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Literaturas Africanas de Língua Portuguesa II Profa. Dra. Maria das Graças Ferreira Graúna 2 a edição | Nead - UPE 2013

LiteraturasAfricanasdeLínguaPortuguesaIIww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/8_periodo/literatura... · 1975. FERREIRA, Manuel, Literaturas africanas de ex-pressão portuguesa

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Literaturas Africanas de Língua Portuguesa IIProfa. Dra. Maria das Graças Ferreira Graúna

2a edição | Nead - UPE 2013

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Graúna, Maria das Graças Ferreira

Letras: Literaturas Africanas de Lígua Portuguesa II/ Maria das Graças Ferreira Graúna - Recife: UPE/NEAD, 2013.

60 p.

Xxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxx. xxxxxxxxxxxx Universidade de Pernambuco, Núcleo de Educação à Distância II. Título

XXX – xxx. – xxx.xxx Xxxxxxxxxxxxx Xxxx – XXX/xxxxx xxxxxxxxxxxx

XXXX

Reitor

Vice-Reitor

Pró-Reitor Administrativo

Pró-Reitor de Planejamento

Pró-Reitor de Graduação

Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa

Pró-Reitor de Extensão e Cultura

Pró-Reitor de Integração e Fortalecimento da Interiorização

Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado

Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque

Prof. Maria Rozangela Ferreira Silva

Prof. Béda Barkokébas Jr.

Profa. Izabel Christina de Avelar Silva

Profa. Viviane Colares S. de Andrade Amorim

Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque

Prof. Pedro Henrique de Barros Falcão

UNIVERsIDADE DE PERNAmbUCo - UPE

NEAD - NÚCLEo DE EDUCAÇÃo A DIsTÂNCIA

Coordenador Geral

Coordenador Adjunto

Assessora da Coordenação Geral

Coordenação de Curso

Coordenação Pedagógica

Coordenação de Revisão Gramatical

Gerente de Projetos

Administração do Ambiente

Coordenação de Design e Produção

Equipe de design

Coordenação de suporte

EDIÇÃo 2013

Prof. Renato Medeiros de Moraes

Prof. Walmir Soares da Silva Júnior

Profa. Waldete Arantes

Profa. Francisca Núbia Bezerra e Silva

Profa. Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima

Profa. Angela Maria Borges CavalcantiProfa. Eveline Mendes Costa LopesProfa. Geruza Viana da Silva.

Prof. Valdemar Vieira de Melo

José Alexandro Viana FonsecaProf. José Lopes Ferreira JúniorValquíria de Oliveira Leal

Prof. Marcos Leite Anita SousaGabriela CastroRenata MoraesRodrigo Sotero

Afonso BioneWilma Sali

Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplaresAv. Agamenon Magalhães, s/n - Santo AmaroRecife - Pernambuco - CEP: 50103-010Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664

5

Literaturas africanas de Língua Portuguesa ii

Profa. Drª. Maria das Graças Ferreira GraúnaCarga Horária | 60 horas

ementa

• Aidentidadenacional:mestiçagem,hibridismoetransculturação.• Aquestãodadiáspora.• Colonialismoepós-colonialismo.• Resistênciacultural.• IdeologiaepolíticanaliteraturadeCabo-Verde,Guiné-BissaueSãoTomé

ePríncipe.• LiteraturaedireitoshumanosemCabo-Verde,Guiné-BissaueSãoTomé

ePríncipe.• AmúsicadeCabo-Verde.

objetivo geraL

Apresentar as origens, a periodização, as caracterizações e autores(as) maisrepresentativos(as)dasliteraturasafricanasdelínguaportuguesa.

objetivos esPecíficos

• Estudaraquestãodadiáspora,docolonialismo,daresistênciaculturaledosdireitoshumanosnaliteraturadeCabo-Verde,Guiné-BissaueSãoToméePríncipe.

• RefletiracercadaideologiaedapolíticanasliteraturasdeCabo-Verde,Gui-né-BissaueSãoToméePríncipe.

• Problematizaranoçãodemestiçagem,hibridismoetransculturaçãonalite-ratura(poesiaeprosa)deCabo-Verde,Guiné-BissaueSãoToméePríncipe.

• ObservarpossíveisrelaçõesentreamúsicaealiteraturadeCabo-Verde.

aPresentação da disciPLina

Apresente disciplina é uma tentativa de estabelecer contato com as literatu-ras que fazem parte do universo africano de língua portuguesa. Sua origem,periodização, características, contextualização histórica e autores(as) mais

representativos(as)serãoapresentadosemquatromomentos, a saber:nosCapítulos 1 (poesia) e2(prosa),adiscussãogiraemtornodotema“iden-tidadenacional”.Nestaperspectiva,aabordagemexigeanossaatençãoacercademestiçagem,hibri-dismo, transculturação, diáspora, colonialismo epós-colonialismo, entre outrasquestõespertinen-testambémàmúsicaemcabo-verde.OCapítulo 3oferecereflexõesemtornodapoesiaedaprosaemGuiné-Bissau, enfatizando a esperança que brotada literatura de jovens escritores comprometidoscomahistóriadaindependêncianaÁfricadelín-guaportuguesa.No Capítulo 4,aprosaeapoesiatrata da resistência cultural, das influências, daideologiaedapolíticaemSãoToméePríncipe.Oeixotemáticoproblematizaodireitoàliberdadenaprosa e na poesia africana de língua portuguesa;confirmando,assim,ograndevalorhistóricoquesugereapoesiadeConceiçãoLima (SãoToméePríncipe):“Emergiremosdocanto/comodochãoemergeomilhojovem/[...]/Purosreabitaremosopoemaeaclaridadeparaqueapalavraamanheçaeosonhonãoseperca”.

Dessemodo,ensejamosqueadinâmicadosexer-cícios e estratégias apresentadasnos citados capí-tulopossa contribuirparaodesenvolvimentodapesquisa e para a compreensão da literatura, damúsicaesuasrelaçõessociais.Naveguemos,então,pelosmaresdasliteraturasdeCabo-Verde,Guiné--BissaueSãoToméePríncipe!

referÊncias

ABDALA JR., Benjamin. De voos e ilhas: litera-turas e comunitarismos. São Paulo: Ateliê Edi-torial, 2003.

______. Literatura, história e política. São Pau-lo: Ateliê, 2007.

______; PASCHOALIN, Maria Aparecida. His-tória social da literatura portuguesa. São Paulo: Ática, 1994.

ANDRADE, Mário de. Antologia temática da poesia africana. V.1 e 2. Lisboa: Sá da Costa, 1975.

FERREIRA, Manuel, Literaturas africanas de ex-pressão portuguesa 1. Lisboa: ICALP, 1977.

______. Literaturas africanas de expressão por-tuguesa 2. Lisboa: ICALP, 1977; 1986.

GOMES, Aldónio. Dicionário de autores de lite-raturas africanas de língua portuguesa. Lisboa, Caminho, 1997.

GRAÚNA, Graça. Cantigas africanas de ex-pressão portuguesa. Ensaios. In: Encontro. Re-vista do Gabinete Português de Leitura de Per-nambuco, Ano, 15, nº 15, 1999, pp. 222-224.

LARA, Alda. Poemas. Porto: Vertente, 1984.

LARANJEIRA, Pires. Literaturas africanas de expressão portuguesa. Lisboa: Universidade Aberta, 1995.

LEÃO, Ângela Vaz (Org.). Literaturas africanas de língua portuguesa. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2003.

MEDINA, Cremilda de Araújo. Sonha Mamana África. São Paulo: Edições Epopeia; Secretaria de Educação e Cultura, 1987.

SEPÚLVEDA, Maria do Carmo; SALGADO, Ma-ria Teresa (orgs.). África & Brasil: letras em la-ços. Vol. 1. Rio de Janeiro: Editora Atlântica, 2000.

_____; SECCO, Carmen Tindó. África & Brasil: letras em laços. Vol. 2. São Caetano do Sul/SP: Yendis Editora, 2010.

7Capítulo 1 77Capítulo 1

1. Literatura em cabo-verde: origens, contexto Histórico e Periodização

EstudaraliteraturaafricanadeCaboVerde,Guiné-BissaueSãoToméePríncipeéumaformaderefletiraliteraturaoraleaexpansãodaliteraturaescrita,alémdeestreitartambémosnossoslaçoscomalínguaportuguesa;línguaesta,semdúvida,enriquecidapelaculturaafricana,sobretudocomaindependênciadascolôniasportuguesas,nadécadade70.

AolongodosséculosXVeXVI–emterrasafricanas“aprimeiramotivaçãoparaaalfabetizaçãofoideordemreligiosa,impulsionadapeloislamismo”,

comoobservaAntonioFaundez(1994,p.55).

Essarelaçãofoicercadapormuitosconflitosedopontodevistametodológico,aindasegundoFaundez(1994,p.63):

“Desdeacolonizaçãoatéaindependência,édifícilfalardeumsistemaeducativo,easexperiên-ciaseducacionaisdestinadasáseliteseuropeiaseaumpequenogrupodeafricanosnãodiferem

dasexperiênciastradicionaisdaAméricaLatina”.

Literatura em cabo-verde (Poesia)

Profa. Drª. Maria das Graças Ferreira GraúnaCarga Horária | 15 horas

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Mapa de Cabo-Verde.

8 Capítulo 1

Pelavisãoqueomapaoferece,CaboVerdeéumpaísdenaturezavulcânica,compostopordezilhasdistribuídasemdoisgrupos:oBarlavento,aoNor-tecomasilhasdeSantoAntão,SãoVicente,SantaLuzia, SãoNicolau, Sal eBoaVista.AoSul, en-contra-seogrupoSotavento,compostopelasilhasMaio,Santiago,FogoeBrava.

LEITURA COMPLEMENTAR

Cabo Verde, capital: Praia

Línguas: português (oficial) e crioulos.

População: 405.163 (2004)

Independência: 05.07.1975

Moeda: Escudo cabo-verdiano

Ranking do IDH: 103º.

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Bandeira de Cabo Verde.

1.1 Periodização e contexto Histórico

OcríticoPiresLaranjeiraregistraseisperíodoslite-ráriosemCabo-Verde.Essaperiodizaçãonãoestádissociadado contextohistórico, pois a exemplodas reflexões anteriores, apresentamos no vol. 1de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa (Cf.GRAÚNA,2012),arelaçãoentreliteraturaesociedade pode nos aproximar não somente dosaspectos caracterizadores;masde experiências re-levantesqueapoesiaeaprosacabo-verdiananosoferecemparaentenderopresenteepararefletirofuturo.

Dasorigensaté1925,operíodoreúnetextoslite-ráriosenãoliterários.OcríticoLaranjeirachamaesseperíododeIniciaçãoeobservaqueaproduçãoliterária traz características doRomantismo e doParnasianismolusitano;revelandotambémaspec-tosda“vocaçãopatriótica”no iníciodoséc.XX.ParaumaleituradaperiodizaçãoliteráriaemCa-bo-Verde,eisumasínteseapresentadapelocríticoLaranjeiras(1995,pp.180-185),noquadroaseguir:

TEXTO COMPLEMENTAR

Periodização da literatura cabo-verdiana

1° Período. Em Cabo Verde, após a intro-

dução do prelo, em 1842, e a publicação

do romance cabo-verdiano de José Evaris-

to d’Almeida, O escravo (1856), em Lisboa,

segue-se um longo período (ainda hoje mal

conhecido no que respeita ao século XIX),

até à publicação do livro de poemas Arqui-

pélago (1935), de Jorge Barbosa, e da revis-

ta Claridade (1936), Fundada por Baltasar

Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa, entre

outros […]. A criação, em 1 866, do Liceu-

-Seminário de São Nicolau (Ribeira Brava),

que durou até 1928, muito contribuiu para

o surgimento de uma classe de letrados

equiparável ou superior à dos angolanos.

Em 1877, criou-se a imprensa periódica não

oficial. […]

O 2° Período, de 1926 a 1935, a que cha-

mamos Hesperitano, antecede a moderni-

dade que o movimento da Claridade (1936)

encarnou. Desde os primeiros tempos, até

ao final deste 2° Período, entendemos, com

Manuel Ferreira, que vigorou o cabo-ver-

dianismo, caracterizado como «regiona-

lismo telúrico», mas que, nalguns textos, se

expande para temas e elementos recorren-

tes da literatura cabo-verdiana, como os da

fome, do vento e da terra seca, ou de certa

insatisfação e incomodidade, numa atmos-

fera muito próxima do naturalismo.

O fundamento que leva a que se possa de-

signar tal período como Hesperitano ressal-

ta da assunção do antigo mito hesperitano

ou arsinário. Trata-se do mito, proveniente

da Antiguidade Clássica, de que, no Atlân-

tico, existiu um imenso continente, a que

deram o nome de Continente Hespério. As

ilhas de Cabo Verde seriam, então, as ilhas

arsinárias, de Cabo Arsinário, nome antigo

do Cabo Verde continental, recuperado da

obra de Estrabão.

Os poetas criaram o mito poético para es-

caparem idealmente à limitação da pátria

portuguesa, exterior ao sentimento ou de-

sejo de uma pátria interna, íntima, sim-

bolicamente representada pela lenda da

Atlântida, de que resultou também o nome

de atlantismo hesperitano, por oposição ao

continentalismo africano e europeu. […]

3° Período, que principia no ano de 1936

(ano da publicação da revista-mater Clari-

dade) e vai até 1957, muito mais tarde do

que a fase a que Luís Romano chama dos

«Regionalistas ou Claridosos» (para ele ter-

mina com os neo-realistas da revista Certe-

za, de 1944) […].

9Capítulo 1

2. Poesia cabo-verdiana

Neste primeiro capítulo de Literaturas AfricanasdeLínguaPortuguesaII,aideiaéestabelecerumencontro com a poesia cabo-verdiana. Para tan-to, nos valemos das antologias “Poesia africanade línguaportuguesa”e“África&Brasil– letrasemlaços”;organizadasrespectivamenteporArlin-do Barbeitos (2003) e porMaria Teresa Salgado(2010),que,entreoutrasreferênciasindispensáveisàproblematizaçãodofazerpoéticoemCaboVer-de,destacamostambémacontribuiçãodocríticoliterárioRicardoRiso(2011),organizadorda“Re-vista África e africanidades”. Nessa perspectiva,aqui,apresentamosumaseleçãodepoetasemor-demalfabética:

2.1 aguinaLdo fonseca

Ainda em 1941, sai Ambiente, livro de po-

emas de Jorge Barbosa. António Nunes pu-

blica, depois, os Poemas de longe (1945)

e Manuel Lopes, os Poemas de quem ficou

(1949), a que se segue o romance funda-

dor Chiquinho (1947), de Baltasar Lopes,

passando pelo Caderno de um ilhéu (1956),

de Jorge Barbosa, e o primeiro romance de

Manuel Lopes, Chuva braba (1956). Todos

sem interferência da Negritude, mas, curio-

samente, coincidindo no tempo as publica-

ções de neo-realistas e claridosos, não sem

que, entretanto, fossem impressos livros

deslocados no tempo, como os Lírios e cra-

vos (1951), de Pedro Cardoso, e as Poesias

(1952), de Januário Leite, poetas do cabo-

-verdianismo. […]

4° Período, indo de 1958 a 1965, em que,

com o Suplemento Cultural, se assume uma

nova cabo-verdianidade que, por não des-

denhar o credo negritudinista, se pode ape-

lidar de Cabo-verdianitude, que, desde a

sua ténue assunção por Gabriel Mariano,

num curto artigo (1958), até muito depois

do virulento e celebrado ensaio de Onésimo

Silveira (1963), provocou uma verdadeira

polémica em torno da aceitação tranquila

do patriarcado da Claridade. Do Suplemen-

to Cultural do Boletim Cabo Verde fizeram

parte Gabriel Mariano, Ovídio Martins,

Aguinaldo Fonseca, Terêncio Anahory e Yo-

landa Morazzo. […]

5° Período, entre 1966 e 1982, do Universa-

lismo assumido, sobretudo por João Vário,

quando o PAIGC (acoplando forças políticas

de Cabo Verde e da Guiné-Bissau) se acha-

va já envolvido, desde 1963, na luta arma-

da de libertação nacional, abrindo, aquele

poeta, muito mais cedo do que nas outras

colónias, a frente literária do intimismo, do

abstraccionismo e do cosmopolitismo: aliás,

só depois da independência, e passado al-

gum tempo, surgiu descomplexada e polé-

mica, sobretudo em Angola e Moçambique.

Podemos datar de 1966, com a impressão

dos poemas, em Coimbra, de Exemplo ge-

ral, de João Vário (João Manuel Varela),

essa viragem, que, diga-se, pouco impacto

veio provocar. […]

6° Período, de 1983 à actualidade, come-

çando por uma fase de contestação, comum

aos novos países, para gradualmente se vir

afirmando como verdadeiro tempo de Con-

solidação do sistema e da instituição literá-

ria. O primeiro momento é dominado pela

edição da revista Ponto & Vírgula (1983-

1987), liderada por Germano de Almeida e

Leão Lopes […].

(LARANJEIRAS, 1995, pp.180-185).

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Aguinaldo Fonseca.

Nasceu emMindelo, no ano de 1922. Sua obramaisconhecidaé“Linhadohorizonte”.Desseli-vro,segueumfragmentodopoema“Magianegra”(Cf.BARBEITOS,2003,p.137):

Prendo os meus gestos e o meu grito abafo.Silêncio...No poço da paz nocturnaInterceptadaPela orgia sincopadaDas estrelas e dos grilos,Arrasta-se o vão lamentoDa África dos meus Avós,Do coração dessa noite, ferido, sangrando aindaEntre suores e chicotes.

2.2 antónio de névada

Nasceuem1967.Viveua infânciaemMindeloecursouUniversidadeemCoimbra.Suasprimeiraspublicaçõesaparecememperiódicos literáriosnadécadadeoitenta.Noiníciodadécadadenoven-ta,oInstitutoCaboverdeanodoLivroedoDiscopublicaoseuprimeirolivrodepoesiadeNévada:

10 Capítulo 1

“Acto primeiro ou o desígnio das paixões”. Em1999,lançamaisumlivrodepoesia:“Esteiracheiaouoabismodascoisas”.Eisumfragmentodopo-ema“Cançãoterceira–cantoàsemeaduraI”,queextraímosdaRevistaÁfricaeAfricanidades,orga-nizadaporRicardoRiso(2011,p.8):

Ontemdescemos as encostase bebemos a água da fonte,a semeadura foi abençoada pelo poente, pela poesia e pelo bater do tambor,e bendizemos o corpo vago,as fraquezas,alguns troços de alma. Hojesentamos à soleira da portae dizemos hoje dizendo cantos, porque dizendo hoje diremos o ventoà porta da aldeia,cantamos a terra ou o verso e rima.Diremos a morte, a sensação de inexistência[que nos pertuuba.

Bate, pilão, bate,que o teu som é o mesmodesde o tempo dos navios negreiros,de morgados,das casas-grandes,e meninos ouvindo a negra escravacontando histórias de florestas, de bichos, de encan-tadas...

PROBLEMATIZAÇÃO

...“Em Angola e Moçambique [são muitas as] dificuldades linguísticas pela existência de um grande número de línguas diferentes. A unidade é maior em

Cabo Verde, onde o crioulo cabo-verdiano (dialeto do português) é falado pela totalidade da população”

(ABDALA Jr., 1994, p.187).

2.4 arménio vieira

NasceunaPraia, ilhadeSantiago, em1941.Seunome está ligado à geração 60, cuja poesia é ca-racterizada pela crítica ao governo colonial por-tuguês, à época sob a ditadura salazarista.Autorderomancesepoemas,foirecentementeagraciadocomoPrêmioCamões.Dasuapoesia,destacamosos seguintes versos seguinte atmosfera (VIEIRAapudBARBEITOS,2003,pp.165-166):

Talvez um diaQuem sabeSimtalvez um dia...pedra jogadaà nossa gaiola de vidroe para nósa fugaalém fronteira do mar.

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Livro de Antonio Névada.

2.3 antónio nunes

Nasceu em 1917;faleceu no ano de1951. Das obrasmais conhecidasconstam: Deva-neios ePoemasdelonge. No segun-do livro, consta opoema “Ritmo depilão” do qual se-gueum fragmento(Cf.BARBEITOS,2003,pp.143-144):

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Livro de Antonio Nunes.

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Livro de Arménio Vieira.

11Capítulo 1

2.5 carLota de barros fermino areaL

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Nasceu na Ilha do Fogo,CaboVerde, em 1942.Em1957,foiparaPortugal,ondeestudounaFa-culdadedeLetrasdaUniversidadeClássicadeLis-boa.Atualmenteviven IlhadeSãoVicente (Cf.RISO).Osversosseguintesfazempartedopoema“Seca”(Cf.Riso,2011,p.17):

Não gostaria de ter visto a seca a crescera boa terra a gretar

não gostaria de ter visto o grande tanque a secar as levadas caladas encherem-se de folhas mortas quebradas

mas vi

esqueletos de goiabeirasretorcidosde securaocas papaieiras vergadassem seiva sem sémen

Não gostaria de ter vistoas velhas mangueirastão magras de fomelimoeiros e laranjeirasa morrer de sede e de pó

mais conhecidas,destacamos“PãoeFonema, publica-daem1974;Árvo-reetambor,publi-cada em 1986. Omais reente livrointitula-se“Acabe-çacalvadeDeus”,publicado em2010, pela Ilumi-nuras, São Paulo/Brasil.

Pecado originalPasso pelos dias E deixo-os negrosMais negrosDo que a noute brumosa.

Olhos para as coisasE torno-as velhasTão velhasA cair de carunchos.

Só charcos imundosAtestam no soloAs pegadas do meu pisarE fica sempre rubro vermelhoTodo rio por onde me lavo.

E não pode fugirNão pode fugir nuncaA este destinoDe dinamitar rochasDentro do peito...

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2.6 corsino antonio fortes

NaturaldeSãoVicente,nasceuem1933.Poetaepolítico,esteveàfrenteaAssociaçãodosescritoresCabo-verdeanosnoperíodo2003/2006.Dasobras

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Livro de Corsino Fortes.

