu coisas maravilhosas para dividir com todos nós. Para isso compartilharemos as histórias dos frequentadores da Biblioteca, com objetivo de contribuir para a sustentação de sua memória para a história da cidade de Ribeirão Preto.

A BIBLIOteCA AtRAVÉS DOS temPOS1

“A história da biblioteca é a história do registro da informação, sendo possível

destacá-la de um conjunto amplo: a própria história do homem.” (MILANESI, 1988, p. 16).

A história da biblioteca está estreitamente ligada ao surgimento da

escrita e dos primeiros registros históricos feitos pelo homem. À medida que o homem passou a produzir registros informativos, ele percebeu a necessidade de se criar sistemas que organizassem essas informações para que pudessem ser consultadas posteriormente.

No começo da história da escrita, assírios, sumérios e babilônios utili-zavam placas de argila gravadas com inscrições cuneiformes. Às margens do Nilo, os egípcios começaram a utilizar o papiro, surgindo as primeiras bibliotecas. Para substituir o papiro foi inventado o pergaminho, feito de pele de animais. A biblioteca de Alexandria chegou a reunir mais de 500 mil volumes de pergaminhos. Já na Idade Média as abadias serviam como bibliotecas. O conhecimento era restrito aos mosteiros, onde os livros eram produzidos aos homens de poder.

1 Fonte: MILANESI, Luís. O que é biblioteca. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983

Page 21: Livro-reportagem_Padre Euclides

21

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

Com o surgimento das universidades, a produção de livros aumentou e, com a chegada do papel, o custo das cópias manuscritas caiu. O pas-so mais significativo na produção de livros foi a invenção da prensa no século XV, por Gutemberg, fato que propiciou a fabricação de livros em série. Mas isso não fez com que os livros deixassem de ficar nas mãos dos reis e nobres.

A Revolução Francesa permitiu que os livros ficassem à disposição da maioria e não apenas nas mãos dos nobres. E na Revolução Russa uma nova prática para o ensino e o acesso à informação foi estabelecida, resultando num rápido desenvolvimento do setor.

Com a Revolução Industrial, a biblioteca deixou de ter apenas a fun-ção de museu enquanto coleção pública e passou a ser a biblioteca/ser-viço tendo como principal característica a função educativa. Já quase no final do século XX, as bibliotecas ganharam uma nova perspectiva: a de sistematizar o acesso às informações. A partir deste momento, a infor-mação também passou a ser vista de outra forma, encarada como um elemento estratégico para o desenvolvimento e para a segurança do país, onde quem detém a informação correta, também é detentor do poder.

Biblioteca Real2

No Brasil, o rigor sempre esteve presente nas publicações e cir-culação de impressos. Em 1536, qualquer publicação deveria passar por três censuras: Santo Ofício e Ordinário (da Igreja Católica) e o Desembargo do Paço (poder civil). Muitas obras eram proibidas e mais ainda censuradas

A primeira biblioteca do Brasil, datada de 1811, foi a Biblioteca Pú-blica da Bahia. Era comum que os livros, principalmente os importados da Europa, se concentrassem nas mãos de colecionadores particulares ou nos conventos, onde principalmente os jesuítas formavam pequenas bibliotecas para aprender e ensinar. Quando foram expulsos, suas cole-ções foram deixadas para trás e quase tudo foi perdido. Aliado a isso, a

IntRODUçãO

2 Fonte: MARTINS, Ismênia de Lima. D. João VI e a Biblioteca Nacional: um legado em papel. Rio de

Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2008.

Page 22: Livro-reportagem_Padre Euclides

22

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

Colônia sofria com as proibições de Portugal e, em 1747, poderia ir para a cadeia quem ousasse imprimir algo. Não deveria haver concorrência com a metrópole e só podiam entrar no Brasil livros autorizados pelos colonizadores. Mesmo essas proibições não impediram que várias cole-ções fossem formadas, inclusive com livros proibidos.

A maior transformação intelectual sofrida pela Colônia aconteceu em 1808, com a vinda de D. João VI, trazendo o tesouro da Corte e junto dele, a Biblioteca Real, ao Rio de Janeiro. Inicialmente instalada no Hospital da Ordem Terceira do Carmo e inaugurada em 1811, possuía milhares de volumes. Após três anos e já com 60 mil livros, foi aberta ao público. Posteriormente nomeada Biblioteca Nacional, foi transferida em 1858 para atual sede no Largo da Lapa. “O núcleo inicial, em uma parte trazido e em outra parte adquirido por D. João em terras fluminenses, é apenas uma parcela pequena do total atual de 9 milhões de peças (entre livros, manuscritos, periódicos, estam-pas, mapas, partituras etc.) que compõem atualmente seu acervo e fazem da Biblioteca Nacional uma das mais importantes do mundo”, afirma Ismênia Martins, em seu livro “D. João VI e a Biblioteca Na-cional: um legado em papel”.

Quando o Brasil se tornou independente de Portugal, novos pro-jetos surgiram no país. Jornais foram fundados e a imprensa iniciou tardiamente. Apareceram os folhetos e os livros. Escolas foram cria-das e a população passou a ter acesso à literatura, principalmente com a criação das novas bibliotecas. Entretanto, naquele período, o Brasil enfrentava alguns desafios: o índice de analfabetismo era altíssimo e apenas a elite letrada tinha acesso aos livros.

O aparecimento do leitor se dá juntamente com ascensão do capi-talismo e da sociedade de consumo. No Brasil, o uso das bibliotecas é destinado grande parte à elite letrada, e seu uso como biblioteca pública acaba sendo destinado ao uso escolar, deixando de cumprir sua função social. Entretanto, mesmo diante dos problemas ainda encontrados no Brasil, como o analfabetismo, os livros ainda são considerados as maiores fontes de sabedoria existentes. Apesar das dificuldades e adversidades, as bibliotecas existem até hoje e são de-tentoras de muitas, mas muitas histórias.

IntRODUçãO

Page 23: Livro-reportagem_Padre Euclides
Page 24: Livro-reportagem_Padre Euclides

24

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

CAPÍTULO IPASSADO

Qual a parte mais importante de uma biblioteca?

Para Alfredo Rossetti, a resposta não poderia ser mais óbvia: os livros. Mas não somente os livros e, sim, todo o conhecimento que eles carregam consigo. Alfredo entende de uma coisa ou duas disso, afinal ele cresceu nesse mundo – e até conseguiu participar dele.

Mas vamos começar pelo local onde estão suas primeiras memó-rias relacionadas à literatura: o alpendre. A paixão pela leitura e poesia

Page 25: Livro-reportagem_Padre Euclides

25

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

CAPítULO IPASSADO

começou em noites passadas no alpendre com o pai, que amava – e citava - Augusto dos Anjos. Apesar de ainda ser tão pequeno, que não havia sido alfabetizado, ele já havia encontrado o primeiro – e um dos maiores – amores de sua vida: os livros. “O ritmo e o som, a musica-lidade da poesia, veio para mim antes de eu escrever”.

