40
. '.. f .. K «e »: , . . .. lfANS ROBERT JAUSS DEDALUS - Acervo - FFLCH-LE 801 . J44LP ! ! . . I I I I i i I I \ ;? J A historia da literatura como provocacaoa teoria literaria. . ·11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 . .. . . 213Q0097504 A HISTÓRIA . DA LITERATURA COMO PROVOCAÇAoÀ TEO RIA LITERÁRIA .. . Tradução . SBD-FFLCH-USP Sérgio Tellaroli . '.'{B edit oru sit len

JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

Embed Size (px)

DESCRIPTION

JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária - Livro esgotado.

Citation preview

Page 1: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

. '.. f

..K!)~.~

«e »:

,

. ... lfANS ROBERT JAUSS

DEDALUS - Acervo - FFLCH-LE801

. J44LP

!! .

. I

IIIi

i

I

I

\ ;?J

A historia da literatura como provocacaoa teoria literaria. .

·11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 . .. . .213Q0097504

A HISTÓRIA .DA LITERATURA

COMO PROVOCAÇAoÀTEORIA LITERÁRIA

TOMBQ.~;94379... Tradução . SBD-FFLCH-USP

Sérgio Tellaroli

. '.'{Beditoru sit len

Page 2: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

-

gol51/~lY Sér.ie

Temas

. {

volume 36

Estudos literários

_,Título original: Literaturgeschichte ais Provokation der.>" Literaturwissenschaft·

© U.l?iversitatsverlag Konstanz GmbH, Kons~anz, 1967

SUlllário

............................................................................. 15

............................................................................. 18

TEXTOEDITOR

Fernando PaixãoASSISTÊNCIA EDITORIAL

Mário VilelaARTE

EDIÇÃO DE ARTE (MIOLO)

Divina Rocha CorteCAPA

Ettore BottiniINDICAÇÃO EDITORIAL, Duda Machado

I

II

III

IV

V

VI

...................................................................................

...................................................................................................................................................... ~ ..

.................................................................................

..................................................................................

5

9

22

24

VII ......................................................................................... 27

ISBN 85 08 04631 6·

VIII 31

IX 35

46

50...................................................................................

.............................................................................

Notas : 58

Anexo: Os horizontes do ler 71

x 41

XI

XII

1994Todos os dir~itos reservados

Editora Ática S.A.

Rua Barão de Iguape, 110 - CEP 01507-900Tel.: (PABX) 278-9322 - Caixa Postal 8656

End. Telegráfico "Bornlivro" - Fax: (011) 277-4146São Paulo (SP)

'::h~?

r- f"\ ,) /~'Y" _", I J?

Page 3: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

·~

\

i!i

·1!

I

)

I

A história da literatura vem, em nossa época, se fazendocada vez mais mal-afamada - e, aliás, não de forma imerecida".Nos últimos 150 anos, a história dessa venerável disciplina tern .inequivocamente trilhado o caminho da decadência constante.Todos os seus f~itos culminantes datam do século XIX. A épocade Gervinus e Scherer, de De Sanctis e Lanson, escrevera histó-'ria de uma literatura nacional era considerado o apogeu da carrei­ra de um filólogo. Os patriarcas da história da literatura tinhamcorno meta suprema apresentar, por intermédio da história dasobras literárias, a idéia da individualidade nacional a caminho desi mesma. Hoje, essa aspiração suprema constitui já urna lem­brança distante. Bnl. nossa vida intelectual contemporânea, a his­tória da literatura, em sua forma tradicional, vive rão-sornen.teurna existência nada mais que miserável, tendo se preservado ape­nas na qualidade de uma exigência caduca do regulamento dosexames oficiais. Corno matéria obrigatória do currículo do ensi­no secundário, ela já quase desapareceu na Alemanha. No mais,histórias da literatura podem ainda ser encontradas, quandomuito, nas estantes de livros da burguesia instruída, burguesia es­ta que, na falta de urn dicionário de literatura mais apropriado, as

.consulta principalmente para solucionar charadas Iiterárias-.

Page 4: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

6

Nos cursos oferecidos nas universidades, a história da litera­tura está visivelmente desaparecendo. Há telnpos já não constituisegredo algum afirmar que os filólogos de minha geraçãÇ) Qrgu­lham-se de ter substituído os tradicionais painéis globai~ ou de'época de sua literatura nacionalpor cursos voltados 'para um enfo­que sistemático ou centrados em problemas históricos espedficos.A produção científica oferece um quadro semelhante: as empreita­das' coletivas, na forma de manuais, enciclopédias e volumes inter­prerativos - estes constituindo o ramo mais recente das assim cha­rnadas sínteses de livraria -.-, desalojaram as histórias da literatura,tidas por pretensiosas e pouco sérias. Significativamente, tais cole­tâneas pseudo-históricas raramente resultam da iniciativa de estu­diosos, mas devem-se, em geral, à idéia de algum editor empreen­dedor. Já a pesquisa levada a sério, por sua vez, encontra registro ernmonografias de revistas especializadas, pautando-se pelo critériomais rigoroso dos métodos científico-literários da estilística, daretórica, da filologia textual, da semântica, da poética e da históriadas palavras, dOQ motivos e dos gêneros. Por certo, também as revis­tas atuais especializadas em filologia. encontram-se ainda; ern gran­de medida, repletas de ensaios que se contentam com uma aborda­genJ. histórico-literária. Seus autores, porém, vêem-se expostos a

.urna dupla crítica. Da ótica das disciplinas vizinhas, os problemasque levantam são, aberta ou veladamente, qualificados .de pseudo­problemas, e seus resultados, desdenhados como um saber pura­mente antigo. Tampouco a crítica oriunda da teoria literária reve­la-se mais complacente em seu juízo. Tal crítica tern a objetar à his­tória clássica da literatura que ela apenas se pretende urna forma daescrita da história, mas, na verdade, move-se numa-esfera exteriorà dimensão histórica e, ao fazê-lo, falha igualmence na íundarnen­tação do juízo estético que seu objeto - a literatura, enquatltounia forma de arte - demanda>.

Primeiramente, cun1.pre esclarecer essa crítica. A história daliteratura, em sua forma mais habitual, costumaesquivar-se do pe­rigo de_~l:':~1.ª.enlJnl:f.Iªç~º__Q~e~-a~-:q.~.nte c~9P..:91.ógic-ª_ dos fatos orde­nando seu material segundo tendências gerais,-gêne~-os e "outras,categorias", para então, sob tais rubricas, abordar as obras indivi~

dualmenre.cm seqüênciacronológica. A biografia dos autores e aapreclaç[õ "dü·colljuii.ro desu~'obra surgelu aí em. passagens alea-

7

_çórias e digressivas, à maneira de urn elefante branco. Ou, então, ohistoriador da literatura ordena seu material de forma unilinear,seguindo a cronologia dos gratldes autores e apreciando-os confor-

d " id b D c:.me o esquerna e VI a e o ra - os autores menores .ncarn aí ave:r navios (são inseridos nos intervalos entreos grat1.des), e o pró­prio desenvolvimento dos gêneros vê-se, assim, inevitavelmentefracionado. Esta última modalidade de história da literatura cor­responde sobretudo ao cânone dos autores da Antigüidade clássi-

.ca; já a primeira encontra-se corn maior frequência nas literaturasmodernas, que se defrontam COln a dificuldade-' crescente à rne­dida que se aproximam do presente - de ter de fazer urna seleçãodentre uma série de autores é obras cujo.conjunto mal se.conseguedivisar. Contudo, urna descrição da literatura que segue urn.câno­ne ern geral preestabelecido e simplesmente enfileira vida' e obrados escritores em seqüência cronológica não constitui - como Jáobservou Gervinus -" história algu71'la; mal. chega a ser o esqueletode U71za historiai. Do mesmo modo, nenhum historiador tornariapor histórica uma apresentação da literatura segundo seus gêneros .que, registrando mudanças de urna obra para a outra, p.ersiga as.formas autônomas do desenvolvimento da lírica, do drama e do

. romance e emoldure o todo inexplicado com urna .observação decarárergeral s-c- amiúde tornada emprestada à história - sobre oZeitgeist e a~ tendências políticas do período. Por outro lado, nãoé apenas raro, mas Irancamenre rnalvisto, que um historiador daliteratura profira vereditos qualitativos acerca de obras de épocaspassadas. Muito pelo contrário, o historiador costuma, antes,apoiar-se no ideal de objetividade da historiografia, à qual cabeapenas descrever C071'lr;; as coisas efetivamente aconteceram: -Sua abs­tinência estética funda-se em boas razões. Afinal, a qualidade e acategoria de urna obra literária não resultam riem das condiçõeshistóricas ou biográficas de seu nascimento, riern tão-somente deseu posicionamento no contexto sucessório do desenvolvimentode urn gênero, lnas sim dos 'critérios da recepção, do efeito* pro-

* .. Em razão da já consagrada tradução de Vlirkungsgeschichte por "história do efeito", osubstantivo \f/irkung (efeito, eficácia, atuação, ação) foi aqui invariavelmente traduzidopor "efeito". "Contexto sucessório" traduz aqui (e nas demais passagens do texto em que0_ a~ltor e!:1prega ° termo) Fo1geverhaltnis, cuja tradução literal seria ."relação de suces­sao _ (N. L)

Page 5: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

.",'

duzido pela obra e de sua fama junt? à posteridade, c~itérios es­tes de mais difícil apreensão. Ademais, se, comprometido COlTl o .

.ideal da objetividade,.o historiador da literatura limita-se à apre-~ .sentação de urn passado acabado, deixando ao critico cornpeten­

(-Ii ~ o 'te o juízo acerca da literatura do presente inacabado e apegando­.pil ;:> se ao cânone seguro das "obras-primas", permanecerá ele o mais:9~ y 'das vezes, em sua distâ~c~ahistórica, urna ou duas ger~ções atra-

j(/OV sado em relação ao estagIo rnars recente do desenvolvimento dar-.r ·literatura. Na melhor das hipóteses, participará, pois, como leitor

pãs'~ivo da discussão presente sobre os fenômenos literários co n--ten1porâneos, tornando-se, assim, na construção de seu juízo, umparasita de urna crítica que, ern segredo, ele desdenhacorno "não­científica". Que papel resta hoje, portanto, a um estudo históri­co da literatura. que, para recorrer a urna definição clássica do in­teresse na:história - a de Friedrich Schiller '-, tem tão pouco aensinar ao observador pensante que não oferece ao homem práticonenhum modelo a ser irriitado, nem nenhum esclarecimento aofilósofo, e que, ademais, não logra prometer ao leitor nada que seassemelhe a uma fonte do mais nobre entretenirnentoêi

I

~ .

II

.A citações não constituem apenas mil apelo a uma auto­ridade com o propósito único de sancionar determinado passono curso da r~flexão científica. Elas podem também retomaruma questão antiga visando demonstrar que urna resposta já tor­nada clássica não mais se revela satisfatória, que essa própria res­posta fez-se novamente histórica, demandando de nós umarenovação da pergunta e de sua solução. A resposta de Schiller àpergunta colocada em sua aula inaugural na universidade deJena, de 26 de maio de 1789 - ~s heif5t und znc ioelchem EndestudÚrt 711.an Universalgeschichte? [O que significa e corn que pro­pósito estuda-se história universal?] -, não é apenas representa­tiva do modo de compreender a história do idealismo alemão,mas igualrnente elucidativa no que se refere a um olhar retros­pectivoe crítico voltado para a história de nossa disciplina. E is­so porque aquela resposta nos Inostr~olnque expectativa a his­tÓI:1a da literatura do século XIX, competindo corn a historiogra­fia geral, buscou desincurnbir-se da tarefa legada pela filosofiaidealista da históri~omesmo teInpo, ela nos permite perceberpor que razão o ideal do conhecimento da escola histórica tinha,necessariamente, de conduzir a urna crise, trazendo consigo odeclínio da história da literatura.

Gervinus pode no;. ~ervir aqui de testernu.nha principal.Dele é não sornerite a primeira exposição científica de urnaGeschichte der poetischen Nationalliteratur der Deutschen [História

~.,

".

Page 6: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

r-

10

da literatura nacional poética dos alen1.ães](1835-1842), corno. também o primeiro (e único) tratado de teoria da his~.ória deautoria' de UIU filólogo". Partindo da idéia central do Uber dieAufgabe des Gescbicbtsscbreibers [Sobre a tarefa do historiador](1821) de Wilhelm von Humboldr, seu Grundzüge der Historie[Fundamentos da teoria da história] constrói urna teoria na qualGervinus, eIU outra parte, ernbasou também a grande tarefa daescritura de urna história da beletrística. Para ele, o historiador daliteratura somente se torna umhistoriador de fato quando, inves­tigando seu objeto, encontra.clquela idéia [undamental que atra­vessa a própria série de acontecimentos que ele tornou por assunto)neles manifestando-se e conectando-os aos acontecimentos do rnun­dolo Essa idéia fundamental, que, para Schiller, traduz-se ainda noprincípiov teleológico" geral que nos permite compreender odesenvolvimento da história universal da humanidade, figura jáeIU Hurnboldt eDJ. manifestações isoladas da idéia da individua- .lidade nacional". Quando, então, Gervinus se apropria dessamaneira ideal de explicar a história, ele, imperceptivelmente, colo­ca a idéia histórica de Humboldt9 a serviço da ideologia nacional.Assim, uma história da literatura nacional alemã teria de mostrarde que forma a direção sensata na qual osgregos hauiarn colocado ahumanidade - direção esta para a qual) e71Z função de sua peculia­ridade) os alemães senzpre tenderam -fti conscientemente retorna­da por estes», A idéia universal da filosofia esclarecida da históriadesagrega-se na multiplicidade da história das individualidadesnacionais, afunilando-se, por fim, no mito literário segundo oqual 'precisamente os _~~~.rn..i~ estariam qualificados para ser osverdadeiros sucessores dos gregos - e· isso eIU função daquelaidéia que somente os alemães reuelauam-se aptos a concretizar em. to­da a sua pureza'>.

Esse processo, tornado visível a partir do exemplo deGervinus, não constitui U1TI fenômeno típico apenas da históriado -. espírito [Geistesgeschichte] no século XIX. Urna vez tendo aescola histórica desacreditado o modelo teleológico da filosofiaidealista da história, daí resultou também urna implicação meto­dológica, tanto para a história da literatura quanto para toda ahistoriografia. Censurando-se COIUO a-histórica a solução da filo-

I

tl

-------------_----.:.._----~~sofia da história de se co mpreenrierj; marcha dos acoritecimen..tos a partir de urna meta, de U7?'l apogeu ideal da história rnun-

. dial12, COlUO se podia, então, entender e apresentar o nexo da his-

. tória, que jamaisse revela ern sua totalidade? Conforme dernons­trou H. G. Cadamer, o ideal da história universal transforrnou..se, assim, num embaraço para a investigação histórica-s. O histo-~~ri/~~or - escreveu Gervin.us -pode somente pretender apresentar '.sei ies acabadas de acontecimentos, urna vez que) desconhecendo ascenasfinais) não l/~e épossíveljulgarl 4. Histórias nacionais sornen- "te podiam ser consideradas séries acabadas de acon tccirricntos namedida em que culminam politicamente na concretização da

_unificação nacional ou)lit.~rariaITlen~e,rio .apogeu de UIU mode-. lo .ª.ás.$~<::o naciQl1ªL Contudo, seu desen.YolvÍluento posterior a

essa "cena final" tinha, inegavelmente, de trazer de volta o velhodilema. Assim, ern última instância, Gervinus' só fez da necessi­dade uma virtude ao - eIU notável concordância corn o faIuosodiagnóstico de Hegel acerca do fi71z da arte - desprezar a litera­tura de seu próprio período pós-clássico, corno se se tratasse de

..mera manifestação decadente, e aconselhar os talentos) agora des­provic!os de urna meta, a, de preferêncin, ocuparen1.-se do Inundoreal e doEstadoi>.

Livre, porém, do dilema envolvendo a conclusão e o avan­ço da história, o historiador do historlcismo parecia estar quan­do se Iirnitava à abordagem de épocas as quais podia abarcar cornos olhos até a "cena final" e descrever ern sua plenitude própria,sem considerar o que delas resultou. Assim, a história COlUO 'pai­nel de época prometia atender plenan1.ente até ao idealluetodo­lógico da escola histórica. Desde então, quando .() desenvolvi­mentoda.individualidade nacional não mais lhe basta C~lU~"fi;­condutor, ~ história da literatura alinhava urnas às outras princi­palmente épocas acabadas. A regra fundamenra! da escritura his-!

tór:ca~ ~egundo a qual o historiador deve an.u/~r~se ante "" objeto) ,ipermitindo que ele se apresente C07n total objetiuidadei6, deixava-seaJ?licar.n1.elhor através ~esseienfoquep~!-" ép~cas)Q2n1.o todos sig:lJ!~C-?-!l~~s3;l2-~t~gg§..,~.:!.s.ql~~9.$_~ln~_4.?~..9ut}:0~: Se a "total obje­tividade demanda que o historiador abstraia do ponto de vistade seu presente, então o valor e o significado de urna época pas-

Page 7: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

12

.sada hão também de ser cognoscíveis independentemente docurso posterior da história. As célebres palavras de Ranke, de1854, conferem a esse postulado urna fundamentação teológica:Eu, porem, afirnio: todas as'épocasap'resenta7n-se imediatas a Deus)e seu valor não repousa naquilo que delas resulta) mas em sua exis­tência) nelas propriasü. Essa nova resposta à pergunta acerca decorno compreender o conceito de "progresso" na história desci­na ao historiador a tarefa de urna nova teodicéia: na medida emque contempla e apresenta. cada época C07?10 algo udlido em si, eleestá justificando Deus perante a filosofia progressista da história;que vê as épocas corno meros estágios 'para a geração seguinte,pressupondo, assim, uma primazia da última e, portanto, umainjustiça diuina'". Entretanto, a solução de Ranke para o proble­ma legado pela filosofia da história foi obtida à custa de umcorte no fio que liga o passado ao presente -'isto é, a época,"como ela efetivamente foi", àquilo que "dela resultou".Afastando-se da filosofia da história do Iluminismo, o historieis­mo abandonou não apenas o modelo teleológico 'da história uni­versal, corno também o princípio metodológico que, acima detudo, segundo. Schiller, marca o 'historiador universal e seu pro­ceder: uincular ó passado ao presente'? -'- um corihecimen toimprescindível, apenas supostan1.ente especulativo, o qual a esco­la histórica não podia impunemente desconsiderar-v, como o.demonstra, aliás, o ulterior desenvolvimento no calnpo da histo­riografia literária.

