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7/28/2019 Livro À Primeira Vista - Nicholas Sparks http://slidepdf.com/reader/full/livro-a-primeira-vista-nicholas-sparks 1/167 Título: à Primeira Vista. Autor: Nicholas Sparks. Dados da Edição: Editorial Presença, Lisboa, 2006, 2ª =Edição. Colecção: GRANDES NARRATIVAS, Nº 311. Título original: At First Sight Género: Romance. Digitalização e correcção: Dores Cunha. Estado da Obra: Corrigida. numeração de página: rodapé Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destinada unicamente =à leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. Por =força da lei de direitos de autor, este ficheiro não pode ser =distribuído para outros fins, no todo ou em parte, ainda que =gratuitamente. Contracapa: Até que ponto nos conhecemos a nós próprios e =àqueles que amamos? Jeremy Marsh nunca teria imaginado que alguma vez =viesse a deixar Nova Iorque, a sua família e os seus amigos para =mudar-se para Boone Creek, uma pequena vila do Sul dos Estados Unidos =com a qual o leitor estará familiarizado se percorreu avidamente as =páginas do último romance de Nicholas Sparks, Quem Ama Acredita. =Mas se Jeremy aprendeu algo durante o curto espaço de tempo passado =nesta localidade do estado da Carolina do Norte é que há coisas =para as quais não é possível encontrar uma explicação =lógica e racional. Como estar a alguns meses de se tornar pai, quando =a própria ciência inviabilizava esta opção. Ou como estar a =ainda menos meses de casar com Lexie, apesar de a ter conhecido há =tão pouco tempo. Para estas duas pessoas que ainda lutam para se =adaptarem uma à outra, tamanhas mudanças vão constituir uma =fonte de crescentes tensões, às quais se vai juntar o bloqueio de =escrita que Jeremy começa a sofrer e que o impedirá de trabalhar, =capazes de pôr à prova os sentimentos que ambos nutrem pelo outro. =Quando simultaneamente Jeremy recebe uns misteriosos e-mails que sugerem =que ele não conhece Lexie tão bem como deveria e que ela lhe anda =a ocultar aspectos da sua vida, sente-se vacilar como um barco à =deriva. Será ela aquilo que parece à primeira vista? Mas o =verdadeiro desafio à fé no amor de ambos ainda está para vir... =Um livro de grande impacto emocional sobre confiança, novos =começos e um amor infinito que constantemente redefine o nosso modo =de encarar a vida e de ultrapassar os obstáculos que esta nos reserva =«(fim da contracapa). À PRIMEIRA VISTA NICHOLAS SPARKS EDITORIAL PRESENÇA Estrada das Palmeiras, 59 - Queluz de Baixo 2730-132 BARCARENA TeL 21 4347000 fax 21 4346502 Email: info@presenca. pt http: www. presenca. pt À PRIMEIRA VISTA NICHOLAS SPARKS Tradução de Saul Barata FICHA TÉCNICA Título original: At First Sight Autor: Nicholas Sparks Copyright (c) 2005 by Nicholas Sparks Todos os direitos reservados Tradução (c) Editorial Presença, Lisboa, 2006 Tradução: Saul Barata

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Título: à Primeira Vista.Autor: Nicholas Sparks.Dados da Edição: Editorial Presença, Lisboa, 2006, 2ª =Edição.Colecção: GRANDES NARRATIVAS, Nº 311.Título original: At First SightGénero: Romance.Digitalização e correcção: Dores Cunha.Estado da Obra: Corrigida.numeração de página: rodapéEsta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destinada unicamente=à leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. Por =força dalei de direitos de autor, este ficheiro não pode ser =distribuído paraoutros fins, no todo ou em parte, ainda que =gratuitamente.

Contracapa: Até que ponto nos conhecemos a nós próprios e =àqueles queamamos? Jeremy Marsh nunca teria imaginado que alguma vez =viesse adeixar Nova Iorque, a sua família e os seus amigos para =mudar-se paraBoone Creek, uma pequena vila do Sul dos Estados Unidos =com a qual oleitor estará familiarizado se percorreu avidamente as =páginas doúltimo romance de Nicholas Sparks, Quem Ama Acredita. =Mas se Jeremy

aprendeu algo durante o curto espaço de tempo passado =nesta localidadedo estado da Carolina do Norte é que há coisas =para as quais não épossível encontrar uma explicação =lógica e racional. Como estar aalguns meses de se tornar pai, quando =a própria ciência inviabilizavaesta opção. Ou como estar a =ainda menos meses de casar com Lexie,apesar de a ter conhecido há =tão pouco tempo. Para estas duas pessoasque ainda lutam para se =adaptarem uma à outra, tamanhas mudanças vãoconstituir uma =fonte de crescentes tensões, às quais se vai juntar obloqueio de =escrita que Jeremy começa a sofrer e que o impedirá detrabalhar, =capazes de pôr à prova os sentimentos que ambos nutrem pelooutro. =Quando simultaneamente Jeremy recebe uns misteriosos e-mailsque sugerem =que ele não conhece Lexie tão bem como deveria e que elalhe anda =a ocultar aspectos da sua vida, sente-se vacilar como um

barco à =deriva. Será ela aquilo que parece à primeira vista? Mas o=verdadeiro desafio à fé no amor de ambos ainda está para vir... =Umlivro de grande impacto emocional sobre confiança, novos =começos e umamor infinito que constantemente redefine o nosso modo =de encarar avida e de ultrapassar os obstáculos que esta nos reserva =«(fim dacontracapa).

À PRIMEIRA VISTANICHOLAS SPARKSEDITORIAL PRESENÇAEstrada das Palmeiras, 59 - Queluz de Baixo2730-132 BARCARENA TeL 21 4347000 fax 21 4346502Email: info@presenca. pt http: www. presenca. ptÀ PRIMEIRA VISTANICHOLAS SPARKSTradução de Saul BarataFICHA TÉCNICATítulo original: At First SightAutor: Nicholas SparksCopyright (c) 2005 by Nicholas SparksTodos os direitos reservadosTradução (c) Editorial Presença, Lisboa, 2006Tradução: Saul Barata

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Fotografia: (c) Getty Images OneCapa: Ana EspadinhaFotocomposição, impressão e acabamento: Multitipo - Artes =Gráficas,Lda.1.a edição, Lisboa, Março, 20062. a edição, Lisboa, Março, 2006Depósito legal nº 240 17706

Reservados todos os direitos para Portugal à EDITORIAL PRESENÇA=Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo2730-132 BARCARENA Email: info@presenca. pt Internet: http: www.=presenca. pt

Este romance é dedicado a Miles, Ryan, Landon, Lexie e SavannahAGRADECIMENTOSPor este romance devo agradecimentos especiais à minha mulher, Cathy.=Não só por ter servido de inspiração para a personagem a que =pus onome de Lexie, mas também pela enorme paciência com que me =acompanhoudurante o processo. Acordo todas as manhãs a pensar na =sorte que tiveem casar com ela.Também estou grato aos meus filhos - Miles, Ryan, Landon, Lexie e

=Savannah. Nunca deixam de me recordar que, embora escritor, sou, antes=de tudo e principalmente, pai.Theresa Park, a minha agente, merece os meus agradecimentos por deixar=que eu lhe martirize os ouvidos sempre que estou em baixo. Mas, maisdo =que isso, ela nunca deixa de encontrar a palavra certa quando ascoisas =se tornam difíceis. Gozo da felicidade de trabalhar com ela.Jamie Raab, a minha revisora de texto, merece uma vez mais a minha=eterna gratidão. Não é apenas inteligente, é também =encantadora, e eunão teria conseguido escrever o livro sem o apoio =dela.Larry Kirshbaum, o distinto presidente do Time Warner Book Group, vai=partir para outras paragens, mas não posso deixar de lhe endereçar=uma última palavra de louvor. Sei que a decisão foi difícil, =mastenho a certeza de que sabe o que mais lhe convém e gostaria de =lhe

desejar as maiores felicidades naquilo que o destino lhe =reservar.Maureen Egen, outra pessoa importante na estrutura do Time Warner Book=Group, foi sempre encantadora. Enfrentou de forma brilhante todas as=dificuldades e adorei cada minuto que passámos juntos.Denise Di Novi, a minha santa padroeira no mundo de Hollywood é, como=sempre foi, uma bênção na minha vida.Howie Sanders e Dave Park, os meus agentes na UTA, nunca deixam deolhar =por mim e sinto-me grato por trabalhar com eles.Jennifer Romanello e Edna Farley, as minhas agentes de publicidade,=são ambas fabulosas e dotadas de talento. São verdadeiros tesouros =eé graças a elas que continuo a poder ir ao encontro dos meus =leitores.Lynn Harris e Mark Johnson, responsáveis pela publicação de O =Diárioda Nossa Paixão, são, e serão sempre, meus =amigos.Scott Schwimer, o meu advogado, não é apenas um homem de bom =coração,

também é dotado de uma extraordinária =competência, dando-me a certezade que todos os contratos estão =correctos.Tenho de manifestar a minha gratidão a Flag, que concebe as capas dos=meus livros, a Harvey-Jane Kowal, que colabora também na revisão, =eainda a Shannon O'Keefe, Sharon Krassney e Julie Barer.Gostaria ainda de agradecer a mais algumas pessoas. Em primeiro lugar,=ao Dr. Rob Patterson, que me elucidou acerca da síndrome da banda=amniótica. É ele o responsável por tudo o que estiver certo; se=encontrarem erros sobre este assunto, eles devem ser-me atribuídos a

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=mim. E a Todd Edwards, que conseguiu recuperar este romance quando omeu =computador se avariou; só posso manifestar-lhe a maior gratidão=por se ter mostrado tão disponível.Finalmente, gostaria de agradecer a Dave Simpson, Philemon Gray, Slade=Trabucco, à equipa de atletismo da Escola Secundária de New bem e =aoTRACK EC (do Programa Olímpico Júnior), que tive o prazer de =conhecere treinar. Obrigado por terem dado o vosso melhor.

10PRÓLOGOFevereiro de 2005O amor à primeira vista será realmente possível?Sentado na sala de estar, deu consigo a pensar na resposta pela=centésima vez, segundo lhe pareceu. Lá fora, o sol de Inverno =hámuito tinha desaparecido. A cortina de nevoeiro acinzentado era=visível através da janela e, para além do toque suave de um =ramo navidraça, o silêncio era absoluto. Não estava só e =resolveu levantar-sedo sofá e percorreu o corredor para a espreitar. =Ao olhá-la, pensoudeitar-se a seu lado, mesmo que fosse apenas uma =desculpa para poderfechar os olhos. O descanso seria bem-vindo, mas =ainda não podiaarriscar-se a adormecer. Em vez disso, enquanto =deixava a mente

deslizar para o passado, ficou a vê-la mudar =ligeiramente de posição.Pensou uma vez mais no caminho que os =tinha juntado. Quem era elenessa altura? E quem era ele agora? =Aparentemente, as respostas eramfáceis. Chamava-se Jeremy, tinha =quarenta e dois anos de idade, erafilho de pai irlandês e mãe =italiana, e vivia dos trabalhos quepublicava numa revista. Quando =interrogado, eram aquelas as respostasque poderia fornecer. Embora =fossem verdadeiras, era frequenteperguntar a si próprio se não =haveria mais nada a acrescentar.Deveria, por exemplo, mencionar o facto =de, cinco anos antes, se terdeslocado ao estado de Carolina do Norte =para investigar um mistério?E que se tinha apaixonado graças a =essa viagem, não uma mas duas vezesno mesmo ano? Ou que a beleza =daquelas recordações estava entrelaçadaem tristeza e que, =ainda agora, se interrogava sobre quais as memóriasque =perdurariam?Afastou-se da porta do quarto e regressou à sala. Embora não se=preocupasse com aqueles acontecimentos há muito tempo, também11não podia esquecê-los. Tentar erradicar aquele capítulo da sua =vidaera como querer mudar a sua data de nascimento. Mesmo que houvesse=alturas em que desejava poder fazer o tempo andar para trás para se=desfazer de toda a tristeza, pressentia que, se o fizesse, a alegria=também diminuiria na mesma proporção. E isso era uma =hipótese que elenão conseguia contemplar.Muitas vezes, nas horas de maior negrume da noite, acontecia-lhe=recordar aquela noite passada com Lexie no cemitério, a noite em que=tinha avistado as luzes fantasmagóricas, cuja investigação o =trouxerade Nova Iorque até ali. Mas aquela fora também a noite em =que se

apercebera, pela primeira vez, daquilo que Lexie significava para =ele.Enquanto esperavam, imersos na escuridão do cemitério, Lexie =contara-lhe parte da sua vida. Explicara-lhe as circunstâncias em =que, aindade tenra idade, tinha ficado órfã. Jeremy já ouvira =a história, masdesconhecia que ela começara a ter pesadelos =alguns anos depois de ospais terem morrido. Pesadelos terríveis e =repetidos, em que assistia àmorte dos pais. Não sabendo o que =fazer, Doris, a avó, resolverafinalmente levá-la ao cemitério, =para que ela visse as luzesmisteriosas. Para uma menina pequena as =luzes eram miraculosas,celestiais, e Lexie logo viu nelas os =espíritos dos pais. Era, de

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certo modo, algo em que ela precisava =acreditar, mas os pesadelos nãovoltaram a incomodá-la.Jeremy sentira-se afectado pela história, comovido pela perda que ela=sofrera e com a força da sua fé inocente. Porém, na mesma noite =masmais tarde, perguntara a Lexie o que pensava que as luzes poderiam=ser. Ela inclinara-se para a frente e sussurrara: "Foram os meus pais.=É provável que quisessem conhecê-lo. "

Fora a primeira vez que sentira o desejo de a abraçar. Desde há =muitoque pensava ter sido naquele instante que se apaixonou, pois a =partirdali nunca mais deixou de a amar.No exterior, estava novamente a levantar-se um vento próprio de=Fevereiro, não se enxergava nada para lá da janela; Jeremy voltou =adeitar-se no sofá, sentindo a força dos acontecimentos daquele =ano apuxarem-no para o passado. Podia fazer um esforço para afastar =asimagens, mas deixou-se ficar de olhos postos no tecto e permitiu-lhes=avançar. Como sempre acontecia.A história, tal como ele costumava recordá-la, é narrada nas =páginasque se seguem.12UM

Cinco anos antes Nova Iorque, 2000- Simples, como vês - explicava Alvin. - Primeiro, conheces uma=rapariga simpática e namoras durante algum tempo, o suficiente para=ambos se convencerem de que aceitam os mesmos valores, para ver seambos =são compatíveis e estão prontos para tomarem a grande =decisão:"a vida é nossa e queremos vivê-la juntos". Para =decidir, por exemplo,qual das famílias irão visitar nas =férias, se querem viver numavivenda ou num apartamento, se preferem =um cão ou um gato, quem, pelamanhã, toma duche em primeiro lugar, =quando ainda há água quente emabundância. Depois disto, se =ainda estiverem basicamente de acordo,casam-se. Concordas comigo, =até aqui?- Sim, concordo contigo.Era uma tarde de sábado, em Fevereiro; Jeremy Marsh e Alvin Bernstein=estavam de pé, no apartamento de Upper West Side onde o primeiro=morava. Afadigavam-se há horas a embalar coisas em caixas espalhadas=por todos os cantos. Algumas, já cheias, tinham sido empilhadas junto=à porta, prontas a serem levadas para o furgão de transporte; =haviaoutras em diversas fases de enchimento. No conjunto, parecia que =umurso-formigueiro da Tasmânia entrara pela porta dentro e fizera =umafesta, para depois sair, quando já não havia mais nada para =destruir.Jeremy nem queria acreditar que tivesse juntado tantas =inutilidades aolongo dos anos, um pormenor para que a namorada, Lexie =Darnell,passara toda a manhã a chamar-lhe a atenção. Havia =vinte minutos,depois de a frustração a fazer baixar os braços, =Lexie tinha saídopara ir almoçar com a mãe de Jeremy, deixando =os dois amigos sozinhospela primeira vez naquele dia.13

- Então, que raio é que pensas que estás a fazer? - insistiu =Alvin.- Apenas aquilo que tu disseste.- Não, isso é que não estás. Estás a baralhar a ordem das =coisas.Estás a caminhar direitinho para o "Sim" definitivo, ainda =antes deperceberes se cada um foi feito para o outro. Mal conheces a =Lexie.Jeremy enfiou as roupas que enchiam uma gaveta numa caixa, a desejarque =Alvin mudasse de assunto. - Eu conheço-a.Alvin começou a juntar uns papéis que estavam sobre a =secretária doamigo, fez um molho com eles e enfiou-os na mesma caixa =que Jeremyestava a encher. Sendo o melhor amigo dele, sentia-se à =vontade para

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dizer tudo o que pensava.- Só estou a tentar ser franco e deverias saber que só digo o que =todaa tua família tem andado a pensar nas últimas semanas. Na =minhaopinião, não a conheces o suficiente para te mudares para =lá e muitomenos para te casares com ela. Só passaste uma semana =com ela. Não éigual ao que se passou contigo e com a Maria - =acrescentou, referindo-se à ex-mulher do amigo. - Se bem te recordas, =eu conhecia a Maria

bastante melhor do que tu conheces a Lexie, mas =nunca pensei que aconhecia suficientemente bem para casar com ela.Jeremy retirou os papéis da caixa e voltou a pô-los em cima da=secretária, a recordar-se de que Alvin conhecera Maria antes dele e=continuava a ser amigo dela. - E então?- E então? O que aconteceria se trocássemos os papéis? Se eu =viesseter contigo a dizer que tinha conhecido uma mulher fantástica, =que iaabandonar a minha carreira para ir morar no Sul e casar com ela? =Seela fosse aquela rapariga... como é que se chama... a Rachel?Rachel trabalhava no restaurante da avó de Lexie. Alvin tinha-a=conhecido durante uma curta visita a Boone Creek e chegara a =convidá-la para ir visitá-lo a Nova Iorque.- Eu diria que estava muito satisfeito por ti.

- Por amor de Deus. Já te esqueceste do que me disseste quando pensei=em casar com a Eva?- Lembro-me. Mas esta situação é diferente.- Ai é? Estou a perceber. Julgas-te mais ponderado que eu.- Isso e o facto de a Eva não ser exactamente o tipo de mulher com=quem se casa.Alvin teve de admitir que era verdade. Lexie era bibliotecária numa=terra pequena do Sul rural, alguém que esperava assentar, enquanto=Eva fazia tatuagens artísticas em Jersey City. Fora ela quem=desenhara a maior parte das tatuagens que ele ostentava nos =braços,14para não falar da maioria dos piercings que trazia nas orelhas, um=conjunto que dava a Alvin o aspecto de quem acabara de cumprir pena de=prisão. Nada disso incomodara Alvin; quem ditara o fim da =relaçãofora o namorado que Eva tinha em casa e cuja existência =ela seesquecera de mencionar.- Até a Maria pensa que isto é uma loucura.- Contaste-lhe?- É claro que lhe contei. Falamos de tudo.- Fico satisfeito por te saber tão amigo da minha ex-mulher. Mas ela=não tem nada a ver com isto. Nem tu.- Só pretendo que demonstres algum bom senso. Tudo está a =acontecercom demasiada rapidez. Tu não conheces a Lexie.- Por que continuas a insistir nessa ideia?- Vou continuar a insistir até que acabes por admitir que, no fundo,=tu e ela são dois estranhos.Alvin, tal como acontecia com os cinco irmãos mais velhos de Jeremy,

=nunca aprendera a deixar cair um assunto. O homem parecia um cão =àsvoltas com um osso, pensou Jeremy.- Ela não é uma estranha.- Não? Qual é o segundo nome dela?- O quê?- Tu ouviste. Diz-me qual é o segundo nome da Lexie. Jeremy vacilou. =-Mas o que é que isso tem a ver com o resto?- Nada. Todavia, se estás pronto para casar com ela, não achas que=devias saber responder à pergunta?Jeremy abriu a boca para responder, mas apercebeu-se de que Lexie nunca

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=lhe dissera o nome completo, nem ele alguma vez lho perguntara. Alvin,a =julgar que finalmente conseguira abalar as certezas do amigo,acentuou a =pressão.- Muito bem, o que me dizes de uns quantos pormenores básicos? Qual =éa licenciatura dela? Quem foram os seus amigos na faculdade? Qual =é acor que prefere? Gosta de pão branco ou de pão de mistura? =Qual é oseu filme preferido, ou o programa de televisão que mais =lhe agrada?

Qual o seu escritor favorito? Sabes a idade exacta dela?- Está na casa dos trinta - alvitrou Jeremy.- Na casa dos trinta? Isso até eu te podia ter dito.- Estou quase certo de que tem trinta e um.- Estás quase certo? Não consegues perceber o ridículo das tuas=próprias respostas? Não podes casar com uma mulher de quem nem =sabesa idade.15Jeremy abriu outra gaveta e despejou o conteúdo numa caixa vazia, =poisreconheceu que Alvin tinha razão, mas sem querer admitir tal =coisa. Emvez de responder, soltou um longo suspiro.- Julguei que tinhas ficado satisfeito por eu ter finalmente encontrado=alguém - comentou.

- Fiquei satisfeito por ti. Mas nunca me passou pela cabeça que=decidisses deixar Nova Iorque para casar com ela. Pensei que tinhasdito =isso por brincadeira. Sabes que a considero uma mulherfantástica. =Sem dúvida que é; e se dentro de um ou dois anoscontinuares a =alimentar esses sentimentos sérios acerca dela, eupróprio te =arrastarei até ao altar. Mas estás a apressar as coisas,sem =qualquer razão.Jeremy voltou-se para a janela; para lá do vidro viu os tijolos=cinzentos cobertos de fuligem que emolduravam as janelasrectangulares, =funcionais, de um prédio vizinho. Algumas imagens vagaspassaram-lhe =de relance: uma senhora que falava ao telefone; um homem,com uma toalha =à volta do tronco, a dirigir-se para a casa de banho;outra mulher a =passar a ferro, ao mesmo tempo que via televisão.Durante todo o =tempo que ali vivera, nunca dissera mais do que umsimples "bom dia" a =qualquer daquelas pessoas.- A Lexie está grávida - acabou por informar.Por momentos, Alvin pareceu não ter percebido bem. Só depois de =ver aexpressão séria do amigo é que se convenceu de que Jeremy =não estava abrincar.- Está grávida?- É uma menina.Alvin deixou-se cair na cama, como se, subitamente, tivesse ficado sem=força nas pernas. - Por que é que não me disseste?Jeremy encolheu os ombros. - Ela pediu-me que não falasse do assunto,=por enquanto. Vais manter o segredo, não vais?Alvin parecia atarantado. - Sim. Claro.- E há ainda outra coisa.

Ergueu os olhos quando Jeremy lhe apertou os ombros, para ouvir o amigo=dizer: - Gostava que fosses meu padrinho.Como é que tinha acontecido?No dia seguinte, enquanto percorria o centro comercial FAO Schwarz na=companhia de Lexie, continuava sem resposta para aquela pergunta. Não=era a gravidez que estava em causa; essa era a consequência de uma=noite que provavelmente recordaria para sempre. Apesar da atitude de=valentia que exibira perante Alvin, por vezes parecia-lhe que estava=prestes a entrar numa comédia romântica, tão16

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do agrado das multidões, em que tudo era possível e nada =estavaassegurado até ao cair do pano.Afinal, tinha passado por situações pouco habituais. De facto,quase se poderia dizer que eram praticamente inéditas. Quem é que=resolve dar-se ao trabalho de se deslocar a uma povoação rural a =fimde escrever um artigo para a revista Sáentific American, em seguida=conhece a bibliotecária da terra e, em poucos dias, apaixona-se por

=ela? Quem é que decide pôr para trás das costas a oportunidade =de terum programa da manhã na televisão e a vida em Nova Iorque =para irmorar em Boone Creek, Carolina do Norte, uma terra que é =apenas umponto quase invisível no mapa? Ultimamente tinha muitas =perguntas.Não que pessoalmente tivesse muitas dúvidas sobre o que se =preparavapara fazer. Na verdade, enquanto observava Lexie a remexer em =montesde GI Joes e Barbies - queria fazer surpresas aos numerosos =sobrinhose sobrinhas dele, na esperança de causar boa impressão =-, sentiu que asua determinação era mais forte do que nunca. =Sorriu, já a visualizaro género de vida que o esperava. Os =jantaressossegados, os passeios românticos, os sorrisos e as carícias em=frente do televisor. Nada mau, coisas que davam sabor à vida. Não =eratão

ingénuo que acreditasse que não haveria discussões e zangas, =mas nãotinha dúvidas de que poderia navegar com êxito esses mares=encapelados, acabando por se convencer de que ele e Lexie formariam um=casalperfeito. A visão geral era a de uma vida maravilhosa.Porém, depois de Lexie lhe dar uma ligeira cotovelada, Jeremy deuconsigo a observar outro casal que estava em frente de uma pilha de=animais de peluche. Na realidade, aquele casal nunca conseguiriapassar =despercebido. Ambos no início da casa dos trinta e muito bemvestidos; ele tinha aspecto de ser especialista em investimentos=bancários ou advogado, enquanto a mulher parecia uma daquelas pessoas=capazes de passar a tarde inteira no Bloomingdale's. Carregavam meiadúzia de sacos provenientes de meia dúzia de lojas diferentes. O=diamante que a senhora tinha no dedo era do tamanho de um dado,muito maior que o anel de noivado que ele tinha acabado de comprarpara oferecer a Lexie. Ao observá-los, Jeremy não teve dúvidas =de queaquele casal costumava vir às compras acompanhado de uma ama,pois ambos pareciam completamente desnorteados e sem ideia do quedeveriam fazer.O bebé que levavam no carrinho chorava, soltava aquele género de=gritos lancinantes capazes de fazer descolar o papel de parede e de=obrigar os presentes no centro comercial a imobilizarem-se. Ao mesmo17tempo, o irmão mais velho, que teria uns quatro anos, gritava ainda=mais alto e, subitamente, atirou-se para o chão. Os pais entraram em=pânico, com aquelas expressões de espanto dos soldados debaixo de=fogo e era impossível não reparar nos papos das pálpebras =inferiores

e na palidez translúcida das faces deles. Apesar da =fachada impecável,era evidente que haviam atingido o limite da =resistência. Finalmente,a mãe libertou o bebé do carrinho e =apertou-o contra o peito, ao mesmotempo que o marido se debruçava =para ela e dava palmadinhas no rabo dafilha.- Não vês que estou a tentar acalmá-la? - rosnou a mãe. - =Ocupa-te doElliot!Penalizado, o homem debruçou-se na direcção do filho, que dava=pontapés e punhadas no chão, provocando esgares de cólera na =mãe.- Pára imediatamente com os gritos! - ordenou o pai com voz severa e =a

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apontar-lhe o indicador."Pois, pois", pensou Jeremy. "É isso mesmo que ele vai fazer."Entretanto, a retorcer-se no chão, Elliot começava a ficar=congestionado.Nesta altura, até Lexie abandonara a busca de brinquedos e voltara a=atenção para o casal. Para Jeremy, era como observar uma mulher de=biquini a aparar o relvado em frente à casa, o género de =espectáculo

que ninguém consegue ignorar. O bebé chorava, =Elliot berrava, a mulhergritava ao marido que fizesse qualquer coisa, o =pai respondia-lhetambém aos gritos, a dizer que estava a tentar.Juntara-se uma pequena multidão à volta da família infeliz. As=mulheres pareciam observá-la com uma mistura de alívio e =compaixão:alívio por não estarem naquela situação, mas =sabendo - na maioria doscasos por experiência própria - aquilo =que o jovem casal estava asofrer. Os homens, por sua vez, pareciam =não desejar mais do queafastarem-se para o mais longe possível da =cena.Elliot batia com a cabeça no chão e berrava ainda com mais =força.- Vamos embora! - acabou a mãe por ordenar.- O que é que pensas que estou a tentar fazer? - rosnou o pai.- Levanta-o.

- Estou a tentar! - retorquiu o pai, desesperado.Elliot não queria que o pai lhe tocasse. Quando este conseguiu=finalmente agarrá-lo, o miúdo debateu-se como uma serpente=enfurecida, agitando a cabeça para um lado e para o outro, sem dar=descanso às pernas. A testa do pai do Elliot começou a ficar =perladade suor; o homem fazia caretas devido ao esforço. Por outro =lado, ofilho parecia ficar maior, um pequeno monstro a expandir-se de =raiva.18Fosse como fosse, os pais conseguiram pôr-se a caminho, ajoujados=pelos sacos de compras, a empurrar o carrinho e conseguindo carregaros =dois filhos. A pequena multidão apartou-se, como o Mar Vermelhoante =a aproximação de Moisés, e finalmente a família desapareceu =devista, deixando como única prova de que havia estado ali os =queixumescada vez mais distantes das crianças.A multidão começou a dispersar, mas Jeremy e Lexie não =arredaram pé.- Pobres criaturas - lamentou Jeremy, subitamente a pensar se, dentrode =um par de anos, a sua vida seria assim.- São de lamentar - anuiu Lexie, como se tivesse o mesmo receio.Jeremy continuou de olhar fixo, à escuta, até os gritos daquela =genteterem deixado de se ouvir. A família devia ter saído do =centrocomercial.- A nossa filha nunca se entregará a um berreiro como aquele anunciou=Jeremy.- Nunca -. asseverou Lexie que, consciente ou inconscientemente, levoua =mão à barriga. - Foi uma cena verdadeiramente anormal.- E os pais não pareciam ter a mais pequena ideia do que estavam a=fazer - prosseguiu Jeremy. - Reparaste na forma como ele tentou falar

=com o filho? Como se estivesse no conselho de administração?- Ridículo - assentiu Lexie. - E a forma como o casal se agredia? Os=filhos conseguem aperceber-se da tensão. Não admira que os pais =nãoconsigam controlá-los.- Pareciam não ter qualquer ideia do que deviam fazer.- Também penso que não tinham.- Mas como é que isso pode acontecer?- Talvez tenham vidas demasiado ocupadas e não lhes sobre tempo=suficiente para estarem com os filhos.Jeremy, ainda petrificado no mesmo sítio, via as restantes pessoas a

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=afastarem-se dali. - Uma cena verdadeiramente anormal - voltou a=dizer.- Estava a pensar exactamente a mesma coisa.Pois bem, estavam a iludir-se a si próprios. No fundo, Jeremy sabia-o=e Lexie também, mas era mais fácil pensar que nunca veriam=necessidade de enfrentar uma situação como aquela a que acabavam =deassistir. Porque estariam mais bem preparados. Seriam mais dedicados.

=Mais humanos e mais pacientes. Mostrariam mais amor.19E quanto à filha... bem, teria de medrar no ambiente que ele e Lexie=criassem para ela. Quanto a isso não havia dúvidas. Enquanto =bebé,dormiria durante toda a noite; mais crescidinha, deliciaria os =paiscom o vocabulário precoce e capacidades motoras acima da =média.Movimentar-se-ia com autoconfiança por entre os campos =minados daadolescência, manter-se-ia afastada das drogas e não =veria filmesimpróprios. Chegada a altura de sair de casa, seria uma =mulher polidae de boas maneiras, teria obtido notas suficientes para =ser admitidaem Harvard, seria uma campeã nacional de natação =e, mesmo assim, nasférias de Verão ainda lhe sobraria tempo para =fazer trabalhovoluntário a favor da comunidade.

Jeremy agarrou-se à fantasia até que sentiu os ombros =descaírem.Apesar de a sua experiência na área da paternidade =ser nula, sentiaque a realidade não poderia ser tão fácil. =Além disso, estava aantecipar-se.Uma hora mais tarde estavam sentados num táxi, parados no =trânsito, acaminho de Queens. Lexie folheava um livro recentemente =adquirido,What to Expect When you're Expecting [O Que Esperar Quando =Está deEsperanças), enquanto Jeremy observava o mundo através =das janelas docarro. Era a última noite que passavam em Nova Iorque =tinha trazidoLexie à cidade para conhecer a família dele -, e os =pais tinhampreparado uma pequena reunião na sua casa de Queens. Casa =pequena, emtermos relativos, está bem de ver; com os cinco irmãos =de Jeremy, maisas respectivas mulheres e dezanove sobrinhas e =sobrinhos, a casaestaria à cunha, como era frequente. Embora Jeremy =desejasse muitoaquela reunião, não conseguia deixar de pensar no =casal que acabavamde ver. Tinham um aspecto tão... normal. Se =exceptuarmos o ar exausto,diga-se. Perguntava a si mesmo se ele e Lexie =acabariam por ter umavida assim ou se, sem ele descortinar como, =conseguiriam evitá-la.Talvez Alvin tivesse razão. Pelo menos em parte. Embora adorasse a=Lexie, e tinha a certeza de que a adorava, pois de contrário não=teria proposto o casamento, não podia verdadeiramente afirmar que a=conhecia. Era óbvio que ainda não tinham tido tempo para isso e,=quanto mais reflectia sobre o assunto, mais se convencia de que seria=bom que ele e Lexie pudessem ter passado algum tempo a viver como um=casal comum. Já tinha sido casado e sabia que é necessário =algumtempo para uma pessoa aprender a viver com outra, para cada um se=habituar às, como dizer, "manias" que tendem a ser escondidas. Por

=exemplo, dar-se-ia o caso de ela dormir com uma daquelas máscaras=verdes, supostamente destinadas a evitar as rugas? Ficaria feliz ao=acordar todas as manhãs e deparar com a cena?20- Em que é que estás a pensar? - indagou Lexie.- Hum?- Perguntei em que é que estás a pensar. Tens uma expressão =gira.- Não é nada.Lexie encarou-o: - Nada importante, ou nada de nada? Jeremy voltou-se=para ela, de testa franzida: - Qual é o teu nome do meio?

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Durante os minutos seguintes, passou em revistas a série de=interrogações que Alvin lhe propusera e ficou a saber o seguinte=sobre Lexie: o nome do meio era Marin; tinha-se licenciado em Inglês,=a sua melhor amiga da faculdade chamava-se Susan; púrpura era a cor=que mais lhe agradava; preferia pão integral; gostava de ver Trading=Spaces; achava Jane Austen fabulosa; quanto à idade, a 13 de Setembro=faria 32 anos.

E pronto.Satisfeito, Jeremy recostou-se no assento, enquanto Lexie continuou a=folhear o livro. Não estava verdadeiramente a ler, pensou ele,=limitava-se a ir passando as páginas, na esperança de encontrar=qualquer ideia que lhe prendesse a atenção. Jeremy gostaria de =saberse ela costumava fazer o mesmo na universidade sempre que tinha de=estudar.Como Alvin tinha demonstrado, a verdade é que havia muitos pormenores=acerca de Lexie que ele desconhecia. Contudo, também havia muitas=coisas que sabia. Filha única, tinha sido criada em Boone Creek,=Carolina do Norte. Os pais haviam morrido num acidente de automóvel=quando ela era pequena, fora criada pelos avós maternos, Doris e...=e... Decidiu que tinha de procurar saber o nome do avô. De qualquer

=forma, tinha estudado na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel=Hill, tinha-se apaixonado por um tipo chamado Avery e até vivera um=ano em Nova Iorque, onde fora estagiária na biblioteca da=Universidade de Nova Iorque. Avery acabara por lhe ser infiel e ela=regressara a casa e fora nomeada bibliotecária de Boone Creek, o=mesmo cargo que a mãe tinha ocupado. Algum tempo depois, =apaixonara-se por alguém, a quem se referia vagamente como Mr. =Renaissance, masele tinha deixado a vila sem se dignar olhar para =trás. Depois disso,tinha levado uma vida tranquila, saindo uma vez =por outra com umajudante do xerife, até que Jeremy apareceu. Ah, =havia também Doris,dona de um restaurante em Boone Creek, que se =afirmava detentora depoderes psíquicos, incluindo a capacidade de =prever o sexo dos bebés;era graças a esses poderes que Lexie =sabia que teria uma menina.21Factos que, tinha de admitir, eram do conhecimento de todos os=habitantes de Boone Creek. Mas saberiam eles que, sempre que se sentia=nervosa, Lexie ajeitava o cabelo por detrás da orelha? Ou que ela era=uma cozinheira maravilhosa? Ou que, quando precisava de um escape,=gostava de se refugiar numa vivenda perto do farol do cabo Hatteras,=onde os seus pais se tinham casado? Ou que, para além de ser=simultaneamente inteligente e bonita, ter olhos violeta, um rosto ovale =algo exótico, além de cabelo preto, tinha percebido as suas=frustres tentativas para a levar para a cama? Apreciava o facto deLexie =não lhe conceder liberdades, de lhe dizer o que pensava e de o=enfrentar quando achava que ele estava errado. De qualquer maneira,=Lexie conseguia fazer tudo aquilo sem deixar de projectar uma imagemde =encanto e feminilidade ainda acentuados pelo sensual sotaque

sulista. =Acrescente-se o pormenor de ela ficar maravilhosa dentro deumas =calças de ganga justas e temos Jeremy sem saber onde tinha a=cabeça.E quanto a ele? O que é que Lexie podia dizer acerca de Jeremy? =Apenaso fundamental, pensou. Que tinha sido criado em Queens, era o =maisnovo de seis filhos de um casal ítalo-irlandês e escolhera =serprofessor de Matemática, antes de descobrir que tinha jeito para=escrever e acabar por ser jornalista da Scientific American, onde por=vezes desmascarava acontecimentos alegadamente sobrenaturais. Quetinha =sido casado com uma mulher chamada Maria, que acabou por deixá-

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lo =depois de várias consultas numa clínica de fertilidade, em que um=médico acabou por declarar que Jeremy era, em termos médicos, =incapazde gerar filhos. Que nos anos seguintes perdera demasiado tempo =embares e a namorar inúmeras mulheres, a tentar fugir a =relaçõesestáveis, como se o subconsciente nunca deixasse de =lhe recordar quenão conseguiria ser um bom marido. Que, com 37 anos =de idade, tinhaido a Boone Creek para investigar a aparição =regular de luzes

fantasmagóricas no cemitério local, o que lhe =poderia proporcionar umaoportunidade de se tornar comentador convidado =do programa GoodMorning America, mas gastara a maior parte do seu tempo =a pensar emLexie. Tinham passado quatro dias maravilhosos, a que se =seguiu umadiscussão acalorada em que ele, apesar de ter regressado a =NovaIorque, se apercebera de que não conseguia imaginar a vida sem =ela,acabando por voltar a Boone Creek para lho provar. Por sua vez, =Lexiepegara na mão de Jeremy e pusera-a sobre a barriga dela, o que=finalmente fizera dele um verdadeiro crente, pelo menos no que dizia=respeito ao milagre da gravidez e às possibilidades de ser pai, algo=que nunca considerara possível.22Sorriu, pensando que era uma história bem interessante. Talvez com

=suficiente interesse para enredo de um romance.O importante era que, por mais que tivesse tentado resistir aosencantos =dele, Lexie acabara por também se apaixonar. Olhando-a derelance, =Jeremy perguntou-se porquê. Não que se considerasserepulsivo, mas =gostaria de saber o que é que juntava duas pessoas. Nopassado, =escrevera numerosos artigos sobre o princípio da atracção e=sentia-se capaz de discutir os papéis das feromonas, da dopamina e=dos instintos biológicos, mas nada disso podia explicar minimamente o=que ele sentia por Lexie. Ou, possivelmente, o que ela sentia em=relação a ele. Nem ele conseguiria explicar este sentimento dela. =Sósabia que, fosse como fosse, eram compatíveis e que tinha a =sensaçãode ter passado a maior parte da vida a percorrer um =caminho que oconduzia inexoravelmente para ela.Era uma visão romântica, ou mesmo poética, e Jeremy nunca fora =muitodado a pensar em termos poéticos. Talvez essa fosse mais uma =razãopara o convencer de que ela era a mulher ideal, por lhe ter =aberto ocoração e o espírito a novas ideias e novos =sentimentos. Porém,qualquer que fosse a razão, ali sentado no =táxi com a sua futuranoiva, encarava com confiança tudo o que o =futuro pudesse reservar-lhe.Procurou a mão dela.Afinal, seria assim tão relevante que estivesse a deixar a casa de=Nova Iorque, e a hipotecar os seus planos de carreira, para se mudar=para uma terra no meio de coisa nenhuma? Não seria melhor pensar que=estava a iniciar um ano em que teria de planear um casamento, criar um=lar e preparar-se para receber uma filha?Quais as dificuldades que teria de ultrapassar?23

DOISPropôs-lhe casamento no dia de São Valentim, no terraço do =EmpireState Building.Tinha consciência de que se tratava de um cliché, mas não era =isso queacontecia com todos os pedidos de casamento? Afinal, havia um =sem-número de formas de fazer aquilo. Podia fazer-se sentado, de =pé, dejoelhos ou deitado. Podia incluir jantar, ou não, ser feito =em casa ouem qualquer outro lugar, com ou sem velas acesas, com vinho, =ao nascerdo sol ou ao crepúsculo, acrescentando qualquer pormenor =que pudesseser considerado vagamente romântico. Jeremy sabia que =algures, numa

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data que desconhecia, um outro homem já a fizera passar =por tudoaquilo, pelo que não fazia muito sentido estar preocupado =com umeventual desapontamento dela. Sabia, sem dúvida, que alguns =homensusam o catálogo completo - mensagens escritas com fumo =lançado deaviões, cartazes, o anel encontrado durante uma =romântica caça aotesouro. Mas quase podia jurar que Lexie não =era pessoa que exigisseoriginalidade absoluta. Além disso, a =visão da Manhattan era de cortar

a respiração e, desde que =focasse os pontos essenciais - a vontade depassar o resto da vida na =companhia dela, a oferta do anel, a perguntasacramental -, Jeremy =calculou que teria a questão praticamenteresolvida.Afinal, nada daquilo poderia ser encarado como uma total surpresa. =Nãotinham discutido formalmente a questão, mas o facto de ele ir =mudar-separa Boone Creek, a que se poderiam juntar uns pedaços de =conversas emque entrava o "nós", não teria deixado dúvidas =sobre o que estava paraacontecer. Como em "devíamos ir comprar um =berço para colocarmos aolado da nossa cama", ou "devíamos visitar =os teus pais". Como Jeremynão se tinha oposto a24qualquer destas afirmações, de certa maneira podia dizer-se que =Lexie

fora a primeira a declarar-se.No entanto, mesmo que não tivesse sido apanhada totalmente de=surpresa, a excitação de Lexie foi evidente. A sua primeira =reacção,depois de o ter rodeado com os braços e de o beijar, =foi telefonar aDoris para lhe dar a notícia, uma conversa que se =prolongou por vinteminutos. Jeremy achou que era de esperar; não que =se importasse.Apesar da calma aparente, não deixou de se =impressionar com o facto deLexie ter aceitado realmente a ideia de =passar o resto da vida com ele.Agora, quase uma semana depois, seguiam num táxi a caminho da casa =dospais de Jeremy, e ele não deixou de reparar que ela levava o anel =denoivado. Depois do namoro, o noivado era o "grande passo seguinte",=uma etapa bastante do agrado da maioria dos homens, Jeremy incluído.=Podia agora fazer com Lexie certas coisas que estavam vedadas aqualquer =outra pessoa. Como beijá-la. Podia, por exemplo, inclinar-seno banco =traseiro do táxi neste preciso momento e beijá-la. Não era de=imaginar que Lexie se sentisse ofendida. O mais provável era =sentir-se feliz. "Tenta o mesmo com uma estranha e vê o que pode =suceder-te",pensou Jeremy. Toda a situação era de molde a =deixá-lo bastantesatisfeito com a decisão que tomara.Lexie, por sua vez, não deixava de olhar pela janela e parecia=perturbada.- O que é que se passa? - perguntou Jeremy.- E se eles não gostarem de mim?- Vão adorar-te. Que motivos poderiam ter para não gostarem de ti?=Além disso, o teu almoço com a minha mãe correu bem, não =é verdade?Disseste que ambas se tinham entendido bem.- Eu sei - anuiu Lexie, sem parecer convencida.

- Então, qual é o problema?- E se eles pensarem que estou a querer levar-te daqui? perguntou ela.- =Se a tua mãe quisesse apenas mostrar-se simpática e, lá no =fundo,estivesse ressentida comigo?- Não está - garantiu ele. - Não estejas tão preocupada. Por =umarazão: não és tu que estás a querer levar-me daqui. =Deixo Nova Iorqueporque prefiro ir viver contigo, eles sabem que é =assim. Há anos quesou perseguido pela minha mãe, que quer ver-me =casado de novo.Lexie ficou pensativa, de lábios franzidos. - Está bem. Mas =continuo anão querer que saibam da gravidez.

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- Por que não?25- Ficarão com uma ideia errada.- Sabes que, seja como for, vão acabar por descobrir.- Pois sei, mas não tem de ser esta noite, pois não? Deixa que me=conheçam primeiro. Deixa que assimilem a ideia de que vamos =casar-nos. É comoção suficiente para uma noite. Deixaremos o =resto para mais

tarde.- Certo. Como queiras - assentiu Jeremy, recostando-se no banco. - Mas=será bom saberes que, mesmo no caso de se verificar qualquer deslize,=isso não será razão para te preocupares.Lexie franziu a testa. - Como é que pode haver um deslize? Não me=digas que já os informaste.Jeremy negou com a cabeça. - Não, certamente que não. Poderei =terfeito menção disso ao Alvin.Ela interpelou-o, muito pálida: - Disseste ao Alvin?- Desculpa. Disse-o sem querer. Mas não te preocupes, ele é capaz =deguardar o segredo.- Está bem - concordou Lexie, depois de muito hesitar.- Não voltará a acontecer - prometeu Jeremy ao pegar-lhe na =mão. - E

não há motivos para estares nervosa.Ela forçou um sorriso. - Para ti é fácil de dizer.Lexie voltou-se de novo para a janela. Como se já não estivesse=suficientemente nervosa, ainda tinha de enfrentar mais aquele=contratempo. Seria realmente tão difícil guardar um segredo?Sabia que Jeremy não o fizera por mal e que Alvin se mostraria=discreto, mas isso não era o mais importante. Grave era que Jeremy=não parecesse compreender a forma como a família poderia =interpretaruma notícia daquele género. Tinha a certeza de que =eram pessoasrazoáveis - a mãe parecera-lhe muito simpática - e =duvidava queviessem a acusá-la de ser uma prostituta, mas, mesmo =assim, bastava ofacto de irem casar-se tão à pressa para originar =reparos. Quanto aisso não tinha dúvidas. Tudo se resumia a ver a =situação segundo aperspectiva da família. Até há seis =semanas, ela e Jeremy não seconheciam e, depois de um torvelinho de =acontecimentos, estavamoficialmente noivos. Era suficientemente =perturbador.E se descobrissem que ela estava grávida?Pois bem, então compreenderiam. Partiriam do princípio de que esse =erao único motivo que levava Jeremy a casar com ela. Em vez de=acreditarem quando este dizia que a amava, fariam um gesto de=assentimento, dizendo: "É bonito." Porém, logo que Jeremy e Lexie=saíssem, juntar-se-iam para discutirem o assunto. Formavam um =grupo26unido, uma família tradicional que se reunia um par de vezes por =mês.Não tinha ele insistido nesse pormenor? Lexie não era =ingénua. E doque é que uma família fala? Da família! =Alegrias, tragédias,desapontamentos, êxitos... são pertença =do colectivo familiar. Mas, a

haver um novo deslize da parte de Jeremy, =ela sabia o que iaacontecer. Em vez de falarem do noivado, passariam a =referir-se apenasà gravidez, nem que fosse apenas para, dizendo-o de =viva voz, seconvencerem de que Jeremy sabia realmente o que estava a =fazer. Ou,pior ainda, pensariam que ela arranjara uma maneira de o =prender.Lexie podia obviamente estar enganada. Talvez ficassem todosdeliciados. =Talvez achassem razoável toda aquela situação. Talvez=acreditassem não haver um elo de causa e efeito entre o noivado e a=gravidez, pois essa era a verdade. E talvez ela batesse as asas evoasse =para a sua terra.

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Não queria problemas com a família do futuro marido. Era sabido =que,em regra, ninguém consegue evitá-los, mas ela estava disposta =a fazertudo para não pôr o pé em ramo verde.Além do mais, por muito que lhe custasse admiti-lo, se fizesse parte=da família de Jeremy, também ela veria a situação com =cepticismo. Ocasamento era um passo marcante para qualquer casal, em =especialquando as duas pessoas mal se conheciam. Embora a mãe de =Jeremy não a

tivesse feito sentar-se na cadeira eléctrica, Lexie =não pôde deixar desentir-se avaliada à medida que iam =conversando, uma análise quequalquer boa mãe nunca deixaria de =fazer. Portara-se o melhor possívele, no final, a mãe de Jeremy =tinha-se despedido dela com um beijo.Lexie admitia que fora um bom sinal. Um bom início de relação, =pelomenos. A família levaria o seu tempo a admiti-la como membro =pleno doclã. Ao contrário das restantes noras, Lexie não =estaria presente nosfins-de-semana; o mais provável era que tivesse =de aguentar umaespécie de período de experiência, até o =tempo provar que Jeremy nãotinha cometido um erro. Um período de =um ou dois anos, provavelmentemais. Supunha poder apressar o processo =com cartas e telefonemasregulares..."Toma nota", ordenou a si própria. "Compra papel de carta. "

Se quisesse ser totalmente franca, até ela se sentia um tanto chocada=com o rápido desenrolar dos acontecimentos. Estaria Jeremy=verdadeiramente apaixonado? E ela? Durante as duas últimas semanas,=dia após dia, fizera as perguntas a si própria pelo menos uma =dúziade vezes e obtinha sempre as mesmas respostas. Sim, estava =grávida;sim, a filha era dele, mas nunca teria aceitado casar-se com =ele senão acreditasse que poderiam viver felizes.27E seriam felizes. Ou não seriam?Gostaria de saber se Jeremy já teria reflectido sobre a celeridade =comque tudo parecia estar a acontecer. Admitiu que era provável. Era=impossível não o fazer. Mas ele parecia aceitar a ideia com muito=maior descontracção e Lexie gostaria de saber por quê. Talvez =fossepor já ter sido casado, ou talvez por ter sido ele o =conquistadordurante a semana que passara em Boone Creek. Contudo, =qualquer quefosse o motivo, Jeremy sempre mostrara mais confiança na =relação doque ela, o que era estranho, dado ser ele próprio =quem se consideravaum céptico.Observou-o de perfil, notando a covinha do rosto e o cabelo escuro,=satisfeita com o que via. Recordou-se de o ter considerado atraentelogo =na primeira vez que o viu. O que é que a Doris tinha dito acerca=dele, pouco depois de o ter conhecido? "Ele não é aquilo que tu=imaginas. ""bom", pensou, "agora vou descobrir, não é verdade? "Foram os últimos a chegar. Lexie estava tão nervosa que parou em=frente da porta, nos primeiros degraus.- Vão adorar-te - garantiu Jeremy. - Confia em mim.

- Ficas por perto, está bem?- Onde é que eu havia de ficar?Não foi, nem de longe, tão mau como Lexie receara. De facto, ela=parecia estar a sair-se perfeitamente, pelo que, a despeito dapromessa =inicial de ficar perto dela, Jeremy deu consigo no alpendretraseiro, a =bater os pés e de braços cruzados na tentativa de sedefender do =ar frio, a observar o pai, que estava encarregado dosgrelhados. O homem =adorava o grelhador; o tempo que fazia nunca opreocupava. Jeremy =recordava-se de em criança o ver limpar a neve quecobria o =grelhador, enquanto noutras ocasiões o via desaparecer por

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entre a =neve que caía, para reaparecer passada meia hora com umatravessa de =bifes e duas camadas de neve nos sítios onde deviam estaras =sobrancelhas.Embora Jeremy preferisse ter ficado dentro de casa, a mãe pedira-lhe=que fizesse companhia ao pai, o que era uma maneira de lhe dizer que=fosse reparando se o pai se sentia bem. Tinha tido um enfarte alguns=anos antes e, mesmo que ele afiançasse que nunca se constipava, a

=mulher preocupava-se com ele. Noutra altura, seria ela mesma a fazer=companhia ao marido mas, com trinta e cinco pessoas apertadas dentrode =uma casa pequena, o lugar parecia um manicómio. Tinha quatropanelas =ao lume, os irmãos dele tinham ocupado todas as cadeiras da28sala, enquanto os sobrinhos e sobrinhas eram continuamente enxotados da=sala e obrigados a regressar à cave. Olhando através da janela,=assegurou-se de que a noiva continuava a sair-se bem.Noiva. Reconheceu que havia algo de estranho naquela palavra. Não que=achasse estranha a ideia de ter uma, a diferença estava na maneira=como a palavra soava quando dita pelas várias cunhadas, que já a=teriam pronunciado pelo menos uma centena de vezes. Logo depois deeles =terem entrado, antes ainda de Lexie ter tirado o casaco, Sophia e

Anna =correram para eles, incluindo o termo em qualquer frase que=pronunciassem.- Já era tempo de conhecermos pessoalmente a tua noiva.- Então, o que é que tens andado a fazer com a tua noiva?- Não achas que deves trazer alguma coisa para a tua noiva beber?Por outro lado, os irmãos hesitaram e evitaram por completo a =palavra.- Então, tu e a Lexie, hein?- A Lexie tem apreciado a viagem?- Conta-me como é que tu e a Lexie se conheceram.Jeremy resolveu que devia ser conversa de mulheres, pois a palavraainda =não fora pronunciada por ele ou pelos irmãos. Ficou a imaginarque =poderia escrever um artigo sobre o assunto, mas também pensou queo =chefe da redacção não consideraria o assunto suficientemente =sériopara uma revista como a Scientific American, apesar de adorar=trabalhos sobre discos voadores e o "abominável homem das neves".=Embora o chefe o tivesse autorizado a continuar a escrever os seus=artigos a partir de Boone Creek, Jeremy não ia sentir saudades =dele.Jeremy esfregava os braços enquanto o pai se entregava à tarefa de =irvirando os nacos de carne. Já tinha o nariz e as orelhas vermelhos =defrio. - Passa-me aquela travessa, se fazes favor. A que a tua mãe=deixou acolá, em cima do corrimão. Os cachorros estão quase =prontos.Jeremy pegou na travessa e voltou para junto do pai. - Não acha que=está muito frio aqui fora?- Isto? Não tem importância. Além disso, o braseiro =mantém-me quente.O pai, um dos últimos seres de uma espécie em extinção, =ainda usavacarvão. Num Natal, Jeremy comprara-lhe um grelhador a =gás, mas oaparelho ficou na garagem a encher-se de pó, até que =um irmão, tom,

perguntou se podia ficar com ele.O pai começou a empilhar cachorros na travessa.29- Ainda não tive ocasião de falar muito com ela, mas a Lexie =parece-meuma jovem muito simpática.- E é, papá.- Ah, bom, tu mereces. Nunca gostei muito da Maria - confessou. - Mesmo=desde o início, sempre achei nela qualquer coisa de errado.- Devia ter-me avisado.- Não. Não me terias dado ouvidos. Tu eras quem sabia sempre tudo,

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=recordas-te?- O que é que a mamã achou da Lexie? Estou a falar do almoço de =ontem.- Gostou dela. Achou que era mulher para te manter na linha.- E isso é bom?- Dito pela tua mãe? É a melhor opinião que alguma vez lhe =conseguirásarrancar.Jeremy sorriu. - Tem algum conselho a dar-me?

O pai pousou a travessa e levou o seu tempo a responder. - Não. =Nãoprecisas de conselhos. Já és crescido. Agora és tu quem =toma asdecisões. Estou casado há quase cinquenta anos e ainda =há alturas emque não sei como é que a tua mãe funciona.- Isso é confortante.- Habituas-te - sentenciou. Aclarou a voz: - Olha, talvez haja umacoisa =que posso recomendar-te.- O que é?- Realmente são duas coisas. Número um: quando ela se zangar, =nãoconsideres isso um ataque pessoal. Todos nos zangamos; portanto, =nãodeixes que a situação te afecte.- E a número dois?- Telefona à tua mãe. Muitas vezes. Desde que soube que ias =mudar-te,

passa os dias a chorar. E também não arranjes um =daqueles sotaques doSul. Ela nunca te diria tal coisa, mas por vezes =tem dificuldades emperceber o que a Lexie diz.Jeremy soltou uma gargalhada. - Prometo.- Não correu mal de todo, pois não? - indagou Jeremy.Horas mais tarde, estavam a caminho do Plaza. com o apartamento em=desalinho, Jeremy decidira armar-se em rico e dormir num quarto dehotel =a última noite que passava na cidade.30- Foi maravilhoso. Tens uma família muito especial. Agora percebo a=razão de não quereres sair de cá.- Continuarei a vê-los bastante, sempre que tiver encontros no =jornal.Lexie assentiu. Enquanto percorria a cidade, olhava os arranha-céus e=o trânsito, maravilhada por tudo lhe parecer enorme e apressado.=Embora já tivesse vivido em Nova Iorque, esquecera-se das =multidões,da enorme altura dos prédios, do barulho. Tão =diferente da terra ondeagora vivia, um mundo inteiramente distinto. Era =provável que atotalidade da população de Boone Creek fosse =inferior à de um únicoquarteirão da cidade.- Vais sentir a falta da cidade?Antes de responder, Jeremy olhou pela janela. - Um pouco - admitiu. -=Mas tudo o que alguma vez desejei encontra-se no Sul.E, passada uma última noite maravilhosa no Plaza, começou uma nova=vida para os dois.31TRÊSNa manhã seguinte, Jeremy piscou os olhos e acordou logo que os raios

=de luz começaram a espreitar por entre as cortinas. Lexie dormia de=costas, com os cabelos escuros derramados pela almofada. Filtradospela =janela, conseguia ouvir os sons abafados do trânsito matinal deNova =Iorque: toques de buzinas e o aumento e diminuição do som dos=motores dos camiões que percorriam a Quinta Avenida.Na sua opinião não deveria conseguir ouvir qualquer som. Deus =sabiaquanto lhe tinha custado, uma pequena fortuna, a estada naquela =suíteespecial, que ele julgara dotada de janelas à prova de som. =Nãoestava, porém, a queixar-se. Lexie tinha adorado todo o =quarto: ostectos altos e as decorações de gosto clássico, o =formalismo do

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empregado que lhes servira morangos cobertos de chocolate =e a cidra,que eles substituíram por champanhe, o pesado roupão e =os chinelosconfortáveis, a macieza da cama. Tudo.Ao acariciar-lhe o cabelo com suavidade, achou-a bonita, ali deitada a=seu lado, e não conseguiu evitar um suspiro de alívio ao verificar=que ela não usava a máscara verde que ele chegara a imaginar na=véspera. Melhor ainda, também não punha rolos no cabelo nem =usava um

pijama feio; também não se arrastava pela casa de banho =durante meiahora como muitas mulheres gostam de fazer. Antes de saltar =para a camasó tinha lavado a cara e passado a escova pelo cabelo, =para logo viraninhar-se ao lado dele, como ele gostava.Portanto, conhecia-a, a despeito de tudo o que Alvin dissera. Era=evidente que ainda não sabia tudo, mas havia tempo. Descobriria=pormenores acerca dela e ela descobriria pormenores acerca dele e,pouco =a pouco, cada um retomaria os seus hábitos. Sabia, claro, quehaveria =surpresas - há sempre - mas elas são inevitáveis na vida de um=casal. com o tempo, Lexie aprenderia a conhecer o verdadeiro32Jeremy, o Jeremy liberto da constante necessidade de causar boa=impressão. Junto dela poderia ser ele mesmo, uma pessoa que uma vez

=por outra vagueava pela casa em fato de treino ou que comia Doritos em=frente do televisor.Juntou as mãos atrás da cabeça, a sentir um súbito =contentamento. Elairia gostar do verdadeiro Jeremy.Ou não?Franziu o sobrolho, subitamente a perguntar a si mesmo se ela saberiano =que estava a meter-se. Apercebeu-se de que conhecer o verdadeiroJeremy =talvez não fosse uma boa ideia. Não que ele se considerasse mauou =pouco digno, mas, como toda a gente, tinha... mantas que elapoderia =levar algum tempo a entender. Lexie tinha de aprender, porexemplo, que =ele deixava sempre o assento da sanita levantado. Semprefizera assim e =nunca deixaria de fazer o mesmo. Mas... e se isso lhedesagradasse? =Recordou-se de que aquele fora um grande problema parauma das suas =namoradas. E o que é que Lexie pensaria do facto de ele,regra geral, =se preocupar mais com a carreira dos New York Knicks doque com qualquer =coisa que estivesse relacionada com a mais recenteseca em África? Ou =que por vezes se tornava notado por meter na bocacomida que tinha =caído no chão, desde que lhe parecesse em bom estado?Esse era o =verdadeiro Jeremy, mas o que aconteceria se ela nãoapreciasse tais =características? Se não as visse como manias, mas comoverdadeiras =falhas de carácter? E se...A voz de Lexie interrompeu-lhe as reflexões: - Em que é que =estás apensar? Parece que engoliste um besouro.Reparou que ela estava a observá-lo.- Quero que saibas que não sou perfeito.- Que conversa é essa?- Só estou a dizer-te francamente que tenho defeitos.

Lexie pareceu divertida. - Deveras? Pensei que podias caminhar sobre a=água.- Estou a falar a sério. Antes de casares, penso que deves saber no=que te metes.- Para o caso de querer voltar atrás?- Exactamente. Tenho umas manias.- Tais como?Reflectiu um pouco, decidindo que seria melhor começar pelas menos=importantes.- Deixo a água a correr enquanto escovo os dentes. Não sei =porquê, mas

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faço-o. Não sei se conseguirei modificar-me.33Ela assentiu, a tentar manter uma expressão séria. - Acho que =consigolidar com isso.- E às vezes, só para saberes, fico parado em frente ao =frigorífico,com a porta aberta, enquanto tento perceber o que me =apetece comer.Sei que estou a permitir a saída do ar frio, mas =não há nada a fazer.

Sou assim.Ainda divertida, Lexie voltou a acenar com a cabeça. - Compreendo. =Hámais alguma mania?Jeremy encolheu os ombros. - Não como bolachas partidas. Se apenas=restarem bocados de bolachas, deito fora o saco. Sei que é um=desperdício, mas sempre fui assim. O sabor é diferente.- Hum! Vai ser difícil, mas suponho que consigo viver com isso. Ele=franziu os lábios, sem saber se deveria mencionar o assento dasanita. Sabendo que se tratava de uma questão difícil com algumas=mulheres, decidiu não a mencionar por enquanto.- Aceitas todas estas coisas?- Suponho que tem de ser.- De verdade?

