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EDUCAÇÃO Dossiê: Gestão e Sustentabilidade v. 8, n. 3, jul./dez. 2018 ISSN: 2237-6011

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EDUCAÇÃODossiê: Gestão e Sustentabilidade

v. 8, n. 3, jul./dez. 2018

ISSN: 2237-6011

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Revista Científica do Claretiano – Centro Universitário

EDUCAÇÃODossiê: Gestão e Sustentabilidade

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Reitoria / RectorateReitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor PivaPró-reitor Administrativo: Pe. Luiz Claudemir BotteonPró-reitor Acadêmico: Prof. Me. Luís Cláudio de AlmeidaPró-reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Dr. Claudio Roberto Fontana Bastos

Conselho editorial / Publish Committee

Informações Gerais / General InformationPeriodicidade: semestralNúmero de páginas: 118 páginasNúmero de artigos: 6 artigos neste volumeMancha/Formato: 11,3 x 18 cm / 15 x 21 cm

Os artigos são de inteira responsabilidade de seus autores

Prof.ª Dra. Aline Sommerhalder (UFSCar)

Prof. Dr. Ascísio dos Reis Pereira (UFSM)

Prof. Dr. Almir de Carvalho Bueno (UFRN)

Prof.ª Dra. Ana Cristina Nassif Soares (UNESP)

Prof. Dr. Cae Rodrigues (UFS)

Prof. Dr. Celso Leopoldo Pagnan (UNOPAR)

Prof. Dr. Cesar Aparecido Nunes (UNICAMP)

Prof.ª Dra, Cinthia Magda Fernandes Ariosi (UNESP)

Prof.ª Dra. Claudete Paganucci Rubio (CLARETIANO)

Prof.ª Dra. Cristina Satiê de Oliveira Pátaro (UNESPAR)

Prof. Dr. Danilo Seithi Kato (UFTM)

Prof.ª Dra. Denise Aparecida Corrêa (UNESP)

Prof. Dr. Evandro Luis Gomes (UEM)

Prof. Dr. Everton Luis Sanches (CLARETIANO)

Prof. Dr. Fábio Ricardo Mizuno Lemos (IFTM)

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos (UNIMONTE)

Prof. Dr. Fernando Canastra (UCM-Moçambique)

Prof. Me. Fernando Luís Pereira Fernandes (UFTM)

Prof. Dr. Flávio Henrique Dias Saldanha (UFTM)

Prof.ª Dra. Francisca Lúcia Lima (UESPI)

Prof. Dr. Francisco Jorge dos Santos (UFAM)

Prof. Dr. Genaro Alvarenga Fonseca (UNESP)

Prof. Dr. Henry Marcelo Martins da Silva (UFMS)

Prof.ª Dra. Ida Mara Freire (UFSC)

Prof. Dr. Jose Barreto dos Santos (UEMS)

Prof. Dr. José Claudinei Lombardi (UNICAMP)

Prof. Dr. José Luis Sanfelice (UNICAMP)

Prof. Dr. José Luís Simões (UFPE)

Prof.ª Dra. Karen Fernanda da Silva Bortoloti (UNICOC)

Prof.ª Dra. Luciana Pedrosa Marcassa (UFSC)

Prof.ª Dra. Luziene Aparecida Grandi (USP)

Prof. Dr. Luiz Gonçalves Junior (UFSCar)

Prof. Dr. Marcelo Donizete da Silva (UFOP)

Prof. Dr. Marco Antonio Fernandes (UFBA)

Prof.ª Dra. Maria Cecília de Oliveira Adão (CLARETIANO)

Prof. Dr. Paulo Cesar Antonini de Souza (UFMS)

Prof. Dr. Paulo Eduardo V. de Paula Lopes (CLARETIANO)

Prof.ª Dra. Patrícia Junqueira Grandino (USP)

Prof. Dr. Reinaldo Sampaio Pereira

(UNESP, UNICAMP e UNEP)

Prof.ª Dra. Renata Andrea Fernandes Fantacini (CLARETIANO)

Prof. Me. Robson Amaral da Silva (CLARETIANO)

Prof.ª Dra. Rosimeire Maria Orlando (UFSCar)

Prof. Dr. Samuel Mendonça (PUC e PUCCAMP)

Prof. Dr. Sílvio Sanchez Gamboa (UNICAMP)

Prof. Dr. Stefan Vasilev Krastanov (UFMS)

Prof.ª Dra. Tatiana Noronha de Souza (UNESP)

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Educação Batatais v. 8 n. 3 p. 1-118 jul./dez. 2018

ISSN 2237-6011

Revista Científica do Claretiano – Centro Universitário

EDUCAÇÃODossiê: Gestão e Sustentabilidade

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© 2018 Ação Educacional Claretiana

Equipe editorial / Editorial teamEditores responsáveis: Prof. Dr. Everton Luis Sanches e Prof. Me. Rafael Menari Archanjo

Equipe técnica / Technical staff Normatização: Inaiê Cordeiro e Rafael Antonio MorottiRevisão: Cecília Zurawski, Filipi Andrade de Deus Silveira Capa e Projeto gráfico: Bruno do Carmo Bulgarelli

Direitos autorais / CopyrightTodos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana.

Permuta / ExchangeOs pedidos de permuta devem ser encaminhados à Biblioteca da instituição:

Claretiano – Centro UniversitárioRua Dom Bosco, 466 – Castelo14300-000 – Batatais - SPTel. (16) 3660 [email protected]

Bibliotecária / LibrarianAna Carolina Guimarães – CRB-8/9344

Os trabalhos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidade dos seus autores, não refletindo necessariamente a opinião do Claretiano – Centro Universitário, do Conselho Editorial ou da Coordenadoria Geral de Pesquisa e Iniciação Científica.

370 E26 Educação : dossiê Gestão e Sustentabilidade : revista científica do Claretiano - Centro Universitário – v.8, n.3 (jul./dez. 2018) -. – Batatais, SP : Claretiano, 2018. 118 p. Semestral. ISSN: 2237-6011 1. Educação - Periódicos. I. Educação : revista científica do Claretiano – Centro Universitário.

CDD 370

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Sumário / Contents

Editorial / Editor’s note

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL PAPER

Relações sociais e sustentabilidade: fragmentação, transformação permanente e busca de comportamento fraternoSocial relations and sustainability: fragmentation, permanent transformation and search for fraternal behavior

Agroecologia: um debate político e técnico como forma de desenvolvimento rural e preservação do meio ambienteAgroecology: a politics and technics debate that form to rural development and preservation of the environment

A consciência individual da responsabilidade social está na base do desenvolvimento sustentávelThe individual awareness of social responsibility is at the heart of sustainable development

A avaliação de desempenho como prática pedagógica de aprendizagem na gestão de pessoas no contexto empresarialPerformance assessment as a pedagogical practice of learning for people management at corporate environments

População negra no Brasil: reflexões sobre o processo de exclusão e suas possíveis soluçõesBlack population in Brazil: reflections about the exclusion process and its possibilities solutions

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Desenvolvimento sustentável e cenários prospectivos: um olhar de futuroSustainable development and prospective scenarios: a look at the future

Política Editorial / Editorial Policy

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Editorial / Editor’s note

As expressões “gestão” e “sustentabilidade” têm bastante destaque ao indicar um cenário de renovação na maneira como trabalhamos e vivemos. Ambos os conceitos são aplicados trans-versalmente em vários contextos, já que tratam de uma mudança estrutural de paradigmas. Assim, gestão dialoga com conduzir, cuidar, gerir, mas também se harmoniza com fazer a organização, direcionar ou tratar devidamente de coisas e seres, individualmen-te e coletivamente. A sustentabilidade estabelece o limite de até quando, da viabilidade daquilo que é gerido e de todas as práticas comuns de que somos coautores. Rompendo os limites estreitos de credos, doutrinas ou ideologias, tais compreensões promovem a responsabilização a partir da compreensão dos resultados das ações humanas em diferentes contextos.

Mais uma vez, o Grupo de Estudos Interdisciplinares em Pa-trimônio Histórico e Cultural desdobra-se na análise das deman-das do cotidiano e na necessidade de reparação de comportamentos para a viabilidade da conservação dos espaços humanos, do sistema econômico, do meio ambiente e das próprias relações sociais. Des-sa maneira, destacamos a gestão como técnica ou empreendimento e a sustentabilidade como objetivo imprescindível. Tratados dessa maneira, temos, nesta edição temática da Revista Educação, a orga-nização de construtos teóricos em diversas áreas do conhecimento em torno da promoção de compreensões integradas, análises sistê-micas que discutem a partir de áreas específicas a conjuntura em que vivemos, traçando algumas possibilidades de mudança.

Mais que nos atermos às análises de conjuntos, temos que nos desdobrar na indicação de mudanças pontuais que possam dar sustentação para dinâmicas construtivas e versáteis, que priorizem a continuidade e a viabilidade dos processos humanos.

Prof. Dr. Everton Luís SanchesCoordenador do curso em Patrimônio Histórico e Cultural

Editor

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Relações sociais e sustentabilidade: fragmentação, transformação permanente e busca de comportamento fraterno

Everton Luís SANCHES1

Resumo: Este artigo discute a compreensão fragmentada e a dinâmica de transformação permanente estabelecidas no período moderno e contemporâneo, tendo em vista o avanço tecnológico e a dinamização do mercado que culminaram mais recentemente na necessidade flagrante de mudanças profundas nas relações de produção, o que denominamos como busca de sustentabilidade. Uma vez que as relações de produção e consumo mostraram-se nocivas para o meio ambiente e para a sociedade, defendemos a importância de uma compreensão mais fraterna e práticas solidárias dentro da economia.

Palavras-chave: Fragmentação. Transformação Permanente. Sustentabilidade. Fraternidade.

1 Everton Luís Sanches. Pós-doutor em História e Cultura Social pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Professor do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.

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Social relations and sustainability: fragmentation, permanent transformation and search for fraternal behavior

Everton Luís SANCHES

Abstract: This article discusses the fragmented understanding and the dynamics of permanent transformation established in the modern and contemporary period, in view of the technological advance and the dynamization of the market that more recently culminated in the flagrant need for profound changes in the relations of production, what we call search of sustainability. Since the relations of production and consumption have proved harmful to the environment and to society, we defend the importance of a more fraternal understanding and practices of solidarity within the economy.

Keywords: Fragmentation. Permanent Transformation. Sustainability. Fraternity.

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1. APRESENTAÇÃO

Sustentabilidade pode ser considerada como qualidade ou característica daquilo que é sustentável, ou seja, diz respeito ao conjunto das práticas que permitem que algo seja viável e que se mantenha assim com o passar do tempo. Conforme Nascimento Nascimento (2012, p. 51):

A noção de sustentabilidade tem duas origens. A primeira, na biologia, por meio da ecologia. Refere-se à capacidade de recuperação e reprodução dos ecossistemas (resiliência) em face de agressões antrópicas (uso abusivo dos recursos naturais, desflorestamento, fogo etc.) ou naturais (terre-moto, tsunami, fogo etc.). A segunda, na economia, como adjetivo do desenvolvimento, em face da percepção cres-cente ao longo do século XX de que o padrão de produção e consumo em expansão no mundo, sobretudo no último quarto desse século, não tem possibilidade de perdurar. Ergue-se, assim, a noção de sustentabilidade sobre a per-cepção da finitude dos recursos naturais e sua gradativa e perigosa depleção (NASCIMENTO, 2012, p. 51).

Dessa maneira, podemos dizer que a tônica inicial da discussão e do entendimento da sustentabilidade abarcou o ponto de vista da ca-pacidade de renovação dos recursos naturais. Contudo, o desafio de estabelecer a exploração equilibrada desses recursos levou ao entendi-mento da sua dimensão econômica. Consequentemente, as relações de produção e consumo precisavam ser repensadas, uma vez que se per-cebeu que os padrões estabelecidos para tais relações estavam levando à exaustão da capacidade de renovação dos recursos naturais.

A continuidade dos debates em busca de alternativas para a pro-dução sustentável ampliou o entendimento do conceito de sustentabi-lidade, estabelecendo ainda a sua relação com os fenômenos sociais.

Nos embates ocorridos nas reuniões de Estocolmo (1972) e Rio (1992), nasce a noção de que o desenvolvimento tem, além de um cerceamento ambiental, uma dimensão social. Nessa, está contida a ideia de que a pobreza é provocadora de agressões ambientais e, por isso, a sustentabilidade deve contemplar a equidade social e a qualidade de vida dessa geração e das próximas. A solidariedade com as próximas

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gerações introduz, de forma transversal, a dimensão ética (NASCIMENTO, 2012, p. 51).

Os fenômenos sociais, portanto, são abordados no final do século XX uma vez que se verificou que os prejuízos humanos não estão isolados, de modo que a falta de equidade impele a correlatos estragos ambientais.

Assim, é necessário preparar as condições para que seja possí-vel a vida das próximas gerações, mudando conjuntamente a maneira como se organizam as relações sociais e o modo de exploração dos recursos naturais, pois a miséria humana e a agressão ambiental re-sultam simultaneamente dos mesmos comportamentos predatórios. Sustentabilidade, portanto, implica o desenvolvimento de práticas sociais e ambientais que sejam sustentáveis, que possam ser manti-das no longo prazo e que preservem a continuidade da vida.

A solidariedade passa a ser pressuposto para o estabelecimen-to da sustentabilidade (social e ambiental), assim como a ética pas-sa a ser o fundamento básico para a ação e prestação de contas das empresas para as gerações futuras.

Tais mudanças foram acompanhadas, na virada de século XX-XXI, pela globalização econômica e pela mudança de com-portamento do consumidor, que se tornou cada vez mais exigente e crítico.

O mercado torna-se mais competitivo com o acirramento da concorrência entre empresas e a quebra de monopólios co-merciais. A abertura das fronteiras territoriais para a comer-cialização de produtos estrangeiros enfraquece a proteção conferida pelo Estado à produção nacional. O marketing, como ciência mercadológica, desenvolve-se diante das no-vas exigências de ressaltar e singularizar uma marca entre tantas outras. Por sua vez, o consumidor encontra-se mais crítico e exigente, possuidor de melhor nível educacional; busca e requer mais informações e é menos facilmente en-ganado nas transações comerciais (ARAUJO, 2006, p. 418).

O processo de globalização, contudo, impôs novas formas para as relações de produção e consumo e teve seus desdobramen-tos nas relações sociais. No que tange à sustentabilidade, os consu-

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midores cada vez mais cobram posturas éticas das empresas, além de qualidade e bom preço por produtos e serviços.

Posto isso, o objetivo deste artigo é elaborar uma gênese da-quilo que orientou – ou pretendeu orientar – a humanidade desde o início da história moderna, no século XVI, considerando alguns aspectos fundamentais que nortearam as relações sociais, a saber: a fragmentação do pensamento, a tônica da mudança ou transforma-ção permanente (ambos resultantes do desenvolvimento científico), assim como o desafio de se estabelecerem relações sociais solidá-rias para o desenvolvimento da sustentabilidade.

Tomando os debates recentes em torno da busca por susten-tabilidade consoante as noções de solidariedade e ética no contexto da globalização, considerou-se salutar para esta análise compreen-dermos alguns dos principais desafios e possibilidades construídos historicamente. Assim, podemos apontar os caminhos abertos para promover uma organização social mais equilibrada, que atinja, de maneira universal e heterogênea, diferentes pessoas e grupos.

Conforme foi dito, tal processo envolveu três aspectos fun-damentais: mudança permanente, fragmentação e, posteriormente, a busca de sustentabilidade. A análise, portanto, ainda que sucinta e bastante recortada, parte dos elementos constituintes da dinâmica moderna de acordo com os autores considerados, alcançando as im-plicações da recente globalização da economia capitalista.

2. DA INSUSTENTÁVEL UTOPIA DA MODERNIDADE À BUSCA DE SUSTENTABILIDADE

Podemos dizer que as concepções de moderno e contempo-râneo remontam a modelos explicativos e a expectativas acerca desses períodos da História, consistindo assim no estabelecimento de um ponto de vista ou de um direcionamento de como seria orga-nizada a sociedade e de como as pessoas poderiam – ou deveriam – viver a partir desses períodos da História Ocidental. Os aspectos de melhoria de vida, que, de alguma maneira, são humanizadores, estão, em tese, circunscritos a essas concepções.

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Os termos “modernidade”, “moderno” e “modernização” existem no mundo das ideias como valores e afirmações morais sobre a vida humana; como descrição de um estilo de vida específico, típico de algumas sociedades e perío-dos de tempo; e como interpretação de um amplo processo de mudança social. “Modernos” ou “modernistas”, no pri-meiro sentido, são pessoas que se recusam a viver segundo cânones antigos e tradicionais e valorizam a inovação, a mudança e o progresso. Historiadores usam o termo “mo-derno” para referir-se ao período em que essas atitudes e valores se tornaram dominantes na Europa Ocidental – do final da Idade Média até a Revolução Francesa, quando então tem início o que chamam de “Idade Contemporânea” (SCHWARTZMAN, 2004, p. 11, destaques do autor).

Moderno, portanto, indica a proposição e a aquisição da mu-dança que tinha seu local de origem nos países da Europa e que, pela sua pujança e viabilidade, tornar-se-ia permanente e predomi-nante no mundo todo; e indica também – podemos dizer – sujeição a essa mudança.

Todavia, a mudança contínua pode ser considerada uma ala-vanca dos critérios modernizadores, que objetivaram desde o início do período moderno a construção de uma estrutura de vida coletiva cada vez mais sólida e eficiente.

Os tempos modernos encontraram os sólidos pré-modernos em estado avançado de desintegração; e um dos motivos mais fortes por trás da urgência em derretê-los era o desejo de, por uma vez, descobrir ou inventar sólidos de solidez duradoura, solidez em que se pudesse confiar e que tor-naria o mundo previsível e, portanto, administrável. [...] O derretimento dos sólidos levou à progressiva libertação da economia de seus tradicionais embaraços políticos, éticos e culturais. Sedimentou uma nova ordem, definida principal-mente em termos econômicos. Essa nova ordem deveria ser mais “sólida” que as ordens que substituía, porque, diferen-temente delas, era imune a desafios por qualquer ação que não fosse econômica (BAUMAN, 2001, p. 10, destaques do autor).

Numa análise histórica e sociológica, podemos considerar que o período chamado de Idade Moderna ou Modernidade teve como motivação o estabelecimento de bases mais sólidas que aquelas que

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estavam ruindo em meados dos séculos XV e XVI, levando em conta os mais diversos aspectos da vida humana (costumes, organi-zação social, política, economia, saúde, educação, ciência, religião etc.). Nesse ínterim, a afirmação do fator econômico rompendo as barreiras culturais pareceu ser o ponto fundamental da proposta de solidez. Consideramos aqui a construção da utopia moderna de es-tabilidade social, evolução tecnológica e fluidez econômica.

Contudo, os resultados mais “maduros” desse processo que se desenrolou nas revoluções políticas e tecnológicas culminaram na contemporaneidade, principalmente nas últimas décadas do sé-culo XX (extensivo aos dias atuais), numa dinâmica constante de desintegração cada vez mais rápida de valores, hábitos, tecnologia etc. Atualmente, diversos aspectos (materiais e não materiais) de nossa vida passam a ser ultrapassados mesmo antes das suas po-tencialidades serem plenamente exploradas e ocorre a imposição de inovações que, por sua vez, são igualmente pouco duradouras.

Hodiernamente, as mudanças tornaram-se cada vez mais a regra em nosso modo de vida, o que de alguma maneira corres-ponde ao processo tecnológico e capitalista no mundo globalizado. Pessoalmente, verificamos como as tecnologias renovam-se cons-tantemente: mal conhecemos os recursos de aparelhos com os quais lidamos o tempo todo (o telefone celular e o computador, por exem-plo) e formas inovadoras desses mesmos recursos e aparelhos são lançadas; temos o desafio de lidar com as novidades da informática ou da comunicação mesmo antes de termos tido tempo de nos ha-bituarmos com o que hoje é tratado como “antigo”, “fora de moda” ou até mesmo “ultrapassado”. Os meios de comunicação, geração e difusão de informações constituem uma espécie de propulsores das mudanças que se acumulam em nossas vidas. Aqueles que viveram os tempos do disco de vinil e das fitas cassete nas décadas de 1980 e de 1990 hoje se surpreendem ao terem de assimilar não mais o compact disc, mas o MP3 player e o cartão de memória que vêm de fábrica no sistema de som do seu automóvel. As coleções antigas de discos de vinil foram sendo substituídas pelos CDs que agora caem em desuso diante das rádios e acervos musicais on-line – e os CDs muitas vezes não servem nem mesmo para serem usados nas via-gens mais longas de automóvel, a menos que sejam digitalizados e

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transferidos para um pen drive. A comunicação que era realizada presencialmente passa a contar com o recurso do telefone fixo e de-pois do telefone celular; as trocas de cartas mediadas pelos serviços de correios e pelo papel físico converteram-se na troca de e-mails mediada pelos serviços de internet – e depois tivemos as tecnolo-gias que reuniram telefonia celular e internet, o que culminou mais recentemente na troca instantânea de mensagens usando aplicativos como Messenger, Skype e WhatsApp, entre muitos outros.

Nossa estabilidade física, psíquica, econômica ou cultural tem duração compatível à de um refrescante sorvete consumido sob o Sol num dia de calor intenso. Tem tempo predeterminado, porém de duração incerta; é notoriamente curta e possibilita conforto fun-damental – enquanto dura. Tal dinâmica, de acordo com Bauman (2001), permite à economia capitalista sua forma mais duradoura, uma vez que tudo o mais que poderia confrontá-la se adapta conti-nuamente à dinâmica do capital. Assim, apegar-se a hábitos antigos ou tecnologias defasadas tornou-se pecado capital (ou contradição ao fluxo do capital), pois não se atrela à dinâmica da economia globalizada.

Podemos dizer que a construção da noção de sustentabilidade constitui o maior desafio para a dinâmica da mudança, uma vez que contrapõe processos econômicos duradouros a processos so-cioambientais viáveis: a inovação tecnológica é confrontada com a preservação. De um lado, temos o uso da tecnologia para o desen-volvimento econômico com acumulação de riqueza e, do outro, o cuidado com o desenvolvimento sustentável que regula o uso dos recursos tecnológicos para que ele seja adequado ambientalmente e equitativo socialmente.

O problema central é que as novas tecnologias são, ao mesmo tempo, instrumento para a qualidade de vida e um meio de vantagem competitiva na economia mundial. O acesso às tecnologias ambientais ou farmacêuticas, por exemplo, podem ser essenciais para combater o desmata-mento ou para salvar vidas em todo mundo. Mas, para os países que as possuem e vendem, eles são oportunidades de lucros, ficando as novas tecnologias mais relacionadas ao desenvolvimento econômico do que ao desenvolvimen-to humano (ALMEIDA, 2012, p. 122-123).

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A tecnologia constitui simultaneamente a esperança de ino-vação sustentável e de desenvolvimento econômico, porém o últi-mo é realizado de maneira seletiva – se considerarmos as pessoas beneficiadas. O contexto geral da realização da Conferência Mun-dial de Estocolmo, em 1972, que teve como maior preocupação a degradação ambiental e seu impacto na qualidade de vida possibili-ta analisar o conflito de entendimentos.

Se, de um lado, os países desenvolvidos definiam a defesa do meio ambiente como o ponto central da Conferência, de outro lado, os outros focavam o combate à pobreza. Essa divisão atravessava não apenas os países, mas também os atores político-sociais, colocando em confronto ambienta-listas e desenvolvimentistas (NASCIMENTO, 2012, p. 53).