ÉtambémdeCorsinoFortesopoemaquesegue;intitula-se“Tchondepovetchondepedra”(Chãodopovo,chãodepedra),quetratadarealidadedasecanocotidianodeCaboVerde.Denunciaopro-

12 Capítulo 1

blemadafome;oserpoetatambémalimentaaes-perançaporumasolução,comoveremosaseguir:

O rosto de teu filho brada pelo marComo panelas mortas como panelas vivas mortas vivas nos fogões apagadosPilões calados fogões apagadosNo vulcão e na viola do teu coraçãoBoca do povo no fogo dos nossos fogões apagadosChão do povo chão de pedra!O sol ferve-te o sol no sangueE ferve-me o sangue no peitoComo o fogo e a pedra no vulcão do FogoDe sol a sol abriste a bocaSecos os pulmões neles cresce-me a lenha do matoDe sol a sol os meus ossos são verdes os teus ossos são plantasComo a fruta-pão o tambor e o chãoDe sol a sol gritei por Rimbaud ou Maiakovsky deixem-me em paz.

atividade critica/refLexiva |CombasenasReferências,discutacomos(as)colegasdoCursoosaspectosrelevantesdape-riodizaçãodaliteraturacabo-verdiana.

2.7 david HoPffer c. aLmada

Sobre a tua cabeçaDisparoA lei desfeitaEm pedaçosE dos pedaçosDesses pedaçosSai a sorteQue te destino

2.8 dina saLústio (bernardina oLiveira saLústio)

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David Hopffer.

NasceuemChãodeTanque,nosítiodeGambôa,ConcelhodeSantaCatarina, IlhadeSantiago,a19deDezembro1945.Emoutubrode1968,bene-ficiandocomumabolsapelaFundaçãoCalousteGulbenkian, entroupara aFaculdadedeDireitodaUniversidade deCoimbra. Publicou artigos epoemasemcoletâneas,revistasejornais.Vejamosumfragmentodopoema“Ditador”,doseu livro“CantoaCaboVerde”,publicadoem1988:

Font

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Dina Salústio.

NasceuemSantoAntão,Caboverde.Professora,assistente social, jornalista, poeta, fundou a As-sociaçãodosEscritoresCaboverdeanos. Publicouensaioseromance,destacando-senocampodapo-esia.Aquidestacamosseusversos(Cf.siteAntonioMiranda):

Na ternura das vozes que me envolvemhá um convite ao poema que não consigo.

E as tuas montanhas sacodemlembranças de outras cavernasgemendo à noitinha estóriasde aves fugindo e picaretas cantando,murmúrios de piratinhas,sussurros de prazeres dolorosamente cambiados em mercado negro.

2.9 fiLinto eLízio

Font

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786

Filinto Elízio.

NasceunacidadedaPraia.Poeta,cronista,roman-cistapublicouváriasobraspoéticas:“Do ladode

13Capítulo 1

cádarosa”;“Oinfernodoriso”.Dolivro“Advi-nhos”,extraímosopoema“Acercadoamor”(Cf.siteAntonioMiranda):

Do amor só digo isto:

O sol adormece ao crepúsculoNo oferecido colo do poenteE nada é tão belo e íntimo,

o resto é business dos amantes.Dizê-lo seria fragmentar a lua inteira.

atividade critica/refLexiva |Pesquise acerca da poesia erótica escrita pormulheresemCaboVerde

2.10 gabrieL mariano

2.11 jorge barbosa

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Gabriel Mariano.

Nasceu em SãoNicolau (CaboVerde). Filho dopoetaJoãodeDeusMariano.Participoudasrevis-tas:Claridade,CaboVerde,ArteseLetras,AIlha,Estudosultramarinos,Mensagemeoutraspublica-ções.AutordaLadeira Grande (antologiapoética,EditoraVega,1993).Dosseuspoemasdestacamosumfragmentode“Únicadádiva”:

Os engajadores levarama nossa única dádivae já ninguém, devolveO que nos foi roubado.

Longe é a ladeira que a fome alonga.Enquanto eu vivoas perguntas durame eu vivo da fome interrogativamente.

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Selo em homenagem a Jorge Barbosa.

Nasceu na Ilha de Santiago. Militante do movi-mentoClaridade.Autor–entreoutrasobras-de“Cadernodeumilhéu”.SuaadmiraçãoaoBrasilrevela-senopoemaintitulado“VocêBrasil”(Cf.ositeAntonioMiranda):

Eu gosto de você, Brasil,porque você é parecido com a minha terra.Eu bem sei que você é um mundãoe que a minha terra sãodez ilhas perdidas no Atlântico, sem nenhuma importância no mapa.Eu já ouvi falar de suas cidades:São Paulo dinâmico, Pernambuco,Bahia de todos os Santos.Ao passo que aquinão passam de três pequenas cidades.Eu sei tudo isso perfeitamente bem,Mas você é parecido com a minha terra.

2.12 josé Luís tavares Fo

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José L. Tavares.

NasceuemSantiagodeCaboVerdea10dejunhode1967;resideemPortugal,ondeestudouliteraturaefi-losofia.Comprometidocomumaescritadepuradaerigorosa,oautorde“ParaísoApagadoporumTrovão”conquistouoPrémioMárioAntóniodaFundaçãoCa-lousteGulbenkian,juntamentecomapoetaangolanaAnaTavares.NaopiniãodajornalistaMariaJoãoCan-tino,opoetaTavaresémuitoexigenteparaconsigopróprioepossuiumaimagéticaintensa,querevelamumasábiaincorporaçãodatradiçãoeumamestriasin-gularnomodocomooperasobrealinguagempoética.

14 Capítulo 1

2.13 manueL LoPes

CesáriaÉvora.Autordecentenasdecomposições,especificamente nos gêneros: morna e coladeira.Consideradotambémumtrovador,Lopesfoidosprimeirosaintroduzirumapoéticadeintervençãosocialnosseustemas,relegandoparaplanosecun-dáriooamoreasaudade;temasmaispreferidospeloscompositoresdeCaboVerde.Destacamosopoema“Agarrafa”:

Que importa o caminhoda garrafa que atirei ao mar?Que importa o gesto que a colheu?Que importa a mão que a tocou- se foi a criançaou o ladrão ou o filósofoquem libertou a sua mensageme a leu para si ou para os outros.

Que se destrua contra os recifesou role no areal infindávelou volte ás minhas mãosna mesma praia erma donde a lanceiou jamais seja vista por olhos humanosque importa?...se só de atirá-la às ondas vagabundaslibertei meu destinoda sua prisão?

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Manuel Lopes.

NaturaldeMindelo,nasceuemdezembrode1907.Foiumdospoetasecompositorescabo-verdianosmais conhecidos internacionalmente e conside-rado tambémo compositor preferidoda cantora

TEXTO COMPLEMENTAR

O diálogo entre Brasil e Cabo Verde

na visão de Simone Caputo Gomes.

http://www.fflch.usp.br/dlcv/revistas/

crioula/edicao/05

José Luís Tavares entrevistado por Maria João Cantinho

Maria João Cantinho – Começas o teu livro por um belo poema, “Limiar”, em que dizes assim: “Des-

cer – ao chão antigo,/ agreste, familiar; às ombreiras/sem brasão onde nem trompas/matinais nem

plenipotenciária/voz de mando//Regressar – à vida rude, elementar(…)”. Que limiar é este, de que

aqui se fala? Regresso ou recomeço?

José Luis Tavares – Tomemos limiar na acepção de ponto que marca a transição de um espaço, to-

pológico ou simbólico, para outro. No caso vertente, sem cair na tentação auto-hermenêutica, diria

que é uma espécie de para-texto que foi colocado para indicar uma deslocação de motivo, dado

que no ordenamento dos livros inéditos «Paraíso...» vinha em segundo lugar. O primeiro, «Agreste

Matéria Mundo», que vai sair no próximo semestre na Ed. Campo das Letras, na sua parte mais

extensa, intitulada «a deserção das musas», é uma longa meditação sobre a condição do poeta e

da poesia em pleno século vinte e um. Por outro lado, intentava ser uma forte restrição hermenêu-

tica, dado que o motivo do livro, sendo o autor de onde é, podia prestar-se às costumeiras sandices

que os especialistas da coisa debitam sempre que uma obra parece encaixar-se nos seus esquemas

apriorísticos, sem cuidar da novidade que é o trabalho da invenção linguística.

M.J.C. – Por que o título “Paraíso apagado por um trovão”? Recusa da nostalgia, ruptura e choque

como método poético? Se por um lado, o título me faz pensar isso, existem versos – que me levam

no sentido inverso - como: Entrega-nos o sono, a essa luz/tão de outrora, os ressurrectos/nomes dos

mortos.J.L.T. – O poemático é sempre a manifestação duma instabilidade. Daí que o mais importante não é

rastrear-lhe as significações, mas apreendê-lo enquanto aquilo que é. Poeta não é aquele que está

fora do mundo, mas o que demanda as fronteiras e os limites, atento aos vagidos da origem e aos

estertores do aniquilamento. A ruptura, nunca, neste livro, está anunciada enquanto projecto, mas

quem escava poços de sangue, revisita séculos de ignomínia e escassez, tem de encontrar um modo

apropriado de o fazer , nos dois movimentos tensionais do poema – o prospectivo e o arqueológico

- sob pena de soçobrar sob os escombros que tal fito acarreta.

TEXTO COMPLEMENTAR

15Capítulo 1

M.J.C. - António Cabrita salientou o teu livro como um “dos melhores primeiros livros de poesia” que

ele havia visto em anos. À luz desta afirmação, parece-me que há um laborioso trabalho oficinal e

uma maturidade que não é vulgar, nos poetas jovens. Como foi esse processo de crescimento entre

o início da tua escrita e a publicação deste livro? Isto é, quanto tempo amadureceste este livro?

J.L.T. –. Primeiro: não se é jovem poeta quando se publica aos 36 anos, com quase vinte anos de

escrita sistemática por trás. Não creio que se tenha chamado jovem poeta ao António Osório quando

em 1978 publicou o seu primeiro livro. Nem ao Manuel Gusmão quando em 1990 se estreou em

livro. Quando muito, serei um novo poeta, e assim me considero, pelo menos no âmbito da literatu-

ra caboverdeana. Segundo: este livro tem uma história curiosa – em determinado momento, aí por

meados dos anos noventa, relendo os meus poemas, com o fito de organizar uma colectânea, noto

que há um motivo que atravessa alguns daqueles poemas. É a partir desse momento que a ideia

deste livro se me impõe claramente, vindo a concretizar-se num conjunto de quarenta poemas em

prosa, que viria a destruir por considerá-los completamente falhados. Passado algum tempo, vou

visitar uma exposição da Graça Morais e vejo umas fotografias sobre Cabo Verde da Inês Gonçal-

ves, publicadas no suplemento de um jornal lisboeta. Estes dois acontecimentos viriam a constituir o

impulso detonador da retoma do projecto, vindo a saldar-se num conjunto de cerca de duzentos po-

emas que depois de retalhados, peneirados, montados – literalmente montados, com o uso da cola

e da tesoura, dado que só a partir do verão de 2003 passei a utilizar o computador – culminariam

no livro que o leitor tem entre mãos.

M.J.C- Suspeito aqui de muita leitura, muitas dívidas por pagar. Concordas?

J.L.T.- Nenhum poeta vem ou faz-se do nada. Desconfiai sempre do poeta que diz que não lê para

não ser influenciado por aquilo que lê. Não é, manifestamente, o meu caso – eu pratico uma espécie

de canibalismo poético, em que tudo aquilo que leio é digerido e transformado em carne (lin-

guagem) própria. Um autor só o é quando possui um individualidade própria e um timbre inequivo-

camente seu. No meu caso, se ainda não o encontrei, estou próximo disso, tanto que não temo que

os envios, glosas, citações, pastiches, sejam reconhecidos. Se dívidas há – de certeza que as há – é

no sentido de a leitura de todos os poetas me ter ajudado a ser o poeta que sou. E ser o poeta que

sou é a minha maneira de saldar essas dívidas.

M.J.C.- Mas esse processo de incorporação é lento, moroso. Foi fácil para ti encontrares essa indivi-

dualidade? J.L.T.- Claro que não é fácil encontrar a individualidade poética, nem estou certo de tê-la encontrado

já, porquanto, avesso a dogmas teóricos ou poéticos, o que me caracteriza enquanto poeta é uma

permanente disponibilidade para a mudança, mantendo, no entanto, aqueles traços mínimos que

permitem identificar um rosto.

M.J.C.- Que poetas se atravessaram mais no teu caminho?

J.L.T.- Para a formação de um poeta concorrem vários álveos, nem sempre fáceis de identificar. No

entanto, posso dizer que os meus processos de escrita devem muito à leitura dos textos teóricos e

poéticos do Ezra Pound, mesmo quando deles divirjo; Rilke é uma referência importantíssima; mas o

meu universo tem mais a ver com Nemésio, Seamus Heaney ou João Cabral de Melo Neto.

M.J.C.- Acaso se poderia encontrar na tua poesia a presença de um Herberto Helder? A força ima-

gética de alguns poemas sugere essa leitura.

J.L.T.- O rastrear de possíveis genealogias é um escrutínio a que está sujeito todo o poeta que publi-

que o seu primeiro livro. Herberto é, porém, para mim, uma referência e não uma influência. A sua

poesia é um dos lugares cimeiros de reinvenção desta língua que é minha, apesar dos tempos de

dieta metafórica que se vivem em Portugal; o seu «Photomaton&Vox» é o mais notável livro de teoria

literária que já se publicou em Portugal. A minha pulsão estilística, para meu desconsolo, corre por

leitos bem menos magmáticos.

M.J.C.- Sei que conheces muito bem a poesia portuguesa. Qual é tua opinião acerca da chamada «

nova poesia portuguesa»?

J.L.T.- Penso que a mais recente vaga de poetas veio quebrar alguns impasses que persistiam na

poesia portuguesa. Nalgum deles avulta, aliás, um conseguimento prosódico e formal notável. Não

devem é fechar-se num círculo em que o único critério é o de um gosto comum – não esqueçamos

que alguns destes poetas são também críticos de poesia – por um universo urbano em derrocada,

onde crescem as mais niilistas pulsões. O gosto é apenas uma via de acesso, não critério de juízo.

O juízo é de natureza estética, é esta que permite a universalidade do juízo. (Convém não confundir

questões de estética com questões de poética). Mas a necessária universalidade do juízo não pode

ser dada a partir de uma categoria vazia. Com isso se autorizaria o crítico a julgar a obra a partir de

um critério externo e pré-suposto. A verdadeira avaliação da obra é a consideração dinâmica que

dela se faz, isto é, o confronto da obra tal como ela é com a obra tal como ela própria queria ser.

16 Capítulo 1

M.J.C.- Encontras algum diálogo na poesia cabo-verdiana com os poetas portugueses?

J.L.T. – Nalguns poetas cabo-verdianos – e não são muitos – há rastos de leituras seminais de poetas

portugueses como Pessoa ou Jorge de Sena. Isso, porém, não é o mais importante. O que importa

é a boa poesia que ali se produz em português, e não só. É o caso do poeta João Vário que vem

produzindo essa obra monumental a que deu o título de «Exemplos», (indo já em doze volumes) à

semelhança da «Poesia Vertical» do argentino Roberto Juarroz. O que me surpreende é a quase nula

atenção que Portugal e Cabo Verde têm dedicado a esse notável criador. Espero que a atribuição

próxima do prémio Camões venha pôr cobro, ainda que tardiamente, a tamanha distracção.

M.J.C. – Acreditas na inspiração? Ou suspeitas dela?

J.L.T. – Eu não sei o que é a inspiração. Se for um estado de luminosidade interior tal que nos tor-

namos apenas instrumento do ditado, não; mas se ela é tomada no sentido de estar obsediado

pela coisa, à qual temos que dar expressão, aí sim, talvez a aceite. Sei, porém, que mesmo a mais

consciente deliberação pode ter na base um obrar subterrâneo completamente imperceptível, dando

razão àquele dito de Espinosa de que ninguém sabe o que pode um corpo. No meu caso, a inspi-

ração é procurada no trabalho metódico e continuado, avesso de qualquer benção divina, da qual

descreio.

M.J.C. - Este livro foi reconhecido pelo prémio Mário António da Fundação Calouste Gulbenkian.

Que significado tem esse reconhecimento para ti?

J.L.T. – Um prémio não transforma uma obra apenas estimável numa obra de mérito. Eu sempre

achei que tinha hipóteses, sem, no entanto, dar nada como adquirido porque, para além da subjec-

tividade própria dos elementos do júri, este prémio tem uma vertente institucional e de consagração

bastante acentuada. Tanto estava convicto dos méritos deste livro que, não tendo encontrado editor

para ele em Portugal, avancei para uma edição de autor, vindo a ter uma recepção crítica e de pú-

blico que nunca imaginei, nem mesmo nos meus sonhos mais coloridos. Há ainda o lado material,

que me vai permitir uma maior disponibilidade para os muitos projectos que tenho entre mãos e,

provavelmente, tornar mais fácil encontrar editor para os próximos livros.

M.J.C. – E que futuros projectos são esses?

J.L.T. – Dois livros de sonetos, sendo que um deles é a revisitação do universo de Paraíso apagado

por um trovão, um livro de ficção e um libreto.

M.J.C. - Faz sentido escrever livro de sonetos, actualmente?

J.L.T. – Tal questão pressupõe a distinção entre forma e formado, que em poesia não existe. Eu não

quero dominar uma fórmula e repeti-la ad nauseam. Depois de três livros escritos queria fazer algu-

ma coisa que me colocasse dificuldades novas. Nesse sentido, o soneto pareceu a opção adequada.

No entanto, bem vistas as coisas, esses poemas não são verdadeiros sonetos, mas contrafacções des-

ta forma clássica (nos momentos mais auto-reflexivos, avulta um irrefreável desígnio paródico), na

medida em que não me guio por um grande rigor métrico, mas sobretudo pela intuição prosódica.

Se formos ver, esses aspectos formais, como as assonâncias, as rimas internas, as cesuras, os enjam-

bements, ainda que de forma não sistemática, estão muito presentes na minha poesia. Perguntar se

faz sentido escrever sonetos hoje em dia, é como perguntar se faz sentido pintar paisagens, figuras

humanas ou naturezas-mortas depois do abstracionismo. Ninguém pode ser um inovador se não

tiver o mais alargado domínio da tradição.

M.J.C. – Como se dão o poeta e o ficcionista? Não são universos diferentes? A respiração entrecor-

tada do poeta não se atrapalha na ficção?

J.L.T. – Espero que não se atrapalhem.

M.J.C. - Sei que vives há quinze anos em Portugal. Podes afirmar que és um poeta caboverdeano?

Ou pode falar-se de um hibridismo, na tua obra?

J.L.T. – Sou poeta e sou caboverdeano. O ser caboverdeano está subsumido na condição de poeta.

Clandestino na ditadura do mundo, como o definiu Herberto Helder, o poeta nunca é de um só lugar,

de uma só língua, de uma só tradição. Híbrida e viajante é a sua condição, e, no meu caso pessoal,

ainda mais, em decorrência do ethos, das peculiaridades históricas e do longo afastamento do solo

pátrio.

M.J.C. - Por isso a melancolia do teu livro? Nostalgia como matriz fundamental?

J.L.T. – Eu não coloco as coisas em dois planos: um, da anterioridade vivida, outro, da posteridade

rememorada através da escrita. É evidente que há imagens, sons, cheiros, cores pregnantes, mas se

a memória é o lugar onde as coisas acontecem pela segunda vez, na arte é o lugar onde acontecem

pela primeira vez. Não é o plano do vivido, da Erlebnis, mas o plano da linguagem e da invenção

que importa. Doutro modo, estaríamos a colocar a criação poética na dependência de um modelo de

que ela seria apenas um eco contrafeito.

17Capítulo 1

M.J.C. – O poeta é, portanto, um taumaturgo, aquele que cria pela palavra?

J.L.T. – Estás a dizer que escrever um poema é análogo ao fiat lux divino? Em todo o caso, eu tento

situar-me, pelo menos teoricamente, no plano da pura imanência, de modo a que a experiência da

forma e do sentido surja liberta da influência do teofânico.

M.J.C. – Do que falas quando referes o ethos do poeta? Que função é a da poesia? Advertência?

Insubmissão?

J.L.T. – A arte, dado que ela é poesia na sua essência poetante, é a única figuração possível da exis-

tência, na medida em que o vivido comporta uma opacidade que só a distância artística pode ilumi-

nar. Daí o seu carácter paradoxal: a arte tem de se afastar da vida para poder ser a sua expressão

mais autêntica, ao mesmo tempo que mergulha nela constituindo-a como seu substrato. No entanto,

em tempos de indigência, a missão do poeta é poetar sobre a vocação poética e sobre a essência da

poesia. Ele é quem faz as perguntas fundamentais, e é o único dentre os mortais que pode descer

aos abismos onde repousam os deuses foragidos.

M.J.C- Mas haverá ainda um lugar para o poeta na polis?

J.L.T- O poeta é um sismógrafo que detecta, regista as mínimas oscilações; vê aquilo que ninguém

mais pode ver, não que seja um iluminado em sentido órfico, mas porque há nele uma clarividên-

cia amarga e triste, e uma secreta intimidade com as coisas e os seres. Platão, que não era parvo

nenhum, compreendeu bem a natureza da poesia – por isso a exilou da sua cidade ideal. Nessa

condenação há um aspecto decisivo que não tem sido convenientemente explorado – o de que a

soberania só reina sobre o que é capaz de interiorizar. Ainda hoje, cada ataque, cada mau juízo,

apenas repetem os ecos dessa condenação primeira. Mas quer pensemos em termos de fundamento

(Heidegger), quer em termos de afundamento (Deleuze); quer de um ponto de vista axiológico, quer

de um ponto de vista ontológico, a poesia está sempre primeiro, porque sendo doação, fundação e

excesso, comporta em si o carácter não mediatizado a que chamamos o princípio.

M.J.C. – Aqui toca-se um aspecto caro à relação arte/vida. Concordas com a necessidade de um

afastamento entre arte e vida? Isso não acarreta um desdobramento ou o contrário é que pode

trazê-lo?J.L.T. – No acto da criação, tem que dar-se a dissolução do sujeito empírico ou trivial, para que haja

uma intensificação de forças – que o transforma em sujeitos fictícios – transportando-o para além do

plano da existência comum. Há sempre um devir múltiplo no acto da criação estética.

M.J.C. – O poema deve, então, ser entendido como instância dramática?