- com certeza.- E se te disser que me sento na cama para cortar as unhas dos =pés?- Não abuses, exterminador.Jeremy sorriu, chegando-a mais para si. - Amas-me mesmo que eu não=seja perfeito?- Pois é claro.Ele achou espantoso.À medida que se aproximavam de Boone Creek, quando as primeiras=estrelas já começavam a mostrar-se no céu, o primeiro =pensamento deJeremy foi que o lugar não mudara absolutamente nada. =Não que eleesperasse alterações; dava para perceber que nas =redondezas nada deviater mudado durante os últimos cem anos. Ou =talvez se pudesse falar emtrezentos. Depois de saírem do aeroporto =de Raleigh, a paisagem deambos os lados da estrada não passara de =uma enfadonha versão do filmeO Feitiço do Tempo (Groundhog Day). =Herdades decadentes, terrenosbravios, secadores de tabaco a =desmoronarem-se, fileiras de árvores...quilómetro após =quilómetro. É certo que passaram por algumaspovoações, mas =até essas se mostravam todas iguais, a não ser paraquem =conseguisse notar a diferença entre a galinha frita de dois=estabelecimentos à beira da estrada.Mas, atenção, com Lexie a seu lado a viagem era mais =suportável.Tinha-se mostrado bem-disposta durante todo o dia e, à =medida que34se aproximavam de casa dela, ou melhor, pensou subitamente, da casa=deles, tinha ficado ainda mais alegre. Tinham passado as últimas duas=horas a reviver a viagem a Nova Iorque, mas Jeremy não deixou de=reparar na expressão de contentamento dela logo que atravessaram o

=rio Pamlico e entraram na parte final da jornada.Jeremy recordou-se das dificuldades que tivera para dar com a terra na=primeira vez que lá foi. O único caminho que conduzia ao centro da=povoação não se via da estrada, perdeu a saída certa e teve =deencostar à berma para consultar o mapa. Contudo, feita a curva =paraMain Street, sentira-se encantado.Agora abanava a cabeça, a reconsiderar a sua opinião. Estava a =pensarem Lexie, não na terra. A vila, embora curiosa como são =todas asterras pequenas, não tinha nada de encantador. À primeira =vista, pelomenos. Recordava-se de na primeira vez ter pensado que a =localidade

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parecia estar a enferrujar lentamente. O centro era formado =por algunsblocos de prédios em que havia demasiadas lojas; as =fachadasdecadentes iam perdendo lentamente a pintura, um processo sem =dúvidaacelerado pelos fumos dos escapes dos camiões a caminho da =saída dapovoação. Boone Creek, que já fora uma terra =próspera, lutava pelavida desde que a mina de fósforo e a =fábrica de têxteis tinham sidoencerradas, levando muitas vezes =Jeremy a ponderar se a vila poderia

sobreviver.O júri ainda não se pronunciara quanto a isso, concluiu. Contudo, =seera aqui que Lexie queria viver, para ele era suficiente. Além =disso,uma vez ultrapassada a sensação de se estar perante a ="próxima cidadefantasma", a vila era pitoresca, à sua maneira =sulista de parecer quefora construída à sombra das tilândsias. =Na confluência de Boone Creekcom o rio Pamlico havia uma esplanada =de onde se podia observar omovimento de barcos no rio e, segundo a =Câmara de Comércio, chegada aPrimavera, as azáleas e os =arbustos "explodiam numa cacofonia de coresque só tinha rival no =crepúsculo do oceano de folhas secas que cobriatudo no Outono", =qualquer que fosse o significado da metáfora. Noentanto, o que =tornava o lugar especial eram as pessoas, ou pelo menosera isso que =Lexie afirmava com toda a convicção. Como acontece em

muitas =terras pequenas, ela via as pessoas que ali viviam como membrosda =família. Jeremy guardava para si a observação de que a ="família"costumava incluir uns quantos pares de tias e tios malucos; =e aquelaterra não era diferente. As pessoas dali davam ao termo =personalidadeum significado inteiramente distinto.Jeremy passou pela Lookilu Tavern, o ponto de encontro da terra após =odia de trabalho, pela loja das pizas e pela barbearia; sabia que35depois do cruzamento havia uma construção maciça, antiga, que=albergava a biblioteca local, onde Lexie trabalhava. Enquantopercorriam =a rua, a caminho do Herbs, o restaurante de Doris, sua avó,Lexie =endireitou-se no assento. Por ironia, Doris começara por ser acausa =da primeira visita de Jeremy àquele lugar. Como especialistalocal em =fenómenos paranormais, era sem dúvida uma daquelas="personalidades" já referidas.Mesmo de longe, Jeremy reconheceu as luzes que brilhavam no interior do=Herbs. A que fora uma vivenda da época vitoriana, dominava o final do=quarteirão. Era estranho, mas havia carros arrumados antes e depois=do restaurante.- Pensei que o Herbs só servia pequenos-almoços e almoços.- É verdade.Ao lembrar-se do pequeno "encontro" que o presidente da Câmara=preparara em sua honra na visita precedente, que incluiu, segundo lhe=parecera, a quase totalidade da população do concelho, Jeremy=inteiriçou-se e agarrou o volante com mais força. - Não me =digas queestão à nossa espera.Lexie soltou uma gargalhada. - Não, acredites ou não, o mundo =não gira

à nossa volta. Trata-se da terceira segunda-feira do =mês.- E isso significa?- Que é o dia da reunião do Conselho Municipal. E, terminados os=trabalhos, joga-se bingo.Jeremy esbugalhou os olhos: - Bingo?Ela assentiu. - É a maneira de trazer as pessoas à reunião do =Conselho.- Ah! - exclamou Jeremy. Nada de juízos de valor. Estava num mundo=diferente, nada mais. Quem é que se preocupava com o facto de nenhum=dos seus conhecidos jogar bingo?Ao notar a expressão dele, Lexie sorriu. - Não censures. Estás =a ver

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todos estes carros? Ninguém cá vinha antes de ter =começado o jogo dobingo. Dão prémios e tudo.- Deixa-me adivinhar. A ideia partiu do presidente Gherkin? Lexie =riu-se. - De quem havia de ser?O presidente da Câmara estava sentado perto do fundo da sala, por=detrás de duas mesas que tinham sido juntas. De cada lado, Jeremy=reconheceu dois outros membros do Conselho Municipal; um era um

advogado =escanzelado, o outro era um médico avantajado. Ao canto damesa =sentava-se Jed, de braços cruzados e expressão de mau humor. O=homem mais alto que Jeremy alguma vez encontrara, Jed36tinha o rosto parcialmente encoberto pela barba e uma juba selvagem que=lhe lembrava um mamute lanudo. Esta comparação assentava-lhe bem, =nãosó por Jed ser o proprietário das vivendas Greenleaf, os =únicosalojamentos disponíveis na terra, mas também por ele =exercer asfunções de taxidermista local. Apesar das ventoinhas =que giravam juntoao tecto, a nuvem de fumo de cigarro pairava como =nevoeiro. Na suamaioria, os presentes vestiam jardineiras, camisas de =tecido aosquadrados e bonés com publicidade da NASCAR. A Jeremy =parecia quetodos deviam ter tirado as roupas da mesma caixa, na loja =dos

300 local. Vestido de preto da cabeça aos pés, o guarda-roupa=preferido dos nova-iorquinos, Jeremy teve a estranha sensação de =que,de repente, descobrira o que Johnny Cash devia sentir quando subia =aospalcos das feiras rurais para cantar a sua música country.Acima do burburinho, Jeremy mal ouvia a voz do presidente ampliada pelo=microfone: - N-26...com cada número anunciado, a multidão agitava-se ainda mais. Os =quenão tinham tido a sorte de conseguir sentar-se a uma mesa =preenchiamos cartões nos peitoris das janelas e de encontro às =paredes; oscestos com filhos de farinha de milho eram passados de =mão em mão,como se os presentes necessitassem de lubrificante =para acalmar osnervos naquela fanática busca da vitória. Lexie e =Jeremy abriramcaminho por entre a multidão e viram Doris de relance =a encher maiscestos de filhos e a colocá-los numa bandeja. Desviada =do tumulto,Rachel, a namoradeira empregada de mesa do restaurante, =agitava a mãona tentativa de dispersar o fumo do tabaco. Ao =contrário de NovaIorque, Boone Creek não fazia má cara aos =fumadores; de facto, o fumoparecia quase tão bem aceite como o =próprio bingo.- Será que estou a ouvir a marcha nupcial? - indagou o presidente da=Câmara. De súbito, o anúncio dos números do bingo cessara e =apenas seouvia o zunir das ventoinhas. Os rostos de todos os presentes =norestaurante voltaram-se para onde estavam Lexie e Jeremy. Este, em=toda a sua vida, nunca vira tantos cigarros pendentes de lábios.=Depois, recordando-se da saudação das pessoas da terra, =cumprimentoucom acenos de cabeça e de mãos.As pessoas retribuíram os cumprimentos.- Abram alas... vou passar... - ouviu Jeremy. Era a voz de Doris.

=Notou-se uma restolhada quando as pessoas se apertaram umas contra as=outras para abrirem caminho e Doris apareceu à frente deles. Não=perdeu tempo e logo apertou a neta nos braços.Quando Doris a libertou, Lexie olhou para Jeremy e depois novamentepara =a avó. Pelo canto do olho viu que a multidão fazia o37mesmo, como se o encontro também dissesse respeito a todas aquelas=pessoas, o que, dada a proximidade das moradas, bem podia ser =verdade.- Bem, que diabo - começou Doris. - Esperava que chegassem um pouco=mais tarde.

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Lexie acenou na direcção de Jeremy. - Pode agradecer a este pé =dechumbo. Encara os limites de velocidade mais como indicações do =quecomo verdadeiras normas.- Ainda bem, Jeremy - disse Doris, piscando-lhe o olho. Oh, temos tanto=que conversar! Quero saber tudo sobre a semana que passaste em Nova=Iorque. Quero ouvir a história completa. E onde é que está o =anel deque me falaste?

Os olhos de todos faiscaram na direcção do anel. Os pescoços =ergueram-se quando Lexie mostrou a mão. Vindos da multidão, =ouviram-se umasquantas interjeições de espanto. A malta =começou a aproximar-se parapoder ver melhor e Jeremy sentiu no =pescoço o bafo quente de alguémpróximo.Jeremy ouviu alguém exclamar: - Ora bem, isso é que é um =anel!- Espera um pouco, Lexie - pediu outra voz.- Parece um daqueles diamantes falsos da Home Shopping Newtork -sugeriu =uma mulher.Pela primeira vez, Lexie e Doris pareceram aperceber-se de que setinham =tornado o centro de todas as atenções.- Pronto, pronto... acabou o espectáculo - comandou Doris. Deixem-me=falar com a minha neta, a sós. Temos de pôr a escrita em dia.

=Precisamos de um pouco mais de espaço.Por entre murmúrios de reprovação, o público tentou recuar, =mas nãohavia espaço. Praticamente, as pessoas limitaram-se a =arrastar umpouco os pés.- Vamos lá para trás - acabou Doris por sugerir. - Venham =comigo...Doris agarrou a neta pela mão e saíram; Jeremy lutou para =conseguiracompanhá-las, enquanto elas se encaminhavam para o =escritório daDoris, logo a seguir à cozinha.Uma vez ali chegados, Doris bombardeou a neta com uma salva deperguntas =em rápida sucessão. Lexie falou-lhe da visita à Estátua da=Liberdade, a Times Square e, como não podia deixar de ser, ao Empire=State Building. Quanto mais depressa falavam, mais sobressaía o=sotaque sulista e, a despeito dos esforços a que se entregou, Jeremy=não foi capaz de perceber tudo o que elas diziam. Conseguiu decifrar=o facto de Lexie ter gostado da família dele, mas mostrou-se bem38menos entusiasmado quando ela disse que o serão lhe recordou coisas=que "deves ter visto na série Everybody Loves Raymond, mas ampliadas=seis vezes, com as cunhadas loucas, embora de maneira diferente".- Deve ser um espectáculo - concordou Doris. - Agora, deixa-me olhar=melhor para esse anel.Lexie ergueu a mão mais uma vez, orgulhosa como uma menina de escola.=Doris olhou para Jeremy.- Foi você que o escolheu?Jeremy encolheu os ombros. - Fui ajudado.- Pois bem, é uma maravilha.Naquele momento, Rachel enfiou a cabeça no escritório. - Olá, =Lex.

Olá, Jeremy. Desculpem a interrupção, mas, Doris, as =filhos de milhoestão a desaparecer. Quer que faça mais uma =amassadura?- É provável. Mas, espera; antes de te ires embora vem ver o anel =daLexie.O anel. As mulheres de todo o mundo idolatram os anéis, ainda mais do=que adoram ouvir pronunciar a palavra noiva.Rachel aproximou-se. com o cabelo castanho-avermelhado, direita comouma =cana, estava atraente, como sempre, embora para Jeremy elaparecesse um =pouco mais cansada do que era habitual. Rachel e Lexietinham sido as =melhores amigas na escola secundária e, embora ainda

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celebridade, como sabe.- Sou apenas um jornalista, não uma celebridade. Pensei termos=ultrapassado...40- Não há necessidade de ser modesto, Jeremy. Já estou a ver... =Aquisemicerrou os olhos como se efectivamente houvesse alguma coisa =paraver. - Hoje, crónicas na revista Scientific American; amanhã, =um

programa próprio na televisão, transmitido para todo o mundo =daqui, deBoone Creek, Carolina do Norte...- Duvido muito...- Temos de pensar em grande, meu rapaz. Em grande. Porque, sem os=sonhos, Colombo nunca teria navegado para o Novo Mundo e Rembrandtnunca =teria pegado num pincel.Deu uma palmada nas costas de Jeremy, depois inclinou-se e beijou Lexie=nas faces. - Está ainda mais bonita do que é habitual, Miss Lexie.=Não há dúvida de que o noivado lhe assenta bem, minha =querida.- Obrigada, tom.Doris revirou os olhos e estava prestes a enxotá-lo do escritório, =maso presidente voltou-se de novo para Jeremy.- Importa-se que falemos um pouco de coisas sérias? - indagou, mas =não

esperou pela resposta. - Ora bem, eu seria um servidor público =bemnegligente se me esquecesse de lhe perguntar se tenciona escrever=algum artigo especial sobre Boone Creek, agora que vive aqui, quero eu=dizer. Seria uma boa ideia, como sabe. E também útil para a terra.=Sabe, por exemplo, que três das quatro maiores lampreias alguma vez=pescadas foram apanhadas em Boone Creek? Pense nisso... três das=quatro maiores. Poderá existir alguma característica mágica na =água.Jeremy não sabia o que dizer. Claro, o seu editor adoraria aquela=história, não era verdade? Em especial o título: "Águas =MágicasAlimentam Lampreia Gigante". Nem pensar. Já tinha o lugar =preso por umfio devido à decisão de deixar Nova Iorque; se =houvesse cortes depessoal no magazine, tinha a estranha sensação =de que seria o primeiroa ser despedido. Não que ele precisasse =daquele rendimento; os seusganhos principais eram provenientes de =artigos escritos comoindependente, que vendia a outros jornais e =revistas; além disso,tinha feito alguns bons investimentos. Dispunha =de meios mais do quesuficientes para sobreviver durante algum tempo, =mas não tinha dúvidasde que a coluna na Scientific American lhe =dava uma reputação superior.- Na verdade, as minhas próximas seis crónicas já estão =escritas. Eainda me falta decidir qual será o tema da seguinte, mas =não meesquecerei da lampreia gigante.O presidente da Câmara mostrou-se satisfeito. - Óptimo, meu rapaz. =E,ouçam, quero dar-vos oficialmente as boas-vindas neste41vosso regresso à nossa terra. Nem consigo demonstrar o quanto estou=excitado por terem decidido que o vosso lar permanente será entre=esta nossa excelente comunidade. Mas tenho de regressar ao jogo do

=bingo. O Rhett tem estado a anunciar os números, mas como ele mal=sabe ler, receio que cometa algum erro e provoque um motim. Só Deus=sabe aquilo de que as irmãs Garrison são capazes se sentirem que=estão a ser enganadas.- As pessoas levam o seu bingo a sério - anuiu Doris.- Nunca foram ditas palavras mais verdadeiras. Agora, se me dão=licença, o dever chama-me.com uma rápida rotação de calcanhares, notável considerando =a largurada cintura do homem, saiu do escritório e Jeremy apenas =conseguiureagir com acenos de cabeça. Doris foi espreitar à porta =para se

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assegurar de que não haveria novas interrupções. =Apontou para abarriga da neta.- Como é que te sentes?Ao ouvir os murmúrios de Doris e Lexie acerca da gravidez, Jeremy deu=consigo a reflectir sobre a ironia envolvida nas decisões de ter=filhos e de os criar.Sabia que as pessoas, pelo menos a maioria delas, tinham consciência

=das responsabilidades que isso acarretava. Tendo observado os irmãos=e as cunhadas, sabia as grandes mudanças que o nascimento de um filho=implicava; deixavam de poder dormir até mais tarde nos =fins-de-semana, por exemplo, ou de poder decidir, de um momento para o =outro,ir jantar fora. Mas afirmavam não se importar, pois viam que a =decisãode ter filhos exigia uma certa abnegação, impunha =sacrifíciosindispensáveis para o bem-estar dos pequenos. Não =eram casos raros. EmManhattan, Jeremy chegara a crer que esta ideia era =muitas vezeslevada aos limites. Cada pai que conhecia assegurava-se de =que o seufilho frequentava a melhor escola, tinha o melhor professor de =piano,frequentava o melhor centro desportivo; fazia tudo para que o =filhopudesse um dia frequentar uma universidade da Ivy League*.Mas será que esta abnegação não envolve uma certa dose de =egoísmo?

* Conjunto de universidades de grande prestígio, todas no Noroeste =dosEUA: Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Princeton,=Pensilvânia e Yale. (NT)42Jeremy pensava que era aí que estava a ironia. Afinal, não parecia =queas pessoas precisassem de ter filhos. Não, ele sabia que ter um =filhotinha essencialmente que ver com duas coisas: constituía a =evoluçãológica de uma relação, mas secretamente não =deixava de ser o produtode um desejo profundamente enraizado de criar =uma versão em miniaturade "alguém". Como quando dizemos "tu és =especial", seria simplesmenteinconcebível que houvesse apenas um ="tu" à nossa volta. E quanto aoresto? Aos sacrifícios para se =chegar à Ivy League? Jeremy tinha acerteza de que a única =razão para uma criança de cinco anos saber daexistência da Ivy =League era esta ser importante para os pais. Poroutras palavras, Jeremy =chegara à conclusão de que, na sua maioria, ospais não querem =apenas uma "imagem" de si mesmos, pretendem uma"imagem melhor", pois =nenhum progenitor alimenta sonhos de estar numafesta a fazer =afirmações como: "Oh, o Jimmie está muito bem! Encontra-se em =liberdade condicional e quase liberto das drogas." Não, querempoder =dizer: "O Emmett, para além de se ter tornado multimilionário,=concluiu o doutoramento em Microbiologia e o New York Times acaba de=publicar um artigo sobre a investigação em que ele tem andado=empenhado e que pode levar à cura do cancro. "É certo que nenhuma destas questões dizia respeito a Lexie ou a=Jeremy, e este sentiu que estava a abusar das conjecturas. Eles não=se enquadravam na categoria dos futuros progenitores típicos pela=simples razão de que a gravidez não fora planeada. Na altura em =que

aconteceu, ainda nenhum deles tivera tempo para pensar em imagens em=miniatura deles mesmos, nem a gravidez era então considerada a=sequência normal da sua relação, pois, em termos técnicos, =ainda nemsequer existia uma relação. Não, a filha deles fora =concebida numambiente de beleza e de ternura, sem qualquer das =manifestações deegoísmo dos outros pais. O que significava que =tanto ele como Lexieeram melhores, menos egoístas, e que, a longo =prazo, segundo asreflexões de Jeremy, tal ausência de sentimentos =egoístas daria àquelacriança ainda mais possibilidades de vir =a ser aceite em Harvard.- Estás bem? - indagou Lexie. - Tens estado um bocado murcho desde =que

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saímos do Herbs.Eram quase dez horas e estavam em casa dela, uma pequena vivendamarcada =pelas intempéries, que se acostava a uma mata de pinheirosantigos. =Jeremy olhava através da janela, para as pontas das árvoresque =balouçavam ao sabor da brisa; vistas ao luar, as agulhas dos43pinheiros quase pareciam feitas de prata. Estavam sentados no sofá,

=com Lexie aninhada debaixo do braço dele. Uma pequena vela tremeluzia=na ponta da mesa, derramando luz num prato com restos da refeição =queDoris lhes preparara.- Estou a pensar na bebé - respondeu Jeremy.- A sério? - indagou Lexie, de cabeça inclinada para um lado.- Sim, a sério. Porquê? Pensas que não me preocupo com a =bebé?- Não, não se trata disso. Acontece apenas que fiquei com a =impressãode que desligaste mal eu e a Doris começámos a falar =dela. Nessaaltura, estavas a pensar em quê?Ele apertou-a um pouco mais, julgando melhor não mencionar os=egoísmos. - Estava a pensar que a bebé tem muita sorte por seres a=mãe dela.Lexie sorriu, antes de se virar para o observar. - Espero que a nossa

=filha tenha a tua covinha do queixo.- Gostas da minha covinha?- Adoro a tua covinha. Mas espero que os olhos sejam como os meus.- O que é que os meus olhos têm de mal?- Os teus olhos não têm nada de mal.- Mas os teus são muito mais bonitos? Fica a saber que a minha mãe=adora os meus olhos.- Eu também. Em ti, são sedutores. Só não desejo que a nossa =filhatenha olhos sedutores. É apenas uma bebé.Ele riu-se. - E que mais?Concentrada, Lexie ficou a olhar para ele. - Quero que ela tenha o=cabelo como o meu. E o meu nariz e o queixo - prosseguiu, a ajeitaruma =madeixa atrás da orelha. - E também a minha testa.- A tua testa?Lexie assentiu. - Tens uma ruga entre as sobrancelhas.Quase sem notar, Jeremy levou um dedo ao sítio, como se nunca tivesse=reparado. - É por franzir a testa - esclareceu, a demonstrar como=era. - Estás a ver? É devida à concentração. Ao =pensamento. Nãodesejas que a tua filha pense?- E tu, queres que a tua filha tenha rugas?- Bem... não, mas queres que de mim ela herde apenas uma covinha?- E se herdar também as tuas orelhas?- Orelhas? Quem é que repara em orelhas?- Acho que tens umas orelhas encantadoras.44- De verdade?- São perfeitas. Talvez as mais perfeitas orelhas do mundo. Já =ouvi

pessoas a dizer maravilhas acerca das tuas orelhas.Jeremy riu-se. - Muito bem, as minhas orelhas e a covinha, os teus=olhos, nariz, queixo e testa. Mais alguma coisa?- E se parássemos com isto? Detesto pensar no que dirias se eu =tambémdissesse que queria que ela tivesse umas pernas como as =minhas.Pareces ter ficado susceptibilizado.- Não estou nada susceptibilizado. Apenas penso dispor de mais=qualquer coisa para oferecer do que orelhas e uma covinha. E quanto=às minhas pernas... bem, já fizeram virar algumas cabeças, se =queresmesmo saber.

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Lexie mostrou um sorriso amarelo. - Pronto, tudo bem - protestou -,=estou esclarecida. O que é que pensas da cerimónia do =casamento?- A mudar de assunto?- Temos de falar disso. Acho que quererás analisar algumas =ideias.- Acho que vou deixar a maioria dos pormenores para ti.- Estava a pensar que deveria ter lugar nas proximidades do farol. Que=achas do exterior da casa de praia?

- Estou a lembrar-me - respondeu Jeremy, certo de que ela estava a=referir-se ao farol do cabo Hatteras, onde os pais dela se tinham=casado.- Fica num parque natural, seria necessária uma autorização. =Estava apensar que poderia ser no final da Primavera, princípio do =Verão. Nãoquero que se note a barriga nas fotografias.- Para mim faz sentido. Afinal, não queres que alguém pense que =estásgrávida. O que diriam as pessoas?Ela soltou uma gargalhada. - Portanto, não tens quaisquer ideias =sobreo casamento, pois não? Nada de especial com que sempre tenhas =sonhado?- Não, realmente não há nada. Quanto à despedida de =solteiro, bem,isso é diferente...Isto custou-lhe um murro de brincadeira na barriga. - Põe-te a pau -

=troçou Lexie. Depois, aquietando-se, acrescentou: - Sinto-me feliz=por estares aqui.- Também me sinto feliz por cá estar.- Quando é que queres começar a ver casas?Estas mudanças bruscas de assunto serviam para lembrar continuamente =aJeremy que, de súbito, a sua vida tinha sofrido uma alteração =radical.45- O quê? Desculpa!- Ver casas. Vamos ter de comprar uma casa, como sabes.- Pensei que íamos viver aqui.- Aqui? A casa é minúscula. Onde é que instalavas o teu =escritório?- No quarto vago. Há espaço suficiente.- E a bebé? Onde é que vai dormir?Ah, pois, a bebé. Espantoso como se esquecera dela durante um =segundo.- Tens alguma preferência?- Acho que preferia qualquer coisa perto da água, se estiveres de=acordo.- Perto da água parece-me bem.Quando Lexie prosseguiu, o seu rosto revelava uma expressão quase=sonhadora. - Uma casa com uma grande varanda a toda a volta. Um lugar=confortável, com divisões espaçosas e janelas que deixem entrar =osol. E telhado de zinco. Quem nunca ouviu a chuva a cair num telhado=de zinco não pode dizer que viveu. É o som mais romântico do =mundo.- Consigo suportar sons românticos.Ela franziu a testa, a avaliar as respostas dele. - Estás a aceitar=tudo isto com um grande desprendimento.- Estás a esquecer-te de que vivi num apartamento durante os =últimos

quinze anos. Preocupamo-nos com coisas diferentes, como saber =se oelevador funciona.- Se bem me lembro, o do teu prédio não funcionava.- O que deveria demonstrar-te que não sou exigente.Lexie sorriu. - Pois bem, não podemos começar esta semana. Na=biblioteca, terei certamente uma montanha de papéis à minha =espera;vou levar tempo a pôr tudo em ordem. Mas talvez possamos =procurardurante o fim-de-semana.- Acho bem.- O que é que pensas fazer enquanto eu estiver a trabalhar?

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- Enquanto espero por ti é provável que me entretenha a arrancar=pétalas às flores.- Falo a sério.- vou tentar adaptar-me e criar uma espécie de horário. Instalar o=computador e a impressora, ver até que ponto é possível =arranjar umaligação de banda larga que me permita fazer buscas na =Internet. Gostode ter pelo menos quatro ou cinco crónicas =adiantadas, de forma a que,

se me surgir um tema, possa dispor de tempo =para me46dedicar a ele. Assim, o meu chefe de redacção também poderá =dormirmelhor.Lexie ficou calada, enquanto ia reflectindo sobre o assunto. - Não=julgo que consigas acesso em banda larga no Greenleaf. Ainda nem têm=televisão por cabo.- Quem é que está a falar do Greenleaf? Pensava fazer a =ligação daqui.- Também podes usar a biblioteca. Mas como vais morar no =Greenleaf...- Quem é que diz que vou morar no Greenleaf?Ela deixou-se escorregar do sofá e olhou-o de frente. - Onde é que=havias de morar?- Julguei que ia morar aqui.

- Comigo?Jeremy deu a única resposta que lhe pareceu óbvia: - Contigo, =claro.- Mas nós ainda não somos casados.- E então?- Sei que são ideias antiquadas, mas por aqui os casais não vivem=juntos antes de casados. A gente da terra reprovaria. Partiriam do=princípio de que andamos a dormir juntos.Jeremy ficou a olhar para ela, não se dando ao incómodo de =esconder asua confusão. - Mas nós dormimos juntos. Estás =grávida, recordas-te?Lexie sorriu. - Serei a primeira pessoa a admitir que não faz muito=sentido e, se dependesse de mim, ficarias cá. E sei que as pessoas=vão acabar por descobrir que estou grávida, mas há um pormenor =deloucos: a gente de cá compreende que as pessoas cometam erros. =Estãototalmente dispostas a perdoar os erros, mas isso não =significa quedevamos viver juntos. Falarão nas nossas costas, =farão mexericos elevarão muito tempo a esquecer-se de que ="vivemos em pecado". E,durante anos, é isso que vão dizer de =nós - acrescentou, antes de lhepegar na mão.- Sei que é pedir muito, mas vais fazer isso por mim?Recostando-se, lembrou-se de como era o Greenleaf: uma série de=barracas decrépitas, erguidas no meio de um pântano conhecido por=albergar serpentes mocassim; Jed, o medonho proprietário que não=falava a ninguém; os animais embalsamados que decoravam cada um dos=quartos. O Greenleaf. Valha-nos Deus!- Pois, está bem. Mas... o Greenleaf?- O que é que há mais? Quero dizer, se quiseres, há um anexo =nastraseiras da casa da Doris; penso que tem casa de banho, mas não =se

compara com o Greenleaf.47Jeremy engoliu em seco, a pensar no assunto. - O Jed mete-me medo -=admitiu.- Eu sei. Disse-me isso quando fiz a reserva, mas prometeu-me que agora=seria melhor, pois passaste a ser um vizinho. E a boa notícia é =que,como vais lá ficar um tempo, não te cobra de acordo com a =tabelaregular. Tens desconto.- Sou um felizardo - respondeu, contrafeito.Lexie percorreu-lhe o braço com a ponta do indicador. - vou =compensar-

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te. Por exemplo, se agires com discrição, podes vir =visitar-me aqui acasa sempre que queiras. Até poderei preparar-te o =jantar.- Se agir com discrição?Ela assentiu. - O que poderá impedir-te de deixares o carro em frente=da minha porta, ou, se o fizeres, deverás provavelmente sair antes do=nascer do sol, de modo a que ninguém te veja.- Por que diabo é que de repente me sinto recuar até aos meus

=dezasseis anos, quando tinha de me esgueirar pelas traseiras da casados =meus pais?- Porque é exactamente isso que terás de fazer. com uma nova =objecção:as pessoas daqui não vão mostrar-se tão =compreensivas como os teuspais. São muito piores.- Nesse caso, por que é que vamos morar aqui?- Porque tu me amas - concluiu Lexie.48QUATRONo decurso do mês seguinte, Jeremy começou a adaptar-se à vida =emBoone Creek. Em Nova Iorque os primeiros sinais da Primavera =apareciamem Abril, mas em Boone Creek surgiram semanas antes, nos =princípios deMarço. As árvores começaram a florescer, as =manhãs frias passaram a

ser suportáveis e, quando não chovia, =as tardes de temperaturas amenasnão exigiam mais do que uma camisa =de mangas compridas. Os relvados,castanhos durante o Inverno, com as =centopeias em hibernação,começaram lentamente, de forma quase =imperceptível, a tornar-se verde-esmeralda, atingindo a cor normal =logo que os arbustos e as azáleasfloresceram. O ar era perfumado com =odores a pinheiro e a névoasalgada, e o céu, apenas coberto por =nuvens ocasionais, avistava-seaté ao horizonte. Em meados de =Março a vila dava a ideia de ser maisclara e mais brilhante; parecia =que a lembrança do seu aspecto duranteo Inverno não passava de um =sonho melancólico.As coisas dele, que finalmente chegaram, estavam guardadas no anexo das=traseiras da casa de Doris e, enquanto permanecia no Greenleaf, havia=momentos em que pensava como se sentiria melhor se vivesse entre assuas =mobílias. Não que não se tivesse adaptado àquela vida, em =quetinha Jed por único vizinho; Jed ainda não lhe dirigira uma =únicapalavra, mas era bastante eficiente a tomar nota de qualquer =mensagemque chegasse. As notas eram difíceis de ler e por vezes =pareciammanchadas com... qualquer produto, talvez fluido para =embalsamar, oulá o que era que ele usava para conservar os animais; =porém, fosse oque fosse, ajudava a colar os papéis directamente =na porta; nem Jednem Jeremy se preocupavam com a mancha que a =substância deixava namadeira.Jeremy também tinha criado uma espécie de rotina. Lexie tivera =razão,no Greenleaf não havia a mais remota possibilidade de =obter49acesso em banda larga à Internet, mas conseguiu improvisar uma =maneirade estabelecer a ligação para receber e-mails e fazer =pesquisas em

movimento lento, em que por vezes tinha de esperar cinco =minutos paraobter uma página. A situação tinha um aspecto =positivo: a lentidãoglaciária das ligações =proporcionava-lhe um motivo para ir àbiblioteca quase todos os dias. =Por vezes conseguia conversar comLexie no gabinete dela, noutras =ocasiões iam almoçar juntos, mas, umaou duas horas passadas, ela =concluía com uma afirmação do género:"Sabes que adoraria =ficar todo o dia a conversar contigo, mas tambémtenho de trabalhar =um pouco." Ele entendia a sugestão e dirigia-separa um dos terminais =de computador, onde praticamente assentaraarraiais, para prosseguir as =suas pesquisas. Nate, o seu agente,

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ligava-lhe constantemente, a deixar =mensagens e a indagar cominsistência se Jeremy já tinha algumas =ideias brilhantes que lheservissem para escrever futuros artigos, "pois =o acordo com atelevisão ainda não está morto! ". Como muitos =agentes, Nate era,acima de tudo, um optimista. Raramente conseguia uma =resposta quefosse além da garantia de que "ele seria sempre o =primeiro a saber";Jeremy não desencantara qualquer história, nem =escrevera qualquer

crónica desde que viera para o Sul. com tantas =coisas a acontecerem,era fácil distrair-se.Ou era disso que procurava convencer-se. O facto é que tivera umas=ideias, mas não tinham conduzido a nada. Sempre que se sentava para=escrever parecia-lhe que o cérebro se transformara numa papa e que os=dedos haviam sido atacados pela artrite. Tinha escrito uma ou duas=frases e em seguida gastara quinze ou vinte minutos a apreciar o seu=trabalho, para, finalmente, o apagar. Passou dias a escrever e aapagar, =sem nada para mostrar no final. Por vezes imaginava quepassara =subitamente a ser odiado pelo teclado, mas logo reconhecia quetinha =coisas mais importantes em que pensar.Como Lexie. E o casamento. E a bebé. Sem esquecer, claro, a festa de=despedida de solteiro. Desde a partida de Jeremy que Alvin andava a

=tentar ajustar uma data com ele, mas a marcação do dia do =casamentodependia do ministério responsável pelos parques =naturais. Apesar deLexie lhe lembrar constantemente o assunto, Jeremy =ainda nãoconseguira entrar em contacto com alguém que o pudesse =ajudar. Acaboupor pedir a Alvin que marcasse a festa de despedida de =solteiro para oúltimo fim-de-semana de Abril; "quanto mais depressa =melhor", pensou.Alvin desligou no meio de um cacarejar excitado com a =promessa defazer da festa uma noite inesquecível.Não era preciso muito. Por melhor que começasse a habituar-se... =BooneCreek não era Nova Iorque e começava a aperceber-se de =que50tinha saudades da cidade. Soubera de antemão que a mudança para o =Sulo obrigaria a grandes ajustamentos, mas continuava a impressionar-se=com a absoluta falta de coisas para fazer. Em Nova Iorque podia sairdo =apartamento, percorrer dois quarteirões em qualquer direcção e=encontrar uma enorme variedade de filmes para ver, desde a última=fita de acção e aventura a algo mais esteticamente conseguido, =até emfrancês. Boone Creek nem tinha uma sala de espectáculos. =A maispróxima, em Washington, só dispunha de três salas de =projecção, umadas quais parecia permanentemente ocupada com a =última película dedesenhos animados da Disney. Em Nova Iorque =havia sempre um novorestaurante para experimentar e comida para todas =as ocasiões eestados de espírito, desde a cozinha vietnamita à =italiana, grega ouetíope; quanto a Boone Creek, jantar fora =significava optar por pizadura como cartão ou pela comida caseira do =restaurante do Ned, umacasa onde tudo era frito e havia demasiado =óleo a pairar na sala, oque obrigava os clientes a limparem a testa =com o guardanapo antes de

saírem. Ao balcão, já ouvira pessoas =a discutirem o método mais eficazde filtragem da banha de bacon, de =modo a obter-se o máximo de sabor,além da quantidade de carne de =porco salgada, qualquer que fosse, quedevia juntar-se ao repolho, antes =de cobrir toda aquela salgalhada commanteiga. O melhor era deixar que =fossem os sulistas a descobrir omelhor método de tornar os pratos =com vegetais em venenos para a saúde.Supunha que estava a ser cruel mas, sem lugares onde comer ou semfilmes =para ver, o que é que os jovens casais haviam de fazer? Mesmoque se =decidisse dar um passeio agradável pela vila, passados poucosminutos =a caminhar em cada direcção era necessário voltar para trás.

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=E claro que Lexie não via nada de anormal na situação e parecia =gozarda máxima felicidade em sentar-se no alpendre depois de =regressar dotrabalho, a beberricar chá ou limonada, ou a acenar a um =vizinho queocasionalmente andasse a passear à volta do =quarteirão. Para que elenão se sentisse totalmente desalentado =com a ideia de ficar sentado noalpendre, Lexie assegurava-lhe que, =chegado o Verão, os pirilamposseriam tantos que lhe fariam lembrar =as luzes de Natal.

- Nem sei como é que vou aguentar a espera - respondera Jeremy,=soltando um suspiro.Do lado das coisas agradáveis, nas semanas mais recentes Jeremy havia=finalmente conseguido realizar um dos seus sonhos: a compra do seu=primeiro carro. Podia ser considerado um desejo machista; porém, logo=que se apercebera de que ia mudar-se para Boone51Creek, era uma das experiências que aguardava com maior entusiasmo.=Não tinha andado a poupar e a investir dinheiro todos aqueles anos=para nada. Tivera a sorte de comprar acções da Yahoo! e da AOL,=depois de ter escrito um artigo sobre o futuro da Internet, e tinha=visto as acções atingirem altas cotações, até que vendeu =parte dacarteira quando se mudou para Boone Creek, sempre a idealizar o

=momento da compra do carro: a consulta de várias revistas sobre=automóveis e as visitas aos concessionários, onde podia sentar-se =aovolante e inalar o famigerado "cheiro de carro novo". Em inúmeras=ocasiões lamentara verdadeiramente morar em Nova Iorque, pela simples=razão de que a vida na cidade tornava a posse de carro um luxo quase=supérfluo. Ardia em desejos de se enfiar num carro desportivo, ou num=descapotável de duas portas, para fazer um teste de condução =pelaspacatas estradas rurais. Na manhã em que tinham decidido ir, =ele eLexie, a um salão de exposição, não conseguia deixar =de sorrir aoimaginar o gozo de se sentar ao volante do seu carro de =sonho.Só não contara com a resposta de Lexie quando ele olhou =gulosamentepara o descapotável de duas portas e lhe seguiu as curvas =elegantescom o indicador. - O que é que achas? - perguntou.Tanto quanto sabia, também ela não conseguiria resistir.Lexie encarou o automóvel com um ar confuso. - Onde é que pomos a=cadeira da bebé?- Para isso podemos usar o teu carro - sugeriu Jeremy. - Este carro é=só para nós. Para passeios rápidos à praia ou às =montanhas, parafíns-de-semana em Washington.- Não creio que o meu carro vá durar muito mais; por isso, não =achasmelhor comprar um carro para toda a família?- Tens alguma ideia?- Por que não um minivan?Ele resistiu. - Não, de maneira nenhuma. Não esperei trinta e sete=anos para comprar um minivan.- E se for um belo familiar de quatro portas?- Um familiar de quatro portas? O meu pai conduz um familiar de quatro

=portas. Sou demasiado jovem para comprar um carro desses.- E um jipe? São desportivos e velozes. E podem circular pelas=montanhas.Jeremy tentou imaginar qual seria o seu aspecto sentado ao volante deum =jipe; abanou a cabeça. - Esses são os veículos preferidos pelas=mães que vivem nos subúrbios. Já vi mais carros desses nos52parques de estacionamento dos supermercados do que nas montanhas. =Alémdisso, são mais poluentes que os carros normais e eu =preocupo-me com oambiente - sentenciou, a tocar o peito com um dedo =para dar mais

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anos, tivera necessidade de estar =ocupado com alguma coisa, qualquercoisa, em cada momento que passava =acordado. Não conseguia estarparado mais do que uns poucos minutos =de cada vez; havia sempre algopara ler ou para estudar, a necessidade =de escrever era constante.Apercebia-se de que, pouco a pouco, tinha =perdido a capacidade de sedescontrair, de que tinha resultado um longo =período da sua vida emque os meses se dissolviam numa massa, sem =nada que diferenciasse um

ano do outro.Aquele mês passado em Boone Creek, por mais monótono que o tivesse=achado, fora na realidade... reparador. Não houvera, pura e=simplesmente, nada para fazer e, considerando o ritmo frenético da=sua vida nos quinze anos mais recentes, o que é que havia a lamentar=na nova situação? Era como se estivesse de férias, umas =férias nãoplaneadas que o levavam a sentir-se repousado como =não se sentia hámuitos anos. Pela primeira vez, e parecia que =para sempre, estava aescolher o seu próprio ritmo de vida, em vez de =ser a vida adeterminá-lo. Uma existência melancólica, decidiu, =era uma forma dearte subvalorizada.Gostava especialmente de sentir-se melancólico quando estava na=companhia de Lexie. Não era bem o ficar sentado no alpendre, mas

54gostava de a sentir sob o seu braço enquanto assistiam a um jogo de=basquetebol. Estar com Lexie era confortável; apreciava a conversa=tranquila durante o jantar e o calor do corpo dela quando se sentavam=juntos no topo de Riker's Hill. Ambicionava aqueles momentos simplescom =um entusiasmo que o surpreendia, mas o que mais apreciava eram asnoites =em que podia dormir em casa dela e o lento despertar. Era umprazer =pecaminoso, que Lexie só autorizava quando ia buscá-lo ao=Greenleaf depois de sair da biblioteca, não fosse algum vizinho=metediço avistar o carro de Jeremy no caminho de acesso à casa;=contudo, qualquer que fosse o motivo, o acto de se esconderem tornava=tudo muito mais excitante. Depois de se levantarem, liam o jornal na=mesa da pequena cozinha, ao mesmo tempo que tomavam o pequeno-almoço.=O mais frequente era ela vestir apenas o pijama e calçar chinelos de=pêlo, ter o cabelo desgrenhado e os olhos ligeiramente papudos do=sono. Contudo, logo que o sol da manhã se projectava janela adentro,=ele não tinha dúvidas de que Lexie era a mulher mais bonita que=alguma vez vira.Por vezes, Lexie reparava que ele estava a olhar e pegava-lhe na mão.=Jeremy recomeçava a leitura e assim, sentados juntos e de mãos =dadas,cada um perdido nos seus pensamentos, ele perguntava a si =próprio sehaveria maior prazer na vida.Também andavam à procura de casa; como Lexie tinha uma ideia muito=precisa acerca do que queria, e partindo do princípio de que em Boone=Creek a quantidade de casas para venda não seria muito grande, Jeremy=pensara que em poucos dias encontrariam uma que lhes interessasse. com=alguma sorte talvez bastasse uma tarde.

Estava enganado. Por isto e por aquilo, passaram três longos =fins-de-semana a examinar, pelo menos duas vezes, todas as casas que =estavam àvenda na povoação. Jeremy descobriu que, no seu =conjunto, a situaçãoera mais desencorajadora que excitante. Havia =qualquer coisa deestranho no acto de devassar as casas das pessoas que =o fazia sentir-se mal quando emitia juízos de valor, e nem sempre os =mais amáveis,sobre elas. Mas era o que acontecia. Embora a vila =pudesse terhistória e as casas se mostrassem encantadoras por fora, =entrar nelasconduzia a desapontamentos inevitáveis. Em metade das =ocasiões eracomo entrar numa cápsula do tempo, num caminho que o =levasse à década

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de 1970. Desde o filme The Braãy Buncb que =não via tanta alcatifa begee felpuda, tanto papel de parede cor de =laranja e tantas cozinhas comlava-loiças de cor verde. Por vezes, =notavam-se estranhos odores e unsquantos faziam-no torcer o nariz: =talvez bolas55de naftalina e dejectos de gatos, ou fraldas sujas e pão com bolor; o=mais frequente era ser obrigado a abanar a cabeça mal via as

=mobílias. Em toda a sua existência de 37 anos, nunca se =interessarapor cadeiras de balouço, quer na sala de estar quer no =alpendre dafrente. Mas, agora, estava a aprender a viver com elas.Havia inúmeros motivos para dizer não, mas, mesmo quando reparavam =emqualquer coisa que lhes despertava interesse e os levava a querer=dizer sim, o mais provável era depararem com outro pormenor=igualmente ridículo.- Repara - exclamou Jeremy um dia -, esta casa tem uma câmara =escura!- Mas tu não és fotógrafo. Não precisas de uma câmara =escura.- Pois não. Mas, um dia, poderia começar a fotografar. Ou:- Adoro tectos altos - dizia a encantada Lexie. - Sempre sonhei com um=quarto de tecto alto.- Mas o quarto é minúsculo. Mal conseguiríamos meter aqui uma =cama de

casal.- Eu sei. Mas já viste como o tecto é alto?Acabaram por encontrar uma casa. Ou melhor, um lugar que Lexie adorou;=ele, por seu lado, continuava sem ter a certeza. Uma casa de estilo=georgiano, em tijolo, com dois pisos e uma varanda descoberta de ondese =via toda Boone Creek, além da configuração interior também =ser doagrado dela. À venda havia dois anos, o preço era uma =pechincha, ou umroubo, segundo os padrões de Nova Iorque, mas estava =a precisar degrandes reparações. No entanto, quando Lexie =insistiu numa terceiravisita, até Mrs. Reynolds, a agente =imobiliária, sabia que o iscoestava armado e que havia um peixe =esfomeado a nadar nas proximidades.Uma senhora magra, de cabelo =grisalho, ostentava um sorriso de auto-satisfação naquela sua =carinha de rato ao assegurar a Jeremy que areparação "não =custaria mais do que o preço de compra da casa".- Fantástico! - exclamou ele, a calcular mentalmente se a conta=bancária daria para cobrir tudo.- Não se preocupe - acrescentou Mrs. Reynolds. - É perfeita para =umcasal jovem, especialmente se têm planos para aumentar a =família.Casas como esta não aparecem todos os dias.Na realidade, aparecem, pensou Jeremy. Qualquer pessoa poderia ter=comprado aquela casa durante os últimos dois anos.Estava prestes a fazer um comentário acerca disso quando reparou que=Lexie vinha a afastar-se da escada.56- Posso dar mais uma volta pelo andar de cima? - indagou.Mrs. Reynolds voltou-se, a esboçar um sorriso, sem dúvida a pensar =nacomissão. - É claro que pode, minha querida, até vou =consigo. A

propósito, não estará a pensar em aumentar a =família? Porque, seestiver, tem de ver o sótão. Serve para uma =fantástica sala debrinquedos.Ao ver Mrs. Reynolds a acompanhar Lexie pela escada acima, ficou a=magicar se ela, por qualquer razão, não se teria apercebido de que=Lexie e ele já haviam passado a fase da reflexão no que respeitava =aoaumento da família.Tinha dúvidas. Lexie continuava a desejar manter a gravidez =encoberta,pelo menos até ao casamento. Só Doris sabia, uma ideia =que não oafectava minimamente, se excluísse o facto de nos =últimos tempos se

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ter visto envolvido em conversas que preferia que =ela tivesse com asamigas. Acontecia-lhe, por exemplo, Lexie estar =sentada no sofá,voltar-se de súbito para ele e disparar: "depois =do parto, voucontinuar com o útero inchado durante semanas", ou, ="acreditas que ocolo do útero vai dilatar-se dez centímetros? =".Desde que ela começara a ler livros sobre a gravidez, Jeremy tinha de=ouvir com demasiada frequência palavras como placenta, umbilical e

=hemorróidas, se ela resolvesse dizer que os mamilos iam ficar em=ferida durante a amamentação, "a ponto de sangrarem!", não =tinhadúvidas de que se veria obrigado a sair da sala. Como sucede =com amaioria dos homens, tinha apenas conhecimentos bastante vagos, e=interesse ainda menor, sobre como se desenrolava aquele processo da="criança que está a crescer dentro de ti"; regra geral, Jeremy =estavabastante mais preocupado com o acto específico que, antes de =tudo,desencadeia o processo. Ora, sobre isso não se importava de =conversar,especialmente no caso de ela estar a olhá-lo por cima de =um copo devinho, numa sala iluminada com velas, a fazer uso daquela sua =vozsensual.O problema era que ela lançava aquelas palavras pela boca fora como =seestivesse a ler a lista de ingredientes numa caixa de cereais, o que,

=em vez de o deixar mais excitado com o que estava a acontecer, o fazia=quase sempre sentir-se agoniado.Apesar daquelas conversas, sentia-se entusiasmado. Havia algo de=excitante no facto de Lexie trazer dentro dela a filha dele. Para ele,=era um motivo de orgulho pensar que dera o seu contributo para a=preservação da espécie, que cumprira o seu papel de criador de =vida;um sentimento tão importante que, de facto, passava metade do =tempo adesejar que Lexie não o tivesse obrigado a manter o =segredo.57Perdido em cogitações, levou um segundo a aperceber-se de que =Lexie eMrs. Reynolds vinham a descer a escada.- E esta! - exclamou Lexie, radiante ao pegar-lhe na mão. - Podemos=comprá-la?Jeremy sentiu o peito inchar um pouco, mesmo que já se tivesse=apercebido de que a operação o obrigaria a dispor de uma parte=substancial da sua carteira de investimentos. - Se é o que queres=concedeu, alimentando a esperança de que ela reparasse no tom=magnânimo que utilizou.Assinaram os documentos nessa mesma tarde; a oferta deles foi aceite na=manhã seguinte. Por ironia, poderiam usar a casa a partir de28 de Abril, o mesmo dia que ele destinara para estar em Nova Iorque=para a sua festa de despedida de solteiro. Só mais tarde tomou=consciência do facto de, durante o último mês, se ter tornado =umapessoa totalmente diferente.58CINCO- Ainda não reservaste uma data no farol? - perguntou Lexie. Estavam

=na última semana de Março e, acabado o dia de trabalho,ia a dirigir-se para o carro na companhia de Jeremy.- Já tentei - explicou ele. - Mas não imaginas o que é tratar =comaquela gente. Metade das pessoas só fala comigo depois de me =obrigar apreencher formulários, a outra metade parece estar de =férias. Nemsequer consegui perceber o que é necessário =fazer.Lexie acenou com a cabeça. - Quando conseguires ter tudo pronto=estaremos em Junho.- Hei-de arranjar uma solução - prometeu Jeremy.- Sei que sim. Mas preferia que não se notasse e estamos quase em

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=Abril. Não penso que consiga aguentar até Julho. As calças =estão aficar-me apertadas e acho que já tenho o rabo a ficar =maior.Jeremy vacilou, sabendo que estava à beira de um campo minado onde =nãodesejava pôr os pés. Era um assunto que nos últimos dias =tinha vindo aemergir com maior frequência. Falar verdade ("bom, é =claro que tens orabo a ficar maior... estás grávida!") =significaria uma semana inteiraa dormir no Greenleaf.

- Para mim, estás exactamente como dantes - arriscou. Lexie assentiu,=ainda perdida em reflexões. - Fala com o presidente da Câmara -=sugeriu.Jeremy olhou para ela, mantendo o ar sério. - Ele pensa que o teu =raboestá a ficar maior?- Não! Sobre o farol! Tenho a certeza de que poderá =ajudar-nos.- Está bem - anuiu Jeremy, a fazer o possível para não se =rir.- É o que vou fazer.59Deram mais alguns passos e ela acabou por lhe dar um toque com o ombro,=por brincadeira. - E o meu rabo não está a crescer.- Não, é claro que não.Como era habitual, a primeira paragem no caminho para casa era para

irem =verificar o andamento dos trabalhos de remodelação da casa.Embora oficialmente só tomassem posse dela em finais de Abril, o=proprietário, que a tinha recebido por herança mas vivia noutro=estado, deixara que iniciassem os trabalhos, uma tarefa a que Lexie se=entregara com entusiasmo. Como praticamente conhecia toda a gente da=terra, incluindo carpinteiros, canalizadores, ladrilhadores,=instaladores de telhados, pintores e electricistas, além de ter=gravada na mente a imagem da casa acabada, foi ela quem tomou à sua=conta a execução do projecto. Jeremy limitava-se a passar os =cheques,o que, tendo em conta que não quisera encarregar-se =pessoalmente dasobras, lhe parecia uma justa divisão de tarefas.Embora não soubesse muito bem o que queria, não era certamente =aquilo.Uma equipa completa tinha estado a trabalhar durante toda a =semanaanterior e lembrava-se de ter ficado espantado com o que haviam=conseguido fazer logo no primeiro dia. A cozinha tinha sido=destruída, havia telhas empilhadas no relvado da frente, as alcatifas=e algumas janelas tinham sido removidas. De uma ponta à outra da casa=havia enormes montes de entulho, mas, depois disso, começara a=acreditar que a única coisa que os operários faziam era mudar o=entulho de um lugar para outro. Mesmo quando passava por lá durante o=dia para verificar o andamento dos trabalhos, não lhe parecia que=houvesse alguém a trabalhar. Sentados em círculos a beber café,=talvez, ou a fumar no alpendre das traseiras, pois com certeza, mas a=trabalhar! Pelo que conseguia entender, pareciam estar sempre à=espera de uma entrega de materiais ou do regresso do empreiteiro, ou=apenas a "descansar um pouco". Não é necessário dizer que a =maioriados trabalhadores era paga à hora, pelo que Jeremy, no seu =caminho de

regresso ao Geenleaf, nunca deixava de sentir um certo =pânico denatureza financeira.Lexie, pelo contrário, parecia bastante contente com os progressos e=reparava em pormenores que a ele escapavam por completo. - Notaste que=já começaram a electrificar o primeiro andar? - ou - Vi que=instalaram a nova canalização por dentro das paredes, o que nos=permitirá colocar o lava-louça por baixo da janela.- Pois, também reparei - era a resposta habitual de Jeremy.60Para além dos cheques para o empreiteiro, continuava a não =escrever,

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mas, para não ser tudo mau, estava praticamente convencido =de que ofacto de não escrever não se devia a qualquer bloqueio =mental;tratava-se, isso sim, de uma sobrecarga mental. As mudanças =sucediam-se, não apenas as mais óbvias, pois havia outras pequenas =coisas. Porexemplo, sempre acreditara que tinha um bom gosto inato =quanto avestuário, embora sem disfarçar o estilo nova-iorquino; =muitas dassuas ex-namoradas elogiavam com frequência o aspecto dele. =Era desde

há muito assinante da revista GQ, preferia calçado Bruno =Magli ecamisas de confecção italiana. Porém, aparentemente =Lexie tinhaopiniões diferentes e parecia apostada em modificar tudo. =Duas noitesantes, tinha-o surpreendido com uma caixa embrulhada em =papel própriopara ofertas e ele sentira-se comovido com a =preocupação dela... pelomenos até desembrulhar a prenda.Dentro da caixa havia uma camisa aos quadrados. Aos quadrados. Como as=que os lenhadores usam. E umas calças de ganga Levi's. Obrigado -=agradeceu, contrafeito.Lexie ficou a olhar para ele. - Não te agradam.- Não, não... é claro que me agradam - mentiu, não queria =ferir-lhe ossentimentos.- Não pareces dizer isso com convicção.

- Gosto, de verdade.- Achei que devias ter qualquer coisa no teu guarda-roupa que te=permitisse não destoar dos rapazes.- Que rapazes?- Os rapazes da vila. Os teus amigos. Em caso de... sei lá, quereres=jogar póquer, ir à caça ou à pesca.- Não jogo póquer. Não sou caçador nem pescador - =contrapôs, mas, derepente, apercebeu-se de que também não =tinha amigos. Por estranho quefosse, nunca tinha reparado.- Eu sei. Mas, um dia, poderás querer fazer qualquer dessas coisas. =Éo que os rapazes daqui fazem com os amigos. Sei, por exemplo, que o=Rodney se junta uma vez por semana com os amigos e jogam póquer; e o=Jed é talvez o mais bem-sucedido caçador de todo o concelho.- O Rodney ou o Jed? - perguntou, tentando, sem conseguir, adivinhar o=que seria passar uma ou duas horas com qualquer deles.- O que é que o Rodney ou o Jed têm de mal?- O Jed não gosta de mim. E penso que com o Rodney aconteceo mesmo.61- Isso é ridículo. Como é que poderiam não gostar de ti? Mas =dou-teuma sugestão: por que não vais amanhã falar com a Doris? =Ela pode terideias melhores.- Póquer com o Rodney? Ou caçadas com o Jed? Podes crer que pagava=para ver! - gritou Alvin para o telefone. Como Alvin tinha filmado as=luzes misteriosas do cemitério, sabia perfeitamente de quem Jeremy=estava a falar, tinha bem viva a lembrança de ambos. Rodney tinha-o=metido na cadeia com uma acusação sem sentido depois de ele ter

=estado a namoriscar Rachel no Lookilu; e Jed assustava-o tanto quanto=assustava Jeremy. - Estou a ver... tu a deslizares pela floresta comos =teus sapatos Gucci e camisa de lenhador...- Bruno Magli - corrigiu Jeremy. Era noite, encontrava-se no Greenleaf,=mas ainda não deixara de reflectir no facto de ainda não ter feito=amigos.- Ou isso - anuiu Alvin, com nova gargalhada. - Que coisa=fantástica... o rato da cidade torna-se rural, tudo porque a sua=querida a isso o obrigou. Tens de me informar do dia em que vai=acontecer. vou aí de propósito e levo a máquina fotográfica =para

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registar o momento para a posteridade.- Deixa estar - resmungou Jeremy. - Dispenso!- Mas ela tem razão num aspecto. Precisas de ter aí alguns amigos. =Oque me faz recordar... lembras-te daquela rapariga que conheci?- A Rachel?- Sim, essa mesmo. Costumas vê-la?- Às vezes. De facto, como é uma das damas de honor, também a =verás.

- Como é que ela está?- Acredites ou não, agora namora o Rodney.- O ajudante com a mania dos músculos? Merecia melhor. Mas, olha =lá,tenho uma ideia. Talvez pudéssemos sair todos, os dois casais. =Almoçono Herbs, talvez uma pequena conversa na varanda...Jeremy soltou uma gargalhada. - Pelo modo como falas, devias adaptar-te=bem aqui. Conheces todas as coisas interessantes que há para =fazer.- Eu sou assim. O "Senhor Adaptado". Mas se vires a Rachel dá-lhe=cumprimentos meus e diz que estou ansioso por voltar a vê-la.- Está bem.- E a escrita, como é que vai? Não sentes ânsias de procurar =uma novahistória?62

Jeremy remexeu-se na cadeira - Bem gostaria.- Não tens escrito?- Nem uma palavra desde que vim para aqui - confessou. com o casamento,=a casa e a Lexie não me sobra um minuto.Houve uma pausa. - Vamos lá esclarecer isto. Não tens escrito =nada,nem para a tua coluna regular?- Não.- Tu adoras escrever.- Eu sei. E voltarei a escrever logo que a poeira assente. Jeremy=conseguia sentir o cepticismo com que o amigo encarava aresposta. - bom - acabou Alvin por dizer, - quanto à festa de=despedida de solteiro... vai ser impressionante. Toda a gente daquivai =alinhar e, como prometi, vai ser uma noite que nunca esquecerás.- Só quero que te lembres... nada de dançarinas. Também não =quero umamulher em trajes menores a sair de dentro de um bolo.- Deixa-te disso. É uma tradição!- Estou a falar a sério. Estou apaixonado, recordas-te?- A Lexie preocupa-se contigo - garantiu Doris. - Quer o melhor para=ti.Doris e Jeremy estavam a almoçar no Herbs, no dia seguinte. Como =quasetodos os clientes habituais já tinham almoçado, o =restaurante estava aficar vazio. Como era costume, Doris tinha =insistido que comessemjuntos; sempre que se encontravam, afiançava =que Jeremy era apenas"pele e osso", pelo que hoje ele estava a saborear =uma sanduíche degalinha com molho pesto em pão de centeio.- Não há motivos de preocupação - protestou. - Há apenas =muitas coisasa suceder ao mesmo tempo, mais nada.

- Ela sabe isso. Mas também deseja que te sintas bem, como se fosses=de cá. Que te sintas feliz aqui.- Sou feliz aqui.- Sentes-te feliz por estares com a Lexie; e ela sabe isso. Mas tens de=perceber que, lá no fundo, ela deseja que sintas por Boone Creek o=mesmo que ela sente. Não quer que vivas aqui por causa dela, quer que=vivas cá por ser aqui que estão os teus amigos. Por sentires que=pertences a esta terra. Ela reconhece que fizeste um sacrifício ao=deixares Nova Iorque, mas não quer que penses assim.- Não penso. Acredite, seria o primeiro a dizer-lhe se sentisse isso.

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=Mas... por amor de Deus... o Rodney ou o Jed?- Acredites ou não, passarás a considerá-los bons tipos desde =que osconheças, além de Jed ser o melhor contador de anedotas que =eu já63ouvi. Mas, se não te divertes da mesma maneira que eles, tudo bem,=talvez eles não sejam os amigos mais adequados para ti - admitiu, a=levar um dedo aos lábios, a pensar. - O que é que fazias com os =teus

amigos de Nova Iorque?"Andava pelos bares na companhia do Alvin, namoriscava as mulheres",=pensou Jeremy. - Ora... coisas de homens - confessou. íamos ao=futebol, jogávamos bilhar uma vez por outra. Fazíamos companhia =unsaos outros. Tenho a certeza de que poderei fazer amigos, mas, como=disse, por agora estou demasiado ocupado.Doris avaliou a resposta. - A Lexie diz que não tens escrito.- Pois não.- E por causa da...- Não, não - negou, enquanto abanava a cabeça. - Não tem =nada a vercom a sensação de estar deslocado, ou algo do =género. Escrever não éum trabalho como os outros. Não se =trata apenas de ir para oescritório e fazer umas coisas. É uma =questão de criatividade, de ter

ideias e por vezes... bom, acontece =que a pessoa não se senteinspirada. Contudo, se aprendi alguma coisa =na minha actividade dequinze anos de escrita, é que a =inspiração acabará por voltar.- Não te surgiu uma ideia qualquer?- Nada de original. Imprimi centenas de páginas do computador da=biblioteca, mas sempre que parece surgir uma ideia, apercebo-me de que=já escrevi sobre aquele tema. Quase sempre mais de uma vez.Doris reflectiu sobre o assunto. - Gostarias de utilizar o meu =diário?- perguntou. - Sei que não acreditas no que lá está, =por isso talvezpudesses... Sei lá, escrever um artigo sobre a =investigação quefizeres do caso.Estava a falar do diário que compilara, em que afirmava ser capaz de=prever o sexo dos bebés. Naquelas páginas havia registos de =centenasde nomes e datas, incluindo aquele em que previa que Lexie =seria umarapariga.Para ser franco consigo, Jeremy tinha de reconhecer que já pensara em=usar o diário; Doris já lhe fizera a oferta, mas embora =inicialmentea tivesse rejeitado por saber que os dons dela não =podiam serverdadeiros, nos últimos tempos a rejeição devia-se =ao facto de nãoquerer que as suas ideias entrassem em choque com os =sentimentos deDoris. Ela ia fazer parte da sua família.- Não sei...- Não há pressa. Podes tomar a decisão mais tarde, depois de o =teresestudado. E não te preocupes, prometo que sou capaz de lidar =com afama, caso venhas a decidir escrever um artigo sobre o =diário.64Não tens de estar preocupado com isso. Serei a mesma mulher sedutora

=que sempre fui. Tenho-o no escritório. Espera um pouco.Antes de Jeremy poder contrariá-la, levantou-se e caminhou na =direcçãoda cozinha. Entretanto, a porta da frente rangeu ao ser =aberta paradar passagem ao presidente da Câmara.- Jeremy, meu rapaz! - exclamou Gherkin ao aproximar-se da mesa. Deuuma =palmada nas costas de Jeremy. - Não esperava vê-lo por aqui.=Pensei que andasse a colher amostras de água, à procura de =indíciospara solucionar o nosso mistério mais recente.As lampreias.- Lamento desapontá-lo, senhor Presidente. Como é que tem =passado?

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=chegar. Gherkin tinha jeito para levar as pessoas a fazerem o que ele=pretendia, mas levando-as a pensar que a ideia partira delas. Era=óbvio que, em troca de lhe conseguir a autorização de uso do =farol,pretendia ver resolvido aquele seu problema do rei da festa; a =únicadúvida era saber se Jeremy estava disposto a alinhar. Não =queria,francamente, mas ele e Lexie precisavam de marcar o =casamento.Respirou fundo. - Talvez eu possa ajudar. O que é que pretende?

Gherkin levou a mão ao queixo, a dar a entender que o destino do =mundoestava dependente da solução daquele dilema muito =especial.- bom, podia ser qualquer coisa, suponho. Só estou à procura de um=nome conhecido, de alguém que faça as pessoas abrir a boca de =espantoe que traga até cá as multidões de fora.66- E se eu conseguisse encontrar alguém? Em troca, como é evidente, =dasua ajuda para obter a autorização?- bom, é uma boa ideia. Nem sei como não me ocorreu. Dê-me um=bocadinho para pensar - pediu Gherkin, a bater com um dedo no queixo=durante uns momentos. - Pois bem, acho que pode resultar. Quero dizer,=partindo do princípio de que consegue arranjar a pessoa certa. Em que=género de pessoa é que está a pensar?

- Ao longo de anos entrevistei muita gente. Cientistas, professores,=vencedores do Prémio Nobel...O presidente da Câmara não parava de acenar com a cabeça, mas =Jeremycontinuou.- Físicos, químicos, matemáticos, exploradores, astronautas... =Gherkinarregalou os olhos. - Você disse astronautas? Jeremy =assentiu. - Ostipos que tripulam o vaivém espacial. Háalguns anos publiquei um grande artigo acerca da NASA e fiquei amigo de=uns quantos. Podia telefonar-lhes...- Estamos de acordo! - exclamou Gherkin, estalando os dedos.- Já estou a ver os cartazes: "Festival das Garças: Onde o =Espaço Vematé à Sua Porta! ". Um tema desses dá para todo o =fim-de-semana. Nãoum concurso de tartes, mas um concurso de tartes =lunares; podemosarranjar os carros alegóricos de forma a parecerem =foguetões esatélites...- tom, estás outra vez a maçar o Jeremy com aquela história =ridículadas lampreias? - indagou Doris ao regressar à sala, com o =diáriodebaixo do braço.- Não, senhora - respondeu Gherkin. - Aqui o Jeremy mostrou-se muito=simpático e ofereceu-se para encontrar um rei para a parada deste=ano; até me prometeu um astronauta a sério... Como tema para a =festa,o que é que pensas do espaço?- Uma inspiração - respondeu Doris. - Um golpe de génio.- O presidente da Câmara pareceu inchar um bocadinho. - Pois é, =tenstoda a razão. Gosto da tua maneira de ver as coisas. Ora bem, =Jeremy,em que fim-de-semana é que pensa celebrar o casamento? No =Verão émuito difícil, com aqueles turistas todos.

- E se for em Maio?- No início ou no fim?- Não importa - respondeu Jeremy. - Desde que tenhamos uma data,=estará tudo bem. Contudo, se puder ser, preferimos no início do =mês.67- Cheios de pressa, não é? Bem, considere o problema resolvido. E =ficoansiosamente à espera de notícias desse astronauta; =informe-me logoque falar com ele.com um rápido rodar sobre os calcanhares, Gherkin caminhou para a=saída e Doris vinha a sorrir quando voltou a sentar-se. Derrotado

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=outra vez, hein?- Não, percebi o que ele pretendia, mas a Lexie tem andado ansiosa=acerca da autorização.- Mas, fora isso, os preparativos estão a decorrer como previsto?- Julgo que sim. Temos as nossas diferenças, ela pretende uma=cerimónia pequena e íntima, eu digo-lhe que, se toda a minha =famíliaresolver vir até cá, não haverá hotéis =suficientes para a acomodar

toda. Quero que venha o meu agente, o Nate; =ela replica que seconvidamos um amigo temos de convidar todos os =outros. Questões dessegénero. Mas vamos ultrapassá-las. Seja o =que for que acabemos pordecidir, a minha família compreenderá; =já falei com os meus irmãos.Não lhes agrada a ideia, mas =compreendem.Doris ia dizer qualquer coisa, mas Rachel irrompeu pela porta dafrente, =de olhos vermelhos e inchados. Respirou fundo, pelo nariz, aover Doris =e Jeremy, parou um instante e encaminhou-se para o fundo dacasa. Jeremy =notou sinais de verdadeira preocupação no rosto de Doris.- Julgo que ela precisa de uma pessoa com quem possa desabafar- observou. - Se não te importas...- Não, falaremos dos preparativos do casamento noutra altura.- Muito bem... obrigada - agradeceu Doris, ao empurrar o diário na

=direcção dele. - E leva isto. É uma grande história. Não =conseguirásencontrar quaisquer truques porque não os há.Jeremy aceitou o diário com um aceno de compreensão, ainda sem =saberse iria ou não utilizá-lo.Dez minutos depois, Jeremy gozava o sol da tarde e, quando se dirigia=para a vivenda que ocupava no Greenleaf, reparou no escritório.=Depois de hesitar um pouco, caminhou naquela direcção e empurrou a=porta. Não havia sinais de Jed, o que significava que ele poderia=estar na barraca erguida numa ponta da propriedade, o lugar onde fazia=os seus trabalhos de taxidermista. Jeremy hesitou uma vez mais, a=pensar. Por que não? Bem poderia tentar quebrar o gelo, pois Lexie=afirmara que o homem falava. Encaminhou-se para a barraca através do=caminho cheio de sulcos. O cheiro a morte e a putrefacção =atingiu-oainda antes de empurrar a porta.68No centro da divisão havia uma comprida mesa de trabalho; era de=madeira e estava coberta de nódoas que, pensou Jeremy, deveriam ser=de sangue; espalhadas por ali, viu dezenas de facas e ferramentas=diversas: grampos, furadores e alguns dos mais medonhos alicates e=bisturis que alguma vez vira. Encostados às paredes, alinhados em=prateleiras e amontoados nos cantos viam-se inúmeros exemplares do=trabalho de Jed; havia de tudo, desde peixes a pequenos marsupiais e=veados, todos com a sua marca: estavam montados de maneira a parecerem=prestes a atacar o que quer que fosse. À esquerda de Jeremy havia uma=espécie de balcão onde se procedia às transacções. O =balcão também seencontrava coberto de nódoas; começou a =sentir-se agoniado.Envergando um avental de carniceiro, enquanto trabalhava num porco

=selvagem, Jed ergueu os olhos quando Jeremy entrou. Imobilizou-se.- Olá, Jed, como está? Jed manteve-se calado.- Pensei passar por aqui para ver o seu local de trabalho. Não me=lembro de ter manifestado o meu interesse, mas acho o seu trabalhomuito =curioso.Esperou para ver se Jed se dignaria a dizer alguma coisa. Mas o outro=limitou-se a olhá-lo, como se o considerasse um simples insecto que=se tivesse esmagado contra o pára-brisas.Jeremy tentou de novo, procurando ignorar que Jed era um ser enorme e=peludo, que empunhava uma faca e não parecia muito bem-disposto.