Infelizmente, ele não era estimulado a ler na escola. Mas, em casa, ele pôde encontrar o refúgio que tantos encontram na literatura. Na-quela época, as coleções de bancas de revistas já existiam e foram grande influência na vida de Alfredo. Com uma coleção da Saraiva, ele pôde ter contato com autores clássicos como José de Alencar e Machado de Assis. “Você pagava uma mensalidade e vinham uns dois livros por mês. Eu li isso muito pequeno”, conta. Logo em seguida, o aposentado foi apresentado ao grande Monteiro Lobato e, nesse mo-mento, ele percebeu que a paixão pela literatura não teria fim. “Devo muito do que eu tenho e aprendi lendo a parte infantil do Monteiro Lobato”.

Já adulto e desejando ter o próprio dinheiro – provavelmente para poder comprar mais livros – Alfredo encontrou nos livros uma fonte de renda. Como vendedor de uma editora de livros que produzia exemplares em papel bíblia ele pôde ganhar os primeiros reais – cru-zeiros na época.

Após trabalhar nessa área, ele conseguiu um emprego em uma multinacional. E apesar de não ter mais um contato direto com os livros, ele conseguiu encontrar uma maneira de ainda poder se man-ter próximo deles. “Ela me propiciou uma nova área de leitura, de administração de empresa. Então fui ler Peter Drucker, um monte de gente na área de marketing que eu não lia. Todo dia a administração de empresa tem uma nova teoria, como reengenharia. E eu era uma das pessoas na empresa que sempre estava dando as novidades e di-cas. Mas nunca parei de ler”.

Depois de mais de 20 anos trabalhando na área e pronto para se aposentar, Alfredo teve a oportunidade de montar um sebo em Ri-beirão Preto chamado Velhas Novidades. Infelizmente, a loja não dava muito dinheiro, e ele teve que encerrar os negócios após um ano e meio. Mas, como o ditado, “Quando Deus fecha uma porta, Ele abre

Page 26: Livro-reportagem_Padre Euclides

26

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R CAPítULO IPASSADO

uma janela”, Alfredo, já com cabelos grisalhos e óculos, encontrou uma janela gigantesca: a Biblioteca Padre Euclides.

A primeira vez

Seu primeiro contato com a biblioteca demorou um pouco. Já aposentado, Alfredo conheceu um senhor que tinha uma fazenda em Minas Gerais e que organizava reuniões semanais naquelas salas ao lado da biblioteca.

Como as reuniões ocorriam à noite, ele não tinha a oportunidade de visitar a biblioteca, até o dia em que ele chegou um pouco mais cedo. “Eu sempre pensava em visitá-la quando ia lá. Um dia cheguei e estava o pessoal da biblioteca fazendo uma reunião. Eles vieram conversar com a gente e o presidente veio falar comigo, contou que estava precisando de colaboradores, voluntários. Falei que tudo bem, eu topava.”

No dia seguinte, Alfredo entrou na biblioteca pela primeira vez e conheceu os funcionários do local. Foi como encontrar uma joia, mas uma joia mal tratada. Com o auditório caindo aos pedaços e a biblio-teca quebrada, Alfredo acabou acidentalmente – ou não - entrando na história do local em um momento de mudanças.

Com o auxílio de uma multinacional localizada em Ribeirão e o governo do Estado de São Paulo, eles puderam dar à biblioteca um novo respiro. Mas os problemas estavam longe de ser resolvidos.

“Até hoje estamos padecendo por falta de dinheiro. Mas pelo me-nos está de pé. É porque ela não é de ninguém. Ela é da Solebrarp, mas de nenhum órgão público. Alguns prefeitos ajudam, outros aju-dam um pouco e depois cortam. Então não temos ajuda governa-mental. Vivemos de sócios. Além daquelas salas, temos os escritórios que acabam rendendo alguma coisa. É isso aí, podemos fechar um dia sim, não é difícil.”

Amigo do padre

Na biblioteca, Alfredo, que se tornou vice-presidente do local em

Page 27: Livro-reportagem_Padre Euclides

27

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

janeiro de 2014, estabeleceu uma forte ligação com o padre Euclides. Admirador do espírito empreendedor do padre, ele o admira por tudo que fez pela cidade. “A biografia do padre Euclides é uma das mais lin-das que conheço. Ele é um cara que chegou aqui no meio de uma febre, trouxe médicos e começou a construir igreja, e construiu a Solebrarp, construiu esse asilo e revigorou a Santa Casa. Brigou com o bispo, o bispo manda ele embora para São José do Rio Parto, ele chega em Rio Pardo faz tudo a mesma coisa, se você for lá tá tudo com o nome dele. Faz tudo a mesma coisa e o bispo não contente manda para outro lugar e ele foi cair no Rio de Janeiro. Então é um padre que eu tenho uma admiração pelo lado empreendedor, ele fazia as coisas.”

Alfredo conta que o padre também não tinha nenhum tipo de pre-conceito. Euclides conviveu muito com Anália Franco, uma líder espí-rita que fazia uma orquestra de senhoritas na Vila Virgínia. “Ela pegava essas meninas e botava para tocar, assistia e ao invés de comprar in-gresso você dava o quanto quisesse. E sempre os maiores envelopes de dinheiro eram dele. Uma das causas da briga com o bispo era ela, ele abraçou a causa dela.”

CAPítULO IPASSADO

“ “Ela ficou olhando aquele quadro do padre e perguntando quem era o cara. Ela amava o padre, tinha uma veneração por ele.

Page 28: Livro-reportagem_Padre Euclides

28

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

Por Alfredo ter ajudado a Padre Euclides a ganhar uma reforma e se renovar, a biblioteca lhe devolveu o favor na forma de amizades. No primeiro dia no estabelecimento, ele conheceu uma das amigas que mais participaram da sua vida desde 2003, chamada Labibe Zogbi.

Ela trabalhava como a bibliotecária até o dia que a mandaram e embora. Após o presidente de o local dizer que não havia mais como pagá-la, ela aceitou a demissão, mas continuou trabalhando de graça. Labibe continuou voluntariando até se casar aos 75 anos de idade, po-rém acabou sendo diagnosticada com o Mal de Alzheimer, e ela teve que se afastar de lá. Agora ela mora em uma clínica onde é tratada e cuidada, mas infelizmente, não se recorda dos anos que frequentou e trabalhou na Padre Euclides.

“A Fatu, atual diretora, fez aquele espaço Labibe que tem de crian-ças e nós trouxemos ela na inauguração, mas ela não conhecia o lugar que ela estava e onde trabalhou por 30 anos. Ela ficou olhando aquele quadro do padre e perguntando quem era o cara. Ela amava o padre, tinha uma veneração por ele. E esse dia que ela foi lá eu fiquei bobo de ver o que tinha acontecido. No dia da inauguração eu declarei um poema que ela tinha pedido para que eu escrevesse, da biblioteca, e ela não lembrava de nada, nem quem era eu.”

CAPítULO IPASSADO

“ “Ele é uma dessas pessoas que não existem mais. Um autodidata, não era formado em nada e era cultíssimo.

Page 29: Livro-reportagem_Padre Euclides

29

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

Biblioteca Padre euclides

Nestas salas, de entranhas delicadas,uma multidão muda habita.Pepitas encarceradasque por mãos afetuosas gritam.