J.L.T. - Desde os antigos gregos, pelo menos, que sabemos que toda a poesia é dramática. Assim a

entendeu Goethe, e também o modernismo, para quem o sujeito elocutório do poema é uma más-

cara (persona), uma personalidade assumida pelo poeta para através dela veicular uma identidade

que, na sua distanciação, expressa ideias cuja existência se objectiva no plano do poema, sem uma

correspondência necessária com qualquer extravasamento da subjectividade pessoal do autor. A

literatura, como intuiu Deleuze, só começa quando nasce em nós uma terceira pessoa que nos des-

poja do poder de dizer eu.

M.J.C. – Portanto, já não é o poeta que fala, mas um eu cindido.

J.L.T. – Exactamente. Em Hegel, por exemplo, a auto-consciência era a verdade da certeza de si

mesmo. Hoje apenas significa a reflexão do eu como perplexidade, como percepção da impotên-

cia – saber que nada se é. É desta impossibilidade de dizer eu (o eu da escrita é imanente à obra;

constitui-se pelo acto da sua linguagem), deste estilhaçamento do sujeito que nasce a arte.

M.J.C. – As imagens poéticas que utilizas são muito intensas, como que procurando um correlato pic-

tórico visceral. Outro aspecto é o modo como tangencias um certo surrealismo poético. Concordas?

J. L.T – Eu não lhe chamaria surrealismo – aliás, a minha técnica poética é exactamente o contrário

daquilo que convencionalmente se designa por esse nome – porque essas etiquetas são sempre

perigosas. Posso dizer, no entanto, que há um processo de saturação, uma espécie de exasperação

verbal que rompe com a gramática e faz a língua gaguejar. O professor Alberto de Carvalho, da

faculdade de letras de Lisboa, deu-se conta desse processo mas não conseguiu vislumbrar-lhe o

alcance.

M.J.C. – Para além da abundância imaginativa, há o uso de vocábulos raros, outros já mesmo desa-

parecidos, que conferem uma certa elevação aos motivos mais triviais e corriqueiros.

J.L.T. – O ideal de grandeza e de elevação, que na arte é sempre um elemento ideológico, foi destruí-

do desde que Van Gogh pintou uma cadeira e uns simples girassóis. A partir daí tornou-se manifesto

que autenticidade depende tão pouco da grandeza suposta ou real do objecto da arte. Foi como que

o abandono de uma estética do tema em favor duma estética da expressão. Este é um dos perigos

18 Capítulo 1

2.14 mario fonseca a minha terra tão pequenaque cabe inteiradentro de um poema como este.

2.15 onésimo da siLveira

que espreita este livro, e para o qual não me canso de chamar a atenção. O que é decisivo na arte

não é a imaginação tout court, nem sequer a imaginação criadora, a que damos o nome de fantasia,

mas a sua configuração. É o domínio dos meios de expressão (que não é prévio ao expresso) que

confere grandeza ou menoridade ao artista.

M.J.C. – Esta é uma visão claramente formalista.

J.L.T. – Não, não é. A não ser que estejas a pensar na forma como estrutura externa que é colocada

sobre um material inerte. Há uma co-determinação entre estes dois aspectos. A matéria da arte só é

enquanto matéria formada, o seu devir-arte; e a forma só é significativa enquanto rosto plangente

da obra. E, no entanto, é evidente que sem aquele elemento de espiritualidade imanente seria puro

artesanato.

M.J.C. – Voltemos um pouco atrás, para terminar: não é inevitável que a língua regresse sempre ao

balbuciar de cada vez que é retomada pelo poeta?

J.L.T. – Cada poeta funda uma língua particular dentro da língua que é a sua. O acontecimento po-

ético, melhor: o acto poético, como acto abismal, abala a língua pragmática nos seus fundamentos

despojando-a do poder da conjunção. Daí que a linguagem poética não é a mais elevada, mas a

mais rasteira, por estar perto do princípio e da origem. Este ponto de vista relaciona-se com dois

outros expendidos anteriormente. Primeiro: a verdade poética é uma verdade instável, sempre liga-

da ao seu acontecimento. Segundo: embora assumindo-se como fundamento, nega-se enquanto tal,

devido ao seu carácter abismal.

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Mario Fonseca.

NasceunaPraia(SantiagodeCaboVede),emno-vembrode1939.Poeta,ensaísta,professor.Licen-ciadoemLetraspelaUniversidadedeDakar.Exi-ladoem1964.Participadeváriasantologias,entreelas:“Apoesiaafricanadeexpressãoportuguesa”editada por Pierre Jean-Oswald; “Na noite grávi-dadepunhais”,organizadapeloangolanoMariodeAndrade;“NoreinodeCalibanI”,organizadapelo crítico Manuel Ferreira. Dos seus poemas,destacamos“Sortilégio”:

mistérios sem mistériosque ficarão mistériosmais insondáveisque o universopelo qual não troco

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Onésimo da Silveira.

NasceuemMindelo(IlhadeSãoVicente).Poeta,di-plomata;asuapoesiatrazumaatmosferadelirismoerealidadesocial,comosugereopoema“Aságuas”:

A chuva regressou pela boca da noiteDa sua grande caminhadaQual virgem prostituídaLançou-se desesperadaNos braços famintos das árvores ressequidas!

(Nos braços famintos das árvores ressequidasQue eram os braços famintos dos homens...)

19Capítulo 1

Derramou-se sobre s chagas da terraE pingou das frestasDo chapéu roto dos desalmados casebres das ilhasE escorreu do dorso descarnado dos montes!

Desceu pela noite a serenarA louca, a vagabunda, a pérfida estrela do céuAté que o olhar brando e calmo da manhãNum aceno farto de promessasRessurgiu a terra saradaRessumando a fartura e a vida!

Nos braços das árvores...Nos braços dos homens...

2.16 oswaLdo aLcântara (Pseudônimo de baLtazar LoPes da siLva)

A minha principal certeza é o chão em que se ama-chucam os meus joelhos doloridos, mas todos os que vierem me encontrarão agitando a minha lanterna de todas as cores na linha de todas as batalhas.

2.17 ovídio martins

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Oswaldo Alcântara.

NasceunailhadeSãoNicolau.Advogado,poeta,romancista,filosofo.Ativistanalutapelaindepen-dênciadeCaboVerde,elefundoucomosoutrosescritoresmilitantesaRevistaClaridade.Dosseusescritos,destacamosopoema“Ressaca”:

Venham todas as vozes, todos os ruídos e todos os gritos venham os silêncios compadecidos e também os si-lêncios satisfeitos; venham todas as coisas que não consigo ver na su-perfície da sociedade dos homens; venham todas as areias, lodos, fragmentos de rocha que a sonda recolhe nos oceanos navegáveis; venham os sermões daqueles que não têm medo do destino das suas palavras venha a resposta captada por aqueles que dispõem de aparelhos detentores apropriados; volte tudo ao ponto de partida, e venham as odes dos poetas, casem-se os poetas com a respiração do mundo; venham todos de braço dado na ronda dos pecadores, que as criaturas se façam criadores venha tudo o que sinto que é verdade além do círculo embaciado da vidraça... Eu estarei de mãos postas, à espera do tesouro que me vem na onda do mar...

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Ovídio Martins.

NasceuemSãoVicente,noanode1928.Poeta,jornalista.OseunomeestáligadoaosmovimentossociaisnalutapelaindependênciadeCaboVerde.Noexílio,escreveupoema“Medo”,doqualextraí-mososseguintesversos:

Ah sem este sonho ingratode reduzir a distância!Meus gestos perdi-osno aceno do marMeus olhos cansei-os no afago das ondasE agora este medo desesperadode ter o sonho na palma da mãoe sem gestos para o acariciare sem olhospara o deslumbramento

2.18 Pedro cardoso

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Pedro Cardoso.

20 Capítulo 1

Nasceu na cidade da Praia. Professor, poeta, ga-nhouvisibilidadetambémnocampojornalístico.Publicousonetoseredondilhas.Nocampodapo-líticafoidefensordoexcluído,especificamentedoafricano.Opoetaevocaagrandezadasuaterrana-tal, sua terra crioula, como sugeremos seguintesversos:

A minha pátria é uma montanhaOlímpica, tamanha!Do seio azul do Atlântico brotadaE aos astros com vigor arremessadaPelo braço potente do Criador,Sobranceia cem légua em redor.

2.19 vaLdemar vaLentino veLHinHo rodrigues

Conhecido nomeio literáriocomo Valenti-nous Velhinho,essepoetaéautordo livro “O Tú-mulo da Fênix”;livro consideradocomumdosmaisenigmáticos noâmbito da poesiacontemporâneade Cabo Verde.Segundo a crítica especializada, Valentinous Ve-lhinho traz uma poesia repleta de questões me-tafísicas e indagações ontológicas. Valentinousvelhinhoparticipadeváriasantologias;entreelas“Mirabilis–develasaosol”.NaopiniãodocríticoRicardoRiso,Velhinhoconsolidaem“OtúmulodaFênix”:

“oseuplenodomíniodapoesia,apresentandoospoemasemdiversasmanifestações estético-formaisque valorizamaindamaisa sua singularedesconcertante filosofia,quetemcomotemasrecorrentesamorte,osuicídio,aloucu-ra,arecriaçãodetemasbíblicoseaexploraçãocriativadecânonesdaculturaocidental.Fielusuáriodaversificaçãolivre,opoetanavegacomdesenvolturapelabrevidadedosdísticosetercetos(comforteressonâncianoshai-kais),as-simcomoemlongospoemascomdiversasquadraseaou-sadiadeexploraroslimitesdapoesiaemprosa.Umapoe-siaquesurpreendepelavirulênciaepeloinusitadodesuasimagens,peloespantodareformulaçãodesignificantesemumalinguagemsurreal,porvezesparadoxal,deumpoetaquevivenciaaprópria insularidadedentrodopanoramaliteráriocabo-verdianoconfigurando-secomoumdosseus

maiscriativosartífices”(RISO).

2.20 vera duarte

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Vera Duarte.

NasceuemMindelo.Poeta.FezocursodeDireito,emPortugal.Nesse país, foi agraciada, em1995,peloentãoPresidenteMárioSarescomo“PrêmioNorte-SuldeLisboadoConselhodaEuropa”,porsuas atividades atreladas aos Direitos Humanos.Membro de várias associações da sociedade civilemCaboVerde,entreelasaAssociaçãodeEscrito-resCaboverdeanos.PublicoupelaKitabuLivrariaNegra,olivro“Acandidata”(romance)queétam-bémseuprimeirolivroeditadonoBrasil,(Nandya-laLivrariaeEditora).Aseguir,umexemplodoseufazerpoético,em“Desejos”(Cf.ositedeAntonioMiranda):

Queria ser um poema lindocheirando à terracom sabor à cana

Queria ver morrer assassinadoum tempo de lutode homens indignos

Queria desabrochar- flor rubra –do chão fecundado da terraver raiar a aurora transparenteser ribeira d’julionem tempo de São Joãonos anos de fartura d’espiga d’midje

E serrisoflorfragranteem cânticos na manhã renovada

atividade critica/refLexiva |Debaterassemelhançaseasdiferençasnapo-esiadobrasileiroManoelBandeira eo cabo--verdianoOswaldoAlcântara.

21Capítulo 1

fórum temÁticoArelaçãoentremúsicae literaturacabo-verdianaemManuelLopes

gLossÁrio

Caboverdianidade – na sociologia moderna, essa ex-pressão tem origem no movimento negro de libertação, de Aimé Césaire e Léopold Senghor; sugere também a consciência de pertencimento a um determinado lugar. Daí a noção angolanidade e moçambicanidade, entre outras.

ethos – palavra de origem grega; significa caráter. Na Antropologia, significa: característica comum a um grupo de indivíduos pertencentes a uma mesma sociedade.

hermenêutiCa – Arte de interpretar os livros sagrados e leis: hermenêutica sagrada; teoria da interpretação de vá-rios sinais como símbolos de uma cultura.

insalubridade – o que é prejudicial; o que não é saudável.

Paratexto – em linguística, significa uma possível zona de fronteira que define os contornos do texto e o institui como obra.

referÊncias

ABDALLA JR. História social da literatura portu-guesa. São Paulo: Ática, 1994.

BUALA – Cultura contemporânea africana. Dis-ponível em:<http://www.buala.org/ pt/cara--a-cara/corsino-fortes-e-sua-poetica-semea-dora-da-cabeca-calva-de-deus>. Acesso em: 8.nov.2012

CANTINHO, M. José. Entrevista com José Luís Tavares. Disponível em: <http:// www.s torm-magazine.com/novodb/arqmais.php?id=290&sec=&secn>. Acesso em 10.nov.2012.

FAUNDEZ, Antonio. A expressão da escrita na África e na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.

FORTES, Corsino. A cabeça calva de Deus: Pão & fonema; Árvore & tambor; Pedras de sol & substância. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2001, p. 37-39.

LARANJEIRAS, Pires. Literaturas Africanas de Ex-pressão Portuguesa. Vol. 64. Lisboa: Universi-dade Aberta, 1995, pp.180-185.

resumo

No campo da literatura africana de lín-gua portuguesa, os estudiosos regis-tram seis períodos literários em Cabo Verde. Essa periodização não está dis-sociada do contexto histórico, pois a relação entre literatura e sociedade pode nos aproximar não somente dos aspectos caracterizadores; mas de ex-periências relevantes que a poesia e a prosa cabo-verdiana nos oferecem. Nessa perspectiva, o 1º período tem início com a publicação (em Lisboa) do romance “O escravo”, escrito por José Evaristo d’Almeida, em 1856. O 2º Período vai de 1926 a 1935, no qual vigorou o caboverdianismo, caracteri-zado como “regionalismo telúrico”; nes-se período, alguns textos se expandem para uma atmosfera muito próxima do Naturalismo. O 3º Período principia em 1936 (ano da publicação da revista Claridade) e vai até 1957, com os neo--realistas da Revista Certeza, em 1944. O 4º Período - de 1958 a 1965 - traz o Suplemento Cultural. Nesse período, se assume uma nova postura que, por não desdenhar o credo negritudinista, se pode apelidar de caboverdianitude. O 5º Período – entre 1966 e 1982 – corresponde ao “universalismo” assu-mido, sobretudo por João Vário, quan-do o PAIGC (acoplando forças políticas de Cabo Verde e da Guiné-Bissau), já envolvido, desde 1963, na luta armada de libertação nacional. O 6º Período - de 1983 à atualidade – é marcado por uma fase de contestação, comum aos novos países africanos de língua portuguesa. Gradualmente, vai se afir-mando um tempo de “consolidação” do sistema de libertação política e literária.

22 Capítulo 1

MIRANDA, Antonio. Poesia africana. Disponível em;< http://www. antoniomiranda. com.br>. Acesso em: 10.out.2012.

RISO, Ricardo (org.). Revista África e africani-dades - Ano IV - n. 13 – Maio. 2011 – ISSN 1983-2354. Disponível em: <http://www.africaeafricanidades. com/ documentos/ AN-TOLOGIA-CABO-VERDE.pdf>. Acesso em; 9.nov.2012.

SECCO, Carmen Tindo; SEPÚLVEDA, Maria do Carmo; SALGADO, Maria Teresa Salgado (orgs.). África & Brasil: letras em laços. Vol. 2. São Paulo: Yendis Editora, 2010.

______. África & Brasil: Letras em laços. Rio de Janeiro: Atlântica Editora, 2000.

23Capítulo 2Capítulo 2Capítulo 2

1. 1. o universo narrativo em cabo verde

EsteCapítulotratadanarrativacabo-verdiana.Bomseriaquetivéssemos,aqui,tempoeespaçosuficienteparaabordarouniversonarrativo(datradiçãooraleescrita)eariquezadamúsica,dança,teatro,cinema,pinturaeoutrasexpressõesartísticas. Todavia, cabe-nos apresentar uma seleção de narrativas das origensàatualidade,quecontribuíramecontribuemparaoprocessodeformaçãodocabo-verdiano.Aqui,também,dedicamosanossaatençãoàsnarrativasqueestãoinseridasnoquadrodosmovimentosderesistênciae“asmodernasliteraturas”,destacando(porordemalfabética)osautores,asautorasconsiderados(as)maisrepresentativos(as).Comrelaçãoàliteraturaescritapormulheres,creioserim-portante salientar que, emCaboVerde – a exemplodeAngla,Moçambique,GuinéBissaueSãoToméePríncipe–amulhervemconquistandoseuespaçoemostrandooserpluralqueé:corajosa,combatente,guerreira,amante,mãe,pensante,contadoradehistóriaou,comodiriaasensaístasbrasileirasMariadoCarmoSepúlvedaeMariaTeresaSalgado(2000,p.330):nasliteraturasafricanasdelínguaportuguesa,asmulheres“[rompem]asamarrasdodomíniomasculinoe[afirmam-se]como[representanteslegítimas]deumavozqueultrapassaosli-mitesdosexo”.

Literatura em cabo-verde (narrativa)

Profa. Drª. Maria das Graças Ferreira GraúnaCarga Horária | 15 horas

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Cabo Verde - Fotografia de Luis Couto

24 Capítulo 2

1.1 o contador de Histórias em arménio vieira

Arménio Vieira -nasceunacidadedePraia.Jor-nalista,poeta (cf. capítulo1,deste volume).Essecabo-verdianoétambémficcionista.Entreficçãoepoesia,publicou:em1981,Poemas,ColeçãoCân-ticoGeral;em1990,oromance“OEleitodoSol”;1998-Poemas(reedição);em2006,MITOgrafiaseem2009–o“OPoema,aViagem,oSonho”.

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Arménio Vieira

Fazendo-se passar por neto do sumo sa-

cerdote, chama a atenção do Faraó Ame-

nófis XXVIII sobre si, a ponto de se lhe dis-

pensar um acompanhamento particular.

Conseguindo ganhar uma grande fama e

destaque ao se proclamar escriba, pintor,

médico, feiticeiro e contador de estórias,

através de inúmeras acções exitosas, acaba

por ganhar a confiança do governador de

Karnak, Ramósis, braço direito do Faraó,

que o nomeia comandante da sua força, no

ponto mais nevrálgico da invasão. Tendo,

aí, vencido a batalha, organiza um exército

de mercenários com o oiro e os despojos

capturados, entra em Mênfis e retoma aos

hititas o império dominado. É proclamado,

então, pela população, guia vitalício e, de-

pois, Faraó. Como descendente de Akena-

ton, o Herisiarca, retoma o culto de Aton,

as suas obras e, inclusive, o próprio nome.

Em síntese, seria essa a estória d’O Eleito

do Sol, a qual se encontra, entretanto, bas-

tante condimentada com diversas façanhas

e peripécias picantes, tais como: “o hurro

de morte da Esfinge”; “o velho feiticeiro do

Baixo Egipto”; “a campanha contra os ra-

tos azuis”; “a invocação do Divino Toth”; “a

cura da bela Hatshepsut transformada em

homem”; “a iminente luta com o bruxo Ne-

cromante”; “os combates com um gladiador

núbio, um boi e um leão”; “a interpretação

de um fenómeno cósmico que preocupa o

Faraó”; “a sua nomeação a condestável do

império”, etc.

Claro que, como obra literária, e, portan-

to, como algo criado, imaginado, O Eleito

do Sol evidencia-se pela subversão que os

factos históricos ganham ao longo da sua

narrativa, que vai desde a mudança dos

nomes e dos títulos até à flagrante subver-

são das estórias contadas pelo vencedor da

esfinge à divina Hatshepsut, talvez com a

intenção de mostrar como deve ser visto o

enredo dessa história egípcia, pois, como

disse o outro, “ler e recitar a letra qualquer

um pode fazer – basta que tenha memória –,

mas divisar por trás dela o vulto imenso do

espírito, isso é dado a poucos, porque mui-

tos são os que olham e não veem, escutam

e não ouvem, falam mas não dizem nada.”.

TEXTO COMPLEMENTAR

Notas sobre o ”O eleito do sol”, (Cf. SOCA,

2012)

Quem é O Eleito do Sol?

O protagonista d’O Eleito do Sol é um escri-

ba aventureiro que foi expulso da confraria

dos escribas por ter criticado um alto oficial

do governo, o titular da pasta de Educação.

Encontrando-se no desemprego, urde toda

uma trama para ascender ao trono, apro-

veitando-se da situação crítica, quase caó-

tica, em que se encontrava o império, com

ameaça de invasão dos hititas por todos os

lados, mais a rebelião interna dirigida por

inúmeros partidos.

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1.2 cHiquinHo: um cLÁssico da Literatura cabo-verdiana

Baltazar LopeséomesmoOswaldoAlcântara(Cf.capítulo 1, deste livro); cabo-verdiano contista epoeta;autordeensaiossobreculturaeetnologia.Apósoseu falecimentoem1992,ogovernoren-

25Capítulo 2

deu-lhe home-nagem impri-mindo o perfildesse escritornanotade500escudos e reti-rada de circu-laçãoem2008.Baltazar Lopesescreveu umaúnica novela:“Chiquinho”;escritoem1947,esse livroéconsi-derado clássicono campoda literatura realista edachamadaculturacrioulaemCaboVerde.Dessanovela,apresentamosumasíntesedoscapítulos1a8,aseguir:

ilustre dessas noites; Nha Rosa Calita uma velha com aspecto de Camões por lhe faltar um olho. Contudo essas histórias continham lições da vida moral, servidas de ensinamento para os meninos.

Capítulo 4Com base na leitura, o quarto capítulo centra a sua atenção em Pitra Marguida, afilhado do pai de Chi-quinho; era um homem trabalhador, criador dos animais, sobretudo na sua maneira de ser. Na au-sência do padrinho, era considerado o homem da casa. Por outro lado, há uma razão pela qual este abandonou a casa do padrinho, quando Zepinha (animal) engravidou, por essa razão houve uma zan-ga de Pitra e Mamãe.

Capítulo 5Esse capítulo traduz-se em três ideias chaves; a ami-zade de Chiquinho com Nhô Chic´Ana, amigo da família, no qual a sua avó e Nhô Chic´Ana faziam recordações dos tempos antigos, assim como o arre-pendimento de Nhô Chic´Ana na troca da vida de marinheiro para ser agricultor.

Capítulo 6O auto, neste capítulo, fala de Toi Mulato, um ra-paz humilde que cativava o gosto pela paz e harmo-nia entre os amigos. Esse amigo de Chiquinho era diferente dos outros meninos, pois estava atento às histórias de Nhõ João Joana, e o sonho deste em ter uma tatuagem no peito igual ao de Nhõ João Joana.