O desenvolvimento, portanto, passou a ser um problema para a renovação dos recursos naturais e consequentemente para a vida do próprio ser humano. Do bojo dessas discussões que polarizavam entre defesa do meio ambiente e metas de crescimento econômico possibilitadas pelo avanço tecnológico, deflagrou-se o entendimento das relações humanas e de como elas participaram desse processo. Produção e consumo excessivos geravam altos dividendos do ponto de vista econômico, mas não contribuíam para equilibrar a organi-zação da população e de seu acesso às benesses resultantes do de-senvolvimento. Inequivocamente, estamos diante de uma questão de âmbito humano, mais especificamente na dimensão social.

Em face da complexidade das contendas, a Organização das Nações Unidas (ONU) deslocou o debate para uma comis-são técnica que produziu Only one earth (Ward & Dubos, 1973). O documento considerava o problema ambiental como decorrente de externalidades econômicas próprias do excesso de desenvolvimento (tecnologia agressiva e con-sumo excessivo), de um lado, e de sua falta (crescimento demográfico e baixo PIB per capita), de outro. Posta dessa forma, a questão ambiental deixava de ficar restrita ao meio natural e adentrava o espaço social. Graças a esse embate, o binômio desenvolvimento (economia) e meio ambiente (biologia) é substituído por uma tríade, introduzindo-se a dimensão social (NASCIMENTO, 2012, p. 53).

Nesse sentido, a insegurança gerada pela mudança contí-nua pode ser um dos principais entraves para a humanização que

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estamos a discutir, pois as grandes causas da humanidade não pare-cem tão razoáveis, uma vez que as ferramentas e atitudes de notório efeito transformador (desenvolvimentista) não são identificáveis ou previsíveis diante da regularidade da mudança, tampouco contem-plam necessariamente o desenvolvimento humano.

Muito embora a proposta de inovação constante tenha em seu cerne, supostamente, o objetivo de ampliar as possibilidades hu-manas e melhorar as condições de vida compartilhadas pelas pes-soas, também negligencia o ritmo humano de transformação – e de assimilação – das mudanças. Assim, as diretrizes da ação coletiva podem se perder diante da necessidade de aceleração da mudança de ação pessoal, o que não deixa de funcionar como uma estratégia de organização e manutenção do poder instituído.

Podemos elencar ainda que as barreiras promovidas pela in-certeza inibem os movimentos sistêmicos de contestação e trans-formação conjuntural da sociedade. No mundo do desenvolvimen-to tecnológico da informação e com acesso virtual a tudo e a todos, não há um inimigo declarado, nem uma estratégia de transformação acessível.

Se o tempo das revoluções sistêmicas passou, é porque não há edifícios que alojem as mesas de controle do sistema, que poderiam ser atacados e capturados pelos revolucio-nários; e também porque é terrivelmente difícil, para não dizer impossível, imaginar o que os vencedores, uma vez dentro dos edifícios (se os tivessem achado), poderiam fa-zer para virar a mesa e pôr fim à miséria que os levou à rebelião. Ninguém ficaria surpreso ou intrigado pela evi-dente escassez de pessoas que se disporiam a ser revolu-cionários: do tipo de pessoas que articulam o desejo de mudar seus planos individuais como projeto para mudar a ordem da sociedade (BAUMAN, 2001, p. 12).

Na era da informação e da transformação constante, a adapta-bilidade à mudança é o aspecto definidor da própria sobrevivência, e as lutas coletivas que pretenderam a superação humanizadora (ao menos em tese) converteram-se em esforços individualizados para lidar com as tendências momentâneas, forjadas ao ritmo moderni-zador da economia capitalista.

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Na verdade, nenhum molde foi quebrado sem que fosse substituído por outro; as pessoas foram liberadas de suas velhas gaiolas apenas para ser admoestadas e censuradas caso não conseguissem se realocar, através de seus próprios esforços dedicados, contínuos e verdadeiramente infindá-veis, nos nichos pré-fabricados da nova ordem: nas classes, as molduras que (tão intransigentemente como os estamen-tos já dissolvidos) encapsulavam a totalidade das condições e perspectivas de vida e determinavam o âmbito dos proje-tos e estratégias realistas de vida (BAUMAN, 2001, p. 13).

Traçando uma síntese histórica, podemos considerar que o grande impulso à transformação industrial desde a Revolução In-dustrial inglesa no século XVIII possibilitou a massificação da pro-dução, caminhou ao lado das novas formas políticas gestadas desde o Iluminismo (também no século XVIII) e do desenvolvimento de teorias explicativas que abarcavam um universo maior de coisas, cujos resultados mais sórdidos estiveram intangíveis para as teorias de transformação histórica e social edificadas nos períodos moder-no e contemporâneo.

Apesar de a condição desfavorável ser compartilhada, as es-tratégias usadas para lidar com tal dinâmica são individuais, não coletivas. As grandes utopias que moveram os séculos XVIII e XIX, e que tiveram seu espaço durante o século XX, perderam for-ça diante da busca individual pela manutenção da sobrevivência na virada e século XX-XXI.

Retomando a compreensão da sustentabilidade nesse cená-rio, temos indissolúvel e aparentemente inalcançável a sua tríade (desenvolvimento tecnológico e econômico; equilíbrio ambiental; e equidade social). As grandes corporações e o meio político acaba-ram mantendo como prioridade o interesse no desenvolvimento tec-nológico e econômico, atendendo apenas parcialmente – e quando considerou possível – às demandas ambientais e sociais. A inversão do sentido da gestão sustentável alcança seu ponto mais insensível quando estabelece que uma empresa precisa ser sustentável econo-micamente: render lucros consistentes de maneira contínua, tornan-do-se capaz de suportar as crises econômicas. Para tanto, torna-se essencial que ela explore mão de obra barata – e que reduza ao mí-nimo possível seu contingente de trabalhadores; explore matéria-

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-prima – muitas vezes em ambiente alheio àquele em que vivem os mantenedores da produção (que não afete diretamente a qualidade de vida dos donos do capital); e oferecer acesso àquilo que foi pro-duzido apenas por aquela parte da sociedade que puder pagar o seu preço (ou seja, asseveração das desigualdades sociais).

Podemos relacionar a diminuição da pobreza e diversos avan-ços na exploração sustentável de recursos naturais, propiciados pe-los avanços científicos, conforme os dados e pesquisas publicados continuamente em nível internacional. Porém eles mantêm a ideia de sustentabilidade cerceada pelo interesse econômico e de acordo com a dinâmica do mercado.

Existe a esperança que as novas tecnologias irão levar a vida mais saudáveis, maiores liberdades sociais, conhe-cimentos e meios de vida mais dignos. Essa crença, ao analisar os dados objetivos, é verdadeira, pois os avanços sociais do século XX apontam para a melhoria do desen-volvimento humano tendo íntima relação com os avanços tecnológicos (Relatório do Desenvolvimento Humano, 2001, p. 2). Podemos citar a redução da subnutrição na Ásia do Sul, em 30 anos, de 40% para 23%; o acesso ao conhe-cimento livre pela internet; a produção e a distribuição de novos medicamentos e o maior rendimento agrícola. Todo esse progresso, em tese, propiciaria um desenvolvimento da qualidade de vida de maneira ampla; no entanto, muitos desses conhecimentos estão a serviço do mercado, porque ele se mostrou uma máquina poderosa para os avanços científicos (ALMEIDA, 2012, p. 120-121).

Assim, essa maneira solidária e fraterna é contraditoriamente submetida aos limites de toda ação econômica, do mercado e do desenvolvimento da tecnologia. Muito embora, comparando-se aos períodos anteriores da história da humanidade, tenhamos avanços significativos a partir do século XX que justificam pensarmos em um processo de melhoria para a vida das pessoas, ainda mantêm-se certos extratos da sociedade afastados do progresso. Inexoravel-mente, essa dinâmica promove o aumento da desigualdade social.

Enquanto os discursos favoráveis à produção tecnológica apontam as melhorias em grande parte dos índices anali-sados pelo RDH (2001, p. 22), como a queda da pobreza extrema de 29% para 23% da população mundial; a dimi-

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nuição da desnutrição em 40 milhões; o aumento na alfa-betização em 8%; a redução na mortalidade infantil em 10%, os críticos apontam que os avanços tecnológicos e a riqueza produzida nesses últimos 20 anos já seriam ca-pazes de erradicar grande parte dos problemas mundiais (IANNI, 2002). Os avanços apontados são tímidos perto da produção de riqueza dos países desenvolvidos, colo-cando, inclusive, que os seus ganhos se dão às custas dos países periféricos por razão da exploração das matérias--primas e da força produtiva (ALMEIDA, 2012, p. 121).

Posto isso, podemos dizer que o ideal de desenvolvimento nas mais diversas esferas da vida moderna e contemporânea foi acompanhado de entendimentos parciais acerca de seus resultados. A consideração de que com o passar do tempo as condições de vida melhoraram substancialmente não pretendeu entender a parcia-lidade dessa melhoria. A concentração da riqueza e a exploração predatória das pessoas e do meio ambiente acabaram restringindo as possibilidades de manutenção dessa forma de desenvolvimento, tornando-a insustentável e pondo em risco as gerações vindouras. No sentido de construção da sustentabilidade, conforme os parâ-metros previamente tratados, vamos considerar a construção dessas concepções fragmentadas como modelo de desenvolvimento e a possibilidade de sua superação.

3. SUPERAÇÃO DA FRAGMENTAÇÃO E SUSTENTA-BILIDADE

Podemos dizer que a evolução do pensamento e a evolução do mundo material tiveram como resíduo tóxico certa desintegra-ção das relações humanas. Em seu saldo negativo, figuram duas guerras mundiais (e o início da era das guerras totais), violentas re-voluções sociais e crises econômicas que tangenciaram os modelos explicativos, uma vez que seus resultados destituíram de significa-do as propostas de avanço das condições de vida e de solidariedade propostas por esses modelos edificados desde a Revolução France-sa (1789). Os ideais de um mundo melhor gestados de acordo com a lógica das mudanças necessárias ao processo de modernização e do lema da Revolução Francesa (1789), que é o grande marco

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inicial da Idade Contemporânea, não foram aplicados mediante aprimoramento das relações humanas, mas de seu estilhaçamento. Conforme afirmou Wallerstein (2006, p. 32):

Se temos a intenção de deixar claras nossas opções e uto-pias pós-1968, talvez fosse útil reler o slogan trinitário da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternida-de. Tem sido demasiado fácil opor liberdade a igualdade, como em certo sentido o fizeram as duas grandes interpre-tações da Revolução Francesa, cada uma delas defenden-do, se se quiser, uma metade da antinomia. É possível que o motivo de a Revolução Francesa não produzir liberdade nem igualdade resida no fato de os principais detentores do poder e seus herdeiros terem sustentado com sucesso que se tratava de objetivos distintos. Essa não era creio eu, a opinião dos plebeus. A fraternidade, entrementes, sempre foi um acréscimo piedoso que ninguém levava a sério em toda a longa arena cultural pós-1789 até, na verdade, chegar 1968. O significado atribuído à ‘normalidade da mudança’, por Deus e o mundo, é o de crescente homogeneização do mundo na qual a harmonia viria do desaparecimento das diferenças reais. Naturalmente, descobrimos o fato brutal de que o desenvolvimento da economia-mundo capitalista tem aumentado sobremaneira as disparidades econômicas e sociais, e, por conseguinte, a consciência das diferenças.

Todavia, a fraternidade, que é considerada uma das mais pri-morosas características do ser humano, ao lado de sua capacidade de racionalização e manipulação dos mais diversos fenômenos da natureza, acabou sendo desprezada diante do cenário de competi-ção entre diferentes propostas de transformação social, dentre as quais podemos destacar duas orientações fundamentais: aquela vol-tada para a defesa arbitrária da igualdade (o socialismo) e outra – mais duradoura – determinada a garantir a liberdade a todo custo (o liberalismo). O que tais propostas mantiveram em comum foi a belicosidade e universalidade de suas proposições.

Contudo, tendo sido multifacetados os ideais que alimenta-ram a organização política das nações contemporâneas, deixando órfãos os interesses das camadas mais baixas da sociedade e, con-traditoriamente, asseverando as diferenças econômicas e culturais, a fraternidade tornou-se um resultado tardio que se efetivou, de acordo com Wallerstein (2006), pela arena cultural dos movimen-

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tos de contestação de 1968, em que o sentimento de camaradagem e companheirismo pareceu mais forte que a organização de poder por parte das elites políticas e econômicas.

A continuidade e a asseveração da dinâmica de transforma-ção modernizadora, tal qual traçou Bauman (2001), impeliram os esforços coletivos à adaptação pessoal a cada um dos contínuos, infindáveis e pouco duradouros aspectos de mudança, o que confi-gurou um cenário de incerteza e enfraquecimento dos movimentos sistêmicos de contestação e promoção de mudanças estruturais que objetivassem melhorias coletivas substanciais.

Nesse cenário, talvez a possibilidade aparente de ação indi-vidual que altere o ritmo da mudança contínua seja o impulso à destruição, amplamente promovido no limiar entre os séculos XX e XXI pelos movimentos terroristas e pelos fundamentalismos re-ligiosos. Diante de tamanha crise de paradigmas, a destruição da “ordem” social – e da própria sociedade – pode parecer mais viável que a sua transformação construtiva.

A organização da sociedade moderna esteve vinculada à or-ganização prática do conhecimento científico, de sua aquisição e aplicação para a definição de um modo de vida moderno (sólido, renovador) e modernizador (inovador, transitório e que se tornou cada vez mais líquido). Nesse sentido, a definição de uma cultura geral no campo das ciências humanas teve um lugar específico den-tro da contemporaneidade.

A “cultura geral”, diria Geertz, em uma linguagem que não é a sua, antes de ser uma realidade intelectual e con-ceitual, é um fenômeno de classe, associado a elites ho-mogêneas e hegemônicas. Em suas próprias palavras, as diferenças entre as disciplinas não são apenas de objeto, método, técnica, tradições intelectuais e coisas do estilo, mas atingem o próprio marco de nossa existência moral. É por isso que a concepção de um “novo humanismo”, a tentativa de forjar uma ideologia geral “do melhor que tem sido pensado e dito” e de colocar tudo isso em um currí-culo, é não só implausível mas totalmente utópica. E tam-bém, possivelmente, um pouco preocupante.

Se já não é possível uma “culture générale de l’espirit” (que Geertz, muito apropriadamente, menciona em francês), será

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que estaríamos condenados à anarquia, à disputa sem princí-pios por financiamento e às formas mais acabadas de solipsis-mo? Talvez seja possível encontrar um espaço intermediário entre esses extremos (SCHWARTZMAN, 1997, p. 65).

Diferentemente da Antiguidade e mesmo da Idade Média, o conhecimento passou gradativamente a ter funções muito bem definidas, campos de estudo delimitados e aplicação em áreas de trabalho que disputam cada qual para si o investimento financeiro. Forjaram-se simultaneamente com o passar do tempo a organização de conhecimento e a produção de cultura vinculada a práticas e mo-dos de vida, viabilizados dentro da dinâmica do capital; a manuten-ção da cultura foi se transformando em uma maneira de organizar a vida material e, portanto, cultura tornou-se sinônimo de modo de vida.

De Aristóteles a Auguste Comte, imaginava-se que seria possível desenvolver uma cultura verdadeiramente univer-sal e educar as pessoas para que elas pudessem mover-se com igual naturalidade no mundo das letras, das artes e das ciências. Com o tempo, no entanto, as diferenças foram-se aprofundando, não só pela quantidade de informação e es-pecialização que cada uma requeria como principalmente pela diferença de estilos cognitivos e modelos intelectu-ais típicos das “duas culturas” do conhecimento. De um lado, uma cultura baseada no uso extenso de várias lín-guas e na familiaridade com tradições literárias extensas e sutis; do outro, o uso do raciocínio abstrato e dedutivo, a organização sistemática das informações, o uso cada vez maior de instrumentos e a manipulação direta da natureza (SCHWARTZMAN, 1997, p. 60, destaques do autor).

Traçando um recorte temático para estabelecer o ritmo de transformação espaço e tempo, podemos considerar que esse movi-mento de especialização do conhecimento e organização da cultura geral, assim como a sua significação humanística, atingiu uma nova etapa na Europa após a Revolução Industrial, especialmente a par-tir do século XIX: foi cada vez menos privilegiado aquele aspecto formativo de uma base humana consistente, transportando-se para uma especialização técnica eficiente.

A segunda transformação foi o desenvolvimento das pro-fissões de base técnica e científica a partir do século XIX,

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com a química na Alemanha, a engenharia na França e mais ou menos em toda parte a medicina de base empí-rica e experimental, que começou a romper com a divi-são e, sobretudo, com a hierarquia entre “conhecimento puro” e “conhecimento prático”, ou aplicado. Os pontos essenciais, aqui, foram o desaparecimento da distinção, antes tão nítida, entre os níveis propedêutico, formativo, e o profissional, e o surgimento de profissões liberais baseadas não mais nas humanidades, mas na ciência empí-rica, de prestígio e reconhecimento crescentes. Na França, a educação propedêutica, de cunho humanista, ficou quase que restrita aos centros de formação de professores e ao ensino de segundo grau, enquanto as escolas superiores se dedicaram exclusivamente ao ensino para as profissões, com ênfase na engenharia e no aprendizado da matemáti-ca; é dessa forma que a École Normale se desenvolve como o grande celeiro de intelectuais humanistas, enquanto a École Polytechnique constitui o principal centro de forma-ção de elites políticas e administrativas. A Alemanha e a Inglaterra mantiveram a engenharia e o ensino técnico fora das universidades, abriram algum espaço para as ciências naturais, mas insistiram em manter suas universidades como centros de formação nas humanidades, que prepa-ravam para as carreiras no serviço público e na política (SCHWARTZMAN, 1997, p. 60-61).

Tudo isso culminou, considerando as últimas décadas da his-tória recente, num processo cultural multifacetado, voltado cada vez mais para a fragmentação do pensamento e especialização da atuação. Desse modo, a economia parece ser o topo de onde par-tem as diretrizes de organização humana, oportunizando o funda-mentalismo como forma de expressão impositiva e enfraquecendo os movimentos socioculturais e teorias sistêmicas voltadas para a melhoria das condições de vida e das relações humanas. A educa-ção assumiu cada vez mais um papel funcional dentro da dinâmica econômica e menos a função formativa e humanista.

Considerando um cenário global multifacetado e em cons-tante mudança – e o ritmo da mudança sendo ditado pela economia – emergem novos arranjos sociais e a expressão de grupos preexis-tentes, o que inclui diferentes credos religiosos, doutrinas políticas, questão racial, maior participação da mulher, orientações sexuais

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diversas etc. O intuito declarado, que ganhou voz nos movimentos de 1968 e ecoa ainda hoje, foi defender o humano indistintamente e promover o desenvolvimento de relações fraternas entre pessoas de diferentes culturas – ou modos de vida. Nesse sentido, tornou-se necessário procurar estabelecer regras regulares que pudessem per-mitir o respeito mútuo entre as diferenças, mesmo diante de trans-formações intensas dos costumes que se refazem o tempo todo – o que remonta à necessidade de implementar o que já estava esta-belecido há quase 20 anos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (10 de dezembro de 1948).

A transformação pode ser considerada um aspecto fundamen-tal e condicionante para uma sociedade mais justa, uma vez que a busca de uma sociedade fundada na regularidade uniforme da cultura (a procura da solidez moderna, conforme tratou Bauman) orientou conclusões precisas, porém irreais, sobre o que é ser hu-mano vivendo em sociedade, tornando-se primado fértil para pre-conceitos e autoritarismo. Foi justamente esse um dos princípios fundamentais de toda a agressão à pessoa humana que precedeu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tendo em vista a busca de estabelecimento de forças e diretrizes angulares para a co-letividade, tratando o indivíduo – mesmo quando livre – como uma parte diluída nele e engrandecida pelo movimento coletivo. Em contrapartida à afirmação das concepções sólidas da modernidade, a regularidade da mudança (que outrora preconizava o estabeleci-mento de solidez e segurança) se intensificou no século XX como forma de desagregação das relações humanas e, na virada para o século XXI, de geração de incerteza como forma de articulação do poder hegemônico da economia globalizada.

Para tornar verídico aquilo que os direitos fundamentais garantem universalmente por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e de todos os tratados de defesa da humanidade que foram subsequentes a ela, tendo em vista a sus-tentabilidade tal qual foi discutida neste artigo, a cultura precisa ser considerada como um fator agregador e de aprendizado mútuo, não como um aspecto condicionante. Ou seja, as manifestações cultu-rais – as orientações diversas às práticas cotidianas –, sejam elas de âmbito religioso, político, racial ou de gênero devem ser submeti-

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das à regularidade da compreensão e respeito mútuos. As diferen-ças devem ser tratadas como fator de aprendizado, não como fator moralizador e, portanto, homogeneizador dos comportamentos.

Do ponto de vista da sustentabilidade, esse contexto pode ser retratado a partir dos impactos ambientais a partir da segunda me-tade do século XX, alcançando as diretrizes econômicas e sociais.

A ideia de sustentabilidade ganha corpo e expressão po-lítica na adjetivação do termo desenvolvimento, fruto da percepção de uma crise ambiental global. Essa percepção percorreu um longo caminho até a estruturação atual, cujas origens mais recentes estão plantadas na década de 1950, quando pela primeira vez a humanidade percebe a existência de um risco ambiental global: a poluição nucle-ar. Os seus indícios alertaram os seres humanos de que estamos em uma nave comum, e que problemas ambientais não estão restritos a territórios limitados. [...] Entre 1945 e 1962, os países detentores do poder atômico realizaram 423 detonações atômicas (NASCIMENTO, 2012, p. 52).

Contudo, mesmo o reconhecimento do risco amplo e global não conseguiu reunir as nações do mundo a caminho de um mesmo interesse de preservação. A continuidade das discussões políticas e o estabelecimento de acordos entre os países foram cercados de desacordos, especialmente entre países de diferentes níveis de de-senvolvimento econômico.

As contradições entre os países desenvolvidos e os restan-tes ficaram ainda mais claras quando os Estados Unidos não assinaram o Protocolo de Kyoto, mesmo após o Inter-governmental Panel for Climate Change (IPCC), em 2007, lançar um comovente alerta sobre os riscos prementes do aquecimento global e a contribuição nesse processo da ação antrópica. O mundo ficou tocado, o governo america-no, nem tanto (NASCIMENTO, 2012, p. 55).

Aos poucos as lutas econômicas e sociais em torno da ques-tão ambiental mostraram-se não apenas dentro da tríade que com-preende a sustentabilidade (dimensão ambiental, dimensão econô-mica e dimensão social), mas alcançou as barreiras mais profundas no âmbito da política internacional.

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A primeira dimensão do desenvolvimento sustentável nor-malmente citada é a ambiental. Ela supõe que o modelo de produção e consumo seja compatível com a base material em que se assenta a economia, como subsistema do meio natural. Trata-se, portanto, de produzir e consumir de for-ma a garantir que os ecossistemas possam manter sua au-torreparação ou capacidade de resiliência.

A segunda dimensão, a econômica, supõe o aumento da eficiência da produção e do consumo com economia cres-cente de recursos naturais, com destaque para recursos permissivos como as fontes fósseis de energia e os recur-sos delicados e mal distribuídos, como a água e os mine-rais. Trata-se daquilo que alguns denominam como ecoefi-ciência, que supõe uma contínua inovação tecnológica que nos leve a sair do ciclo fóssil de energia (carvão, petróleo e gás) e a ampliar a desmaterialização da economia. (NAS-CIMENTO, 2012, p. 55).

