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11 ABRIL 201416
S ociedade
Numano,foramconge-lados 17,5 milhões deeuros equivalentes a33 automóveis, 52imóveis e 112 produ-tos bancários – entre
dinheiro,acçõeseaplicaçõesfinan-ceiras. Estes foram os primeirosbensapreendidosearrestadospeloGabinete de Recuperação de Acti-vos (GRA), que funciona na depen-dência da Polícia Judiciária (PJ).
Criado de propósito para identi-ficar, localizar e apreender bens re-lacionados com a criminalidademais rentável, este novo departa-mento actua a pedido do Ministé-rio Público (MP) sempre que estãoem causa crimes puníveis compena de prisão igual ou superior atrês anos e bens de valor superiora 100 mil euros.
O director nacional adjunto daPJ considera «muito positivo» obalanço do primeiro ano de activi-dade deste organismo, que foi cria-do em 2011 mas só começou a fun-cionar em finais de 2012. «Até hápouco tempo era dada menorimportância ao património e àsvantagens geradas pelo crime.Até porque a apreensão de benspressupõe um trabalho de pes-quisa para o qual magistrados
e polícias não estavam vocacio-nados nem tinham meios», dis-se ao SOL Pedro do Carmo. O re-cém-criado gabinete trouxe a «es-pecialização» que faltava.
As primeiras apreensões foramfeitas no âmbito de 65 inquéritos--crime: os carros estão avaliadosem 900 mil euros, os imóveis em 4,5milhõeseascontaseprodutosban-cários totalizam 12 milhões. Amaioria dos bens foram apreendi-dos em processos relacionadoscom tráfico de droga, corrupção eoutros crimes económico-financei-ros. É com base na investigação fi-nanceira e patrimonial feita pelosperitos do gabinete (17 funcioná-rios da PJ, apoiados por inspecto-res da Autoridade Tributária e do
Instituto dos Registos e Notariado)que o MP promove depois a perdados bens a favor do Estado – deci-são que cabe aos juízes, em sede dejulgamento.
Uma das investigações mais si-gnificativas e já concluídas pelaequipa do GRA está relacionadacom a rede de contrabando deouro e fraude fiscal que terá lesa-do o Estado em cerca de 30 mi-lhões de euros. Em Novembro doano passado, a PJ deteve sete pes-soas e apreendeu casas, terrenos,carros topo de gama, contas ban-cárias e produtos financeiros, cen-tenas de quilos de ouro, 22 armasde fogo e cerca de 250 mil eurosem dinheiro – bens avaliados naaltura em mais de dez milhões demilhões de euros.
Primeira condenaçãoJá este ano, a 24 de Janeiro, foi pro-ferida a primeira condenação detribunais portugueses com basenuma investigação conduzida peloGRA. Num processo de tráfico de
droga, a 4.ª Vara Criminal do Por-to decretou a perda de bens a favordo Estado no valor de 183 mil eu-ros – montante equivalente ao pa-trimónio inventariado pelos peri-tos do GRA e que se provou ser in-congruente com o rendimentolícito declarado pela arguida.
Foi também graças à investiga-ção financeira feita por este depar-tamento que se apurou uma van-tagem patrimonial de dois milhõesde euros dos arguidos envolvidosnuma rede de corrupção e falsifi-cação de cartas de condução, des-mantelada pelo DIAP de Lisboa.
«Estamos a dar os primeirospassos nesta matéria – nós etoda a Europa, exceptuando aHolanda, que tem um sistemade recuperação mais ‘agressi-vo’ ainda. Note-se que há doisanos nem sequer tínhamos ca-pacidade de fazer uma investi-gação financeira robusta», su-blinha o procurador distrital deCoimbra, Euclides Dâmaso, refe-rindo-se ao gabinete.
Arrestados os bens aos crimi-nosos, outro problema se levan-ta: o da gestão desse património.Por isso, foi criado, em simultâ-neo com o GRA, o Gabinete deAdministração de Bens, que fun-ciona na dependência do Minis-tério da Justiça. Cabe-lhe não sópreservar esses bens enquantoos processos criminais não sãoconcluídos, mas sobretudo ven-der os de valor superior a cincomil euros.
Vender os carros antesque apodreçamMas não só: a lei determina queos bens que corram o risco de se
Sónia Graç[email protected]
Gabinete da Polícia Judiciária prome-te ser uma nova arma contra o crime:num ano, foram apreendidos bens novalor de 17,5 milhões de euros.
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JUSTIÇA
Alguns dos carros topo de gama apreendidos na operaçãoque desmantelou a rede de contrabando de ouro
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«Pensando só em viaturas: se oparque automóvel do Estado formuniciadocomcarrosapreendi-dos a traficantes, isso já signifi-cava uma grande poupança. Seconseguirmos apreender e ven-der bom número de imóveis ad-quiridos em operações de bran-queamento, também isso podeser uma boa fonte de receitas» –ilustra o procurador distrital deCoimbra, Euclides Dâmaso.
O magistrado tem sido o res-ponsável pela divulgação no meiojudiciário da existência do gabi-nete de recuperação de activos edo regime legal de perda amplia-da de bens – baseado na presun-ção de que todo o património quenão seja congruente com os ren-dimentos lícitos declarados pelosarguidos foi adquirido com recei-tas do crime e, por isso, deve re-verter para o Estado ou para a ví-tima. Compete ao arguido provara origem lícita do património.
«Estaleitemsidopoucoaplica-da, mas já vencemos muitas re-sistências»,sublinhaomagistrado,lembrando que «a melhor formadereprimirepreveniroscrimesé desapossar os criminosos, so-bretudo quando se trata de cri-minalidademaisrentável, comoé o caso do tráfico de droga».
Só no distrito de Coimbra, estãoapreendidos ou arrestados bens novalordenovemilhõesdeeurosefo-ramdeduzidos,peloMinistérioPú-blico,pedidosdeperdaafavordoEs-tado na ordem dos 11,5 milhões.
Investiu milharesem pássaros exóticosTelemóveis, apartamentos e car-ros topo de gama são os bens maisapreendidos todos os anos. Hátambém aeronaves e embarcaçõesoriundas de negócios de droga.Mas também outros objectos maisinvulgares, como metais e pedraspreciosas, obras de arte e até pás-saros exóticos.
Euclides Dâmaso recorda o casoinsólito de um funcionário públi-co arguido por peculato: «Adora-va pássaros e investiu milharesde euros». Os animais ficaram à
guarda do tribunal e acabaram porser vendidos.
Após o trânsito em julgado dadecisão condenatória, os bens po-dem ter dois destinos: ou são ven-didos ou postos ao serviço da ad-ministração pública.
Em Agosto de 2010, o luso-ameri-canoAllanGuedesSharif,condena-doem2010aseteanosdeprisãoporburlaebranqueamentodecapitais,viuotribunaldeMangualdeconfis-car-lheváriosbens(entredinheiro,telemóveis e carros) obtidos a par-tir de burlas e extorsões. Foi aindaobrigado a pagar ao Estado 193 mileuros – valor equivalente às vanta-gens patrimoniais que obteve. Masos juízes foram mais longe e reque-reramaperdaampliadadebenspa-trimoniais: comparado o total derendimentosconhecidosdoseutra-balho lícito (17 mil euros) com o va-lorglobaldoseupatrimónio(113mileuros), foi apurada uma diferençade 96 mil euros – que se presumiuvantagem da actividade criminosae, por isso, se declarou perdida a fa-vor do Estado.
Em Fevereiro deste ano, O Tri-bunal de Coimbra decretou per-didos a favor do Estado 210 mil eu-ros, relativamente a um funcioná-rio de uma direcção regional doMinistério da Economia. Cincoanos antes de ser constituído ar-guido, o engenheiro e a sua mu-lher acumularam bens, depósitosbancários e aplicações financei-ras de valor bem superior ao quedeclararam fiscalmente.
Condenado a sete anos de pri-
são por corrupção passiva e abu-so de poder, o arguido foi obriga-do a pagar aquele montante, sobpena de o Estado ficar com osbens apreendidos.
Ninguém sabe quanto revertepara os cofres do Estado«Não há castigo sem confiscodos produtos do crime e esse éo grande problema de repres-são e prevenção destas activi-dades criminosas» – sublinhaMaria José Morgado, directora doDepartamento de Investigação eAcção Penal de Lisboa, admitin-do, contudo, que este processonem sempre é fácil. Há uma «fa-cilidade de reciclagem dos pro-ventos criminosos através demúltiplos mecanismos interna-cionais de branqueamento, oque agrava as dificuldades deseguimento, detecção e confis-co», constata.
Só no DIAP de Lisboa foramapreendidos, nos últimos trêsanos, mais de quatro milhões deeuros, 84 automóveis, quatro imó-veis e ainda várias peças de arte(como a colecção Elipse, arresta-da no processo do BPP e avaliadaentre 19 a 23 milhões de euros).
