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Interlagos: uma corrida com dois pit stops · fugir da tradicional técnica da pirâmide invertida, muito usada nas publicações periódicas. Segundo Lima, À medida que o texto

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Interlagos: uma corrida com dois pit stops

RevisãoCláudio Giória

Tratamento de imagensDarcy F. Dian Júnior

Ilustrações e Capa

m796.7209 Lourenço, Leonardo. L892i Interlagos: uma corrida com dois pit-stops. / Leonardo Lourenço; Rogério Stuan.- Campinas: PUC-Campinas, 2006.

130p. Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Gilberto Roldão. Monografia (conclusão de curso) - Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Linguagem e Comunicação, Faculdade de Jornalismo. 1. Grandes prêmios (Automobilismo) - Historia. 2. Automobilismo - Historia. 3. Automobilismo - Brasil. I. Stuan, Rogério. II. Roldão, Carlos Gilberto. III. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Linguagem e Comunicação, Faculdade de Jornalismo. IV. Título. 20.ed. CDD – m796.7209

Rafael Cruz

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Aos pilotos José Carlos Pace, o Moco (in memorian), Ingo Hoffmann e Wilsinho Fittipaldi

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Agradecimento

A Deus que nos ilumina, mostra os caminhos que deve-mos trilhar e nos acompanhou nesta jornada.

Aos nossos pais pela ajuda nos momentos difíceis e pelaoportunidade de chegar até aqui.

Aos amigos pelos momentos de convívio e de risos quesem dúvida deixarão saudades.

Ao nosso orientador, Carlos Gilberto Roldão, por ter acre-ditado em nosso trabalho e pela ajuda e tempo dedicado aeste projeto.

A todos os professores que participaram de nosso dia-a-dia nestes 4 anos.

Aos entrevistados, que contribuíram com seus conheci-mentos para enriquecer o nosso trabalho.

Ao Cláudio, Darcy e Rafael, pela grande força nos mo-mentos finais desse livro.

*E a Ana, por tudo. (Léo)

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“O ponto mais rápido do Autódromo de Interlagos é nafrenagem do “S” do Senna. É muito importante frear no pon-to certo, pois se o fizermos muito cedo, perde-se tempo, poisestamos em velocidade muito alta. Mas se frearmos muitotarde, perde-se o posicionamento correto na primeira pernado ‘S’. Neste ponto reduzimos de 5ª marcha para 2ª, muitorapidamente. Na primeira perna temos que manter o carrototalmente ‘por dentro’ para não perder a tomada da segun-da perna para a direita. Como com pneus novos se faz a se-gunda perna e a curva seguinte, a Curva do Sol, de péembaixo, este posicionamento é muito importante. E vamossubindo de marcha até a 5ª, para podermos entrar na RetaOposta com a maior velocidade possível.

No fim da Reta Oposta, temos a Curva do Lago, onde oponto de frenagem é muito importante, pois é muito fácilpassar do ponto ideal e perder velocidade na saída da curva,que é feita de 3ª marcha. Se fizermos bem a Curva do Lago,chegamos de 4ª marcha na freada da Curva do Laranjinhacom o motor no limitador. Essa curva é feita de 3ª marcha,praticamente de pé embaixo. É, junto com a Curva do Mer-gulho, a que mais gosto do circuito. Logo no fim da Curvado Laranjinha, temos que frear para a curva do ‘S’ no miolo,

4.309 metros a bordo de um Stock Car V8

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que é feita de 2ª marcha. A saída da curva do ‘S’ é feita emlinha reta para a freada da Curva do Pinheirinho, que tam-bém é feita de 2ª. Na saída do Pinheirinho mudamos para a3ª, que vai até a freada da Curva do Bico de Pato. Esta curvapode ter mais de um traçado ideal, depende muito do acertodo carro, e temos que ser bem progressivos na reaceleraçãona saída da curva, para não deixar o carro ‘atravessar’. No fimdo Bico de Pato, já temos que nos posicionar bem para aCurva do Mergulho, onde a marcha passa de 3ª para 4ª nomeio da curva, sempre de pé no fundo.

A freada da Curva da Junção e o posicionamento corretosão muito importantes, pois depois temos toda a subida e areta dos boxes. A Curva da Junção é feita de 2ª marcha, enovamente temos que tomar cuidado para não ‘atravessar’na saída, e conseqüentemente perder tempo em toda retaprincipal”.

INGO HOFFMANN

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Sumário

Traçado antigo de Interlagos ...................................13Traçado novo de Interlagos ......................................15Apresentação ..............................................................17

Capítulo 1 - É dada a largada! ...............................27Provas de rua ...............................................................30A era do gasogênio .....................................................32Resistência ..................................................................34A mais charmosa ........................................................38

Capítulo 2 - O primeiro pit stop ..........................57O test-drive .................................................................58Agora vale! ...................................................................64Grid completo ............................................................65Tensão em Interlagos ................................................68Rato, de novo! ............................................................70A vitória de uma estrela ............................................73A primeira dobradinha ..............................................74O F-1 tupiniquim ......................................................83Emmo, o Desbravador ...............................................91

Capítulo 3 - O segundo pit stop .........................105Stock Car: domínio do “Alemão” ..........................106Com o nome do mito ..............................................112Piquet, o campeão do Planalto ...............................117“A apunhalada no traçado antigo” .........................120A primeira em casa ...................................................125Nos braços do povo ..................................................130Ayrton Senna do Brasil .............................................134Interlagos, palco do campeão ..................................140Renault x Ferrari ........................................................142No alto, 13 anos depois ...........................................144Auf wiedersehen, Schumi ........................................156Planos ..........................................................................160O futuro ......................................................................161

Referências Bibliográficas .......................................171

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Curva 1

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Traçado antigo de Interlagos (1940-1989)

7.823 m

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Traçado novo de Interlagos (1990)

4.309 m

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Nas páginas deste livro-reportagem os amantes das diver-sas modalidades do automobilismo vão encontrar uma pa-norâmica da história desse esporte que reúne pessoas das maisdiferentes camadas sociais. Aborda o contexto de uma capi-tal paulista ainda em desenvolvimento e os motivos que le-varam personagens importantes de uma época a investir emuma obra que se tornaria referência para o automobilismointernacional. As principais corridas das diversas modalida-des, os principais campeões, os momentos mais marcantes eas crises do autódromo estão presentes nos três capítulos daobra.

Escolhemos o tema “Automobilismo Brasileiro” duranteconversas no primeiro semestre por percebermos que haviapouco material referente ao assunto, além de se tratar de umtema do qual gostamos. Definido esse tema geral, encontra-mos o foco do nosso trabalho nas primeiras semanas de ori-entação e decidimos que abordaríamos a história do Autó-dromo Internacional José Carlos Pace, nome oficial do Autó-dromo de Interlagos, sempre a relacionando com a históriado automobilismo brasileiro.

Optamos pela escolha do livro-reportagem por ser umaforma de aprofundar mais no tratamento da história do Au-

Apresentação

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tódromo de Interlagos, como diz Lima:

O livro-reportagem cumpre um rele-vante papel, preenchendo vazios dei-xados pelo jornal, pela revista, pelasemissoras de rádio, pelos noticiários datelevisão (...). Mais do que isso, avan-ça para o aprofundamento do conhe-cimento (...), eliminando, parcialmen-te que seja, o aspecto efêmero da men-sagem da atualidade praticada peloscanais cotidianos da informaçãojornalística (LIMA, 2004, p. 4).

Consideramos que a imprensa diária não consegue cum-prir com o papel de fornecer ao leitor um jornalismointerpretativo abrangente, capaz de oferecer um panoramasignificativo da atualidade. Muito se fala sobre o factual, masna maioria das vezes se esquece de analisar as causas e aspossíveis conseqüências do acontecimento noticiado. De fatoé extremamente difícil encontrar uma matéria que ofereçauma abordagem diferenciada do fato, que transborde as fron-teiras do imediato e ofereça uma compreensão mais apuradado atual.

Porém, notamos certa resistência, por vezes até mesmo

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involuntária, da imprensa periódica em abordar assuntosdesconcertantes, que questionem valores e costumes tradi-cionais. A razão disso talvez seja o medo de perder leitores,ou então, conseqüência das pressões impostas pela produ-ção em ritmo industrial do conteúdo informativo. Nãoobstante, é preciso apontar casos raros de jornalismointerpretativo de qualidade na mídia periódica, como revelaLima (2004), “no jornalismo interpretativo (..) não se con-tenta com a relação simplista de causa e efeito (...). É teceresse encontro de relações entre a rede de causas e a rede deefeitos” (p.22).

Tendo por base a essência do livro-reportagem de preen-cher os vazios da imprensa, surge a possibilidade de experi-mentar novas maneiras de tratamento, como por exemplo,fugir da tradicional técnica da pirâmide invertida, muito usadanas publicações periódicas. Segundo Lima,

À medida que o texto jornalístico evo-lui da notícia para a reportagem, surgea necessidade de aperfeiçoamento dastécnicas de tratamento da mensagem.Por uma condição de proximidade,estabelecida pelo elo comum da escri-ta, é natural compreender que, mes-mo intuitivamente (...), os jornalistas

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sentiam-se então inclinados a se ins-pirar na arte literária para encontrar osseus próprios caminhos de narrar o real(LIMA, 2004, p.173).

Essa renovação no estilo do jornalismo começou a ser im-plantada no começo da década de 1960, por jornalistas ame-ricanos, fundadores do chamado New Journalism, que pas-saram a ocupar espaços deixados pelos escritores de ficção.Em 1966, o jornalista e escritor Truman Capote publicou aprimeira grande obra do New Journalism em formato de li-vro-reportagem: “A sangue frio”. O livro foi resultado de umainvestigação de vários meses do autor sobre a chacina de umafamília.

De acordo com Sodré e Ferrari, a reportagem é um dosgêneros jornalísticos com:

O desdobramento das clássicas per-guntas a que a notícia pretende respon-der (quem, o que, como, quando, onde,por que) constituirá de pleno direitouma narrativa, não mais regida peloimaginário, como na literatura de fic-ção, mas pela realidade factual do dia-a-dia, pelos pontos rítmicos do cotidi-

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ano que, discursivamente trabalhados,tornam-se reportagem (SODRÉ eFERRARI, 1986, p.11).

Lima (2004), analisa e separa os livros-reportagem em tre-ze classificações, tendo por base “o objetivo particular (...)com que o livro desempenha narrativamente sua função deinformar e orientar com profundidade e a natureza do temade que trata a obra” (p.51). Assim, esta publicação se classi-fica como “livro-reportagem-história”, já que:

Focaliza um tema do passado recenteou algo mais distante no tempo. Otema, porém, tem em geral algum ele-mento que o conecta com o presente,dessa forma possibilitando um elo co-mum com o leitor atual. Esse elemen-to pode surgir de uma atualização ar-tificial de um fato passado ou pormotivos os mais variados (LIMA,2004, p. 54)

Nossa produção consistiu na utilização de material frutode pesquisas em livros e sites especializados, bem como deentrevistas com pilotos, jornalistas especializados em auto-

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mobilismo e apaixonados pelo esporte. Nossas entrevistasforam realizadas pessoalmente, através de telefone e por e-mail. Como diz Lima,

Muito mais do que na reportagem dojornal impresso cotidiano, a entrevistadesponta no livro como uma forma deexpressão por si, dotada de individua-lidade, força, tensão, drama, esclare-cimento, emoção, razão, beleza. Nas-ce daí o diálogo possível, o crescimen-to do contato humano entreentrevistador e entrevistado, que sóacontece porque não há a pauta fecha-da castrando a criatividade (LIMA,2004, p.107).

Já Altman, compara a técnica da entrevista jornalística coma entrevista realizada pelos psicanalistas em seus consultóri-os,

A entrevista é uma atividade muitosemelhante ao instante em que o psi-canalista põe seu paciente no divã.Com uma diferença: no dia seguinte

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tudo aquilo que foi dito será expostopublicamente e não ficará restrito aosegredo do consultório (ALTMAN,1995, p. XVIII).

Entretanto, nos deparamos com uma dificuldade que nãohavíamos previsto quando escolhemos o tema: a falta de fon-tes vivas que pudéssemos entrevistar sobre o período da cons-trução do Autódromo de Interlagos, bem como de anos an-teriores, sendo esses acontecimentos cerca de 70 anos atrás.Essa ausência de fontes nos fez utilizar somente o materialde nossas pesquisas na construção do texto do Capítulo 1.Nos capítulos seguintes do livro, o problema da ausência defontes foi sanado, por reportar um período mais recente.

Mesmo com essa pequena ausência de fontes na primeiraparte de nossa publicação, conseguimos aplicar o conceitobásico da entrevista, de acordo com Medina (2002), “a en-trevista, nas suas diferentes aplicações, é uma técnica deinteração social, de interpenetração informal, quebrando as-sim isolamentos grupais, individuais, sociais; pode tambémservir à pluralização de vozes e à distribuição democrática dainformação” (p. 8).

Ainda baseados no conceito de entrevista de Medina, ana-lisamos a entrevista jornalística da seguinte forma: “é uma

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técnica de obtenção de informações que recorre ao particu-lar; por isso se vale, na maioria das circunstâncias, de fonteindividualizada e lhe dá crédito, sem preocupaçõescientíficas”(p.18). Como público-alvo deste livro apontamosos apaixonados pelo automobilismo, curiosos pela históriado Autódromo de Interlagos, especialistas do assunto e es-tudantes.

No primeiro capítulo deste livro-reportagem, os leitoresvão se deparar com uma contextualização da cidade de SãoPaulo no começo da década de 1940, como as corridas e aconstrução do Autódromo influenciaram o desenvolvimentoda indústria automobilística nacional, e consequentementeda capital paulista.

No segundo capítulo da publicação, o leitor encontra umhistórico das primeiras provas da Fórmula 1 no Brasil, queconsolidaram o automobilismo brasileiro no cenário interna-cional do esporte, bem como de um dos mais ousados proje-tos já realizados no Brasil, a equipe Fittipaldi de Fórmula 1,primeira equipe de Fórmula 1 sediada fora da Europa, e deum dos responsáveis diretos por esse, o piloto EmersonFittipaldi.

No capítulo três narramos o nascimento da Stock Car,atualmente a maior categoria do automobilismo nacional, queocorre justamente no período no qual o Autódromo de

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Interlagos passa por um período obscuro em sua história,devido a perda da Fórmula 1 para o Rio de Janeiro. Tambémnessa parte, os amantes do automobilismo têm a oportuni-dade de conhecer os detalhes sobre a polêmica reforma quereduziu o circuito quase pela metade, e também podem vernascer novas esperanças para o Brasil voltar a ocupar o lugarmais alto do pódio, com os pilotos Felipe Massa, NelsonÂngelo Piquet e Bruno Senna.

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É dada a largada!Capítulo 1

A cidade de São Paulo, impulsionada pelo crescimentoeconômico da cultura cafeeira, passava por um período deindustrialização e urbanização no final da década de 1920.Na área econômica, o centro comercial se expandia cada diamais, com seus escritórios e lojas sofisticadas. Acompanhan-do todo esse progresso, nasciam novos bairros e loteamentos,muitos construídos por grandes empresas imobiliárias, comoa City of San Paulo Improvements and Freehold Land Co.Ltd. e a Auto-Estradas S.A.

Em 1926, sob o comando de seu fundador, o engenheirobritânico Louis Romero Sanson, a Auto-Estradas S.A. (AESA)começou a construir o bairro Balneário Satélite da Capital,na Zona Sul de São Paulo, entre as represas Guarapiranga eBillings. O projeto consistia na construção de uma praia arti-ficial, um hotel, o Aeroporto de Congonhas, um clube decampo e um autódromo para corridas de automóveis.

“O plano original era fazer um bairro planejado, era umpólo turístico, com hotel, com autódromo, com tudo”, dizFlávio Gomes, jornalista que acompanha o automobilismo

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há 19 anos, e pisou em Interlagos pela primeira vez aindagaroto, aos 5 anos de idade.

Com o intuito de criar um autódromo perfeito, Sansonoptou por um terreno que era chamado pelos moradores naépoca de “enorme buraco”. “Aproveitou-se uma área de 1milhão de m² para se criar o traçado de quase 8.000 metros.Utilizando a topografia, com um vale e duas encostas”, ob-serva Roberto Brandão, colunista do site Grande Prêmio(www.grandepremio.com.br), um dos mais importantes dopaís, que sempre acompanhava o pai em Interlagos, há 45anos, referindo-se à forma natural do lugar, semelhante à deum anfiteatro, que permitiria uma vista ao público de quasetodo o circuito.

Contando apenas com recursos próprios, a AESA teve quevoltar atrás em algumas de suas pretensões para a constru-ção do Balneário Satélite da Capital. A economia paulistasofreu um duro golpe em 1929, com a quebra da Bolsa deNova Iorque, que derrubou os preços do café. Outro fatoque atrapalhou o projeto do engenheiro britânico foram asrevoluções de 1930 e 1932, que barraram o desenvolvimentode São Paulo.

Mesmo com todos os problemas durante a década de 1930,a construção do autódromo foi concluída no final de 1939.

Em 12 de maio de 1940 aproximadamente 15 mil pessoas

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compareceram à inauguração de Interlagos, que recebeu duasprovas. Uma de carros, vencida pelo piloto paulista Nasci-mento Júnior a bordo de um Alfa Romeo 3500 cm³, seguidopelo eterno Chico Landi, com uma Maserati 3000 cm³, eGeraldo Avellar, com um Alfa Romeo 2900 cm³. Nesta prova,Nascimento Júnior cravou o primeiro recorde de Interlagos:4min9s.

A outra prova que fez parte da festa de inauguração docircuito foi para motocicletas. O vencedor foi Hans Havche,com sua BMW, com Beto Bicudo pilotando outra BMW emsegundo e Wilfredo Charle, guiando uma Zundapp, na ter-ceira colocação.

O traçado tinha um percurso de 7.823 metros de exten-são. “Era um dos melhores circuitos do mundo. Tinha tre-chos de altíssima velocidade, como a reta dos boxes, curvas 1e 2, a antiga reta oposta (em descida) e a curva 3; curvas deraio longo como a Ferradura e a do Sol, e um trecho muitotécnico de baixa velocidade. E havia um anel externo, prati-camente um oval, que era sensacional”, descreve o jornalistaRodrigo Mattar, comentarista de provas de automobilismodo canal SporTV, que há 29 anos acompanha o esporte.

Para Ingo Hoffmann, piloto doze vezes campeão da StockCar, categoria mais importante do automobilismo brasileiro,e com passagem pela Fórmula 1, “a pista de Interlagos era

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uma das mais seletivas do mundo, se equiparando ao circui-to de Spa-Francorchamps, na Bélgica, ficando atrás apenasdo traçado antigo de Nürburgring, na Alemanha”.

Provas de rua

No entanto, a vida automobilística do paulistano não co-meçou depois da construção de Interlagos. Anos antes já eramdisputadas corridas em pistas improvisadas, pelas ruas da ci-dade de São Paulo, e em circuitos pelo interior do Estado.Sem muita segurança, as provas geralmente terminavam comalguma vítima, não necessariamente fatal. A única separaçãodo público para a pista eram fardos de feno e alfafa.

O mais famoso traçado de rua do Brasil, na época, era oCircuito da Gávea, no Rio de Janeiro (então capital federal),também chamado de “Trampolim do Diabo” graças à gran-de dificuldade da prova, em um percurso com cerca de 11km, contornando o Morro Dois Irmãos. Os competidoreslargavam na Rua Marquês de São Vicente, onde os carrostinham a dura missão de atravessar os trilhos do bonde, ge-ralmente muito escorregadios, e passavam pelas AvenidasBartolomeu Mitre, Visconde de Albuquerque, Niemeyer eEstrada da Gávea (onde é, atualmente, o bairro da Rocinha).

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O trajeto era composto por todos os tipos de curvas e pisos(asfalto, cimento, paralelepípedo e areia).

No “Trampolim do Diabo” surgiram os primeiros ídolosnacionais do automobilismo, como Chico Landi, Nascimen-to Júnior e Manuel de Teffé, que juntos venceram seis vezesno Circuito da Gávea. Landi foi o maior vencedor no traça-do, ganhando as provas do Grande Prêmio Cidade do Rio deJaneiro em 1941, 1947 e 1948. Correram ainda no local pilo-tos do exterior, entre eles os italianos Carlo Pintacuda e AttilioMarioni, da Ferrari, o ítalo-argentino Vittorio Coppoli e afrancesa Hellé-Nice, Mariette Hélène Delangle, de nascimen-to.

Todo o sucesso da prova carioca motivou a realização doGrande Prêmio Internacional Cidade de São Paulo. A corridafoi realizada em 12 de julho de 1936, nas ruas do JardimAmérica, e agitou a metrópole em crescimento que era SãoPaulo naquele momento.

Representaram o Brasil na disputa Manuel de Teffé, Nas-cimento Júnior e os irmãos Quirino e Chico Landi. Os prin-cipais nomes do automobilismo internacional na corrida fo-ram os astros da Ferrari, Pintacuda e Marioni, e a francesaHellé-Nice, também conhecida como a “Rainha da Bugati”.

Mostrando toda a superioridade dos bólidos italianos,Pintacuda e Marioni dispararam na frente logo na largada e

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mantiveram-se em primeiro e segundo lugares, respectiva-mente, até o final da corrida. Já a briga pela terceira posiçãofoi intensa entre Teffé e Hellé-Nice, com vantagem para obrasileiro, que terminou na frente. Ao receber a bandeirada,ele reduziu a velocidade de seu carro e acabou sendo atingi-do pela francesa, que vinha muito próxima.

A piloto perdeu o controle de seu Alfa Romeo, atropelouum soldado, atravessou a barreira de fardos de feno e alfafa einvadiu a área reservada para o público. O resultado do aci-dente foi a internação de Hellé-Nice, que sobreviveu ao cho-que, cerca de 37 espectadores feridos e quatro mortos.

Nascia a preocupação com a segurança e a percepção dainviabilidade de corridas de automóveis pelas ruas e aveni-das, devido ao perigo para a vida de pilotos e público.

A era do gasogênio

Cercado pelo status de novidade, o Autódromo deInterlagos quase sofreu um duro golpe logo após ser inaugu-rado. Em meados de 1943, com a Segunda Guerra Mundial,o governo brasileiro deu início ao racionamento de combus-tíveis derivados de petróleo e suspendeu todas as corridas deautomóveis no Brasil.

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Mas, como todo bom brasileiro, os amantes da velocidadederam um “jeitinho” e descobriram uma forma de continuardisputando provas em Interlagos: adaptar os carros para ouso do aparelho de gasogênio, que consistia em enormes ci-lindros instalados na parte traseira dos carros que queima-vam, com carvão e lenha, os gases nitrogênio, hidrogênio,monóxido de carbono e metano. O vapor resultante dessaqueima era o combustível que fazia os carros andarem.

O combustível alternativo requeria uma atenção maior dospilotos com o rendimento dos motores e com a estabilidadedos veículos, devido às necessárias mudanças na aerodinâmi-ca e centragem, causadas pelo peso e volume dos reservatóri-os.

Apesar das poucas provas disputadas nesse período deguerra, Interlagos foi palco de pegas históricos, como a per-seguição de Chico Landi e Rubem Abrunhosa a GeraldoAvellar, em 1944, na 2ª Prova Interventor Fernando Costa.

