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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ HISTÓRIA & VIDEOGAME: A UTILIZAÇÃO DE JOGOS DIGITAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA RIKARDO SANTANA DA SILVA CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

HISTÓRIA & VIDEOGAME:

A UTILIZAÇÃO DE JOGOS DIGITAIS NO ENSINO DE HISTÓRI A

RIKARDO SANTANA DA SILVA

CURITIBA 2012

HISTÓRIA & VIDEOGAME:

A UTILIZAÇÃO DE JOGOS DIGITAIS NO ENSINO DE HISTÓRI A

RIKARDO SANTANA DA SILVA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de licenciado em História a Faculdade de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP

Orientador: Prof. Dr. Clóvis Gruner

CURITIBA 2012

Á meu pai, Dalvo da Silva

que sempre foi

e sempre será

meu herói pessoal.

“Conte-me e eu esqueço.

Mostre-me e eu apenas me lembro.

Envolva-me e eu compreendo”.

Confúcio

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................................6

1 O VIDEOGAME E A CULTURA.......................... .............................................................11

1.1 O JOGO E A CULTURA................................................................................................11

1.2 A HISTÓRIA DO VIDEOGAME.....................................................................................18

1.2.1 O Videogame em Outras Mídias................................................................................28

1.3 O VIDEOGAME NA SOCIEDADE DE REDE...............................................................31

2 O USO DO VIDEOGAME NO ENSINO DE HISTÓRIA......... ..........................................38

2.1 O VIDEOGAME E A EDUCAÇÃO.................................................................................38

2.2 JOGOS DIGITAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA...........................................................45

CONCLUSÃO.......................................... ...........................................................................60

BIBLIOGRAFIA....................................... ...........................................................................62

FONTES.............................................................................................................................65

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Introdução

O garoto está em seu quarto, sozinho, apenas com o computador e uma história que,

em sua frente, se desenrola. Naquele momento, o mundo fora dali está desligado para

ele, nada mais importa, a não ser encerrar aquela aventura que está sendo ensaiada em

sua frente e da qual é o personagem principal.

Quanto mais a trama se desenvolve, e os desafios vão aparecendo, mais intensa fica

sua relação com aquele mundo virtual. Sua experiência como um herói de um mundo

ficcional torna-se mais significativa, e ele aprende sobre como atingir os objetivos

necessários para vencer aquele jogo.

Depois de algum tempo sendo personagem daquela história, de se envolver com

aqueles personagens, de aprender tanto e de vencer os desafios, chega a hora de se

desligar daquele mundo e voltar à realidade sem, no entanto, se esquecer daquela trama

que tanta emoção e divertimento lhe proporcionou. Com tanta emoção que o jogo lhe

causou, o garoto chora, e sua mãe, ao entrar no quarto, se surpreende e lhe questiona

“Você está chorando por causa de um jogo?”, no que ele responde “Você pergunta isso

porque não era você que estava jogando”. A experiência do jogador é única e pessoal, e

apenas jogando para se saber o porquê da emoção.

Essa é uma história que se repete com vários garotos e garotas em vários quartos,

salas e outros cômodos e lugares onde um jogo esteja ligado a uma tela que possa

emular aquela aventura que parece ser tão envolvente e divertida. O videogame se

mostra uma ferramenta de diversão ímpar e o modo como se joga, estando sempre o

jogador como personagem da história, faz com que a interatividade seja constante e

permita uma experiência sem igual para aquele que joga. A pergunta que fica é: esta

mídia pode ser usada para algo além do divertimento, digamos, para a educação?

A utilização de novas tecnologias no ensino vem sendo discutida há muito tempo, no

entanto algumas mídias ainda estão fora da sala de aula. O uso de filmes e

documentários nas aulas já é algo existente, contudo, muito por conta de preconceitos ou

falta de conhecimento para sua utilização, mídias mais recentes ainda não são utilizadas

como um elemento que pode ser utilizado na educação. Uma destas mídias é o

videogame.

Os videogames, ou jogos digitais, foram criados na década de 1950, com o intuito

único de entretenimento de seus usuários. Todavia, foi apenas na década de 1970 que o

videogame teve sucesso comercial, com o jogo Pong, que vendeu milhões de cópias e

atingiu enorme sucesso comercial com os arcades (máquinas de fliperama utilizadas para

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emulação do jogo).