Capítulo 7Faz-se referência do surto de duas doenças, Ventona e Cólera, que assolaram a ilha provocando muitos mortos e fuga da população para outras regiões. Ou-tro assunto é a escravatura relatada neste capítulo, um período em que muitos negros aportaram nessa ilha e, com a lei de alforria, muitos foram aqueles que prosperam com a sua liberdade, por outro lado aqueles que morreram miseráveis.

Capítulo 8O autor fala do seu tio Joca quando vinha à Calei-jão visitar os parentes, nunca deixando de lado as suas travessuras, o que deixava a mãe deste furiosa. Dessa vez, ele trouxe consigo um rapaz para receber a bênção da avó, mas esta ralava-se por seu filho ter muitos filhos. O assunto importante nesse capítulo foi a bebedeira do tio que não parava, e a família, não querendo ver Joca nessa situação, deitaram-lhe algo na bebida de modo que ele deixa-se esta vida, mas, ao aperceber-se dessa situação, pegou o filho e saiu em direcção à Praia Branca apesar de deixar de lado a bebida.

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Baltazar Lopes

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Livro de Baltazar Lopes.

Capítulo 1Esse capítulo centra-se na volta da infância vivida por Chiquinho em sua terra natal; São Nicolau. Ele refere em que condição foi construída a casa, em Caleijão, com também acontecimentos ocorridos no seio familiar (partida do seu pai para América, responsabilidade da mãe na criação dos filhos, a doença da avó e as aventuras dos meninos na casa desaguada).

Capítulo 2Ele refere principalmente a seca ocorrida em 1915, realçando-se como motivo do embarque do pai para América no intuito de procurar uma vida melhor para o sustento da família, além da morte da irmã. Também ele recorda com tristeza a partida do pai e a influência deste no seio da comunidade de Ca-leijão, apesar de não possuir qualquer formação académica.

Capítulo 3Este capítulo baseia-se nas histórias contadas nos serões pela contadeiras, com abordagem da figura

26 Capítulo 2

PROBLEMATIZAÇÃO

“Na passagem da cultura oral para a cultura escrita, é absolutamente necessário que se estabeleça um

diálogo entre as duas para criar uma nova que seja o resultado dos conhecimentos positivos de cada uma

delas. Esse diálogo deve ser criativo, crítico e permanente para superar e não para destruir.”

(FAUNDEZ, 1994, p.177).

1.3 o temPo da memória em dina saLústio

deumamaldiçãoquecarrega,paraqueasuafamíliaeasuaterranãosepercamnomeiodeumeclipsedotempo.Umtemposemdianemfilhosounoite: semriso,ódio,ventooumulher;semcarnavalnemhomem;sememoçãoeamigosouomardeumabaíaclara.Parasalvá-la,anetateráqueabandonaraprópriahistóriaparacumprirodes-tinoqueaavónegaramilharesdegeraçõesatrás.QuandoSusanesoubedopedido,teveumataque,possivelmentedefúria,quemsabederiso,talvezdechoro.Não,naverdade–conformeavelhaamafalou–“deu-lheumacoisaecaiuparaochão.

atividade critica/refLexiva |Pesquisaracercadarelaçãoentrepoesiaenar-rativaemDinaSalústioeVeraDuarte.

1.4 Literatura e denúncia em

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Livro de Dina Salústio.

NaturaldeCaboVerde,Dina Salústiotambémépoeta(Cf.capítulo1,destelivro).NasceunaIlhadeSantoAntão,noanode1941.Entreaspubli-cações constam:Mornas eram as noites, contos,1994;A Louca de Serrano,romance,1998;Estrelinha Tlim Tlim, infanto-juvenil, 2000; Violência contra as Mulheres,estudo,2001;O que os olhos não veem,infantojuvenil, coautora com Marilene Pereira,2002;Cabo Verde, 30 anos de edições – 1975/2005,catálogoenciclopédico,2005.Acontracapadoli-vro“Filhas do vento”trazaseguinteinformação:

Estápresenteemalgumasantologias cabo-verdianasees-trangeiras.A suaescrita foi jámatériadeváriosestudos,destacando-seduas tesesdemestradoeduasdedoutora-mento,alémdealgunstrabalhoscientíficosligadosqueràsuaprosaqueràsuapoesia.SóciafundadoradaAssociaçãodosEscritoresCabo-verdianos.1ºPrémioemliteraturain-fantojuvenil(1994),CaboVerdee3ºPrémioemliteraturainfantojuvenildosPALOP,PaísesAfricanosdeLínguaPor-tuguesa(2000).GalardoadapeloGovernodeCaboVerdecomaOrdemdoMéritoCultural(2005).

“FilhasdoVento”narraarelaçãodeumameninacomaavó,umfantasmaquevivedentrodeumlivro.Atormen-tadaporumcrimequecometeu,pedeànetaquealivre

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540

Cartaz do filme “Testamento do Sr. Napumoceno”.

germano aLmeida EscritornaturaldailhadaBoavista,Germano Al-meidanasceuem1945.EmLisboa,formou-seemDireitonaUniversidadeClássica.VivenaIlhadeSãoVicente,ondeexerceaadvocacia.Escreveuosseguinteslivros:

•O meu poeta(romance),em1990;•O dia das calças roladas(ensaio),1992;•A ilha fantástica(narrativa),em1994•Os dois irmãos (romance),1995;•A família Trago(romance),em1998;•A morte do meu poeta(romance),em1998;•As memórias de um espírito(romance),em2001;•Viagem pela história das ilhas(investigaçãohistóri-

ca),em2003;•Mar da Laginha(romance),em2004;•Eva(romance),em2006.

27Capítulo 2

Colaboradorda“RevistaPonto&Vírgula”,oromancistaGermanoAlmeidaenelasedestacoucomoro-mancista,comolivro“OtestamentodoSr.NapumocenodaSilvaAraújo”,publicadoem1989.Essaobrafoiadaptadaparaocinemacomparticipaçãodeatoresbrasileiros(Cf.ocartazacima).Paraumaleitura

TEXTO COMPLEMENTAR

Resenha do livro “O testamento do Sr. Napumoceno”

“Mas neste momento penso que era sobretudo um homem que foi apanhado pelas coisas. De-

sembarcou descalço em São Vicente e não só comprou sapato como enriqueceu. Mas acho que

ele mesmo nunca soube como nem por quê, embora seja verdade que era inteligente e tinha uma

sorte danada. Mas penso que sempre receou voltar ao Napumoceno de São Nicolau.” Germano

Almeida)

A metáfora não poderia ser mais adequada, um testamento cerrado, carta sigilada que, após a

morte do protagonista testante, confidencia seus deslizes, dá nome à filha ilegítima e revela uma

vida sem as máscaras impostas ou assumidas na trajetória do próspero homem de negócios.

Sr. Napumoceno da Silva Araújo, solteirão de hábitos ponderados e muitas manias, deixa como

legado uma carta de trezentos e oitenta e sete laudas, escrita dez anos antes de sua morte. A vida

do homem que enriqueceu com a venda de dez mil guarda-chuvas num país onde a seca impera e

que continuou a aumentar seu patrimônio com o “sistema de compra-venda-lucro, nada de caixa,

razão e outras leviandades afora as estritamente necessárias”, é descerrada pela filha Maria da

Graça, fruto de suas investidas na mulher da limpeza, dona Chica, no tampão da secretária estilo

Luís XV. Graça, instituída herdeira universal, busca nas palavras e nos pios legados deixados à

ex-amante Adélia, ao primo Carlos e à empregada dona Eduarda, conhecer o pai póstumo, seus

amores e seus ódios.

Numa narrativa abarcante, o escritor cabo-verdiano Germano Almeida nos apresenta os mundos

paralelos, as hipocrisias sociais, a ingratidão e a luta desesperada do menino de pés descalços

que vai para São Vicente fazer a vida, enriquece e, apesar de suas conquistas, passa a vida no

limbo das classes sociais sem reconhecer a sua origem no pobre menino oriundo de São Nicolau

ou ser aceito pela elite local nos clubes aristocráticos.

O sobrinho Carlos foi morar com o tio ainda menino. Decepcionou-o quando não mostrou aptidão

pelos estudos na juventude, pois o Sr. Napumoceno considerava que somente os livros e a escola

faziam os homens. Contudo, quando teve oportunidade, demonstrou um excelente tino comercial,

ampliando e “desburocratizando” ainda mais os negócios do tio. Carlos recebeu a carta com o

último pedido do morto: ser enterrado com a marcha fúnebre de Beethoven e o atendeu mesmo

tendo sido afastado da condição de membro da família. Sr. Napumoceno deixou-lhe como legado

apenas um pardieiro para sua velhice.

A relação ambígua marca a extensão da gratidão e do ódio. Carlos conhecia a história do tio,

como ele também fora um menino descalço vindo de São Nicolau. Esse fato era suficiente para o

Sr. Napumoceno perceber a zombaria em seu olhar e tê-lo sempre sob escorreita vigilância.

Sr. Napumoceno gostava da pobreza envergonhada, de ser o protetor das várias pessoas que

batiam em sua porta e lhes rendiam os frutos de uma eterna e humilde gratidão. O homem de

negócios bem-sucedido precisava ser generoso para se redimir de ter enriquecido com a desgraça

de milhares de cabo-verdianos.

Assim como a vida do homem revelada após a sua morte e com a tentativa dos órfãos de buscarem

motivos para idolatrarem ou desmitificarem a história de sua ancestralidade, são as obras dos

governos que só mostram seus verdadeiros legados depois de terminados e com cartas sibiladas

que, muitas vezes só serão compreendidas após muitas buscas e testemunhos.

Germano Almeida alinhava com ironia e sarcasmo uma narrativa ímpar que prende a atenção do

leitor do primeiro ao último capítulo. (SUT HELENA, 2008)

28 Capítulo 2

complementar, eis uma resenha extraída do site“Palavrastodaspalavras”(2008):

ção do rumo do comércio internacional e nacional. A significação da ruína daquela família é constru-ída no conjunto dos três romances que compõem a trilogia, pela mediação do olhar dos narradores e das personagens sobre a mudança irrevogável da sociedade. As reflexões críticas, sociais e políticas sobre meio século de história da ilha do Fogo, teci-das ao longo das narrações reenviam para um vasto conjunto de uma referências espácio-temporais, associadas a uma realidade sócio-histórica anterior e exterior à escrita do romance, assegurando algu-ma conformidade com o domínio exofórico. (Cf. BRITO. Universidade Aberta. Disponível em: <http://pt.scribd. com/ doc/48275067/> Acesso em nov.2012)

atividade critica/refLexiva |Problematizar a relação Cinema e literaturaem Henrique Teixeira de Sousa e GermanoAlmeida

1.6 o neo-reaLismo em manueL LoPes

1.5 Literatura e cinema em Henrique teixeira de sousa

Henrique Teixeira de Sousa-escritoremédicocabo--verdiano.PublicouváriosescritosnasRevistasCer-tezaeClaridade.Escreveu“CapitãodeMareTerra”;“Xaguate” (segundode trilogia); “Djunga”; “NaRi-beiradeDeus”(terceirodetrilogia);“EntreduasBan-deiras”; “OhMardasTúrbidasVagas” eo clássicoromance(trilogia)“IlhéudeContenda”queganhaastelasdocinema,numaadaptaçãodeLeãoLopes.OromanceIlhéudeContendaproblematizaadeca-dênciadaclassearistocráticadailhadoFogoemos-traapreponderânciasocioeconómicadosmulatosemestiços.NaopiniãodeGloriadeBrito,anarrativarelataaspectosdaúltimageraçãodasagafamiliardosMedinadaVeiga.

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Cartaz do filme “Ilhéu de contenda”.

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1934

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Capa do livro “Ilhéu de contenda”.

Com as várias configurações do auge e queda dos antigos donos da ilha, determinada por factores de ordem económica e histórico-social: a extinção da escravatura e do morgadio, a emigração e a altera-

Manuel Lopes –poeta,contista.NolivrodeCre-milda Medina (Sonha Mamana África, 1987),consta um fragmento da sua ficção “Os flagela-dosdoVentoLeste”,publicadopelasEdições70,noanode1984.NoBrasil,essamesmaficçãofoipublicadapelaÁtica,em1979.Aobraapresentaduaspartes:naprimeira,oautorimprimeumre-cordeneo-realista,aodenunciarosproblemasso-ciaisprovocadospelaseca.Nasegundainstância,anarrativadeLopesnosempurraparaumaanálisepsicológicaparaentenderadramáticasituaçãodosflageladosdianteda seca. Eisalguns fragmentosdaobra:

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Livro de Manuel Lopes.

29Capítulo 2

Os homens espiavam, de cabeça erguida, interroga-vam-se em silêncio […]. Nem um fiapo de nuvem pairava nos espaços. Não se enxergava um único sinal, desses indícios que os velhos sabem ver apon-tando o dedo indicador, o braço estendido para o céu, e se revelam aos homens como palavras escri-tas. (LOPES, p. 13).

Naquela faixa de chão, perdida na largueza do Nor-te, os homens eram de várias castas. Cada um dava de si na sua hora. Era na carestia que o destino mos-trava a força de ânimo e a conduta moral que os guiava. (LOPES, p. 15).

José da Cruz era homem de bom pensar e de bom conselho, homem de sacrifício quotidiano, dessa raça de gente direita que sabia diferenciar as coisas […], e sabia também estudar no tempo e confiar no tempo.” (LOPES, p. 72).

Leandro habituara-se à solidão do Campo Grande. Um ror de anos, oito talvez, desde os dez ou onze anos de idade pastoreando gado – vacas, cabras, car-neiros (...). Era uma vida de bicho aquela de lidar com bichos... (LOPES, p. 111). Orlanda Amarilis nasceu em Assomada/ Santa

Catarina (CaboVerde) em 1924.Da infância àadolescência,estudouemMindelo,nailhadeSãoVicente.CompletouosestudosemGoa,nacidadedePanguim,capitaldochamadoEstadodaÍndiaPortuguesa.FormadaemCiênciasPedagógicasnaFaculdadedeLetrasdeLisboa.Paramelhorcom-preenderaarteliteráriadeAmarilis,valeconferiro texto complementar,noqualdestacamoso co-mentáriodaensaístaNazarethFonseca(2012):

atividade crítica/refLexiva |RefletirodiálogoBrasil/Áfricaàluzdasnar-rativasdeGracilianoRamoseManuelLopes

1.7 a diÁsPora em orLanda amariLis

TEXTO COMPLEMENTAR

“Flagelados do vento leste”

http://www.africaeafricanidades.com/

documentos/Os_Flagelados_do_vento_

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376

Livro de Amarilis.

Uma leitura da narrativa de Amarilis (Cf. Fonseca)

A escritora Orlanda Amarilis é nome significativo, assumindo as variantes de um mesmo tema – o

do exílio, da diáspora, da solidão –, mas também observando, com olhos muito ternos, o dia-a-dia

das mulheres e das ilhas. [...]

Seus contos evidenciam-se como jogo de espelhos, emblema da duplicidade que é a marca da pró-

pria vida da autora. Cada mundo descrito traça uma geografia imaginária em que os espaços se

interpenetram, ora se confundindo, ora se expandindo. Com esse procedimento, a obra de Orlanda

Amarilis lança luzes sobre algumas questões frente às quais se coloca o escritor contemporâneo,

como a necessidade de construir, com sua literatura, um mundo novo, moderno, sobre as culturas

que ele carrega dentro de si, ou, ainda, ao escrever, não se fechar em guetos, esquecendo-se de que

há um mundo além da comunidade à qual pertence originariamente.

Embora tenha uma publicação literária reduzida – Ilhéu dos pássaros (1983), A casa dos mastros (1989)

e Cais-do-Sodré te Salamansa (1991) –, Orlanda Amarilis é importante referência na construção de

narrativas curtas que procuram explorar questões significativas da cultura cabo-verdiana, com desta-

que para as tensões que podem se resumir na temática da insularidade, vista como prisão e, ao mesmo

tempo, como liberdade, particularmente com relação aos lugares por onde transitam as mulheres.

TEXTO COMPLEMENTAR

30 Capítulo 2

1.8 Literatura e direitos Humanos em vera duarte

NaturaldeMindelo(caboVerde),apoetaeroman-cistaVeraValentinaBenrósdeMeloDuarteLobodePina–maisconhecidacomoVera Duarte–fezos estudos universitários em Portugal; especifica-menteUniversidadeClássicadeLisboa,naáreadamagistratura.AtuacomoJuízaConselheiradoSu-premoTribunaldaJustiça.Apósseterafastadodoreferidocargo,assumiuaresponsabilidadeehonradeexercerasfunçõesdeConselheiradoPresiden-tedaRepública,dedicando-seàsquestões ligadasàmulher,culturaeaosDireitosHumanos.EstevenoBrasil,ondelançouoseulivro“Acandidata”.Confira no texto complementar, uma resenhaacercadessaobra.

Em seu conjunto, a obra de Orlanda Amarilis aborda a questão do deslocamento entre espaços di-

ferentes, numa perspectiva tanto física quanto psicológica. O conto “Thonon-lesBains”, que abre as

narrativas que compõem a coletânea Ilhéu dos pássaros (AMARILIS, 1983), transcorre a partir do

cruzamento de dois espaços distintos: o Ilhéu dos Pássaros, situado próximo à Ilha de São Vicente,

em Cabo Verde, e a cidade Thonon-les-Bains, localizada ao sul da França, na fronteira com a Suíça.

O nome da cidade francesa dá título ao conto. No entanto, a percepção da vida e o modo de ser do

homem cabo-verdiano é que são retratados na narrativa. Assim, o sentido do conto deve ser depre-

endido da percepção que o homem cabo-verdiano tem do significado de viver fora de seu país sem

abrir mão de suas raízes.

Pelo olhar atento do narrador (AMARILIS,1983), conhecemos a intimidade de Nh’Ana, a mulher-

-mãe cujas relações são delimitadas pelo comadrio e pela vizinhança, em Cabo Verde, e pelas

cartas de Gabriel e Piedade, que vêm da França. Nh’Ana é uma das “mulheres-sós” de Orlanda

Amarilis, de que nos fala Maria Aparecida Santilli. Segundo a autora, as personagens femininas de

Orlanda Amarilis são aparas sociais que “giram no espaço de suas Ilhas, recortadas dos homens –

pais, maridos ou parceiros cuja ausência (ou eventual presença) é, no entanto, o eixo em torno de

que se descreve a órbita de suas vidas” (SANTILLI, 1985, p. 107). De fato, é em torno da expectativa

do sucesso do enteado Gabriel, na França, que giram as perspectivas de vida de Nh’Ana. Enrodi-

lhada em sonhos, Nh’Ana exila-se dos sete anos sem chuva, da falta de aposentadoria, da renda

parca advinda das encomendas dos rendeiros, da venda dos cachos de banana, todos eles signos

da carência que governa sua existência nas ilhas de Cabo Verde.

O exílio no sonho de Nh’Ana ilustra o ser mulher-mãe que espera dentro de uma tradição, cujos

pontos de referência delimitam a ação da mulher entre as panelas e os santos. A espera de Nh’Ana

decorre entre as idas e vindas de Antoninho Coxinho para a entrega das cartas da França, as xicri-

nhas de café tomadas com a comadre e as rezas na cantoneira do outro lado da cama, onde uma

Santa Terezinha e uma Nossa Senhora do Rosário circundam “uma imagem dentro de um nicho

feito de uma caixa de sapatos com um friso de floritas de cera em volta, [que] mostrava uma face

descaída com dois vincos sobre os cantos dos lábios” (AMARILIS, 1983, p. 12).

De maneira semelhante, Piedade é outra mulher-só cuja existência gira em torno de dois homens:

o meio-irmão Gabriel e o namorado francês Jean. Exilada do espaço de referência tradicional de

Nh’Ana, Piedade é chamada ao mercado de trabalho da sociedade francesa moderna. Porém não

consegue exilar-se de um outra tradição: a da repressão machista do homem que não lhe faculta a

independência emocional e a expressão de sua individualidade. Seja na relação com Gabriel ou com

Jean, pesa sobre Piedade a ideologia da intervenção do homem protetor, que lhe delimita as ações:

Jean era um bocado ciumento, tinha quarenta e dois anos, era separado de uma outra mulher, mas

era muito seu amigo. Trazia-lhe chocolates quando vinha namorá-la, tudo à vista de Gabriel e dos

seus amigos. Nunca ficava só com ele porque Gabriel não deixava, sempre a espiar, até os dois ami-

gos eram capazes de lhe ir contar qualquer coisa mal feita ela viesse a fazer. (AMARILIS, 1983, p. 19).

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Livro de Vera Duarte.

31Capítulo 2

atividade crítica/refLexiva |Discutircomos(as)colegasdeCursoarelaçãoentretradiçãooraleoralidade.

resumo

O presente capítulo trata da literatura ficcional em Cabo Verde. Nessa pers-pectiva, dedicamos a nossa atenção às narrativas que estão inseridas no quadro dos movimentos de resistên-cia e “as modernas literaturas”, desta-cando (por ordem alfabética) os auto-res, as autoras considerados(as) mais representativos(as), tais como: Arménio Vieira, Baltazar Lopes, Germano Almei-da, Henrique Teixeira de Sousa e Manuel Lopes, entre outros. Em Cabo Verde, a presença da mulher escritora destaca--se no ativismo da literatura social em Dina Salústio, Orlanda Amirilis e Vera Duarte. Para a melhor compreensão do estudo, propomos algumas leituras de caráter complementar, a exemplo do es-tudo de Nazareth Fonseca e também das contribuições do crítico literário Ricardo Riso, entre outros que compartilham seu conhecimento acerca das literatu-ras africanas de língua portuguesa na Internet. Sugerimos ainda a problemati-zação em torno da passagem da cultu-ra oral para a cultura escrita, vista por Faundez. O glossário que segue pode ser útil para a realização das seguintes atividades crítico reflexivas: a) Pesquisa acerca da relação entre poesia e nar-rativa em Dina Salústio e Vera Duarte; b) Problematização acerca de Cinema e literatura em Henrique Teixeira de Sousa e Germano Almeida; d) Reflexão sobre o diálogo Brasil África à luz das nar-rativas de Graciliano Ramos e Manuel Lopes; e) Discussão acerca de tradição oral e oralidade. Para o Fórum Temáti-co, sugerimos estar o papel da Cultu-ra, história e memória em CaboVerde.