Nessa corrida, Avellar assumiu a ponta logo na largada eteve em “seus calcanhares”, durante todas as 15 voltas, Landie Abrunhosa. Mas, na última volta, a resistência de Avellaracabou, pois um pneu furado o tirou da prova. A vitória foide presente a Landi, com Abrunhosa em segundo e SalvadorChiapazzo na terceira colocação.

Nos tempos de guerra, Chico Landi recebeu o título de

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“rei do gasogênio”, ao sagrar-se campeão brasileiro por trêsanos consecutivos, entre 1943 e 1945, com seu Buick 1941.Encerrada a Segunda Guerra Mundial, os pilotos voltaram autilizar a gasolina como combustível de suas máquinas, eInterlagos retomou sua rotina de grandes espetáculos deautomobilismo.

Resistência

No início da década de 1950, o Brasil passava por um pe-ríodo nacionalista, com Getúlio Vargas retornando à Presi-dência da República, cinco anos após ter renunciado ao car-go que ocupou entre 1930 e 1945. Estabelecido no poder,Vargas lançou, em 1952, o “Plano Nacional de Estímulo àProdução de Autopeças e à Implantação Gradativa da In-dústria Automobilística no País”, o que impulsionou a naci-onalização dos carros montados no Brasil e diminuiu as im-portações de veículos, graças a um aumento de taxas.

Outro passo importante dado pelo presidente que favo-receu a indústria nacional foi a nacionalização do petróleo,através do slogan “o petróleo é nosso” que culminou com acriação da Petrobrás e, conseqüentemente, da CompanhiaSiderúrgica Nacional (CSN). Diante de tantas mudanças,

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era necessário um local para que a indústria automobilísticanacional se desenvolvesse.

Com o reconhecimento de ostentar um dos melhores tra-çados do mundo, Interlagos passou a ser fundamental para odesenvolvimento, não só de pilotos e preparadores de carros,mas também de peças e veículos.

O autódromo se firmava como campo de teste para asmontadoras, desde a Ford, instalada em 1919 no Brasil, pas-sando por General Motors (1925), FNM (Fábrica Nacionalde Motores - 1941), Vemag-DKW (1945), Willys-Overland(1952), Mercedes-Benz (1952) e Volkswagen (1953), até che-gar à Simca do Brasil (1958).

De acordo com o site oficial do Autódromo de Interlagos(www.autodromointerlagos.com), o centro de pesquisas daVemag-DKW calculava que cada mil km rodados no circuitoem ritmo de corrida representavam 16 mil km de testes derua.

Dada a importância da indústria automobilística, em 1956,durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 1961),foi criado o Grupo de Estudos da Indústria Automobilística(GEIA), com a missão de centralizar as decisões sobre o de-senvolvimento do setor. O GEIA apoiava-se na idéia de queas empresas automobilísticas deveriam ser, de preferência,privadas e estrangeiras, do que estatais e de economia mista.

É dada a largada!

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Nessa época, o número de provas em Interlagos teveum aumento significativo, criando a necessidade da divi-são em categorias, com carros monoposto, biposto, turis-mo e força livre. Baseados nos testes, surgiram tambémna década de 1950 as provas de resistência e longa dura-ção. Em 1951, foi promovida a primeira prova desse tipono autódromo paulista. As “24 Horas de Interlagos” foidisputada apenas por carros da marca Mercedes-Benz.Ao todo, 32 veículos, todos modelos turismo 170, movi-dos a gasolina ou óleo diesel, participaram da prova, ins-pirada na “24 Horas de Le Mans”, na França.

Esse tipo de competição, na qual os competidores pas-savam o dia e a noite pilotando, exigia um grande prepa-ro físico e uma resistência enorme tanto de pilotosquantos dos carros. O fato da disputa se dar em partedurante a noite era um atrativo a mais para o público,curioso pela novidade.

A “24 Horas de Interlagos” foi disputada nos dias 18 e19 de agosto, impulsionadas pelos organizadores e pro-motores Wilson Fittipaldi e Eloy Gogliano. Totalmenteinspirada na “irmã mais velha” de Le Mans, a largada dacorrida tinha os carros estacionados na diagonal de umlado da pista, enquanto os pilotos esperavam, em pé, dooutro lado, o sinal da partida. Além do pessoal dos bo-

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xes, as equipes eram formadas por duplas de pilotos, quese alternavam durante a corrida para minimizar o des-gaste.

Depois de 257 voltas e completadas as 24 horas deprova pelos quase 8 km de Interlagos, a dupla formadapor Pascoalino Buonacorsa e Godofredo Vianna Filhoentrou para a história como a primeira vencedora de umaprova de longa duração no autódromo. Na segunda colo-cação chegaram Chico Landi e Sebastião Casini. Em ter-ceiro ficaram Cláudio Daniel Rodrigues e Luciano Bonini.

Mostrando todo o charme desse tipo de prova, até umadupla formada por mulheres participou. Juse Fittipaldi,esposa de Wilson e mãe dos irmãos Emerson e Wilsinho,que mais tarde se tornariam figuras importantes do au-tomobilismo nacional, correu junto com Darly Ribeiro.As pilotos não deixaram nada a desejar em relação aoshomens e completaram a prova em um surpreendentesexto lugar.

Depois do sucesso da “24 Horas de Interlagos”, nas-cia a paixão do brasileiro pelas provas de longa duração.Paralelamente a isso, em 1954, a Prefeitura de São Paulocomprou o autódromo da Auto-Estradas S.A., duranteas comemorações do quarto centenário da capitalpaulista, pela módica quantia de 1 cruzeiro .

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A mais charmosa

Nos anos 50, Interlagos assistiu a um “boom” das provasde longa duração depois de todo o destaque obtido na reali-zação da “24 Horas”. Foram criadas a “12 Horas”, “6 Horas”,“3 Horas”, “500 Milhas”, “1.500 km” e “1.600 km”. Mas detodas essas provas, a que ganhou maior destaque e carismafoi a “Mil Milhas Brasileiras”.

Inspirada na Mille Miglia italiana, disputada nas estradasdaquele país, a prova nasceu novamente das mentes de EloyGogliano, fundador do Centauro Motor Club, e WilsonFittipaldi, repórter e diretor de esportes da RádioPanamericana, de São Paulo.

“Sem dúvida, o Wilson é uma figura importante na histó-ria do automobilismo brasileiro. Ele o transformou em umproduto de mídia, de rádio”, afirma Gomes.

Determinados a realizar a prova, Gogliano e Fittipaldi di-vidiram as obrigações. Enquanto o primeiro cuidou dos de-talhes administrativos e da criação do regulamento da com-petição, apoiado pelo Automóvel Club do Brasil, principalentidade de automobilismo da época, o segundo percorreu osul do país convidando pilotos para participarem da corrida,além de realizar sucessivos encontros com diretores de fábri-cas de autopeças, na esperança de arrecadar produtos e prê-

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mios para os participantes.Diferente da prova italiana em que foi inspirada, a Mil

Milhas Brasileiras foi adaptada para ser disputada em umautódromo fechado. O lançamento foi tranqüilo, mas o medodo fracasso rondava Fittipaldi. Para a época, uma prova com201 voltas no circuito de Interlagos representava um granderisco de que muitos carros largassem, mas que nenhum com-pletasse a prova.

Para evitar problemas, o Barão, como Wilson Fittipaldi eraconhecido pelo seu estilo sempre elegante e pelo grande bi-gode cultivado, conseguiu o apoio de duas grandes empre-sas. A Petrobrás, que cederia combustível gratuito para to-dos os participantes, e a Pirelli, que vendeu jogos de pneusabaixo do preço de custo, sendo que os três primeiros colo-cados ganhariam os seus como parte dos prêmios. Outraspequenas empresas também colaboraram, doando baterias eradiadores, em troca de publicidade livre no autódromo.

A comunicação entre a pista e o posto central também eraum ponto que trazia preocupação para os organizadores. Apista era muito grande, e os acidentes eram freqüentes naépoca. Era preciso uma operação de guerra para que os pilo-tos tivessem a segurança de um atendimento rápido em casode acidentes. E foi literalmente o que aconteceu. O Bata-lhão de Comunicações do Quartel do Exército do Ibirapuera,

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em São Paulo, montou vinte pontos de rádio por toda a pis-ta, que contavam com três soldados e três comissários depista cada. A operação funcionou muito bem, e qualquerproblema na pista era informado imediatamente ao postocentral de Interlagos.

Os carros inscritos só podiam ser da categoria “turismofechado”, com dois ou mais lugares e preparação livre, comchassi e motor obrigatoriamente da mesma marca, podendoser utilizados em diferentes modelos e anos de fabricação.Outra inovação na prova era a preocupação com a segurança.Todos os pilotos tinham que passar por exames médicos, usarcapacetes e cinto de segurança e realizarem treinos notur-nos.

Cercados por tantos cuidados, Fittipaldi e Gogliano rece-beram o apoio da TV Record e do Sindicato Nacional dosFabricantes de Autopeças, que bancou todas as despesas eos prêmios, apostando alto no sucesso do evento. Sucessoesse que se tornou realidade nos dias 24 e 25 de novembrode 1956.

Cerca de 30 mil pessoas compareceram a Interlagos, às 19horas do dia 24, para acompanhar a prova. Os 31 carros ins-critos estavam preparados para largar ao “estilo Le Mans”.Dado o sinal de partida, a dupla favorita, formada por ChicoLandi e Jair Mello Vianna, assumiu a liderança com o primei-

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ro no volante da carretera Ford 1940, para delírio do públicopaulistano.

No entanto, a felicidade da torcida acabou na 55ª volta,quando o motor da carretera de Landi e Vianna quebrou.Catharino Andreatta, que formava dupla com Breno Fornari,assumiu a ponta e foi até o final na liderança.

A dupla gaúcha recebeu a bandeirada às 11 horas e 16minutos do dia 25, completando as mil milhas (1.609 km)em 201 voltas, com o tempo de 16h6min30s, e média de 99km/h. Completaram o pódio as duplas Eugênio Martins eChristian Heins na segunda colocação e Aristides Bertuol eWaldir Rebeschini no terceiro lugar. Pela vitória, Andreatta eFornari receberam 200 mil cruzeiros, prêmio consideradomuito bom para a época.

“Com certeza, a Mil Milhas Brasileiras é a corrida maisimportante e tradicional do calendário nacional. Uma provacom 201 voltas (374 voltas no novo traçado), trocas de pilo-tos, reabastecimentos, consertos, desafiando a resistência evelocidade dos carros, com parte diurna e parte noturna, su-jeita à neblina nos velhos tempos e com muitos carros lar-gando. É, sem dúvida, a prova mais importante de nosso ca-lendário, por toda a expectativa e atratividade”, descreveBrandão.

Nas edições seguintes da prova continuou prevalecendo

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o domínio dos gaúchos. Em 1957, a dupla formada porAristides Bertuol e Orlando Menegaz foi declarada vencedo-ra, após a polêmica desclassificação da dupla Chico Landi eJosé Gimenez Lopes, por ter corrido durante algumas voltascom as lanternas traseiras do carro apagadas. Sob pressão dosgaúchos, que exigiam uma penalização aos paulistas por nãocumprirem o regulamento, o Automóvel Club do Brasil deua vitória à dupla do Rio Grande do Sul.

Nas provas de 1958 e 1959, a dupla Catharino Andreattae Breno Fornari mostrou todo o conhecimento de Interlagose manteve o domínio gaúcho na Mil Milhas. A seqüência devitórias dos pilotos do Rio Grande do Sul foi interrompidana quinta edição da prova, em 1960, pelo ídolo máximo datorcida paulistana, Chico Landi, formando dupla comChristian Heins.

Eufórica com a vitória, a torcida invadiu o autódromo ecarregou nos ombros os heróis daqueles 26 e 27 de novem-bro. Em segundo lugar chegou a dupla Ivo Rizzardi e NelsonSantilli, com Álvaro e Aylton Varanda completando o pódio.

Além de encerrar o domínio gaúcho, o triunfo de Landi eHeins mostrou a força da indústria nacional de carros. Cor-rendo com um FNM/JK, a dupla conquistou a primeira vitó-ria de uma equipe de fábrica em uma prova de longa duraçãoem Interlagos, dando mostras da resistência dos carros naci-

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onais.“Eram criados automóveis especiais só para vencerem a

Mil Milhas. E a força de marketing que possuía uma vitórianesta prova era impressionante. As fábricas apostavam mui-to nela e usavam os resultados obtidos”, conta Brandão.

Depois da vitória de Landi e Heins, as equipes de fábricavieram com força para a prova de 1961. Mas o que se viu foium renascimento das velhas carreteras gaúchas, de fabrica-ção do final da década de 1930 e começo de 1940. Nem oestímulo do público foi capaz de conter a carretera ChevroletCorvette da dupla Orlando Menegaz e Ítalo Bertão, que ter-minou a apenas 12 segundos do FNM/JK da dupla vencedo-ra do ano anterior. Aylton Varanda mais uma vez terminou aprova na terceira colocação, dessa vez formando dupla comMário Olivetti.

Entre 1961 e 1965, a Mil Milhas sofreu o seu primeiroperíodo de interrupção. No entanto, voltou com força total,para alegria do público, acostumado a acompanhar as emo-ções da mais charmosa prova de Interlagos. “Eu acho a provacharmosíssima e espetacular. O grande lance da Mil Milhassempre foi a largada à noite, chegando a ter até 60 carros nogrid”, observa Mattar.

A sétima edição contou com a participação do tricampeãoCatharino Andreatta, que se despediu das disputas em

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Interlagos nessa corrida, formando dupla com seu filhoVitório. A intenção de Catharino era encerrar a vitoriosa pas-sagem pelo circuito vencendo, mas uma quebra na curva daFerradura, quando a dupla liderava a prova, estragou os pla-nos de Andreatta pai. A vitória coube a Vittorio Azzalim eJustino de Maio, com Caetano Damiani e Bica Votnamis emsegundo e Jayme Pistilli e Ugo Galina na terceira posição.

Nos anos de 1966 e 1967, a Mil Milhas viu nascer trêsjovens pilotos com muito futuro no automobilismo, e que,mais tarde, colocariam o nome do Brasil entre os países comgrandes corredores. Na oitava edição, correram, pela equipeDacon, José Carlos Pace, em parceria com Antônio Porto Fi-lho, e Wilson Fittipaldi Jr., ao lado de Ludovino Perez. Pelaequipe Brasil, antiga Vemag, correu Emerson Fittipaldi, emdupla com Jan Balder.

Companheiros de equipe, Wilsinho e José Carlos Pace ti-veram problemas durante a prova. Wilsinho teve que parardiversas vezes com problemas nos pára-brisas e pedais do carro.Já Pace perdeu uma roda e teve que abandonar. RestavaEmerson como esperança da nova geração do automobilis-mo nacional.

O futuro bicampeão de Fórmula 1 não venceu, mas con-cluiu a prova na terceira posição. A dupla vencedora foiCamilo Christófaro e Eduardo Celidônio, seguidos por Má-

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rio César de Camargo Filho e Eduardo Scuracchio na segun-da colocação.

Em 1967, os irmãos Fittipaldi correram em dupla, pilo-tando o Fitti-Porsche de construção deles. José Carlos Pace,em dupla com Anísio Campos, correu com um Porsche 911.Todos pela equipe Dacon. Mostrando a força de sua cons-trução, os irmãos Fittipaldi conquistaram a pole position.

Na corrida, Wilsinho assumiu a ponta na largada, masabandonou com problemas no tanque de gasolina. Pace aban-donou a prova quando seu carro apresentou problemas sobo comando de Anísio Campos. Os vencedores foram LuizPereira Bueno e Luís Fernando Terra Smith, seguidos porBird Clemente e Marivaldo Fernandes, na segunda coloca-ção, e pela dupla portuguesa Manuel Nogueira Pinto eAndrade Vilar.

Entre 1967 e 1970 houve uma nova interrupção da provapara as reformas no autódromo. A décima edição da Mil Mi-lhas fez parte da reabertura de Interlagos. Os vencedores daprova foram os irmãos Alcides e Abílio Diniz. Mário Olivettie José Moraes, e Carlo Facetti e Giovanni Alberti completa-ram o pódio, em segundo e terceiro lugares, respectivamen-te.

Devido a um conflito de datas com o Campeonato Brasi-leiro de Fórmula 2 em 1971 e 1972, a prova voltou a ser dis-

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putada apenas em 1973. Na 11ª edição, novamente uma vi-tória em família. Os irmãos Bird e Nilson Clemente comple-taram as 201 voltas em 12h53min, quatro voltas à frente dosegundo colocado, a dupla Camilo Christófaro e EduardoCelidônio. José Argentino e Raul Natividade, cinco voltasatrás, ficaram com o terceiro lugar.

O maior período de interrupção da Mil Milhas se deudepois da 11ª edição em 1973. “A Mil Milhas só voltou àcena em 1981, pois durante oito anos não foi realizada.Houve um ‘levante’ em meados dos anos 70 em razão dacrise do petróleo e em 79 nosso automobilismo passou ausar o álcool como combustível”, conta Mattar.

Em 1981, ano em que voltou a ser disputada, a Mil Mi-lhas encontrou um novo problema. Sem a Fórmula 1,Interlagos, apesar de continuar sendo o centro do automo-bilismo nacional, vivia um certo abandono, como lembraBrandão.

“Muitas provas de muitos campeonatos eram disputa-das lá, mas, aos poucos, foram sendo substituídas, e o au-tódromo foi sendo abandonado. A Mil Milhas ainda teveum pequeno tempo de glória, mas também começou a seresquecida, com a decadência do autódromo”.

Organizada agora pelo ex-piloto e bicampeão da corri-da Antônio Hermann, que adquiriu os direitos da prova por

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15 anos do Centauro Motor Clube, a Mil Milhas passa porum grande processo de internacionalização, que culminarána abertura da temporada 2007 do campeonato da FIA GT,principal campeonato de Turismo do mundo.

“Nunca fez parte de calendário oficial de nenhum cam-peonato da FIA, apenas parte do Campeonato Brasileiro deMarcas e Pilotos. Agora passa a fazer parte de um campeona-to mundial. Acho que não perderá nada. Ao contrário, ga-nhará de volta o prestígio que já teve”, analisa Brandão, quevê como um bom incentivo a retomada da fabricação e de-senvolvimento de carros de competição no Brasil. “Para oautomobilismo nacional é um bom parâmetro e pode voltara incentivar a fabricação e o desenvolvimento de projetos ecarros por aqui”, completa.

Mattar se demonstra animado com a chance de ver pilo-tos e equipes de fora correndo no país com ainternacionalização da Mil Milhas. “É um grande passo parao esporte a motor no Brasil”, observa o jornalista.

O recorde da Mil Milhas é da prova de 1997, realizadano Autódromo Internacional Nelson Piquet, em Brasília.A McLaren GTR BMW guiada por Nelson Piquet, JohnnyCecotto e Steve Soper completou a corrida em10h05min10s. A prova de maior duração foi a de 1959,quando Breno Fornari e Catharino Andreatta terminaram

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a corrida depois de 16h22min38s com uma Carretera Ford.O maior vencedor da Mil Milhas é Zeca Giaffone,

pentacampeão em 1981, 1984, 1986, 1988 e 1989. Chico Ser-ra, piloto tricampeão da Stock Car, fazia parte da equipe deGiaffone, quando ele ganhou seu primeiro título. “Eu ga-nhei a Mil Milhas em 1981. Eu estava na Fórmula 1, mas oAfonso e o Zeca Giaffone me convidaram e eu fui. Foi muitolegal, eu não tinha participado de uma corrida longa antes. Aequipe era muito boa, o carro que a gente estava correndoera muito legal e deu tudo certo. Foi muito bom ter ganhouma corrida com eles”, conta ele.

Por duas vezes, a prova não foi realizada em Interlagos.Além da edição de 1997, realizada em Brasília, a edição de1999 aconteceu em Curitiba, e foi vencida por Jair Bana, BetoBorghesi e Luciano Borghesi, com um Protótipo Aldee Spyder.

Em 2006, a 34ª Edição da Mil Milhas Brasileiras come-morou seu 50° aniversário, e foi vencida pela equipe CirtekMotorsport, com um Aston Martin DB9R guiado pelotricampeão mundial de Fórmula 1 Nelson Piquet, juntode seu filho Nelsinho Piquet, do bicampeão das 500 mi-lhas de Indianápolis Hélio Castroneves e de CristopheBouchut. Eles completaram 1.001,59 milhas (1.611,57km), em 374 voltas e 10h36min38s659, com uma médiade 155,880 km/h.

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19561957195819591960196119651966196719701973198119831984198519861987198819891990199219931994199519961997*19981999*200120022003200420052006

Catharino Andreatta e Breno Fornari (Ford Carretera)Aristides Bertuol e Orlando Menegas (Ford Carretera)Catharino Andreatta e Breno Fornari (Ford Carretera)Catharino Andreatta e Breno Fornari (Ford Carretera)Chico Landi e Christian Heins (FNM/ JK 2000)Ítalo Bertão e Orlando Menegaz (Chevrolet Carretera)Justino de Maio e Vitório Azzalim (Chevrolet Carretera)Camilo Christófaro e Eduardo Celidônio (Chevrolet Carretera)Luiz Pereira Bueno e Luiz Terra Smith (Interlagos Mark I)Abílio Diniz e Alcides Diniz (Alfa Romeo GTA)Bird Clemente e Nílson Clemente (Maverick)Affonso Giaffone, Zeca Giaffone e Chico Serra (Opala Stock Car)Fausto Wajschensberg, Vicente Corrêa e Valdir Silva (Passat Hot Car)Reynaldo Campello, Maurizio Salla e Zeca Giaffone (Opala Stock Car)Paulo Gomes e Fábio Sotto Mayor (Opala Stock Car)Zeca Giaffone e Walter Travaglini (Opala Stock Car)Luiz Alberto Pereira e Marcos Gracia (Opala Stock Car)Zeca Giaffone, Luiz Pereira e Walter Travaglini (Opala Stock Car)Zeca Giaffone e Walter Travaglini (Opala Stock Car)Carlos Alves e José Dias (Opala Stock Car)Klaus Heitkotter, Jurgen Weiss e Mark Gindorf (BMW M3 2300)Antonio Hermann, Franz Konrad e Franz Prangemeier (Porsche Carrera)Wilson Fittipaldi e Christian Fittipaldi (Porsche NSR 911)Wilson Fittipaldi, Antonio Hermann e Franz Konrad (Porsche 993)André Lara Resende, Roberto Keller e Roberto Aranha (Porsche 911)Nelson Piquet, Johnny Cecotto e Steve Soper (McLaren GTR)Tom Stefani, André Grillo e Júlio Fernandes (Protótipo AS Vectra)Jair Bana, Beto Borghesi e Luciano Borghesi (Protótipo Aldee Spyder)Regis Schuch, André Lara Resende, Max Wilson e Flávio Trindade (Porsche GT3)Regis Schuch, Flávio Trindade e Raul Boesel (Porsche GT3)Ingo Hoffmann, Xandy Negrão, Ricardo Etchenique e Fernando Nabuco (Porsche GT3)Angelo Lancellotti, Fabrizio Gollin e Stefano Zonca (Dodge Viper GTS-R)Xandy Negrão, Xandynho Negrão, Guto Negrão e Giuliano Losacco (Audi TT DTM)Nelson Piquet, Nelsinho Piquet, Hélio Castroneves e Cristophe Bouchut (Aston Martin)

Os vencedores das Mil Milhas

* A prova de 1997 foi realizada em Brasília e a de 1999, em Curitiba.

