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Integração entre Pesquisa e Política Pública Municipal: reflexão sobre a dinâmica do desenvolvimento territorial 1 2 GUEDES, Vicente G. F. 3 DUARTE, Elisa G. 4 INTRODUÇÃO Neste texto pretende-se organizar e analisar um conjunto de informações sobre a ex- periência do município de Patos de Minas com o programa de desenvolvimento rural susten- tável, com foco no Projeto de Educação Familiar Rural – EdufaRural. O programa e o projeto educacional que o integra prevêem vários objetivos, em destaque: para o município - criar e implementar soluções para entraves históricos ao fortalecimento e desenvolvimento do mundo rural; para outros agentes externos à municipalidade - gerar um acervo de conheci- mentos sobre desenvolvimento local e rural que possibilite políticas de intervenção noutros territórios, com circunstâncias similares (PATOS DE MINAS, 2003a). Tematicamente dese- ja-se que seja multidisciplinar, considerando que a própria compreensão do processo de desenvolvimento social requer a contribuição de vários campos do conhecimento. Em es- sência, prospecta-se até que ponto as partes atuantes no ou alinhadas com o EdufaRural conseguiram construir as parcerias necessárias e anunciadas e, com essas e outras estra- tégias, a sustentabilidade político-institucional do projeto. Os contornos temporais para o trabalho circunscrevem fatos e fenômenos ocorridos entre 2001 (quando da concepção pri- mária do EdufaRural) e a presente época. Este trabalho está estruturado de forma a expor, em primeiro lugar, uma brevíssima nota sobre a agricultura brasileira no final do século XX, nos aspectos em que mantém inter- secção com o município de Patos de Minas. A seguir, aborda, também de modo breve, a história, a geografia e a agricultura no município, principalmente nas últimas quatro décadas, contextualizando-o no cenário brasileiro da mesma era. Em terceiro lugar, o escrito discorre sobre a educação rural em Patos de Minas, como um diagnóstico para relatar a experiência com o projeto de educação rural implantado em 2002, como parte do programa de desen- volvimento rural sustentável do município. Nesse relato, empregam-se informações decor- rentes de pesquisa sócio-econômica com alunos das escolas municipais em 2001 e de revi- são bibliográfico-documental que permite a prospecção e análise pretendidas. Os conceitos de sustentabilidade, agricultura familiar e território são considerados pressupostos para a compreensão dos fatos e fenômenos relatados. O de sustentabilidade 1 Análises e opiniões contidas neste trabalho são de responsabilidade dos autores e não implicam, necessariamente, posições institucionais da organização a que são vinculados e nem daquelas aqui citadas. 2 Congresso ABIPTI 2008 (Campina Grande – PB). Tema “Participação das Instituições de Pesquisa Tecnológica na Inserção Social e no Desenvolvimento Econômico Local e Regional”. 3 Zootecnista. Mestre pelo PROPAGA/UnB. Brasília – DF. [(61) 3448.4464] [email protected] 4 Professora do Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM. Mestre em Educação pela UFU. [email protected]

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Integração entre Pesquisa e Política Pública Municipal: reflexão sobre a dinâmica do desenvolvimento territorial 1 2

GUEDES, Vicente G. F.3 DUARTE, Elisa G.4

INTRODUÇÃO

Neste texto pretende-se organizar e analisar um conjunto de informações sobre a ex-

periência do município de Patos de Minas com o programa de desenvolvimento rural susten-

tável, com foco no Projeto de Educação Familiar Rural – EdufaRural. O programa e o projeto

educacional que o integra prevêem vários objetivos, em destaque: para o município - criar e

implementar soluções para entraves históricos ao fortalecimento e desenvolvimento do

mundo rural; para outros agentes externos à municipalidade - gerar um acervo de conheci-

mentos sobre desenvolvimento local e rural que possibilite políticas de intervenção noutros

territórios, com circunstâncias similares (PATOS DE MINAS, 2003a). Tematicamente dese-

ja-se que seja multidisciplinar, considerando que a própria compreensão do processo de

desenvolvimento social requer a contribuição de vários campos do conhecimento. Em es-

sência, prospecta-se até que ponto as partes atuantes no ou alinhadas com o EdufaRural

conseguiram construir as parcerias necessárias e anunciadas e, com essas e outras estra-

tégias, a sustentabilidade político-institucional do projeto. Os contornos temporais para o

trabalho circunscrevem fatos e fenômenos ocorridos entre 2001 (quando da concepção pri-

mária do EdufaRural) e a presente época.

Este trabalho está estruturado de forma a expor, em primeiro lugar, uma brevíssima

nota sobre a agricultura brasileira no final do século XX, nos aspectos em que mantém inter-

secção com o município de Patos de Minas. A seguir, aborda, também de modo breve, a

história, a geografia e a agricultura no município, principalmente nas últimas quatro décadas,

contextualizando-o no cenário brasileiro da mesma era. Em terceiro lugar, o escrito discorre

sobre a educação rural em Patos de Minas, como um diagnóstico para relatar a experiência

com o projeto de educação rural implantado em 2002, como parte do programa de desen-

volvimento rural sustentável do município. Nesse relato, empregam-se informações decor-

rentes de pesquisa sócio-econômica com alunos das escolas municipais em 2001 e de revi-

são bibliográfico-documental que permite a prospecção e análise pretendidas.