TEXTO COMPLEMENTAR

Resenha do livro “A candidata” (Cf. Camila

Moraes)

A escritora do Cabo Verde, Vera Duarte, lan-

ça o livro A Candidata, da editora Nandyala,

na próxima terça-feira, dia 12 de junho de

2012, no auditório Milton Santos do Centro

de Estudos Afro-Orientais (CEAO-UFBA), às

18h. Nesse romance, a autora revela a vi-

vência de várias mulheres, seja só ou junto

do seu amado, ou ainda, no seio da família

ou da comunidade. São mulheres com desti-

nos surpreendentes.

Para o lançamento do livro A Candidata,

que recebeu o Prêmio Sonangol de Literatu-

ra na Angola (2003), irá participar da Roda

de Conversa com a autora Vera Duarte a

Doutora em Letras e Linguística, Lívia Na-

tália de Souza Santos junto com a Doutora

em Letras e Linguística e Professora da Uni-

versidade Federal do Recôncavo da Bahia,

Ana Rita Santiago. Essa obra tem sido obje-

to de estudos e teses de mestrado em diver-

sas universidades estrangeiras. É uma obra

de referência para a prosa literária e uma

produção essencial para o enriquecimento

da literatura e importante contributo para

a pesquisa na área de Literaturas Africanas

de Língua Portuguesa, como afirma a pes-

quisadora Aparecida de Fátima Benevenuto.

Vera Duarte nasceu na Ilha de São Vicente,

Cabo Verde. Além de ser escritora, atua na

alta magistratura jurídica. É Juíza Desem-

bargadora e exerceu até março de 2010 as

funções de Ministra da Educação e Ensino Su-

perior. Foi Presidente da Comissão Nacional

para os Direitos Humanos e Cidadania, Con-

selheira do Presidente da República e Juíza

Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça,

entre outros cargos.

Como escritora, estreou com a publicação

Amanhã Amadrugada, uma obra poética,

em 1993, com mais poesia veio O Arquipé-

lago da Paixão, em 2001, e Preces e Súplicas

ou os Cânticos da Desesperança, em 2005. A

Utopia – temas e conferência sobre direitos

humanos, (ensaio, 2007). Também tem uma

variada colaboração em prosa e poesia em

jornais, revistas e obras coletivas nacionais e

internacionais.

Na organização do lançamento do livro de

ficção A Candidata, na cidade de Salvador,

na Bahia/BR, estão a loja Katuka Mercado

Negro, o CEAFRO, programa de educação

para igualdade racial e de gênero do CEAO/

UFBa e a editora Nandyala, e ainda contam

com o apoio da Sequilo Tentação. (Cf. Camila

de Moraes – Ass. de Comunicação do CEA-

FRO/CEAO/UFBa )

32 Capítulo 2

fórum temÁticoCultura,históriaememóriaemCaboVerde

gLossÁrio

Costume – um modo regular, padronizado, de parecer ou comportar-se, considerado característico da vida em sis-temas sociais.

Culto – um tipo estrutural especial de instituição religiosa.

Cultura – conjunto acumulado de símbolos, ideias e pro-dutos materiais, associados a um sistema social, seja ela uma sociedade inteira ou uma família.

diásPora – na concepção de Stuart Hall (Estudos Cultu-rais), o termo refere-se às migrações humanas. Para o re-ferido teórico, o conceito fechado de diáspora se apoia sobre uma concepção binária de diferença. Está fundado sobre a construção de uma fronteira de exclusão e depen-de da construção de um “outro” e de uma oposição rígida entre o de dentro e o de fora.

migração – movimento físico de indivíduos dentro e entre sistemas sociais.

ror – grande.

visão de mundo – uma maneira geral de considerar o universo e nossa relação com ele, um conjunto geral de pressupostos sobre o significado da vida, sobre o que é importante e sobre como as coisas funcionam.

referÊncias

ABDALLA JR. História social da literatura portu-guesa. São Paulo: Ática, 1994.

BUALA – Cultura contemporânea africana. Dis-ponível em:<http://www.buala.org/ pt/cara--a-cara/corsino-fortes-e-sua-poetica-semea-dora-da-cabeca-calva-de-deus>. Acesso em: 8.nov.2012

FAUNDEZ, Antonio. A expressão da escrita na África e na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.

FONSECA, Maria Nazareth Soares. Panorama das literaturas africanas de língua portuguesa. Disponível em: http://www.ich.pucminas.br/ posletras/ Nazareth_ panorama.pdf> Acesso em 12. nov.2012.

FORTES, Corsino. A cabeça calva de Deus: Pão & fonema; Árvore & tambor; Pedras de sol & substância. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2001, p. 37-39.

LARANJEIRAS, Pires. Literaturas Africanas de Ex-pressão Portuguesa. Vol. 64. Lisboa: Universi-dade Aberta, 1995, pp.180-185.

LUSOFONIA. Disponível em:<http://lusofonia.com.sapo.pt/germano_almeida.htm>. Acesso em 12. nov. 2012.

MIRANDA, Antonio. Poesia africana. Disponível em: < http://www. antoniomiranda. com.br>. Acesso em: 10. out. 2012.

MORAES, Camila. Resenha sobre Vera Duarte. Disponível em: http://fazervaleralei. blogspot.com.br/ 2012/06/ lancamento-do-livro-candi-data-no-ceao.html. Acesso em 12. nov. 2012.

RISO, Ricardo (org.). Revista África e africani-dades - Ano IV - n. 13 – Maio. 2011 – ISSN 1983-2354. Disponível em: <http://www.africaeafricanidades. com/ documentos/ AN-TOLOGIA-CABO-VERDE.pdf>. Acesso em; 9. nov. 2012.

SALÚSTIO, Dina. Filhas do Vento. Praia: Insti-tuto da Biblioteca Nacional e do Livro (IBNL), 2009.

SECCO, Carmen Tindo; SEPÚLVEDA, Maria do Carmo; SALGADO, Maria Teresa Salgado (orgs.). África & Brasil: letras em laços. Vol. 2. São Paulo: Yendis Editora, 2010.

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SUT, Helena. Resenha. Disponível em: <http://palavrastodaspalavras. wordpress.com>. Aces-so em 12. nov. 2012.

33Capítulo 3Capítulo 3

1. guiné bissau: Literatura, História e memória

Dospaísesafricanosdelínguaportuguesa,GuinéBissauaparececomoolugarondea literaturaescritasedesenvolveutardiamente,emrazão,sobretudo,dasprecáriascondiçõessociais,oquenãoquerdizerqueavocaçãoemtornodoatoliteráriodecontarnuncatenhaexistido.Comefeito,aquivalelembrarasboaspalavrasdoeducadorbrasileiro,PauloFreire,quenosalertouacercadoatodeler.Eleenfatizouquealeituradomundoprecedealeituradapalavra.Portanto,éavisãodemundodospovostradicionaisquemantémvivaaoralidadeealimentatambémaliteraturaescrita,aexemplodassociedadesindígenaseafricanas.

Paradarsegmentoànossareflexão,cabeapresentaralgumasinformaçõesacercadapopulação,dalocalizaçãogeográfica,dahistóriadeGuinéBissauesuarela-çãocomomundo.

Nahistóriadascivilizações,quandoosportuguesesalcançaramoterritórioafrica-nonoséculoXV,grandepartedoterritóriodeGuiné-BissaupertenceureinodeMali,existenteatéoséculoXVII.Aoencontraremresistência,oseuropeusinvaso-resimpuseramomonopóliodocomercioedaagricultura.Acolonizaçãofoitãohorrenda,quesóapartirdoséculoXX,maisprecisamentenadécadade70,osatuaispaísesafricanosdelínguaportuguesaselibertaramdaditadurasalazarista.

Em1956,opoetaeativistaAmilcarCabral fundouoPartidoAfricanodeIn-dependênciadeGuiné-BissaueCaboVerde (PAIGC).Comandouaguerrilhadurante sete anos (1956/1973)período em que foi assassinadoàsvésperasdonascimentodaRe-públicadeGuiné-Bissau.ComaRevoluçãodosCravos,em1974,osideaisdeAmilcarCabral,pas-sandoporumaGuiné indepen-dente,ganharammaisforçaem-bora não tenha durado muito,poisveioogolpedeestadolide-radoporJoãoBernardinoOlivei-ra,quedissolveuoConselhodeEstadoeaAssembleiaNacional.Seu governo foi o ápice da cor-rupção e do nepotismo.Guiné-

Literatura em guiné bissau

(Poesia e Prosa)Profa. Drª. Maria das Graças Ferreira Graúna

Carga Horária | 15 horas

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Mapa Guiné Bissau

34 Capítulo 3

-Bissau é umdos paísesmais pobres domundo.EmboratenhaselivradodeditaduradeOliveira,em1994,GuinéBissauviveuumperíodocurtodedemocraciacomNunesVieira,até1998edepostoporumajuntamilitarem1999.Apartirde2000,Guiné-Bissaucaminhaparaademocracia,custan-doaserecuperardosgolpesedaguerracivil.Des-de então,opaís vemdespontandono campodaliteraturaescritaemversoeprosa.

•Independência: 24.11.1973 (declarada) e10.09.1974(reconhecida)Capital:Bissau

•Línguas: Português (oficial), Crioulo, Fula eMandinka.

•População:1,5milhãoemeio(est.Em2008)M•Moeda:FrancoCFA•RankingdoIDH:166º•PIB:5.1%(em2011)

1.1 Poesia de guiné bissau

carácterliteráriodispersaemobrasdiversas.AelesedevearecolhaeatraduçãodecontosecançõesguineensesemdiferentespublicaçõesenumaobraeditadaemLisboaem1900, intitulada “Contos,Canções eParábolas” (EMBA-LÓ,2012).

1.2 guerra e Paz em angeLo regaLLa

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As primeiras manifestações literárias escritas emGuinéBissauforamproduzidasporalgunsimigran-tes;amaiorparteoriundadeCaboVerde.Naopi-niãodeFilomenaEmbaló(2012),grandepartedaliteraturadoséculoXIXtemumcaráterhistórico:

ComaexcepçãodadeFaustoDuarte(1903-1955),quesedestacoucomoromancista [...], JuvenalCabraleFernan-doPaisFigueiredo,ambosensaístas,MariaArcher,poetisadoexotismo,FernandadeCastro,cujaobradácontadastransformaçõessociaisdacolónianaépocaeJoãoAugustoSilva, que recebeu o primeiro prémio de literatura colo-nial.Porém,amaiorpartedessesautorescaracteriza-seporuma abordagem paternalista e/ou próxima do discursocolonial.Duranteesseperíodoapenasuma figuraguine-ensesedestaca:oCónegoMarcelinoMarquesdeBarrosquedeixou trabalhosnodomínioda etnografia, nomea-damente“Aliteraturadosnegros”eumacolaboraçãocom

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Antologia da qual participa Angelo Regalla e outros poetas.

Angelo Regalla nasceu em Campeane (Gui-né,1952).FormadoemjornalismonoCentrodeFormação de Jornalistas, na França. Participa devárias antologias poéticas.Entre os seuspoemas,destacamos“Átomo”,aseguir:

Vi uma criança Dobrar-se inocente Sob o peso da bomba. Vi o átomoDesagregar-se em morteE cobrir em cogumeloA Humanidade,E lágrimas de sangueErgueram-seEm ogivaSobre o deserto, E lá longe,Uma pomba brancaQue sobreviveuSem arca e sem NoéChorou a loucura do Homem.

1.3 Poesia e existÊncia em amiLcar cabraL

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Amilcar Cabral

35Capítulo 3

NaturaldeBafatá(Guiné,1924),AmilcarCabralpassouainfânciaemMindelo/(CaboVerde).Tra-balhounaImprensanacional,nacidadedePraia,emCaboVerde.Em1945,ingressounoensinoSu-perioremLisboa,ondecursouAgronomia.Amigodo também poeta e ativista angolanoAgostinhoNeto,oguineenseAmilcarCabralmilitounoPar-tidoAfricanodeIndependênciadeGuiné-BissaueCaboVerde(PAIGC),quandofoiassassinadoem1973.Nocampodaliteratura,ficouconhecidoporsuapoesiacombativa,daqualapresentamosopo-ema“Regresso”:

Mamãe velha, venha ouvir comigo O bater da chuva lá no seu portão. É um bater de amigoQue vibra dentro do meu coração.

A chuva amiga, Mamãe Velha, a chuva, que há tan-to tempo não batia assim... Ouvi dizer que a Cida-

de-Velha,– a ilha toda –Em poucos dias já virou jardim...Dizem que o campo se cobriu de verde,da cor mais bela, porque é a cor da esp’rança.Que a terra, agora, é mesmo Cabo Verde.– É a tempestade que virou bonança,,,

Venha comigo, Mamãe velha, venha recobre a for-ça e chegue-se ao portão. A chuva amiga já falou mantenhae bate dentro do meu coração.!

PROBLEMATIZAÇÃO

“Em seus inúmeros discursos, Amilcar Cabral, o líder político e teórico do partido [PAIGG], insistia no

papel da educação na formação necessária do povo de Guiné- Bissau e, sobretudo, em começar pela

alfabetização”. (FAUNDEZ, 1994, p.91).

“Os poetas da Guiné-Bissau: construção do país, construção do teto”

Uma resenha de Beja Santos (2011)

“Antologia Poética da Guiné-Bissau” com prefácio de Manuel Ferreira (Editorial Inquéri-

to, 1990) é porventura o último grande exercício de compendiação dos principais nomes da lí-

rica do país. Inclui poemas de Amílcar Cabral, Vasco Cabral, Helder Proença, Agnelo Regalla,

António Soares Lopes Júnior, José Carlos Schwartz, Pacoal D’Artagnan Aurigemma, Francis-

co Conduto, Carlos Alberto Alves de Almada, Jorge Cabral, Nagib Farid Said Jaud, Félix Sigá,

Domingas Samy e Eunice Borges. Referindo-se a compilações poéticas anteriores, Manuel

Ferreira destaca Mantenhas para quem luta! (1977) e Antologia dos novos poetas/Primei-

ros momentos da construção (1978), isto sem prejuízo de obras individuais, a partir dos anos

80. A generalidade destes poemas move-se em torno dos ideais de libertação, há as elegias em

torno do amor, da terra, a poesia de combate social exprimindo contradições, erguendo bandeiras

de ideologia revolucionária. Todos eles cantam um povo que merece sorrir, há em muitos des-

tes poemas uma exaltação da nova comunidade, um brado ao destino histórico do povo indepen-

dente. Obviamente que muitos destes poemas têm temas repetitivos quanto à ideia de África, a

solidariedade, o futuro ou a esperança. Ninguém ignora que a lírica guineense está em profun-

da crise parece ter perdido ou adiado as causas da esperança, da vida melhor e da liberdade,

insinua-se neste silêncio um acabrunhamento à dimensão das inquietações em que vive o país.

Os poetas mais velhos são nitidamente da formação clássica, não iludem uma lírica neorrealista e

uma organização da mensagem seja panfletária, recorrendo por vezes aos estribilhos e às palavras

de ordem. Amílcar Cabral distingue-se pela sua nostalgia de ilhéu, curiosamente é a sua verten-

te cabo-verdiana que, com o filtro do tempo, ganhou mais corpo. Ouçamo-lo no poema “Ilha”:

Tu vives – mãe adormecida –

nua e esquecida, seca,

batida pelos ventos,

ao som da música sem música sem música

das águas que nos predem…

TEXTO COMPLEMENTAR

36 Capítulo 3

atividade critica/refLexiva |DiscutircomoscolegasdeCursoAnoçãodehibridismonaliteraturadeGuiné-Bissau.

1.4 antonio baticã ferreira

nando água cristalina.Eis, eis a Fonte do Reino.Ela protege-nos,Ela é a alma das crianças; Fonte do Reino, força nossa, Ela é a nossa protectora.As chaves do Reino onde estão?

Nessa Fonte,Onde meus irmãos e eu vemos às vezes monstros E trememos então de medo, Ou choramos.(Nós, filhos do Reino,Nós, príncipes desse seu Reino.

atividade critica/refLexiva |Refletiro temada assimilaçãonapoesia gui-neense

1.5 antónio soares LoPes (tony tcHeca)

Ilha:teus montes e teus vales

não sentiram passar os tempos,

e ficaram no mundo dos teus sonhos

– os sonhos dos teus filhos –

a clamar aos ventos que passam, e às aves que voam, livres,

as tuas ânsias!

Ilha:colinas sem fim de terra vermelha

– terra bruta –

rochas escarpadas tapando os horizontes,

mar aos quatro cantos prendendo as nossas ânsias!

Médico e poeta, nasceu emCanchungo, Guiné--Bissau, 1939. Estudou emParis e formou-se emMedicina,naSuíça.Asuapoesiaencontra-seempublicaçõesfrancesaseportuguesas,aexemplodaantologia“NoreinodeCaliban”,umapanorâmicadapoesiaafricanadelínguaportuguesa,organizadaporManuelFerreira.-Lisboa:SearaNova,-p.324-325.Desuaautoria,vejamosopoema“FonteII”:

Mais pequena ainda que a Fonte,É a nascente onde tudo vem beber. A nascente, nos-sos pais, amamo-la. Nossa.

A nascente é fonte das árvores e das folhas. Olha-mos a nascente, o ribeiro,Manancial de nossos pais. É verdade:

Esta Fonte é mui antiga, Nascente da Tradição, Fonte da Historia; eisO manancial do Reino, Tão perto de Badiopor!

Bem me lembro:Ha muito que ela se conserva no mesmo lugar, Ma-

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Tony Tcheca

Tony TchekanasceuemguinéBissau.Coordenouaantologia“MantenhasParaQuemLuta”,(edita-dapeloConselhoNacionaldeCultura,logoapósaindependênciadeGuinéBissau);essaobrareúnepoemasdeumgrupodejovensidentificadoscom

37Capítulo 3

omovimentodelibertaçãonacional,queficaramconhecidoscomo“OsmeninosdahoradoPind-jiguiti”. Coordenou também as antologias “Mo-mentosPrimeirosdaConstrução”,“AntologiadaPoesiaModernaGuineense”e“EcosdoPranto”.Recentemente,eleesteveemOlinda/Pernambuco,Fliporto,representandoseupaís.Aseguir,umpoe-madesuaautoria,“Batucadananoite”:

Bissau cresce quando o sol descevem com o fio da noite e só adormecequando amanhece

O álcoole o week-end inflamam corpos cheios de adornos

Na noitehá insóniase sónias de muitos nomes não é só o moteaqui há funky há merengada

e antilhesas na madrugadaLufadas de amor moldam corpos suarentos de ardor há um saraco-teio permanentena passarelle da noite sedas flutuantescoxas remexendo num sincopado que dá síncope

O odor mastiga o arsem pudor mistura-se confunde-secatinga chanelpaco rabane água cheirosuore diorça va comme ça…O old scotchdá o toque finalÉ fatalafinal porque não…

A batucada cresce abre o espaçoa cidade não dorme

Toni Tcheka em Pernambuco

Representando a Guiné-Bissau, participou da Fliporto o poeta e jornalista Tony Tcheca, lançando

“Guiné, Sabura Que Dói”, onde [...] aponta a destruição sofrida em seu país. O poeta menciona a

fome, a criança que não tem tempo para a infância, a guerra e, principalmente, a força da mulher

guineense. Essa é também a temática de seu “Noites de Insônia na Terra Adormecida” (1987).

“Eu falo da Guiné. De suas esperanças e desesperanças. E dedico o livro à mulher guineense. A

mulher é a pedra angular para manter a família na Guiné. Ela é chefe de família numa sociedade

machista. E ela é quem trava a prostituição, o consumo de drogas; evita a desagregação familiar e

social. A sua ação tem resultados imediatos. Ela produz, vende e leva alimento para casa. No livro

eu mostro isso. Não só destaco a beleza física e espiritual da mulher, mas a luta que ela trava, por-

que é duplamente explorada pela sociedade e pelos seus próprios homens, os maridos. Também

falo sobre as crianças. Em ‘Noites de Insônia na Terra Adormecida’, procurei tratar de valores uni-

versais”. [...] Segundo Tcheka, nas duas primeiras antologias buscou-se poemas que abordassem,

basicamente, a luta pela libertação; já na Antologia da Poesia Moderna houve uma mistura de temas

e já existia maior preocupação com o estilo literário - “era uma poesia mais adulta e menos enga-

jada, do ponto de vista ideológico”. “Ecos do Pranto”, por sua vez, é uma reunião de poemas que

tem a criança como tema.

Tcheka explica que a razão das antologias era não haver dinheiro para publicar as obras de cada

autor em separado - “então nós fazíamos esses pactos de publicação conjunta. Depois, com finan-

ciamento da União Europeia, é que foram editadas sete ou oito obras individuais. Foi a primeira

oportunidade para os autores da Guiné”

Ele comenta também uma das características mais presentes na Literatura africana - a oralidade: “O

hábito de escrever é natural. Nós costumamos dizer que escrevemos e publicamos todos os dias. Isso

porque temos como costume os encontros em que se contam estórias tradicionais, fábulas, contos in-

fantis, cada qual com sua própria linguagem e formas de expressão. E essa é uma forma de ‘editar’.

Na Guiné, esses encontros são chamados de Djumbai e sempre há um orador, um trovador. É uma

tradição antiga que foi preservada e ajuda a manter as pessoas num espaço de convívio, de troca de

experiências; ajuda a manter viva a criatividade artística.

TEXTO COMPLEMENTAR

38 Capítulo 3

1.6 Literatura e música em carLos scHwartz

ANTES DE PARTIR

Antes de partirEncherei os meus olhos, a minha memóriaDo verde (verde, verde!) do meu PaísPara que quando tomado pela saudadeVerde seja a esperançaDo regresso breveAntes de partirEncherei os meus ouvidos, a minha memóriaDo palpitar que esmorece, enquanto a noiteCresce sobre a cidade e no campoFeito o silêncio dos homens e dos rádios...

1.7 Literatura e sociedade em féLix sigÁ

Esses encontros resistiram à modernidade. É uma forma de editar adaptada às circunstâncias - já

que quase não temos editoras. As pessoas perguntam aos autores se têm trabalhos publicados e,

sem querer, nós respondemos ‘tenho sim, publiquei esse poema no evento tal, esse outro naquele

dia, ou seja, os djumbai são momentos editoriais. Nossas sociedades não perderam a sua identida-

de graças à oralidade.”

Tcheka comenta que na Guiné existem atualmente duas editoras pertencentes a dois escritores e elas

publicam quase que exclusivamente os livros deles. “Não há política editorial e nenhum incentivo a

autores e editores. Também faltam livrarias.”