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É dada a largada!

Canteiro de obras de Interlagos, no meio da década de 1930

Chico Landi, ídoloda torcida paulista,

durante evento em Interlagos

Nascimento Júnior, vencedor daprimeira corrida

no novo autódromo

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Interlagos: uma corrida com dois pit stops

Corrida de Romi-Isettas, na década de1950, patrocinada

pelo clube da Romi-Isetta

Os pequenos carros contornam a Curva 1, inclinada

O vencedor(desconhecido) recebe abandeirada. As fábricasde automóvris usavam a

pista para testes

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Largada da primeira Mil Milhas Brasileiras, em 1956, ao estilo “Le Mans”

Catharino Andreatta e BrenoFornari, vencedores da Mil Milhas

de 1956

Emerson reabastecendo seu carro,na Mil Milhas de 1966. Repare noadesivo do Rato colado no veículo

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Interlagos: uma corrida com dois pit stops

Disputa entre MarivaldoFernandes (Alfa n° 45) e

Moco (Fusca n° 2)...

...durante a 250Milhas de Interlagos

em dezembro de1965...

...em que JoséCarlos Pace foi

o terceiro

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É dada a largada!

Amigos desde a infância, José Carlos Pace, Wilsinho e Emerson Fittipaldi,descansam durante prova em Interlagos

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O primeiro pit stop

O primeiro pit stopCapítulo 2

Muito utilizado pela indústria automobilística brasileira comolaboratório na década de 1960, Interlagos sofreu com a gravecrise que atingiu o setor em 1966. Fábricas como DKW-Vemag,Willys e Simca, que mantinham equipes que disputavam cam-peonatos regulares, fecharam seus times, o que diminuiu consi-deravelmente o número de corridas. O autódromo paulistano,desde sua inauguração, carecia de instalações básicas como ba-nheiros, arquibancadas e local apropriado para a imprensa. Alémdisso, a segurança não era o forte do local, já que a pista nãocontava com áreas de escape e acabava, literalmente, em barran-cos. Esses fatores, aliados à diminuição das corridas, levaramInterlagos a sua primeira grande reforma. No final de 1967 oautódromo foi fechado para obras, que corrigiram esses proble-mas, e ainda contou com um novo asfaltamento para a pista, enovas instalações elétricas.

Depois da reforma, Interlagos foi reaberto em 1970, e provasinternacionais foram disputadas no circuito. Etapas da Fórmu-la Ford e Fórmula 2 aconteceram em São Paulo pela primeiravez, e deram a aprovação que faltava para que, finalmente, uma

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corrida de Fórmula 1 pudesse ser realizada na cidade.Na América do Sul, apenas a Argentina já contava com uma

etapa do mundial. Desde 1971, o país vizinho fazia parte docirco da Fórmula 1. Graças aos esforços do ex-piloto AntonioCarlos Scavone, de Emerson Fittipaldi e do apoio decisivo daRede Globo, o Brasil era incluído no calendário da temporadade 1972 da Fórmula 1.

Porém, a corrida marcada para o dia 30 de março, seria umaetapa extra-campeonato. Não valeria pontos nem para o mun-dial de pilotos, nem para o de construtores. Ela tinha a missãoespecífica de mostrar ou não se o Brasil tinha condições de sediarum Grande Prêmio de Fórmula 1. Ao final da corrida, nem adecepção pela quebra de Emerson Fittipaldi, quando liderava,nem a “raiva” pela presença de um argentino, Carlos Reutemann,no lugar mais alto do pódio, conseguiu tirar a alegria das 225 milpessoas que assistiam à corrida e que ajudaram a confirmarInterlagos como sede de uma etapa da principal categoria doautomobilismo mundial.

O test-drive

A etapa brasileira do campeonato de Fórmula 1 de 1972já começava com importantes desfalques. Por não valer pon-

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O primeiro pit stop

tos para a classificação, alguns pilotos e equipes decidiramnão viajar. Jackie Stewart, então campeão do mundo, haviapedido US$ 50 mil para disputar o GP Brasil. Porém, a Tyrrell,sua equipe, já tinha decidido disputar apenas provas quevalessem pelo campeonato. A Surtees e a Ferrari, que chegoua confirmar a participação do belga Jacky Ickx e do suiçoClay Regazzoni, cancelaram suas presenças pelos mesmosmotivos. A McLaren foi outra equipe que preferiu não correrem Interlagos. Por liderar o campeonato, a equipe inglesaachou por bem continuar na Europa e, assim, evitar quebrasdesnecessárias.

Dessa forma, dos 22 pilotos que disputavam o campeo-nato daquele ano, apenas 12 estariam presentes no GP. Masainda havia tempo para mais problemas. O carro de Jean-Pierre Beltoise, da equipe BRM, apresentou falhas e ele, quehavia marcado o sexto tempo nos treinos classificatórios, teveque assistir à corrida sentado no muro.

Dos onze carros alinhados no grid de largada, quatro eramguiados por brasileiros. Luís Pereira Bueno estreava na Fór-mula 1 com seu March 711 na quinta fila, em décimo. JoséCarlos Pace, o Moco, largava uma posição a frente, tambémcom um March 711. Wilson Fittipaldi Jr., o Wilsinho, era oterceiro, com um Brabham BT-33. Mas a maior alegria dosbrasileiros foi ver Emerson Fittipaldi largar na pole position,

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com seu fantástico Lotus-72D, ao marcar 2min32s363 nodia anterior. Ele, que já tinha uma vitória na carreira, era amaior esperança de vitórias dos brasileiros.

Assim que foi dada a largada, Wilsinho pulou na frentedo argentino Carlos Reutemann, que tinha largado em se-gundo, e do irmão Emerson, assumindo a primeira posiçãona corrida. Na Curva 1, o March de Henri Pescarolo foi oprimeiro a apresentar problemas. Na curva seguinte, era avez de José Carlos Pace abandonar a prova. Na Curva 4, maisum carro quebrado. Dessa vez, o de Peter Gethin, com a bom-ba de gasolina emperrada.

Com apenas oito carros na pista, Wilsinho fechou a pri-meira volta de uma corrida de Fórmula 1 em Interlagosliderando, seguido pelo irmão Emerson e por Reutemann.Em quarto aparecia o sueco Ronnie Peterson, à frente deDavid Walker e Helmuth Marko. Nas últimas posições, obrasileiro Luís Pereira Bueno e o espanhol Alex Soler-Roig.

Na terceira volta, o carro de Wilsinho começou a darmostras de que não suportaria se manter em primeiro, eno fim do retão ele foi ultrapassado por Emerson. Ele ain-da conseguiu segurar Reutemann até a Curva do Sol, ePeterson até a Junção, levando o carro ao máximo, masacabou sendo ultrapassado, caindo para a quarta posição.

Emerson abriu uma boa vantagem, e logo se aproximou

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do BRM de Alex Soler-Roig, o primeiro dos retardatários.Mas ele nem precisou se preocupar, já que o carro do es-panhol parou na Curva do Laranja, com problemas no car-burador. Com a vantagem de Fittipaldi, as emoções dacorrida ficam mesmo para a disputa pela segunda coloca-ção entre Reutemann e Peterson.

Com apenas sete carros na pista, um problema previstopor Andréa de Adamich, piloto da Surtees, que apenasassistia à prova, se confirmou. Poucos carros disputavama corrida em uma pista longa, de quase 8 km. Isso fez comque a distância entre um carro e outro fosse muito gran-de, e trouxesse uma certa monotonia à prova.

Depois de uma parada nos boxes com problemas depneu, Peterson voltou atrás de Wilsinho, na quarta posi-ção. Na Subida do Lago, uma bela disputa pela terceiraposição manteve o piloto brasileiro na frente. Mas na retaoposta o motor mais forte do sueco o ajudou a assumir aterceira colocação.

Na 30ª volta, Emerson estava com 18 segundos de van-tagem sobre Carlos Reutemann, e recebeu ordem dos bo-xes para diminuir o ritmo e só administrar a vantagem.Mas ele começou a sentir problemas no carro. Duas voltasdepois, ao entrar na Ferradura, o Lotus que dirigia quaselevantou a roda traseira do chão. Emerson diminuiu e le-

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vantou a mão esquerda para avisar quem vinha atrás queestava com problemas. Ele conseguiu controlar o carro porquase toda a pista, mas pouco antes de entrar na Reta deChegada, o seu Lotus rodou com problemas na suspen-são traseira e, ao trazê-lo de volta, o retardatário MarkoHelmuth quase bateu nele. Emerson conseguiu levar ocarro até os boxes. Ali ele abandonava a prova na frentedo público, que assistia silencioso à sua maior esperançadeixar a corrida com um carro que não conseguia maisandar em linha reta. Um mecânico da equipe, aos consta-tar a gravidade do problema na suspensão do Lotus, semostrou surpreso pelo fato de Fittipaldi ter conseguidoguiá-lo até os boxes.

Carlos Reutemann aproveitou a desistência de Emer-son, e assumiu o primeiro lugar, que manteria até o fim dacorrida. Na 37ª volta, o argentino recebeu a bandeirada, ese tornou o primeiro vencedor do GP Brasil de Fórmula 1.Era também sua primeira vitória na categoria, ainda quenão valesse pontos para o Mundial. No pódio, o argentinose mostrou muito emocionado durante uma entrevista arepórteres da revista Placar. “Vencer uma corrida, diantede um público assim, mais de 200 mil pessoas, é o mesmoque vencer uma prova válida pelo Mundial. Só lamentoter vencido por causa de uma quebra do Emerson, mas

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corrida é assim mesmo”, declarou Reutemann. Atrás delechegou o sueco Ronnie Peterson, que ganhou o públicocom sua forma agressiva de pilotar, e o brasileiro WilsinhoFittipaldi. Outro brasileiro que completou a prova, LuísPereira Bueno, terminou em sexto. Foi o último a cruzar alinha de chegada.

O GP do Brasil de 1972 sofreu com a falta de organiza-ção. Muita gente andava tranqüilamente pelos boxes, mes-mo sem credenciais. Ainda assim, Emerson e seu pai, Wil-son, que na época era o administrador do autódromo, che-garam a ser barrados. A violência com que alguns policiaisagiram para controlar pequenas confusões também foi umponto negativo. Mas nem isso foi suficiente para impedirque Interlagos fosse aprovado. E essa foi a maior vitóriado automobilismo brasileiro. Sediar uma etapa do Mun-dial de Fórmula 1 era fazer parte da elite. O traçado deInterlagos, considerado um dos mais técnicos e segurosdo mundo, era perfeito para uma disputa de carros tãovelozes. Com muitas variações de curva, de alta e de baixavelocidade, grandes retas e muitos pontos de ultrapassa-gem, o circuito encantou os pilotos. E foi assim, com umapista perfeita, mas com alguns problemas de organização,que a partir de 1973 o GP Brasil passou a integrar o calen-dário oficial da temporada de Fórmula 1.

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Agora vale!

A temporada de 1973 da Fórmula 1 começava com umadisputa particular. A batalha entre Jackie Stewart e EmersonFittipaldi para mostrar quem era o melhor piloto da época.Stewart já era bicampeão mundial (1969 e 1971), e Emersontinha acabado de conquistar o seu primeiro título, no anoanterior. Na primeira etapa do campeonato de 1973, na Ar-gentina, Emerson levou a melhor. Venceu a corrida, e aindaviu “o escocês voador”, como Stewart era conhecido, termi-nar em terceiro. Grandes rivais nas pistas, os dois eram muitoamigos fora delas. Moravam próximos na Suíça e jogavampartidas de críquete juntos.

Outra boa batalha era mais brasileira. Wilsinho Fittipaldie José Carlos Pace, muito conhecido pelo apelido Moco, “lu-tavam” pelo posto de segundo principal piloto do país nacategoria. Depois de uma temporada sem muitos resultados,Wilsinho agora era o piloto número dois da Brabham, juntocom Carlos Reutemann. Na etapa da Argentina, chegou emsexto, marcando seu primeiro ponto na Fórmula 1. Já Moco,que marcou três pontos na temporada anterior, agora corriapela Surtees, mas não teve sorte na primeira corrida do ano.Abandonou na décima volta, com problemas de suspensão.

Esses eram os maiores atrativos da primeira corrida oficial

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de Fórmula 1 em Interlagos. Que traria ainda mais alegriaaos brasileiros.

Grid completo

Novamente, quatro brasileiros alinhariam no grid de lar-gada. Naquele 11 de fevereiro de 1973, os termômetros mar-cavam 32°C, o que preocupava alguns pilotos. Dessa vez,Emerson não era o pole position. Ele foi superado pelo suecoRonnie Peterson, agora seu companheiro na Lotus. JackieStewart, seu maior adversário, largaria apenas na oitava posi-ção. Moco era o sexto na ordem de largada, e Wilsinho o 11°.Luís Pereira Bueno largava em último, na 20ª posição.

O calor insuportável trazia o medo de que uma pancadade chuva pudesse cair em Interlagos durante a prova. Issofez com que alguns pilotos se prevenissem com pneus dechuva. Minutos antes da largada, porém, o medo não se con-firmou, e todos largaram com pneus Slic, lisos. Uma multi-dão de 100 mil pessoas lotava o autódromo, e era refrescadapor quatro caminhões pipa que, a mando da prefeitura, jo-gavam água no pessoal. Situação que ocasionou uma histó-ria engraçada. Ao ver os caminhões jogando água nas pesso-as, K. T. Tyrrell, dono da equipe que levava seu nome, disse a

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um interlocutor: “Eles estão se comportando. Por que a re-pressão?”. Era de se entender a dúvida do inglês, já que oBrasil vivia em plena ditadura militar. A primeira prova oficialde Fórmula 1 no país era uma festa, e teve direito até à apre-sentação da Esquadrilha da Fumaça.

Com os carros prontos, foi dada a largada. Para delírio damultidão que assistia a corrida, Emerson fechou a primeiravolta em primeiro, seguido por Moco. Logo, Rato, apelido deEmerson, abriu vantagem. Moco foi ficando para trás e já nasegunda volta foi ultrapassado por Stewart. O carro de Pacecomeçou a cair de produção, e o piloto brasileiro foi perden-do posições. Na oitava volta ele abandonou, com problemasna suspensão do seu Surtees. Uma pena, já que ele havialargado excepcionalmente bem, pulando da sexta para a se-gunda posição. Wilsinho também enfrentou problemas como seu Brabham. Na manhã da corrida, durante os treinos, eletinha sido obrigado a trocar de motor, que pifou. Na corridaa falha se repetiu, e ele teve que desistir do GP Brasil.

Enquanto isso, na frente, a vantagem de Emerson era cadavez maior. Na 30ª volta, Rato já tinha 17 segundos de vanta-gem sobre Jackie Stewart, que nem aparecia mais com seucarro azul no retrovisor de Emerson. A vitória brasileira pare-cia garantida, mas a experiência da corrida do ano anteriorpedia precaução do piloto e da equipe. Três voltas mais tar-

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de, o boxe da Lotus começou a se agitar. Os pneus de Emer-son apresentavam muito desgaste devido ao calor, e se eleprecisasse entrar para trocá-los, a derrota seria iminente.

Faltando duas voltas para o fim da corrida, e com a certe-za de que mais nada poderia tirar a vitória de Emerson, ColinChapman, lendário dono da Lotus, estava em pé, na pista,esperando pela passagem do piloto brasileiro. Quando con-tornou a Junção, e entrou na reta dos boxes, Emerson er-gueu uma das mãos, já demonstrando toda a alegria pela suaprimeira vitória em um GP do Brasil. Logo após o Lotus ne-gro ultrapassar a linha de chegada, Chapman jogou sua boi-na para o alto, e pulou.

O público em Interlagos delirou com a vitória de um bra-sileiro e, impulsionados pelo locutor do autódromo, repeti-am sem parar: “Brasil, Brasil”. Uma pequena multidão er-gueu o vencedor na reta dos boxes, antes da cerimônia dopódio.

Apesar de a vitória ter sido tranqüila, ela não foi surpreen-dente. A superioridade de Emerson e de seu Lotus era evi-dente, pelo menos para o seu maior rival. No primeiro dia detreinos em Interlagos, Stewart já havia decretado. “Aqui serámuito difícil vencer o Emerson”. E assim foi. O piloto brasi-leiro liderou a prova inteira, e completou as 40 voltas em1h43min55s. Rato terminou a corrida 13 segundos à frente

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de Stewart, além de ter marcado a volta mais rápida, com2min35s.

Apesar da vantagem clara em Interlagos, Emerson nãoconseguiu vencer a sua luta individual contra Stewart nocampeonato. Ao fim da temporada, Rato viu o escocês sertri-campeão, 16 pontos à sua frente.

Tensão em Interlagos

A Fórmula 1, em 1974, tinha, em sua maioria, equipessediadas na Inglaterra. Nesse mesmo ano, uma greve de mi-neiros resultou em uma das maiores crises energéticas do país,que foi obrigado a diminuir a jornada de trabalho para ape-nas três dias por semana para racionar energia pela falta decarvão. Na época, quase todos os componentes de um Fór-mula 1 vinham da Inglaterra. Até mesmo a Ferrari, tradicio-nal equipe italiana, importava seus chassis da terra da Rai-nha. Ainda assim, a maioria dessas equipes possuía estoquesuficiente para se garantir até o GP da Espanha, o primeiroda temporada européia e o quarto do ano. Mas e depois?

Nos bastidores do GP do Brasil daquele ano, a preocupa-ção com a crise inglesa era tratada de forma discreta, mas nãomenos nervosa. O clima nos boxes não era dos melhores,

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como nos dois anos anteriores. Os chefes das grandes equi-pes inglesas, como Tyrrell, Lotus e McLaren, tinham umasolução, mas preferiam adiar e desmentir até quando pudes-sem: a transferência da sede de suas equipes para outros pa-íses europeus.

Boatos que circulavam nos boxes de Interlagos garantiamque Colin Chapman, chefe da Lotus, já tinha até mesmofeito visitas à França, à procura de um bom lugar para levarsua equipe. Todos esses problemas enfrentados pelas princi-pais equipes do circo colaboraram para o clima nervoso quetomava conta do autódromo paulistano. Soma-se a isso, a játradicional falta de organização do GP Brasil, com milharesde pessoas andando livremente pelos boxes. O resultado foiuma série de incidentes nos bastidores. Muitos mecânicos seirritaram com a presença constante de repórteres e fotógra-fos, e em alguns casos houve troca de socos e pontapés. OBarão Wilson Fittipaldi foi novamente barrado, desta vez comWilsinho. Mesma humilhação pela qual passaram o secretá-rio de Esportes da Prefeitura de São Paulo, e um diretor daFIA.

Os problemas não se restringiam somente aos boxes.Durante os treinos de sexta-feira, o carro de Richard Robarts,um Brabham, pegou fogo na curva que antecedia a Ferradu-ra.

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Neste ano, diferente das corridas de 1972 e 1973, apenasdois brasileiros largariam: Emerson Fittipaldi e José CarlosPace. E nem eles estavam muito felizes naquele fim de sema-na. Moco enfrentava problemas seguidos com o seu Surtees.Com muita esperança de vencer na pista onde cresceu, elenão conseguia ver a suspensão de seu carro funcionar direito.Em entrevista à revista Placar, Pace desabafou. “Perdi a paci-ência. A culpa de tudo isso é da equipe. Só não saio dessaporcaria por que tenho contrato”.

Emerson, agora piloto da McLaren, concentrava suas cri-ticas nas ondulações da pista. E era seguido por muitos pilo-tos que se queixavam da mesma coisa. Mas nada disso impe-diu o Rato de marcar a pole position, e novamente ser o favo-rito para vencer no Brasil.

Rato, de novo!

Com Emerson largando na ponta, e Pace apenas em12°, as atenções novamente estavam voltadas para o Rato.Ao seu lado, na primeira fila, estava o argentino CarlosReutemann, que havia vencido em Interlagos dois anosantes. Mas o verdadeiro rival de Emerson naquele anoera Clay Regazzoni, suíço que voltava à Ferrari, equipe

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que defendeu até 1972. E, como no ano anterior, a dis-puta da temporada também foi a disputa em Interlagos.Em São Paulo, Emerson largou tranqüilo e se mantevena liderança. Correu sempre na frente, e pouco teve suavitória ameaçada.

Naquele ano, em todas as corridas, a Marlboro ofere-cia o prêmio Blanc et Rouge Jo Siffert, ao piloto que maisse destacava por sua capacidade e sangue-frio na pista.Escolhido por um grupo de jornalistas, o prêmio ficoucom o jovem alemão Hans Stuck, que corria com umMarch. Porém, mais justo seria se esse troféu tivesse sidodado a José Carlos Pace, por sua atuação no Grande Prê-mio.

Enquanto Emerson guiava tranqüilo para sua segun-da vitória em Interlagos, Moco, lá atrás, corria como seaquela fosse a prova da sua vida. Depois de um fim desemana complicado, com muitas quebras, e reclamandomuito da equipe, parecia que Pace tinha sido ouvido pe-los seus mecânicos. Fez uma prova espetacular. Foi con-quistando posições volta após volta. Seu Surteescorrespondia, e os problemas de suspensão que o fize-ram passar os treinos de cara fechada já não existiam mais.De forma arrojada e com muita técnica, Moco já era oquarto colocado, quando na 32ª volta, uma grande chu-

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va caiu em Interlagos. Alegando falta de segurança, a di-reção da prova decidiu dar por encerrada a corrida na-quela volta. Emerson conquistava nova vitória dentro decasa, com uma vantagem de mais de 13 segundos sobreRegazzoni. E Moco voltava a ficar emburrado. Ele queriamais corrida. Tinha certeza que, nas oito voltas que fal-tavam, podia ultrapassar o belga Jacky Ickx, e conquis-tar o seu lugar no pódio.

Emerson garantia, assim, sua segunda e última vitóriaem Interlagos, e partia rumo ao bicampeonato mundial,também o seu último título. Ao final da temporada, Ratotinha 5 pontos a mais que o suíço Regazzoni, da Ferrari,e a torcida brasileira comemorava mais um campeonato,fato que só se repetiria sete anos depois, em 1981, quan-do Nelson Piquet venceu, guiando um Brabham.

Mas não foi a última alegria dos brasileiros. Um anodepois, em 1975, Interlagos viveria aquele que muitosconsideram o momento mais marcante da história do au-tódromo.

Já os problemas que tanto preocuparam os ingleses,com a crise energética de seu país, cessaram, e nenhumaequipe foi obrigada a trocar de sede. Mas durou o sufici-ente para transformar o GP Brasil daquele ano em umdos mais nervosos da temporada.

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A vitória de uma estrela

Antes do fim da temporada de 1974, José Carlos Pace játinha mudado de equipe. Deixou a Surtees, que por muitotempo lhe prometeu um grande carro – o que nunca cum-priu – e assinou com a Brabham, uma equipe mais organiza-da e com todas as condições de lhe dar um carro rápido, se-guro e confiável. O começo na nova equipe foi difícil. Emsua primeira corrida, o GP da França, não conseguiu tempopara se classificar. Enfrentou algumas quebras durante a tem-porada européia, mas conseguiu um bom quinto lugar emMonza, onde bateu o recorde da pista, além do ótimo resul-tado no GP dos Estados Unidos, quando terminou em se-gundo, ficando atrás apenas de Carlos Reutemann, seu novocompanheiro de equipe. A dobradinha da Brabham no últi-mo GP de 1974 era um bom sinal para Moco, que agora viachances de finalmente conseguir sua primeira vitória na Fór-mula 1.