A questão da solidariedade – ou da fraternidade, para recupe-rarmos a terminologia usada na Revolução Francesa – é indispensá-vel para o melhor trato com o meio ambiente e para a realocação do lugar de cada qual na sociedade, traçando assim um novo modelo de organização da economia. Contudo, além de ter as barreiras pró-prias do mercado, ela passa também pela análise das formas com que se organizam as relações sociais e a política.

A terceira e última dimensão é a social. Uma sociedade sustentável supõe que todos os cidadãos tenham o mínimo necessário para uma vida digna e que ninguém absorva bens, recursos naturais e energéticos que sejam prejudi-ciais a outros. Isso significa erradicar a pobreza e definir o padrão de desigualdade aceitável, delimitando limites mí-nimos e máximos de acesso a bens materiais. Em resumo, implantar a velha e desejável justiça social (NASCIMEN-TO, 2012, p. 56).

A organização política, enquanto jogo do poder, dificulta a efetivação de tudo aquilo que se considera sustentável e mantém a orientação das relações sociais entre atores que se sobrepõe em tor-no de crenças, nacionalismos ou simplesmente privilégios pessoais. Tudo isso impele a manter a mesma dinâmica viciada, predatória e dissociativa do ponto de vista social, proporcionando mecanis-mos de luta por poder econômico no bojo de uma crise ambiental

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profundamente ligada à falta de compromisso ético. Os interesses se dimensionam conforme frentes de poder, entendendo sob ótica específica fenômenos de alcance universal.

O principal problema nessa definição em três dimensões não se encontra nas diferenças de conceituação existentes na literatura especializada sobre cada uma delas, mas no fato de escolhê-las como as essenciais, eliminando-se, por exemplo, a dimensão do poder. Como se mudar os padrões de produção e consumo fosse algo alheio às estruturas e decisões políticas.

A consequência do esquecimento da dimensão da política é uma despolitização do DS, como se contradições e con-flitos de interesse não existissem mais. Como se a política não fosse necessária no processo de mudanças. Como se as formas de exploração violenta não fossem mais importan-tes, e a equidade social fosse construída por um simples di-álogo entre organizações governamentais e multilaterais, com assessoria da sociedade civil e participação ativa do empresariado (NASCIMENTO, 2012, p. 56).

Entre as necessidades de transformação, podemos considerar a superação da fragmentação política que tem como base a disputa por poder – superação esta que por enquanto parece incabível – pela universalização das técnicas de gestão sustentável dos organismos públicos e das relações internacionais de colaboração multilateral. Para tanto, entre ouros desafios impõe-se indelével a necessidade de abandonar definitivamente as disputas ideológicas do século XX e fitarmos os desafios do século XXI com a cabeça arejada pelos novos ventos da gestão democrática. Aliás, a democracia seria sim-plesmente a efetivação dos ideais de liberdade, igualdade e frater-nidade almejados desde a Revolução Francesa (1789), que por sua vez reflete aspirações de intelectuais que a antecederam. Os novos ventos abririam espaço para a atualização e renovação de já idosas metas. Metas essas que refletiam a esperança de que, ao chegarmos ao século XXI, nossas principais preocupações fossem com o de-senvolvimento da sabedoria que permite aproveitar melhor o tempo de vida de uma existência pessoal, não com a implementação tardia de uma agenda de preservação da existência coletiva.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando o topo do projeto da Idade Moderna – e que deu início à Contemporaneidade – resgatar o projeto inconcluso da agregação dos valores e práticas de liberdade e igualdade como os lados e a fraternidade como a base do triângulo ensejaria um novo projeto político para a sociedade, marcadamente ligado às noções de sustentabilidade e ética. A fraternidade, problematiza-da a partir dos ideais da Revolução Francesa (1789) e consoante os critérios estabelecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), pode ser um fator condicionante para as demais proposições, estabelecendo a preservação ambiental e a equidade social como bases de sustentação de um projeto político planetário e heterogêneo.

Amadurecer essa proposta é o nosso grande desafio.

REFERÊNCIAS

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Agroecologia: um debate político e técnico como forma de desenvolvimento rural e preservação do meio ambiente

Agostinho Fernando ADAMI1

Resumo: Neste artigo, discute-se a importância da agroecologia como um instrumento capaz de auxiliar na elaboração de leis e técnicas de produção agrícola que primem pela preservação ambiental, bem como pela valorização dos agricultores e da cultura de cada povo agrícola. Sendo assim, a inserção dos estudos sobre a produção agroecológica no debate do desenvolvimento rural pode ser uma alternativa para o alinhamento de políticas públicas específicas quando considerada a grande heterogeneidade de agricultores existentes no espaço rural brasileiro. Ademais, pode ser também uma forma de união entre os agricultores e os movimentos sociais agrícolas, considerando que o sistema econômico vigente, desprovido de regulações e legislações específicas, pode ser prejudicial para todos os agricultores. Portanto, o texto se baseia em uma análise sobre o desenvolvimento sob a ótica da agroecologia considerando o contexto histórico da formação econômica do Brasil e consequentemente como se deu a divisão fundiária que hoje se conhece. Diante disso, os problemas históricos potencializados pelo sistema de economia de mercado originaram um conceito maniqueísta e divisor da classe dos agricultores, desconsiderando a contribuição que cada um, individual e coletivamente, poderá dar para um efetivo desenvolvimento rural sustentável.

Palavras-chave: Agroecologia. Desenvolvimento Rural. Agricultura. Agroecossistema. Sustentabilidade.

1 Agostinho Fernando Adami. Mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Bacharel em Administração pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). Coordenador de Pós-graduação em Agronegócio. Professor nos cursos de Administração e Tecnólogos do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.

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Agroecology: a politics and technics debate that form to rural development and preservation of the environment

Agostinho Fernando ADAMI

Abstract: This article discusses the importance of agroecology as an instrument capable of assisting in the elaboration of laws and techniques of agricultural production that excel for environmental preservation as well as for the valorization of the farmers and the culture of each agricultural people. Thus, the inclusion of studies on agroecological production in the rural development debate may be an alternative to the alignment of specific public policies when considering the great heterogeneity of farmers existing in the Brazilian countryside. In addition it can also be a form of union between the farmers and the agricultural social movements, considering that the current economic system, devoid of regulations and specific legislation, can be harmful for all the farmers. Therefore, the text is based on an analysis of the development from the point of view of agroecology considering the historical context of the economic formation of Brazil and, consequently, the land division that is known today. In view of this, the historical problems potentialized by the market economy system, originated a Manichean concept and divisor of the class of the farmers, disregarding the contribution that each, individually and collectively, can give for an effective sustainable rural development.

Keywords: Agroecology. Rural Development. Agriculture. Agroecosystem. Sustainability.

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1. INTRODUÇÃO

A heterogeneidade dos produtores rurais existentes no Bra-sil gerou um debate e um discurso sobre as formas de produção que melhor caberiam no conceito de sustentabilidade e desenvol-vimento rural. Várias técnicas foram desenvolvidas ao longo do tempo e muitas se impuseram como a melhor forma de proteger o ser humano e o mundo em que ele vive. Tal imposição construiu dois universos rurais – paralelos, porém distintos –, gerando assim uma separação, de concepção maniqueísta, entre o que se conhece como agronegócio e a agricultura familiar de baixa renda. Se por um lado o agronegócio é tido como o vilão da sustentabilidade e o parceiro fundamental do modelo capitalista, a agricultura familiar de baixa renda se fundamentou (com base no debate acadêmico e no discurso dos grupos sociais) como a excluída do sistema cuja sobrevivência se dá às margens do capitalismo e, nem mesmo as te-orias econômicas teriam explicações e definições de como tal agri-cultura se mantém no mercado. Ou seja, esse discurso produzido, mesmo quando não se apresenta como um pensamento essencial, ou quando não desenvolve uma ideologia fraterna, no sentido de diminuir a distância e promover a união do que se considera bem ou o mal, torna-se, na realidade, princípios práticos que padronizam as relações, os pensamentos e consequentemente a vida cotidiana do rural brasileiro. Sendo assim, a ideologia fraterna que se defende no texto se dá no sentido de encarar a fraternidade como princípio político, para além de se considerar o pequeno produtor agrícola uma classe desprivilegiada e o agronegócio o vilão da sustentabi-lidade. Segundo Barros (2008, [n.p.]), a discussão da fraternidade vai “[...] além da cáritas (cuidar amorosamente) e nos mostra um caminho possível de pensar valores civilizatórios em um mundo pautado pelo individualismo”.

Nesse ínterim, este artigo procura demonstrar que nem a agri-cultura agroexportadora (agronegócio) nem a agricultura de baixa renda, cuja base é familiar, deixam de sofrer as consequências de uma economia de mercado cuja intervenção política se faz necessá-ria e fundamental para que ambos sobrevivam e consequentemente evoluam seus sistemas de produção e a forma como pensam a agri-

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cultura, sendo menos dependentes de recursos externos e conse-quentemente mais sustentáveis.

2. A MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA E AS CONSEQUÊN-CIAS AMBIENTAIS E CULTURAIS PARA O ESPAÇO RURAL

No decorrer do tempo, a evolução produtiva impactou sig-nificativamente a produção rural e os processos produtivos, que já haviam sido afetados historicamente pelo fato de como se deu o desenvolvimento econômico brasileiro. A formação econômica do Brasil2, que favoreceu a agroindústria e principalmente a mono-cultura latifundiária, influenciou também na heterogeneidade dos produtores, sua forma de produção e principalmente sua posição cultural com relação ao uso do espaço rural brasileiro.

O fato de a evolução dos processos produtivos ter simplifica-do extremamente os agroecossistemas3 provocou profundas trans-formações na relação do agricultor com o meio ambiente. Essas transformações, acompanhadas de um fraco sistema político, inca-paz de produzir leis eficientes para o setor, silenciosamente foram retirando da natureza a fertilidade do solo, poluindo as águas, eli-minando espécies nativas, tirando a capacidade de o ecossistema manter seu equilíbrio e, principalmente, causando mudanças cul-turais que impactam o significado da agricultura para grande parte dos produtores rurais.

De acordo com Shneider e Escher (2011), tais processos fo-ram impulsionados por uma modernização capitalista da agricultu-ra e ficaram conhecidos como Revolução Verde. Até mesmo países desenvolvidos, com capacidade de investir em inovações e tecnolo-gias, aprisionaram os agricultores na dependência constante de uma tecnologia cuja obsolescência se dá de forma muito rápida.2 Portugal estabelece as plantations no Brasil por estar preocupado em aumentar os lucros com as atividades rurais e industriais açucareiras.3 De acordo com Gliessman (2001), um local onde haja produção agrícola é considerado um agroecossistema, por exemplo, uma propriedade agrícola que está inserida em um ecossistema. Ainda de acordo com o autor, esse conceito proporciona uma estrutura que possibilita analisar todos os sistemas de produção de alimentos, incluindo seus conjuntos complexos de insumos, produção e conexão entre as partes que os compõem e fazem parte do ecossistema.

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Ainda de acordo com os autores, essa prisão ou dependência pode ser analisada sob dois focos:

• O fato de existir a necessidade crescente da utilização e adição de insumos externos a fim de tornar os processos produtivos adequados a uma economia de escala eleva constantemente os custos da produção agrícola, fato que ficou caracterizado pelos autores como um processo con-tínuo chamado de treadmill – “esteira rolante” (SHNEI-DER; ESCHER, 2011, p. 204).

• Por outro lado, na “[...] medida que o progresso técnico é incorporado, e que aumentam as escalas de produção, são reduzidos os preços pagos ao produtor, ou seja, ocorre um estrangulamento (squeeze) na relação custo-preço” (SH-NEIDER; ESCHER, 2011, p. 204).

Dessa forma, com o advento do modelo capitalista de pro-dução e as grandes revoluções agrícolas, a relação entre a agricul-tura e o agricultor, citada anteriormente, tomou novos caminhos e o cunho mercadológico foi quem regeu a forma de produção nos espaços rurais retirando do agricultor a arte da agricultura. Sobre a modernização agrícola, Balsan (2007) e Sambuichi et al. (2012) relatam que, a partir de 1960, houve a intensificação desse modelo em que as técnicas produtivas se baseavam no uso intensivo de insumos externos baseados em tecnologias industriais, como ferti-lizantes químicos, agrotóxicos, máquinas pesadas e sementes me-lhoradas.

Apesar de essa forma de agricultura contribuir para a agroin-dústria com o superavit da balança comercial e com as produções de commodities, ela impacta negativamente o meio ambiente pelo fato de simplificar o agroecossistema reduzindo a biodiversidade, disse-minar a monocultura, tecnificar a agricultura como em uma linha de montagem industrial, além de causar um esvaziamento rural.

Com relação aos efeitos do modelo capitalista, Polanyi (2000) relata que, em uma economia que não sofre intervenções políticas e é somente regulada pelo mercado, não somente os bens e serviços, mas também os seres humanos se convertem em mercadorias, que segundo o mesmo autor são mercadorias fictícias.

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Assim sendo, o capitalismo pode ser conceituado como uma “sociedade de mercado”, pois não apenas os produtos, mas a própria produção destes e a reprodução social dos indivíduos – que precisam vender sua força de trabalho para sobreviver – dependem de tal mecanismo. Para que a produção seja movida em uma sociedade cuja economia é regulada por um sistema de mercados, supõe-se que os meios de produção – incluindo a terra, o trabalho e o di-nheiro – sejam mercadorias. Numa tal sociedade, a troca e a distribuição (circulação) tendem a ser estabelecidas por meio de igualdades formais entre oferta e demanda, dando origem aos preços nominais. Assim, a provisão dos meios de vida dos seres humanos torna-se dependente do meca-nismo de mercado, submetendo a própria reprodução do tecido social à reprodução do capital. Reconhecido isto, podemos concluir que, no capitalismo, os motivos “eco-nômicos” do comportamento social – entre eles a busca competitiva pelo ganho e o medo da fome por exclusão do mercado de trabalho – envolvem a crescente dominân-cia das atividades “orientadas ao lucro” e “mediadas pelo mercado” (SCHNEIDER; ESCHER, 2011, p. 195, desta-ques do autor).

Sendo assim, o significado do trabalho para o agricultor e sua relação com a natureza também passam a ter um cunho estritamen-te mercadológico e consequentemente fictício. Portanto, não cabe um debate separatista sobre os produtores rurais e suas singulari-dades produtivas, mas sim um debate no qual se discuta a necessi-dade de políticas públicas específicas que supram as necessidades de cada produtor para que se mantenha no mercado com dignidade e liberdade.

Para exemplificar o impacto dessas atividades orientadas ao lucro e das mudanças que elas causam nas relações entre o ho-mem e a natureza – ou mesmo entre os homens – basta observar o que se passa com o conhecimento tradicional da agricultura, ou seja, a extinção desses conhecimentos tradicionais na produção agrícola. Os conhecimentos tradicionais, tão importantes para o desenvolvimento da sensibilidade e do conhecimento holístico do agricultor, hoje está restrito aos agricultores familiares, de baixa renda, não simplesmente pela falta de acesso às tecnologias e recursos, mas também pela divisão cultural que se construiu ao

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longo do tempo, entre o que chamamos, na academia ou mesmo no mercado, de agricultura de subsistência, de baixa renda, fami-liar e agronegócio. Ou seja, determinamos por força de mercado que os agricultores pertencentes ao agronegócio detêm uma exper-tise produtiva baseada no investimento, enquanto “outras formas de agricultura”, que ficam à margem dos investimentos, possuem outra; como se as duas não fossem agricultura e os dois não fos-sem agricultores. Diante desse impasse, perdemos um tempo valio-so para estabelecer diretrizes de igualdade e consequentemente de fraternidade na agricultura. Um caminho de conciliação para esse impasse sobre a extinção dos conhecimentos tradicionais pode ser a agroecologia:

[...] diferentemente da forma de difusão empregada na agricultura convencional, promovida por meio de “pacotes tecnológicos”, o conhecimento agroecológico se expande por meio da socialização e da troca de saberes entre as comunidades, e se estabelece de forma participativa (CA-PORAL; COSTABEBER, 2004 apud SAMBUICHI, 2012, p. 13).

A participação de grupos sociais ligados a agricultura, agri-cultores, extensionistas, pesquisadores, entre outros, nessa difusão se dá, segundo os mesmos autores, por meio de redes locais de ino-vação conhecidas como redes de agroecologia, nas quais a priori não se “[...] busca a padronização de técnicas, mas desenvolve-se o conceito de transição agroecológica, que consiste no processo de mudança e adequação gradual das práticas agrícolas na busca por um sistema mais sustentável” (COSTABEBER; MOYANO, 2000 apud SAMBUICHI, 2012, p. 14).

Nessa mesma linha de pensamento, quando se analisam os problemas ambientais relacionados à produção agrícola, tem-se uma divisão entre estudos acadêmicos prós e contras o meio atual de produção agrícola. Assim sendo, seria importante que a acade-mia, o governo e a sociedade adotassem uma posição em que as consequências dessa ou de outra forma de produção agrícola sejam esclarecidas e surjam regras importantes que privilegiem o desen-volvimento rural e a sustentabilidade. Nesse sentido, a agroecologia também poderia ser um poderoso instrumento harmonizador entre

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ciência, governo e sociedade, pois suas práticas fundamentam-se na valorização da diversidade cultural e biológica, ou seja, integram o homem com a natureza valorizando o conhecimento tradicional e as técnicas de produção agrícola das populações locais, resgatando a cultura rural sem deixar de lado o desenvolvimento científico.

3. PRODUÇÃO AGRÍCOLA: A QUESTÃO DA SUSTEN-TABILIDADE E DO ESVAZIAMENTO RURAL

Quando se analisam os avanços tecnológicos voltados para a produção agrícola, ou as chamadas revoluções agrícolas, a certeza que se tem é de que, não fosse por elas, a teoria malthusiana poderia ter se confirmado ou estaria prestes a se confirmar; ou seja, quando se analisam essas mudanças pelo lado da demanda por alimentos, deve-se agradecer pelos avanços tecnológicos e saber que eles fo-ram fundamentais para que a oferta de alimentos fosse capaz de atender grande parte da população.

Para se compreender a teoria malthusiana, é necessário en-tender dois postulados:

Primeiro: que o alimento é necessário à existência do ho-mem. Segundo: que a paixão entre os sexos é necessária e permanecerá aproximadamente em seu presente estado. Uma vez aceitos os postulados como razoáveis, Malthus supôs que a capacidade de crescimento da população é in-definidamente superior à capacidade da terra de produzir os meios de subsistência necessários (GENNARI, 2009, p. 2).

Além disso, sobre o princípio da população, Malthus (1982 apud GENNARI, 2009, p. 2) apresenta a seguinte ideia:

[...] a população, quando não obstaculizada, aumenta a uma razão geométrica. Os meios de subsistência aumen-tam apenas a uma razão aritmética. Uma ligeira familia-ridade com números mostrará a imensidade da primeira capacidade comparativamente à segunda.

Sendo assim, por mais que esses avanços sejam impulsio-nados pelo capitalismo, não se pode confundi-los com o próprio sistema, pois a sociedade, por meio das políticas públicas deveria ter fiscalizado o acesso, o desenvolvimento dos agricultores e os

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impactos ambientais causados pelos avanços e, dessa forma, regu-lamentá-los. Em meio a justificativas de produtividade e segurança alimentar, existem estudos que facilmente comprovam que a atual forma de produção agrícola, baseada na Revolução Verde, como dito anteriormente, pode atender a demanda por alimentos, com-modities e principalmente contribuir para a preservação ambien-tal. Por outro lado, há quem defenda uma agricultura baseada em conhecimentos tradicionais que se valha de um agroecossistema complexo, dinâmico e aberto diminuindo ou anulando o uso de in-sumos químicos e tornando a natureza capaz de se autorregular por meio da interação entre os seres vivos que compõem o ecossistema como um todo (nesse sentido, o uso dos serviços ambientais é um importante aliado do produtor) e que seja tão ou mais eficiente que a agricultura regida pela Revolução Verde.

Segundo Cunha e Holanda (2003, p. 3):[...] um agroecossistema é um sistema aberto, interagindo com a natureza e com a sociedade, através do desenvolvi-mento de um sistema alimentar sustentável, que trabalha a eficiência do processo de conversão de recursos naturais no alimento presente na mesa das pessoas.

Voltando ao contexto histórico citado no início do artigo, a formação econômica do Brasil, que favoreceu a agroindústria e principalmente a monocultura latifundiária, influenciou também a heterogeneidade dos produtores, sua forma de produção e princi-palmente sua posição cultural e econômica com relação ao espaço rural brasileiro e sua utilização. Tal formação econômica potencia-lizada pelo modelo capitalista de produção agrícola, com interven-ções limitadas e quase sempre direcionadas a grupos de interesse resultou em um enorme contraste entre a classe de produtores agrí-colas. O quadro a seguir evidencia as diferentes características dos produtores rurais existentes no Brasil.

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Quadro 1. Características dos produtores rurais

NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS

AGRÍCOLASCARACTERÍSTICA DOS AGRICULTORES

1,1 milhão

Esses agricultores são grandes e consideram suas propriedades grandes empresas. Especializaram-se na produção de commodities e produtos para exportação. Com essas mesmas características, existem empresas e cooperativas agropecuárias e agroindustriais.

1,4 milhão

Nessas características enquadram-se os agricultores familiares mais capitalizados e estruturados. Tais agricultores participam na produção de commodities e também no mercado interno.

850 mil

A agricultura praticada nesses estabelecimentos tem pouco acesso aos mercados e é praticada por agricultores de base familiar com pouca assistência técnica, capacitação e capital.

1,9 milhão

Nesse caso, a agricultura também é de base familiar1, porém não participa do mercado e produz para subsistência e autoconsumo. A renda desses produtores é muito baixa sendo dependentes de projetos sociais de distribuição de renda.

Fonte: adaptado de Zuin e Queiroz (2006).

Com relação a esse contraste que envolve nosso Brasil rural, a boa notícia é que, influenciados por tal diversidade, surgem novos eventos na sociedade que impactam e transformam o contexto rural, dando novos rumos e caminhos para seu desenvolvimento. Nesse contexto, surgem novas demandas pelo e para o espaço rural, as quais dão condições para que os pequenos produtores sobrevivam em suas propriedades com dig-nidade e principalmente com perspectivas futuras, bem como redefinam o espaço rural e seu significado para a sociedade como um todo.

A má notícia é que esse modelo de modernização não pro-moveu o desenvolvimento inclusivo e justo, basta observar o qua-dro para notar a discrepância da distribuição fundiária e o número de agricultores excluídos do sistema. De acordo com Silva (1982), esse modelo tecnológico de produção agrícola, que tem como ca-racterística o uso intenso do capital, deixou fora do processo de

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crescimento “[...] 88,6% dos estabelecimentos agrícolas brasileiros por serem considerados de baixa produtividade e lucratividade e incapazes de competir no mercado” (IPEA, 2017, p. 13).

Baudel Wanderley (2001, [n.p.]) afirma que “[...] um meio rural dinâmico supõe a existência de uma população que faça dele um lugar de vida e de trabalho e não apenas um campo de investi-mento ou uma reserva de valor”.

Nesse sentido, pode-se observar que, quanto maior a simpli-ficação do agroecossistema – causado pela monocultura – menor será seu dinamismo, ocasionando assim o esvaziamento do espaço rural. Dessa forma, o esvaziamento dos espaços rurais geralmente está ligado à forma de produção rural que, por sua vez, também pode determinar a continuidade de determinada cultura rural regio-nal. Observe, por exemplo, a utilização de sementes modificadas.