A obra da história literária do século XIX apoiou-se na con­vicção de que a idéia da individualidade nacional seria. a paTteinvisível de todo fat021, e de que essa idéia tornaria representável aforma da históTia22 também a partir de urna seqüência de obrasliterárias. Havendo desaparecido tal convicção, tinha de perder-setambém o fio dos acontecimentos, fazendo-se inevitável que a lite­ratura passada e a presente se apartassen1. urna da outra em esferasseparadas do juízo->, bem COluoque a escolha, determinação evaloração dos fatos literários se tornassem problemáticas. ~guina­da Huno ao positivismo foi. determinada primordialmente por es­Sã"ci:!"se.-X· historiografia Iiterária positivista acreditava estar fazen­do da necessidade urna virtude ao tornar emprestados os métodos

II

I

II

II

1-3·

. das c~ên~i~s exatas. ? re~ul.tado é bastante' conhecido: a aplicaç[odo princtpio da explicação p urarnenre causal à história da literatu-~-~.. .,~ - . - ..__ _ "----_ - __.._...... .......•~ " .

~~~C?.~e à luz fatores apenas aparenten1.ent~détêrn1.inantes. fez

__~re~~~:~~.,~.~!;.~.~c~~ .l~ipel~Ú~1i~~:~.E~~1~~~~~.~ªas f?_I!.t~~~i~4i~·~~~·~~, ~..P~S~~-:~han~~.~~ ..específica da obra Íirerária nLUl1. feixe de "influências"~!Á];2~~~~ve.is,a gos~.:. O pr~ testo não 'tardou a chegar. A históri~do .esplnto apoderou-se da Íiterarura, contrapôs à explicação his­rórica causal urna estética da criação irracional e buscou o nexo dapoesia* na recorrência de idéias e motivos supraternporaisz«. Na

Alen:;.q.l~a, ~la s~ ~eixo~ env~lverna.preRaração e fundarl1.entaç~foda clen.Cla 11ter~la ,naclonalts~a do nacional-socialismo. Depoisda guerra, substituíram-na novos métodos, os quais levaram acabo o processo de desideologização, sem, no entanto, reassumira tarefa clássica da história Iiterária. A apresentação da literaturaem sua história e em sua relação com a história geral estava forada área de interesse da nova história das idéias e dos conceitos,bem corno da investigação da tradição que floresceu na esteira daEscola de Warburg. A primeira almeja secretamente urna renova­ção da história da filosofia, conforme esta se reflete na literatura25.a ~ltima neutraliza ~ práxis vital da história, na medida em quebusca Q ponto crucial do saber na origem ou na continuidadesupraternporal da tradição, e não na atualidade e singularidade deurn feI~ôI~leno l'iterári026. O corih.ecirrien ro daquilo que persisteern mero a mudança constante desobriga-nos do esforço da COIU­preensão histórica. Na obra monumental de Ernst RobertCL~rtius - que pr~piciou trabalho a urna legião de epígonos pes­quisadores da tópica -) a conunuidade da herança da Anti- .güidade, 'alçada à condição de idéia suprema, figura so b a formada tensão hisroricarnerrte não mediada, imanente à tradição lite­rária, entre ci..iação e irniração, poesia elevada e mera literatura.DIU classici~nlo atenlP?cr~. das obras-primas eleva-se acima daqui­lo que Curtius chama a irromp íve] cadeia tradicional. da rnedio­cridade"27, deixando a história atrás de si COlno terra incognita.

"Aqui e .nos den~aisc~ntex(Qs em que aparece, a palavra "poesia" foi usada para. traduzir osubstantivo alemão DlcfJtung: Emprega-se, portanto, não no sentido restrito ele obra em ver-so, mas no de obra literária de uma forma gera!. (N. T.) .

Page 8: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

14

Vence-se il í 2n1. tão pouca medida o abismo entre a contem­plação histórica e a conten1.plação estética da literatura quanto nateoria literária de Benedetto Croce, C01U sua separação ad absur­r 'd-~lm entre poesia e'não-poesia. O antagoni'slno entre a poesia pu­

'! ra e a literatura'vinculada especificamente aurna época somentepôde ser superado quando a estética na qual se assenta foi coloca-da ern questão, .,,~_.$..~ reconheceu..9.~~~... ,ª_Qp.ºsiçãQ...~n.t.r~ ç)jª-.çÃQ. ~

'li iluitaç3.-Q caracteriza apenas a literatura do período .hurnanistada, arre, nãomais sendo capa.z de abranger os fenq~nenos .da Iiteratu-

. \_ ia moderna, ou lueS1UO da medieval. Da- orientação definida pelaescola positivista e pela idealista. destacaram-se a sociologia daliteratura e o método imanentista, aprofundando ainda mais oabismo entre poesia e história. Tal se revela C01U amáxima niti­dez nas teorias literárias antagônicas da escola marxista e da for-'maiista, escolas estas que constituirão o ponto central de meupanorama crítico da pré-história da ciência literária atual.

III

ComlUn a essas duas escolas é a renúncia ao empirismocego do positivismo, bem como à metafísica estética da' históriado espírito. Por caminhos opostos, ambas tentaram resolver oproblema de corno compreender a sucessão histórica das obrasliterárias C01UO o nexo da literatura, e arribas mergulharam, porfim, n urna aporia cuja solução teria exigido que se estabelecesseurna nova relação entre a contemplação histórica e a contempla--ção estética. A teoria literária marxista en tendeu ser sua tarefademonstrar o nexo da lj teratura ern .seu '~;pelh~-i'el~toda realida­de social. Desnecessário seria determo-nos aqui .nos resultadosingênuos obtidos .pela·historiografia literária praticada pelo luar­xisrno vulgar, que jamais se cansou de fazer derivar diretarnenrede alguns fatores econômicos e constelações de classes da "infra­estrutura" a mu.ltiplicidade dos fenômenos literários. U.LU nívelJ~.1~Y3.~_?à teoria literária marxista alcançou nos momentose.LU queteritou deHilii afunção da literatura enquanto elementoconstitutivo da sociedade: "Se a determinação social do homemé sua natureza, então há de resultar também dos ates passados d.eautotesternunho literário um quadro completo das contradiçõesque a hun1.an~dade viveu ao 1011~gO da história. [... ] A poesiamove-se em direção a U.LU ouvir. E por essa razão que nela se ges­ta a sociedade à qual ela se dirige: o estilo é sua lei - e, peloconhecimento do estilo, pode-se decifrar também o destinatárioda poesia". Werner Krauss, de cuja obra Literaturgeschichte ais

Page 9: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

16

geschichtLicher Auftrag cit028, discutiu essa ampla tese em 11.1.011.0­grafias sobre a literatura do Iluminismo-s, luas não a desenvolveu,transforn1ando-a numa história da literatura que, baseada ernpremissas tão pouco ortodoxas, teria podido dar uma nova dire­ção à história literária marxista. Urna vez que esta última -- de­certo, também por razões políticas - apega-se a urna delimitaçãonacional da história da literatura, ela segue selnpre trilhando ve­lhos camirihos, sem se colocar de maneira nova o problema -da re­lação entre literatura e sociedade, relação esta que constitui U111.processo. Trata-se, entretanto, de um pl~ob~em~que, aindaque .0substrato antiquado da unificação polftico-nacional fosse substi­tuído pelo modelo histórico mais geral do caminho rUlUO à socie­dade sem classes, .não estaria mais bem solucionado.

En1. toda a gam~ das formas ql~e assume, apenas muito pre­cariamente a literatura admite ser remontada a fatores do proces­so ecoriômico, pois a mudança estrutural dá-se com muito maior

cc- f » d cc » /lentidão na ln Ta-estrutura o que na superestrutura, e o nu-mero de deterrninantes verificáveis é muito menor na primeira doque na última. Somente uma ~orção reduzida .da pro~uç~~.lite­

rária é permeável aos acontecimentos da realidade histórica, enem todos os gêneros possuen1. força testemunhal no tocante à"lembrança dos motivos constitutivos da sociedade». Ademais,quando uma obra importante parece conferir uma nova direçãoao processo literário, ela pern1anece circundada por urna produ­ção que, amiúde, a vista é incapaz de abranger, produção estacomposta de obras que correspondem a uma tendência já ultra­passada do gosto, mas cujo efeito sobre a sociedade não ~e deveter ern menorconta do que a novidade freqüenternente incorri­preendida contida naquela obra importante, a qual, n~ en:all;t~,

é a única que pesa'na sucessão hornogênca da progressao hl~tO:'l­

ca. Contudo, a heterogeneidade do simultâneo não consntui aúnica dificuldade não superada pela historiografia literária luar­xista. Esta, vendo-se constrangida a medir o grau de importânciade urna obraliterária em função de sua força testernunhal relati­varnerite ao processo social, e sendo incapaz de extrair dai quais­quer categorias estéticas próprias, permaneceu, de um modo ge­ral- e sem o admitir -, presa a urna estética ~lassicist~~o. Isso

..-'-----"-

17

se re;rela não ap,enas nos apriorismos da crítica literária de GeorgLukacs, mas, ainda em maior grau, na construção de cânones,con1LU11 a todas as escolas marxistas e obrigatória até pouco rern­po atrás. O conceito de arte clássica.. tornado emprestado -aI--Iegel e absolutizado, resultou ern q ue Jº.d?-~ Íiteratura rnoder­~~~_g~~~,.E~?:<?_.se.~e~xaya_apreender segundo o principio da ldentl-~~~~..e:~1tr~ forma e. conteúdoteve de ser -deséiliâlificada como ar­. t~_ degenerada da burguesia decadente~Apenas rnaisrecenternen.,te parece ter começado a gestar-se uniã tendência contrária. Deinício, seus defensores não pu.deram apoiar-se em outra autori­dade que não a do próprio Stálin, ao, analogamente à afirmaçãodeste último acerca da Iingüística, postular também para a lite­ratura a independência entre a superestrutura e a base econômi­ca. O debate corn o realismo socialista conduziu, durante o pe­río.d? do degelo, a un~a crítica à teoria do reflexo, abrindo a pers­pectiva da fundação de urna teoria da arte apropriada às formasda arte moderna, urna teoria que teria obrigatoriamen-- de tra­zer consigo a ruptura COIU a estética clássica da representação.Há que se aguardar o resultado de tais iniciativas, as quais bus­carn solucionar a questão acerca da função social da literatura.tendoen1 vista, agora, também a contribuição' ~specificade suasformas e meios artísticos». . . ' .

Contudo, o problema da história literária assin1 formuladonão constitui urna descoberta da ciência literária marxista. Já háquarenta anos, ele se colocou tarnb érn para a escola formalisra porela combatida, à época en1 que essa escola viu-se condenada ao si­lêncio e banida para a diáspora pelos outrora detentores do poder.

Page 10: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

-lo:

19 .

IV

Os primei~os passos do's formalistas, que, na condiçãode membros da Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética(Opoiaz), começaram a evidenciar-se corn publicações progra­rnáricas a partir de 1916,. deram-se sob o signo de urna rigorosa

~nfase.n<?~~Fá~.~~._aF..tí~ti~?...4~)~~e.ratura ":-!:- teoria do métodofõr=­malistaê- alçou novamente a literatura à condição de um objetoautónomo de investigação, na m.edida em que desvinculou aobra literária de todas as condicionantes históric~s e, à maneirada nova lingüística estrutural, definiu em termos puramentefuncionais a sua realização específica, como a S07na de todos osprocedirnentos artísticos nela empregadosê>. A tradicional separaçãoentre poesia e literatura torna-se, assim, sem efeito. O caráterartístico da literatura deve ser verificado única e exclusivamentea partir da oposição entre linguagem poética eIinguagern práti­ca. A língua, ern sua função prática, passa então a representar, naqualidade de série ruio-literdria, todas as demais condicionanteshistóricas e sociais da obra literária; esta é descrita e definida co­n1.O obra de arte p recisamen te ern sua singularidade própria(écart poétíque), e não; portanto, em sua relação funcional con1.a série não-literária. A diferenciação entre Iinguagern poética elinguagern. prática conduziu ao conceito de percepção artística,conceito este que rOlnpe completamente ovínculo entre litera-

\.

I.!

II\

II

II

\

·11tura e vida, A artetorp.a-se, pois, ° meio para a destruição,~cl~j i.,'"es trarihamenro", do automatismo da percepção cotidiana.Decorre daí que a recepção da arte não pode mais consistir nafruição ingênua do belo, mas demanda que se lhe distinga a for- .'ma e '~e lhe conheça o procedimento. Assim, o processo de per- \

cep~o_~<l._arte s,u!.f:,c_0.trl() um ~n:.em ~ilne~,m?, têi,d6 apei'cej: \tzfiilzdade .tiã'fonna corno s~u n1.~rco distintivo e ociesueiamerito \do procedimento COlno o princípio para urna teoria que, renu.n- 'ciando conscientemente ao conhecimento histórico, transfor-11J.OU a crítica de arte num método racioriale, ao fazê-lo, produ- .;ziu feitos de qualidade científica duradoura. 1.-.-:; v7 c_r.... '· lv' .,

Entretanto, não se pode ignorar 'Um outro feito da escolaformalista. A historicidade da literatura, i nicialmcnte negada,reapareceu ao longo da construção do método formalista, colo­cando-o diante de um problema que o obrigou a re:pensar osprincípios da diacronia. O literário na literatura não é determi­nado apenas sincronicarnente - pela oposição entre as lingua­gens poética e prática-, mas o é também diacroriicamente, porsua oposição àquilo que lhe é predeterminado pelo gênero e à

. fonna que o precede na série literária. Na formulação de VítorChklovski, se a obra de arte é percebida em contraposição ao panode fundo oferecido por outras obras d,e arte e mediante associaçãoC071Z estas34 , a interpretação deve levar em conta tam.bém a suarelação corn outras formas existentes anteriormente a ela. Cornisso, a escola formalista começou a buscar seu próprio caminhode volta rumo à história. Essa sua nova proposta distinguia-se da

. velha história da literatura pelo fato de abandonar a concepçãobásica desta última de um processo linear e continuado, e porcontrapor, as~~nJ..,...ao conceito clássico da tTadição !J m 12 ri IJ cip.iodinân1.ico de evolução literária. O prisma da continuidade I?er:.,.dia, pois, sua velha prin1.azia no conhecin enro.histórico. A aná­lise da evo ução iterária des~na história-da literatura.J_aqutogeraçao çlzaietzca de novas Jonnas35; ela descreve o fluxosupostalnente pacifico e gractCi.'ã1ct--~Ci=-t-ãdiçãQ c.QmO-~ p~ess.oque encerra rupturas, revoltas de novas escolas e ccnflircs.earre,g~neros COnCO!Tentes. Q "espírito objetivo" das épocas homogê-

Page 11: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

20

neas é repudiado COlUO especulação metafísica. Segundo VítorChldovski e Iúri Tynianov, cm toda época existem sirnultariea­menre várias escolas literárias, e urna delas representa o dpice.canonizado daliteratura; a canonização de urna fonna literáriaconduz à sua auromatização, provocando, na camada inferior, a'construção de novas fo nuas, as quais conquistam o lugar das

,antigas, adquirern a dimensão de um fenômeno de massa e, porfim, são elas próprias compelidas de volta à periferia36.

Com. essa proposta - que, paradoxalmente, volta o prin­cípio da evolução literária contra o sentido orgânico-teleológicodo conceito clássico de evolução -, a escola formalista aproxi­mou-se bastante de uma nova compreensão histórica da literatu­ra, no domínio do surgimento, da canonização e .da decadênciados gêneros. Ela nos ensinou a ver de uma maneira nova a obrade arte em. sua história - isto é, na transfonuação dos sistemasde gêneros e formas literárias -, abrindo caminho, assim, parauma descoberta da qual também a lingüística se apropriou: adescoberta de que a pura sincronia é ilusória, porque - naspalavras de Rornan Jakobson e Iúri Tynianov - todo sistema'apresenta-se necessariamente C071Z0 urna evolução) e esta) por sua

')' vez) carrega forçosamente U712 cardter sistemáticos", Contudo,compreender a obra de arte ern sua história - ou seja, no inte­rior da história da literatura definida como uma sucessão de sis­ternass" - ainda não é o mesmo que contemplá-la na história­isto é, no horizonte histórico de seu nascimento, função social e

.. efeito histórico, O histórico na literatura não se esgota na suces­são de sistemas estético-formais: assim corno o da lírigua, odesenvolvimento da literatura não pode ser determinado apenasde forma imanente, através de sua relação própria entre diacro­nia e sincronia, mas há de ser definido também ern função desuarelação corn o processo geral da história>".

Se, dessa perspectiva, voltarmos novamente o nosso olharpara o dilema comum à teoria literária formalista e à rnarxis­ta, resultará daí uma conclusão que nenhuma delas tirou, Se,por um lado, se pode compreender a evolução literária a partirda sucessão histórica de sistemas e, por outro, a história geral a

.',• t

, \

21

partir do ericad.earnerrto di.nâmico de situações sociais, nãohaverá de ser possível também colocar-se a "série literária" e a'~:~o~~.~~~~~E~~~_~~!~?:.~ cone:X~.?,q~~-;b~~~~-~·~-reraç~tô··~ntr~···Ü~~;~=~tura e história, sern 'cüií.i··Ísso obrigar-se a primeira a, abando~

nan~~.s·e.~~. car~te1.~ aitlstico, encaixar-se numa furição meramen­te mirriética ou ilustrativa?1--__ .

1

1J1

Page 12: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

v

No âmbito da questão aí colocada, eu vejo o desafio d~ciência literária na retomada do problema da história da literatu­ra deixado em aberto pela disputa entre ,o .método marxista e ofonualista. Minha tentativa de superar o-abismo entre literaturae história, entre o ~onhecimento histórico e o estético, pode, pois,principiar do ponto em que ambas aquelas escolas pararam. Seusrriéro dos cQlupreendem o fato literário encerrado n~ drculofechado de uma estética da produção e da representação. Com is-

\~ so, ambas privam a literatura de uma dirnensão que é co~2.?}:~~1.­

f te in1.prescindível !anto de seu caráter estético qua~1.to de sua ~~n-

1çã~ social; aslilu..f1.lg º--.cLe sua recepção e' de seu e~e!~5?.. L~itores,ouvIntes, espec~adores.-.ofator público, ern suma, de~~I1J.penha.~l~q.~·eIas·duas .teoria: literárias u:u papel extrernamente li~1.itado.A 'escola marxista nao trata o leitor - quando dele se ocupa­diferentemenre do medo corn que ela trata o autor: busca-lhe aposição social ou procura reconhecê-lo na estratificação de urna .dada sociedade. A escola formalista precisa dele apenas COIUO osujeito da percepção, COIUO alguélu que, seguindo as indicaçõesdo texto, tem a seu cargo distinguir a forma ou desvend.ar o pro­cedimento. Pretende, pois, ver o leitor dotado da con1.preensáoteórica do filólogo, o qual, conhecedor dos meios artísticos, é ca­paz de refletir sobre eles - do IUeSn1.0 modo COIUO, invers.aluen­te, a escola rnarxjsta iguala a experiência espontânea do leitor aointeresse científico do materialismo histórico, que deseja desven-

, "

I i

j,

4Í" r

dar na obra literária as 'relações entre a superestrutura e a base.~ont~do.- ~ corno afin~ou ~alther Bulst -, texto algtt7n-r-lj}am.azs fiz escrito para ser lido e interpretado filologíca71'lente por f,filólogos4.o, ou - acrescento eu -l~istorican1.entepor historiado- ~\res. Ambos os métodos, o ~~:~l1.alista e o marxista, ·ignoral1.1.· o lei- :tor em "" papel genuíno, impres:indível tanto para oécii1.heci- K!rnen to estético quanto para o histórico: o papel do destinatácio a Itquen1., primordialmente, a obra literária visa. Considerando-se Jque, tanto eIU seu caráter artístico quanto ern sua historicidadea obra literária é condicionada.prÍlu9rdial.nl.ente pela.relação dia~

. lógica entre literatura e leitor '-- relação esta que pode ser enten­dida tanto con1.O aquela da comunicação (informação) com oreceptor quanto corno UDJ.a relação de pergunta e respostas! -,há de ser possível, no âmbito de urna história da literaturaembasar nessa mesma relação o nexo entre as obras literárias. Eisso porqueL: rel~ç~~.~!1tFe literatura e leitor possui implicações ,.

. ~~nto es~~tic~s qua~to h~st~r~cas.\A implicação estét~ca resid~ n?Ifato de )~.a Iecepçao pnman~de_~?1.~~~~~p_<:.19J~~to~__encerrar~a avalI~S_~-9.de~_<::~,~~~:.::~~tico,pela comparação com ~ut~;sobras já Iidasv-. A i~plicas:ãQ_hi~rº.Q.~~.·ni~ri~f~i.ti~·~:i~~p~;sib1~i-1dade ~e, n'::l9.-~~_<:=~C!-~la~e re~~ç9.~s, a co~upreensã? dos primei- ir~s lelto~~s ;::~_~ont~~~.u.:~~~~~_~. ~I~riq~e~,~r~s~._~~qer~ç~o. eIU gera-lç~:2L_.S!_~<:Lc?-_I_I2:qº.L.ª~.S~~L.9_.P.~ºP.E~?_,~lg~1.,If1.caC!-9..histórico _~,e, uma \,C?b,~~...~_,~~:~ar:~? vi~ve~,_~~~a._g~~li~~d~ ...est,é~ica·l Se, pois, se co n- Iternpla a lIteratura na dimensão de sua recepção e de seu efeito, ~então a oposição entre seu aspecto estético e seu aspecto históri­co vê-se consta!1.ten1.ente mediada, e reatado o fio que liga o.fenômeno passado à experiência presente da poesia, fio este queo histericismo ron1.pera.