Os conceitos de sustentabilidade, agricultura familiar e território são considerados

pressupostos para a compreensão dos fatos e fenômenos relatados. O de sustentabilidade

1 Análises e opiniões contidas neste trabalho são de responsabilidade dos autores e não implicam,

necessariamente, posições institucionais da organização a que são vinculados e nem daquelas aqui citadas. 2 Congresso ABIPTI 2008 (Campina Grande – PB). Tema “Participação das Instituições de Pesquisa Tecnológica

na Inserção Social e no Desenvolvimento Econômico Local e Regional”. 3 Zootecnista. Mestre pelo PROPAGA/UnB. Brasília – DF. [(61) 3448.4464] [email protected] 4 Professora do Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM. Mestre em Educação pela UFU.

[email protected]

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centra-se na idéia de reprodução social: o fato de universalizar e aprofundar o bem estar no

presente, ainda que demande certo padrão de crescimento econômico, não deve esgotar os

recursos e as possibilidades do bem estar das gerações futuras. A condição de sustentável

precisa ser alcançada em, no mínimo, cinco dimensões: ambiental, cultural, econômica, polí-

tica e social5.

No tocante à agricultura familiar, no presente estudo toma-se por referência o docu-

mento publicado por INCRA-FAO (1996, p. 4), onde é definida com base em três caracterís-

ticas centrais:

a) a gestão da unidade produtiva e os investimentos nela realizados é feita por indivíduos que mantêm entre si laços de sangue ou de casamento; b) a maior parte do trabalho é igualmente fornecida pelos membros da família; c) a propriedade dos meios de produção (embora nem sempre a terra) per-tence à família e é em seu interior que se realiza a sua transmissão em ca-so de falecimento ou de aposentadoria dos responsáveis pela unidade pro-dutiva.

O conceito de território sustenta-se na linha trabalhada por Rafestin (1993), quando

explica que o espaço precede o território. Este último é fruto da construção promovida por

um ator, através do trabalho e do estabelecimento de relações marcadas pelo poder. Ope-

rando com seus próprios achados e com os conceitos mobilizados em suas fontes, o autor

(1993, 150) fala em sistema territorial, integrado por elementos como tessitura (nós e redes)

em malhas, nem sempre diretamente observáveis, mas certamente existentes. “Tessitura,

nós e redes podem ser muito diferentes de uma sociedade para outra” mas presentes em

todas as práticas espaciais6.

Um conjunto de considerações finais fecha o trabalho, algumas delas, à semelhança

de conclusões. Todas podem servir de alertas para a formulação e gestão de políticas públi-

cas, quer no âmbito do objeto trabalhado, quer para iniciativas noutros territórios. Em algu-

ma medida este trabalho responde, diversifica e aprofunda questões relevantes, colocadas

em estudos que o precedem e cuja leitura pode ser útil para os que pretendem melhor se

inteirar sobre o processo de desenvolvimento territorial rural a partir da educação e da pes-

quisa (DUARTE, 2007; DUARTE e GUEDES, 2006; GUEDES e VALENTE, 2004).

1. A AGRICULTURA BRASILEIRA NO FINAL DO SÉCULO XX: BREVES TÓPICOS HIS-

TÓRICOS

A atividade agrícola no Brasil não foi diferente, passou por grandes transformações ao

longo da história, com maior intensidade e profundidade no último século e meio a dois sé-

culos. No caso dos cerrados centro-brasileiros, esse processo foi fortemente concentrado no

último quartel do Século XX, atingindo também a atividade agrícola familiar. Tais transfor-

mações no perfil da agricultura brasileira, e do mundo rural em que ela é praticada, foram

5 À preocupação e compromisso das gerações presentes com as futuras, Bursztyn (2003) denomina “a ética da

sustentabilidade”.

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desencadeadas por vários fatores, como: a mudança demográfica da população (de pre-

ponderantemente rural nos anos 60 para majoritariamente urbana nos 90); as novas formas

de organização da sociedade e de seus modos de pressão em busca da formulação e im-

plementação de políticas públicas; a mudança no perfil da demanda e da oferta de gêneros

alimentícios e matérias primas de origem animal e vegetal e do próprio mercado onde ocor-

rem as relações de troca desses produtos; a internacionalização da economia e a formação

de blocos econômicos subcontinentais; a própria trajetória tecnológica da agricultura, inclu-

indo o domínio e/ou difusão de meios, artefatos e métodos de produção.

Especificamente o Brasil Central, incluindo Patos de Minas, nos anos 70 e 80 viven-

ciou, em elevado grau, um processo de transformações sociais e econômicas. Isso incluiu,

além da referida urbanização da população, um importante movimento de tecnificação da

atividade rural e profissionalização das relações no campo, refletindo o processo da Revolu-

ção Verde e das políticas públicas de expansão agrícola nos cerrados.

Além dessas mudanças descritas, há que se considerar, inclusive, que o conjunto de

razões que definem os papéis da agricultura no cenário maior, da sociedade e da economia,

muda profundamente a sua composição e a intensidade com que cada razão atua na produ-

ção dos resultados ao longo do tempo. É certo que, da discussão das funções da agricultura

frente ao conjunto da economia, ainda podem surgir e ser alinhados inúmeros outros com-

ponentes, como, por exemplo, o provimento de matéria prima para os setores secundário e

terciário. A literatura a respeito é vasta e controversa, indicando, nas entrelinhas das distin-

tas perspectivas metodológicas dos autores, que o conjunto de papéis desempenhados pela

agricultura pode variar segundo especificidades de diferentes territórios.

Revelando um fenômeno adicional, para além de um mundo rural preso à economia

agrícola no sentido estrito, alguns estudos têm apontado o crescimento em importância das

atividades econômicas não-agrícolas, compondo um perfil pluriativo da família rural. Em vá-

rios no Brasil, o peso das fontes na composição da renda familiar sofre alterações, incluindo

a gradativa redução da relevância das atividades estritamente agrícolas.