O uso dessa tecnologia tornou os produtores dependentes de um sistema que só funciona se seus componentes forem fidedigna-mente utilizados, ou seja, sementes modificadas, máquinas apro-priadas para o plantio, venenos específicos para proteção das se-mentes e posteriormente das plantas. Enfim, usa-se uma tecnologia como se ela fosse adequada a todos produtores existentes no país, desconsiderando assim a heterogeneidade entre eles. Sobre esse es-vaziamento causado pelo predomínio da agricultura latifundiária, Baudel Wanderley (2001, p. 36, destaques do autor) afirma que:

No Brasil, os espaços vazios são, antes de mais nada, a consequência direta da predominância da grande proprie-dade patronal. Para perceber a significação deste proces-so basta considerar a dimensão das áreas “improdutivas”, associada à quantidade de trabalhadores agrícolas, antes residentes nas grandes fazendas, que foram expulsos do campo nas últimas décadas. [...] Na maioria dos países con-siderados de capitalismo avançado, isto vem acontecendo onde a população rural, particularmente a sua parcela que é vinculada à atividade agrícola, tem a constituição ou a reprodução do seu patrimônio ameaçado e onde as condi-ções de vida dos que vivem no campo, sejam ou não agri-cultores, não asseguram a “paridade” socioeconômica em relação à população urbana, ou, pelo menos a redução da distância social entre os cidadãos rurais e urbanos.

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Se por um lado a simplificação dos agroecossistemas causa um esvaziamento no espaço rural do país, a utilização de sistemas complexos de produção agrícola pode ocasionar a dinamização téc-nico-econômica e também sociocultural desse espaço. Basta pensar em como os estudos sobre o desenvolvimento rural mostram o di-namismo do agricultor familiar e sua persistência para sobreviver em um sistema econômico que valoriza a produção rural em escala.

A sobrevivência desse agricultor descapitalizado se dá em condições de exploração mesmo antes de o Brasil deixar de ser o país do complexo rural para ser o do complexo agroindustrial, porém se intensifica nesta segunda etapa. Mesmo em condições de exploração, tal agricultor é capaz de reinventar suas atividades se tornando pluriativo e, ao mesmo tempo, sendo guardião de culturas regionais valiosíssimas, como a disseminação do plantio com se-mentes crioulas e a diversificação da ocupação dos espaços rurais, o que é fundamental para o desenvolvimento rural do país. Ainda sobre essas famílias agrícolas, Baudel Wanderley (2001, p. 37, des-taques do autor) relata que:

Estas famílias, pluriativas ou não, são depositárias de uma cultura, cuja reprodução é necessária para a dinami-zação técnico-econômica, ambiental e sociocultural do meio rural. Da mesma forma, o “lugar” da família, isto é, o patrimônio fundiário familiar constitui um elemento de referência e de convergência, mesmo quando a família é pluriativa e seus membros vivem em locais diferentes. Daí, a importância do patrimônio fundiário familiar e das estratégias para constituí-lo e reproduzi-lo, sobretudo em um processo que valorize a identidade territorial.

Sendo assim, cada estabelecimento agrícola formado pelos agricultores em questão define suas estratégias de povoação, gera-ção de renda e produção agrícola em função do núcleo familiar, que por sua vez é influenciado pelo contexto histórico e cultural ao qual pertence. Portanto, a tecnologia e os padrões atuais de produção agrícola não podem ser impostos a esses produtores sem que sejam considerados seus hábitos, conhecimentos, crenças e cultura.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com Baggio (2009), a fraternidade, em seu con-texto político contemporâneo, a partir da Revolução Francesa de 1789, encara as relações entre as pessoas como sendo recíproca e leal. Incorporando essa análise no contexto agrícola, tem-se que o pequeno agricultor não se faz de desvalido nem o é e, ao mesmo tempo, o grande produtor não é um vilão que deva ser punido; cada qual tem sua função e sua importância para o Brasil e para o desen-volvimento rural. Nesse sentido, a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente ganham com a união dessas duas forças agrícolas e sociais.

Portanto, acrescentar os princípios da agroecologia como uma técnica científica de eficácia e eficiência comprovadas nas discussões sobre o meio rural pode fundamentar a ideia de uma comunidade rural universal, ou seja, de comunidades diferentes fa-zendo parte de uma comunidade maior, na qual os povos vivam em paz entre si considerando o meio ambiente como meio fundamental e fonte de vida.

Nesse sentido, a agroecologia pode abrir um espaço fraternal para o debate rural no qual não se cabe o jugo, mas sim o respeito e a liberdade das identidades dos agricultores, reconhecendo a im-portância e a singularidade de cada um; e no qual se considera a natureza, que é não só fonte de vida, mas também necessária para a sobrevivência humana, como a base para o desenvolvimento de leis e políticas públicas para a agricultura. Sendo assim, se a agricultura e o desenvolvimento rural forem vividos e debatidos fraternalmen-te, a liberdade, seja ela qual for (financeira, produtiva, cultural), não será privilégio de alguns e, consequentemente, a igualdade não irá se converter em igualitarismo opressor, nem a produção agrícola em exploração ambiental e humana.

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A consciência individual da responsabilidade social está na base do desenvolvimento sustentável

Elvisney Aparecido ALVES1

Resumo: O presente artigo é um ensaio que articula a defesa da liberdade individual com os conceitos do desenvolvimento sustentável e da sustentabilidade, na perspectiva do avanço desses novos paradigmas na sociedade humana. Com base na abordagem qualitativa, de investigação explicativa, o trabalho busca apoio em pesquisa bibliográfica publicada em redes eletrônicas. Mesmo destacando o papel central da liberdade econômica enquanto fonte do interesse econômico dos agentes, considera-se que a liberdade individual deve ser a expressão maior da vontade humana nas diversas esferas do interesse pessoal, além das amarras do mercado. Embora o sistema capitalista seja aparentemente contraditório com a visão do desenvolvimento sustentável, a condição humana requer uma nova base transformadora que valorize a sustentabilidade e a realização dos potenciais humanos, garantindo um desenvolvimento que não seja apenas econômico. Nessa direção, a consciência individual da responsabilidade social é requerida para suportar uma nova direção nas ações empresariais, de forma sustentável.

Palavras-chave: Liberdade Individual. Responsabilidade Social. Sustentabilidade.

1Elvisney Aparecido Alves. Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em Administração pelo Centro Universitário Municipal de Franca (Uni-FACEF). Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Campinas (UNICAMP). Bacharel em Administração pelo Claretiano – Centro Universitário. Professor e coordenador de curso na área de Gestão e de tecnólogos no Claretiano – Centro Universitário. Professor titular no curso de Ciências Econômicas no Centro Universitário Municipal de Franca (Uni-FACEF). E-mail: <[email protected]>.

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The individual awareness of social responsibility is at the heart of sustainable development

Elvisney Aparecido ALVES

Abstract: This article is an essay that articulates the defense of individual freedom with the concepts of sustainable development and sustainability, with a view to advancing these new paradigms in human society. Based on the qualitative approach, of explanatory research, the work seeks support in bibliographic research published in electronic networks. Even emphasizing the central role of economic freedom as a source of the economic interest of agents, it is considered that individual freedom must be the greatest expression of human will in the various spheres of personal interest, in addition to the bonds of the market. Although the capitalist system is apparently contradictory to the vision of sustainable development, the human condition requires a new transforming base that values the sustainability and realization of human potential, ensuring a development that is not only economic. In this direction, individual awareness of social responsibility is required to sustain a new direction in business actions, in a sustainable way.

Keywords: Individual Freedom. Social Responsibility. Sustainability.

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1. INTRODUÇÃO

É possível observar que o processo de globalização das eco-nomias mundiais, ancorado em inovações tecnológicas e na dinâ-mica dos mercados, está produzindo uma verdadeira revolução nos aspectos mais diversos da vida social, cultural, econômica e políti-ca dos seres humanos. A ideologia econômica dominante reconduz ao ideal do liberalismo clássico do Estado mínimo, valorizando a liberdade econômica dos indivíduos, porque o modelo de acumula-ção de capital garantido pelas políticas do deficit público tem seus limites e acabou se esgotando.

Paralelamente, na busca por um caminho alternativo de so-lução para os conflitos socioeconômicos, o fortalecimento da de-mocracia e de suas instituições civis está favorecendo o aprofun-damento do exercício responsável da cidadania, o qual acaba por impulsionar novas exigências às mentalidades individual e empre-sarial. Do ponto de vista individual, a ação politicamente correta, cada vez mais, vai integrando nosso comportamento. Do ponto de vista empresarial, surge a noção que distingue as organizações pro-dutivas em dois grupos: a empresa tradicional e a empresa-cidadã.

Novos valores sociais vão sendo incorporados aos modelos de gestão empresarial e algumas empresas passam a assumir es-pontaneamente compromissos socialmente responsáveis perante a comunidade onde atuam. Algumas empresas se apercebem desse novo padrão de comportamento social, outras não. Num futuro não muito distante, as empresas que souberem lidar melhor com o trato de suas responsabilidades sociais terão maiores chances de suces-so. Isso já acontece nos países desenvolvidos, onde empresas são cobradas por suas ações, e começa a se manifestar em nosso país, a despeito dos escândalos empresariais em meio à Operação Lava--Jato.

A responsabilidade social da empresa é um conceito que re-monta ao final do século XIX, tendo sido firmada somente do início da década de 1950 do século XX nos EUA, e aqui chegou no final da década de 1970 do mesmo século. Porém, somente na década de 1990 percebemos um crescente desenvolvimento e preocupação da

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atuação empresarial nacional nesse sentido, o que coincide com a etapa de domínio do neoliberalismo econômico. Conforme critério estabelecido no ano de 1998, pelo Conselho Empresarial para o De-senvolvimento Sustentável (WBCSD), na Holanda, a responsabili-dade social corporativa é definida como: “[...] o comprometimento permanente dos empresários com comportamentos éticos e com o desenvolvimento econômico. A saber: melhorar a qualidade de vida dos empregados e de suas famílias, bem como da comunidade local e da sociedade como um todo” (SROUR, 2000, p. 198).

Uma empresa socialmente responsável, portanto, uma em-presa-cidadã, assume espontaneamente uma nova mentalidade que vai muito além do mero objetivo único pelo lucro particular. Não significa dizer que o interesse pelo lucro tenha sido abandonado, contudo outros valores sociais passam a incorporar as estratégias e as ações empresariais. Mas, é mister que se registre, os empre-sários que conduzem as empresas precisam adotar posturas éticas e comprometidas com o desenvolvimento econômico que se dê, obviamente, de forma sustentável.

Isso implica perceber que, aos poucos, está se manifestando em nosso país uma nova postura dos agentes econômicos que, além de maiores níveis de exigência de qualidade quanto ao produto con-sumido, passarão a buscar também agregação de mais valor social por parte da empresa produtora. Pensar numa posição socialmente mais responsável é uma contribuição cidadã inestimável que pode e deve ser fomentada junto à consciência das pessoas e das práticas das organizações empresariais em qualquer comunidade, visando ao ideal do desenvolvimento sustentável.

2. A LIBERDADE INDIVIDUAL É UM FATOR RELEVANTE

É prudente inicialmente fazer uma abordagem crítica quanto à aplicação restrita do liberalismo econômico. Entende-se aqui por liberalismo os ideais econômicos que defendem um Estado não in-terventor nas relações de produção, ou seja, um Estado voltado a preocupar-se apenas com as questões mais básicas dos serviços pú-blicos: educação, saúde e segurança (física e patrimonial). Mesmo

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para Keynes, que defendeu uma participação mais ativa do Estado na economia, suprindo a falta de demanda efetiva via deficit públi-co, parte dessa visão ainda se aplica, pois, segundo suas palavras, “Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao Estado assumir” (KEYNES, 1985, p. 256). Claro, as políticas keynesianas destoam da visão liberal, na medida em que políticas fiscais avan-çam sobre a independência do mercado.

Também é prudente explicitar que, segundo Paulani (1999), há duas diferenças básicas entre o neoliberalismo e o liberalismo original: a primeira é que aquele não representa uma doutrina so-cial, mas apenas um receituário de política econômica; a segunda é que o neoliberalismo exige “[...] uma profissão de fé nas virtudes do capitalismo e da livre concorrência”, a partir da visão de mun-do que restou (PAULANI, 1999, p. 121). Portanto, a despeito do forte domínio neoliberal, é preciso reconsiderar algumas das ideias econômicas liberais para destacar a importância do papel dos indi-víduos na sociedade.

Na visão de Smith (1985), a organização da sociedade huma-na tem sua essencialidade nas relações de troca em que o jogo de interesses dos participantes envolvidos (produtores de excedentes) não reserva espaço para a boa vontade, complacência ou caridade entre os homens. Essa visão individualista da sobrevivência huma-na em sociedade é o centro da visão economicista smithiana e dela decorrerão suas conclusões acerca da prosperidade social, o que pode ser observado nas suas palavras: “Ele [o homem] terá maior probabilidade de obter o que quer, se conseguir interessar a seu fa-vor a auto-estima dos outros, mostrando-lhes que é vantajoso para eles fazer-lhe ou dar-lhe aquilo de que ele precisa” (SMITH, 1985, p. 50).

Na verdade, é o respeito apenas ao próprio interesse que ga-rante a cooperação mútua entre os homens, e é justamente esse princípio que garantirá à sociedade o seu bem-estar. Dessa forma, podemos perceber que é no individualismo humano que está calca-do o seu maior valor teórico, especificamente na área do interesse econômico. Podemos perceber que a ideia ligada à palavra “au-toestima”, citada acima, está profundamente envolta pelo respeito

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exclusivo ao interesse econômico individual, muito diferente da co-notação mais abrangente que hoje utilizamos para ela e que ganha contornos além do mero vínculo econômico. Afinal, o individualis-mo humano é uma realidade.

Deslocando o foco para contribuições adicionais, podemos considerar o austríaco Hayek como sendo o grande mentor inte-lectual dos valores econômicos neoliberais modernos. Fervoroso defensor do individualismo, enquanto concepção de expressão má-xima do respeito à liberdade do ser humano, reconhece nele a única possibilidade de manifestação da “[...]supremacia de suas prefe-rências e opiniões”, ainda que, “por mais limitada que esta possa ser”, seja preferível ao autoritarismo advindo de uma força externa à própria vontade do indivíduo. Na sua visão, “tolerância” seria a palavra que melhor exprime o verdadeiro significado da liberdade, num mundo de ideologia capitalista (HAYEK, 1990, p. 40-41).

Na esfera da liberdade humana, das liberdades individuais, a liberdade econômica é a chave mestra e a doutrina liberal a sua essência lógica. Ao defender a liberdade econômica e a livre-con-corrência, as forças invisíveis do mercado estariam coordenando da melhor e única forma possível os esforços humanos sem a ne-cessidade de um “controle social consciente”, que certamente se-ria prejudicial à eficiência da estrutura socioeconômica. Isso não significa defender um liberalismo pronto e acabado na sua forma de implantação positiva na sociedade, mas, ao contrário, deixar as “forças espontâneas da sociedade” encontrarem seu próprio cami-nho (HAYEK, 1990, p. 43).

Na medida em que a atividade econômica envolve uma das facetas mais significativas do interesse da vida humana, garantir--lhe a liberdade econômica é a própria garantia para a consecução de outros objetivos da existência individual. Será preciso reconhe-cer que, embora fundamentais, os interesses econômicos são mani-festações concretas de outras finalidades diversas não especificadas que o desejo humano pretende obter para garantir as satisfações pessoais.

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O interesse econômico é a forma aparente da manifestação de inúmeros outros desejos que pretendemos satisfazer. Nas palavras do próprio Hayek (1990, p. 99, destaques do autor):

Os objetivos últimos da atividade dos seres racionais nun-ca são econômicos. Rigorosamente falando, não existe ‘interesse econômico’, mas apenas fatores econômicos que condicionam nossos esforços pela obtenção de outros fins.

Controlar a liberdade econômica das pessoas é, portanto, o mesmo que controlar e limitar os seus desejos sem a sua permis-são. Significaria retirar do indivíduo a liberdade de escolha pessoal para poder desfrutar do resultado dos seus esforços, o que somente poderia garantir um sistema ineficiente de incentivo à dedicação produtiva do homem.

Como somente ao próprio indivíduo cabe a decisão para dis-por de sua renda e posses econômicas, é inaceitável qualquer tipo de restrição individual ao uso daquela renda ou riqueza particular. Somente num regime de livre concorrência as pessoas poderiam utilizar o seu direito à liberdade de escolha, o que é o mesmo que dizer que a liberdade econômica é pré-requisito do exercício das demais liberdades humanas. Mais que isso, é o único meio razoável de ponderação das possíveis perdas sofridas pelos agentes econô-micos, nas palavras de seu autor:

Enquanto pudermos dispor, sem restrições, dos nossos rendimentos e de todos os nossos bens, uma perda eco-nômica só nos privará daquilo que consideramos o menos importante dos desejos que teríamos condições de satis-fazer. Uma perda “meramente” econômica é, pois, uma perda cujo efeito podemos fazer recair sobre nossas ne-cessidades menos importantes (HAYEK, 1990, p. 99-100, destaques do autor).

Ora, um sistema econômico de concorrência competitiva é justamente aquele que melhor se ajusta aos benefícios sociais ad-vindos dessa liberdade requerida: “[...] deve ser a liberdade de ação econômica que, junto com o direito de escolher, também acarre-ta inevitavelmente os riscos e a responsabilidade inerentes a esse direito” (HAYEK, 1990, p. 107). Ou seja, o caminho social a ser

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seguido passa pela liberdade econômica dos agentes – empresas e consumidores – e suas escolhas.

Embora reconheça que, mesmo num regime de mercado concorrencial, as oportunidades beneficiarão mais aqueles que dis-põem de melhor condição de riqueza material, em prejuízo relati-vo daquelas pessoas menos privilegiadas economicamente, o autor ainda assim considera de fundamental importância a existência da liberdade econômica que irá propiciar uma vida social mais sau-dável para todos e a busca de oportunidades possíveis de serem vivenciadas. Nas palavras de Hayek (1990, p. 110):

No regime de concorrência, as probabilidades de um ho-mem pobre conquistar grande fortuna são muito menores que as daquele que herdou sua riqueza. Nele, porém, tal coisa é possível, visto ser o sistema de concorrência o úni-co em que o enriquecimento depende exclusivamente do indivíduo e não dos poderosos, e em que ninguém pode impedir que alguém tente alcançar esse resultado.

Isso significa reconhecer que, no sistema socioeconômico de organização capitalista, a capacidade de viabilizar oportunidades só poderá ser aproveitada em função do mérito dos esforços individu-ais e, no caso de perda, a partir da escolha das próprias pessoas de absorverem as menores perdas em que tiverem que incorrer. Enfim, reconhecer que o “[...] sistema de propriedade privada é a mais im-portante garantia da liberdade, não só para os proprietários, mas também para os que não o são” (HAYEK, 1990, p. 111).

Uma vez que a sociedade moderna é de enorme complexida-de, nos diversos campos de estudos sociais, caberá ao ajustamen-to do próprio indivíduo buscar adaptação necessária às mudanças ocorridas na sociedade e cuja “[...] natureza ele não pode compre-ender”. Esse entendimento do autor objetiva esvaziar as justifica-tivas de haver um “objetivo único” possível a ser imposto a toda a sociedade, proposta social dos defensores do coletivismo. Me-lhor seria então deixar o indivíduo adaptar-se às necessidades do mercado pelas vias do livre ajustamento salarial, bem porque, na sua opinião, o progresso econômico obtido se fez mediante gran-des esforços para “[...] ascender continuamente por mais baixo que tenhamos de começar”. Mais que isso, “[...] só conseguiremos ven-

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cer um período difícil como homens livres e capazes de escolher seu modo de vida se cada um de nós estiver pronto a obedecer às injunções desse ajustamento” (HAYEK, 1990, p. 190). Fica claro que, na opinião do autor, não existe valor maior que a liberdade individual manifestada no espaço de mercado, não justificando a implementação de falsos ideais coletivistas que somente tenderiam ao favorecimento da criação de um Estado autoritário, de um Esta-do interventor, em detrimento do espírito capitalista.

Bresser-Pereira (2009) chama nossa atenção para o fato de que as ideias do grupo formado nos anos de 1950, em Mont Pelerin, sob a liderança de Hayek juntamente com Karl Popper, Ludwig von Mises e Milton Friedman, estão na origem do neoliberalismo, mas não é o próprio neoliberalismo, pois o foco em debate desses inte-lectuais era a oposição contra o comunismo, contra o socialismo e seu planejamento estatal da atividade econômica. Apenas nos anos de 1980, essa nova e radical ideologia chamada de neoliberalismo toma formato e passa a defender o Estado “mínimo”: Estado não produtor; desmonte da ação social do Estado; Estado não indutor das estratégias de desenvolvimento; e desregulação dos mercados (Estado não regulador).

Na opinião do autor, não faz sentido opor Estado e mercado porque são duas instituições “[...] estruturalmente complementares nas sociedades modernas” (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 7). Mas ele chama a atenção para o fato de que “[...] essa instituição ma-ravilhosa que é o mercado é imperfeita. Muito imperfeita, porque cega aos valores políticos e humanos fundamentais – à liberdade, à justiça, à proteção do ambiente. E cega mesmo à eficiência eco-nômica que a justifica” (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 14). Por fim, ressalta a liberdade dos indivíduos num contexto mais amplo, dizendo: “Ainda que preocupados com seus próprios interesses, os cidadãos são livres quando, além disso, se revelam capazes de re-gular a sociedade e a economia, organizar o bem comum, construir sua nação e seu Estado; em síntese, mudar para melhor seu destino” (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 11).

Em síntese, quero chamar a atenção neste tópico para o fato fundamental de que a liberdade individual importa e a partir dela

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decorrem as ações econômicas empresariais colocadas em prática no espaço dos mercados. Não há como impedir a ação econômi-ca individual, sem tolher boa parte da liberdade dos indivíduos, o que significa que a sociedade precisa reconhecer as limitações do mercado, aceitar correr os riscos inerentes a essa escolha e ir fazen-do correções (regulamentações), na medida em que paralelamente valorizamos a ação democrática dos indivíduos e construímos um Estado-Nação mais consciente de seus valores fundamentais.

3. A SUSTENTABILIDADE PRECISA SER UM VALOR HUMANO

A ideia geral do que é desenvolvimento sustentável parece ser relativamente de fácil compreensão para todos nós, mas o problema reside na forma de apropriação individual desse ideal por influência dos grupos sociais de interesse econômico aos quais pertencemos. Isso acontece pela simples razão de que o interesse econômico in-dividual tem dimensões multifacetadas em suas práticas cotidianas, coexistindo dentro de uma realidade contraditória por sua natureza capitalista, e que dificulta o consenso social em prol do equilíbrio entre a exploração econômica e o meio ambiente.

Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável são con-ceitos mal compreendidos e tratados como sinônimos, segundo a abordagem de Sartori, Latrônico e Campos (2014), que, após ampla revisão da literatura nos artigos restritos ao Portal CAPES, conclu-íram que se trata de um campo ainda emergente, caracterizado em diversas áreas por enorme variedade de assuntos, com diferentes enquadramentos. Segundo os autores, trata-se de um longo proces-so histórico de tomada de consciência conjunta dos problemas am-bientais, de crises econômicas e das desigualdades sociais.