Corn base nessa premissa, cun1.pre agora responder à per­gunta acerca de COIUO se poderia hoje fundamentar Iuetodologi­Call1.ent~ e. r~e~crever a história da literatura. O esboço que sesegu~ fOI dividido ern sete teses (VI-XlI), cada urna das quais serápormim discutida separadamente.

Page 13: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

VI.

Urna renovação da história da Literatura demanda que seponham abaixo ospreconceitos do obJetivismo histórico e que sefun­darnentern as estéticas tradicionais da produção e da representaçãonuma estética da recepção e do efeito. A historicidade da literaturanão repousa numa conexão de 1atos literários" estabelecida post fes­tum, mas no experienciar dinâmico da obra Literária por parte deseus leitores. Essa mesma relação dialágica constitui o pressupostotambém da historia da Literatura. E issoporque, antes de ser capazde compreender e classificar tuna obra, o historiador da literaturatem sempre de novamente fazer-se) ele próprio, leitor. E71Z outraspalavras: ele tem de ser capaz de. [undamcncar seu próprio juízotornando e71Z conta sua posição p7-esente 7Uf, série histórica dos leitores.. . .

. O p~stulado que, em sua crítica à ideologia dominanteda objetividade, R. G. Collingwood estabeleceu para a histo­riografia -"hist07JI is nothing but the re-enactment ofpast tboughtin :the historian's 71únd'lf]3 - aplica-se em ainda maior medida àhistória da [iteratura. A concepção .positivista da história comodescrição "objetiva" de urna sequência de acontccirncn tos numpassado já morto falha tanto no que se refere ao caráter artísticoda literatura, quan~o no que respeita à sua historicidade especí-

-------'-------------:--_---.1\@.fica. A obra literária não é um objeto que exista por si só, ofere­cendo a cada observador em cada época um mesmo aspecto-i-i.Não se trata de um monumento a revelar moriologicamente seuSer atemporal. Ela é, antes, corno urna partitura voltada para aressonância senl.pre renovada da' leitura, libertando o texto damatéria das palavras e conferindo-lhe existência atual: "parolequi doit, en rnêrne temps qu'elle iui parle, créer un inierlocuteurcapable de i'entendre'»>. É esse caráter dialógico da obra literáriaq ue explica por que razão 0 saber filológico pode apenas consis­tir na continuada confrontaçãoconi o texto, não devendo co n-

o gelar~se num saber acerca de fatos46 . O saber filológico perroane­ce selnpre vinculado à interpretação, e esta precisa ter pornl.eta,paralelamente ao conhecimento de seu objeto, refletir e descre­ver a consumação desse conhecimento como momento de UDJ.anova compreensão. \ l

A históri~_~~ liter~tur~__é ~~~P'~~?_<;:<:~so._de..E~_~ep.y'~o__~J?E.?~t.:l\ \\ção estética que se realiza na atualização dos textos literários pOI~\ \\Parte_~ª~~~~~or-q~~:oi:;:~c~b~:~~[o-~sc~Eor,--qui.~~~ rãi ·tÍovament~V 'produtor, e do crítico, que sobre. eles reflete I A SOlna -' crescen-___. .._.__, __.__ •..... __ ~ __ . " .•..•..•............. __1

te a perder de vista - de "fatos" literários confonne os registramas histórias da literatura convencionais-é .urn mero resíduo 'desse­processo, nada mais que passado coletadoe classificado, por issomesmo não constituindo históriaalguma, mas pseudo-história.Aquele que torna já por urna parcela da história da Iiteratura urna .tal série de fatos literários está confundindo o caráter de acorite-:cimento de Ul1J.a obra de arte corn o de um fato histórico. Cornoacontecimento literário, o Perceual de Chrétien de Troyes não é"histórico" no sentido ern que o é, por exemplo, a TerceiraCruzada, contemporânea à obras". Não se trata de urna actionque, ern função de unia série de premissas e motivações império­sas, da intenção reconstrufvel de UIn ato histórico e de suas con­seqüêricias inevitáveis e incidenrais, se possa explicar con10 eve.n-Lto decisivoJ.O contexto histórico no qual un1a obra literária apa- .

.rece não constitui UIna seqüência factual de acontecin1entos f~r­çosanl.ente existentes independentel1J.ente de un1 obseryado h,- O .Perceual torna-se acontecimentoliterário unicamente para seu. lei­tor, que lê essa obra derradeira de Chrétien tendo na lembrança

Page 14: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

(~t, I

\J'as obras anteriores do autor, percebe-lhe a singularidade em COIU-paração com essas e outras obras já conhecidas e adquire, assim,UIU novo parâmetro para a avaliação de obras futuras.DifereliteIuente do acontecimento político, o literário não possuiconseqüências imperiosas, que segueIu existindo por si sós e dasquais ne~huIua g~ração poste~ior poder~mais escapar. Ele(iÓ ~-Igra seguIr produzIndo seu efeito na'luedIda en1. que sua recepçao I

se'estenda pelas gerações futuras ou seja por elas retoluadó: - na,-!medida, pois, eIU que haja leitor~s ÇJ,ue novaJnente se ap..t..Qp..cie.mj_.d~ obra passâda, ou autores que desei.~.n1.)mi~~:-l~"sobreI2uj~~l3.0~_~efutá-la. A literatura como acontecin1.ento cumpre-se Rrirr:-ol~~dialmente no horizonte de expectativa dos leitores, críticos ~

~utores, 'seus contemporâneos e pósteros, 'ao experienciar a obrã'.Da objetivação ou não desse horizonte de'exRectativa depender~,

E"õis, a possibilidade de compreender e aeresen~~r a história "d~a

Uteratura em sua historicidade próerL~:.._.,", -.,...... - - - .. , ',' .

I

,.!

I.(

# ...

VII

L1.andlise da experiência literária do leitor escapa aopsicologis-~ue aarneaça quando descreve a recepção e o efeito de urna obraa partir do sistema de referênciasque sepode construir e71~ função dasexpectativas que, no momento histórico do aparecimento de cadaobra, .resultam dobnhecimentolEtéviodo gênero) da [orma e datemática de obras}a conhecidas, bem cqnzo da oposição entre a lin­guage7n poética e a lin.guage71~ prdtic~

Esa tese volta-se contra o ceticisrno disseminado - fir­mado sobretudo pela crítica de René Wellek à teoria literária deL A. Richards,- quarito à possibilidade de uma análise do .efei­to estético chegar a alcançar a esfera de significação de urna obra'literária, eIU vez de, em suas tentativas, resultar, na melhor dashipóteses, simplesmente numa sociologia elo gosto. Wellek argu­menta não ser possível, por meios ernpíricos, determinar UIUestado da consciência, quer seja o individu:al- urna vez que esteencerra eIU si algo de momentâneo e exclusivamerire pessoal-,quer seja o coletivo - que]. Mukarovsky supõe ser o efeito daobra de, arte48. Rornan Jakobsou pretendeu substituir o "estadocoletivo da consciência" por urna "ideologia coletiva", esta so b a

Page 15: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

28

forma de um sistema de 110rn13.S que existirra, para cada obraliterária) na qualidade de lanyicc, e que seria atualizado peloreceptor corno parole - embora de maneira imperfeita e jamaise111 sua totalidades". De fato) essa teoria limitao subjetivisrno doefeito, mas deixa eDJ. aberto a questão de a partir de que dados ~e

pode apreender e alojar num sistema de normas o efeito de urnaobra particular sobre detenninado público. Há) entretanto)meios empíricos nos quais até hoje não se pensou - dados lite­rários a partir dos quais, para cada obra, urna disposição específi­ca do público se deixa averiguar, disposição esta que antecedetan.toa reação psíquica quanto a compreensão subjetiva do leitor.Assim corno em toda experiência real, também na experiêncialiterária que dáa conhecer pela primeira vez uma obra até entãodesconhecida há um "saber prévio) ele próprio UlTI. momento'dessa experiência, COlTI. base no qual o novo de que tornamosconhecimento faz-se experienciável, ou seja) legível, por assimdizer, num contexto experiencial">", Aden1ais)l a obra que surgenão se apresenta corno novidade absoluta num espaço vazio, mas,por intermédio de avisos, sinais visíveis e invisíveis, traços fami­liares ou indicações implícitas, predispõe seu público para rece­bê-la de urna maneira bastante definida. Ela desperta a lembran­ça do já lido, 'enseja logo de início expectativas quanto a "meio e .fim", conduz o leitor a determinada postura emocional e, COIUtudo isso, antecipa UI~ horizonte geral da compreensão vincula­do, ao qual se pode, então - e não antes disso -, colocar aquestão acerca da subjetividade da interpretação e do gosto dosdiversos leitores ou camadas de J.eitore~ ."

. O caso ideal para a objetivação de tais sistemas histórico­literários de 'referência é o daquelas obras que, primeiramente,graças a urna convenção do gênero) do estilo ou da forma, evo­CaIU propositadamente UIn luarcado horizonte de expectativasern seus leitores para, depois) destruí-lo passo a passo - proce­dirnerito que pode.não servir apenas a um propósito crítico, masproduzir ele próprio efeitos poéticos. Assim é que Cervantes fazCOIU que, da leitura do D0711- Quixote, resulte o horizonte deexpectativa dos antigos e tão populares romances de cavalaria, .

'\I

'C7 1ftromances estes. que a ·aventura desse seu último cavaleiro paro-dia, então, profunclamenre>r. Assim é rarnb érn que Diderot,COIn a~ perguntas fictícias do leitor ao narrador no' princípio deseu]acques le[ataliste, evoca o horizonte de expectativa do en­tão ern voga romance de "viagel11", bem COlnO as convenções(aristotelizantes) da fábula.romanesca e da providência que lheé própria, fazendo-o apenas para, a seguir, contrapor provocati­vamente ao prometido romance de viagem e de amor urna véri­té de l'histoire iriteira.merite não-romanesca: a realidade bizarra ea casuística moral das histórias qu~ insere, nas quais a verdade davida contesta seguidan1ent(0 caráter mentiroso da ficção poéti­ca52

. Também Nerval, em suas CfJi711-ereS, cita, combina e nustu­ra toda uma gaIna de conhecidos motivos românticos e ocultis­tas, produzindo a partir daí o horizonte de expectativa da trans­formação mírica do mundo, mas apenas para afirmar seu repú­dio à poesia romântica: as identificações e relações da condiçãomítica fan1iliares ou acessíveis .ao Íei tor dissolvem-se em algodesconhecido na medida ern que fracassa o intentado miro pri­vado do Eu lírico, e na medida tarn.bérn em que se ron1pe a leida infonnação suficiente) de modo que a própria obscuridadetornada expressiva adquire U111a função poéticas>.

1vIas~EossibiJ.idadeda o~~L~~.~~.S:~?_d?_}.10E~_ont~~...~x­.ee~tativ~ver~fica-se também ern o bras historicameI~temenosdelineadas. E ISSO porque, na ausência de sinais explícitos, a pre­disposição específica do público com a qual um autor conta paradcterrniriada obra pode ser igualmente obtida a partir de três ,fatores que, de um rnodo geral, se poden1.pressupor:~@LP'Üg1~~-I\~J~lg~r, a partir de normas conhecidas ou da poética Í1n~u:ente

ao gê~~.[6i~1.il-~églúlaO·, d'a relação únpÜclta :'·~.º·:~i~ "o.bIª-~ I~?pl1eci~.. as_do.co.ntex.t~ :.l~~(st.óri~.o..-'liteI.:á;i;;; e, e1l1.~~rc....eiro....l.Ll.g._.a~') \ !da ogo. s~.ç._~.;-.~._~.~~tr~_.f~c.....c;_.ã.o .e realidad.e: ..entre a.fLl.nç~(). P.?~.~_~i~.a:.~_a JI

funç3° .Pl~~EI~a_~~}!n.guageIn, oposição esta que) para o Íeito rqy.e reflete, faz-se sempre presente durante a-leitura, corno pos- \;sibilidade de con~p~ração. Esse terceiro fator 1·j.1dLiíail1da'apossibi1.(d;~r~-d·~··o"l~it;~~ perceber U.l11a nova obra tanto a partir

do horizonte mais restrito de sua expectativa literária, quanto

Page 16: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

do horizonte m a.is :;l~nplo de sua experiência de vida. Voltarei aessa estruturação dos horizontes e à sua possível objetivaçãomediante o esquelua de pergunta e resposta quando abordar a

. questão da relação entre literatura e vida (ver t~se XII)..

VIII

. O horizonte de expectativa de urna obra, que' assim se podereconstruir, torna possível determinar seu cardter artistico a partirdo modo e do grau segundo o qual ela produz seu efeito sobre U771­suposto público. Denominando-se distância estética aquela quemedeia entre o horizonte de expectativa preexistente e a aparição deurna obra nova - cuja acolhida) dando-se por intermédio da nega­ção de experiências conhecidas ou da conscientização de outras)ja711-ais expressas, pode ter por conseqüência U771-a "mudança de bori­zonte'i-s-», tal distância estética deixa-se objetivar historicarnen te noesp~ctro das reações do público e do juízo da crítica (sucesso espon­tâneo, rejeição ou cheque) casos isolados de aprovação) C07np7"een-são gradual ou tardia). .

A maneira pela qual uma obra Iiterãria, no momento his­tórico de sua aparição, atende, supera, decepciona ou contraria asexpectativas de seu público inicial oferece-nos claramente LlIU

critério para a determinação de seu valor estético. A distância en­tre o horizonte de expectativa e a obra, entre o já conhecido daexperiência estética anterior e a "mudança de horizonte"54 exigi­da pela acolhida à nova obra, determina, 'do ponto de vista daestética da recepção, o caráter artístico de urna obra literária. Àmedida que essa distância se reduz) que não se demanda da cons­ciência receptora nenhuma guinada rumo ao horizonte da expe-

Page 17: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

cação, não podem ser relacionadas a nerihum público específico,luas rompem tão' cornpletamenre o horizonte conhecido de l

expectativas literárias 9..I,J~31.LQú.~l.i.çQ.o$Q.g1~.nt~.corD.~çaa.fo..nuar­_~~..:~~~.P~1_Ç.?~?7. Quando, então, o novo horizonte de expectativaslogrou já adquirir para si validade mais geral, o poder' do novo .cân~ne estético pode ~Tir a revelar-se no fato de o público passar asentir corno envelhec;das as ,0Dras até então de sucesso, recusan­dO-~les suas graças. E somente tendo ern vista essa rriudança dehonzonte que a análise do efeito literário adentra a dimensão deurna história da literatura escrita.pelo Ieitor>s, e as curvas estatís­ticas dos best sellers proporcionam conhecimento histórico:

.Como exemplo disso, pode .servir-nos uma sensação literá­ria do ano de 1857. Juntamente corn o Mada7?u Bovary deFlaubert - romance que; de lá para cá, tornou-se mundialrneri-

. te fa.tuoso - foi publicado o hoje esquecido Fanny, de seu arni­go Feydeau. Embora o romance de Flaubert tenha acarretado umprocesso por violação da moral pública, Mada7?u Bova?J! foi, aprincípio, eclipsado pelo romance de Feydeau: em U11.1. ano,Fanny alcançou treze edições e, assim, UIU' sucesso que Paris nãovia desde o Atala de Chateaubriand. Do ponto de vista temático,'ambos os romances atendiam à expectativa de UlTI novo públicoque, na análise de Baudelaire, abjurara todo e qualquer rornantis­mo e desdenhava em igual medida tanto o grandioso q uanto oingênuo nas paixões59. Os dois tratavam de um terna trivial- oadultério em um ambiente burguês ou provinciano. Contudo,para além dos previsiveis detalhes das cenas eróticas, ambos osautores souberam dar urna guinada sensacional no triânguloall1.0roso· entorpecido pela convenção. Lançaram urna nova luzsobre o desgastado tema do ciúme, invertendo a já esperada rela­ção dos três papéis clássicos: Feydeau faz o jovem amante dafemme de trerite ans, embora tendo satisfeitos os seus desejos, terciúme do marido de sua arriada e sucumbir ante essa tormentosasituação; Flaubert dá aos adultérios da esposa do médico de pro­víncia _0.- adultérios estes que Baudela.i.re interpreta corno urnaIormasublime cusdandysme - desfecho surpreendente, na medi­da en~ que é precisarnenre a figura ridícula do marido enganado,Charles Bovary; que, ao final do romance, assume traços subli-

...."",-

33J---------i!

riência ainda desconhecida, a obra se aproxima da esfera da arte"culinária" ou ligeira. Esta última deixa-se caracterizar, segundo aestética da recepção, pelo fato de não exigir nenhuma mudançaI· .

de horizonte, mas sim de simplesmente atender a expectativasq{l~ delineiam urna tendência dominante do 'gosto, na medida .elulque satisfaz a demanda pela reprodução do belo usual, confir­lua sentimentos Iarniliares, sanciona as fantasias do desejo, tornapalatáveis - na condição de "sensação" - as experiências nãocorriqueiras ou IUeSn1.0 lança problemas morais, luas apenas para"solucioná-los" no sentido edificante, qual questões já previamen­te decididas">. Se, Inversamente, trata-se de avaliar o caráter artís­tico de urna obra pela distância estética que a opõe à expectativade seu público .inicial, segue-se daí que tal distância - experi­rnentada de início COIU prazer ou estranhamento, na qualidade' deurna nova forma de percepção - poderá desaparecer para leito- ores posteriores, quando a negatividade original" da obra houver setransformado em obviedade e, daí ern diante, adentrado ela pró­pria, na qualidade de urna expectativa familiar, o horizonte daexperiência estética futura. É nessa segunda mudança de horizon­te que se situa particularmente a dassicidade das assim chamadasobras-primas; sua Iorrna bela, t-ornada uma obviedade, e seu "sen­tido eterno", aparenten1.ente indiscutível, aproximam-na perigo­sarncnre, do ponto de vista estético-recepciorial, da pacificamen­te convincente e palatável arre "culinária", de forma que urnesforço particular faz-se necessário para que se possa lê-la "a cori-

. trapeloJ

) ' da experiência que se fez hábito e, assim, divisar-lhenovamente o caráter artístico (cE. X).

A relação entre literatura e público não 'Se resolve.no fato decada obra possuir seu público específico, histórica e sociologica­mente definível; de cada escritor depender do meio, das concep­ções e da ideologia de seu público; ou no fato de o sucesso literá­rio pressupor um livro "que exprima aquilo que o grupo espera­va, um livro que revela ao grupo sua própria in1.agen(56. A socio­logia da literatura não está contemplando seu objeto de formasuficientemente dialética ao definir corn tamanha estreiteza devisão o círculo formado por escritor, obra e públic056:i . Tal defini­ção pode ser invertida: há obras que, no momento de sua publi-

Page 18: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

.34

mes. Na crítica oficial da época, encontram-se vozes a condenartanto Fanny quanto Madame Bouary COIUO produtos da novaescola do réalismc, à qual acusam de negar tudo quanto é ideal ede atacar as idéias sobre as quais se assenta a ordem social noSegundo Império-''. 'Contudo, esboçado aqui apenas eIU urnaspoucas pinceladas; o horizonte de expectativa do público de 1857- que, após a morte de Balzac, nada mais esperava de grandiosodo romances! - somente explica o êxito distinto de ambos osro manccs quando se coloca também a questão do efeito produzi­do por sua forma narrativa. A inovação formal de Flaubert, seuprincípio do "narrar impessoal" (a impassibilite que Barbey

.' d'Aurevilly atacou afirmando que, se se pudesse forjar urnamáquina de narrar de aço inglês, esta não funcionaria diferente­mente de Monsieur Flauberte-), tinha de chocar aquele mesmopúblico que recebeu o conteúdo provocante de Fanny apresenta­do no tOIU facilmente digerível de UIU romance confessional.Ademais, incorporados às descrições de Feydeau, tal público pôdeidentificar ideais da moda e desejos fracassados de uma camadasocial dominantes>, podendo deleitar-se livremenre COIU a lascivacena culminante na qual Fanny (sem desconfiar de que seu aman­te a observa da sacada) seduz o marido - afinal, já a reação dadesafortunada testemunha desobrigava·o público da indignaçãomoral. Quando, porém, Madame Bouary, compreendido de iní­cio somente por um pequeno círculo de conhecedores e conside­rado urn marco na história do romance, tornou-se um sucessomundial, o público leitor de romances por ele rormado sancio­nou o novo cânone de expectativas, tornando insuportáveis asdebilidades de Feydeau - seu estilofloreado.vseus efeitos da rno­da, seus clichês Iírico-ccnfessionais - e fazendo amarelecer qualUIU best seller do passado as páginas de Fanny.

IX