A verdade é que ninguém sabequanto é que, reverte anualmentepara os cofres do Estado graças àperda de bens decretada pelos tri-bunais.«Nem sequer temos umabase de dados que permita se-guir todo o ciclo patrimonial,desde a investigação ao julga-mento, condenação e perda de-finitiva dos bens de origem cri-minosa», lamenta a magistrada.
S.G
É preciso ‘desapossaros criminosos’O confisco dos lucros do crime é a melhor formade o prevenir, defendem magistrados.
degradar ou desvalorizar podemser de imediato alienados, antesda decisão final sobre a inocên-cia ou culpa dos arguidos. Se es-tes se opuserem, são obrigadosa prestar caução bancária nessevalor.
«O maior drama são os au-tomóveis: ficam guardadosanos a fio em armazéns até aotrânsito em julgado da senten-ça e, nessa altura nada valem.E por vezes, caso seja absolvi-do, o dono ainda vem proces-sar o Estado porque apreen-deu indevidamente e deixouestragar o carro», explica Eu-clides Dâmaso, defendendo quea solução é só uma: «Vendê-losantes que apodreçam».
Mas aqui surge um problema.«Neste momento, há dúvidassobre a legitimidade do Esta-do para vender carros a parti-culares. A dificuldade prende--se com a transferência do re-gisto de propriedade», refere omagistrado. O assunto está nasmãos de uma equipa do Institu-to dos Registos e Notariado.
BALANÇO 201317,5 milhõesé o valor dos bensapreendidos e arrestadospelo Gabinete deRecuperação de Activos(GRA), no âmbito de 65inquéritos-crime.
OperaçãoGlamourfoi a investigação em que foiapreendido maior númerode bens. Consistiu no des-mantelamento de uma redede comerciantes de ouroque defraudava o Fisco.
200 milhõesé o valor dos bens identi-ficados pelo GRA a pedidode autoridades interna-cionais e nacionais. Acooperação internacionalnesta matéria cabe a estegabinete.
«Se o parque auto-móvel do Estadofor municiado comcarros apreendi-dos a traficantes,isso significavauma grande pou-pança», sublinhaEuclides Dâmaso
14 NOVEMBRO 201428
«Era um miúdo calmo e muitohumilde».JoãoCardoso,presiden-te da Juventude Operária de Mon-te Abraão (clube desportivo da ci-dade de Queluz), lembra-se bem deSandro Monteiro – o português de36anosquemorreu,noúltimomês,em combate na Síria, ao serviço doautoproclamado Estado Islâmico.
«Jogou aqui dois anos. Eramuitobomjogador,tantoquefoi‘repescado’ pelo Sporting», dizJoãoCardoso,quenãoencontraex-plicaçõesparaaradicalizaçãodojo-vemdeascendênciacabo-verdiana.«É tudo muito estranho. A cabe-ça dele deu uma grande volta».
Na freguesia de Monte Abraão(Sintra), onde Sandro cresceu, anotícia da sua morte chocou osamigos que com ele conviveramde perto. Ninguém compreende oque levou ‘Funa’, como era conhe-cido, a aderir à jihad.
«Fiquei incrédulo. Era umapessoa meiga, pacífica e quenunca criou conflitos», comenta,sob anonimato, um amigo e colega
de escola.«Não estou a vê-lo agirpor dinheiro. Só podem ter-lhefeito uma lavagem cerebral».
Nada no percurso de Sandrofazia prever uma mudança radi-cal que o levasse a um campo debatalha. Apaixonado por músi-ca e futebol, interrompeu a esco-la para tirar um curso profissio-nal de hotelaria. Chegou a tra-balhar no bar de um hotel e emrestaurantes.
Vivia com a mãe, a avó maternae uma irmã mais velha – que adada altura foi viver e trabalharpara Londres. O irmão acabou porseguir-lhe as pisadas, em 2007. Efoi aí que se deu a conversão ao Is-lão e mais tarde a adesão à causajihadista que o fez partir para a Sí-ria, onde morreu durante umbombardeamento.
No bairro onde cresceu, nin-guém quer falar do assunto. Mui-tos nem sabem o que é o EstadoIslâmico. «Só sei que morreupor lá. Já não o via há muitosanos», diz o dono de um café.
OSOLsabequeSandro,quetinhapartidoparaaSíriahácercadenovemeses, voltou já depois disso a Por-tugal, onde esteve pela última vezhá seis meses, para visitar a mãe.
Tal como ele, outro dos cercade 12 portugueses alistados noEstado Islâmico esteve recente-mente em território nacional, hácerca de um mês, tendo sido vi-giados pelos serviços de informa-ções. Também Fábio Poças, jo-vem de 22 anos oriundo da zonade Mem Martins e que agora sechama Abdu Rahman, já esteveem Portugal depois de se ter radi-calizado em Londres e de ter par-tido para a frente de combate naSíria. Vários jovens da linha deSintra conhecem-no bem e co-mentam a sua história.
Todos foram acompanhados pe-los serviços de informação ingle-ses, que alertaram os congéneresnacionais. E desde então os doispaíses têm trocado regularmenteinformações sobre quem são os
jihadistas portugueses, vigiandode perto as suas movimentações.
Governo vai alterar leiMas, até hoje, nenhum foi inter-ceptado ou detido. Isto apesar dea lei antiterrorismo, aprovada em2003, punir quem apoiar ou ade-rir a organizações terroristas(pena de prisão de oito a 15 anos).«As autoridades podem actuar,se souberem que estes jovensestiveram lá e colaboraramcom o Estado Islâmico», expli-cou ao SOL um penalista, subli-nhando que a lei é universal, ouseja, «aplica-se independente-mente de a organização ser na-cional ou estrangeira».
Há, no entanto, um «problemade ordem prática», ressalva JoséGóis, procurador da Repúblicacoordenador da 1.ª secção criminalda Instância Central de Lisboa:«Não basta suspeitar que fazemparte de uma organização. Parase imputar este crime a alguéme condenar essa pessoa em tri-bunal, é preciso fazer prova dis-so, com factos concretos».
O ministro da AdministraçãoInterna diz que estão a ser prepa-radas alterações à lei. «Estamosa terminar um conjunto de tra-balhos, que espero poder bre-vemente apresentar, que têma ver com alguns pequenos
ajustamentos necessários nanossa legislação», anunciou nahá uma semana Miguel Macedo.
Esta terça-feira, o ministro dosNegócios Estrangeiros sublinhouno Parlamento que o Governo estáa seguir as orientações da ONUnesta matéria. «A prevenção dorecrutamentoedaradicalizaçãode novos combatentes terroris-tas em Portugal encontra-se jáa merecer atenção particular»,afirmou Rui Machete, referindo«medidas administrativas, nodomínio penal e da segurançainterna».
SEF não sabe quem sãoA detecção de rotas, a dissuasão eo impedimento de viagens suspei-tas foi, aliás, uma das medidas re-comendadas em Agosto pelo Con-selho Europeu. A verdade é quenas fronteiras aéreas nacionais ocontrolo é praticamente inexisten-te. Ao que o SOL apurou, no SEF –entidadecomcompetênciaparaac-tuar nesta matéria, além do SIS eda Polícia Judiciária –, os inspec-tores que trabalham nos aeropor-tos ainda nem dispõem, na suabase de dados, de qualquer infor-mação sobre a identidade dos jiha-distas portugueses, nem tão-poucosabem se são alvo de vigilância dis-creta por parte dos serviços de in-formações.
DE ‘MIÚDO SIMPLES’ À JIHAD
Sociedade
Sónia Graç[email protected]
Morte de Sandro ‘Funa’, um dos portuguesesque aderiram ao Estado Islâmico, surpreen-deu amigos que o viram crescer, em Sintra. Elee outros jihadistas vieram a Portugal e não fo-ram interceptados. Juristas dizem que autori-dades podem actuar.
«Só podem ter-lhefeito uma lavagemcerebral», comentaum amigo e colegade escola de Sandro
Sandro ‘Funa’ (ao centro) jogou futsal no clube Joma, de Queluz, em 1998. O presidente, João Cardoso, recorda-o como um «miúdo simples e humilde»
DR
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42 l SOL 30/11/12 30/11/12 SOL l 43
l polícia
Para muitos foi uma Polícia irresponsá-
vel a que se deixou apedrejar mais de umahora, durante a mais violenta manifestação
desde que a austeridade traz o povo na rua.Não seria possível neutralizar os agitadores
e evitar o caos em frente ao Parlamento? «Te-mos equipas de interpelação, de cinco ho-
mens preparados para sair da linha [cordãopolicial] e ‘extrair’ um ou dois alvos. Mais do
que isso torna-se arriscado, até porque a mul-tidão pode revoltar-se e obrigar a uma carga que não estava prevista», responde um mem-
bro do Corpo de Intervenção (CI).«E será que as pessoas aparentemente pa-
cíficas não estariam a incentivar os desor-deiros? Obrigar polícias a ir para o meio de
uma multidão podia gerar ‘linchamentos’ e cargas ainda mais violentas», apoia outro co-
lega, também do CI.