Embora não tenham sido encontrados resultados de pesquisa dessa natureza circuns-

crita ao Alto Paranaíba ou a Patos de Minas, o acompanhamento quotidiano que a adminis-

tração municipal da educação fazia, mais fortemente entre 2001 e 2004, da vida das comu-

nidades e da escola rural permitiu observar que a realidade local assemelha-se, mutatis mu-

tantis, com aquela caracterizada acima: a dinâmica social e econômica ensejou a instalação

de um continuum rural-urbano, dentro da qual a renda das famílias do campo torna-se cada

vez mais multicomposta, proveniente que é de atividades tipicamente agrícolas e também

de outras, tradicionalmente consideradas urbanas.

6 Nesse ponto parece apropriado buscar no trabalho de Ortiz (1996, p. 58) as discussões sobre espaço, lugar e

aglutinação dos membros de uma coletividade, feitas à luz da idéia de local como um “espaço restrito, bem delimitado, no interior do qual se desenvolve a vida de um grupo ou de um conjunto de pessoas”.

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Agricultura familiar e desenvolvimento: entre os desafios da agricultura familiar está

a inserção comercial como condição estrategicamente necessária (embora não suficiente),

para a sua consolidação e sustentabilidade. Assinalando para um fenômeno social que ocor-

re, com as devidas adaptações circunstanciais, em diferentes endereços geográficos brasi-

leiros, Couto (1998) escreve que a agricultura familiar continua a reproduzir-se, em que pese

não ser prioridade nas políticas públicas.

Relevância do familiar para o local: a literatura técnica contendo relatos de casos ar-

rola exemplos assinalando para a relação recíproca entre o fortalecimento da agricultura

familiar e o desenvolvimento local (MOTA et al., 1998; GUEDES e TAVARES, 2001). Num

plano mais amplo, vários autores têm apontado que providências dirigidas à participação

popular e à organização social, quer no mundo rural, quer numa perspectiva ampliada, são

importantes para o desenvolvimento local (BUSS, 2000) e conhecer tais casos é relevante

para a concepção e implantação de novos modelos e experiências. Esse complexo de ele-

mentos teórico-práticos foi importante na reflexão para o delineamento e gerenciamento do

Projeto EdufaRural e concorre para sinalizar a relevância de relatos como o que contém o

presente artigo.

2- PATOS DE MINAS: ASPECTOS GEOGRÁFICOS E AGRO-SÓCIO-ECONÔMICOS

Patos de Minas é um dos 31 municípios integrantes da macrorregião mineira do Alto

Paranaíba, localizado na porção oés-noroeste do estado. Forma, com outros 9, uma de suas

microrregiões. Os outros dois pólos microrregionais são Araxá e Patrocínio (MINAS GE-

RAIS, 2004). Nos dias atuais o município tem algo acima dos 123.881 habitantes, revelados

pelo Censo 2000 (BRASIL, 2004).

Geograficamente, Patos de Minas está na faixa de 19º de latitude sul e 47º de longitu-

de oeste. O centro da cidade está instalado, aproximadamente, na cota 870. No território do

município encontram-se áreas cujas altitudes estão entre 800 e 920 metros acima do nível

do mar. É cortado pelo Rio Paranaíba na primeira quarta-parte de seu curso. Observando o

mapa climático de Minas Gerais (BRASIL, 2004) é possível verificar que na região onde está

o Alto Paranaíba predominam áreas de clima semi-úmido quanto à classe de umidade; com

4 a 5 meses secos, quanto à classe de seca; e subquente ou mesotérmico brando, quanto à

classe de temperatura.

Os dados de trabalho da administração municipal (PATOS DE MINAS, 2003b) assina-

lam que coexistem em Patos de Minas algo como 5,1 mil propriedades rurais, permitindo

calcular a seguinte distribuição percentual por faixa de extensão em hectares: 0,1 a 10,0 =

35,2%; 10,1 a 50,0 = 49,7%; 50,1 a 500,0 = 13,8%; e 500,1 a 2.000,0 = 1,27%. O módulo

fiscal definido para o município é de 40 hectares (INCRA, 2004), sugerindo a predominância

de minifundistas e agricultores que praticam seu ofício em regime de economia familiar. Tais

dados confirmam, também, uma agricultura diversificada e socialmente importante, arrolan-

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do como principais produtos da região: café, soja, feijão, milho, arroz e cana. Reporta o rela-

tório: “o setor agropecuário é uma atividade de expressiva importância econômica no muni-

cípio, sendo o setor responsável pela maior parte da geração de empregos e o segundo

maior gerador de renda da população” (PATOS DE MINAS, 2003b).

No tocante à agroindústria e agrocomércio em operação, as fontes consultadas permi-

tem calcular, com dados de 2000, uma capacidade estática de 152 mil toneladas de estoca-

gem em armazéns e silos, dos quais 18% em estabelecimentos governamentais e 82% pri-

vados. Além disso, operavam no município 16 unidades de beneficiamento de arroz, 25 de

café, 8 de feijão, 6 de milho, e 55 unidades secadoras. Há, também, firmas agropecuárias

atuando nas indústrias de sementes, biotecnologia, fertilizantes e corretivos, matrizes e re-

produtores suínos; no comércio de máquinas e implementos, de insumos, de frutas e verdu-

ras e de bovinos; e no processamento de grãos, vegetais olerícolas e leite (PATOS DE MI-

NAS, 2003b). Como pólo econômico do Alto Paranaíba, o município funciona centralizando

o processamento e comercialização de produtos de outras localidades.

