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1 Psicologia do Testemunho Conhecimento Científico, “Boa Técnica” e Falsas Memórias: desafios para a escuta qualificada de crianças e adolescente que, supostamente, sofreram violência sexual Lilian Milnitsky Stein Programa de Pós-Graduação em Psicologia Grupo de Pesquisa em Processos Cognitivos PONTIFíCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL Infância, Juventude e Violência: Buscando alternativas para respostas rápidas e eficientes Ministério Público do Estado do Paraná Curitiba, PR Out/2013 Por que ouvir crianças e adolescente que, supostamente, sofreram violência sexual? Lilian Milnitsky Stein Programa de Pós-Graduação em Psicologia Grupo de Pesquisa em Processos Cognitivos PONTIFíCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL NÃO deveríamos ouvir crianças e adolescente que, supostamente, sofreram violência sexual! PROPOSTA Quais as condições para a implementação dessa proposta? PROPOSTA NÃO deveríamos ouvir crianças e adolescente! Condição 1 PROPOSTA NÃO deveríamos ouvir crianças e adolescente! Quais as condições para a implementação dessa proposta? Condição 1 Que não sejam cometidos atos de violência contra crianças e adolescente.

Lilian Milnitsky Stein - crianca.mppr.mp.br · prova”, a prova testemunhal. Prova Testemunhal Gorphe,F. (1927). Prova Testemunhal “Há um consenso geral que a prova -testemunhal

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1

Psicologia do Testemunho

Conhecimento Científico, “Boa Técnica” e Falsas

Memórias: desafios para a escuta qualificada de crianças e

adolescente que, supostamente, sofreram violência sexual

Lilian Milnitsky Stein

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

Grupo de Pesquisa em Processos Cognitivos

PONTIFíCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

Infância, Juventude e Violência: Buscando alternativas

para respostas rápidas e eficientes

Ministério Público do Estado do Paraná

Curitiba, PR Out/2013

Por que ouvir crianças e

adolescente que, supostamente,

sofreram violência sexual?

Lilian Milnitsky Stein

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

Grupo de Pesquisa em Processos Cognitivos

PONTIFíCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

NÃO deveríamos ouvir

crianças e adolescente

que, supostamente,

sofreram violência sexual!

PROPOSTA

Quais as condições para a

implementação dessa

proposta?

PROPOSTA NÃO deveríamos ouvir crianças e

adolescente!

Condição 1

PROPOSTA NÃO deveríamos ouvir crianças e

adolescente!

Quais as condições para a

implementação dessa proposta?

Condição 1 Que não sejam

cometidos atos de

violência contra

crianças e

adolescente.

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MENORES

VÍTIMAS DE

VIOLÊNCIA

Condição 2

PROPOSTA NÃO deveríamos ouvir crianças e

adolescente!

Quais as condições para a implementação

dessa proposta?

Outras evidências

confiáveis.

Condição 2

Outras evidências confiáveis

Evidências Físicas

Testemunhas

CRIANÇA

VÍTIMA DE

VIOLÊNCIA • 96% sem vestígios

físicos (Heger et al., 2002).

• maioria dos casos,

não há testemunhas.

Condição 2

Outras evidências confiáveis

Evidências

Psicológicas

Indicadores frequentemente encontrados

em vítimas de abuso sexual

Comportamentais (agressividade, conduta

sexual inadequada, isolamento social, etc...)

Cognitivos (baixa concentração, diminuição do

rendimento escolar, etc..;)

Emocionais (ansiedade, tristeza, irritabilidade,

raiva, medo, vergonha, culpa, etc..)

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AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Conflitos familiares

- depressão

- ansiedade

- dificuldade de

concentração

- prejuízo escolar

Abandono/perda

de importante

figura

Condições

orgânicas

Denúncia

falsa/envolvimento

com a justiça (SAP)

CRIANÇA

Dificuldades e Limites das Evidências da Avaliação Psicológica

Abuso físico/sexual

(adaptado de Welter, 2012)

SENSIBILIDADE

ESPECIFICIDADE

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Existem evidências

cientificamente confiáveis

para a implementação

dessa proposta?

PROPOSTA NÃO deveríamos ouvir

crianças e adolescente!

Fundamentos científicos para avaliar

a validade de evidências:

• Terem sido testadas em várias

pesquisas;

• Publicadas após avaliação de

especialistas;

• Aceitas pela grande comunidade

científica da área.