Gritam pela troca generosaque fazemos ao buscar o bem maior,na secura da pele ansiosa,doando apenas dois olhos e o afeto solar.

Gritam que só se ignifica a existênciase a luz que explodedas velhas estantes da paciênciadeixar o mosteiro dos séculos e nos abraçar.

Gritam por nossos dedos desconcertantes,folheando páginas sedentasque ensinam: a vida só se complementequando o espírito ao beber palavras, clareia.

E nos falam mansamente, de forma cheiaque assim sairemos de um simples respirarà absorção de todo o ar da humanidadeque o conhecimento leveda, quando nos permeia.

Intelectuais

Na biblioteca, está guardado um livro onde pessoas influentes e fa-mosas do Brasil – e algumas até de outras partes do mundo – puderam assinar, como Santos Dumont. Mais recentes, estão Jean Willis, Mia Cou-to e Denise Estócos que visitaram a biblioteca após a reforma de que Alfredo participou.

CAPítULO IPASSADO

CAPítULO IPASSADO

Page 30: Livro-reportagem_Padre Euclides

30

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

Alfredo também teve a oportunidade de participar de discussões intelectuais que ocorriam todas as tardes na Padre Euclides. Lá, eles estudavam os livros que a biblioteca oferecia e discutiam sobre as-suntos como religião e política. A única regra que o grupo tinha era que eles tinham que ter a participação do seu Lara.

Já de idade, Aparício Lara Filho era um dos frequentadores mais antigos da biblioteca quando Alfredo começou a se voluntariar. “Ele é uma dessas pessoas que não existem mais. Um autodidata, não era formado em nada e era cultíssimo. O que você falasse, você tomava um banho, sentava e ficava olhando de boca aberta enquan-to ele falava.” Frequentador diário, ele mantinha um ritual de chegar na biblioteca por volta de 15h, quando todos já estavam loucos para ir embora encerrar o dia. Também cumprimentava os funcionários de uma maneira um pouco diferente. Ao invés de “olá” ou “tudo bem”, ele perguntava “o que tinha de novo”.

Apesar de ter morrido em 2009, Alfredo ainda se recorda do seu Lara no seu dia a dia, e guarda na biblioteca uma foto onde ele e Labibe aparecem. Escutar músicas, ler livros e visitar a biblioteca causam essas lembranças. Mas, hoje em dia, Alfredo reduziu o nú-mero de visitas diárias por se sentir desmotivado.

No começo de seu voluntariado, Alfredo se focava muito nos jovens e se tornou um mentor de livros. Quando um jovem – ou uma pessoa de qualquer idade – entrava na biblioteca procurando um livro ou querendo começar a ler, ele entrava em ação.

Como um guia, ele ajudava a pessoa e, em alguns meses ou anos, eles já estavam discutindo Dostoievski. No processo ele também aproveitava para recomendar os livros brasileiros favoritos dele, como Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis, Os Sertões de Euclides da Cunha e Angústia, de Graciliano Ramos. Porém, Alfredo deixou de fazer esse trabalho há alguns anos. “Isso acabou. Não de minha parte, acabou esse interesse. Hoje as pessoas gostam de pegar o livro e ir embora para casa, eles leem mais os best-sellers. Eu vou de terça e quinta agora.”

CAPítULO IPASSADO

Page 31: Livro-reportagem_Padre Euclides

31

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

Que venham as mudanças

Para Alfredo, os frequentadores estão mudando, e as bibliote-cas estão passando por um processo de adaptação para atender as novas necessidades dos visitantes. Tanto é que ele que conseguiu instalar a tão necessária internet sem fio no estabelecimento – um dos principais motivos dos frequentadores irem ao local, conforme um questionário que foi passado aos frequentadores da biblioteca. Mas ele sentiu um pouco de resistência dos funcionários da época até conseguir instalar o wi-fi no estabelecimento.

“O presidente da época ficou com medo de negócio de pedofilia, mandei ele largar de ser besta. Ele não sabia muito então expliquei como funcionava. Agora vai ser esse tipo de serviço que a bibliote-ca oferece, um centro de pesquisa. Por exemplo, você vai e os livros estão lá. A pessoa vai lá pesquisar livro antigo, porque conforme a pesquisa que você está fazendo não adianta usar um Aurélio, tem que pegar um dicionário da época que você está pesquisando.”

Aberto às novas tecnologias, Alfredo utiliza leitores digitais para carregar seus livros e acredita que eles são sim, o futuro. Além de ter comprado um leitor, ele também coloca livros no seu iPad e no seu celular, onde coloca poesias rápidas de serem lidas em um mo-mento de tédio. Ele, recentemente, leu Juca Pirama, de Gonçalves Dias enquanto visitava o dentista.

“Cada ano que você vê vai aumentando a porcentagem de pesso-as que leem no computador. Já tem loja que você compra e-book lá. Então o que vai acontecer com a biblioteca é que ela precisa de uma reengenharia, ela vai ter que ter outros apetrechos porque a coisa do livro só não adianta mais.”

E como serão as bibliotecas do futuro? Para Alfredo, além dos li-vros impressos que continuarão sendo armazenados para pesquisas, ele acredita que os frequentadores levarão os próprios leitores di-gitais e baixarão livros gratuitamente nos estabelecimentos. O mais importante é a leitura, não importa o formato em que ela pode ser feita. Um dos benefícios, segundo ele, é o custo mais baixo para manter o material armazenado.

CAPítULO IPASSADO

Page 32: Livro-reportagem_Padre Euclides

32

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

Tanto é que ele já sentiu a resistência de alguns locais em rece-ber mais livros. Ao tentar doar uma coleção de livros de medicina franceses, de 1920, para uma Universidade de Ribeirão Preto, ele recebeu um não. Após muita negociação, o Centro Médico da Uni-versidade aceitou os mais de 600 exemplares. Mas eles não estão de fácil acesso, serão guardados. Alfredo duvida que alguém terá o interesse de realmente de procurar por eles. Portanto, para o apo-sentado, é dinheiro jogado fora.

Também escritor, Alfredo possui livros no acervo da bibliote-ca Padre Euclides. Ele, que também escreveu poemas e histórias a vida inteira, teve seu primeiro livro publicado por conta própria em 2000, logo após se desligar da multinacional onde trabalhou. Mas após algumas publicações, ele recebeu um convite para participar de uma coleção chamada “Rascunhos” e desde então publicou vários exemplares. Ele também mantém uma página na internet chamada “Sítio de Poesia” onde publica suas poesias há quase dez anos.

O primeiro livro publicado por Alfredo em 2008, teve, inclusive, um prefácio do seu Lara. Aqui está um pequeno trecho dele:

“Segundo Scheler, Alfredo dilatou-se no mundo; ora concentra

o mundo em si. Destarte, Colheita dos ventos é a força criadora, a expressão lídima do HUMANISMO do autor!”

Mas, apesar de Alfredo ser modesto com o que escreveu, ele acredita que se trouxer um pouquinho mais de conhecimento ao mundo já será suficiente.