Entre 75 e 80, no entanto, ele comenta que houve maior apoio e muitos saraus culturais eram reali-

zados nas casas de cultura e bibliotecas, “que, antes, só conheciam autores portugueses”. Segundo

o escritor, a Guiné- Bissau foi uma das colônias portuguesas que melhor se organizou na década

de 60. Ele diz que a luta pela independência foi considerada um “ato de cultura” e que foi uma luta

bem conduzida do ponto de vista político. “Depois, então, é que nós vivemos onze anos de guerra -

uma epopeia que não encontra correspondência política ou econômica. (Cf. Blog da Editora Escala,

disponível no site “Literatura UOL”.

TEXTO COMPLEMENTAR

Procure ouvir a música e a voz de

Schwarz, disponível no Google.

José Carlos SchwarznasceuemBissau,a6deDe-zembrode1949.Seuapelidodeveu-seaofatodeopaiternascidodemãeguineenseedepaialemão.JoséCarlosdedicougrandepartedassuascompo-siçõesaoamigoefundadordanacionalidadegui-neense,AmilcarCabral.Suapoesiaesuamúsicanãopoupamoregimeopressor;apopularidadedesuascançõesprovocouumagrandeinquietaçãonoseiodosdirigenteslocais.Schwarzsoubeusarbemalinguagemmetafóricaepoéticadalínguacrioulaedosprovérbios tradicionais. Seuspoemas cons-tamdaAntologiaPoéticadaGuiné-Bissau,Edito-rialInquérito.

Músico,compositor,intérprete,desenhista,conta-bilista,SigánasceuemBissorã,regiãodeOio,em1954. Já publicou alguns poemas nos programasradiofónicos“TempodePoesia”e“TagaradeAr-mondade”deRadiodifusãoNacional;narevistain-ternacional“CadernosdoTerceiroMundo”(Por-tugal).SeuspoemastambémconstamdaAntologiaPoéticadaGuiné-Bissau,EditorialInquérito,1990.

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Carlos Schwartz.

39Capítulo 3

Sorrisos sem brilhoMãos esqueléticas trabalhando sem cessarCotins e sarjas esburacadas sem corpelo desgastesem solvência para repor Pés rachados e endureci-dos calos nas mãoscalos nas patasAté espinhas e sol se resignamOssos forçando peles aqui e lá tambémE costelasquais persianassob cortina de carneÉ a vidaÉ esta vida do começoque nossos corpos retratamPovo meuEm tempo de transformaçõesO tempo esculpe em nós o seu cursoE na terra erguidaNas plantas e alimáriasCicatrizes de meandros desta vida exíguaLamentos não curamLabutar enquanto vida somosPagamos hojeO custo dos tempos vindourosÓ povo meuSuor e sangue fazem pátrias Abnegados e convictos Antecipemos o futuroPara que o presente se firme em Paz

1.8 o PaPeL da criança na Poesia africana

Não sabes odiar, não sabes desprezar só queres criancinha, amigo arranjarna tua inocencia, na tua espontaneidadedizes o que ouves, p’ra um bom amigo cativar.

Tens Mãe, tens Pai mas pertences a todos tal como aquelassem Mãe e sem Pai

Flor de um jardim que a todos encanta embora seja sóo jardineiro a regá-la.

1.9 a Poesia engajada de HeLder Proença

Francisco Conduto de Pinanasceuem1957,emBubaque,umadasIlhasdosBijagós,Guiné-Bissau.Estudou Artes Visuais e belas Artes em Lisboa,ondecursoudesigner,em1981.Destacamosase-guir,opoema“Criança”:

Qual luz do solque brilha pela manhã es tu inocente serque apenas queres brincar

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Francisco C. Pina.

NasceuemGuiné–Bissau.Nosanos70,Proençaengajou-seaomovimentodelibertaçãodedoseupaís; abandonando os estudos e partindo para aguerrilhaem1973.Apóso25deAbril,regressouaBissau,prosseguindoosseusestudos.Participadaantologia“50PoetasAfricanos”,editadaporMa-nuelFerreira(1989).Opoemaaseguir(Não posso adiar a palavra)éumdosmaisaclamados:

Quando te propusum amanhecer diferentea terra ainda fervia em lavase os homens ainda eram bestas ferozes

Quando te propusa conquista do futuro vazias eram as mãosnegras como breu o silêncio da resposta Quando te propuso acumular de forçaso sangue nómada e igual coagulava em todos os cárceresem toda a terrae em todos os homens

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Helder Proença.

40 Capítulo 3

Quando te propusum amanhecer diferente, amora eternidade voraz das nossas doresera igual a “Deus Pai todo poderoso criador dos céus e da terra”

Quando te propusolhos secos, pés na terra, e convicção firme surdos eram os céus e a terrareceptivos as balas e punhaisas amaldiçoavam cada existência nossa

Quando te propus abraçar a história, amortantas foram as esperanças comidas insondável a fé forjadano extenso breu de canto e morte

Foi assim que te propusno circuito de lágrimas e fogo, Povo meu o hastear eterno do nosso sanguepara um amanhecer diferente!

Proença,TonyTcheca,FélixSigáeCarlosVieira.Em Odete Semedo,vejamosumfragmentododis-cursoamoroso:

Quisera nesta vida… afagar teus cabelossugar o doce dos teus olhos transportar em arco-íriso néctar da tua bocae juntos caminharmos ante a ânsia e o sonho … [...]A vidanasce de gotas de Amor- - a morte acontece no tempo entre mim e a vida paira um vácuocom sorriso aguardo o destino [...]

Embaló(2012)tambémobservaqueéfrequenteousodoidiomacrioulonapoesiaguineenseecon-sideraque,aoempregarobilinguismo,ospoetasmostramarelevânciaeariquezametafóricadacul-turaafricanaealínguaportuguesa.OdeteSemedoutiliza tanto o português quanto o crioulo, reve-lando,dessemodo,o seupertencimentoàsduasculturas:

Em que língua escrever as declarações de amor ?em que língua contar as histórias que ouvi contar ?… Falarei em crioulo ? Falarei em crioulo !mas que sinais deixar aos netos deste século ?ou terei que falar nesta língua lusa e eu sem arte nem musamas assim terei palavras para deixar.. .

1.11 a Poesia no banco de Praça

1.10 o PLuraL do texto em odete semedo

TEXTO COMPLEMENTAR

O cotidiano no teatro de Abdulai Silá

Segundo Filomena Embaló (2012), “o desencan-tamentodos sonhosdopós- independência ime-diatofezaeuforiarevolucionáriadarlugaraumapoesiaquesetornoumaispessoal,maisintimista,com a deslocação dos temas Povo-Nação para oIndivíduo”.Emoutraspalavras,apoesiaamorosanãosaiudavalidadede tal formaquese fazpre-sente na poesia de autores a exemplo deHelder

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Livro de Odete Semedo.

Pascoal D’Artagnan Aurigemma (Guiné Bissau)participada“AntologiapoéticadaGuiné-Bissau”,umapublicaçãodoCentroCulturalPortuguêsemBissauedaUniãoNacional dos Artistas eEscritoresdaGuiné-Bissau.PrefáciodeManuelFerreira.Lisboa,EditorialInquérito,1990.Segun-

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41Capítulo 3

do a revista Triplov (http://www.triplov.com), opoemaaseguirestáescritonumbancodejardim,nobairrodeBelém,emLisboa.Valeconferirase-guintenota veiculadanoBlogViverLisboa enasequência,opoemadePascoalD’Artagnan:

São estes os recentemente inaugurados oito bancos de pedra com versos de oito poetas, um por cada país lusófono. Para além de Fernando Pessoa, pode-mos encontrar nestes bancos poemas de Mia Couto (Moçambique), Pascoal D’Artagnan Aurigemma (Guiná- Bissau), Xanana Gusmão (Timor-Leste), Arlindo Barbeitos (Angola), Francisco José Tenrei-ro (São Tomé e Príncipe), Manuel Bandeira (Bra-sil) e Corsino Fortes (Cabo-Verde). Podem ser lidos e sentados no espaço verde público criado entre o Parque das Conchas e a R. Helena Vaz da Silva. (Blog Viver Lisboa. http://www.viverlisboa.org/)

...barco veio: de onde? não interessa saber irmão não interessa.se cais não houvessegente anónima não tinha no cais. nuncanunca gente poderia ouvira história que mar salgado deveria contar.

1.12 a Luta da PaLavra em vasco cabraL

o cantar das pedras o suor das estrelas!A linha harmoniosa dum cisne!

atividade critica/refLexiva |PesquisarodiálogoBrasil/Áfricaàluzdopen-samentodePauloFreire

1.13 Poesia e Lugar em waLdir araujo

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Vasco Cabral.

NasceuemFarim,noanode1962.Seunomeestáligadoàlutadelibertaçãodoseupaíse,comonãopoderiaserdiferente,asuapoesiaémarcadatam-bémpelosocial.Formou-seemLisboa,ondeparti-cipouativamentecontraaditaduradeSalazar.Em1981,aÁfricaEditorareuniuospoemasdoreferi-doautorem“Alutaéaminhaprimavera”.Desselivro,destacamososeguinte:

A lutaé a minha primavera

sinfonia de vidao grito estridente dos rios a gargalhada das fontes

Poetaejornalista.Waldir AraújonasceuemGui-né-Bissau,noanode1971.Conquistaem1985oprémio literário do Centro Cultural Português,emBissau.ÉemLisboaqueprossegueosestudossecundários e académicos, frequenta o curso deDireito.Étambémficcionista;recentementepubli-couolivrodecontos“Admiráveldiamantebruto”,apresentadona27ªFeiradoLivrodeBrasilia/DF.Nessefascículo,optamosporapresentarapoesia.Nasequência,opoema“África”,desuaautoria:

São muitas as dúvidas que surgem Ao tentar des-vendar o teu mistério Toda a sorte, toda a solução urgem Mas não chegam ao Sul hemisfério

São muitas as razões de tal destino Mas nenhum capaz de justificar Toda esta miséria, dor e desatino Que muitos insistem em mistificar

São muitas as vozes que clamam Gritos de dor e angústia silenciados Desesperos que no teu peito in-flamam Esperanças em ritmos cadenciados

São muitas e profundas as incertezas Diversas e va-gas as dissertações Sobre um futuro vago em certe-zas Que arrancam das almas as ilusões

São muitas as riquezas que escondes No fundo desta tua misteriosa alma Cobiça de Reis, Nobres e CondesMas a tua grande dor ninguém acalma

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Waldir Araujo.

42 Capítulo 3

São muitas as famílias do teu Lar Longe desse teu almejado conforto Contrariados por assim te aban-donar À busca de um estranho bom porto!

2. o esPaço romanesco em guiné bissau

ARevistaPapia,nº 20,publicada em2010,pelaUniversidadedeBrasília,trazumavastapesquisaacercadaproduçãoliteráriaemGuinéBissau.Oestudo é assinado por Filomena Embaló emparceriacomoProf.HildoHonóriodoCouto(UNB).Éarespeitodaprosa,especificamentedaatual produção romanesca emGuiné-Bissau quenosparecenecessárioesclareceroseguinte:enten-demosque,nocontexto ficcionalvoltadoparaogêneroconto,háumcrescimentonotório;istoé,muitoimportanteparaescritores,leitoresetodosquerevelampaixãopelapalavra.Comodissemosanteriormente, o tempo e o espaço que nos foiconcedido para a elaboração deste livronãonospermiteaprofundaredetalharoassuntocomogos-taríamos.Sendoassim,ficaemabertoapropostadeelaborarmosfuturamenteumestudodocontocontemporâneoguineenseesantomense.

Deixamosemabertoabreveexplanaçãoque te-cemos acerca da atual produção romanesca emGuinéBissau; ressaltando, aqui, o pioneiro tra-balhodeAbdulaiSiláesublinhandooquejáfoiobservadonapesquisadaangolanaEmbalóedoProf.Couto.Comefeito,osbonsventosdapro-sasopramemGuinéBissaudesdeacontribuiçãodeFilintodeBarros(1942-2011),comoromanceKikiaMatcho, publicado em 2002; comCarlosEdmilsonVieiraque,em2000,publicouolivro“Contos deN’Nori”, pela UniãoNacional dosEscritores de SãoTomé ePríncipe; como livrode contos do tambémpoetaWaldirAraújo (su-pracitado) e entreoutrosnomes igualmente im-portantesdaprosaafricanaaexemplodaprópriaFilomenaEmbaló-guineensedecoração,naturaldeAngola,escritoraeestudiosadaliteraturadopaísdeadoção(Cf.Papia,2000,p.9);Filomenaé“a terceirapessoadenacionalidadeBissau-gui-neenseapublicar[em1999]umromance.Trata--sedeTiara”(Cf.Papia,p.82).

ApropósitodahistóriadaliteraturaromanescaemGuinéBissau,convémobservaraspalavrasdeEm-balóeCouto(2000):

VáriasobrasdaliteraturadaGuiné-Bissauforampublica-dasnoPeríodoColonial.Porém,como já foiobservado,todaselasforamescritasporestrangeiros.Alémdomais,quasetodastraemumsentimentoeurocêntriconoautor.MesmoquandoeletembastantesimpatiapelaÁfrica,fre-quentemente deseja “salvar” os africanos da “selvageria”emquevivem,viapersonagens.Prosaliteráriaescritaporguineensessobretemáticaafricana,enãoapenasguineen-se, só começano finaldadécadadeoitenta atémeadosdadenoventa.Comecemospeloromance.Quandosefalaemliteraturadeficçãoqueenvolvaogêneroromance,oprimeironomequevemàtonaéodeAbdulaiSila,autordoprimeiroromancegenuinamenteguineenseaserpubli-cado,ouseja,Eternapaixão(1994)que,emboratenhasidoescritoem1984,nãoéoprimeiroqueproduziu.(EMBA-

LÓ;COUTO,2000,p.78)

2.1 romance e denúncia em abduLai siLÁ

NaturaldeCatió/Guiné,AbdulaiSilánasceuem1958.Engenheiroelectrónico,formadonaAlema-nha.Economista.Esse autor éumdosmaisdes-tacadosna literaturaguineensecontemporâneae“iniciadordeumacorrenteficcionaloriginal,sen-doautordoqueéconsideradooprimeiroroman-ce guineense”, especialmente como livroEternaPaixão, que traz como assunto “a transformaçãopós-colonial” em seupaís.Éumdos fundadoresdoInstitutoNacionaldeEstudosePesquisasedarevistaculturalTcholona.Publicououtrosroman-ces:AÚltimaTragédia(1995);Mistida(1997)eapeçateatral,“AsOraçõesdeMansata”(2007),daqualdestacamosumfragmentodacena1do6ºato(pp.98-100):

YEWTA YAWTAEspera aí, que não estou a entender tudo isso... O que é que nós, que já estamos assim tão velhos e can-sados, que não vamos certamente assistir à chegada dessa paz e do progresso, temos a ver com tudo isso? Não há nada que possamos fazer.

AMAMBARKAHá uma coisa que vocês, vocês três que aqui estão,

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Abdulai Silá.

43Capítulo 3

podem fazer para que tudo isso, a paz, a estabilida-de, o progresso e a felicidade, todas as nossas ambi-ções, sejam realidade...

YEWTA YAWTAAh, sim? E que coisa é essa? Vocês ouviram isso? (olha para os dois companheiros)

AMAMBARKAUm acto muito simples... Tão simples que acho que vão fazê-lo ainda hoje. Um acto que eu não esquecerei nunca, pelo qual serão devidamente recompensados.

YEWTA YAWTASurpresa número dois. De que estás a falar agora, Amambarka?

AMAMBARKAEstou a falar de como chegar àquela mulher...

DJINNA HARA Que mulher?

AMAMBARKAMansata! (os três Homens-Grandes não conseguem escon-der a surpresa. Trocam olhares durante alguns instantes) Quero que me levem até junto de Mansata.

DJINNA HARAE quem é... Mansata?

AMAMBARKAIsso vocês sabem melhor do que eu... Foi dela que falaram no outro dia, lembram-se, naquele dia em que prometeram ajudar Mwankeh... É ela que apa-receu nos búzios, que você, Yewta Yawta, você mes-mo lançou. É a ela que se referiram quando falaram de uma mulher muito sofisticada, poderosa demais. Prometeram ajudar Mwankeh, hoje ele não está, vão-me ajudar a mim. Preciso desses poderes, não para benefício pessoal, mas para fazer progredir a Nação. Com esses poderes, não vamos pedir esmola a nenhuma outra nação ou instituição estrangeira, vamos ser autossuficientes, respeitados em todo o mundo, ter tudo do que precisamos. Com esses po-deres, vamos construir hospitais, estradas, pontes, casas bonitas em todo o lado, para toda a gente... Vamos ter escolas para as crianças, universidades em todo o país, para todos os jovens, rapazes e meni-nas, estudarem e serem grandes homens, cientistas de valor, com conhecimento profundo da ciência e da tecnologia que vão fazer inveja aos brancos! Vo-cês não querem a paz e a prosperidade para a nossa querida Nação? Não querem escolas para as nossas crianças, para os vossos netos e bisnetos? Não que-rem ter hospitais com equipamento moderno, me-dicamentos gratuitos e médicos bem formados para vos tratar? Não desejam ter luz em casa e nas ruas? Não querem nada disso? Nada? Reparem numa coi-

sa: hoje é o branco que tem todos os poderes do mundo. Se precisarmos viajar, temos que pedir ao branco, tem que ser com o carro ou o avião que o branco construiu; se precisarmos construir casas grandes e bonitas tem que ser com modelos e mate-riais do branco; até falar com os nossos semelhantes agora só pode ser na língua do branco... Eles têm todos os poderes. Mas todos! Qualquer dia, se não tomarmos as providências necessárias, pode dar--lhes na gana usar esses poderes para nos escravizar de novo. E vamos todos, jovens e velhos, homens e mulheres, ser cativos deles... Não, não posso acredi-tar que não queiram ver esta nossa querida Nação, todo o nosso querido povo, a viver como os brancos vivem na terra deles... Ou será que acham que o preto não tem direito ao bem-estar? Só o branco é que tem? Foi isso que Deus disse? Não, Deus disse que somos todos iguais, somos todos filhos d’Ele, com os mesmos direitos. E se é assim, por que é que só o branco tem poderes neste mundo? (faz uma ligeira pausa para observar os seus interlocutores) Meus amigos, mostrai-me o caminho que leva a Mansata e juro por Deus que farei acontecer aqui e em todo o lado o que Deus desejou para todos os Seus filhos. Ajudai-me a aceder a esses poderes que Mansata anda a distribuir a torto e a direito, a gente que não o merece e nem sabe o que fazer com eles... Eu sou o Supremo Chefe da Nação, sei como e onde aplicar esses poderes... Dai-me esses poderes de Mansata..

KAMALA DJONKO Mansata é um mito...

AMAMBARKA Não acredito!

KAMALA DJONKOMansata é um mito... Não existe!

AMAMBARKAMansata existe, os poderes existem!

KAMALA DJONKO Puro mito!

AMAMBARKAMito? E as orações dela?

KAMALA DJONKO Que orações?[...]

TEXTO COMPLEMENTAR

O cotidiano no teatro de Abdulai Silá

44 Capítulo 3

atividade critica/refLexiva |Estudar comparativamente o intimismo napoesiaescritapormulheresguineensesecabo-verdianas.

fórum temÁticoCultura,históriaememóriaemGuiné-Bissau

resumo

Dos países africanos de língua portuguesa, Guiné Bissau aparece como o lugar onde a literatura escrita se desenvolveu tardiamente. Em seus inúmeros discursos, o líder Amilcar Cabral insistia no papel da educação na formação necessária do povo de Guiné-Bissau e, sobretudo, em começar pela alfabetização. Com a Revolução dos Cravos em 1974, os ideais de Amilcar Cabral por uma Guiné independente ganharam mais força; mas não du-rou muito, por causa do golpe de estado liderado por João Bernardino Oliveira. A partir de 2000, Guiné caminha para a democracia, custando a se recuperar dos golpes e da guerra civil. Apesar dos termos difíceis, Guiné-Bissau vem despontando no campo da literatura escrita. As primeiras manifestações escritas em Guiné Bissau foram produzidas por alguns imigrantes, a maior parte oriunda de Cabo Verde. A partir da década de 70, na poesia, destacam-se: Angelo Regalla, Amilcar Cabral, Antonio Baticã Ferreira, António Soares Lopes (Tony Tcheca), José Carlos Schwartz, Félix Sigá, Francisco Conduto de Pina, Helder Proença, Odete Semedo, Pascoal D’Artagnan Aurigemma, Vasco Cabral, Waldir Araujo. Na prosa romanesca contemporânea, cabe ressaltar a contribuição de Abdulai Silá que é tam-bém teatrólogo. Do ponto de vista metodológico, o terceiro capítulo do nosso livro oferece um conjunto de propostas – entre leituras complementares e atividades crítico reflexivas, com o intuito de interagir com os interessados no assunto. Vale também ressaltar outro re-curso que é o Glossário que foi elaborado com ênfase em conceitos sociológicos e voltado também aos estudos culturais. Esperamos assim auxiliar nos debates e no fórum de Cultura, história e memória e outras atividades acadêmicas que exigem um mínimo de conheci-mentos prévios e contribuem para o bom desenvolvimento da extensão e da pesquisa.

gLossÁrio

assimilação – ou contato cultural, é o que ocorre quan-do duas ou mais culturas entram em contato uma com a outra, por meio de imagens na mídia, no comércio exte-rior, na imigração ou na conquista, de modo que podem influenciar-se de várias maneiras.

Colonialismo – sistema internacional de exploração eco-nômica por meio do qual nações mais poderosas domi-nam outras mais fracas.

Cidadania – uma situação social que inclui três tipos distintos de direitos, especialmente em relação ao ES-TADO: 1) direitos civis; 2) direitos políticos; 3) direitos socioeconômicos.

segregação – separação por razões sociais de um grupo em relação a outro, em geral perpetuando condições de desigualdade e opressão social.

referÊncias

BARBEITOS, Arlindo et. Al. Poesia africana de língua portuguesa - antologia. Rio de Janeito: Lacerda Editores, 2003.

COUTO, Hildo Honório do; EMBALÓ, Filome-na. Literatura língua e cultura em Guiné Bissau: um país da CPLP. In: PAPIA - Revista Brasilei-ra de Estudos Crioulos e Similares, Número 20, 20102010, UNB, Editora Thesaurus, ISSN 0103-9415. Disponível em: <http://abecs.net/ojs/index.php/papia/article/viewFi-le/341/362>. Acesso em 14 nov.2012.