A reconstrução do horizonte de expectativa sob o qual ternaobra foi criada e recebida no passado possibilita) por outro lado) quise apresente7n as questões para Cl-s quais o ~exto constituiu U7~'la res­posta e que se descortine) assim, a maneira pela qual o leitor deoutrora terá encarado e compreendido a obra. Tal abordaeem cor­rige as normas de uma compreensão clássica ou rnodernizanie daarte - err: geral aplicadas inconscientemente - e evita o circulo'vicioso do recurso a U7n genérico espírito da época. Além disso) trazà luz adiferença hermenêutica entre a compreensão passada e a pre­sente de urna- obra) dá a conhecer a história de sua recepção - que.intermedeia ambas as posições'- e coloca em questão) C07no U7ndOgJnaplatonizante da 71utafísica filológica) a aparente obviedadesegundo a qual a poesia encontra-se asemporairnente p,"esente n,otexto literário, e seu significado objetioo, cunhado de fonna definz­tiva eterna e imediatarnente acessível ao intérprete.

) .

o método da estética da recepçã064 é imprescindfvel àco mpreensão da literatura pertencente ao passado re~uoto.

Quando não se conhece o autor de urna obra, quan:do sua Inten­ção não se encontra atestada e sua relação com suas fontes emodelos só pode ser investigada indiretarnente, a questão filoló­gica acerca de COIUO, "verdadei~anl.~cnte", se dev~ entender 10 tex:to - ou seja, de COIno entende-lo da perspectIva de sua epoca

Page 19: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

i

·1

36

- encontra resposta sobretudo destacando-o do pano de fundodaquelas obras que ele, explícita ou implicitamente, pressupunhaserem do conhecimento do público seu contemporâneo. O poetadas brancbes mais antigas do R07naJJ de Renart - 'conforme ates­tà o prólogo da obra·- confia, por exemplo, em ql.l.e seus ouvin­tes conheçam romances como a história de Tróia e o Tristan, bemcorno poenlas épicos (chansons de geste) e anedotas ern verso (jà­bLiaux) , interessando-se, portanto, pela "inaudita guerra dosbarões Renart e Yserigrin", que há de eclipsar tudo quanto seconhece. As obras e gêneros evocados são então, a seguir, todos

. mencionados ironicamente no curso da narrativa, e é, aliás, pre­cisamente em função disso que se explica não em pO\lca medidao sucesso de público, ultrapassando ern muito as fronteiras daFrança, dessa obra que se fez rapidamente famosa e foi a primei­ra a assumir posiçãocontrária a toda a literatura heróica e cortêsaté então dorninantev>.

A. investigação filológica ignorou longamente a intençãooriginalmente satírica da obra medieval Reineke Fuchs, e, com is­so, também o sentido irânico-didático da analogia entre o seranimal e a natureza humana; fê-lo porque, desde Jac?b Crimm,pernlanecera cativa-da concepção 'romântica da pura poesia n~tu­

ral e da fábula ingênua. Da mesma fónna - para citar um segun­do exemplo de normas rnodernizantes -, poder-sé-ia também,COIn razão, repreender a pesquisa épica francesa desde Bédier pe­lo fato de ela - sem o perceber - viver de critérios tomados dapoética de Boileau e julgar urna literatura não-clássica segundo asnormas da simplicidade, da harmonia entre a parte e o todo', daverossirnilhança e de outros critérios afins65. Seu ob jetivisrrio his­tórico evidentemente não coloca o método filológico-crítico asalvo do intérprete que, julgando-se isento, eleva seu próprio'pré-entendimento estético à condição de norma inconfessa,modernizando irrefletidamente o sentido do texto antigo, Quemacredita que, eIn conseqüência unicarnente de seu mergulho notexto, o sentido "acernporalrnenre verdadeiro" de uma poesiateria de descortinar-se de forma imediata e plena ao intérprete- postado, por assim 'dizer, exteriormente à'história e acima detodos os "equívocos" de seus predecessores e da recepção histó-

I.I

rica "escamoteia o enlaranhado da história do efei '.[

TV/' I. ! . l tow 7-r/<..~ng~gescl::zc~t~J ::0 qual se encontra enredada a própria

consclen~la hlsto.f1ca .' Aquele que assim pensa estará, pois,n~gando as premissas involunrãrias e não arbitrárias, mas detet­mlna:ltes, .....que balizam a sua própria compreensão", lograndocorn ISSO tao-solUente aparentar urna objetividade que, "na ver':'dade, depende da legitinlidade de seus questionaruentos"66.

Em 'Wáhrheit und Methode [Verdade e métodoJ, HansGeorg Cadarner, c~lja crítica ao objetivisnlo histórico aqui reto-

, lUO, ~escreveL~ o princípio da história do efeito - que busca evi­denciar a .realldad~ da história' no próprio ato da compreensã067--: cO,m~ ~lma aplicação ~a lógica de pergunta e resposta à tradi­çao h~st,onca. Levando adiante a tese de Collingwood, segundo aqual so se pode entender um texto quando se cOlupreendeu a ~per~unta para a qual ele constitui uma resposta"68, Gadamer I~explica que a pergunta reconstruída não pode mais inserir-se emseu horizonte original, pois esse horizonte histórico é senlpreabarcado por aquele de nosso presente: "O entendimento [é] 1selupre o processo de fusão de tais horizontes supostamente exis- I·

t~ntes por si mesrnos'tes. A pergunta histórica não pode existir por~:' l~J.as rem ,d~ transformar-se na .pergunta "que a tradição cons­tItUI para nos 70. Resolveln-se'asslm as questões de que se valeuRené Wellek para descrever a aporia do Juízo literário. Deve ofilólogo avaliar' urna .obra literária a partir da perspectivado pas­sado, .d~ ponto ~e VIsta do presente ou do "juízo dos 'séculos"71?Os c.ntenos efetivos de um passado qualquer poderialn ser tãoe~trelt~s - pondera Wellek - que sua utilização apenas torna­na mais pobre urna obra que, na história de seu efeito, desenvol­veu um rico poteI~c~al ~e significados. O juízo estético do presen-te, por sua vez, pnvrleglana UIn cânone de obras que atendem aogosto rrioderno, 111as avaliaria injustanlenre todas as demais obrase un~can1.ente porque a função destas à sua época já não se n~os~tr~ VIsível: E} própria his~ória do efeito, por mais instrutiva queseja, est.ana, e111 sua autonda~e, exposta às rnesrnas objeções'oquea autondade dos contenlpOrar1.eos do poera"?>. A conclusão deWe.llek -,- ~e .qL;e não há' possibilidade de nos esquivarn~"os denosso propno JLllZO e de que se deve apenas~orná-loo mais obje-

Page 20: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

.Ili!I

ii

li:!

I!

II'

1\

.1

riiI!l~,I'IIIiI

38

tivo possível, procedendo COLHO fazen~ os cientistas, isto é, (~iso­

lando o objeto"73 - não constitui solução algulua da aporia, luasurna recaída no objetivismo. O "juízo dos séculos" acerca de urnaobra literária é mais do que apenas "o juízo ncumulãdo de outrosleitores', críticos, espectadores e até lueSIUO professores'v": ele é odesdobramento de um potencial de sentido virtualmente presen­te na obra, historicamente atualizado em sua recepção e co ncre­tizado na história do efeito, potencial este que se descortina aojuízo que compreende na med.ida em que, no encontro com a ~ra­

dição, ele realize a "fusão dos horizontes?' de forma controlada.A concordân'~ia entre minha tentativa de, .corn base na esté­

tica da recepção, fundar uma possível história da literatura e oprincípio da história. do efeito de H. G. Gadamer enc~ntra,

porém, seu limite no intento de Cadarner de elevar o conceito doclássico à condição de protótipo de toda mediação histórica entrepassado e presente. Sua definição segundo a qual ((~ ~ue ~ (cl~ss~­co' não necessita primeiramente da superação da distância histó­rica, pois, ern mediação constante, realiza por si só essa supera­ção"75, escapa à relação de pergunta e resposta constitutiva de to­da tradição histórica. Se clássico é "oque diz algo ao presente co­mo se o dissesse especialInente a ele"76, então não se teria de bus­car primeirament~no texto clássico a pergunta para a qual eleconstitui uma resposta. O clássico que de tal forma "significa einterpreta a si mesluo"77 não se traduz pura e simplesmente noresultado daquilo a que chamei a "segunda mudança de horizon­te"? Não constitui ele a obviedade inquestionável da assim cha­rnada "obra-prirna", que oculta sua negatividade original no hori­zonte retrospectivo de uma tradição modelar e nos obriga a,investindo contra sua atestada classicidade, p rimeiramen.te recu­perar o "correto horizonte de pergunta'? Mesmo ante a obra clás­sica a consciência que opera COIU base na história do efeito não seencontra desobrigada da tarefa de identificar "a relação de tensão

\

entre texto e:·presente"78. O conceito hegelianc: do clássico que.interpreta a si mesmo só pode conduzir à inversão da relação his­tórica de ~erguntae resposta/? e contr.adizer o(~p~in~ípioda histó­

: ria do efeito segundo o qual o en rendimento .nao e um processo\ apenas reprodutivo, TJ?aS produtivo tambérnf".

39

Evidentemente, determina tal contradição o fato deGadaluer ter se apegado a um conceito de arte clássica que, forade sua época de origem - a do Humanismo -, não se sustentacorno fundarnenro geral de urna estética da recepção. Trata-se do.conceito de mimesis, entendido aqui corno "reconhecimento",conforme expõe Cadamer eIU sua explicação ontológica da expe­riência da arte: "O que efetivamente experimentamos numa obrade arte, aquilo para o qual nos voltamos, é antes quão verdadeiraela é, ou seja, em que medida conhecemos e reconhecemos nelaas coisas e a nós mesmos'<-. Esse conceito de artepode ser apli- .

.cado à arte humanista, mas não à medieval que a precedeu, e deforma algunla à época moderna que a sucedeu, na qual a estéticada 71Ú711esis, tanto quanto a metafísica substancialista que a funda­menta ("o conhecimento do ser"), perdeu seu caráter obrigatório.Contudo, a importância cognitiva da arte não teve fim com essamudança de épocaS2, evidenciando assim que ela absolutamentenão estava vinculada à função clássica do reconllecüuento,1Á.. obrade·.ãrte·-p.?_~~.·t~u~~J?:1:tra~~J!l:~r.itu~conhecimento que não seencaixa no esque.ma platô nico; ela o faz quando·alí.teCípacail~i~

Iihos da experiência futu_l~~.:. imagina n1.od~los de pe!.1~~j::.e~~iC?-e.

conlportamen.to ainda não experi.men!.~:4º§_g~1contém. uma res­posta-'ãl:;:ova~-p~igunt~s~3iE-predsamente dess-e--;ig~l}ficadõ-'vú~tuãfec[essa-fül1'ção prod~tiva no processo .da experiência que ahistória do efeito de literatura se vê subtraída quando .se desejacolocar a mediação entre a arte passada e o presente sob o signode tal conceito do clássico. Na condição de uma perspectiva datradição hipostatizada (urna vez. que, segundo Cadarner, o clássi­co, ern mediação constante, realiza elepróprio a superação da dis­tância histórica), o clássicoIrã de voltar nosso olhar pal-a 6 fato deq ue, à época de sua produção, a arte clássica ainda não se afigu-

"1/ . " \ / 1 /' brava c assica , mas, antes, tera outrora e a propna a erro novasperspectivas e pré-formado novas experiências, as quais somenteern função da distância histórica - no reconhecimento do jáconhecido - CaUSal11 a impressão de que urna verdade atenlpo­ral se expressa na obra de arte.

Mesmo o efeito das grandes obras literárias do passado nãoé UIU acontecer que se mediava a si próprio, nem pod.e ser corri-

Page 21: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

\

I\GfI \~0l

I'IItI

40

parado a urna eInanação: também a tradição da arte piessupõeuma relação dialógica do presente com o passado, relação estaem decorrência da qual a obra do passado sornente nos pode res-

. pon der e "dizer alguma coisa" se aquele .que hoje a contemplahouver colocado a pergunta que a traz de volta de seu isolarnen­to. Onde, em "Wahrheit und Metbode, a cornpreensão - analo­gaInente ao "acontecer do ser" [Seinsgeschehen] de Heidegger­é entendida como "penetração num acontecer da tradição noqual passado e p~esente mediavam-se continuadalnente"84, aitem de padecer o "rnornerito produtivo que a com preensâoencerra''">. Essa função produtiva da cornpreensâo progressiva_ que, necessariamente, encerra também urna crítica da tradi-

. ção e O esquecinlento - fundanlentará, nas páginas queseguem, o projeto estético-recepcional de uma história da litera­tura. Tal projeto tem de considerar a historicidade da literaturaso b três aspectos: diacronicamente, no contexto recepcional dasobras literárias (ver tese X); sincronicamentc, no sistema de refe­rências da literatura pertencente a urna mesma época, bem comona seqüência de tais sistemas (ver tese XI); e, finalmente, sob oaspecto da relação do desenvolviJnento [iterário imanente com oprocesso histórico mais amplo (ver tese XII).

.,

I

j~

li

x

A teoria estetico-recepcional não permite somente apreender senti­do e forma da obra literária no desdobramento histórico de sua C07n- .

preensão. Ela demandatambém que se insira a obra isolada em sua' "sé_rie literária", a fim. de que se conheça sua posição e significado históricon~ c~~texto da experiência da literatura. No passo que conduz de urnahistoria da recepção das obras à história da literatura) como aconteci­7n~nto) est~ .últim.a revela-se um processo, no qual a recepção passiva deleitor e critico .t7"ansfonna-se na recepção ativa e na nova produção doautor-.- ou) insto de outra perspectiva) umprocesso no qual a nova obrap~de resolverproblemasformais e morais legadospela anterior, podendoainda propor novosproblemas.

De que maneira pode a obra isolada, fixada numa sériecronológica pela história positivista da literatura e, desse modo,~edu~idaexteriormente a um "factu71~", ser trazida de volta para o.mrerior de seu contexto sucessório histórico e, assim, novamentecompreendida como um "acontecimento"? A teoria da escola for­nlal~sta pretende solucionar esse problellla.- corno já se disseaqUI - por intermédio de seu princípio da "evolução literária".Segundo :tal princípio, a obra nova brota do pano de fundo dasobras anteriores ou contemporâneas a ela, atinge, na qualidade def~nna be~l?--sucedida,~ "ápice" de urna época literária, é reprodu­zida e, aSSIm, progresSIValnente automatizada, para então, final­mente, tendo jáse imposto a forma seguinte, prosseguir vegetan-

Page 22: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

1

f:

;ÂI\'! .t!I" :, ,, '

III

·42

do no 'cotidiano da literatura e::OIUO gênero desgastado. Caso seintentasse analisar e descrever urna época literária de acordo COIUesse progran1.a - que, ao que eu saiba, até hoje jamais foi apli­cad08~ -, poder-se-ia esper?-r de tal empreitada U~l~ quadroque, em muitos aspectos, resultaria superior ao oferecido pela'história convencional da literatura. Tal exposição estabeleceriarelações entre as séries fechadas em si mesmas - as quais coe­xistern na história convencional sem nenhuma conexão a vincu­lá-las, emolduradas, quando muito, por UIU esboço de históriageral (ou seja, séries de obras de um mesrno autor, de uma escolaou de:um estilo) -, bern COIUO relações entre as séries de diferen­tes gêneros, revelando assim a interação evolutiva das funções e dasflrmas87 . As obras que aí se destacariam, se corresponderiam e sesubstituiriam figurarian1., então, COIUO momentos de um proces­so que não precisaria mais ser construído tendo ern vista um pon­to de chegada, pois, enquanto autoyeração dia/ética de novas[or­mas, ele não necessita de nenhuma teleologia. Vista dessa manei­ra, a dinâmica própria da evolução literária ver-se-ia, ademais,isenta do dilema dos critérios de seleção: o que importa aqui é aobra na qualidade de forma nova na série literária, e não a auto­reprodução de formas, expedientes artísticos e.gêneros naufraga­dos, os quais se deslocam para o segundo plano, até que um no­vo momento da evolução volte a torná-los "perceptíveis". Por fim,no projeto formalista de uma história da literatura que se vê co­IUO "evolução" e, paradoxalmenre, exclui todo desenvolvimentoorientado, o caráter histórico de urna obra seria sinôriimo de seucaráter artístico: tal e qual o princípio que afirma ser a obra de ar­te percebida contra o pano de fundo de outras obras; o significa­do e o caráter evolutivo de UIU fenômeno literário pressupõemCOIUO marco decisivo a inovação'".

A teoria formalista da "evolução literária" é decerto a tenta­tiva mais importante no sentido de uma renovação da história daliteratura. A descoberta de que também no domínio da literatu­ra as mudanças históricas se processam no interior de Lll11. sistema,a intentada funcionalização do desenvolvimento literário e, nãoern menor grau; a teoria da autornatizaçâo são C011~quisras dasquais não' devemos abrir mão, ainda que a canonização uniface-

43 .

tada da mudança necessite de correção. A crítica já apontou sufi­cientemente as fraquezas da teoria formalista da evolução': o rne­ro contraste ou variação estética não bastaria para explicar o de­senvolvirnento da literatura; a questão acerca do sentido tornadopela mudança das formas literárias teria permanecido irresporidi­da; a inovação, por si só, não constituiria ainda o caráter artísti­co; e, finalmente, não se teria, por sua simples negação, abolidoa relação entre evolução literária e mudança social89. A resposta aesta última questão encontra-se ern minha tese XII; a solução dasdemais exige que, pela via da estética da recepção, se abra a teo­ria 'literária descritiva dos formalistas 'para a dimensão da expe-riência histórica. .. "

A descrição da evolução literária como uma' luta incessantedo novo contra o velho, ou como alternância entre canonizaçãoe automatização das formas, reduz o caráter histórico da Íiteraru­ra à atualidade unidimensional de suas mudanças e limita a COIU­preensão histórica à percepção destas últimas. Contudo, as n1.U­danças da série literária somente perfazem urna seqüência histó­rica quando a oposição entre a forma velha e a nova di a conh.e­cer também a especificidade de sua mediação. Tal mediação po­de ser definida corno o problema.J'que cada obra de arte coloca elega, enquanto horizonte das 'soluções' possíveis posteriormentea ela'90. Entretanto, a descrição da estrutura modificada e dos no­vos procedimentos artísticos de urna obra não remete necessaria­rnerite de volta a esse problema e, portanto, à sua função na sériehistórica. A fin1. de determinar esta última - isto é, a fim de co­nhecer o problema legado para o qual a obra nova na série literá­ria constitui urna resposta -, o intérprete tern de lançar rnâo desua própria experiência, pois o horizonte passado da forma novae da forma velha, do problema e da solução> somente se faz reco­nhecível na continuidade de sua mediação, no horizonte presen­te da obra recebida. COIUO "evolução literária', a história da lite­ratura pressupõe o processo histórico de recepção e produção es­tética COlUO condição da mediação de todas as oposições formaisou "qualidades diferenciais":".

O fundamento estético-recepcional devolve à "evolução 11­terária" não ·apenas a direção perdida, na medida em que o pon-

Page 23: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

.' .> ••------,

.i~45 .J~.;jO novo ort ,,/.)

,,- ) anto nao e a Jenas Ulua cate oria estética, Elenao se resolve nos fatores inovação, surpresa, superação, reagru-

. arnenro, estranhan1.ento, fatores estes aos uais _ ., , c 1.srV3-

lUent~ aos uaIS - a teoria foi-nl.aListct: atribui in1. Jortância. O no­.vo. torna-se tarribérn categoriá hist6rica quando se cOI1.d / ­r d' A' • uz a ana-~selacronlcada lIteratura até a questão acerca de quais são) efe-

.tIVal1l.ente, os n1.0lUentos .ustorrcos que azern do novo ern .b l' /' .----.. urna_o .ra IterarIa o no~ro;, ~e en1. que n1.eâ.illa esse novo ê ia perceptr::rei r:o n1.0lUento lllstonco de seu aparecÚuento; de que distância)c~uInho.ou at~ho a cOlupreensão teve de percorrer pat.:a-al.ca-.tl­

çaI-ll:e o"conteudo e) por .fin1., a questão de se o momento de suaatuallZaÇ.ªº-...l21en'.J FI"\; r~,." r-v ~_-L - r ., • _ :!:'", ~Le.rD.S.CLem... seu ererto que logrou IUO-dl.fi~al a ~aI1.eJ.ta de ver o velho e, assi.ln, a canonização 'd; passa--dõ hteráJ.1Q2l. Já se discutiu) ern outro contexto, que aspecto as­sume sob essa, luz a relação entre teoria poética e prãxis estetica­mente produtlva94