Para os autores, há duas visões contrapostas sobre a essência dos termos sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. Basea-dos em Dovers e Handmer (1992 apud SARTORI, LATRÔNICO; CAMPOS, 2014), a primeira visão entende sustentabilidade como um sistema capaz de resistir e se adaptar às mudanças endógenas ou exógenas, sendo o desenvolvimento sustentável uma mudança

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intencional para melhoria dos atributos do próprio sistema. Portan-to, “[...] DS [desenvolvimento sustentável] é o caminho para se al-cançar a sustentabilidade” (SARTORI; LATRÔNICO; CAMPOS, 2014, p. 1). Por sua vez, a segunda visão, baseada em Elkington (1994 apud SARTORI; LATRÔNICO; CAMPOS, 2014), define que a sustentabilidade – equilíbrio entre os pilares ambiental, eco-nômico e social (o Triple Bottom Line) – é o processo para se atin-gir o desenvolvimento sustentável.

Em sua conclusão, os autores caracterizam “[...] sustentabi-lidade como um princípio aplicável a sistemas” (SARTORI; LA-TRÔNICO; CAMPOS, 2014, p. 10) que são abertos e em que in-teragem sociedade e natureza de forma dinâmica, com mudanças constantes, envolvendo sistemas industriais, sistemas sociais e sis-temas naturais, e que necessitam de medidas proativas. Logo, en-quanto sistema, a sustentabilidade depende de agentes conscientes.

Por sua vez, Romeiro (2012) oferece uma definição de de-senvolvimento sustentável, na perspectiva econômico-ecológica, que parte da ideia geral de que o desenvolvimento deve ser eco-nomicamente eficiente, socialmente inclusivo e ecologicamente equilibrado para ser sustentável. Na essência, o autor indica que essa visão defende a ideia que trata o desenvolvimento sustentável como um processo de melhoria do bem-estar humano, garantindo conforto adequado em “[...] nível compatível com os limites termo-dinâmicos do planeta” (ROMEIRO, 2012, p. 84). Conclui ainda, na esteira de um Estado Estacionário, que o crescimento do consumo deve ceder lugar ao crescimento cultural, psicológico e espiritual, num “[...] processo de desenvolvimento como liberdade, tal como o define Sen (1999), de melhora permanente das condições neces-sárias para a realização plena da ‘capacidade que as pessoas têm de florescer’” (ROMEIRO, 2012, p. 85). O que indica ser preciso considerar o desenvolvimento das pessoas em todas as suas facetas, além do mero interesse econômico.

Por fim, cabe espaço para o ensaio de uma dura crítica ao conceito de desenvolvimento sustentável, segundo Vizeu, Mene-ghetti e Seifert (2012), pois se trata de uma falsa noção que busca conciliar capitalismo e exploração do meio ambiente, contraditória

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por sua própria natureza. Na essência, o conceito surge em decor-rência da intensificação do processo de exploração econômica que causa a destruição da natureza, a fragilidade política resulta de uma tentativa de amenizar os males de um sistema que leva à aliena-ção. É um conceito que se apresenta dissociado da sua construção histórica, e se torna uma ideia automática, instrumentalizadora dos interesses do sistema capitalista, mascarando as contradições da relação dialética entre “destruição/sustentabilidade” (VIZEU; ME-NEGHETTI; SEIFERT, 2012, p. 580).

Os autores reforçam ainda que a racionalidade presente no conceito de desenvolvimento sustentável é baseada num pragmatis-mo de foco utilitarista, cujo discurso é útil e necessário para legiti-mar as práticas empresariais e intelectuais, a serviço dos interesses das elites econômicas que dominam o sistema baseado em capital. Portanto, é uma concepção que desconsidera sua relação com os fatos reais e a condição social-histórica da qual ela resultou, e se apresenta também como parte de uma ideologia, sendo claramente contraditório com a ideia da sustentabilidade ao se apresentar como “verdade salvadora” (VIZEU; MENEGHETTI; SEIFERT, 2012, p. 581), fruto do conhecimento científico das ciências tradicionais. Por fim, é importante registrar a percepção dos autores de que a sustentabilidade, como conhecimento emancipado do indivíduo e da coletividade, requer uma “[...] práxis transformadora, em que a condição humana seja o fim em si mesma” (VIZEU; MENEGHET-TI; SEIFERT, 2012, p. 581), livre dos interesses econômicos que estão nas mãos de poucos.

É possível sintetizar neste tópico que o avanço do desenvolvi-mento sustentável favorece a sustentabilidade do sistema planetário como um todo. Contudo, tal avanço aparenta ser contraditório, pois o sistema capitalista domina a ação humana nas várias direções de seu interesse. A condição humana, em seu caráter abrangente, se acha subordinada ao interesse econômico e, portanto, acaba limi-tando o desenvolvimento mais amplo dos demais interesses das pessoas.

Nessa perspectiva, enquanto defesa do meio ambiente e das futuras gerações, a sustentabilidade precisa tornar-se um va-

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lor consciente dos seres humanos para fazer frente aos interesses momentâneos e imediatistas do consumo presente. A liberdade dos indivíduos necessita estar embasada por uma consciência de res-ponsabilidade ambiental, de tal sorte que reconheça a primazia da sobrevivência da condição humana acima dos interesses econômi-cos, viabilizando a subordinação das ações empresariais ao inte-resse maior de proteção do meio ambiente e da realização dos seus cidadãos. Indivíduos conscientes do valor inestimável da sustenta-bilidade agirão de forma socialmente mais responsável na condu-ção dos negócios empresariais.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É inegável a importância do interesse econômico aos seres humanos, na medida em que a organização da produção de bens e serviços para satisfazer as necessidades está no centro de nossas atenções. Observando a primazia do interesse econômico, e mesmo considerando que a liberdade econômica embasa a própria liberda-de humana, essa hierarquia acaba limitando o desenvolvimento das potencialidades humanas, em suas variadas dimensões de atuação, visto que a ação econômica individual ocupa grande parte de nos-sas intenções.

A defesa do desenvolvimento sustentável é uma ideia mais do que razoável, porém sua consecução se acha obscurecida pela complexidade do próprio conceito aos indivíduos e mais ainda por-que sua prática não encontra base tecnologicamente conhecida que seja compatível com o modo de produção capitalista. Ademais, o caminho da sustentabilidade precisa ser descoberto num processo de conscientização dos próprios indivíduos da sociedade.

A liberdade individual deve sempre ser respeitada. Logo, a conquista do desenvolvimento sustentável e da própria sustenta-bilidade carece do predomínio de uma consciência social respon-sável mais predominante. Ainda que avance a percepção da ação individual politicamente correta e as práticas organizacionais sejam incrementadas na direção da responsabilidade social empresarial, o comportamento social em defesa da sustentabilidade necessita de

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uma consciência individual mais esclarecida e abrangente dentro da sociedade dos homens.

Em essência, o que está em jogo é o próprio papel da liberda-de individual em prol da condição humana, não apenas na defesa da vida sustentável, mas que também viabilize as realizações pessoais na direção de todas as potencialidades individuais, no pleno exer-cício de suas escolhas verdadeiramente livres. Com o predomínio da consciência individual sobre suas responsabilidades sociais, em especial compreendendo a sustentabilidade como um valor social compartilhado, a ação econômica empresarial tende a considerar de forma mais eficaz a defesa do meio ambiente.

REFERÊNCIAS

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A avaliação de desempenho como prática pedagógica de aprendizagem na gestão de pessoas no contexto empresarial

Joana Gaviglia Barbosa GUIDASTRE1

Cristiane Regina TOZZO2

Resumo: Este trabalho tem por objetivo propor a incorporação de conceitos teórico-metodológicos e práticos da avaliação pedagógica/educacional aos processos de avaliação de desempenho realizados nos contextos empresariais, partindo da aplicação de instrumentos avaliativos dinâmicos e dialógicos. A intenção é promover uma avaliação comprometida com a aprendizagem e com a formação humana e integral do ser humano, em todas as suas dimensões, potencializando suas capacidades e desenvolvendo talentos. Isso é possível em organizações que adotam o modelo de gestão de pessoas, pois trabalham em favor do seu crescimento no mercado competitivo com base no investimento em seu principal recurso – o conhecimento –, construído, por sua vez, pelos seus colaboradores. Foram apresentados estudos sobre avaliação de desempenho e avaliação pedagógica/educacional, dando ênfase aos métodos mais contemporâneos. Em seguida, foi apresentada uma proposta de refinamento da avaliação de desempenho nas empresas, com sugestões de instrumentos de avaliação que correspondem à proposta deste trabalho.

Palavras-chave: Avaliação de Desempenho. Avaliação Pedagógica/Educacional. Aprendizagem. Gestão de Pessoas.

1 Joana Gaviglia Barbosa Guidastre. Especialista em Pedagogia Empresarial pelo Claretiano – Centro Univeristário. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: <[email protected]>.2 Cristiane Regina Tozzo. Mestra em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM – Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Especialista em Educação Especial pela Faculdade de Tecnologia, Ciências e Educação de Pirassununga (FATECE). Licenciada em Pedagogia pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). E-mail: <[email protected]>.

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Performance assessment as a pedagogical practice of learning for people management at corporate environments

Joana Gaviglia Barbosa GUIDASTRECristiane Regina TOZZO

Abstract: This paper proposes the incorporation of practical and theoretical-methodological concepts of pedagogical/educational assessment to processes of performance assessment carried out in corporate environments, using as a start pointing dynamic and dialogic instruments of evaluation. The objective is promoting assessments engaged in learning as well as in forming human beings, in a compassionate, integral manner, in all dimensions, potentializing capacities, and developing talents. This all-encompassing form is possible in organizations that adopt the model of people management because their work towards growth in a competitive market is based on investing in the leading resource built by their employees – knowledge. This paper first presents studies on performance assessment and pedagogical/educational assessment, with emphasis on the most recent methods. Next, the paper indicates a proposal of refining performance assessment in corporations, with suggestions of assessment instruments that correspond with the objective of this work.

Keywords: Performance Assessment. Pedagogical/Educational Assessment. Learning. People Management.

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1. INTRODUÇÃO

O foco desta pesquisa foi determinado pela significativa ade-são da aplicação de avaliação de desempenho por organizações, o que reflete a preocupação delas em investir em seu capital intelec-tual – as pessoas e seu conhecimento, hoje considerados os recur-sos mais importantes para o desenvolvimento de uma empresa. No entanto, nessa realidade empresarial, os processos de avaliação de desempenho são influenciados por métodos educacionais avaliati-vos extremamente tradicionais e descritivos, os quais visam detec-tar, em especial, comportamentos e lacunas que comprometem a produção, os lucros e o crescimento da empresa.

Tomando por base a concepção atual de avaliação educacio-nal, apresentando-a como uma ação de aprendizagem, que age em todas as dimensões humanas (cognitiva, social, profissional), este trabalho propõe o refinamento da avaliação de desempenho aplica-da aos contextos empresariais. A finalidade é utilizá-la efetivamen-te como uma prática pedagógica de aprendizagem e formação hu-mana, potencializando, assim, o atual modelo de gestão de pessoas nas organizações.

2. GESTÃO DE PESSOAS, GESTÃO DE CONHECIMEN-TO E AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO

Na atual perspectiva de Gestão de Pessoas e Gestão do Conhe-cimento, o funcionário passou a ser visto como colaborador, uma figura importante que representa o capital intelectual responsável pelo desenvolvimento das organizações. Por meio de um modelo de gestão participativa, os colaboradores fornecem de modo direto e compartilhado suas habilidades, competências e conhecimento, consideradas cada dia mais, dentro das empresas, como “[...] peça chave para criação de estratégias transformadoras” (SANTOS; FLORÊNCIO; OLIVEIRA, 2008, p. 3).

Para esse modelo de gestão ser colocado em prática, as em-presas têm aderido a processos de aprendizagem organizacional ou educação empresarial para potencializar talentos, desenvolver per-

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fis criativos, dinâmicos e novas lideranças. São aplicados treina-mentos, cursos de capacitação e a avaliação de desempenho, que é “[...] uma apreciação sistemática do desempenho de cada ocupante no cargo, bem como do seu potencial de desenvolvimento” (CHIA-VENATO, 2009, p. 113 apud SILVA, 2012, p. 75). Ela é um ins-trumento avaliativo, aplicado em geral na forma de questionários sobre produtividade e comportamento (SILVA, 2012), tendo por objetivo mensurar e comparar, de modo individual, a forma como o colaborador realiza seu trabalho, em razão dos resultados e das me-tas da empresa. A partir dessa análise, as empresas ofertam cursos e treinamentos, a fim de que as dificuldades sejam superadas e os pontos fortes sejam reforçados, sempre com o objetivo de melhorar a performance dos colaboradores para um consequente aumento na qualidade do trabalho e da produção da organização.

Para contribuir com os processos avaliativos das organiza-ções, propomos a incorporação de conceitos de avaliação educa-cional ao modo como as empresas avaliam, mais precisamente à avaliação de desempenho. É uma forma de viabilizá-la como uma prática pedagógica que passa a ter também uma intencionalidade transformadora, na medida em que, por meio dela, ocorre a avalia-ção integrada a aprendizagens e superação.

3. AVALIAÇÃO PEDAGÓGICA/EDUCACIONAL

Para a educação progressista, a avaliação não é mais um ato isolado, e sim algo que deve ocorrer a todo instante dentro do todo pedagógico, “[...] uma reflexão permanente sobre a realidade, e acompanhamento, passo a passo, do educando, na sua trajetória de construção de conhecimento” (HOFFMANN, 1993 apud CAVAL-CANTI-NETO; AQUINO, 2009, p. 224). Por isso, aos poucos, a visão de avaliação tradicional, limitada ao eixo da mensuração, está perdendo força em muitos espaços escolares. A abordagem atual é mais ampla e considera o avaliar como uma prática pedagógica comprometida com a formação.

Tal viés está fundamentado nos estudos de Vasconcellos (1998 apud CAVALCANTI-NETO; AQUINO, 2009, p. 228), que

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defende a avaliação “[...] como processo integrado com todas as outras atividades desenvolvidas pelo educando, as quais subsidiam a sua aprendizagem”. Com base nisso, entendemos que a avaliação incide também sobre os aspectos cognitivo, social, afetivo e pro-fissional do aprendiz. Uma avaliação nessa perspectiva auxilia a aquisição do saber vinculado ao desenvolvimento de habilidades e capacidades ligadas às outras dimensões do homem: social, psico-lógica, pessoal, emocional, entre outras, e que fundamentalmente, em equilíbrio, fazem a diferença no exercício profissional.

Essa mesma perspectiva é compartilhada pelos estudos de Luckesi (1995), que concebe a avaliação como um ato acolhedor, inclusivo, construtivo, parte intrínseca do processo educativo, cuja aplicação atinge aspectos objetivos (conceituais) e subjetivos (ati-tudinais, afetivos), pois envolve a constituição do “eu” e do sen-so de coletivo, além de propiciar avanço, progressão, mudança e a criação do novo.

A partir do exposto, temos que a avaliação deve ser compre-endida como uma ação educativa, que possibilita diagnosticar situ-ações, superar dificuldades, elevar e compartilhar conhecimentos. É um ato de formação humana, na medida em que permite mudan-ças de paradigma, comportamento, visão de mundo e constituição de valores. Desse modo, a avaliação é muito mais do que checagem de conteúdos aprendidos, é um instrumento dotado de intenciona-lidade, capaz de interferir e transformar o sujeito pensante e a sua realidade.

No contexto empresarial, assim como na escola, as relações interpessoais e, por conseguinte, as práticas educativas ocorrem de modo muito intenso. Muitas organizações já compreenderam essa dinâmica e têm assumido modelos de gestão de pessoas e conheci-mentos que priorizam a educação empresarial, com vistas ao cres-cimento da empresa alinhado ao desenvolvimento integral de seus colaboradores. Dentro dessa lógica, entendemos ser perfeitamente possível a incorporação da avaliação pedagógica ao processo de avaliação de desempenho aplicado nas empresas, de maneira a tor-nar o sistema avaliativo algo menos descritivo e mais comprometi-do com aprendizagens.

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4. AVALIAÇÃO PEDAGÓGICA/EDUCACIONAL NO CONTEXTO EMPRESARIAL: UMA PROPOSTA DE REFINAMENTO DA AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO

A concepção de avaliação atual defende o ato de avaliar como uma ação educativa cujas finalidades são a aprendizagem e o de-senvolvimento humano em suas várias dimensões. Propomos, nesse sentido, que o sistema de avaliação empresarial busque referências nessa abordagem pedagógica de avaliar que, de modo amplo, con-tribui para a formação integral de seu colaborador. Não se trata de abolir a avaliação descritiva de desempenho, os relatórios, os ques-tionários e a autoavaliação. A proposta é inserir outros instrumentos avaliativos capazes de avaliar ao mesmo tempo em que promovem novas aprendizagens. Isso fortalece as relações interpessoais e a construção de um clima organizacional mais humano e sustentável, mais produtivo e lucrativo.

Avaliar, nesse sentido, deve ser considerado “[...] não como um ato impositivo, mas sim um ato dialógico, amoroso e constru-tivo” (LUCKESI, 2000, p. 3, destaque nosso), o elemento inerente e integrado às ações cotidianas que regulamentam o processo de organização da empresa. Dessa maneira, criamos uma interface en-tre a objetividade da avaliação de desempenho e a subjetividade da avaliação pedagógica/educacional, já que a organização passa a avaliar com a intenção de ensinar e de aprender alternativas para o seu crescimento no mercado. Sendo a empresa uma extensão do meio social, assim como a escola, é fundamental que os processos de educação empresarial sejam alicerçados sobre bases pedagógi-cas de formação integral e humana, dentro das quais a avaliação tem o compromisso com a verificação de desempenho e, especial-mente, com a criação de ambientes de aprendizagens.

Para colocar em prática a proposta de refinamento da ava-liação de desempenho no contexto empresarial, apresentamos três instrumentos avaliativos (jogos de empresa, treinamentos e pro-jetos) que atendem à proposta teórica-metodológica deste estudo. Os jogos de empresa são atividades dinâmicas que, segundo Gra-migna (2007), se bem elaboradas, podem conduzir a um ciclo de aprendizagem vivencial constante dentro da organização. Enquanto

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o colaborador participa do jogo, o avaliador/pedagogo observa e avalia os participantes, em cada fase do ciclo, levando em conta critérios como: as iniciativas tomadas, o envolvimento com a pro-posta do jogo, o relacionamento com os integrantes dos grupos, as manifestações orais e escritas, as expressões corporais, a forma como se lida com as dificuldades, as facilidades com liderança, a criatividade e o pensamento coletivo e se a temática do jogo foi absorvida como um novo saber.

Os treinamentos são menos expositivos, mais dialógicos, frequentes e com diferentes formas (reuniões, palestras, fóruns, es-tudos de casos, entre outros). Os temas abordados devem ser claros e objetivos, com discussões em grupo, como uma roda de conversa. Durante as atividades propostas, o pedagogo, já com os critérios de avaliação em mãos, orienta os colaboradores e os avalia baseado em participação, criatividade, perspicácia, prudência, coletivismo, facilidade em resolver conflitos, em aplicar conteúdos e em se de-senvolver como colaborador.

Por fim, os projetos são instrumentos aplicados para avaliar em favor do desenvolvimento de uma cultura organizacional com-prometida com ações sociais e sustentáveis. Os projetos devem ser realizados e organizados por setores, em pequenos grupos, sendo que cada membro tem uma função e uma tarefa a ser desenvolvida. Os relatórios de cada grupo serão avaliados em razão da movimen-tação dos participantes, das conquistas, do envolvimento com as causas propostas, das formas de divulgação e dos benefícios para a empresa e para vida pessoal do colaborador. Além disso, os pro-jetos desenvolvem aptidões e habilidades, muitas vezes ocultas no grupo, promovendo relacionamentos, compartilhamento de infor-mações e construção de conhecimentos. É uma proposta que apro-xima pessoas, visando avaliar as condutas dos colaboradores com base em ações integrativas.

Essas atividades propostas se baseiam na concepção atual de avaliação pedagógica/educacional e contribuem para o refinamento das avaliações de desempenho realizadas no contexto empresarial. Ao contrário de preenchimento exclusivo de relatórios e questioná-rios de avaliação de desempenho, essa proposta de avaliação visa à

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integração de colaboradores, de vários setores e cargos, com ativi-dades dinâmicas, que exigem diálogo e aproximação. A ênfase en-tão é dada ao conhecimento – que é construído por pessoas reunidas em constante aprendizado.

A associação das concepções avaliativas – avaliação de de-sempenho e a avaliação pedagógica/educacional – favorece o de-senvolvimento e o crescimento da empresa, do seu processo de ges-tão de pessoal e, por consequência, do meio social, pois fortalece as relações entre os envolvidos, promovendo aprendizagens de modo dialógico, ético e humano que se apresenta também nos comporta-mentos em todos os contextos da sociedade.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A construção do saber pelos colaboradores é fundamental para o crescimento e a manutenção da competitividade das orga-nizações dentro do mercado no qual atuam. Nesse sentido, avaliar para medir e qualificar pessoas já não traz, efetivamente, melhorias para a empresa. A demanda atual é avaliar com a finalidade de se produzir conhecimento e formação humana, o que combina com o modelo de gestão de pessoas associado à formação integral do ser humano (cognitiva, social, política, emocional e profissional). Sen-do assim, os processos de avaliação de desempenho das empresas precisam ser refinados, de modo que a avaliação esteja comprome-tida não apenas com a melhoria da produtividade, mas também com a aprendizagem e com uma visão transformadora da realidade.

A conciliação entre as concepções teóricas sobre avaliação de desempenho e avaliação atual do contexto educacional é uma proposta que visa estabelecer uma cultura formativa nas empresas. Por meio de instrumentos avaliativos menos descritivos e mais dia-lógicos, as empresas oferecem aos colaboradores a oportunidade de crescimento profissional e pessoal, o que, consequentemente, reflete no melhor desenvolvimento da empresa.

As considerações deste estudo são um norte para outras pes-quisas, nas quais será possível analisar mais detalhada e estatisti-camente a atuação do pedagogo empresarial, profissional indica-

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do para aplicação dos instrumentos avaliativos indicados, por seu compromisso com uma formação humana e porque busca “[...] criar estratégias de superação dos limites e ampliação das possi-bilidades, com vistas à garantida aprendizagem” (CAVALCANTI--NETO; AQUINO, 2009, p. 224)

REFERÊNCIAS

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População negra no Brasil: reflexões sobre o processo de exclusão e suas possíveis soluções

Maria Cecília de Oliveira ADÃO1

Resumo: Tendo como parâmetro a ideia de sustentabilidade social, o presente texto busca analisar o processo de exclusão da população negra brasileira tendo como ponto de partida a compreensão das percepções sociais criadas ao longo do processo de colonização e aprofundadas na ditadura civil-militar, instalada no país em 1964, bem como indicar possíveis alternativas para a alteração desse quadro. Neste sentido, além de utilizarmos referenciais sobre esses dois períodos, buscamos relacionar pressupostos teóricos – a saber, multiculturalismo e decolonialidade – que pudessem oferecer suporte para a desconstrução de percepções profundamente arraigadas e que funcionassem como suporte para a valorização da população negra, contribuindo, assim, para a criação de uma sociedade mais justa, igualitária e sustentável.

Palavras-chave: População Negra. Sustentabilidade Social. Ditadura Civil-Militar. Multiculturalismo. Decolonialidade.

1 Maria Cecília de Oliveira Adão. Doutora e Mestra em História Política pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Licenciada em História pela mesma instituição. Professora do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.

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Black population in Brazil: reflections about the exclusion process and its possibilities solutions

Maria Cecília de Oliveira ADÃO

Abstract: Based on the idea of social sustainability, the present text seeks to analyze the exclusion process of the brazilian black population, starting with the understanding of the social perceptions created during the colonization process and deepened in the civil-military dictatorship established in the country in 1964, as well as indicating possible alternatives for changing this framework. In this sense, in addition to using references on these two periods, we sought to relate theoretical assumptions – namely, multiculturalism and decoloniality – that could support the deconstruction of deeply rooted perceptions and that function as a support for the valorization of the black population, thus contributing to create a more just, egalitarian and sustainable society.