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=Prosseguiu: - É que você consegue que eles pareçam zangados, de=dentes à mostra, prontos a atacar. Nunca tinha visto nada de=semelhante. No Museu de História Natural, em Nova Iorque, a maioria=dos animais tem um ar amigável. Os seus parecem raivosos, ou algo=parecido.Jed enrugou a testa, em sinal de desagrado. Jeremy teve a sensação =deque aquela tentativa de estabelecer conversa não estava a =resultar.

- A Lexie diz que é também um grande caçador - prosseguiu, sem=conseguir perceber o motivo de, subitamente, o interior da barraca lhe=parecer tão quente. - Confesso que nunca cacei. Em Queens, os =únicosbichos que havia para caçar eram os ratos - acrescentou, a =rir-se, masJed não o acompanhou. No silêncio que se seguiu, =Jeremy achou queestava a sentir-se cada vez mais nervoso. - Quero =dizer, não tínhamosveados a correr pelas ruas ou coisa que o =valha. Contudo, mesmo quetivéssemos, é provável que eu não =conseguisse atirar contra eles.Compreende, depois de ver o Bambi e isso =tudo.69Sem tirar os olhos da faca que Jed empunhava, Jeremy apercebeu-se deque =começava a dizer coisas sem nexo, mas não parecia ser capaz de=parar.

- É que eu sou assim. Não que eu pense haver algo de errado na =caça, éclaro... Há a NRA [National Rifle Association], a =Declaração dosDireitos, a Segunda Emenda, apoio tudo isso. Isto =é, a caça é umatradição americana, não é verdade? =Alinhar o veado com a mira e pum! Opobre diabo tomba.Jed passou a faca de uma mão para a outra. Jeremy engoliu em seco; =jásó desejava pôr-se a andar dali para fora.- bom, só passei por aqui para o cumprimentar. E boa sorte com... =bem,com o trabalho que tiver entre mãos. Mal posso esperar para ver =oresultado. Tem algumas mensagens? - indagou, a mudar o peso do corpo=de um pé para o outro. - Não? Então, obrigado. Tive muito gosto =emfalar consigo.Jeremy sentou-se à mesa do quarto e ficou a olhar um ecrã em =branco, atentar esquecer-se do que acabara de acontecer com Jed. =Desejavadesesperadamente pensar em qualquer assunto sobre o qual =pudesseescrever mas, pouco a pouco, chegou à conclusão de que a =fonte tinhasecado.Acontecia a todos os escritores, em certas alturas; sabia disso e=também sabia que não existia qualquer cura mágica, pois todos =osescritores tinham uma forma pessoal, algo diferente, de encarar a sua=arte. Uns escreviam pela manhã, outros faziam-no durante a tarde,=outros, ainda, só trabalhavam de noite. Alguns escreviam com =músicade fundo, outros necessitavam de silêncio absoluto. Sabia =de umescritor que, segundo constava, escrevia despido, fechado à =chave noescritório, e dava instruções à assistente para =não lhe devolver aroupa enquanto ele não lhe tivesse passado =cinco folhas por debaixo daporta. Sabia de outros que viam o mesmo =filme vezes sem conta e havia

quem só conseguisse escrever depois de =ter bebido ou fumado emexcesso. Jeremy não era tão excêntrico; =no passado, escrevia aqualquer hora, em qualquer lugar, sempre que =havia necessidade de ofazer; não podia, portanto, normalizar a =situação com uma simplesmudança de hábitos.Embora ainda não sentisse verdadeiro pânico, começava a ficar=preocupado. Andava há mais de dois meses sem escrever uma linha mas,=graças ao programa de publicação da revista, era habitual =dispor deum avanço de seis semanas e tinha crónicas já =escritas, que dariam atéJulho. Eram uma garantia de que ainda =dispunha de algum espaço

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No sítio de Randi havia a colecção habitual de histórias, de=acontecimentos supostamente mágicos, tudo apimentado pela =descrençado autor, mas passadas umas horas desligou, percebendo que =nãoprosseguiria o estudo de casos que não tivesse começado a =investigar.Consultou o relógio, viu que eram quase cinco da tarde e ficou a=pensar se ainda poderia passar pela casa para avaliar o progresso das=obras. Talvez tivessem movido algum monte de entulho ou algo do

=género, qualquer coisa que pudesse dar uma indicação de que o=projecto seria completado durante o ano em curso. A despeito do fluxo=interminável de facturas, Jeremy começava a duvidar de que alguma =vezpudessem habitar a casa. O que antes parecera controlável =mostrava-seagora uma tarefa medonha, pelo que decidiu não passar por =lá. Nãohavia motivo para piorar um dia triste, para o tornar =ainda maislúgubre.Em vez disso, decidiu ir à biblioteca para ver como é que Lexie=estava. Vestiu uma camisa lavada, passou a escova pelo cabelo e pôs=um pouco de água de colónia; minutos mais tarde, estava a passar =peloHerbs, a caminho da biblioteca. com o avançar da Primavera, os=arbustos e as azáleas começavam a ficar fracos e cansados, mas =juntoàs paredes dos prédios e na base dos troncos das árvores, =os narcisos

e as túlipas começavam a abrir, com cores ainda mais =garridas. A brisamorna do sul tornava o tempo mais parecido com o do =começo do Verão doque com o do final de Março, um daqueles =dias que levava multidões atéao Central Park.Pensou se não deveria parar e comprar flores para Lexie, acabando por=decidir que seria melhor. Havia apenas uma florista na terra, numaloja =onde também se vendia isco e instrumentos de pesca;72apesar de a escolha não ser abundante, saiu da loja minutos depois=trazendo um ramo de flores primaveris que certamente Lexie ia =adorar.Chegou à biblioteca poucos minutos mais tarde, mas ficou de ar=carrancudo ao verificar que o carro de Lexie não estava no lugar=habitual. Erguendo o olhar para a janela do gabinete dela, verificouque =as luzes estavam apagadas. Pensou que a encontraria no Herbs evoltou =para trás. Procurou, não encontrou o carro e resolveu passarpor =casa dela; talvez tivesse saído mais cedo. Era provável que=tivesse qualquer coisa a tratar ou de ir às compras.Fez inversão de marcha e voltou para o centro, pelo mesmo caminho,=sempre a baixa velocidade. Quando reparou no carro de Lexie, arrumado=perto de um Dumpster, nas traseiras da loja das pizas, travou a fundoe =arrumou o carro ao lado do dela, calculando que Lexie teriaaproveitado =aquele dia maravilhoso para um passeio pela esplanada.Pegou nas flores e caminhou por entre os prédios, com a ideia de a=surpreender, mas ao virar a esquina parou abruptamente.Lexie estava lá, como ele esperava. Estava sentada no banco de onde =sevia o rio, mas o que o fizera parar fora o facto de ela não estar=sozinha.

Estava sentada ao lado de Rodney, quase aninhada de encontro a ele. De=trás, era difícil ver mais do que isso. Jeremy recordou a si =próprioque eles eram apenas amigos. Conheciam-se desde a infância =e, pormomentos, isso bastou para o sossegar.Até que eles se mexeram no banco. E Jeremy apercebeu-se de que =estavamde mãos dadas.73SEISJeremy sabia que não devia preocupar-se com o que vira. Lá no =fundo,sabia que Lexie não estava interessada em Rodney, mas na =semana

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seguinte, já em Abril, deu consigo a matutar sem descanso na =cena aque tinha assistido. Mesmo depois de ter perguntado a Lexie se =tinhaacontecido algo de anormal naquele dia, a resposta que obteve dela =foium não, que tinha passado a tarde na biblioteca. Embora pudesse=questioná-la um pouco mais por causa da mentira, não vira =necessidadede o fazer. Ela tinha ficado encantada com as flores e =beijara-o logoque ele lhas passou para a mão. Procurou encontrar =qualquer diferença

naquele beijo - se havia alguma hesitação ou =um prolongamento menoshabitual, como que para compensá-lo - mas =não sentiu nada de anormal.Nem houve nada de estranho na conversa =que mantiveram durante ojantar, ou no encantamento posterior, no =alpendre.Mesmo assim, não conseguia esquecer-se da imagem de Lexie de mãos=dadas com Rodney. Quanto mais pensava no assunto mais se convencia de=que eles pareciam um casal, embora também recordasse a si mesmo que a=ideia não fazia sentido. Lexie e Rodney não podiam andar a =encontrar-se em segredo. Ele passava a maior parte dos dias na =biblioteca,entregue às suas buscas, e passava os serões com =Lexie. Portanto, nãoconseguia acreditar que Lexie alguma vez =sonhasse com o que poderiater existido entre ela e Rodney, se Jeremy =não tivesse aparecido. Elacontara-lhe que, desde os tempos de =crianças, Rodney sempre tivera uma

paixão por ela, que uma vez por =outra tinham ido juntos a algumasfestas oficiais, mas que isso =pertencia ao passado. Lexie sempreresistira ao aprofundamento da =relação e Jeremy nem sequer imaginavaque ela mudasse agora de =ideias. Lexie pegara-lhe na mão, sem dúvida,mas isso não =significava que os seus sentimentos74em relação a Rodney se tivessem modificado. Por amor de Deus, =quantasvezes ele tinha pegado na mão da sua mãe! Podia tratar-se =de um sinalde afeição ou de apoio, uma maneira de lhe demonstrar =que estava aouvi-lo falar das suas mágoas. Numa relação como a =de Lexie e Rodney,poderia ter sido um gesto de consolo, pois ambos se =conheciam hámuitos anos.Não era de esperar que Lexie começasse a ignorar as pessoas que =tinhaconhecido durante toda a sua vida, pois não? Ou que deixasse de =sepreocupar com os outros? Para começar, não tinham sido aquelas=qualidades que o tinham feito apaixonar-se por ela? Era evidente que=sim. Lexie tinha uma maneira de levar as pessoas com quem falava a=pensar que eram o centro do mundo e, embora uma dessas pessoas fosse o=Rodney, tal não significava que ela estivesse apaixonada por ele. O=que, em resumo, significava que não tinha motivos para estar=preocupado.Então, por que carga de água continuava a pensar naquilo? E por =que,quando os viu, sentiu aquela pontada de ciúme?Porque ela lhe mentiu acerca do caso. Talvez uma mentira por omissão;=mas não deixava de ser uma mentira. Finalmente, incapaz de ficar=quieto mais um segundo, levantou-se da mesa, pegou nas chaves do carroe =dirigiu-se para a biblioteca.

Abrandou ao aproximar-se, viu o carro de Lexie arrumado no local=próprio e ergueu os olhos na direcção do gabinete dela. Ficou a=observar durante uns minutos, retomando a marcha logo que a viu de=relance. Apesar de qualificar de parvoíce aquela nova obsessão, =nãodeixou de suspirar de alívio. Repetiu a si mesmo, uma vez =mais, quenão havia motivos para estar preocupado, que fora =ridículo ao terposto a hipótese de Lexie estar noutro sítio =qualquer. O sentimento deque estava a ser parvo durou todo o caminho =até ao Greenleaf.Enquanto se instalava outra vez em frente do ecrã, pensava que ele e=Lexie estavam muitíssimo bem e censurou o seu próprio =comportamento,

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a suspeita, prometendo que arranjaria uma forma de a =compensar. Pensouque podia fazê-lo, que devia fazê-lo, mesmo que =nunca admitisse osmotivos. Talvez naquela noite a convidasse para =jantar numa terrapróxima.Para além de ficarem sentados no alpendre, não havia mais nada no=programa habitual, por isso decidiu que uma pequena mudança de ritmo=poderia ser benéfica para ambos. Mais do que isso, Lexie ficaria

=surpreendida com a atenção. Se alguma coisa aprendera no mundo do=namoro, era que as mulheres adoram surpresas e, tanto75melhor, se o jantar fora o aliviasse do sentimento de culpa por ter=andado a espiá-la.Sentiu-se satisfeito consigo mesmo. Ambos estavam a precisar de uma=noite especial. Até lhe comprara outro ramo de flores, além de ter=passado os vinte minutos seguintes a navegar pela Internet, à procura=de um bom lugar onde pudesse levá-la. Encontrou um e telefonou a=Doris a perguntar-lhe se já ouvira falar nele. A avó de Lexie=recomendou vivamente o restaurante; assim, depois de fazer a=marcação, meteu-se outra vez debaixo do chuveiro.Como ainda faltavam umas duas horas para ela sair do emprego, Jeremy

=voltou a sentar-se em frente ao computador, de dedos pousados no=teclado. Contudo, mesmo depois de ter passado quase todo o dia sentado=à secretária, apercebeu-se de que não estava mais capaz de =escreverdo que estivera pela manhã, ao saltar da cama.- Eu vi-te, hoje à tarde - disse Lexie, a espreitá-lo por cima da=ementa.- Quando?- Vi o carro a passar à frente da biblioteca. Onde é que ias?- Ah! - exclamou Jeremy, contente por ela não o ter visto a olhar na=direcção da janela. - Na verdade, ia sem destino. Andava por ali, =atentar desanuviar a cabeça, antes de ir sentar-me novamente em =frentedo computador.Surpreendida com o ramo de narcisos e a reserva para jantar fora, Lexie=mostrara-se excitada, como ele esperava. Mas, como não podia deixar=de ser, a excitação implicava uma ida a casa, para mudar de roupa =epreparar-se, o que significou um atraso de três quartos de hora na=partida. Quando chegaram ao restaurante Carriage House, nos arredoresde =Greenville, a mesa tinha sido ocupada e tiveram de ficar vinteminutos =no bar à espera de vaga.Lexie parecia relutante em fazer a pergunta que parecia óbvia, o que=fazia todo o sentido. Todos os dias lhe perguntava como é que estava=a decorrer o trabalho de escrita; e todos os dias recebia a mesma=resposta: não houvera qualquer alteração. Possivelmente, a =situaçãocomeçava a incomodá-la, da mesma maneira que o =afectava.- Tiveste alguma ideia? - arriscou.- Na verdade, tive algumas - mentiu Jeremy. Tecnicamente não era uma=mentira, tivera aquela ideia esquisita acerca da relação de Lexie =e

Rodney, mas sabia que ela não estava a referir-se a esse género =deideias.76- De verdade?- Continuo às voltas com elas, a ver onde me levam.Lexie ficou ainda mais bem-disposta. - Isso é fantástico, meu =querido.Nesse caso, temos de celebrar - decidiu, olhando em volta para =a salafracamente iluminada, para os empregados vestidos de branco e =preto,para as mesas com velas acesas, um ambiente de surpreendente=elegância. - A propósito, como é que descobriste um lugar como =este?

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Nunca aqui estive, mas sempre quis cá vir.- Bastou uma pequena busca - explicou Jeremy. - E a seguir telefonei =àDoris.- Ela adora este lugar - esclareceu Lexie. - Se tivesse tido=possibilidades, julgo que hoje dirigiria um restaurante como este, em=vez do Herbs.- Mas é necessário pagar as facturas, não é verdade?

- Exactamente. O que é que vais comer?- Estava a pensar no bife porterhouse - respondeu ele, a percorrer a=ementa com os olhos. - Não como um bom bife desde que saí de Nova=Iorque. E batatas gratinadas.- Olha lá, o porterhouse não são dois bifes? O entrecosto e o =lombo?- É por isso que me soa bem - declarou Jeremy, fechando a ementa, =já asentir água na boca. Ao olhar para ela, reparou que estava de =nariztorcido. - O que é que se passa?- Quantas calorias é que calculas que tem?- Não faço ideia. E também não me interessa.Ela forçou um sorriso e voltou a estudar a ementa. - Tens razão. =Senão comermos assim todos os dias, qual é o problema? Mesmo =tratando-sede... o quê? Uma libra, uma libra e meia de carne =vermelha? *

Jeremy sentiu a testa a enrugar-se. - Eu não disse que ia comer =tudo.- Não interessa, podes comer tudo. Não estou em situação de =poderdizer seja o que for. Come o que quiseres.- É isso que vou fazer - respondeu Jeremy, com ares de provocador. No=silêncio que se instalou, ela continuou a estudar a ementa e ele a=pensar no bife porterhouse. Era uma grande quantidade de carnevermelha, =saturada de colesterol e gordura. Os especialistas nãorecomendavam =que se comesse apenas uma dose de 90 gramas de cada* 1 libra - 453, 6 gramas. (NT)77vez? E este bife... quanto é que tinha? Cinco vezes mais? Oito vezes?=Dezasseis vezes mais. Chegava para uma família inteira.E depois, o que é que isso interessava? Era jovem e já decidira =fazerexercício no dia seguinte. Uma corrida, uma dose extra de =flexões. Emque é que estás a pensar?- Ainda não me decidi. Não tenho a certeza do que me apetece, mas =ouvou no atum cozido ou no peito de galinha estufado, com o molho à=parte. E vegetais cozidos a vapor.Jeremy já imaginava que ela escolheria um daqueles pratos. Qualquer=coisa ligeira e saudável. Manter-se-ia em forma e magra, embora se=encontrasse grávida, enquanto ele sairia do restaurante a caminhar=como um pato.Voltou a consultar a ementa e reparou como ela se esforçava por =fingirnão notar a indecisão dele. Uma prova de que estivera =realmente atentaaos gestos dele. Percorreu novamente a ementa e passou =para as secçõesde frutos do mar e de aves. Tudo lhe parecia =maravilhoso. Mas nadacomparável ao porterhouse. Voltou a fechar a =ementa, a pensar que

estava a sentir-se culpado sem motivo.Desde quando é que a comida se tornara um reflexo do carácter? Se=encomendasse comida saudável, era boa pessoa; se pretendesse um prato=não considerado saudável, passava a ser um malvado? Não tinha =umproblema de excesso de peso, pois não? Resolveu encomendar o bife=porterhouse, mas voltou a pensar que comeria apenas metade, talvezainda =menos. Também não se tratava de desperdício. Levaria as sobras=para casa. Sorriu interiormente, satisfeito com a decisão. Que viesse=o porterhouse!Quando o empregado de mesa se aproximou, Lexie mandou vir sumo de

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amoras =e peito de vitela estufado. Jeremy também se decidiu pelo sumode =amoras.- E para jantar?Sentiu os olhos de Lexie pousados nele. - O... atum - decidiu.- Cozedura média.Depois de o empregado se afastar, Lexie sorriu. - O atum?- Pois. Depois de o mencionares pareceu-me boa ideia. Insondável,

=Lexie limitou-se a encolher os ombros.- O que é agora?- É que este lugar é famoso precisamente pelos bifes. Tinha uma =certaesperança de que me deixasses provar um bocado do teu.Jeremy sentiu que os ombros lhe pesavam. - Na próxima vez - =prometeu.78Por mais que tivesse tentado, Jeremy ainda não descobrira a maneira =deconhecer as mulheres. Quando namorava, houve alturas em que lhe=parecia estar a aproximar-se desse conhecimento, em que pareciaprestes =a conseguir prever as mais subtis expressões e os maneirismosdelas, =para se aproveitar disso. Porém, como o jantar com Lexiedemonstrara, =ainda tinha muito que aprender.O problema não residia no pormenor de ter mandado vir atum em vez do

=bife porterhouse. Era mais grave que isso. O verdadeiro problemaresidia =na necessidade que os homens, ou a maioria deles, têm de ser=admirados por uma mulher; por conseguinte, os homens estão dispostos=a fazer quase tudo para o conseguir. E suspeitava de que as mulheres=ainda não tinham entendido totalmente este facto tão simples. Por=exemplo, as mulheres podem partir do princípio de que os homens que=passam muito tempo no emprego agem assim por considerarem o trabalho a=coisa mais importante das suas vidas, uma ideia totalmente errada.=Não é a questão do poder pelo poder - pois bem, para alguns =homenstalvez seja, mas estes serão a minoria -, é o facto de as =mulheresserem atraídas pelo poder pelas mesmas razões que levam =os homens ainteressar-se pelas mulheres jovens. São traços =definidos pelaevolução, características que passaram de =geração em geração, desde ohomem das cavernas. Uns anos =antes, escrevera uma crónica sobre asbases evolucionistas do =comportamento, apontando, entre outras coisas,que os homens eram =atraídos pelas mulheres jovens, bem feitas esedutoras, pois estas =tendiam a ser férteis e a gozar de boa saúde;por outras palavras, =o macho procurava criar uma descendência forte;quanto às =mulheres, também se sentiam atraídas por homenssuficientemente =fortes para poderem ser capazes de proteger esustentar a mulher e a sua =prole.Lembrava-se de ter recebido muitas cartas por causa desse artigo, mas o=mais estranho residia nas reacções que suscitara. Enquanto os =homenstendiam a concordar com a forma como representara a =evolução, asmulheres mostraram desagrado, por vezes veemente. Uns =meses depoisescreveu outro artigo, desta vez sobre as diferenças, =utilizandoexcertos das cartas como exemplos.

Contudo, mesmo que conseguisse objectivamente perceber que pedira oatum =por necessitar da admiração de Lexie, o que lhe daria, a ele,=maior poder, isso não o ajudava a decifrar o que ela pretendia, =alémde a gravidez estar a complicar ainda mais a situação. =Admitia nãosaber muito acerca de gravidezes, mas tinha uma certeza, =que residiano facto de as mulheres grávidas revelarem por vezes =apetênciasesquisitas. Lexie podia ter-se revelado uma excepção =em tudo o resto,mas Jeremy estava preparado para qualquer problema que =pudesse surgirnessa área. Os irmãos haviam-no prevenido para que =esperasse tudo; auma das cunhadas tinha apetecido salada de espinafres, =outra quisera

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=gato é que teve a culpa. Deveria dar-lhe apoio? Mesmo tendo matado o=gato, continuo a considerar-te uma excelente pessoa. Simultaneamente,=estava a passar em revista as suas recordações, a tentar perceber =sealguma vez houvera um gato na casa e, em caso afirmativo, qual seria =oseu nome. Ou como é que, passado tanto tempo, nunca o tinha visto.=Porém, num rasgo de inspiração, encontrou a resposta =perfeita.- Por que é que não me contas o que aconteceu? - sugeriu, tentando =que

a voz lhe saísse tranquilizadora.Graças a Deus, aquilo parecia ser exactamente o que ela desejava=ouvir, pois os soluços começaram a ser mais espaçados. Voltou a=assoar-se.- Estava a lavar a roupa e despejei o secador para o encher de novo -=recordou. - Sabia que ele gostava de sítios quentes, mas não me=lembrei de olhar lá para dentro e fechei a porta. Matei o Boots.Jeremy fixou o nome, Boots. Percebido. O gato chamava-se Boots. No=entanto, o nome não lhe tornava mais compreensível o resto da=narrativa.81Fez uma nova tentativa: - Quando é que isso aconteceu? Lexie =suspirou:- No Verão. Na altura em que estava a preparar-me para ir =para Chapei

Hill.- Ah, estamos a falar da altura em que foste para a universidade!- exclamou Jeremy com ar triunfante.Ela examinou-o, obviamente confusa e irritada. - E claro que estou.=Pensaste que eu estava a falar do quê?Jeremy sabia que o melhor era não responder. - Desculpa a =interrupção.Continua - pediu, a fazer o possível para falar =com voz amável.- O Boots era. o meu bebé - prosseguiu, em voz baixa. - Fora=abandonado e encontrei-o ainda pequenino. Enquanto frequentei a escola=secundária dormiu sempre na minha cama. Era tão bonito: pêlo=castanho-avermelhado e patas brancas; sabia que Deus mo tinha dadopara =que eu o protegesse. E foi o que fiz... até o fechar dentro do=secador.Pegou noutro lenço de papel. -Julgo que rastejou para dentro do=secador enquanto eu estava distraída. Como já acontecera antes,=costumava inspeccionar o interior do secador, mas, por qualquermotivo, =naquele dia não o fiz. Limitei-me a enchê-lo com roupamolhada, =fechei a porta e carreguei no botão - explicou. Recomeçou achorar =e prosseguiu, por entre soluços: - Eu estava no rés-do-chão...=meia hora depois... ouvi o... o... motor parar... e quando abri o=secador... encontrei-o...Em seguida, encostou-se a Jeremy e entregou-se a um chorodescontrolado. =Ele chegou-a mais para si, onde murmura palavras deapoio.- Não mataste o teu gato - garantiu-lhe. - Foi um acidente. O choro=aumentou de intensidade. - Mas... tu não... estás a perceber?- A perceber o quê?

- Que... vou ser... uma péssima mãe. Eu... que... fechei o meu =pobregato... no secador...- Limitei-me a abraçá-la e ela continuou a chorar - contou Jeremy=durante o almoço do dia seguinte. - Por mais que lhe assegurasse que=seria uma excelente mãe, não me deu ouvidos. Passou horas a =chorar.Não descobri nada que pudesse fazer para a consolar, até =queadormeceu. E, quando acordou, pareceu-me óptima.82- É da gravidez - explicou Doris. - Actua como um enorme =amplificador.Tudo se torna maior: o tronco, a barriga, os braços. E =também as

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emoções e as memórias. Uma vez por outra, a mulher =parece estar malucae por vezes faz as coisas mais extravagantes. Coisas =que nunca farianoutras circunstâncias.A explicação de Doris fê-lo rever a imagem de Lexie e Rodney de =mãosdadas e, por instantes, perguntou a si próprio se deveria =mencionar ofacto. Mas a ideia desapareceu tão depressa quanto tinha =aparecido.Doris pareceu notar qualquer coisa na expressão dele: - Jeremy?

=Sentes-te bem?Disse que sim com movimentos de cabeça. - Estou bem. Tenho muitas=coisas em que pensar.- Acerca da bebé?- Acerca de tudo. O casamento, a casa. Tudo. Há muito a fazer. =Podemosocupar a casa no final do mês e o Gherkin só conseguiu =autorizaçãopara o primeiro fim-de-semana de Maio. Estamos a =passar por um períodoesgotante - esclareceu, olhando para Doris, =sentada do outro lado damesa. - A propósito, obrigado pela ajuda que =prestou a Lexie nospreparativos do casamento.- Não precisas de me agradecer. Depois da nossa última conversa, =acheique era o mínimo que podia fazer. E, na verdade, não há =assim tantoque fazer. Farei o bolo e toda a comida para a =recepção no exterior

mas, para além disso, não fica muita =coisa, uma vez que consigas aautorização. As mesas do piquenique =ficam por minha conta, a floristaencarrega-se das flores, o =fotógrafo está contratado.- A Lexie contou-me que finalmente escolheu o vestido.- Escolheu. E também para a Rachel, que é a dama de honor.- Consegue disfarçar a barriga da Lexie?Doris soltou uma gargalhada. - Essa foi a única condição que =elaimpôs. Mas não te preocupes, vai muito bonita, mal =conseguirás notarque está grávida. No entanto, penso que as =pessoas já começam asuspeitar - sugeriu, indicando a Rachel, que =estava a limpar uma outramesa. - Julgo que ela sabe.- Como é que pode saber? Não lhe contou, pois não?- Não, é evidente que não. Mas uma mulher consegue descobrir =quandooutra está grávida. E, durante o almoço, tenho escutado =os murmúriosdos clientes. Como é óbvio, o facto de a Lexie ir =procurar83roupas de bebé na loja que o Gherkin tem na baixa não ajuda muito. =Aspessoas reparam nesse género de coisas.- A Lexie não vai ficar nada satisfeita ao ouvir isso...- Não se vai importar. Pelo menos, a longo prazo. E, além disso, =nãoacredita que possa realmente manter o segredo durante muito =tempo.- Isso significa que já posso informar a minha família?Doris hesitou e respondeu lentamente: - Quanto a isso, acho melhor=falares com a Lexie. Continua preocupada com a possibilidade de não=gostarem dela, especialmente por vocês se terem decidido por um=casamento tão simples. Sente-se mal por não poder convidar todo o =clã- explicou. Sorriu: - As palavras são dela, não são =minhas.

- Não haverá problemas - garantiu Jeremy. - Formam um clã. Mas =um clãque poderá ser controlado.Quando Doris pegou na chávena, Rachel veio até à mesa deles com =umbule de chá doce. - Querem que encha as chávenas? Jeremy =aceitou: -Obrigado, Rach. Ela encheu-lhe a chávena. - Andas =entusiasmado com ocasamento?- Bastante. Como é que correu a ida às compras com a Lexie?- Foi giro. Foi agradável sair daqui durante algum tempo. Mas acho =quecompreendes isso."Não tenhas dúvidas de que compreendo", pensou Jeremy. Oh, a

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=propósito, falei com o Alvin e ele mandou-te cumprimentos.- Ai mandou?- Disse que gostará de voltar a ver-te.Rachel ajeitou o avental. - Dá-lhe também cumprimentos meus. =Alguémquer mais um bocado de bolo de nozes? Julgo que ainda =há.- Não, obrigado - agradeceu Jeremy. - Estou cheio. Doris também=recusou. - Eu não quero.

Quando Rachel os deixou para se dirigir à cozinha, Doris pousou o=guardanapo e voltou a dar atenção a Jeremy. - Ontem passei pela =casa.Parece que as obras estão a andar bem.- Parece-lhe? Ainda não notei.- Vai estar pronta - afirmou Doris, reparando no tom com que ele falou.=- Por estas bandas, as pessoas podem trabalhar a ritmo mais lento mas,=no final, as coisas aparecem feitas.- Só espero que a casa esteja pronta antes de a bebé entrar para a=universidade. Acabámos de descobrir que as térmitas têm =provocadoalguns estragos.- Estavas à espera de quê? A casa é velha.84- É como a casa do filme Um Dia a Casa Vem Abaixo. Aparece sempre =mais

qualquer coisa que tem de ser reparada.- Podia ter-te avisado. Por que é que pensas que esteve tanto tempo =àvenda? E deixa que te diga: por mais cara que te fique, =continuará aser mais barata do que qualquer outra que esteja para =venda emManhattan, não é verdade?- Mas é mais frustrante.Doris observou-o. - Presumo que continuas a não escrever.- Desculpe?- Ouviste perfeitamente - respondeu Doris com voz suave. Não estás =aescrever. És um escritor; é como te defines. E, se não o =podesfazer... bem, crias uma situação semelhante à gravidez da =Lexie, emque tudo o resto aumenta de volume.Jeremy concordou que Doris tinha razão. Não se tratava dos =encargoscom a casa, dos planos do casamento, da bebé, ou do facto de =amboscontinuarem a ajustar-se à situação de viverem como um =casal. Toda aangústia que sentia era em grande parte consequência =de não conseguirescrever.No dia anterior tinha enviado a crónica seguinte, ficando apenas com=mais quatro crónicas prontas; o editor da Scentific American já=começara a deixar mensagens no telemóvel de Jeremy, a querer saber =asrazões de ele nem se dar ao trabalho de manter o contacto. Até =Natecomeçava a ficar preocupado; antes deixava mensagens a sondar a=possibilidade de ele escrever uma história que pudesse interessar aos=produtores da televisão, mas agora a dúvida era se Jeremy estaria =aescrever alguma coisa, fosse o que fosse.A princípio, fora fácil arranjar desculpas; o editor e Nate=compreendiam que a vida dele tinha passado recentemente por uma grande

=transformação. Porém, quando se habituou a recitar uma litania =sempreigual de desculpas, o próprio Jeremy apercebeu-se do que elas =queriamrealmente dizer: eram apenas desculpas. Por que razão os seus=pensamentos se confundiam logo que ligava o computador? Por que é que=os dedos se tornavam inúteis? E por que é que isso só acontecia=quando se tratava de escrever algo que lhe servisse para pagar as=contas?Pois, esse era o problema. Alvin enviava e-mails com regularidade;=Jeremy conseguia compor uma longa resposta em poucos minutos. O mesmo=acontecia sempre que os irmãos ou o pai lhe escreviam, ou quando

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=tinha de redigir uma carta, ou quando decidia tomar notas85acerca de qualquer assunto interessante que lhe aparecia na Internet.=Conseguia escrever sobre os programas de televisão, conseguia=escrever acerca de economia ou de política; sabia que conseguia=porque já tinha tentado. Era fácil, de facto, escrever sobre =qualquercoisa... desde que não tivesse nada a ver com os temas em =que era

especialista. Nesses casos, ficava de cabeça vazia. Ou, pior, =sentiaque talvez não conseguisse voltar a escrever sobre tais =assuntos.Suspeitava que era uma questão de falta de confiança. Um =sentimentoestranho, que nunca experimentara antes de se mudar para =Boone Creek.Bem gostaria de saber se era esse o motivo. A própria mudança. =Foraentão que o problema surgira; não tinha nada a ver com planos =decasamento ou qualquer outro pormenor. Ficara bloqueado desde o =momentoem que entrara naquela terra, como se a decisão de ter vindo =viver alitivesse um preço oculto. O que sugeria que conseguiria =escrever seestivesse em Nova Iorque. Mas... conseguiria mesmo? Matutou =na ideia,mas acabou por negar com acenos de cabeça. Agora isso já =nãointeressava, pois não? Estava ali. Em menos de três =semanas, a 28 deAbril, mudava-se para a casa nova e depois voava para a =sua festa de

despedida de solteiro; uma semana mais tarde, a 6 de Maio, =casava-se.Para o melhor e para o pior, aquele era agora o seu lar.Olhou o diário de Doris. Como poderia iniciar um artigo com base =nele?Não que tivesse a intenção de o fazer, mas apenas a =título deexperiência...Abriu um novo documento no computador e começou a pensar, de mãos=pousadas no teclado. Porém, nos cinco minutos seguintes, os dedos =nãose moveram. Não havia ali nada, nada de nada. Nem conseguia =arranjaruma frase para começar.Passou a mão pelos cabelos, frustrado, a desejar outro intervalo, a=reflectir sobre o que havia de fazer. Não servia de nada ir ver a=casa em obras, o que apenas serviria para o irritar ainda mais. Em vez=disso, decidiu passar algum tempo na Internet. Sentiu o Modem a=estabelecer a ligação, ficou a ver o ecrã encher-se e observou =apágina de abertura. Ao notar que tinha uma dúzia de mensagens =novas,carregou no botão de acesso à caixa de correio.Na sua maioria, eram lixo e apagou-as sem as abrir; Nate também=enviara uma mensagem, a indagar se ele reparara em qualquer dosartigos =onde se falava de uma queda massiva de meteoritos, naAustrália. =Jeremy respondeu que já escrevera quatro artigos acerca de=meteoritos, um deles no ano anterior, mas agradecia a ideia.86Quase apagava a última mensagem, que não trazia indicação do =assunto,mas pensou melhor e, logo que a mensagem apareceu, ficou =espantado, deolhos pregados ao ecrã. Sentia a garganta seca e não =conseguia desviaro olhar. E, subitamente, também mal conseguia =respirar. Era umamensagem simples e o piscar do cursor parecia zombar =dele: "COMO É QUE

SABES QUE O FILHO E TEU? "87SETECOMO É QUE SABES QUE O FILHO É TEU?Jeremy deitou a cadeira abaixo quando se levantou, sem tirar os olhosda =mensagem. É claro que o filho é meu!, queria gritar. Sei porque=sei!Pois, a mensagem parecia perguntar, dizes que sabes. Mas como é que=sabes?Entregou-se a uma busca febril de respostas. Porque ele e Lexie tinham

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=passado uma maravilhosa noite juntos. Porque ela lhe dissera que a=bebé era dele e não tinha motivos para mentir. Porque iam =casar-se.Porque não poderia ser de mais ninguém. Porque era a sua =filha...Não era?Se ele fosse qualquer outro, se a sua história tivesse sido =diferente,se conhecesse Lexie há anos, a resposta seria óbvia; =mas...Sabia que aquele era um dos problemas da vida. Havia sempre

um mas.Afastou aquele pensamento, concentrou-se na mensagem, a tentarcontrolar =as emoções. Não havia motivo para se descontrolar, dissepara =si mesmo, considerando que a mensagem não era apenas ofensiva,mas =estava mais próxima da... maldade. Era assim que a via. Um produtodo =mal. Que espécie de pessoa escreveria uma coisa daquelas? E que=razões teria? Por se julgar engraçado? Por querer iniciar uma=desavença entre ele e Lexie? Porque...Durante uns momentos sentiu-se bloqueado, sem saber o que fazer, com a=cabeça a funcionar a toda a força, conhecendo a resposta mas sem=querer admiti-la.Porque...88

Porque, a vozinha dentro da sua cabeça respondeu por fim, quem enviou=a mensagem sabe que, no fundo, houve um momento em que também tiveste=dúvidas.Não, pensou subitamente, isso era mentira. Sabia que o filho era =dele.Tirando, como é óbvio, o facto de que não consegues engravidar =umamulher, recordou-lhe a vozinha.Como um relâmpago, tudo lhe veio de súbito à mente: o primeiro=casamento, com Maria, a impossibilidade de ela engravidar, asconsultas =na clínica de fertilidade, os exames a que fora sujeito,tudo =culminando nas palavras do médico: - É altamente improvável que=o senhor alguma vez consiga gerar um filho.Tratava-se de uma escolha ponderada de palavras: Jeremy soubera durante=a consulta que, para todos os efeitos, era estéril, uma realidade que=acabaria por levar Maria a pedir o divórcio.Recordou-se de ter ouvido o médico informá-lo de que os seus =índicesde produção de espermatozóides eram baixos, quase =irrelevantes, defacto; e os que produzia revelavam uma mobilidade muito =baixa. Jeremyrecordava-se de estar sentado no consultório, em estado =de choque, àprocura de uma solução. "E se usasse boxers? Ouvi =dizer que ajudam",ou "E os tratamentos?", mas o médico explicara que =a medicina nãopoderia realmente fazer o que quer que fosse para o =ajudar. Nada quepudesse revelar-se eficaz.Fora um dos dias mais devastadores de toda a sua vida; até então,=sempre partira do princípio de que viria a ter filhos e, após o=divórcio, reagira de forma a tornar-se uma pessoa inteiramente nova.=Teve tantas aventuras de uma noite só que mal conseguia =recordá-las edecidira levar uma eterna vida de solteiro. Até ter =conhecido Lexie. E

acontecer o milagre daquela gravidez, um filho gerado =com paixão eamor, que o fizera ver a inutilidade da sua vida durante =todos aquelesanos.A menos que..."Não, esquece-te disso", pensou Jeremy. Não havia dúvidas. Era=evidente que o filho era dele. Tudo desde o momento em si até ao=comportamento de Lexie ao longo do tempo e à forma como Doris o=tratava agora lhe assegurava que, de facto, era ele o pai da bebé.=Repetia estes pensamentos como quem recita um sermão religioso, na=esperança de negar a realidade das palavras ditas, há tantos anos,

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=pelo médico.A mensagem continuava a zombar dele. Quem a mandara? E, tentava uma vez=mais perceber, com que finalidade?89Anos de trabalho de investigação tinham-lhe ensinado muito acerca =daInternet e embora o remetente usasse um endereço que lhe era=desconhecido, sabia que a proveniência de qualquer e-mail poderia

=eventualmente, ser descoberta. com uma certa dose de persistência e=fazendo as chamadas telefónicas certas para uns quantos contactos=estabelecera ao longo dos anos, podia seguir o e-mail até ao servidor=utilizado e, partindo daí até ao computador de onde fora enviado=Notou que a mensagem chegara menos de vinte minutos antes,precisamente =na altura em que estava de regresso ao Greenleaf.Mesmo assim, permaneceria a outra pergunta: O que levaria alguém a=enviar uma mensagem daquelas?Lexie era a única pessoa a quem falara do seu problema de=infertilidade; não contara a mais ninguém, nem aos pais nem aos=amigos- e embora tivesse havido um momento em que ele próprio se=perguntara o que Poderia ter acontecido, contra todas asprobabilidades, =logo tirara as dúvidas da cabeça. Contudo se apenas

Maria e Lexie =sabiam e nenhuma delas, disso tinha a certeza, mandara amensagem, =punha-se de novo a questão do motivo. Seria uma piada de mau=gosto?Doris referira o facto de algumas pessoas terem começado a suspeitar=de que Lexie estava grávida; a Rachel, por exemplo. Mas não =conseguiaimaginar Rachel como autora do e-mail. Ela e Lexie eram amigas =hámuitos anos, e aquele não era o género de partida que se =faça entreamigos.Ora não sendo uma partida, o único motivo concebível para oenvio daquele e-mail era o propósito de criarproblemas entre Jeremy

e Lexie. Porém, e mais uma vez, quem faria isso?O verdadeiro facto, perguntava a vozinha interior, obrigando-o a=recordar-se de ter visto Lexie e Rodney de mãos dadas.Jeremy abanou a cabeça. Rodney e Lexie? Já pensara na cena um =milharde vezes; não era possível, pura e simplesmente. Sentia-se =ridículo sóde pensar naquilo.No entanto, é uma boa explicação para o e-mail, sussurrava de =novo avoz.Não pensou, desta vez de forma mais resoluta. Lexie não era =dessas.Naquela semana Lexie não dormira com mais ninguém- Lexie =nem sequertinha namorado. E Rodney não era o género de homem que =escrevesse ume-mail; teria enfrentado Jeremy pessoalmente.Jeremy carregou na tecla para apagar a mensagem. Porém, quando a=máquina lhe pediu a confirmação, o dedo pareceu recusar-se. =Será quequereria apagar o e-mail agora, sem descobrir quem o tinha =enviado?90

Decidiu que não, que tinha de saber. Levaria algum tempo, mas=descobriria quem fora e iria confrontar a pessoa, demonstrar-lhe queera =pobre de espírito. E se tivesse sido Rodney... bom, não seria=apenas Jeremy a confrontá-lo, pois não tinha dúvidas de que =Lexietambém lhe diria o que pensava dele.Acenou que sim. Sem dúvida que descobriria o culpado. Arquivou a=mensagem, com a intenção de começar imediatamente a investigar. =E,quando soubesse de alguma coisa, Lexie seria a primeira a saber.Passar o serão com Lexie afastou quaisquer dúvidas que ele pudesse =teracerca da paternidade. Durante o jantar, Lexie conversou como era

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=habitual; na verdade, durante a semana seguinte, Lexie agiu como senada =a preocupasse. O que, muito honestamente, Jeremy achava estranho,tendo =em conta que o casamento sucederia dali a pouco mais de duassemanas, =que iriam tomar posse da casa na semana de sexta-feira a umasemana, =embora esta estivesse longe de poder ser habitada; Jeremycomeçara =até a discorrer em voz alta sobre o local onde poderiatrabalhar em =Boone Creek, pois, como era óbvio, tinha-se esquecido de

como é =que se escrevia um artigo. Tinha enviado outra crónica escritade =antemão, ficando apenas com três de reserva. Ainda não =conseguiraidentificar a fonte do e-mail, quem o enviara fizera um bom =trabalhona destruição de pistas. Para além do endereço =anónimo, o e-mail tinhasido enviado através de uma série de =servidores diferentes, um delesoff-shore e outro que não estava =disposto a dar informações sem umaintimação judicial. Por =sorte, conhecia uma pessoa em Nova Iorque quepoderia entregar-se a um =pouco de pirataria, mas ia levar tempo. Ohomem trabalhava para o FBI =como independente e a agência policialbastava para o manter =ocupado.A parte positiva era que, para além de outro episódio de =lágrimas ameio da noite, Lexie parecia bem mais descontraída do =que ele. Tal nãosignificava, como era evidente, que ela fosse =exactamente a mulher que

ele julgara. Acabou por se aperceber de que =Lexie se sentia totalmenteresponsável pela gravidez. Era ela a =portadora da bebé, era ela quemtinha as mais malucas =alterações de humor e era ela quem lia todos oslivros; o que =não significava que Jeremy fosse um completo ignoranteda questão. =Ou que se aborrecesse com os pormenores que ela achava tão=intrigantes. Na manhã do sábado seguinte, um dia quente e de sol=brilhante, Lexie fez tilintar as chaves quando estavam a preparar-se=para irem às compras, como se quisesse proporcionar-lhe uma última=oportunidade de se eximir aos seus deveres de paternidade.91- Tens a certeza de que hoje me queres fazer companhia? perguntou.- Absoluta.- Não querias assistir a um desafio de basquetebol que a televisão =vaitransmitir? Vais perder o jogo.Jeremy sorriu. - Não faz mal. Amanhã transmitirão outros =jogos.- Como sabes, isto vai levar algum tempo.- E então?- Só não quero que te sintas aborrecido.- Não vou aborrecer-me. Adoro compras - prometeu Jeremy.- Desde quando? E, além disso, são artigos de bebé.- Adoro comprar artigos de bebé.Lexie assentiu. - Que te faça bom proveito!Uma hora depois, chegados a Greenville, Jeremy entrou num daqueles=armazéns de artigos para crianças e subitamente começou a =pensar senão teria sido preferível dar ouvidos a Lexie. O lugar =era diferentede tudo aquilo que ele tinha visto em Nova Iorque. Não =era apenas ofacto de ser muito comprido e ter tectos altíssimos, mas =a profusão de

artigos à venda era de provocar vertigens. Se =comprar coisas servia deprova de amor pelos filhos, aquele era =obviamente o lugar onde sedevia ir. Jeremy passou os primeiros minutos =a andar por ali, semquerer acreditar no que via, a magicar quem teria =sido capaz de reunirtudo aquilo.Quem sabia, por exemplo, que os pais podiam escolher entre literalmente=milhares de brinquedos móveis para pendurar nos berços? Alguns com=animais, outros com cores, com figuras geométricas a preto e branco,=uns tocavam música e outros giravam em círculos lentos. Não era=preciso dizer que cada brinquedo fora estudado de forma a estimular o

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=desenvolvimento intelectual do bebé, pelo que ele e Lexie devem ter=ficado no corredor respectivo a examinar os brinquedos durante unsbons =vinte minutos, durante os quais Jeremy ficou a saber que, pornorma, a =sua opinião não tinha qualquer ponta de interesse.- Li que os bebés respondem principalmente ao preto e ao branco- afirmou Lexie.- Então, podemos levar este - propôs Jeremy, a apontar para um

=brinquedo com desenhos a preto e branco.- Mas eu estava a pensar em enquadrá-lo num tema de animais, não =achoque este sirva.- É apenas um brinquedo. Ninguém vai reparar.- Eu reparo.92- Nesse caso, fiquemos com este. com os hipopótamos e as girafas.- Mas não é a preto e branco.- Julgas que isso tem mesmo importância? Que, se a nossa filha não=tiver um brinquedo a preto e branco em bebé, vai ser expulsa do=jardim infantil?- Não, é claro que não - condescendeu Lexie. Contudo, =mantinha-se emfrente da prateleira, não parecendo capaz de tomar =qualquer decisão.

- E se fosse este? - acabou por sugerir Jeremy. - Tem painéis que=podem mostrar alternadamente preto e branco e animais e ainda roda e=toca música.Lexie olhou-o com uma expressão quase de pena. - Não achas que ela=ficaria demasiado excitada com um brinquedo deste género?Por fim, conseguiram escolher o brinquedo (preto e branco, com animais,=capaz de rodar, mas sem música) e, sem saber bem porquê, Jeremy=partiu do princípio de que a partir dali as escolhas seriam mais=fáceis. E, nas duas horas seguintes, algumas escolhas foram =fáceis:cobertores, chupetas e, para surpresa dele, o próprio =berço; porém, aochegarem à secção onde estavam expostas =as cadeirinhas de viagem,sentiram-se de novo desconcertados. Jeremy =nunca imaginara que nãofosse possível resolver o problema com uma =única cadeira; em vezdisso, havia uma "para bebés de menos de =seis meses, de costas para afrente", outra "leve e fácil de =remover", que "pode adaptar-se aocarrinho do bebé", aquela em que o ="bebé viaja de frente", para alémda de "grande resistência em =caso de acidente". Havia ainda aacrescentar a variedade infindável =de desenhos e de cores, afacilidade com que podia ser instalada no =automóvel e removida, osmecanismos de segurança, pelo que, no =final, Jeremy se sentiu felizpor terem comprado apenas duas, ambas =classificadas de "Melhor Compra"na Comumer Reports. Tendo em conta o =preço exorbitante e o facto de,poucos meses depois do nascimento da =bebé, o destino mais provável dacadeirinha ser o sótão, =aquele estatuto de melhor compra soava aironia.Contudo, a segurança estava em primeiro lugar. Como Lexie lhe=recordou: - Não queres que a nossa bebé corra riscos, pois =não?

Como se ele pudesse discordar, não era?- Tens razão - anuiu, colocando as duas caixas em cima da montanha de=compras que tinham acumulado. Já havia dois carrinhos cheios e=estavam a tratar de encher o terceiro. - A propósito, que horas =são?93- Três e dez. Fizeste a mesma pergunta há cerca de dez =minutos.- De verdade? Pareceu-me que era mais tarde.- Foi isso que disseste há dez minutos.- Desculpa.- Tentei avisar-te de que ias aborrecer-te.

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- Não estou aborrecido - mentiu. - Ao contrário da maioria dos =pais,preocupo-me com a minha filha.Lexie parecia estar a divertir-se. - Óptimo. De qualquer forma,=estamos quase despachados.- A sério?- Só quero dar uma rápida vista de olhos pelas roupas.- Estupendo - aplaudiu, com esforço, a pensar que a rapidez não

=entrava nos cenários possíveis.- É apenas um minuto.- Leva o tempo que quiseres - concedeu, como se quisesse provar a sua=valentia.Foi o que ela fez. No final, ele calculou que, naquela tarde, teriam=passado o tempo correspondente a uns seis anos a escolher roupas. De=pernas doridas e a sentir-se algo parecido com um burro de carga,Jeremy =encontrou um banco onde pôde sentar-se, enquanto Lexie pareciater a =intenção de examinar cada peça de vestuário para bebés =que oestabelecimento tinha para vender. Uma por uma, seleccionava a =peça,erguia-a, torcia o nariz ou sorria deliciada a imaginar a sua =meninametida ali dentro. O que, era evidente, não tinha qualquer =sentidopara Jeremy, pois não fazia ideia de como seria a sua =filha.

- E quanto a Savannah? - indagou Lexie examinando mais um fatinho.=Aquele, notou Jeremy, era cor-de-rosa com coelhinhos púrpura.- Só lá estive uma vez - respondeu.Lexie pousou o fatinho. - Estou a falar de um nome para a bebé. E se=fosse Savannah?Jeremy reflectiu. - Não, tem um som demasiado sulista.- E qual é o mal? Ela é uma sulista.- Mas o pai é ianque, recordas-te?- Óptimo. De que nomes é que gostas?- E se fosse Anna?- É o nome de metade das mulheres da tua família, não é? =Jeremy pensouque ela tinha razão. - É, mas pensa como toda afamília se sentiria lisonjeada.94Lexie acenou que não. - Não podemos aceitar Anna. Quero que ela =tenhao seu próprio nome.- Que me dizes a Olivia?Novo movimento de negação. - Não, não lhe podemos fazer =isso.- O que é que Olivia tem de mal?- Havia uma rapariga que andou comigo na escola, chamava-se Olivia e=sofreu terrivelmente com acne.- E então?- Traz-me más recordações.Jeremy assentiu, a pensar que fazia sentido. Não poria à sua filha =onome de Maria, por exemplo. - Que outras ideias é que tens?- Também pensei em Bonnie. O que é que pensas do nome?- Não, namorei uma mulher chamada Bonnie. Tinha um hálito =fedorento.

- Sharon?Ele encolheu os ombros. - Penso o mesmo, só que a Sharon que namorei=era uma cleptomaníaca.- Linda?Nova negativa. - Desculpa. Essa atirou-me com um sapato. Lexie ficou a=estudá-lo com cuidado. - Quantas mulheres é que tiveste nos =últimosdez anos?- Não faço ideia. Porquê?- Porque estou a começar a pensar que namoraste praticamente todos os=nomes que há por aí.

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- Não, isso não é verdade.- Nesse caso, dá-me um nome.Ele pensou um pouco. - Gertrude. Posso dizer com toda a franqueza que=nunca namorei uma Gertrude.Depois de revirar os olhos, Lexie pegou novamente no fatinho, examinou-o =uma vez mais e pô-lo de lado, para pegar num outro. "Já só =restamuns milhões de peças para ela ver", pensou Jeremy. com =aquele ritmo,

deveriam estar a sair do estabelecimento por altura do =nascimento dabebé.Ela examinou mais uma peça e olhou para ele de lado. - Hum...- Hum, o quê?- Gertrude, é? Tive uma tia chamada Gertrude, a mais carinhosa =senhoraque conheci - recordou. - Agora que penso nisso, talvez haja =aí umapossibilidade.- Espera lá - interrompeu Jeremy, a tentar imaginar-se, sem o=conseguir, a chamar Gertrude a qualquer criança. - Não estás a =falara sério.95- Podíamos abreviar o nome, chamar-lhe Gertie. Ou Trudy. Jeremy=protestou. - Não. Posso suportar muitas coisas, mas não

vamos pôr o nome de Gertrude à nossa filha. Nada me fará ceder =nesseponto. Penso que, como pai, tenho direito a exprimir uma =opinião, anossa filha não vai chamar-se Gertrude. Só me =pediste um nome demulher com quem eu não tivesse namorado.- Óptimo. De qualquer forma, só estava a meter-me contigo. Nunca=gostei do nome - contemporizou Lexie pondo o fatinho de criança de=lado. Caminhou para ele e pôs-lhe os braços à volta do =pescoço. -Diz-me uma coisa: por que não me deixas compensar-te =por hoje te terarrastado até aqui? Talvez um belo jantar =romântico em minha casa? comvelas e vinho... bem, para ti, pelo =menos. Talvez, após o jantar,decidamos fazer mais qualquer =coisa.Jeremy pensou que só Lexie podia, de um momento para o outro, tornar=agradável um dia daqueles. - Acho que se poderá pensar num =programa.- Não sei como vou aguentar a espera.- Talvez tenha de te demonstrar.- Ainda melhor! - replicou Lexie, com ares provocantes. Porém, quando=se chegou a ele para o beijar, o telemóvel dela começou a tocar.=Quebrada a magia do momento, afastou-se dele e remexeu na bolsa,=conseguiu encontrar o aparelho e atendeu ao terceiro toque. - Estou!E, embora ela não dissesse mais nada, Jeremy teve o súbito=pressentimento de que se passara algo de grave.Uma hora mais tarde, depois de terem pago as compras e carregado ocarro =à pressa, estavam ambos sentados a uma mesa do Herbs, em frentea =Doris. Apesar de já terem discutido a questão, Doris estava a =falartão depressa que Jeremy sentia dificuldades em perceber.- Vamos começar pelo princípio - propôs, erguendo a mão. =Dorisrespirou fundo. - Não sei como explicar isto. Sei que a

Rachel tem comportamentos levianos, mas nada de semelhante ao que se=está a passar. Hoje era dia de ela vir trabalhar. E ninguém sabe =ondese meteu.- E o Rodney? - indagou Jeremy.- Está tão perturbado como eu. Passou o dia à procura dela. Os =paisdela fizeram o mesmo. Desaparecer sem dizer a ninguém para onde =vainão é próprio da Rachel. E se lhe aconteceu alguma =coisa?96Doris parecia prestes a chorar. Rachel trabalhava no restaurante há=uma dúzia de anos e antes disso fora amiga de Lexie; Jeremy sabia que

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=Doris a considerava mais um membro da família.- Estou certo de que não há motivos de preocupação. Talvez =tenhasentido necessidade de espairecer e tenha saído da vila.- Sem avisar ninguém? Sem se dignar telefonar-me para informar que =nãovinha trabalhar? Sem falar com o Rodney?- O que é que o Rodney diz, exactamente? Tiveram alguma zanga ou... -=inquiriu Jeremy.

Doris acenou que não. - Não me falou em nada. Chegou aqui, pela =manhã,e perguntou se a Rachel cá estava; quando o informei de que =ainda nãochegara, sentou-se e ficou à espera dela. Como não =aparecesse, decidiuir procurá-la a casa. Depois, só sei que =voltou aqui, a perguntar se aRachel tinha chegado entretanto, pois =também não a encontrara em casa.Lexie decidiu finalmente entrar na conversa, e perguntou: - Estava=zangado?A avó abanou a cabeça, mas manteve-se calada. Jeremy mexeu-se na=cadeira, incomodado pelo silêncio que se instalara. - Não foi a=qualquer outro sítio? A casa dos pais, por exemplo?Doris entretinha-se com o guardanapo, a dobrá-lo como se fosse um =panoda louça. - O Rodney não me disse, mas sabes como ele é. =Sei que nãodeixou de a procurar depois de ver que não estava em =casa. É provável

que a tenha procurado por todos os cantos.- E o carro dela também desapareceu? - insistiu Jeremy. Doris=confirmou. - É por isso que estou tão preocupada. E se tevealgum acidente? Se alguém a levou?- Está a sugerir que alguém a raptou?- O que é que hei-de pensar? Mesmo que quisesse ir-se embora, para=onde é que poderia ir? Cresceu aqui, a família vive cá, é =aqui quetem os seus amigos. Nunca a ouvi falar de quem quer que fosse, =deRaleigh ou de Norfolk, ou de qualquer outro lugar. Não é do =género dese pôr a andar, sem se dignar dizer a alguém para =onde vai.Jeremy ficou calado. Olhou de relance para Lexie, que, embora parecesse=estar a ouvir, fitava o vazio, como quem tem a cabeça ocupada com=outros pensamentos.- Como é que a Rachel e o Rodney têm estado a dar-se? indagou =Jeremy.- Falou de uns problemas que estavam a ter.Doris respondeu com outra pergunta: - O que é que isso tem a ver com =oque aconteceu? O Rodney está ainda mais preocupado do que eu. Ele =nãotem nada a ver com isto.97- Não disse que tinha. Só estava a tentar perceber se haveria =motivospara ela querer ir-se embora.Doris encarou-o, de olhar firme. - Sei o que estás a pensar, Jeremy. =Éfácil atribuir as culpas ao Rodney, pensar que ele fez ou disse =algoque obrigasse a Rachel a fugir. Mas não é verdade. O Rodney =não tevenada a ver com isto. Seja o que for que tenha acontecido, =só teve aver com a Rachel. Ou com uma outra pessoa. Não envolvas =o Rodney nocaso. Algo aconteceu à Rachel. É tão simples quanto =isso.

Falou de maneira a terminar a discussão. - Só estou a tentar =percebero que se está a passar - desculpou-se Jeremy.Ao ouvi-lo, o rosto de Doris suavizou-se. - Eu sei que sim; e se calhar=não há nada a recear, mas... há qualquer coisa que não me =soa bem. Amenos que esteja algo a escapar-me, a Rachel não faria =isto.- O Rodney lançou o alarme geral? - perguntou Jeremy.- Não sei - respondeu Doris. - Só sei que ele anda por aí à =procuradela. Prometeu manter-me informada, mas tenho um mau =pressentimento.Prevejo que está para acontecer algo de terrível, =se não aconteceu já- acrescentou. - E julgo que a questão se =relaciona com vocês os dois.

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Quando Doris se calou, Jeremy sabia que ela falava menos dos seus=sentimentos e mais do que lhe dizia o instinto. Embora se dissesse=possuidora de dons de adivinhação e de ser capaz de prever o sexo =dosbebés que estavam para nascer, nunca afirmara ter poderes =extra-sensoriais noutras matérias. Mesmo assim, a forma como falou =deixouJeremy convicto de que Doris acreditava ter razão. O =desaparecimentoia afectar a vida de todos eles.

Mostrou ter dúvidas: - Não percebo o que está a tentar =dizer-nos.Doris suspirou, pôs-se de pé e lançou o guardanapo amarrotado =paracima da mesa. - Eu também não - sussurrou ao virar-se para a =janela. -Não consigo entender. A Rachel desapareceu, sei que devia =estarpreocupada com isso, e estou... mas há aqui mais um pormenor=qualquer... um pormenor que me escapa. Tudo o que sei é que nada=disto deveria ter sucedido e que...- Está para acontecer algo de terrível - acrescentou Lexie, a =terminara frase da avó.Tanto Doris como Jeremy se voltaram para ela. Lexie parecia tão=convencida quanto Doris, mas, mais do que isso, havia uma certa notade =compreensão no que dizia, como se soubesse exactamente aquilo que a=avó tinha dificuldade em exprimir. Uma vez mais, Jeremy sentiu-se um

=estranho, achou que estava ali a mais.98Doris não disse nada, nem precisava de dizer. Qualquer que fosse a=onda que partilhavam, qualquer que fosse a informação que =circulavaentre elas, era incompreensível para ele. De repente, =Jeremy teve acerteza de que qualquer delas podia ser mais =específica, desde que oquisesse, mas que, por qualquer razão, =ambas haviam decidido mantê-lona ignorância. Da mesma maneira que =Lexie o tinha mantido naignorância acerca da tarde em que ele a vira =sentada no banco, de mãosdadas com Rodney.Como por coincidência, Lexie estendeu o braço e acariciou a mão =deJeremy. - Talvez eu devesse ficar algum tempo com a Doris.Jeremy retirou a mão. Doris manteve-se em silêncio.Ele assentiu e levantou-se da mesa, uma vez mais a sentir-se um=estranho. Tentou convencer-se de que Lexie só pretendia ficar para=confortar a avó e forçou-se a sorrir. - Pois, acho que é uma =boaideia.- Tenho a certeza de que a Rachel está óptima - rugia a voz de =Alvindo outro lado do telemóvel. - É uma rapariga crescida, estou =certo deque sabe o que está a fazer.Depois de sair do Herbs, Jeremy passara por casa de Lexie para=descarregar as compras. Reflectiu se deveria esperar por ela ali, mas=decidiu seguir para o Greenleaf. Não para escrever, mas para falar=com Alvin. Pensando bem, começava a perguntar a si mesmo se=conheceria bem Lexie. Parecia-lhe que ela estava mais preocupada com=Rodney do que com o que poderia ter acontecido a Rachel e voltou a=tentar perceber o significado daquele desaparecimento súbito da

=rapariga.- Eu sei, mas é esquisito, não achas? Tu conhece-la, falaste com =ela.Pareceu-te do género de largar tudo e partir sem informar =ninguém paraonde vai?- Quem é que pode saber? Mas o mais provável é que o =desaparecimentoesteja relacionado com o Rodney.- O que é que te faz pensar assim?- A Rachel namora com ele, não é verdade? Não sei, mas talvez =tenhamtido uma zaragata. Talvez pense que ele continua a suspirar pela =Lexieou coisa do género, talvez quisesse apenas afastar-se durante =uns dias

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para clarificar as ideias. Tal como a Lexie fez quando fugiu =para acasa da praia.Jeremy deu-lhe razão ao recordar-se da sua experiência com Lexie, =apensar se aquela seria uma característica das mulheres do Sul.- Pode ser - anuiu. - Mas o Rodney não contou nada à Doris.99- Isso é o que a Doris diz. Não tens a certeza. Talvez seja disso =que

a Lexie e a Doris estão a falar neste momento, talvez fosse por =issoque quisessem ficar sozinhas. Talvez as preocupações de Doris =com oRodney e a Rachel sejam iguais.Jeremy bem gostaria de saber se o amigo teria razão e manteve-se=calado. Como ele não disse mais nada, Alvin acrescentou: - Repito, =éprovável que nada disso esteja relacionado. Tenho a certeza de =quetudo se resolverá.- Pois - concordou Jeremy. - É provável que tenhas razão. A =linhatrazia até ele o ruído da respiração de Alvin.- Mas, no fundo, o que é que se passa? - perguntou o amigo.- Estás a falar de quê?- De ti... de tudo isto. De cada vez que falo contigo, pareces-me mais=deprimido.