, E cel~to.' ,ademais) que tais considerações estãol.onge ~e esgotar as pOSSIbIlIdades de interação entre produção elecepçao que decorrem da mudança histórica da postura estética,Elas bastam, el~treta11.to)para clarificar aqui a qual dimensão con­duz urna conten1.pl~~ão diacrônica da literatura que não mais sec.o~tente ern tOlU,~~Ja'pelo aspecto histórico, da literatura a expo­siçao de urna sequencia eronológica de "fatos» literários,

Ij

to de vista do historiador da literatura torna-se' o ponto de fuga- mas não de chegada! - do processo, ele abre também o olharpara a profundidade temporal da experiência literária) dando aconhecer a distância variável entre o significado atual e o signifi­càdo virtual de urna obra. O que se quer dizer com. isso é que ocaráter artístico de urna obra - cujo potencial de significado oforn1.alisluo reduz à inovação) enquanto critério único de valor­não tem de ser sempre e necessariamente perceptível de Imedia­to, já no horizonte primeiro de sua publicação) que dirá então es­gotado na oposição pura e simples entre ,a forma velha e a nova.A distância que separa a percepção atual, primeira, do significa­do virtual- ou) eIU outras palavras: a resistência que a obra no­va opõe à expectativa de seu público inicial pode ser tão grandeque um longo processo de recepção faz-se necessário para que sealcance aquilo que, no horizonte inicial) revelou-se inesperado einacessível. Pode ocorrer aí de o significado virtual de urna obrapenuanecer longamente desconhecido) até que a "evolução Iiterá­ria" tenha atingido o horizonte no qual a atualização de urna for­lua IUaiS recente permita) então) encontrar o acesso à compreen­são da mais antiga e incompreendida. Assim foi que somente a lí­rica obscura de Mallanué e de sua escola é que preparou o terre­no para o retorno à Já longamente desprezada e esquecida poesiabarroca e) em particular, para a reinterpretação filológica e o "re­nascimento" de GÓngora. Exemplos de COIUO urna nova íorrna li­terária pode reabrir o acesso a obras já esquecidas podem ser da-.dos em profusão; encaixam-se aí os assim chamados "renascirnen­tos" - ·"assin1. chamados" porque o significado do, termo podedar a impressão de UIU retorno por força própria) freqüenrernen­te encobrindo O'fato de que a tradição literária não é capaz detransmitir-se por si mesma e de que) por.tanto)~1.1.passado lite­rário só logra retornar quando urna nova recepção o traz de voltaao presente) seja porque) num retorno intencional, urna posturaestética modificada se reapropria de coisas passadas) seja porqueo novo momento da evolução literária -lança uma luz inesperada

sobre uma literatura esquecida, luz esta.que Ihe permiteS.'ncon trarnela o que anteriormente não era possível buscar al192...

J

Page 24: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

XI

Os resultados obtidospeLa Lingüística com a diferenciação e vincu­lação 11utodoLógica da análisediacrônica e da sincrô~1Íca ensejam, ta11:­bém no âmbito da história da literatura) a superaçao da contempLaçaodiacrônica) até hoje a única habitualmente empregada. Sejd aperspec­tiva histórico-recepcional depara constantemente com reLações interde­pendentes a pressuporU111 nexofuncional ()osições,..bl~qu~a~~s ou~CU-,padas diferent"e11unteJ nas modificações dap~'od~ça.o literária, entao háde ser igualmente possível efetuar U111 corte sl.ncro.nl.~o. atravessando"U111rnomertto do desenuoluimento. classificar a multiplicidade heterogenea .de obras contemporâneas segundo estruturas equivalentes. op.ostas e hie­rárquicas e) assÍ111) revelar um amplo sistemade reLações na literatura deU111 determinado momento histórico. Poder-se-ia) então) desenvolver oprincípio expositivo de "?". nova /1istóri:a da literatura disp01.'ldo-~emais cortes no antes e no depois da diacronia. de tal forma que esses C01-

. tes articulem historicamente) em seusmomentos constitutivos de épocas)

a 11'ludança estrutural na literatura.

Siegfried Kracauer foi, decerto, quem mais decididamen­te questionou o prirriado da contemplação diacrônica na,..hl$tori?­

grafia. Seu tratado Tin1e and hist01J/~5 cOI~testaa pretens~o ~a ~lIS~tória geral (General Hist07J/) de, no interior da cronolog~a, tornarcOIupreensíveis acontecimentcs de todas as esferas ~a ~l~a COIUOum processo uno, consistente em .cada rnornento histórico. Essa

compreensão da história, ainda e sen1.pre na esteira do conceitohegeliano .do "espírito objetivo", pressuporia que tudo o queacontece sirnultanearnerite se encontraria também luarcado pelomomento, ocultando assim a factual não-simultaneidade do si­rnultâneo:".. E isso porque, segundo Kracauer, a multiplicidadedos acontecimentos de unl momento histórico - acorrtecirnen­tos estes que o historiador 'universal crê compreender corno ex­poentes de UIU conteúdo uno - traduzir-se-ia, na verdade, ernmomentos de curvas temporais bastante diversas, condicionadospelas leis de sua história particular (Special H'ist07J/) 97, conformeevidenciam de forma imediata as interferências umas nas outrasdas diversas "histórias" das artes, bem cornoda história do direi­to, da economia, da política e assim por diante: "The shaped ti­711.es of. the di~erse arcas ouershadoio lhe ·unifOnn flow oftime. Anyhistorical period rnust theref07'e be irnagined as a rnixture ofeventswhich e711erge at diffirent rnoments oftheir oum tÍ7ne"98.

Não está em discussão aqui se tal diagnóstico implica urnaincoerência intrínseca da história, significando, portanto, que acoerência da história geral resulta sempre, e apenas retrospectiva­mente, da visão e da exposição homogeneizadora do historiador;nem tan1.pouco se o radical ~uvidar da "razão histórica" - queKracauer, partindo do pluralismo de lapsos cronológicos e mor­fológicos de telupo, estende até a antinomia básica do geral e doparticular na história - demonstra ser hoje de fito filosófica­mente ilegítima a história universal. No que concerne, poxén1., ª­~s.fera. çl-ª;:-I it:ratura,. e~~e;~e ~izer que a percepçã~je I(raç:aLler .dR-coexrstencia do sllTl.ultaneo e ao não-sin1.uIclneo"99 1011. e de

.~o·nduz.l: o._conhecinlento listórico a unla a:poria, ton~a VIsível a .~lecessidade e a possiblhdad.e de descortinar o caráter histórico da~!ter~a por Ineio ,de cortes sincrônic.9.~Decorre,~, dessapercepção que a Ecção cronológica do momento que marca todosos fenômenos simultâneos corresponde en1. 'tão pou.ca medida aoconceito do histórico quanto a ficção morfológica de urna série li­terária hornogênea, na qual todos os fenômenos, em sua sucessão,obedecem apenas a leis imanentes. A contemplação pUrall1.entediacrónica '-"por mais conclusivamente que ela, nas históriasdos gêneros, logre explicar modificações segundo a lógica ima-

Page 25: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

, ... '

" (48)

~'nente de inovação e automatização, problema e solução - 50""mente alcança a dimensão verdadeiramente histórica quandorOD1pe o cânone morfológico, quando confronta a obra impor­tante do ponto de vista da história .das formas com os exemploshistoricamente falidos,' convencionais, do gênero e, além disso,não deixa de considerar a relação dessa obra com 'o contexto lite­rário no qual ela, ao lado de outras obras-de outros gêl1.eros, tevede se impor. .Q21istoricidade da literatura revela-s.i..j.us.tât!2en tenos pontos de interseção entre diacronia e sincr~. Deve, por­~mnto, ser igualn1.entepossíveI 'rõrnal-

uapl=eensivel

o horizonte Iite­rário de determinado momento histórico sob a forma daquele sis­tema sincrônicocom referência ,ao. qual a literatura que emergiusimultaneamente pôde ser diacroriicamente recebida segundo re­lações de não-simultaneidade, e a obra percebida como atual ouinatual, como ern consonância COl11. a moda, como ultrapassadaou perene, corno avançada ou atrasada eI11. relação a seu tempo.Se, afinal, a literatura que surge simultaneamente decompõe-se- da perspectiva da estética da produção -' numa heterogêneamultiplicidade do não-simultâneo, isto é, das obras marcadas pormomentos distintos do "shaped tí71U" de seu gênero (como o céuestrelado aparentel11.ente atual desintegra-se astronomicamenteem pontos separados pelas mais diversas distâncias temporais),para o público, que a percebe COI11.0 obras da sua atualidade e asrelaciona urnas COl11. as outras, tal multiplicidade reCOI11.pÕe-Se­do ponto de vista da estética recepcional - na unidade de Ul11.horizonte cornurn e significativo de expectativas, lembranças eantecipações literárias.

Considerando-se gue cada sisten1.a sincrônico ten1. de co.n­~r tan1.bén1. seu Qassado ese7lfuturo, na cC>IlcLiçãQ_&..el~.estruturais inseparáveis1oo, o corte sincl~.ônico 9,.lle pa~s.~~~J?EQ:'"

dução Eterciriãêléêleterminado nl.0111.ento histórico in1plica ne-.cessariamente outros cortes no antes e no depois da diacronia.R~o daí, anãIogan1ent~'ao 'que ocorre lia hist6.iT~d;I~­gua, fatores-cõnstal1tes-eVãf~--' ualS se delXal11. 10cãJ_~COll10 funções do ·sisten1a. E isso porSLue tam"é.âí':ã~ltql~i"·

Cõnstitui un1a espécie de gramática og sint~e, apresentando .le­lações n1.ais ou l11.enOS fixas: o conjunto dO~J?;êneros,_~.~ti!2~.~f-!::,

-----------------------+-f§Jgu.r:as retóricas tradicionais e dos não-canonizados, ao ual se

,contrapõe Ul11.a es era sen1.ântica n1.ais variável - a dos tenlas,.i11.ot!vos e in1agerís literárias. Por isso, seguindo-se o exemplo da­do por I-Ians Blumenberg para a história da filosofia10 1, pode-setentar apreender também a .mudança estrutural na "evolução.Literária" não de forma substancialista, COl11.0 "transformação"de formas e conteúdos literários, l11.aS de maneira funcional, co-

. 111.0 "reocupação" de posições no horizonte de perguntas e res­posta~,,~..QS2;l a ão" esta que pode ser condicionada e provoca­da a partrr. tanto ó interior - isto é, da lei imanente de um de­senvolvirnento -do gênero -, quanto do exterior - ou seja, por·estíro.ulos e:- pressões advindas.da situação histórico-social. A par­tir dessas premissas, poder-sé-ia desenvolver urn princípio expo­sitivo para urna história da 'literatura, que teria a vantagem denão' mais precisar fugir à tarefa impraticável de Ul11.a completadescrição e articulação histórica de todos os textos medianteuma seleção problemática, segundo Ul11. cânone convencionaldas obras. A mudança histórica da produção literária é apreensí­vel mesmo sem a cornpilaçãoe apresentação exaustiva de todosos fatos e filiações diacrôriicas, bastando para tanto que se leia amudança diacrónica na continuidade dos acontecimentos a par­tir do resultado histórico, isto é, que seja descortinada no cortetransversal plenamente analisável do sistema literário sincrónicoe seja perseguida ern novos cortes102. En1 princípio, tal apresen­tação da literatura na sucessão histórica de seus sistemas seriapossível a partir de uma série qualquer de pontos de interseção.Contudo, ela SOI11.ente cumprirá a verdadeira tarefa de toda his­toriografia se encontr~r e trouxer à luz pontos de interseção quearticulem historicamente o caráter processual da "evolução lite­rária", en1 suas cesuras entre Ul11.a época e outra - p~)11tOS estes,aliás, cuja escolha não é decidida nern pela estatística nem pelavontade subjetiva do historiador da literatura, l11.aS pela históriado efeito: por "aquilo que resultou do acontecimento".

Page 26: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

.,'.

II

XII

. A tarefa da história da literatura somente se cumpre quando apro­dução literária é não apenas apresentada sincrõnica ". d~a~ronic~71zentena sucessão de seus sistemas, mas vista também C07170 história particular,em sua relaçãoprópria C07n a história geral. Tal relação não se esgota nofato de podermos encontrar na literatura de t~das as.épocas u7n;qua~rotipificado) idealizado) satírico ou utópico da vt.d~ ~oczaL. A funçao socialsomente se manifesta na plenitude de suaspossibilidades q~~and~ a exp~­

riência literária do leitor" adentra o horizonte de expectatzva de sua vt­da prática, pré-formando seu entendimento do mundo e) assim, retroa­

gindo sobre seu comportamento sociaL.

, E'l'l geral, o 1'10(0 funcional entre literatura e sociedade édemonstrado pela sociologia tradicional da literatura corn basenos estreitos limites de um. método que, de um modo apenas su­perficial, substituiu o princípio clássico .da imitatio n~turae peladefinição segundo a qual a literatura sena repF~sentaçao de urnarealidade predeterminada que, por isso mesmo, unha de ele~ar ~l'l

conceito estilístico vinculado a uma época específica - o realis-.mo" do século XIX - à condição de categoria literária po~ e~c:­

lência. No entanto, também o "estrutu.ralisrno" das tendências InI­ciadas por Northop Frye e Clau~e Lévi-Strau:~, hoje em moda,pennanece ainda totalmente cativo dessa estenca fundamental-

: ..~___________________{ll / ,e\y.~,

mente classicista da representação e de seus esquematismos do "es-pelhamento" e da "tipificação" 103. 1:'\fa medida ern que explica asdescobertas da lingüística e da ciêncta literária estruturalista cornoconstantes antropológicas arcaicas, revestidas do mito literário ­o que, não raro, somente logra fazer COIU o auxílio de urna eviden­te alegorização dos textos -, o estruturalismo reduz a existênciahistórica, por um lado, a estruturas de urna natureza social primi­tiva, e a poesia, por outro, a expressão mítica ou simbólica dessasformas sociais constantes. Ignora, assim, precisamente a funçãoeminentemente social, isto é, socialmente constitutiva, da literatu­.ra. O estruturalisn'lo lit~rário'- tanto guanto', ..antes dele, a ciên­ciaTiterária fonríalista e a markista - não se pergunta de u~ for~~~

-'ma a Iteratura nlarca, e a propria, a con.:ceQ-Çãod<: ~oct~dade ~;onstitui o seu 12ressu~osto", l1tXD __~~H:.lG-~1a.,.1:rlar.ç_QíJ ess~ conce.[2.;ç~ ao longo do processo histórico, Assim formulou GerhardHess, ern sua palestra sobre Das Bild der GeseLlschaft in der franzo­siscben Literatur [A Ílnagem da sociedade na literatura france­sa] (1954), o problema ainda ern aberto dOI estabelecimento de UInvínculo entre a história da literatura e a sociologia, mostrando quea literatura francesa, no curso de seu desenvolvimento recente,pode reivindicar para si a primazia na desco berra de certas leis davida social104, Minha tentativa de, do ponto de vista estético-re-:

~epci~na~, respo,ndel:'à per~~l~ta a~er~Cirrunç~~~ci~~_~t~tutrvadal.tteratl:rap?ae ~arttr ~o fãtõC[e~~Mannheitn105, o conceIto de honzonte de exp~tCl~ la ~EJ~J;~~-

·W~ anter~'lente por n'l~:2.,~~.ie:t~~E~~~ão~~9-liJ~[ªEi.~~~6e agora··êGsenvolviaõl-netodologicalnente~- encol1:~xa':'se~

. te 'fãn'lbêtu na axiomática da sociologia, Tal conceito encontra-se"iguaUl'1entê .~1.0 centro a.e-l111T-eTfS::'1iõ"-'n1.etodológico de Karl R.Popper sobre Leis naturais e sistemas teóricos, ensaio este que pre­tende ancorar a construção da teoria c.ientífica na experiência pré­científica da práxis existencial, desenvolvendo a partir da premis­sa de um "horizonte de expectativas" o problema da observação eoferecendo, assim, urna base de comparação para meu intento dedefinir a contribuição específica da literatura no processo geral daconstrução da experiência e de delimitar essa contribuição corrirelação a outras formas de con'lportan'lento social1G7 .

Page 27: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

G·11 52..~-_.._.Segwldo Popper, o progr.eSso da ciência· tem em coll1um

com a experiência pré-científtca o fato de cada hipótese, assim co-lUO cada observação, sempre pressupor expectativas, "quais sejam, aquelasque cOlupõei1.1. o horizonte de expectativa que dá, então, signifi­cado às observações e lhes confere, assim, o status de observa­ções' 108. Tanto para o progresso da ciência q;..lanto para o avançoda experiência de vida, o momento ~uais irnportan.te é o ~a "frus­tração de expectativas": "Elas se assen1.elhan1. à experiência de urncego que se choca COIU um obstáculo, descobrindo assim a suaexistência. Graças ao defraudamento de nossas suposições, nóstOlUan1.0S contato efetivo com a 'realidade'. A refutaçãQ..de nossos .equívocos constitui a experiência positiva . ~~··eXtraÍ1uó·s·da reàli­"dade:109 • - que, e certo, ainda não explica suficien­~ente o processo de construção das teorias científicas11 0, masnos dá conta do "sentido produtivo da experiência negativa' napráxis da vida-!' - pode, ao n1.eSlUO telupo, lanç~r urna ~uz m~isnítida sobre a função específica da literatura na VIda SOCIal. E IS­so porque) ante o (hipotético) não-leitor, o leitor tem a vantagemde - para pern1.anecern1.os na imagen1. utilizada por Popper ­não pr.ecisar primeiramente topar con1. UIU novo obstáculo para,então, adquirir urna nova experiência da realidade. A experiênciada leitura logra 'libertá-Io das opressões e dos dilemas de sua prá­xis de vida, na rnedidaern que o obriga a urna nova percepção dascoisas, O 'horizonte de expectativa da literatura distingue-se da­quele 'da práxis histórica pelo fato de não apenas conservar as ex­periências vividas, luas também antecipar possibilidades não CO~1­

cretizadas, expandir o espaço [imitado do çon1.porta~11entoSOCIalrumo anovos desejos, pretensões e objetivos, abrindo, assim, no-

vos caminhos para a experiênc.ia futura..A ré-oriel~tação de no ~~x.p.ç:.riênc.ia e.0 r .intenuédio ~

poder criativº-...da~r~W:é1·rep.üu.s.aJlã.o_.ap.eng.~_~I!1.~~~~·~~e~. ~~-=.f~ que, através de un1a forn1.a nova, auxilia-nos .as.0l}2~.o..

-, alltoi:;;àtisn1.o dapercepçâo cotidiana. A forma nova da arte não é-ap;1as "percebida ern co;;r~~içãõão.panodefundo oferecidopor outras obras de arte e mediante associação corn estas". VítorChldovski só tem razão nessa sua fan10sa afirmação, pertencenteao cerne do credo formalista-P, quando se insur.ge contra o pre-

(~-.-------------------\.'C-)conceito da estética classicista, que definia o belo corno harmoniaentre [arma e conteúdo e, conseqüentemente, reduzia a forma no­va à sua função secundária de conformar ~n1 conteúdo predeter­minado. A nova forma surge, porém, não apenas para "substituira antiga, quejá não é mais artística". Ela é capaz também de pos­sibilitar uma nova percepção das coisas pré-formando o conteú­do de urna experiência revelado primeiramente sob fonua li terá­ria.··~ relação entre litera.r.u-ra-e..lci.mr pode atualiz~s.e....taJ.1.tQ...Q3..."~.s.;.

fera sensorial, con10 pressão para a percepção estética, uantotambém na es era ética, con10 des 10 à re - exão n10rall 13. A nova6brãl:lteraria é recebtd:a e julgada tanto en1 seU. cOlltraste con1 0-

"pano de fundo oferec.ido por o.utras fo~n1.as artísticas, uanto­contra o pano e un o a ex enenCla cotidiana de vida. Na es­fera ética, sua unção soc.ial deve ser apreendida, do perito de vis­ta estético-recepciorial, também segundo as modalidades de per­gunta e resposta, problema e solução, modalidades sob cujo sig­no a obraaderitra o horizonte de seu efeito histórico.

De que maneira urna nova forma estética pode possuirtambém conseqüências morais - ou, ern outras palavras, de quefonna pode ela conferir a urna questão moral. o. maior efeito so­cial concebível -, tal é O'q ue nos demonstra da maneira maisirnpressiva o caso de Madame BovaJ'JI e do processo movido con­tra seu autor, Flaubert, após a publicação da obra na Reuuc deParis, em 1857. A nova forma Literária que obrigou o público deFlaubert a urna percepção inabitual da "fábula desgastada') foi oprincípio do narrar impessoal (ou desinteressado), vinculado aoartifício do assim chamado "discurso indireto livre", 'manejadopor Flaubert corn virtuosidade e coerência no tratamento do fo­co narrativo. Pode-se esclarecer o que isso significa a partir 'deurna descrição considerada extremamente imoral pelo procura­dor Pinard em sua acusação. A passagen1 segue-se, no romance,ao primeiro "passo ern falso" de ElTIlUa e a apresenta olhando-seno espelho:

En s'opercevont dons lo gloce,' elle s'étonno de son viscqe.jornois elle n'ovoit eu les yeux si grands, si noirs, ni d'une telle pro-

Page 28: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

54.

fondeur. Quelque chose de subti,l épandu sur sa personne la trans- ,figurait.