O surgimento, desenvolvimento e consolidação dessa diversificada infra-estrutura nos

agronegócios são contabilizados quase que exclusivamente nas últimas três décadas, parte

majoritária depois de iniciados os anos 80, inclusive com expansão da ocupação da força de

trabalho. Curtumes, charqueada e mesmo um moinho de trigo que já operaram no município

no início do século XX desapareceram. Esse conjunto de forças emergentes e de agentes

econômicos que declinam, na impossibilidade de localização de estudos socioeconômicos

locais, podem ser compreendidos como resultantes do processo de modernização da agri-

cultura e desenvolvimento do capitalismo brasileiro, em grande medida determinado pelas

estratégias de políticas públicas adotadas, particularmente na esfera federal, na segunda

metade da década de 60 e nos anos 70.

Particularizando o caso das microrregiões de Patos de Minas e Patrocínio na presente

época, Ortega e Ferreira (2004) encontraram efeitos da mecanização agrícola, especialmen-

te na cafeicultura e na bovinocultura leiteira, reduzindo o nível de emprego e aumentando a

migração rural-urbana. Associam a esse fator modernizanete, com efeitos sobre o dois cita-

dos indicadores, o fato de que, nessas mocrorregiões não são integrados aos mercados (op.

cit., p. 19).

A história de ocupação do espaço e constituição do município e, dentro deste, a resis-

tência das famílias trabalhadoras e agricultoras que permanecem no campo, perpassada

pela trajetória socioeconômica da agricultura, contêm relações entre pessoas, grupos soci-

ais e comunidades, informais ou formalizadas em organizações sociais, culturais e econômi-

cas. Há, no município, 51 conselhos de desenvolvimento comunitário e 3 associações de

pequenos produtores, uma central dessas organizações, uma comissão de feirantes e uma

de sub-bacia hidrográfica, um sindicato de trabalhadores e um patronal rurais, uma coopera-

tiva agropecuária regional e, vinculada a esta, uma de crédito (EMATER-MG, 2003b). A a-

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proximação e as relações, ainda que informais, dessas organizações com a política eleitoral

e as agremiações partidárias é inegável.

3. EDUCAÇÃO RURAL EM PATOS DE MINAS

Em 2001, Patos de Minas iniciou a concepção e implementação de ajustes na política

pública para educação rural, como forma de aprimorar um modelo em que as questões físi-

cas (prediais) das escolas do campo já se encontravam algo equacionadas. Ao final de 2000

eram oito unidades de ensino fundamental, pertencentes ao município, nucleadas nas loca-

lidades rurais de maior densidade populacional, resultantes de um universo de 69 estabele-

cimentos existentes em 1993.

No ano de 2003 pôde-se contabilizar 1934 estudantes em escolas municipais rurais,

mais cerca de 450 do entorno da sede do município, transportados diariamente para duas

escolas municipais urbanas. Além disso, houve 1127 crianças do campo matriculadas em

escolas estaduais rurais e urbanas (PATOS DE MINAS, 2003c). Esses números compreen-

dem alunos de todos os nove anos do ensino fundamental.

3.1 - Um diagnóstico – um direcionamento

Não obstante terem sido superados os entraves básicos, a Secretaria Municipal de

Educação – SEMEC - observou, no ano de 2001, em relação às escolas rurais e ao seu

ambiente circunvizinho: fluxo decrescente de alunos; habitações rurais desocupadas; alunos

desinteressados e com desempenho escolar insatisfatório; reduzida auto-estima dos alunos

- vergonha de serem "caipiras"; grande quantidade de jovens desempregados; insatisfação

dos pais com a sua realidade, desesperança e pessimismo em relação à possibilidade de

melhoria de suas condições de sobrevivência, desejo de que seus filhos se formassem e se

mudassem para a cidade, em busca de "coisa melhor"; professores caracteristicamente ur-

banos, sem maior ligação com o meio rural; material didático e proposta pedagógica volta-

dos para temas e cultura urbanas.

Dessa forma, em que pese toda a situação de desenvolvimento econômico-agrícola já

exposta neste texto, o território ainda carece de políticas públicas voltadas para a sustenta-

bilidade de sua agricultura, mormente aquela praticada pelas famílias residentes no campo.

Como afirmam os estudos citados, a adaptação aos novos paradigmas econômicos exige

das famílias rurais as mesmas práticas dos outros setores produtivos: inovações tecnológi-

cas, novos modos gerenciais, inserção comercial competitiva e capacidade de produção

coletiva. Essas competências, imprescindíveis para o desenvolvimento das pequenas pro-

priedades rurais, parecem, pelo diagnóstico da SEMEC, não terem sido o ponto forte dos

agricultores observados.

Era o momento, portanto, de se buscar uma alternativa que desse conta de mudar o

quadro diagnosticado, percepção essa que desencadeou pesquisas, estudos e discussões

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no âmbito da Prefeitura, em particular na Secretaria de Educação, e ainda com interlocuto-

res de entidades ligadas ao ensino e/ou relacionadas com o campo e com o agronegócio.

O ponto de partida foi a caracterização do município de Patos de Minas. A seguir esta-

beleceu-se o perfil do alunado rural. Buscaram-se, então, bases teóricas para um projeto de

educação voltado para o campo, inserido em uma política municipal mais ampla, de desen-

volvimento rural sustentável. Um conjunto de políticas públicas que surgisse a partir da es-

cola, mas que não ficasse restrito a ela. Estabeleceram-se estratégias, lançou-se o projeto,

cuja implantação iniciou-se em fevereiro de 2002.