Na abertura do campeonato de 1975, na Argentina, Mococorreu de forma fantástica. Marcou o segundo tempo, masfoi beneficiado pela desistência de Jean Pierre-Jarrier, que haviacravado a pole position, mas não pôde largar com problemasno carro. Não largou muito bem, e perdeu a ponta paraReutemann. Logo recuperou a posição, mas uma rodada o

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fez cair para sétimo lugar. Em pouco tempo já era o quarto,em uma grande corrida de recuperação. Mas novos proble-mas no carro o fizeram perder o controle, e ele rodou nova-mente. Desta vez, não conseguiu voltar para a pista. Ao sairdo carro, foi calorosamente aplaudido pelo público argenti-no que lotava o autódromo de Buenos Aires. Como consola-ção, levou o prêmio de piloto mais combativo da corrida. Masisso era pouco para Pace, que viu o bicampeão Emerson con-seguir mais uma vitória na carreira.

Com a boa corrida na Argentina, Moco mostrava que ti-nha condições de vencer. Ou melhor, mostrava que só nãotinha vencido ainda por uma série de outros fatores, que nãosua qualidade técnica. Sempre muito arrojado, já havia con-seguido um milagroso quarto lugar em Interlagos em 1974,com seu Surtees bem abaixo dos carros concorrentes. Paceconhecia o autódromo paulistano como poucos, e agora ti-nha um carro competitivo. Moco seguia para Interlagos comum só pensamento: a vitória.

A primeira dobradinha

Durante todo o fim de semana do GP Brasil de Fórmula 1de 1975, José Carlos Pace foi o piloto que mais vezes levou

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seu carro ao boxes para ajustes; foi sempre o primeiro a che-gar, e o último a sair. Sua dedicação ao carro e à pista eraexemplar, e deixava clara a sua vontade de vitória. “No GPdo Brasil ele conseguiu acertar o carro perfeitamente. O meupai acertava o carro pelo barulho do motor”, conta PatríciaPace, filha do piloto.

Mas naquele ano, como em anteriores, as atenções esta-vam voltadas para Emerson Fittipaldi. Até por certa lógica.Emerson era um piloto consagrado, bicampeão mundial, quecorria numa equipe de ponta – a McLaren – e já tinha venci-do em Interlagos duas vezes. Cerca de 150 mil pessoas seapertavam nas arquibancadas, e se fosse perguntado a cadauma delas o motivo de estarem ali, seriam 150 mil respostasiguais: queriam acompanhar mais uma vitória de Fittipaldiem casa.

Mas o GP daquele ano tinha outros atrativos. Pela primei-ra vez, os brasileiros poderiam acompanhar de perto o maiorprojeto do país na Fórmula 1, o Copersucar-Fittipaldi, a pri-meira equipe brasileira de Fórmula 1, fruto da coragem e dapersistência de Wilsinho Fittipaldi, que também o guiavapelas pistas mundo afora. Depois de uma estréia desastrosana Argentina, onde o carro se incendiou, Wilsinho sabia quejá seria muito bom terminar a corrida em São Paulo.

Além dos destaques brasileiros, a corrida daquele ano ti-

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nha também a presença da surpreendente Shadow, guiadapor Jean Pierre-Jarier, carro muito rápido nas retas, e com umaaderência impressionante, que permitia uma velocidade muitoboa nas curvas.

A rapidez da Shadow se confirmou, e Pierre-Jarier marcoua pole position, seguido por Emerson Fittipaldi e CarlosReutemann. Moco largaria em sexto, e Wilsinho apenas navigésima primeira posição.

“Ele estava confiante, falou com o pai - já falecido na épo-ca - em um sonho, e ele o avisou que precisava de uma estrelade cinco pontas pra vencer”, revela Elda Pace, esposa de Moco,que no dia da corrida teve de ligar para uma tia do piloto, apedido dele, para que ela arrumasse a estrela de cinco pon-tas. “Essa tia que ele adorava e fazia tudo por ele conseguiuessa estrela”, relembra Elda.

A largada foi perfeita para Pace, que pulou da sexta para aterceira posição. Em poucas voltas já tinha ultrapassadoCarlos Reutemann e assumido a segunda colocação. Fez umacorrida perfeita, com o carro bem ajustado, sem errar umacurva, e sempre muito rápido. Mas não o bastante para ame-açar a primeira posição de Pierre-Jarrier, que se mantinha tran-qüilo na frente. Sempre tirando o máximo do seu Brabham,Moco conseguiu abrir vantagem de Emerson, que vinha atrásem terceiro. Até que, na 32ª volta, a sorte que por muitas

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vezes o abandonou, agora o carregaria no colo. O Shadow dePierre-Jarier começou a apresentar problemas na bomba degasolina, e ele foi obrigado a abandonar a prova.

Com a primeira colocação garantida, Moco ainda tinhaoito voltas para agüentar uma pressão que vinha de Emer-son. O piloto da McLaren estava muito rápido, tirando qua-se 1 segundo por volta. Mas ele mesmo sabia que, para tirar avitória de Pace, só por uma quebra. E foi essa a estratégia deEmerson. Ele acreditava que dessa forma faria Moco exigirdemais do carro, para manter uma vantagem de 11 segun-dos, e isso poderia levá-lo a uma quebra.

Mas não foi o que aconteceu. Muito bem informado peloboxe da Brabham, Pace manteve a calma, e apesar da vanta-gem ter diminuído quase pela metade, levou seu carro tran-qüilo até a 40ª volta, quando, pela primeira vez, recebeu abandeirada da vitória. Com Emerson em segundo, a festabrasileira ainda se completou quando Wilsinho atravessou alinha de chegada com o Copersucar-Fittipaldi, na 13ª posi-ção. “O Zé ganhou o GP usando a estrela. Era uma correntecom uma estrela, que ficava por dentro do macacão, junto àpele”, lembra a esposa do piloto.

Pela primeira vez, os brasileiros podiam comemorar umadobradinha em Interlagos, algo que até hoje não se repetiu.Mas, por pouco, não viram tudo se perder. Depois da

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bandeirada, os pilotos devem dar uma volta completa no cir-cuito. Mas Pace cortou caminho pela pista que une o circui-to misto ao anel externo. Isso poderia desclassificá-lo e, con-seqüentemente, perderia a sua primeira vitória na Fórmula1. Ao perceber o erro de Moco, Emerson o seguiu, por acharque seria mais difícil a direção de prova desclassificar os doisprimeiro colocados. O alemão Jochen Mass, que tinha com-pletado a prova em terceiro, também os seguiu, e isso tornoua punição inviável.

“A vitória do Pace em 1975 é um marco de Interlagos. Efoi legal porque foi uma dobradinha, a primeira no Brasil. Foia prova concreta de que o que se fez no automobilismo bra-sileiro na década de 1960, aquilo que foi meio empírico, semplanejamento, sem nada, era o caminho que o automobilis-mo brasileiro deveria ter seguido, com participação dasmontadoras e corrida multimarcas”, observa o jornalista Flá-vio Gomes.

Para o colunista Roberto Brandão, a vitória de Moco foium dos grandes momentos do esporte, pelo piloto ser muitocarismático e querido na época, além do fato de ter EmersonFittipaldi na segunda posição. “Eram festas genuínas, espon-tâneas, de gente de todos os perfis e que gostavam de auto-mobilismo”, lembra ele.

A festa brasileira estava garantida. A vitória merecida de

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Pace foi muito comemorada. Com lágrimas nos olhos, abra-çou sua mãe, dona Amélia, e sua esposa, Elda. No pódio, aolado de Emerson, mal conseguiu controlar a emoção de vertantas pessoas nas arquibancadas gritando seu nome. Aque-la seria a única vitória de Pace na Formula 1. Elda conta que,nas entrevistas que Pace dava após a corrida, ele fazia ques-tão de demonstrar toda a alegria de ter vencido em casa, napista onde aprendeu a correr. Entre lágrimas, ele repetia semparar: “Agora eu posso morrer feliz”, conta Elda. “Ele falavapara as pessoas: ‘pelo menos o meu primeiro objetivo eu con-segui, que era ganhar no Brasil’”, relata a esposa.

“Em 75 estava lá o Pace em primeiro e o Emerson em se-gundo, em uma corrida de Fórmula 1. Dez anos antes oscaras estavam correndo de Gordini, de Willis, de carro de800cc. Essa, então, foi a consagração de uma geração, de umcaminho que o automobilismo brasileiro adotou e que pode-ria ter seguido e renderia muito mais hoje”, analisa Gomes.

Entre 1972 e 1975, São Paulo, e todo o Brasil, acompa-nharam em Interlagos os grandes momentos da história doautomobilismo nacional. A estréia da Fórmula 1 em 1972, asduas vitórias seguidas de Emerson e a dobradinha Pace-Fittipaldi em 1975 marcaram o período romântico do circui-to.

Em 1976, o Grande Prêmio do Brasil abriu a temporada.

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Era a primeira vez que Emerson correria no país pilotando ocarro da família. Seu companheiro de equipe na Copersucar-Fittipaldi era Ingo Hoffmann, jovem talento, que mais tardese tornaria o maior vencedor da principal categoria do auto-mobilismo nacional, a Stock Car. Emerson largou na quintacolocação, mas enfrentou problemas com o motor Ford, eterminou apenas em 13°. Hoffmann terminou duas posiçõesà sua frente, enquanto José Carlos Pace ficou em décimo. Ovencedor da corrida foi o austríaco Niki Lauda, da Ferrari,que terminaria o campeonato em segundo, atrás apenas deJames Hunt, da McLaren.

No ano seguinte, José Carlos Pace era apontado por todoscomo um dos favoritos na disputa do título. Além do bompiloto que todos já conheciam, Moco vinha de bons resulta-dos com seu Brabham-Alfa Romeo na pré-temporada. As pre-visões se confirmaram com o bom segundo lugar na Argenti-na, prova que abriu o campeonato de 1977. Pace chegou con-fiante ao GP Brasil daquele ano, e marcou o quinto temponos treinos oficiais. Depois de uma boa largada, Moco lide-rou parte da prova, quando na 33ª volta, foi tocado por JamesHunt, que tentava ultrapassá-lo, e teve que entrar no boxe.Pace voltou à pista, e começou a andar muito rápido. Masrodou na curva 3 e teve que abandonar a prova. CarlosReutemann, então na Ferrari, venceu. Emerson foi o quarto

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colocado e Hoffmann o sétimo.De forma melancólica, Moco se despedia de Interlagos.

Após o GP da África do Sul daquele ano, Pace sofreu umacidente aéreo que lhe custou a vida. Deixou a esposa Elda,que o acompanhava em todas as corridas, e dois filhos,Rodrigo e Patrícia. Além de uma legião de fãs.

O austríaco da Ferrari, Niki Lauda, ganharia seu primeirotítulo no final da temporada 1977.

O ano de 1978 passou sem Fórmula 1 em Interlagos. OGP Brasil foi transferido para o autódromo de Jacarepaguá,no Rio de Janeiro. A vitória foi novamente de CarlosReutemann, seguido por Emerson Fittipaldi, naquele queseria o melhor resultado da Copersucar-Fittipaldi em sua bre-ve história.

A Fórmula 1 voltou a São Paulo em 1979. Empolgado coma segunda colocação de Fittipaldi no ano anterior, no Rio, opúblico paulista novamente lotou as arquibancadas do cir-cuito. Além de Emerson, outro brasileiro alinhava no grid delargada. Nelson Piquet, futuro tricampeão mundial, guioupela primeira vez em Interlagos com o seu Brabham.

A expectativa criada em torno de Rato não se confirmou,e ele acabou a corrida apenas em 11°. O jovem Piquet foiobrigado a abandonar, depois de um acidente na quinta vol-ta. Nesse ano, Interlagos assistiu ao domínio dos carros da

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Ligier. Os bólidos franceses guiados por Jacques Laffite ePatrick Depailler marcaram o primeiro e o segundo temposno treino de classificação. Laffite liderou a corrida de ponta aponta, marcou a volta mais rápida (2min28s760) e viu seucompanheiro chegar logo atrás. A superioridade no circuitopaulista, porém, não se confirmou no restante da tempora-da, que teve o sul-africano Jody Scheckter, da Ferrari, comocampeão.

Em 1980, Nelson Piquet era a grande esperança brasileirade vitória em Interlagos. Tinha conquistado um segundolugar no GP da Argentina, que abriu o campeonato, e conta-va com um carro muito bom. Além dele, o finlandês KekeRosberg, em seu primeiro ano na categoria, tinha chegadoem terceiro em Buenos Aires, guiando o Fittipaldi. A equipebrasileira não contava mais com o patrocínio da Copersucar,e havia se transferido para a Inglaterra, a fim de baratear oscustos.

Novamente, as expectativas não se confirmaram, e a corri-da foi frustrante para a torcida brasileira. Piquet se envolveuem um acidente, e abandonou na 15ª volta. Os carros deEmerson e Rosberg não tiveram um bom desempenho, e ofinlandês terminou em nono, enquanto o Rato foi apenas o15°. A vitória ficou com o francês René Arnoux, da Renault.

O australiano Alan Jones, da Williams, foi o campeão em

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1980, e Nelson Piquet, da Brabham, o vice.Sem verbas para atender as exigências da FIA, a Prefeitu-

ra de São Paulo abriu mão de organizar o GP Brasil de 1981em Interlagos. A cidade do Rio de Janeiro tinha de volta oevento que havia promovido apenas em 1978. Entre 1981 e1989, o Grande Prêmio brasileiro foi disputado na Cidade-Maravilhosa, no Autódromo de Jacarepaguá. Em 1990 foi avez da prefeitura carioca não contar com verbas suficientes, ea Fórmula 1 voltar para o seu palco original, Interlagos, quehavia passado por grandes mudanças no traçado.

O F-1 tupiniquim

A história de construtores de automóveis na famíliaFittipaldi já era de sucesso. Wilsinho e Emerson já tinham seaventurado nessa área, e haviam criado carros de competiçãocomo os de Fórmula Vê e o Fitti-Porsche. Mas dessa vez, oplano era muito mais ousado. Ao final da temporada de 1973,cansado de tentar encontrar patrocinadores, Wilsinho deci-diu colocar em prática um idéia que tinha desde 1971: cons-truir o primeiro Fórmula 1 brasileiro. “Era a hora certa”, con-ta ele.

Para se tocar um projeto desses, a primeira preocupação

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que aparece é sempre a mesma: era preciso dinheiro. Com aajuda de uma agência de publicidade, a idéia foi vendida paraa Copersucar, Cooperativa dos Produtores de Açúcar. Wilsão,que estava engajado no projeto do filho, foi apresentado aVolnei Atala, presidente da cooperativa. Ele conta, no livro ‘ASaga dos Fittipaldi’, do jornalista Lemyr Martins, que o em-presário logo o atendeu, com uma exigência. “Não queroanúncio de mais ninguém no carro. Exijo exclusividade”, disseAtala ao Barão. Além disso, ele exigiu que o nome da equipefosse Copersucar. Depois de muita conversa, Wilsão final-mente o convenceu a aceitar o nome Copersucar-Fittipaldi.

Com o patrocínio inicial de US$ 800 mil, Wilsinho se tran-cou em sua oficina em frente ao portão 3 do Autódromo deInterlagos, junto com o engenheiro Roberto Divila, para darinício ao projeto.

Alguns problemas foram contornados com a ajuda daEmbraer. A empresa era a única que tinha um túnel de ventono país, essencial para os primeiros testes aerodinâmicos docarro. Depois de analisarem o projeto, os diretores da estatalconcordaram em colaborar com a empreitada de Wilsinho.“Nós tínhamos dificuldades de todos os tipos, como, porexemplo, na importação de materiais. Necessitávamos dequinze chapas de alumínio para a carroceria, e quando pedí-amos o orçamento às firmas inglesas, logo perguntavam:

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‘quantas toneladas? ’”. Para isso, novamente a Embraer foiimportante. A empresa fornecia o material na quantidadenecessária. Além de alumínio, outros materiais eram adquiri-dos com a empresa, como o argônio para a solda. “Um proje-to como esse não seria possível sem a Embraer”, lembraWilsinho.

Durante o projeto, sem a ajuda dos computadores de hoje,foram gastos dezoito quilos de papel vegetal para os dese-nhos do bólido. O carro tinha entre suas principais caracte-rísticas a preocupação com a segurança do piloto. No Fitti-1,como era chamado o carro pelos brasileiros, o piloto ficavacom a cabeça quinze centímetros abaixo da altura máximada barra anticapotagem. Além disso, o modelo já contava combanco feito de material incombustível, diferente dos carrosde grandes equipes como a Ferrari, a Tyrrell e a Brabham. Obólido brasileiro também contava com outra novidade: pon-tos frontais de absorção de impactos. “Naquela época, erabater de frente e morrer”, conta Wilsinho.

Em novembro de 1974, onze meses depois do início doprojeto, pela primeira vez um carro brasileiro de Fórmula 1andava em Interlagos. O FD-01 (Fittipaldi-Divila) se com-portou normalmente naquele primeiro teste. “Foi uma superemoção. Quando eu saí do boxe a primeira vez foi uma emo-ção enorme. Era eu quem estava dirigindo. Não andamos

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muito rápido no primeiro dia, e o carro foi bem. Do segundodia em diante, nós começamos a andar mais e aí fomos cor-rigindo os problemas que apareciam. Eram algumas coisaspequenas, algumas grandes, que é normal de um carro queacabou de nascer. Todo Fórmula 1 é assim, você vai pra pistae mexe depois num monte de coisa”, lembra Wilsinho, emo-cionado.

A temporada de estréia do Copersucar-Fittipaldi, 1975, foimuito difícil. A primeira corrida, na Argentina, acabou antes,depois de enfrentar problemas. O único carro da equipe, diri-gido por Wilsinho, sofreu um acidente e pegou fogo. Nada demais grave aconteceu ao piloto. Das 14 provas da temporada,além da Argentina, Wilsinho também se acidentou na Áus-tria. Chegou em 13° no Brasil, 24° na Espanha, 12° na Bélgica,17° na Suécia e na Alemanha, 11° na Holanda, 19° na França ena Inglaterra, e em décimo nos Estados Unidos, melhor colo-cação do carro brasileiro na temporada. Nos GPs da África doSul e de Mônaco, Wilsinho não conseguiu classificação. Alémdesses, o piloto não participou do GP da Itália.

Em 1976, a equipe passava a contar com a presença de umbicampeão mundial no volante, Emerson Fittipaldi. VolneiAtala, presidente da Copersucar, foi quem primeiro sugeriu apresença de Rato na equipe. Naquela época, Emerson estavaprestes a renovar seu contrato com a McLaren, uma das maio-

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res equipes do circo da Fórmula 1. Mas Atala insistiu em ter apresença de Emerson, que era simpático ao projeto. Wilsinhoconfessa que tentou demover o irmão da idéia, pois poderiaganhar outros campeonatos. “Ele com certeza perdeu a chancede ser tricampeão. Mas era também um objetivo dele. Então,hoje, eu não acho que a decisão dele tenho sido errada. Ele viuque o carro estava num nível bom, e entrou de cabeça no pro-jeto”.

A estréia de Emerson a bordo do carro da família foi emInterlagos. Ele largou em sétimo, e chegou em 13°. Além dele,a equipe agora contava também com Ingo Hoffmann no ou-tro carro.

Em mais uma temporada difícil, Emerson conquistou oprimeiro ponto da equipe no campeonato no GP dos EstadosUnidos-Oeste. Rato terminou a prova em sexto. Porém, foi noGP da Bélgica, quinta etapa da temporada, que o Fittipaldisofreu o primeiro grande revés. Emerson marcou apenas o 27°tempo na classificação, insuficiente para colocar o carro no gridde largada. Pela primeira vez, 14 vitórias e 2 títulos depois,Emerson não tinha tempo para se classificar. Um clima de ve-lório se estendeu pelo boxe da equipe.

Em mais um ano difícil, a Fittipaldi terminou a temporada1976 em 11ª, entre as 13 equipes que disputaram o campeo-nato, com apenas três pontos. Emerson terminava o seu pior

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ano na Fórmula 1, em 17° colocado.Durante toda sua existência, a equipe sofreu com a descon-

fiança da imprensa e dos torcedores brasileiros. “Eu diria que95% da imprensa brasileira achava que aquilo que a gente esta-va fazendo era uma loucura. Eles não entendiam de Fórmula 1,entendiam de futebol. E iam cobrir corrida de Fórmula 1. Aí sódava confusão. A imprensa realmente nos atrapalhou muito nosúltimos anos”, reclama Wilsinho.

A resposta aos críticos veio em 1978, no GP do Brasil, dispu-tado em Jacarepaguá. Mesmo com um carro inferior aos demais,Emerson levou seu Fittipaldi ao segundo lugar, depois de largarem sétimo. “Foi ótimo, foi magnífico. Você chegar em segundolugar aqui no GP Brasil é magnífico. Aí a imprensa ficou calada.Esperaram muito tempo por algum resultado ruim para come-çarem outra vez”, garante Wilsinho.

O bom resultado no Rio de Janeiro não se repetiu mais. Aequipe terminaria em sétimo lugar naquele ano, e em 12° noseguinte.

Em 1980, a Fittipaldi já não tinha mais o patrocínio daCopersucar. Agora, seus carros eram pintados com o amarelo daCervejaria Skol. Além disso, contava com um futuro campeãomundial, o finlandês Keke Rosberg, em seu cockpit. Esse foitambém o último campeonato de Emerson na Fórmula 1. Nes-se ano, a equipe terminou a temporada na sétima posição, junto

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da Arrows e da grande McLaren e, surpreendentemente, à fren-te das temíveis Ferraris.

No ano seguinte, a Skol foi vendida à Brahma, que anunciouo fim do patrocínio à equipe. Sem dinheiro, a equipe amargou aúltima posição entre os construtores, sem marcar ponto, algoque não acontecia desde 1975, ano de estréia da Fittipaldi.

A persistência de Wilsinho ainda levou a equipe a disputarmais uma temporada, agora com Chico Serra pilotando. Nova-mente os resultados não apareceram, e a Fittipaldi se despediuda Fórmula 1 no GP de Las Vegas, nos Estados Unidos.

Em seus oito anos de existência, a Fittipaldi correu em 104GPs e conquistou 43 pontos. Comparada com outras equipesconsideradas médias/pequenas na Fórmula 1, a Fittipaldi con-seguiu bons resultados:

Fittipaldi – Brasil – 104 GPs (1975-1982): 43 pontosHesketh – Inglaterra – 52 GPs (1974-1978): 42 pontosLola-Ford – Inglaterra – 75 GPs (1962-1993): 40 pontosMinardi – Itália – 325 GPs (1985-2005): 39 pontosEnsign – Inglaterra – 99 GPs (1973-1982): 19 pontosDallara – Itália – 78 GPs (1988-1992): 15 pontosOsella – Itália – 132 GPs (1980-1990): 7 pontosAGS – França – 91 GPs (1980-1991): 2 pontosZakspeed – Alemanha – 54 GPs (1985-1989): 2 pontos

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Por isso, hoje, a imprensa não vê mais o projeto de Wilsinhocomo piada. “Fazer uma equipe de Fórmula 1 é um negóciodifícil. É difícil hoje, e era difícil 30 anos atrás. Os valoreseram outros, muito mais baixos, lógico, mas a dificuldadeexistia. A imprensa atrapalhou, e prejudicou na captação derecursos. Mas hoje a história da Copersucar-Fittipaldi é desucesso”, afirma Gomes.