À prova deBALA,PEDRAE FOGOCapturar marginais em bairros derisco e escoltar claques violentasé a sua especialidade. Nos treinosaprendem a lidar com fogo egás lacrimogéneo. E só ficamos melhores. Equipados ao maisalto nível graças ao Euro-2004,os 700 homens do Corpode Intervenção enfrentamum novo campo de batalha:as manifestações contraa austeridadeTexto de Sónia Graça
NO DIADAGreveGeral convocada pela CGTPdezenasdemanifestantes arremessarampedras, garrafas devidro edeplástico com líquido inflamável contra umpelotão deagentes quedefendia oParlamento
Mesmo assim, garantem, mais do que
nunca esta unidade de elite da PSP estápreparada para este jogo de forças. «Os
polícias têm a consciência de que estar numa manifestação é di-ferente de controlar uma
massa violenta de adep-tos. E naquele dia, aguen-
taram-se, sem a tentação de bater logo, como se via
no passado. Dantes, as pessoas insultavam o po-
lícia e ele reagia».
A diferença começa nos meios. Há 20
anos, seria impossível ver um cordãopolicial tão blindado como aquele que
esteve no dia 14, ao fundo das escada-rias da Assembleia. Dos es-cudos rectangulares e em
forma de gota (substituí-ram os velhos redondinhos,
que por vezes rodavam so-bre si) ao fato anti-traumá-
tico (fabricado na Repúbli-ca Checa e que é uma autên-
tica armadura), da couraça
às caneleiras, capaz de amortecer o em-
bate de uma pedra.Este e tanto outro material foi uma das
benesses que o Campeonato Europeude Futebol 2004 trouxe a uma Políciaque há mais de dez anos reclamava no-
vos capacetes e viaturas anti-motim.Nesse ano, o CI foi reforçado de propó-
sito com 150 homens e apetrechado commeios que rondaram 17 milhões de eu-
ros – o maior investimento de sempre.«Muito do material que hoje temos, in-
cluindo as máscaras anti-gás e alguns
modelos de shot gun, fo-
ram adquiridos graças ao Euro. Mas não só: houve
um reajuste da formação, adequaram-se modelos para controlar multidões,
e durante o evento conse-guimos fazer intervenções
cirúrgicas e evitar confu-sões entre hooligans», lembra um dos
dois agentes ao SOL.Oito anos depois, no dia em que a últi-
ma greve geral semeou o caos à volta do
Parlamento, a Polícia tinha à dis-
posição um arsenal que não che-gou a usar. Em cada equipa, for-
mada por dez homens, há um quese encarrega da shot gun, armaversátil que pode disparar balas
de borracha e também lançar car-tuchos de gás lacrimogéneo. Há
ainda outro colega que envergaum colete – ou uma mochila – onde carrega vá-
rios tipos de granadas de fumo e de gás. As pri-meiras devem anteceder o uso de gás e podem
ser muito úteis para ajudar a dispersar u
«Ospolíciastêmconsciênciadequeestarnumamanifestaçãoédiferentedecontrolarumamassadeadeptos»
No Euro-2004a Polícia recebeucapacetese viaturasanti-motim quereclamava hámais de dez anos
MANUELDEALMEID
A/EPA
44 l SOL 30/11/12 30/11/12 SOL l 45
O equipamento da polícia anti-motim
FATO ANTI-TRAUMÁTICO(V-TOP)
ESCUDO DE PROTECÇÃO
Capacete de ordem pública e capacete de protecção balística
Cotoveleira
Protecção de antebraço
Luvas de ordem pública
Balístico
Meio corpo(em forma de gota)
Corpo inteiro (rectangular)
ARMAS
Glock 19Pistola de calibre 9 mm,
com lanterna e laser
TaserArma eléctrica,
não letal
HK MP5Pistola metralhadora
de 9mm
B&T 40mm
Lança-granadas:Para granadas de
gás e de fumo
Chermuly
Shot gunMosseberg 500
Muito versátil porqueutiliza três tipos de munições:
de borracha, de gáse de caçadeira
Algemas e fitas dealgemagem
Bastão
OUTRO EQUIPAMENTO
Mochila com granadas de fumo, de gás lacrimogéneo e granadas de som
Ombreira
Protecção de perna (zona da coxa)
Caneleira completa (inclui o peito do pé)
ÓSC
AR R
OC
HA
Máscara anti-gás
Coquilha (protecção de genitais)
Couraça (protecção do peito)
Mesmo assim, na D. Carlos I, os ânimos exal-
taram-se, com alguns a incendiar pneus, caixo-tes do lixo e ecopontos. O confronto esteve imi-
nente e a Polícia chegou a disparar balas de bor-racha. Estas munições têm sido usadassobretudo em bairros problemáticos, mas de-
vem ser evitadas ao máximo porque, não sendoletais, podem causar lesões graves
se disparadas a curta distânciacontra os manifestantes. Neste
mesmo dia, durante a greve geralque também paralisou a vizinha
Espanha, uma mulher ficou cegade um olho após ter sido atingidapor uma bala de borracha.
EmPortugal,ojogodeforçasmalcomeçou. Preparados para cená-
riosdealtorisco,habituadosacap-turarmarginaisembairroshostis–ondeentram
demetralhadora,capaceteseescudosàprovadebala–oscercade700homensdoCI,distribuídos
por três destacamentos (Lisboa, Porto e Faro),enfrentam um novo e complexo campo de bata-
lha.«Estar numa manif é estar um pouco dos dois lados, e isso acaba por ter alguma complexida-de. É estar com o corpo de um lado e a alma no ou-
tro. Aquelas pessoas não são um alvo a abater, têm dificuldades, passam fome, e isso amolece-
-nos por dentro», resume o mais velho dos agen-tesdoCI.Apesardisso,garante: «Somos uma for-
ça treinada, psíquica e fisicamente. Treinar é o que fazemos durante uma vida inteira». l
aprendeu, como todos, técnicas paraapagar fogo rapidamente, se for atingi-
do com um cocktail molotov: «Agitar muito depressa pés e pernas ou rolar no chão várias vezes, o mais depres-
sa possível».
Polícia evita usar gásA explicação pode ser outra. «Apesar
de arder na pele e nos olhos, o gás pode ser uma alternativa em sítios abertos,
onde haja espaço suficiente para as pes-soas fugirem. Mas em São Bento não é
tão aconselhável porque é um espaço confinado e as pessoas podem pisar-se umas às outras, com o pânico de fugir.
Sempre que há crianças, idosos, mu-lheres grávidas e pessoas com debilida-
des, o gás também deve ser evitado», ex-plica um dos agentes ao SOL.
Esta mesma razão pode ajudar a per-ceber quão difícil seria plantar, na-
quele perímetro apertado, um autotanque que projectasse jactos de água
contra a multidão, de preferência pelaretaguarda: «Este meio é muito usa-do para manifestações descontrola-
das, mas em espaços grandes, como a Praça do Comércio, em que se preten-
de libertar uma zona e empurrar as pessoas para outra».
Antes de avançar sobre a multidão,a Polícia atirou apenas uma granada
de som, ou petardo, que provocou nadamais do que um estrondo para ator-doar os manifestantes que permane-
ciam na rua, mesmo depois de dois avi-sos para dispersarem.
O que se seguiu foi executado com o ri-gor que impõe qualquer manual de tácti-
ca policial. «Uma carga é uma carga. To-dos têm de recuar, até mesmo uma velhi-
nha. É evidente que não se vai dar um pontapé na velhinha, mas
ninguém pode ser deixado para trás. Até porque não sa-bemos se a velhinha não tem
uma granada no bolso», su-blinhaomaisnovodosagen-
tes com quem o SOL falou.Esta é uma regra de ouro
que todos os agentes apren-dem no curso de ordem pú-
blica. «Não podemos selec-
cionar alvos à medida que avançamos,
sob pena de atrás de nós se formar outra manifestação e comprometer toda a ope-
ração». E recorda como mau exemplo oano de 1986, quando foi ordenada umacarga,naMarinhaGrande,depoisdeMá-
rio Soares, então candidato à Presidên-cia da República, ter sido
agredidopormanifestantes:«Cada polícia pôs-se a fixar
pessoas que lançavam pe-dras e quando se deu a car-
ga muitos fugiram para cada lado, numa confusão total: uns correram 500 me-
tros atrás de um fulano e perderam-se, outros leva-
ram porrada quando se vi-ram sozinhos. A Polícia descontrolou-se
justamente porque seleccionou alvos».Nodia14,ocenáriofoibemdiferente.Um
pelotão de cerca de 180 homens, divididosemváriasequipas,varreua
multidãopelasartériaslimí-trofes do Parlamento até aoCaisdoSodré.Oschamados
agentes de acção livre, pro-tegidospeloscolegasqueen-
vergavam os escudos (com-postosdeumaligaemacríli-
co), iam ganhando terreno,à medida que algemavam
manifestantes.