EMBALÓ, Filomena. A literatura de Guiné Bissau. Disponível em: <http://opatifundio. com>. Acesso em 12.nov.2012.

FERREIRA, Manuel. 50 Poetas Africanos. Lisboa: Plátano Editora, 1989.

45Capítulo 3

JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia. Rio de Janeiro: Zaar, 1997.

MIRANDA, Antonio Miranda. Poesia africana. Disponível em: <http://www.antoniomiran-da.com.br/ poesia_africana >. Acesso em; 12.nov.2012.

SANTOS, Beja. Os poetas da Guiné-Bissau. Disponível em: < http:// blogue foranada eva-otres.blogspot.com.br/2011/02/guine-6374--p7819-notas-de-leitura-206.html> Acesso em 12.nov.2012.

SILÁ, Abdulai. Disponível em: <http://www.triplov. com/ guinea_bissau/ abdulai _sila/ oracoes_de_mansata/index.htm>. Acesso em 09.nov.2012.

47Capítulo 4Capítulo 4

1. são tomé e PrínciPe: contextuaLização

Quandooseuropeuschegaramaoterritórioafricano,noséculoXV,aIlhadeSãoToméePríncipefoiaprimeiraasofreromonopóliodocomércioedaagri-culturaemarcadapelatragédiadotráficodeescravos,umavezquealocalizaçãogeográficadessaIlhaatransformouempontodetráficonegreironoiníciodacolonização.

AsforçascontráriasàdemocraciatambémmarcaramSãoToménoséculoXX,aologodaditadurasalazarista.Todavia,em1974,comaRevoluçãodosCravosemPortugal e comadeclaraçãoda independênciadeSãoTomé, em1975,osantomensefoiaospoucosrespirandoosaresdaliberdadeerecuperandoasuaautoestima.AlutapelalibertaçãodeSãoToméfoimotivandoavançosemváriossetoresdasociedade.Nocampodaeducação,porexemplo,ogovernoindepen-denteadotouoMétodoPauloFreire,nadécadade80;nesseperíodo,ogovernocomeçouaabriraeconomiaeapolíticainternaembuscadoapoioocidental.

Alutacontraocolonialismocontinua,umadasformasdecombateéaliteraturaquefazdeSãoToméedasoutrasex-colôniasportuguesasumdoslugaresondesesentecomintensidadeasboaspalavrasdospoetasecontadoresdehistóriasbanhadaspeloAtlântico.

•Independência:12.07.1975(declarada)•Capital:SãoTomé•Línguas:Português (oficial),

Fôrro,Angolar,Lunguye.•População:183.176(est.,em

2012)•Moeda:DobraSTD

Literatura em são tomé e PrínciPe

(Poesia e Prosa)Profa. Drª. Maria das Graças Ferreira Graúna

Carga Horária | 15 horas

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Mapa de São Tomé e Príncipe

48 Capítulo 4

1.1 origens da Literatura escrita em são tomé

AhistóriadosurgimentodaliteraturaemSãoToméePríncipetrazmuitasemelhançacomosurgimen-todaliteraturanasoutrasnaçõesafricanasdelín-guaportuguesa.Tambémpormeiodaliteratura,apresençaestrangeirafoiexcludenteemSãoTomé.

Das primeiras manifestações relacionadas a SãoTomé, consta o livro “Equatoriaes”, que opoetaportuguês António Almada Negreiros escreveuquandoesteve emSãoTomé,por voltade1896.Maisumpoetaportuguêsregistrouassuasimpres-sõesdailha;trata-sedeAlexandrePinheiroTorres,autor do livro “ATerra demeu pai”, escrito em1972.NoséculoXIX,ocenáriodaarteedaculturaemSãoToméconhece a chamada “poesiapopu-lar”,deCaetanodaCostaAlegreealgumaspeçasteatrais,umadelasa“Tchiloli”ou“AtragédiadoMarquês de Mântua” pertencente ao portuguêsBaltazarDias.ApropósitodapoesiadeCostaAle-gre,ocríticoManuelFerreira(1977)observaqueosversosdopoetamostramonegrocomoum“seralienado”comosevêaseguir:

A minha cor é negra,Indica luto e pena;És luz que nos alegra,A tua cor morena.É negra a minha raça,A tua raça é branca,[...]Todo eu sou um defeito

Nasequência,porordemalfabética,apresentamososnomesconsideradososmaissignificativosdali-teraturasantomense,combasenosestudosdeAr-lindoBarbeitos,CarmemTindóSeco,MariaTere-saSalgadoeMariado Carmo Sepúl-veda entre outros.Dolivro“África&Brasil – letras emlaços”, prefaciadopor Maria Nazare-th Soares Fonseca(2010),destacamoso seguinte frag-mento acerca daliteratura de SãoTomé:

SeAldaEspíritoSantoé [...]ograndenomeda literatu-radeconscientização,comumaobrapoéticaplantadano“solosagradodaterra”,oscaminhospoéticos,naobradosdoisoutrosescritoresselecionadospararepresentarapoe-siadaIlhadeSãoToméPríncipe,retomamasmotivaçõesdadaspelaterra,distendendo-as,todavia.FranciscoTenrei-ro,consideradoointrodutordanegritudenasliteraturasafricanasde línguaportuguesa, embora vivendodistantedasilhasdesdemuitonovo,mantevenelasoseucoração.Seus poemas mais conhecidos indicam as conflituosasconvivências entreo “ficarna terra” edeladistanciar-se,parapercebê-laemoutrascartografiase,empenham-sepordesconstruiros caminhos traçados, emÁfrica,pela colo-nização.

ConceiçãoLima,decertaforma,retomaoscaminhosper-corridosporTenreiro,aoviverforadoseupaís,mascomocoraçãoemÁfrica.Ospoemaspublicadosemseus [...]livros [...] diferentemente dos de Tenreiro, erigem-se emumaenunciaçãomarcadapelasubjetividadedaquelequediz “eu”, pouco importandoo espaço real ocupadopelaautoriadopoema.Oeuquesemostranaproduçãopoé-ticaésempreoqueseassumecomasmarcasdeumlugardepertença,deumespaçoquetemtraçosmarcados,comprofundidade, nos textos dessa poetisa tão importante.

(FONSECA,2010,pp.XX-XXI).

PROBLEMATIZAÇÃO

“Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Mário de Andrade, Nicolas Guillén, Langston Hughes, Pablo Neruda, Aragon, Aimé Césaire, Senghor ou Nazim Hikmet são nomes que, ao longo de muitos anos, se perfilaram como estandartes de toda uma pequena

camada de jovens africanos letrados que sentiam expressa nos seus poemas a sua ânsia de dignidade e

mudança”. (BARBEITOS et. al, 2003, p.27).

1.2 aLda esPirito santo caminHos Poéticos

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Capa do livro “África & Brasil”.

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Livro de Alda.

49Capítulo 4

AcombatenteAldaEspíritoSantonasceunailhadeSãoTomé,em1926.FezuniversidadeemLis-boa,ondecompartilhoudasexperiênciaspolíticasnaCasa dosEstudantes do Império ao ladodospoetaseativistasAmílcarCabral,AgostinhoNeto,MárioPintodeAndradeeMarcelinodosSantos,entreoutros.Alda lutoupela independênciadospaíses africanos de língua portuguesa e, por ra-zões tambémeconômicas,abandonouosestudosacadêmicos.AldaocupouocargodeMinistradaEducação eCultura e foi tambémdeputada.Nocampodapoesia,AldaGraça,comoeratambémconhecida,publicouemvidaoseulivromaisco-nhecido:“Énossoosolosagradodaterra”.ElaétambémautoradoHinoNacionaldeSãoTomé.Arespeitodessapoetaecombatente,asuaconterrâ-neaetambémpoetaConceiçãoLimaescreveunarevistaÁfrica21,oseguinte:

“AldaEspíritoSantoéigualàtransparênciadacasaqueahabita, a casaquenoshabita.Pelosnomesprópriosnosdistingueenoschama.Conhece-nosdesdesempreeaosnossostiques,nossasfraquezas,aosnossostalentosefor-ças.Conheceasescarificaçõesnafundaçãodonossorosto;revelou-as.Conheceoaromadolourononossopratoeocheirodomanjericononossovaso”.

Enós,nósconhecêmo-la.Desdequando,paraafugentarofrio,entrelaçou,mornas,asmãos,aoredordonossocorpo.

Desdequandopôs, fresca,apalmadamãonanossa tes-ta. Quando nos embalou e nos exortou e nos instigou.Quandonosergueualtoesussurrouaonossoouvidopa-lavrasquesópodiamsersussurradas,aspalavrasquenosnomeiam.

Paraseujuízo,escrevemosredacçõesehesitamosnascon-tas de dividir. Incentivou-nos e corrigiu-nos, admoestou--noseaplaudiu-nos.

Brincámos,descalços,naorladaspraiasporelasonhadas,navegámosalarguezadopoema.Moldámosconcretasuto-pias,noâmagodapraçaplantámosaraizdoverso.AldaEspíritoSantotem83anos,umaidadebonita.

MoraaindanavelhaeausteracasadaChácara,rodeadadelivrosememóriasepassosdosamigos.Noquintal,entre-cruzam-seosramosdasgoiabeirasetodasasmadrugadasdesabrochamalifloresetrepadeiras.AcasadaChácaraéumacasadeportasejanelasabertas.

NaantigacasadaMarginal,sededaUniãoNacionaldosEscritoreseArtistas,daqualépresidente,continuaare-ceber jovens emenos jovens, a todos entregando a justaporçãodepalavra.AsededaUNEASéumaportasempreescancarada.

Porvezes,AldaEspíritoSantofalacomenérgicasuavidadedecertosamigos,certosnomes:Amílcar.Agostinho.Má-rio.Marcelino.Salustino.LuísEspíritoSanto.Bia.Francis-coJoséTenreiro.SaraMaldoror.Sãonomesqueconvocamumalongajornadaaquémealém-mar,nomesdeumtem-podecisivoefracturado,umtempoentrefeitodelealdadesesolidariedades.

Desdobra recordações, folheia livros, oferece-nos páginasescritascomtinta indelével,apuraascoreseopretoeobrancodos retratos. Sublinha as vitórias, criticaosdesa-certos do presente, interroga o amanhã fincando os pésnohoje.

AldaEspíritoSantopodeserhomenageadacomopoetisa.Alda Espírito Santo pode ser homenageada como com-batentedaliberdade,distinçãoquejárecebeudoEstadoCabo-verdiano.

Alda Espírito Santo foi homenageada pelo Estado São--tomense. Alda Espírito Santo foi homenageada comocombatentedaliberdadepeloEstadoCabo-verdiano.Foihomenageada,nos80anos,porumgrandegrupolideradoporInocênciaMata.

Maseladetestahomenagens.Desconfiadehomenagens.Achaqueashomenagenssãoumaarmadilhaaosquenãobaixamnuncaosbraços.

Por isso, nós que já penteamos cabelos brancos e emba-lamos os primeiros netos, dizemos-lhe, à Alda EspíritoSanto,porventuraamaisproeminentemulherdageraçãodeCabral, “que amamos o frondoso baobá, o benfazejotronco do micondó. Dizemos-lhe que amamos, na suavozaconstantecançãodosnossosrios”.(Disponívelem:<http://www.asemana.publ. cv/spip.php?article50738&ak=1>,acessoem9.mar.2010).

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Alda.

Vejamos,agora,algunspoemasdeAldaGraçaouAldaEspírito,que selecionamosparaoCapítulo4 deste livro de Literaturas Africanas de LínguaPortuguesaII.Daobra“Énossoosolosagradodaterra”,destacamososseguintesversos:

O sangue caindo em gotas na terrahomens morrendo no matoe o sangue caindo, caindo...Fernão Dias para sempre na história

50 Capítulo 4

da Ilha Verde, rubra de sangue,dos homens tombadosna arena imensa do cais.Ai o cais, o sangue, os homens,os grilhões, os golpes das pancadasa soarem, a soarem, a soaremcaindo no silêncio das vidas tombadasdos gritos, dos uivos de dordos homens que não são homens,na mão dos verdugos sem nome.Zé Mulato, na história do caisbaleando homens no silênciodo tombar dos corpos.Ai, Zé Mulato, Zé Mulato.As vítimas clamam vingançaO mar, o mar de Fernão Diasengolindo vidas humanasestá rubro de sangue.- Nós estamos de pé -nossos olhos se viram para ti.Nossas vidas enterradasnos campos da morte,os homens do cinco de Fevereiroos homens caídos na estufa da morteclamando piedadegritando pela vida,mortos sem ar e sem águalevantam-se todosda vala comume de pé no coro de justiçaclamam vingança...... Os corpos tombados no mato,as casas, as casas dos homensdestruídas na voragemdo fogo incendiário,as vias queimadas,erguem o coro insólito de justiçaclamando vingança.E vós todos carrascose vós todos algozessentados nos bancos dos réus:- Que fizeste do meu povo?...- Que respondeis?- Onde está o meu povo?...E eu respondo no silênciodas vozes erguidasclamando justiça...Um a um, todos em fila...Para vós, carrascos,o perdão não tem nome.A justiça vai soar,E o sangue das vidas caídasnos matos da morteensopando a terranum silêncio de arrepiosvai fecundar a terra,clamando justiça.É a chamada da humanidade

cantando a esperançanum mundo sem peiasonde a liberdadeé a pátria dos homens...

O poema “Angolares”, escrito por Alda EspíritoSantoconstadaantologiaorganizadaporArlindoBarbeitos,LiviaApaeMariaAlexandreDáskalos(2003,pp.279-280):

Canoa frágil, à beira da praia,panos preso na cintura,uma vela a flutuar…Caleima, mar em foracanoa flutuando por sobre as procelas das águas,lá vai o barquinho da fome.Rostos duros de angolaresna luta com o gandúpor sobre a procela das ondasremando, remandono mar dos tubarõesp’la fome de cada dia.Lá longe, na praia,na orla dos coqueirosquissandas4 em fila,abrigando cubatas,izaquente5 cozidoem panela de barro.

Hoje, amanhã e todos os diasespreita a canoa andantepor sobre a procela das águas.A canoa é vidaa praia é extensaareal, areal sem fim.Nas canoas amarradasaos coqueiros da praia.O mar é vida.P’ra além as terras do cacaunada dizem ao angolar“Terras tem seu dono”.

E o angolar na faina do mar,tem a orla da praiaas cubatas de quissandas4as gibas pestilentasmas não tem terras.

P’ra ele, a luta das ondas,a luta com o gandú,as canoas balouçando no mare a orla imensa da praia.(É nosso o solo sagrado da terra)

Na mesma antologia, organizada por Barbeitos(2003), temosmais um poema de Alda EspiritoSanto.Trata-sede“LánoÁguaGrande”(p.280):

51Capítulo 4

Lá no “Água Grande” a caminho da roçanegritas batem que batem co’a roupa na pedra.Batem e cantam modinhas da terra.

Cantam e riem em riso de mofahistórias contadas, arrastadas pelo vento.

Riem alto de rijo, com a roupa na pedrae põem de branco a roupa lavada.

As crianças brincam e a água canta.Brincam na água felizes…Velam no capim um negrito pequenino.

E os gemidos cantados das negritas lá do rioficam mudos lá na hora do regresso…Jazem quedos no regresso para a roça.

DaRevistaBuala,extraímosdoispoemasdeAlda:”Paraládapraia”e“Ilhanua”,aseguir:

Baía morena da nossa terravem beijar os pézinhos agrestesdas nossas praias sedentas,e canta, baía minhaos ventres inchadosda minha infância,sonhos meus, ardentesda minha gente pequenalançada na areiada Praia Gamboa morenagemendo na areiada Praia Gamboa.

Canta, criança minhateu sonho gritantena areia distanteda praia morena.

Teu teto de andalaà berma da praia.Teu ninho desertoem dias de feira.Mamã tua, meninona luta da vidagamã pixi à cabeçana faina do diamaninho pequeno, no dorso ambulantee tu, sonho meu, na areia morenacamisa rasgada,no lote da vida,na longa espera, duma perna inchadaMamã caminhando p’ra venda do peixee tu, na canoa das águas marinhas…

— Ai peixe à tardinhana minha baía…Mamã minha serenana venda do peixe.

Ilha Nua

Coqueiros e palmares da Terra NatalMar azul das ilhas perdidas na conjuntura dos sé-culosVegetação densa no horizonte imenso dos nossos sonhos.Verdura, oceano, calor tropicalGritando a sede imensa do salgado marNo deserto paradoxal das praias humanasSedentas de espaço e devidaNos cantos amargos do ossobôAnunciando o cair das chuvasVarrendo de rijo a terra calcinadaSaturada do calor ardenteMas faminta da irradiação humanaIlhas paradoxais do Sul do SaráOs desertos humanos clamamNa floresta virgemDos teus destinos sem planuras…

TEXTO COMPLEMENTAR

“Nas geografias do imaginário: litera-

tura, antropologia e vivências migrantes

na escrita”, por Diego Ferreira Marques.

Disponível em: http://www.uff.br/revis-

taabril/revista-01/012_Diego.pdf. Aces-

so em 10. dez.2012.

1.3 conceição Lima – Poesia de raiz Fo

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Conceição Lima.

Conceição Lima (Maria da Conceição de DeusLima)nasceuem1961.Énaturalda ilhadeSãoTomé.Fez jornalismoemPortugal,trabalhouemrádioetelevisãoemseupaís.Nadécadade90,elafundouosemanárioindependenteO País Hoje. EmLondres,licenciou-seemEstudosafro-portuguesesebrasileiros,peloKing’sCollege.TrabalhanaBBCcomoprodutoradosserviçosdeLínguaPortugue-sa.Seuspoemascirculamemjornais,revistasean-tologias de vários países.Em2004, publicou “Oúterodacasa”pelaeditorialCaminhodeLisboae “Adolorosa raizdomicondó” (poemas,2006),pelamesmacasaeditorial.Limaéumadaspoetas

52 Capítulo 4

doperíodopós-colonial.EmAngola,aosdezanoveanos,elaparticipoudaVIConferênciadeEscrito-resAfro-asiáticos,ocasiãoemquedeclamoualgunsdosseuspoemas.Otítulodolivro“Adolorosaraizdomicondó”éumadashomenagensqueaautorafazàculturadoseupaís.Nesse livro,oeu lírico--socialevocaagrandezadomicondó, istoé,umaárvoresagradaemdiversasregiõesafricanas.Essaárvorepode ser associada àsorigens e traz comosignificado: casa, morada ancestral. A apresenta-ção do livro sugere que tais raízes são dolorosas

devidoaacontecimentoshistóricos,comoaescravidãoeacolonização,queimprimiramprofundasferidaserupturasna identidadenacional, enaprópriapoetisa, cujosante-passadosforamtrazidosàforçaparaoarquipélagoafrica-noemaistardeenviadosparaoutrasterrascomoescravos.(Cf.blogdaGeraçãoEditorial.Disponívelem:http://blo-ggeracaoeditorial.com.Acessoem:/2012/11/20/).

OsestudiososconsideramapoesiadeConceiçãoLimacomoumamanifestaçãodotadadelirismo,aomesmo tempoemqueospoemas sãoperpas-sadosporfatostraumáticosdostemposdeguerra.Porisso,vê-seoeulírico-aforçadomicondó-comas suasprofundas raízese frondosacopaquecir-cundamofazerpoéticodeConceiçãoLima.Esselivrofoipublicadotambém,noBrasil,pelaGera-çãoEditorial,em2012:

PRESSAFicam mais curtas as horasSe tombam caminhos.

O GUARDIÃOSobre todas as coisas, o guardiãovenera o eco da própria voz.No anel de bondade em redor do tronodecretou a obediência do ventoe a vassalagem dos frutos.

MULABO IOnde o tamanho das vozesEncolhe o nome e o rosto da urbe.

OCULTONão lhe vi o rostoNão lhe viste o rostoNão lhe viram o rostoNão lhe vimos o rostoEstava de bruços.

ESTÁTUAS

Neste país as estátuas desdenham alturas.Traficam na praça, devassam estradasTêm mãos pensativas e barro na planta dos pés.

KWAMEDeixei longe o clarim.Vim ouvir a alegria das rosasÉbrias gaivotasEsta frescura tingindo de princípio o teu canto.Além dos retalhos do mapaVim tocar as tábuas da profecia.Acostumo-me ao perpétuo fogoNa fronte de Acra.Que diriam as palavrasO que diriamSobre o árduo fulgor da tua mortalha?

[LIMA, “O País de Akendenguê”, Editora Cami-nho, 2011]

Na antologia internacional, “Nós da poesia +20nosotros”,apoetaConceiçãoLimaparticipacomum poema traduzido também para o espanhol,representandoSãoToméePríncipe.Essaantolo-gia,organizadaporBrendaMarques, sugereque,no campo da chamada sustentabilidade, “a poe-sia compreende aspectosmetafísicos (no sentidodesuaimaterialidade)edapossibilidadedeessesaspectos transcenderemomundo físico“ (MAR-QUES, 2012, p. 7). Vejamos o poema Casa, deConceiçãoLima(2012,p.42-43):

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Livro de C. Lima.

Aseguir,apresentamosseispoemasdeConceiçãoLima (extraídos doBlog Bibliotecário de Babel).Essespoemastambémforampublicadosno livrodareferidaautora;trata-sede“O País de Akenden-guê”,EditoraCaminho,2011:

53Capítulo 4

Aqui projectei a minha casa:alta, perpétua, de pedra e claridade.O basalto negro, porosoviria da Mesquita.Do Riboque o barro vermelhoda cor dos hibiscospara o telhado.Enorme era a janela de vidroque a sala exigia um certo ar de praça.O quintal era plano, redondosem trancas nos caminhos.Sobre os escombros da cidade mortaprojectei a minha casarecortada contra o mar.Aqui.Sonho ainda ampliar – uma rectidão de torre, de altar.Ouço murmúrios de barcosna varanda azul.E reinvento em cada rosto fio a fioas linhas inacabadas do projecto.

atividade crítica/refLexiva |“ConceiçãoLima, de certa forma, retomaoscaminhos percorridos por Tenreiro, ao viverforadoseupaís,mascomocoraçãoemÁfri-ca”(FONSECA,2010,p.XXI).