“Não há nada mais especial no mundo do que o conhecimento. Explico para você: o mundo tem bilhões de anos, nós vivemos 70 anos, quando muito 80. É muito pouco. Se nós não aproveitarmos bem isso, esse tempo, nós vamos passar aqui de forma passando, superficial. E não vamos gastar 70 anos bebendo cerveja e fazendo churrasco. A melhor maravilha que tem esse universo é o conheci-mento; é você saber tudo que puder saber. História, o que aconte-ceu, quem morou aqui há 300 anos, Revolução Francesa, filosofia, como se discute ela, literatura, poesia, o que está implícito, cinema

CAPítULO IPASSADO

Page 33: Livro-reportagem_Padre Euclides

e etecetera. Quer dizer, a beleza do mundo para mim é você ir atrás de conhecimento, conhecer as coisas. E o grande canal, talvez o principal até 50 anos atrás, sempre foi o livro.” Finaliza o paciente senhor de cabelos brancos e óculos, que apesar de ter um andar calmo e tranquilo, possui uma vontade absurda de se expressar e transmitir o máximo possível de sentimentos e histórias através de suas palavras.

CAPítULO IPASSADO

Page 34: Livro-reportagem_Padre Euclides

34

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

CAPÍTULO IIPReSente

Parte I - D’Artagnan

Angelo Rogério Davanço é de longe um cara normal. Tem famí-lia, casa, carro, um emprego e uma paixão por livros. Hoje, editor no “Jornal A Cidade” e ainda fanzineiro. Ontem, um menino peralta que visitava bibliotecas, à noite, para ler livros proibidos.

Sua história com a Biblioteca Padre Euclides começou no final dos anos 1980, início dos anos 1990, quando as pessoas faziam mani-

Page 35: Livro-reportagem_Padre Euclides

35

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

festações nas ruas para pedir o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, na época em que os jovens saiam às ruas com as ca-ras pintadas pedindo melhorias para o país. “Na rua São Sebastião, eu participei de uma passeata ‘Fora Collor! Caras pintadas’, estava cheio de gente”, lembra.

Naquela época, há pelo menos 20 anos, o pensamento das pesso-as era diferente. As cidades eram diferentes. E o Centro de Ribeirão Preto era diferente. E Angelo, lembra bem disso. “As pessoas vinham pra cá porque aqui existiam os cinemas de rua, existiam livrarias. Não tinha essa invasão de vendedor ambulante, de comércio popular. Era uma época que tinha um shopping só na cidade, então as pessoas vinham muito ao centro. Os cinemas, as livrarias e até as bibliotecas atraíam outro tipo de público. E hoje está mais na questão do comér-cio, não tem mais esses atrativos culturais.”

É claro que um lugar com livros e conhecimento certamente teve seu papel, mas, para Angelo, talvez o fundador da biblioteca, Padre Euclides, tenha tido um papel importante nessa época, já que era muito atuante no município. A própria biblioteca já que nesse perío-do não estava vivendo seus anos de ouro. “Estava bem decadente... Não tinha uma política de preservação, não tinha nada. Isso só foi acontecer agora, no começo dos anos 2000. Estava adormecida nesse período.”

A Biblioteca escondida

Apesar da má fase do local, Angelo entrou a primeira vez e até hoje ainda dá suas passadas por lá. “Lembrar a primeira vez, eu não lembro. Eu lembro que foi assim: eu entrei para conhecer porque ela fica meio escondida. Eu sabia que ela existia, mas nunca tinha ido. Entrei meio que pra conhecer e fiquei lá. Tinha muita coisa pra ler e eu fiquei lendo jornais”.

Mas no começo tudo era diferente. Não existiam computadores, ou a internet. As pessoas, estudantes principalmente, precisavam utilizar os livros para realizar suas pesquisas. Livros esses que tinham explicações sobre os mais variados temas e assuntos, as chamadas

CAPítULO IIPReSente

Page 36: Livro-reportagem_Padre Euclides

36

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

enciclopédias. “Acho que o primeiro livro que peguei na biblioteca foi uma enciclopédia, alguma coisa para fazer pesquisa, tipo a Barsa, a Delta. Na época se não me engano eles não emprestavam livros, você tinha que ler no próprio local, não tinha biblioteca circulante. E para ficar lendo eu não tinha tempo. Então era mais para fazer pesquisa mesmo, porque, imagina, não existia internet nem nada, tinha que pesquisar nos livros!”

Mas, não se engane ao pensar que a relação de Angelo com as bibliotecas começou nessa época. Antes de conhecer a Padre Eu-clides, ele já vivia em meio aos livros na outra biblioteca da cidade, a Altino Arantes. “Eu morava perto do centro, na rua Tamandaré, próximo à avenida Francisco Junqueira. Então na época do colégio, ensino médio, eu ia muito na Altino Arantes. Para pesquisar tam-bém. É até engraçado que tem uma história com o coordenador lá, o José Carlos. Até hoje eu vou lá e me encontro com ele. E eu me lembro de uma história que... eu adolescente...Você começa a se interessar por tudo. A gente queria pesquisar, eu e uns amigos, sobre o tal Livro Preto de São Cipriano. É um negócio de magia, da época da idade média. Tinha esse livro aquelas coisas de fazer o copo andar... Então quando fechava a biblioteca, o José Carlos deixava a gente entrar e a gente ficava fazendo as experiências de fazer o copo andar”.

Mas a ligação com as bibliotecas não acabou. E ele acredita que irá continuar. Até hoje, em seus intervalos no jornal local onde tra-balha, e que fica próximo à Padre Euclides, Angelo dá um pulo na casa dos livros para ler. “No meu trabalho tem agora um período de intervalo de uma hora, você tem que ficar uma hora fora da empre-sa e vai fazer o quê? Vai ficar andando à toa, comendo salgadinho? Não. Então eu vou para as bibliotecas, levo um livro, ou um que peguei na própria biblioteca e fico uma hora lendo.”

É o significado da biblioteca que conta. É aquilo que aquele pré-dio cheio de livros te faz sentir, como o ambiente silencioso, con-vidativo à leitura. “Biblioteca é a primeira fonte de saber. Tem tudo que você precisar, é um Google fixo, é um prédio chamado Google. E as pessoas que trabalham nas bibliotecas são muito bem treinadas

CAPítULO IIPReSente

Page 37: Livro-reportagem_Padre Euclides

37

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

pra encontrar tudo que você precisa.”Além dos livros, tem o ambiente de estudo também. “Por fre-

quentar quase diariamente as bibliotecas, eu vejo muitas pessoas com uniforme de lojas que devem estar na mesma situação, que estão no intervalo, que trabalham no comércio e ficam na biblioteca estudando, com apostilas de cursinho e tudo. Um ambiente primor-dial de estudo. Ou deveria ser. Mas desde que as pessoas tenham também essa consciência de as pessoas buscam por um pouco de silêncio, de concentração... As pessoas ficam conversando, e eu já vi muita gente incomodada com isso. Mas acho que vem muito dessa coisa da biblioteca ter se transformado só num depósito de livro. Então se as pessoas tivessem noção do que é realmente uma biblio-teca, com certeza, respeitariam mais quem está ali para estudar, ou para simplesmente ler.”