Keywords: Black Population. Social Sustainability. Civil-Military Dictatorship. Multiculturalism. Decoloniality.

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1. INTRODUÇÃO

Pensando no processo que coloca a população negra brasi-leira como grupo subalternizado e principal vítima da violência em nosso país, buscamos refletir sobre as condicionantes históricas que resultaram nesse cenário e possíveis abordagens teóricas que pos-sam contribuir para o combate a essa situação que prejudica não só os negros, mas toda a população brasileira. Sendo assim, este artigo, partindo da análise sobre como diferentes eventos históricos contribuíram para a construção da percepção social existente sobre a população negra, passando pelas consequências dessa construção social, busca demonstrar quais elementos teóricos podem contri-buir para a alteração do estado de coisas ora existente.

Iniciando pela análise da ditadura civil-militar (1964-1985), Negreiros, Franco e Schincariol (2015) indicam que esse período conseguiu imprimir à sociedade brasileira uma percepção distorci-da dos acontecimentos que envolvem as instituições de Segurança Pública e o fenômeno da violência urbana, principalmente no que se refere àquela praticada atualmente contra a população negra de nosso país. Para os autores, essa lógica foi solidamente construída a partir do conjunto teórico conhecido como Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento – DSN que, “[...] longe de ser tácita e vacilante, formava-se um corpo explícito e sistematizado” (NE-GREIROS; FRANCO; SCHINCARIOL, 2015, p. 435).

Tendo entre seus idealizadores o General Golbery do Couto e Silva, a DSN proposta em tempos de Guerra Fria – quando havia a percepção de guerra permanente, o que não tornava clara a dis-tinção entre tempos de guerra e de paz – se dispunha a orientar a resolução não somente de conflitos externos, mas, antes, a comba-ter a chamada Guerra Revolucionária. Esta era definida como “[...] conflito normalmente interno, estimulado ou auxiliado do exterior, inspirado geralmente em uma ideologia, e que visa à conquista do poder pelo controle progressivo da nação” (ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA, 1976, p. 37 apud NEGREIROS; FRANCO; SCHIN-CARIOL, 2015, p. 436, grifo nosso). Atrelada a essa definição es-tava a do Inimigo Interno. Ao contrário do inimigo externo, facil-mente identificável sob bandeiras ou uniformes, o inimigo interno

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não seria de percepção imediata porque é indefinido, mescla-se e atua em todos os setores sociais. Esta concepção tornava, portanto, “[...] suspeita toda a população, constituída de ‘inimigos internos’ potenciais que devem ser cuidadosamente controlados, persegui-dos e eliminados” (ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA, 1976, p. 37 apud NEGREIROS; FRANCO; SCHINCARIOL, 2015, p. 437, grifo nosso). Para os autores, o inimigo interno é aquele

[...] travestido, disfarçado, oponente não-declarado, que age sorrateiramente e por métodos não convencionais. Sua ação pode ser armada e direta ou desarmada e indireta, seus meios podem ser físicos ou psicológicos e ideológi-cos, seu quartel-general pode bem ser um sindicato, uma liga camponesa, uma universidade, um centro acadêmico ou uma associação de bairro (NEGREIROS; FRANCO; SCHINCARIOL, 2015, p. 437).

Para fazer frente ao inimigo interno, a partir da indistinção descrita, surge outra, numa lógica de ação e reação, quase como reflexo indissociável: a indistinção entre polícia e Exército. Sen-do o último destinado ao combate do inimigo externo, a primeira passa, então, a se dedicar ao cuidadoso controle, perseguição e eli-minação do inimigo interno, aquele que age e se oculta no seio da população. Tendo seu objetivo transmutado, ou seja, deixando de servir e proteger, a polícia passou a ter, também, uma formação mi-litarizada, que visava produzir uma forma diferente e específica de ação, destinada a alcançar os objetivos expostos. Desta feita, a DSN criou não só a definição da figura do inimigo interno, mas também os meios para o combater.

É interessante perceber que, na DSN, a essa lógica de inimigo interno que age de maneira oculta no meio a população acrescen-tou-se o conceito de objetivos nacionais, que seriam “[...] a tradu-ção das aspirações e interesses de todo o grupo nacional” (SILVA, 1967, p. 159 apud NEGREIROS; FRANCO; SCHINCARIOL, 2015, p. 437). Esse conceito traz em si outra indistinção, desta vez entre Estado e sociedade, uma vez que pressupõe que os objeti-vos definidos pelo primeiro são os mesmos aspirados por todo o tecido social, sendo que este deveria trabalhar, de maneira inequí-voca, pela consecução dessas aspirações. Nessa lógica, o inimigo interno seria o elemento dissonante, aquele que se coloca contra os

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objetivos sociais. Torna-se aquele que provoca o conflito social e, por consequência, precisa ser eliminado. Portanto, de acordo com a DSN, em uma situação de conflito interno, caberia ao Estado, apoiado por toda sociedade e utilizando sua força policial, eliminar qualquer elemento promotor de conflitos sociais.

Cabe ressaltar que conflito social, de acordo com a DSN – que, por sua vez, inspira a Lei nº 7170/83 (BRASIL, 1983), a Lei de Segurança Nacional, criada no anoitecer da ditadura e ainda em vigor nos nossos dias –, pode envolver desde delitos criminais, ma-nifestações políticas de oposição e até reivindicações sociais que perturbem a ordem política e social (BRASIL, 1983). Conforme indicam os autores anteriormente citados, atualmente

[...] os crimes contra a Segurança Nacional ainda são de-finidos por uma lei promulgada em plena ditadura civil--militar. Apesar de algumas opiniões contrárias, a Lei nº 7.170/83 visa garantir aquele objetivo último projetado pela DSND, a saber: a ordem pública, entendida como a ausên-cia dos conflitos sociais. Por isso, as Leis de Segurança Nacional do período ditatorial levam, no limite, à indis-tinção entre o crime político e o crime comum, uma vez que ambos colocam em risco a unidade e a ordem políti-ca e social. [...] A amplitude dessas definições abre portas para que tanto o espião internacional, quanto o resistente vinculado à organização armada de oposição à ditadura ou o militante pacifista ou, ainda, o pequeno assaltante da periferia sejam indistintamente acusados de crimes contra a Segurança Nacional, a ordem política e social. A lógica autoritária transforma em “inimigos internos” aqueles que insistem em portar demandas sociais, dispondo contra eles o aparato repressivo do Estado (NEGREIROS; FRANCO; SCHINCARIOL, 2015, p. 439).

Sendo assim, concordamos com a indicação de que a ditadura civil-militar nos legou “[...] uma política sistemática de extermínio e de desaparecimento de setores sociais, cujo simples fato de existir já era suficiente para ameaçar a unidade e a ordem nacionais” (NE-GREIRO; FRANCO; SCHINCARIOL, 2015, p. 439) e que “[...] a manutenção da Lei de Segurança Nacional implica a permanência dessa política [...], que, hoje, assim como ontem, recai sobre aqueles que, não tendo visto efetivados os seus direitos mais fundamentais,

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carregam na pele as suas demandas: a população preta, pobre e pe-riférica” (NEGREIRO; FRANCO; SCHINCARIOL, 2015, p. 439).

Decorre disso que a continuada formação, tanto de oficiais militares para as Forças Armadas, quanto de oficiais para as Polí-cias Militares, conformados à DSN e amparados pela continuidade da Lei de Segurança Nacional, gerou uma mentalidade persistente que pressupõe, ainda em nossos dias, que aqueles que não se adé-quam à ordem e hegemonia social, ou seja, que a questionam ou dela não participam, são percebidos como dissonantes, desviantes que, em consequência e em determinadas situações, estão passíveis não só de repressão, mas também de eliminação. Sendo assim,

[...] externando o caráter problemático dessas continuida-des entre ditadura e democracia, as Polícias Militares esta-duais transformaram-se nas verdadeiras responsáveis pela criminalização da pobreza e das dissidências políticas e por um número excessivo e inaceitável de mortes e execu-ções sem processo (SANTOS, 2015, p. 418).

2. DESENVOLVIMENTO

Diante dos números alarmantes de mortes entre a população negra do país, fica evidente que um dos objetivos propostos pela DSN na década de 1960 continua mais do que atual. Em 2018, as-sim como faziam durante a ditadura civil-militar, as forças do Esta-do continuam a “[...] gerir o descontentamento popular pelo medo, por meio da repressão violenta, oficial e/ou clandestina da oposi-ção (cassações de mandatos, tortura, morte e ‘desaparecimentos’)” (SANTOS, 2015, p. 419).

De acordo com relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD:

[...] a proporção de pretos, entre as vítimas da violência policial, é três vezes a proporção desse grupo na popula-ção como um todo. O peso desproporcionalmente alto dos negros entre as vítimas mortas em ações policiais constitui claro indício da existência de viés racista nos aparelhos de repressão (PNUD, 2005 apud MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, [s.d.], [n.p.]).

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Em pesquisa realizada em São Paulo, que analisou 939 casos de ações policiais, ocorridas entre os anos de 2009 e 2011, “[...] o resultado aponta que 61% das vítimas de morte por policiais eram negras. No âmbito infanto-juvenil, os dados são mais alarmantes: entre 15 e 19 anos, duas a cada três pessoas mortas pela PM são ne-gras” (LUNA, 2013, [n.p.]). O Atlas da Violência 2018, publicado em conjunto pelo Instituto de Política Econômica Aplicada – IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP, indica que

[...] o Anuário Brasileiro de Segurança Pública analisou 5.896 boletins de ocorrência de mortes decorrentes de in-tervenções policiais entre 2015 e 2016, o que representa 78% do universo das mortes no período, e, ao descontar as vítimas cuja informação de raça/cor não estava disponível, identificou que 76,2% das vítimas de atuação da polícia são negras (IPEA; FBSP, 2018, p. 41).

Referindo-se não somente à violência policial, a Organização das Nações Unidas – ONU aponta que, no nordeste do país,

[...] em 2012, foram assassinados 87 jovens negros para cada grupo de 100 mil jovens negros na região, ante 17,4 jovens brancos para cada grupo de 100 mil jovens brancos. Em outras palavras, o risco de um jovem negro nordestino ser assassinado era quase quatro vezes maior que um jo-vem branco nordestino (PNUD, 2005 apud MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, [s.d.], [n.p.]).

Tratando dos números gerais relacionados à violência contra a população negra, o Atlas da Violência 2018 demonstra que, em 2016, “[...] a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (16,0% contra 40,2%). Em um período de uma década, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%” (IPEA; FBSP, 2018, p. 40) e que “[...] a taxa de homicídios de mulhe-res negras foi 71% superior à de mulheres não negras” (IPEA, FBSP, 2018, p. 40). Esses números indicam “[...] que 71,5% das pessoas que são assassinadas a cada ano no país são pretas ou pardas” (IPEA; FBSP, 2018, p. 4). Tais dados são coerentes com outros números apresentados pelo Atlas – por exemplo, o “Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência, ano base 2015, que demonstrou que o risco de um jovem negro ser vítima de homicídio no Brasil é 2,7 vezes maior que o de um jovem branco” (IPEA; FBSP, 2018, p. 41).

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No entanto, cabe perguntar como a população negra, prin-cipalmente seus homens jovens, se tornou o alvo prioritário da ação violenta do Estado. Inseridos no Brasil como mão de obra escrava, os negros foram, de maneira estratégica – pela separação dos que falavam a mesma língua e submissão a castigos desuma-nos e constantes –, impedidos de preservar plenamente seus traços culturais, fossem estes a língua ou as práticas usuais de manuten-ção da existência que já não cabiam na nova vida de maus tratos e trabalho compulsório. Na sociedade colonial, “[...] à medida que eram desgastados para produzir o que não consumiam, iam sendo radicalmente deculturados pela erradicação de sua cultura africana” (RIBEIRO, 2006, p. 104). Na condição de povo alienado de sua cultura e condenado a uma situação de profunda desumanização, a população negra trazida da África ou nascida no Brasil foi subme-tida, por séculos, às necessidades da empresa escravista colonial.

Para Darcy Ribeiro (2006, p. 106):A empresa escravista, fundada na apropriação de seres humanos através da violência mais crua e da coerção per-manente, exercida através dos castigos mais atrozes, atua como uma mó desumanizadora e deculturadora de eficá-cia incompatível. Submetido a essa compressão, qualquer povo é desapropriado de si, deixando de ser ele próprio, primeiro, para ser ninguém ao ver-se reduzido a uma con-dição de bem semovente, como um animal de carga; de-pois, para ser outro, quando transfigurado etnicamente na linha consentida pelo senhor, que é a mais compatível para a preservação de seus interesses.

Diante do exposto, cabe dizer que nem mesmo o processo tar-dio de abolição da escravidão levou a uma mudança na percepção da posição social e da condição humana dessa parcela da popula-ção. Substituídos pela mão de obra livre e originária da Europa, os negros continuaram a ser percebidos como o indesejável elemento a ser excluído. Impedidos de se instalar em terras devolutas ou em proximidades de fazendas, eram constantemente expulsos e im-possibilitados de criar as condições de garantir sua sobrevivência. Instados a se deslocar para as cidades, onde encontravam ambiente menos hostil, mas que exigia as habilidades de trabalho especializa-do que não possuíam, restava-lhes continuar a realizar os trabalhos

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mais desvalorizados e mal remunerados, aqueles ligados ao servir, que colocavam em situação precária e de dependência aqueles que os praticavam.

Não passados 150 anos da abolição da escravidão no Brasil, Darcy Ribeiro avalia que, ao longo desse período, a população ne-gra continuou a ser percebida como “[...] o que há de mais reles, pela preguiça, pela ignorância, pela criminalidade inatas e inelu-táveis” (RIBEIRO, 2006, p. 204, grifo nosso), havendo um consen-so de que os negros são os “[...] culpados de suas próprias desgra-ças, explicadas como características da raça e não como resultado da escravidão e da opressão” (RIBEIRO, 2006, p. 204). Dessa maneira, configura-se uma situação na qual, negadas as condições básicas de valorização e desenvolvimento, resta a discriminação, o preconceito e a constante pecha de dissonante perigoso, a figura que atualmente equivale ao inimigo interno ainda perseguido por aqueles formados na mentalidade proposta pela DSN; “Negou-lhe a posse de qualquer pedaço de terra para viver e cultivar, de escola em que pudesse educar seus filhos [...]. Só lhes deu, sobejamente, discriminação e repressão” (RIBEIRO, 2006, p. 204).

Desta feita, como alterar esse atroz legado?2 Como contribuir para criar uma sociedade, baseada em solidariedade, que congregue todos os seus integrantes? O caminho pode estar indicado por meio da aplicação complementar de dois conceitos, que estão diretamen-te ligados à promoção dos direitos humanos: o de multiculturalismo e o de decolonialidade. O primeiro deles, também empregado para descrever sociedades compostas por diferentes elementos culturais,

2 Diante do acirramento dos antagonismos políticos e sociais na sociedade brasileira, elemento considerado na concepção deste artigo, e para que possamos nos pensar enquanto povo e avançarmos rumo a uma sociedade justa e igualitária, cremos ser imperioso lembrarmo-nos das palavras de Darcy Ribeiro: “Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, através de séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria.

A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária” (RIBEIRO, 2010, p. 108).

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como a brasileira, pode ser utilizado no sentido prescritivo, que entende o multiculturalismo

[...] não simplesmente como um dado da realidade, mas como uma maneira de atuar, de intervir, de transformar a dinâmica social. Trata-se de um projeto, de um modo de trabalhar as relações culturais numa determinada socieda-de e de conceber políticas públicas nessa direção (CAN-DAU, 2008, p. 50).

Embora preveja a atuação do Estado e seja um conceito tam-bém trabalhado no espaço acadêmico, é interessante indicar que o multiculturalismo é originário dos movimentos sociais, nascendo da luta de “[...] grupos sociais discriminados e excluídos de uma cidadania plena [...], especialmente os relacionados às questões ét-nicas e, entre eles, de modo particularmente significativo, os rela-cionados à identidade negra” (CANDAU, 2008, p. 49).

Dada nossa formação sociocultural, a autora Vera Maria Can-dau (2008) nos indica que convivem no Brasil, de maneira por ve-zes conflitiva, duas abordagens multiculturalistas: a assimilacionis-ta e a diferencialista. A primeira propõe a incorporação de grupos excluídos à cultura hegemônica, sem que se faça o questionamento ou alteração desta. Essa posição pressupõe uma desracialização, propondo um “[...] projeto de construir uma cultura comum e, em nome dele, deslegitima dialetos, saberes, línguas, crenças, valores ‘diferentes’, pertencentes aos grupos subordinados, considerados inferiores explícita ou implicitamente” (CANDAU, 2008, p. 50). A segunda nega a ênfase na assimilação e a coloca no reconhecimento da diferença. Para a autora, “[...] algumas das posições nessa linha terminam por ter uma visão estática e essencialista da formação das identidades culturais” (CANDAU, 2008, p. 51) e, na prática, acabam por “ [...] favorecer a criação de verdadeiros apartheids socioculturais” (CANDAU, 2008, p. 51).

Percebemos, então, que, embora preconizem a convivência sociocultural em diferentes formatações, as abordagens mencio-nadas não dão conta das necessidades prementes de integração e respeito à alteridade. Como alternativa, concordamos com a autora quando propõe a adoção de uma terceira abordagem, a intercultural que, partindo de uma agenda de transformação, deve

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[...] promover uma educação para o reconhecimento do “ou-tro”, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e cultu-rais. Uma educação para a negociação cultural, que enfrenta os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os di-ferentes grupos socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a construção de um projeto comum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas. A perspectiva intercultural está orientada à construção de uma sociedade de-mocrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade (CANDAU, 2008, p. 51).

Por se tratar de um conceito que reconhece a dinamicidade das culturas envolvidas no processo de transformação dessa socie-dade, bem como a assimetria de poder existentes entre elas, acre-ditamos que a esse conceito pode se somar a compreensão do ante-riormente citado conceito de decolonialidade – principalmente a do ser – que, por sua vez, se opõe à ideia de colonialidade3. De acordo com Nelson Maldonado Torres (2007, p. 131 apud OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 18):

[...] a colonialidade se refere a um padrão de poder que emergiu como resultado do colonialismo moderno, mas em vez de estar limitada a uma relação formal de poder entre dois povos ou nações, se relaciona à forma como o trabalho, o conhecimento, a autoridade e as relações in-tersubjetivas se articulam entre si através do mercado capitalista e da idéia de raça. Assim, apesar do colonia-lismo preceder a colonialidade, a colonialidade sobrevive ao capitalismo. Ela se mantém vivam em textos didáticos, nos critérios para o bom trabalho acadêmico, na cultura, no sentindo comum, a auto-imagem dos povos, nas aspi-rações dos sujeitos e em muitos outros aspectos de nossa experiência moderna. Neste sentido, respiramos a colonia-lidade na modernidade cotidianamente.

Perpassando, além das esferas socioculturais e a formação eco-nômica dos povos, a colonialidade se fixa como uma instância que dita como as questões culturais são compreendidas, ficando impressa

3 Para Oliveira e Candau (2010), a colonialidade criou a geopolítica do conhecimento, sendo esta uma estratégia de afirmação da modernidade europeia que “[...] afirmou suas teorias, seus conhecimentos e seus paradigmas como verdades universais e invisibilizou e silenciou os sujeitos que produzem conhecimentos ‘outros’. Foi esse o processo que constituiu a modernidade que não pode ser entendida sem se tomar em conta os nexos com a herança colonial e as diferenças étnicas que o poder moderno/colonial produziu” (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 23).

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nas percepções subjetivas dos a ela submetidos. A ela ficam condi-cionados o saber e o ser, inferiorizando aqueles que não fazem parte dos grupos dominantes. Nesta dinâmica, “[...] esse conceito operou a inferiorização de grupos não-europeus, do ponto de vista da pro-dução da divisão racial do trabalho, do salário, da produção cultural e dos conhecimentos” (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 20). Nesse sentido, a colonialidade do saber é percebida “[...] como a repressão de outras formas de produção de conhecimento não-européias que nega o legado intelectual e histórico de povos indígenas e africanos, reduzindo-os, por sua vez, à categoria de primitivos e irracionais, pois pertencem a ‘outra raça’” (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 20).

Tomando em retrospecto a formação histórica do Brasil e os pressupostos teóricos utilizados neste artigo, temos, novamente, o processo colonial a determinar a percepção que temos de parte de nossa população e a percepção que esta tem de si mesmo, a sua autoimagem. Neste sentido,

[...] a colonialidade do ser é pensada, portanto, como uma negação do estatuto humano para africanos e indígenas, por exemplo, na história da modernidade colonial. Essa ne-gação [...] implanta problemas reais em torno da liberdade, do ser e da história do indivíduo subalternizado por uma violência epistêmica (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 22).

Desta feita, a alternativa é a decolonização, sendo esta enten-dida como “a luta contra a não-existência, a existência dominada e a desumanização”, que “[...] implica em partir da desumanização e considerar as lutas dos povos historicamente subalternizados pela existência, para a construção de outros modos de viver, de poder, de saber” (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 23).

É interessante perceber que o conceito de colonialidade está intimamente ligado à uma concepção de desenvolvimento econômico predatório que ignora ou suprime sua dimensão social. Partindo de uma ideia de desesenvolvimento sustentável, que per-ceba a produção da justiça social como um dos seus pressupostos inalienáveis, compreendemos que:

Uma sociedade sustentável supõe que todos os cidadãos tenham o mínimo necessário para uma vida digna e que ninguém absorva bens, recursos naturais e energéticos

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que sejam prejudiciais a outros. Isso significa erradicar a pobreza e definir o padrão de desigualdade aceitável, de-limitando limites mínimos e máximos de acesso a bens materiais. Em resumo, implantar a velha e desejável justiça social (NASCIMENTO, 2012, p. 56, destaques do autor).

Ingrid Freire Haas (2011) indica que, com o passar dos anos, e principalmente a partir da década de 1980, o conceito de desen-volvimento foi alterado, passando a considerar não somente os ní-veis de crescimento econômico, mas as condicionantes sociais e humanas, abrindo espaço para a conceituação da sustentabilidade social. Em suas palavras,

[...] para se alcançar o tão sonhado desenvolvimento huma-no, o indivíduo deve dispor de garantias socioeconômicas na sociedade em que vive (direito à vida com dignidade, à moradia, ao trabalho, à saúde etc.), uma efetiva aplicação dos direitos humanos, a qual pressupõe a indivisibilidade de direitos que permitem a sua completa integração à vida digna em comunidade. Cumpridos estes requisitos, haverá um cidadão consciente de seus direitos e deveres, apto a uma participação ativa em seu Município, garantindo as-sim, o concreto desenvolvimento humano a todos, sem ex-ceção (HASS, 2011, p. 56, grifo nosso).

No ranking do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvol-vimento – PNUD, o Brasil permanece, desde 2017, na 79ª posição. O IDH foi desenvolvido como “uma medida resumida do progres-so a longo prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde”, sendo que sua criação visava “[...] oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento” (PNUD, [s.d.]).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do até aqui exposto, percebemos que nosso país, por não conferir os mesmos direitos à sua população negra e por patro-cinar uma clara política de exclusão social desse grupo, não per-mite que a totalidade de sua população tenha acesso a níveis de

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desenvolvimento humano mais elevados, uma vez que o sucesso nessa área só é possível com a inclusão de todos. A manutenção de uma elevada desigualdade social impede um pleno desenvolvimen-to sustentável, uma vez que enfraquece diretamente uma das suas três dimensões – econômica, ambiental e social – e potencializa os danos e impedimentos à concretização das demais (HAAS, 2011; NASCIMENTO, 2012). Nesse sentido, concordamos com Haas (2011, p. 58) quando indica que

[...] a concepção atual de desenvolvimento não se trata do processo de crescimento econômico em si (produção em expansão, produtividade e renda per capita), mas trata-se de desenvolvimento social, educacional, fortalecimento da democracia, preservação do meio ambiente, o respeito às diversas culturas do mundo, do patrimônio cultural, a me-lhora da equidade e o respeito aos direitos humanos, sendo este último o mais importante.