1.4 francisco josé tenreiro: senso Poético-sociaL

poema“NegrodeTodooMundo”.Asuapoesiaexaltaohomem africano na sua globalidade, ou seja, a diásporaafricanaquesepropagouportodososcantosdomundo.(FERREIRA,1977).

ParaManuelFerreira,(1977),Tenreiroéoprimei-ropoetaquefazusodaexpressãonegritudeeque,diferentementedeCostaAlegre,identifica-secomo excluído. É o caso de Francisco JoséTenreiro,que,nessaperspectivaeoptandoporumaapresen-taçãocronológica,escreve:

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Tenreiro.

Francisco José Tenreiro (1921-1963) nasceu emSãoTomé.Comogeógrafo,encontrounapoesiaocaminhoparaexpressarasuavisãodeafricanoati-vista.Defensordosdireitoshumanos,comosugere(naíntegra)opoema“Negrodetodoomundo”.NaopiniãodocríticoManuelFerreira(1977):

Maisdoqueopoetadanegritude, assumeumaposturadedefesadetodasasminoriasétnicas,comoévisívelno

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Cartaz da Negritude.

O som do gongueficou gritando no arque o negro tinha perdido.Harlém! Harlém!América!Nas ruas de Harlémos negros trocam a vida por navalhas!América!Nas ruas de Harlémo sangue de negros e de brancosestá formando xadrez.Harlém!Bairro negro!Ringue da vida!Os poetas de Cabo Verdeestão cantando...

Cantando os homensperdidos na pesca da baleia.Cantando os homensperdidos em aventuras da vidaespalhados por todo o mundo!

Em Lisboa?Na América?No Rio?Sabe-se lá!...

— Escuta.É a Morna...

Voz nostálgica do cabo-verdianochamando por seus irmãos!

54 Capítulo 4

Nos terrenos do fumoos negros estão cantando.

Nos arranha-céus de New-Yorkos brancos macaqueando! Nos terrenos da Virgíniaos negros estão dançando.

No show-boat do Mississípios brancos macaqueando!Ah!Nos estados do sulos negros estão cantando!A tua voz escurinhaestá cantandonos palcos de Paris.Folies-Bergères.

Os brancos estão pagandoo teu corpoa litros de champagne.Folies-Bergères!

Londres-Paris-Madridna mala de viagens...

Só as canções longasque estás soluçandodizem da nossa tristeza emelancolia!

Se fosses brancoterias a pele queimadadas caldeiras dos naviosque te levam à aventura!

Se fosses brancoterias os pulmões cheiosde carvão descarregadono cais de Liverpool!

Se fosses brancoquando jogas a vidapor um copo de whiskyterias o teu retrato no jornal!

Negro!Na cidade da Baíaos negrosestão sacudindo os músculos

Ui!Na cidade da Baíaos negrosestão fazendo macumba.

Oraxilá! Oraxilá!

Cidade branca da Baía.Trezentas e tantas igrejas!Baía...Negra. Bem negra!Cidade de Pai Santo.

Oraxilá! Oraxilá!

1.5 Poesia e denúncia em manueLa margarido

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AsantomenseMariaManuelaConceiçãoCarva-lhoMargaridonasceuem1925emorreuem2007.Participou das lutas anticolonialistas, Em 1953,com a sua poesia, levanta a voz contra omassa-cre de Batepá,perpetradopelarepressãocolonialportuguesa.Elaestudouciênciasreligiosas,socio-logia, etnologia e cinemanaSorbone,na capitaldaFrança,Paris,ondeesteveexilada.Foiembaixa-doradoseupaísemBruxelaseemváriasorgani-zaçõesinternacionais.EmLisboa,ondeviveu,elaempenhou-senadivulgaçãodaculturadoseupaíseconsideradaumdosprincipaisnomesdapoesiasantomense. Denunciou a repressão e a misériaemqueviviamossão-tomensesnasroçasdocaféedocacau.Destacamosalgunspoemasdesuaobra“MemóriadaIlha”:

Socopé

Os verdes longos da minha ilhasão agora a sombra do ocá,névoa da vida, nos dorsos dobrados sob a carga(copra, café ou cacau – tanto faz).Ouço os passos no ritmocalculado do socopé,os pés-raízes-da terraenquanto a voz do coroinsiste na sua queixa(queixa ou protesto – tanto faz).

55Capítulo 4

Monótona se arrastaaté explodirna alta ânsia de liberdade.

(MARGARIDO, Cf. MATA, 2004, p. 242)

Vejamos,também,umfragmentodopoema“Ser-viçais”,emqueoeulíricosocialclamapelosdirei-tosparaquelivresejaaterraetodososhomens:

Trazem na pele tatuadaa hierarquia das relíquiasalimentando-se de um sanguedesprezadoque elege os magistradosda morte.Amanhã os clamores da festaacordarão as longas avenidasde braços virise a terra do Sulserá de novo funda e frescae será de novo sabea terra seca de Cabo Verde,livre enfim os homense a terra dos homens.

(MARGARIDO, Cf. MATA, 2004, p. 243)

Nopoema“MemóriadaIlhadoPríncipe”,podesedizerquesetratadeumpoemadosmaisemble-máticos.Vejamos a representação damãeÁfricana literaturadeManuelaMargarido (Cf.MATA,2004,p.244):

Mãe, tu pegavas charroconas águas das ribeirasa caminho da praia.Teus cabelos eram lemba-lembasagora distantes e saudosas,mas teu rosto escurodesce sobre mim.Teu rosto, liliáceairrompendo entre o cacau,perfumando com a sua sombrao instante em que te descubrono fundo das bocas graves.Tua mão cor-de-laranjaoscila no céu de zincoe fixa a saudadecom uns grandes olhos taciturnos.

(No sonho do Pico as mangas percorrem a órbita lenta das orações dos ocás e todas as feiticeiras deser-tam a caminho do mal, entre a doçura das palmas).

Na varanda de marapiãoos veios da madeira guardam

a marca dos teus pés levese lentos e suaves e próximos.E ambas nos lançamosnas grandes flores de ébanoque crescem na água cálidadas vozes clarividentesenchendo a nossa Áfricacom sua mágica profecia.

Nopoema “Vósqueocupais anossa terra”,Ma-nuelaMargaridoimprimeaoeulíricoaesperançano futuro, numa alusão às brincadeiras infantis,pois urge que a esperança façamorada na terra,porque é preciso brincar, apesar dos tempos deguerra(Cf.MATA,p.249):

É preciso não perderde vista as crianças que brincam:a cobra preta passeia fardadaà porta das nossas casas.(...)Nós nos conhecemos e sabemos,tomamos chá do gabão,arrancamos a casca do cajueiro.E vós, apenas desbotadasmáscaras do homem,apenas esvaziados fantasmas do homem?Vós que ocupais a nossa terra?

NaopiniãodeInocênciaMata,os“Doispoemasquasereligiosos”(aseguir),manifestamosanosdesilêncioededeslocamentodeManuelaMargaridoou,comoelamesmacomentounumaentrevista–comoobservaMata(2004,p.250),poisManuelaMargaridonãoignora“osistemacolonialeosseusmeandros,ailhaeosseusseresecoisas[...]pondo“ohomemcomocentrodetudo,enãopôrasdi-ferençasentreumhomemeuropeueumhomemafricano”(MATA,2004,p.250).Nesseperspecti-va,valeconferirospoemas:

Nas minhas ilhasnada escapa à contabilidade dos espíritosna claridade do dia como na opacidade das noitesespíritos e homens estão ligadoscom a força das lianas.Dêvé é pagar o que os espíritos pedemcom suas vozes silenciosasinsistentesquando na noite despertam as vegetaçõesmais tensas e mais opulentascheias de gestos de palavras de desejosSe os espíritos pedem comida e tabacocom seus movimentos oscilantesé para manter viva esta comunicaçãonecessária entre os que já partiram

56 Capítulo 4

e os que vão chegar,mensageiros do além:quando a criança nascetraz na palma da mão o tangenroteiro mais do que destino

1. Instalada na encruzilhadaa boneca aberta na madeira do ocácria a reversibilidade do tempopermite o regresso dos que partiramtão hesitantes que devem voltarpara nos dizer nas lentas horas nocturnasos segredos mais ousadosos mais eternospossivelmente os mais dramáticosquando o homem está colocadonas margem dos riosperante a alvura cintilantedo ocosso.

2. Tanta doçurapela vassoura de sete ramos de andalae penas de galinha!As sete bandeiras triangularesdesenham a crespura vegetal do mundo:se os amigos abatem amorosamente o chicotesobre o teu corpoé para o abrirem à confidência eternados que nos acompanham do outro ladoda vida e da morte.

atividade critica/refLexiva |ACEI,CasadosEstudantesdoImpério,em-bora tenha sido criada pelo salazarismo paraconsolidar os ideais do império colonial, ter-minou por ser um foco de conscientizaçãopolítica, transformando-se – ironizam algunsestudiosos–emuma“CasadeEstudantescon-traoImpério”(TEIXEIRA,2010,p.20).

1.6 a identidade Poética em oLinda beja

MariaOlinda BejaénaturaldeSãoToméePrín-cipe.Nasceu em 1946. Licenciada em Línguas eLiteraturasModernas.Escritora,contadoradehis-tórias, declamadora.Obraspublicadas:Bô Tendê? (poemas,1992);Leve, leve(poemas,1993);15 Dias de regresso(romance,1994);No País do Tchiloli (poe-mas,1996);A Pedra de Villa Nova (romance,1999);Pingos de Chuva (conto (prosa,2000);Quebra-Mar (poemas, 2001);Água Crioula (poemas, 2002);A Ilha de Izunari (romance,2003)ePé-de-Perfume (con-tos,2004)eAromas de cajamanga(2009),entreou-trasobrasnasquaisaautoraexpressaoamoràterraondenasceu.Bejatempoemastraduzidosemváriaslínguas,aexemplodolivro“OCruzeirodoSul”(antologiapoética)editadoemPortuguêseEs-panhol.RecentementeparticipoudoPrêmioP.T.Literatura2012,comaobra“HistóriasGravana”.

Quem somos

O mar chama por nós, somos ilhéus! Trazemos nas mãos sal e espuma cantamos nas canoas dançamos na bruma

somos pescadores-marinheiros de marés vivas onde se escondeu a nossa alma ignota o nosso povo ilhéu

a nossa ilha balouça ao sabor das vagas e traz a espraiar-se no areal da História a voz do gandu na nossa memória...

Somos a mestiçagem de um deus que quis mostrar ao universo a nossa cor tisnada resistimos à voragem do tempo aos apelos do nada

continuaremos a plantar café cacau e a comer por gosto fruta-pão filhos do sol e do mato arrancados à dor da escravidão

Na sequência, vejamosMolembu, um poema deOlindaBeja (disponívelem:<http://pracadapoe-sia.blogspot.com.br/2008_12_01_archive.html>.Acessoem10.dez.2012.

Molembu minha rocinhameu perfume de untuéminha riqueza perdidanum grãozinho de café

meu cacaueiro d’esperança

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jpgOlinda Beja.

57Capítulo 4

minha jaca abençoadaminha mangueira, meu jambleminha cola desejada

minha amiga mandiocaentre o sisal escondidaminha banana meu pãosustento da nossa vida

minha palmeira maternameu coqueiro secularminha fruteira d’encantodescanso do meu olhar

Molembu minha rocinhameu capim, minha florestameus passarinhos cantandonuma grinalda de festa

meu unkuêtê, minha rosade madeira e porcelanameu antúrio, minha avencaminha doçura de cana

tudo tem minha rocinhaabundância e qualidadeno distrito de Mé Zochipara os lados da Trindade.

Natural de São Tomé.Nasceu em 1931 e resideatualmenteemPortugal.Émédico,ativistaediri-gentepolítico.Autordepoemaseensaiospublica-dosemPortugaleemoutrospaíses.RecentementepublicouumlivroquetratadolíderAmilcarCa-bral,dequemfoimuitoamigo.NositeLusofonia,apoesiadeMedeirosestáinseridanalutacontraocolonialismo,comopodemosobservarnoseguintecomentário:

Poesia vinculada à sedimentação de uma consciênciaanticolonialista,maisdoque a fala de cadapoeta ela seconsubstancia na voz colectiva do homem são-tomense.Masnão sópoesiade signos, de símbolos, de imagísticaprotestatária,aliásdedescodificaçãofacilitada.Nãosópo-esiadeanunciaçãoeassunção.Nãosó.Poesiatocadapeloafagolíricodascoisasda«IlhaVerde,rubradesangue».As«palmeirasecacoeiros»,«oaromadosmamoeiros»,o«ca-jueiro»;as«modinhasdaterra»,os«murmúriosdocesdossilêncios»,«ascanoasbalouçandonomar»,o«sòcòpé»,osdeuseseosmitos,«oraçõesdosocás»,os«cazumbis»(LU-SOFONIA, disponível em: <http://lusofonia.com.sapo.pt/LiteraturaSantomense.htm>.Acessoem19.dez.2012)

Na antologia “Poesia africana de língua portu-guesa”, organizada por Barbeitos (2003, p. 276),selecionamosopoema“MeucantoEuropa”,quedenunciaasmarcasdadegradaçãooriundasdoco-lonialismo:

Agora,agora que todos os contactos estão feitos,as linhas dos telefones sintonizadas,os espaços dos morses ensurdecidos,os mares dos barcos violados,os lábios dos risos esfrangalhados,os filhos incógnitos germinados,os frutos do solo encarcerados,os músculos definhadose o símbolo da escravidão determinado.

Agora,agora que todos os contactos estão feitos,com a coreografia do meu sangue coagulada,o ritmo do meu tambor silenciado,os fios do meu cabelo embranquecidos,meu coito denunciado e o esperma esterilizado,meus filhos de fome engravidados,minha ânsia e meu querer amordaçados,minhas estátuas de heróis dinamitadas,meu grito de paz com os chicotes abafado,meus passos guiados como passos de besta,e o raciocínio embotado e manietado,

Agora,agora que me estampaste no rostoos primores da tua civilização,

TEXTO COMPLEMENTAR

Entrevista com escritores africanos e

brasileiros, com Simone Caputo Gomes.

Disponível em: <http://www.uff.br/re-

vistaabril/revista-02/013_rosidelma%20

fraga.pdf>. Acesso em 10. dez. 2012.

1.7 tomÁs medeiros

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Capa do livro “Polifonias insulares”, de Inocência Mata.

Literatura santomense.

58 Capítulo 4

eu te pergunto, Europa,eu te pergunto: AGORA?

atividade critica/refLexiva |PesquisarocotidianodapoesiaemTomásMe-deiros

1.8 a Prosa em são tomé

Sara Pinto Coelho ouSarahAugustadeLimaeAbreu–naturaldeSãoTomé,nasceuem1913epassougrandepartedasuavidaemMoçambique.Faleceu em 1990. Trabalhou como professora ejornalista.Elaescreveupeçasde teatro radiofôni-co, romances, contos e livros infantis. Dirigiu oprogramadeteatroradiofônicoemMoçambique,noperíodode1967a1972.

VianadeAlmeida(Maiá Pòçon,contos,1937)edeMárioDomingues.(O menino entre gigantes,1960)nãochegamaserumacontribuiçãorelevante.Oprimeiro,nessetempo,prejudicado aindaporumpontode vista subsidiáriodeuma época colonial; o segundo (também natural de S.ToméePríncipe,mastornadoescritorportuguêspelaobraepelaradicação) talvezpelacarênciadadramatizaçãodapersonagem principal, omulato Zezinho, nado e criadoem Lisboa. De acaso teria sido o conto «Os sapatos dairmã»,semqualquerrelaçãocomS.Tomé,queFranciscoJoséTenreiro,em1962,publicounacolectâneaModernos Autores Portugueses(Lisboa).Acidentaisainda,masjácomumavisãoajustadaaumrealafricano,foramtambémasexperiênciasdeAlvesPreto,limitada,cremos,adoiscon-tos:«Umhomemigualatantos»e«Aconteceunomorro».EaindaocasodeSumMarky(i.e.JoséFerreiraMarques),branconascidoemS.Tomé,autordeváriosromances,deimportância discutível, alguns, no entanto, parcialmentecominteresse,valendocitarVila flogá,1963,comoteste-munhoacusatóriodaexploraçãocolonialista.(LUSOFO-NIA. Disponível em: <http://lusofonia.com. sapo. pt/

LiteraturaSantomense.htm>.Acessoem19,.dez.2012).

Outro nome conhecido no campo da prosa lite-rária é Albertino Homem dos Santos Sequeira Bragança.NasceuemSãoTomé,noanode1944.EmCoimbra, ele formou-se em Engenharia Ele-trotécnica e regressouà terranatal em1975.Foiministro da Defesa e dos Negócios EstrangeiroseatuoutambémnaáreadeEducaçãoeCultura.Émembro fundador e secretário-geral daUniãoNacionaldosEscritoreseArtistasdeSãoToméePríncipe.Publicouos livros:Rosa do Riboque e ou-tros Contos(1985),Um Clarão sobre a Baía(2004)eAurélia de Vento(2011).SóoprimeirofoipublicadoemPortugal,pelaEditoraCaminho(1997).Apro-pósitodanarrativasãotomense,ositeLusofoniacomentaoseguinte:

Modestíssima,quantitativaequalitativamente,éanarrati-vadeS.ToméePríncipe.Asesporádicasexperiênciasde

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397

Livro de Albertino.

atividade crítica/refLexiva |ContinuarpesquisandoodiálogoBrasil/Áfri-ca à luz do pensamento do educador PauloFreire.

fórum temÁticoCultura,históriaememóriaemSãoToméePríncipe.

TEXTO COMPLEMENTAR

Para saber mais das literaturas africanas

de língua portuguesa, acesse:

http://www.uff.br/revistaabril/revis-

ta-07/001_deolinda%20adao.pdf

59Capítulo 4

gLossÁrio

batePá – rebelião que, em 1953, resultou na repressão sangrenta comandada pelo então governador santomen-se Carlos Gorgulho. Na verdade, os historiadores com-param as atrocidades cometidas nessa rebelião a um holocausto.

Forro – escravo alforriado; designa também, grupo so-cial dominante em São Tomé. holoCausto – massacre de judeus e de outras minorias efetuado nos campos de concentração. Imolação.

miCondó – árvore considerada sagrada, em diversas regi-ões da África, simboliza origem, casa, morada ancestral.

soCoPé – dança típica de São Tomé e Príncipe.

referÊncias

BARBEITOS, Arlindo; APA, Livia; DÁSKALOS, M. Alexandre. Poesia africana de língua portugue-sa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda Editores: Academia Brasileira de Letras, 2003.

BLOG BIBLIOTECÁRIO DE BABEL. Disponível em: <http://bibliotecariodebabel. com/ geral/ seis-poemas-de-conceicao-lima/>. Acesso em 10.dez.,2012.

Bragança, Albertino. Rosa do Riboque e outros contos. São Tomé: Cadernos Gravana Nova, 1985.

______.Um clarão sobre a Baía. S. Tomé: Banco Internacional de S. Tomé e Príncipe/CST, 2011.

______. Aurélia de Vento. S. Tomé: Banco Inter-nacional de S. Tomé e Príncipe/CST, 2011.

FERREIRA, Manuel. 50 Poetas Africanos. Lisboa: Plátano Editora, 1989.

FONSECA, Maria Nazareth Soares. Prefácio. In: SECCO, Carmen Tindó et. al. África & Bra-sil – letras em laços. São Caetano do Sul/SP: Yendis, 2010, pp. XV-XXII.

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LIMA, Conceição. A dolorosa raiz do micondó. Poesia. São Tomé e Príncipe: Editor (mecenas) Rui Mendonça; Banco Ecuador (patrocinador), 2012, 80p.

______. A casa/La casa. Poema. In: MARQUES, Brenda. (Org.). Nós da poesia +20 nosotros. São Paulo: Instituto Imersão Latina; Hímpeto Editorial, 2012, pp. 42-43.

MARGARIDO, Manuela. Poemas. In: ACEI (As-sociação Casa dos Estudantes do Império), Antologias de Poesia da Casa dos Estudantes do Império (1951-1963): Angola – S. Tomé e Príncipe, I volume, Lisboa: ACEI, 1994.

resumo

A Ilha de São Tomé e Príncipe foi a primeira a sofrer o monopólio do comércio e da agricultu-ra. Foi marcada, também, pela tragédia do tráfico de escravos, pois a localização geográfica dessa Ilha a transformou em ponto de tráfico negreiro no início da colonização. Em 1974, com a Revolução dos Cravos, em Portugal, e com a declaração da independência de São Tomé, em 1975, o santomense foi, aos poucos, respirando os ares da Liberdade e recuperando a sua autoestima. Uma das formas de combate ao colonialismo é a literatura que faz de São Tomé uma literatura banhada pelo Atlântico. Dos nomes mais conhecidos das letras santomenses, apresentamos – pela ordem alfabética – o seguinte: Alda do Espírito Santo ou Alda Graça, Conceição Lima, Francisco José Tenreiro, Maria da Conceição Lima, Maria Manuela Concei-ção Carvalho Margarido, Maria Olinda Beja e Tomás Medeiros, entre outros. Para saber mais das Literaturas africanas de língua portuguesa, sugerimos leitura e realização das atividades refletivas, participação no fórum temático e atenção às referências bibliográficas sugeridas.

60 Capítulo 4

MARQUES, Brenda. (Org.). Nós da poesia +20 nosotros. São Paulo: Instituto Imersão Latina; Hímpeto Editorial, 2012, p.7.

MATA, Inocência. Manuela Margarido: uma poetisa lírica entre o cânone e a margem. In: Revista Scripta, Belo Horizonte, v. 8, n. 15, p. 240-252, 2º sem. 2004.

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SANTO, Alda. É nosso o solo Sagrado da ter-ra. Coleção Vozes das Ilhas. Lisboa: Ulmeiro, 1978.

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TEIXEIRA, Vanessa Ribeiro. Os nós da garganta de uma voz plural: a poesia de Alda Espírito Santo. . In: SECCO, Carmen Tindó et. al. África & Brasil – letras em laços. São Caetano do Sul/SP: Yendis, 2010, pp. 19-36.

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XAVIER, Lola Geraldes. Actas do Colóquio Inter-nacional São Tomé e Príncipe numa perspectiva interdisciplinar, diacrónica e sincrónica (2012), 393-409. Lisboa; Instituto Universitário de Lis-boa (ISCTE-IUL), Centro de Estudos Africanos (CEA-IUL), ISBN: 978-989-732-089-7; Instituto

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