Matson, Daou & Soper (2004)

Existem condições cientificamente

confiáveis para a implementação

dessa proposta?

NÃO

PROPOSTA NÃO deveríamos ouvir

crianças e adolescente!

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Litígio dos Pais

• Mãe alega que filha

revelou ter sido “tocada”

pelo pai durante o banho.

Desafio para os

Operadores do Direito

• Abuso do pai contra a

filha de fato ocorreu?

• Quais são as evidências

disponíveis?

Abuso de fato ocorreu

Cenário 1

Abuso NÃO ocorreu

Cenário 2

Quais são as

evidências que o

abuso ocorreu?

MENOR

VÍTIMA DE

VIOLÊNCIA • 96% sem vestígios físicos.

• maioria dos casos, não há

testemunhas.

• sintomas psicológicos e

comportamentos não permitem

diagnóstico específico.

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CRIANÇA

VÍTIMA DE

VIOLÊNCIA

Memórias

CRIANÇA

VÍTIMA DE

VIOLÊNCIA

Testemunho Palavra da vítima

TESTEMUNHO

Relato baseado

em lembranças

dos fatos, pessoas.

Evidências

Memória François GORPHE

“ o testemunho é tão antigo como o mundo” e

“desde que existem os homens e desde quando eles

tenham tido a pretensão de fazer justiça, tem se

valido do meio mais fácil e mais comum dos meios de

prova”, a prova testemunhal.

Prova Testemunhal

Gorphe,F. (1927).

Prova Testemunhal

“Há um consenso geral que a

prova testemunhal é o meio

mais inseguro” de prova.

(Carlos H. B. Leite, p.544)

“..... é a pior prova que existe,

(...) justamente por ser a mais

insegura”. (Sérgio P. Martins, 2006, p. 329).

A prova testemunhal é a

“prostituta das provas”.

Mittermaier

Fragilidade da Prova Testemunhal

devido a conjunção de fatores:

- natureza da memória humana;

- condições de produção da prova.

Prova Testemunhal

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6

Produção da prova

testemunhal

Inerentes a testemunha

Sob controle do sistema

de justiça

VARIÁVEIS DE

ESTIMAÇÃO

Dependem da

testemunha

Variáveis que podem

afetar a qualidade do

TESTEMUNHO (Wells, 1998)

VARIÁVEIS DO

SISTEMA

Sob controle do

sistema de justiça

Produção da

prova

testemunhal

Inerentes a

testemunha

Sob controle do

sistema de

justiça

Conhecimento

Científico em Psicologia do Testemunho

Memória Humana

VARIÁVEIS DE

ESTIMAÇÃO

Dependem da

testemunha

Variáveis que podem afetar a

qualidade do TESTEMUNHO

Os eventos seriam guardados no baú das

memórias.

Crenças sobre a Memória

MEMÓRIAS

Funcionamento normal da memória

Psicologia do Memória Fundamentos Científicos

BADDELEY, A., EISENCK, M.W. &

ANDERSON, M.C. (2011). Memória.

Porto Alegre: Artmed.

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MEMÓRIAS VERDADEIRAS

Lembrança de algo que de fato aconteceu

Conhecimentos Científicos sobre a Memória

MEMÓRIAS

A memória não é uma máquina fotográfica ou filmadora

As informações

contidas na

memória estão

sujeitas a perdas

e distorções.

FALSAS MEMÓRIAS

Lembrança de algo que de fato NÃO

aconteceu

1. Distração

2. Transitória

3. Bloqueio

4. Persistente

7. Distorcida

5. Sugestionável

6. Enganadora Daniel Schacter

Os Sete Pecados da

Memória

(2003)

Falsas Memórias Fundamentos Científicos, Aplicações Clínicas e

Jurídicas

Stein et cols., 2010

Mentira Falsas

Memórias

Falso Testemunho

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Testemunho

Verdadeiro Falso

Distorção

proposital

dos fatos

Falsas

Memórias

Memórias

Verdadeiras

Verdade para a testemunha Mentira/

Fantasia

VARIÁVEIS DA

TESTEMUNHA

Variáveis que podem

afetar a qualidade do

TESTEMUNHO (Wells, 1998)

VARIÁVEIS DO

SISTEMA

Sob controle do

sistema de justiça

Oitiva de crianças e

adolescentes

Como fazer?

Qual tipo pergunta?

