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137 136 | Destino África Há troços da estrada costeira que percorre o norte do Chi- le onde talvez não circulem mais de uma dezena de viaturas por dia, mas quem se aventura por esses caminhos, entalados entre o deserto do Atacama e o oceano Pacífico, é recompen- sado com a descoberta de paisagens incríveis e cenários que não deixam indiferente quem os contempla. O elemento fun- damental para disfrutar desse privilégio é um veículo de todo- o-terreno, como o Kia Sorento 4WD que nos permitiu trocar o trânsito de uma das mais movimentadas estradas chilenas pela tranquilidade da “costanera”. O norte do Chile pelas pistas de terra junto ao Pacífico Texto Alexandre Correia/Revista Todo Terreno Fotos Paulo Calisto

Kia Sorento 4WD... no trilho do Dakar - A Costanera

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Com o apoio da Kia Portugal, os jornalistas Alexandre Correia e Paulo Calisto percorreram milhares de quilómetros com um Kia Sorento 4WD nas pistas argentinas e chilenas por onde viria a passar a caravana do Dakar'2011 uns dias depois.

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Há troços da estrada costeira que percorre o norte do Chi-

le onde talvez não circulem mais de uma dezena de viaturas

por dia, mas quem se aventura por esses caminhos, entalados

entre o deserto do Atacama e o oceano Pacífico, é recompen-

sado com a descoberta de paisagens incríveis e cenários que

não deixam indiferente quem os contempla. O elemento fun-

damental para disfrutar desse privilégio é um veículo de todo-

o-terreno, como o Kia Sorento 4WD que nos permitiu trocar

o trânsito de uma das mais movimentadas estradas chilenas

pela tranquilidade da “costanera”.

O norte do Chile pelas pistas de terra

junto ao Pacífico

Texto Alexandre Correia/Revista Todo Terreno Fotos Paulo Calisto

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No Chile, qualquer estrada traçada junto à costa é chamada costanera. Pode ser uma enorme avenida marginal, como a que contorna toda a cidade de Antofa-

gasta, ou uma simples pista praticável apenas por viaturas aptas a enfrentar todos os terrenos. No norte deste comprido país que se estende ao longo do Pacífico, desde a ponta sul do continente ame-ricano até ao Peru, as costaneras são, regra geral, estradas de terra, algumas tão antigas quanto o pró-prio Chile enquanto nação independente, que não servem de atalho às vias principais em asfalto; ligam apenas pequenas comunidades piscatórias, por ve-zes são acesso a complexos mineiros, e nalguns ca-sos chegam até pequenas cidades pitorescas. Um dos passeios mais bonitos através da cos-ta norte chilena foi o que fizémos em meados de Dezembro de 2010, quando descemos desde Antofa-gasta a Caldera, percorrendo quinhentos quilóme-tros quase sempre encostados ao oceano Pacífico. Boa parte desta distância foi cumprida precisamen-te em pistas de terra desviadas das rotas principais, onde raramente nos cruzámos com outro veículo. Em momento algum passámos por dificuldades, pois salvo o primeiro sector em terra, todos os ca-minhos são bastante rolantes, com piso compac-tado e bem mantido, condições que estão longe de esgotar as capacidades off-road do Kia Sorento 4WD que utilizámos nesta aventura.

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Arrancámos de Antofagasta a meio da manhã, depois de passearmos um pouco pela baixa des-ta cidade, a maior entre as diversas que se situam na região do deserto do Atacama, que é também a quinta mais populosa do Chile, com cerca de 300 mil habitantes. Antofagasta deve a sua importância à exploração dos ricos recursos minerais do Ataca-ma. É neste deserto que se encontram as maiores reservas mundiais de cobre, bem como as maiores explorações de salitre, a partir do qual se obtém o componente mais precioso para as baterias: o lítio. Quando o Chile foi constituído, em 1822, a frontei-ra norte do seu território foi vagamente definida no deserto do Atacama, mas em 1825, quando se criou a República da Bolívia, Simón Bolivar não abdicou de estender o seu país até ao oceano Pacífico e recla-mou para si o sector norte do Atacama, que passou a confinar com a província de Potosi, no Altiplano andino. Todavia, foram sobretudo as companhias chilenas, quase sempre com os britânicos ou norte-americanos associados, que começaram a explorar os ricos recursos minerais deste enorme deserto, que é um dos mais áridos do mundo devido às al-tas pressões que aí se concentram impedirem que as nuvens vindas de leste transponham a cordi-lheira andina e façam cair chuva. Ora Antofagasta, cujo nome significa “aquele que esconde o cobre” no dialecto dos índios do Atacama, nasce precisa-mente de um desses negócios, quando em meados