O jornalista Rodrigo Mattar concorda com Gomes. “A fal-ta de resultados foi decorrência da tremenda pressão que aimprensa ‘especializada’ da época fez em cima do Emerson edo Wilsinho. A Fittipaldi teve engenheiros e projetistas ex-cepcionais, mas nada deu certo. Por que? Porque todo mun-do cobrava resultados imediatos. Faltou paciência e um pou-co de planejamento. Mas entramos para a história, porque oFittipaldi tornou-se o único carro de F-1 construído fora docontinente europeu”.

O sonho de Wilsinho e da família Fittipaldi já fazia partedo passado. O que sobrara eram dívidas monstruosas de cer-ca de US$ 7,5 milhões (cerca de US$ 20 milhões com valorescorrigidos hoje). Mesmo em uma época em que não se gasta-va muito, o orçamento do último ano da equipe era de US$3,5 milhões. Pouco, comparado com os valores gastos porequipes como a Ferrari hoje, que tem um orçamento anualpróximo de US$ 400 milhões. Algo que Wilsinho considera

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prejudicial para a competição. “Eu acho que foi muito ruimpra Fórmula 1. Somente 3 ou 4 equipes conseguem ter essedinheiro. Eu acho que a competição deveria voltar com umregulamento técnico muito mais voltado ao piloto, ia ganharmais do que estar nessa situação de hoje em dia. Deveria sermenos tecnológico”.

Fora das pistas desde então, hoje Wilsinho se concentraem seu estaleiro para a construção de iates, a Fittipaldi Iates,sediada em Angra dos Reis, litoral do Rio de Janeiro. Apenastorce por seu filho, Christian, que participa do CampeonatoBrasileiro de Stock Car V8.

Emmo, o desbravador

Emerson Fittipaldi nasceu em 12 de dezembro de 1946,na cidade de São Paulo. Filho do Barão Wilsão Fittipaldi,grande incentivador do automobilismo brasileiro, sempre tevea velocidade como maior paixão. Acompanhava o pai radia-lista nas transmissões de corridas pelo país sempre que po-dia.

Teve o primeiro contato com o circuito de Interlagos aos9 anos, ao andar de carona na carretera do gaúcho José Asmuzdurante o intervalo da Mil Milhas Brasileiras de 1956. Foi

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mecânico do irmão Wilsinho em corridas de kart, e semprese mostrou muito detalhista. Estreou nas competições pilo-tando motos. No começo, competia escondido dos pais.

Emerson se revelou um grande piloto guiando os Fitti-Vê,carros de Fórmula Vê construídos por ele e pelo irmão. Foipara a Europa em 1969, disputar o campeonato de FórmulaFord. Vendeu tudo que tinha para pagar os US$ 20 mil nocarro que usou para correr. No mesmo ano, passou a andar deFórmula 3 Inglesa, e já se mostrava um grande piloto. Ven-ceu nove das onze corridas da temporada, e foi campeão logoem seu primeiro ano. Ao final de 1969, recebeu o primeiroconvite para disputar o campeonato de Fórmula 1. FrankWilliams o queria como segundo piloto. Emerson recusou,esperando uma proposta da Lotus.

Em 1970 estreou na Fórmula 2, último passo para se che-gar à Fórmula 1. Nessa competição enfrentou grandes pilo-tos, que disputavam a Fórmula 1 na época. Como apremiação da Fórmula 2 era muito alta, alguns pilotos daFórmula 1 como Graham Hill, Jackie Stewart e Jack Brabhamdisputavam as provas dessa categoria. Emerson se mostroumuito veloz, e em 19 de julho daquele ano, realizou o sonhode qualquer piloto. Atraiu a atenção de Colin Chapman, eneste dia, estreou na Fórmula 1, no tradicional circuito deBrands Hatch, com um Lotus 49C. Largou em penúltimo, e

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andava rápido quando um problema na quarta marcha oimpediu de conseguir um resultado melhor do que o oitavolugar. Uma boa colocação para um estreante que corria comum carro quatro anos mais velho do que o dos principaisconcorrentes. Na corrida seguinte, em Hockenheim, na Ale-manha, marcou seus primeiros pontos na Fórmula 1, comum quarto lugar. No GP da Itália daquele ano, um acidenteresultou na morte do seu companheiro de Lotus JochenRindt, que liderava o campeonato. A primeira vitória de Emer-son veio logo em seu primeiro ano na Fórmula 1. Depois daLotus não disputar o GP do Canadá em luto pela morte deRindt, a equipe voltou para as pistas nos Estados Unidos. Avitória de Emerson na etapa americana valeu também o cam-peonato a Rindt, que, mesmo morto, não podia ser alcança-do por mais ninguém.

A temporada de 1971 foi de bons resultados, mas nenhu-ma vitória. No campeonato vencido pelo lendário JackieStewart, Emerson terminou em sexto. O seu grande ano,porém, estava por vir. 1972 começou com problemas na sus-pensão do seu Lotus, e ele abandonou em Buenos Aires. Aprimeira vitória de Emerson naquele ano viria apenas no ter-ceiro GP, o da Espanha. Venceu também na Bélgica, na In-glaterra e na Áustria. Chegou a Monza, na Itália, precisandoapenas do quarto lugar para garantir o campeonato com duas

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provas de antecedência. Mas a sorte parecia não estar ao ladode Rato naquele fim de semana. O caminhão que transpor-tava os Lotus sofreu um acidente, que destruiu parte doscarros. Depois de muito trabalho, alcançou o sexto lugar nogrid de largada. Mas ainda não tinha acabado. Meia hora antesda volta de apresentação, um vazamento de gasolina foi cons-tatado por um mecânico. O tanque teve que ser trocado àspressas. O carro, surpreendentemente, se comportava muitobem, mas Emerson optou pela prudência. Foi premiado pormuitas quebras nos carros à sua frente, e a nove voltas dofinal, assumiu a liderança depois do motor da Ferrari de JackyIckx não suportar o ritmo da prova. Venceu em Monza, e aliconquistou o seu primeiro título de campeão mundial deFórmula 1. Emerson também era o mais jovem piloto a al-cançar o topo da categoria máxima do automobilismo, com24 anos 8 meses e 29 dias. Recorde batido apenas em 2005pelo espanhol Fernando Alonso, que tinha 24 anos e 56 diasquando foi campeão.

Em 1973, Emerson disputava sua última temporada pelaLotus. As três vitórias na temporada (inclusive no Brasil) nãoforam suficientes para lhe dar um novo campeonato, quenesse ano ficava novamente com o escocês Jackie Stewart.

No ano seguinte, Rato recebeu boa proposta da tambéminglesa McLaren. Aceitou, e logo na segunda corrida pela

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equipe, em Interlagos, venceu. Neste ano, venceu tambémna Bélgica e no Canadá. Chegou aos Estados Unidos na dis-puta pelo título com o suíço Clay Regazzoni, da Ferrari. Lar-gou em oitavo, ao lado do rival, em nono. Ao longo da corri-da, o suíço enfrentou muitos problemas, que o fizeram cairpara o 13° lugar. Emerson se manteve concentrado, e nas vol-tas finais, o locutor de Watkins Glen, local da primeira vitó-ria de Rato na Fórmula 1, repetia nos microfones: “Fittipaldié o quarto. Fittipaldi é o campeão mundial”. Emerson se se-gurou nesta posição, numa corrida tranqüila. Ao final das 59voltas, a pista era tomada por brasileiros que estavam no lo-cal para comemorar o bicampeonato mundial de EmersonFittipaldi.

A temporada de 1975 foi mais complicada para Rato. Ape-sar da vitória na Argentina e do segundo lugar no Brasil, aMcLaren não rendeu o que era esperado. E no dia 19 de ju-lho de 1975, Emerson conquistava a sua última vitória naFórmula 1, no GP da Inglaterra.

No ano seguinte, seguiu o irmão Wilsinho, e entrou decabeça no projeto da Copersucar-Fittipaldi. Poucos resulta-dos e muitos problemas o fizeram abandonar as pistas deFórmula 1 em 1980.

O amor pela velocidade, porém, não o deixou ficar longedas corridas por muito tempo. Aos 37 anos estreou na Fór-

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mula Indy, categoria de muito sucesso nos Estados Unidos.Em 1989, aos 43 anos de idade, Emmo, como era chamadopelos americanos, alcançou mais uma proeza. Era o primeiropiloto nascido fora dos Estados Unidos a vencer o campeo-nato de Fórmula Indy. Nesse mesmo ano, Emerson venceupela primeira vez a 500 milhas de Indianápolis, umas das maistradicionais e difíceis corridas do mundo, feito que se repeti-ria em 1993.

No dia 28 de julho de 1996, no veloz autódromo deMichigan, Emerson guiava pela última vez um Fórmula Indy.Depois de largar em sexto, foi tocado na roda traseira porGreg Moore ainda na primeira volta. O Penske dirigido porEmmo se desgovernou, e ele se chocou contra o muro docircuito a 320 km/h. Com o pulmão perfurado pelas costelas,Emerson foi atendido no local e transferido para Miami, ondepassou por uma cirurgia de quatro horas. Fragmentos de os-sos foram tirados da sua medula. O acidente quase o deixouparaplégico.

Em 1997, novo acidente quase tira a vida de Emerson. Oultraleve que ele pilotava com o filho Luca, na época com 7anos, caiu de uma altura de quase 100 metros, próximo à suafazenda em Araraquara, interior de São Paulo. Os dois foramresgatados cerca de 11 horas e meia depois. O piloto, comfraturas na segunda vértebra lombar, quase perdeu os movi-

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mentos da perna.Na Fórmula 1, categoria em que foi bicampeão (1972 e

1974), Emerson disputou 144 GPs, entre 1970 e 1980. Fo-ram 14 vitórias, 6 pole positions e 281 pontos conquistados.Na Indy, foi campeão em 1989, e entre 1984 e 1996, dispu-tou 195 corridas, com 22 vitórias, 17 pole positions e umapremiação estimada em US$ 14,2 milhões.

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Pilotos assumem seus lugares no grid de largada do GP Brasil de 1972

O argentino Carlos Reutemann,com seu Brabham branco,

vencedor do primeiro GrandePrêmio de Fórmula 1 em

Interlagos

Wilsinho recebeo seu trófeu pelo3° lugar no GP

de 1972

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Colin Chapman, dono da Lotus, saúda Emerson Fittipaldi nalinha de chegada do GP de 1973

K. T. Tyrrell, em 1973:“Eles estão se

comportando. Por que arepressão?”. Era só o

calor mesmo

Emersongruda na

traseira deJack Ickx. Na curva

seguinte, elejá tinhapassado

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Emerson, já na McLaren, ultrapassa Ronnie Peterson, da Lotus, no GPBrasil de 1974. O brasileiro terminaria a corrida em primeiro, em sua

segunda, e última, vitória em casa

Moco, com seu Brabham branco n° 8, durante o Grande Prêmio do Brasil de1975. Foi a única vitória de Pace na Fórmula 1. Dois anos depois, ele

faleceria em um acidente aéreo.

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Wilsinho Fittipaldi pilotando o carro que construiu, na estréia da equipeCopersucar-Fittipaldi, no GP da Argentina de 1975

Emerson testa o Copersucar-Fittipaldi em Interlagos

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Emerson Fittipaldi,com seu elegante

macacão da Lotus, oprimeiro brasileiro

campeão mundial deFórmula 1

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O segundo pit stop

O segundo pit stopCapítulo 3

No final de década de 1970 e começo da década de 1980,Interlagos sofreu com a concorrência do Autódromo deJacarepaguá, no Rio de Janeiro, para a realização do GP Brasilde Fórmula 1. Até que, em 1978, as autoridades cariocas con-seguiram realizar em sua cidade, pela primeira vez, uma corri-da de Fórmula 1. Porém, em 1979, a prova voltou paraInterlagos. Após a corrida de 1980, entretanto, a Prefeitura deSão Paulo não conseguiu reunir as verbas suficientes para arealização do GP na cidade, e abriu mão do evento. A prefeitu-ra carioca, então, aproveitou-se da oportunidade e, em 1981, oGP do Brasil de Fórmula 1 era disputado novamente na Cida-de-Maravilhosa.

“Foi um período de ostracismo e ninguém mais pensavaem Fórmula 1 no Autódromo de Interlagos. GP Brasil era emJacarepaguá e acabou. Os pilotos adoravam o Rio de Janeiro”,diz Flávio Gomes.

No entanto, durante esse período de “ostracismo”,Interlagos viu nascer a Stock Car, que hoje se tornou a princi-pal categoria do automobilismo brasileiro. “Atualmente, na

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Stock Car, temos freqüentemente mais de 30 carros dentrodo mesmo segundo no grid de largada, que mostra acompetitividade e o equilíbrio da categoria”, analisa o pilotoIngo Hoffmann (a título de comparação, a diferença nos tem-pos entre o pole position e o 18° colocado, na classificação doGP Brasil de Fórmula 1 de 2005, foi de aproximadamente 3segundos).

Outro momento marcante deste período vivido porInterlagos foi a alteração do nome do circuito para Autódro-mo Internacional José Carlos Pace, no dia 26 de dezembro de1985, em homenagem ao piloto que venceu o GP Brasil de1975, com Emerson Fittipaldi em segundo lugar, fazendo aprimeira dobradinha brasileira na Fórmula 1, e morreu em 1977,em um acidente aéreo. “Eu achei a homenagem que fizerampra ele a mais certa possível, porque apesar do Pace nunca tersido campeão mundial de Fórmula 1, ele chegou a vencer umacorrida de Fórmula 1 e era um piloto fantástico, era um pilotorealmente muito bom.”, afirma Hoffman.

Stock Car: domínio do “Alemão”

Paralelamente à mudança da sede do GP Brasil de Fórmula1, o país via nascer a Stock Car no ano de 1979. A primeira

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corrida aconteceu no Autódromo de Tarumã no dia 22 de abril.O piloto vencedor foi o paulista Affonso Giaffone Júnior, quevenceu as duas provas seguintes em Guaporé (RS) e Interlagos.O corredor também ficou com o 1º lugar na sexta etapa da-quele ano, realizada em Brasília.

Apesar das quatro vitórias de Giaffone Júnior, o campeãoda primeira temporada da Stock Car foi o também paulistaPaulo Gomes. O piloto venceu as outras duas provas que fo-ram realizadas em Interlagos no ano de estréia da categoria. Apartir da segunda temporada, o campeonato viu surgir um mitodo automobilismo brasileiro, Ingo Hoffmann. O corredor con-quistou 12 vezes o título da Stock. “Graças a Deus eu ganheiuma porrada de campeonatos e sou recordista de tudo: cam-peonatos (12), vitórias (77), poles positions (60), melhoresvoltas. Enfim, de tudo”, comemora o piloto.

Um exemplo da carreira vitoriosa de Ingo: em Interlagosele terminou 25 vezes na primeira colocação. “Interlagos pramim é tudo: lá eu comecei e eu pretendo, quando parar decorrer, terminar a minha carreira lá. Aquele autódromo temum significado muito especial pra mim, porque é como se fos-se parte da minha casa, do meu quintal, eu conheço coisas láque ninguém conhece. Eu fico meio assim quando vejo aque-le pessoal (organização da Fórmula 1) que chega lá, passa ofim de semana e vai embora no domingo a noite, achando que

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está em casa e na verdade está na casa dos outros”, explica o“Schumacher” da Stock.

“Mais ou menos um ‘Schumacher da Stock’, mas não dá pracomparar, porque a Stock Car não se compara à Fórmula 1, queé extremamente mais difícil, mais competitiva. São carros mui-to velozes, muito rápidos, o piloto tem que ser fantástico pradirigir um carro desses hoje em dia”, conta Hoffmann.

Atualmente a Stock é a categoria mais importante do cená-rio interno do automobilismo brasileiro. Como conta o supercampeão, isso se deve a um trabalho realizado no fim da décadade 1990. “Entre 1979 e o finzinho dos anos 1990, a categoriapassou por muitas fases, cheias de altos e baixos, mas chegou aum ponto que víamos que não ia crescer, porque tinha muitoserros de regulamento, de equipamentos que a gente usava e deestratégia”, revela Hoffmann.

Para mudar esse caminho que a categoria seguia, Hoffmann,Paulo Gomes e Carlos Col (promotor da Stock) criaram umaassociação de pilotos, que teve como primeiro presidente Wil-son Fittipaldi Júnior e depois Hoffmann. “Iniciamos o trabalhoconversando com a General Motors (patrocinadora da compe-tição), que havia tirado o patrocínio, e nós trouxemos a empresade volta. Depois conseguimos mudar para o chassis tubular,com um motor de seis cilindros em linha”, lembra o piloto.

Wilsinho Fittipaldi, atualmente chefe de uma equipe da

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Stock Car, foi um dos envolvidos na revitalização da categoriaao ser o primeiro presidente da associação de pilotos. “Foi umtrabalho de muitos anos, que se fez da Stock Car, então é umtrabalho que vem vindo, melhorando, até que entrou nessa fasemuito boa”.

De acordo com o piloto Chico Serra, tricampeão da Stock,atualmente a categoria tem um nível técnico muito alto, con-centrando as melhores equipes e os melhores pilotos do país. “Écomparável com qualquer categoria mundial”, analisa Chico.“Todo esse trabalho que foi feito nela, de promoção e projeçãodeu, uma alavancada muito grande. Ainda falta um pouco nes-se aspecto, em termos de trabalho promocional, mas ela está nocaminho certo e, sem dúvida, está muito bem”, completa o pi-loto, que passou duas vezes pela categoria: de 1986 a 1990 e de1996 até hoje

“Mais adiante, nós trouxemos os motores V8 e alcançamosessa realidade, que é tudo igual pra todo mundo, qualquer umpode comprar o seu chassis, pode comprar o seu motor e noprimeiro ano ser competitivo, inclusive ganhando corrida. Estámuito competitivo e é isso o que interessa: um show para opúblico”, narra Hoffmann.

A partir da temporada 2005, a Stock alcançou outra marcahistórica, ao se tornar uma categoria multimarca. Pela primeiravez, os carros da Chevrolet, representados pelo modelo Astra,

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teriam um adversário: os Mitsubishi Lancer.“Ninguém podia imaginar que a categoria chegasse ao ano

de 2006 tão forte como ela está agora”, conta o maior campeãoda Stock. Em 2006, o principal campeonato do automobilismonacional continuou crescendo e se tornou ainda mais forte coma entrada de uma terceira marca de carros, a Volkswagen, com omodelo Bora. Em 2007, vislumbrando um futuro ainda maior, aStock receberá a quarta marca de carros. A Peugeot vai disputaro campeonato com o seu modelo 307.

Wilsinho define o campeonato como a “maior categoria doautomobilismo nacional, com o melhor retorno”.

Modelos de carros da categoria:

1979 a 1986 - Opala1987 a 1989 - Carenagem Caio/Hidroplas1990 a 1993 - Protótipo Opala1994 a 1999 - Omega2000 a 2003 - Vectra2004 - Astra Sedan2005 - Astra Sedan e Mitsubishi Lancer2006 - Astra Sedan, Mitsubishi Lancer e Volkswagen Bora2007 - Astra Sedan, Mitsubishi Lancer, Volkswagen Bora ePeugeot 307

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197919801981198219831984198519861987198819891990199119921993199419951996199719981999200020012002200320042005

Paulo GomesIngo HoffmannAfonso GiaffoneAlencar Jr.Paulo GomesPaulo GomesIngo HoffmannMarcos GraciaZeca GiaffoneFábio Sotto MayorIngo HoffmannIngo HoffmannIngo Hoffmann / Ângelo GiombelliIngo Hoffmann / Ângelo GiombelliIngo Hoffmann / Ângelo GiombelliIngo HoffmannPaulo GomesIngo HoffmannIngo HoffmannIngo HoffmannChico SerraChico SerraChico SerraIngo HoffmannDavid MuffatoGiuliano LosaccoGiuliano Losacco

Os campeões da Stock Car

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Com o nome do mito

No dia 26 de dezembro de 1985, o Autódromo deInterlagos mudou de nome para Autódromo InternacionalJosé Carlos Pace, em uma justa homenagem ao vencedor doGP Brasil de 1975, que morreu em um acidente aéreo em1977. “Achei muito legal, ele era um cara que merecia, erauma cara super simples, super legal e eu acho que foi mereci-do, era um super piloto”, diz o piloto Chico Serra, que rece-beu um troféu em uma corrida de kart das mãos de Moco.

José Carlos Pace era filho de uma família italiana. “O paidele não falava português, só italiano”, lembra a esposa EldaPace, que explica o apelido do marido. “Em italiano, Moco équando a pessoa fica mexendo muito no nariz, e ele faziamuito isso”, conta a esposa, que revela outros dois apelidosdo piloto: Dunga e Bolinha.

“Dunga que é surdo e mudo. Ele era muito quieto, nãofalava quase, era um homem muito tímido, então o amola-vam: ‘O Dunga abre a boca, fala’. E Bolinha porque ele eragordo, pesava cento e tantos quilos antes de começar a cor-rer. Ele era bem gordo”, conta Elda.

Carlos Pace, como era chamado o piloto, nasceu em 6 deoutubro de 1944 e durante algum tempo correu usando ape-nas o pseudônimo Moco, escondendo da família e da então

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namorada Elda a paixão pelo automobilismo. “Eu lembro queeu estava namorando com ele e uma vez ele apareceu comesse carro inteiro sem banco, com o Santo Antônio em cimae eu não sabia nem o que era isso. Ele me falava: ‘esse aquique é Santo Antônio’, mas o que é isso, eu perguntava, e elenão queria me falar que ia correr, porque eu ia ficar brava”,descreve a esposa.

A carreira de Moco no automobilismo teve início em 1963,nas provas de turismo. “Aqui no Brasil ele só fez kart e turis-mo, o automobilismo dele foi totalmente diferente, foi carrofechado, ele não fez nenhuma Fórmula aqui”, explica Elda,contando que a primeira corrida de Pace foi em Interlagoscom o próprio carro, um DKW branco. “Eu vou correr deautomóvel, vou entrar em uma prova em Interlagos e eu voudisputar com o meu carro”, revelou o piloto para Elda.

Pace teve um início promissor no automobilismo e em 1970foi para a Europa, juntamente com Emerson e WilsinhoFittipaldi, seguir carreira. “Desde pequenos eles sempre fo-ram amigos, eram praticamente vizinhos. O Emerson mora-va pertinho da gente (na Inglaterra) nessa época, depois elefoi morar na Suíça”, diz a esposa do piloto. No Velho Conti-nente, Moco se estabeleceu em Attleborough, em Norwich,sede da famosa escola de pilotagem de Jim Russell, da qualfoi aluno, e da equipe Lotus. Na estréia na Europa, o piloto

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sagrou-se campeão inglês de Fórmula 3, quebrando váriosrecordes.