- Apenas ocupado - mentiu Jeremy, a refugiar-se na sua resposta=favorita. - Estão a acontecer muitas coisas.- Pois estão, já me contaste. As obras da casa estão a levar-te =aseconomias, estás prestes a casar, vais ser pai. Mas não é a =primeiravez que te vês sujeito a pressões, além de teres de =admitir que a tuavida actual não é tão esgotante como na =altura em que tu e a Mariaestavam a divorciar-se. Contudo, ao =contrário do que está a sucederagora, da outra vez conseguiste =manter o sentido de humor.- Continuo a ter sentido de humor. Se não conseguisse rir-me da=situação era bem possível que me enroscasse num novelo e =passassetodo o dia a murmurar disparates.- Ainda não recomeçaste a escrever?- Não.- Tens ideias?- Nenhuma.- Talvez devesses trabalhar e pedir ao Jed para guardar as roupas=enquanto escreves.Pela primeira vez, Jeremy soltou uma gargalhada. - Oh, isso funcionaria=na perfeição. Tenho a certeza de que o Jed iria adorar.- E com mais uma vantagem: sabias que ele não iria espalhar a=novidade. Pois, se não fala.- Não, ele fala.- Ai fala?- Sim, segundo a Lexie. Só não fala comigo ou contigo.Alvin riu-se. - Já começas a habituar-te a esses animais malucos =quetens no quarto?100

Jeremy apercebeu-se de que já não reparava neles. - Acredites ou =não,habituei-me.- Não sei se isso é bom ou mau.- Para ser franco, eu também não sei.- Ora bem, escuta, tenho aqui uma pessoa e não estou a ser um bom=anfitrião, por isso tenho de desligar. Telefona-me no fim-de-semana.=Ou telefono-te eu.- Muito bem - concluiu Jeremy, para logo de seguida pousar o=auscultador. Abanou a cabeça enquanto olhava o computador. Pensou que=talvez no dia seguinte conseguisse. Quando se preparava para se pôr

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=de pé, o telefone tocou novamente. Calculando que Alvin se tivesse=esquecido de dizer qualquer coisa, atendeu: - Diz!- Olá, Jeremy - saudou Lexie. - Que maneira esquisita de atenderes o=telefone.- Desculpa. Acabei de falar com o Alvin e pensei que era ele outra vez.=O que é que se passa?- Detesto fazer-te isto, mas tenho de cancelar o nosso jantar desta

=noite. Fica para amanhã, está bem?- Porquê?- Oh, é a Doris. Vamos a caminho de casa dela, mas continua =preocupadae talvez seja melhor fazer-lhe um pouco de companhia.- Queres que apareça por lá? Posso levar o jantar.- Não, não é preciso. A Doris tem bastante comida em casa e, =para teser franca, nem sei se ela está em condições de comer. =Contudo, porcausa dos problemas de coração, achei melhor ter a =certeza de que elafica bem.- Está bem - anuiu Jeremy. - Compreendo.- Tens a certeza? Sinto-me mal por fazer-te isto.- Tudo bem, asseguro-te.- Mas prometo que terás a tua recompensa. Amanhã. Talvez eu use um

=vestuário reduzido enquanto preparo o jantar.Apesar do desapontamento, Jeremy conseguiu manter a voz firme.- Acho bem.- Ligo-te mais tarde, de acordo?- Pois claro.- Amo-te. Sabes disso, não sabes?- Sim, eu sei.Lexie ficou calada na outra ponta da linha, mas só depois de pousar o=telefone é que ele se apercebeu de que não tinha dito que =também aamava.101A confiança tem de ser merecida? Ou é apenas uma questão de =fé?Horas mais tarde, Jeremy continuava sem ter a certeza. Por mais voltas=que desse às questões, não sabia o que fazer. Devia ficar no=Greenleaf Ir para casa de Lexie e ficar à espera dela? Ou ir=verificar se ela estava mesmo em casa da Doris?Não gostou do caminho que os seus pensamentos estavam a percorrer. =Elaestaria lá? Supôs que podia arranjar uma desculpa plausível =etelefonar a Doris para se certificar, mas o telefonema não =mostrariafalta de confiança na Lexie? E, se assim fosse, por que =razão iriamcasar-se?Porque a amas, respondeu-lhe a vozinha interior.E tinha de admitir que era verdade; contudo, sozinho naquele quarto do=Greenleaf, travava uma luta interior para tentar saber se aquele era,ou =não, um amor cego. Nos anos em que estivera casado com Maria, nunca=procurara saber onde a mulher se encontrava em dado momento, mesmo=quando a relação estava a aproximar-se do fim. Nunca ligara para =casa

dos pais de Maria para indagar se ela se encontrava lá, foram =poucasas vezes em que lhe telefonou para o emprego e raramente aparecia =semser esperado. Maria nunca lhe dera motivos para que pudesse ter=quaisquer dúvidas, e estava pronto a jurar pela própria vida que=nunca pensara no assunto. Porém, como usar o mesmo critério quando =setratava da relação dele com Lexie?Parecia-lhe ter duas visões distintas dela. Uma, do tempo que =passavamjuntos, em que ele reprovava a sua própria paranóia; =outra, quando seencontravam longe um do outro e ele deixava a =imaginação à solta.Mas não se tratava apenas de imaginação à solta, pois =não? Tinha visto

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Lexie e Rodney de mãos dadas. Quando lhe =perguntara directamente o quefizera naquele dia, ela nem dissera que o =tinha visto. Recebera um e-mail estranho, de alguém que tomara todas =as precauções para não seridentificado. E, quando Doris estava =a falar de Rachel, Lexie só abriua boca para perguntar se Rodney lhe =parecera zangado.Por outro lado, se ela ainda gostava de Rodney, por que é que não=admitia isso abertamente? Por que motivo se mostrara de acordo em

casar =com ele? Para quê comprar uma casa, fazer compras para a bebé e=passar quase todos os serões com ele? Por causa da filha? Ele sabia=que Lexie era conservadora, mas não tinha a mentalidade de uma mulher=dos anos 50. Tinha vivido em Nova Iorque com um namorado e tivera uma=paixão passageira por Mr. Renaissance... e, por causa da filha, =nãoera do género de não aproveitar a hipótese de viver =com102o homem que amasse verdadeiramente, partindo do princípio de que esse=homem fosse Rodney. O que, sem dúvida, queria dizer que o amava a=ele, como acabara de lhe dizer pelo telefone. Tal como lhe dizia em=todas as ocasiões em que estavam juntos. Como lhe sussurrava quando=estavam nos braços um do outro.Decidiu que não havia motivos para duvidar dela. Nenhuns. Era a sua

=noiva e, se dissera que ia para casa de Doris, era ali mesmo queestava. =Ponto final. Mas havia mais qualquer coisa: sem saber porquê,=duvidava que ela lá estivesse.Lá fora, o céu tornara-se negro e, da cadeira onde estava, via os=ramos das árvores serem suavemente agitados pela brisa. Os ramos,=antes nus, estavam a ser cobertos pelas novas folhas da Primavera e=brilhavam como lâminas de prata à luz da claridade do quarto=crescente.Pensou que devia ficar por ali, esperar pelo telefonema dela. Iam=casar-se e tinha confiança nela. Quantas vezes, depois de a ter visto=de mãos dadas com Rodney, é que tinha ido espiá-la, apenas para =sesentir a fazer figura de parvo quando avistava o carro dela parado =àporta da biblioteca? Meia dúzia? Uma dúzia? E se aquela noite =fossediferente?Disse para si mesmo que iria ser igual, mesmo quando estendeu a mão=para agarrar nas chaves do carro. Como uma borboleta encandeada pela=luz, parecia não ter opção, embora continuasse a reprovar o =própriocomportamento enquanto saía e se instalava ao volante.A noite estava calma e escura; o centro encontrava-se deserto e, a=emergir das sombras, o Herbs parecia estranhamente ameaçador. Passou=sem abrandar e dirigiu-se para casa de Doris, com a certeza de que ia=lá encontrar Lexie. Quando viu o carro de Doris parado no desvio de=acesso à casa, suspirou, sentindo uma estranha mistura de alívio e=remorso. Até chegar ali não se tinha lembrado de que deixara Lexie =noHerbs sem um meio de transporte; quase soltou uma gargalhada.Ora bem, questão arrumada; continuou o caminho para casa de Lexie,=pensando esperar lá por ela. Quando ela chegasse, mostrar-se-ia calmo

=e solícito, ouviria as suas queixas e, se ela quisesse, =preparar-lhe-ia uma chávena de chocolate quente. Fizera uma =tempestade num copo deágua.Porém, quando virou para a rua onde Lexie morava e viu a casa dela ao=fim do quarteirão, levou, por instinto, o pé ao pedal do =travão. Emmarcha lenta e de olhos colados à janela, pestanejou =para ter acerteza de que estava a ver bem; então, de súbito, =apertou o volantecom força.103O carro dela não estava no caminho de acesso. Travou a fundo e fez o

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- Estou satisfeita por te ver.Jeremy olhou para ela; a despeito da raiva que sentia (ou do medo, se=quisesse continuar a ser honesto consigo), continuava a achá-la=bonita. Que outro homem pudesse apertá-la nos braços era uma ideia=devastadora.A sentir o tumulto das emoções dele, Lexie puxou-lhe uma manga. -=Estás a sentir-te bem?

- Óptimo - foi a resposta.- Pareces perturbado.Era a oportunidade perfeita para dizer o que lhe ia na cabeça, mas=Jeremy sentiu-se vacilar. - Estou apenas cansado. Como é que estava a=Doris?Lexie prendeu uma madeixa atrás da orelha. - Preocupada. A Rachel=continua sem aparecer e sem dar notícias.- E continua a pensar que lhe pode ter sucedido alguma coisa?- Não tenho a certeza. Sabes como é a Doris. Se mete uma coisa na=cabeça, tende a agarrar-se a ela sem que haja qualquer =explicaçãológica. Tenho a sensação de que ela sente que =a Rachel está... bem, àfalta de uma palavra mais conveniente, =acha que a razão da partidadela... - interrompeu-se e abanou de novo =a cabeça. - Na verdade, não

sei o que é que a Doris está a =pensar. Apenas lhe parece que106a Rachel não devia ter-se ido embora e sente-se verdadeiramente=preocupada.Mesmo sem a compreender inteiramente, Jeremy assentiu. - Se ela está=bem, então está tudo certo, não está?Lexie encolheu os ombros. - Não sei. Já desisti de saber como =funcionaa mente da Doris. Só tenho uma certeza: ela costuma ter =razão. Tenhoverificado isso repetidamente.Jeremy ficou a observá-la, sentindo que ela dizia a verdade... quanto=ao tempo passado com a avó. Não se dispusera a dizer o que quer =quefosse sobre o que fizera a seguir.Inteiriçou-se. - Segundo entendi, passaste todo o serão com a =Doris,não foi?- Praticamente - foi a resposta.- Praticamente?Jeremy sentiu que Lexie estava a tentar descobrir o que ele sabia.- Sim - acabou por concluir.- E isso quer dizer o quê? Lexie não respondeu.Ele resolveu desafiá-la: - Esta noite passei pela casa da Doris, mas=não estavas lá.- Foste a casa da Doris?- E também vim aqui - acrescentou Jeremy.Dando um curto passo atrás, Lexie encarou-o, de braços =cruzados.- Tu andaste a espiar-me?- Chama-lhe o que quiseres - replicou Jeremy, a tentar manter-se calmo.=- Mas, seja como for, não me contaste a verdade.

- De que é que estás a falar?- Onde é que estiveste esta noite? Depois de saíres de casa da =Doris?- Voltei para aqui - respondeu Lexie.Jeremy resolveu pressioná-la, na esperança de que ela desse a=informação, e rezou para que ela fosse sincera, sentindo o nó =doestômago a apertar-se mais: - E antes disso?- Andaste a espiar-me, não andaste?Talvez fosse o ar moralista com que ela falou que lhe provocou a=explosão de fúria, levando-o a gritar: - Não estamos a falar de =mim!Responde à pergunta!

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- Estás a gritar para quê? Já te disse onde estive.- Não, não disseste! - berrou Jeremy. - Disseste-me onde estiveste=antes de ires a um outro sítio. Depois de saíres de casa da Doris,=foste a um outro sítio, não foste?107- Por que é que estás a gritar comigo? - replicou Lexie, também =ela alevantar a voz. - O que é que te deu?

- Foste a casa do Rodney! - gritou Jeremy.- O quê?- Tu ouviste! Foste para casa do Rodney! Eu vi que estavas lá! Lexie=recuou mais um passo. - Andaste a seguir-me?- Não - contrapôs ele -, não andei a seguir-te. Fui a casa da =Doris,depois vim aqui e continuei à tua procura. E adivinha o que =descobri?Ela fez uma pausa, como se procurasse a melhor resposta. - Não é =nadado que pensas - protestou, em voz mais suave do que ele =esperara.- E o que é que eu penso? - inquiriu Jeremy. - Que a minha noiva =nãodeveria estar em casa de outro homem? Que ela talvez devesse =ter-medito aonde ia? Que, se ela tivesse confiança em mim, me teria =posto aocorrente do que se passava? Que, se ela se preocupasse comigo, =nãoteria cancelado o nosso jantar para passar tempo com outro =homem?

- Não tem a ver contigo! - contrapôs Lexie. - E não cancelei o =nossojantar. Perguntei se podíamos deixá-lo para amanhã e tu =concordaste!Jeremy aproximou-se um pouco mais. - Lexie, não se trata apenas de um=jantar. O problema é teres ido esta noite a casa de outro homem.Lexie defendeu-se: - E depois? Pensas que fui para a cama com o Rodney?=Pensas que passámos a última hora a fornicar em cima do sofá?=Conversámos, Jeremy. Foi só o que fizemos. Apenas conversámos! =ADoris estava a sentir-se cansada e, antes de vir para casa, quis saber=se o Rodney me podia esclarecer sobre o que se estava a passar. Por=isso, passei por lá; tudo o que fizemos foi falar da Rachel.- Devias ter-me contado.- E teria dito! E tu nem sequer terias de perguntar! Ter-te-ia ditoonde =fui. Não tenho segredos contigo.Jeremy ergueu as sobrancelhas. - Ai não? E aquele dia na =esplanada?- Qual dia na esplanada?- No mês passado, quando te vi de mãos dadas com o Rodney. Lexie=encarou-o de frente, como se nunca o tivesse visto. - Desdequando é que andas a espiar-me?- Não tenho andado a espiar-te! Mas vi-te de mãos dadas com =ele.108Ela continuou a olhá-lo. - Quem és tu? - acabou por inquirir.- O teu noivo - respondeu Jeremy, em voz cada vez mais alterada. - E=julgo que mereço uma explicação. Primeiro, encontro-os de =mãos dadas,depois descubro que anulas os nossos encontros para =passares o tempocom ele...- Cala-te! - gritou Lexie. - Fica aí quieto e escuta.- Tenho estado a tentar ouvir! - replicou ele, também a gritar. Mas

=não estás a dizer-me a verdade! Tens andado a mentir-me!- Não, não tenho!- Não? Então, fala-me da vossa pequena aventura, das mãos =dadas!- Estou a tentar dizer-te que vês coisas onde elas não existem... =Eleinterrompeu-a, a resmungar: - Ai vejo? E se me encontrassesde mãos dadas com uma ex-namorada e descobrisses que me escapulia=furtivamente para ir para casa dela?- Não estava a escapulir-me furtivamente! - negou Lexie, a erguer as=mãos. -Já te disse... passei quase todo o serão com a Doris, =mascontinuava sem ter a certeza do que se estava a passar. Estava

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=preocupada com a Rachel e, por isso, passei por casa do Rodney, para=tentar saber se ele descobrira mais alguma coisa.- Depois de lhe pegares na mão, evidentemente.Os olhos de Lexie faiscaram, mas Jeremy reparou que a voz dela=começava a fraquejar. - Não, não fiz nada disso. Sentámo-nos =noalpendre das traseiras e conversámos. Quantas vezes terei de te =dizeristo?

- Talvez as necessárias para reconheceres que estavas a mentir!- Não estava a mentir!Jeremy encarou-a e falou com voz dura. - Mentiste, sabes que mentiste!- =exclamou apontando-lhe um dedo acusador. - Já é suficientemente=mau, mas não é só isso que me magoa. O que me magoa mais é=continuares a negar.Dito isto, desceu do alpendre e caminhou para o carro, sem se dignar=olhar para trás.Não sabendo o que fazer, Jeremy acelerou às cegas pelas ruas. =Sabiaque não lhe apetecia voltar ao Greenleaf, tão-pouco =conseguiaimaginar-se na Lookilu Tavern, o único bar ainda aberto =àquela hora.Embora tivesse lá ido uma ou duas vezes, não tinha =vontade de passar oresto do serão sentado no bar, pois nem sabia o =escândalo que isso

podia provocar. Tinha aprendido uma coisa acerca =das vilas e cidadespequenas: eram as terras onde as novidades corriam =mais depressa, em109especial as más notícias, e não desejava que as gentes da terra=começassem a especular sobre ele e Lexie. Em vez disso, limitou-se a=circular pelas ruas, fazendo um longo circuito, sem destino aparente.=Boone Creek não era Nova Iorque; se alguém pretendesse perder-se =nomeio da multidão não encontrava para onde ir. Ali não havia =multidões.Por vezes, odiava aquela terra.Lexie podia discorrer o tempo que lhe apetecesse sobre os magníficos=cenários e sobre os habitantes, que ela quase considerava pessoas da=família, mas parecia-lhe que era de esperar que assim sucedesse. Como=filha única e órfã desde tenra idade, nunca fizera parte de uma=família numerosa, como acontecera com Jeremy; este, por vezes, sentia=vontade de lhe demonstrar que ela não fazia ideia daquilo que estava=a dizer. Na sua maioria, os habitantes com quem já travara=conhecimento eram pessoas simpáticas e de trato agradável, mas=começava a pensar se não agiam assim só para tentarem manter as=aparências. Por detrás da fachada, havia segredos e tramóias, =como emtodos os lugares, que as pessoas da terra faziam o possível =paraesconder. Como Doris, por exemplo. Enquanto ele fazia perguntas, =Dorise Lexie trocavam sinais secretos, com a única intenção de =o manteremna ignorância. Ou Gherkin, o presidente da Câmara. =Não se limitara aajudá-lo a conseguir as autorizações, =procurava defender os seuspróprios interesses. Jeremy pensava que =haveria muito a dizer dosnova-iorquinos. Quando se zangavam não =deixavam que alguém ficasse comdúvidas, em especial quando se =tratava de questões de família. As

pessoas diziam o que lhes ia na =alma.Bem desejava que o comportamento de Lexie fosse desse género.=Continuou às voltas, mas não conseguia decidir se a sua fúria =estavaa aumentar ou a regredir; não sabia se deveria voltar a casa =dela paratentar esclarecer tudo, ou se seria melhor decidir sozinho. =Suspeitavaque Lexie lhe estava a esconder qualquer coisa, mas, por mais =quereflectisse, não fazia ideia do que poderia ser. Apesar da =cólera edas provas, não conseguia convencer-se de que ela tinha =um casosecreto com Rodney. A ideia era ridícula, a menos que tivesse =sidocompletamente ludibriado, do que duvidava. Contudo, havia qualquer

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- Onde? Não consigo vê-lo.- Aqui - bradou Jeremy. - Perto da árvore grande.O presidente começou a andar na direcção dele. Mais próximo, =Jeremyconseguia ouvir o seu monólogo.- Jeremy, deixe que lhe diga que vem passear pelos locais mais=estranhos. Fiz tudo para conseguir encontrá-lo. Contudo, sabendo o=que sei sobre a sua ligação a este lugar, suponho que não =deveria

surpreender-me. Mesmo assim, para um homem que queira estar =só, possopensar numa dúzia de lugares melhores do que este. Acho =que um homemsente a necessidade de voltar ao local do crime, não =é isso?Quando acabou de falar já estava na frente de Jeremy. Mesmo no =escuro,este conseguiu ver o que o presidente trazia vestido: calças =vermelhasde fazenda sintética, camisa cor de púrpura e um casaco =amarelo dedesporto. Parecia uma espécie de ovo de Páscoa.- O que é que faz aqui, senhor Presidente?- bom, vim falar consigo, como é óbvio.- É sobre o astronauta. Deixei um recado no seu gabinete...- Não, não, é claro que não. Recebi o seu recado, por isso =não sepreocupe mais com isso. Não tenho dúvidas, sendo uma =celebridade eisso tudo, de que conseguirá resolver o assunto. =Aconteceu apenas

isto: estava a trabalhar no meu escritório, só a =acabar de despacharuns papéis na minha loja do centro, quando vi =passar o seu carro.Acenei-lhe, mas julgo que não me viu e, falando =com os meus botões,fiquei a perguntar onde é que Jeremy Marsh =iria a uma velocidadedaquelas.Jeremy ergueu as mãos, como a pedir-lhe que parasse. - Senhor=Presidente, na verdade não estou com disposição...O homem continuou como se não o tivesse ouvido. - Mas é claro que =nãotirei quaisquer ilações do facto. A princípio, pelo =menos. Contudo,talvez nem tenha reparado, mas passou por lá uma =segunda112vez, e uma terceira, pelo que comecei a pensar que talvez precisasse de=conversar com alguém. Por conseguinte, perguntei a mim mesmo: "Onde =éque o Jeremy Marsh iria, e..." - interrompeu-se para conseguir o =maiorefeito dramático e depois bateu na perna para dar mais =ênfase ao quediria em seguida: - A resposta atingiu-me como se fosse =uma descargaeléctrica. Não sei porquê, mas ele vai para o =cemitério!Jeremy ficou a olhar para ele, antes de perguntar: - O que é que o=levou a pensar que eu viria para o cemitério?O presidente exibiu um sorriso de satisfação, mas, em vez de =responderdirectamente, apontou para a soberba magnólia existente no =centro docemitério.- Está a ver aquela árvore, Jeremy?Jeremy seguiu-lhe o olhar. com as suas raízes entrelaçadas e =extensosramos, a árvore deveria ter mais de uma centena de anos de =idade.- Alguma vez lhe contei a história daquela árvore?- Não, mas...

- Aquela árvore foi plantada por Coleman Tolles, um dos nossos mais=proeminentes conterrâneos, muito antes da Guerra de Agressão do=Norte*. Era dono do armazém de alimentos para o gado e das=mercearias, e era casado com uma das mulheres mais bonitas que se=poderiam encontrar num raio de muitos quilómetros. A mulher =chamava-se Patricia e, embora o único retrato dela tenha sido =destruído noincêndio da biblioteca, o meu pai costumava garantir =que muitas vezesia lá só para dar uma olhadela ao retrato.Jeremy mostrou-se impaciente: - Senhor Presidente...- Ora, deixe-me terminar. Julgo que o final da história pode derramar

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=alguma luz sobre o seu pequeno problema.- Qual problema?- O problema que tem com Miss Lexie. Se estivesse no seu lugar, suponho=que não ficaria encantado por descobrir que ela se encontrava com=outro homem.Jeremy esbugalhou os olhos e ficou sem palavras.- No entanto, como estava a contar-lhe, esta Patricia era uma bonita

=senhora que, antes de ser casada com Coleman, fora cortejada durante=anos. Pode dizer-se que todos os homens da terra a cortejavam,* É assim que muitos sulistas continuam a referir-se à Guerra =CivilAmericana (1861-1865). (NT)113e ela adorava as atenções, mas o velho Coleman acabou por lhe=conquistar o coração e o casamento foi o mais importante a que a=região alguma vez assistira. Casados, suponho que poderiam ter vivido=felizes para sempre, mas não ia ser assim. Coleman era um tipo=ciumento, percebe, e Patrícia não era mulher capaz de cortar =relaçõescom os jovens que a tinham cortejado. Mas Coleman não =conseguiasuportar isso.O presidente da Câmara abanou a cabeça. - Acabaram por se envolver

=numa violenta discussão e Patrícia não conseguiu suportar o =stress.Adoeceu e passou duas semanas de cama, antes que o bom Deus a =chamassepara junto de si. Coleman ficou com o coração =despedaçado e, depois dea mulher ter sido sepultada neste =cemitério, plantou a árvore parahonrar a memória dela. E ela =aí está, uma versão viva do nosso pequenoTaj Mahal.Jeremy não tirava os olhos do presidente da Câmara. - A =história éverdadeira? - acabou por perguntar.O presidente ergueu a mão direita, como se estivesse a prestar um=juramento. - Que eu morra, se não é.Jeremy não sabia o que responder; nem fazia ideia de como o =presidenteda Câmara conseguira descobrir a causa dos problemas que o =afligiam.Gherkin enfiou as mãos nas algibeiras. - Além disso, como=compreenderá, é bastante apropriada, se considerarmos a vossa=situação. Tal como a luz atrai as borboletas, também esta =árvore devetê-lo atraído para o cemitério.- Senhor Presidente...- Sei o que você está a pensar, Jeremy. Está a tentar perceber =omotivo de eu não lhe ter falado desta história quando estava a =planearescrever o artigo.- Não é bem isso.- Na altura, você estava a tentar compreender por que haveria tantas=histórias fascinantes acerca desta nossa esplêndida terra. Tudo o =queposso dizer-lhe é que habitamos um baluarte da História. =Poderiacontar-lhe histórias, capazes de o deixarem fascinado, sobre =uma boametade dos edifícios do centro.- Também não se trata disso - interrompeu Jeremy, ainda a tentar

=perceber o que estava a acontecer.- Nesse caso, suponho que estará a tentar compreender como é que =sei oque se passa com Miss Lexie e o Rodney?Jeremy olhou Gherkin nos olhos, mas o presidente limitou-se a encolher=os ombros. - Nas terras pequenas, as novidades circulam.- Está a querer dizer-me que toda a gente sabe?114- Não, é evidente que não. Pelo menos quanto a este assunto. =Suponhoque seremos apenas uns quantos a saber, mas não somos pessoas =parairmos espalhar mexericos que possam prejudicar alguém. O facto =é que

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estou tão preocupado quanto os outros com o misterioso =desaparecimentoda Rachel. Antes de você falar com a Doris, esta =noite, passei algumtempo com ela: estava devastada. Adora aquela =rapariga, como vocêsabe. Na verdade, estava lá quando o Rodney =apareceu e voltei a passarpor lá depois de você ter ido para o =Greenleaf.- Mas, quanto ao resto?- Oh, simples dedução - esclareceu Gherkin. - O Rodney e a Rachel

=namoram mas estão a enfrentar problemas. O Rodney e a Lexie são=amigos; depois, vejo-o a circular pela vila a toda a velocidade, comose =atrás do volante fosse sentado um cego. Não me foi difícil =saberque a Lexie tinha ido a casa do Rodney, para conversar com ele, e =quevocê estava perturbado, devido a todas as outras pressões a =que estásubmetido.- Pressões?- Sim. com o casamento, com a casa e com a gravidez da Lexie.- Também sabe disso?- Jeremy, meu rapaz, como agora é um habitante da nossa esplêndida=terra, tem de começar a perceber que por estes sítios as pessoas =sãomuito espertas. Para além de tentar saber a vida dos outros, =não hámuito que fazer por aqui. Mas não se preocupe; os meus =lábios vão

manter-se cerrados até ao anúncio oficial. Como =funcionário eleito,tenho de permanecer alheio a todos os mexericos =que correm pela vila.Mentalmente, Jeremy registou a necessidade de se manter encerrado no=Greenleaf sempre que lhe fosse possível.- Contudo, o principal motivo de ter vindo procurá-lo foi querer=contar-lhe uma história sobre mulheres.- Mais uma história?Gherkin ergueu as mãos. - Bem, mais do que uma história, é uma =lição.É acerca de minha mulher, Gladys. Ora bem, é a mais =admirável dasmulheres que alguém pode encontrar, mas houve =alturas, no decurso danossa vida de casados, em que ela se revelou =menos verdadeira. Oassunto perturbou-me durante muito tempo e houve =ocasiões em quelevantámos a voz um ao outro, mas o que acabei por =compreender foi oseguinte: se uma mulher nos ama genuinamente, não =podemos esperar queela nos diga sempre a verdade. É que as mulheres =dão mais importânciaaos sentimentos115que os homens e, se por vezes não nos dizem a verdade, agem desse =modopara não ferirem os nossos sentimentos. Não significa que =nosamem menos.- Está a pretender dizer-me que não faz mal que mintam?- Não, estou a dizer que se mentem é, muitas vezes, por se =preocuparemconnosco.- E se eu preferir que me digam a verdade?- Bem, então, meu rapaz, será melhor estar preparado para aceitar =averdade de acordo com a consciência com que ela lhe foi =contada.Jeremy ficou a pensar na resposta, mas manteve-se calado. No silêncio

=que se seguiu, ouviu o presidente Gherkin protestar: - Está a ficar=frio cá fora, não está? Por isso, antes de me ir embora, =dou-lhe umconselho. No fundo do seu coração, sabe que ama a =Lexie. A Doris sabe,eu sei, toda a gente da terra o sabe. Porque, =quando as pessoas osvêem juntos, é como se esperassem vê-los =começar a cantar; sendoassim, não existe qualquer motivo para se =preocupar com o facto de elater ido visitar o Rodney numa altura em que =ele estava deprimido.Jeremy olhou para longe. Embora o presidente da Câmara continuasse a=seu lado, de súbito, sentiu uma solidão total.De volta ao Grenleaf, Jeremy estava indeciso quanto a voltar, ou não,

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=a telefonar a Alvin. Sabia que, se voltasse a telefonar ao amigo,teria =de rever todo o serão, mas não queria nada disso. Nem se sentia=preparado para aceitar o conselho de Gherkin. As mentiras ocasionais=podiam não ter importância no casamento do presidente da =Câmara, masnão era assim que via a sua vida com Lexie.Abanou a cabeça, farto dos problemas com a noiva, farto dos planos do=casamento e da remodelação da casa, farto de não ser capaz de

=escrever. Desde que viera viver para aquela terra, a sua vida tornara-se =uma sucessão de desgostos, um após outro. E porquê? Por amar=Lexie? Então, por que tinha de ser ele a sofrer todos os desgostos,=enquanto ela parecia passar perfeitamente? Por que tinha de ser sempre=ele a vítima?Tinha de admitir que não estava a ser totalmente razoável. Ela =tambémtinha problemas. Não só com os planos do casamento e com =a casa, poisquem estava grávida era ela, era ela quem acordava a =chorar a meio danoite, era ela quem tinha de ter cuidado com tudo o que =comia oubebia. Só parecia ser melhor que ele a lidar com a =situação.116Sem conseguir chegar a qualquer conclusão, Jeremy dirigiu-se para o=computador, sabendo que não ia escrever mas que poderia, pelo menos,

=ler o correio. Contudo, ao deparar com a primeira mensagem,Lê O DIÁRio dA DOriS. ENCONTRARÁS LÁ A RESPOSTA.117NOVE- Não sei o que hei-de dizer-te - confessou Alvin, parecendo=embaraçado. - O que é que pensas que significa?Depois de ler a mensagem uma dúzia de vezes, Jeremy acabara por pegar=no telefone.- Não sei.- Já procuraste no diário da Doris?- Não, acabei de ler a mensagem. Ainda não tive tempo para nada. =Sóestou a tentar encontrar um sentido para ela.- Talvez devesses fazer o que a mensagem diz - sugeriu Alvin.- Procura no diário da Doris.- Para quê? Se nem sei aquilo que devo procurar! E posso garantir que=nada do que tem acontecido ultimamente tem a ver com o diário.Jeremy recostou-se na cadeira, pôs-se de pé e caminhou pelo =quarto,até se deixar cair de novo na cadeira. Entretanto foi =narrando o queacontecera nas últimas horas. Quando acabou, Alvin =manteve-se calado.Finalmente, despertou: - Só quero que me confirmes se ouvi bem. Ela=esteve em casa do Rodney?- Esteve - confirmou Jeremy.- E não te disse?Jeremy inclinou-se para diante, à procura da melhor maneira de=responder. - Não, mas disse que tencionava contar-me.- E acreditaste nela?Era ali que estava o busílis, não era? Será que ela ia mesmo =contar-

lhe?- Não sei - confessou Jeremy.Depois de uma pequena pausa, Alvin afirmou: - Uma vez mais, não sei o=que hei-de dizer-te.118- Pensas que isto significa o quê? Que motivo terá alguém para =memandar um e-mail como este?- Talvez saiba pormenores que desconheces - observou Alvin.- Ou talvez queira apenas ver-nos separados - contrapôs Jeremy. Alvin=não lhe respondeu directamente. Em vez disso, perguntou:

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- Amas a Lexie?Jeremy passou a mão pelo cabelo. - Mais do que a própria vida.Como a tentar que o amigo se sentisse melhor, Alvin mostrou-se jovial.- =bom, pelo menos vais entrar na próxima fase da tua vida depois deuma =festa de arromba, no próximo fim-de-semana. Já só faltam seis=dias, a contagem decrescente continua.Pela primeira vez, depois de passadas várias horas, segundo lhe

=pareceu, Jeremy sorriu. - Vai ser giro!- Sem dúvida. Não é todos os dias que o meu melhor amigo se =casa.Desejo ver-te. E, além disso, uma pequena viagem à cidade =vai fazer-tebem. Já estive aí, recordas-te? Sei, por =experiência própria, que nãohá nada para fazer, para =além de se ficar a ver crescer as unhas dospés."E a estudar as pessoas", pensou Jeremy. Mas calou-se.- Mas, não te esqueças, telefona-me se descobrires qualquer coisa =nodiário da Doris. Por mais que deteste admiti-lo, começo a viver =astuas aventuras indirectamente.- Não chamaria aventuras a receber mensagens destas.- Chama-lhes o que quiseres. Mas, tens de admiti-lo, têm-te obrigado =apensar, não têm?

- Oh, com certeza - admitiu Jeremy. - Têm-me feito pensar.- Afinal de contas, se vais casar-te com a Lexie, tens de confiar nela,=como sabes.- Pois sei - anuiu Jeremy. - Acredita que sei.Pela segunda vez naquela noite, Jeremy deu consigo a reflectir sobre o=que significava confiar em alguém. Tudo se resumia a isso. Quase=sempre era assim, mas ultimamente não estava a ser fácil.E havia os e-mails. Não apenas um, mas dois. E o segundo...Supondo que lesse o diário, poderia ficar a saber qualquer coisa =sobreLexie, algo que não soubesse ou não pretendesse saber? E de =quemaneira esse conhecimento poderia vir a afectar o que sentia por =ela?Seria possível que a descoberta o fizesse desistir e desaparecer =dali,sem sequer olhar para trás?Tentou juntar as peças do quebra-cabeças. Quem enviara as =mensagens,além de saber que Lexie estava grávida, também sabia =que ele119tinha em seu poder o diário da avó dela. E mais, era =suficientementeousado para sugerir que sabia algo que Lexie estava a =tentar esconder.O que significava, uma vez mais, que havia quem =estivesse interessadono fim da ligação deles.Mas quem? Como era óbvio, qualquer habitante da vila poderia saber =queLexie estava grávida; contudo, haveria poucos que soubessem que o=diário estava em seu poder e, para além de Lexie, só se =lembrava deuma pessoa que conhecia o diário de Doris.Doris.Contudo, não faria sentido. Para começar, fora ela quem empurrara =aneta para os braços de Jeremy; fora ela quem lhe explicara a =maneira

de ser de Lexie, para que ele a pudesse conhecer melhor. Doris =eraainda a pessoa a quem ele mencionara o facto de se sentir bloqueado,=de não ser capaz de escrever.Perdido em reflexões, levou algum tempo a aperceber-se de que =alguémestava a bater à porta. Atravessou o quarto e abriu-a.Lexie forçou-se a sorrir. A despeito do ar destemido, tinha os olhos=vermelhos e inchados, via-se que tinha estado a chorar.- Olá! - saudou.- Olá, Lex - respondeu Jeremy, sem dar um passo para ela, obrigando-a=a ficar a olhar para os pés.

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- Acho que deves estar intrigado por me veres aqui, não estás?=Alimentei alguma esperança de que voltasses, mas não =aconteceu.Sem obter resposta de Jeremy, ajeitou uma madeixa atrás da orelha. -=Só quero pedir-te desculpa. Tiveste razão em tudo. Deveria ter-te=contado e tudo o que fiz foi errado.Jeremy observou-a, mas acabou por recuar um passo. com a permissão=tácita dele, Lexie entrou no quarto e sentou-se na cama. Jeremy puxou

=a cadeira que estava junto da secretária.- Por que motivo não me disseste?- A ida a casa do Rodney não foi planeada - explicou Lexie. Sei que=podes não acreditar, mas, quando saí de casa da Doris a minha=intenção era ir para casa e... não sei... de repente ocorreu-me =queprovavelmente devia falar com o Rodney. Calculei que ele pudesse=esclarecer-me sobre o paradeiro da Rachel.- E antes disso? - inquiriu Jeremy. - Na esplanada. Por que é que =nãome falaste disso?- O Rodney é apenas um amigo e está a viver tempos difíceis. =Sei quepara ti deve ter parecido outra coisa, mas conhecemo-nos desde =hámuito, eu estava apenas a tentar ajudá-lo.120

Jeremy reparou na forma cuidadosa como ela evitou responder à=pergunta. Inclinou-se para diante. - Lexie, vamos acabar com asjogadas, =concordas? - perguntou com voz firme e grave. - Não estou com=disposição para isso. Só quero saber o motivo por que me =escondeste asituação.Lexie virou-se para a janela, mas Jeremy via o reflexo da luz do=candeeiro nos olhos dela. - Em primeiro lugar... por ser difícil. E=também não queria envolver-te - explicou, no meio de um riso =nervoso.- Mas acho que te envolvi mesmo, não foi? - acrescentou.- O problema é que ultimamente o Rodney e a Rachel têm zangas=frequentes por minha causa.A voz dela baixou de tom. - A Rachel tem tido dificuldade em aceitar o=facto de o Rodney e eu termos andado juntos. E, além disso, sabe o=que ele sentia por mim. A questão é essa. A Rachel pensa que o =Rodneycontinua a gostar de mim e, pelo menos segundo ela diz, ele =continua ainvocar o meu nome uma vez por outra, quase sempre nas =alturaserradas. Contudo, se falares com o Rodney, ele protesta, diz que =aRachel está a exagerar. Era sobre isso que conversávamos na =esplanada.Jeremy juntou as mãos. - Ele continua a gostar de ti?- Não sei.Ao ver a expressão de incredulidade de Jeremy, apressou-se a=esclarecer. - Sei que estou a fugir ao problema, mas não sei o que=mais posso dizer. O Rodney continua a preocupar-se comigo? Pois, acho=que sim, mas conhecemo-nos desde muito pequenos. A pergunta que queres=ver respondida é se ele namoraria a Rachel se nós não =estivéssemosnoivos; e eu respondo que julgo que sim. Já te tinha =dito que semprepensei que eles tinham sido feitos um para o outro. =Mas...

Aqui teve de se interromper e ficou de testa franzida pela =perturbação.Jeremy acabou a frase que ela iniciara: - Não tens a certeza.Se estivesse no lugar dela era provável que acabasse por dar a mesma=resposta.- Pois não - confessou Lexie. - Mas compreende que estou comprometida=com outro homem, sei que julga que o nosso casamento não vai resultar=e sei que gosta da Rachel. Só que ela é sensível a tudo o que =me dizrespeito e acho que, sem querer, o Rodney agrava a =situação. Contou-meque a Rachel ficou furiosa só porque, numa =tarde em que andavam apassear de carro, ele olhou de relance para a =biblioteca. Acusou-o de

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andar à minha procura e acabaram por passar =horas a discutir. Eleafirmava que se tratava apenas de um hábito, de =um gesto121sem qualquer significado, mas a Rachel continuava a afirmar que ele=nunca ia esquecer-me e que estava apenas a procurar desculpas. No dia=seguinte, o Rodney continuava perturbado e passou pela biblioteca para=me pedir um conselho; por isso, fomos conversar para a esplanada.

Lexie endireitou-se e suspirou. - E esta noite, como te disse,=aconteceu. Como conheço os dois, como gosto de ambos e gostaria que=as coisas se compusessem entre eles, achei que devia tentar quefizessem =as pazes. Ou, pelo menos, mostrar-me disponível para ouvirquando =algum deles pretendesse conversar comigo. Sinto-me paralisada,em =terreno desconhecido, não sei como fugir nem o que se espera que eu=faça.- Talvez tivesses feito bem em não me contares. Essas telenovelas=sulistas não são a minha especialidade.Pela primeira vez desde que chegara, Lexie pareceu descontrair-se.- Também não as aprecio. Há alturas em que preferia estar de =volta aNova Iorque, onde toda a gente se ignora. Estas histórias =começam acansar-me, e o pior é que por causa delas ficaste =zangado comigo.

Provoquei as tuas suspeitas e depois piorei tudo ao =tentar encobrir asituação. Não fazes ideia de quanto lamento =tudo. Não voltará aacontecer.A voz fora ficando mais fraca e agora estava a falhar; quando elalimpou =uma lágrima do canto do olho, Jeremy pôs-se de pé e foi=sentar-se ao lado dela na cama. Pegou-lhe na mão. Os ombros de Lexie=começaram a tremer e ela soluçou ruidosamente.- Então - sussurrou Jeremy -, está tudo bem. Não chores. =Palavras quepareceram libertar-lhe as emoções e a fizeram =baixara cabeça e cobrir o rosto com as mãos. Soluços profundos e =pesados,como se estivessem a ser reprimidos há muitas horas; o gesto =dele aopôr-lhe um braço à volta da cintura fê-la chorar =ainda mais.- Pronto, já está tudo bem - sussurrava Jeremy.- Não... não... está - ia Lexie dizendo em voz sufocada, com o =rostoainda escondido nas mãos.- Está tudo bem, estás perdoada.- Não... não... estou. Bem vi... a maneira como olhaste para =mim...ali à porta... quando cheguei.- Nessa altura estava zangado. Agora já não estou.Lexie estremeceu e continuou a cobrir a cara com as mãos. - Estás=sim... Tu... detestas-me... Vamos ter um filho e tudo o que fazemos...=é zaragatear...Aquilo não estava a correr bem. Sem saber o que fazer, Jeremy voltou =alembrar-se das alterações das hormonas dela. Como a maioria dos=homens, admitia que as hormonas explicavam todas as explosões=emocionais, o que naquela situação lhe parecia realmente =verdade.- Não te detesto. Estava zangado contigo, mas isso já está =esquecido.

- Eu não amo o Rodney... Amo-te a ti...- Eu sei.- Nunca mais falo com o Rodney...- Podes falar com ele. Mas não em casa dele, está bem? E também =nãoprecisas de lhe pegar na mão.Se possível, estes comentários fizeram redobrar o choro.- Sabia que... continuavas zangado comigo...Passou quase meia hora até que Lexie deixasse de chorar; a partir de=certa altura, pareceu a Jeremy que o melhor era continuar a dizer que=já não estava zangado, sem acrescentar qualquer comentário. =Tudo o

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que dizia parecia piorar a situação. Como uma criança =pequena depoisde uma repreensão severa, a cada trinta segundos, mais =ou menos,soltava um grito lancinante e ficava com o rosto descomposto, =como sefosse recomeçar a chorar. Sem querer provocar outro ataque de =choro,Jeremy deixou-se ficar em silêncio enquanto Lexie tentava =recompor-se.- Bolas! - exclamou com voz rouca.- Pois - anuiu Jeremy. - Bolas!

Parecendo tão confusa quanto ele, Lexie tentou desculpar-se. =Desculpa.Nem sei o que se passou aqui.- Choraste - explicou Jeremy.Lexie abriu os olhos para ele; porém, com as pálpebras inchadas, o=efeito não foi o habitual.- Soubeste alguma coisa da Rachel? - perguntou Jeremy.- Não soube grande coisa, se exceptuarmos o facto de o Rodney estar=perfeitamente convencido de que ela não se foi embora hoje. Acha que=ela partiu ontem, depois de largar o trabalho. Tiveram uma discussão=na noite de quinta-feira e, segundo a versão do Rodney, ela disse que=estava tudo acabado e que não queria voltar a vê-lo. Mais tarde,=quando passou à porta de casa dela, o carro já lá não =estava.- Ele andava a espiá-la? - inquiriu Jeremy de imediato, satisfeito =por

não ser o único.- Não, queria fazer as pazes. Mas, de qualquer forma, se ela partiu =nasexta-feira, depois de sair do restaurante... não sei, talvez123tenha planos para passar todo o fim-de-semana fora. No entanto, isso=não explica que não tenha telefonado à Doris a informar que =não iriatrabalhar pela manhã, nem nos dá qualquer pista sobre =o lugar paraonde foi.Jeremy reflectiu sobre o assunto, a recordar-se de que Doris e Lexie=nunca tinham dito que Rachel tivesse amigos de fora da terra. - Não=teria ido apenas para a praia, ou para um sítio do género? Talvez=quisesse estar só. Ou, pelo menos, afastar-se do Rodney durante algum=tempo.Lexie encolheu os ombros. - Quem sabe? Mas, ainda antes disto... não=sei - começou, no que parecia uma tentativa de escolher=cuidadosamente as palavras. - Nos últimos tempos, andava a tratar-me=de um modo estranho. Como se estivesse a passar pela crise da =meia-idade.- É demasiado jovem para isso - salientou Jeremy. - Como disseste, =éprovável que tenha a ver com a relação dela com o =Rodney.- Eu sei... mas há mais qualquer coisa. Como se ela estivesse na =possede um segredo. Normalmente, a Rachel fala pelos cotovelos, mas, =quandofomos à procura do vestido para ela levar ao casamento, falou =muitopouco. Como se estivesse a esconder qualquer coisa.- Talvez andasse a planear este fim-de-semana há algum tempo.- É possível. Não sei.Durante uns momentos nenhum deles quebrou o silêncio. Lexie tentou

=abafar um bocejo, parecendo encabulada quando terminou, desculpando-se. =- Perdão. Estou a sentir-me cansada.- Passar uma hora a chorar provoca essa sensação nas pessoas.- E a gravidez também - replicou Lexie. - Ultimamente ando a =sentir-memuito cansada. Chego a fechar a porta do gabinete, na =biblioteca, parapoder descansar a cabeça em cima da =secretária.- bom, tens de abrandar o ritmo. Como sabes, trazes aí a minha filha.=E talvez fosse melhor ires para casa, para veres se descansas.Olhou-o com uma sobrancelha erguida. - Não queres vir até lá? =Jeremylevou algum tempo para responder. - É melhor não ir. Sabes =o que

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acontece quando durmo lá.- Queres dizer que levamos algum tempo a adormecer?- Não consigo conter-me.Lexie assentiu, subitamente séria. - Tens a certeza de que não =queresficar aqui por causa de...- Não - disse ele, interrompendo-a com um sorriso. - Não estou=zangado. Agora que percebo o que tem estado a suceder sinto-me muito

=melhor.124Ela beijou-o e levantou-se da cama. - Muito bem - foi dizendo enquanto=se espreguiçava. Jeremy reparou que a barriga dela não se achatava=tanto quanto era costume e fixou aquele ponto com talvez demasiada=demora.A insistência foi reprovada por Lexie, consciente do seu aspecto=físico. - Não repares nas minhas banhas.- Tu não tens banhas - replicou Jeremy automaticamente, com evidente=boa disposição. - Estás grávida e bonita.Lexie estava a observá-lo quando ele respondeu, como se quisesse =sabera verdade sobre a recusa dele em acompanhá-la a casa, mas, =pensandomelhor, não viu conveniência em retomar a conversa =anterior. Jeremy

pôs-se de pé e conduziu-a até à porta. =Depois de se despedir dela comum beijo, ficou a vê-la caminhar para =o carro e a rever mentalmentetodo o serão.- Eh! Lexie!Ela virou-se para trás. - O que é?- Esqueci-me de te perguntar. Sabes se a Doris tem computador?- A Doris? Não.- Nem mesmo no restaurante?- Não. Quanto a isso é muito antiquada. Até duvido que saiba =como seliga. Porquê?- Por nada de especial - concluiu Jeremy.Notou a confusão na expressão dela, mas não quis falar mais do=assunto. - Dorme bem. Amo-te.- Também te amo - respondeu Lexie, com voz cansada. Abriu a porta do=carro e sentou-se ao volante.Jeremy ficou a vê-la ligar o motor, a recuar e a rodar por cima da=gravilha do caminho de acesso, até as luzes traseiras começarem a=enfraquecer, quando o carro estava quase a desaparecer da vista dele.=Minutos depois estava sentado, recostado na cadeira e com os pés=assentes no tampo da secretária.Fora um serão rico em explicações; e todas faziam sentido. A =suspeitaem relação a Rodney tinha sido atirada para trás das =costas; istopartindo do princípio de que alguma vez a tivesse =julgadofundamentada; só persistiam as mensagens arquivadas no =computador.Se Lexie dizia a verdade, não haviam sido enviadas por Doris. Nesse=caso, quem é que as enviou?O diário de Doris estava em cima da secretária e Jeremy deu =consigo a

olhá-lo uma vez mais. Quantas vezes tinha reflectido se =devia ou nãoler o diário, na esperança de encontrar nele o =tema para125um artigo? Por qualquer razão, tinha evitado a leitura, mas voltou a=pensar no último e-mail recebido.ELA JÁ TE CONTOU A VERDADE? LÊ O DIÁRIO DA DORIS. =ENCONTRARÁS LÁ ARESPOSTA.Qual verdade? E o que é que poderia encontrar no diário de Doris? =Qualera a resposta que deveria encontrar?Não sabia. Nem nunca tivera a certeza de pretender saber. Porém, =com a

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mensagem a martelar-lhe na cabeça, estendeu a mão para o =livro.126DEZJeremy passou a maior parte da semana seguinte a estudar o =diário.Na maioria dos casos, Doris procedera a anotações meticulosas. =Nototal, havia 232 nomes no livro, todos escritos por extenso; 28 =outrasmulheres estavam identificadas apenas por iniciais, embora não =fosse

dada qualquer explicação quanto à ausência dos nomes =completos.Habitualmente, mas nem sempre, também eram identificados ospais. Em quase todos os casos, Doris havia incluído a data da visita =euma estimativa do tempo decorrido desde que começara a gravidez,bem como a indicação do sexo do bebé. As mães assinavam a =seguir àprevisão. Havia três casos de mulheres que nem sabiam que =estavamgrávidas.Por baixo de cada previsão, Doris deixava um espaço em branco,onde mais tarde, depois do nascimento, escrevia o nome e o sexo do=bebé, por vezes utilizando uma caneta de cor diferente. Uma vez por=outra, era incluído um recorte de jornal onde fora noticiado o=nascimento da criança e, tal como Lexie lhe contara, as previsões =deDoris tinham-se confirmado na totalidade. Houvera casos em que não

=fora previsto o sexo do bebé, um facto não referido por Lexie, nem=por Doris. Nesses casos, baseado em notas subsequentes de Doris,Jeremy =percebeu que a mãe teria abortado.19 de Fevereiro de 1995, Ashley Bennett, 23 anos, gravidez de f; doze=semanas.Pai: tom Harker. MENINO, a) Ashley BennettToby Roy Bennett, nascido a 31 de Agosto de 1995.12712 de Julho de 1995, Terry Miller, 27 anos, gravidez de nove semanas.=Muitos enjoos matinais. Segundo filho. MENINA, a) Terry Miller Sophie=Mary Miller, nascida a 11 de Fevereiro de 1996.Continuou a ler, à procura de um padrão, a tentar detectar algum=desvio. Leu todo o diário, entrada por entrada, meia dúzia de =vezes.A meio da semana começou a sentir-se atormentado, com a =sensação delhe estar a escapar um pormenor qualquer; iniciou nova =leitura, destavez a começar pelo fim. E voltou a ler tudo.Finalmente, na manhã de sexta-feira, encontrou o que procurava. =Estavacombinado que, dentro de meia hora, iria buscar Lexie para lhes =serfeita a entrega da casa nova. Ainda não fizera as malas para a =viagema Nova Iorque, mas não conseguia desviar os olhos da entrada =que Dorisrabiscara com mão pouco segura.28 de Setembro de 1996: L. M. D. 28 anos, gravidez de sete semanas.=Possível pai: Trevor Newland. Gravidez descoberta acidentalmente.A entrada acabava ali, o que significava que a mãe abortara.Jeremy agarrou o diário com mãos trémulas; de súbito, =sentiradificuldades respiratórias.L. M. D. Lexie Marin Darnell.

Grávida, com um filho de outro. Mais uma mentira por omissão.Outra mentira...Ao perceber a entrada, a cabeça de Jeremy entrara em erupção. =Lexiementira acerca da gravidez, como tinha mentido sobre o tempo que=passara com Rodney. Como certa vez tinha mentido sobre o sítio onde=fora, depois de sair de casa de Doris... e, ainda antes, tinha mentido=ao dizer que não sabia a verdade sobre as luzes misteriosas do=cemitério.Mentiras e verdades escondidas...Um padrão?

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O desgosto fê-lo cerrar os lábios com força. Quem era ela? Por =queestaria a agir assim? E por que diabo não lhe teria falado do =caso?Ele teria compreendido.Não sabia se deveria estar furioso ou magoado. Ou ambas as coisas.=Precisava de tempo para avaliar a situação, mas o problema era =esse:não havia tempo. Não tardava que ele e Lexie fossem =proprietários deuma casa; dentro de uma semana estariam casados. Mas =Alvin nunca

128deixara de ter razão. Não a conhecia, nunca a tinha conhecido. =Nem,como percebeu de repente, confiava nela inteiramente. Ela explicara as=suas mentiras, sem dúvida. E, pensando numa de cada vez, todas tinham=explicações plausíveis. Contudo, aquele iria ser o =comportamentoregular dela? Teria ele de viver com aqueles desvios da =verdade? Econseguiria viver assim?Além disso, continuava sem saber quem enviara o e-mail. Tudovoltava, uma vez mais, ao princípio, não era? O seu conhecido, =ohomem a quem pedira que seguisse a pista da anterior mensagem=misteriosa, telefonara no início da semana para lhe contar que o =e-mail fora quase de certeza enviado de fora da vila, mas esperava ter=uma resposta definitiva dentro de pouco tempo. O que quereria dizer...

o =quê?Não sabia, nem dispunha de tempo para pensar no assunto. A reunião =como notário, para fechar o negócio da casa, começaria dentro =de vinteminutos. Deveria adiar a escritura? Conseguiria, mesmo que =quisesse?Demasiado em que pensar; demasiadas coisas para fazer. Movendo-se como=um autómato, saiu do quarto do Greenleaf. Dez minutos depois, com a=cabeça numa perfeita confusão, parou em frente da casa de Lexie.=Notou movimento através da janela e viu-a aparecer no alpendre.Reparou, sem se manifestar, que ela se vestira formalmente para a=ocasião. Trazia calças cor de canela e casaco a condizer, bem como=uma blusa branca. Sorriu e acenou-lhe ao descer os degraus doalpendre. =Por instantes, foi-lhe fácil esquecer-se de que ela estava=grávida.Grávida...Tal como já estivera antes. A recordação trouxe de novo à =superfícietoda a cólera que sentia, mas ela não pareceu reparar quando =deslizoupara dentro do carro.- Viva, amor, como estás? Por momentos, pensei que não iríamos =chegara tempo.Não conseguiu responder-lhe. Não foi capaz de olhar para ela. Nem=tinha a certeza de querer confrontá-la agora ou esperar até ter=entendido toda aquela situação.Lexie colocou-lhe a mão no ombro e arriscou a pergunta: - Estás =bem?Pareces distraído.Jeremy apertou o volante, a tentar manter o autodomínio. - Estou

apenas a pensar.Ela observou-o. - Queres falar disso?

- Não - foi a resposta.129Continuou a olhá-lo, sem saber se havia motivo para se preocupar.=Passados instantes, recostou-se e apertou o cinto de segurança.- Não é excitante? - indagou, a tentar simultaneamente mudar de=assunto e aliviar a tensão. - A nossa primeira casa. Depois de=assinarmos a escritura, deveríamos celebrar. Talvez devêssemos ir=almoçar, antes de seguires para o aeroporto. Além disso, não =vou ver-te durante uns dias.Jeremy meteu a quinta velocidade e o carro saltou para diante. Como

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=quiseres.- A ideia não parece entusiasmar-te.Ele fingiu-se absorvido pela condução e acelerou, a apertar o =volantecom as mãos rígidas. - Eu disse que ia.Lexie abanou a cabeça e olhou para fora. - Muito obrigada =resmungou.- O quê? Agora, estás zangada?- Só não compreendo a razão do teu mau humor. Isto deveria ser

=excitante. Vamos comprar uma casa; estás prestes a partir para a tua=festa de despedida de solteiro. Devias mostrar-te feliz. Entretanto,=ages como se fôssemos assistir a um funeral.Jeremy abriu a boca para dizer qualquer coisa, mas reconsiderou. Se=iniciassem agora uma discussão, não haveria maneira de chegarem a=horas ao escritório do notário. Estava consciente disso. Não =queriaque a querela se tornasse conhecida; nem sabia, aliás, como =começar adiscussão. Teriam, porém, de discutir o assunto; mais =tarde. Sobreisso não tinha dúvidas.Portanto, percorreram o resto do caminho em silêncio, com o ambiente=no interior do carro a ficar mais pesado a cada minuto que passava.=Quando chegaram ao cartório do notário, onde eram aguardados por =Mrs.Reynolds, Lexie já nem olhava para ele. Abriu a porta e saiu,

=caminhando na direcção de Mrs. Reynolds, sem esperar por =Jeremy.Jeremy não mostrou vontade de a alcançar e foi reflectindo: ="Estászangada? Óptimo. Bem-vinda ao clube, minha querida. "- Hoje é o grande dia - exultou uma sorridente Mrs. Reynolds, quando=Lexie se aproximou. - Estão prontos?Lexie assentiu; Jeremy manteve-se calado. Mrs. Reynolds desviou osolhos =de Lexie para Jeremy; depois repetiu, ao contrário. O sorriso da=agente imobiliária desvaneceu-se. Tinha idade suficiente para=reconhecer um arrufo. A compra de uma casa era um processo propiciador=de tensões, cada pessoa podia reagir de maneira diferente. Todavia,=não eram contas do seu rosário. Ela só tinha de levar o =casal130até ao escritório para que assinassem os documentos, antes que o=arrufo entre eles evoluísse para algo mais grave que os levasse a=cancelar o negócio.- Sei que já estão à nossa espera - anunciou, a fingir que =não notavaas expressões de mau humor do casal. - Iremos para a =sala de reuniões- esclareceu, dando um passo para a porta. - É =por aqui. Fizeram umexcelente negócio. Uma vez terminadas as obras, =serão proprietários deuma verdadeira casa modelo.Segurou a porta e ficou à espera de uma resposta.- Ao fundo do corredor - voltou a informar. - Segunda porta à =esquerda.Uma vez dentro do escritório, apressou-se a ultrapassá-los, quase =aforçá-los a seguirem-na. Foi o que fizeram, mas, nem a =propósito, onotário não se encontrava na sala.- Sentem-se. Deve ter saído por um minuto. Permitam-me que vá à=procura dele, está bem?

Quando Mrs. Reynolds saiu da sala, Lexie e Jeremy mantiveram-se=sentados, sem olharem um para o outro, até que ele pegou num lápis =e,com ar ausente, começou a batucar no tampo da mesa.Foi Lexie quem rompeu o silêncio, para perguntar: - O que é que =tenshoje?Jeremy notou o desafio na voz dela, mas não respondeu.- Não queres falar comigo?Lentamente, ele ergueu a vista para ela e pediu-lhe, com voz calma: -=Conta-me o que aconteceu com o Trevor Newland. Ou deverei chamar-lheMr. =Renaissance?

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Lexie abriu apenas um pouco mais os olhos e parecia prestes a responder=quando Mrs. Reynolds reapareceu, trazendo o notário a reboque.=Sentaram-se à mesa e o notário abriu o processo na frente =deles.Começou por explicar os procedimentos, mas Jeremy mal o ouvia. Em vez=de prestar atenção, regressou mentalmente ao passado, ao acto =finaldo divórcio de Maria. Tudo lhe parecia semelhante, desde a =compridamesa de nogueira, rodeada de cadeiras estofadas, às =prateleiras cheias

de livros de leis e à grande janela que deixava =entrar a luz do sol.Durante os minutos seguintes, o notário explicou os termos do=contrato, página por página. Citou-lhes os números, =mostrou-lhes ostotais do empréstimo bancário e da avaliação =da casa, os valoresaprovados e as taxas de juro acordadas. De =súbito, Jeremy achou ocusto total esmagador, tão esmagador como o =facto de ir passar os131trinta anos seguintes a pagar a casa. com uma sensação de peso no=estômago, foi assinando nos sítios que lhe indicaram e, quando=acabou, empurrou o contrato na direcção de Lexie. Nenhum deles fez=perguntas, nenhum pegou no processo. A determinada altura, Jeremy=surpreendeu o notário a trocar olhares com Mrs. Reynolds, que se=limitara a encolher os ombros.

Tudo assinado, o notário juntou as três cópias do processo e=distribuiu-as: uma para o vendedor, outra para os arquivos do=cartório e a última para os novos proprietários. Estendeu a =cópia doprocesso e Jeremy pegou-lhe e pôs-se de pé.- Parabéns - concluiu o notário. Resposta seca de Jeremy: - =Obrigado.Não houve conversa de circunstância enquanto Mrs. Reynolds =conduziaJeremy e Lexie para a saída. A agente imobiliária =também lhes deu osparabéns e encaminhou-se sem demora para o seu =carro.Ali fora, à luz do sol, nenhum deles parecia saber o que dizer, =atéque ela resolveu quebrar o silêncio.- Agora podemos ir ver a casa?Antes de responder, Jeremy observou-a por instantes. - Não achas que,=antes disso, devíamos conversar?- Falamos quando chegarmos lá.O primeiro pormenor em que Jeremy reparou ao chegarem junto da casa foi=o dos balões presos ao poste junto à entrada; por baixo deles =estavauma faixa a dizer "BEM-VINDOS AO LAR". Olhou de revés para =Lexie, queexplicou:- Esta manhã vim colocar os balões e a faixa. Pensei que fosse uma=surpresa para ti.- Pois é - limitou-se a responder. Sabia que deveria acrescentar mais=qualquer coisa, mas não o fez.Lexie abanou a cabeça, um movimento subtil, quase imperceptível, =quedizia tudo. Sem falar, abriu a porta do carro e saiu. Jeremy ficou a=vê-la caminhar na direcção da casa, notando que não esperara =por ele,nem olhara para trás.Sentiu que ela estava tão desapontada com ele quanto ele estava

=desapontado com ela; que a cólera dela era o espelho da sua. Sabia o=que tinha acontecido com Trevor Newland; ela sabia que ele sabia.Contudo, Lexie parecia querer evitar falar do assunto.Jeremy saiu do carro. Lexie já estava no alpendre da frente, de =braçoscruzados, a olhar por cima da cabeça dele, na =direcção de uma mata deciprestes antigos. Jeremy caminhou na =direcção dela, a sentir132o som dos próprios passos ao caminhar para o alpendre. Parou quando=estava perto.A voz dela era quase um sussurro.

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- Sabes, tinha tudo planeado. Refiro-me ao dia de hoje. Estava tão=excitada quando saí da loja com os balões e a faixa, tinha o plano=inteiro na minha cabeça. Pensava que, depois de terminarmos no=notário, te proporia um piquenique; traria umas sanduíches e uns=refrigerantes do Herbs e far-te-ia a surpresa ao encaminhar-te até=aqui. À nossa casa, no próprio dia em que passou a ser nossa. =Penseique nos sentaríamos no alpendre das traseiras... nem sei, =só para

gozarmos o momento, pois tanto tu como eu sabemos que um dia =como estejamais se repetirá.Depois de uma pausa, Lexie acrescentou: - Não vai ser assim, pois =não?Pelo menos por uns instantes, aquelas palavras fizeram-no lamentar a=maneira como se comportara. Mas não tinha culpa de nada do que estava=a passar-se; acontecera apenas que soubera algo acerca de Lexie, um=facto que ela não mencionara por não ter suficiente confiança =nele. Echamara-lhe a atenção para essa falha.Sentiu-a respirar fundo, antes de o enfrentar. - Por que motivo queres=saber o que se passou com o Trevor Newland? Já te falei nele.=Apareceu por aqui num Verão, há alguns anos, tivemos um caso, ele=foi-se embora. É tudo.- Não foi isso que te perguntei. Perguntei-te o que aconteceu.

- Não vejo qual é o interesse - replicou Lexie. - Gostei dele, =partiue nunca mais voltei a vê-lo. Não voltei a ouvir falar =dele.- Mas aconteceu qualquer coisa - insistiu ele.- Por que é que estás a fazer-me isto? - protestou ela. Quando nos=conhecemos eu tinha 31 anos. Não te apareci vinda de debaixo de uma=pedra e não tinha passado toda a vida no sótão. Então, =namorei outrosantes de teres aparecido? É claro que sim, até =gostei de alguns deles.Mas tu fizeste o mesmo e não me ouves =perguntar-te o que se passou coma Maria ou com as tuas antigas =namoradas. Não sei o que te deuultimamente. Parece que tenho de =andar em bicos de pés, de evitartodos os assuntos, para não te =desgostar. Está bem, talvez devesseter-te contado tudo sobre o =Trevor, mas, dado o teu comportamento dosúltimos tempos, =acabaríamos sempre por brigar.- O meu comportamento?- Sim! - exclamou Lexie, já em voz alterada. - Um pouco de ciúme =énormal, mas isto é ridículo. Primeiro o Rodney, agora é o =Trevor?Aonde é que vamos parar? Vais querer saber o nome de cada133um dos tipos com quem saí quando andava na universidade? Ou do=primeiro rapaz que beijei? Queres saber todos os pormenores? Como já=disse, será que isto vai ter fim?- Não se trata de ciúme! - contrapôs Jeremy.- Ai não? Então é o quê?- É um problema de confiança.Lexie mostrou-se incrédula. - Confiança? Como é que vou =conseguir terconfiança em ti se tu não tiveres confiança em =mim? Durante toda estasemana até tenho tido medo de dar os bons-dias =ao Rodney,

especialmente depois do regresso da Rachel, com receio do que =tupossas pensar. Continuo sem saber onde é que ela esteve ou o que =sepassa com ela, mas, como tenho andado entretida a fazer tudo para que=te sintas feliz, ainda não tive tempo para perguntar. E, quando julgo=que as coisas entre nós estão a voltar à normalidade, =começas ainterrogar-me acerca do Trevor. Parece que andas à =procura depretextos para te zangares, e eu estou cansada de =zaragatas.- Não me atribuas as culpas desta situação - contrapôs =Jeremy.- Não sou eu quem continua a esconder coisas.- Não estou a esconder nada.

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- Li o diário da Doris - revelou ele. - Encontrei lá as tuas =iniciais.- Estás a falar de quê?- Do diário dela! - voltou a exclamar. - Está lá, escrito com =todas asletras... que LMD estava grávida, mas a Doris não indica =o sexo dobebé, o que, para ela, significava que a grávida faria =um aborto. L-M-D. Lexie Marin Darnell És tu, não és?Lexie engoliu em seco, sem esconder a confusão. - Está escrito no

=diário?- Pois está; e também lá está o nome Trevor Newland.- Espera - começou Lexie, cada vez mais estupefacta.- Só quero que me digas uma coisa - exigiu Jeremy. - Vi as tuas=iniciais, vi o nome dele e tirei as minhas conclusões. Estavas=grávida, ou não estavas?- E depois? - gritou Lexie. - Que importância é que isso tem?- Magoa que não acredites em mim o suficiente para poderes contar-me.=Estou cansado destes segredos entre nós...Ela interrompeu-o, não o deixando concluir. - Magoa? Quando viste o=nome no diário não paraste um pouco para reflectires sobre os meus=sentimentos? Que eu posso ter sido magoada? Que provavelmente não te=contei por não sentir vontade de recordar o que aconteceu? Que se

=tratou de um período terrível da minha vida, que nunca134mais quero reviver? Não tem nada a ver com a confiança em ti. =Até nemtem nada a ver connosco. Fiquei grávida. Abortei. E =então? As pessoascometem erros, Jeremy.- Não estás a perceber a minha intenção.- Qual intenção? A vontade de quereres iniciar uma nova =discussão estamanhã e de teres andado à procura de um =pretexto? Pois bem,encontraste um; por isso, dou-te os parabéns. Mas =começo a ficarcansada desta situação. Sei que andas sob =pressão, mas isso não te dáo direito de continuares a implicar =comigo.- O que queres dizer com isso?- O teu trabalho! - explodiu Lexie, erguendo as mãos. - A questão =éapenas essa e tu sabes isso! Não consegues escrever e implicas =comigo,como se a culpa fosse minha. Para ti tudo tem uma importância=desproporcionada e quem paga sou eu. Um amigo está preocupado,=converso com ele e, de repente, deixei de ter confiança em ti. Não =tedisse que fiz um aborto, há quatro anos, tudo por não ter =confiança emti. Estou cansada de ser considerada a má da fita, =só porque tu nãoconsegues alinhavar um artigo.- Não me atribuas as culpas. Eu é que fiz o sacrifício de me =mudarpara cá...- Ora aí está! É precisamente isso que pretendo dizer! Tu =fizeste osacrifício - interrompeu Lexie, praticamente a cuspir a =últimapalavra. - É exactamente assim que tens agido! Como se =tivessesarruinado toda a tua vida por teres vindo viver para aqui!- Não disse isso.

- Pois não, mas foi o que pretendeste dizer! Andas sob tensão por =nãoconseguires trabalhar e atribuis-me a culpa! Mas a culpa não =é minha!Por acaso já paraste um instante para te perguntares se =eu também andosob tensão? Tomei a meu cargo toda a =preparação do casamento!Encarreguei-me de dirigir a =renovação da casa! Sou eu quem teve defazer tudo isto, além de =suportar o fardo da gravidez! E consegui oquê? "Não me contaste a =verdade." Mesmo que tivesse contado, mesmo quete tivesse dito tudo, =arranjarias sempre maneira de estares zangadocomigo! Já não =consigo fazer nada de jeito. É como se tivessesconseguido fazer de =mim uma pessoa que já nem conheço.