“Antofagasta significa “aquele que esconde o cobre” no dialecto dos índios do Atacama

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do século XIX um chileno comprou 30 hectares na baía de Antofagasta e iniciou a exploração salitreira. Num ápice o lugar tornou-se num importante en-treposto, para onde confluiam as vias férreas que traziam minério do interior do deserto e o descar-regavam directamente para os navios de carga, que atracavam num molhe construído na pequena baía em redor da qual se foi desenvolvendo a cidade. A riqueza destas terras criou inúmeras dispu-tas territoriais entre a Bolívia, que inicialmente as detinha, o Chile, que as explorava, e até o Perú e a Argentina, que como vizinhos não escondiam a sua vontade de conquistar um pedaço desses recursos. Apesar de terem sido firmados entre a Bolívia e o Chile diversos acordos, inclusivé tributários, e tra-tados para desenhar a linha de fronteira, nunca os dois lados ficaram plenamente satisfeitos e entre avanços e recuos destes acordos, a situação chegou a um ponto de ruptura quando o Governo boliviano decidiu aumentar os impostos sobre a Companhia de Salitre y Ferrocarril de Antofagasta, uma empre-sa chilena que se recusou a pagar os novos impos-tos, tendo sido alvo de uma penhora. Na véspera de ser accionada a penhora, a 14 de Fevereiro de 1879, as tropas chilenas desembarcaram de surpresa em Antofagasta e tomaram conta da cidade. Começou aí a Guerra do Pacífico, que inicialmente opôs o Chi-le à Bolívia e que terminou com o isolamento des-te último, que perdeu o acesso ao mar. Recuperar um corredor até ao Pacífico é desde então a maior ambição boliviana, que há mais de um século tenta sem sucesso convencer o Chile, assim como o Perú, das suas pretensões. O Perú também saíu a perder na Guerra do Pacífico quando o Chile descobriu um pacto com a Bolívia e lhe declarou guerra, conquis-tando algum território, que permitiu estender ain-da mais a norte as suas fronteiras. Como vingança, a Bolívia entregou então à Argentina um vasto territó-rio andino que estava nos domínios do Chile, a Puna

141140 | Destino África“Nesta rota costeira, todos

os caminhos são bastante rolantes,

longe de esgotar as capacidades

off-road do Kia Sorento 4WD que

utilizámos nesta aventura

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de Atacama, onde se incluem os picos de Licanca-bur, Zapareli, Socompa e Paso de San Francisco, que somente viriam a ser recuperados em 1899, com a intervenção negocial dos Estados Unidos da Améri-ca. A paz com a Bolívia só foi assinada em 1904, en-quanto que com o Perú esse acordo tardou até 1929! Quando foi conquistada pelo Chile, Antofagasta já tinha importância, mas a cidade desenvolveu-se ainda mais daí em diante, crescendo a partir do ve-lho molhe de madeira que, curiosamente, foi re-centemente recuperado, para preservar a memória histórica. O mesmo sucede com alguns dos edifí-cios mais antigos, como o velho terminal da linha de caminho de ferro, junto ao molhe, e a alfândega, também na mesma zona, ao lado da antiga Capita-nia Marítima, construída em 1910 num estilo neo-clássico, como grande parte dos prédios do centro histórico. A alfândega, onde hoje funciona o Museu de Antofagasta, é o edifício mais antigo de todos e tem a particularidade de ter sido construído inicial-mente em Valparaíso, depois foi transportado de barco até Mejillones, ainda mais a norte, até que em 1888 foi desmontado da sua localização e remontan-do onde ainda se encontra. A dois passos deste mu-seu, a Plaza Colón é hoje o centro social da cidade, exibindo uma torre de relógio no centro do jardim que é uma réplica em ponto pequeno no célebre Big-Ben de Londres, que foi oferecido pela comuni-dade britânica. Esta praça, onde se encontra a Cate-