No ano seguinte, Pace venceu o GP de Ímola de Fórmula2 e conseguiu, ao mesmo tempo, uma vaga na equipe de pro-tótipos da Ferrari para a próxima temporada e um lugar naFórmula 1. Pela equipe italiana, o melhor resultado de CarlosPace foi o segundo lugar na 24 Horas de Le Mans. “Ele cor-reu com um piloto americano e um belga. Nessa época al-guns pilotos da Fórmula 1 correram a 24 Horas de Le Mans”,afirma Elda.

Já pela categoria máxima do automobilismo mundial,Moco estreou pela ainda modesta equipe Williams, que uti-lizava os fracos carros da March, geralmente os últimos colo-cados. Apesar da inferioridade técnica, Pace conseguiu mos-trar toda sua categoria e capacidade e pontuou duas vezes,terminando a temporada no 16º lugar, com três pontos. “Eleera arrojado com o carro, ele ia pra cima, não tinha medo,tinha alguns pilotos que eram assim”, conta a esposa.

Em 1973, o piloto se transferiu para a equipe de JohnSurtees, campeão do mundo em 1964 com um Ferrari, e se-guiu sua ascensão na Fórmula 1. Terminou a temporada comsete pontos, no 11º lugar, tendo conquistado um quarto lu-gar no GP da Alemanha e um terceiro no GP da Áustria. Gra-ças aos bons resultados, o respeitado anuário Autocourse clas-

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sificou Pace como o quarto melhor piloto do mundo no ano,perdendo apenas para os principais nomes da época: JackieStewart, Ronnie Peterson e Emerson Fittipaldi.

No meio da temporada de 1974, Moco trocou a Surteespela famosa Brabham, de Bernie Ecclestone, hoje presidenteda FOM (Formula One Management), entidade que con-trola os interesses comerciais da Fórmula 1. O piloto encer-rou o campeonato em 12º lugar, com 11 pontos. “Ele correuem dupla com o Carlos Reutemann”, lembra Elda. No anoseguinte veio o momento mais importante da carreira de Pace:a primeira e única vitória na Fórmula 1, no GP do Brasil, emInterlagos. “Depois que ele ganhou, ele falava ‘agora eu pos-so morrer feliz’. Ele falava para as pessoas: ‘pelo menos o meuobjetivo que era ganhar no Brasil eu consegui’”, relata Elda.Foi a melhor temporada do piloto na Fórmula 1, que marcou24 pontos e terminou na 6ª colocação.

Em 1976, Moco não conseguiu repetir o bom desempe-nho do ano anterior e teve como melhores resultados doisquatros lugares nos GPs da França e Alemanha. No Brasil, oBrabham de Pace não teve o mesmo desempenho de 1975 eo piloto terminou a prova apenas na décima colocação. Mes-mo assim, mostrou toda sua habilidade e terminou a tempo-rada à frente do companheiro de equipe Carlos Reutemann.Pace terminou na 14ª colocação, com sete pontos, duas posi-

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ções e quatro pontos de vantagem sobre o argentino.A temporada de 1977 não poderia ter começado melhor

para Pace. Conquistou um segundo lugar no GP da Argenti-na, após largar em décimo, na abertura do campeonato. Como resultado, Moco, que já era considerado favorito devido aostestes da pré-temporada, aumentava a expectativa da torci-da brasileira em ter novamente um campeão mundial.

“Ele quase ganhou na Argentina, mas teve um problemacom o calor. Na hora que ele passou o piloto Jody Scheckter,na última volta, ele desmaiou dentro do carro. Scheckter re-cuperou a posição e o Zé terminou em segundo. Ele chegouno hospital desmaiado, não sei como ele conseguiu parar. Aconsciência dele parou o carro, porque ele ia bater. Ele foiindo devagar e, desmaiando, parou o carro. Quando todomundo chegou ele estava desmaiado dentro do carro. Essacorrida ele ia ganhar”, recorda a esposa.

Mantendo o favoritismo, Pace teve um começo final desemana excelente no Brasil, na segunda prova da tempora-da. Nos treinos classificatórios, o piloto marcou o quinto tem-po. Na corrida, apesar de liderar a prova por algumas voltas,teve que abandonar a disputa com problemas no carro.

Na terceira prova da temporada, na África do Sul, Mocorepetiu o bom desempenho nos treinos e conseguiu a segun-da posição do grid de largada. Mas novos problemas com o

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carro durante a corrida lhe valeram apenas um 13º lugar aofinal da prova. Quis o destino que essa fosse a última corridada vida do piloto.

De passagem pelo Brasil, José Carlos Pace sofreu um aci-dente a bordo de um avião que ia rumo a Araraquara, interiorde São Paulo, para a fazenda do amigo Marivaldo Fernandes,que também estava na aeronave. Poucos minutos depois delevantar vôo do Campo de Marte, o monomotor PP-EHR caiue morreram Moco, Fernandes e o piloto do avião CarlosRoberto de Oliveira.

“Ele e o carro estavam bem. O carro estava super bempreparado. Esse era o momento exato pra ele continuar. Quan-do o carro dele melhorou, foi quando ele morreu. Talvez seele tivesse pego os melhores carros na mão, ele já teria sidocampeão mundial”, diz Elda.

Piquet, o campeão do Planalto

Ao mesmo tempo em que surgia a Stock Car no país, oBrasil viu nascer seu segundo campeão mundial de Fórmula1, Nelson Piquet. O piloto sagrou-se campeão nos anos de1981, 1983 e 1987.

Carioca de nascimento, Nelson Piquet Souto Maior pas-

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sou boa parte da infância em Brasília. Na capital federal ini-ciou a carreira no kart aos 14 anos. Na categoria foi bicampeãobrasileiro em 1971 e 1972. A partir de 1974, o carioca come-çou sua trajetória nos carros de Fórmula, na recém-criadaFórmula Super Vê. “Era uma Fórmula nova, que estava sen-do introduzida no Brasil, uma categoria de carrosmonopostos, com motores 1600cc da Volkswagen. Nesse anoestreou na categoria o Piquet, eu, o Júlio Caio, AlfredoGuaraná Menezes e outros pilotos muito bons”, conta IngoHoffmann.

Em 1976, Piquet adicionou mais um título ao currículoao vencer a Super Vê, com Alfredo Guaraná Menezes fican-do com o vice-campeonato. No ano seguinte, o carioca foicorrer na Europa, em uma temporada que foi de puro apren-dizado, e que lhe valeu o terceiro lugar no Campeonato Eu-ropeu de Fórmula 3. Em 1978, o caminho dos títulos voltoua ser trilhado. Com 13 vitórias nas 17 etapas da Fórmula 3Britânica, superou a marca anterior, do tricampeão de Fór-mula 1 Jackie Stewart, além de estabelecer o recorde de setevitórias seguidas.

Com os resultados no Campeonato Inglês, as portas daprincipal categoria do automobilismo mundial se abriramrapidamente para Piquet. Ainda em 1978, ele participou dequatro corridas na Fórmula 1. A estréia foi no GP da Alema-

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nha pela equipe Ensign, e as três seguintes na McLaren.Mostrando grande apuro técnico, o piloto foi contratado

pela Brabham em 1979, onde permaneceu até 1985. Na equi-pe inglesa, Piquet foi vice-campeão mundial de Fórmula 1em 1980 e campeão da competição nos anos de 1981, contrao argentino Carlos Reutemann, e 1983, vencendo a disputacom Alain Prost e René Arnoux. Nesse mesmo ano, Piquetdeu mais uma alegria aos brasileiros, ao vencer o GP Brasil deFórmula 1 (em Jacarepaguá) oito anos depois da última vitó-ria de um brasileiro no país (Pace em 1975, em Interlagos).

Depois de sete anos na Brabham, Piquet foi contratadopela Williams em 1986. Começou bem na nova equipe e ven-ceu a primeira prova da temporada, o GP do Brasil, comAyrton Senna chegando na segunda posição, dobradinhabrasileira que não acontecia em uma corrida no país desde1975, com Pace e Emerson.

Em 1987, em uma temporada dominada pela equipeWilliams, Piquet disputou o título corrida a corrida com ocompanheiro de equipe, o inglês Nigel Mansell. Com umaseqüência melhor de resultados, o carioca levou a melhor econquistou o terceiro título mundial de Fórmula 1 da carrei-ra. Nos dois anos seguintes, defendendo a equipe Lotus,Piquet não conseguiu manter os bons resultados e se viu longeda briga pelo tetra.

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No começo da década de 1990, o carioca se transferiu paraa italiana Benetton, onde ficou até encerrar sua carreira naFórmula 1, no final da temporada de 1991. Antes de parar decorrer na principal categoria do automobilismo, Piquet con-quistou o terceiro lugar no campeonato de 1990.

Afastado da Fórmula 1, o piloto optou por correr a 500Milhas de Indianápolis, pela equipe Menards em 1992. Noentanto, um grave acidente nos treinos impediu sua partici-pação na prova. Piquet sofreu traumatismo craniano, umalesão torácica e fraturas múltiplas nas pernas e nos pés. Eletentou participar da Indy 500 novamente no ano seguinte,mas uma falha mecânica acabou com suas chances na prova.

Terminava ali a carreira profissional do tricampeão da Fór-mula 1, que desde então corre apenas em provas de carros deturismo, por prazer.

“A apunhalada no traçado antigo”

No final dos anos 1980, com a Fórmula 1 estabelecida noRio de Janeiro, os organizadores da categoria se viram diantede um problema depois de uma sessão de testes. “Um pilotocapotou o carro durante um teste e ficou aleijado. O atendi-mento médico foi muito ruim, a segurança da pista estava

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péssima e como o Rio de Janeiro não tinha dinheiro para re-formar a pista, a Fórmula 1 ia sair do Brasil”, lembra FlávioGomes.

Diante da possibilidade de perder a prova, era necessáriauma solução de emergência. Os organizadores do eventodecidiram tirar a corrida de Jacarepaguá e trazê-la de voltapara o Autódromo de Interlagos. “A única exigência da FIApra manter a Fórmula 1 aqui era que tivesse um traçado com-patível com o que a Fórmula 1 exigia”, conta Gomes.

O traçado de Interlagos não atendia às necessidades daFórmula 1 na época. Era muito grande, carecia de segurançae tornava difícil a transmissão pela TV. Com todos esses pro-blemas, a única solução seria reformar o circuito, para aten-der às reivindicações da Fórmula 1 moderna.

“O primeiro projeto foi idealizado pelo Chico Rosa (enge-nheiro, chefe de equipe nos anos 60 e administrador deInterlagos) e era muito melhor do que esse que foi aplicado.Ele mantinha as curvas 1 e 2. No final do retão, fazia umachicane, que cortava a velocidade totalmente, daí ele descia,não ia até a Ferradura, cortava o gramado e ia pro Laranja,fazia o Laranjinha, o miolo e voltava. Então o autódromo iacair pra uns 5 km e pouco, 6 km talvez, talvez nem isso, e otraçado antigo ia ser totalmente preservado”, explica o jor-nalista.

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Entretanto, a concepção de Chico Rosa não foi aceita pelaFOCA (Formula One Constructor’s Association), detento-ra dos direitos da Fórmula 1. “Aí o Ayrton Senna entrou naparada e deu a idéia de fazer o ‘S’ no fim da reta e mudar asaída dos boxes. Essa concepção do circuito é dele”, explicaGomes. A variante que liga a reta dos boxes à curva do Solrecebeu no nome de “S do Senna” em homenagem ao “cria-dor” do novo traçado de Interlagos.

“Para a reforma, chamaram o Ayrton (Senna) pra fazer amodificação e ele fezb exatamente pra atender um carro Fór-mula 1 daquela época. Ele não imaginou que é um circuitoonde terão outras corridas de categorias diferentes, então elefez uma reta, freia, vira, uma reta, freia vira. Pra tentar dimi-nuir o máximo possível a velocidade em curva, por causa deacidentes”, conta Wilsinho Fittipaldi.

“O circuito novo foi feito pra Fórmula 1, especificamen-te, e ficou um traçado ridículo. Não tem desafio nenhum.Não tem dificuldade nenhuma. Não tem uma curva rápida.Nivela totalmente por baixo”, analisa o piloto IngoHoffmann.

“Aquele ‘S’ matou o circuito antigo porque hoje, pra vocêrecuperar o traçado velho, precisaria fazer um estudo pra po-der manter os dois traçados, o antigo e o novo. Mas eles sãoincompatíveis, porque a saída de boxe hoje é no meio da reta

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oposta e a saída do traçado antigo teria que ser lá no antigoretão. Teria que cruzar o ‘S do Senna’ de alguma forma. Aidéia do Senna foi meio que uma apunhalada no circuitoantigo”, critica Gomes.

“O circuito antigo era simplesmente fantástico, era mag-nífico, o circuito novo é um kartódromo gigante, é piada, ébrincadeira. É uma pista que não tem a mínima graça”, ana-lisa Wilsinho.

Para o piloto Chico Serra, o prazer de dirigir era maior.“Era um traçado muito mais completo do que ele é hoje, eramuito gostoso de guiar”. Entretanto, Serra minimiza as vári-as críticas que o autódromo recebe, mesmo considerando ocircuito defasado em relação às novas pistas que surgiram nomundo. “É uma pista boa, não vejo nada que gere um pro-blema para nós. Interlagos tem uma pista muito boa e temuns boxes grandes bons”, diz o piloto, que ainda achaInterlagos a principal pista do automobilismo nacional.

Com a reforma, a pista de Interlagos diminuiu para 4.309metros, e houve uma melhora na infra-estrutura do autódro-mo, com a construção de novos boxes, nova sala de impren-sa, torre de cronometragem e um centro médico. “Eu achoque mudanças mais criteriosas no antigo traçado encurtari-am a pista para receber a Fórmula 1. Não precisaria ficar comquase 8 km como era, mas também não precisava ficar com 4

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km. Dava pra fazer uma coisa intermediária, de uns 5,5 km.Algumas curvas e alguns trechos do circuito antigo deveriamser preservados e reaproveitados. O traçado antigo integral,de 8 km, poderia ser usado por outras categorias”, diz Go-mes.

De acordo com o mais velho dos irmãos Fittipaldi, depoisda reforma, Interlagos perdeu o título de pista mais técnicado país. “Não tem técnica, todas as curvas que você faz, vocêfaz muito lento durante a curva, então se você está lentoassim, você não tem técnica, qualquer um praticamente al-cança aquele limite. É muito devagar”, analisa Wilsinho.

Já o piloto Ingo Hoffman vai um pouco além para diferen-ciar o Autódromo de Interlagos antes e depois da reforma.“É mais ou menos como comparar merda com geléia. O cir-cuito antigo era geléia, era fantástico. O circuito novo é umamerda. Não dá pra comparar, eu acho um horror, tenho penaque a maioria dos garotos novos que estão correndo na Stocknão têm idéia do que era o autódromo antigo. Era um autó-dromo extremamente desafiante, que variava curvas muitorápidas, retas longas, curvas com inclinação, você tinha detudo, você tinha todas as opções”, afirma piloto da StockCar.

“Onde corre a Fórmula 1 o foco é: baixar a velocidade,baixar a média horária botando curvas travadas, retas curtas

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pros carros não poderem andar muito. E aí quando a Fórmu-la 1 vai embora, as categorias regionais que continuam comaquele autódromo durante um ano inteiro sofrem”, analisaHoffman, que continua. “Eu acho que é isso, não dá pra com-parar, é uma pena mesmo o que fizeram com o Autódromode Interlagos”.

“No atual traçado, as curvas ‘matam’ o movimento doscarros, dificultando ultrapassagens e sendo pouco seletivo.Qualquer piloto dirige no traçado atual. No antigo, o pilototinha de ser muito bom, especialmente nas curvas de alta ena Ferradura, uma curva especial”, fala Roberto Brandão, lem-brando de como eram as provas no traçado antigo.

“O asfalto era mais abrasivo, o que levava os pilotos a sepreocuparem com o consumo de pneus. Em todos os senti-dos era um traçado completo, sem dúvida um dos melhoresdo mundo e uma verdadeira escola”, conta Brandão.

A primeira em casa

De volta ao Autódromo de Interlagos em 1990, a Fórmu-la 1 fazia sua segunda corrida na temporada de 1991 no cir-cuito brasileiro. Seria a oitava tentativa de Ayrton Senna con-quistar uma vitória em casa. Nos anos anteriores, as melho-

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res colocações do piloto foram um segundo lugar, em 1986,quando fez dobradinha com Nelson Piquet no Rio de Janei-ro, e um terceiro lugar na prova de 1990, em São Paulo. Mas,desta vez, ele conseguiu.

O então bicampeão mundial da categoria começou bemo final de semana ao surpreender as favoritas Williams deNigel Mansell e Riccardo Patrese. Marcou o melhor tempoem sua última tentativa no treino classificatório de sábado,com 1min16s392. Renascia a esperança da torcida de ver umpiloto brasileiro no alto do pódio novamente em Interlagos,depois de 16 anos de espera – a última havia sido a vitória deJosé Carlos Pace, em 1975.

No domingo, o autódromo ficou lotado, com o públicoacreditando em uma vitória de Senna. Dada a largada, o bra-sileiro manteve a ponta, seguido de perto por Mansell, quehavia superado seu companheiro de equipe, Patrese. Graçasà superioridade da Williams, Mansell começou a se aproxi-mar perigosamente do brasileiro, mas a estrela do brasileirofoi mais forte aquele dia e um problema no câmbio do carrodo Leão, como o inglês era conhecido, o obrigou a parar nosboxes. Alívio para Senna.

Entretanto, Mansell voltou à pista andando forte, tiran-do cerca de dois segundos por volta, e encostou novamenteno brasileiro. Mas como era dia de Senna, o Leão teve pro-

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blemas mais uma vez com o carro. Desta vez, um pneu fura-do obrigou o piloto da Williams a voltar para os boxes.

“Eu fui chamado pelo rádio para fazer outro pit stop, comoo Mansell, mas exatamente nesta volta fiquei sem a quartamarcha. Se eu fosse para o boxe talvez não conseguisse vol-tar para a pista por causa do câmbio, então eu resolvi ir emfrente e disse para o pessoal do boxe, através do rádio, quenão iria parar. Só que aí pensei no GP do México do anoanterior, quando falei para o boxe que iria parar e eles disse-ram para ir em frente. Uma volta depois o pneu estourou nomeio da pista!”, contou Senna, depois da corrida.

Como era característico de Mansell, ele retornou à pistadeterminado a conquistar a vitória e recuperou o ritmo fortedas voltas que antecederam as paradas nos boxes. A chuvahavia começado a cair em Interlagos e, com a pista lisa, oinglês rodou no “S do Senna”, deixou o motor do carro apa-gar e teve que abandonar a prova.

A torcida brasileira comemorou o abandono do Leão comose fosse uma vitória. O segundo colocado então passou a serPatrese, também com uma Williams, mas a diferença para obrasileiro era de aproximadamente 40 segundos. No entan-to, Senna começou a andar devagar devido a um problemana caixa de marchas de sua McLaren e o italiano passou aandar em média três segundos mais rápido que o brasileiro.

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“Estava tudo funcionando bem, mas foi só eu pensar nis-so que o câmbio começou a apresentar problemas. Primeirofoi a primeira marcha que pulava fora, obrigando-me a umesforço grande para segurá-la, depois perdi completamente aquarta e, faltando sete voltas para o final, perdi a terceira.Quando faltavam duas voltas, o câmbio ficou travado emsexta marcha, e aí eu pensei realmente que ia perder a corri-da”, contou Senna. Apenas com a sexta marcha, o pilotosuperou todos os limites do corpo para segurar seu McLarena cerca de 300 km/h, no molhado circuito de Interlagos.

Ao receber a bandeirada, Senna não conseguiu controlara emoção e comemorou dentro do carro com um grito de“Eu venci! Eu venci!”. Já o chefe da McLaren, Ron Dennis,disse logo após seu piloto cruzar a linha de chegada: “Éinacreditável”. Enquanto isso, a torcida ia a loucura, acla-mando o vencedor: “E dá-lhe Senna, e dá-lhe Senna, olê, olê,olê!”.

“Eu sabia que não tinha o melhor carro para a corrida,confiava numa boa largada e abrir o suficiente para manter oprimeiro lugar até o final, programando ainda o pit stop. Sónão contava com os meus problemas mecânicos e físicos nofinal, que quase me tiraram a vitória”, disse o brasileiro, queparou logo após o termino da prova, na Reta Oposta, semforças para conduzir o carro até os boxes e tendo que ser

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atendido pelos médicos da Fórmula 1 ali mesmo.“Eu nunca havia sentido tantas dores musculares em toda

minha vida. Apenas em minha segunda corrida de F1, em1984, havia sentido dores musculares. Aqui, por causa doesforço para virar o volante nas curvas para segurar o carroque era empurrado para fora pela potência do motor, o meubraço direito começou a adormecer. Depois foi o pescoço e,para piorar ainda mais, o braço esquerdo também começou aficar pesado. Dentro do carro, esperando ajuda, pude pensarnesta vitória tão importante para minha vida e nos meusamigos que tanto me ajudaram”, revelou Senna.

No pódio, o cansaço e o desgaste do brasileiro eram evi-dentes. Ao receber o troféu por ter vencido a prova, não teveforças nem para levantá-lo, precisando da ajuda de RonDennis para erguer o troféu. “Quando comecei a ter proble-mas de câmbio, agravados pela falta de aderência dos pneustraseiros, pensei: ‘estou tão perto de uma vitória no meu paísque agora tenho que reunir as últimas forças para ficar nafrente de Patrese’. Foi Deus que me deu as últimas forçaspara conseguir controlar o carro, sem qualquer chance de freioe motor nas curvas para terminar em primeiro”, disse. A pri-meira vitória do piloto correndo em casa o ajudou a conquis-tar o tricampeonato mundial, em 1991, com 24 pontos devantagem sobre Mansell. Depois da corrida, Senna, que ti-

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nha feito 31 anos dois dias antes, comemorava a vitória sofri-da como um presente de aniversário. “Se esse era o preço deganhar no Brasil, foi barato. Valeu!”.

Nos braços do povo

Após uma temporada frustrante em 1992, onde não pas-sou de um quarto lugar no Mundial de Fórmula 1, Sennatinha novamente em 1993 as Williams, agora pilotadas pelofrancês Alain Prost e pelo inglês Damon Hill, filho dobicampeão de F1 Graham Hill, como favoritas ao campeo-nato.

Na primeira prova da temporada, o francês venceu naÁfrica do Sul, com Senna em segundo. Duas semanas de-pois, o circo desembarcou em São Paulo, para o GP doBrasil. A superioridade das Williams era tamanha que du-rante a semana que antecedeu a prova, a vitória da equipeinglesa em Interlagos era dada como certa pela imprensaespecializada.

Nos treinos classificatórios, Prost e Hill confirmaram ofavoritismo de sua equipe e marcaram, respectivamente,primeiro e segundo tempos para o grid de largada. A Senna,restou largar em terceiro, o melhor que conseguiu tirar de

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sua McLaren. Restava apenas uma esperança para Sennaequilibrar a disputa com Prost e Hill: a chuva.