Repensar sua função

No entanto, os tempos são outros. É necessário que a biblioteca entenda que precisa se atualizar para continuar sendo útil aos usu-ários. Aos poucos, os mais velhos vão acabar morrendo. Os novos

“ “O espaço infantil é bem interessante, porque temos que começar a mostrar para as crianças que existe um espaço bacana.

CAPítULO IIPReSente

Page 38: Livro-reportagem_Padre Euclides

38

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

ficarão velhos e também morrerão e, em cerca de 80 anos, elas não serão mais necessárias... Davanço tem uma opinião bem concreta so-bre isso.

Para Angelo, a biblioteca é fonte de saber, mas tem que repensar o seu papel para que possa atrair novas gerações. Com a concorrência com as mídias, ela vai acabar virando um depósito de livros empo-eirados. É um serviço gratuito que as pessoas poderiam aproveitar melhor. “Basta divulgar e se modernizar.”

A Padre Euclides tem tentado fazer um pouco disso. Ocorreram muitas mudanças desde que a Oficina Cultural mudou para o mesmo prédio e assumiu a biblioteca. “Ela tem uma sessão circulante de li-vros e de DVDs. Coisa que antes não tinha, além dos jornais que es-tão lá e dos livros para pesquisa. O espaço infantil é bem interessante, porque temos que começar a mostrar para as crianças que existe um espaço bacana. A minha única ressalva é que a biblioteca continua escondida. Ninguém sabe, passando ali na rua Visconde de Inhaú-ma que subindo aquela escada tem uma biblioteca. Se acontecessem algumas atividades no saguão do prédio convidando as pessoas pra conhecer a biblioteca...”

Os clássicos

Angelo conheceu pessoas na Padre Euclides, autores e amigos. Inclusive, desenvolveu um trabalho sobre a biblioteca em um de seus fanzines3. Foi por causa da biblioteca que ele entrou em contato pela primeira vez com os textos de Mia Couto, um autor moçambicano que já ganhou até o Prêmio Camões de literatura.

“Biblioteca é assim, como ela não renova muito o acervo, você acaba encontrando mais os clássicos. Livro novo é mais difícil de en-contrar. Têm as histórias, por exemplo, como de Dom Quixote, que se você vai a uma livraria, entre um clássico e uma novidade, acaba comprando um lançamento. Acredito que a biblioteca tem esse papel

CAPítULO IIPReSente

3 Fanzine: Publicação de imprensa alternativa, geralmente dedicada a assuntos musicais e outras manifestações cul-

turais. (Dicionário eletrônico Michaelis: Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Melhoramentos, 1998).

Page 39: Livro-reportagem_Padre Euclides

39

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

CAPítULO IIPReSente

de preservar os clássicos.”Fazer fanzines também ajudou Davanço a ter maior contato com

a biblioteca e a fazer amizades também. “Quando eu comecei a fazer fanzine A Falecida, em 1991, não tinha internet, não tinha nada. Para conhecer autores você tinha que ir à biblioteca. Eu reproduzia tre-chos de obras de autores como Charles Bukowiski, Antonin Artaud. Copiava as coisas para poder depois escrever as reportagens do fanzi-ne. E, depois de vinte anos, eu tive a oportunidade de fazer uma ofi-cina de fanzines aqui na Biblioteca Padre Euclides. Aliás foram duas ou três oficinas e, numa delas, os alunos optaram por dar o nome do fanzine de ‘The Euclides’, como ‘The Beatles’. Os fanzines estão no acervo da biblioteca, como uma contribuição. Imagina daqui a cem anos uma menina vai lá e ‘Olha aqui isso é um fanzine!’”.

Na época em que frequentava a biblioteca por conta das fanzines conheceu João Miguel Satisinger, que foi voluntário na Padre Eucli-des. “Ele tinha um projeto chamado ‘Encha o saco da cultura’ que era um saco plástico que você jogava o que você tivesse de publicações, gibis, livros. Eu participei do projeto doando os fanzines. A Falecida foi pro saco. Então assim, uma figura bem marcante que eu tenho da biblioteca é o João. A gente sempre se encontra na rua, ele está sempre com pressa e eu também, mas na biblioteca a gente parava pra conversar.”

O fanzineiro não pretende deixar a tradição e o conhecimento morrerem. Ele tem duas filhas pequenas e já as incentiva a ter contato com livros. “Eu já levo elas na biblioteca do SESC (Serviço Social do Comércio) que é aqui no centro também, porque tem outras ativida-des culturais e você acaba levando na biblioteca. A criança mexe, os livros estão todos detonados, mas você tem que deixar ter o contato? E sim, enquanto eu puder, vou levá-las”

Para finalizar, Angelo explica qual é a importância da Padre Eucli-des para a grande e de altas temperaturas, cidade de Ribeirão Preto. “A Biblioteca Padre Euclides tem uma história centenária, riquíssima. Possui acervo de jornais, desde o início dos anos cinquenta, quarenta. Quando o Padre Euclides criou a Sociedade Legião Brasileira, ele ti-nha o interesse de preservar a cultura, de oferecer cultura, ele foi um

Page 40: Livro-reportagem_Padre Euclides

40

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R CAPítULO IIPReSente

visionário para época. E foi o criador da primeira biblioteca da nossa cidade. Eu acho que só aí já tem uma importância fundamental, por ter atravessado mais de 110 anos junto com Ribeirão. A biblioteca existe quase que desde sempre na cidade. A importância fundamental da biblioteca foi trazer a oportunidade das pessoas obterem conheci-mento. Pra mim é exatamente isso.”

Que esse conhecimento continue sendo passado para as próximas gerações e que as bibliotecas continuem sendo fonte de saber e lo-cal onde ainda seja possível encontrar pessoas interessantes, e fazer amizades.

Parte II - Os três mosqueteiros

Passado e presente se confundem e se misturam na Biblioteca Pa-dre Euclides. Mais que isso. Histórias e memórias se perdem e se encontram... Ah, os encontros! Casuais (ou não), aquelas cadeiras e mesas de madeira guardam histórias que nem mesmo o mais assíduo frequentador é capaz de lembrar...

“ “Se futuramente eu não estiver mais aqui, estiver num outro serviço, não vou deixar de frequentar, sempre vou voltar aqui quando tiver tempo.

Page 41: Livro-reportagem_Padre Euclides

41

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

Uns encontram nos livros companheiros. Outros encontram, na biblioteca, companheiros para discutir sobre os livros. Outros ainda encontram livros que sempre quiseram ler e descobrem a graça da leitura.

Assim é a história de Carlos Eduardo Brocanelli, que possui o estereotipo daquele colega de sala nerd na época da escola: baixo, razoavelmente pálido e tem cabelos bem pretos. É calado, tranquilo e está sempre vestindo um par de jeans e camisa social.

Desde que começou a trabalhar na Biblioteca Padre Euclides, há dez anos, sua vida mudou muito. Na biblioteca, Carlos ajuda a cuidar da manutenção do local e dos livros também. Além de um trabalho, Carlos encontrou na biblioteca seu refúgio. Fez amizades. Tirou dú-vidas em livros. E descobriu um mundo completamente novo. Antes de começar a trabalhar na Padre Euclides, Carlos não tinha contato com bibliotecas. Lia alguns livros que comprava em sebos, mas não conhecia o ambiente.