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Jeremy sentiu a cólera a aumentar novamente. - Porque tu não me =julgascapaz de fazer nada de jeito! O meu vestuário não é =adequado, não seiescolher comida saudável, o género de carro =que quero comprar nãointeressa, nem mesmo pude escolher a casa onde =vou morar. Tu tenstomado todas as decisões, as minhas ideias não =contam para nada!135Os olhos dela faiscaram. - É por estar a pensar na nossa família.

=Enquanto tu só pensas em ti mesmo!- E tu? - gritou ele. - Eu é que tive de abandonar a minha =família,porque tu não o farias. Tive de arriscar a minha =carreira, porque tunão o farias. Estou a viver num motel que é um =monte de porcaria,rodeado de animais mortos, porque não queres que =os habitantes daterra fiquem com uma impressão errada! E tenho pago =tudo o que tuqueres, não o contrário!- Dinheiro? Também estás furioso por causa do dinheiro?- Aqui, vou ficar falido e tu nem te apercebes da situação! =Podíamoster adiado algumas das obras da casa! Não precisamos de =um berço de500 dólares! Não precisamos de um armário =atafulhado de roupas! E abebé ainda nem nasceu! - exclamou Jeremy, =de mãos erguidas para oalto. - Agora já podes perceber os motivos =da pressão da escrita.

Trata-se de arranjar maneira de pagar todas =estas coisas que tuqueres, e não consigo fazê-lo aqui. Nesta =terra não há notícias quepossa aproveitar, não há =energia, não há nada!Quando ele acabou ficaram muito tempo calados, a olhar um parao outro.- É isso que pensas realmente? Que não há nada aqui? O que sou =eu e abebé? Não significamos nada?- Tu sabes perfeitamente o que eu quero dizer.Lexie cruzou os braços. - Não, não sei. Por que é que não =meesclareces?Subitamente exausto, Jeremy limitou-se a abanar a cabeça. Só =pretendiaque ela percebesse. Sem uma palavra, saiu do alpendre.Caminhou em direcção ao carro, mas decidiu deixá-lo. Lexie =precisariade transporte; quanto a ele, decidiria mais tarde. Tirou as =chaves daalgibeira e atirou com elas para junto da roda. Ao sair do =desvio deacesso à casa nem se preocupou em olhar para trás.136ONZEHoras depois, sentado na cadeira de descanso da casa de alvenaria dos=pais, em Queens, Jeremy tinha os olhos postos na janela. Acabara por=pedir a Doris que lhe emprestasse o carro para ir ao Greenleaf mudarde =roupa e seguir para o aeroporto. Ao reparar na expressão dele,Doris =não fizera perguntas e, durante o caminho, Jeremy tinha revividoa =discussão uma centena de vezes.De início, fora-lhe fácil continuar zangado pela maneira como =Lexietinha dado a volta aos factos em seu benefício; no entanto, =à medidaque se afastava e sentia que estava a recuperar a calma, =começou a

duvidar se ela não teria razão. Não toda a =razão, pois havia queassacar-lhe a sua parte de responsabilidade na =escalada da discussão,mas também ele teria certamente de assumir =uma parte da culpa. A suacólera dever-se-ia realmente à falta de =confiança demonstrada porLexie, ou estaria apenas a reagir às =pressões a que estava submetido ea atribuir a culpa a Lexie? Para =ser totalmente honesto consigopróprio, tinha de admitir que o stress =fazia parte do problema, masnão se tratava apenas do stress =relacionado com o seu trabalho dejornalista. A questão dos e-mails =continuava por resolver.As mensagens não se destinavam a fazê-lo duvidar de que era o pai =da

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bebé. A finalidade era levá-lo a suspeitar de Lexie. E pareciam =tercumprido bem a missão. Mas quem os enviara? E porquê?Quem é que sabia da gravidez de Lexie? A Doris, sem dúvida, o que =atornava a candidata aparente. Só que Jeremy não conseguia =imaginá-la afazer nada de semelhante e, segundo Lexie, a avó nem =sabia usar umcomputador. E aquela correspondência era obra de um =especialista.Restava, então, Lexie. Recordou-se da expressão da noiva quando a

=informou de que tinha visto o nome dela no diário. A menos que a137confusão tivesse sido fingida, ela não sabia que o seu nome =constavado diário. Doris ter-lhe-ia dito que sabia? Conforme a data =em que oaborto tinha sido executado, qualquer delas podia não ter =informado aoutra.A ser assim, quem é que sabia?Fez um telefonema para o pirata informático seu amigo e deixou-lhe =umamensagem, a dizer-lhe que precisava da informação pedida com=verdadeira urgência. Antes de desligar, pediu-lhe para lhe ligar para=o telemóvel logo que descobrisse alguma coisa.Dentro de uma hora seguiria para a festa de despedida de solteiro, mas=não se sentia com disposição. Embora aspirasse a passar algum =tempo

junto de Alvin, não queria rever toda a questão com ele. =Aqueladeveria ser uma noite de divertimento, o que para já não =lhe pareciapossível.- Não devias estar a preparar-te?Jeremy viu o pai a aproximar-se, vindo da cozinha. - Estou pronto.- com essa camisa? Pareces um lenhador!com a pressa de fazer a mala para sair de Boone Creek, e ao aperceber-se =de que tinha transpirado a roupa que vestira para ir assinar aescritura =da casa, Jeremy tirara a camisa de flanela do armário. Aoolhar para =a barriga, ficou a magicar se aquele não seria um esforço=subconsciente para admitir que Lexie tinha razão. - Não gosta =dela?- É diferente, disso não tenho dúvidas - observou o pai. =Comprasteisso lá em baixo?- Foi-me oferecida pela Lexie.- Talvez devesses falar com ela sobre vestuário. Ora, eu talvez=ficasse bem dentro de uma coisa dessas, mas não me parece nada=própria para ti. Especialmente para hoje, se fores sair.- Veremos - respondeu Jeremy.- Estás à vontade - concluiu o pai ao sentar-se no sofá. - =Então, oque é que se passa? Tiveste uma discussão com a Lexie =antes de virespara cá?Jeremy ergueu uma sobrancelha. Primeiro o presidente da Câmara, agora=o pai. O seu rosto poderia ser lido como um livro aberto?- O que é que o leva a fazer essa pergunta? - decidiu indagar.- A maneira como tens estado a agir. Ela não achou bem que fizesses=uma festa de despedida de solteiro?- Não, não foi nada disso.

- É que algumas mulheres ficam furiosas com essas festas. Como é=evidente, todas dizem que está muito bem, mas, lá por dentro, =não138gostam de encarar a ideia de que os noivos vão deitar olhares gulosos=a algumas mulheres bonitas.- Não vamos fazer uma festa desse género. Disse ao Alvin que =nãoqueria nada disso.O pai instalou-se mais confortavelmente. - Nesse caso, qual foi omotivo =da zaragata? Queres falar do assunto?Depois de um debate interior, Jeremy decidiu que não queria falar do

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explosão. Contudo, a beleza =do casamento está nisso: se escolhermos apessoa certa, e se existir =amor entre o casal, arranjaremos sempremaneira de ultrapassar as =dificuldades.Passadas umas horas, Jeremy estava encostado a uma das paredes do=apartamento de Alvin, empunhando uma cerveja e a observar o grupo de=homens, muitos dos quais estavam a ver televisão. Principalmente por=ambos partilharem o gosto das tatuagens, Alvin era um grande admirador

=de Allen Iverson, e quisera o destino que os Philadelphia 76ers=estivessem a defrontar os Hornets nosptay-offs. Embora a maioria dos=presentes preferisse provavelmente ver o jogo dos New York Knicks,estes =só jogavam na quarta-feira. Mesmo assim, as pessoas amontoavam-se =à volta do televisor, usando a desculpa da festa de despedida de=solteiro, numa desordem que certamente não lhes seria permitida pelas=mulheres que tinham em casa. Se fossem casados, claro. Jeremy tinha=dúvidas quanto a alguns deles, que rivalizavam com o Alvin na=densidade das tatuagens e no número de piercings. Contudo, pareciam=estar a divertir-se; uns quantos tinham começado a beber logo que=entraram e já falavam com vozes pastosas. Uma vez por outra, =alguémparecia lembrar-se subitamente do motivo por que estava no =apartamentode Alvin e caminhava, inseguro, em direcção a =Jeremy.

- Estás a divertir-te? - poderia dizer, ou: - E se bebêssemos mais =umacerveja?- Estou bem, obrigado - respondia Jeremy.Embora não tivesse visto aquela gente durante uns dois meses, poucos=sentiam a necessidade de actualizarem a conversa, o que fazia sentido,=pois, na sua maioria, eram mais amigos de Alvin do que dele próprio.=Na realidade, depois de percorrer a sala com o olhar, chegou à=conclusão de que não conhecia metade das pessoas presentes, o que =nãodeixava de ter a sua graça, na medida em que aquela deveria =ser a suafesta. Teria ficado igualmente satisfeito se tivesse passado o =serãocom Alvin, Nate e os irmãos, mas Alvin era conhecido por =aproveitartodas as oportunidades para se divertir à grande, em =especial quandoos 76ers estavam a ganhar por dois pontos a meio do =terceiro períodode jogo. Só Nate, que nunca se interessara muito =por desportos,parecia alheio ao jogo; de momento, concentrava-se na =tarefa deguarnecer o prato com mais uma fatia de piza.A festa tinha começado da melhor maneira; quando entrou na sala, foi=saudado como se estivesse a regressar da guerra. Os irmãos tinham-se=juntado à sua volta e bombardearam-no com perguntas acerca de Lexie,=de Boone Creek e da casa; Nate tinha tido a amabilidade de lhe trazer=uma lista de ideias que talvez ele pudesse aproveitar para os artigos,=uma das quais se referia ao crescente uso da astrologia na análise de=investimentos. Jeremy ouviu, tomou notas mentais e admitiu para simesmo =que a ideia era original e poderia ser aproveitada, tanto para a=crónica habitual como para um artigo independente; agradeceu a Nate,=com a promessa de não se esquecer. Como se a promessa servisse para=alguma coisa!

No entanto, para já fora-lhe fácil esquecer os problemas. A =distânciatinha uma estranha forma de fazer com que as =irritações provocadaspela vida em Boone Creek lhe parecessem =humorísticas; ao descrever asobras aos irmãos, eles não =conseguiram conter as gargalhadas com adescrição que fez dos =operários, o que também provocou o riso dopróprio Jeremy. =Riram até às lágrimas com o facto de Lexie o terobrigado a =ficar no Greenleaf e pediram-lhe que lhes mandassefotografias, de =maneira que eles pudessem ver com os próprios olhos141os animais embalsamados. Também queriam uma fotografia de Jed, o =qual,

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no decurso da conversa, atingira proporções quase míticas =para eles. Eimploraram-lhe, tal como Alvin já fizera, que lhes =anunciasse a suaprimeira caçada, de modo a poderem divertir-se.com o tempo, arrastaram-se para junto do televisor, tal como todos os=outros, acomodando-se ao espírito do serão. Jeremy sentiu-se =contentepor poder assistir de longe.- Bonita camisa - comentou Alvin ao chegar junto dele.

- Eu sei. Já me disseste isso duas vezes.- E vou continuar a dizer. Não me interessa se foi comprada pela =Lexieou não. Pareces um turista.- E então?- E então? Esta noite vamos sair. Vamos tomar a cidade de assalto, =pô-la em festa por ser a tua última noite de homem solteiro, e tu=apareces-me com a roupa de quem passou a tarde a ordenhar vacas. Esse=não és tu.- É o meu novo eu.Alvin riu-se. - Espera, não foste tu quem começou a protestar por=causa da camisa?- Acho que me habituei.- Parece que não restam dúvidas acerca disso. Contudo, deixa-me =dizer-

te que os meus amigos estão a divertir-se à tua custa.Jeremy ergueu a cerveja e bebeu mais um gole. Estava a segurá-la =háuma hora e começava a ficar quente. - Não posso dizer que =isso meincomode. Metade deles veste T-shirts compradas em concertos =rock, aoutra metade está coberta de couro. Pareceria sempre um =estranho,qualquer que fosse a camisa.- Talvez tenhas razão - anuiu Alvin, a sorrir -, mas repara na =energiaque eles trouxeram para a tua festa. Não me conseguia =imaginar apassar todo o serão com o Nate a reboque.Jeremy olhou para o seu agente, sentado do outro lado da sala. Nate=vestia um fato de três peças e exibia um brilho intenso no alto da=cabeça por causa da transpiração, bem como uma mancha de molho =depiza no queixo. Parecia mais deslocado que Jeremy. Ao ver que Jeremy=olhava para ele, acenou com uma fatia de piza.- Pois, isso faz-me recordar... obrigado por teres convidado os teus=amigos para a minha festa de despedida de solteiro.- Quem é que havia de convidar? Tentei os tipos da Scientific=American, mas não se mostraram minimamente interessados. Para além=deles, os únicos nomes de que me lembrei, tirando os teus irmãos,=eram de mulheres. Não me tinha apercebido de que levavas142uma vida de eremita. E, além do mais, isto é apenas o aquecimento,=para nos deixar com a disposição certa para o resto da noite.- Receio perguntar quais são os planos para o resto da noite.- Não te preocupes. É uma surpresa.Os que estavam a assistir ao jogo soltaram um rugido e cumprimentaram-se =entre si. Houve cerveja entornada aqui e ali e a repetição da

=jogada mostrou Iverson a encestar da linha de três pontos.- Escuta, o Nate já falou contigo?- Já. Porquê?- Porque não pretendo que ele nos estrague a noite, sempre a falar de=trabalho. Sei que, para já, é um assunto doloroso para ti, mas =vaister de o deitar para trás das costas mal entremos na =limusina.- Não há problema - mentiu Jeremy.- Pois não. É por isso que ficaste aqui encostado à parede em =vez deestares a ver o jogo, não é?- Estou a preparar-me para a noite.

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- Mais parece que estás a controlar-te para não te meteres em=sarilhos. Se eu não te conhecesse, diria que ainda estás na =primeiracerveja.- E então?- E então? É a tua festa de despedida de solteiro. Estás =autorizado aperder a cabeça. De facto, espera-se que o faças. Que =me dizes se eufor buscar outra cerveja e dermos início à =festa?

- Estou óptimo - insistiu Jeremy. - Estou a divertir-me. Alvin=observou-o. - Estás mudado.Jeremy estava de acordo. Mas não respondeu. O outro abanou a =cabeça. -Sei que estás para casar, mas... Como deixasse a frase a =meio, Jeremyficou a olhar para ele. Mas, o quê?- Isto - respondeu Alvin. - Tudo isto. A maneira como estás vestido, =amaneira como te comportas. É como se eu já não conseguisse =saber quemtu és.Jeremy encolheu os ombros. - Talvez esteja a crescer. Alvin começou a=descolar o rótulo da garrafa de cerveja. - Pois, talvez seja =isso.Na sua maioria, os amigos de Alvin aproximaram-se da comida logo que o=jogo terminou, fazendo tudo o que podiam para acabar com a última=fatia de piza, até que, finalmente, Alvin lhes indicou a porta do

=apartamento. Quando os outros saíram, Jeremy seguiu Alvin, Nate e os=irmãos pela escada abaixo, para se amontoarem dentro143da limusina que já os esperava. Dentro do automóvel, havia outra =caixade cervejas misturadas com gelo e até Nate estava a integrar-se =noambiente festivo. Um fracalhote quanto a bebidas alcoólicas, à=terceira cerveja já começava a perder o equilíbrio e tinha as=pálpebras a meia haste.- Clausen - repetia. - Precisas de outra história como a do Clausen. =Éisso que tens de encontrar. Tens de conseguir caçar outro =elefante.Estás a ouvir-me?- Caçar um elefante - repetiu Jeremy, a tentar não ficar enjoado =com obafo alcoólico. - Entendido.- Isso mesmo. É exactamente o que tens de fazer.- Eu sei.- Mas tem de ser um elefante.- Claro.- Um elefante. Estás a ouvir?- Orelhas gigantes, tromba comprida, come amendoins. Elefante.=Entendido.Nate assentiu. - Já estás a raciocinar.Viu Alvin, do outro lado do automóvel, a adiantar-se para dar=instruções ao motorista. Pararam poucos minutos depois; os =irmãos deJeremy acabaram as cervejas antes de deslizarem para =fora.Jeremy foi o último a sair e apercebeu-se de que estavam no mesmo bar=onde tinham ido celebrar o seu aparecimento no programa PrimetimeLive, =em Janeiro. com o seu grande balcão de granito e iluminação

=para impressionar, o lugar estava tão polido e apinhado como nessa=altura. Para lá das janelas de vidro, via-se apenas espaço para =beberem pé.- Achei que gostarias de começar por aqui - esclareceu Alvin.- Por que não?- Eh! - exclamou Nate. - Estou a conhecer este lugar acrescentou, a=olhar à sua volta. - Já aqui estive.Jeremy sentiu-se empurrado por um dos irmãos. - Anda lá, =calmeirão.Vamos entrar.- Mas aonde é que estão as dançarinas?

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- Mais tarde - acrescentou outro dos irmãos. - A noite ainda é uma=criança. Só estamos a aquecer.Quando Jeremy se voltou para Alvin, este limitou-se a encolher os=ombros. - Não fiz planos para isso, mas sabes como são alguns =destestipos quando se fala de festas de despedida de solteiro. Não =podesresponsabilizar-me por tudo o que venha a acontecer estanoite.

144- É óbvio que posso.- Caramba, esta noite és um verdadeiro fartote de rir, não és? =Jeremyseguiu o amigo em direcção à porta da frente; Nate e =osirmãos já estavam lá dentro, a tentarem abrir caminho por entre =osgrupos. Depois de entrar, Jeremy sentiu-se a respirar naquela=atmosfera que já considerara o seu lar. As pessoas, na sua maioria,=estavam vestidas com estilo; algumas, metidas em fatos, pareciam ter=vindo directamente do escritório para ali. Não tardou a fixar os=holofotes numa bonita moreninha, que estava na ponta do balcão e=parecia beber um qualquer líquido tropical; na sua vida anterior=teria começado por lhe oferecer uma bebida. Naquela noite, a visão=dela fê-lo recordar Lexie; acariciou o telemóvel, sem saber se

=deveria telefonar-lhe, só para a informar de que tinha chegado bem.=Talvez até para lhe pedir desculpa.- O que é que bebes? - perguntou Alvin, de longe. Já conseguira =abrircaminho até ao balcão e estava inclinado sobre o tampo, a =tentarchamar a atenção do empregado.- Para já, estou bem - gritou Jeremy para se sobrepor ao barulho. Por=entre as ondas de pessoas, conseguiu ver os irmãos juntos, numa ponta=do balcão. Ao dar passagem a outro grupo, Nate parecia balançar =comoum barco.Alvin abanou a cabeça e pediu dois gins com água tónica; depois =depagar, entregou um a Jeremy.- Assim não vale - censurou, ao passar-lhe a bebida. - É a tua =festade despedida de solteiro. Como padrinho, acho que posso bater o =pé einsistir para que te animes.- Estou a divertir-me - voltou a insistir Jeremy.- Não, não estás. O que foi? Tu e a Lexie tiveram mais uma =zanga?Jeremy passeou o olhar pelo bar; num dos cantos pareceu-lhe reconhecer=alguém com quem namorara. Jane qualquer coisa. Ou seria Jean?Não interessava, pareceu-lhe apenas uma maneira expedita de fugir =àpergunta do amigo. Endireitou-se. - Quase - admitiu.- Vocês passam a vida a zangar-se? - indagou Alvin. - Já alguma =vezpensaste que isso pode querer dizer qualquer coisa?- Não passamos o tempo a zangar-nos.- Qual foi o motivo desta última zanga? - perguntou Alvin, ignorando =ocomentário do amigo. - Antes de partires para o aeroporto =esqueceste-te de a beijar como deve ser?Jeremy enrugou a testa. - Ela não é dessas!

145- bom, alguma coisa se passou - persistiu Alvin. - Queres falar =disso?- Não. Neste momento, não.Alvin arqueou uma sobrancelha. - Deve ser grave, hum? Depois de beberum =gole e de sentir o ardor na garganta, Jeremy limitou-se a dizer: -=Não.- Tu é que sabes - prosseguiu Alvin, a abanar a cabeça. Óptimo, =se nãoqueres falar comigo talvez devesses conversar com os teus =irmãos. Mashá uma coisa que posso garantir-te: desde que foste =viver para lá, nãotens sido feliz - acrescentou. Fez uma pausa =para lhe dar tempo para

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pensar. - E provável que seja essa a razão =de não estares a conseguirescrever.- Não sei qual o motivo que me impede de trabalhar, mas posso=garantir-te que não tem nada a ver com a Lexie. E não sou infeliz. =".- As árvores não te deixam ver a floresta.- O que é que te deu? - inquiriu Jeremy.- Só estou a tentar que vejas tudo isto com clareza.

- Tudo o quê? - exigiu Jeremy. - Quem te ouvir dirá que não =queres queeu case com ela.- Acho que não deves casar com ela - ripostou Alvin. - Foi o que=tentei fazer-te perceber quando foste morar para lá. Tu nem a=conheces e penso que boa parte do teu problema é estares, finalmente,=a aperceber-te disso. Ainda não é tarde...- Eu adoro-a! - replicou Jeremy, numa voz que revelava crescente=exasperação. - Como é que podes fazer uma afirmação =dessas?- Porque não desejo que faças uma asneira! - contrapôs =Alvin.- Estou preocupado contigo, entendes? Não és capaz de escrever, =estáspraticamente falido, não pareces confiar na Lexie e ela =não mostrasuficiente confiança em ti para te informar de que =houve uma gravidezanterior. E agora dizes-me que se zangaram pela =enésima vez...

Jeremy pestanejou. - O que é que disseste?- Disse que não desejava que faças uma asneira.- Depois disso! - bradou Jeremy.- O quê?- Disseste que a Lexie já esteve grávida. Alvin abanou a =cabeça. - Naminha opinião...- Como é que soubeste disso? - exigiu Jeremy.- Não sei... Julgo que deves ter mencionado isso numa conversa=anterior.146- Não! - negou Jeremy. - Não mencionei. Só tive conhecimento =dissoesta manhã. E não te contei. Portanto, pergunto-te uma vez =mais: comoé que soubeste?Foi naquele preciso momento, ao olhar para o amigo, que sentiu as=peças a ajustarem-se nos seus devidos lugares: e-mails impossíveis =deidentificar... o breve namoro com Rachel e a sugestão para que ela=viesse visitá-lo... o facto de Alvin ter feito questão de falar =nela,o que significava que continuava a pensar nela... a recente =ausêncianão explicada de Rachel, a que se juntou a necessidade de =Alvindesligar o telefone, alegando estar acompanhado...Jeremy susteve a respiração, pois tudo se ajustava como no mais=perfeito dos quebra-cabeças, uma situação demasiado absurda =para seaceitar, demasiado óbvia para ser ignorada...Rachel, amiga de Lexie há muitos anos... tinha acesso ao diário de=Doris e sabia o que continha... devia saber que Doris o tinhaemprestado =a Jeremy... tinha problemas com Rodney por causa de Lexie...E Alvin, o seu amigo, continuava a dar-se com a ex-mulher de Jeremy,

=eram velhos amigos que partilhavam tudo...- A Rachel esteve cá, não esteve? - indagou por fim Jeremy, com a =voza tremer de cólera. - A Rachel veio visitar-te a Nova Iorque, =não veio?- Não.- As mensagens foram mandadas por ti - prosseguiu, finalmente aperceber =toda a traição do amigo. Olhou para Alvin como se ele fosseum =estranho. - Tu mentiste-me.Os presentes voltaram-se para observar a cena; Jeremy mal reparouneles. =Mesmo sem querer, Alvin deu um passo atrás.- Posso explicar...

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- Por que é que fizeste isso? Considerava-te meu amigo.- Eu sou teu amigo - reiterou Alvin.Jeremy não pareceu ouvi-lo. - Sabias a pressão a que tenho estado=sujeito...Abanou a cabeça, a tentar abarcar toda a realidade da situação. =Alvinagarrou-o por um braço. - Pronto, a Rachel esteve em Nova =Iorque e fuieu que mandei as mensagens - confessou. - Não soube da =vinda dela até

à véspera, até ela me telefonar; =surpreendeu-me tanto quanto a ti.Tens de acreditar em mim quanto a =isso. Quanto às mensagens, só asenviei por me preocupar contigo. =Nunca mais foste o mesmo desde quefoste lá para baixo e não =queria que cometesses um erro.Jeremy manteve-se calado. Aproveitando o silêncio dele, Alvin =apertou-lhe o braço e prosseguiu: - Não digo que não deves =casar147com ela. Parece-me boa rapariga, de verdade. Mas atiraste-te de =cabeçae não estavas a ouvir a voz da razão. Ela até pode =ser a mulher maisexcepcional de todos os tempos, e espero que seja, mas =tu tinhas desaber onde é que estavas a meter-te.- A Maria contou-te, não foi? - perguntou Jeremy, depois de respirar=fundo, ainda incapaz de olhar Alvin de frente. - Disse-te qual foi o

=verdadeiro motivo do nosso divórcio?- Pois disse - confessou Alvin, parecendo aliviado por Jeremy começar=a perceber. - Ela contou-me. Disse que não poderia acontecer, de=maneira nenhuma. As suspeitas dela foram superiores às minhas, se=queres saber a verdade, e fizeram-me pensar; por isso, mandei o e-mail- =prosseguiu, a respirar fundo. - Um erro, provavelmente, e, para teser =franco, pensei que nem ligasses; foi então que me telefonaste,=parecias perturbado, e de súbito apercebi-me de que tu alimentavas as=mesmas dúvidas que eu quanto à gravidez dela.Parou, a tomar alento para continuar. - É então que a Rachel =aparece,bebemos uns copos e ela começa a contar-me que o Rodney =continuaapaixonado pela Lexie; enquanto eu me recordava de que a Lexie =tinhaconfessado o facto de ter passado o serão na companhia dele.=Entretanto, quanto mais a Rachel falava, mais pormenores eu ficava a=conhecer acerca do passado da Lexie, sobre o tipo com quem ela namoroue =de quem ficou grávida pela primeira vez, o que veio confirmar, uma=vez mais, que a conheces muito mal.- O que é que estás a tentar dizer-me?Alvin inspirou profundamente e escolheu as palavras com todo o cuidado.=- Estou apenas a dizer que se trata de uma decisão importante e que=deverias saber naquilo em que estás a meter-te.- Estás a dizer que pensas que o bebé é do Rodney? - inquiriu =Jeremy.- Não sei o que hei-de pensar sobre isso - respondeu Alvin -, mas =essenão é o ponto importante...- Não? - indagou Jeremy, a levantar a voz. - Então qual é o =pontoimportante? Pretendes que abandone a minha noiva, que está =grávida,para regressar a Nova Iorque e poder andar na pândega =contigo?

Alvin ergueu as mãos. - Não estou a dizer isso.- Pois a mim parece-me que é justamente isso que estás a =dizer!- berrou Jeremy, sem querer ouvir mais nada. As pessoas que estavam à=volta voltaram-se de novo para eles; continuou a ignorá-las.- E sabes que mais? - prosseguiu -, não me interessa aquilo que148julgas que eu devo fazer. O filho é meu! vou casar com a Lexie! E vou=viver em Boone Creek porque é lá que me sinto bem!- Não precisas de gritar...- Tu mentiste-me!

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- Estava a tentar ajudar-te...- Traíste-me...Alvin reagiu, a gritar tão alto quanto o amigo. - Não! Limitei-me =afazer perguntas, aquelas que tu deverias ter feito desde o =início.- Não tinhas nada a ver com isso!- Não o fiz para te magoar! - gritou Alvin em resposta. - Não sou =aúnica pessoa a julgar que estavas a avançar com demasiada pressa =em

todo este processo! Os teus irmãos pensam o mesmo!O comentário fez com que Jeremy ficasse paralisado por instantes;=Alvin aproveitou a oportunidade para defender as suas ideias.- Jeremy, o casamento é um acto importante! Não estamos a falar de =aconvidares para jantar; estamos a falar de passares a acordar com ela=ao teu lado para o resto da tua vida. As pessoas não se apaixonam em=dois dias. E, pensa como quiseres, mas também não aconteceu =contigo.Achaste-a fantástica, consideraste-a inteligente, ou bonita, =seja oque for... mas decidires subitamente que vais passar o resto dos =teusdias com ela? Desistires da tua casa e da tua carreira por um =capricho?Falava com a voz de quem implorava, que lembrava a Jeremy o tom de um=professor a tentar convencer um aluno inteligente a abandonar a sua=obstinação. Podia ter invocado quantas respostas quisesse. Poderia

=ter dito a Alvin que o bebé era dele, Jeremy; podia ter dito a Alvin=que mandar o e-mail não fora apenas um erro, fora um gesto sinistro;=podia ter dito a Alvin que amava Lexie, que sempre a amara desde o=início e que a amaria sempre. Porém, tinham passado essa fase e,=mesmo que Alvin estivesse enganado, nunca seria capaz de admitir tal=coisa.E Alvin estava enganado. Redondamente enganado.Em vez disso, Jeremy ficou a olhar a bebida, a fazer o líquido girar,=antes de olhar Alvin nos olhos. com um gesto rápido do braço, =atiroucom o resto da bebida à cara do outro e depois agarrou-o pelo=colarinho. Empurrando-o, obrigou um Alvin desprevenido a recuar alguns=passos, até ficar encostado a uma coluna.Esteve prestes a bater-lhe. Quase encostou a cara à dele, tão =pertoque conseguiu notar-lhe o hálito.- Nunca mais quero ver-te nem falar-te.Dito isto, girou sobre os calcanhares e caminhou para a saída.149DOZE- Não sei nada dele - confessou Lexie na tarde seguinte, sentada em=frente à avó a uma mesa do Herbs.Doris tentou sossegá-la. - Vai tudo correr bem.Lexie hesitou, a reflectir se a avó estava a falar verdade ou apenas =adizer-lhe o que a neta gostaria de ouvir. - Não viste a =expressãodele, ontem, na casa nova. A maneira como olhou para mim... =como se meodiasse.- Achas que a culpa é dele?- O que é que pretendes dizer? - perguntou Lexie, erguendo os olhos

=para ela.- Exactamente o que disse - replicou Doris. - Gostavas de saber algo=sobre o Jeremy que te levasse a pensar que não confias nele?Lexie ficou rígida e protestou. - Não vim aqui para ouvir =isto.- Pois bem, já que estás cá, vais ter de ouvir. Vieste aqui =à procurade compaixão mas, enquanto ouvia a tua história, =não deixei de pensarsobre como o Jeremy poderia avaliar toda a =situação. Viu-te de mãosdadas com o Rodney, anulas um =compromisso com ele e vais passar oserão com o Rodney e, para =terminar, descobre que já estiveste grávidade outro homem. Não =admira que ficasse furioso.

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Lexie abriu a boca para dizer qualquer coisa, mas Doris ergueu a mão=para não lhe permitir comentários.- Sei que não era isto que gostarias de ouvir, mas, neste caso, =não éele o único que está em falta.- Eu pedi desculpa. Expliquei tudo.- Sei que o fizeste, só que por vezes isso não é suficiente.=Escondeste-lhe factos, não uma ou duas vezes, mas três. Se queres

=merecer a confiança dele não podes agir assim. Devias ter-lhe =contadoo que150aconteceu com o Trevor. Julguei que já o tinhas posto ao corrente; de=contrário, nunca lhe teria entregado o diário.- Por que é que havia de lhe dizer? Há anos que não pensava em =talcoisa. Aconteceu há muito tempo.- Não para ele. Para ele, aconteceu na sexta-feira. Se fosse comigo, =éprovável que me sentisse furiosa.- Pareces estar do lado dele.- Quanto a isto, estou.- Doris!- Estás noiva, Lexie. Sei que o Rodney é um amigo de há muitos =anos,

mas estás para casar com o Jeremy, um facto que alterou as =regras. Nãohaveria problemas se lhe tivesses contado francamente o =que andavas afazer, mas resolveste agir sorrateiramente, nas costas =dele.- Foi por saber como ele ia reagir.- Ai foi? Como é que sabias? - inquiriu Doris, a fixar a neta com um=olhar firme. - Só tinhas de lhe telefonar a informar que precisavas=de falar com o Rodney, que ias tentar saber para onde a Rachel tinha=ido, que pretendias saber se terias alguma responsabilidade no=desaparecimento dela. Tenho a certeza de que o Jeremy teriacompreendido =isso. Mas não lhe contaste a história toda; e não era a=primeira vez. E, por fim, ele descobre que já tinhas estado =grávida?- Queres dizer que tenho de lhe contar tudo?- Não é isso que estou a dizer. Mas isto? Sim, provavelmente =deviaster-lhe contado. Mesmo que não se tratasse de um grande =segredo daterra, e mesmo que desejasses esquecer, tinhas de calcular =que, maiscedo ou mais tarde, ele acabaria por descobrir. Para ti, teria =sidomelhor que ele não tivesse descoberto o caso da forma que o fez. =Ou, oque ainda seria pior, se tivesse sabido do caso por intermédio =deoutra pessoa?Lexie virou-se para a janela, de boca teimosamente fechada, e Doris=pensou que ela talvez se fosse embora. Mas manteve-se sentada e a avó=estendeu o braço por cima da mesa para lhe acariciar a mão.- Eu conheço-te, Lexie. Podes ser teimosa, mas não és uma =vítima. E oJeremy também não é. O que está a passar-se =com ambos, toda essatensão a que estão submetidos... chama-se =vida. E a vida tem propensãoa criar-nos dificuldades onde menos as =esperamos. Todos os casaispassam por altos e baixos, todos os casais se =zangam e o problema é

esse: vocês são um casal, mas os casais =não conseguem funcionar semconfiança. Tens de confiar nele, ele =tem de confiar em ti.151No silêncio que se seguiu, Lexie ficou a reflectir sobre os=comentários da avó. Viu um pássaro pousar no peitoril da =janela, darpequenos saltos, como se caminhasse sobre brasas, e levantar =voo. Jávira pássaros pousarem naquele peitoril, talvez um milhar =de vezes,mas, ao observá-lo, teve a convicção absurda de que =aquele pássaroestava a querer dizer-lhe qualquer coisa. Esperou, a =ver se elereaparecia, alimentando a esperança de que voltasse. Mas =não voltou,

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obrigando-a a reconhecer o quanto a ideia era =disparatada. Por cima dacabeça dela, as ventoinhas do tecto giravam, =agitando o ar em largoscírculos.- Julgas que ele vai voltar? - acabou por perguntar, com voz que=revelava o medo que sentia.- Ele vai voltar - garantiu Doris, apertando-lhe a mão com =convicção.Lexie queria acreditar, mesmo que tivesse dúvidas. - Não sei nada =dele

desde que partiu - sussurrou. - Não ligou uma única vez.- Vai ligar - assegurou Doris. - Dá-lhe tempo. Está a tentar =encontraro caminho e passa o fim-de-semana entre amigos. Não te =esqueças de queé a sua festa de despedida de solteiro.- Eu sei...- Não faças disso um bicho-de-sete-cabeças. Quando é que ele =regressa?- Deveria ser no domingo, à noite. No entanto...- Então é quando chegará - garantiu Doris. - E, quando ele =aparecer,mostra-te contente por vê-lo. Pergunta-lhe como correu o =fim-de-semanae mostra interesse quando ele te contar o que aconteceu. =E, maistarde, não te esqueças de lhe demonstrar que ele é uma =pessoaespecial. Crê em mim, fui casada durante muito tempo.Apesar do tumulto que sentia na cabeça, Lexie sorriu. - Até =pareces

uma conselheira matrimonial.Doris encolheu os ombros. - Conheço os homens. Podem fazer uma birra=dos diabos, sentirem-se frustrados ou preocupados com o trabalho oucom =a vida, mas, no final, se souberes o que os faz correr, sãobastante =fáceis de entender. E uma das coisas que os faz correr é uma=necessidade quase desesperada de se sentirem apreciados e admirados.Se =os fizeres sentir assim, nem sabes o que são capazes de fazer por=ti.Lexie limitava-se a olhar para a avó. Ao prosseguir, Doris mostrava =umsorriso melífluo. - Desejam, como é óbvio, fantásticas =relaçõessexuais e esperam que as mulheres mantenham a casa limpa =e arrumada,sem deixarem de parecer bonitas e de arranjarem energia =suficientepara se divertirem juntos, mas a admiração e o =apreço estão semprepresentes.152Espantada e boquiaberta, Lexie perguntou: - Meu Deus, isso tudo? Talvez=devesse andar descalça e manter-me grávida, excepto quando visto=apenas roupas íntimas.- Não te mostres tão revoltada - repreendeu Doris, que retomara o =arsério. - Não és a única pessoa a ter de fazer =sacrifícios quando afinalidade é o casamento. Pensas que te cabe =a parte mais difícil? Masos homens também têm de fazer =sacrifícios. Corrige-me se estiverequivocada, mas, quando estão a =ver um filme, desejas aninhar-te aolado dele e que ele te acaricie a =mão, pretendes que ele diga o quesente e que te ouça, queres que =ele tenha tempo para a tua filha e queganhe o suficiente, não só =para comprar a casa mas também para aremodelar. Pois bem, digo-te =sem rodeios que não existe nenhum homem

capaz de percorrer o caminho =até ao altar, enquanto pensa: "Meu Deus,vou trabalhar no duro e =sacrificar-me para proporcionar uma boa vida àminha família, vou =passar horas com os meus filhos, mesmo quandoestiver cansado, enquanto =vou abraçando e beijando a minha mulher, acontar-lhe todas as =dificuldades que tenho de ultrapassar e,entretanto, farei tudo isto sem =esperar absolutamente nada em troca-"- sentenciou. A seguir, sem =esperar pela resposta, prosseguiu: - Umhomem compromete-se a fazer =coisas para manter a mulher feliz naesperança de que, também ela, =faça o que tem a fazer para o manterfeliz.

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Pegou na mão de Lexie. - Como te disse, estão ambos comprometidos=nisto. Os homens têm certas necessidades, as mulheres têm outras,=diferentes; era assim há centenas de anos e será assim daqui a =outrascentenas de anos. Se ambos se convencerem desta verdade, e se =cada umtrabalhar para satisfazer as necessidades do outro, terão um =casamentofeliz. E parte disso, para ambos, depende da confiança. No =fim, émuito simples.

- Não sei por que me diz tudo isto.Doris esboçou um sorriso astucioso. - Sabes, sim. Mas a minha=esperança é que recordes isto quando já estiveres casada. Se =pensasque agora é difícil, espera até lá. Mesmo quando =julgares que já nãopoderá piorar, verificarás que pode. E =quando já não pensares emqualquer melhoria, as coisas poderão =melhorar. Contudo, desde quecontinues a pensar que ele te ama e que tu =o amas, e desde que ambosse lembrem de agir de acordo com esse =sentimento, tudo se resolverápelo melhor.Lexie ficou a reflectir nos conselhos da avó. - Suponho que esta é =aconversa pré-matrimonial, ou não? A que tens reservada para mim =desdehá muitos anos?153

Doris soltou a mão da neta. - Olha, não sei. Suponho que =acabaríamospor falar destas coisas, mas não, esta conversa não =foi planeada.Aconteceu espontaneamente.- Então, tens a certeza de que ele vai voltar? - indagou Lexie, =depoisde ponderar as possibilidades.- Vai, com certeza. Tenho observado a maneira como olha para ti e sei o=que isso significa. Acredita ou não, mas já cá ando há =muitos anos.- E se estiveres enganada?- Não estou. Já te esqueceste? Eu sou médium.- És adivinha, não és médium.Doris encolheu os ombros. - Por vezes, a percepção faz-se sentir=exactamente da mesma maneira.Lexie parou à porta do Herbs, semicerrando os olhos ante o brilho=daquela tarde soalheira. Enquanto procurava as chaves, deu consigo a=admirar a sabedoria das palavras de Doris. Não lhe fora fácil =ouvir aavaliação que a avó fazia da situação; porém, =desde quando era fácilouvir dizer que podemos estar equivocados? =Desde que Jeremy a deixarasozinha no alpendre, encolerizara-se em =autojustificações, como se acólera pudesse afastar os =problemas, mas agora não conseguia fugir àsensação de que =eram problemas triviais. Não queria zaragatas comJeremy; tal como =ele, estava cansada de discussões. Não era maneira dese iniciar =um casamento e decidiu, logo ali, que as discussões tinhamacabado. =Ao abrir a porta do carro e ao sentar-se ao volante, acenouque sim, =determinada. Mudaria, se tivesse de mudar; e também por ser a=decisão mais sensata.Saiu do parque de estacionamento sem ter decidido aonde ia. Contudo,=levada pelo instinto, deu consigo no cemitério, em frente às =pedras

tumulares dos pais. Ao ver os nomes gravados no granito, pensou =nocasal de que não tinha recordações e tentou imaginar como =seriam ospais. A mãe rir-se-ia muito ou era uma pessoa reservada? E =o pai,gostaria de futebol ou de basebol? Pensamentos sem sentido, mas, =mesmoassim, começou a imaginar até que ponto a mãe seria =parecida comDoris, e se lhe teria feito o mesmo sermão que a avó =acabara de fazer.Achou que seria o mais provável. Afinal, eram =mãe e filha. Porqualquer razão que não conseguia explicar, a =ideia fê-la sorrir.Decidiu que telefonaria a Jeremy, logo que =chegasse a casa. Voltaria apedir-lhe desculpa e dir-lhe-ia que sentia =saudades dele.

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154E, como se a mãe estivesse a ouvir, o ar agitou-se com uma ligeira=brisa que fez oscilar as folhas da magnólia numa espécie de=concordância silenciosa.Lexie passou perto de uma hora no cemitério a invocar imagens de=Jeremy e daquilo que ele poderia estar a fazer. Via-o sentado nacadeira =de repouso, já muito usada, da sala de estar dos pais, a falar

com o =pai; quase lhe dava a ideia de estar numa divisão adjacente, a=ouvi-los. Deu consigo a recordar a primeira vez que entrara na casaonde =ele passou a infância, rodeado por pessoas que o conheciam há=muito mais tempo que ela. Recordou-se da forma sedutora como ele a=observou durante essa tarde e da maneira gentil como, na noite passada=no Plaza, lhe percorrera a barriga com um dedo.A suspirar enquanto consultava o relógio, apercebeu-se de que tinha=muito que fazer: ir às compras à mercearia, trabalho =administrativona biblioteca, procurar prendas para os aniversários =de algunsempregados... Contudo, ao pegar nas chaves, sentiu um desejo =súbito eirrecusável de ir para casa, uma vontade tão poderosa =que lhe deixavapoucas hipóteses de escolha. Deixou as pedras =tumulares dos pais edirigiu-se para o carro, perturbada por aquele =desejo imperioso.

Conduziu devagar, com cuidado, para evitar os coelhos e as seriguéias=que tinham o hábito de correr por aquele troço de estrada. =Porém, aoaproximar-se de casa, foi tomada por uma sensação =inexplicável, poruma expectativa, que a obrigou a carregar com mais =força no pedal. Feza curva para a sua rua, arregalando os olhos ao =ver o carro de Dorisarrumado perto da casa, antes de avistar a figura =sentada nos degrausda frente, de cotovelos apoiados nos joelhos.A lutar contra o desejo de saltar do carro, saiu lentamente e começou=a percorrer o desvio de acesso à casa, como se aquela cena não=tivesse nada de anormal.Jeremy levantara-se ainda antes de ela ter posto a mala a tiracolo.- Olá - saudou.Fez um esforço para que a voz não lhe tremesse e sorriu ao =aproximar-se. - Por aqui, as pessoas dizem "ói", não é ="olá".Ele ficou a estudar os próprios pés, parecendo ignorar a =normalidadecom que ela falava.- Estou contente por te ver, estrangeiro - acrescentou Lexie, com voz=amável. - Não é todos os dias que chego a casa e encontro um =homembonito à minha espera no alpendre.155Quando Jeremy ergueu a cabeça, ela não deixou de notar a =exaustãodaquele rosto.- Já estava a imaginar onde poderias andar.Lexie parou em frente dele, a recordar memórias antigas do contacto=das mãos dele com a sua pele. Por instantes pensou lançar-se nos=braços dele, mas notou-lhe uma certa fragilidade e hesitação de=comportamento que a fez refrear-se.

- Estou contente por te ver - repetiu.Jeremy respondeu com um sorriso fugidio mas manteve-se calado.- Continuas zangado comigo?Em vez de responder, Jeremy ficou a observá-la. Quando se apercebeu =deque ele procurava a maneira como lhe responder, medindo o que=pretendia dizer e o que, pensava, ela desejaria ouvir, Lexie agarrou-lhe =um braço e continuou a falar com uma pressa de cortar a=respiração, ansiosa por não deixar nada de importante por =dizer.Porque tens toda a razão para estares. Tiveste razão. Devia =ter-tecontado tudo e prometo não voltar a esconder-te aquele =género de

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questões. Desculpa.Ele pareceu divertido. - Assim, sem mais nem menos?- Tive tempo para reflectir sobre o assunto.- Também peço desculpa - confessou Jeremy. - Não devia ter =reagido comaquela violência.No silêncio que se seguiu, Lexie percebeu a fadiga e a =consternaçãoque se desprendiam da figura dele. Instintivamente, =aproximou-se.

Jeremy hesitou por um breve instante, antes de lhe abrir =os braços.Lexie deixou-se enlaçar, beijou-o ao de leve nos =lábios e descansou acabeça no peito dele. Deixaram-se ficar =abraçados durante muito tempo,mas Lexie não deixou de notar a =falta de paixão do abraço dele.- Estás bem? - sussurrou.- Não, realmente não estou - respondeu Jeremy. Pegou-lhe pela =mão,conduziu-o para dentro de casa e parou nasala de estar, sem saber se deveria tentar que ele se sentasse no =sofáou na cadeira que estava ao lado. Jeremy contornou-a e deixou-se =cairno sofá. Então, inclinado para diante, passou a mão pelo =cabelo.- Senta-te aqui - pediu. - Tenho uma coisa para te dizer.Ao ouvi-lo, Lexie pareceu sentir o coração dar um pulo. =Aproximou-se,a sentir o calor da perna dele contra a dela. Ficou =rígida ao ouvi-lo

suspirar.- É sobre nós? - perguntou.Ele ficou a olhar na direcção da cozinha, mas como se não =focasse nadaem especial. - Acho que sim.156- Vamo-nos casar?Quando ele assentiu, Lexie preparou-se para o pior. - Vais voltar para=Nova Iorque? - sussurrou.Jeremy levou algum tempo a perceber o sentido da pergunta mas, quando a=encarou, Lexie percebeu o estado de confusão em que ele se =encontrava.- Como é que podes fazer uma pergunta dessas? Queres que eu volte =paralá?- É claro que não. No entanto, dado o modo como te comportas, =já nãosei o que pensar.Jeremy abanou a cabeça. - Desculpa. Não tinha a intenção de =ser tãoambíguo. Acho que eu próprio estou ainda a tentar ser =racional. Masnão estou zangado contigo nem pretendo anular o =casamento. Talvezdevesse ter começado por esta explicação.Lexie sentiu-se acalmar. - O que é que se passa? Aconteceu alguma=coisa na festa de despedida de solteiro?- Aconteceu - respondeu Jeremy. - Mas por detrás do que aconteceu na=festa há uma história mais complicada.Começou pelo princípio, por lhe revelar, finalmente, as suas =profundaslutas com a escrita, as preocupações com o custo da =casa, o sentimentode frustração que muitas vezes o assaltava no =horizonte limitado deBoone Creek. Ela já conhecia alguns pormenores, =embora tivesse derepreender-se a si própria por não se ter =apercebido de como a

situação estava a ser difícil para ele. =Falou de modo a não culparninguém, como a dirigir-se tanto a ela =como a si próprio.Lexie não sabia onde é que ele quereria chegar, mas decidiu que o=melhor era manter-se calada até ele terminar. Jeremy inteiriçou-se =umpouco.- E foi então - prosseguiu - que te vi de mão dada com o Rodney. =Nomomento em que observei a cena sabia que não havia motivos para =ficarpreocupado. Disse isso repetidamente a mim próprio, mas acho =que asoutras pressões a que estava sujeito me levaram a pensar que =poderiahaver mais qualquer coisa. Avaliava bem o ridículo da ideia, =mas

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talvez estivesse à procura de uma forma de te atribuir as culpas =-acrescentou, com um sorriso contrafeito. - Que foi exactamente o que=me disseste no outro dia. Só reagi quando voltaste a encontrar-te com=o Rodney. Mas havia um outro pormenor de que não te falei. Algo que=se passou entre esses dois acontecimentos.Lexie acariciou-lhe a mão, sentindo-se aliviada quando ele aceitou o=carinho.

157Falou-lhe dos e-mails que tinha recebido, descreveu a cólera e a=ansiedade que lhe tinham provocado. De início, ela teve alguma=dificuldade em perceber o que tinha acontecido. Tentou manter a voz=calma, e desejou abafar a comoção crescente que estava a =apoderar-sedela.- Foi assim que descobriste aquela entrada no diário? - =perguntou.- Pois foi - respondeu Jeremy. - De contrário, acho que nunca=repararia nela.- Mas... quem é que poderia ter feito uma coisa dessas? Antes de=responder, Jeremy respirou fundo. - O Alvin.- O Alvin? Foram enviados pelo Alvin? Mas... isso não faz sentido. =Elenão poderia saber, de maneira nenhuma...

- A Rachel deu-lhe a informação - esclareceu Jeremy. - Quando=desapareceu? Foi a Nova Iorque, fez-lhe uma visita.Lexie acenou que não podia ser. - Não. Conheço-a desde sempre. =Nãofaria uma coisa dessas.Jeremy contou-lhe o resto da história, a narrativa mais coerente que=conseguiu compor. - Quando saí a correr do bar, não sabia o que=fazer. Limitei-me a caminhar até ouvir pessoas a correr atrás de =mim.Os meus irmãos... - esclareceu, com um encolher de ombros. =Notaram afúria que me consumia e foi o suficiente para pô-los em =alerta. Dêem-lhes uns copos e ficam prontos para começar uma =refrega. Não secansavam de me perguntar o que é que o Alvin =fizera e se deveriam ter"uma conversa" com ele. Pedi-lhes que não =fizessem nada.Agora que analisava a situação em retrospectiva, Jeremy parecia =acharmais fácil continuar a falar; quanto a Lexie, estava ainda a =tentarassimilar o que acabara de ouvir.- Conseguiram levar-me de volta a casa dos meus pais, mas eu não=conseguia dormir. Nem podia revelar às outras pessoas o que tinha=acontecido; por isso, alterei a hora de regresso, vim no primeiro vooda =manhã.Quando ele terminou, Lexie mal conseguia respirar.- Pensei que ele era teu amigo.- Também eu.- Por que é que faria uma coisa destas?- Não sei - confessou Jeremy.- Por minha causa? O que é que eu lhe fiz? Nem me conhece. Não nos=conhece. Isto foi...- Pura maldade - acrescentou Jeremy, a terminar a frase por ela.

158Lexie afastou uma lágrima inesperada. - Contudo... ele... não =sei...- Também não sei o que dizer - admitiu Jeremy. - Desde que =descobri,não tenho parado de tentar compreender, mas só me =ocorreu que, naquelamente retorcida do Alvin, nasceu a ideia de que =estava a ajudar-me aevitar um desastre. Reconheço que é doentio. =De qualquer maneira, nãoquero saber mais dele.Lexie confrontou-o com uma súbita agressividade. - Por que não me=falaste nas mensagens?- Como te contei, não saberia o que dizer. Não sabia quem as tinha

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=enviado. Não conhecia o motivo. E depois, com tudo o resto... - A tua=família sabe?- Das mensagens? Não, não lhes falei disso... - Não - =interrompeuLexie a tremer. - Que estavas perturbado pela dúvida de a =filha sertua. - Sei que é minha filha.- É tua filha. Nunca fui para a cama com o Rodney. Há anos que =nãovou para a cama com outro homem. - Eu sei...

- Mas quero que me oiças dizê-lo. A filha é nossa, tua e minha. =Juro.- Eu sei.- Mas tiveste dúvidas, não foi? - indagou Lexie. A voz começava =aatraiçoá-la. - Mesmo que fosse por um simples instante, tiveste=dúvidas. Primeiro encontraste-me em casa do Rodney e a seguir ficaste=a saber que eu já tinha estado grávida uma vez, tudo a juntar =àsoutras pressões... - Já passou.- Não, não passou. Devias ter-me contado. Se tivesse sabido =qualquerdestes pormenores... podíamos ter-nos unido para resolvermos =a questão- acrescentou, lutando para se dominar. - Acabou-se, =está bem? Agora,não há nada que possamos fazer, vamos =esquecer o assunto e passaradiante. - Deves ter-me odiado.- Nunca te odiei - protestou Jeremy, a chegá-la mais para si. - =Amo-

te. Lembras-te de que vamos casar-nos, que é já na próxima =semana?Lexie voltou o rosto para o peito dele e sentiu conforto ao serapertada =por aqueles braços. Passado algum tempo suspirou: - Não querover =o Alvin no nosso casamento.- Nem eu. Mas tenho outra coisa para te dizer.159- Não, não quero ouvir. Fica para outra altura. Já chega de =emoçõespara um só dia.- Esta é boa - prometeu Jeremy. - Vais gostar de ouvi-la. Lexie =ergueuos olhos para ele, como se esperasse que ele nãoestivesse a mentir.Ele disse apenas: - Obrigado.- Por quê?Beijou-a nos lábios, a sorrir com doçura. - Pelas cartas que=escreveste à minha família. Em especial à minha mãe. São =essespormenores que me recordam que casar contigo é a melhor coisa =quealguma vez farei.160TREZEUma chuva fria e arrasadora, imprópria da estação, esmagava-se =emcatadupa contra as vidraças das janelas. As nuvens acinzentadas, =quese haviam acumulado lentamente durante a noite anterior, trouxeram=consigo a humidade da manhã e um vento que arrancou as últimas =floresdos arbustos. Era final de Maio e faltavam apenas três dias =para ocasamento. Jeremy tinha combinado ir buscar os pais ao aeroporto =deNorfolk, de onde eles o seguiriam, num carro alugado, até ao farol =docabo Hatteras, em Buxton. Enquanto esperava a chegada deles,

=entreteve-se a ajudar Lexie a fazer as últimas chamadas para=verificarem se estava tudo preparado.O tempo tristonho não conseguia obscurecer a renovada paixão que =Lexiee Jeremy sentiam um pelo outro. No dia do regresso dele, tinham =feitoamor com uma intensidade que surpreendeu a ambos e Jeremy =recordava-sede um modo especial da sensação de choque =eléctrico da pele de Lexiecontra a dele. Era como se através =daquele acto de amor tentassemvarrer todas as dores e equívocos, =segredos e cóleras dos meses maisrecentes.Uma vez removido o fardo dos seus respectivos segredos, Jeremy sentiu-

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se =alegre, como não se sentia havia meses. Dada a proximidade do=casamento, tinha uma desculpa válida para evitar pensar no trabalho e=não se preocupava com ele. Foi fazer corrida duas vezes e tomou a=decisão de começar a fazer desporto logo que o casamento se=realizasse. Embora a remodelação da casa não estivesse =terminada, oempreiteiro prometera que poderiam mudar-se para lá bem =antes donascimento da filha. Seria provavelmente em finais de Agosto, =mas

Lexie sentiu-se suficientemente confiante para pôr a sua casa =à venda,uma maneira de amparar as finanças periclitantes do =casal.161Só não foram ao Herbs. Depois de saber o que Rachel tinha dito a=Alvin, Lexie não conseguia enfrentar a ideia de a ver, pelo menos por=enquanto. Doris telefonara na noite anterior, a querer saber o motivo=por que nem Jeremy nem Lexie se dignavam a passar por lá, nem que=fosse só para a cumprimentar. Ao telefone, Lexie garantiu à avó =quenão estava zangada com ela e admitiu que, na última vez em que =tinhamconversado, Doris tinha feito bem ao puxar-lhe as orelhas. Como =Lexiecontinuasse a não ir visitá-la, Doris voltou a ligar.- Começo a pensar que estás a esconder-me qualquer coisa =começou Doris- e, se não me dizes o que se passa, estou pronta a =marchar para tua

casa e a assentar arraiais no alpendre até que me =esclareças.- Estamos apenas ocupados, queremos ter a certeza de que tudo estará=pronto para o fim-de-semana - desculpou-se Lexie, a tentar =apaziguá-la.- Pois, mas acontece que não sou completamente estúpida replicou a=avó. - Sei reconhecer quando estão a querer evitar-me e, na=realidade, tu andas a evitar-me.- Não estou a fugir de ti.- Então, por que é que não tens passado ultimamente pelo =restaurante?- insistiu Doris. Lexie hesitou, a intuição da avó =tinha funcionado. -Será que tem alguma coisa a ver com a Rachel?Doris suspirou, quando se convenceu de que Lexie não respondia.- É isso, não é? Devia ter calculado. Na segunda-feira, =também elapareceu evitar-me. E hoje aconteceu o mesmo. O que é =que ela fez agora?Lexie ponderava o que poderia dizer à avó quando ouviu Jeremy na=cozinha, por detrás de si. Distraída, a pensar que ele viera beber=água ou comer qualquer coisa, sorriu-lhe, mas logo de seguida =notou-lhe a expressão fechada, quando anunciou:- A Rachel está cá. Quer falar contigo.Rachel esboçou um sorriso nervoso quando Lexie entrou na sala, mas=depressa desviou o olhar. Lexie encarou-a, sem falar. Jeremy ficara no=limiar da porta, a mudar o peso do corpo de um pé para o outro, =atéque decidiu sair pela porta das traseiras, para que as duas =mulheresficassem sozinhas.Lexie esperou até ouvir a porta fechar-se e sentou-se em frente a=Rachel. Sem qualquer maquilhagem, Rachel parecia ansiosa e162

exausta. Apertava um lenço de papel nas mãos e torcia-o=compulsivamente.- Desculpa - pediu, sem qualquer preâmbulo. - Nunca desejei que tais=coisas acontecessem e nem sequer consigo calcular quanto deves estar=furiosa comigo. Só quero dizer que não quis causar-te qualquer=problema. Não fazia ideia de que o Alvin tivesse feito o quefez.Como não recebesse qualquer resposta de Lexie, Rachel levou as =mãos àcabeça e começou a massajar as têmporas. - =Telefonou-me para casa nofim-de-semana e tentou explicar-se, mas eu =estava demasiado

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tinha nada a ver com o assunto e sabia que nunca deveria =falar do quevira, mas calhou em conversa. Não fazia ideia de que ele =andava aenviar e-mails ao Jeremy e a tentar separar-te dele. Só =soube de tudodurante o último fim-de-semana, já depois do =regresso do Jeremy. Nosábado, o Alvin telefonou-me; estava em =pânico, revelou-me tudo e eufiquei com esta sensação de agonia =- lamentou, com tremuras na voz e aolhar para o lenço de papel =esfrangalhado. - Lexie, juro que não

queria magoar-te. Pensei que =estávamos apenas a conversar.Os olhos encheram-se-lhe de lágrimas. - Tens todo o direito de estar=furiosa comigo e não ficaria surpreendida se nunca mais quisesses=ver-me. Levei este tempo todo a reunir coragem para vir aqui. Há dois=dias que nem sequer consigo comer. E provável que não tenha =qualquerimportância, mas quis que soubesses a verdade. Tens sido, =desde hámuitos anos, uma irmã para mim e sinto-me mais ligada =à Doris do que àminha própria mãe... Parte-se-me o =coração pensar164que te magoei, ou ver que colaborei naquilo que o Alvin andava atramar. =Peço-te mil perdões. Nunca poderás imaginar quanto me sinto=desolada pelo que aconteceu.Depois de ela acabar, fez-se silêncio na sala. Rachel falara sem =parar

e o esforço parecia tê-la deixado exausta. O lenço de =papel estava emtiras, havia pedaços dele pelo chão e Rachel =debruçou-se para osapanhar. Enquanto ela procedia à recolha dos =pedaços de papel, Lexietentava determinar se a narrativa diminuía =a responsabilidade deRachel, além de que reflectia sobre a resposta =a dar-lhe. Debatia-seentre sentimentos contraditórios. Sentia que =tinha razões para dizer aRachel que não queria voltar a vê-la, =mas a sobrepor-se à cólera haviauma sensação de crescente =simpatia. Sabia que Rachel era imprevisívele ciumenta, insegura e =ocasionalmente irresponsável, mas também sabiaque a traição =não fazia parte da sua natureza. Lexie sentia que elalhe contara a =verdade ao dizer que não fazia ideia de quais eram asintenções =de Alvin.- Eh! - chamou. Rachel ergueu a cabeça.- Continuo furiosa - anunciou Lexie. - Mas sei que não querias =fazer-me mal.- Lamento muito - retorquiu Rachel, depois de engolir em seco.- Sei que lamentas.- O que é que vais dizer ao Jeremy? - perguntou Rachel.- A verdade. Que tu não sabias.- E à Doris?- Sobre isso ainda terei de pensar. Ainda não contei nada à Doris.=Para te ser franca, nem sei se o farei.com evidente alívio, Rachel suspirou.- E o mesmo se aplica também ao Rodney - acrescentou Lexie.- E quanto a nós? Poderemos continuar a ser amigas?Lexie encolheu os ombros. - Julgo que não teremos outro remédio, =sendotu a minha dama de honor.

Os olhos de Rachel brilharam. - De verdade? Lexie sorriu. - De =verdade.165CATORZENo dia do casamento, o sol levantou-se sobre um tranquilo Oceano=Atlântico, formando prismas de luz sobre a água. Uma neblina =ligeiraainda cobria a praia quando Doris e Lexie começaram a =preparar opequeno-almoço dos convidados na casa da praia. Foi lá =que Dorisconheceu os pais de Jeremy; deu-se especialmente bem com o pai =dele;os irmãos e cunhadas de Jeremy formavam o habitual grupo =ruidoso epassaram a maior parte da manhã debruçados sobre o =corrimão do

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alpendre, extasiados com os pelicanos castanhos que =pareciam cavalgaros golfinhos, pouco para lá da =rebentação.Como Lexie se mostrara tão insistente quanto ao limite de convidados,=a presença dos irmãos constituía uma surpresa. Em Norfolk, =quandoJeremy os viu começarem a sair do avião, perguntou-se se =eles teriamsido convidados à pressa, nos últimos dois dias, por =causa da situaçãocriada por Alvin. Mas as dúvidas =dissiparam-se logo que as cunhadas se

lhe lançaram nos braços, =todas a tagarelar sobre o modo como Lexieconvidara pessoalmente cada =uma delas e sobre os desejos que tinham dea conhecer melhor.No total, havia dezasseis convidados: a família de Jeremy, a que se=juntavam Doris, Rachel e Rodney; o último convidado era uma =soluçãode última hora para substituir Alvin. Algumas horas =mais tarde, quandoJeremy se encontrava na praia à espera que Lexie =aparecesse, sentiu opresidente Gherkin aplicar-lhe uma palmadanas costas.- Sei que já lhe disse isto antes - sentenciou Gherkin -, mas sinto=que é uma verdadeira honra ter sido escolhido para seu padrinho nesta=maravilhosa ocasião.Metido numas calças azuis de poliéster, camisa amarela e casaco

=desportivo de xadrez, o presidente da Câmara era digno de se ver =e166Jeremy já tinha concluído que a cerimónia não seria a mesma =sem apresença dele. E também de Jed.Ficara a saber que, para além de ser o taxidermista da região, Jed =eratambém um clérigo da Igreja. Trazia o cabelo penteado, vestia =aqueleque era provavelmente o seu melhor fato e, pela primeira vez,=encontrava-se perto de Jeremy sem mostrar a habitual carranca=ameaçadora.Como Lexie pretendera, a cerimónia foi uma mistura de intimidade=extrema com romantismo. O pai e a mãe de Jeremy eram as pessoas mais=próximas, os irmãos e as cunhadas formavam um pequeno círculo =à voltadeles. Sentado de um lado, um guitarrista da terra dedilhava =músicasuave, e tinha sido desenhado um carreiro limitado por =conchas, umatarefa a que se entregaram os irmãos logo a seguir ao =almoço. com oSol já a descer para o horizonte, os dourados do =firmamento eramavivados pelas chamas de uma dúzia de tochas =havaianas. Rachel jáestava a lacrimejar e a agarrar o ramo de flores =como se nunca maistencionasse largá-lo.Lexie estava descalça, tal como Jeremy; ela levava na cabeça uma=pequena coroa de flores. Doris irradiava alegria a caminhar ao lado da=neta; Lexie não deixaria que qualquer outra pessoa a levasse ao=altar, tinha de ser a avó. Quando finalmente Lexie parou, Doris=beijou-a na face e ocupou o seu lugar à frente. Pelo canto do olho,=Jeremy viu a sua mãe a rodear os ombros de Doris com um braço e a=chegá-la para si.Lexie parecia deslizar enquanto caminhava lentamente na direcção =dele.

Na mão trazia um ramo de flores silvestres. Quando chegou junto =deJeremy, ele sentiu o ligeiríssimo odor de perfume que se =desprendia docabelo dela.Voltaram-se para Jed quando ele abriu a Bíblia e começou a =falar.Jeremy ficou espantado com o timbre suave e melódico da voz dele,=extasiado ao ouvi-lo dar as boas-vindas aos convidados e ler algumas=passagens da Bíblia. A fitá-los com expressão grave e cenho=carregado, dissertou sobre amor e compromisso, paciência e=honestidade, bem como sobre a importância de manterem Deus presente=nas suas vidas. Disse-lhes que a vida nem sempre seria fácil, mas

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=que, se mantivessem a fé em Deus e um no outro, encontrariam sempre a=maneira de ultrapassar qualquer obstáculo, para em seguida, como um=professor que desfrutava desde há muito do respeito dos alunos, os=conduzir com destreza nos votos.O presidente Gherkin entregou a aliança a Jeremy e Lexie também =lhedeu uma. Ao enfiarem-nas no dedo um do outro, Jeremy sentiu as167

mãos tremerem. Nesse momento, Jed declarou-os marido e mulher. Jeremy=beijou Lexie ao de leve e pegou-lhe na mão. Perante Deus e a sua=família, prometera amor e dedicação para toda a eternidade e =nuncajulgara que tal lhe pudesse parecer tão acertado e natural.Terminada a cerimónia, os convidados deixaram-se ficar na praia. =Dorishavia preparado um pequeno bufete e a comida fora espalhada por =umamesa de piquenique. Um a um, os familiares de Jeremy deram-lhes os=parabéns e beijaram-nos, tal como o presidente Gherkin. Jed=desapareceu logo que terminou a cerimónia, ainda antes de Jeremy ter=oportunidade de lhe agradecer, mas reapareceu minutos depois, a=transportar uma caixa de cartão do tamanho de um pequeno =frigorífico.No intervalo, voltara a vestir as jardineiras e a =cabeleira voltara aodesgrenhado habitual.