Elle se répétait: j'oi un ,amant! un amant! se délectant à cel­le idée comme à celle' d'une autre puberté qui lui serait survenue.Elle aliai! donc enfin posséder ces plaisirs de I'ornour, cette fiêvrede bonheur dont elle avait désespéré. Elle entrait dons quelque cho­se de merveilleux, ou tout serait passion, exlose, délire o ••

o procurador toma essas últimas frases por urna descriçãoobjetiva, contendo eIU si o julgamento do narrador, e se irritacorn tal glorification de i'adultêre, que seria ainda mais perigosa eimoral do que o próprio adultériou-'. No" entanto, o acusador deFlaubert comete aí um equívoco que lhe é prontamente aponta­.do pelo' defensor: as frases por ele incriminadas não constituemurna. constatação objetiva do narrador à qual' o leitor possa darcrédito, mas sim urna opinião subjetiva da personagelu à qualcumpre, desse modo, caracterizar em seus sentimentos construí­dos a partir da leitura de romances. O procedimerito artísticoconsiste aí em se apresentar um discurso em grande parte interiorda personagen1. descrita sem provê-lo de nenhum sinal indicativodo discurso direto (je vais donc enfin posséder "0) ou do discursoindireto (Elle se disait qu'elle allait donc enfinposseder o •• ), o que re­sulta em que o leitor é quen1. tem de decidir ele próprio se tomaa frase por uma asserção verdadeira ou se deve entendê-la comourna opinião característica dessa personage.l.l).. Emrna Bovary é, defato, "[julgada] a partir da mera e nítida caracterização de suaexistência subjeriva, a partir das suas próprias sensações"115. Talconclusão, extraída de uma análise estilística moderna, coincideinteiramente corn a centra-argumentação do defensor Sénard, oqual acentua que Emrna começa a desiludir-se já a partir do se­gundo dia: Le dénouemcntpour la moralité se trouue à cbaque lig­ne du livre1l 6. Sénard, entretanto, não podia dar nome ao proce­dimento artísticos ainda desconhecido à época! O efeito cons­ternador das inovações formais do estilo narrativo flaubertianofaz-se evidente no processo: a narrativa impessoal obriga seus lei­tores não apenas a perceber as coisas de modo diferente - COl1.1.

, "exatidão fo to gráfica' , segundo o j uízo da época-, mas os COIU-

. ,r·'

55

pele também a urna estranha insegurança do juízo. Urna vez queo novo procedimento artístico ron1.peu COIU urna velha conven­ção do romance - a presença constante na descrição das perso­nagens do juízo .moral inequívoco e .avalízado a seu respeito _,Madame Bouary pôde radicalizar ou refonuular perguntas concer­nentes à práxis da vidaque, ao longo do julgall1.ento, deslocaran1.inteiramente para o segundo plano o pretexto inicial da acusação:o elemento supostamente lascivo. A questão por intenuédio daqual o defensor passou ao contra-ataque volta contra a sociedadea acusação de que o romance nada. mais apresenta do que a.Histoire des adulteres d'une femm« de prouince: trata-se da pergun-ta sobre se não seria justo que Madan2e,Bovary ostentasse o su.b­titulo Histoire de téducation trop souvent donnee en prouinceivr,COIU isso, entretanto, ainda não está respondida a pergunta naqual o promotor fez culminar seu réquisitoire: '

Qui peut condamner cette femme dons le livre? Personne.Telle est la conclusion. II n'y a pas dons le livre un personnage quipuisse la condamner. Si vous y trouvez un personnage sage, sivous y trouvez un seul principe en vertu duquel I'adultêre soit stig­matisé, j'a i tort118

o

Se, no romance, nenhuma das personagens apresentadaspoderia condenar Emrna Bovary, e se nenhuln princípio moral seimpõe em nome do qual se poderia condená-la, não se' está, en­tão, juntamente com o "princípio da fidelidade matrimonial" ,questionando também a "opinião pública" dominante e o "senti­rnenro religioso" no qual ela se assenta? A que instância se há delevar o caso Madame Bouary, se as normas sociais até então vigen­tes - opinion publique) sentirnent religieux) 7110 ralepublique) bon­nes rnoeurs - não .mais bastam para julgá-lo1l9? Tais perguntas,explicitas e implícitas, não exprirnern de modo algulu urna iri­compreensão estética o Li urna tacanhez moralizadora da parte dopromotor. Nelas se manifesta, antes, o inesperado efeito produzi-

, do por urna nova forma artística que foi capaz de, mediante urnanova maniêre de -uoir les cboses, arrancar o leitor de MadarneBovary da certeza de seu j uízo moral, e que transformo Li nova-

Page 29: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

50

mente num problema ern aberto uma questão já previamente de­cidida pela moral pública. Assim, diante do desgosto de, graças àarte de seu estilo impessoal, não haver Flaubert oferecido ne­nhum pretexto para a proibição de seu romance em razão' da imo­r~~.dade do aut.or," o tribunal agiu coerentemente absolvendo

. Flaubert corno escritor, luas condenando a escola literária por eleS.LipostaIl.l.ente representada- ou, na verdade, o procedimento ar­tístico de que ainda não se tinha registro:

Attendu qu'il n'est pos permis, sous prétexte de peínlure de. coroctere ou de couleur locole, de reproduire dons leurs écorts les

foits, dits et gestes des personnoges qu'un écrivoin s'est donnéemission de peindre; qu'un poreil svsterne, oppliqué oux oeuvres deI'esprit oussi bien qu'oux productions des beoux-orts, conduir à unréolisme qui seroit lo négotion du beau et du bon et qui, enjonlonides oeuvres égolement offensontes pour les regards et pou~ I'esprit,commettroit de continueis outrages à la morole publique et aux bon­nes moeurs120.

Urna obra literária pode, pois, mediante urna forma estéti­ca inabitual, rornper as eX[2ectativas de seus leit?res e, ao mesmotempo, colocá-los diante de uma questão cuja solução a moralsancionada pela religião ou pelo Estado ficou lhes devendo. Einlugar de outros exemplos, melhor é lembrar aqui que não foi so­mente Brecht, mas já o Iluminismo, o primeiro a proclamar a re­lação de concorrência entre a literatura e a moral canonizada,Atesta-o, entre outros, Friedrich Schiller, que postulou expressa-

. :J!I.ê.Iite para o teatro burguês que as leis do palco começam onde ter­"'!1,Ú11'4 a esjerà das leis rnundanas-ê), Contudo, a obra literária pode

,.. t~~bénl. - e, na história da literatura, tal possibilidade caracte­J,}fi,:;{a nossa modernidade mais recente - inverter a relação entrepergunta e resposta e, através da arte, confrontar o leitor cornLUUG- realidade nova, "opaca", a qual não mais se deixa compreen­der a partir de um 'horizonte de expectativa predetenninado.Assim, o mais recente gênero romanesco, por exemplo, o muitodiscutido nouueau rornan, surge corno urna forma de arte mcder­na que - na formulação de Edgar Wind -'- apresenta o caso pa- .radoxal em que "a solução está dada, mas abre-se mão do proble-

I Ii

, .

57

lua; a fim de que a solução possa ser compreendida como tal)'122.O leitor é aí excluído da condição de destinatário primordial ecolocado na posição de um terceiro, de UIU não-iniciado que,diante de urna realidade de significado estranho, tem ele própriode encontrar as questões que lhe revelam para qual percepção dornurido e para qual problema 'humano a resposta da literatura en­contra-se voltada.

De tudo isso, conclui-se que se deve buscar a contribuiçãoespecífica da literatura para a vida social precisamente onde a li­teratura não se esgota na função de urna arte da representação .

. Focalizando-se aqueles momentos de sua história nos quais obrasliterárias provocaralu a derrocada de tabus da moral dominanteou ofereceram ao leitor novas soluções para a casuística moral desua práxis de vida - soluções estas que, posteriormente, pude­ram s~r sancionadas pel~ soc.iedade gr~ças .ao voto ~a totalí~édos leitores -, estar-se-a abnndo ao historiador da literatura umcaIUpo de pesquisa ainda pouco explorado. O abismo entre lite­ratura e história, entre o conhecimento estético e o histórico, faz­se superável quando a história da literatura nã~ se Iirnita simples­mente a, ruais urna vez, descrever o processo da história geralconforme esse processo se delineia ern suas obras, mas 'quando,no curso da "evolução literária", ela revela aquela função verda­deiramente constitutiva da sociedade que coube à literatura,' con­correndo corn as outras artes e forças sociais, na emancipação dohomem de seus laços naturais, religiosos e sociais ...

Se, ern função dessa tarefa, vale a pena ao estudioso da lite­ratura superar sua postura a-histórica, aí se encontrará tambémurna resposta à questão acerca de COIU que finalidade. ecorn quedireito pode-se ainda hoje - ou novamente hoje - estudar ahistória 'da literatura.

Page 30: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

Notas

1 Aula inaugural pública, minis"trada a 13 de abril de 1967 em comemoraçãoao sexagésimo aniversário de Gerhard Hess, reitor da Universidade deConstança. A versão original tinha por título Wías heiflt und. zu iuelchemEnde studiert man Literaturgeschichte? [O que é e com que fim se estudahistória da literatura?]. 1:- presente versão foi consideravelmente ampliadaem função do desenvolvimento de minhas teses; Devo à discussão e à criti­ca dessas teses um estímulo e aprendizado maiores do q ue poderia eviden­ciar com. menções e referências' particulares. Agradeço especialmente aosparticipantes do Primeiro S'eminário Metodológico do Departamento deCiência Literária daUniversidade de Constança, ao colóquio dos docentesdessa mesma universidade e ao grupo de discussão do Seminário de CiênciaLiterária Geral e Comparada da Universidade Livre de Berlim.

2 Sigo, nessa minha critica, M. Wehrli, que escreveu recentemente sobre"Sinn und Unsinn der Literaturgeschichte" [Sentido e ausência de sentidoda história da literatura] (publicado no. suplemento literário do NeueZürcher Zeitung de 26 de fevereiro de 1967) e que, de outra perspectiva,prognosticou igualmente o retorno da ciência da literatura à história da lite­ratura. Dos trabalhos mais recentes que versam sobre o problema dahistória da literatura, conheço os seguintes (citados daqui por diante apenascom a indicação do ano): R. Wellek, "The theory of literary history", in:Etudes dédiées au. Quatriême Congrês de Linguistes. Travaux du. Cercle lin­guistique de Prague, 1936, p. 173-91; id., "Der Begriffder Evolution in derLireraturgeschichre", in: Grundbegriffi der Literaturleriiile, Stuttgar~/

Berlim/Colônia/Mainz, 1965; U. Leo, "Das Problem der Literatur-. geschichte" (1939), ir1: Sehenund \XíirkliciJkeii: bei"i)ante, Frankfurt, 1957; W.

Krauss, "Literaturgeschichte als geschichrlicher Auftrag" (1950), in:

59'

Studien undAufiãtze, Berlim, 1959, p. 19-72; l Storost, "Das'Problem derLiteraturgeschichte", in: Dante-Jahrbuch) 38 (1960), p. 1-17; E. Trunz,"Literaturwissenschaft als Auslegung und als Geschichte der Dichtung", in:Festschrift J Trier, Meisenheim, 1954; H. E. Hass, "Literatur undCeschichre", in: Neue Deutsche Hefie, 5 (1958), p. 307-18; F. Sengle,"Aufgaben der heutigen Literaturgeschichtsschreibung", in: Arcbiu lür dasStudium der neueren Sprachen) 200 (1964), P: 241-64. Outras obras sobre oassunto encontram-se indicadas nas notas.

3 Assim pensa sobretudo R. WeUek, 1936, p. 173-5, e id., in: R. WeUek e A:Warren, Theorie der Literatur, Berlim, 1966 (UUstein Buch Nr. 420-1, p.229): "A maioria das histórias da literatura de maior importância são ouhistórias da cultura ou coletâneas de ensaios crfticos. A' primeira modalida-de não é história da arte; a última, não é história da arte". .

4 Georg Gottfried Ge~inus, Schriften zur LÚ~ratur, Berlim, 1962, p. 4 (nu­ma resenha de 1833 sobre histórias da literatura então de publicação re­cente): "Tais livros podem ter todos os' méritos, mas, do ponto de vistahistórico, não têm quase nenhum. Eles seguem cronologicamente as diver­sas formas poéticas, dispõem os autores um após o outro em seqüênciacronológica - da mesma forma corno outros enumeram títulos de obras- e caracterizam, então, poetas· e poesia de uma maneira qualquer. Isso,porém, não é história alguma; mal chega a ser o esqueleto de uma história".

5 "Was heiíst und zu welchem Ende srudiert mau Universalgeschichte?" [Oque significa e com que propósito estuda-se história universal?], in: Scbillerssâmtlicbe Werk~, Sãkularausgabe, v. XIII, p. 3.

6 Publicado pela primeira vez em 1837, sob o título "Grundsatze derHistorik" [Fundamentos da teoria da história], in: Scbrifien. .. , op. cit.,p.49-103.

7 Schriften... , op. cit., p. 47.

8 "Über die Aufgabe des Geschichtsschreibers", in: \fíerke ln fünf Bãnden,A. Flinrer e K. Giel (eds.), Darrnstadt, 1960, v. I, p. 602: ('A Grécia apre­senta uma idéia.da individualidade nacional que jamais existira anterior­mente nem veio a existir depois, e, assim como é na individualidade que seencontra o segredo de toda existência, assim também todo o progresso doshomens na história univer;al assenta-se no grau, na liberdade e na pecu­liaridade de sua ação recíproca".

9 "Grundzüge de~ Historik", parágrafos 27-8.

la Schriften... , op.: cir., p. 48.

11 Ibid.

12 "Grundzüge der Historik", parágrafo 26.

13 Wahrheit und Metbode - Grundzüge einer pbilosopbiscben Hermeneutik,Tübingen, 1960, p. 185-205, principalmente p. 187: "A própria 'escola

Page 31: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

·60 61 .

:.

histórica' sabia que, no fundo, não pode haver outra história senão a uni­versal, porque só a partir do todo é que o particular se define em seusi.gnificadoespecífico. Como há de arranjar-se aí o investigador empírico,ao q ual o todo jamais se oferece, sem ceder terreno ao filósofo e a seu arbí­'trio apriorístico?"

14 "Grundziige der Historik", parágrafo 32.

15 Gcscbicbte der poetiscben Nationaliiteratur der Deutscben, v. IV, P: VII:."Nossa literatura já teve o seu tempo, e, se não se deseja a paralisação da vi­da alemã, temos de atrair os 'talentos agora desprovidos de uma meta para omundo real e para o Estado, onde se há de derramar um novo espírito sobreurna ríova matéria".

16 Na apresentação de sua Geschicbte der poetischen Nationaliiteratur der.Deutschen (Schriften... , op. cit., p. 123), em que Gervinus - nisso, defen­sor ainda do histericismo do Iluminismo contra o do romantismo~ con­tradiz essa regra básica, afastando-se decididamente da "conduta rigorosa­mente objetiva da maioria.dos historiadores atuais".

17 "Über die Epochen der rieueren Ceschichte", in: Geschicbte und Politik­Ausgewãhlte Aufiãtze und Meisterschrifien, H. Hofmann (ed.), Stuttgart,

1940, p. 141.

18 "Se se quisesse, porém, [... ] supor que tal progresso consiste no fato deque, em cada época, a vida da humanidade se faz mais elevada, de que,portanto, cada geração sobrepuja completamente a precedente - e a últi­ma seria, assim, a privilegiada, ao passo que as precedentes seriam apenas

. as portadoras das seguintes -, isso significaria, então, uma injustiça divi­na" (ibid.). Há que se falar aqui numa nova teodicéia porque - como odemonstrou O. Marquard - já a filosofia idealista da história, rejeitadapor Ranke, lograra expressar a demanda recôndita por uma teodicéia, namedida em que, para aliviar Deus dessa carga, fizera do homem o sujeitoresponsável pela história e compreendera o progresso histórico como umprocesso jurídico, ou como o progresso nas relações jurídicas humanas(cE. "Idealismus und Thcodizee", iri: Philosopbisches Jahrbuch, 73, 1965,

p.33-47). .

19 Op. cit., p. 528. CE. p. 526 et seqs., em que Schiller define a tarefa do his­toriador universal como um processo no qual se pode suspender o princípioteleológico - isto é, o propósito. de encontrar e resolver no curso dahistória universal o problema da ordem mundial-, "porque somente se háde esperar obter uma história universal segundo tal princípio no final dostempos". O próprio processo descreve a historiografia como urna espécie de"história do efeito": o historiador -universal "move-se partindo da mais re­cente situação do mundo rumo à: ;rigem das coisas", destacando dentre osacontecimentos aqueles que tiveram uma .influência fundamental na con­formação do mundo atual; em seguida, ele retorna pelo caminho que

encontrou e pode, então, "a partir do fio condutor dos fatos registrados",apresentar como história universal a relação entre a situação passada e a pre­sente do mundo.

20 A conseqüência do princípio segundo o qual o historiador, se deseja apre­sentar uma época'passada, .deve p rirneiramente desvencilhar-se de tudo oque sabe acerca do 'curso mais recente da história (Foustel de Coulanges) éo irracionalismo de uma "empatia" incapaz de prestar contas a si própriaacerca de suas prem-issas e preconceitos. Ver a respeito W. Benjarnin,"Geschichtsphilosophische Thesen", VII, in: Schriften 1, Frankfurt, 1955,p.497.

21 W. von Hurnboldt, op. cit., p. 5'86.

22 Ibid., P: 590: "O historiador digno desse nome deve apresentar cada acon­tecimento como parte de um todo, ou - o.,que significa a mesma coisa­evidenciar em cada um deles a forma da história".

23 Característica dessa separaçâo entre história da literatura e critica literária éa definição de filologia no Grundrifl der rornanischen PhiLologie de G.Crõber, v. I, Estrasburgo, 1906, 2. ed., P: 194: "A manifestação na língua(compreensível apenas de forma mediara) do espírito humano e os feitosdesse mesmo espírito no discurso artístico do passado constituem, portan­to, o verdadeiro objeto da filologia".

24 Ver a respeito W. Krauss, 1950, p. 19 et seqs.

25 CE. a respeito R. Wellek, 1965, p. 193.

26 W. Krauss, 1950, p. 57 et seqs., mostra, a partir do exemplo de ·E. R .Curtius, em 'que grande medida esse ideal científico permaneceu cativo dopensamento do círculo ~e [Stefan] George.

27 Europãiscbe Literatur und lateiniscbes ..Mittelalrer, Berna, 1948, P: 404.

28 Op. cir., p. 66.

29 Um.a bibliografia dos escritos de W. Krauss pode ser encontrada no volumecomemorativo Litcraiurgescbicbte ais geschichtlicher Auftrag, organizado porW. Bahner, Berlim, 1961. As investigações que versam sobre o Iluminismoeuropeu figuram nasérie Neue Beit;rãgeeur Literacurioissenscbnfi; organizadapor W. Krauss e H. Mayer.

30 CE a respeito W. K.rauss, 1950, P: 59; P. Demetz, "Zwischen Klassik undBolschewisrnus. Georg Lukács als Theoreriker der Dichtung", in: Merleur,12 (1.958), p. 501-15, eid.: Marx, Engels und die Dicbter, Stuttgart, 1959.

31 Inexiste ainda uma exposição completa da teoria literária e da estética, bemcomo de súas conseqüências, no período do degelo; cE. G. Struve, "Die

sowj.etische Literaturwissenschaft in j üngster Zeit", in: Soiojetsticdien(1959), p. 47-71, e W. Oelrnüller, "Neue Tendenzen und Diskussionender marxiscischen Ãsrhetik", in: PhilosopiJische R~~ndschau, 5) (1961), p.181-203.

Page 32: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

62

32 São as seguintes às edições disponíveis em tradução alemã: BorisEikhenbaum, Aufsatze zur Tbeorie und Gescbichte der Literatur,Frankfurt, 1965 (Ed. Suhrkamp, 119); J uri Tynianov, Die literariscbenKunstmittel und. .die Euoliction i71. dflr Literatur, Frankfurt, '1967 (Ed.Suhrkarnp, 197); Vítor Chklovski, Theorie der Prosa, Frankfurt; 1966 (Ed.S. Fischer). Em tradução francesa, tem-se: Théori~ de La litterature. TextesdesformaListes russes reunis, presentes et tradults parTo Todorov, Paris, 1965(Ed. du Seuil). Há ainda uma edição bilíngüe, russo-alemão, dos princi­pais escritos, publicada em 1969 pela editora W. Eink, Munique, organi­zada por J. Srriedrer, a quem devo muitos agradecimentos pela orientaçãoe pelo estímulo quando da redação do capítulo que se segue. [No Brasil,ver Teoria da Literatura. Formalistas russos, .organizada por Dionísio .deOliveira Toledo, Porto Alegre, Globo, 1"973, com prefácio de BorisSchnaiderman e textos de B. Eikhenbaurn, V. -Chklovski, J. Tynianov e R.Jakobson, entre outros. Ver sobretudo J. Tynianov e R. Jakobson, "O pro­blema dos estudos literários e lingüísticos", P: 95-7, e J. Tynianov, "Da

evolução literária", P: 105-18.J

33 Essa famosa fórmula, cunhada em 1921 por V. Chklovski, foi logo emseguida aperfeiçoada graças ao conceito de um "sistema" estético no qualcada procedinlento artístico tem uma função determinada a cumprir. CE.V. Erlich, Russiscber Formalismus, Munique, 1964, p. 99.