3.2 - Perfil do aluno da escola rural de Patos de Minas e sua família

A pesquisa sobre o corpo discente realizada nas escolas rurais de Patos de Minas7

permite as seguintes conclusões: do público da educação municipal, 55% dos pais é forma-

do por trabalhadores rurais e 21% por pequenos agricultores; a renda familiar é baixa (mé-

dia entre 1 e 2 salários mínimos mensais); a família é estruturada de acordo com os moldes

tradicionais e o relacionamento pais/filhos/irmãos, na percepção dos estudantes, é de bom

para ótimo; o aluno adolescente é trabalhador rural; existe um aparente paradoxo de concor-

rência e convivência da cultura tradicional (local) com a cultura de massas, midiática; a es-

cola não está ligada ao mundo do trabalho, nem à cultura da comunidade.

Ribeiro (2001, p. 4) contribui para a compreensão desse processo, quando afirma que

“a política para a educação rural tem se restringido a oferecer um arremedo da escola urba-

na que, nem habilita os filhos dos agricultores para dar continuidade às lides dos pais, nem

os qualifica para os empregos urbanos”.

É um modelo perigoso de educação, cujas conseqüências sofre a sociedade brasileira,

ao ver trabalhadores rurais e famílias agricultoras migrarem para as cidades e engrossarem

o contingente dos desempregados ou subempregados: todos vítimas de um quadro injusto e

violento. Em Patos de Minas, a população rural é de 12.548 pessoas - 10,1% do total

(BRASIL, 2004); número respeitável de famílias que ainda não abandonaram seu espaço,

sinalizando para um certo desejo de permanência, um certo receio da vida urbana, uma

certa fé ou esperança de que a situação melhore. Diante disso, o poder público podia optar

por permanecer na omissão ou prestar atenção em estudos que apontam para os problemas

sociais e ambientais gerados pela insustentabilidade de unidades agrícolas rurais e para as

duras circunstâncias de reprodução das famílias.

O conhecimento dessa realidade foi fundamental para os passos iniciais do projeto

descrito e analisado a seguir.

3.3 - Pressupostos do projeto de educação rural

7 Ver nota 4.

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Uma das descobertas dos vários grupos envolvidos no projeto foi a de que o município

deveria ter um plano de desenvolvimento rural que considerasse o grupo familiar como um

todo e a comunidade que ele compõe, pois, sendo essa a característica das relações de

trabalho e produção, planejar apenas para os estudantes seria abordar a problemática de

forma fragmentada (PATOS DE MINAS, 2001b). O documento produzido a partir das dis-

cussões afirma a necessidade de se realizarem ações que promovessem a família rural e

suas condições de vida, entendendo que, do contrário, o discurso da escola seria vazio: tra-

balhar com a criança e o adolescente na perspectiva da valorização da vida rural, seria con-

traditório se, na prática, eles percebessem sua unidade de produção estrangulada, pouco

produtiva e com retorno ínfimo ao investimento da família em termos financeiros, de trabalho

e de expectativas.

Outra questão debatida referia-se à liberdade de escolha do cidadão sobre sua movi-

mentação espacial, sobre residir no campo ou na cidade, a natureza de seu trabalho e as

suas perspectivas de vida. Nessa ótica, um modelo de educação democrático e libertador

deveria considerar valores e especificidades urbanos e rurais, para não desvincular o sujeito

de seu espaço rural nem tampouco segregá-lo ao campo, sem os subsídios necessários à

sobrevivência na cidade, caso essa fosse sua opção. Oferecer uma educação essencial-

mente agrícola, limitada aos conhecimentos técnicos do plantar e do criar, seria estabelecer

a ditadura do "fique-aí-que-é-melhor-para-todos". Considere-se ainda que a própria estrutura

do ensino fundamental não prevê a formação profissionalizante, mas a formação para o tra-

balho e a cidadania (BRASIL, 1996).

Essas reflexões deram origem à elaboração do projeto de educação rural propriamente

dito, e a um curso destinado à capacitação dos membros de 53 conselhos de desenvolvi-

mento comunitário do município, visando a: despertar nas comunidades a percepção de que

seu desenvolvimento passa por alguma forma de organização social e que há potencialida-

des ainda não exploradas em todas as localidades; tornar as comunidades aptas a propo-

rem o plano municipal de desenvolvimento rural sustentável e, a partir disso, buscar, em

conjunto, a solução de seus próprios problemas (PATOS DE MINAS, 2001a). Para essa

atividade de formação, foram contratados professores do Instituto de Economia da Universi-

dade Federal de Uberlândia. Ao mesmo tempo, foi lançado pelo poder público municipal, em

conjunto com parceiros, o Programa de Geração de Renda, Emprego e Desenvolvimento

Integrado de Patos de Minas com ações em dez áreas, a maior parte delas implantada: e-

ducação rural, associativismo, infra-estrutura, assistência técnica, acesso ao crédito8, apoio

à produção, comercialização, gestão do meio ambiente, apoio ao turismo, saúde.

8 Como exemplo de uma ação de facilitação de acesso ao crédito, pode ser citada a unidade do Banco do Brasil

para apoio ao produtor rural, através dos recursos do PRONAF, implantada dentro da CEASA, ponto semanal de agricultores. Na unidade, além de funcionários do Banco, foram mobilizados alunos-estagiários do Centro

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4 - O PROJETO DE EDUCAÇÃO RURAL DE PATOS DE MINAS

No esforço de mobilizar e refletir bases conceituais para a formulação das políticas e

estratégias de gestão públicas, os dirigentes municipais, máxime no órgão de educação,

buscaram dialogar com distintas organizações, áreas técnicas e operadores de diferentes

perspectivas metodológicas. Na esteira desse esforço, as próprias técnicas da administra-

ção municipal da educação produziram documentos, no contexto de discussões com profes-

sores e dirigentes de escolas.