Não é certamente por falta de treino.Todos os meses, os agentes do CI dedi-
cam dois dias a uma instrução intensa.«Levamos com pneus a arder, ultrapas-
samos barreiras de fogo e treinamos com máscaras anti-gás em espaços exí-
guos», conta um membro do CI, que
Cada equipado Corpo deIntervenção temhomens treinadospara disparar shotgun e lançargranadas de fumoe gás durante asmanifestações
«Uma carga é umacarga. Todos têm derecuar, atémesmouma velhinha.Até porque não sesabe se a velhinhatem uma granadano bolso»
UMAPOLÍCIA QUE NASCEU NOS TEMPOS DO PREC
Aexpressão‘Políciadechoque’temraízesnopós-25deAbril. Depoisdeteremsidoextintasascom-
panhiasmóveis–unidadespoliciaispresentesnaguerradoUltramar–,oGovernodecidiucriaruma
unidademusculadaqueajudassearestauraraordempúblicaemtodoopaís.Ostemposeramdeam-
placontestaçãosocial,comgrevesemanifestaçõesdeNorteaSul.OnascimentodoCorpodeInter-
vençãocoincidiucomostemposquentesdoPREC(ProcessoRevolucionárioemCurso),emNovem-
brode1975.OprimeirocursodeordempúblicaarrancouemFevereirodoanoseguinte.«Sercalmo
epossuidordesangue-frio»e«serrigorosamenteapartidário»sãoregrasquefazempartedocódi-
godehonradestaunidade,cujo lemafalaporsi:Afortiori [pormaioriaderazão].
Paraentrarnestaunidadedereserva– integradadesde2008naUnidadeEspecialdePolícia, em
Belas–umagentedeveterumanodeexperiêncianaPSP,1.70metrosemenosde32anos.Ultrapas-
sadaabateriadetestesfísicos,avaliaçãopsicológicaeumaentrevista,oscandidatosenfrentamum
curso intensivode trêsmeses.Mesmoqueméaprovadoépostoàprova todososanos, sujeitando-
-seaprovasfísicas (barras,abdominais,corrida)edetiro.Nostreinosmensais,alémdosexercícios
físicos,osformadoresactualizamnovastécnicasdeabordagemedealgemagem,eimprovisamce-
náriospara treinar situações reais – seja a invasãodeumacasapara cumprirummandadodede-
tenção,umdistúrbionumbarouoresgatedeumrefém.S.G.
a multidão, pelo barulho e clarão que provo-cam, e permitir à Polícia ganhar terreno.
Engenhos como estes têm sido muito usa-dos na Grécia, sempre que a Polícia quer
afastar os manifestantes da praça Syntag-ma. Ali, é frequente ver não só os agentes,
mas também médicos com máscaras anti-
-gás que, numa tenda improvisada, as-sistem os manifestantes feridos du-
rante os confrontos. Em Portugal, atéagora, a PSP tem resistido, apesar de
os manuais de tácticas policiais reco-mendarem estes meios como alterna-
tiva a uma carga policial.
28 FEVEREIRO 201420
Estão na moda – até as polícias es-tão a render-se ao seu uso para vi-giarlocais,suspeitosemultidões–,mas ninguém os controla. Os espe-cialistas defendem que é precisoimpor limites aos drones e regularum mercado que prolifera em Por-tugal e além-fronteiras.
Osdronesrecém-compradospelaPSP, que estiveram envoltos em po-lémica, já entraram em acção. Aoque o SOL apurou, uma das duasaeronavesnãotripuladasfoiusadana semana passada para fazer o re-conhecimento e captar imagenspormenorizadas de uma área, emSetúbal, onde a Polícia se preparapara fazer uma operação.
Os aparelhos – comprados por200 mil euros num ajuste directo –jáforamtestadosnaáreaenvolven-te ao Parque das Nações, na zonada Ota, em Alenquer, e nas imedia-ções da Unidade Especial de Polí-cia, em Belas (Sintra). A falta de le-gislação sobre drones «não inibea possibilidade» de os usar, disseao SOL fonte oficial da PSP, garan-tindo que todos os testes e opera-ções–algunsdosquais feitossobreespaço privado – foram comunica-dos com antecedência ao InstitutoNacional de Aviação Civil (INAC).
Comcapacidadeparaprogramarrotas e filmar em tempo real o quese passa no terreno graças a umamultiplicidade de câmaras (in-cluindo infravermelhos), os apare-lhos serão usados sobretudo paramonitorizar «operações comple-xas» e «grandes eventos», comomanifestações e jogos de futebol derisco elevado.
PJ foi pioneiraDe resto, a PSP não é a única forçade segurança que utiliza a tecnolo-gia drone. A GNR também com-prounoanopassadoumadestasae-ronaves, que irá substituir os tra-dicionais helicópteros na detecçãode incêndios, apoio à investigaçãodeacidentesdeviação,buscasesal-vamentos e gestão de incidentestáctico-policiais. O aparelho – ad-quiridopor40mileuros,atravésde
concurso público – é diferente dosdrones da PSP, já que não precisade uma plataforma para descolar epermite operar a partir de espaçosconfinados.Doismilitaresjáforamcertificados pelo fabricante parapoderem operar o drone, que ain-da não foi utilizado.
Mas foi a Polícia Judiciária (PJ)a primeira a aderir a esta tecnolo-gia.ADirecçãoNacionaldaPJnãoquer revelar pormenores sobre oequipamento, invocando o «deverde reserva». Mas o SOL sabe queos inspectores recorrem à aerona-vesobretudoparavigiarelocalizarsuspeitos, fazer o reconhecimentode locais que serão alvo de buscase acompanhar operações em curso(para evitar,por exemplo, a fuga desuspeitos).
O Serviço de Informações de Se-gurança também não é excepção.A PSP e a GNR recebem com fre-quência informações dos serviçossecretoscombaseemimagenscap-tadas por drones.
E, por sinal, as forças e serviçosde segurança têm liberdade totalpara usar este dispositivo. Segun-do explicou ao SOL fonte oficial doINAC, as operações policiais são
consideradas «missões de Esta-do»e, por inerência, os drones queutilizam são classificados como«aeronaves de Estado», de acor-docomaConvençãodeChicagoso-breAviaçãoCivilInternacional,as-sinada por Portugal em 1944. Poressa razão alega o INAC que estasoperações não precisam do seuaval, mas a verdade é que aquelaConvençãodeterminaquecadaEs-tado deve criar regulamentos mes-mo para as aeronaves usadas porpolícias e militares.
Tambémousodedronesporem-presas e particulares, desde quesejaa«umaaltitudequenãopre-judique a aviação civil» (inferiora 300 metros), também cai fora dajurisdição do INAC, alega fonte doorganismo – que nunca foi contac-tadopornenhumparticularouem-presa que se dedique a esta activi-dade. Mas quem fiscaliza estes li-mites? «Quem tem essa função éa empresa prestadora de servi-
ços de navegação aérea, a NAVPortugal.Casoocorraalgumasi-tuação, esta empresa comunicaao INAC». Significa isto que, naprática, qualquer um pode lançardrones sem ser controlado.
‘Devia serum juiz a avaliar’EspecialistascontactadospeloSOLdefendem,porém,queéprecisoim-porlimites,mesmoàsautoridades.
Lembrando que um drone podeter acesso a locais muito superio-res aos alcançados por uma vigi-lância clássica, no terreno, o advo-gado Melo Alves sublinha que ouso deste equipamento deve se-guir as mesmas regras aplicadasà captação de imagens e escutas te-lefónicas. «É indiscutível quepara as polícias vigiarem e fo-tografarem um cidadão suspei-to têm de ter autorização judi-cial. Ora, o drone é um meiooculto de investigação e o seuuso não deve ficar ao critério daPolícia. É o juiz quem deve, emcada caso, ponderar se é ou nãoproporcional. Passa-se o mes-mo com as escutas ou as acçõesencobertas. Um crime de tráfi-co de pessoas até permite usarestes meios, mas o juiz pode en-tender que é desproporcional».