Hoje, a biblioteca é uma experiência de vida. “Depois que eu des-cobri a biblioteca, os livros, as pessoas interessantes que frequentam aqui, o conhecimento, mudou... Se futuramente eu não estiver mais aqui, estiver num outro serviço, não vou deixar de frequentar, sempre vou voltar aqui quando tiver tempo”, conta.

E como são as coisas. Ditos populares podem parecer clichê, mas funcionam perfeitamente com algumas pessoas. Dizem que a primei-ra vez a gente nunca esquece. Carlos se lembra do primeiro livro que leu na biblioteca. Um livro sobre um de seus assuntos preferidos: esoterismo. Um livro que lhe trouxe respostas às suas dúvidas da épo-ca. ‘O poder cósmico da mente’, de Joseph Murphy. E vários outros livros, de vários outros autores e temas.

Carlos fez amigos também na biblioteca. Amigos com os quais debate sobre política e assuntos do cotidiano. E quando eu pergunto quem ele conheceu na biblioteca e com quem conversa até hoje, ele é firme e rápido em dizer e apontar: o José Roberto (Frateschi Pinto), que estava sentado ali próximo. José Roberto é um homem de meia idade. Cabelos grisalhos e óculos o definem. Camisas polo listradas também. De estatura mediana, tem ar de quem tem muita sabedoria

CAPítULO IIPReSente

Page 42: Livro-reportagem_Padre Euclides

42

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

para ensinar aos mais novos.Ele conhece a biblioteca há mais tempo que o próprio Carlos. Sua

história começou há 17 anos. E, acredite ou não, os livros não foram responsáveis por isso.

Ele é um tipo de pessoa que podemos chamar de ‘adorador de informação’, um apaixonado, como se define. “Eu sempre fui assim, apaixonado pela leitura. Então eu gosto de estar inteirado dos fatos do dia a dia”. Ele nunca teve assinaturas de jornais, ou foi de comprá--los regularmente, então sempre buscou lugares onde pudesse en-contrá-los. E a Padre Euclides é um desses locais. Não que os livros não o agradem. É só que ele ‘já passou dessa fase’. “Quando eu era estudante eu sempre li livros, não só para realizar os trabalhos, mas eu sempre gostei. Gostava de escrever também, já fui escritor só que eu nunca publiquei, nunca tive chance para isso. Conforme o tempo passa, você se molda em outros ritmos, e acabei fixando nas revistas e jornais. Mas gosto de livros, cinema e literatura em geral.”

Para ele, assim como para Carlos, a biblioteca é um lugar em que ele se sente em casa. Já fez amizades, e ainda cultua a maioria, conse-gue ler os seus adorados jornais, debate sobre os temas com outras pessoas... “Gosto muito do espaço em si, é uma diversificação muito grande dos arquivos. O pessoal dá muita liberdade então se você qui-ser, é um grande centro de pesquisas.”

A Biblioteca Padre Euclides é um espaço para discussão e convi-vência. Além de aprendizado. Mas, às vezes, a coisa acaba saindo um pouco do controle. “Aqui você vê pessoas de todos os níveis, intelec-tuais ou mentais porque cada um age e pensa de alguma forma. Aqui inclusive já saiu até briga e discussões adversas, são pessoas que não se enquadraram. Uns três, já não entram mais aqui por isso. Estão terminantemente proibidos por isso.”

Sua maior preocupação é a chegada iminente do fim da biblioteca. E das bibliotecas. “Acho que a tendência não é mais ter. É um futuro negro, vamos dizer assim. A tendência é desaparecer, infelizmente.”

Só não tem fim para o número de amizades feitas na Padre Eu-clides. Quando terminamos a entrevista, José me diz para chamar o terceiro homem que está na mesa, ‘porque ele fala bem’.

CAPítULO IIPReSente

Page 43: Livro-reportagem_Padre Euclides

O que ‘fala bem’, é também conhecido por Márcio Rogério Bo-nillo. Apaixonado por história, tem cara de intelectual como os pro-fessores de História e Geografia do colegial. O fato dele estar sempre de camisa polo ou segurando um livro nas mãos também ajuda.

Está na turma e na biblioteca há dez anos. Ele chegou à biblioteca pois precisava fazer uma pesquisa sobre história e o acervo da Padre Euclides era rico no assunto. O primeiro livro emprestado foi ‘A as-censão e queda do Império Romano’. Desde então, muitos outros vieram. E passar na biblioteca, pelo menos uma vez na semana faz parte da rotina de Márcio. Para ele a biblioteca representa “uma fonte de cultura, de entretenimento, de pesquisa, de curiosidades, de livros, revistas... Tem muita coisa.” E apesar de não ter paciência para ler nas dependências da Padre Euclides, o local para ele é um espaço de paz, e sabedoria.

Amante de história, Márcio sente falta de um acervo maior no assunto. Mas isso não o impede de, a cada quinze dias, retirar um livro novo. E uma das tristezas de Márcio é saber que a biblioteca é uma fonte de conhecimento pouco procurada pelos jovens. “Pessoal dessa idade que não se interessa pela leitura, pela história... Podia ser mais incentivado pela mídia, propaganda na televisão, no rádio para incentivar a leitura e o uso da biblioteca.”

Tem muita coisa boa na biblioteca. “Lembro que teve uma feirinha do livro aqui que eu vim, tinha muita gente, um acervo bom, comprei vários livros de história. Foi há dois anos, depois não teve mais.”

E é disso que a biblioteca é feita. De gente. De amizade. De his-tórias, vividas e ainda por viver. Porque o futuro, apesar de duvidoso, existe. E ainda existem, apesar de poucas, pessoas que se entregam aos encantos dos livros e da biblioteca Padre Euclides.

Page 44: Livro-reportagem_Padre Euclides

44

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

CAPÍTULO IIIFUtURO

Parte I – Filipe, o estudante

Muitos dizem que o futuro da biblioteca é incerto. Está com os dias contados. Muitos, mas nem todos. Filipe Wagner Silva é um dos que acredita que as bibliotecas, em especial a Padre Euclides, ainda terá muitas histórias para contar.

Ao se imaginar mais velho e com filhos, Filipe, que agora tem apenas 18 anos, já fantasia com a ideia de trazer suas próximas gera-ções para conhecer e conviver na biblioteca, assim como foi com ele.

Page 45: Livro-reportagem_Padre Euclides

45

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

CAPítULO IIIFUtURO

O estudante de Engenharia Civil foi apresentado à biblioteca pelo pai, um antigo frequentador do estabelecimento, após precisar de um lugar no centro da cidade para fazer trabalhos e ler livros do curso. Ele, que também trabalha no centro, ficou encantado pelo local des-de a primeira visita. “Eu vim com o meu pai fazer um trabalho pela primeira vez, conheci até o pessoal por ele. Depois disso não deixei mais de vir”.

“Mesmo com a internet, o silêncio proporciona uma experiência me-lhor, mais concentração para fazer seus afazeres”. Este silêncio é razão pela qual ele continua frequentando o local desde o começo do ano, assiduamente, pelo menos uma vez por semana, durante os meses de aula. Porém, ainda não conseguiu convencer outros amigos do curso em também visitar o local, pois todos moram em outras cidades da região. “Onde eu faço faculdade tem uma biblioteca, então quando precisa estu-dar a gente vai lá. É um lugar ótimo pra isso. A maioria do pessoal é de outra cidade, então fica difícil eles chegarem aqui”.