Lexie e Jeremy caminharam para ele logo que Jed pousou a caixa no =chão.- O que é isto? - indagou Lexie. - Não estávamos à espera de =presentes.Jed não falou. Limitou-se a encolher os ombros, como que a mostrar =quese sentiria magoado se a prenda não fosse aceite. Lexie =inclinou-separa o abraçar e perguntou se podia abrir a caixa. Como =ele voltasse aencolher os ombros, Lexie sentiu-se autorizada.Lá dentro, devidamente embalsamado, estava o porco selvagem que =Jeremyo tinha visto a preparar; ao seu estilo, embalsamara o animal de =formaa mostrá-lo no acto de morder alguém que se encontrasse por =perto.- Obrigada - agradeceu Lexie, na sua voz amável; embora Jeremy=acreditasse que era a primeira vez que tal sucedia, jurou que tinha=visto Jed corar.Mais tarde, com o bufete quase vazio e a festa a esmorecer, Jeremy=afastou-se dos convidados e caminhou em direcção ao mar. Lexie foi=ter com ele.- Estás bem?Jeremy beijou-a. - Estou óptimo. Verdadeiramente maravilhado. Mas=estou a pensar em passear um pouco.- Sozinho?- Quero deixar que isto, tudo isto, assente.- Muito bem - concordou Lexie com um beijo rápido. - Mas não te=demores. Dentro de poucos minutos vamos para dentro de casa.168Esperou até que Lexie se afastasse para junto dos pais dele, virou-se=e caminhou lentamente pelo areal, a ouvir o som das ondas a=desfazerem-se contra as areias. Enquanto caminhava ia revendo=mentalmente o casamento: o aspecto de Lexie ao dirigir-se para ele; a

=força tranquila da oratória de Jed; a sensação estonteante =quesentira, apenas umas horas antes, ao jurar-lhe amor eterno. A cada=passada era assaltado pela sensação cada vez mais nítida de que =tudoera possível e até o céu, com as suas cores =fantásticas, pareciadesfraldar uma bandeira de celebração. =Quando atingiu a sombracomprida do farol do cabo Hatteras, reparou numa =manada de cavalosselvagens que estavam a juntar-se na duna, um pouco =mais à frente.Embora a maioria dos poldros estivesse a pastar, um =deles parou eficou a observá-lo. Jeremy avançou, reparando na =robustez dos músculosdo animal e no movimento flexível e =rítmico da cauda, e acreditou, só

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por um instante, que se =avançasse o suficiente poderia realmente tocaro cavalo. Uma ideia =absurda, que nunca conseguiria pôr em prática,embora parasse =subitamente e desse consigo a erguer a mão num gesto deamizade. =Curioso, o cavalo arrebitou as orelhas, como se tentasseperceber; =depois, também subitamente, moveu a cabeça para baixo e paracima, =num gesto que parecia também uma saudação. Jeremy ficou a =olhá-lo em silêncio, maravilhado com a ideia de que, de certa =forma, ele e

o animal estavam a comunicar. E quando, ao voltar a =cabeça, viu a mãee Lexie ternamente abraçadas, só conseguiu =pensar que estava a viver odia mais maravilhoso da sua vida.169QUINZEAs semanas seguintes passaram-se numa espécie de sonho. Um prematuro=calor estival cobriu Boone Creek e a vila entrara num ritmo lento e=suave. Em meados de Junho, Lexie e Jeremy também tinham entrado numa=rotina confortável, deixando para trás os traumas das semanas=precedentes. Até a remodelação da casa parecia correr um pouco=melhor, embora continuasse lenta e cara. A facilidade com que ambos se=haviam adaptado à nova vida não os surpreendera especialmente; o =quenão esperavam eram as muitas situações que tornavam a vida =matrimonial

tão diferente do noivado.Depois de uma breve lua-de-mel passada na casa da praia, com manhãs =depreguiça estirados na cama e tardes gastas em longos passeios pelo=areal, voltaram a Boone Creek, despejaram o quarto de Jeremy no=Greenleaf e foram morar para a vivenda de Lexie. Jeremy passou a usar,=provisoriamente, o quarto de hóspedes como escritório, mas, em vez =detentar escrever, passava a maior parte das tardes a preparar a casa,=de modo a poder mostrá-la a possíveis compradores. Aparou a relva,=arranjou os canteiros do jardim, plantou flores à volta das =árvores,aparou as sebes e pintou a parte exterior da varanda; dentro =de casa,também pintou e retirou algumas coisas que levou para a =arrecadaçãonas traseiras da casa de Doris. com apenas uma ou duas =pessoas apassar por ali em cada quinzena e por terem necessidade de =vender acasa para financiarem as despesas e as obras da nova morada, =tanto elecomo Lexie procuravam que a vivenda tivesse o melhor aspecto =possível.Tirando estas actividades, a vida em Boone Creek decorria =como erahabitual. O presidente Gherkin preocupava-se com o festival de =Verão,Jed voltara ao seu mutismo, enquanto Rodney e Rachel estavam =outra veza namorar oficialmente e pareciam mais felizes.170No entanto, havia pormenores que exigiam adaptação. Por exemplo: =agoraque a convivência entre eles era permanente, Jeremy não =sabia muitobem como gerir as carícias. Embora Lexie parecesse =contente com ascarícias constantes, ele poderia pensar em formas =mais gratificantesde intimidade. Contudo, desejava mantê-la feliz. O =que significava...o quê? Como saber o que seria suficiente? Teriam =de se acariciar todasas noites? Durante quanto tempo? Em que =posição? Deveria também

aninhar-se a ela? Fazia o possível =para descobrir todas asparticularidades dos desejos de Lexie, mas =ficava confuso.Depois, havia a temperatura do quarto onde dormiam. Embora ele=preferisse o ar condicionado a funcionar e a ventoinha colocada notecto =a girar, Lexie sentia sempre frio. Quando a temperatura exterioratingia =os 32 graus, com humidade alta, ele regulava o termostato para20 graus, =atirava-se para cima da cama com uma fina camada detranspiração =na testa, só com a roupa interior e deixava-se ficardeitado, sem se =tapar. Momentos depois, Lexie, acabada de sair da casade banho, =deslocava o ponteiro do termostato para 25, deslizava para

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debaixo do =lençol e de dois cobertores, cobria-se até às orelhas eficava =a tremer de frio, como se acabasse de atravessar a tundra do=Árctico.- Tão frio porquê? - perguntava, a começar a sentir-se mais=confortável.- Porque estou a transpirar - respondia Jeremy.- Como é que consegues transpirar? O quarto está gelado. Jeremy

=pensava que, pelo menos quando se tratava de fazer amor,liam pela mesma cartilha. Durante as semanas que se seguiram à=cerimónia, Lexie parecia sempre pronta, o que, pelo menos na =opiniãodele, dava sentido à expressão lua-de-mel. A negativa =não existia novocabulário de Lexie e Jeremy dizia para si que as =inibições delahaviam desaparecido não só por se terem =tornado oficialmente um casal,mas também por ele ser, de facto, =irresistível. Não podia cometererros e estava tão intoxicado =por essa ideia que sonhava com eladurante o dia, enquanto trabalhava =à volta da casa. Recordava oscontornos suaves, lembrava-se do que =sentia quando aquele corpo seencostava à sua pele nua; respirava =fundo ao recordar a doçura darespiração dela ou o toque =sensual do seu cabelo quando ele o passavaentre os dedos. Quando Lexie =regressava do trabalho, nunca deixava de

a receber com um beijo caloroso =e passava o jantar a admirar-lhe oslábios enquanto ela comia, à =espera da oportunidade para avançar.Nunca era rejeitado. Podia estar =malcheiroso e sujo por ter estado atrabalhar no quintal e, no entanto, =quando entravam no quarto,pareciam não conseguir despir-se com a =velocidade desejada.Então, sem se saber como, a situação mudou. Foi como se, numa =dadamanhã, o Sol tivesse nascido para um dia normal e, quando se =pôs, aLexie que ele conhecia tivesse sido substituída por uma =gémeainsensível. Recordava-se do dia exacto, pois fora a primeira =vez quefora rejeitado: 17 de Junho; passara o resto da manhã a =tentarconvencer-se de que não havia nada de mal ou, em alternativa, =a ver sedescobria onde cometera um erro qualquer. A situação =repetiu-se ànoite e, durante os oito dias seguintes, aquela foi a =história da suarelação. Ele avançava, ela dizia-se cansada =ou apenas que não tinhavontade, deixando o marido deitado a seu =lado, ressentido, a tentardescobrir os motivos pelos quais passara a =ser considerado um simplescompanheiro de quarto, a quem continuava a =exigir-se aconchego antesde adormecer, num quarto que mais parecia uma =fornalha.- Esta manhã acordaste do lado oposto da cama - observou Lexie, na=manhã que se seguiu à primeira rejeição.- Não dormi bem.- Tiveste pesadelos? - perguntou a mulher, a mostrar-se preocupada.Apesar de despenteada e do pijama largo, estava estranhamente sedutora,=deixando-o na dúvida se devia mostrar-se zangado ou sentir vergonha=por pensar em sexo todas as vezes que olhava para ela. Chegava à=conclusão que aquele era o perigo de adquirir hábitos; se ele =julgavaque as semanas precedentes tinham estabelecido um padrão =apetecido,

era agora evidente que Lexie não era da mesma opinião. =Porém, sealguma coisa aprendera no primeiro casamento, era que nunca =deveriaqueixar-se da frequência do sexo. Nesse domínio, homens e =mulhereseram diferentes. As mulheres desejavam-no às vezes; os =homens sentiamsempre necessidade. Grande diferença, que nas melhores =circunstânciaspermitia a obtenção de um compromisso =razoável, uma situação que, semsatisfazer totalmente qualquer =deles, fosse de certo modo aceitávelpara ambos. Mas sabia que =pareceria estar a queixar-se se tornasseconhecido o seu desejo de =prolongar um pouco mais a lua-de-mel.Digamos, durante os cinquenta anos =seguintes.

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- Não tenho a certeza - acabou por responder.A confusão em que viveu durante as semanas seguintes era realçada =pelofacto de, durante o dia, Lexie parecer a mesma de sempre. Liam o=jornal, comentavam algumas notícias; ela pedia-lhe que a seguisse=para a casa de banho, enquanto se aprontava para sair, de modo a que=não tivessem de interromper a conversa.172

Jeremy passava os dias a lutar para perceber a situação. Contudo,=noite após noite, ao meter-se na cama preparava-se para uma nova=rejeição, embora fizesse o possível por se convencer de que =aquilonão o incomodava. É claro que não se deitava antes de =efectuar omovimento passivoagressivo de baixar o ponteiro do termostato =para os20 graus. com a passagem das semanas, Jeremy sentia-se cada vez =maisfrustrado e confuso. Numa noite viram umpouco de televisão, apagaram as luzes e acariciaram-se durante algum=tempo, até que ele se deslocou para o outro lado da cama paratentar arrefecer um pouco. Dali a pouco, sentiu a mão de Lexie a=agarrar a sua.Lexie desejou-lhe boa noite e fez correr o polegar pela pele dele.Não procurou corresponder mas, ao acordar pela manhã, Lexie

parecia perturbada enquanto se dirigia para a casa de banho. Seguiu-a,=escovaram os dentes e gargarejaram, até que finalmente Lexie sevoltou para ele.- Então, o que é que aconteceu na noite passada? - perguntou.- O que é que queres dizer?- Eu estava com desejo e tu resolveste dormir.- Como é que eu poderia saber isso?- Peguei-te na mão, não foi?Jeremy arregalou os olhos. Seria aquela a forma de ela o convidar?- Desculpa, não me apercebi.- Não tem importância - respondeu, a abanar a cabeça, como quem =dizque tinha até muita importância.Ao vê-la dirigir-se para a cozinha, Jeremy tomou mentalmente uma nota=sobre aquela situação de contactos de mãos para quando =estivessem nacama.Duas noites depois, estavam deitados e ela pegou-lhe de novo na mão,=fazendo com que Jeremy se voltasse tão rapidamente que ficou com as=pernas enredadas nos lençóis ao tentar beijá-la.- O que é que estás a fazer? - inquiriu Lexie ao retirar a =mão.- Estavas a pegar-me na mão.- E então?- Bem, na última vez em que aconteceu, queria dizer que estavas com=desejo.- Estava, dessa vez - replicou Lexie -, mas tratou-se de uma espécie=de tamborilar com o indicador na palma da tua mão, recordas-te? Desta=vez não foi assim.Jeremy estava a tentar perceber. - Portanto, não estás com =vontade?

173- Acontece que não estou com disposição. Não te importas que =vádormir, pois não?Ele fez o que podia para evitar um suspiro de enfado. - Não, não =temimportância.- Podemos abraçar-nos, antes?Jeremy hesitou antes de responder: - Por que não?Só na manhã seguinte é que tudo acabou por ser esclarecido. =Quandoacordou viu-a sentada no sofá, ou melhor, parecia tentar =deitar-se esentar-se ao mesmo tempo, com o pijama levantado até aos =mamilos.

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Inclinara o candeeiro, de modo a fazer incidir a luz na =barriga.- O que é que estás a fazer? - perguntou Jeremy, a =espreguiçar-se comas mãos erguidas acima da cabeça.- Chega aqui, depressa - pediu ela. - Senta-te ao meu lado. Jeremy=sentou-se ao lado dela, no sofá, a vê-la a apontar para abarriga.- Repara. Não te mexas, para poderes ver.

Fez o que lhe era pedido e, de súbito, um pequeno ponto da barriga=dela pareceu pulsar involuntariamente. Contudo, aconteceu muito=rapidamente, não teve a certeza do que viu.- Viste? - exultou Lexie.- Julguei ver qualquer coisa. O que é?- É a bebé. Está a dar pontapés. Nas últimas semanas =pareceu-me queela estava a mexer-se um pouco, mas esta manhã foi a =primeira vez emque tive a certeza.Viu-se novo pulsar.- Ali! Agora vi! - exclamou Jeremy. - É a bebé?Lexie assentiu, com uma expressão de enlevo. - Tem estado muito =activadesde a madrugada, mas não queria acordar-te; por isso vim =para aqui,onde posso observar melhor. Não é incrível?

- Espantoso - concordou Jeremy, continuando a observar.- Dá-me a tua mão - pediu Lexie.Quando Jeremy estendeu o braço, ela pegou-lhe na mão e colocou-a =emcima da barriga. Passados uns segundos, sentiu o pulsar e sorriu.- Faz doer?- Não, é mais uma espécie de pressão, ou algo assim. É =difícil dedescrever, só posso dizer que é maravilhoso.Vista à luz suave e amarelada do candeeiro, Jeremy achou que ela=estava bonita. Os olhos de Lexie brilhavam quando ergueu a cabeça=para lhe perguntar. - Não achas que valeu a pena?- Vale sempre a pena.174Lexie pôs as mãos sobre as dele. - Lamento que não tenhamos =brincadoultimamente, mas desde há duas semanas ando outra vez a =sentirnáuseas. O que me surpreendeu foi a total ausência de =enjoos matinais.Não me tenho sentido bem do estômago, parecia que =se fizéssemos amorpoderia ter vómitos, mas pelo menos agora sei o =motivo.- Não tem importância, mal reparei nisso.O trabalho de Jeremy parecia representar o único factor negativo dos=dois primeiros meses de casados. Tal como fizera em Maio e Junho, em=finais de Julho, enviou ao editor de Nova Iorque uma crónica, escrita=de antemão, para a coluna regular. Era a última. Sabia que, a =partirdali, o relógio continuaria a avançar. Só lhe restavam =quatro semanaspara conseguir esboçar um novo texto.Contudo, ao sentar-se em frente ao computador, deparou com o vazio.com o mês de Agosto chegou um género de calor de que ouvira falar, =mascuja inclemência ainda não experimentara. Embora Nova Iorque =fosse

húmida durante o Verão e tivesse o seu quinhão de dias =deprimentes emque nada se fazia sem transpiração, apercebia-se de =que sobrevivia bema isso; bastava não andar na rua e manter o ar =condicionado afuncionar. Por outro lado, Boone Creek era um lugar para =se andar aoar livre, com um rio e um festival de Verão que faziam as =pessoas sairde casa.Como Gherkin previra, o festival atraiu milhares de pessoas vindas de=toda a parte oriental do estado. Sempre cheias de gente, as ruas eram=limitadas de ambos os lados por dezenas de quiosques que vendiam de=tudo, desde sanduíches de carne acabada de grelhar a camarões

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=espetados em palitos. Perto da margem do rio, o circo itinerante tinha=instalado um carrossel e os miúdos esperavam em fila para cavalgar=uma minúscula montanha-russa e uma roda a ranger de ferrugem. A=fábrica de papel instalada do outro lado do rio oferecera centenas de=peças de madeira: rectângulos, quadrados, círculos, =triângulos,blocos de diversos tamanhos, e as crianças passavam =horas a construiros seus prédios imaginários.

O astronauta obteve um êxito enorme junto da multidão e acabou por=passar horas a assinar autógrafos. Gherkin, por seu lado, revelara um=inesperado talento na utilização do tema do espaço. Para =além dascaras pintadas, em vez de animais optou pelos vaivéns =espaciais,meteoros, planetas e satélites, conseguindo até =convencer a Lego175Company a doar um milhar de jogos, para que os miúdos pudessem=construir os seus próprios vaivéns espaciais. Esta actividade, =levadaa efeito à sombra de um toldo gigante, teve um enorme sucesso, =mesmoentre os pais, pois era a única sombra que podia encontrar-se =nasredondezas.Jeremy ensopou a camisa em poucos minutos, mas Lexie, então com pouco=mais de seis meses de gravidez, ainda se sentia mais incomodada com o

=festival do que ele; embora a barriga ainda não estivesse volumosa,=definitivamente já se notava, e algumas das senhoras mais idosas da=vila que não sabiam da gravidez não se incomodaram em esconder a =suasurpresa. Mesmo assim, a reacção geral, após o =obrigatório erguer dasobrancelha, foi a de ficarem contentes por =eles.Lexie fingia sentir-se melhor no festival do que na realidade se sentia=e ofereceu-se para ficar enquanto ele quisesse. Mas, ao ver-lhe asfaces =ruborizadas, Jeremy abanou a cabeça, decidiu que ela já vira o=suficiente e sugeriu que passassem o resto do fím-de-semana afastados=das multidões. Depois de meterem o essencial numa mala, foram para a=vivenda da praia, em Buxton. Embora não se sentisse grande =diferençaquanto ao calor, a brisa constante do oceano e a =temperatura da águaofereciam uma pausa apetecida. Quando regressaram =a Boone Creeksouberam que Rodney e Rachel estavam noivos. Fosse como =fosse, tinhamconseguido resolver os seus problemas e, dois dias mais =tarde, Rachelpediu a Lexie que fosse a sua dama de honor.Até a casa estava quase pronta; as remodelações mais =importantesestavam concluídas, a cozinha e a casa de banho estavam =como novas; sófaltavam uns acabamentos que transformariam aquele =estaleiro de obrasnum lar. A mudança estava prevista para o final do =mês. Na alturaexacta, como se viu, pois acabavam de receber uma =proposta de comprada vivenda feita por um simpático casal de =reformados, da Virgínia,que desejava habitar a casa o mais depressa =possível.Sem falar no bloqueio que continuava a não o deixar trabalhar, Jeremy=tinha uma boa vida. Embora por vezes ainda reflectisse sobre as=dificuldades que ele e Lexie tiveram de enfrentar antes do casamento,=sabia que as tinham ultrapassado e que delas saíra um casal mais

=forte. Quando olhava para Lexie, sabia que nunca estivera tão=profundamente ligado a qualquer outro ser humano. O que não sabia, o=que não poderia saber, é que os dias mais difíceis ainda =estavam paravir.176DEZASSEIS- Ainda não escolhemos um nome para a bebé - constatou Lexie. Era =ofinal de uma tarde de Agosto; Lexie e Jeremy encontravam-se sentados=no alpendre da sua nova casa. Embora ainda não tivessem feito a=mudança, os trabalhadores já tinham ido para casa e eles =entretinham-

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se a olhar para o rio. Sem qualquer brisa, a água estava =lisa eparada, um espelho tão perfeito que os ciprestes da margem =maisafastada pareciam erguer-se em direcções opostas.- Decidi deixar a escolha por tua conta - anunciou Jeremy. Estava a=abanar-se com um exemplar da revista Sports Illustrated que tencionara=ler antes de lhe descobrir uma finalidade mais útil numa abafada=noite de calor.

- Não podes pôr-te de lado. A bebé é nossa. Quero saber o =que pensas.- Já te disse o que penso - replicou Jeremy. - Mas tu não =gostaste.- Recuso-me a dar o nome Misty [Névoa] a uma filha minha.- Misty Marsh? Como é que podes dizer que não gostas?Sugerira o nome na semana anterior, como uma piada. Lexie mostrara um=tal desprezo que ele não mais deixara de a pressionar com o nome, =sópara a provocar.- Pois bem, não gosto.De calções e T-shirt larga, estava corada devido ao calor. Como os =péslhe estavam a começar a inchar, Jeremy trouxera um velho balde =paraela os ter elevados.- Não achas que o nome tem uma certa musicalidade?- Não mais do que outros conjuntos de nomes com o teu apelido. =Também

poderias chamar-lhe Smelly [Malcheirosa] Marsh ou Creepy =[Repugnante]Marsh.177- Estou a guardar esses para os irmãos dela.Ela riu-se. - Tenho a certeza de que te ficarão eternamente=agradecidos. Mas, a falar a sério, não te ocorre um nome?- Não. Como te disse, a tua escolha será sempre óptima.- A questão é essa. Ainda não decidi.- Sabes qual é o problema, não é verdade? Compraste todos os =livroscom nomes que encontraste. Aumentaste demasiado o leque de =escolhas.- Só pretendo um nome que tenha a ver com ela.- Mas o problema é esse. De imediato, nunca terá a ver com ela,=qualquer que seja o nome que escolhermos. Nenhuma bebé tem cara de=Cindy ou de Jennifer; todos os bebés se parecem com o Elmer =Fudd*.- Não, não é verdade. Os bebés são encantadores.- Mas parecem todos iguais.- Disparate, não parecem nada. E aviso-te já que ficarei =extremamentedesapontada se não conseguires identificar a tua filha =quando a foresver ao berçário.- Não há motivo para preocupações. Põem-lhes cartões =com o nome.- Pois, pois. Vais conseguir descobri-la pelo aspecto.- É claro que sim. Será a mais bonita bebé da história do =estado deCarolina do Norte, com fotógrafos de todo o mundo a =tirarem-lheretratos e a darem opiniões do género: "Teve tanta =sorte que herdou asorelhas do pai. "Lexie riu-se de novo. - E a covinha.- Certo. Ainda bem que me lembraste.

Ela pegou-lhe na mão. - E a respeito de amanhã? Não estás =excitado?- Quem dera que fosse já. Quer dizer, a primeira ecografia foi=interessante, mas esta... bem, na realidade só agora é que vamos =vê-la.- Estou satisfeita por me acompanhares.- Estás a brincar? Nunca perderia o espectáculo. As ecografias =são aparte melhor. Espero que imprimam uma imagem para eu poder =gabar-mejunto dos meus amigos.- Quais amigos?- Não te contei? O Jed? Caramba, não me deixa um momento sozinho,

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=telefona constantemente, sempre a matar-me o bichinho do ouvido, afalar =sem descanso.* Personagem de banda desenhada, criado em 1939. (NT)178- Julgo que o calor está a afectar-te o cérebro. Tanto quanto sei, =oJed ainda não te dirigiu uma única palavra.- Ah, é verdade. Mas isso não tem importância. Continuo a =querer uma

imagem para mim, para poder avaliar quanto é bonita.Lexie ergueu uma sobrancelha. - Então, já estás convencido de =que éuma rapariga?- Acho que me convenceste.- E quanto à opinião da Doris?- Significa que em cada caso tem cinquenta por cento de possibilidades=de acertar.- Continuas incrédulo, não é?- Prefiro a palavra céptico.- O homem dos meus sonhos.- Exacto - assentiu Jeremy. - Continua a recordar-te disso, para eu=não ter de estar sempre a prová-lo.Lexie remexeu-se na cadeira, a sentir-se subitamente desconfortável.

=Encolheu-se, antes de se acomodar. - O que é que pensas do casamento=do Rodney e da Rachel?- Sou partidário do casamento. Julgo que se trata de uma óptima=instituição.- Sabes o que eu quero dizer. Julgas que estão a apressar-se?- Quem somos nós para fazermos essa pergunta? Propus-te o casamento=passadas umas semanas; ele conhece-a desde miúda. Seria normal que=fizessem essa pergunta a nosso respeito, não o contrário.- Tenho a certeza de que continuam a fazê-la, mas a questão não =éessa...- Espera lá - interrompeu Jeremy -, pensas que eles falam de =nós?- Tenho a certeza. Muita gente fala de nós.- De verdade?- É claro - respondeu Lexie, como se achasse a pergunta descabida. - =Aterra é pequena. E o que fazemos por estas bandas. Sentamo-nos em=círculo e falamos das outras pessoas. Ficamos a saber como correm as=suas vidas, trocamos impressões, avaliamos se os outros estão =certosou errados e, se pudermos, resolvemos os problemas deles na=privacidade da nossa própria casa. Na verdade, ninguém admite tal=coisa, mas todos fazemos o mesmo. No fundo, é quase um modo de =vida.Jeremy ficou a reflectir sobre o que acabara de ouvir. -Julgas que as=pessoas estão a falar de nós neste momento?Lexie encolheu os ombros. - Certamente. Algumas pessoas estarão a=dizer que nos casámos por eu estar grávida, outras dirão =que179não vais permanecer nesta terra, outras, ainda, estarão a magicar =seteremos meios para comprar uma casa como esta, suspeitando de que

=devemos estar mergulhados em dívidas até às orelhas, ao =contráriodeles, que são pessoas frugais. Oh, não tenho =dúvidas de que estão afalar de nós e, provavelmente, a =divertir-se à grande.- E isso não te preocupa?- É claro que não. Para quê preocupar-me? Nem pensam em =fazer-nossaber que falam de nós e, na próxima vez que os =encontrarmos, serãodoces como um ponche; portanto, nunca chegaremos =a ter a certeza. E,além disso, nós estamos a fazer o mesmo. O que =me traz de volta aocasamento do Rodney e da Rachel. Não achas que =eles estão a ir umbocadinho depressa?

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Naquela noite, na cama, estavam ambos a ler. Jeremy abrira finalmente a=Sports Illustrated e ia a meio de um artigo sobre jogadoras devoleibol, =quando Lexie pôs o seu livro de lado.- Costumas pensar no futuro? - perguntou.- É óbvio que penso - respondeu Jeremy, a baixar a revista. Não =é oque faz toda a gente?- Como é que julgas que vai ser?

- Para nós? Ou para o mundo?- Estou a falar a sério.- Também eu. São duas perguntas totalmente distintas, capazes de =darorigem a questões diferentes. Quanto ao destino da humanidade, =podemosfalar do aquecimento global, ou da falta disto ou daquilo. Ou=procurarmos a certeza da existência de Deus, discutirmos se os seres=humanos serão julgados quando chegar a hora de serem admitidos no=Paraíso, o que torna a vida terrena algo destituída de sentido.=Podemos querer referir-nos à economia e à forma como ela =afectará onosso futuro pessoal, ou até à política, =perguntando-nos se o próximopresidente será a pessoa indicada =para nos conduzir, ou se nos vailevar ao desastre. Ou...Lexie pôs-lhe a mão num braço, interrompendo-o. - Vais ser =sempre

assim?- Assim como?- Assim. A fazer o que fazes. A ser o Sr. Meticuloso. Ou o Sr. Factual.=Não fiz a pergunta para nos envolvermos numa profunda discussão=filosófica. Fiz uma pergunta simples.- Penso que seremos felizes - arriscou Jeremy. - Não consigo =imaginar-me a viver o resto da minha vida sem ti.180Ela apertou-lhe o braço, como que satisfeita. - Também penso =o

mesmo. Mas, por vezes... Jeremy olhou para ela. - O quê?- Fico a imaginar o que iremos fazer como pais. Às vezes preocupo-me=com isso.- Seremos uns pais fantásticos! - exclamou Jeremy. - Serás uma =mãefantástica!- Dizes isso, mas como é que podemos saber? E se ela acabar por ser=uma dessas adolescentes rebeldes que se vestem de preto, consomemdrogas =e dormem por aí?- Ela não vai ser assim.- Não podes ter a certeza.- Posso - replicou Jeremy. - Vai ser uma rapariga maravilhosa. Comopode =deixar de o ser, com uma mãe como tu?- Pensas que é simples, mas não é. Os miúdos são =também pessoas equando começam a crescer tomam as suas =próprias decisões. O nossopoder de decisão tem limites.- É sempre um problema de educação...- Pois é, mas por vezes não interessa o que fazes. Podemos =pô-la aaprender piano e a jogar futebol, podemos levá-la à =igreja todos os

domingos, podemos mandá-la para uma escola de boas =maneiras, e podemosmergulhá-la em ondas de amor. No entanto, quando =chega aadolescência... bem, por vezes não há muito que =possamos fazer. Nofinal, contigo ou sem ti, as crianças acabam por =crescer como tem deser.Jeremy reflectiu sobre o que acabara de ouvir e chegou-a mais para si.- =Estás realmente preocupada com isso?- Não. Mas penso no assunto. E tu, não pensas?- Na realidade, não penso. Os miúdos acabam por se tornar o que =devemser. Tudo o que os pais podem fazer é ensinar-lhes os caminhos =certos.

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- Pois, mas se isso não for suficiente? Não te preocupa a =hipótese? -Não. Ela vai ser óptima.- Como é que podes ter a certeza?- Porque ela será óptima - repetiu Jeremy. - Conheço-te,acredito em ti e vais ser uma mãe fantástica. Além disso, =não teesqueças de que escrevi artigos sobre as qualidades =naturais e asqualidades adquiridas através da educação. Ambas =são importantes, mas,

na grande maioria dos casos, quando está em =causa o comportamentofuturo, o ambiente em que se é criado é mais =importante do que agenética.181- Mas...- Faremos o melhor que pudermos. E tenho a certeza de que tudo =correrábem.Lexie pensou no que ele dissera. - É verdade que escreveste artigos=sobre o assunto?- Mais do que isso, escrevi-os depois de proceder a investigações=profundas. Sei do que estou a falar.Ela sorriu. - És bastante esperto - comentou.- Bem...

- Não falo das conclusões, mas do que acabaste de dizer. Não me=interessa se é ou não verdade, mas era exactamente o que eu queria=ouvir.- Aqui é o coração do bebé - explicava o médico, no dia =seguinte, aapontar para a imagem desfocada no monitor do computador. =Estes são ospulmões, aqui a coluna vertebral.Jeremy estendeu o braço e acariciou a mão de Lexie, deitada na =mesa deexames. Estavam na sede da OB-GYN, em Washington, que, Jeremy =tinha deadmiti-lo, não era um lugar de que gostasse especialmente. =Estava, semdúvida, ansioso por voltar a ver a bebé, cujas =primeiras fotografiasgranulosas, as da primeira ecografia, continuavam =coladas na porta dofrigorífico; porém, a visão de Lexie =deitada na mesa, de pernasapoiadas nos suportes elevados... bom, =fazia-o pensar que estava ainterromper qualquer coisa que deveria ser =feita em privado.É certo que o Dr. Andrew Sommers, um homem alto e magro, de cabelo=escuro ondulado, fazia o que podia para que Lexie e Jeremy sesentissem =à vontade, para parecer que não ia fazer nada de maiscomplicado =do que medir-lhe a pulsação, pelo que Lexie colaborou damelhor =vontade. Enquanto o Dr. Sommers ia observando e apalpando,falaram da =recente vaga de calor, dos noticiários que relatavam osincêndios =florestais no Wyoming e da vontade que o médico continuava amostrar =de se deslocar a Boone Creek para almoçar no Herbs, um localde que =vários clientes diziam maravilhas. De vez em quando, traziapara a =conversa questões mais específicas, fazendo perguntas, sesentia =contracções de Braxton-Hicks, por exemplo, ou se já sentira=tonturas, se ficava atordoada. Lexie respondia com facilidade, como se=estivessem a tratar do problema à mesa do almoço.

Para Jeremy, sentado junto da cabeça de Lexie, a cena parecia irreal.=Claro que o homem era médico e Jeremy não duvidava de que teria de=receber dezenas de pacientes todos os dias, mas, mesmo182assim, quando o médico tentou que ele entrasse na conversa, fez o=possível para o olhar de frente ao responder, ao mesmo tempo que=ignorava o que estava a ser feito à sua mulher. Supunha que Lexie se=teria acostumado àquilo, mas era o género de situação que o =deixavasatisfeito por ser homem.Depois de o médico sair, ficaram sozinhos por momentos, à espera =da

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técnica que faria a ecografia; quando esta entrou, pediu que Lexie=levantasse a camisa. Espalhou gel a toda a volta da inchada barriga da=grávida, provocando um ligeiro arrepio da parte dela.- Desculpe, devia tê-la avisado de que isto é frio. Mas vamos =lá vercomo está o seu bebé, está bem?A técnica foi explicando o que estava a fazer, deslocava a sonda=manual, pressionava mais ou menos a barriga, enquanto referia o que

estava a ver.- Tem a certeza de que é uma rapariga? - inquiriu Jeremy. Embora lhe=tivessem dado a certeza na última vez que ali estivera, sentira=dificuldades em interpretar o que estava a ver. No entanto, também se=sentira demasiado embaraçado para perguntar.- Tenho a certeza - respondeu a técnica, voltando a deslocar a sonda.=Quando parou, apontou para o ecrã. - Oh, assim vê-se bem...=Certifique-se.Jeremy semicerrou os olhos. - Não sei muito bem o que estou a =ver.- Isto é a nádega - esclareceu a técnica, sempre a apontar para =o ecrã- e aqui estão as pernas. Como se ela estivesse sentada em =cima dacâmara de filmar...- Não consigo ver aí nada.

- Exactamente. É por isso que sabemos que é uma rapariga. Lexie =riu-see Jeremy debruçou-se para ela. - Cumprimenta aMisty - sussurrou.- Silêncio! Estou a tentar gozar o espectáculo - replicou ela, a=apertar-lhe um pouco a mão.- Muito bem, vamos tirar umas medidas, para termos a certeza de que a=bebé está a desenvolver-se dentro dos prazos, de acordo?A técnica voltou a deslocar a sonda manual, premiu um botão e =depoisoutro. Jeremy recordou-se de que a vira fazer o mesmo durante a =últimaecografia. - Está mesmo dentro do prazo - acrescentou a =especialista.- Aqui diz que vai nascer a 19 de Outubro.- Está a crescer normalmente? - indagou o pai.- Parece que sim - respondeu a técnica. Moveu de novo a sonda para=poder medir o coração e o fémur, mas imobilizou-se de =repente.183Em vez de premir o botão, afastou a sonda da perna, apontando para o=que parecia uma linha branca esticada na direcção da bebé, algo=parecido com um risco provocado por electricidade estática ou por um=defeito no ecrã. Franziu um pouco a testa ao deter-se naquilo. Logo=de seguida começou a deslocar a sonda mais rapidamente, mas parando=várias vezes para examinar a nova imagem. Parecia estar a examinar a=bebé de todos os ângulos.- O que está a fazer? - indagou Jeremy.De tão concentrada, a técnica nem pareceu ouvi-lo. - Estou apenas =aexaminar tudo - murmurou. Continuou a tentar focar a imagem e acabou=por abanar a cabeça. Completou rapidamente as medições e voltou =aomovimento anterior. As imagens da bebé, de todos os ângulos, =apareciam

e desapareciam. A técnica voltou a focar a linha =ondulada.- Está tudo bem? - insistiu Jeremy.Os olhos da técnica não se desviaram do ecrã quando ela =respiroufundo. Falou com uma voz surpreendentemente calma.- Há aqui uma coisa que o médico deve querer ver.- O que é que isso significa?- Deixe-me ir chamar o médico - pediu, pondo-se de pé. - Ele =poderácertamente esclarecê-los melhor do que eu. Fiquem aqui. =Não me demoro.Talvez fosse o tom comedido da voz que fez o sangue desaparecer das=faces de Lexie. De súbito, Jeremy sentiu que ela lhe apertava a =mão

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com mais força. Passaram-lhe pela cabeça imagens em =catadupa, poissabia exactamente o que significava aquela saída da =técnica. Ela viraalgo de anormal, qualquer coisa diferente... =qualquer coisa má. Asparedes pareceram avançar para ele, enquanto =procurava encontrar umsentido para aquela linha incerta que vira no =ecrã.- O que é que se passa? - sussurrou Lexie. - O que é que =aconteceu?- Não sei.

- Há algum problema com a bebé?- Ela não disse isso - respondeu Jeremy, tanto para se acalmar como=para deixar a mulher descansada. Sentiu um súbito nó na garganta,=engoliu em seco: - Tenho a certeza de que não há problemas.Lexie parecia prestes a chorar. - Então por que é que ela foi =buscar omédico?- É provável que tenha de lhe mostrar um pormenor qualquer.- O que é que ela viu? - perguntou Lexie, quase a implorar. Ele=reflectiu de novo. - Não sei.184- Então o que é?Sem saber a resposta, nem mesmo o que dizer, Jeremy chegou a cadeira=para mais perto da mulher. - Não sei bem. Mas o ritmo cardíaco =está

óptimo, ela está a crescer. Se houvesse algum problema com =a bebé, játeriam falado no assunto.- Reparaste na cara dela? Pareceu-me... assustada.Desta vez, Jeremy não conseguiu responder-lhe. Em vez disso, ficou a=olhar para a parede mais distante. Apesar de ele e Lexie seencontrarem =juntos, de repente sentiu-se muito só.Momentos depois, a sorrirem de modo forçado, o médico e a =técnicaentraram na sala. A técnica sentou-se no seu lugar e o =médico ficou depé, atrás dela. Nem Lexie nem Jeremy =conseguiram pensar em algo paradizer. No silêncio que se seguiu, ele =conseguia ouvir as batidas dopróprio coração.- Vamos dar uma vista de olhos - decidiu o Dr. Sommers.A técnica espalhou um pouco mais de gel; logo que ela colocou a sonda=em cima da barriga de Lexie, a bebé voltou a aparecer no ecrã. =Porém,quando dirigiu o olhar para o ecrã, não apontou a sonda =na direcção dabebé.- Consegue ver? - indagou.O médico inclinou-se para diante; Jeremy fez o mesmo. Viu uma vez =maisa linha branca ondulada. Desta vez, notou que a linha parecia =partirda parede da bolsa que rodeava a bebé, parecia nascer do =espaço escuroà volta.- Ali mesmo.O médico assentiu. - Já está ligada?A técnica deslocou a sonda e apareceram diversas imagens da bebé.=Enquanto falava, a técnica ia abanando a cabeça. - Quando a =observeipela primeira vez, não vi qualquer ligação. Julgo que =procurei emtodos os sítios possíveis.

- Vamos certificar-nos - decidiu o médico. - Dê-me um minuto para=procurar - pediu. A técnica levantou-se e o médico tomou o lugar =dela.Manteve-se calado enquanto deslocava uma vez mais a sonda; pareciamenos =familiarizado com a máquina e as imagens apareciam com maior=lentidão. Tal como a técnica fizera, inclinou-se para o ecrã. =Durantemuito tempo nenhum falou.- O que é? - indagou Lexie com voz trémula. - O que é que =procuram?O médico olhou de esguelha para a técnica, que saiu da sala sem =fazerruído. Quando ficaram sós, o médico fez aparecer a linha =branca.185

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- Estão a ver esta linha? É aquilo a que damos o nome de banda=amniótica - esclareceu. - Estive a verificar se está ligada a=qualquer parte do corpo da bebé. Habitualmente, quando se liga, é=pelas extremidades, como pernas ou braços. Contudo, até agora =nãoparece ter-se ligado, o que é bom.Jeremy interrompeu-o. - Porquê? Não compreendo. O que quer dizer =combanda? O que é que isso pode fazer?

O médico expirou o ar lentamente. - Pois bem, esta banda é =composta domesmo tecido fibroso que constitui o âmnio, o saco que =contém a bebé.Estão a ver, aqui? - indagou, a desenhar =círculos irregulares com umdedo, primeiro à volta do saco e a =seguir da banda. - Como vêem, umadas pontas da banda está ligada =aqui à parede do saco, a outra pontaflutua, continua solta. A ponta =solta pode colar-se a qualquer partedo feto. Se isso acontecer, a =criança nascerá com a síndrome da bandaamniótica.Quando voltou a falar, o médico escolheu um tom neutro de voz.- vou ser absolutamente franco: se isso acontecer, as hipóteses de se=verificarem anomalias congénitas aumenta muitíssimo. Sei quanto =lhesdeve custar ouvir tal coisa, mas foi por isso que passámos tanto =tempoa observar as imagens. Queríamos ter a certeza de que a banda =não se

tinha ligado.Jeremy mal conseguia respirar. Pelo canto do olho, viu Lexie a morder o=lábio.- Mas vai ligar-se? - perguntou.- Não temos maneira de saber. De momento, a outra ponta da banda=flutua no fluido amniótico. O feto ainda é pequeno. Ao crescer, =fazaumentar a possibilidade da ligação, mas a verdadeira =síndrome dabanda amniótica é rara.- Que género de anomalias? - perguntou Lexie.Não era uma pergunta a que o médico gostasse de responder; e =mostrou-o. - Uma vez mais, depende do ponto onde se ligar, e quando. Mas =sefor uma verdadeira síndrome pode ser grave.- Grave até que ponto?O médico suspirou. - Se a ligação se desse nas extremidades, a =criançapoderia nascer sem uma perna, ou com um pé deformado, ou a =sofrer desindactilia, isto é, com os dedos ligados por uma membrana. =Pode aindaser pior, se a colagem for noutro ponto.Jeremy sentia-se mais estonteado à medida que o médico ia =elaborando aresposta. Fez um esforço para perguntar: - O que é =que vamos fazer? ALexie vai ficar bem?- A Lexie ficará óptima - acrescentou o médico. - A síndrome =não temquaisquer efeitos sobre a mãe. Quanto ao que podemos =fazer,186bem, para além de esperar, não podemos fazer nada. Não existem =motivospara ter de repousar ou medidas do género. Recomendarei que =façamosuma ecografia de nível dois, que nos proporcionará =imagens maisnítidas, mas, repito, estaremos apenas a tentar =descobrir se a banda

se ligou ao feto. E, esclareço uma vez mais, =julgo que não estáligada. Depois disso, faremos ecografias em =série, provavelmente umaem cada duas ou três semanas, mas é =tudo o que podemos fazer por agora.- Como é que aconteceu?- Não se trata de nada que fizessem ou deixassem de fazer. E não =seesqueçam de que, até agora, não há sinais de que esteja =ligada. Seique já disse isto, mas é importante que compreendam. =Para já, não háabsolutamente nada de mal com a vossa filha. O =crescimento é óptimo, obatimento cardíaco é forte e o =cérebro está a desenvolver-senormalmente. Até agora, tudo =bem.

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No silêncio que se seguiu, Jeremy notou o som uniforme, mecânico, =damáquina de ultra-sons.- Disse que seria ainda pior se a banda se colasse noutra parte docorpo =- observou Jeremy.O médico mexeu-se na cadeira. - Sim - admitiu. - Mas não é =provávelque aconteça.- Pior, até que ponto?

O Dr. Sommers afastou o processo para um lado, como se tentasse decidir=até onde deveria ir. - Se se ligar ao cordão umbilical acabou por=dizer -, perderão a criança.187DEZASSETEPodiam perder a bebé.Logo que o médico saiu, Lexie desatou a chorar e Jeremy, fazendo =todosos esforços para a confortar, conseguiu conter as próprias =lágrimas.Sentia-se vazio e falava automaticamente, recordando-lhe, =uma e outravez, que até ao momento a bebé estava óptima e que =iria provavelmentemanter-se assim. Em vez de a acalmarem, as palavras =dele pareceramfazê-la sentir-se pior. Aninhada nos braços dele, =os ombros e as mãostremiam-lhe; quando se afastou, a camisa de =Jeremy estava ensopada nas

lágrimas dela.Não falou enquanto se vestia, o único som que se ouvia na sala era =ainspiração ruidosa dela, como se tentasse conter o choro. A sala=parecia aflitivamente acanhada, como se todo o ar tivesse sido sugado=para fora. Jeremy mal se equilibrava nas pernas. Ao ver Lexie aabotoar =a blusa sobre a saliência redonda que lhe deformava a barriga,teve =de fazer força nos joelhos para se manter de pé.O medo era sufocante e esmagador; o ambiente esterilizado da sala=parecia-lhe irreal. Aquilo não podia estar a acontecer. Nada daquilo=fazia sentido. Nas primeiras ecografias não se detectara qualquer=anormalidade. Desde que soubera que estava grávida, Lexie nem uma=chávena de café bebia. Era forte e saudável, dormia o =suficiente. Mashavia algo de errado. Ao olhar o vazio, imaginava a =banda a flutuar nofluido amniótico, como os tentáculos de uma =medusa venenosa. À espera,a deslizar, pronta para o ataque.Desejava que Lexie se deitasse, que não fizesse qualquer movimento, =deforma a que o tentáculo não encontrasse forma de se agarrar =à bebé. Aomesmo tempo, desejava que ela caminhasse, que =continuasse entregue àssuas actividades habituais, pois o =tentáculo continuaria solto, aflutuar. Pretendia saber como deveria =proceder para aumentar188as possibilidades de a bebé continuar a crescer bem. O ar da sala=parecia já ter-se esgotado, o medo era tanto que sentia a cabeça =oca.A filha deles podia morrer. A sua menina pequenina podia morrer. A sua=menina, talvez a única que pudessem vir a ter.Queria sair daquele lugar e nunca mais lá voltar; queria permanecer=ali e conversar com o médico, para se certificar de que compreendera

=tudo o que estava a acontecer. Queria informar a mãe, os irmãos, o=pai, para poder chorar nos ombros deles; não queria abrir a boca,=queria carregar aquele fardo com estoicismo. Desejava que a filha=estivesse bem. Repetia mentalmente as palavras, uma e outra vez, comose =assim pudesse mantê-la afastada do tentáculo. Ao ver Lexie pegar=na mala, notou-lhe os olhos vermelhos, uma visão de partir o =coração.Não se previra que acontecessem percalços como =aquele. Tinham previstoum dia agradável, um dia feliz. Porém, as =previsões alegres pertenciamao passado e o futuro poderia ser pior. =A bebé seria maior e otentáculo chegar-se-ia mais a ela. E cada =dia faria aumentar o perigo.

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Ao passarem no corredor, a caminho do gabinete do médico, repararam=que a técnica baixou os olhos e concentrou-se nos papéis. com eles=sentados do outro lado da secretária, o médico mostrou-lhes as=imagens obtidas na ecografia. Fez-lhes a mesma descrição, =disse-lhesas mesmas coisas acerca da banda amniótica. Referiu que =preferiadescrever-lhes tudo uma segunda vez. Devido ao choque, a =maioria daspessoas não ouvia bem a primeira explicação. Voltou =a salientar que a

bebé estava a passar bem e não pensava que a =banda se tivesse ligadoao feto. Boas notícias, na opinião dele. =Contudo, Jeremy não conseguiadeixar de pensar no tentáculo que =flutuava dentro da barriga de Lexie,a deslizar, a aproximar-se da =bebé, para, em seguida, mudar de rumo. Afilha a crescer, a ficar =mais volumosa, a encher o saco. Poderia abanda continuar a flutuar =livremente?- Sei quanto é penoso ouvir estas notícias - voltou a afirmar o =médico.Não, pensou Jeremy, não sabe. A bebé não era dele, não =era a suamenina pequenina. A menina dele, de rabo de cavalo e ajoelhada =junto auma bola de futebol, sorria de dentro de uma moldura colocada em =cimada secretária do médico. A filha dele estava óptima. =Não, ele nãosabia. Não poderia saber.Fora do gabinete, Lexie começou novamente a chorar e Jeremy teve de a

=abraçar com força. Praticamente não falaram durante o caminho =deregresso a casa e, mais tarde, Jeremy mal se lembrava da viagem. Logo=que entrou em casa, ligou o computador, acedeu à189Internet e procurou informações sobre a síndrome da banda =amniótica.Viu imagens de dedos ligados por membranas, de membros =atrofiados, depernas sem pés. Estava pronto a aceitá-las mas =não se sentia preparadopara as deformidades faciais, para as =anormalidades que dão àscrianças certas expressões com =muito pouco de humano. Leu acerca dasdeformidades da coluna e dos =intestinos nos casos em que o tentáculose agarrava ao tronco. =Desligou o monitor, foi à casa de banho epassou água fria pelo =rosto. Decidiu não falar a Lexie do que tinhavisto.Lexie tinha ligado à avó logo que chegaram a casa e agora estavam =asduas sentadas na sala. Lexie começou a chorar quando Doris entrou =evoltou a chorar depois de se encontrarem ambas sentadas. A avó =tambémcomeçou a chorar, embora assegurasse à neta que a =bebé continuariabem, que havia uma razão para Deus os ter =abençoado com uma filha, quedevia continuar a ter fé. Lexie =pediu-lhe que não contasse a quem querque fosse e Doris prometeu =manter o segredo. Jeremy também nãoinformou a família. Sabia =como a mãe ia reagir, como seria a voz delaao telefone, as chamadas =telefónicas que se sucederiam. Mesmo que amãe julgasse estar a =ajudá-lo, para ele seria o contrário. Nãoconseguiria lidar com =a situação, de momento não se sentia capaz dedar apoio a outra =pessoa, mesmo que fosse a mãe. Especialmente a mãe.Já lhe =chegava ter de ajudar a Lexie e manter o domínio das suaspróprias =emoções. Tinha, porém, de ser forte, por ambos.

Durante a noite, deitado ao lado de Lexie, tentou pensar em qualquer=outro assunto, esquecer-se do tentáculo que estava à espera de se=agarrar à bebé.Três dias depois, deslocaram-se a Greenville para fazerem a ecografia=de nível dois, no East Carolina University Medical Center. Não se=notou qualquer excitação quando se apresentaram ao balcão e =enquantopreencheram os formulários. Na sala de espera, Lexie tirou a =mala daponta da mesa e colocou-a no colo, para a seguir fazer o =contrário.Foi até à mesa das revistas e pegou numa, mas não =a abriu e voltou asentar-se. Ajeitou uma madeixa de cabelo atrás da =orelha e olhou à

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volta. Mais uma madeixa arrumada atrás da orelha =e nova consulta aomostrador do relógio.Nos dias precedentes, Jeremy tinha lido tudo o que encontrara acerca da=síndrome da banda amniótica, com a esperança de que, se =percebesse oque era, deixaria de a temer. No entanto, quanto mais lia =maisangustiado ia ficando. Passava as noites às voltas na cama, a =sentirnáuseas não só por pensar que a bebé corria perigo, =mas também por

reconhecer que o mais provável era aquela ser a =única gravidez deLexie. Em princípio, aquela gravidez não =deveria ter acontecido e, porvezes, nos momentos de maior depressão, =dava consigo a pensar seaquela não seria uma maneira de o universo o =castigar por ele terdesrespeitado as suas normas. Não estava =destinado a ter filhos. Nuncaestivera destinado a ser pai.Não comunicou a Lexie nenhuma daquelas angústias. Nem lhe contou =todaa verdade acerca da síndrome.- O que é que descobriste no computador? - tinha perguntado Lexie na=noite anterior.- Pouco mais do que o médico nos disse - mentiu Jeremy. Ela assentiu.=Ao contrário do marido, não alimentava ilusões deque os conhecimentos lhe minorassem os temores.

- A cada movimento, ponho-me a pensar se estarei a fazer algo que não=devo.- Estou certo de que não é assim que funciona.Lexie voltou a acenar que sim. - Tenho medo - sussurrou. Jeremy=abraçou-a pela cintura. - Eu também.Foram levados para o gabinete de ecografia e Lexie levantou a camisa=logo que a técnica entrou. Embora a sorrir, esta sentiu a tensão =nasala e não perdeu tempo.A bebé apareceu no ecrã, desta vez com uma imagem muito mais =nítida.Conseguiam distinguir-lhe as feições: o nariz e o =queixo, as pálpebrase os dedos. Quando Jeremy olhou para ela, Lexie =apertou-lhe a mão comforça.A banda amniótica, o tentáculo, ainda continuava à solta. =Faltavam dezsemanas.- Odeio esta espera - queixou-se Lexie. - Aguardar e manter a=esperança de não saber o que vai acontecer.Pôs por palavras aquilo em que ele estava a pensar, as palavras que=ele recusava pronunciar na presença da mulher. Passara uma semana=desde que tinham recebido a notícia e, embora tivessem sobrevivido,=parecia não haver mais nada que pudessem fazer. Sobreviver, manter a=esperança e aguardar. Havia outra ecografia marcada para dali a duas=semanas.- Vai correr tudo bem - assegurava Jeremy. - O facto de a banda lá=estar não significa que vá ligar-se à bebé.- Mas porquê eu? Porquê nós?- Isso não sei. Mas vai correr bem. Vai tudo correr da melhor =maneira.191

- Como é que podes garantir isso? Não sabes. Não podes prometer =talcoisa.Jeremy também reconhecia que não. - Estás a fazer tudo como =deve ser,não estás? - perguntou, dando novo rumo à conversa. - =Estás bem desaúde, alimentas-te bem e tens cuidado contigo. =Não posso deixar depensar que, enquanto fizeres tudo como deve ser, =a bebé continuaráóptima.- Não é justo - gemeu Lexie. - Sei que estou a ser mesquinha, mas =aoler os jornais estou sempre a deparar com notícias de raparigas =quedão à luz filhos não desejados, além de casos em que nem =tinham

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conhecimento da gravidez. De mulheres que fumam e bebem, mas =não lhesacontece nada de mal. Não é justo. E a partir de agora =nem possoapreciar o resto da gravidez. Acordo todos os dias e, mesmo =sem pensarespecificamente no assunto, não consigo evitar que esta =ansiedade meacompanhe para onde for e, de repente, pum Sou subitamente =atingida evolto a recordar que trago comigo qualquer coisa capaz de =matar abebé. Eu mesma! Sou eu quem o faz. Não consigo deixar de =pensar nisso,

por mais que tente; e não há nada que eu possa =fazer.Ele tentou consolá-la: - A culpa não é tua.- Então é de quem? Da bebé? - retorquiu Lexie. - Onde é que =eu errei?Jeremy verificava, pela primeira vez, que, além de estar =aterrorizada,Lexie também se considerava culpada. Uma =constatação que lhe fez doer.- Não fizeste nada de mal.- Mas esta coisa dentro de mim...- Ainda não provocou estragos - contrapôs Jeremy com delicadeza. - =Etenho a certeza que isso se deve, em parte, ao facto de teres feito=tudo como devia ser. A menina está bem. Por agora, é tudo o que=sabemos. A bebé está fantástica.Lexie sussurrou tão baixinho que ele mal a ouviu. - Julgas que ela=nascerá perfeita?

- Sei que sim.Mentia, uma vez mais, mas não podia dizer-lhe a verdade. Pensava que,=por vezes, mentir era o melhor que se podia fazer.Jeremy tinha pouca experiência em lidar com a morte. Mas a morte=acompanhara Lexie ao longo da vida. Não só tinha perdido os pais,=também ficara sem o avô havia poucos anos. Embora Jeremy lhe=demonstrasse compreensão, sabia que era incapaz de compreender=inteiramente o quanto fora duro para ela. Na altura ainda não a=conhecia e não fazia ideia da forma como ela reagira, mas não =tinhadúvidas de qual seria a reacção dela se a filha viesse a =morrer.E se a nova ecografia mostrasse que estava tudo bem? Sabia que as=preocupações iam manter-se, pois a banda amniótica poderia =aindaenredar-se à volta do cordão umbilical. O que sucederia =quando Lexieentrasse em trabalho de parto? Se houvesse uns minutos de =atraso? Sim,podiam perder a filha, seria de partir o coração. E =Lexie, comoficaria? Atribuir-se-ia a culpa? Acharia que ele era o =culpado, poisas probabilidades de uma nova gravidez eram praticamente =nulas? O quesucederia quando ela entrasse no quarto da bebé na casa =nova?Conservaria a mobília da bebé ou resolveria vendê-la? =Decidiriamadoptar uma criança?Não sabia, nem conseguia imaginar as respostas.Porém, o que mais lhe doía era outra coisa. A síndrome da banda=amniótica raramente era fatal. Porém, as deformidades eram a =regra,não a excepção. Por acordo tácito, nem Lexie nem ele =desejavamdiscutir o assunto. Quando falavam das preocupações que =sentiam emrelação à filha, mencionavam sempre a possibilidade =da morte, em vezde discutirem o cenário mais realista. Que a sua =bebé poderia parecer

diferente; que a sua filha poderia ser portadora =de anomalias graves;que a sua filha poderia ter de suportar inúmeras =operações cirúrgicas;que a sua filha poderia vir a =sofrer...Odiava-se por pensar que a possibilidade o afectava, pois, se talviesse =a acontecer, sabia que amaria a filha, fosse ela como fosse.Não =ligava a faltas de membros ou a membranas entre os dedos; iria=criá-la e tratar dela tão bem como qualquer pai faria. Contudo,=quando pensava na bebé, não conseguia negar que a via em =fotografiasquase banais: com um vestido bonito e rodeada de túlipas, =ou achapinhar por entre os bicos de rega do quintal, ou sentada na =cadeira

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alta, a ostentar um enorme sorriso no rosto sujo de chocolate. =Nunca aimaginava com deformidades; nunca a via com uma fissura no =palato ousem nariz, ou com uma orelha do tamanho de uma moeda. Na =imaginaçãodele a filha era sempre perfeita, de olhos brilhantes. =E sabia queLexie a imaginava exactamente como ele.Sabia que todas as pessoas tinham de carregar o seu fardo, que a vida=não era perfeita. No entanto, alguns fardos eram mais pesados que

=outros e, apesar do terrível efeito que a ideia da morte exercia=sobre si, punha-se a imaginar o que seria pior, se não seria=preferível que a filha morresse para não ter de suportar qualquer=deficiência grave - não apenas a falta de um membro, mas algo =muitopior,193uma anormalidade que a faria sofrer durante toda a vida, por mais longa=que pudesse ser. Não conseguia imaginar-se com uma filha cuja dor e=sofrimento fossem tão constantes como o acto de respirar ou o=batimento cardíaco. E se fosse essa a vida que o destino reservara =àsua filha? Uma sorte demasiado terrível para ele conseguir =contemplar,pelo que tentava afastar tais ideias da cabeça.No entanto, a questão não o deixava sossegado.

As horas passaram lentamente durante a semana seguinte. Lexie foi=trabalhar, mas Jeremy não fez qualquer tentativa para escrever. Como=não conseguia arranjar energia suficiente para se concentrar, passava=a maior parte do tempo em casa. As obras tinham entrado na fase finale =ele resolveu encarregar-se do início das limpezas. Lavou as janelas=por dentro e por fora, aspirou os cantos e as escadas, raspou pingosde =tinta que sujavam a bancada da cozinha. Um trabalho monótono,=anestésico, que servia para afastar os medos. Os pintores andavam a=acabar as divisões do primeiro piso e o papel de parede do quarto da=bebé já fora colocado. Lexie encarregara-se de escolher as =peçasmaiores da mobília dos aposentos da bebé e, quando elas =chegaram,Jeremy gastou duas tardes a juntar tudo e a arrumar a =divisão. QuandoLexie saiu do trabalho, levou-a à casa. No cimo da =escada, pediu-lheque fechasse os olhos e fê-la entrar.- Muito bem! - exclamou. -Já podes abrir os olhos.Durante alguns instantes não houve preocupações acerca do =futuro, nemmedos em relação à filha. Em vez disso, viu-se a =Lexie de outrostempos, a mulher que ansiava ser mãe e dava =importância a tudo o quese relacionasse com essa experiência.- Fizeste tudo isto? - perguntou, com voz doce.- A maior parte. Tive de pedir ajuda aos pintores por causa dos estores=e das cortinas, mas fiz tudo o resto.- Está bonito - murmurou Lexie ao entrar.Sobre a alcatifa havia um tapete decorado com patos; a um canto, estava=o berço coberto com um lençol de algodão macio e já com =protecçõescoloridas instaladas, sob o brinquedo móvel que =tinham comprado,parecia, numa outra vida. Os cortinados tinham os =mesmos desenhos do

tapete e das pequenas toalhas colocadas em cima da =cómoda. A mesa paravestir a bebé encontrava-se fornecida de =fraldas, cremes e toalhetesde limpeza. Um pequeno carrossel tocava =música aprazível e brilhavacom uma suave luz amarela derramada =por um candeeiro decorativo.- Pensei que, como vamos mudar-nos dentro de pouco tempo, devia=avançar com este quarto.194Lexie foi até junto da cómoda e pegou num pequeno pato de =porcelana. -Escolheste isto?- Foi para fazer conjunto com o tapete e as cortinas. Se não =gostas...

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- Gosto. Estou apenas surpreendida.- Porquê?- Quando fomos às compras não me pareceu que apreciasses a =experiência.- Julgo que estou finalmente a habituar-me à ideia. E, além do =mais,não queria que fosses a única pessoa a divertir-se. Achas =que ela vaigostar?Ela aproximou-se da janela e passou um dedo pela cortina. - Vai adorar.

=Eu adoro.- Ainda bem.Lexie deixou cair a cortina e foi para junto do berço. Sorriu ao ver=os animais de peluche, embora o sorriso desvanecesse logo de seguida.=Jeremy viu-a cruzar os braços e soube que as preocupações =tinhamregressado.- Devemos poder fazer a mudança durante o fím-de-semana sugeriu, a=lamentar não encontrar mais nada para dizer. - Na verdade, os=pintores disseram que podíamos começar a trazer os móveis =quandoquiséssemos. Talvez tenhamos de guardar alguns no quarto =durante algumtempo, enquanto eles pintam a sala, mas as outras =divisões estãoprontas. Pensei começar pelo escritório, a =que se seguiráprovavelmente o quarto principal. Seja como for, =estás a trabalhar

e eu encarrego-me disto. - Pois - anuiu Lexie. - Acho bem.Jeremy enfiou as mãos nas algibeiras. - Tenho andado a pensarno nome da menina. Mas não te apoquentes, não é Misty. Ela =olhou-o deesguelha, de sobrancelhas arqueadas.- Nem sei como ainda não me tinha ocorrido.- Qual é o nome?Ele hesitou, imaginando como ficaria numa página do diário de =Doris, erecordou-se de como lhe parecera quando o vira na pedra tumular =aolado da do pai de Lexie. Respirou fundo, estranhamente nervoso.- Claire.Não conseguiu perceber a expressão de Lexie e, por momentos, =pensouque talvez tivesse cometido um erro. Contudo, ao começar a =dirigir-separa ele, Lexie mostrava a sombra de um sorriso. Mais perto, =rodeou-ocom os braços e descansou a cabeça no peito dele.195Jeremy abraçou-a e deixaram-se ficar enlaçados, ali no quarto da=filha; o medo persistia, mas já não se sentiam sós.- A minha mãe - sussurrou Lexie.- Sim, a tua mãe. Não consigo imaginar a nossa filha com qualquer=outro nome.Naquela noite, e pela primeira vez em muitos anos, Jeremy rezou.Embora tivesse sido educado como católico e continuasse a acompanhar =afamília à missa no Natal e na Páscoa, raramente sentira =qualquerligação com as cerimónias religiosas ou com a fé. =Não que duvidasse daexistência de Deus; a despeito do cepticismo =que tinha marcado a suacarreira, sentia que a crença em Deus não =era apenas natural, eratambém racional. De outra forma, como poderia =existir uma tal harmonia

no universo? Há anos, havia escrito um =artigo em que expressava assuas dúvidas sobre a existência de =vida noutras partes do universo,recorrendo às matemáticas para =reforçar a opinião e defendendo que,apesar da existência de =milhões de galáxias e de triliões de estrelas,as =possibilidades de existir qualquer outra forma de vida avançada no=universo eram quase nulas.Fora um dos seus trabalhos mais lidos, pois originara um grande volume=de correspondência. Embora as pessoas, pelo menos a maioria,=sustentassem a crença de que o Criador do universo foi Deus, houve=quem discordasse e apresentasse a teoria do "big bang" como

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alternativa. =Num trabalho subsequente, Jeremy escreveu acerca do "bigbang" em termos =próprios de um leigo, discorrendo essencialmente sobreo aspecto da =teoria que diz que, num dado momento, toda a matéria queforma o =universo estivera comprimida numa esfera densa, de dimensõesnão =superiores às de uma bola de ténis. Foi a explosão dessa bola =quecriou o universo tal como o conhecemos. O artigo terminava com uma=pergunta: "Numa primeira análise, qual das ideias parece mais

=verosímil? A crença em Deus ou a ideia de que, num dado momento, =todaa matéria do universo - cada um dos átomos e cada uma das =moléculas deque é composto - esteve condensada dentro de uma bola =minúscula? "Todavia, a crença em Deus continuava a ser uma questão de fé. =Mesmopara aqueles que, como Jeremy, acreditavam na teoria do "big =bang",nada era dito acerca da criação da esfera primitiva. Os =ateus diriamque sempre existira, os religiosos poderiam argumentar que =fora criadapor Deus, não havendo qualquer forma de provar qual o =grupo que estavacerto. Era essa a razão por que os crentes tinham =fé.196No entanto, ainda não estava preparado para aceitar a ideia de que=Deus desempenhava um papel activo nas ocorrências da vida humana.=Apesar da educação católica, não acreditava em milagres, =além de ter

acreditado que mais do que um curandeiro da fé não =passava de um merovigarista. Não cria num Deus que analisasse as =orações, atendendo aumas e rejeitando outras, por mais decente ou =mais indigno que fosse orequerente. Preferia, pelo contrário, crer =num Deus que concedessedons e capacidades a todas as pessoas, para =depois as colocar nummundo imperfeito, onde seriam postas à prova e =onde a sua fé teriasentido.As crenças dele não se enquadravam nos ensinamentos da religião=organizada; quando ia à missa, sabia que o fazia para contentar a=mãe. Por vezes, a mãe sentia-o e sugeria que ele criasse o =hábito derezar; na maioria dos casos, dizia que sim, mas nunca o =fazia. Atéàquele momento.Naquela noite, depois de ter decorado o quarto da bebé, Jeremy deu=consigo de joelhos, a pedir a Deus que proporcionasse segurança à=filha, que o abençoasse ao dar-lhe uma filha saudável. De mãos=juntas, orou em silêncio, prometendo ser o melhor dos pais que=pudesse. Prometeu voltar a assistir à missa, prometeu tornar a =oraçãoum elemento da sua vida diária, prometeu ler a Bíblia =de uma ponta àoutra.- Por vezes, não sei o que hei-de fazer ou dizer - admitiu =Jeremy.Doris estava sentada do outro lado de uma mesa do Herbs, no dia=seguinte; como não tinha informado a família, ela era a única =pessoacom quem podia desabafar.- Sei que ela precisa que eu seja forte e tento sê-lo. Tento =mostrar-me optimista, assegurar-lhe que tudo vai correr bem e faço o =melhorque posso para ela não se sentir ainda mais nervosa do que =já está.Mas...