Fernando Negrão, que preside àComissão parlamentar de Assun-tosConstitucionais,partilhaames-ma visão. «Para vigiar suspeitos
de um crime de furto simples,por exemplo, justifica-se o usode drones? Até por questões decusto-benefício, mas sobretudopor razões de proporcionalida-de, estes limites devem ser defi-nidos» – defende o ex-director daPJ, lembrando que esta matériadeveservirparaquestionareregu-lamentar questõesmaisabrangen-tes, relacionadas com o uso demeiostécnicoseelectrónicosnain-vestigaçãocriminal.«Nãosesabe,regra geral, como são feitas asvigilâncias policiais, a não serquealguémlevanteoproblema.Num relatório da PJ, não se re-vela se são feitas dentro de umaviatura, se essa viatura tinhameios electrónicos e quais».
Quantos às manifestações, Ne-grão também aconselha cautela.«Não tenho dúvidas de que podeser muito útil, mas que não sir-va para identificar pessoas, gru-pos ou cartazes, mais uma vezdevem ser impostas regras».
Bruxelas quer impor regras«Osdronespodemteroutrotipode equipamento, além de câma-ras,quepodeigualmentepôremcausa a privacidade das pes-soas», avisa Clara Guerra, porta--voz da Comissão Nacional de Pro-tecção de Dados (CNPD), lembran-do que, sempre que estiver emcausa o tratamento de dados pes-soais, como a captação de imagensde pessoas, quem usa drones devenotificar a Comissão – o que nun-caaconteceu.Mesmoparadetectarincêndios, se forem captadas ima-gens de civis, a CNPD tem de sernotificada.
Mas não há, em Portugal ou naUnião Europeia (UE), legislaçãoespecífica que regule a utilizaçãodeste tipo de aparelhos – confirmaClara Guerra, adiantando que esteassunto está na ordem do dia nasinstâncias europeias e «seráana-lisado, em particular pelo Gru-po de Protecção de Dados da UE,no qual a CNPD está represen-tada, e pela própria ComissãoEuropeia, através da realizaçãode estudos».
Hoje mesmo, a CNPD e as suascongéneres têm uma reunião, a pe-dido da Comissão Europeia, paradiscutir estas matérias.
DRONES PROLIFERAM SEM CONTROLO
Sociedade
Sónia Graç[email protected]
O uso destas mini-aeronaves não tripuladasestá a aumentar. Polícias usam-nas para vigiarsuspeitos e multidões, mas especialistas defen-dem que é preciso impor limites.
DR
PSP e GNR compraram recentemente drones. PJ e SIS também os usam
«Podem terequipamento quepõe em causa aprivacidade», avisaaComissão de Pro-tecção de Dados
5 JUNHO 201520
Sociedade
Morreuarguidodo FaceOcultaEmpresário tinha sidocondenado por tráficode influência com Ar-mando Vara.O empresário Fernando Lopes Bar-reira,amigodoex-dirigentesocialis-taArmandoVaraeumdosarguidoscentraisnocasoFaceOculta,faleceunodiadePáscoa(5deAbril),vítimadedoençaprolongada,segundoapu-rouoSOLjuntodasuaadvogada,Te-resa Alegre. Apesar de a morte terocorridohádoismeses,sóagoraessainformaçãochegouaoprocesso,ten-do o Tribunal de Aveiro declarado aextinção do procedimento criminalecomunicadoestefactoaoTribunaldaRelaçãodoPorto,queestáaapre-ciar os recursos dos arguidos.
NoacórdãoproferidopeloTribu-nal de Aveiro a 5 de Setembro de2014,LopesBarreiratinhasidocon-denado na pena suspensa de trêsanosenovemesesdeprisão(nacon-dição de pagar 25 mil euros a umaassociação com fins sociais), porum crime de tráfico de influência.O Tribunal deu como provado queo engenheiro e gestor ligado à Con-sulgal recebeu, tal como ArmandoVara,25mileurosdeManuelGodi-nhoparafavoreceresteempresáriode sucatas de Ovar. Nomeadamen-te, ficouprovadoque,em2009,pres-sionaram José Sócrates e o entãoministroMárioLinoparademitirasecretária deEstadodosTranspor-tes, Ana Paula Vitorino, e o presi-dente da Refer, Luís Pardal.
LopesBarreira,de78anos,negousempreaacusaçãoepretendiapres-tardeclaraçõesnojulgamento,masosproblemasdesaúdenuncaoper-mitiram, pois tinha que fazer dia-riamente hemodiálise, em Cascais.
Joaquim Gomes
Custou mais de dois milhões de eu-ros e foi anunciada pelo Governocomo a solução para os problemasde partilha de informação entre aspolícias. Mas, dois anos depois deter sido criada, em Fevereiro de2013,aplataformaparaointercâm-bio da informação criminal – ummotor de busca que liga as basesdedadosdaPolíciaJudiciária,PSP,GNR, SEF e Polícia Marítima, per-mitindo-lhes trocar dados sobrecriminosos – revela-se um fracas-so. E muito por culpa de algumaspolícias, que resistem à ideia de ce-der a informação das suas basespara alimentar a plataforma.
É que se, por um lado, conti-nuam por resolver problemas téc-nicos da responsabilidade do con-sórcio que desenvolveu a aplica-ção (PT e Critical Software), poroutro «não deixou de se regis-tar uma postura de reserva doscorpos dirigentes de alguns ór-gãos de polícia criminal quan-to à disponibilização da ‘sua’informação aos seus congéne-res, sem o próprio controlo esem a garantia da contraparti-da de acesso eficiente à infor-mação alheia» – lê-se no relató-rio produzido há um mês peloconselho de fiscalização da plata-forma, a que o SOL teve acesso.
Governo deve intervirAo contrário do SEF e da GNR,que têm praticamente todos osseus registos já inseridos na plata-forma, a PSP e a PJ mostram-semenos colaborantes: a primeira sótransferiu nove milhões dos cercade 30 milhões de dados que fazemparte do seu sistema de informa-ção (desde arguidos a veículos e ar-mas) e a segunda indexou apenasoito milhões dos cerca de 12 mi-lhões de registos do seu sistema –e mesmo esta informação não este-ve sempre acessível às outras polí-
cias, que relataram dificuldadespermanentes de acesso ao nó de li-gação da Judiciária. Questionadospelo conselho de fiscalização sobreeste problema, representantes des-ta Polícia invocaram um proble-ma interno de servidor.
Os membros que integram oconselho de fiscalização (três vo-gais indicados pelo Parlamento,um procurador da República e umjuiz) admitem que a situação é mo-tivo de «preocupação», pois o sis-tema já devia estar operacional em2014. E sugerem ao Governo que dê«ordens muito precisas» às polí-cias para que estas passem a usaruma ferramenta que até pode aju-
dar a resolver crimes sem suspeitoinicial (através de uma pesquisaneste motor de busca, a GNR pode,por exemplo, saber se a arma dei-xada no local de um assalto já estáregistada na base da PSP ou da PJe associada a uma pessoa).
Em cada polícia, muito poucosutilizadores estão credenciadospara usar a ferramenta informáti-ca: 10 na PJ e na GNR e cinco naPSP,númerosmuitoaquémdoquesepreviaparaafaseinicial (300uti-lizadores simultâneos a efectuarpesquisasnosistema,podendoche-garprogressivamenteaostrêsmil).
Sem fiscalizaçãoAs polícias, porém, atribuem aoconsórcio que desenvolveu a plata-formaaresponsabilidadepor ano-malias no processo de indexação.O próprio conselho de fiscalizaçãoadmite também que essas «defi-ciências comprometem a fide-dignidade dos resultados daspesquisas». A isto soma-se a «re-jeiçãodoconsórciorelativamen-te à obrigação de resolução deanomalias, não reconhecendoalgumas como defeitos do pro-duto». Esta questão, avisam, nãoestá ultrapassada e torna a plata-forma uma ferramenta«trabalho-sa e por vezes frustrante».
A situação é de tal forma grave
que o próprio módulo de audito-ria, que deveria estar ao dispordos membros do conselho de fis-calização e da Comissão Nacionalde Protecção de Dados, tambémnão funciona – o que tem impedi-do acções de formação e, mais im-portante, o rastreio dos acessos àplataforma (quem viu o quê equando). Apesar disso, «os ter-mos incipientes, quase experi-mentais» em que a plataformaestá a ser usada tornam «desne-cessária a realização de verda-deiras acções de auditoria», jus-tifica o conselho de fiscalização.
Nenhumadaspolícias,contacta-das pelo SOL, quis fazer o balançodasuautilizaçãodaplataforma.Jáasecretária-geraldoSistemadeSe-gurança Interna, responsável pelagestão desta ferramenta, adiantouque, segundo um plano delineadoem finais de 2014, estão em cursomelhorias técnicas, a concluir atéao fim deste mês. Helena Fazendagaranteaindaque«aexpansãodaplataforma encontra-se numritmo bastante aceitável», estan-donestemomentojáindexadoscer-ca de 22 milhões de registos (emmeadosde2014eram10milhões).Esalienta que este processo é «com-plexo» e «nunca estará concluí-do»,poisasbasesdedadospoliciaisestão em constante alargamento.