34 Der Zusarnrnenhang der MitteL eles Sujetbaus mit den aLLgen'lei71.en Stilmitteln(Poetik, 1919), citado a partir de B. Eikhenbaum, op. cit., P: 27. De outroponto de vista, o da "euolution des gem'es", já F _ Brunetiere considerava a"influência das obras sobre a obra" a relação mais importante da história da

literatura, cf Wellek, 1965, p. 39.

35 B. Eikhenbaurn, op. cit., p. 47.

36 Id., p. 46; ver também J. Tynianov, Das literariscbe Faleturn e Über liter­arische Evolutio71. ["Da evolução literária", ver acima, nota 32J.

37 J. Tynianov e R. Jakobson, "Probleme der Literatur- und Sprach­forschung", in: .Kursbuch, 5, 1966, p. 75. ["Os problemas dos estudosliterários e lingUísticos"; ver'acima, nota 32J .'

38 J. Tynianov, em Die Literarischen IúmstmitteL..., op_ cit., p. 40, opõe a"sucessão de sistemas", na condição de conceito principal da evoluçãoliterária, à "tr~dição", como conceito básico da velha história da litera-

tura.39 No âmbito da lingüística, esse princípio foi defendido sobretudo por E.

Coseriu, cf. Si71.cro71.ía) diacron.ía e historia) lvlontevidéu, 1958.

40 "Bedenken ~i~les Philologen", in: StudtU7n Ge71.eraLe, 7, p. 321-3. O novoacesso à tradição literária que R. Guiette, com seu método próprio devincular crítÍca estética e conhecimento histórico, buscou numa série deinstrutivos ensaios (parte deles in: Questio71s de Littérature, Genebra, 1960)

63

corresponde quase inteiramente a este seu princípio (ainda inédito): "Leplus grand tort des phiLoLogues) c'est de croire que La litterature a été faite pourdes phiLoLogues". Ver também a esse respeito seu "Eloge de la lecture", in:Reuue qlnéraLe BeLge, janeiro de 1966, p. 3-14.

41 Pode-se ignorar aqui o autorcorno terceiro faror, conforme argumenta M.-Riffaterre numa discussão com. R. Jakobson e C. Lévi-Strauss: "[. . .} th« po­etic pbenornenon; being H71.guistic) is not simp!y tbe 771.essage) tbe poem.) but theiobole act ofcornmunication. This is a Ve7)' special act, bou/euer, for tbe speak­er - the poet - is not:present; a71-)' attempt to bring bim back 071.6' producesinterfcrcnce, because uihat toe lenoto ofbim ioe ·knowfi-om h isto7)') it is lenotol­edge external. to the message) 01' else toe haveflund it out by rationalizine-anddistorting tbe message" ("Describing poetic structures: two approaches toBaudelaire's 'Les chats'", in: Structuralism, Yale Frencb studies, v. 36-7,p.214).

42 Essa tese é parte essencial da Introduction à une esthétique de La Littérature de. G. Picon, Paris, 1953, cf P.. 90 et seqs.

43 Tbe idea ofbistory, Nova York/Oxford, 1956, P: 228.

44 Sigo aqui a crítica de A. Nisin ao platonismo latente dos métodos filológi­cos, ou seja, à sua crença numa substância atemporal da obra literária enum ponto de vista igualnlente atemporal daquele que acoritempla: "Cal'l'oeuure d'art, si elle ne peut incarnar l'essence de l'art, rz 'estpas non plus uri ob-jet que naus puissions regarder) selon la regLe cartésienne, 'sans y rien rnettre denous-mêrnes que ce qui se peut appliquer indistincternent à tous les objets"'; Lalittérature et le lecteur, Paris, 1959, p. 57 (ver a respeito minha resenha in:A rcbiv fiir das Studiúm der neueren Sprachen) 1.97, 1960, P: 223-5).

45 G. Picori, Introduction... , op. cit., p. 34. Essa concepção do modo de serdialógico da obra' literária encontra-se tanto em Malraux (Les voix du si­lence) quanto em Picou, Nisin e Guiette, tratando-se de uma tradição vivana estética literária francesa, à qual devo mvito; em última instância, ela re­monta a urna famosa afirmação da poéticade Valéry: "C)est L'exécution dupoeme qui est le poeme" .

46 Com razão, P. Szondi, em ('Über phiJologische Erkennrnis", in: I-foÚerlin­Studien, Frankfurt, 1967, identifica aí a diferença fundamental entre aciência da Literatura e a da história, cf. p. 11: "Não é lí~ito a nenhum co­mentário, a nenhuma anáLise critico-estilística de um poema propor-se co­mo meta produzir uma descrição desse poema que se pretenda compreen­sível por si só. Mesmo o menos crítico de seus leitores desejará confrontartal análise com o poema e entendê-la somente depois de haver reintegradoseus resultados nos conhecimentos que lhes deram origem". Com isso con-corda R. Guiette, Eloge de la lecture, op. cito .

47 Uma observação que s'e apJic~' 'também a J. Storost, 1960, p. 15, que,apressadamente, equipara o aconteci.mento histórico ao literário CA obra

Page 33: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

64

de arte é, primeiramente, [... ] um ato.artístico e, portanto, histórico como

a batalha de Isso").

48 R. Wellek, 1936, p. 179.

49 ln: Slouo a slouenost, I, p. 192, citado por Wellek,. 19.36, p. 179 et seqs.

50 G. Buck, Lernen und Erfahrung, Stuttgart, 1967, p. 56. Nessa obra, o autorretoma-Husserl (Erfahmng und UrteiL, especialmente o parágrafo 8), mas,posreriormente, chega a uma definição da negatividade no processo da ex­periência que ultrapassa Husserl e é importante para a estruturação do hori­zonte da experiência estética (cf nota 111).

51 Segundo a interpretação de H. J. Neuschafer, "Der Sinn der Parodie imDon Qyijote", Heidelberg, 1963 (Studia Romanlca, 5).

52 Segundo 'a interpretação de R. Warning, "Trlstram Shand)' und]acqites lefataListe", Munique, 1965 (Theorie und Gescbicbte der Literatur und derscbõnen Künste, 4), especialmente p. 80 e~ seqs.

53 Segundo a interpretação de K. H. Stierle, "Dunk~lheitund Form in Gérardde Nervals Chimeres", Munique, 1967 (The07oie und Gescbicbte der Literaturund der scbõnen Künste, 5), especialmente. p. 55 e 91.

54 Acerca desse coriceito de Husserl, ver G. Buck, Lernen und Erfahmng, op.cit., P: 64 et segso .

55 Acolho aqui as conclusões da discussão sobre o kitscb C01110 fenômeno­[imite do estético, discussão esta que se deu no terceiro colóquio do grupode pesquisa Poetik und Hermeneutik e foi publicada em 1968 no volume

. Die nicbt mebr scbõnen Künste - Grenepbãnomene des Âstbetiscben, W.Fink, Munique, Com relaçãoà atitude "culinária", que pressupõe uma artedo mero entretenimento, pode-se dizer, como do kitsch, que "as exigênciasdos consumidores são satisfeitas de antemão" (P. Beylin), que "a expectati­va atendida transforma-se em norma do produto" 0X1. Iser), ou que, "semconter nem solucionar problema algum, a obra reveste-se do aspecto dasolução de um problema" (M. Imdahl), op. cir., p.651-67.

56 R. Escarpit, Das Bucb und der Lesa: Entiourf einer Literatursoziologie,Colônia/Opladen, 1961 (primeira edição alemã ampliada de Sociologie de lalittérature, Paris, 1958), P: 116. A fixação objetivista do sucesso literário nacongruência entre a intenção do autor e a expectativa de um grupo socialsempre traz problemas para Escarpit, quando se trata de explicar um. efeitotardio ou constante de uma obra. Daí pressupor ele a existência de um"fundamento ccletivo no espaço ou no tempo" a embasar a "ilusão de dura­bilidade" de um escritor, o que, no caso de Moliere, conduz a um prognós­tico surpreendente: "Moliere continua jovem para o francês do século XXporque seu mundo ainda vive e porque, ademais, um círculo de cultura,pensamento e língua vincula-nos a ele. [.:.] Esse círculo, porém, diminuicada vez mais, e Moliêre acabará por envelhecer e morrer, q uando morreraquilo que nosso tipo de cultura ainda tem. em comum com. a França de

65

Moliere" (p. 117). Como se Moliere houvesse refletido apenas os cos­turnes de seu tempo", tendo conservado seu sucesso apenas em funçãod.ess~ seu: suposto propósito ... Onde a congruência entre obra e grupo so­cial mexiste ou não mais existe - como, por exemplo, no caso da re­ce?ção ~e uma obra num. universo lingüístico distinto daquele em que elafoi esc~·1ta -, Escarpit arranja-se interpondo aí um "mito": "mitos queforam inventados por unta posteridade para a qual se tornou estranha a.rea­lidade cujo lugar eles assumiram"(p. 111). Como se t~da recepção que ul­trapassa seu público inicial, socialmente determinado, fosse apenas um "ecodesfigurado", tão-somente uma conseqüência de "mitos subjetivos" (p.111), e não tivesse ela própria, na obra recebida, seu a priori objetivo, nacondição de limite e possibilidade da compreensão posterior! .

56a Q' f: ' . fi d' ., ue passo az-se necessano a .irn e que se ultrapasse essa estreitadefinição, tal éo que nos mostra K. H. Berider, "Kõriig und Vasall:Untersuchungen zur Chanson de Geste des XII. Jahrhunderts"Heidelberg, 1967 (Studia Romanica, 13). Nessa história dos primórdios d~épica francesa, a aparente congruência entre sociedade feudal e idealidadeépica apresenta-se como um processo que se mantém em curso graças auma discrepância sempre cambiante entre "realidade" e "ideologia" - istoé, entre as constelações históricas dos conflitos feudais e as respostas poéti-

. cas contidas nos poemas épicos. .

57 A sociologia literária incomparavelmente mais rigorosa de Erich Auerbachtrouxe à luz esse aspecto,. a partir da multiplicidade de rupturas na relaçãoentre autor e público em diversas épocas. Ver a respeito a apreciação de F .Schalk (org.) in: E. Auerbach, Gesarnmelte Aufsiitze zur romaniscbenPhiloLogie, Berna/Munique, 1967, p. 11 et seqs.· .

. 58 Ver a respeito H. Weinrich, Fiir eine Literaiureescbichte des.Lcsers (Merkur,novembro de 1967) - uma tentativa que nasceu da mesma intenção eque, analogamente à substituição da outrora habituallingüística dó falantepor uma lingüística d.o ouvinte, defende agora uma consideraçãometodológica da perspectiva do leitor na história da literatura e, assim, veminteiramente ao encontro de meu propósito. FI:. Weinrich mostra também,sobretudo, corno se devem cornplemenrar os- métodos empíricos da socio­logia ela literatura através da interpretação lingüística e literária do papel doleitor, implicitamente contido na obra.

59 ln: ldadanze Bouary par Gustaue Flaubert, Oeuures completes, Ed. de laPléiade, Paris, 1951, p. 998: "Les derniêres annees de Louis-Philippe auaientuu. les derniêres expLosions d'un esprit encere excitablepar les[eux de l'imagina­tion; mais le nouueaú rornancier setrouvait t;11. face d'un« société absolumentusée, -pire qu 'usee, - abrutie et goulue, n 'ayant horreur que de La fiction) etd'arnour que pour La possession" .

60 Cf. ibid., p. 999, bem. como acusação, defesa e veredicto do processoBOVtl7J/, in: Flaubert, Oeuures, Ed. de la Pléiade, Paris, 1951, v. I, P: 649-

Page 34: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

I

717, especialmente p. 717. Sobre F.ann)J, E. ~ontégut, "Le roman intimede la littérature réaliste", i n: Revue des Deu.,''CIMondes, 18 (1858), p. 196-

213, especialmente p. 201 e 209 et seqs. I61 Como atesta Baudelaire, cf. op. cit., p. 996: "{. .} car depuis la disparitlon de. Balzac r.. [toute curiosité, relatiuement aa 1'07121(-71., s'était:apaisée et endormie":

62 A respeito deste e de outros juízos d~ época, i~rer ~. ~. J~uss, "D.ie beidenFassungen von Flauberts Education sentrmentale, ln: Heidelberger[nhrbiccher, 2 (1958), p. 96-116, especialmente p. 97.

63 Ver a respeito a primorosa análise do crítico E. Montégut, contemporâneode Feydeau, que explica pormenorizadamente por que o mundo do desejoe as figuras do romance de Feydeau são típicos de uma camada do públicolocalizada nos bairros "entre La Bourse et le bouleuard Montrnartre" (op. cit.,p. 209), uma c~mada qlfe neces~ita de um "alcool poetique"; que se deleitaem "voir poétiser ses 1.IuLgai,:es aventures de La ueille et ses vuLgaires projets dulendernain" (p. 210) e que reverencia uma "idolâtrie de la matiere" ~ ele­mentos sob cujo signo Montégut vê os ingredientes da "fábrica de sonhos"de 1858: "une sorte d'admiration béate, presque déuotionneuse, pour lesmeubles, les tapisseries, les toilettes, s'écbappe, comme un parfum de patcbouli,

de cbacune de cespages" (p. 201).

64 São raros ainda os exemplos de aplicação desse método que não se lirnitarna perseguir apenas a reputação e a "imagem" de um poeta através dahistória, rnas examinam também as condições históricas e as conseqüênciasde sua sobrevivência. Dentre tais exemplos cabe mencionar: G~ F. Ford,Dickens and bis readers, Princetori, 1955; A. Nisin, Les oeuures et les siécles,Paris, 1960 (enfocando Virgile, Dante et nous, Ronsard, Corneille, Racine);E. Lâmrnert, "Zur Wirkungsgeschichte Eichendorffs in Deutschland", in:Festscbriji fir Richard ALew)'n, organizado por H. Singer e B. v. Wiese,

Colônia/Graz, 1967.

64a Ver a respeito H. R. J auss, Untersuclrungen zur rnittelalterlicbenTierdichtung, Tübingen,'1959, especialmente cap. IV A e D.

'65 A. Vinaver, "A la recherche durie poétique rnédiévale", in: Cahiers de

CiviLisation M édiévaLe, 2 (1959), P: 1-16..

66 H. G. Gadamer, Wahrheit -und Metbode, Tübingen, 1960, p. 284-5.

67 Ibid., p. 283.

68 Ibid., p. 352.

69 Ibid., p. 289.

70 Ibid., P: 356.

71 Wellek, 1936, p. 184; id., 1965, p. 20-2.

ri \X!ellek, 1965, p. 20.

73Ibid.

74Ibid.

67

75 \,f/ahrheit und JvIethode, P: 274.

76Ibid.

77 Ibid.

78)bid., p. 299.

79 Tal inversão torna-se evidente no capitulo "Die Logik von Frage un.d

Anrwort" (p. 351-60), no qual Gadamer primeiramente demanda do textoper se que nos foi transmitido (e, portanto, ta~bém do texto não-clássicoou do mero testemunho históricol) "que ele dirija uma pergunta ao intér­prete. Assim, a interpretação guarda sempre relação essencial com a per­gunta que nps foi colocada. Entender um texto significa entender essapergunta". O restante da argumentação mostra, contudo, que o texto dopassado não é ele próprio capaz de nos dirigir uma pergunta que não te­nha primeiramente de ser rev~lada e reconquistada para nós a partir daresposta que o texto transmitido contém.

80 Ibid., p. 280.

81 Ibid., p. 109.

82 CE. p. 110.

83 Isso é o que se depreende também da estética formalista e, em particular, dateoria da "desautomatização" de Chklovski, cf citação de V .. Erlich, op.cit., p. 84: "Como a 'forma tortuosa, deliberadamente entravada', erige

obstáculos artificiais entre o sujeito e o objeto da percepção, rompe-se a ca­deia de associações habituais e .reações automáticas: dessa maneira, torna­mo-nos capazes de realmente vá as coisas, em vez de apenas reconhecê-Las".

84 Op. cit., P: 275.

85 Ibid., p. 280.

86 No artigo de 1927, Über literariscbe EvoLution ["Da evolução literária", ver

nota 32J, de]. Tynianov (op. cit., p. 3.7-60), tal programa é apresentadocorn a máxima precisão. Conforme me comunica]. Striedter, ele só foi par­cialmente cumprido na abordagem de problemas .de mudança de estruturana histórla dos gêneros literários, como, por exemplo, na coletânea Russleaja

praza, Leningrado, 1926 (Voprosy poê~ilú, VIII).

87 Ibid., p. 59 [p. 118 da edição brasileira].

88 "Uma obra de arte figurará como um valor positivo quando transformar a

estrutura do período precedente, e figurará como valor negativo quando as­

sumir aquela estrutura sem modificá-la" a. Mukarovsky, citado por R.

Wellek, 1965, p. 42).

89 Ver a respeito V. Erlich, Russischer Forrnalismus, op. cit., p. 284-7, e R.Wellek, 1965'; 'p. 42 et seqs.

90 H. Blumenberg, in: Poetik und Henrieneutik 111 (ver nota 55), p. 692.

Page 35: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

68

I .

9~ Segundo V. Erlich, op. -cit., p. 281, t~~ conceito possuía para os formalistasum tríplice significado: "~o plano daí'representação da realidade, a 'quali­dade diferencial' significava um 'afastar-se' do real e, portanto, a defor­mação criativa: No plano da Língua, a expressão indicava o afastar-se da lin­guagem habitual. No plano da dinâmica literária, por fim, [... ] uma trans-formação da norrna artística predominante". .

92 Comoexem.plo da primeira possibilidade, pode-se mencionar a revaloriza­ção (anti-rornânrica) de Boileau e da poética clássica da contrainte, opera­da por Gide e Valéry; como 'exemplo da segunda, a descoberta tardia doshinos de Hõlderlin ou do conceito de Novalis da poesia do futuro (a res­peito deste último, ver H. R. Jauss in: Romaniscbe F{Jrsc/nmgen, 77, 1965,p.174-83). .

93 Desse modo, os "grandes românticos" canonizados - Larnartine, Vigny,Musset e boa parte da lírica "retórica" de "Victor Hugo - foram mais emais deslocados para o fundo do palco a partir da recepção do "românticomenor" Nerval, cuja obra Cbimêres somente passou a causar sensação a par­tir do efeito produzido por Mallarmé.

94 Poetik und Herrneneutik II (Immanente Astheúk - Âstbeiiscbe Reflexion, or­ganizado por W. Iser, Munique, 1966, especialmente p. 395-418).

95 ln: Zeugnisse - Tbeodor \,f;: Adorno zum 60. Geburtstag, Frankfurt, 1963,P..50-64; ver também o artigo "General history and aesthetic approach",para Poetik und Hermeneutik III (v. nota.55).

96 "FÍ1~st, in identifj1ing bistory as a process in cbronological time, uie tacitly as­sume tbat our knowLedge of the rnoment at w/Jl:ch an euent em.erges from theflow oftime uril] heLp us to accountfOr its appearance. The date oftbe euent is aualue-laden facto According0/, aLL events in the history ofa peopLe, a nation, or aciviLization which tak« pLace at a given mornent are supposed to occur tben andtbere for reasons bound up, someboio, with tbat mornent" (op. cit., P: 51).

97 Esse conceito remonta a G. Kubler, Tbe shape oftime: rernarks on the bistoryofthings, New Haven/Loridres, 1962.

98 Op. cir., p. 53.

, ",99 Poetik und Hermeneutik III (ver nota 55), P: 569. A fórmula da "sirnul­" taneidade do heterogêneo", com a qual F. Sengle (1964, P: 247 et seqs.)

descreve esse mesmo fenômeno, reduz o problema em urna de suas dimen­sões, como se depreende também do fato de ele acreditar que essa dificul­dade da história da literatura pode ser resolvida simplesmente medianteuma união do método cornparatisra com a interpretação moderna ("o quesignifica, ·portanto, efecuar interpretações cornparatistas numa base maisampla"; l~. 249).

100 ]. Tynianov e R. Jakobson, Problema der Literatur- und Sprachforschung(1928); in: Kursbucb, 5 (1966), p. 75 ["Os problemas dos estudos literáriose lingüísticos", P: 96; ver nota 32]: "A história do sistema apresenta, por sua

69

vez, urn novo sistema. A pura sincronia revela-se, então, ilusória: toda sin­cronia tem seu passado e seu futuro, corno elerneritos estruturais insepa­ráveis desse sistema".

101 Primeiramente, em "Epochenschwelle und Rezeption", in: PbilosopbiscbeRundschau, 6 {1958), p. 1:01 et seqs:, e, por fim, em Die Legitimitat derNeuzeit, Frankfurt, 1966. Cf especialmente p. 41 et seqs., em que, a partirdo caso da "secularização", o contexto sucessório da relação entre teologiacristã e filosofia é explicado e fundado na lógica histórica de pergunta e res­posta: "Há problemas, portanto, que somente graças à oferta de suas supos­tas soluções - ou daquilo que, posteriormente, figura como solução de umproblema. dado - se colocam e se fixam com obstinada insistência. A tota­lidade destes constitui o que se poderia chamar o sistema formal da explica­ção do mundo, em cuja estrutura deixam-se localizar as reocupações quecompõem desde o caráter processual da história até a radicalidade das rnu­danças de época" (p. 43).

102 No âmbito limitado da história de um problema, intentei fazer tal análisehistórica com base num' corte transversal em meu artigo "Fr. Schlegels u.ndFr. Schillers Replik auf die 'QuereUe des Anciens et des Modernes"', paraEuropãiscbe Aujkiarung - Herbert Dieckmann zum 60. Geburtstag, organi­zado por H. Friedrich e F. Schalk, Munique, 1967, p. 117-40.

103 A presente situação da discussão em torno das novas tendências estrutura­listas.é apresentada no v. 36-7 dos YaLe Frencb studies: structuralisrn, organi­zado por J. Ehrrnann, 1966; sobre sua história, ver G. Hartman,"Structuralis,~n:.the Anglo-American adveriture", ibid., p. 148-68.

104 Agora ia: GeseiLschaft - Literatur - \,f/issenschaft: Gesammclte Schriften~.938-1.966, organizado por H. R. Jauss e C. Müller-Daehn, Munique,1967, p. 1-13, especialmente p. 2 e 4.

105 K. Mannheim, Menscb urid GeseLLschaft im Zeitalter des Umbaus, Dar­rnstadt, 1958, p. 212 et seqs.