Quando ele hesitou, Doris terminou a frase por ele. - Mas é =difícilporque estás tão assustado quanto ela.- Pois, estou. Desculpe, a minha intenção não era metê-la no =assunto.- Já estou metida nele - replicou Doris. - E apenas posso concordar=que é duro, mas estás a agir bem. De momento, ela precisa do teu=apoio. Essa é uma das razões que a levou a casar contigo. Sabia =quepodia contar contigo e, quando falamos, ela confirma que lhe tens =dadouma excelente ajuda.197Para lá das janelas, Jeremy observou as pessoas que almoçavam na

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=esplanada, entregues a conversas normais, como se não tivessem=quaisquer preocupações. A vida dele, porém, já não tinha =nada denormal.- Não consigo deixar de pensar no assunto. Amanhã ela vai fazer =outraecografia, uma ideia que detesto. Não consigo deixar de =imaginar queamanhã vamos saber que a banda se ligou. Parece que =estou a ver aexpressão da técnica, a notar como ela fica séria =de repente; e, ao

notar isso, sei que ela nos vai dizer que temos de =falar novamente como médico. Só de pensar nisso sinto o =estômago às voltas. Sei que aLexie pensa o mesmo. Nos últimos =dois dias tem andado realmenteserena. Parece que nos preocupamos cada =vez mais com a aproximação dodia do exame.- É normal - sentenciou Doris.- Até tenho rezado - confessou Jeremy.Doris suspirou e olhou para o tecto, para voltar a fixar-se em Jeremy.E =ainda faltavam oito semanas.Dois dias depois mudaram de casa. O presidente Gherkin, Jed, Rodney e=Jeremy carregaram os móveis no camião, enquanto Rachel e Doris,=dirigidas por Lexie, se encarregavam das caixas. Como a vivenda era=pequena, a nova casa pareceu-lhes vazia, mesmo depois de a mobília

=ter sido colocada nos devidos lugares.Lexie mostrou-lhes todas as divisões: o presidente Gherkin logo=sugeriu que a casa fosse incluída no Roteiro das Casas Históricas,=enquanto Jed resolvia colocar o porco selvagem embalsamado em =posiçãode maior destaque, mudando-o para junto da janela da sala =de estar.Ao observar Lexie e Rachel a dirigirem-se para a cozinha, Jeremy notou=que Rodney se deixava ficar para trás e o olhava de lado.- Quero pedir desculpa.- Por quê? - inquiriu Jeremy.- Sabe por quê - respondeu, a arrastar os pés. - Mas também =queroagradecer-lhes por terem mantido o convite da Rachel para o =casamento.Há muito que queria agradecer-lhes. Significou muito para =ela.- A presença dela também teve um significado profundo para a =Lexie.Rodney esboçou um sorriso rápido, mas pôs-se logo sério. =-Têm aqui umabela casa. Nunca imaginei que ficasse tão bonita. =Vocês os doisfizeram um excelente trabalho.198- É tudo obra da Lexie. Não tenho o direito de reivindicar =qualquercrédito para mim.- É claro que tem. A casa está de acordo convosco. Um lugar =estupendopara criarem os vossos filhos.Jeremy engoliu em seco. - Espero que sim.- Parabéns pelo bebé. Ouvi dizer que é uma menina. A Rachel =jáarranjou um conjunto de roupinhas para ela. Não diga nada à =Lexie, masjulgo que ela está a preparar uma surpresa, que vai =oferecer um,conjunto de banho para a bebé.- Tenho a certeza de que ela vai adorar. Oh, e parabéns pelo vosso

=noivado. A Rachel é um prémio valioso.Rodney olhou na direcção da cozinha no momento em que Rachel=desapareceu de vista. - Ambos temos muita sorte, não é =verdade?Não conseguindo, pela primeira vez, encontrar as palavras certas,=Jeremy não lhe deu resposta.Finalmente, Jeremy fez o telefonema para o editor, uma chamada quetemia =e andara a evitar durante semanas. Informou que não poderia=apresentar uma crónica para aquele mês, a primeira vez que tal=acontecia. Enquanto a voz do editor revelava surpresa edesapontamento, =Jeremy informou-o das complicações surgidas na

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gravidez de Lexie. =O tom de voz do editor suavizou-se de imediato;perguntou se a vida de =Lexie corria perigo, se estava acamada. Em vezde lhe responder =directamente, Jeremy disse-lhe que não gostaria derevelar os =pormenores e, pela pausa que se verificou do outro lado dofio, soube =que o editor adivinhava o pior.- Não há qualquer problema. Vamos reciclar uma das suas =crónicasanteriores, algo que tenha escrito há vários anos. =Vamos apostar que

os leitores não se recordem ou que nunca tenham =chegado a lê-la. Temalguma sugestão, ou quer deixar isso por =minha conta?Ao notar a hesitação de Jeremy, o editor respondeu à sua =própriapergunta. - Não há problema. Eu encarrego-me disso. =Cuide bem da suamulher. Para já, é o que mais interessa.- Obrigado - agradeceu Jeremy. A despeito das lutas ocasionais que=travara com o seu editor, não havia dúvidas de que o homem tinha=sentimentos. - Fico-lhe muito agradecido.- Posso fazer mais alguma coisa?- Não. Só pretendia informá-lo.Ouviu um ranger e soube que o editor estava a recostar-se na cadeira. -=Informe-me se também não puder enviar a crónica seguinte. Se =talacontecer, podemos publicar outra das antigas, concorda?

199- Não deixarei de o informar - prometeu Jeremy -, mas espero ter=qualquer coisa pronta dentro de pouco tempo.- Não se deixe ir abaixo. Está a passar um período difícil, =mas tenhoa certeza de que vai correr tudo bem.- Obrigado.- Oh, a propósito, espero ansiosamente pelo seu próximo trabalho =defundo. Quando o tiver preparado. Não há pressa.- De que é que está a falar? - indagou Jeremy.- Da sua próxima história. Não tenho tido notícias suas; por =isso,calculo que esteja a trabalhar em algo de importante. Sempre que =seesconde é porque tem uma história espantosa para contar. Sei =queestará a pensar noutros temas, mas, se quer saber a minha =opinião, oque fez com o Clausen deixou muita gente impressionada e =gostaríamosde ser nós a publicar o seu próximo artigo de =fundo, em vez de omandar para os jornais diários ou para qualquer =outro meio. Há muitoque queria falar-lhe acerca disto e =assegurar-lhe de que nosmostraremos competitivos quando se tratar de =discutir os seushonorários. Seria também bastante bom para a =revista. Quem sabe,poderemos até chegar a um acordo sobre a capa. =Desculpe falar noassunto num momento destes; não há pressa. =Informe-me quando estiverpreparado.Jeremy olhou para o computador e respirou fundo. - Não me =esquecerei.Embora, tecnicamente, não tivesse mentido ao editor, tinha omitido a=verdade; depois de pousar o auscultador, sentiu remorsos. Não se=apercebera durante a chamada, mas, inconscientemente, esperara que ele=lhe mandasse fazer a mala, dissesse que encontraria alguém que lhe

=escrevesse a coluna ou cancelasse o contrato sem mais delongas. Tinha-se =preparado para isso, mas não lhe passara pela cabeça que o editor=viesse a revelar tanta simpatia. O que o fazia sentir-se ainda mais=culpado.Em parte, desejava telefonar de novo ao homem para lhe contar tudo, mas=o bom senso prevaleceu. O editor mostrara-se compreensivo, bom, porque=tivera de ser. O que é que ele poderia ter dito: Oh, lamento muito o=que se passa com a sua mulher e com o bebé, mas tem de compreender=que os prazos têm de ser cumpridos; despeço-o se não receber =qualquercoisa nos próximos cinco minutos? Não, não diria nada =disso - não o

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poderia ter dito -, especialmente se fosse levado em =conta o que tinhadito depois: que a revista queria ser consultada =quando ele estivessepronto para publicar o seu próximo trabalho de =fundo.200Não queria pensar no assunto. Não conseguia pensar nele; não =conseguirescrever uma simples crónica já era suficientemente =grave. Mas tinhaconseguido o objectivo. Tinha ganho quatro semanas, =possivelmente

oito. Se até lá não conseguisse escrever nada, =contaria toda a verdadeao editor. Teria de o fazer. Não poderia ser =jornalista se nãoconseguisse escrever, não haveria maneira de =continuar a fingir.Então, iria fazer o quê? Como conseguiria pagar as contas? Como=sustentaria a família?Não sabia. Nem queria pensar nisso. De momento, Lexie e Claire eram=suficientes para lhe manter a cabeça ocupada. Na grande ordem das=coisas, elas eram bem mais importantes do que as preocupações com =acarreira, além de Jeremy saber que poria sempre os cuidados ater com elas à frente de tudo, mesmo se estivesse a escrever. Noentanto, a questão era, por agora, muito mais simples: não =tinhaescolha.201

DEZOITOComo é que viria a descrever as seis semanas seguintes? Como é que =asrecordaria quando se pusesse a reflectir sobre o passado? =Recordar-se-ia de passar os fins-de-semana na companhia de Lexie, à =procura deobjectos em vendas particulares ou em lojas de antiguidades, =paraacabarem por encontrar as peças mais convenientes e para =terminarem adecoração da casa? Que Lexie não só tinha um =excelente gosto comotambém a capacidade de antever como as peças =se enquadrariam no seuesquema de decoração? Que o excelente =instinto da mulher para regatearo preço das compras lhes tinha =permitido gastar muito menos do queseria de esperar? Que, afinal, =até a prenda de Jed parecia ter sidofeita de propósito para =aquela casa?Ou recordaria a necessidade de fazer um telefonema para os pais a=informá-los da gravidez, uma chamada em que ele acabaria num choro=incontrolável, como se tivesse reprimido os seus medos por demasiado=tempo e só então tivesse a possibilidade de deixar as =emoções fluíremlivremente, sem receio de afligir Lexie?Também era provável que recordasse as noites sem fim passadas em=frente ao computador, a tentar escrever sem o conseguir,alternadamente =desesperado e furioso por sentir que os ponteiros dorelógio não =paravam de marcar o tempo que faltava para o fim da suacarreira de =jornalista.Pensou que não; que, no final, recordaria aquele tempo como uma=transição angustiada, dividida em períodos de duas semanas, =entreduas ecografias.Embora os temores permanecessem iguais, o choque começara a=desvanecer-se; aquela preocupação deixara de lhes dominar as =ideias a

todas as horas do dia ou da noite. Era como se dispusessem de =ummecanismo de sobrevivência capaz de contrabalançar o peso e202o tormento insustentáveis das suas emoções. Era um processo =gradual,quase imperceptível, pelo que, depois de feita a mais =recenteecografia, só passados alguns dias se aperceberam de que =tinhampassado todo um serão sem serem assaltados pelas =preocupações que osparalisavam. Durante aquele período de seis =semanas tiveram mais de umjantar romântico, riram-se no cinema com =um par de filmes cómicos edeixaram-se conquistar pelos livros que =leram antes de dormir. Embora

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os terrores pudessem regressar de repente =e sem aviso: quando iam àigreja e viam lá um bebé, por =exemplo, ou quando se verificava umacontracção de Braxton-Hicks =mais dolorosa; mas era como se ambosaceitassem o facto de não =poderem fazer nada.Além do mais, havia alturas em que Jeremy se perguntava se haveria=motivos para estarem preocupados. Onde antes imaginara as piores=consequências, agora pensava com certa frequência que ainda =poderiam

vir a olhar para trás com um suspiro de alívio. Até =imaginava a cenaem que contavam a história, sem deixarem de pôr =em relevo as agrurasdaquele período, mas expressando a felicidade =sentida por tudo teracabado por correr bem.Contudo, com a aproximação da data de nova ecografia, ambos =ficavam umpouco mais silenciosos; no percurso para o consultório do =médico eraprovável que não abrissem a boca para falar. Lexie =descansaria a mãona dele e ficava a olhar para a janela do lado do =passageiro, emsilêncio.A nova ecografia, a 8 de Setembro, não mostrou qualquer =evolução dabanda amniótica. Faltavam seis semanas.Nessa noite celebraram com sumo de maçã gelado. Sentados no =sofá,Jeremy surpreendeu Lexie ao dar-lhe um pequeno embrulho com uma

=prenda. Era um creme. Enquanto ela o olhava com curiosidade, Jeremy=pediu-lhe que se recostasse no sofá, de maneira a sentir-se=confortável. Depois de tirar o creme da mão dela, descalçou-lhe =asmeias e começou a massajar-lhe os pés. Tinha reparado que os =pés delaestavam de novo a inchar, embora, quando Lexie se referiu a =isso,tivesse respondido que não se notava qualquer inchaço.- Pensei que irias sentir-te bem - observou Jeremy.Ela sorriu, com ar céptico. - Ainda consegues dizer que não =estãoinchados?- Nem por isso - mentiu ele, a esfregar entre os dedos.- E a minha barriga? Não se vê bem que está maior?- Agora que falas nisso. Mas, acredita, tens muito melhor aspecto que=muitas grávidas.203- Estou enorme. Parece que estou a tentar esconder uma bola de=basquetebol.Ele riu-se. - Estás fantástica. Vista de costas, nem se nota a=gravidez. Embora quando te viras de lado, eu receie que possasderrubar =acidentalmente o candeeiro.Lexie soltou uma gargalhada. - Cuidado - provocou -, sou uma mulher=grávida, e nervosa.- É por isso que estou a massajar-te os pés. Sei que posso fugir=rapidamente. O mesmo não se passa com a pessoa que tem de carregar a=Claire.Ela inclinou-se para trás, para reduzir a intensidade da luz do=candeeiro. - Ora bem, assim está melhor - disse, a ajeitar-se de novo=no sofá. - É mais relaxante.

Jeremy continuou a massajar-lhe os pés em silêncio, de ouvido =atentoaos ocasionais murmúrios de prazer da mulher. Ao passar-lhe a =mãopelos pés sentiu-os mais quentes.- Ainda temos algumas daquelas cerejas com cobertura de chocolate? -=perguntou Lexie num sussurro.- Julgo que não. Compraste mais, ontem?- Não, mas tinha a esperança de que te tivesses lembrado =disso.- Por que motivo haveria eu de comprá-las?- Nenhum. Acontece apenas que sinto um certo desejo delas. Não as=achas saborosas?

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Ele interrompeu a massagem. - Queres que vá comprá-las? Não =custa nada.- Não, é claro que não - replicou Lexie. - Foi um dia =cansativo. E,além disso, estamos a celebrar. Por que haverias de ir =a correr àloja? Só por eu ter um desejo idiota?- Está bem - concordou ele ao pegar de novo na embalagem de =creme.- Contudo, não achas que neste momento nos iam saber bem? Jeremy =riu-se. - Está bem. vou buscá-las.

Lexie olhou para ele. - Não te importas? Detesto obrigar-te a =sair.- Não tem importância, minha querida.- Quando regressares vais continuar a massajar-me os pés?- vou massajá-los até me dizeres que basta.Ela sorriu. - Alguma vez te confessei que estou contente por nos termos=casado? E quanto me sinto feliz por tu fazeres parte da minha vida?Ele beijou-a levemente na testa. - Todos os dias.204No dia do seu aniversário, Jeremy surpreendeu Lexie com um elegante=vestido para grávidas e bilhetes para o teatro, em Raleigh. Alugara=uma limusina e, antes do espectáculo, partilharam um jantar=romântico; para mais tarde, tinha reservado quarto num hotel de =luxo.Decidira que ela necessitava exactamente de um esquema daqueles: de uma

=oportunidade para mudar de ares, de espaço para se libertar das=preocupações, de tempo para poder comportar-se como uma mulher=casada. Porém, à medida que a noite avançava, apercebeu-se de =quetalvez ele próprio necessitasse do mesmo. Durante a =representação,notou em Lexie a satisfação de seguir as =peripécias da peça, a vontadede não perder nada daquele =momento. Inclinou-se para ele mais de umavez; noutras alturas, olhavam =um para o outro ao mesmo tempo, como seexistisse entre eles um acordo =subentendido. A caminho da saída,reparou que havia mais quem a =olhasse. A despeito da gravidez bemvisível era bonita, e mais do que =um homem virava a cabeça quando elapassava. O facto de ela parecer =não notar a maneira como os outroshomens a olhavam enchia-o de =orgulho; apesar de estarem casados, aindase sentia a viver um sonho e =quase estremeceu quando, ao saírem doteatro, ela lhe deu o braço. =O motorista abriu-lhes a porta com umaexpressão que não enganou =Jeremy: apercebeu-se de que ele oconsiderava um homem de sorte.Já foi dito que é impossível fazer amor nas últimas fases da =gravidez,mas Jeremy descobriu que a afirmação não era =verdadeira. Embora Lexietivesse atingido uma fase da gravidez em que o =acto do amor se tornavadesconfortável, deixaram-se ficar deitados, =muito juntos, a desfiarrecordações da infância de cada um. =Falaram durante horas, rindo-secom as memórias de algumas das coisas =que tinham feito e lamentandooutras. Quando acabaram por apagar as =luzes, Jeremy deu consigo adesejar que a noite nunca mais acabasse. No =escuro, enlaçou-a com osbraços, continuando impressionado com o =facto de poder fazer aquilopara sempre; e, quando se encontrava prestes =a adormecer, sentiu queLexie lhe pegava na mão e a pousava =suavemente na barriga. Na quietude

da noite, a bebé continuava =acordada, mexia-se e dava pontapés, emcada movimento a fazê-lo =crer que tudo estava a correr bem. Antes definalmente adormecer, não =pretendia mais do que passar dez milhares deserões como aquele que =acabavam de viver juntos.Na manhã seguinte, comeram o pequeno-almoço na cama, oferecendo =frutaum ao outro e sentindo-se outra vez um casal em lua-de-mel. Jeremy=deve tê-la beijado pelo menos uma dúzia de vezes.205Contudo, no caminho de regresso a casa, permaneceram calados; quebradoo =encanto das últimas horas, ambos encaravam com temor muito do que o

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=futuro poderia reservar-lhes.No dia seguinte, por saber que mais uma semana não resolveria o=problema, Jeremy voltou a contactar o editor; este afirmou uma vezmais =que não havia problema, que compreendia as pressões a que Jeremy=estava sujeito. Porém, uma pontinha quase imperceptível de=impaciência na voz do chefe recordava-lhe que não poderia adiar=indefinidamente a inevitável explicação. Mais um factor a =aumentar a

pressão, que o manteve acordado durante duas noites, mas =que lheparecia irrelevante quando comparado com a ansiedade sentida por =ele epor Lexie enquanto aguardavam a ecografia seguinte.A sala era a mesma, a máquina era a mesma e a técnica também, =mas, semperceberem como, tudo lhes parecia diferente. Não se =encontravam alipara saber se a criança estava bem, estavam ali para =saber se a filhairia nascer deformada ou morrer.O gel foi colocado na barriga de Lexie e a sonda assente sobre ela. De=imediato, ambos ouviram o batimento cardíaco, rápido e rítmico. =Lexiee Jeremy respiraram fundo simultaneamente.Agora já sabiam o que deviam procurar e Jeremy logo fixou os olhos na=banda amniótica e na sua proximidade em relação à bebé. =Ficou a verse entretanto se tinha ligado, sabendo de antemão para =onde a técnica

ia mover a sonda em seguida, sabendo exactamente =aquilo em que elaestava a pensar. Viu as sombras, forçando-se a =manter-se calado,quando queria era pedir-lhe que movesse a sonda, mas a =técnica fezexactamente como ele desejava. Olhava ao mesmo tempo que =a técnica,sabia o que ela estava a ver, sabia o mesmo que ela.A bebé estava a aumentar de volume, observou a técnica, como se =não sedirigisse a quem quer que fosse, e prosseguiu, para dizer que =otamanho da criança dificultava uma observação correcta. =Continuou, sempressas, revelando uma sucessão de imagens. Jeremy =sabia o que ela iadizer, sabia que diria que a bebé se encontrava =bem, mas ela fez umaobservação inesperada. Explicou que o =médico a mandara prosseguir,informando-o depois se tudo estivesse a =correr bem, e sentia-se àvontade para dizer que a banda não se =tinha ligado. Mesmo assim,preferia que o médico viesse ver, para ter =a certeza. Pôs-se de pé esaiu para ir chamá-lo. Jeremy e Lexie =esperaram na sala o que lhespareceu uma eternidade. Finalmente, =apareceu o médico; parecia tenso ecansado, talvez por ter assistido =a um parto na noite anterior. Mas206mostrou-se paciente e metódico. Depois de observar a técnica, e =antesde aceitar a conclusão dela, procedeu ele próprio a um =exame.- A bebé está óptima - concluiu. - Está a passar bem melhor =do que euesperava. No entanto, tenho a certeza de que a banda está a =ficarligeiramente maior. Parece acompanhar o crescimento da criança, =masnão posso ter a certeza.- E quanto a uma cesariana? - indagou Jeremy.O médico assentiu, como se esperasse a pergunta. - Podíamos ir por =aí,mas a cesariana também apresenta os seus próprios riscos. =Trata-se de

uma grande cirurgia e, embora a hipótese já seja =viável, arriscaríamosoutros problemas. Considerando que a banda =não está ligada e que acriança está óptima, acho que a =operação envolve mais riscos tantopara a Lexie como para a =bebé. Vamos, contudo, manter essapossibilidade em aberto, de acordo? =Vamos continuar a agir como atéaqui.Incapaz de falar, Jeremy anuiu. Faltavam quatro semanas.Jeremy trouxe Lexie pela mão até ao carro; depois de sentados, =notounela a expressão angustiada que, tanto quanto sentia, seria a =mesmaque ele próprio mostrava. Tinham sabido que a bebé estava =óptima, mas

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a informação não passava de um sussurro quando =comparada com o anúncioensurdecedor de que, no futuro imediato, uma =cesariana estava fora dequestão, além de também terem ficado a =saber que a banda parecia estara crescer, mesmo que o médico =obstetra não tivesse a certeza disso.Lexie voltou-se para ele, de lábios cerrados, a parecer subitamente=exausta. - Vamos para casa - pediu. Instintivamente, levou as duas=mãos à barriga e as faces tingiram-se-lhe de vermelho.

- Tens a certeza?- Tenho.Estava prestes a ligar o motor quando a viu baixar a cabeça e =escondera cara nas mãos. - Odeio isto! Odeio descobrir que, quando =nospermitimos pensar que tudo está a correr pelo melhor, no mesmo=instante ficamos a saber que nos pode suceder algo de pior. Estou tão=farta desta situação!Jeremy gostaria de lhe responder que também ele estava farto. Sei que=estás - foi dizendo, para a acalmar. Nada mais poderia dizer; queria=saber de uma maneira de resolver a situação, de lhe tornar a207vida mais fácil. Contudo, também reconheceu que Lexie precisava, =antesde mais, de alguém com capacidade para a ouvir.

Lexie tentou justificar-se. - Desculpa. Sei que tudo isto é tão=difícil para ti como para mim. E sei que estás igualmente =preocupado.Apenas me pareces muito mais capaz de lidar com a =situação.Mesmo sem vontade, ele não pôde deixar de se rir. - Duvido. Senti =oestômago começar às cambalhotas no preciso momento em que o =médicoentrou na sala. Estou a criar aversão aos médicos. =Fazem-me sentirarrepios na espinha. Aconteça o que acontecer, a =Claire nunca poderáser médica. Terei de me impor quando chegar a =altura.- Como é que consegues brincar numa altura destas?- É a melhor maneira de lidar com a angústia. Ela sorriu. - Podias=armar uma barafunda.- Julgo que não. Isso é mais o teu estilo.- É o que tenho andado a fazer por ambos. Desculpa.- Não tens de te desculpar. Além disso, as notícias nem foram =más.Está tudo bem, até agora. Era o que desejávamos =saber.Ela acariciou-lhe a mão. - Estás pronto para seguir para casa?- Claro. E, deixa que te diga, estou mesmo ansioso por um sumo de =maçãcom gelo, só para acalmar os nervos.- Não, tu bebes uma cerveja. Eu bebo o sumo enquanto olho para ti com=inveja.Passou-se uma semana. - Eh! - chamou Lexie.Tinham acabado de jantar e Jeremy fora para o escritório. =Encontrava-se sentado à secretária, a fitar o ecrã do monitor. =Ao ouvir a voz damulher, virou-se e viu-a à porta; pensou uma vez =mais que, apesar dabarriga proeminente, Lexie continuava a ser a mulher =mais bela que elealguma vez vira.- Como é que estás?

- Óptima. Mas pensei vir espreitar como estão a correr as coisas.=Desde o casamento, ele mantinha-a informada da situação em queestava o trabalho, mas só quando ela perguntava. Quando Lexie chegava=a casa, não valia a pena incomodá-la com as suas lutas diárias =com otrabalho. Quantas vezes poderia uma mulher ouvir a história dos=fracassos do marido, até se convencer de que ele era mesmo um=falhado? Em vez disso, tinha-se habituado a refugiar-se no=escritório, à espera de uma qualquer intervenção divina e a =tentarviabilizar o impossível.- Estão na mesma - confessou, uma resposta simultaneamente evasiva e

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=livre vontade. Não me obrigaste.- Não, mas tu sabias qual era a minha posição. Sabias que nunca =quissair de cá. E continuo a não querer, mas sairei - afirmou, a =olhá-lobem de frente. - És o meu marido e seguir-te-ei para onde =fores, mesmoque isso implique ir viver para Nova Iorque, se pensares =que a mudançapode ajudar-te.Ele não sabia o que dizer. - Deixarias Boone Creek?

- Se é isso que pensas ser necessário fazer para voltares a =escrever.- E quanto à Doris?- Nunca disse que não viria visitá-la. Mas a Doris compreenderia. =Atéjá conversámos sobre isso.Sorriu, à espera da resposta dele e, por instantes, Jeremy considerou=a proposta. Imaginou a energia da cidade, as luzes de Times Square, o=perfil iluminado de Manhattan à noite. Pensou nas corridas diárias =emCentral Park e nos seus cafés preferidos, nas possibilidades =infindasde novos restaurantes, peças de teatro, lojas e =pessoas...Contudo, foi apenas um momento. Ao olhar pela janela, ao ver a casca=caiada dos ciprestes que bordejavam as margens do rio, com a água =tãolisa que até reflectia o céu, sabia que não sairia dali. =Nem, percebeucom uma intensidade que o deixou surpreendido, o =desejava.

- Sou feliz aqui - contrapôs. - E não penso que mudar-me para Nova=Iorque seja necessário para conseguir voltar a escrever.210- Assim, sem mais nem menos? Não pretendes algum tempo para pensares=no assunto?- Não. Tenho aqui tudo aquilo de que preciso.Mal ela saiu, começou a arrumar a secretária; porém, no preciso=momento em que ia desligar o computador, reparou no diário de Doris,=pousado junto do correio. Estava ali, em cima da secretária, desde=que se tinham mudado; achou que estava na altura de o devolver. Abriu-o =e leu alguns nomes nas primeiras páginas. Quantas daquelas pessoas=ainda viveriam na zona? O que teria sucedido às crianças? Teriam =idopara a universidade? Estariam casadas? Saberiam que, antes de=nascerem, as suas mães tinham ido consultar Doris?Ficou a tentar avaliar quantas pessoas acreditariam em Doris se ela=aparecesse na televisão com o diário e contasse a sua história.=Talvez metade dos telespectadores, provavelmente mais. Mas porquê? O=que levaria uma pessoa a acreditar numa coisa tão ridícula?Sentando-se ao computador, escreveu a pergunta e foi sugerindorespostas =à medida que elas lhe vinham à cabeça. Tomou notas sobre a=forma como a teoria influencia a observação, sugeriu que contar=histórias não é o mesmo que apresentar provas, reconheceu que =umaafirmação ousada é muitas vezes interpretada intuitivamente =comoverdadeira, que os rumores raramente correspondem a realidades, que =aspessoas, pelo menos a maioria, raramente exigem provas. Acabou por=conseguir quinze observações e começou a citar exemplos para =defenderas suas ideias. Enquanto escrevia não conseguia evitar uma =certa

sensação de vertigem, de espanto por as palavras fluírem. =Tinha medode parar, medo de apagar o candeeiro, medo de ir buscar uma =chávena decafé, medo de que a inspiração fugisse. A =princípio, até tinha medo deapagar fosse o que fosse, mesmo os =erros, pela mesma razão; então, oinstinto tomou as rédeas, =forçou a sorte e as palavras continuaram afluir. Uma hora depois, =encontrava-se a olhar com satisfação paraaquela que sabia ser a =sua próxima crónica: "O que leva as pessoas aacreditar".Imprimiu e leu a crónica uma vez mais. Não estava pronta. Era um=esboço, o texto precisava de ser trabalhado. Mas a ossatura estava

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=lá, sentia que brotavam novas ideias e soube, uma certeza surgida de=repente, que o bloqueio já pertencia ao passado. Contudo, acrescentou=várias notas à página que tinha diante dos olhos. Para quando =fossemnecessárias.Saiu do escritório e encontrou Lexie na sala, a ler.211- Olá! - saudou Lexie. - Pensei que vinhas para junto de mim.

- Também eu pensava que vinha.- O que é que tens estado a fazer?Jeremy estendeu-lhe as folhas, sem tentar esconder o sorriso. Queresler =a minha próxima crónica?Lexie levou uns instantes a perceber o que acabara, de ouvir e a=levantar-se do sofá. com uma expressão de espanto, e também de=alegria, pegou nas folhas. Deu-lhes uma rápida vista de olhos e, a=sorrir, fitou-o. - Escreveste isto, agora mesmo?Ele acenou que sim.- Que maravilha! É claro que quero ler. E para já!Voltou para o sofá e, durante algum tempo, enquanto ela percorria as=páginas com os olhos, Jeremy manteve-se calado. Totalmente=concentrada, Lexie ia lendo e enrolando uma madeixa de cabelo entre os

=dedos. Foi enquanto a observava que lhe ocorreu a razão do bloqueio=que o tinha vindo a afectar. Talvez não fosse o facto de viver em=Boone Creek; era ter a impressão, pelo menos inconscientemente, de=que nunca mais poderia sair dali.Uma noção ridícula, que não teria dúvidas em desmentir se =alguém amencionasse, mas sabia que o seu raciocínio estava =correcto; e nãoconseguia parar de sorrir. Queria celebrar, tomar =Lexie nos braços eficar abraçado a ela para sempre. Queria criar =a filha numa terra ondepodiam caçar borboletas durante o Verão e =assistir ao desenrolar dastempestades, abrigados numa varanda segura. =Agora era aquele o seular, o lar da sua família, uma =constatação que o levou a crer que nãohaveria qualquer =problema com o nascimento da filha. Tinham sofridotanto nos últimos =tempos, ela tinha de estar bem; quando fizessem anova ecografia, a 6 de =Outubro, a última antes do parto, Jeremy teriaa certeza de que =estava tudo a correr bem. Até àquele momento, aClaire estava a =portar-se optimamente.Até àquele momento.212DEZANOVEQuando, finalmente, Jeremy se apercebeu do que estava a acontecer, tudo=lhe pareceu confuso e desfocado mas, como estava a meio de um sonho,=achou que tinha desculpa. Só tinha uma certeza: a sua primeira=palavra naquela manhã seria "Ai!".- Acorda - pediu Lexie, a tentar mais uma vez chamar-lhe a =atenção.Ainda tonto, Jeremy levantou um pouco mais o lençol. - Por que =estás adar-me cotoveladas? Estamos a meio da noite.- Não estamos a meio da noite, são quase cinco horas. Mas julgo =que

chegou a altura.- A altura de quê?- De ir para o hospital.Uma vez processadas as palavras, levantou-se de um salto e atirou o=lençol para trás. - Tens contracções? Por que é que =não me disseste?Tens a certeza?- Parece-me que sim. As contracções já não são novas para =mim, masacho estas diferentes. E são mais regulares.Ele engoliu em seco. - Então é agora.- Não tenho a certeza. Mas julgo que sim.

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- Muito bem! - exclamou Jeremy, a respirar fundo. - Não entremos em=pânico.- Não estou em pânico.- bom, porque não há motivos para entrarmos em pânico.- Eu sei.Durante alguns momentos, limitaram-se a olhar um para o outro.- Preciso de um duche - acabou por decidir Jeremy.

- Um duche?213- Pois - anuiu ele ao saltar da cama. - Serei rápido e seguiremos =logoem seguida.Não se apressou. Demorou-se no duche o tempo suficiente para embaciar=o espelho, que teve de limpar por duas vezes para conseguir barbear-se. =Escovou os dentes e limpou-os com fio dental, a seguir aplicou=loção para depois de barbear. Gargarejou por duas vezes. Levou o =seutempo a abrir uma nova embalagem de desodorizante, ligou o secador =decabelo e regulou-o para uma temperatura baixa, além de aplicar gel =emousse no cabelo, antes de se pentear. Verificou que tinha as unhas=das mãos um pouco crescidas; estava a cortá-las e a limá-las =quandoouviu a porta abrir-se atrás de si.

- Que diabo estás tu a fazer? - perguntou uma Lexie ofegante. Estava=inclinada para diante, a segurar a barriga. - Como podes demorar-te=tanto?- Estou quase pronto - protestou Jeremy.- Estás aqui metido há quase meia hora!- A sério?- Pois, a sério! - ripostou, semicerrando os olhos por causa das=dores, para depois ficar boquiaberta ao ver o que ele estava a =fazer.- Tu estás a aparar as unhas?Antes que ele conseguisse responder, Lexie rodou e desapareceu.Quando se preparara para aquele dia, nunca se imaginara a agir daquela=maneira. Pelo contrário, nos ensaios agira sempre como um modelo de=calma e autodomínio. Aprontar-se-ia com uma eficiência =mecânica, nãoperderia a mulher de vista, confortá-la-ia nas =suas preocupações epegaria nos sacos que Lexie já tinha =preparado, correndo para ohospital a segurar o volante com mãos bem =firmes.Só não previra que deixasse aquele terror apoderar-se dele. Não =estavapreparado para enfrentar a situação. Como poderia ser pai? =Não faziaideia do que tinha de fazer. Fraldas? Biberão? Como =pegar na bebé? Nãodispunha de conhecimentos. Precisava de mais um =ou dois dias, tinha deler alguns daqueles livros que Lexie andava há =meses a estudar. Porém,agora era demasiado tarde. A sua tentativa =subconsciente para atrasaro inevitável tinha fracassado.- Não, ainda não saímos! - dizia Lexie para o bocal do =telefone.- Ele ainda está a aprontar-se!Sabia que a mulher estava a falar com a avó. E não parecia muito=contente.

Jeremy começou a vestir a roupa e estava a enfiar uma camisa pela=cabeça quando Lexie desligou. Viu-a arquear as costas, aguentar outra=contracção em silêncio e esperar que a dor passasse. Então, =ajudou-a a214endireitar-se e começou a conduzi-la para o carro, conseguindo=finalmente controlar-se um pouco.- Não te esqueças do saco - lembrou Lexie.- vou buscá-lo.Acomodaram-se no carro num abrir e fechar de olhos. Na altura, tinha=começado outra contracção e ele iniciou uma rápida manobra =de marcha

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atrás.- O saco! - gritou ela, mal-humorada.Jeremy deu uma sapatada no travão e correu de regresso a casa. Não=havia dúvidas: não estava preparado para enfrentar uma =situaçãodaquelas.Encontraram as estradas desimpedidas e negras, sob um céu escuro, e=Jeremy carregou no pedal, a acelerar em direcção a Greenville. =Para

prevenir possíveis complicações, tinham resolvido que a =bebé nasceriaem Greenville, e Jeremy ligou para o serviço de =atendimento a informaro médico de que iam a caminho.Passou outra contracção; pálida, Lexie recostou-se no banco. =Elecarregou ainda mais no acelerador.Percorriam rapidamente as estradas desertas; pelo retrovisor, Jeremyvia =o horizonte a tornar-se acinzentado. Lexie ia estranhamente caladamas, =uma vez mais, o mesmo acontecia com ele. Nenhum dissera umapalavra =desde que entraram no carro.- Estás a sentir-te bem?- Estou - respondeu Lexie, com a voz de quem não se sentia nada bem. =-Mas talvez seja melhor ires mais depressa.Sentia o coração acelerado dentro do peito. "Mantém-te calmo", =dizia,

para si próprio. "Seja o que for que tenhas de fazer, =mantém-tecalmo." Sentiu o carro derrapar quando descreveram uma =curva apertadaa grande velocidade.- Não tão depressa - protestou Lexie. - Não desejo morrer antes =dechegar ao hospital.Jeremy abrandou mas, sempre que a mulher tinha nova contracção, =davaconsigo a acelerar de novo. Pareciam chegar com cerca de oito =minutosde intervalo. Só não sabia responder a uma pergunta: seria =tempo maisdo que suficiente ou seria demasiado escasso? Na verdade, =deveria terlido o livro, qualquer livro. Agora, já não =interessava.Uma vez em Greenville, o trânsito aumentou. Não havia muitos=automóveis, mas eram suficientes para o obrigarem a parar em alguns=dos semáforos. No segundo, olhou para Lexie. Se havia alguma=diferença, era parecer agora ainda mais grávida do que quando =tinhaminiciado o trajecto para o hospital.- Estás a sentir-te bem? - voltou a indagar.- Pára com as perguntas - pediu ela. - Podes ficar descansado, eu=digo-te quando não me sentir bem.- Estamos quase a chegar.- Óptimo - rematou Lexie.Jeremy continuava a olhar para o semáforo, perguntando-se por que=diabo não apareceria o verde. Não era óbvio que havia ali um =caso deemergência? Olhou de relance para a mulher, a lutar contra o =desejo devoltar a perguntar se ela se sentia bem.Parou junto da entrada das urgências. O olhar de desespero e o =anúncioem voz alta de que a mulher entrara em trabalho de parto =levaram umauxiliar a aparecer junto do carro com uma cadeira de rodas. =Jeremy

ajudou a mulher a sair do carro e ela instalou-se na cadeira. =Depois,apanhou o saco e seguiu atrás deles pela porta dentro. Apesar =da hora,o lugar estava a abarrotar e havia três pessoas junto do =balcão deadmissão.Pensara que, dadas as circunstâncias especiais, Lexie seria=encaminhada directamente para a maternidade mas, em vez disso, acadeira =de rodas foi levada para a frente do balcão, para aguardar asua vez. =Para lá do balcão ninguém parecia ter pressa; as enfermeiras=pareciam mais interessadas em beberricar café e em conversar. Jeremy=mal conseguia conter a impaciência, especialmente enquanto aguardava

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=a inscrição das pessoas que estavam à frente deles. Nenhuma =delasparecia às portas da morte; na sua maioria, pareciam querer =apenas umanova receita. Um até parecia procurar namorico. =Finalmente,finalmente, chegou a vez deles. Antes de ele abrir a boca =para falar,uma enfermeira, que lhe pareceu totalmente desinteressada da =situaçãode Lexie, pôs-lhe um formulário à frente do =nariz.- Preencha as primeiras três páginas, assine a quarta e precisamos =de

ver o seu cartão de seguro de doença.- É absolutamente necessário, num momento destes? A minha mulher=entrou em trabalho de parto. Não deveria conduzi-la primeiro à=maternidade?A enfermeira desviou a atenção para Lexie. - Qual é o intervalo =entrecada contracção?- Cerca de oito minutos.- Há quanto tempo está em trabalho de parto?- Não sei. Talvez há três horas.216A enfermeira acenou que sim. - Primeiras três páginas, assinar na=quarta. E não se esqueça do cartão de seguro.Jeremy pegou no formulário e procurou uma cadeira, a sentir-se quase

=escorraçado. Burocracia? Precisavam de papéis numa altura =daquelas?Numa emergência? Na sua opinião, o mundo já estava =afogado em papéis.O hospital usava resmas de papelada, e ele estava =quase a pôr oformulário de lado, de modo a chegar-se ao balcão =para explicarcalmamente a situação. A enfermeira parecia não =estar a perceber.- Eh!Sobressaltou-se ao ouvir a voz de Lexie. A cadeira de rodas continuava=estacionada junto do balcão das admissões, na outra metade da =sala. -Vais deixar-me aqui?Jeremy viu os olhos dos estranhos cravados nele. Algumas mulheres=mostravam desagrado.- Perdão - desculpou-se, ao levantar-se rapidamente. Apressou-se a=chegar junto dela. Depois de rodar a cadeira, começou a fazê-la =rolarpara o ponto onde se tinha sentado.- Não te esqueças do saco.- Certo - anuiu. Ignorando os olhares dos outros, voltou atrás para =irbuscar o saco e sentou-se junto da mulher. - Estás a sentir-te =bem? -perguntou.- Se voltas a perguntar-me isso, dou-te um murro. Estou a falar a=sério.- Sim, claro. Desculpa.- Vê se preenches o formulário, está bem?Ele assentiu e voltou a dar atenção ao formulário, novamente a =pensarque estava a perder o seu tempo. O preenchimento da papelada =poderiaficar para mais tarde.Levou alguns minutos; quando acabou dirigiu-se para o balcão das=admissões. No entanto, o destino pregou-lhe uma partida, pois =alguém

pareceu ter pensado o mesmo e conseguiu lá chegar primeiro, =forçando-oa uma nova espera. Quando chegou a vez dele, sentia-se a =arder elimitou-se a entregar o formulário.A enfermeira voltou a agir com calma. Analisou cada uma das páginas,=fez fotocópias, abriu uma gaveta e pegou numas quantas pulseiras,=onde começou a escrever o nome e o número de identificação =de Lexie.Lentamente. Num ritmo glacial. Jeremy batia com o pé =enquantoesperava. Não deixaria de enviar uma carta a reclamar. =Aquilo eraridículo.- Está em ordem - acabou por dizer a enfermeira. - Sente-se que =nós

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chamamos logo que estejamos preparados.217- Vamos ter de esperar novamente? - indignou-se Jeremy.- Ora, diga-me cá. É o seu primeiro filho? - perguntou a =enfermeira, aolhá-lo por cima dos óculos.- Por acaso, é.A enfermeira acenou com a cabeça. - Sente-se. Como lhe disse, nós

=chamamos. E coloquem as pulseiras.Uns "anos" mais tarde, chamaram finalmente pelo nome de Lexie.Bem, não tiveram de esperar muito, mas parecera muito tempo. Lexie=tinha iniciado uma nova contracção e comprimiu os lábios, com =as duasmãos na barriga.- Lexie Marsh?Jeremy pôs-se de pé como se tivesse fogo no rabo e saltou para =trás dacadeira de rodas. Bastaram-lhe poucas passadas para chegar =junto daporta de vaivém.- Sim, é ela! - exclamou. - Vamos direitos à sala, não =é?- Vamos - respondeu a enfermeira em voz neutra, sem ligar ao tom de=Jeremy. - Por aqui. Vamos para a maternidade. Fica no terceiro piso.=Sente-se bem, minha querida?

- Estou óptima - respondeu Lexie. - Acabo de ter outra =contracção.Continuam com oito minutos de intervalo.- Acho que devemos ir - sugeriu Jeremy, e tanto a enfermeira como Lexie=se voltaram para ele. O seu tom de voz fora, sem dúvida, petulante,=mas aquela não era uma boa altura para conversas de salão.- Aquele saco é seu? - indagou a enfermeira.- vou já buscá-lo - disse Jeremy, a socar-se mentalmente.- Nós esperamos - volveu a enfermeira.Jeremy gostaria de ter respondido "obrigadinho", no tom de voz mais=sarcástico que conseguisse, mas pensou melhor. Antes de mais, sabia=que aquela mulher ia ajudar no parto; o seu último desejo era =pô-lacontra ele.Correu e pegou no saco e, juntos, embrenharam-se pelo labirinto de=corredores. Foi questão de subir no elevador, percorrer o corredor e=chegar ao quarto. Finalmente!Entraram num quarto vazio, esterilizado e funcional como são todos os=quartos de hospital. Lexie ergueu-se da cadeira de rodas e enfiou-senum =roupão, para depois se içar com todos os cuidados para a cama.=Durante os vinte minutos seguintes houve um corrupio de218enfermeiras a entrar e a sair. Mediram a pulsação e a tensão =arterialde Lexie, mediram-lhe o colo do útero, fizeram as mesmas =perguntas eouviram as mesmas respostas quanto à duração do =trabalho de parto e aointervalo entre as contracções, sobre a =hora da última refeição e ascomplicações surgidas =durante a gravidez. Mais adiante, ligaram-na aum monitor; Lexie e =Jeremy ficaram a olhar para o monitor, queregistava o ritmo rápido =do coração da bebé.

- Costuma ser assim tão rápido? - perguntou Jeremy.- Está normal - assegurou-lhe a enfermeira. A seguir, voltou-se para=Lexie e suspendeu o registo da paciente na barra da cama. - Sou aJoanie =e vou acompanhá-la ao longo da manhã. Como as suas =contracçõescontinuam com intervalos grandes, talvez ainda tenha =de passar aquialgum tempo. Não temos maneira de saber quanto tempo =vai durar otrabalho de parto. Por vezes, é como se carregássemos =num botão eacontece rapidamente; mas há casos em que o processo =é mais lento efirme. Contudo, não pense que tem de manter-se =deitada. Algumasmulheres sentem que caminhar ajuda, outras preferem =estar sentadas, e

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há quem julgue que gatinhar é o melhor =método. Ainda não está prontapara a epidural que pediu; por =isso, faça aquilo que lhe dê a sensaçãode lhe aumentar o =conforto.- Muito bem - respondeu Lexie.- E... o Senhor...- Marsh - completou Jeremy. - Chamo-me Jeremy Marsh. Esta é a Lexie, =aminha mulher. Vamos ter uma filha.

A enfermeira pareceu divertir-se com a resposta. -Já percebi. No=entanto, por agora, o seu papel consiste em ajudá-la. Há uma =máquinade gelo no fim do corredor, pode ir lá buscar quantos =pedaços de geloela quiser. Junto do lavatório há uns toalhetes =que pode utilizar paralhe refrescar a testa. Se a sua mulher quiser =caminhar, mantenha-se aolado dela para a ajudar. Por vezes, as =contracções são súbitas e aspernas fraquejam; não quer =que ela caia, pois não?- Encarrego-me de tudo isso - prometeu Jeremy, a registar mentalmente a=lista.- Se precisar de uma enfermeira, basta carregar no botão. Há-de=aparecer alguma, logo que possível.A enfermeira encaminhou-se para a porta.- Espere lá... Vai-se embora? - inquiriu Jeremy.

- Tenho de ir ver outra paciente. E por agora não tenho nada a fazer=aqui, excepto notificar o médico anestesista. Volto cá daqui a =pouco.- E o que é que vamos fazer entre as suas visitas?219A enfermeira pareceu reflectir sobre o assunto. - Acho que podem ver=televisão, se quiserem. O controlo remoto está na =mesa-de-cabeceira.- A minha mulher está em trabalho de parto. Não me parece que =queiraver televisão.- Então, não vejam - contrapôs a enfermeira. - Mas, como eu =disse,podem ter de passar aqui algum tempo. Uma vez, tive uma mulher em=trabalho de parto durante quase trinta horas.Jeremy empalideceu, tal como Lexie. Trinta horas? Antes que pudessem=reflectir sobre o assunto, começou outra contracção e a =atenção delefoi desviada não só pelo desconforto aparente =de Lexie, mas tambémpela dor provocada pelas unhas dela na palma da =sua mão.Ligaram a televisão cerca de uma hora mais tarde.Parecia-lhes errado, mas não conseguiam pensar no que fazer no=intervalo entre as contracções, que continuava a ser de oito =minutos.Jeremy foi repentinamente assaltado pela suspeita de que a =filha iriaescolher a altura que mais lhe conviesse. Ainda não tinha =nascido e jácomeçava a dominar a arte de chegar atrasada. Mesmo =que ainda nãotivesse sido informado, naquele momento teria a certeza =de que amulher ia dar à luz uma rapariga.Lexie estava bem. Ele teve a certeza, até porque, depois de =perguntar,levou um murro num braço.Doris apareceu cerca de uma hora depois, vestida com o seu traje de=domingo, que parecia mais que apropriado para aquele dia especial.

=Olhando para trás, sentia-se satisfeito por ter tomado duche. Como=não se registava qualquer aceleração das contracções, =continuavam adispor de muito tempo.A avó pareceu encher o quarto, a agitar os braços como se voasse =paraa cama. Tivera uma filha, afirmava, por isso sabia exactamente o =queos esperava; e, além disso, Jeremy verificou que Lexie ficara =contentecom a chegada da avó. Não levou nenhum murro quando =perguntou se elase sentia bem. A neta limitou-se a responder à =pergunta.O que, tinha de admiti-lo, o deixou algo aborrecido. Na realidade,=desagradava-lhe a própria ideia de ter Doris a cirandar por ali.

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=Sentia que estava a ser mesquinho, pois ela criara Lexie e queriaestar =presente naquele dia especial, mas também pensava que a=situação era para ser vivida pelo casal. Mais tarde, haveria muito=tempo para as manifestações familiares, para os sentimentos =filiais eas frivolidades. Contudo, ao sentar-se numa cadeira ao canto =doquarto, nem sequer pensou em dizer uma palavra sobre o que sentia. =Erauma daquelas, situações em que o mais delicado gesto =diplomático

poderia parecer uma ofensa.Passou os três quartos de hora seguintes com um ouvido na conversa =dasduas mulheres e os olhos postos no televisor, a ver o programa Good=Morning America. Boa parte deste era dedicado à luta eleitoral entre=Al Gore e George W. Bush, pelo que Jeremy desligava da conversa sempre=que algum deles abria a boca para falar. Mas ver o programa era mais=fácil do que ouvir até que ponto, depois de Lexie o ter acordado=naquela manhã, ele se tinha revelado egoísta.- Encontraste-o a cortar as unhas? - indagava Doris, contemplando-o com=horror fingido.- Estavam a ficar um pouco compridas - confessou.- Para depois conduzir como um louco - acrescentou Lexie. com uma=chiadeira de pneus.

Doris abanou a cabeça, desapontada.Jeremy procurou defender-se. - Pensei que a bebé estava para nascer.=Como é que eu poderia saber que tínhamos tempo de sobra?- Pois bem, ouçam - interrompeu Doris. - Já passei por esta =situação,por isso parei no supermercado e comprei umas revistas. =Coisas sem pésnem cabeça, mas ajudam a passar o tempo.- Obrigada, Doris - agradeceu Lexie. - Sinto-me contente por estares=aqui.- Também eu. Há muito que espero este momento. Lexie sorriu.- vou até lá abaixo para beber um café, está bem? - =prosseguiu Doris.- Não se importam?- Não, estás à vontade.- Jeremy, queres que te traga alguma coisa?- Não, estou bem - assegurou, a tentar esquecer os protestos do=estômago. Se Lexie não podia comer, ele também não comeria. =Parecia-lhe ser a atitude mais correcta.- Não me demoro - gorjeou Doris. No caminho para a porta tocou no=ombro de Jeremy e inclinou-se para ele. - Não te preocupes com o que=sucedeu esta manhã. O meu marido fez o mesmo. Encontrei-o a arrumar o=escritório. É normal.Jeremy assentiu.221O intervalo entre as contracções encurtou. Primeiro, para sete=minutos, depois para seis. Uma hora mais tarde, parecia terestabilizado =de novo nos cinco minutos. Joanie e íris, outraenfermeira, pareciam =alternar as visitas ao quarto.Doris continuava ausente e Jeremy deu consigo a perguntar se ela

=conseguira ler-lhe na mente o desejo de estar só com a mulher. O=televisor continuava ligado, embora ninguém lhe prestasse grande=atenção. com as contracções cada vez mais frequentes, Jeremy =nãodeixava de refrescar a testa de Lexie e de lhe dar cubos de gelo. =Amulher ainda não mostrara desejos de caminhar; parecia ter os olhos=colados ao monitor, onde continuava a seguir o ritmo cardíaco da=filha.- Estás com medo? - acabou por perguntar.Jeremy viu-lhe o rosto preocupado. com a aproximação do momento, =ostemores não o surpreendiam.

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- Não - mentiu -, na verdade não estou. Ainda não passaram duas=semanas desde a última ecografia e na altura a bebé estava =óptima. Sea banda tivesse de ligar-se, penso que isso já teria =acontecido nessaaltura. E, mesmo que acabasse por ligar-se, o médico =afirmou queestava demasiado afastada, pelo que qualquer problema seria =poucograve.- Mas e se à última hora se enrola no cordão umbilical? E se

=interrompe a circulação sanguínea?- Não vai acontecer - assegurou-lhe Jeremy. - Estou convencido de que=vai tudo correr bem. Se o médico estivesse preocupado, estou certo de=que já te teria ligado a mais máquinas e convocado diversos =colegasde outras especialidades.Ela acenou que sim, alimentando a esperança de que o marido tivesse=razão, embora não conseguisse convencer-se até ver resultados=concretos. Até poder pegar na filha e verificar por si =própria.- Acho que lhe devemos dar um irmão ou uma irmã - propôs.- Não desejo que seja filha única, como eu.- bom, não te saíste mal.- Eu sei, mas, mesmo assim, recordo-me de crescer a desejar ter o mesmo=que a maioria das minhas amigas. Alguém com quem brincar num dia de

=chuva, alguém com quem conversar à mesa. Foste criado com cinco=irmãos. Não achas que foi maravilhoso?- Às vezes - admitiu Jeremy. - Mas houve alturas em que não achava =asituação tão fantástica. Sendo o mais novo, era preterido =em algumassituações, especialmente pela manhã. Costumava dizer =às pessoas queser o mais novo de seis significava muitos duches =frios e limpar-mecom toalhas molhadas.222Ela sorriu. - Mesmo assim, continuo a preferir mais do que um.- Eu também. Mas, antes de mais, vamos pôr esta cá fora. =Depois,veremos o que acontece.- Podemos adoptar? - perguntou Lexie. - Quer dizer... bem, tu =sabes...- Se não conseguir engravidar-te outra vez? Lexie assentiu.- Pois. Podemos adoptar. Já ouvi dizer que o processo é muito =demorado.- Nesse caso, talvez devêssemos iniciá-lo quanto antes.- De momento, não julgo que estejas em condições de iniciar =seja o quefor.- Pois não, estava apenas a pensar que podemos fazê-lo quando a =bebéjá tiver uns meses. Podemos continuar a tentar ter mais um =filho pelométodo normal, mas, se nada acontecer entretanto, =poderemos ir emfrente com a adopção. Não quero que tenham =grande diferença de idade.Jeremy voltou a refrescar-lhe a testa. - Tens pensado muito no =assunto.- Comecei a pensar nisso logo que soubemos da banda amniótica. Quando=soube que havia uma possibilidade de perdermos a criança, apercebi-me=do meu profundo desejo de ser mãe. E, aconteça o que acontecer, o=desejo mantém-se.- Não vai acontecer nada - tranquilizou Jeremy. - Mas compreendo o =que

sentes.Ela pegou-lhe na mão e beijou-lhe os dedos. - Sabes que te adoro, =nãosabes?- Sim, eu sei.- E tu? Não me amas?- O meu amor por ti é maior que o número de peixes que há no =mar, émais alto que a Lua.Lexie olhou-o com curiosidade e viu-o encolher os ombros. - Era assim=que a minha mãe costumava dizer quando éramos pequenos explicou=Jeremy.

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Ela voltou a beijar-lhe os dedos. - Vais dizer o mesmo à Claire?- Todos os dias.Doris regressou um pouco mais tarde e, com a passagem das horas, o=intervalo de tempo entre as contracções foi diminuindo =gradualmente.Cinco minutos, depois quatro e meio. Quando atingiram =os223quatro minutos voltaram a medir o colo do útero, uma visão que,

=segundo Jeremy, tinha muito pouco de agradável; contudo, depois de=acabar, Joanie pôs-se de pé e olhou-os com ares de =conhecedora.- Julgo que chegou a hora de chamar o anestesista - concluiu.- Já está com seis centímetros de dilatação.Jeremy ficou a imaginar como é que a dilatação poderia ter sido=medida, mas decidiu não ser aquela a melhor altura para pedir=esclarecimentos.- As contracções são mais intensas? - perguntou Joanie ao =atirar aluva para o lixo.Quando Lexie respondeu que sim, a enfermeira apontou para o monitor. -=Até agora, a bebé está a portar-se bem. E não se preocupe, =logo quefizer a epidural acabaram-se as dores.- Óptimo - comentou Lexie.

- Se pretender prosseguir de forma natural, ainda está a tempo de=mudar de ideias - sugeriu Joanie.- Não quero mudar - decidiu Lexie. - Quanto tempo é que julga que=ainda vai demorar?- A previsão continua a ser difícil mas, se mantiver este ritmo,=talvez seja durante a próxima hora, mais minuto menos minuto.Jeremy sentiu o coração bater com mais força. Embora admitisse =quefosse imaginação sua, pensou que o coração da filha =fizera o mesmo.Procurou controlar a respiração.O anestesista chegou momentos depois e Joanie pediu a Jeremy que=saísse do quarto. Embora consentisse, ficou no corredor com Doris e=considerou perfeitamente ridícula aquela noção de privacidade. =Nãofazia sentido encarar a epidural mais invasiva da privacidade do =que aobservação do colo do útero.- A Lexie disse-me que voltaste a trabalhar - observou Doris.- É verdade. De facto, na semana passada escrevi mais umas =crónicas.- Ainda não tens ideias para qualquer trabalho de fundo?- Tenho algumas. Resta saber se poderei avançar com elas. com o=nascimento da bebé, não sei se a Lexie apreciaria muito a minha=ausência durante umas semanas. Contudo, tenho uma história que =talvezconsiga escrever a partir de casa. Nada de semelhante ao artigo =sobreo Clausen, mas bastante forte.- Parabéns. Fico contente por ti.- Eu também - anuiu Jeremy, fazendo-a rir.- Ouvi dizer que a menina vai chamar-se Claire.- É verdade.224

- Sempre adorei esse nome - confessou Doris, a falar com voz calma. No=silêncio que se seguiu, Jeremy sabia que ela estava a recordar a=filha. - Devias tê-la visto quando nasceu. Trazia muitocabelo, a=cabeleira mais negra que eu alguma vez vira, e berrava com força.=Soube desde logo que tinha de lhe dar rédea curta. Uma coisinha=bravia, mesmo quando era muito pequena.- Era bravia? - indagou Jeremy. - Das conversas com a Lexie fiquei coma =impressão de que era uma perfeita bela do Sul.Doris riu-se. - Estás a brincar? Era uma boa menina, isso posso=garantir-te, mas gostava mesmo de ir até aos limites. Quando andava

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=na terceira classe, mandaram-na para casa porque, durante o recreio,=tinha beijado todos os rapazes da escola. Até conseguiu pôr alguns=deles a chorar. Por isso, meteu-se num sarilho. Ficou de castigodurante =o resto do dia, obrigámo-la a limpar o quarto e teve de ouvirdas =boas; explicámos-lhe que aquele não fora um comportamento=apropriado. Depois de tudo, no dia seguinte foi para a escola e fez o=mesmo. Quando fomos buscá-la, tínhamos esgotado a paciência, =mas ela

limitou-se a afirmar que gostava de beijar os rapazes, mesmo que =emseguida fosse castigada.Jeremy soltou uma gargalhada. - A Lexie sabe disso?- Não tenho a certeza. Nem sei por que fui lembrar-me disto neste=momento. Mas ter filhos muda a nossa vida mais do que qualquer outra=coisa. Terá sido a mais difícil, mas também a melhor coisa que=poderiam ter feito.- Estou ansioso - confessou Jeremy. - Estou pronto.- Estás mesmo? Posso pegar-te na mão enquanto dizes isso? Da =últimavez em que ela o fizera, Jeremy ficou com a estranhasensação de que Doris lhe lera o pensamento. Mesmo sem acreditar =queisso tivesse realmente acontecido, porque... bem, apenas por não =serpossível.

- Não, por acaso não pode - replicou.Doris sorriu. - Estar um pouco nervoso não tem nada de mal. O medo=também é normal. Trata-se de uma grande responsabilidade. Mas vais=sair-te muito bem.Jeremy concordou, a pensar que, dentro de menos de quarenta minutos,=poderia ter a certeza.Realizada a epidural, Lexie deixara de sentir dores e tinha de olhar=para o monitor para se aperceber de que estava a ter uma =contracção.Passados mais vinte minutos, o colo do útero tinha =dilatado oito225centímetros. Quando a dilatação atingisse os dez =centímetros, teriainício o parto. O batimento cardíaco da =criança continuavaperfeitamente normal.Sem dores, a disposição dela melhorou consideravelmente.- Sinto-me bem - afirmou, dando a impressão de cantar a última =palavra.- Pareces alguém que bebeu um par de cervejas.- Também acho - concordou Lexie. - Agora sinto-me muito melhor. =Fiqueia apreciar a epidural. Como é que alguma mulher pode querer =fazer istopelo método natural? As dores do parto magoam.- Já ouvi dizer. Precisas de mais cubos de gelo?- Não. Agora sinto-me óptima.- Até estás com melhor aspecto.- Tu também não me pareces nada mal.- bom, tomei duche esta manhã.- Como se eu não soubesse - exclamou ela, novamente a cantar a =últimapalavra. - Não posso crer que o tenhas feito.- Quis ficar bem nas fotografias.

- vou contar a todos os meus amigos.- Limita-te a mostrar-lhes as fotografias.- Não, estou a falar do teu ripanço, enquanto eu estava à =espera, alutar contra a angústia.- Estavas ao telefone com a Doris, não te sentias dilacerada pelas=dores.- Sentia-me dilacerada por dentro - replicou Lexie. - Sou forte,consigo =esconder as dores.- Além de seres bonita, não te esqueças.- Pois, isso também - anuiu, pegando na mão dele. - És um homem =de

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sorte.- Pois sou - concordou Jeremy pegando também na mão dela.- Amo-te.- Também te amo.Chegara a altura.As enfermeiras entregaram-se a uma azáfama de preparativos na sala de=partos. Apareceu o obstetra, que repetiu o exame do colo do útero =já

feito pelas enfermeiras. Depois, sentado num banco alto com rodas,=inclinou-se para a frente e explicou o que iria acontecer. Como lhe=pediria que fizesse força no início de cada contracção, como =teria deproceder a dois ou três puxões para fazer sair a bebé =e que, no226intervalo entre as contracções, ela deveria descansar e conservar =asforças. Lexie e Jeremy estavam suspensos das palavras dele.- Ora bem, há ainda o problema da banda amniótica - prosseguiu o=médico. - O batimento cardíaco tem-se mantido em bom ritmo e =nãoespero nada de anormal durante o parto. Não penso que a banda =se tenhaligado ao cordão umbilical e a bebé não parece correr =qualquer perigo.Contudo, até ao último momento, existe a =possibilidade de a ligaçãoacontecer e, nessa altura, a única =coisa a fazer é tirar a bebé o mais

rapidamente possível; estou =preparado para isso. Teremos uma pediatrana sala e ela examinará a =criança, à procura de marcas da síndrome dabanda amniótica; =no entanto, afirmo uma vez mais que estamos com sorte.Lexie e Jeremy acenaram que sim, mostrando-se ambos nervosos.- Vai tudo correr muito bem - garantiu o obstetra. - Só tem de fazer =oque eu mandar e, dentro de alguns minutos, serão pai e mãe.Lexie respirou fundo. - Muito bem - assentiu, procurando a mão do=marido.- E eu, vou para onde? - indagou ele.- Fique aí mesmo, está muito bem.Enquanto o obstetra acabava os seus preparativos, entrou outra=enfermeira acompanhada da pediatra, que se apresentou como Dr. a Ryan.=Um carrinho com instrumentos cirúrgicos esterilizados foi empurrado=para junto da mesa e destapado. O médico parecia completamente à=vontade; a Dr. a Ryan mantinha uma conversa animada com a =enfermeira.Quando começou a contracção seguinte o médico pediu que =Lexieencolhesse as pernas e fizesse força. Ela mostrou uma careta de=esforço e ele verificou uma vez mais o batimento cardíaco da =criança.Lexie contraiu-se, apertando a mão do marido com quanta =força tinha.- Isso mesmo, bom - elogiou o pediatra ao mudar de posição. =Instalou-se confortavelmente no banco alto com rodas. - Agora descanse =duranteum minuto. Respire normalmente para tentarmos outra vez. Se =puder,empurre com um pouco mais de força.Lexie acenou que sim. Jeremy duvidava da possibilidade de ela fazermais =força, mas ela parecia óptima e começou a empurrar de novo.O obstetra mantinha-se concentrado. - bom, bom - encorajou.- Continue.

E Lexie continuou a empurrar; Jeremy sentiu a dor na mão. A =contracçãoterminou.227- Descanse outra vez. Está a ir muito bem - continuou o médico. =Elarespirou normalmente e Jeremy limpou-lhe a transpiração datesta. Quando a contracção seguinte começou, Lexie repetiu uma =vezmais o processo. Tinha os olhos fechados, os dentes cerrados, as =facesvermelhas devido ao esforço. As enfermeiras estavam prontas. =Jeremycontinuava a segurar a mão da mulher, espantado com a =velocidade comque o processo agora se desenrolava.