Em outubro de 2001 foi redigido o texto do Projeto de Educação Familiar Rural de Pa-

tos de Minas, com objetivo de resgatar a identidade do homem e da mulher do campo, bus-

cando inspiração em Paulo Freire e sua metodologia libertadora. O ponto de partida era o

contexto natural, social e econômico do aluno, sua vivência cotidiana, sua cultura. Conside-

rava-se que, se a finalidade última da educação é a transformação do ser em sujeito de sua

história e a influência transformadora desse ser sobre seu meio, a escola rural não pode

fechar os olhos para o fato de que seu aluno e sua aluna são, antes de tudo, elementos de

um grupo familiar em que todos têm sua tarefa, seu trabalho e que ninguém está ali como

um vazio em busca de preenchimento com elucubrações intelectuais, distantes e alienadas

da realidade.

A previsão do documento é de que todo o processo deveria envolver os Parâmetros

Curriculares Nacionais9, visto que a base universal não pode ser prescindida na formação

das pessoas, numa época em que se exigem valores, saberes e competências adequados à

maior eficiência como agricultores, protagonistas de suas comunidades, mas também cida-

dãos capazes de se organizarem em cooperativas e transitar por agências de crédito e ou-

tros agentes desse mercado. Enfim, a adaptação curricular é uma das estratégias do Edu-

faRural, de modo a abranger o universal e o restrito (PATOS DE MINAS, 2001b). Em feve-

reiro de 2002 o projeto foi implantado, com um encontro de educadores, programado na

forma de oficinas. Em todas as oficinas havia a presença de técnicos da extensão rural na

orientação dos temas de ordem agronômica ou de economia agrícola.

4.1- Primeiras avaliações da implantação do Projeto

No final do primeiro semestre de 2002, a Secretaria de Educação promoveu um encon-

tro de avaliação do andamento dos trabalhos, contando com a participação de técnico ex-

terno. Foram apontados como pontos positivos até ali contabilizados: maior interação esco-

la/família; maior dinamismo da escola; atividades mais diversificadas; reestruturação do es-

paço físico escolar, tornando o ambiente mais agradável; crescimento profissional e surgi-

mento de novas lideranças entre os professores (aqueles que aderiram ao projeto em pri-

meira hora); planejamento e execução de atividades interdisciplinares; surgimento e/ou con-

Universitário de Patos de Minas – UNIPAM, auxiliando na elaboração de projetos. Em poucos meses os financiamentos na região subiram de 400 mil reais para três milhões de reais.

9 BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Ensino Fundamental. 1998.

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solidação de trabalho coletivo nas escolas; troca de conhecimentos entre alunos e professo-

res.

Os pontos identificados pelos diretores, em suas escolas, como oportunidades de me-

lhoria, foram: recursos financeiros insuficientes para a execução de projetos locais; reduzido

envolvimento de alguns profissionais, principalmente educadores de postura tradicional, cris-

talizada em práticas fechadas a inovações; reduzido envolvimento das escolas com os con-

selhos de desenvolvimento comunitário; baixa disponibilidade de material de apoio pedagó-

gico. Além disso, notou-se que o pessoal de escola precisava ser mais trabalhado no senti-

do de que os resultados concretos, como hortas e pomares nas escolas, não eram os maio-

res objetivos. Tornava-se necessária a conscientização de que o Projeto seria um processo

de construção permanente, uma metodologia nova com vistas a tornar perene um processo

de transformação social, a exigir investimentos de longo prazo.

Aliás, o maior desafio do EdufaRural parece ser o fato de que se baseava na demanda

por uma mudança de mentalidade, uma nova cultura por parte dos educadores, técnicos e

dirigentes, uma tomada de consciência para a questão ligada ao campo, aos novo cidadãos

em que se esperava poder transformar seus habitantes: sujeitos capazes de solucionar pro-

blemas e de crescer em cooperação.

Encerrado o primeiro ano de implantação, em reunião entre representantes das institu-

ições apoiadoras do projeto e da SEMEC, pôde ser feita uma segunda avaliação de sua

implantação. Aos pontos positivos já contabilizados, somaram-se a emergência de grêmios

estudantis nas escolas, a crescente movimentação dos conselhos comunitários em torno de

cursos de capacitação, tanto em produção quanto em comercialização e cooperativismo,

ministrados pelos órgãos ligados ao assunto e apoiadores do projeto.

Vencida a primeira fase, tanto mais complexa pela própria inexperiência, percebeu-se

também que o EdufaRural não poderia dispensar um acompanhamento próximo e dinâmico,

que apoiasse as escolas na nova tarefa, vista como desafiadora. Na busca de superar desa-

fios e contradições durante o processo, algumas ações foram propostas e implantadas, de

acordo com relatórios do setor pedagógico da SEMEC:

a- realização de eventos de formação para os educadores das escolas rurais, envolvendo,

além de temas técnicos de agricultura, pecuária, meio ambiente e cultura rural, um outro

tema: incentivo aos professores para o envolvimento com o Projeto e para a aquisição de

atitude empreendedora;

b- maior proximidade da equipe responsável pelo projeto, lotada na secretaria de educa-

ção, em relação às escolas e a seus professores; apoiando na reestruturação do currículo,

na busca de conhecimentos técnicos específicos, mobilizando parceiros e comunidades ru-

rais;

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c- criação do Conselho de Acompanhamento do EdufaRural, para atender à demanda mul-

tidisciplinar do empreendimento, para o fortalecimento do coletivo, para propor diretrizes do

Projeto e para seu acompanhamento;

d- o material bibliográfico, criado pela Secretaria, seria peça-chave em um contexto, princi-

palmente no 2º ciclo, marcado pela dependência do professor em relação ao livro didático;

e- o estabelecimento de currículos mínimos para todas as disciplinas, essencial para que

os assuntos ligados ao campo se transformassem em rotina escolar, assumindo seu papel

no conteúdo programático das escolas, ao lado dos temas universais;

f- inserção de uma disciplina intitulada EdufaRural na parte diversificada da grade curricu-

lar de todas as escolas rurais, com programa voltado para os temas propostos no Projeto e

com professor que também se encarregaria de promover os projetos coletivos e a interdisci-

plinaridade (PATOS DE MINAS: 2002b).