Amante da leitura, Filipe não se recorda de quando não estava com um livro na mão, inclusive para os momentos de tédio. O es-tudante se sente estimulado, pois é recebido com “uma porrada de livros”, nas suas palavras. Nas pausas entre os trabalhos ele costuma ler best-sellers, como ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’ de George R. R. Martin, ‘Símbolo Perdido’ de Dan Brown e ‘Sussurro’ de Becca Fit-zpatrick. E confessa que está montando uma pequena biblioteca na própria casa com lançamentos e outros livros que descobriu na padre Euclides e quis continuar a leitura.

Ele acredita que o estabelecimento é perfeito por causa dos tão amados exemplares disponíveis. “Olha, se me oferecessem a oportu-nidade de mudar algo na biblioteca eu não aceitaria, porque acredito que ela já é perfeita do jeito que é. Não mudaria nada”.

Filipe afirma que não existem muitas informações sobre o padre Euclides e a história da biblioteca em si, algo que ele sempre teve curiosidade de conhecer.

“Eu sei que tem uma rua com o nome dele e a biblioteca, mas só isso. Acho que precisa mostrar mais a história dele e da biblioteca. A única coisa que ele ficou faltando fazer foi escrever um livro ou algo

Page 46: Livro-reportagem_Padre Euclides

46

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R CAPítULO III

FUtURO

assim, sobre essa história”.Apesar de não ter feito muitas amizades na biblioteca Padre Eucli-

des, Filipe afirma que sempre existe alguém... interessante... visitando o local. “Olha, tem um cara que vem aqui quase todos os dias. Acho ele meio estranho. Tem uns caras meio loucos que frequentam aqui... Eu não sei o nome dele. Mas só sei que é engraçado”.

A parte mais importante de uma biblioteca não é tão fácil assim de responder. Sim, os livros são importantes. Mas as pessoas... Elas também não podem ser esquecidas.

Parte II – Aline, a bibliotecária

Quando pensamos em bibliotecárias, logo imaginamos uma se-nhora de idade, com o cabelo preso em um coque, óculos na ponta do nariz e uma carranca assustadora. Aline é completamente o opos-to disso: é simpática, jovem, está sempre com um sorriso no rosto, adora conversar e contar histórias, é bem humorada e ama o que faz. Recém-formada em Biblioteconomia, a jovem acredita que as biblio-tecas são o futuro e sua esperança é que as bibliotecas, especialmente

“ “Eu não consigo expressar numa frase o que a biblioteca é para mim. Pode parecer clichê a resposta, mas a biblioteca é o futuro. O futuro de qualquer nação, de qualquer pessoa

Page 47: Livro-reportagem_Padre Euclides

47

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

as públicas, deixem de ser tratadas com descaso e passem a ser vistas como ferramentas para a democratização da informação.

Sua história com os livros começou cedo: sua mãe sempre traba-lhou em uma biblioteca e seu pai é professor de História e Filosofia, o que facilitava seu contato com os livros, que sempre ganhava de presente. Só tinha um problema: ela não gostava de ler. Na verdade, detestava.

“Hoje eu amo. Hoje eu posso falar que eu sou completamente realizada na minha profissão e eu sou contra algumas coisas que esti-pulam para as crianças que podem resultar em um trauma. Foi o que aconteceu comigo”.

Ela defende que a leitura não pode ser obrigatória e que a bibliote-ca e a leitura não devem ser usadas como sinônimos de castigo para as crianças. “Na Biblioteconomia a gente fala: ‘Para cada leitor o seu livro. Para cada livro o seu leitor’. E o leitor escolhe o livro pela capa. A gente não tinha esse contato de ir à biblioteca e pegar o livro. Era um livro que a professora indicava por ser um tema legal e ‘vocês vão ler esse livro e ponto ’ Não é assim que funciona. Eu tenho que querer ler o livro, tem que ser uma coisa que me faça bem, porque uma pessoa nunca vai apren-der a gostar de ler se tudo que ela ler for obrigada. Um livro que é bom para mim pode não ser para você e vice-versa”.

Essa obrigação de ler fez com que a jovem perdesse o interesse pela leitura. “Teve um livro que eu li, da 5ª a 8ª série, e gostei e é um dos meus livros favoritos até hoje, ‘Vida de Droga’, do Walcyr Car-rasco. Eu já reli umas 15 vezes, mas foi o único que gostei. Eu me lembro da minha infância assim”.

Quando estava no colegial, atual ensino médio, Betinha, sua pro-fessora de Literatura, fez uma dinâmica diferente na hora de ler um poema. “Ela pegou um poema, ‘Noivado do Sepulcro’ do Soares de Passos da segunda geração romântica. Recitou o poema, apagou as luzes e disse aos alunos: ‘você vai fazer o uivo, você vai fazer o pássa-ro que vai passar’. Ela contextualizou, explicou o que estava aconte-cendo no poema. Ela explicava e eu tinha vontade de ler as histórias para ver se era daquele jeito mesmo. Era uma coisa fantástica, foi quando eu comecei a gostar de ler”.

CAPítULO IIIFUtURO

Page 48: Livro-reportagem_Padre Euclides

48

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R CAPítULO III

FUtURO

Biblioteca Padre euclides: uma grande paixão

Antes tarde do que nunca! Pois esse gosto adquirido pela leitura fez com a que jovem prestasse Biblioteconomia na UNESP (Universidade do Estado de São Paulo) de Marília. Aline se mudou para lá, mas até o segundo ano não gostava do curso. Fez estágio na biblioteca da faculda-de. Estava decepcionada, cansou, desistiu. Não estava gostando e decidiu voltar para Ribeirão Preto.

Aqui ficava muito tempo à toa e, então, decidiu arrumar um emprego.“Mas eu não sabia fazer nada, porque eu nunca tinha trabalhado. Eu

só tinha sido estagiária na biblioteca da UNESP. Aí eu pensei assim: eu vou ver se consigo um emprego em uma biblioteca de Ribeirão. Impri-mi um currículo e fui às bibliotecas públicas. Fui na Padre Euclides e o André, que era o bibliotecário na época, me falou assim: ‘Olha, contratar a gente não tem como, mas se você quiser ser voluntária aqui, seja bem vinda.’ E eu disse ‘poxa, que legal’ e então, no começo de dezembro de 2010 eu iniciei meu estágio voluntário”.

Por quatro meses, conviveu e aprendeu sobre aquele universo. E tra-balhando lá percebeu algumas coisas. “A realidade de uma biblioteca pú-blica comparada a uma universitária é absurda. Eu vi que o André fazia a diferença naquele mundo da Padre Euclides. E eu pensei: ‘eu também quero fazer a diferença’”.