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- bom, bom - encorajou novamente o obstetra. - Só mais um esforço =echegamos lá...Depois foi a confusão total e Jeremy não sabia explicar o que =tinhaacontecido. Mais tarde, verificou que só se lembrava de factos =soltose às vezes sentia que a culpa fora dele. A sua última =recordaçãonítida era a visão de Lexie a levantar as pernas =logo que a contracçãoseguinte começou. Tinha o rosto brilhante =de transpiração e a

respiração pesada, enquanto o médico =lhe pedia um último esforço, queempurrasse com toda a força =que conseguisse reunir. Julgou vê-lasorrir.E depois? Não tinha certezas, pois concentrara a atenção nas =pernas damulher, nos movimentos rápidos e ágeis do médico. =Embora seconsiderasse um homem instruído e mundano, foi subitamente =assaltadopela ideia de que aquela era a primeira vez, e provavelmente =seria aúnica, em que podia assistir ao nascimento de um filho seu; a =salapareceu encolher. De repente, mal se apercebia de que Doris ainda =seencontrava na sala; mas ouvia Lexie gemer e viu Claire começar a=aparecer. Primeiro a cabeça e em seguida, graças a um movimento=rápido das mãos do obstetra, os ombros foram libertados, seguidos=quase imediatamente do resto do corpo. Jeremy tornara-se pai de um

=instante para o outro, a olhar, espantado, para a nova vida que tinha=diante de si.Coberta pelo fluido amniótico e ainda ligada à mãe pelo =cordãoumbilical, Claire era uma massa escorregadia de cinzento, =vermelho ecastanho, que parecia lutar por um pouco de ar; a Dr. a Ryan =nãoperdeu tempo, colocou-a sobre uma mesa, inseriu-lhe um tubo de =sucçãona boca e desobstruiu-lhe a garganta. Só então se =ouviu o choro deClaire. A pediatra começou a examiná-la. Do ponto =onde estava, Jeremynão conseguia ver se a filha estava bem. O mundo =ainda parecia quererfechar-se sobre ele. Ouviu, vagamente, Lexie =ofegar.- Não vejo quaisquer sinais de ligação da banda amniótica =afirmou aDr. a Ryan. - Tem os dedos todos, das mãos e dos pés, =é uma coisinhalinda. Tem boa cor e está a respirar bem. Um oito, =no índice de Apgar.228Claire continuava a chorar e finalmente Jeremy voltou-se para a mulher.=A partir daquele ponto, tudo sucedeu com uma tal rapidez que não lhe=deu tempo para compreender muito bem.- Ouviste aquilo? - perguntou.Foi só então, ao olhá-la, que ouviu o som contínuo do =monitor queestava por detrás dela. Lexie tinha os olhos fechados e a =cabeça naalmofada, como se estivesse a dormir.O seu primeiro pensamento foi de estranheza por ela não estar de=pescoço esticado a tentar ver a filha. Então, o obstetra =levantou-sedo banco com tal rapidez que o atirou contra a parede do =fundo. Aenfermeira emitiu uma instrução qualquer e, em seguida, =gritou para acolega, a ordenar-lhe que levasse Jeremy e Doris para fora =da salaimediatamente.

Jeremy sentiu uma súbita contracção no peito. - O que é que =se passa?- gritou.A enfermeira agarrou-o por um braço e começou a arrastá-lo para =forada sala.- O que é que se passa? O que é que está a acontecer com ela? =Espere...- Por favor! - bradou a enfermeira. - Tem de sair imediatamente!De olhos esbugalhados pelo medo, não conseguia deixar de olhar para a=mulher. E com Doris sucedia o mesmo. Como se a voz viesse de muito=longe, ouviu a enfermeira pedir a ajuda do pessoal auxiliar. O médico=estava agora debruçado sobre Lexie, a pressionar-lhe o peito...

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Parecia em pânico. O pânico apoderara-se de todos.- Nãããooo! - gritou Jeremy, a tentar libertar-se da =enfermeira.- Levem-no daqui - berrou o obstetra.Jeremy sentiu-se agarrado por um braço. Estava a ser arrastado para=fora da sala. Aquilo não podia estar a acontecer! O que é que =tinhacorrido mal? Por que é que ela não se mexia? Ela vai =pôr-se boa, seDeus quiser. Não podia estar a acontecer. Acorda, =Lexie... oh, meu

Deus, por favor, acorda...- O que é que se passa? - gritou de novo. Estava a ser levado pelo=corredor, mal ouvindo as vozes que lhe pediam calma. Viu, pelo cantodo =olho, uma maca a ser empurrada corredor fora por dois auxiliaresque =desapareceram no interior da sala.Estava a ser encostado contra a parede por outros dois auxiliares.=Sentia falta de ar, o corpo tenso e frio como um fio de aço. Ouvia os=soluços de Doris mas mal conseguia compreender o som. Encontrava-se=rodeado de pessoas agitadas mas simultaneamente sentia-se só,229verdadeiramente aterrorizado. Um minuto depois, Lexie foi retirada da=sala numa maca. O médico continuava debruçado sobre ela, a tentar=reanimá-la. A cara ia coberta por um ventilador.

Depois, de súbito, o tempo pareceu abrandar. Sentiu o corpo =flácidologo que Lexie desapareceu para lá das portas de vaivém =do fundo docorredor. De repente, sentiu-se fraco, mal se aguentava nas =pernas.Estava tonto.- O que é que se passa? - voltou a indagar. - Para onde é que a =levam?Por que não se mexe?Nem os auxiliares nem a enfermeira conseguiram olhá-lo de frente.Juntamente com Doris, foi levado para uma divisão especial. Não =erauma sala de espera, nem um quarto de hospital, era algo de =diferente.Havia cadeiras forradas de vinil azul encostadas às duas =paredes dasala alcatifada. Uma mesa baixa encontrava-se coberta de =revistas, umaconfusão de cores berrantes iluminada pela luz fria das =lâmpadasfluorescentes. Na parede do fundo via-se um crucifixo. Uma =sala vazia,só para eles os dois.Doris sentou-se, pálida e trémula, sem parecer reparar onde =estava.Jeremy sentou-se ao lado dela, depois levantou-se e andou pela =sala,para logo voltar a sentar-se. Perguntou-lhe o que tinha =acontecido,mas ela não sabia mais do que ele. Doris escondeu o rosto =nas mãos ecomeçou a soluçar.Jeremy não conseguia engolir. Não conseguia pensar. Tentava =recordar-se do sucedido, juntar todos os fragmentos de memória, mas =nãoconseguia concentrar-se. O tempo andava mais devagar.Segundos, minutos, horas... Não sabia quanto tempo tinha passado, =nãosabia o que estava a acontecer, não sabia se a mulher estava =bem, nãosabia o que fazer. Tinha vontade de desatar a correr pelo =corredor, deir à procura das respostas. Mais do que isso, precisava =de ver Lexiepara saber se ela estava bem. Doris continuava a chorar ao =lado dele,

de mãos trémulas, juntas, numa prece desesperada.Pormenor estranho: nunca deixaria de se recordar de tudo acerca da sala=de espera mas, por mais que tentasse, não conseguia recordar a cara=da assistente social que veio ter com ele e até o obstetra parecia=não ser o mesmo que estivera na sala de partos, nem o mesmo que os=atendera nas consultas anteriores. Tudo o que verdadeiramenterecordava =era o terror gélido que subitamente sentira quando elesapareceram. =Pôs-se de pé, tal como Doris, e, embora pensasse quepretendia =respostas, de súbito, preferia que aquelas pessoas nãotivessem =nada

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230para lhe dizer. Doris agarrou-se-lhe a um braço, como se esperasse =queele fosse suficientemente forte para suportar os dois.- Como é que ela está? - indagou Jeremy.O médico parecia exausto. - Lamento ter de lhe dizer isto começou =-,mas penso que a sua mulher sofreu aquilo a que chamamos embolia do=fluido amniótico...

Jeremy sentiu-se novamente tonto. A tentar recuperar o equilíbrio,=reparou nos espirros de sangue e fluido amniótico que tinham sujado a=bata do obstetra durante o parto. Quando ele prosseguiu, as palavras=pareciam estar a ser ditas a uma grande distância.- Pensamos que a embolia não teve nada a ver com a banda =amniótica...duas ocorrências perfeitamente distintas... Não =que saibamos como, maso fluido amniótico deve ter penetrado num vaso =sanguíneo do útero. Nãotínhamos maneira de prever tal =coisa... Nada poderíamos ter feito...As paredes da sala fecharam-se à volta de Jeremy e Doris encostou-se =aele, e murmurou com voz rouca: - Oh... não. Não... não...Jeremy inteiriçou-se para conseguir respirar. Entorpecido, ouviu o=obstetra prosseguir.- É muito raro, mas, fosse como fosse, uma vez na circulação

=sanguínea, o fluido atingiu-lhe o coração. Lamento, mas a sua =mulhernão resistiu. Contudo, a criança está óptima...Doris cambaleou mas Jeremy conseguiu segurá-la. Não sabia muito =bemcomo. Nada daquilo fazia sentido. Lexie não podia ter morrido. =Estavaóptima. Era saudável. Tinham estado a falar uns minutos =antes. Dera àluz uma filha. Tinha colaborado.Aquilo não podia estar a acontecer. Não podia ser verdade.Mas era.Enquanto tentava prosseguir com a explicação, o próprio =médico pareciaem estado de choque. Jeremy, de cabeça vazia e =nauseado, via-o atravésde uma cortina de lágrimas.- Posso vê-la? - perguntou com voz rouca, subitamente.- Está no berçário, num berço aquecido - explicou o =médico, como que asentir-se satisfeito por finalmente lhe fazerem =uma pergunta para aqual tinha resposta. Era um bom homem e o que =acontecera também eradifícil para ele. - Como lhe disse, está =óptima.- Não - esclareceu Jeremy com voz estrangulada. Lutou para encontrar=as palavras. - A minha mulher. Posso ver a minha mulher?231VINTEJeremy sentia-se dormente ao percorrer o corredor. O médico seguia um=pouco atrás dele, em silêncio.Não queria acreditar, não conseguia forçar-se a entender as =palavrasdo obstetra. Pensou que o homem estava enganado; não era =verdade queLexie tivesse morrido. Enquanto o médico estava a falar, =alguém notaraqualquer coisa, actividade cerebral ou um leve =batimento cardíaco, oque desencadeara toda aquela actividade. De =momento, estavam a tratá-

la e ela estava a melhorar. Seria um caso =nunca visto, uma espécie demilagre, mas Jeremy sabia que ela ia =resistir. Era jovem e forte.Acabava de fazer trinta e dois anos, era =impossível que tivessemorrido. Não poderia estar morta.O médico parou à porta de uma sala próxima da unidade de =cuidadosintensivos. Pensando que poderia estar a viver um sonho, Jeremy =sentiuum baque no coração.- Mandei trazê-la para aqui, para que disponha de alguma privacidade =-informou o médico. Tinha o desgosto estampado na cara ao colocar a =mãono ombro de Jeremy. - Fique o tempo que quiser. Lamento =muito.

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Jeremy ignorou as palavras dele. Agarrou o puxador da porta com uma=mão trémula. A porta pesava uma tonelada, dez, cem toneladas, mas=acabou por conseguir abri-la. Os olhos foram atraídos pela figura=deitada na cama. Jazia imóvel, sem estar ligada a qualquer=equipamento, sem monitores, sem a agulha de soro. Lembrava-se de a ter=visto assim, logo pela manhã, mais de uma centena de vezes.=Encontrava-se a dormir, com os cabelos derramados sobre a almofada...

=mas, pormenor estranho, os braços estavam estendidos ao longo do=corpo. Direitos, como se tivessem sido postos naquela posição por=alguém que não a conhecesse.232Sentiu um aperto na garganta, parecia olhar através de um túnel, =viatudo negro, excepto ela. Era só o que conseguia ver, mas não =queriavê-la assim. Não naquela posição. Não com os =braços assim estendidos.Tinha de estar bem, só tinha trinta e =dois anos. Era jovem e forte,uma lutadora. Amava-o. Era a luz da vida =dele.Contudo, aqueles braços... os braços não estavam bem... deviam =tersido dobrados pelos cotovelos, com uma mão colocada sobre a =cabeça ouem cima da barriga...Respirava com dificuldade.

A mulher dele tinha morrido...A sua mulher.Não era um sonho. Agora sabia-o e deixou as lágrimas correrem=livremente, convencido de que jamais parariam.Algum tempo depois, Doris veio também despedir-se e Jeremy deixou-a=sozinha com a neta. Percorreu o corredor em transe, e reparou muito=vagamente nas enfermeiras que passaram por ele e no voluntário que=empurrava um carrinho. Pareceram ignorá-lo por completo e Jeremy =nãosaberia dizer se evitavam o olhar dele por saberem o que tinha =acabadode acontecer, ou por não saberem.A sentir-se vazio e fraco, regressou à sala onde se encontrara com o=médico obstetra. Já não conseguia chorar. As lágrimas tinham =secado eaté para chorar lhe faltava energia. Tinha de conservar a =que restava,só para não cair. Reviu vezes sem conta as imagens da =sala de partos,tentou perceber o momento exacto em que a embolia =ocorrera, a pensarque deveria ter visto qualquer coisa que o avisasse =do que estava paraacontecer. Teria sido quando ela ofegou? Ocorrera um =pouco mais tarde?Não conseguia afastar o sentimento de culpa, como =se devesse tê-laconvencido a aceitar a cesariana ou, pelo menos, a =não se esforçartanto, como se os esforços de Lexie tivessem =provocado a embolia.Estava zangado consigo próprio, zangado com =Deus, zangado com oobstetra. E estava também zangado com a =filha.Nem queria ver a bebé, pois acreditava que, de certo modo, no acto de=nascer, ela tinha trocado uma vida por outra. Se não fosse a filha,=Lexie continuaria com ele. Se não fosse a bebé o stress teria =estadoausente dos últimos meses que passaram juntos. Se não fosse =a bebé,teria podido fazer amor com a sua mulher. Porém, agora =estava tudo

acabado. A filha apoderara-se de tudo. Por causa dela, a sua =mulherestava morta. E Jeremy sentia-se igualmente morto.Como poderia vir a amar a filha? Como poderia alguma vez perdoar-lhe?=Como poderia olhá-la e pegar-lhe, sem se recordar que a233filha tinha trocado a vida de Lexie pela sua própria vida? Como se=poderia sugerir que não a odiasse pelo que ela tinha feito à =mulherque ele adorava?Reconheceu a irracionalidade daqueles sentimentos e o seu carácter=pérfido, maligno. Estava errado, ia contra tudo o que se esperava que

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=um pai sentisse em relação aos filhos, mas como poderia ele =silenciaro seu coração? Como poderia despedir-se de Lexie num =momento e louvara vida da filha no minuto seguinte? E como deveria =agir? Deveriaacolhê-la nos braços e arrulhar-lhe palavras de =amor, como outros paisfariam? Como se nada tivesse acontecido a =Lexie?E depois? Depois de ela sair da maternidade, quando fosse para casa? De=momento, nem conseguia imaginar-se a ter de cuidar de alguém; o

=máximo que conseguia fazer era manter-se de pé, sem se enroscar de=imediato a um canto. Não sabia fosse o que fosse sobre bebés, =sótinha a certeza de que deveriam estar junto das mães. Lexie =é que leraos livros todos; era ela quem deveria tratar da bebé. =Durante todo otempo da gravidez de Lexie tinha-se sentido bem com a sua =própriaignorância, sabia que a mulher o ensinaria a fazer o =necessário. Noentanto, a filha concebera outros planos...A bebé que matara a sua mulher.Em vez de se dirigir ao berçário, deixou-se cair novamente numa =dascadeiras da sala de espera. Não queria alimentar tais sentimentos=acerca da bebé, sabia que não devia sentir-se assim, mas... Lexie=tinha morrido ao dar à luz. No mundo actual, num hospital, não =podiaser. Onde estavam as curas miraculosas? Os momentos que faziam a

=felicidade das televisões? Onde é que, Deus nos valha, estava=qualquer semelhança com a realidade? Fechou os olhos e tentou=convencer-se de que, se o desejasse com força suficiente, podia=acordar daquele pesadelo em que a sua vida se transformara de ummomento =para o outro.Doris veio ter com ele. Não a ouvira entrar na sala mas abriu os =olhosmal ela lhe tocou no ombro; viu diante de si uma cara devastada =pelopranto. Tal como Jeremy, parecia prestes a desconjuntar-se.- Já informaste os teus pais? - perguntou Doris, com voz rouca.Jeremy negou com um aceno de cabeça. - Não consigo. Sei que o =deviafazer mas neste momento não consigo.Os ombros dela começaram a tremer: - Oh, Jeremy! - soluçou.Jeremy pôs-se de pé e abraçou-a. Choraram juntos, bem =abraçados, comose tentassem proteger-se mutuamente. Passado algum =tempo, Dorisseparou-se dele e limpou as lágrimas.234- Já viste a Claire? - sussurrou.O nome provocou o regresso de todos os sentimentos.- Não. Só a vi na sala de partos. Doris esboçou um sorriso =triste, quelhe esgotou toda a força querestava. - É exactamente como a Lexie.Jeremy virou-lhe as costas. Não queria ouvir nada daquilo, não =queriaouvir falar da bebé. Deveria mostrar-se feliz? Alguma vez =voltaria aser feliz?Não imaginava uma vida feliz. Aquele que deveria ter sido o dia mais=feliz da sua vida tornara-se, num instante, o pior; e nada na sua vida=anterior o preparara para aquele choque. E agora? Não só devia

=ultrapassar o inimaginável, ainda lhe propunham que tomasse conta de=alguém? Da criança que lhe matara a mulher?Doris quebrou o silêncio: - É linda. Devias ir vê-la.- Eu... acho... não consigo - tartamudeou Jeremy. - Ainda não. =Nãoquero vê-la.Sentiu-se observado por Doris, como se tentasse percebê-lo, apesar da=dor que ela própria sentia. Repreendeu-o: - É tua filha.- Eu sei - respondeu Jeremy, mas apenas conseguia sentir a raiva surdaa =pulsar-lhe debaixo da pele.- A Lexie gostaria que tomasses conta dela - prosseguiu Doris ao

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=pegar-lhe na mão. - Se não és capaz de fazer isso por ti, =então fá-lopela tua mulher. Ela gostaria que fosses ver a tua =filha, que lhepegasses ao colo. Pois, sei que é difícil, mas =não podes negar-te. Nãopodes recusar isso à Lexie, nem a mim, =nem à Claire. Anda, vem comigo.Jeremy nunca conseguiria saber como é que Doris conseguiu arranjar=força e autodomínio para o arrastar com ela mas, logo que se =calou,agarrou-o por um braço e arrastou-o pelo corredor até ao =berçário.

Seguiu-a automaticamente, mas, a cada passada, sentia a =angústia aaumentar. Assustava-se com a ideia de ir conhecer a filha. =Emborasoubesse que a cólera contra a criança era um erro, receava =que,chegado o momento, não pudesse mostrar a mesma cólera, o que =seriaoutro erro, como se estivesse a perdoar-lhe aquilo que tinha feito =aLexie. Só tinha uma certeza: não estava preparado para enfrentar=qualquer das possibilidades.Mas Doris não era pessoa para desistir. Obrigou-o a passar por uma=série de portas de vaivém. Nos quartos por onde iam passando, de =umlado e do outro, viam-se mulheres grávidas e mães recentes, =todasrodeadas pelas famílias. O hospital zumbia de actividade.235Passou pela sala onde ocorrera a embolia e para não cair teve de se

=amparar à parede.Passaram o posto das enfermeiras e viraram uma esquina, a caminho do=berçário. O pavimento salpicado de cinzento desorientava-o, =sentia-setonto. Gostaria de libertar-se da mão de Doris e fugir; =queria irtelefonar à mãe, contar-lhe o que tinha acontecido. =Queria choraragarrado ao telefone, ter uma desculpa para não estar =ali, serlibertado daquele dever...Mais à frente, havia um grupo de pessoas a espreitarem pela janela do=berçário. Apontavam e sorriam, ele ouvia-as murmurar: "Tem o teu=nariz" ou "Acho que tem olhos azuis". Não conhecia aquelas pessoas=mas, subitamente, odiou-as, pois estavam a experimentar uma alegria e=uma excitação que deveriam ser suas. Não podia imaginar-se =juntodelas, não podia imaginar que lhe perguntassem qual o bebé =quedesejava ver, ouvir os inevitáveis elogios à doçura e à =beleza dafilha. Atrás deles, dirigindo-se para a =administração, a tratar da suavida como se aquele fosse um dia =igual a qualquer outro, viu aenfermeira que estava na sala quando Lexie =morreu.Sentiu-se chocado com a presença dela e, como se soubesse o que ele=estava a sentir, Doris apertou-lhe o braço e parou.- É aqui que tens de ir - informou, a apontar para a porta.- Não vem comigo?- Não, fico aqui à tua espera.- Por favor - implorou Jeremy -, venha comigo.Doris negou-se. - Não, esta é uma das coisas que tens de fazer =sozinho.Jeremy fitou-a e pediu, num sussurro: - Por favor.- Vais adorá-la - encorajou Doris, já com uma expressão menos =grave. -Vais amá-la logo que a vires.

O amor à primeira vista será realmente possível?Não conseguia encarar a possibilidade. Entrou no berçário com =passoshesitantes. A expressão da enfermeira alterou-se logo que o =viu;embora não tivesse estado na sala de partos, a história já =eraconhecida. Já se sabia que Lexie, uma mulher jovem e enérgica, =tinhamorrido subitamente, deixando para trás um marido em estado de =choquee uma órfã recém-nascida. Ter-lhe-ia sido fácil =mostrar-se simpática,ou até virar as costas, mas a enfermeira =não tomou qualquer dessasatitudes. Em vez disso, forçou-se a =sorrir e indicou um dos berçoscolocados junto da janela.

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236- A sua filha está do lado esquerdo - informou. Depois hesitou em=continuar, o que foi suficiente para recordar a Jeremy que aquela não=era uma cena normal. Lexie também deveria estar ali. Lexiea. Engoliu=em seco. De súbito sentiu falta de ar. Vindo de algures, de muito=longe, ouviu o murmúrio da enfermeira: - É muito bonita.Jeremy caminhou automaticamente para o berço, simultaneamente a =querer

sair dali e a desejar vê-la. Parecia-lhe que estava a ver a =cena pelosolhos de outra pessoa. Não era ele quem estava ali. Não =era ele, emcarne e osso. Aquela não era a sua filha.Hesitou ao ver o nome Claire escrito na pulseira de plástico colocada=à volta do tornozelo da bebé; sentiu novo aperto na garganta ao=reparar também no nome de Lexie. Pestanejou para afastar as =lágrimase olhou para a filha. Por debaixo das lâmpadas de =aquecimento,pequenina e vulnerável, de tez de um rosado saudável, =estavaembrulhada num cobertor e envergava uma touca. Reparou na pomada =quelhe fora aplicada nos olhos e viu que a filha se entregava aos=movimentos típicos de todos os recém-nascidos: os movimentos dos=braços eram por vezes desajeitados, como se estivesse a =esforçar-semuito para inspirar o ar, em vez de receber o oxigénio =fornecido pela

mãe. O peito da bebé subia e descia num ritmo =elevado e Jeremydebruçou-se sobre ela, fascinado por aqueles =movimentos que pareciamtotalmente descontrolados. No entanto, mesmo =recém-nascida, parecia-secom Lexie, na forma das orelhas, no queixo =ligeiramente em bico. Aenfermeira veio espreitar por cima do ombro =dele.- É uma bebé maravilhosa - contou. - Tem passado a maior parte do=tempo a dormir mas, quando acorda, quase não chora.Jeremy não falou. Não sentia nada.- Amanhã deve poder levá-la para casa - prosseguiu a enfermeira. - =Nãohouve quaisquer complicações e já consegue sugar. Por =vezes, é umproblema com estas crianças, mas ela aceitou bem o =biberão. Olhe,repare, está a acordar.- Óptimo - murmurou Jeremy, mal a ouvindo. Fitava a filha sem=pestanejar.A enfermeira pousou uma das mãos sobre o peito da criança. Olá,=querida. O papá está aqui.A criança agitou novamente os braços.- O que significa isso?- É normal - esclareceu a enfermeira ao ajustar o cobertor. Voltou a=falar à bebé: - Olá, querida.Jeremy notou que Doris o olhava do outro lado da janela do =berçário.237- Não quer pegar-lhe?Ele engoliu novamente em seco. Parecia-lhe tão frágil que podia=partir-se com qualquer movimento. Não queria tocar-lhe, mas as=palavras saíram antes que ele pudesse reprimi-las. - Posso?- É claro que pode - replicou a enfermeira. Pegou em Claire, =deixando-

o espantado com a tranquila eficiência com que uma =recém-nascida podiaser deslocada.- Não sei como é que se faz... - sussurrou. - Nunca fiz isto.- É fácil - respondeu a enfermeira com voz suave. Era mais velha =queJeremy mas mais nova que Doris. Deixou-o a pensar se ela própria =teriafilhos. - Sente-se na cadeira de balouço e eu ponho-a no seu =colo. Sóprecisa de a segurar com uma das mãos nas costas e nunca =lhe deixarcair a cabeça. E depois o mais importante de tudo, =amá-la durante todaa vida.Jeremy sentou-se, aterrorizado e a debater-se com a vontade de desatar

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a =chorar. Não estava preparado para aquilo. Precisava de Lexie,=precisava de ir velar a mulher, precisava de tempo. Reparou de novo no=rosto de Doris, do outro lado do vidro; pensou vê-la sorrir, ainda=que muito ligeiramente. A enfermeira aproximou-se, e pegou na bebé=com a facilidade e o gosto de alguém que fizera mil vezes aquele=gesto.Jeremy estendeu as mãos e sentiu a leveza do corpo de Claire. =Segundos

depois, tinha-a aninhada entre os braços.Naquele momento sentiu-se açoitado por mil emoções diferentes: =asensação de fracasso suportada na companhia de Maria, no =consultóriodo médico, o choque e o horror que experimentara na =sala de partos, ovazio sentido ao percorrer o corredor, a ansiedade =vivida apenas umminuto antes.Ali, nos seus braços, Claire olhava para ele, parecendo focar os =olhoscinzentos no rosto do pai. Só conseguiu pensar que ela era tudo =o querestava de Lexie. Claire era a filha de Lexie, nas feições e =noespírito; Jeremy reteve a respiração. Imagens de Lexie =irromperam-lhepela mente: da Lexie que confiara o suficiente para ter =um filho dele;da Lexie que casara com ele, embora reconhecesse que ele =não eraperfeito, mas sabendo ser ele o género de pai de que =Claire precisava.

Lexie sacrificara a vida para lhe dar aquela filha e, =de súbito, foiassaltado pela certeza de que, se tivesse podido =escolher, ela lhedaria mais filhos. Doris tivera razão: Lexie queria =que ela amasseClaire tanto quanto ela a amaria e agora Lexie precisava =que ele fosseforte. Claire precisava que ele fosse forte. Apesar das =perturbaçõesemocionais surgidas durante a última hora, ficou a =olhar a filha com asúbita238convicção de que aquela criança era a única razão da =vinda dele a estemundo. Para amar os outros. Para velar por alguém, =para ajudar outrapessoa, para suportar as dores de outra pessoa até =ela sersuficientemente forte para continuar por si própria. Para =velar poralguém incondicionalmente, pois, no fim, só isso dava =significado àvida. E Lexie dera a vida, com a certeza de que Jeremy =podiaencarregar-se da tarefa.E naquele instante, ao fitar a filha através de uma cortina de=lágrimas, sentia-se cheio de amor e não desejava mais do que ficar=abraçado a Claire para sempre.239EPÍLOGOFevereiro de 2005As pálpebras de Jeremy sacudiram-se quando o telefone começou a =tocar.A casa ainda estava silenciosa, escondida por uma densa cortina =denevoeiro, e ele teve de fazer um esforço para se sentar na cama, =aindaespantado pelo simples facto de ter dormido. Não dormira na =noiteanterior e, nas duas últimas semanas, apenas conseguira dormir =umashoras em cada noite. Sentia os olhos inchados e inflamados, a =cabeça a

latejar, e sabia que devia parecer tão exausto quanto se =sentia. Otelefone tocou de novo; pegou no auscultador e carregou na =tecla derecepção.- Jeremy! - bradou o irmão -, o que é que se passa?- Nada - grunhiu Jeremy.- Estavas a dormir?Olhou instintivamente para o relógio. - Só há vinte minutos. =Nada quefaça diferença.- Não devia ter-te incomodado.Ao ver o casaco e as chaves do carro em cima da cadeira, voltou a

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pensar =no que decidira fazer naquela noite. Seria mais uma noite adormir pouco =e, de súbito, sentiu-se agradecido por aquela sonecainesperada.- Não. Já não volto a adormecer. Ainda bem que telefonaste. =Como é queestás? - perguntou, enquanto perscrutava o corredor, =sempre à esperade ouvir Claire.- Estou a telefonar porque vi a tua mensagem - confessou o irmão, a

=mostrar-se culpado. - A que me mandaste há uns dois dias. Parecias=realmente fora de ti. Como se fosses um espectro ou algo assim.240- Desculpa. Passei a noite toda levantado.- Outra vez?- O que hei-de fazer? - ripostou Jeremy. - Acontece.- Não achas que nos últimos tempos está a acontecer com =demasiadafrequência? Até a mamã está preocupada contigo. =Acha que vais adoecergravemente se continuares sem dormir.- Estou óptimo - mentiu, enquanto se espreguiçava.- Não pareces nada óptimo. Pareces é meio-morto.- Mas estou com um excelente aspecto.- Pois, acredito. Ouve, a mamã instruiu-me no sentido de te =recomendar

mais horas de sono e eu estou pronto a apoiar essa =moção. Isto é,agora que te acordei, mete-te na cama outra =vez.Apesar de exausto, Jeremy não conseguiu conter o riso. - Não =consigo.Pelo menos agora.- Por que não?- Não serviria de nada. Acabaria por passar a noite toda deitado.- A noite toda, não.- Sim - corrigiu Jeremy -, a noite toda. A insónia é isso. Notou =que oirmão hesitava. - Continuo sem perceber - confessou, =desnorteado. -Qual é o motivo que te impede de dormir?Jeremy olhou pela janela. O céu estava impenetrável, o nevoeiro=cinzento cobria tudo e começou a pensar em Lexie.- Pesadelos - respondeu.Os pesadelos haviam começado um mês antes, logo a seguir ao Natal, =semmotivo aparente.De início, aquele dia não trouxera nada de especial; Claire =ajudara opai a cozinhar ovos mexidos e sentara-se à mesa com ele =para oscomerem. Depois, Jeremy levara a filha à mercearia e =deixara-a comDoris, para passarem juntas uma parte da tarde. Viu A Bela =e oMonstro, um filme que já vira dezenas de vezes. Ao jantar comeram =perucom macarrão e queijo; depois do banho dela, leram as mesmas =históriasde todos os dias. Não estava febril nem triste quando =foi para a cama;vinte minutos depois, quando o pai foi ver como estava, =encontrou-a adormir profundamente.Contudo, logo depois da meia-noite, Claire acordou aos gritos.Jeremy correu para o quarto dela, confortou-a e deixou-a chorar um=pouco. Acalmou-se passado algum tempo, o pai tapou-a e deu-lhe um

beijo =na testa.241Uma hora depois, voltou a acordar aos gritos.E repetiu.Assim se passou a maior parte da noite mas, de manhã, Claire não=parecia recordar-se do que acontecera. Jeremy, de olhos vidrados e=exausto, apenas se sentia grato por a noite ter acabado. Porém, na=noite seguinte, voltou a acontecer o mesmo. E na seguinte. E ainda na=que se seguiu.Passada uma semana, levou a filha ao médico e foi-lhe garantido que

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=não havia qualquer problema de ordem física e que os pesadelos =eramnormais naquela idade, senão mesmo comuns. O médico dissera =quepassariam com o tempo.Mas não passaram. A notar-se qualquer alteração, foi para pior. =Seantes acordava duas ou três vezes, passara a acordar quatro ou =cinco,como se um pesadelo a aguardasse em cada ciclo de sonhos; só =pareciaacalmar-se com as palavras amorosas que Jeremy lhe sussurrava ao

=ouvido enquanto a embalava. Tentou deitá-la na cama dele, bem como ir=dormir na cama dela, a abraçá-la durante horas, enquanto ela =dormiano colo dele. Tentou a música, acrescentou e removeu luzes =nocturnas,mudou-lhe a dieta e passou a dar-lhe mais leite morno ao =deitar.Telefonara à mãe, pedira a ajuda de Doris; quando passou =uma noite emcasa da bisavó também acordou aos gritos. Parecia =não haver remédio.Se a falta de descanso o tornava tenso e ansioso, Claire também se=mostrava tensa e ansiosa. Havia mais acessos de mau génio do que era=habitual, mais choros inesperados, mais impertinências. com quatro=anos, a menina era incapaz de controlar as suas explosões=temperamentais, mas, quando Jeremy começou a agir da mesma forma, =nãopodia usar o argumento da imaturidade como desculpa. A =exaustãodeixava-o frustrado, sempre sobre brasas. Mas o que o fazia =sentir-se

verdadeiramente derrotado era a ansiedade. O medo de que =houvesse algode errado, de que, se a menina não voltasse a dormir =com regularidade,pudesse acontecer uma tragédia. Ele conseguiria =sobreviver, era capazde tomar conta de si próprio, mas e Claire? Era =responsável pela filhae, sem saber em quê, estava a falhar.Recordou-se de como o pai ficara no dia em que o filho mais velho,=David, sofrera um acidente de automóvel. Nessa noite, Jeremy, =entãocom oito anos, encontrou o pai sentado na cadeira de repouso, a =olharvagamente para diante. Recordava-se de nem o ter reconhecido. =Até lheparecera mais baixo e, por momentos, pensou não ter =percebido bem aexplicação dos pais quando lhe tinham assegurado =que David estava bem.Talvez o irmão tivesse morrido e os pais =estivessem a242esconder-lhe a verdade. Lembrava-se de, subitamente, ter experimentado=uma súbita falta de ar e de que, quando ele estava prestes a chorar,=o pai saíra daquela espécie de encantamento. Jeremy saltou para o=colo do pai, queria sentir o arranhar da barba dele. Quando lhe=perguntou pelo irmão, o pai acenou com a cabeça.- Vai ficar bom - garantiu -, mas isso não significa que não =estejamospreocupados. Um pai preocupa-se sempre.- O pai preocupa-se comigo?O pai puxou-o mais para si. - Preocupo-me com todos, sempre. As=preocupações não têm fim. Pensamos que terminarão um dia, =que quandoos filhos chegarem a uma certa idade podemos deixar de ter =cuidados.Mas não é verdade.Jeremy recordava aquele episódio com o pai enquanto espreitava a=filha, ardendo com o desejo de a abraçar, se mais não fosse para

=manter os pesadelos afastados. Estava deitada havia uma hora, mas ele=sabia que era apenas uma questão de tempo, que voltaria a acordar aos=gritos. Ficou a observar o suave sobe e desce do peito da filha.Como sempre, começou a pensar nos pesadelos, a tentar imaginar quais=as imagens que a mente da filha procurava invocar. Como é próprio =dascrianças, Claire estava a desenvolver-se a um ritmo =extraordinário, adominar a linguagem e a comunicação não =verbal, a aumentar os níveisde coordenação e a testar os =limites de comportamento, aprendendo asregras da vida em sociedade. =Embora Claire não dispusesse desuficiente entendimento da vida para =se sentir obcecada com os medos

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que mantinham os adultos acordados =durante a noite, o pai partia doprincípio de que os pesadelos se =deviam a uma imaginação superactivaou a uma tentativa de perceber =as complexidades do mundo. Mas de queforma se manifestaria isso nos =sonhos da filha? Veria monstros? Seriaperseguida por algo assustador? =Não sabia, nem podia avançar qualquerhipótese. A mente das =crianças era um mistério.No entanto, por vezes perguntava-se se teria cometido algum erro. =Ter-

se-ia Claire apercebido de que não era como as outras =crianças? Ter-se-ia apercebido de que quando iam para o parque ele =era muitas vezeso único pai presente? Interrogar-se-ia sobre as =razões por que toda agente parecia ter uma mãe, que ela não =tinha? Sabia que não eraculpado daquela situação. Como se =recordava frequentemente, a situaçãoresultara de uma tragédia =de que ninguém fora culpado; um dia,contaria à filha a natureza =exacta dos pesadelos que o atormentavam.243Os seus pesadelos desenrolavam-se sempre num hospital, mas para ele=nunca eram apenas sonhos.Saiu de junto da cama da filha, foi em bicos de pés até ao =guarda-fatos e abriu a porta sem ruído. Tirou um blusão do cabide =e olhou àsua volta, a recordar a surpresa de Lexie quando viu que =ele tinha

decorado o quarto da filha.Tal como Claire, o quarto tinha mudado depois disso. Agora estava=pintado em tons de amarelo e vermelho-escuro; a partir do meio, e até=ao tecto, as paredes estavam forradas de papel com figuras angélicas=de meninas vestidas para a comunhão. Fora ajudado na escolha por=Claire, que se deixara ficar sentada no centro do quarto, de pernas=cruzadas, enquanto ele próprio se encarregava de forrar as =paredes.Por cima da cama dela, estavam pendurados os primeiros bens que ele=tentaria salvar em caso de fogo. Quando Claire era bebé, contratou um=fotógrafo que lhe fez dezenas de grandes planos a preto e branco.=Havia fotografias dos pés de Claire, das mãos, dos olhos, dos =ouvidose do nariz. A seguir montara as fotografias de maneira a formar=grandes painéis, de forma a que, sempre que as visse, se recordasse=de como ela era pequenina quando a trazia ao colo.Nas semanas que se seguiram ao nascimento da menina, Doris e a mãe=dele trabalharam em equipa para os ajudarem, a ele e à filha. A =mãedele, que mudara de planos e lhes fizera uma visita prolongada,=ensinou-lhe os rudimentos da função de pai: como mudar uma fralda, =atemperatura ideal do biberão, a melhor maneira de dar um remédio =àmenina, de forma a que ela não o cuspisse. Quanto a Doris, =alimentar abebé era uma função terapêutica e depois de lhe =dar o biberão passavahoras a embalar a bisneta. A mãe de Jeremy =também se sentia naobrigação de ajudar Doris, não sendo =raro ouvi-las no final do serão aconversar calmamente na cozinha. =Uma vez por outra, Jeremy ouvia ossoluços de Doris, enquanto a =mãe dele tentava confortá-la.Tornaram-se amigas e, embora isso custasse a qualquer delas,=recusavam-se a permitir que ele tivesse pena de si próprio.

=Concediam-lhe tempo para estar só e assumiam algumas das=responsabilidades de cuidar de Claire, mas nunca deixavam de insistir=com ele para que fizesse a sua parte, por mais difícil que lhe=parecesse. E ambas lhe recordavam continuamente quem era o pai e que o=bem-estar da menina era da responsabilidade dele, não da avó ou da=bisavó. Nesse aspecto, agiam em uníssono.244Pouco a pouco, Jeremy teve de aprender a cuidar da filha e, com opassar =do tempo, o desgosto começara lentamente a diminuir. Se antesse =sentia derrotado desde que acordava até voltar a deixar-se cair na

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=cama, agora, simplesmente por estar absorvido a cuidar da filha,=verificava que por vezes lhe era possível esquecer a angústia.=Contudo, tinha andado a agir como um autómato e, quando chegou a=altura de a mãe regressar a Nova Iorque, a ideia de ficar entregue a=si próprio foi suficiente para o fazer entrar em pânico. A mãe=repetira tudo uma dúzia de vezes; assegurara-lhe que lhe bastava=fazer um telefonema sempre que tivesse dúvidas. Recordara-lhe o facto

=de Doris morar ao virar da esquina, além de poder sempre falar com o=pediatra se estivesse preocupado com a filha.Recordava-se da maneira calma como a mãe lhe explicara tudo mas, =mesmoassim, implorara-lhe que ficasse um pouco mais.- Não posso - replicara a mãe. - Além disso, penso que precisas =de teocupar disto. A Claire depende de ti.Na primeira noite que passara sozinho com a filha fora mais de uma=dúzia de vezes ver como ela estava. A menina dormia no berço, =mesmoao lado da cama dele; na mesa-de-cabeceira deixara uma lanterna =queusava para verificar se a filha estava a respirar bem. Sempre que =elaacordara a chorar, dera-lhe o biberão e embalara-a; chegada a =manhã,dera-lhe banho e voltara a entrar em pânico quando a vira =terarrepios. Vesti-la levara bastante mais tempo do que ele tinha

=calculado. Deitara-a na sala, em cima de um cobertor, e ficara a olhar=para ela enquanto tomava o café. Julgara poder trabalhar enquanto ela=dormia, mas não fizera nada; pensara o mesmo quando ela dormiu um=segundo sono, mas voltara a ignorar o trabalho. No primeiro mês=apenas conseguira manter o correio em ordem.com o passar das semanas, e depois dos meses, acabou por se habituar ao=esquema. O seu dia de trabalho acabou por ser organizado à volta das=mudanças de fraldas, preparação de biberões, banhos e =visitas aomédico. Levou Claire às vacinas e telefonou ao =médico quando, horasmais tarde, a menina continuava com a perna =inchada e vermelha.Prendia-a com o cinto de segurança do carro e =levava-a assim quandotinha de fazer compras na mercearia ou de ir à =igreja. Sem ele dar porisso, Claire tinha começado a sorrir e a =rir-se; era frequenteestender os dedos para a cara do pai e Jeremy =descobriu que podiapassar horas a olhar para ela, da mesma maneira que =a filha passavahoras a olhar para ele. Tirou centenas de fotografias =à filha; com acâmara de vídeo conseguiu registar o momento em =que ela se soltou dabeira da mesa e deu os primeiros passos.245Lentamente, sempre muito lentamente, aconteceram os aniversários e as=datas festivas. Enquanto crescia, Claire começava a afirmar a sua=própria personalidade. Enquanto bebé usava apenas cor-de-rosa, =depoisazul e agora, chegada aos quatro anos, vermelho-púrpura. =Adorava ascores mas detestava a pintura. Preferia o casaco =impermeável que tinhaum emblema com a Dora the Explorer cosido na =manga; usava-o mesmo nosdias de sol. Escolhia as roupas que queria e =vestia-se sozinha, emboranão atasse os sapatos, e já conhecia a =maior parte das letras do

alfabeto. A sua colecção de DVD da =Disney ocupava a maior parte daprateleira que havia junto do televisor; =após o banho, o pai lia-lhetrês ou quatro histórias, antes de =se ajoelharem ambos para as oraçõesda noite.Havia alegria na vida de Jeremy, tédio também, e o próprio =tempo lhepregava partidas engraçadas. Parecia escoar-se sempre que =decidia sairde casa, chegava sempre atrasado uns dez minutos, mas =conseguia ficarsentado no chão a brincar com a Barbie ou a colorir =estampasjuntamente com Claire; parecia-lhe passar horas naquilo, embora =depoisviesse a verificar que, na realidade, haviam decorrido apenas =oito ou

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nove minutos. Havia alturas em que achava que devia estar a =fazerqualquer outra coisa com a sua vida; porém, sempre que =reflectia sobreo assunto, acabava por se aperceber de que não =pretendia introduzirqualquer modificação.Como Lexie previra, Boone Creek era o lugar ideal para Claire crescer.=Levava a filha a fazer visitas frequentes ao Herbs. Embora Doris já=se mexesse com maior lentidão, deliciava-a o tempo passado com

=Claire, e Jeremy não conseguia esconder um sorriso sempre que via uma=grávida a entrar no restaurante e a perguntar por Doris. Seria de=esperar. Três anos antes, Jeremy decidira-se finalmente a aceitar a=oferta de Doris sobre o uso do diário. Fora preparada uma =experiêncianum ambiente controlado. No total, Doris entrevistou =noventa e trêsmulheres e fez as suas previsões; passado um ano, =quando os envelopesforam deslacrados, verificou-se que Doris tinha =acertado em todos oscasos.Um ano depois, o livro que Jeremy tinha escrito sobre Doris conseguira=manter-se durante cinco meses na lista do mais vendidos; nas suas=conclusões, Jeremy admitia que não fora encontrada qualquer=explicação científica para o fenómeno.Jeremy regressou à sala de estar. Depois de deixar o casaco de Claire

=em cima da cadeira ao lado da sua, foi até à janela e arredou as=cortinas. Lá fora, de um dos lados, ficava o jardim que ele e Lexie=tinham começado quando se mudaram para a casa.246Pensava muito em Lexie, especialmente em noites sossegadas, comoaquela. =Nos anos passados desde a morte dela nunca namorara, nemsentira =qualquer desejo de o fazer. Sabia que as pessoas sepreocupavam com ele. =Um a um, amigos e familiares tinham vindo falar-lhe de outras mulheres, =mas a resposta dele era sempre a mesma: estavademasiado ocupado a tomar =conta de Claire, não tinha tempo para pensarnuma nova relação. =Embora a resposta fosse, em parte, verdadeira, oque ele não dizia =era que uma parte dele mesmo tinha partidojuntamente com Lexie. Ela =estaria sempre presente. Quando pensavanela, nunca a via deitada na =cama do hospital. Em vez disso, via osorriso com que, do alto de =Riker's Hill, ela olhava a povoação, ou aexpressão dela quando =sentiram pela primeira vez os pontapés da bebé.Ouvia a alegria =contagiante do riso dela ou via o ar concentrado comque lia um livro. =Lexie continuava viva, sempre viva, e Jeremy nemconseguia imaginar como =seria a sua vida se não a tivesse conhecido.Ter-se-ia casado? =Continuaria a viver na cidade? Não sabia, nuncachegaria a saber mas, =quando olhava o passado, parecia-lhe que a suavida tinha começado =cinco anos antes. Gostaria de saber se, passadosmais cinco anos, ainda =manteria recordações sobre a vida em NovaIorque ou sobre a pessoa =que costumava ser.Não se sentia, contudo, infeliz. Estava satisfeito com o homem em que=se transformara, com o pai que era. Ao dizer que só o amor dava=sentido à vida, Lexie tivera toda a razão. Considerava verdadeiros

=tesouros aqueles momentos em que Claire descia a escada pela manhã,=enquanto ele lia o jornal e beberricava café. Em metade das =ocasiões,a filha tinha o pijama mal vestido, uma manga subida, a =barriga àmostra, as calças ligeiramente torcidas, enquanto o =cabelo escuroformava uma auréola desordenada. Chegada à cozinha =bem iluminada,parava por momentos, semicerrava os olhos e esfregava-os =com as costasda mão.- bom dia, papá - saudava, numa voz que mal se ouvia.- bom dia, meu amor - respondia, a ajeitar-se para que a filha lhe=saltasse para o colo. Erguia-a e recostava-se, enquanto ela descansava

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a =cabeça no ombro dele e lhe abraçava o pescoço com os =bracinhos.- Adoro-te tanto - dizia Jeremy, a sentir o movimento suave da=respiração da filha.- Também te adoro, papá.Era naqueles momentos que sentia a dor de ela nunca vir a conhecer a=mãe.247

Estava na hora. Jeremy vestiu o blusão e cerrou o fecho de correr.=Depois, seguiu pelo corredor com a roupa da filha: casaco, gorro e=luvas. Entrou no quarto de Claire. Pousou-lhe a mão nas costas e=sentiu-lhe o ritmo rápido do batimento cardíaco.- Claire, meu amor? - sussurrou. - Tenho de te acordar. Abanou-a=suavemente e a menina rolou a cabeça de um lado parao outro.- Vamos lá, amor - foi dizendo Jeremy, ao mesmo tempo que a erguia, a=pensar como parecia leve. Dentro de poucos anos já não conseguiria=levantá-la com aquela facilidade.Claire gemeu baixinho. - Papá? - sussurrou.Ele sorriu e achou que era pai da criança mais bonita do mundo.- Temos de ir.

- Está bem, papá - respondeu, sem abrir os olhos. Sentou-a na =cama,enfiou-lhe as botas de borracha por cima dopijama de tecido espesso que ela usava para dormir e estendeu-lhe o=blusão por cima dos ombros, ficando a vê-la enfiar os braços =pelasmangas. Pôs-lhe as luvas, depois o gorro e voltou a =levantá-la.- Papá?- O que é?Ela bocejou. - Aonde é que vamos?- Vamos dar um passeio - respondeu Jeremy, a carregá-la através da=sala. Depois de a ajustar nos braços, apalpou o bolso para se=assegurar de que levava as chaves.- De carro?- Sim, de carro.Claire olhou à volta e mostrou aquele ar de confusão infantil que =elese habituara a adorar, enquanto apontava para a janela.- Mas está escuro.- Pois está. E também há nevoeiro.Fora de casa, o ar estava frio e húmido. O trecho solitário de =estradaque passava junto da casa parecia encoberto no meio de uma =nuvem. Nãose via a Lua nem estrelas no céu, como se as luzes do =universotivessem sido apagadas. Mudou a filha de um braço para o =outro, deforma a pegar nas chaves, e sentou-a no banco.- Aqui fora mete medo - protestou Claire. - É como no Scooby-Doo.248- Parece - admitiu Jeremy, enquanto lhe apertava o cinto. Mas estaremos=em segurança.- Eu sei.

- Adoro-te - acrescentou o pai. - Sabes o tamanho do meu amor por =ti?Claire revirou os olhos, como uma actriz em palco. - É maior do que o=número de peixes que há no mar e mais alto do que a Lua. Eu =sei.- Ah!- Está frio - acrescentou Claire.- Já ligo o aquecimento, logo depois de pôr o carro a =trabalhar.- Vamos a casa da avó?- Não. A avó está a dormir. Vamos a um lugar especial.Da janela do carro viam-se as ruas silenciosas de Boone Creek, a=povoação parecia toda a dormir. A maioria das casas estava às

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=escuras, com excepção das luzes dos alpendres. Jeremy conduziu com=cuidado, a tentar orientar-se por entre os montes cobertos de=nevoeiro.Parou em frente do cemitério de Cedar Creek, abriu o porta-luvas e=pegou na lanterna. Desapertou o cinto de Claire e dirigiu-se para o=portão, com a mão da filha apertada na sua.Ao consultar o relógio, verificou que passava da meia-noite, mas =sabia

que ainda dispunha de alguns minutos. Claire segurava a lanterna e =opai caminhava ao lado dela, sentindo as folhas a estalar debaixo das=solas. O nevoeiro limitava a visão a uns metros em qualquer =direcção,mas Claire não precisou de muito tempo para se =aperceber do local ondeestava.- Vamos ver a mamã? - perguntou. - Mas não trouxeste flores.Era costume comprar flores quando a trazia ali. Há mais de quatro =anosque Lexie tinha sido sepultada junto dos pais. Para poder ser=sepultada ali fora necessária uma autorização especial das=autoridades distritais, mas o presidente Gherkin tinha usado da sua=influência a pedido de Doris e de Jeremy.Jeremy fez uma pausa. - Já vais ver - prometeu.- Então, o que estamos a fazer aqui?

O pai apertou-lhe um pouco mais a mão. -Já vais ver - repetiu.Andaram uns passos em silêncio. - Podemos ver se as flores ainda =láestão?Ele sorriu, contente por ela se preocupar e também por não mostrar=medo de vir ao cemitério àquela hora da noite. - É claro =que249podemos, meu amor. - Desde o funeral, Jeremy visitava a sepultura pelo=menos de duas em duas semanas e habitualmente levava Claire consigo.=Fora aqui que ela soubera da existência da mãe; Jeremy falou-lhe =dospasseios que costumavam fazer até ao alto de Riker's Hill, =contou-lheque fora no cimo do monte que percebera, pela primeira vez, =que amavaLexie, disse-lhe que se tinha mudado por não conseguir =imaginar a vidasem ser ao lado dela. Aquelas conversas tinham como =principal motivomanter viva a memória de Lexie e até duvidava que =Claire lhesprestasse atenção. No entanto, embora ainda não =tivesse feito cincoanos, a menina conseguia narrar aquelas histórias =como se as tivessevivido. Na última vez que a trouxera ali, Claire =ouvira em silêncio emostrara um ar ausente quando se dirigiam para a =saída. - Gostava quenão tivesse morrido - concluíra quando =caminhavam para o carro. Foraum pouco antes do Dia de Acção de =Graças e Jeremy não deixara depensar se a visita teria algo a ver =com os pesadelos. Não podia ter acerteza, pois os pesadelos só =tinham começado um mês depois dessavisita.Finalmente, depois de uma caminhada dificultada pelo frio e pela=humidade da noite, chegaram junto das sepulturas. Claire apontou ofoco =da lanterna na direcção delas. Jeremy leu uma vez mais os nomesde =James e Claire; ao lado deles, o nome de Lexie Marsh e as flores

que ali =tinham colocado na véspera de Natal.Depois de conduzir a filha até ao lugar onde ele e Lexie tinham visto=as luzes pela primeira vez, sentou-se e puxou-a para o colo. Lembrou-se =da história que Lexie lhe contara acerca dos pais e dos pesadelosque =a tinham atormentado em criança, enquanto Claire, sentindo que=estaria para acontecer algo de especial, mal se mexia.Claire era filha de Lexie em mais aspectos do que ele poderia ter=imaginado, pois, logo que as luzes iniciaram a sua dança no céu,=sentiu-a apertar-se contra ele. Claire, cuja bisavó assegurava que os=espíritos existem, olhava pasmada para o espectáculo que se

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=desenrolava ante os seus olhos. Não passava de uma sensação =mas, aoapertá-la contra si, Jeremy pressentiu que Claire não =voltaria a terpesadelos. Teriam acabado naquela própria noite e a =filha passaria adormir tranquilamente. Era óbvio que não tinha =uma explicação, e maistarde provou-se que a intuição não =o havia enganado, mas, nos anosmais recentes, aprendera que a =ciência não dispõe de todas asrespostas.

As luzes revelaram-se, como sempre, uma maravilha celestial, ergueram-se =e desceram de forma espectacular, deixando Jeremy e a filha=verdadeiramente fascinados. Naquela noite as luzes pareceram demorar-se =uns segundos mais do que era normal e a claridade que250provocaram permitiu-lhe observar a expressão de admiração no =rosto dafilha.- É a mamã? - ouviu-a perguntar. A voz não era mais audível =do que osom do vento nas folhas das árvores que tinham acima da =cabeça.Ele sorriu, de garganta apertada. Na quietude da noite, parecia-lhe que=eram as duas únicas pessoas existentes neste mundo. Respirou fundo,=recordou-se de Lexie, acreditou que ela estava ali com eles e que, se=fosse possível vê-la naquele momento, ela estaria a sorrir de

=alegria, satisfeita, com a certeza de que a filha e o marido estavam=bem.- É - respondeu, a apertá-la ainda mais. - Julgo que a mamã =gostou dete conhecer.251Colecção Grandes Narrativas:1. O Mundo de Sofia, JOSTEIN GAARDER2. Os Filhos do Graal, PETER BERLING3. Outrora Agora, AUGUSTO ABELAIRA4. O Riso de Deus, ANTÓNIO ALÇADA BAPTISTA5. O Xangô de Baker Street, JÒ SOARES6. Crónica Esquecida d'El Rei D. João II, SEOMARA DA VEIGA =FERREIRA7. Prisão Maior, GUILHERME PEREIRA8. Vai Aonde Te Leva o Coração, SUSANNA TAMARO9. O Mistério do Jogo das Paciências, JOSTEIN GAARDER10. Os Nós e os Laços, ANTÓNIO ALÇADA BAPTISTA11. Não É o Fim do Mundo, ANA NOBRE DE GUSMãO12. O Perfume, PATRICK SüSKIND13. Um Amor Feliz, DAVID MOURÃO-FERREIRA14. A Desordem do Teu Nome, JUAN JOSÉ MILLAS15. Com a Cabeça nas Nuvens, SUSANNA TAMARO16. Os Cem Sentidos Secretos, AMY TAN17. A História Interminável, MICHAEL ENDE18. A Pele do Tambor, ARTURO PÉREZ-REVERTE19. Concerto no Fim da Viagem, ERIK FOSNES HANSEN20. Persuasão, JANE AUSTEN21. Neandertal, JOHN DARNTON

22. Cidadela, ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY23. Gaivotas em Terra, DAVID MOURÃO-FERREIRA24. A Voz de Lila, CHIMO25. A Alma do Mundo, SUSANNA TAMARO26. Higiene do Assassino, AMÉLIE NOTHOMB27. Enseada Amena, AUGUSTO ABELAIRA28. Mr. Vertigo, PAUL AUSTER29. A República dos Sonhos, NÉLIDA PIÑON30. Os Pioneiros, LUÍSA BELTRÃO31. O Enigma e o Espelho, JOSTEIN GAARDER

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32. Benjamim, CHICO BUARQUE33. Os Impetuosos, LUÍSA BELTRÃO34. Os Bem-Aventurados, LUÍSA BELTRÃO35. Os Mal-Amados, LUÍSA BELTRÃO36. Território Comanche, ARTURO PÉREZ-REVERTE37. O Grande Gatsby, F. SCOTT FITZGERALD38. A Música do Acaso, PAUL AUSTER

39. Para Uma Voz Só, SUSANNA TAMARO40. A Homenagem a Vénus, AMADEU LOPES SABINO

41. Malena É Um Nome de Tango, ALMUDENA GRANDES42. As Cinzas de Angela, FRANK McCOURT43. O Sangue dos Reis, PETER BERLING44. Peças em Fuga, ANNE MICHAELS45. Crónicas de Um Portuense Arrependido, ALBANO ESTRELA46. Leviathan, PAUL AUSTER47. A Filha do Canibal, ROSA MONTERO48. A Pesca à Linha - Algumas Memórias, ANTÓNIO ALÇADA =BAPTISTA49. O Fogo Interior, CARLOS CASTANEDA50. Pedro e Paula, HELDER MACEDO

51. Dia da Independência, RICHARD FORD52. A Memória das Pedras, CAROL SHIELDS53. Querida Mathilda, SUSANNA TAMARO54. Palácio da Lua, PAUL AUSTER55. A Tragédia do Titanic, WALTER LORD56. A Carta de Amor, CATHLEEN SCHINE57. Profundo como o Mar, JACQUELYN MITCHARD58. O Diário de Bridget Jones, HELEN FIELDING59. As Filhas de Hanna, MARIANNE FREDRIKSSON60. Leonor Teles ou o Canto da Salamandra, SEOMARA DA VEIGA FERREIRA61. Uma Longa História, GÜNTER GRASS62. Educação para a Tristeza, LUÍSA COSTA GOMES63. Histórias do Paranormal - I Volume, Direcção de RIC =ALeXANDER

64. Sete Mulheres, ALMUDENA GRANDES65. O Anatomista, FEDERICO ANDAHAZI66. A Vida É Breve, JOSTEIN GAARDER67. Memórias de Uma Gueixa, ARTHUR GOLDEN68. As Contadoras de Histórias, FERNANDA BOTELHO69. O Diário da Nossa Paixão, NICHOLAS SPARKS70. Histórias do Paranormal - II Volume, Direcção de RIC =ALEXANDER71. Peregrinação Interior - I Volume, ANTÓNIO ALÇADA =BAPTISTA72. O Jogo de Morte, PAOLO MAURENSIG73. Amantes e Inimigos, ROSA MONTERO74. As Palavras Que Nunca Te Direi, NICHOLAS SPARKS75. Alexandre, O Grande - O Filho do Sonho, VALERIO MASSIMO MANFREDI76. Peregrinação Interior - II Volume ANTÓNIO ALÇADA =BAPTISTA77. Este É o Teu Reino, ABÍLIO ESTÉVEZ

78. O Homem Que Matou Getúlio Vargas, JÔ SOARES79. As Piedosas, FEDERICO ANDAHAZI80. A Evolução de Jane, CATHLEEN SCHINE81. Alexandre, O Grande - O Segredo do Oráculo, VALERIO MASSIMO=MANFREDI82. Um Mês com Montalbano, ANDREA CAMILLERI83. O Tecido do Outono, ANTÓNIO ALÇADA BAPTISTA84. O Violinista, PAOLO MAURENSIG85. As Visões de Simão, MARIANNE FREDRIKSSON

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141. O QUE SIGNIFICA AMAR, DAVID BADDIEL .142. A CASA DA LOUCURA, PATRICK McGRATH .143. Quatro Amigos, DAVID TRUEBA.144. Estou-me nas Tintas para os Homens Bonitos, TINA GRUBE145. Eu até Sei Voar, PAOLA MASTROCOLA146. O Homem Que Sabia Contar, MALBA TAHAN147. A Época da Caça, ANDREA CAMILLERI

148. Não Vou Chorar o Passado, TIAGO REBELO

149. Vida Amorosa de Uma Mulher, ZERUYA SHALEV150. Danny Boy, Jo-ANN GÓÓDWIN151. Uma Promessa para Toda a Vida, NICHOLAS SPARKS152. o Romance de Nostradamus- O Presságio, VALERIO EVANGELISTI153. Cenas da Vida de Um Pai Solteiro, TONY PARSONS154. Aquele Momento, ANDREA DE CARLO155. Renascimento Privado, MARIA BELLONCI156. A Morte de Uma Senhora, THERESA SCHEDEL157. O Leopardo ao Sol, LAURA RESTREPO158. Os Rapazes da Minha Vida, BEVERLY DONOFRIO

159. O Romance de Nostradamus - O Engano, VALERIO EVANGELISTI160. Uma Mulher Desobediente, JANE HAMILTON161. Duas Mulheres, Um Destino, MARIANNE FREDRIKSSON162. Sem Lágrimas Nem Risos, JOANA MIRANDA163. Uma Promessa de Amor, TIAGO REBELO164. O Jovem da Porta ao Lado, JOSIE LLOYD & EMLYN REES165. 14,99 - A Outra Face da Moeda, FRÉDÉRIC BEIGBEDER166. Precisa-se de Homem Nu, TINA GRUBE167. O Príncipe Siddharta - Fuga do Palácio, PATRiCIA CHENDI168. O Romance de Nostradamus - O Abismo, VALERIO EVANGELISTI169. O Citroen Que Escrevia Novelas Mexicanas, JOEL NETO170. António Vieira - O Fogo e a Rosa, SEOMARA DA VEIGA FERREIRA171. Jantar a Dois, MIKE GAYLE

172. Um Bom Partido - I Volume, VIKRAM SETH173. Um Encontro Inesperado, RAMIRO MARQUES174. Não Me Esquecerei de Ti, TONY PARSONS175. O Príncipe Siddharta - As Quatro Verdades, PATRÍCIA =CHENDI176. O Claustro do Silêncio, LUÍS ROSA177. Um Bom Partido - II Volume, VIKRAM SETH178. As Confissões de Uma Adolescente, CAMILLA GIBB179. Bons na Cama, JENNIFER WEINER180. Spider, PATRICK McGRATH181. O Príncipe Siddharta - O Sorriso do Buda, PATRÍCIA CHENDI182. O Palácio das Lágrimas, ALEV LYTLE CROUTIER183. Apenas Amigos, ROBYN SISMAN184. O Fogo e o Vento, SUSANNA TAMARO185.Henry & June, ANAïS NIN

186. Um Bom Partido - III Volume, VIKRAM SETH187. Um Olhar à Nossa Volta, ANTÓNIO ALÇADA BAPTISTA188. O Sorriso das Estrelas, NICHOLAS SPARKS189. O Espelho da Lua, JOANA MIRANDA190. Quatro Amigas e Um Par de Calças, ANN BRASHARES191. O Pianista, WLADYSLAW SZPILMAN192. A Rosa de Alexandria, MARIA LUCÍLIA MELEIRO193. Um Pai muito Especial, JACQUELYN MITCHARD194. A Filha do Curandeiro, AMY TAN

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247. A Agência nº 1 de Mulheres Detectives, ALEXANDER McCALL =SMITH248. Os Homens em Geral Agradam-me Muito, VERONIQUE OVALDÉ249. Os Jardins da Memória, ORHAN PAMUK250. Três Semanas com o Meu Irmão, NICHOLAS SPARKS e MICAH =SPARKS251. Nunca É Tarde para Recomeçar, CATHERINE DUNNE252. A Cidade das Flores, AUGUSTO ABELAIRA

253. Kaddish para Uma Criança Que Não Vai Nascer, IMRE =KERTÉSZ254. 101 Dias em Bagdad, ÄSNE SEIERSTAD255. Uma Família Diferente, THERESA SCHEDEL256. Depois de Tu Partires, MAGGIE O'FARRELL257. Homem em Fúria, A. J. QUINNELL258. Uma Segunda Oportunidade, KRISTIN HANNAH259. A Regra de Quatro, IAN CALDWELL e DUSTIN THOMASON260. As Lágrimas da Girafa, ALEXANDER McCALL SMITH261. Lúcia, Lúcia, ADRIANA TRIGIANI262. A Mulher do Viajante no Tempo, AUDREY NIFFENEGGER263. Abre o Teu Coração, JAMES PATTERSON264. Um Natal Que não Esquecemos, JACQUELYN MITCHARD265. Imprimatur - O Segredo do Papa, FRANCESCO SORTI e RITA MONALDI

266. A Vida em Stereo, PEDRO DE FREITAS BRANCO267. O Terramoto de Lisboa e a Invenção do Mundo, LUÍS ROSA268. Filhas Rebeldes, Manju Kapur.269. Bolor, Augusto Abelaira.270. Profecia da Curandeira, Hermán Huarache Mamani.271. O Códice Secreto, Lev Grossman.272. Olhando o Nosso Céu, Maria Luísa Soares.273. Moralidade e Raparigas Bonitas, Alexander McCall Smith.274. Sem Nome, Hélder Macedo.275. Quimera, Valerio Maximo Manfredi.276. Uma Outra Maneira de Ser, Elizabeth Moon.277. Encontro em Jerusalém, Tiago Rebelo.278. Lucrécia e o Papa Alexandre Vi, John Founce.

279. Mãe e Filha, Marianne Frederiksson.280. O Segredo dos Conclaves, Atto Melani.281. Contigo Esta Noite, Joana Miranda.282. Dante e os Crimes do Mosaico, de Giulio Leoni.283. A Bela Angevina, José-Augusto França.284. O Segredo da Última Ceia, Javier Sierra.285. Está uma Noite Quente de Verão, Isabel Ramos.286. O Terceiro Verão das Quatro Amigas e um par de Calças, Ann=Brashares.287. Quem Ama Acredita, Nicholas Sparks.288. O melhor que um homem pode Ter, John O'Farrell.289. A gata e a fábula, Fernanda Botelho.290. Incertezas do coração, Naggie O'Farrell.291. Crepúsculo fatal, Nelson Demille.

292. Como da primeira vez, Mike Gayle.293. A Inconstância dos Teus Caprichos, CRISTINA FLORA294. A Year in the Merde - Um Ano em França, STEPHEN CLARKE295. A Última Legião,VALERIO MASSIMO MANFREDI296. As Horas Nuas,LYGiA FAGUNDES TELLES297. O ícone Sagrado, NEIl OLSON298. Na Sua Pele, JENNIFER WEINER

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7/28/2019 Livro À Primeira Vista - Nicholas Sparks

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299. O Mistério da Atlântida, DAVID GIBBINS300. O Amor Infinito de Pedro e Inês, LUÍS ROSA301. Uma Rapariga Cheia de Sonhos, STEVE MARTIN302. As Meninas,LYGIA FAGUNDES TELLES303. Jesus e Maria Madalena, MARIANNE FREDRIKSSON304. És o Meu Segredo, TIAGO REBELO

305. O Enigma Vivaldi, PETER HARRIS306. A Vingança de Uma Mulher de Meia-Idade, ELIZABETH BUCHAN307. Jogos de Vida e Morte, BEN RICHARDS308. A Mulher Que Viveu por Um Sonho, MARIA ROSA CUTRUFELLI309. Um Amor Irresistível - Gordon, EDITH TEMPLETON310. Paranóia, JOSeF PHINDER311. À Primeira Vista, NICHOLAS SPARKS312. Nas Asas de Um Anjo, MIGUEL ÁVILA313. Verão no Aquário, LYGIA FAGUNDES TELLES

Fim