Pelas propostas expressas no relatório, é possível verificar que os professores não es-

tavam devidamente mobilizados para o trabalho em pauta. Tal fato está ligado a uma ques-

tão complexa na educação brasileira e mais desafiadora ainda no contexto dos sistemas

municipais de ensino: o conservadorismo cristalizado na prática docente, conforme Duarte

(2007) em artigo que analisa o Centro de Formação de Professores da própria SEMEC. A

dificuldade dos professores em abraçar uma nova política pedagógica é ameaça grave para

um trabalho que objetiva mudar um território a partir e através da escola. De acordo com

Sales (2007, p. 98) transformar uma prática docente “[...] exige que o professor detenha cer-

tas competências como a capacidade de motivação, mobilização e ação.”

Um outro complicador analisado por Duarte (op. cit.) no sistema patense é o fato de

que formadores e formados têm sua graduação e pós-graduação lato sensu cursadas na

mesma instituição de ensino superior. Para a autora, essa endogenia fecha “um círculo onde

não há oxigenação vinda do exterior (...) A teoria e a prática educacionais ficam impedidas

de se renovar na rica troca que permeia os sistemas abertos.” (2007, p. 19). Nesse caso,

seria essencial a parceria com instituições de pesquisas, externas a esse círculo.

4.2 - Parcerias como um desafio

No diálogo interinstitucional, os gestores e técnicos da administração pública munici-

pal, vinculados ao EdufaRural procuraram erigir e desenvolver uma relação de parceria com

outros agentes, quer entidades públicas, quer organizações sociais, quer firmas privadas.

Como ideal de trabalho, essa ação foi pautada pela noção de parceria contida em Sousa e

Silva (1993: 13), como “uma ação entre iguais [que] requer o comprometimento institucional

com objetivos comuns como também supõe flexibilidade para adequar-se aos diferentes

desafios apresentados pelos parceiros”.

Nesse afã tentou-se a interlocução com organizações de ensino médio e superior,

pesquisa agropecuária, extensão rural, formação profissional, desenvolvimento florestal,

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fomento empresarial, ação sindical e crédito. Várias dessas, que aderiram ao grupo ainda no

momento das discussões preliminares, em 2001, faziam parte do Conselho de Acompa-

nhamento do EdufaRural, que continuava funcionando de maneira informal.

Os relatórios das reuniões do conselho mostram que alguns poucos parceiros associa-

ram-se efetivamente no planejamento e execução de ações ligadas ao projeto. Mostram

também que a concepção dessas ações partia de dentro da SEMEC e que os parceiros tra-

balhavam por demanda. Mas admite-se que o fato de não possuir caráter deliberativo talvez

seja uma das razões pelas quais o interesse de participação de algumas das organizações

sociais convidadas fosse tão reduzido. Outra razão é o pouco hábito de participação e de-

mocracia ainda existente na sociedade brasileira. Isso ajuda a entender posturas pouco

comprometidas por parte de interlocutores que ali tomaram assento.

A rigor, a própria denominação de conselho de “acompanhamento” merece ser objeto

de reflexão. Na ausência de indicadores de desempenho tecnicamente estabelecidos e de

dados colhidos de modo continuado, o “acompanhamento” era feito por meio de relatórios

descritivos, produzidos pela equipe técnica da área de educação da prefeitura. Importa con-

siderar que os conselheiros extra-poder público municipal não faziam inspeções in loco nas

escolas e nem visitas às comunidades para tratar do mesmo. Dessa forma, os conselheiros

seguiam apenas um papel protocolar, sendo que, pelo perfil multidisciplinar do projeto, fica-

vam lacunas nessa supervisão in loco, feita apenas pelo olhar das pedagogas.

Há que se acautelar também em relação à parceria com as instituições de pesquisa,

pois não há registro de trabalho investigativo e de orientação à seqüência do projeto nem no

âmbito do grupo de pesquisadores que capacitou os membros dos conselhos de desenvol-

vimento comunitário, nem do estabelecimento de ensino superior de Patos de Minas, cuja

escola de nível médio e curso de graduação de agronomia faziam parte do conselho. Tam-

bém o convênio com a empresa governamental de pesquisa não foi efetivado de forma a

apoiar o desenvolvimento do território e alcançar os objetivos colocados pelo prefeito e pelo

presidente da empresa na apresentação dos livros criados para o projeto: “Este produto edi-

torial representa, assim, um compromisso interinstitucional cujos parceiros somam forças na

construção de soluções qualificadas para os complexos desafios do desenvolvimento, tendo

como enfoque a cidadania da família do campo em harmonia com o meio ambiente” (CAM-

PANHOLA e SOARES, 2004). Também no convênio firmado entre o município e a mesma

empresa; está explicitada uma intenção muito maior que a simples prestação de serviços

editoriais e gráficos, em que o convênio acabou se restringindo:

O presente Convênio de cooperação técnica tem por objetivo geral a inte-gração de esforços e recursos entre as partes contratantes para concep-ção, detalhamento e validação de projetos e atividades voltadas para o de-senvolvimento rural, integrando esforços de pesquisa e desenvolvimento com ações educacionais, visando sobretudo a produção e implementação de soluções para o Município de Patos de Minas e geração de metodologia para o desenvolvimento rural sustentável (EMBRAPA-PATOS DE MINAS, 2002).