Quais palavras foram

utilizadas?

Em que sequencia e em que

contexto?

Testemunho

Elizabeth Loftus

Porque não seguir uma conversa

normal?

Fazer as perguntas para as quais

precisamos informações?

Repetir perguntas ?

Repetir a oitiva?

Depoimento após um tempo

decorrido?

Oitiva com Testemunha TESTEMUNHO

Relato baseado nas

lembranças dos fatos,

local, pessoas.

Evidências

Memória Não é uma

filmadora!!!!

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A forma como uma pergunta é

formulada a uma testemunha

vai influenciar a qualidade das

informações em sua resposta.

(Loftus, 1979)

MEMÓRIAS

Qual tipo pergunta?

Quais palavras foram

utilizadas?

Em que sequencia de

perguntas e em que contexto?

Possíveis

evidências do abuso

Elizabeth Loftus

Técnicas de

entrevista

problemáticas

Perguntas Fechadas

Ele tirou tua roupa?

Quantas vezes isso aconteceu, uma ou

mais de uma vez?

Técnicas de Entrevista Problemáticas

Perguntas ou Afirmativas Sugestivas

• Contem informações NÃO mencionadas

pela criança.

Ex. Tua mãe contou que tu chegou em

casa chorando, depois de ir na casa do

pai. O que aconteceu lá?

Técnicas de Entrevista Problemáticas

Perguntas ou Afirmativas Sugestivas

perguntas fechadas ou afirmativas com

informações que não foram trazidas

pela testemunha.

Podem distorcer a memória

sobre os fatos testemunhados

Técnicas de Entrevista Problemáticas

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Técnicas de Entrevista Problemáticas

• Uso de brinquedos e

desenhos

• Uso de bonecos anatômicos

Pipe et al. (2011)

Técnicas de Entrevista Problemáticas

• Entrevistador em controle:

- fala mais;

- estabelece a seqüência e tópico das

perguntas.

Testemunho

Oitiva ou “Perguntiva”?

Práticas Problemáticas

• Sem registros literais

(áudio, vídeo) da entrevista

Consignado = Gravado

Termo de

Declaração

Registro áudio

e/ou vídeo

Pisa & Stein, 2006.

Relato da criança é inconsistente e

contraditório.

Maior risco de um se obter um testemunho

incompleto, ou falso.

Práticas Problemáticas

Entrevistas múltiplas

com a criança Técnicas

acessórias:

desenho,

brinquedos

sugestões Perguntas

fechadas

Falta de registros

literais (áudio, vídeo)

tempo

Condições de obtenção do testemunho VARIÁVEIS DO SISTEMA

Procedimentos problemáticos

• QUANDO: tempo entre evento e

testemunho

• QUEM: polícia, conselho tutelar, órgãos

especiais, juiz?

• QUANTAS vezes

• ONDE

• COMO: tipo de perguntas, técnicas de

entrevista.

Por que estas

condições de

obtenção do

testemunho são

problemáticas?

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Memória da testemunha para os

eventos Memória para os eventos?

Memória para os eventos?

Qual tipo de

evidência para

apresentar

denúncia?

Evidência para apresentar denúncia? Evidência para apresentar denúncia

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VARIÁVEIS DA

TESTEMUNHA

Variáveis que podem

afetar a qualidade do

TESTEMUNHO (Wells, 1998)

VARIÁVEIS DO

SISTEMA

Sob controle do

sistema de justiça

• Qualidade e quantidade das

informações trazidas pela

testemunha vai depender

MUITO da técnica que for

utilizada para obtê-la.

Testemunho Fidedigno

Juiz?

Promotor?

Policial?

Psicólogo?

Oitiva de crianças

e adolescentes Quem?

Quando?

Como?

Técnicas de

entrevista?

Psicologia do Testemunho

Aprimoramento e testagem da eficiência

de técnicas de entrevista investigativa

30 anos de pesquisas

evidências

confiáveis

Entrevista

Investigativa

• Requer treinamento especializado dos

profissionais em técnicas específicas.

Testemunho

-> psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais

não recebem este tipo de treinamento em sua

formação básica.

Registros áudio, vídeo

Deveríamos SIM ouvir

crianças e adolescente

que, supostamente,

sofreram violência sexual!

PROPOSTA

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PONTIFíCiA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

Lilian Milnitsky Stein

E-MAIL: [email protected]