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dral de San José, a mais importante igreja da cidade, é cruzada pelas principais artérias comerciais, uma das quais tem três quarteirões sem trânsito, só para peões, que até as lojas fecharem, à noite, enchem de movimento o centro desta cidade, bem agradá-vel de visitar! Tomando rumo a sul, percorremos os primei-ros 60 km na bem movimentada Ruta 5, mas depois desviamo-nos para a Ruta 1, que segue junto à costa, em piso de terra. Desde que o asfalto termina até avistarmos o Pacífico, na Caleta El Cobre, tardamos quase uma hora para vencer uma distância de 43 km, mas depois, até voltarmos a encontrar o asfal-to, em Paposo, a média de andamento baixou ainda mais: gastámos três horas para andar 98 km. Ser-penteando entre o mar e a parede intransponível da montanha — que atinge 2640 metros de altitude —, esta pista é usada por pescadores e os apanhadores de algas e guano, que nos interceptam, curiosos de saber o que andamos ali a fazer. Cruzamo-nos com uma pick-up e dois pequenos camiões e não vimos mais de meia dúzia de pessoas. Em Paposo, tudo muda de figura. Nesta aldeia, que até 1879 era o limite territorial entre o Chile e a Bo-lívia, retomamos o alcatrão até Taltal. Se o nome já por si é engraçado, a cidade ainda o é mais. Com cer-ca de 11 mil habitantes, Taltal é enquadrada por uma larga baía, que a tornou num porto abrigado. Quan-do chegamos pela “costanera”, temos uma visão pa-“Em Taltal não há edifícios alto e muitas das casas são em madeira e pintadas

de cor garridas, que tornam a cidade ainda mais agradável a quem

a descobre pela primeira vez.

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norâmica de toda a baía com a cidade por trás, como se fosse um presépio disposto numa suave encosta que desce até ao mar, formando uma mancha urba-na onde não sobressaem edifícios volumosos, nem altos. Muitas das casas são em madeira e pintadas de cor garridas, que tornam a cidade ainda mais agradá-vel a quem a descobre pela primeira vez. Cinfuncho e o Parque Nacional Pan de Azúcar foram as escalas seguintes nesta rota encostada ao mar, num percurso de 160 km que nos levou até Chañaral, volvidas mais três horas e meia. Entalada entre as montanhas e o oceano Pacífico, Chañaral é uma pequena cidade com as casas dispostas em anfi-teatro, como se fosse para que de todas as ja-nelas se pudesse contemplar a enorme praia e baía em frente. O Pão de Açúcar é a grande atracção lo-cal: um parque natural, que preenche uma área de 43.769 hectares junto à costa, um pouco mais a nor-te da cidade, devendo este nome à semelhança en-tre o famoso morro Pão de Açúcar do Rio de Janeiro e uma ilha mesmo em frente. O parque, e a ilha em particular, é um santuário para a avifauna, com es-pecial destaque para o Pinguim de Humbolt, que aí ocorre aos milhares durante o Inverno Austral.O dia estava no fim quando avançámos de Chaña-ral para Caldera, cumprindo os últimos 110 km desta jornada na mesma estrada em que começámos o dia: a Ruta 5, que atravessa o Chile de ponta a ponta e que neste troço segue bem junto ao mar, onde fomos vendo o sol desaparecer.

“O Pão de Açúcar é um parque

natural de 43.769 hectares junto

à costa, um pouco mais a norte

de Chañaral. Trata-se de um

santuário para a avifauna, com

especial destaque para o Pinguim

de Humbolt, que aí ocorre

aos milhares durante

o Inverno Austral.