Sendo assim, reafirmamos que o conceito de decolonização – enquanto luta por reconhecimento e valorização e em oposição a uma ideia de desenvolvimento que não considere a sustentabilidade social – deve somar-se ao de multiculturalismo4.

Desejamos que todas as medidas consideradas neste artigo possam ser consideradas para a realização de um processo que vise não só a reconhecimento e valorização da multiplicidade cultural que compõe nosso país, mas também à promoção dos grupos subal-ternizados – o caso da população negra aqui descrito –, numa pro-posição que busca a construção de uma sociedade plural, sabedora de si e verdadeiramente democrática, na qual os direitos humanos são respeitados e plenamente efetivados.

4 Para o caso brasileiro que, conforme dito anteriormente, é composto também pelos legados da ditadura civil-militar, cabe indicar que é importante a aplicação dos princípios da Justiça de Transição, que se sustentam em quatro pilares: memória; verdade; reparação; justiça e igualdade perante a lei e reformas institucionais. Na definição da ONU, a Justiça de Transição compreende “[...] um conjunto de processos e mecanismos, políticos e judiciais, mobilizados por sociedades em conflito ou pós-conflito para esclarecer e lidar com legados de abusos em massa contra os direitos humanos, assegurando que os responsáveis prestem contas de seus atos, as vítimas sejam reparadas e novas violações impedidas” (ONU, SQ/2004/616 apud TORELLY, 2015).

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REFERÊNCIAS

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CANDAU, V. M. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, v. 13, n. 37, p. 45-56, abr. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v13n37/05.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2018.

HAAS, I. F. A sustentabilidade cultural: perspectivas de desenvolvimento para as relações internacionais. Revista Eletrônica do Curso de Direito – PUC Minas, Serro, n. 4, p. 55-77, 2011. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/DireitoSerro/article/view/1342>. Acesso em: 2 jul. 2018.

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Desenvolvimento sustentável e cenários prospectivos: um olhar de futuro

Tânia Mara Pinto DE SOUSA1

Resumo: O preâmbulo da Carta da Terra aponta que estamos em um momento crítico na história da Terra, devendo a humanidade escolher o seu futuro. Para que se trabalhe o futuro, faz-se necessário um planejamento estratégico para garantir às gerações futuras um meio ambiente saudável, possível e sustentável. E umas das ferramentas prováveis é a prospecção de cenários. Este artigo tem por objetivo explorar a utilização da ferramenta cenários prospectivos para a questão do desenvolvimento sustentável, além de apresentar conceitualmente o desenvolvimento sustentável, cenários e prospecção de cenários e a importância da sua utilização em um ambiente de turbulências e incertezas. No desenvolvimento da investigação, foi realizada uma pesquisa bibliográfica para conhecer e analisar as contribuições já existentes e publicadas sobre o tema em de livros, revistas, artigos, teses e dissertações de USP, Unicamp, Uni-Facef, SCieLO, buscando o material bibliográfico para compor o referencial teórico do artigo. A utilização dos cenários prospectivos se mostra útil como instrumento de planejamento, que busca antecipar as ações para os desafios futuros e facilitar um processo de discussão e definição de estratégias, e pensar políticas para a promoção do desenvolvimento que seja socialmente justo e ambientalmente sustentável.

Palavras-chave: Cenários. Cenários Prospectivos. Desenvolvimento. Sustentabilidade.

1 Tânia Mara Pinto de Sousa. Mestra em Administração pelo Centro Universitário Municipal de Franca (Uni-Facef). Bacharel em Direito pela Universidade de Franca (Unifran). Bacharel em Administração pela Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis de Franca (Uni-Facef). Docente do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.

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Sustainable development and prospective scenarios: a look at the future

Tânia Mara Pinto DE SOUSA

Abstract: The preamble to the Earth Charter points out that we are at a critical moment in the history of the Earth and that humanity must choose its future. In order to work the future, strategic planning is necessary to guarantee future generations a healthy, possible and sustainable environment. And one of the probable tools is the prospecting of scenarios. This article aims to explore the use of the prospective scenarios tool for the issue of sustainable development, and to present conceptually the sustainable development, scenarios and prospective scenarios and the importance of their use in an environment of turbulence and uncertainties. In the development of the research, a bibliographic research was carried out to know and analyze the existing and published contributions on the subject, through books, journals, articles, theses and dissertations of USP, Unicamp, Uni-Facef, SCieLO, searching bibliographic material for theoretical reference of the article. The use of prospective scenarios is useful as a planning tool that seeks to anticipate actions for future challenges and to facilitate a process of discussion and definition of strategies, to think policies for promoting development that is socially just and environmentally sustainable.

Keywords: Scenarios. Prospective Scenarios. Development. Sustainability.

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1. APRESENTAÇÃO

Vivemos num mundo de turbulências e incertezas, e a pros-pecção de cenários é uma ferramenta capaz de contribuir para a redução das incertezas ambientais e auxiliar no processo de plane-jamento estratégico.

Como a Carta da Terra aponta, estamos em um momento crí-tico da história, enfrentamos grandes perigos e promessas e ainda somos uma comunidade terrestre com destino comum, numa teia de interdependência entre os seres e os recursos, num processo sis-têmico, no qual as partes compõem o todo. É necessário abordar os problemas sob uma perspectiva ampliada, englobando pobreza, desigualdade e desenvolvimento sustentável. Tratados, acordos e leis tornam-se insuficientes se não encontrarem eco na sociedade.

As causas e os efeitos na questão de desenvolvimento sus-tentável são muito mais profundos do que podemos acompanhar; porém, são um assunto urgente e importante sobre o qual devemos falar.

O planejamento estratégico se faz necessário, visto que qual-quer ação que se pretende adotar no futuro deve ser trabalhada no presente. Uma forma de dizer o futuro é usando a ferramenta pros-pectiva, cenários prospectivos. Não é uma ferramenta única do se-tor privado planejar e, estrategicamente, é dever inclusive da área pública.

O referencial teórico alinhava os assuntos abordados numa dinâmica de trabalho entre o desenvolvimento sustentável e a his-tória de futuro, trazida pela ferramenta utilizada, a prospecção de cenários. A leitura que se tem sobre esses contornos é de uma di-mensão que poderá ser útil para planejar ações que nos aproximem da sustentabilidade pretendida.

2. DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE

Estamos diante de um momento crítico na história da Ter-ra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais in-

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terdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica di-versidade de culturas e formas de vida, somos uma famí-lia humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabi-lidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações (BRASIL, [s.d.], [n.p.]).

“Sustentabilidade” é um termo recente, em voga atualmente. Começou a ser costurado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (UNCHE – United Nations Conference on the Human Enviroment), que foi realizada no início da década de 70 em Estocolmo. A reflexão sobre o termo e sua aplicação torna--se urgente por conta das demandas humanas e suas implicações. Perpassa o termo no que diz respeito à questão humana em suas dimensões social, econômica e ambiental.

Para compreender o termo “sustentabilidade”, consulta-se Boff (2017), que trata a questão de maneira muito mais abrangente do que apenas em termos de crescimento e desenvolvimento: am-plia a questão do individual para o coletivo, com foco em nosso planeta e seus ecossistemas. Aponta que os modos de ser e de viver devem estar alinhados aos recursos e suas limitações e que se deve pensar de forma global e equânime a aplicação dos recursos, não beneficiando um em detrimento de outro, e sim visando a uma di-visão proporcional e solidária.

O atendimento às necessidades humanas não pode se dar em detrimento do meio ambiente; a exploração dos recursos, a aplica-ção dos investimentos e o direcionamento do desenvolvimento tec-nológico devem se harmonizar, objetivando a preservação futura. O equilíbrio deve ser mote, mantendo o consumo em limites suportá-veis, a isonomia das oportunidades de atendimento às necessidades básicas, a evolução demográfica e exploração e o acesso aos re-cursos, sem prejuízo dos ecossistemas, permitindo que os recursos renováveis e não renováveis tenham uso racional. Esta é a ideia de

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sustentabilidade pretendida, conforme apontada na obra de Afonso (2006). Podemos considerar que:

A noção de sustentabilidade tem duas origens. A primeira, na biologia, por meio da ecologia. Refere-se à capacidade de recuperação e reprodução dos ecossistemas (resiliência) em face de agressões antrópicas (uso abusivo dos recursos naturais, desflorestamento, fogo etc.) ou naturais (terre-moto, tsunami, fogo etc.). A segunda, na economia, como adjetivo do desenvolvimento, em face da percepção cres-cente ao longo do século XX de que o padrão de produção e consumo em expansão no mundo, sobretudo no último quarto desse século, não tem possibilidade de perdurar. Ergue-se, assim, a noção de sustentabilidade sobre a per-cepção da finitude dos recursos naturais e sua gradativa e perigosa depleção (NASCIMENTO, 2012, p. 51).

A ideia de sustentabilidade surge da percepção de uma cri-se ambiental global, na década de 1950, com o risco ambiental da poluição nuclear, a ocorrência de chuvas radioativas a milhares de quilômetros de onde foram realizados os testes, levando a Suécia a propor a realização de uma conferência que buscasse reduzir a emissão de gases responsáveis por tais chuvas. Outra percepção da crise ambiental vem com o uso problemático de pesticidas e inseti-cidas químicos, que veio à tona com o livro Primavera Silenciosa de Rachel Carson. Em 1972, aconteceu a Conferência de Estocol-mo, com a participação de países desenvolvidos, preocupados com a crescente degradação ambiental que ameaçava a qualidade de vida, e de países em desenvolvimento, preocupados em não sofre-rem restrições à exportação de seus produtos primários e o combate da pobreza e o controle ambiental (NASCIMENTO, 2012).

A busca da sustentabilidade requer estratégias de planeja-mento de longo prazo [...]. Também emerge a difícil tare-fa de compatibilizar as políticas de curto prazo que lidam com problemas emergenciais, com as necessárias políticas de longo prazo, frequentemente colocadas em segundo plano (AFONSO, 2006, p. 13).

Afonso (2006) aponta a necessidade de redistribuição de ren-da, como sendo um dos objetivos da sustentabilidade e, ainda, a pressão que a população mundial exerce sobre os recursos ambien-tais, mesmo que seja desigualmente, indagando como seria uma

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proposta de transformação frente à utilização desses recursos e ao atendimento às necessidades de todos.

Os cenários prospectivos, como ferramentas, possibilitarão um planejamento estratégico na formulação de histórias de futuro, atendendo à demanda de longo prazo. A prospecção de cenários futuros tem relevância e propósito à medida que os métodos clás-sicos de previsões e projeções vão ficando não tão eficientes, em função de turbulências e incertezas. Nesse caso, a prospecção entra em cena como forma de reduzir as incertezas (MARCIAL; GRUM-BACH, 2006).

3. PROSPECÇÃO DE CENÁRIOS

“Eu estou interessado no futuro, porque vou gastar o resto da minha vida nele” (MAKRIDAKIS; HÉAU, 1987 apud

BELFORT, 2007, p. 1).

O interesse pelo futuro acompanha o homem desde a raciona-lidade e, nas empresas, no âmbito organizacional, é um dos grandes desafios: antecipar, preparar-se para o futuro, reagir ao inesperado, ao “cisne negro” (eventos improváveis, altamente impactantes), adaptar, provocar mudanças (BELFORT, 2007; TALEB, 2008).

O universo está em contínua mudança e tanto os seres huma-nos quanto as organizações devem ser flexíveis e adaptáveis. Quan-do se lida com a mudança, é importante que se amplie a visão sobre as coisas. Para prospectar as possibilidades de futuro, é necessário que se tenha em mente elementos que vão além dos pensamentos operacional e estratégico do cotidiano, dirigindo a reflexão a um mundo que ainda está por vir (KRAUSE, 1996; STREBEL, 1993).

Lindkvist (2010) ressalta que, para compreender o presente e antecipar o futuro, deve-se olhar para as mudanças invisíveis, aquelas que ocorrem nos bastidores, as tendências que não são ób-vias, que não foram ainda exploradas e que não serão notícias vel-has na próxima semana.

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Conceitos Básicos

“Scaenarium”, palavra do latim que deu origem a “cenário”, “significa: 1. Lugar onde ocorre a cena; 2. Limites do palco; e, 3. Enredo” (HOUAISS, 2011; RAELE, 2010, p. 8).

A palavra foi ganhando significados entre os idiomas dos pa-íses que o adotaram. Foi no idioma inglês que “cenário” ganhou o significado pertencente à administração, conforme Raele (2010, p. 22, tradução do autor): “1. Summary of the plot of play or film ‘Resumo do enredo de uma peça ou filme’. 2. Imagined sequence of future events ‘Sequência imaginada de eventos futuros’”.

Segundo Marcial e Grumbach (2006), os significados de “cenários” variam, vão desde a montagem de ambientes de filma-gens para apresentações teatrais, até as combinações estatísticas de incertezas. Para prospecção ou visão prospectiva, nos dizeres dos autores, “[...] existem várias definições, que diferem na forma e na amplitude, mas obedecem ao fundamento básico da prospectiva – os futuros são múltiplos e incertos” (MARCIAL; GRUMBACH, 2006, p. 43).

Segundo Schwartz (2006, p. 41), “Cenários não dizem res-peito a predizer o futuro, e sim a perceber futuros no presente”. Funciona como uma experiência criativa que gera um sentimento de concordância de seus gestores e leva a novas ideias estratégicas que vão além do alcance anterior da mente (SCHWARTZ, 2006).

Na literatura acadêmica a definição mais abrangente sobre cenários é a de Godet (1987 apud MARCIAL; GRUMBACH, 2006, p. 43), para quem cenário são “[...] o conjunto formado pela descrição coerente de uma situação futura e pelo encaminhamento dos acontecimentos que permitem passar da situação de origem à situação futura”.

Para Marcial e Grumbach (2006), Berger (1964) foi quem primeiro empregou a palavra “prospectiva” em sua obra A atitude prospectiva, de 1957, em que estabelecia como descrever um futu-ro desejável para o mundo, tentando mostrar a necessidade de uma atitude orientada para o futuro.

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Scandiffio (2005) ressalta que prospecção indica questões concernentes ao futuro. E a palavra “prospectiva”, de acordo com a definição do Aurélio (s.d. apud SCANDIFFIO, 2005, p. 7), é a seguinte: “[...] que faz ver adiante, ou ao longe; visão prospectiva”. Segundo Scandiffio (2005, p. 7), “Ter uma visão de futuro, tomar uma decisão e agir em torno desta não é uma novidade, mesmo que não seja uma prática comum”. É uma antecipação do futuro que permite que seja feita uma análise das incertezas e ainda seja possível uma reflexão sobre as opções de ação no presente, sobre as possibilidades de futuro desejado (SCANDIFFIO, 2005).

Prospectar cenários, realizar prospecção do futuro, estudo do futuro, prospecção, como pontua Yoshida (2011, p. 21-22) “[...] trata-se do ato de buscar informações para estudar o futuro, com horizonte de tempo que inclui, tanto o curto, quanto o longo prazo, culminando em análises a serem consideradas, para a tomada de decisões e para o planejamento”.

Historicamente, não é novidade que haja algum tempo sem grandes surpresas, enquanto outros períodos são marcados por caos e confusão. Desde as descobertas científicas do século XVII, a complexidade e a turbulência do mundo em geral vêm ocupando um espaço cada vez maior em nossas preocupações e tornando pra-ticamente impossível encontrar alguém que não tenha sido afetado por elas (SCHWARTZ, 2003).

Muitas “surpresas” são possíveis e necessitamos identificar algumas delas. Não estaremos sempre certos, de fato. Mas o uso de cenários não exige que sejamos absolutamente corretos, só seremos menos surpreendidos do que aqueles que não os utilizam. Nosso objetivo é estarmos preparados para uma ampla gama de eventu-alidades, e sermos capazes de interpretar (DAVIS, 2003, tradução nossa).

Nesse sentido, a prospecção de cenários, ao estimular a pes-quisa, a discussão e a análise de tendências como base para o pla-nejamento estratégico, é uma “[...] ferramenta das mais adequadas para a definição de estratégias em ambientes turbulentos e incertos” (MARCIAL, GRUMBACH, 2006, [n.p.]).

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Há um antigo provérbio árabe que diz que “Aquele que pre-vê o futuro mente, mesmo se disser a verdade” (SCHWARTZ, 2006, p. 17). O que se pretende com cenários prospectivos não são premonições, predições sobre o que irá acontecer, mas, diante de hipóteses, descrever alguns cenários passíveis de virem a ocorrer. Segundo Marcial e Grumbach (2006), o futuro não é predetermi-nado, portanto, pode ser modificado pelos atores sociais. O que os cenários prospectivos oferecem é uma visão de longo prazo, ou seja, “[...] é como se imunizar contra eventos inesperados” (LIN-DKVIST, 2010, p. 48), estar preparado para eventuais ocorrências.

Para Porter (1989), os cenários são ferramentas que têm por objetivo melhorar o processo decisório com base em possíveis fu-turos.

Segundo Schwartz (1996), os cenários são utilizados como uma ferramenta para auxiliar a ter uma visão de longo prazo, visto que vivemos em um mundo de grandes incertezas. Para o autor, os cenários são histórias sobre o futuro e ajudam a reconhecer as mu-danças que poderão ou não ocorrer.

Os cenários são possíveis, o que não quer dizer que sejam igualmente prováveis ou desejáveis e, conforme pontua Godet (2000), o sucesso da expressão “cenários” conduziu a abusos e con-fusões com a estratégia. Existe uma fase que é a exploratória, na qual acontece a identificação dos desafios do futuro, e outra fase, normativa, que é de definição das escolhas estratégicas possíveis e desejáveis:

Importa, pois, distinguir uma fase exploratória de iden-tificação dos desafios do futuro e uma fase normativa de definição das escolhas estratégicas possíveis e desejáveis, para não perder a orientação definida, em face de esses desafios. A distinção entre estes dois tempos é tanto mais justificada quanto a escolha das estratégias é condicionada pela incerteza mais ou menos forte que pesa sobre os cená-rios e pela natureza mais ou menos contrastada dos cená-rios mais prováveis. Não se devem confundir os cenários prospectivos (que projetam os desejos e as angústias face ao futuro) com a escolha das opções estratégicas (onde a ambição da vontade se inscreve no princípio da realidade das evoluções previsíveis da envolvente da empresa), tanto

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mais que não são os mesmos atores internos que estão na primeira linha. A fase da antecipação das mutações deve ser coletiva e supõe o envolvimento do maior número. Por consequência, ela faz apelo aos instrumentos da Prospec-tiva para organizar e estruturar, de maneira transparente e eficaz, a reflexão coletiva sobre os desafios do futuro e, eventualmente, a avaliação das opções estratégicas (GO-DET, 2000, p. 11, destaque do autor).

O objetivo não é ter um cenário que reflita o futuro, mas ter cenários possíveis e relevantes, esclarecedores das forças motrizes, das suas inter-relações e das incertezas envolvidas. A metodologia de prospecção de cenários é como um processo estruturado de pos-síveis futuros (SCHOEMAKER, 1993).

Evolução histórica

Tem-se notícia de que, ao longo da história, o homem, prin-cipalmente aqueles a quem cabia o ofício de governar, tinha um desejo de conhecer o futuro. Esse desejo vem desde o início da hu-manidade. Iam em busca das informações sobre esse futuro, com o intuito de minimizar os efeitos das decisões (MARCIAL; GRUM-BACH, 2006).

Esse desejo de conhecer o futuro pode ser rastreado desde os faraós do Egito, que tinham seus sacerdotes para anunciar o resul-tado da colheita antes de acontecer o plantio, pela observação da coloração e do volume das águas do rio Nilo, e o oráculo de Apolo no monte Parnaso, na Grécia antiga, onde sacerdotes e sacerdoti-sas realizavam o discurso sobre uma condição futura (MARCIAL; GRUMBACH, 2006).

Raele (2010) pontua que a arte divinatória da Antiguidade passa a ser configurada como heresia e cabe apenas à divindade con-hecer o futuro. Findo o feudalismo e o estabelecimento dos estados nacionais, as atividades militares ganham importância, sendo, nesse caso, utilizados o pensamento estratégico e “[...] estudos embrion-ários na construção de cenários futuros” (RAELE, 2010, p. 14).

Em 1902, o escritor inglês George Wells lança o livro Histórias do futuro. A proposta do livro era que “[...] os estudos

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históricos, econômicos e sociais fossem realizados visando sempre ao futuro” (MARCIAL; GRUMBACH, 2006, p. 26). O livro não pode ser considerado como um estudo prospectivo, mas apresen-tava “[...] fatos portadores de futuro associados a eventos futuros” (MARCIAL; GRUMBACH, 2006, p. 26).

De Wells até a década de 20 do século XX há um lapso tem-poral no qual não se tem notícias sobre eventos que propaguem qualquer planejamento prospectivo. Foram publicados alguns arti-gos isolados em revistas especializadas, como: “Dédalo ou a ciên-cia do futuro”, do inglês Haldane, “O futuro da inteligência”, do norte-americano Vernon Lee, e o “O futuro da ciência”, de Bertrand Russel (MARCIAL; GRUMBACH, 2006).

Segundo Schwartz (2006, p. 16) “[...] os cenários apareceram pela primeira vez logo após a Segunda Guerra Mundial, como um mé-todo de planejamento militar”. A Força Aérea americana tentou prever o que o seu oponente tentaria e preparou estratégias alternativas.

Depois da Segunda Guerra Mundial, conforme pontua Auli-cino (2002, p. 57),

[...] uma grande energia industrial estava em progresso para revigorar a economia. Fundado por um pequeno gru-po de executivos de negócios em conjunto com a Univer-sidade de Stanford, o Stanford Research Institute (SRI) foi criado em 1946 como centro da Costa Oeste de inovação para suportar o desenvolvimento econômico na região.

Raele (2010) reconhece no período pós-Segunda Guerra Mundial o uso sistêmico dos cenários, sendo que o método passa a ser considerado científico: “[...] muito se pesquisou sobre o futuro da tecnologia nuclear, radares e telecomunicações, entretanto, ai-nda não havia uso de cenários no universo corporativo” (RAELE, 2010, p. 27).

Foi Herman Kahn, que tinha sido integrante da Força Aérea americana, quem, nos anos 60, aprimorou o uso de cenários como ferramenta para uso comercial. Kahn tornou-se o maior futurólogo da América, prevendo que o crescimento e a prosperidade seriam inevitáveis (SCHWARTZ, 2006).

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Na década de 1970, o trabalho de Pierre Wack (1985), do Grupo de Planejamento de um escritório em Londres, da Royal Dutch/Shell, grupo internacional de petróleo, dá uma nova dimen-são aos cenários, segundo Schwartz (2006). Nessa mesma época, alguns acadêmicos começam a se valer de tais técnicas, para an-tever o comportamento do mercado de energia pré-choques do petróleo (RAELE, 2010).