Sónia Graç[email protected]
GOOGLE DAS POLÍCIASNÃO FUNCIONAAplicação informática criada em 2013 para fa-cilitar troca de informação entre polícias estácomprometida por problemas técnicos e «reser-va» das forças e serviços de segurança, que re-sistem a partilhar dados.
A PSP só transferiupara a plataformanove dos 30 mi-lhões de dados doseu sistema e a PJoito dos 12 milhões
Plataforma custou 2,5 milhões de euros, comparticipados em 80% pela Comissão Europeia AL
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8 NOVEMBRO 201332
O Departamento de Investigação eAcção Penal (DIAP) de Lisboa acu-sou de homicídio negligente o mo-torista de um autocarro que, emFevereiro do ano passado, ao pas-sar um sinal vermelho, abalroouum ligeiro causando a morte docondutor, em Lisboa. E arquivouas suspeitas contra a PSP – que es-coltou este e três outros autocar-ros que transportavam adeptos doLégiadeVarsóviaatéaoaeroporto,apósumjogocomoSporting–,ape-sar de dois motoristas terem ga-rantido que receberam ordem daPolícia para nunca parar, indepen-dentemente da sinalização.
Emdespachode22deOutubro,oprocurador da República Guilher-me Monteiro considerou que o aci-dente que vitimou Gustavo Mace-do, filho de um inspector-chefe daPolícia Judiciária, foi «exclusiva-mente»daresponsabilidadedeVí-tor Loureiro, que conduzia o últi-mo autocarro da coluna. Isto porcircular «sem a atenção e cuida-dos», desrespeitando o semáforovermelho,«porquepretendiajun-tar-se aos outros veículos da co-luna que já tinham passado ocruzamento»daavenidaFontesPe-reira de Melo com a rua Tomás Ri-beiro. Aqui colidiu com o Audi A3,conduzidopelavítima,de22anos–que não resistiu a «graves lesõestraumáticas» e morreu no local.
Oarguido,de46anos,nuncapres-toudeclaraçõesduranteoinquérito,mas a verdade é que dois colegasquetambémseguiamnocortejoga-rantiram que, logo no Rossio (deonde os autocarros partiram), foi--lhes dito pela PSP que nunca de-viam suspender a marcha, «inde-pendentemente das regras e dossinaisdetrânsito». Istomesmoga-rantiuAntónioRodrigues,quecon-duziaoprimeiroautocarrodacolu-na, acrescentando que, entre o Ros-sio e o aeroporto (12 km), a coluna«nãoparouemnenhumsinalver-
melho». Fora-lhes dito para segui-rem«omaispróximopossível»docarro da frente e fazerem «exacta-mente» o que ele fizesse.
A PSP, por considerar os adeptospolacos de risco, decidira escoltaros autocarros, colocando dois veí-culosdescaracterizados,umàfren-te e outro atrás dos pesados, e ain-da uma carrinha de nove lugares.No fim, num carro civil, seguia ocomandante da operação.
Agentes prestaramdepoimentos contraditóriosEm nenhum dos cruzamentos dopercurso foi colocado qualqueragente. Ao invés, contou o moto-rista António Rodrigues, um po-lícia que seguia no carro à suafrente ia apontando um «foco» deluz à medida que se aproximavade cruzamentos. E esta era a úni-ca sinalização da coluna.
Ao volante do terceiro autocar-ro, Fernando Santos contou que
umpolícialhesdisseraquedeviamseguir com os quatro-piscas liga-dos e fazer tudo o que o autocarrodafrentefizesse.E,garantiu,atéaoaeroporto não houve «qualquerparagem». Mesmo quando viupelo retrovisor que o colega acaba-ra de chocar com um ligeiro, conti-nuou a marcha, lembrando-se deque «nunca deveriam parar».
Esta versão foi, porém, desmen-tidapelocomandantedaPSP,inten-
dente Luís Elias, que negou terdado tal ordem e garantiu que a si-nalização foi respeitada em todo opercurso. Isto«foiconfirmadope-los agentes que faziam parte doacompanhamento (…), versãoque mereceu crédito», conclui oprocurador.
Mas no processo, que o SOL con-sultou,nemtodososagentesconfir-maram esta versão. Houve mesmoalguns(comoTiagoOliveira,quese-guianacarrinhadaequipadeinter-vençãorápida,empenúltimolugarna coluna) que admitiram ter pas-sadosemáforosvermelhos«váriasvezes»,sobretudoapósarotundadoMarquês de Pombal, onde um car-ro se intrometeu na coluna.
Atéosdoisagentesquederamdi-rectamenteinstruçõesaosmotoris-tas entraram em contradição: Bru-no Geraldes alegou tê-los avisadoquedeviamrespeitarossinaismes-mo que se atrasassem, enquanto ocolegaAntónioRajadoadmitiuque«continuariamamarcha»mesmoqueossinaisficassemvermelhos(oque nega ter sucedido) para «nãosepararemacoluna».Confrontadomais tarde pelo procurador, esteagente corrigiu o discurso, alegan-do que essa ordem não foi dada.
Pai da vítima pediuresponsabilização da PSPO próprio agente que investigouo sinistro, no seu relatório final,
reconheceu que os depoimentosforam de tal forma «divergen-tes» que poderiam «atenuar aculpa» do motorista, em detri-mento dos polícias, «por nãoprecaverem a total e inequívo-ca segurança dos veículos es-coltados e dos demais utentesda via». De resto, as imagens devideovigilância provaram quenenhum carro policial tinha lu-zes rotativas no tejadilho.
O pai da vítima – que se cons-tituiu assistente no processo esuscitou um «conflito de inte-resses», pelo facto de a PSP in-vestigar em causa própria – nãoviu cumpridas pelo procuradoralgumas diligências que pedira,como a inquirição por carta ro-gatória de quatro adeptos pola-cos, para complementar o depoi-mento de outras três testemu-nhas que indicou (as únicascivis, além dos oito polícias). Ri-cardo Macedo estranhou aindao facto de as comunicações viarádio na noite do acidente nãoterem sido gravadas.
O advogado da família apresen-tou um pedido de indemnização,de 173.220 euros, contra o condu-tor e a seguradora do autocarro.E frisa, no requerimento, que aPSP deveria ter sido responsabi-lizada criminalmente pelo «gra-ve atentado às mais elementa-res regras estradais».
MP ARQUIVA SUSPEITASDE CRIME EM ESCOLTA DA PSP
Sociedade
Sónia Graç[email protected]
Motoristadeautocarroquelevavaadeptosdeequi-papolaca,em2012,apontadocomoúnicoculpadode acidente que matou jovem. Mas testemunhasacusamPSP de terdado ordemparanão parar.
Às 00h10 do dia 24 de Fevereiro de
2012, um autocarro da Barraqueiro
circulava a 55 km/h na Av. Fontes
Pereira de Melo (sentido Sul-Norte)
No cruzamento das Picoas e desrespeitando o semáforo vermelho, embateu contra um Audi A3 que vinha da Rua Tomás Ribeiro e tinha virado à esquerda, em direcção à Praça Duque de Saldanha1
2
3
O carro foi arrastado vários metros, imobilizando-se no passeio da Fontes Pereira de Melo, comprimido entre o pesado e as grelhas de ventilação do metropolitano.O condutor do Audi ficou encarcerado, tendo morrido devido a graves lesões traumáticas
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Rua Tomás Ribeiroeiro
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Colisão fatal
ANTÓNIO SIMÕES/GLOBAL IMAGENS
O autocarro escoltado pela PSP passou o sinal vermelho e abalroou um ligeiro
4 JULHO 2014 WWW.SOL.PT18 19
No entanto, a lista desenhadapela ANSR não contempla qual-quer arruamento, contrariando oanúncio feito pelo Governo em De-zembropassado,nofinaldo Conse-lho de Ministros onde foi aprovadoo concurso público para a comprados 30 radares, quando se invocoua necessidade de combater os atro-pelamentos em centros urbanos.
EN125 vai ter três radaresAs estradas nacionais também fo-ram relegadas para plano secun-dário, apesar de aí ocorrerem cer-ca de 22% do total de acidentesgraves, responsáveis por 33% dosmortos. A ANSR seleccionou ape-nas 12 locais em oito nacionais.Deste leque faz parte a Nacional125, que atravessa todo o Algarve,e onde serão instaladas cabinasem três pontos diferentes (dois noconcelho de Albufeira e outro emLagos). Também a Avenida Mar-ginal, que liga Lisboa a Cascais,será alvo de monitorização, talcomo o IC17 (a CRIL, que liga Al-gés a Sacavém) e o IC19 (que ligaLisboa a Sintra). No Porto, os con-dutores serão fiscalizados em doislocais da Via de Cintura Interna.