Depois desse convívio a estudante de biblioteconomia que havia de-sistido da faculdade, voltou a fazer o curso e se formou. “Eu sou muito grata pelo tempo que eu fiquei lá porque me fez mudar completamente a minha visão da realidade de uma biblioteca. Porque lá eu vi na prática como é o regime bibliotecário. Foi o que me fez voltar para a minha faculdade, me fez colar grau e hoje sou bibliotecária e quero mudar o pedacinho do mundo de algumas pessoas, assim como o André mudou o pedacinho de algumas pessoas lá da Padre Euclides”.

Mas não foi só isso. Aline experimentou e teve várias oportunidades de aprender. Como tantos outros ela conheceu pessoas e fez amizades na Padre Euclides.

“Os frequentadores são mais reservados, mais senhores, não fazem

Page 49: Livro-reportagem_Padre Euclides

49

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

amizade tão fácil. Mas uma pessoa que eu quero levar para sempre na minha vida é o André, que era bibliotecário, e a Ana, que era estagiária remunerada. Eles são duas pessoas muito especiais e fizeram a biblioteca andar. No período que fiquei vi a evolução da biblioteca”.

Mais que isso, durante esse período, a aspirante à bibliotecária per-cebeu que nem tudo eram flores. “Uma coisa que me marcou muito foi quando o André chegou – estávamos eu e a Ana – , e disse: ‘Vamos fazer uma vaquinha para comprarmos umas canetas e a fita vermelha para colocar nos livros? ’. Porque nós não tínhamos verba”.

Por sorte, surpresas boas também aconteceram. “Era bem corrido, tínhamos que planejar atividades, remanejar e limpar o acervo... Mas um dia eu encontrei o livro, ‘Vida de Droga’ na Padre Euclides. Peguei al-guns do Walcyr Carrasco, ‘Corrente do Bem’, também alguns do Pedro Bandeira. Tem um do Pablo Neruda, eu adoro o Neruda, um livro de poemas dele”.

Hoje, a paixão da moça por bibliotecas e pela profissão é tamanha que ela não consegue explicar direito. “Eu não consigo expressar numa frase o que a biblioteca é para mim. Pode parecer clichê a resposta, mas a biblioteca é o futuro. O futuro de qualquer nação, de qualquer pessoa. Não só escola, mas, escola e biblioteca, bibliotecário, professor, andam de mãos dadas. Todo mundo tem direito ao acesso à leitura, à informa-ção. E quem não consegue isso em casa, ou não consegue numa escola, porque hoje as escolas públicas no Brasil também estão complicadas, pode conseguir numa biblioteca pública. Para mim, uma biblioteca é uma oportunidade. Uma oportunidade de a pessoa crescer, tanto na vida, fi-nanceiramente, como pessoa, como muitas que vão lá estudar”.

Sobre o ambiente das bibliotecas, a questão de existir o contato com os livros e a troca de informações que a jovem tanto valoriza, a Padre Euclides ganha muitos pontos. “O ambiente de biblioteca que eu acho importante é quando você tem esse contato. Uma biblioteca tem que ter mediação da informação. A troca de experiência, de informação, o que você sabe com o que eu sei. Nós vamos discutir, vamos colocar os pontos, vamos discordar, ou concordar. É a mediação da informação. Acho isso muito importante. E o pessoal comentava. E isso é fantástico. Às vezes, eles não têm ninguém para ter esse tipo de contato, esse tipo de

CAPítULO IIIFUtURO

Page 50: Livro-reportagem_Padre Euclides

50

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

discussão, mas lá eles têm esse espaço”.

Bibliotecas públicas

Depois de sua experiência na Padre Euclides, Aline quis entender mais sobre as bibliotecas públicas, seus problemas e as possíveis so-luções. Isso resultou no tema de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). “Alerta e disseminação da informação em bibliotecas públicas da região administrativa de Marília’. Eu abordei a ação cultural, e do que eu gostaria que fosse a biblioteca. Pode parecer um pouco utópi-co, como quem acabou de sair da faculdade e quer revolucionar. Mas, vamos tentar!”.

Pensando no futuro e nas mudanças, Aline cita Milanesi4. “A Casa da Invenção’, em que fala que a imagem que a gente tem, não só os brasileiros, mas que muitas pessoas compartilham é que a biblioteca é um lugar sacro. Ao chegar tem que fazer silêncio, não pode encostar em nada. Não é bem assim. Eu acho que tem as pessoas que querem estudar, vamos fazer uma sala reservada. Mas biblioteca tem que ter ação. Biblioteca tem que ter movimento, tem que ter a mediação da informação. Tem que ter aquele contato com a pessoa. Transmitir o que você sabe para a outra e vice-versa. Tem que ter cor, música, tem que ter teatro e cinema. Tudo que precisamos em relação à informa-ção poderíamos encontrar num centro informacional. Pra mim é o futuro sabe? Isso para mim é o que devia ser uma biblioteca”.

Convicta, para ela, o fim das bibliotecas nunca irá chegar. “Não, não acaba. Vamos supor que um dia acabe a biblioteca. As pesquisas do Google vão estar lá sozinhas. Todo mundo acha que bibliotecário guarda livro na estante. Não. Bibliotecário é o mediador da informa-ção. Entre um usuário e um acervo. Não significa necessariamente uma biblioteca e um aluno. Qualquer lugar que tenha uma informa-ção que precise ser disseminada, seja em hospital, indústria, seja na área empresarial, precisa de um bibliotecário. E se um dia as biblio-tecas acabarem, com certeza os livros não serão inseridos na internet

CAPítULO IIIFUtURO

4 Luís Milanesi: Formado em Biblioteconomia, é autor de vários livros sobre o tema. Também foi utilizado pelas autoras

como fundamentação teórica para a produção do Trabalho de Conclusão de Curso.

Page 51: Livro-reportagem_Padre Euclides

sozinhos e irão precisar de alguém que tenha este conhecimento. No curso temos a disciplina ‘Arquitetura da Informação’ e aprendemos a organizar as informações de um site, por exemplo. Eu acho que não acaba. Ainda tem pessoas como nós que acham impagável o cheiro do papel”.

E com o cheiro do papel apreciado por Aline, o amor pelo conhe-cimento de Alfredo, os fanzines de Ângelo, a paixão que o Filipe pos-sui pelo ambiente e a amizade dos Três Mosqueteiros da biblioteca Padre Euclides, a história deste marco de Ribeirão Preto continuará viva por várias gerações. Pelo menos é isso que nós esperamos.

Page 52: Livro-reportagem_Padre Euclides
Page 53: Livro-reportagem_Padre Euclides

53

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R

Amantes dos livros, filmes e séries. Nascida e criada em Ribeirão Preto, espera agradar algumas pessoas com este livro, além de tirar uma nota alta o suficiente para conseguir se formar e finalmente ter o tão desejado MTB de jornalista.

Itapirense mora em Ribeirão Preto há oito anos e vive em meio a livros desde que se conhece por gente. Pretende com esse livro-reportagem, ter algo para se orgulhar no futuro e quem sabe, deixar sua pequena marca na história.

qUEMSOmOS

HerenaOliveira

IsabellaGrocelli

Page 54: Livro-reportagem_Padre Euclides

54

MEM

ÓRIA

E H

ISTÓ

RIAS

SOB

O O

LHAR

DO

PÚBL

ICO

LEITO

R