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Produzida a Série Educação e Cidadania, com oito livros paradidáticos, não se regis-

trou mais nenhum tipo de ação conjunta. Não foram realizados novos planos de trabalho e

não pôde o município se beneficiar da parceria com a empresa de pesquisa. A própria par-

ceria não foi implantada de forma sustentável.

Um outro resultado, desde o princípio encarado como desejável, era o de conseguir a

participação do sindicato representativo das forças trabalhadoras rurais no colegiado do E-

dufaRural, intento não logrado. As hipóteses para esse insucesso parcial são muitas, desta-

cando-se, entre elas, a diferença de orientação política ou de tendência ideológica. De par

com essa possibilidade, surge o fato de que, historicamente, no poder público, sem motiva-

ções para a aproximação e a interlocução com movimentos sociais ou sindicatos de traba-

lhadores, os dirigentes e técnicos não formaram princípios de gestão, métodos de trabalho

ou habilidades de negociação para iniciar, com eficácia, o tão necessário processo. A mes-

ma tendência majoritária se pode observar em relação aos sindicatos, especialmente de

trabalhadores: em grande medida, não são instados a participar da formulação e/ou acom-

panhamento e avaliação de políticas públicas (gestão social).

Sales, em dissertação de mestrado sobre educação rural em Patos de Minas, entrevis-

tou a presidente do citado sindicato e entende que não houve adequação da linguagem dos

agentes públicos, suficiente para o diálogo com a trabalhadora, fato que veio provocar nela

a “sensação de impotência”, frente a um assunto não que faz parte de sua prática cotidiana:

“Você é convidado para uma reunião, e o assunto, você não sabe o quê que vai discutir.

Você não prepara, chega e fica meio atordoada, com o assunto novo, e fica com aquele

medo. Foi uma má preparação minha mesmo, eu assumo isso (SALES, 2007, p. 118).

Isso tudo sugere que as partes não se estruturaram para a participação e a parceria,

quer no tocante aos instrumentos e métodos de gestão de seus dirigentes, quer no âmbito

de seu próprio discurso. Nesses casos a participação exige mudança comportamental de

ambas as partes: governo e organizações sociais10.

10 Registra-se que, desde a primeira reunião para estudos e discussões sobre o EDUFARURAL, o patronato

aderiu, talvez mais um sinal da histórica vinculação entre o poder público e as forças capitalistas, ainda que o tema em pauta seja um projeto voltado para trabalhadores rurais e agricultores de poucas posses.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, pode-se sugerir uma conclusão parcial: os desafios que o percurso

histórico coloca para agricultura familiar, no sentido, principalmente, de sua sustentabilidade,

contêm a necessidade de organização social, inserção comercial, introdução de novas tec-

nologias e construção de caminhos para acesso a crédito, além da questão premente da

convivência com os recursos da natureza. O enfrentamento de tal desafio, por sua grande-

za, exige mudança cultural, incluindo padrão organizativo e políticas públicas focalizadas no

segmento. Dentre elas, incluem-se as do campo da pesquisa tecnológica em seu sentido

mais amplo, orientadas de forma que considerem o contexto rural e o mundo do trabalho.

Embora pesquisadores venham teorizado pertinentemente sobre a pesquisa contextual

(SOUZA et al., 2006), em casos como esse no município estudado, nem o instituto e nem a

universidade envolvidos identificaram problemas para a pesquisa.

No caso do município em foco, percebe-se que, no lapso de uma administração muni-

cipal, operou-se certa mudança de perspectiva em ação voltada para trabalhadores, famílias

e a agricultura. Não se encontraram informações posteriores a 2005 indicando se o projeto

segue em construção. A descontinuidade das políticas públicas estava prevista como um

dos muitos obstáculos a enfrentar. Nesse particular, o desafio para atores e agentes segue

sendo a formulação de mecanismos de gestão social, com os quais a sociedade atue como

guardiã, pois não há dúvidas quanto à existência de capital social cheio de possibilidades;

contudo há sérias dúvidas sobre se o processo é guiado por um esforço de construção de

parcerias e gestão social sustentáveis.

Uma reflexão técnica e política que o EdufaRural precisa conduzir é voltada para o fato

de o empreendimento ser tomado e tratado como uma iniciativa e ação “da secretaria muni-

cipal de educação”. Outros atores representados no Conselho, várias das escolas da rede

municipal, inúmeros professores, lideranças e conselhos comunitários e mesmo outros ór-

gãos da administração pública municipal sentem-se pouco responsáveis pela concepção,

andamento e destinos do EdufaRural. Esse fato sugere uma questão essencial: conseguiu-

se construir parcerias?

A fragilidade da gestão pública na ausência de informações: a busca de dados e

informações que se fez para planejar o EdufaRural e, mais recentemente, para esta comu-

nicação, revelou uma grande carência de registros sobre o trabalho no projeto. À exceção

de dados (ainda assim escassos e pouco atuais) sobre produção agrícola, em majoritária

medida não foi viável minerar informações sobre a reuniões do conselho, iniciativas desen-

volvidas nas escolas, ações de capacitação de pessoas e outras. Há notícias não documen-

tadas dando conta de que EMATER e SENAR têm operado eventos de treinamento de mão

de obra sob demanda, mantendo algum diálogo com a área técnica da educação na prefei-

tura. Caso pretenda formular políticas públicas mais coerentes a administração municipal

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deverá atentar para essa lacuna e organizar o trabalho de pessoas e órgãos, inclusive com

sistemas de informação e gerenciamento de políticas públicas.

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