Mas para que o sistema nacio-
nal que está prestes a ser imple-mentado tenha eficácia, defendeJoão Dias, «deve ser comple-
mentado com fiscalização da
velocidade nos centros urba-
nos, através de radares móveis
usados pelas polícias». Isto por-que, lembra, o efeito dos equipa-mentos fixos é intermitente, ouseja,«as pessoas abrandam ape-
nas no local do radar».É esse, de resto, o modelo em vi-
gor em muitos países da UniãoEuropeia (UE) que têm «as mais
baixas taxas de sinistralidade»:«A Suécia e a Holanda são ex-
tremamente rigorosas quanto
à velocidade. Na Suécia, todas
as estradas nacionais onde há
cruzamentos perigosos têm ra-
dares fixos», observa João Dias,referindo-se ainda ao exemplo daHolanda: «Soube de um portu-
guês que, em 300 quilómetros,
apanhou seis multas por exces-
so de velocidade. A malha de
radares é apertada e os polícias
também estão bem equipados».
Atraso de quatro anosAo fim de seis anos, desde que foianunciado em 2008 (era ministroda Administração Interna Rui Pe-reira), o projecto vai finalmentearrancar. A criação desta rede na-cional, que inicialmente previa ainstalação de 300 radares, é umdos objectivos da Estratégia Na-cional de Segurança Rodoviáriae deveria ter sido executada até2010. No entanto, o processo so-freu vários atrasos e só no actualExecutivo, com luz verde do mi-nistro Miguel Macedo, foi aprova-da uma despesa de quatro mi-lhões de euros para comprar osequipamentos (30 radares e 50 ca-binas) e todo o software.
O «combate à prática de ve-
locidade excessiva através da
fiscalização contínua e auto-
mática da velocidade de cada
veículo em cada local de con-
trolo» é o objectivo deste investi-mento, segundo a resolução doConselho de Ministros, publicadaa 12 de Dezembro passado em noDiário da República.
O concurso público internacio-nal, lançado em Maio, foi dispu-tado por mais de dez empresas –entre as quais a Mota-Engil, a No-vabase, a Siemens, a Soares daCosta e até a Brisa, apurou o SOL.Depois de assinar o contrato, avencedora do concurso terá de ga-rantir todas as despesas de ma-nutenção do sistema nos próxi-mos três anos.
Uma dezena de auto--estradas, seis itine-rários principais ecomplementares eoito estradas nacio-nais, de Norte a Sul
do país, vão passar a ser alvo decontrolo de velocidade – num to-tal de 50 locais a fiscalizar atra-vés de 30 radares, apurou o SOL.
O sistema nacional de controlode velocidade – que já deveria terentradoemfuncionamentoem2010e estima-se agora para o início de2015, após o concurso para a com-pradosaparelhos,queestáemcur-so–vaiobedeceraumalógicarota-tiva,ouseja,osaparelhosserãoins-talados num local mas a todo omomento podem ser transferidosparaoutropontodarede.Emtodosos locais, porém, serão instaladascabinas devidamente sinalizadas.
A ideia é que sejam um elemen-
to dissuasor, levando os conduto-res a reduzir a velocidade, inde-pendentemente de conterem ra-dares no seu interior.
A lista dos 50 locais, a que o SOL
teve acesso, foi definida pela Auto-ridade Nacional de Segurança Ro-doviária (ANSR) e abrange na suamaioria auto-estradas, onde foramidentificados ao todo 26 locais a fis-calizar. A A1 (Lisboa-Porto), a A5(Lisboa-Cascais), a A25 (Aveiro-Vi-lar Formoso) e a A29 (Albergaria aVelha-Gaia) estão no topo das queserão alvo de maior controlo: emcadauma,foramescolhidosquatropontosespecíficosondeosconduto-res serão fotografados sempre queexcedam o limite de velocidade.
Nos pontos negrosNote-se que muitos dos locais quecompõem esta rede nacional cor-respondem aos chamados pontos
negros (lanço de 200 metros ondese registaram pelo menos cincoacidentes com vítimas) identifi-cados todos os anos pela ANSR.Na A1, por exemplo, será instala-da uma cabine à saída de Lisboa,perto do rio Trancão, que corres-ponde precisamente a um pontonegro identificado em 2012.
A maior auto-estrada do país li-dera, de resto, o ranking das mais
perigosas do país: naquele ano, se-gundo os últimos dados disponí-veis, a A1 foi palco de 339 aciden-tes graves, dos quais resultaram16 vítimas mortais, 28 feridos gra-ves e 503 leves.
A auto-estrada de Cascais tam-bém figura no rol de vias abran-gidas pela futura rede nacional deradares. Ano após ano, acumulaquatro ou mais pontos negros e
regista elevados índices de sinis-tralidade (em 2012, houve 146 aci-dentes, que causaram dois mor-tos, dois feridos graves e 192 le-ves).
«Claro que faz sentido insta-
lar radares em auto-estradas,
mas não devemos esquecer que
é dentro das localidades que se
regista a maioria das vítimas
mortais e é aí que a velocidade
é extremamente perigosa por
causa dos utentes vulneráveis
(como peões, ciclistas e moto-
ciclistas) e também das colisões
laterais, que são potencialmen-
te muito perigosas» – sublinhaJoão Dias, professor de Engenha-ria Mecânica e investigador doInstituto Superior Técnico.
Centros urbanos de foraAs estatísticas confirmam-no. Em2012 (os mais recentes dados dis-poníveis), registaram-se nas auto--estradas 6% dos acidentes gra-ves, responsáveis por 8% do totalde vítimas mortais. Nos arrua-mentos, o cenário é, de longe,mais grave: mais de 60% dos aci-dentes graves aconteceram emruas, onde se registaram 36% dototal de vítimas mortais.
Sónia Graç[email protected]
Estado vai comprar 30 radares paracontrolo de velocidade em 50 locais,distribuídospor11 auto-estradas, seisIP/ICeoitonacionais.Vejaomapa,queoSOLaqui revela.
JOSÉSÉRGIO
Sociedade
Vila do Bispo
AlbufeiraVila Real
Sto. António
Chaves
Vilar Formoso
ValençaCaminha
Póvoa de Varzim
FARO
BEJA
ÉVORA
PORTALEGRESANTARÉM
CASTELOBRANCO
VISEU
BRAGANÇA
VILA REALAmarante
Gaia
Torres Novas
VIANA DOCASTELO
PORTO
AVEIRO
LEIRIA
COIMBRA
LISBOA
SETÚBAL
GUARDA
BRAGA
A1
A3
A4
A7
A2
A2
A23
A25
A24
A28
A29
EN 1
EN 125
IP 3
EN 3
Cascais
Sintra
EN 4
IC 20EN 10
EN 10
EN 6
EN 6-3
IC 19
IC 17
IP 7
LISBOAA5
A1
AlmadaCacilhas
Montijo
Sacavém
1,52,8
Km
A3 Porto-Valença
2134,3
Km
A28 Porto-Caminha
9,8
12,3
Km
IC 23
8,515,2
Km
A4 Matosinhos-Amarante
37,340,947,3
Km
A29 Angeja-Gaia
2,1188,64,6
42,0
Km
A1 Lisboa-Porto
93,597,9
Km
A24 Viseu-Chaves
48,852,262,4
Km
A25 Aveiro-V. Formoso
A2
8,7513,95
Km
Lisboa-Albufeira
A23
18,6Km
Torres Novas-Guarda
A7
38,15
Póvoa Varzim-V. Pouca Aguiar
Km
18,8Km
Maceda-EN 1EN 223
68Km
Coimbra-ViseuIP 3
33,2Km
Carregado- C. BrancoEN 3
130,4140,8
Km
V. F. Xira-V. N. GaiaEN 1
2876
68,3
Km
Vila do Bispo-V. R. S. AntónioEN 125
Futura rede nacional de radares
50 km
PORTO
Vila Novade Gaia
EN 223
EN 1
IC 23
Vila Poucade Aguiar
N
S
O E
Sentido da via onde será colocado o radar
Começa antes da Arrábida. Os quilómetros contam no sentido dos ponteiros do relógio
Gaia-Porto-Gaia (VCI)
GaiGaiaGaiGaiGaiGaiaGaiPORTOOOPORTO
AVEIAVEIROAVEIROROROAVEIA25
A29
IP
Angeja
1,721,96,6
Km
Almada-Costa CaparicaIC 20
A5
0,16,84,977,75
Km
Lisboa-Cascais
10,610,75
Km
Eixo Norte-SulIP 7
12,95Km
Algés-Sacavém (CRIL)IC 17
0,95,75
10,25
Km
Lisboa-SintraIC 19155,6Km
Montijo-ElvasEN 4
13,8Km
Cacilhas-SacavémEN 10
7,9Km
Lisboa-CascaisEN 6
0,730,95
Km
Queijas-MarginalEN 6-3
Controlo em Lisboafora de serviçoQuase todos os radares de Lisboa – instalados em 2007, com
um custo de 2,5milhões de euros – estão inoperacionais. No
ano passado, nenhum dos 21 aparelhos foi sujeito à obrigatória
verificação periódica pelo Instituto Português da Qualidade
(IPQ) – confirmou ao SOL fonte oficial deste organismo. Só dois
foram entretanto enviados ao IPQ, emMaio passado.