106 Unrersucbunoen xur rnittelaiteriiclren Tierdicbtung, Tübingen, 1959, cfP: 153, 180, 225 e 271; ver ainda Archiv für das Studium der NeuerenSprachen 1.97 (1961), p. 223-5.

107 ln: Theorie und ReaLitat, H. Albert (org.), Tübingen, 1964, p. 87-102.'108 Ibid., p. 91.

109 Ibid., p. 102.

no O exemplo do cego proposto por Popper não faz nenhuma diferenciaçãoentre duas possibilidades distintas: a de um comportamento apenas reativoe a de um agir experimental, dando-se sob certas condições. Se a segundapossibilidade caracteriza o comportamento científico refletido, poroposição ao comportamento irrefletido da vida prática, então o pesquisadorserià "criativo" - superior; portanto, aos "cegos" e comparável, antes, aopoeta, corno criador de novas expectativas.

Page 36: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

70

111 G. Buck, Lernen. und ErfàhrU7íg, Op. ~~~t., p. 70: "[A experiência negativa]não é apenas instrutiva porque nos lev, a reviver o contexto de nossa expe­riência passada de tal maneira que o novo se integra na unidade corrigida deum sentido objetivo. [... J Não é apenas o objeto da experiência que se apre­senta diverso, mas a própria consciência daquele que experimenta se inver­te. A obra da experiência negativa é um fazer-se consciente de si. Aquilo deque nos tornarnos conscientes são os motivos que norteavam a experiência eque, como tais, não foram questionados. A experiência negativa tem, pois,primordialmente; o caráter da auro-experienciação que nos liberta parauma modalidade q ualitativarnente nova da experiência".

11? Ver acima, nota 34.113 J. Striedter chamou a atenção para o fato de que, nas passagens do diário e

nos exemplos extraídos da prosa de Tolstói aos quais Chklovski se refere emsua primeira explanação do procedimento do estranhamento, o aspecto pu­ramente estético encontrava-se ainda vinculado a uma teoria do conheci­mento e 'a uma, ética: "A Chklovski, porém - ao contrário de Tolstói-,interessa primordialmente o 'procedimento' artístico, e não a questão acer­ca de suas premissas e efeitos éticos" (Poetik und. Hermeneutik 11, ver nota94, P: 288' etseqs.). . .

114 Flauberr, Oeuures, Ed. de la Pléiade, Paris, 1951, vol. I, p. 657: "{ ..} ainsi,des cette premiêre Jaute, des cette premiêre chute, elle Jait ia giorification del'adultêre, sa poésie, ses voluptés. Foiià, rnessieurs, qui pour moi est bien plusdangereux, blen plus irnmoral que ia chute elle-rnême!"

115 E. Auerbach, Mimesis: Dargcstelite \f/irkiichkeit in der abendLãndischenLiteratur, Berna, 1946, P: 430 [No Brasil, Mimesis. A representação da reali­dade na Literatura ocidental; São Paulo, Perspectiva, p. 434J.

116 Op. cit., p. 673.

117 Ibid., p. 670.

118 Ibid., P: 666.

119 Cf. ibid., p. 666-7.

120 Ibid., P: 717 (citado a partir do Jugement).

121 Die Scbaubidmo ais eine moraliscbe Anstalt betrachtet, Sãkular-Ausgabe, v.XI, p. 99. Ver a respeito R. Koselleck, Kritile und Krise, Freiburg/Munique,1959, p. 82 et seqs.

122 "Zur Systernatik der künstlerischen Probleme", in: Jahrbuch fiZr Asthetik,1925, P: 440; sobre a aplicação dessa fórmula a fenômenos da arte contem­porânea, ver M. Imdahl, Poetik und Hermeneutik 111 (ver nota 53), P: 493-505 e 663-4:. .

AN'EXOOs horizontes do ler*

Hans Robert Jauss fala sobre A história da literatura comoprovocação à teoria literária

Passados vinte ~no~, como. vejo o que resultou de minha aulainaugural em Constança? O que mais rne admira e surpreende é oque de modo algum. se podia esperar: que A história da literaturaC07120 provocação à teoria literária tenha) desde então) encontradoquase 40 m.il Ieitores. Imaginá-lo coloca-me na situação de urnaprendiz de feiticeiro a quen1., paradoxalmente) chamam o "pai daestética da -recepção" e) ao mesmo telnpo, resporisab.ilizarn porsua incontrolável repercussão. E esse paradoxo foi ainda mais in­tensificado por urna experiência nada incornurn na história daciência: a teoria da recepção evidentemente pertence àquelas teo­rias que, apresentando um novo questionamento, impõem-secorn tamanho êxito que) depois, torna-se difícil compreender porque razão seus problemas foram algum dia considerados proble-

* Este texto foi o~igi;"'almente publicado em agosto de 1987 110 jornal alemãoFrankfitrter AfLgemeine. (N.E.)

Page 37: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

72

luas, e por que D.10tiVO as soluçõqs propostas toram já, outrora,objeto de veemente ·contestação.;·

Corno cheguei às minhas fonnuLações? Isso não se deu apenasen1. Constança, mas' já a partir da época em..que trabalhei cornoassistente na Universidade de Heidelberg, quando, após urna dis­sertação sobre Marcel Proust, dediquei-me aos estudos sobre aIdade Média. Dois ruedievalistas, Robert Guiette e WaltherBulst, haviam - independentemente um do outro, e provocati­vamcrite pal'a a comunidade científica - levantado IJ problemahermenêutico da obstrução do acesso a urna literatura que se fezestranha a nós. A crítica sarcástica de Guiette dizia o mesmo queaquela máxima na qual Bulst resumiu as suas Bedenleen einesPbilologen [Ponderações de um filólogo]: "texto algum jamais foiescrito para ser lido e interpretado E.lologicamente por filólogos".Para n1Ü11., foram essas as palavras que me desafiarama tentar des­vendar a forma e o sentido da obra medieval Reineke Fucbs nãomais a partir da comparação COIU aquelas fontes que os filólogos·freqüentcmenre supunham ser as suas, luas sim da reconstruçãodas expectativas dos leitores contemporâneos à obra.

Por que somente dez anos depois transtarmei essq minha idéianuma teoria? Não sou U:ni teórico inato; sen1pre cheguei à corn­preensão das premissas de m in.ha atividade a partir prilnei­ramente da contemplação histórica e estética. Ademais, UIU irn­pulso especial fez-se necessário para que eu encontrasse o ânimopara a forrnulação de minha própria teoria. Seu primeiro esboço- que, parodiando Schiller, ostentava o título "O que é e cornque fim se-estuda história da Iiteratura?" (1967) - deve seu de­senvolvimento a um outrora poderoso oponente: a ciência socialempírica. Na condição de "ciência redentora" da década. de 60 e

numa proporção que hoje se afigura espantosa, ela dominou oprojeto da fundação da Universidade de Constança. No progra­ma da fundação, as antigas filologias haviam sido substituídaspor grupos de disciplinas da lingüística. Sobre literatura, nemurna única palavra; COIUO objeto de urna ciência autôrioma, a-li­teratura precisou primeiramente ser imposta por aquela que viriaa ser a futura "Escola de Constança".

,

/(.-\~

73

Na disputa das interpretações (Paul Ricoeur) ao' Longo da déca­da de 70~ por que coube ao Livrinho 'verde da Suhrlça711p * o papel deU7n agente provocador? Isso não se deveu unicamente à introduçãoda ainda inexplorada investigação do leitor (a' reader's responsetbeory, nos Estados Unidos), luas também, COIU certeza, à exigên­cia de que se. reconhecesse o leitor COIUO tuna terceira instância,tU11.a instância mediadora da história da literatura, a qual, tradi-

.cionalrnerite, havia sido urna história dos autores, das obras, dosgeüeros e dos estilos. Nesse sentido, A história da Literatura Con1.Oprovocação à teoria Líierdria era furidamentalmente, em sua inten­. ção, urna apologia da compreensão histórica tendo por veículo a.experiência estética - e isso em.Ulua época na qual o estrutura­lisrno havia desacreditado o conhecimento histórico e começavaa expulsar o sujeito dos sistemas .de .explicação do mundo. Osguardiões da tradição da filologia auto-suficiente l~ão perceberamessa intenção, recusando-se a compreender que o paradigma his­tórico-positivista já se exaurira. En1 seu objetivisrno, tal paradig­ma não era nem suficienternenre histórico nem suficientemente

. .estético para fazer frente à crítica estruturalista. A guinada da es_'tética da representação rumo à estética da recepção, o recurso àexperiência dos leitores COIUO instância dialógica da comunicaçãoliterária, tinha a chance de compreender de maneira nova - nadialética entre inovação e tradição, obra e efeito - a mudança dehorizonte da experiência histórica tendo por veículo a práxis es­tética, e, por conseguinte, de compreender de Uln modo novo o

"Trata-se do volume 11..0 418 da série Edition Suhrkarnp, publicado em 1970com o título Literaturgescbicbte ais Prouoleation [A história da literatura comoprovocação]. Além do texto de A história da literatura como provocação à teorialiterária) publicado em 1967 com o título L iteraturgeschichte ais Prouoleation derL itera tu rioissenscbaji, reunia ainda os seguintes ensaios: "Literarische Tradition uridgegenwartiges. Bewusstsein der Modernitãr" [Tradição literária e consciência atualda modernidade], "Schlege1s und SchiUers Replik auf die, 'Querelle des Ancieris etdes Modernes'" [A réplica de Schlege1 e Schiller à "Querelle des Anciens et desMoclemes'], "Das Ende der Kunstperiode - Aspekre der lirerarischen Revolution.bei Heine, Hugo und StenclJlal;' [O fim da arte - aspectos da revolução literáriaem Heine, I-Iugo e Stenclhal] e "Geschichte der Kunst- und Historie" [História daarte e historiografia], (N. T.)

Page 38: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

I '

caráter estético da literatura em su~historicidadeespecifica. A re-jeição tanto ao empirismo cego do' positivismo quanto ,à metatí­sica estética da história do espírito havia já, depois de 1945, da­do origem aos cam.pos .opostos da teoria literária marxista e da.formalista (corno representante da primeira, tinha-se ainda à épo­ca ·Georg Lukács e, da segunda, Vítor' Erlich, que nos deu a co­nhecer os tão longanlente silenciados formalistasrussos). A histó­ria da literatura C07no provocação à teoria literária acolheu criti.ca­m ente ambos os pontos de vista, tentando vencer o abismo entrea contemplação histórica (cega para a forma) e a contemplaçãoestética (cega para a história) da literatura.

O qu.epenso hoje sobre o debate deflagrado na Alemanha entrea teoria literária "materialista" e a "burçuesa"?A rnirn me parececaracterístico e honroso o fato de eu ter caído no fogo cruzadoentre ambas as frentes - visto por uns COIUO UIU idealista incor­rigível e atacado por outros corno alguém que desdenha a tradi­ção. Mas confesso COIU prazer (e, como hermeneuta, posso medar ao luxo de fazê-lo) que tenho plena consciência de meu débi­to para com meus opositores marxistas. Para mim, .tudo com.eçouCOIU Werner K.rauss e seu Literatureeschichte als geschichtlicherAuftrag [A história da literatl{ra como tarefa histórica] (1950),que, para minha geração, constituiu o manifesto de despedida dahistória esotérica do espírito e da interpretação cultuadora dasobras. O marxista liberal Werner Krauss foi o primeiro em seupaís a ronl.per o encanto da teoria ortodoxa do reflexo e, graças ànova abordagem de seu estudo sobre o Iluminismo, libertar agepllanística de ambas as frentes do, ídolo nacional de UIU classi­ciSIUO .alemão autóctone, reinserindo-o no contexto do'Iluminismo europeu. Já presente ern seu escrito progranláticomaterialista, encontra-se o conceito de função constitutiva daso­ciedade ou constitutiva das normas, conceito este que, posterior­lnente,. eu contrapus à antítese ideológico-crítica entre literaturaem: confonuidade ou em desconformidade corn o sistema, CUIU­

pridora ou desculnpridora das normas.O neornarxisrno da geração de 68, por outro lado, entrou

em cena corn um rigoroso reducioriismo, explicando toda produ­ção, artística a partir de determinantes ecoriôrnicas e sociais ou de.

75

interesses latentesda classe- dominante, e pretendendo revelarerntoda, recepção, sobretudo, urna "falsa consciência". Exceção fazia­se apenas à perspectiva ideológico-crítica. Contudo, o inesperadorenascimento de Marx - cujas origens, êxitos e fracassos nlere­ceriam já urna reavaliação histórica -lnudou de Huno, abando­nando a teoria do reflexo do hoje quase esquecido Georg Lukácse acolhendo os modelos oferecidos pelo jovem Marx, Marcuse,Benjamin e Adorno.

Urna vez tendo o debate crítico aclarado a troca de acusa­ções -'- as implicações idealistas da teoria materialista e as defi-

. ciências materialistas da teoria idealista-burguesa -, desnecessá­rio fez-se o prosseguimento da disputa. .Depois disso, a nova on­da das histórias sociais da literatura assumiu também o tratamen­to do problema da recepção. Por outro lado, as histórias da recep­ção, que se tornaram populares, empenhavam-se por definir noentrelaçamento de expectativa e experiência o horizonte de signi­ficação intraliterário, implícito na obra, e o mundano, providopelo leitor de determinada época. Para mim, a reconciliação evi­denciou-se sob a forma de urn evento, quando, em 1979, no con­gresso dos cornparatistas em Innsbruck, dirigi lado a lado COIUmeu então opositor Maníred Neuniann (sucessor de Krauss e au­tor de urna teoria marxista da recepção) a seção "Comunicação erecepção literária". Nossa seção gozou da mais intensa afluência econfrontou-nos com perto de urna centena de trabalhos. EJn si­lêncio, crescera inacreditavelrnenre o número de adeptos do no­vo paradigmal

Se uejo nesse eco mundial, registrado em, traduções para dezes­seis línguas) urna genuína mudança de paradigm.a ou U71za conjun­tura favorável determinada pelo modismo? A mim me parece que,no ca.lnpo da literatura Gda teoria estética, urna coisa não tem rie­cessariarnente de excluir a outra. Primeiro, é necessário que omodismo arrefeça; somente então se pode verificar se urna novaperspectiva foi capaz de estabelecer-se - se não na qualidade deLU1l método científico, pelo menos na condição de uma direçãoinvestigativa fecunda também a Iorigo prazo. Ao âmbito do LUO-

.disrno pertence o fato de o conceito "horizonte de expectativa"ter sido já acolhido pelo uso cornurn da língua (chegando até a re-

Page 39: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

l

76'

portagem futebolística: "O horizonte de expectativa dos torcedo-·res era grande"); ou ainda de a p;Javra francesa réception ter-sedestacado do vocabulário específico da hotelaria e, após longahesitação, ter sido admitida .mesmo nas teses da respeitávelSorbonne; e', por fim, o fato de os nomes Jauss e Iser -,os "diós­euros da Escola de Constança" - terem podido já figurar comoterna de urna conversação no contexto imaginário de urn rornan­ce de David Lodge.

Que, COIU a estética da recepção, prolongando-se na teoriada comunicação literária, operou-se de fato uma paulatina rnu­dança de paradigma - mudança 'esta que, num artigo de 1969,eu contemplava ainda COIn UIn ponto de interrogação -, de­monstra-o um.a série crescente de histórias da recepção. Não que­ro dizer corn isso que tal paradigma tenha revogado todos os an­teriores, ou que compreenda em si todos os demais que COIn eleconcorrem no presente. Diferentemente do processo do conheci­rncnto científico nas ciências naturais, uma mudança de paradig­ma nas ciências do espírito não costuma simplesmente relegar pa­ra senlpre ao museu da história da ciência a metodologia anterior­mente dominante.

Assim corno na literatura e na arte em si (conforme atesta­do recentemente pela prática das citações e pela intertextualida- .de do pós-modernismo), também no rnetaplano de sua -teoriaa renovação de um velho paradigma é inteiramente possível.Refiro-me a u}J.la renovação no horizonte experiencial da teoriaatual, e não, portanto, a urna mera restauração. Uma interpreta­ção do ponto' de vista da estética da produção, por exemplo, nãopode mais, nos dias de hoje, simplesmente seguir a estética da ge­nialidade ou o biografisrno ingênuo do tipo "vida e obra", luastem de levar ern consideração os conhecimentos da psico-escritada história. J unramente com. a estética da recepção, esta últinla-bem COlT10 a semiótica, a análise do discurso e o desconstrutivis­11.1.0 - pertence à gaIna dos paradigmas atualmente concorrentesna ciência literária.

Todos esses paradigmas citados têrn sua precondição nasconquistas da abordagem estruturalista, n1.~s também num afas­tamenro do assim chamado logocentrismo, na critica à primazia

'II

I

I!

77

idealista da razão centrada no sujeito, cuja história e enlaranha­dos ]ürgen I-Iabenllas clarificou de fonna insuperãvel (Der pbilo­sopbische Disleurs der Moderneí [O discurso filosófico da moder­nid~de]. Tais paradigmas deixam-se diferenciar segundo o princí­pio que segueIn: dialógico ou monológico. Ter restituído ao pri­rneiro seus direitos inatos constitui o mérito da teoria da recep­ção, transfonnada ern hermenêutica literária; persistir no último- negar toda a constituição do sentido, conduzir, no Iirnire, aonirvana de urna teologia negativa ressuscitada e, corn isso, rene­gar a força e o trabalho comunicativo da literatura e da arte',;~'- é

. o defeito do desconstrutivisrno, COIn relação ao qual tenh~'mi­nhas dúvidas sobre se logrará sobreviver ao modismo (mas é pos­sível que ele represente parami.tn a figura de meu mais recentein.irnigo) .

O que espero da estética da recepção no [uturo? Acreditei terdado minha última palavra a respeito do assunto ao assumir a re­dação do verbete (Estética da recepção' para o Historisches\f/orterbuch der Pbilosophie [Dicionário histórico de filosofia] deRitter, fazendo desse trabalho rniriha preleção de despedida da'Universidade de Constança. A melhor maneira de despedir-se deuma teoria não é distanciar-se historicamente dela e apresentarpostfestU71~ àquilo que, na qualidade de pré-história de um conhe­cimento, somente pode revelar-se no horizonte de seu desenvol­virnento histórico? Contudo, meu intentado canto do cisne viu­se de imediato sujeito ao principio da recepção não-previsível. Osestudiosos de outras disciplinas, corno a arte e a música, objeta­ram-rne que estavam apenas começando a abordar seus objetos deestudo sob a ótica da história da recepção e que contavam com.meu auxílio.

O tradutor chinês de meu livro Ásthetische Erfahrung und li- .terarische Hermeneutile [Experiência estética e hermenêutica lite­rária] solicitou-me urna introdução que explicasse ao leitor orien­tal o problema da hermenêutica literária ocidental. -.' a corn­preensão de si próprio no alheio, tendo por veiculo a experiênciaestética. Lá, disse-me. ele, urna tradição vinculada à autoridade.'não admitia um sentido múltiplo da escrita, de modo que, a prin­,cipio, urna teoria hermenêutica nem sequer podia surgir. Para

.•~ .

tf".. 1.­,-,

Page 40: JAUSS, Robert Hans - A História Da Literatura Como Provocação à Teoria Literária

78

.tl1..inha sorte, revelou-se ern noss~troca de cartas que na China,desde a dinastia Han, perdura a rxigência) espantosa para nós)de subordinar-se o acesso a todos os cargos públicos a urn bem­sucedido exercício de interpretação de um texto extraído doses-

. critos de Confúcio (urna 'exigência- ante a qual nos perguntamos,temerosos, se algum estadista do Ocidente estaria à altura deatendê-la... ) A teoria imarienre a essa prática, que demanda lon­ga e extensa instrução lingüística, filosófica e política) implicavaindubitavelmente urna hennenêutica auant La lettre. Em nossacultura, pode-se compará-Ia à exegese bíblica, igualn1ente dogmá­tica em sua origem, mas libertando-se posteriormente COlTl. a dou­trina do sentido múltiplo da escrita. É evidente que a soberaniade um dogma, de uma ideologia ou llle~mo de Ulna teoria só po­deconservar sua autoridade a longo·iirãzà, se admite aconstante[enovação do sentido supostamente atemporal que a legitima.

_.. Quanto à questão acerca do futuro da teoria da recepção,eu, na qualidade de profeta até agora voltado para o passado, sóposso externar ainda duas esperanças: que das histórias até agoraparticulares da recepção resulte a ainda inexistente forma sintéti­ca, necessariamente narrativa, de urna história das artes que al­cance novamente o nível perdido do histericismo clássico; e quen:-eu nome não seja mais atrelado à teoria da recepção, à qual cer­tarnente também se aplica o que, certa feita, Jean Starobinski ob­servou ern resposta a uma pergunta análoga: só se pode falar ver-odadeiramcnre de urna inetodologia quando ela se transformou jánuma autoridade sem autor.