Na largada, o brasileiro conseguiu o que parecia impos-sível: passou Hill e se colocou entre as Williams. “A larga-da foi boa, mas eles (as Williams) também largaram bem.Só sobrou uma margem pra uma tentativa ali na curva depassar o Hill. Foi no limite. Travei a roda dianteira esquer-da e ele entrou junto na curva, por fora, mas acabou so-brando e deu pra eu entrar em segundo lugar na curvaseguinte”, contou Senna, depois da vitória, ao narradorGalvão Bueno, da Rede Globo.

Prost, na ponta, andava rápido e ia abrindo uma boadiferença com relação ao eterno rival Senna, que vinhasendo pressionado por Hill. No entanto, a sorte do pilotonão parecia ser a mesma da vitória de 1991 e ele foi puni-do por ultrapassar um retardatário sob bandeira amarela,sendo obrigado a parar nos boxes.

Foi então que a sorte do brasileiro começou a mudar. Aesperada chuva começou a se formar na região deInterlagos e não demorou muito para chegar ao autódro-mo. Habilidoso nessas características de pista, Senna con-duziu seu carro com maestria aos boxes para ser o primei-ro a colocar os pneus para pista molhada.

“Quando eu resolvi entrar, eu vinha tão embalado que

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eu já tinha passado do ponto de freada pra entrar nos bo-xes. Passei um sufoco, porque eu vinha muito rápido praentrar e entrei escorregando ali, de frente e de traseira.Nem freei, porque se eu freasse ia bater”, disse o piloto,que viu o rival Prost rodar no “S do Senna” e bater naMinardi pilotada por outro brasileiro, Christian Fittipaldi.Senna assumiu a ponta da corrida, com Hill em segundo.

Na 30ª volta, os japoneses Aguri Suzuki, da Footwork,e Ukyo Katayama, da Tyrrell, perderam o controle de seuscarros em plena reta dos boxes e bateram, provocando aentrada, pela primeira vez na história da Fórmula 1, dosafety car (carro de segurança) na pista. Na relargada, asposições se mantiveram até nova sessão de paradas nosboxes, desta vez para os pilotos voltarem a utilizar os pneuspara pista seca.

Com um trabalho melhor das trocas, a Williams de Hillvoltou exatamente na frente de Senna. Mas o brasileironão hesitou e antes da entrada da Curva do Laranjinha,ultrapassou o inglês. “Fiz uma catimba, fiz que ia pra di-reita, ele foi, fui por fora, ele foi por fora, aí eu voltei pordentro, dei uma freada tarde. Foi uma manobra muito es-pecial”, explicou Senna.

O brasileiro abriu vantagem sobre Hill e apenas admi-nistrou a corrida até o momento de receber a bandeirada

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da vitória pela segunda vez na carreira. “Aí eu fui pra gale-ra”, brincou Senna, que parou para pegar uma bandeirado Brasil e andou devagar pela pista, comemorando juntocom a torcida, que desta vez, eufórica com o triunfo, inva-diu a pista e cercou a McLaren na Reta Oposta. “Nin-guém mais segura a torcida em Interlagos”, dizia o narradorGalvão Bueno, ao final da prova.

Em volta do carro de Senna, os torcedores faziam a fes-ta junto do piloto, até que o brasileiro deixou o carro e,literalmente, caiu nos braços do povo, compartilhando todaa sua alegria com cada torcedor ali presente. Emocionadocom a vitória, Senna, que havia sido “resgatado” pelo safetycar, não se conteve e saiu pela janela do carro para saudaros torcedores que o apoiaram naquele triunfo. “O Sennapoderia estar ali dentro do carro, respirando e descansan-do, mas ele faz questão de retribuir o carinho da torcida”,observou Galvão Bueno, durante a transmissão da corri-da. Torcida que cantava alegre e feliz: “Olê, olê, olê, olê,Senna, Senna!”.

Foi a última vitória do brasileiro em Interlagos. No anoseguinte, pilotando um carro da forte Williams, Sennaabandonou na 55ª volta, naquela que seria sua última cor-rida no autódromo paulistano. Pouco mais de um mêsdepois, no dia 1º de maio, sofreu o acidente que lhe tirou

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a vida, no GP de San Marino, em Ímola, na Itália.

Ayrton Senna do Brasil

Ayrton Senna da Silva, ou Ayrton Senna “do Brasil”, comoficou conhecido um dos maiores ídolos da torcida brasileira,nasceu em São Paulo em 21 de março de 1960. Filho de umrico empresário, desde bem novo esteve ligado ao automobi-lismo. Logo aos quatro anos ganhou seu primeiro kart e aos10 recebeu o primeiro kart de competição. No entanto, Ayrtonera muito jovem para participar de provas e teve que esperarmais três anos até disputar sua primeira corrida oficial, emInterlagos.

Mostrando toda a habilidade no kart, Senna foi campeãopaulista júnior em 1974, vice-campeão brasileiro júnior e cam-peão paulista na categoria 100cc em 1975, vice-campeãopaulista das 100ccc e terceiro no Campeonato Brasileiro das100cc de 1976. Em 1977, sagrou-se campeão sul-americanoe vice brasileiro e paulista. No ano seguinte foi campeão bra-sileiro, novamente vice-campeão paulista e sexto colocadono Mundial de Kart. Em 1979, veio o bicampeonato sul-americano e novos vices brasileiro e paulista. Um ano depois,Senna conquistou o bicampeonato brasileiro e o vice-cam-

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peonato mundial.Decidido a seguir carreira no automobilismo e com os bons

resultados obtidos no kart, Ayrton recebeu convite para dis-putar a Fórmula Ford, pela equipe Van Diemen, em 1981.Senna aceitou e, contra a vontade dos pais, se mudou para aInglaterra. O piloto conquistou o título da Fórmula Ford1600 em 1981 e, no ano seguinte, na Fórmula 2000, venceuos campeonatos europeu e inglês, estabelecendo os recordesde 21 vitórias, 15 poles position e 22 voltas mais rápidas du-rante a temporada.

Seguindo o caminho natural rumo à Fórmula 1, Sennadisputou a Fórmula 3 Inglesa, onde conquistou o título eestabeleceu mais um novo recorde de vitórias, 12, com 14poles e 14 melhores voltas. Tendo conquistado todos os tí-tulos das Fórmulas britânicas, Ayrton recebeu convites deWilliams, McLaren, Lotus e Toleman para disputar a Fór-mula 1, dando preferência para a última.

A estréia na principal categoria do automobilismo foi noano de 1984, no GP do Brasil, em Jacarepaguá, no Rio deJaneiro, corrida que terminou logo na quinta volta para o pi-loto. Apesar do carro da Toleman não ser um dos mais com-petitivos, Ayrton conseguiu alcançar três vezes o pódio na-quele ano, com um segundo lugar no GP de Mônaco e doisterceiros nos GPs da Inglaterra e de Portugal, terminando o

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campeonato na nona colocação.No final desta temporada, Senna recebeu uma proposta

para correr pela Lotus no ano seguinte, e resolveu rescindir ocontrato com a Toleman, para ter mais chances de lutar porvitórias e pole positions. Em 1985, um problema no motorimpediu que Ayrton completasse mais uma vez o GP do Bra-sil. Entretanto, a recompensa veio na corrida seguinte, noautódromo de Estoril, em Portugal. O piloto marcou a pole econquistou sua primeira vitória na Fórmula 1. Senna aindalargou mais seis vezes na primeira posição do grid. Venceu naBélgica, foi segundo colocado nos GPs da Áustria e da Euro-pa e terminou em terceiro na Holanda e na Itália, alcançan-do o quarto lugar no final do campeonato.

Em 1986, Senna conquistou até então seu melhor resul-tado correndo no Brasil, ao chegar na segunda colocação, fa-zendo dobradinha com Nelson Piquet. Venceu os GPs daEspanha e dos EUA, conquistou mais três vezes a segundaposição, na Bélgica, na Alemanha e na Hungria, e o terceirolugar em Mônaco e no México. Neste ano, Senna repetiu oquarto lugar no campeonato, e viu Alain Prost, que mais tar-de se tornaria seu grande rival, conquistar o bicampeonato.

Na sua última temporada correndo pela Lotus, Senna nãoconseguiu repetir o desempenho do ano anterior no GP doBrasil e abandonou a prova com problemas no motor. Porém,

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seus números continuavam melhorando e o esperado títulomundial amadurecia a cada prova. Em 1987, foram duas vi-tórias (Bélgica e EUA), quatro segundos lugares (San Marino,Hungria, Itália e Japão) e dois terceiros (Inglaterra e Alema-nha), que deram ao piloto a terceira posição no campeonato,conquistado por Nelson Piquet.

Na temporada de 1988, Senna se transferiu para aMcLaren e formou uma das duplas mais vencedoras da his-tória da Fórmula 1, junto do francês Alain Prost. Das dezesseisetapas do campeonato, a equipe inglesa só não venceu o GPda Itália. Nas outras provas, foram oito vitórias de Ayrton esete de Prost. Quatro anos depois de estrear na competição,Senna conquistava o seu primeiro título de campeão mundi-al de Fórmula 1.

No ano seguinte, nova disputa pelo título entre os com-panheiros de McLaren, Senna e Prost. Porém, desta vez, nemmesmo as seis vitórias no ano foram suficientes para garantiro bicampeonato ao brasileiro. Prost, apesar de ter vencidoapenas quatro provas, manteve uma regularidade maior queSenna, que lhe valeu o tricampeonato.

O ano de 1990, que marcou o retorno de Interlagos aocirco da Fórmula 1, foi de alegria para os brasileiros. Com umcomeço de campeonato irretocável, em que venceu três dascinco primeiras corridas, Senna caminhava a passos largos

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para o seu segundo título. A disputa com Alain Prost, entãona Ferrari, foi apertada. No GP do Japão, penúltimo do cam-peonato, os dois pilotos se chocaram, e não puderam termi-nar a corrida. Melhor para Senna, que dessa forma conquis-tava o bicampeonato mundial de forma antecipada, e em cimado grande rival.

A temporada de 1991 começou bem para Ayrton Senna.Ele venceu quatro corridas seguidas, entre elas o GP do Bra-sil, em Interlagos, palco que revelou o piloto para o mundodo automobilismo. Outras três vitórias neste ano transfor-maram Ayrton no segundo brasileiro a conquistar otricampeonato mundial de Fórmula 1.

Em 1992, Senna não tinha a mesma competitividade deseu McLaren dos anos anteriores e viu as Williams de NigelMansell e Riccardo Patrese dominarem o campeonato. O tí-tulo ficou com Mansell, e Ayrton não passou do quarto lugarno campeonato. Em 1993, em nova temporada de força daWilliams, agora com Prost no carro, Senna mostrou grandesuperação, conseguindo cinco vitórias, uma delas no Brasil,mas ficou com o vice-campeonato e viu o francês sagrar-setetracampeão de Fórmula 1.

“Na história de Interlagos, as vitórias do Senna em 1991 e1993 são episódios marcantes, sem dúvida. Era o maior ídolodo país na ocasião, ganhou em casa, depois de muito tempo

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sem um brasileiro vencer. Na era moderna do autódromo fo-ram os momentos mais marcantes de Interlagos”, afirma FlávioGomes.

Em 1994, Ayrton realizou um sonho e se mudou para amelhor equipe do momento, a Williams. No entanto, quan-do Senna fez os testes pela primeira vez, percebeu que aescuderia britânica havia regredido em relação aos carros quedominaram as temporadas anteriores. Obstinado a ser sem-pre o melhor, o piloto conseguiu marcar a pole position noGP Brasil, superando a Benetton do alemão MichaelSchumacher. Na corrida, um problema no motor tirou a vi-tória de Senna, que caiu de presente para Schumacher.

Na prova seguinte, no GP do Pacífico, no circuito de Aida,no Japão, novamente Ayrton saiu na frente, mas se envolveuem um acidente com o finlandês Mika Häkkinen e com oitaliano Nicola Larini. Vantagem para o alemão da Benetton,que venceu a segunda prova da temporada.

A terceira prova da temporada de 1994, o GP de SanMarino, no circuito de Imola, marcou um final de semananegro para a Fórmula 1. Nos treinos livres de sexta-feira, obrasileiro Rubens Barrichello, da Jordan, sofreu um grave aci-dente, mas saiu ileso.

Durante os treinos classificatórios do sábado, novo aci-dente na pista. Desta vez, o austríaco Roland Ratzenberger,

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da Simtek, fazia uma volta rápida quando a asa dianteira deseu carro soltou-se, e o piloto, sem controle, chocou-se vio-lentamente contra o muro na curva Villeneuve, a cerca de310 km/h. Com fraturas múltiplas no crânio e no pescoço, oaustríaco não sobreviveu.

Na corrida, nova pole de Senna, com Schumacher largan-do ao seu lado na segunda posição. Ayrton trazia consigouma bandeira da Áustria, com a qual pretendia homenagearRatzenberger, caso vencesse a prova. Porém, na sétima volta,a direção do Williams não obedeceu ao comando de Senna eo carro bateu violentamente no muro da curva Tamburello acerca de 200 km/h. Milhares de brasileiros acompanharampela TV, ao vivo, as cenas desesperadoras do resgate, que de-morou a chegar. O pior aconteceu, e todos ficaram órfãos deum dos maiores ídolos do esporte nacional.

Interlagos, palco do campeão

A partir de 2004, o GP Brasil de Fórmula 1 passou a serdisputado no final da temporada. A mudança no calendáriodo campeonato dava a Interlagos a chance de ser palco dedecisões de títulos. Não foi o aconteceu, porém, neste pri-meiro ano. O campeonato foi amplamente dominado pelo

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alemão Michael Schumacher, da Ferrari, que se tornouheptacampeão com algumas corridas de antecedência. Nemmesmo a esperança de vitória de um brasileiro se tornou rea-lidade. Correndo também pela Ferrari, Rubens Barrichelloterminava em terceiro aquela corrida, vencida pelo colombi-ano Juan Pablo Montoya, da Williams.

No ano seguinte, Interlagos era a antepenúltima prova. Asuperioridade ferrarista dos anos anteriores já não existia, e ocampeonato chegava a São Paulo com o espanhol FernandoAlonso, da Renault, em primeiro, disputando o título com ofinlandês Kimi Raikkonen, da McLaren. Alonso tinha umafolgada vantagem de 25 pontos em relação a Raikkonen, epara ele bastava chegar ao pódio para se tornar o mais jovemcampeão da história, quebrando o recorde de EmersonFittipaldi.

O fim de semana começou bem para o espanhol, que cra-vou a pole position no treino classificatório no sábado com1min11s988. Raikkonen não fez um bom treino, e largouapenas na quinta posição. Logo na largada, um acidente ti-rou da corrida o brasileiro Antônio Pizzonia e seu compa-nheiro de Williams, o australiano Mark Weber, além do es-cocês David Coulthard, da Red Bull. Lá na frente, porém, abriga era entre Alonso e o colombiano Juan Pablo Montoya,agora na McLaren. Depois do primeiro pit stop, Alonso pas-

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sou a ser o terceiro, com Montoya em primeiro e Raikkonenem segundo. Com a grande vantagem conquistada ao longodo campeonato, o espanhol administrou o terceiro lugar, su-ficiente para lhe dar o título. Kimi terminava em segundo, eMontoya vencia no Brasil pelo segundo ano consecutivo.

Dois anos antes de ganhar seu primeiro campeonato,Fernando Alonso passou por um dos momentos mais apre-ensivos de sua carreira. Um forte acidente na entrada da retados boxes o fez ficar por 14 horas em observação em um hos-pital de São Paulo. Muitos apostavam em um possível trau-ma do piloto com a pista. Mas não foi o que se viu em 2005.Alonso pilotou com paciência. Tinha em mãos um carro muitobem acertado. E no final da corrida, toda a Espanha come-morou o primeiro campeonato de um piloto do país. EmInterlagos, Alonso também se tornou o mais jovem campeãoda história da Fórmula 1, aos 24 anos e 56 dias, quebrandoum recorde de 33 anos, quando Emerson Fittipaldi ganhoua temporada de 1972 com 24 anos, 8 meses e 29 dias.

Renault x Ferrari

A temporada de 2006 da Fórmula 1 foi emocionante.Começou com domínio da Renault e Fernando Alonso, na

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busca pelo bicampeonato. Das nove primeiras corridas doano, o espanhol venceu seis. Depois da corrida do Canadá,nona da temporada, a vantagem de Alonso sobre MichaelSchumacher, da Ferrari, era de 25 pontos. Muitos já davam ocampeonato ao espanhol, ainda que faltassem outros noveGPs. Porém, o que se viu na segunda metade da temporadafoi uma reação incrível da Ferrari e uma decadência da Renault,que fez com que Schumacher assumisse a primeira posiçãoentre os pilotos depois de vencer o GP da China,antepenúltimo do campeonato. O sonho do alemão de setornar octocampeão estava mais vivo do que nunca.

Ambos chegaram ao GP do Japão, no tradicional circuitode Suzuka, com 116 pontos. Schumi levava vantagem porter uma vitória a mais que o espanhol. O alemão, inclusivetinha a chance de decidir o título ali mesmo. Mas não era tãofácil. Ele tinha que vencer a corrida, e torcer para que Alonsonão marcasse pontos. O fim de semana que começou bempara a Ferrari, com a dobradinha no grid de largada, termi-nou em decepção. O brasileiro Felipe Massa largou na pole,com o companheiro Schumacher ao seu lado. O alemão lide-rava a corrida, com boa vantagem sobre Alonso, que já era osegundo. Na 36ª volta, porém, uma cena rara praticamenteacabou com as chances de título do alemão. Depois de umaparada nos boxes, o motor da Ferrari de Schumacher estou-

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rou. Em 11 anos correndo pela escuderia italiana, em apenastrês corridas o heptacampeão teve que abandonar por pro-blemas no motor. A última delas tinha sido em 2000, no GPda Alemanha.

Alonso se aproveitou da quebra do rival, e venceu a corri-da. Agora, a vantagem passava a ser do espanhol, que iria aoBrasil 10 pontos à frente de Schumacher. Para ele bastavachegar em 8°, marcando um ponto, e o bicampeonato estavagarantido.

No alto, 13 anos depois

Entre os dias 20 e 22 de outubro de 2006, São Paulo setornou a capital mundial do automobilismo. Todos os olhosestavam voltados para a cidade, por dois motivos. O pri-meiro, por que aquela seria a corrida que decidiria o cam-peão. O segundo pela já anunciada aposentadoria deMichael Schumacher, para muitos o maior piloto de toda ahistória.

Após a quebra no GP do Japão, e com chances pequenasde conquistar o título, Schumacher jogou a toalha, egarantiu que viria ao Brasil apenas para lutar pelo campeo-nato de construtores pela Ferrari. A vantagem de Fernando

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Alonso realmente era muito boa. O espanhol precisava deapenas um ponto. O alemão precisava vencer a corrida etorcer para que Alonso não pontuasse, algo que aconteceuem apenas duas corridas durante o ano. Para muitos, a “de-sistência” de Schumacher seria apenas para jogar a pressãopara o espanhol. A missão era difícil, mas muitas pessoasainda achavam que Schumi tinha condições de brigar.

Além disso, o Brasil novamente tinha esperanças de terum piloto do país vencendo o GP em Interlagos, já queFelipe Massa vinha muito rápido com sua Ferrari, e já tinhavencido o GP da Turquia dois meses antes.

As Ferraris eram os carros mais velozes da segunda meta-de da temporada, mas o belo início das Renaults levou aequipe francesa a chegar à última corrida do ano com novepontos de vantagem sobre os italianos no campeonato deconstrutores.

A corrida de Interlagos decidiria o título de pilotos, o deconstrutores, e ainda seria a última do maior recordista dahistória. Todos esses ingredientes fizeram com que aqueledia 22 de outubro de 2006 se tornasse um dos mais impor-tantes do autódromo paulistano. Mas ainda haveriam ou-tros.

Dois pilotos brasileiros disputaram o GP do Brasil. Alémde Felipe Massa, da Ferrari, Rubens Barrichello, agora de-

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fendendo a Honda, também alinharia no grid de largada.Barrichello por muitos anos perseguiu uma vitória emInterlagos. Chegou muito perto dela algumas vezes, mas afama de azarado parecia se tornar verdadeira em São Paulo.Em 2003 abandonou a corrida quando liderava, depois deuma “pane seca”. A Ferrari que guiava ficou sem gasolina, eo piloto voltou a pé para os boxes. Esse ano, pela nova equi-pe, chegou a ser apontado com um dos que poderiam lutarpor vitórias durante o campeonato, mas o carro nãocorrespondeu.

Já Felipe Massa estreava no Brasil com um carro compe-titivo. Paulista de Botucatu, Massa estava em seu primeiroano na Ferrari, onde assumiu a vaga de Barrichello. PelaSauber, equipe que defendeu até 2005, Felipe correu noBrasil em três oportunidades: 2002, ano de sua estréia naFórmula 1, quando abandonou depois de uma batida na41ª volta; 2004, quando chegou a liderar a prova, mas ter-minou em 8°; e em 2005, terminando apenas em 11°.

Os treinos de sexta, usados para acertos nos carros, jámostravam que a batalha pelo título seria acirrada. Ao finalda sessão, Schumacher era o sexto, e Alonso o décimo. Masapenas 107 milésimos de segundo separavam os dois.

No sábado, os treinos classificatórios para a corrida fo-ram uma prévia da emoção que viria no domingo. Pela regra

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deste ano, nos últimos 15 minutos de treino apenas os dezpilotos mais rápidos disputam a pole position. Assim que oboxe foi aberto, os carros saíram para marcar seus tempos.Mas a Ferrari de Schumacher voltava lentamente para osboxes já na primeira volta. Com problemas na bomba degasolina, o alemão ficou todo o tempo tentando consertaro problema. Não conseguiu. Schumacher largaria apenasem décimo, muito longe do que ele esperava para tentar odifícil título.

Enquanto isso, na pista, Felipe Massa sobrava. Marcoua pole com 1min10s680. Além dele, apenas Schumacher –na segunda classificatória de sábado - conseguiu andar nacasa de 1min10s durante todo o fim de semana. Ao seu lado,na primeira fila, largaria Kimi Raikkonen, da McLaren, 6décimos de segundo mais lento. Fernando Alonso marcouo quarto tempo, e sairia na segunda fila.

O sábado foi de festa para Felipe, que pela primeira vezlargaria na frente no GP do Brasil. Ele que, naquele fim desemana, corria com um macacão diferente do tradicionalvermelho da Ferrari. Para homenagear o Brasil, Massa vestiaum macacão com as cores da bandeira nacional. E foi deverde e amarelo que ele comemorou subindo no muro quesepara os boxes da reta de chegada. “Um dos momentosmais felizes da minha vida”, disse o piloto. “Subi no muro e

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vi o povo todo, a arquibancada inteira, gritando meu nome,comemorando como eu”, completou ele, emocionado.

Fernando Alonso ficou feliz com o quarto lugar, mas mes-mo sem admitir, deve ter vibrado com o problema deSchumacher. “Durante o treino, ninguém me disse que oMichael havia tido problemas com o carro. E não é proble-ma meu. Não adianta perguntar o que achei e nem o queacho que ele deva fazer. Já temos os nossos problemas paraserem resolvidos”, disse o espanhol.