Isto significa que nenhuma das infracções detectadas
desde Janeiro por 19 equipamentos é legal. As falhas de
verificação começaram em 2012, ano em que foram verifi-
cados apenas 17 radares. Sucede que muitos equipamen-
tos encontram-se avariados devido a actos sucessivos de
vandalismo. Contactada pelo SOL, a Câmara de Lisboa não
prestou esclarecimentos. S.G.
CUIDADOCUIDADOCOM OS RADARES
13 FEVEREIRO 201520
«Ameaças, intimidações, espan-camentos e insultos». Há doisanos que os moradores da Cova daMoura – palco, na semana passa-da, de incidentes entre a PSP e al-guns jovens que acabaram detidos– já tinham alertado o Governopara a «escalada» de violêncianeste bairro da Amadora, devidoà actuação de agentes das equipasde intervenção rápida (uma valên-cia mais ‘musculada’ da Políciavocacionada para a resolução deincidentes).
Numa carta ao então ministroda Administração Interna, Mi-guel Macedo, em Março de 2013,os moradores, representados pelaassociação cultural Moinho daJuventude, denunciavam «com-portamentos persecutórios eracistas, indignos de seres hu-manos» da parte de agentes, emintervenções ocorridas entre Se-tembro de 2012 e Fevereiro de2013. E pediam ao ministro que to-masse «medidas preventivasem nome da segurança».
O Ministério da AdministraçãoInterna não esclareceu, porém, seagiu perante esta denúncia, quetambém chegou ao Ministério Pú-blico (MP) pelas mãos do coman-dantedaDivisãodaAmadora.Che-gou a ser aberto um inquérito, masacabou arquivado em Agosto doano passado por «falta de indí-cios». No despacho final, a que oSOL teve acesso, o MP considerou«proporcionais e adequadas»ascondutas dos agentes (incluindo ti-ros de shotgun), mas admitiu que,«no meio da confusão (...), pode-rão ter ocorrido situações emque um ou outro agente se te-nha excedido na utilização daforça (...) ou de expressões detodo inadequadas». No entanto,«não foi possível confirmar»,nem imputar, esses casos.
Este desfecho não surpreendeMamadou Ba, do movimento SOSRacismo. «Já houve casos mais
gravesdejovensmortosàsmãosde polícias, que acabaram iliba-dos», diz o dirigente, recordando ocaso de ‘Kuku’, jovem de 14 anosassassinado em 2009 na Quinta daLage (Amadora), por um agenteque disparou a 10 centímetros dedistância. «Foi uma execução».
‘Racismo é oproblema estrutural’O «racismo», acusa o dirigente, éo problema «estrutural». «A Po-lícia nunca age de forma isentacom estes jovens negros e comestas minorias. Arrombam por-tas sem mandado, cercam osbairros com blindados...». Naquinta-feira da semana passada,os incidentes voltaram à Cova daMoura, classificado pelas autori-dades como ‘zona urbana sensí-vel’, no topo da lista dos bairrosmais problemáticos da periferiade Lisboa. Seis jovens foram deti-dos: um no bairro e cinco na es-quadra de Alfragide. A «violên-cia gratuita», acusa o dirigente,foi «longe de mais». «Desta vezagrediram activistas e dirigen-tes associativos».
Tudo começou quando Bruno(24 anos) foi detido, supostamen-te por ter apedrejado uma carri-nha policial. Moradores que esta-vam no local garantem que o jo-vem foi agredido até sangrar e,acto contínuo, os agentes terãodisparado seis tiros de shotgun
contra outros moradores que as-sistiam ao que se passava – entreas quais uma mulher que estavaà varanda de casa e foi atingida nopeito e numa coxa.
Os tiros foram ouvidos ao longepor dirigentes da associação Moi-nho da Juventude. Três deles, aque se juntaram dois jovens, resol-veram ir à esquadra saber de Bru-no. Um foi alvejado logo à entra-da, no pátio da esquadra, com doistiros de shotgun (balas de borra-cha) que lhe causaram ferimentossérios numa perna. Tal como osrestantes, estava desarmado e ga-rantem que nunca tentaram inva-dir a esquadra, como diz a PSP.
Hematomas, escoriações, feri-mentos de bala e dentes partidos:as lesões dão uma ideia de como aviolência terá degenerado naque-la tarde. Mal chegaram à esqua-dra, dizem, um agente bloqueou--lhes a entrada e, de repente, ir-romperam lá de dentro mais dedez polícias, com bastões e caça-deiras. Dispararam rajadas de
shotgun que atingiram um dos jo-vens, membro da associação Moi-nho da Juventude. Arrastadospara dentro, as agressões conti-nuaram: contam que foram pon-tapeados, esmurrados, espezinha-dos e insultados. Alguns comen-tários ficaram gravados namemória: «A merda é para estarno chão», «Se eu mandasse, vo-cês eram todos esterilizados»,«Vão alistar-se no Estado Islâ-mico». Os jovens, todos na casados 20 anos, já apresentaram quei-xa-crime contra os agentes da PSP,por «tortura».
Normas internas restringemuso de shotgunA Inspecção-Geral da Adminis-
tração Interna (IGAI), que fisca-liza as polícias, vai escrutinaragora até que ponto esta actuação,no bairro e depois na esquadra,foi legítima e proporcional, in-cluindo os disparos.
O código interno é rigorosonesta matéria. Depois de, em2002, um jovem de 24 anos ter sidomortalmente alvejado no bairroda Bela Vista com balas de borra-cha que lhe perfuraram o corpo,a PSP aprovou normas internasapertadas sobre o uso de armas edeixou claro que mesmo as me-nos letais, como a shotgun, se usa-das a curta distância, podem ma-tar ou infligir lesões graves. É,portanto, em último recurso,
quando esteja em causa umaameaça elevada e em risco a vidados próprios ou de terceiros, queos polícias podem disparar con-tra pessoas, mas nunca a menosde cinco metros e sempre contraos membros inferiores.
«Espero que a IGAI tire asconsequências e as comuniqueao MP, para que os agentes quese escondem atrás da fardapara espancar pessoas sejamdevidamente punidos», pede odirigente do SOS Racismo.
Policiamento deproximidade recuouNum bairro onde as feridas nun-ca sararam – há ‘baixas’ dos doislados e ninguém as perdoa –, aPolícia chegou a apostar há al-guns anos no chamado policia-mento de proximidade, criandolaços com a comunidade graçasao trabalho de mediadores (hou-ve até jogos de futebol amistososentre agentes e moradores). Masessa estratégia foi aos poucossendo posta de lado e deu lugar auma intervenção mais ‘muscula-da’. «Não deixámos de o fazer,mas começámos a apostarnum combate mais efectivo aocrime e isso não agrada a mui-tos moradores», explica ao SOLfonte policial.
E contextualiza: «É certo queali vivem muitas pessoas debem, mas é preciso desmistifi-car a Cova da Moura. Estamosa falar de um local dominadopelo tráfico de droga, os esfa-queamentos e ajustes de con-tas entre grupos rivais sãoconstantes, há casas subarren-dadas por pessoas de fora queali desenvolvem todo o tipo deactividade criminosa».
A tarefa dos agentes, numa di-visão com elevada rotatividade eescassos meios humanos e logís-ticos, não é fácil. «Não é seguropatrulhá-la a pé, há caracterís-ticas urbanísticas muito com-plicadas, e a Polícia continua aser permanentemente hostili-zada», explica a mesma fonte.
O que aconteceu na quinta-fei-ra da semana passada tambémserá investigado pela própriaPSP, que abriu um inquérito dis-ciplinar.
VIOLÊNCIA REGRESSA À AMADORASociedade
Sónia Graç[email protected]
MAI foi avisado, hádois anos, para «esca-lada» de violência po-licial no bairro Cova daMoura. MP arquivou,por«faltadeindícios».
GONÇALO FERNANDES SANTOS
PSP deteve seis jovens e disparou shotgun contra moradores
«A Polícia nuncaage de forma isen-ta com jovens ne-gros e minorias»,acusa dirigente doSOS Racismo