O petróleo era considerado um bem estratégico, e o preço se mantinha estável desde a Segunda Guerra. Porém, alguns eventos significativos pairavam no ar, os Estados Unidos estavam exaurindo suas reservas enquanto sua demanda aumentava regularmente. A Or-ganização dos Países Exportadores de Petróleo – Opep, recém-cria-da, era composta por maioria islâmica e não apreciara o apoio que os Estados Unidos haviam fornecido a Israel depois da Guerra dos Seis Dias, entre árabes e israelenses, em 1967 (SCHWARTZ, 2006).

Wack e Newland (1985 apud SCHWARTZ, 2006) elaboraram dois conjuntos completos de cenários, com histórias sobre o futuro, e apresentaram à Royal Dutch/Shell. Não foram acatados de pronto, o que levoue Wack a desenvolver a grande tecnologia “cenários”, pois, para que os cenários fossem efetivos, era necessária uma mu-dança na visão dos gestores sobre a realidade. Isso aconteceu bem a tempo, pois, em 1973, quando houve uma alta no preço do petróleo e uma crise de energia se abateu sobre o mundo, a “[...] Shell estava preparada emocionalmente para a mudança” (SCHWARTZ, 2006, p. 19).

Os resultados da Royal Dutch/Shell tornaram a empresa mundialmente conhecida pelo pioneirismo da utilização de cenári-os, resultando na valorização e no reconhecimento da técnica, o que levou, a partir dessa época, a outros estudos baseados em cenários surgirem (MARCIAL; GRUMBACH, 2006).

O objetivo de Wack não era de prever o futuro, mas a libera-ção dos insights das pessoas: “Ampliar a compreensão do sistema, identificar os elementos predeterminados e descobrir as conexões entre as várias forças e eventos que conduziam esse sistema”, o que consequentemente levaria a uma melhor decisão (MARCIAL; GRUMBACH, 2006, p. 30).

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Nesse contexto, os cenários foram classificados como sendo de primeira e segunda geração, respectivamente: os primeiros, ti-dos como exploratórios, tentam entender e refletir sobre as circun-stâncias futuras sem indicar estratégias de atuação; já os de segunda geração vão além do caráter “ambiental-exploratório”, orientando a ação (RAELE, 2010).

Na França, o método de cenários foi introduzido pela Déléga-tion à l’Aménagement du Territoire et à l’Action Régionale – Datar na década de 1970 (GODET, 2000; AULICINO, 2002), e tem sido “[...] desenvolvido e utilizado para projetar futuros na administra-ção pública e privada pelo Departamento de Estudos Futuros da Societé d’Economie et de Mathématiques Appliquées (DEMA)” (AULICINO, 2002, p. 57).

Em 1985, Porter, influenciado por Schwartz, que era discípulo de Wack, “[...] analisou os cenários sob a perspectiva econômica, adaptando a metodologia utilizada pela Royal Dutch/Shell a uma re-alidade negocial. Esse método levou em consideração os movimen-tos dos concorrentes” (MARCIAL; GRUMBACH, 2006, p. 30).

Ringland (2006 apud RAELE, 2010) escreve que, nos anos 1980, a euforia pelos cenários não foi a mesma dos anos 1970, em função da falência da “promessa dos cenários”, haja vista a pro-funda recessão em que mergulharam, contrariando as expectativas prospectadas.

Em 2012, na Europa, foi publicado um estudo entitulado “Scenarios of the organic food market in Europe”, contendo uma análise de cenário em relação ao desenvolvimento do futuro do mercado de produtos de alimentos orgânicos na Europa. Explorou interações potenciais entre as forças motrizes relevantes, selecio-nadas por especialistas. Apontam os resultados discutidos em com-paração as principais conclusões a partir dos cenários sobre o setor orgânico (ZANOLI; GAMBELLI; VAIRO, 2012).

Jefferson (2012) lançou um artigo sobre o pioneirismo da Shell dos anos 1970, entitulado “Shell scenarios: ‘What really hap-pened in the 1970s and what may be learned for current world prospects’”. O trabalho examina o que foi editado e propõe uma narrativa diferente do que já foi publicado até hoje. O resultado

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mantém a reputação da metodologia de cenários, tão útil para a compreensão e obtenção de vantagens de um futuro incerto, indi-cando ainda como o estudo prospectivo pode trabalhar com as in-certezas auxiliando na estratégia corporativa.

No Brasil, a prática da elaboração de cenários se iniciou na década de 80, e as primeiras empresas a utilizarem essa ferramenta foram o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, a Eletrobrás, a Petrobrás e a Eletronorte, “[...] em fun-ção de operarem com projetos de longo período de maturação, o que exigia uma visão de longo prazo” (MARCIAL; GRUMBACH, 2006, p. 31).

No BNDES, a prática prospectiva de cenários foi introdu-zida pelo professor Eduardo Marques, cujo trabalho é considera-do um marco na história prospectiva no país, tanto pelo cuidado metodológico quanto pela influência no planejamento estratégico da empresa e nas políticas governamentais (MARCIAL; GRUM-BACH, 2006).

Buarque (1998 apud MARCIAL; GRUMBACH, 2006) pon-tua que, no fim dos anos 80 e início dos anos 90, foram feitos es-tudos de prospecção no Brasil, com iniciativas do CNPq em 1989, da Finep em 1992, e da Seplan-PR, com o Projeto Aridas, em 1994, sendo que cada um possuía um diferente enfoque e corte setorial, temático ou espacial. Paradoxalmente, o que inibiu a difusão da atividade prospectiva foi justamente o que deveria incentivá-la: a instabilidade e incerteza em que o país vivia durante esse período.

Foi a Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE da Presidên-cia da República que utilizou a técnica prospectiva, incentivando a discussão do tema no país e gerando, em 1997, os Cenários ex-ploratórios do Brasil 2020 e, em 1998, os Cenários desejados para o Brasil (MARCIAL; GRUMBACH, 2006).

Ainda segundo Buarque (1998 apud MARCIAL; GRUM-BACH, 2006), em 1997, o Ipea apresenta o estudo O Brasil na vi-rada do século – trajetória do crescimento e desafio do desenvolvim-ento. Porém, formulava um único cenário para o país, “[...] o que não atende a um dos princípios básicos da prospectiva: o de que o futuro é múltiplo e incerto (MARCIAL; GRUMBACH, 2006, p. 32).

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Oliveira e Forte (2010) ressaltam que, em 1996, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, foi lançado um programa de estudos prospectivos que ficou conhecido como “Bra-sil 2020”.

A Secretaria do Meio Ambiente e a Coordenadoria de Plane-jamento Ambiental do Governo do Estado de São Paulo coordenou, em 2009, um projeto de planejamento na agenda pública do es-tado, cuja missão é “Cenários Ambientais 2020”, sendo um dos 21 projetos ambientais estratégicos da Secretaria de Estado do Meio Ambiente – SMA, coordenado por Casemiro Tércio dos Reis Lima Carvalho e Renato Rosenberg (2009, p.16):

O Projeto Ambiental Estratégico Cenários Ambientais 2020 foi executado para que a prospecção de cenários se consolidasse como ferramenta de planejamento de políti-cas públicas, ao permitir a visualização dos futuros possí-veis para o Estado de São Paulo, considerando os diversos fatores que pressionam o meio ambiente, impactam as ati-vidades econômicas e, em consequência, afetam a qualida-de de vida da população paulista.

Alguns trabalhos acadêmicos têm sido desenvolvidos nesse contexto, como Análise prospectiva do álcool combustível no Bra-sil – cenários 2004-2024, de Scandiffio (2005); A aplicação de um modelo de construção de cenários no setor produtivo de etanol: um estudo sobre o etanol de segunda geração de Reale (2010); A prospectiva estratégica apoiando a tomada de decisão na definição de políticas e estratégias setorias. Estudo de caso: setor têxtil e confecção do estado do Paraná, de Lima (2007); A identificação de problemas potenciais na construção de cenários e na formulação de estratégias em uma organização: proposição de um método – um estudo de caso, do Aulicino (2002).

Métodos de elaboração de cenários

Considerando as ferramentas utilizadas de forma combina-das para elaboração de cenários, Huss e Honton (1987 apud MAR-CIAL; GRUMBACH, 2006) identificam três métodos:

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1) O método utilizado pelo SRI International, tem como foco uma perspectiva lógica intuitiva e não leva em conta ne-nhum algorítimo matemático. Esse método não se preo-cupa em influenciar o tomador de decisão.

2) O método de Impacto de Tendências utilizado pelo The Future Group limita-se a projetar o passado no presente, por meio de variáveis quantitativas, tomando o futuro como único e certo – contrariando as características do es-tudo prospectivo, das várias possibilidades de futuro, que é múltiplo e incerto.

3) O método de análise de Impactos Cruzados, criado para suprir a deficiência de análise dos outros métodos de pre-visão que não consideram a relação entre as variáveis.

Para Godet (2000), o método exige o uso de ferramentas simples para que os usuários possam assimilar os resultados e transformar a antecipação em ação. O autor destaca o que chama de triângulo grego “Logos (o pensamento, a racionalidade, o dis-curso), Epithumia (o desejo, com todos os seus aspectos nobres e menos nobres), Erga (as ações, as realizações)” (GODET, 2010, p. 16), podendo sua mensagem ser traduzida utilizando-se as cores primárias: “[...] o azul da razão fria, associado ao amarelo das sen-sações quentes, produz o verde da ação viva” (GODET, 2000, p. 16).

Kotler e Caslione (2009) consideram que cenário é um méto-do de planejamento estratégico utilizado para flexibilizar os planos em longo prazo. Em síntese, a construção de cenários exige a iden-tificação de vetores de turbulência capazes de gerar caos no meio ambiente e com tendências que refletirão o impulso e a continuida-de, imaginando ocorrências inesperadas.

Swanson (2008) aponta, em sua obra, que alguns autores abordam em vários artigos uma discussão importante e séria so-bre planejamento de cenários. Os artigos fornecem um olhar coeso e importante para quem quer trabalhar com os cenários, mostram relatórios de pesquisas e prática da disciplina de desenvolvimento e, ainda, informações sobre planejamento de cenários como ferra-

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menta de aprendizagem fundamental para estudiosos e, também, para líderes e decisores nas organizações.

Numa abordagem sobre cenários, verifica-se a importância da ferramenta como desenvolvimento dos recursos humanos, para construir a capacidade organizacional entre o pessoal-chave para lidar com a incerteza e as mundanças no futuro. Em última análise, planejamento de cenário é um processo específico de aprendiza-gem guiada que contrói o “what if”, uma capacidade de planeja-dores e tomadores de decisão e uma capacidade humana latente de responder e realizar um ajuste com base em uma estratégia falha de futuro plausível (SWANSON, 2008).

Método de Marcial e GrumbachMarcial e Grumbach (2006) propõem uma metodologia de

prospecção de cenários futuros composta por quatro etapas:1) Definição do problema – definição do objetivo da pros-

pecção, da sua amplitude, ou seja, empresa, setor, região, país, etc. e o horizonte temporal (espaço de tempo).

2) Pesquisa – levantamento dos fatos históricos relacionados à prospecção que se irá realizar e um relato do contexto atual.

3) Processamento – levantamento dos eventos relevantes para a prospecção (denominados “fatos portadores de fu-turo”) e, com a utilização da metodologia Delphi, apoiada pelo método dos impactos cruzados, são elaborados, inter-pretados e hierarquizados os diversos cenários.

4) Sugestões – elaboração de sugestões de ações estratégicas compatíveis com os cenários elaborados.

A diferença desse método em relação aos outros está na apli-cação do método dos impactos cruzados, utilizado para analisar a relação de motricidade e/ou dependência de cada evento em relação aos demais (Figura 1). Com isso, é possível levantar as forças mo-trizes do sistema, ou seja, aqueles eventos cuja ocorrência irá im-pactar a ocorrência dos demais fatos portadores de futuro (MAR-CIAL; GRUMBACH, 2006). Esses eventos, logicamente, deverão

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ser objeto de especial atenção na elaboração do planejamento estra-tégico da instituição.

Figura 1. Impactos cruzados.

*M = Motricidade D = DependênciaFonte: Marcial e Grumbach (2006, p. 117).

O método dos impactos cruzados tem por objetivo avaliar a influência que a ocorrência (ou não) de determinado evento teria sobre a probabilidade de ocorrência dos outros eventos. Segundo os autores, “[...] o método leva em conta a interdependência de vá-rias das questões formuladas, possibilitando que o estudo que se está realizando adquira um enfoque mais global, mais sistêmico e, portanto, mais de acordo com a visão prospectiva” (MARCIAL; GRUMBACH, 2006, p. 64).

Figura 2. Método Grumbach – Cenários Prospectivos.

Fonte: Adaptado de Marcial e Grumbach (2006, p. 106).

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O método de cenários por Blanning e ReinigBlanning e Reinig (1998 apud ALMEIDA; ONUSIC; MA-

CHADO NETO, 2005, p. 6). propõem “[...] um método estruturado de avaliação das variáveis nos cenários esboçados e discutem sua implementação através de um caso”. O método sugerido pelos au-tores é composto por seis etapas:

1) Listar os eventos que poderão impactar a instituição no horizonte temporal determinado.

2) Definir qual a probabilidade de cada um dos eventos vir a ocorrer.

3) Com base nessas probabilidades, estipular em que grau cada evento será favorável ou desfavorável.

4) Montar um gráfico com os valores de probabilidade e fa-vorabilidade, definindo três cenários – otimista, pessimis-ta e mais provável.

5) Descrever os cenários obtidos.

Figura 3. Método Blanning e Reinig

Fonte: Almeida, Onusic e Machado Neto (2005, p. 6).

Este é o método utilizado para determinação dos cenários oti-mista, pessimista e realista (ou mais provável).

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No esforço de acolher as necessidades de todos, redistribuir renda, e considerando a pressão que a população mundial exerce sobre os recursos naturais, importante se faz atentar aos cuidados urgentes e aos esforços para gerar uma sociedade sustentável e glo-bal, baseada no respeito pela natureza, no atendimento aos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz, como é observado pela Carta da Terra.

O desenvolvimento sustentável, como eixo do planejamento, significa traçar um objetivo comum e estabelecer formas de alcan-çá-lo. Estipula-se o ponto aonde se quer chegar e quais as dificul-dades para se alcançar o objetivo. Utilizar a prospecção de cenários não elimina as incertezas do futuro, mas certamente permite reduzir os riscos inerentes à tomada de decisão. Elaborar cenários constitui peça-chave desse processo.

Trabalhar a ferramenta prospectiva possibilita criar eventos, analisar e elaborar propostas de políticas públicas de médio e longo prazo, a partir de cenários prospectivos. Trata-se, portanto, de um instrumento de planejamento que busca antecipar as ações para os desafios futuros e facilitar um processo de discussão para definir estratégias e pensar políticas para a promoção do desenvolvimento que seja socialmente justo e ambientalmente sustentável.

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Política Editorial / Editorial Policy

A Revista Educação é uma publicação digital semestral do Claretiano – Centro Universitário, des tinada à divulgação científica dos cursos, bem como de pesquisas e projetos comunitários.

Tem como objetivo principal publicar trabalhos que possam contribuir com o debate acerca de temas educacionais e os paradig-mas concernentes à educação na sociedade contemporânea, tendo como áreas de interesse a história da educação, movimentos cultu-rais, arte, literatura e filosofia.

A Revista Educação destina-se à publicação de trabalhos inéditos que apresentem resultados de pesquisa histórica ou de investigação bibliográfica originais, visando agregar e associar à produção escrita a produção fotográfica, de vídeo ou áudio, sendo submetidos no formato de: artigos, ensaios, relatos de caso, resu-mos estendidos, traduções ou resenhas.

Serão considerados apenas os textos que não estejam sendo submetidos a outra publicação.

As línguas aceitas para publicação são o português, o inglês e o espanhol.

Análise dos trabalhos

A análise dos trabalhos é realizada da seguinte forma: a) Inicialmente, os editores avaliam o texto, que pode ser

desqualificado se não estiver de acordo com as normas da ABNT, apresentar problemas na formatação ou tiver reda-ção inadequada (problemas de coesão e coerência).

b) Em uma segunda etapa, os textos selecionados serão en-viados a dois membros do conselho editorial, que avaliarão as suas qualidades de escrita e conteúdo. Dois pareceres negativos desqualificam o trabalho e, havendo discordân-cia, o parecer de um terceiro membro é solicitado.

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c) Conflito de interesse: no caso da identificação de conflito de interesse da parte dos revisores, o editor encaminhará o manuscrito a outro revisor ad hoc.

d) O autor será comunicado do recebimento do seu trabalho no prazo de até 8 dias; e da avaliação do seu trabalho em até 90 dias.

e) O ato de envio de um original para a Revista Educação implica, auto maticamente, a cessão dos direitos autorais a ele referentes, devendo esta ser consultada em caso de republicação. A responsabilidade pelo conteúdo veiculado pelos textos é inteiramente dos autores, isentando-se a Ins-tituição de responder legalmente por qualquer problema a eles vinculado. Ademais, a Revista não se responsabilizará por textos já publicados em outros periódicos. A publica-ção de artigos não é remunerada.

f) Cabe ao autor conseguir as devidas autorizações de uso de imagens/fotogra fias com direito autoral protegido, de modo que estas sejam encaminhadas, quando necessário, juntamente com o trabalho para a avaliação. Também é do autor a responsabi lidade jurídica sobre uso indevido de imagens/fotografias.

Publicação

A Revista Educação aceitará trabalhos para publicação nas seguintes categorias:

1) Artigo científico de professores, pesquisadores ou estu-dantes; mínimo de 8 e máximo de 15 páginas.

2) Relatos de caso ou experiência: devem conter uma abor-dagem crítica do even to relatado; mínimo de 5 e máximo de 8 páginas.

3) Traduções de artigos e trabalhos em outro idioma, desde que devidamente au torizadas pelo autor original e com-

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provadas por meio de documento oficial im presso; míni-mo de 8 e máximo de 15 páginas.

4) Resumos estendidos de trabalhos apresentados em even-tos científicos ou de te ses e dissertações; mínimo de 5 e máximo de 8 páginas.

5) Ensaios: mínimo de 5 e máximo de 8 páginas. 6) Resenhas: devem conter todos os dados da obra (edito-

ra, ano de publicação, cidade etc.) e estar acompanhadas de imagem da capa da obra; mínimo de 5 e máximo de 8 páginas.

Submissão de trabalhos

1) Os trabalhos deverão ser enviados: a) Em dois arquivos, via e-mail (attachment), em formato

“.doc” (Word for Windows). Em um dos arquivos, na pri-meira página do trabalho, deverá constar apenas o título, sem os nomes dos autores. O segundo arquivo deverá se-guir o padrão descrito no item 2, incluindo os nomes dos autores.

b) Em caráter de revisão profissional. c) No máximo com 5 autores. d) Com Termo de Responsabilidade devidamente assinado,

escaneado de forma legível e enviado para o e-mail [email protected].

2) O trabalho deve incluir: a) A expressão “TÍTULO” seguida do título em língua portu-

guesa, em Times New Roman, corpo 12, negrito.b) A expressão “TITLE” seguida do título em língua inglesa,

em Times New Roman, corpo 12, normal. c) A expressão “AUTORIA” seguida do(s) nome(s) do(s)

autor(es) e dos dados de sua(s) procedência(s) – filiação

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institucional, última titulação, e-mail, telefones para con-tato. Observação: os telefones não serão disponibilizados ao público.

d) A expressão “RESUMO” seguida do respectivo resumo em língua portugue sa (entre 100 e 150 palavras). Sugere--se que, no resumo de artigos de pesquisa, seja especifica-da a orientação metodológica.

e) A expressão “ABSTRACT” seguida do respectivo resumo em língua inglesa (entre 100 e 150 palavras).

f) A expressão “PALAVRAS-CHAVE” seguida de 3 até 5 palavras-chave em língua portuguesa, no singular.

g) A expressão “KEYWORDS” seguida de 3 até 5 palavras--chave em língua inglesa, no singular.

h) O conteúdo textual do trabalho. i) Os vídeos, as fotos ou áudios são opcionais. Todo o mate-

rial de mídia digital deve ser testado antes do envio e não ultrapassar 5 minutos de exibição.

Formatação do trabalho

1) Em Times New Roman, corpo 12, entrelinhas 1,5 e sem sinalização de início de parágrafo.

2) Para citações longas, usar corpo 10, entrelinhas simples, recuo duplo, espaço antes e depois do texto. Citações cur-tas, até 3 linhas, devem ser colocadas no interior do texto e entre aspas, no mesmo tamanho de fonte do texto (12).

3) Tabelas, quadros, gráficos, ilustrações, fotos e anexos devem vir no interior do texto com respectivas legendas. Para anexos com textos já publicados, deve-se incluir re-ferência bibliográfica.

4) As referências no corpo do texto devem ser apresentadas entre parênteses, com o nome do autor em letra maiúscula

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seguido da data, separados por vírgula e espaço e contendo o respectivo número da(s) página(s), quando for o caso. Exemplo: (FERNANDES, 1994, p. 74). A norma utiliza-da para a padronização das referências é a da ABNT em vigência.

5) As seções do texto devem ser numeradas, a começar de 1 (na introdução), e serem digitadas em letra maiúscula; subtítulos devem ser numerados e digitados com inicial maiúscula.

6) As notas de rodapé devem estar numeradas e destinam-se a explicações com plementares, não devendo ser utilizadas para referências bibliográficas.

7) As referências bibliográficas devem vir em ordem alfabé-tica no final do artigo, conforme a ABNT.

8) As expressões estrangeiras devem vir em itálico.

Modelos de Referências Bibliográficas – Padrão ABNT

Livro no todo PONTES, Benedito Rodrigues. Planejamento, recrutamento e seleção de pessoal. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005.

Capítulos de Livros BUCII, Eugênio; KEHL, Maria Rita. Videologias: ensaios sobre televisão. In: KEHL, Maria Rita. O espetáculo como meio de subjetivação. São Paulo: Boitempo, 2004. cap. 1, p. 42-62.

Livro em meio eletrônico ASSIS, Joaquim Maria Machado de. A mão e a luva. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. Dis ponível em: <http://machado.mec.gov.br/imagens/stories/pdf/romance/ marm02.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2011.

Periódico no todo GESTÃO EMPRESARIAL: Revista Científica do Curso de Administração da Unisul. Tubarão: Unisul, 2002.

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Artigos em periódicos SCHUELTER, Cibele Cristiane. Trabalho voluntário e extensão universitária. Episteme, Tubarão, v. 9, n. 26/27, p. 217-236, mar./out. 2002.

Artigos de periódico em meio eletrônico PIZZORNO, Ana Cláudia Philippi et al. Metodologia utilizada pela bibliote-ca universitária da UNISUL para registro de dados bibliográficos, utilizando o formato MARC 21. Revista ACB, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 143-158, jan./ jun. 2007. Disponível em: <http://www.acbsc.org.br/revista/ojs/viewarticle. php?id=209&layout=abstract>. Acesso em: 14 dez. 2007.

Artigos de publicação relativos a eventos PASCHOALE, C. Alice no país da geologia e o que ela encontrou lá. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 33. 1984. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, SBG, 1984. v. 11, p. 5242-5249.

Jornal ALVES, Márcio Miranda. Venda da indústria cai pelo quarto mês. Diário Cata-rinense, Florianópolis, 7 dez. 2005. Economia, p. 13-14. Site XAVIER, Anderson. Depressão: será que eu tenho? Disponível em: <http:// www.psicologiaaplicada.com.br/depressao-tristeza-desanimo.htm>. Acesso em: 25 nov. 2007.

Verbete TURQUESA. In: GRANDE enciclopédia barsa. São Paulo: Barsa Planeta Internacional, 2005. p. 215.

Evento CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA MECÂNICA, 14, 1997, Bauru. Anais... Bauru: UNESP, 1997.