Já o alemão Michael Schumacher lamentou a pane deseu carro. “Uma pena, não deu tempo para repararmos nos-sa dificuldade. Nosso carro está muito rápido, equilibrado,brilhante. Faríamos a primeira fila toda Ferrari, não hesitoem acreditar”, garantiu ele depois do treino. “Mas o pro-blema de hoje não altera em nada o meu objetivo de lutarpelo título de construtores”, disse.

O domingo amanhecia com muita expectativa. A torci-da brasileira via cada vez mais chance de vitória de Massaem casa. Com um carro bom, a pole position e Schumacherlargando apenas em décimo com poucas chances de ser cam-peão, o brasileiro tinha que se preocupar só com a sua corri-da. As famosas trocas de posição ordenadas pela Ferrari emanos anteriores aconteceriam em Interlagos apenas se o ale-mão alcançasse a segunda posição. Enquanto isso não acon-

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tecesse, Massa tinha que se manter na frente e abrir o má-ximo de vantagem. A possibilidade de um “jogo sujo” tam-bém já tinha sido descartada tanto por Massa quanto porSchumacher. Algumas pessoas acreditavam que o brasileiropoderia tirar Alonso da corrida, e deixar o caminho livre parao alemão, mas eles negaram isso veementemente durantetoda a semana que antecedeu o Grande Prêmio.

Com a largada marcada para as 14h de São Paulo, asFerraris ainda contavam com mais um aliado, o calor. Ospneus Bridgestone da equipe italiana correspondiam me-lhor do que os Michelin da Renault, em altas temperatu-ras. A equipe francesa também havia se prevenido com even-tuais problemas no motor de Alonso, dando ao espanholuma versão mais conservadora do seu propulsor, menospotente, mas que diminuiria as chances de quebra.

É dada a largada para o 35° GP do Brasil de Fórmula 1.Na primeira curva, a entrada do S do Senna, Felipe Massase manteve na primeira posição, e Alonso em quarto. Lá atrás,Michael Schumacher pulou do décimo para o oitavo posto,depois de ultrapassar as duas BMW-Sauber. Ainda na pri-meira volta, um toque entre as Williams de Mark Weber eNico Rosberg obrigou o australiano a abandonar a prova.Logo depois, como conseqüência do toque com o compa-nheiro, Rosberg perdeu o controle do carro e bateu forte no

O segundo pit stop

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muro da saída da Junção. O acidente fez com que o safetycar entrasse na pista. Com a corrida sob bandeira amarela,Massa liderava, com Kimi Raikkonen em segundo, JarnoTrulli, da Toyota, em terceiro, e Fernando Alonso em quar-to. Schumacher já era o sexto, atrás do companheiro deAlonso, Giancarlo Fisichella. Apenas na sexta volta o safetycar voltou aos boxes, e Felipe Massa manteve a dianteira dacorrida. Enquanto o brasileiro abria vantagem sobre o se-gundo colocado, um pouco atrás ocorria uma disputa quedecidiria de vez o título. Schumacher pressionava o italianoFisichella, que se segurava como podia para defender a po-sição e o seu companheiro que luta pelo campeonato.

Depois de duas voltas pressionando o italiano, Schumiatacou de vez, e o ultrapassou no fim da reta dos boxes, nanona volta. Mas ele fez o S do Senna com dificuldade parasegurar o carro, e o italiano recuperou a posição logo de-pois, na curva do Sol. Schumacher foi perdendo velocida-de, e começou a ser ultrapassado com facilidade. Um furono pneu traseiro esquerdo era o problema. Na ultrapassa-gem sobre Fisichella, a roda traseira do alemão tocou na asadianteira do carro do italiano. Um toque sutil, que poderiatransformar a última corrida de Schumacher em tragédia.

Com o problema, o heptacampeão caiu para a últimaposição, mas conseguiu levar o carro até os boxes. Em pri-

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meiro, Felipe Massa continuava veloz, marcando voltas cadavez mais rápidas. Com o companheiro nos boxes, Feliperecebeu ordens da Ferrari para diminuir o ritmo, e evitarpassar Schumacher, para que o alemão tivesse pista livre navolta à corrida e pudesse se recuperar na corrida. Schumivoltou com 1min10s de desvantagem para Massa, e a 36segundos do penúltimo colocado, Tiago Monteiro, da MF1.

Na 14ª volta, com a quebra de Trulli, Alonso era o tercei-ro, e via o título cada vez mais próximo. O espanhol, então,encostou em Raikkonen, que fez seu primeiro pit stop, na21ª volta. Com isso, Alonso assumiu a segunda posição.Massa continuava em primeiro, com 14 segundos de vanta-gem, caminhando para ser o primeiro brasileiro a vencer emInterlagos depois de 13 anos.

Na 25ª volta, Michael Schumacher começou a mostrarpor que é considerado o maior piloto que já passou pelaFórmula 1. Depois de muitas ultrapassagens, e andandomuito rápido, Schumi já era o décimo colocado quando com-pletou a 34ª volta.

A corrida de Felipe Massa continuava tranqüila na pon-ta. Só perdeu a liderança quando parou nos boxes, mas jáera o ponteiro novamente antes da 30ª volta. Alonso tam-bém dirigia com muita tranqüilidade, já que o segundo lu-gar era mais do que suficiente para lhe garantir o título.

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Outro piloto em tarde inspirada era Jenson Button, quelargou em 14°, e na 39ª brigava com Alonso pelo segundolugar.

Duas voltas depois, Schumacher voltou a ter sustos. De-pois de passar o polonês Robert Kubica e assumir a sétimaposição, ele voltou a andar devagar, e Kubica reassumiu aposição. Mas por pouco tempo. O alemão logo recuperou avelocidade, e na mesma volta passou o polonês da BMW-Sauber. E ele já mirava seu próximo alvo, o brasileiro RubensBarrichello, de quem foi companheiro na Ferrari. A vanta-gem de Rubinho era de 12 segundos, mas Michael vinhatirando 1 segundo por volta. Os dois pararam nos boxes, eBarrichello se manteve na frente. Na 52ª volta o brasileironão resistiu a espetacular corrida de Schumacher, que o pas-sou no final do S do Senna. O alemão assumia a sexta posi-ção em Interlagos.

Nessa mesma volta, Felipe Massa fez seu segundo pitstop, com vantagem suficiente para voltar em primeiro, aindana frente de Alonso, que parou três voltas depois para rea-bastecer.

Na quinta posição, Fisichella viu Schumacher crescer emseu retrovisor novamente. Uma disputa que tinha acabadomal para o alemão no começo da corrida estava para se re-petir. A briga terminou dez voltas depois, quando Fisichella

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errou no fim da reta dos boxes e foi parar na grama na 63ªvolta. Schumacher agradeceu, e partiu para cima de KimiRaikkonen, o quarto colocado.

Com o carro mais veloz, Schumi logo encostou naMcLaren de Raikkonen, seu sucessor no cockpit da Ferrari.Na penúltima volta, com uma ultrapassagem espetacularem seu lugar preferido, a entrada do S do Senna, Schumacherpassou a ser o quarto na corrida.

Em primeiro, Massa contornou as últimas curvas do GPBrasil de Fórmula 1 já comemorando dentro do carro. Nareta oposta, era saudado como o vencedor pelo público quelotava as arquibancadas. Depois de passar pela subida dolago, Massa fez o Laranjinha com calma, depois oPinheirinho e o Bico de Pato. Felipe tinha uma vantagemenorme sobre Alonso, e a vitória estava a pouco mais de 17segundos. Depois do Mergulho, Felipe fez a Junção, e naSubida dos Boxes apontou na reta de chegada. Foram tre-ze anos de espera. Desde 1993 nenhum brasileiro venciaem Interlagos, depois da vitória de Ayrton Senna. No dia22 de outubro de 2006, Felipe Massa se tornava o quintobrasileiro a vencer o GP Brasil de Fórmula 1, o quarto emInterlagos.

A alegria de Felipe era visível, mesmo dentro do capace-te. Depois de completar a última volta, parou no S do Senna,

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pegou uma bandeira brasileira com um fiscal de prova, erepetiu o gesto eternizado por Ayrton Senna, comemoran-do a vitória com a bandeira nacional em punho.

Fernando Alonso terminou a corrida em segundo, con-quistando o bicampeonato mundial de Fórmula 1, nova-mente em Interlagos. A Renault também se tornou campeãentre os construtores, 5 pontos à frente da Ferrari. JensonButton completou o pódio, depois de uma grande corrida.Michael Schumacher se despediu da categoria em que foicampeão por 7 vezes, e onde quebrou todos os recordes,depois de uma prova fantástica, à altura de sua importân-cia para o automobilismo mundial.

Mas a festa em São Paulo era de Felipe Massa. Em umfim de semana perfeito, em que foi sempre o mais rápido,Massa se manteve focado na vitória, que não podia esca-par. Terminou a corrida em 1h31min53s751, 18 segundosà frente do segundo colocado. “Foi a corrida mais fácil daminha vida, com um carro incrível. Mas isso pode te com-plicar. A gente corre o risco de perder a concentração. Mepeguei algumas vezes olhando para a arquibancada e co-mecei a falar para mim mesmo: ‘Que é isso, rapaz, se con-centra na corrida, depois você vai ter todo o tempo domundo para olhar a torcida!’”, disse Felipe depois da cor-rida. No fim, 13 anos depois, a bandeira brasileira nova-

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mente era hasteada no lugar mais alto do pódio. O jornalista Rodrigo Mattar considerou o GP do Brasil um

dos mais emocionantes da temporada. “Havia 13 anos quenenhum piloto brasileiro vencia em casa e durante todos estesanos a torcida frustrou-se com vãs tentativas do RubensBarrichello. Felizmente saímos todos recompensados pelamagistral corrida do Felipe”. Flávio Gomes concorda com ocolega. “Foi uma boa prova, com três destaques claros.Schumacher, pela atuação e pela despedida de gala. Alonso,pela prova madura e pragmática, conquistando obicampeonato. E Massa, pela segurança e tranqüilidade numacorrida muito fácil, mas que ganhou emoção, para ele, por tersido conquistada em casa”.

Fernando Alonso foi outro que comemorou muito no GPdo Brasil. “Dois títulos com 25 anos é algo difícil de acreditarque eu tenha conseguido”, conta ele, em tom de despedida.“É fantástico terminar dessa maneira minha relação com aRenault”. A partir de 2007 o espanhol guiará os carros da in-glesa McLaren. Após a corrida, Alonso ainda garantiu: dispu-tar um título com Schumacher e vencer tem um sabor especi-al. “Foi uma honra disputar com Michael e conseguir batê-lonos seus últimos anos de carreira. É um grande campeão”.

Para Mattar, o título de Alonso no Brasil foi justo. “Seriaheresia dizer o contrário. Ele e a Renault foram prejudicados

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na segunda metade do campeonato. Alonso mostrou técnica,sorte, frieza, e deu a volta por cima. Mereceu o bicampeonato”.

Com a vitória no Brasil, e a saída de Michael Schumacherda Ferrari, Massa já é considerado um dos candidatos ao tí-tulo da temporada 2007. “O Massa pode sonhar com o títu-lo sim. Os principais nomes para 2007 são Massa, Alonso eRaikkonen”, garante Mattar. Gomes também coloca Felipena lista dos que podem lutar pelo campeonato daqui prafrente. “Além dele, coloco Alonso, Raikkonen e Button. Sãoos pilotos que vão ganhar corridas”.

A partir de 2007, Felipe terá como companheiro de equi-pe o finlandês Kimi Raikkonen, que por duas vezes foi vice-campeão do mundo. Mattar considera que Massa começa oano com ligeira vantagem sobre Raikkonen na disputa paraser o primeiro piloto da Ferrari, “por já conhecer o funciona-mento da equipe, e pelo bom relacionamento com o pesso-al”.

Auf wiedersehen, Schumi (até logo, Schumi, em alemão)

Em 2006, além da fantástica vitória de Felipe Massa, eo bicampeonato de Fernando Alonso, quem foi ao Autó-dromo de Interlagos para a etapa brasileira do Mundial de

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Fórmula 1, foi testemunha de um momento histórico. Aos38 anos, o alemão Michael Schumacher se despediu dascorridas no GP do Brasil. Maior campeão da história, com7 títulos, e maior vencedor no circuito paulistano, com 4vitórias, Schumi mostrou na corrida de São Paulo que dei-xará saudade. Chegou à cidade com poucas chances deser campeão. Enfrentou diversos problemas durante o fimde semana. E ainda sim fez uma corrida espetacular. “Foiuma prova digna de heptacampeão. Uma exibição de gala,com muitas ultrapassagens, garra, vontade e disposição.Fez aquilo que se esperava dele, e mais um pouco. Saiu decena no auge”, diz Rodrigo Mattar. “Foi uma exibição ines-quecível”, garante Flávio Gomes.

Antes da largada, Schumacher, fã assumido de futebol,recebeu de Pelé um troféu. Uma pequena homenagem pe-los 15 anos de vitoriosa carreira, que começou em 1991,na Jordan. Em 1994, na Benneton, conquistou seu pri-meiro campeonato. No ano seguinte foi bicampeão, com33 pontos de vantagem sobre Damon Hill. Em 1996 setransferiu para a Ferrari, onde, a partir de 2000, começoua viver o auge de sua carreira. Na equipe italiana conquis-tou mais 5 títulos, consecutivos, de 2000 a 2004.

Polêmico, Schumacher é do tipo que ou se ama ou seodeia. Já colocou adversário para fora da pista para con-

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quistar o primeiro campeonato, e foi desclassificado docampeonato ao tentar a manobra novamente em 1997,contra Jacques Villeneuve. Mas os números na carreira doalemão não deixam dúvidas. Com o maior número de re-cordes da Fórmula 1, Schumi deixará saudade. Depois dacorrida em Interlagos, Flavio Briattore, que foi chefe deequipe de Schumacher na Benneton, e hoje comanda aRenault, resumiu o que todos na Fórmula 1 pensam sobrea aposentadoria do alemão. “Michael está louco em parar,eu nunca vi um performance dessas. Ele teve todo tipo deproblema nos últimos dois dias aqui em Interlagos, e cor-reu como um campeão”.

GPs disputados

Vitórias

Pódios

Melhores voltas

Pole position

Pontos conquistados

24891

1547568

1.364

Os números de Michael SchumacherCarreira Interlagos

154

1051

82

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19721973197419751976197719781979198019811982198319841985198619871988198919901991199219931994199519961997199819992000200120022003200420052006

Carlos Reutemann – Brabham – ArgentinaEmerson Fittipaldi – Lotus – BrasilEmerson Fittipaldi – McLaren – BrasilJosé Carlos Pace – Brabham – BrasilNiki Lauda – Ferrari – ÁustriaCarlos Reutemann – Ferrari – ArgentinaCarlos Reutemann – Ferrari – ArgentinaJaques Laffite – Ligier – FrançaRené Arnoux – Renault – FrançaCarlos Reutemann – Williams - ArgentinaAlain Prost – Renault – FrançaNelson Piquet – Brabham – BrasilAlain Prost – McLaren – FrançaAlain Prost – McLaren – FrançaNelson Piquet – Williams – BrasilAlain Prost – McLaren – FrançaAlain Prost – McLaren – FrançaNigel Mansell – Ferrari – InglaterraAlain Prost – Ferrari – FrançaAyrton Senna – McLaren – BrasilNigel Mansell – Williams – InglaterraAyrton Senna – McLaren – BrasilMichael Schumacher – Benneton – AlemanhaMichael Schumacher – Benneton – AlemanhaDamon Hill – Williams – InglaterraJacques Villeneuve – Williams – CanadáMika Hakkinen – McLaren – FinlândiaMika Hakkinen – McLaren – FinlândiaMichael Schumacher – Ferrari – AlemanhaDavid Coulthard – McLaren – EscóciaMichael Schumacher – Ferrari – AlemanhaGiancarlo Fisichella – Jordan – ItáliaJuan Pablo Montoya – Williams – ColômbiaJuan Pablo Montoya – McLaren – ColômbiaFelipe Massa – Ferrari – Brasil

Os vencedores do GP Brasil de Fórmula 1

* Em 1978 e entre 1981 e 1989 o GP Brasil foi disputado

no Autódromo de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.

** Em 1972, a prova não valeu pontos para o campeonato

de Fórmula 1.

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Planos

A Prefeitura de São Paulo anunciou em setembro de 2006que pretende investir no Autódromo de Interlagos para deixaro local apto para receber outros eventos além das corridas. Oprojeto prevê a construção de arquibancadas definitivas na RetaOposta, um parque público, uma arena multiuso com capaci-dade para 60 mil pessoas e uma pista de arrancada e off-road.“Acho uma vergonha. Arena multiuso não deve ser construídaem autódromo nenhum. Que outra pista no mundo inteiro temisso?”, lamenta o jornalista Rodrigo Mattar.

Segundo o prefeito paulistano Gilberto Kassab, o autódro-mo vai receber um investimento de R$ 50 milhões e espera ter oretorno em no máximo cinco anos. “Decidimos que investimen-tos permanentes e definitivos devem ser feitos para diminuir oscustos com o evento”, disse Kassab, explicando que todo ano aPrefeitura gasta aproximadamente R$ 12 milhões com a instala-ção de arquibancadas temporárias para receber a Fórmula 1.

“É mais uma coisa que não sai. Depois de 16 anos, todo anofaz arquibancada, monta e desmonta. O que já se gastou nesses16 anos, dava pra ter feito arquibancadas fixas três vezes”, ironizaFlávio Gomes, completando. “Isso não vai viabilizar o autódro-mo, ele deve se viabilizar a partir da sua natureza, que é corrida”.

Uma escola municipal para 3 mil alunos, que deverá contar

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com cursos profissionalizantes em parceria com instituições pri-vadas, também está inclusa no projeto da prefeitura, para o lo-cal da nova arquibancada. “O projeto parece muito bom e decerta maneira salva Interlagos, pois o risco da prefeitura privatizaraquela área para uso imobiliário é muito grande e do ponto devista econômico-financeiro é totalmente justificável”, diz RobertoBrandão.

Entretanto, os planos da prefeitura paulistana podem nãodar em nada diante da possibilidade da construção de um novoautódromo, na cidade de Guarulhos, para receber as principaiscompetições nacionais e internacionais de automobilismo emotovelocidade, entre elas a Fórmula 1. A vantagem do novocircuito seria a facilidade do acesso ao local, próximo do aero-porto de Cumbica e da cidade de São Paulo. “Vejo pra Interlagoso dia em que aquilo vai acabar”, lamenta o piloto Ingo Hoffman.

O futuro

O automobilismo brasileiro já teve anos mais gloriosos.Mas uma nova geração de bons pilotos vem se formando.Além de Felipe Massa, que há algum tempo deixou de serpromessa, e já é uma realidade, dois jovens com sobrenomesde campeões despontam como os principais nomes do auto-

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mobilismo nacional para os próximos anos.Nelson Ângelo Piquet nasceu em 25 de julho de 1985, em

Heidelberg, na Alemanha. Apesar disso corre sob as cores dabandeira brasileira. Filho e fã assumido do tricampeão mun-dial Nelson Piquet, começou no kart em 1993. A carreira co-meçou a se tornar séria em 2001, quando estreou com um 5°lugar na Fórmula 3 Sul-americana. Com o apoio decisivo dopai, no ano seguinte Nelsinho ganhou seu primeiro títulointernacional, ainda da F3 Sul-americana. A partir de 2003passou a disputar a Fórmula 3 inglesa, que venceu em 2004.

Em 2005 estreou na GP2, último passo antes de chegar aFórmula 1. No ano seguinte, terminou com o vice-campeo-nato da categoria. Ainda em 2006, foi contratado pela equi-pe Renault de Fórmula 1 para ser piloto de testes a partir de2007, com grandes chances de estrear na categoria em 2008.

Outro nome que vem se destacando no cenário internaci-onal é Bruno Senna. A carreira de Bruno demorou para co-meçar. Sobrinho do também tricampeão Ayrton Senna, Bru-no enfrentava certa resistência da família, pela perda do tiono acidente de Ímola. Porém, aos 18 anos, a velocidade faloumais alto e ele voltou ao kart. Sua carreira tomou novos ru-mos quando, aconselhado por Gehard Berger, ex-piloto aus-tríaco de Fórmula 1 e grande amigo de Ayrton, decidiu cor-rer de monopostos. Em 2005 estreou na Fórmula 3 inglesa.

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Um ano depois da estréia, ainda na Fórmula 3, Brunoencerrou a temporada em 3° entre os pilotos. A partir de 2007ele deve disputar o campeonato de GP2. E deve ser outrobrasileiro a alcançar a Fórmula 1, o seu principal objetivo.

Tudo indica que teremos novamente disputas entre umSenna e um Piquet na Fórmula 1. Se ambos terão o mesmosucesso do tio e do pai campeões, e se Interlagos será o palcode mais essa disputa, só o tempo dirá.

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Vista aérea do Autódromo de Interlagos, “engolido” pelo crescimento dacidade de São Paulo

Carros contornam o S do Senna, curva que gerou polêmica depois dasegunda reforma do autódromo, durante o GP Brasil de 2005

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Senna (à frente) segura o inglês Nigel Mansell, para vencer o GP Brasil deFórmula de 1991 apenas com a sexta marcha. No pódio, esgotado

fisicamente, precisa de ajuda pra levantar a taça

No GP de 1993, na chuva, Sennaultrapassa Damon Hill. Com um

carro inferior ao dos principaisadversários, Ayrton fez a diferençana pista molhada e venceu pela

segunda vez no Brasil

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Etapa paulista da Stock Car V8, principal categoria do automobilismobrasileiro, em 2006

O “alemão” Ingo Hoffmann, éhomenageado durante sua

300° corrida na Stock Car, emInterlagos

A partir de 2007, a montadorafrancesa Peugeot, disputará a

Stock Car com o 307. A GM, aVolks e a Mitsubishi já fazem

parte do campeonato

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Fernando Alonso (à esq.) comemora seu primeiro título na Fórmula 1, noGP Brasil de 2005. Já o heptacampeão Michael Schumacher (à dir.) saúda

o público brasileiro na sua corrida de despedida, em 2006

Felipe Massa repete o gesto de Ayrton Senna e carrega a bandeira nacionaldepois de vencer o GP Brasil de 2006

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Sites visitados:

www.f1.comwww.fia.comwww.ayrtonsenna.comwww.autodromointerlagos.comwww.grandepremio.comwww.roncodosmotores.com.brwww.gpbrasil.com.brwww.obviousa.com

Créditos fotográficos:

Acervo Paulo Scali: p. 51 (F1/F2), p. 53 (F1/F3), p. 99 (F1),p.100 (F1/F2); Acervo Lemyr Martins: p. 102 (F1/F2), p. 103(F1); Acervo Anísio Campos/www.obviousa.com: p. 51 (F2),p.53 (F3), p. 54 (F1/F2/F3), p.55 (F1), p. 99 (F2/F3), p. 100(F3), p. 101 (F1/F2), p. 166 (F1/F2/F3/F4); Acervo Funda-ção Romi: p. 52 (F1/F2/F3).Divulgação: www.gpbrasil.com: p.165 (F1/F2), p. 168 (F1);www.roncodosmotores.com.br: p. 168 (F2/F3), p. 169 (F1);Assessoria Stock Car: p. 167 (F1); Assessoria Peugeot: p. 167(F3); Assessoria Ingo Hoffmann: p. 167 (F2).

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fonte utilizada foi a Transit521 BT,corpo 12 e espaçamento 1,5 pt.