Com o passar dos anos, os videogames se desenvolveram e começaram a vender

cada vez mais. A Atari foi a maior empresa do segmento até a década de 1980. A

companhia norte-americana dominava um mercado que já nascia promissor e se

mostrava extremamente rentável, já que se apresentava como um entretenimento

diferente, em que as pessoas não eram meras espectadoras. A partir disso, várias

empresas resolveram entrar no segmento e hoje a indústria de games é uma das mais

valiosas do mundo. A experiência individual de participar da ação de uma história fez com

que os games tivessem um sucesso entre pessoas que procuravam um novo tipo de

entretenimento.

Logo foi visto que esta mídia tinha um potencial para se relacionar com outras

mídias e, assim, potencializar vendas. Depois do sucesso do filme de Steven Spielberg,

“E.T., o extraterrestre”, a Atari resolveu desenvolver um jogo para seu console Atari 2600.

Apostando em um expressivo número de vendas, a empresa produziu um grande número

de cartuchos do jogo. No entanto, o jogo não vendeu o esperado e a Atari ficou com o

prejuízo. Com este insucesso (além de outros), a empresa não resistiu e teve que

abandonar o segmento. A história deste jogo da Atari talvez simbolize o fracasso da

indústria norte-americana neste período, pois, se estas empresas não conseguiam

agradar seus consumidores, não significava que o mercado de games estava morto, mas

sim que era necessário haver uma mudança, que não foi compreendida pelas empresas

das primeiras gerações de consoles (GULARTE, 2010, p. 69).

Não demorou muito para que o encanador italiano de bigodes e boina vermelha

com nome de Mario começasse a ser um “pop star”, colocando o videogame como uma

mídia tão importante quanto o cinema e a TV. Mario precisava salvar a princesa Toadstool,

que foi sequestrada pelo vilão Bowser, passando por várias fases para conseguir

conquistar seu objetivo. Essa transformação dos jogos, no entanto, não fez com que os

jogos se tornassem apenas filmes interativos. O videogame conseguiu utilizar essa

linguagem e, ao mesmo tempo, inventar um diferencial importante frente a mídia

cinematográfica, criando, assim, uma junção entre a narrativa e a jogabilidade, aliança

essa que só se intensificou com o desenvolvimento da tecnologia.

No caso do cinema, ao assistirmos um filme estamos presos às qualidades do personagem principal e às suas escolhas, assim como temos um único desfecho para ele. Em um game existe a possibilidade de customizar a aparência do personagem para que possamos nos identificar com ele e fazê-lo agir da nossa maneira. Há regras e objetivos para o jogador cumprir, envolvendo diversos resultados ou desfechos de acordo com seu desempenho e escolhas dentro da narrativa. (BATTAIOLA, MARTINS & BARBOSA, 2008)

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O personagem começou a ser cada vez mais utilizado, mas os jogadores queriam

cada vez mais interação, e o jogo on-line proporcionou isso. Um exemplo é Entropia, com

500 mil pessoas logadas. No jogo, o jogador vive em um ambiente futurista em um

planeta novo, e, a partir daí, vai criando suas relações. Em Entropia o dinheiro real

também vale, e, para se ter uma ideia de como a economia virtual influencia na real, um

homem chegou a hipotecar sua casa para comprar uma casa noturna no jogo. Ele

recuperou seu investimento em um ano. Isso mostra a força desse mundo virtual com um

valor real, com o usuário sendo o autor de sua própria experiência. É possível que esta

nova forma de se relacionar mude até mesmo a própria internet, com as pessoas se

comunicando com seus avatares (VIDEOGAME, 2007).

Sendo assim, podemos ver que o personagem começou a ser cada vez mais

importante para o jogo e o jogador passou a ter cada vez mais interação com a história do

game, se envolvendo com enredos mais complexos. Os jogos se desenvolveram com o

tempo, passaram a tratar o entretenimento como algo que poderia ser mais do que

apenas alcançar objetivos, mas que poderiam ser parte da vida de seus jogadores e fazê-

los se envolver e se emocionar com as histórias desenvolvidas.

Visto isso, pode-se aqui argumentar sobre a possibilidade destas mídias serem

utilizadas no ensino, principalmente na disciplina de História. É fato que vários jogos têm

como temática a própria história e, levando em conta que muitos dos alunos jogam estes

jogos em casa, seria interessante relacionar seu entretenimento com sua aprendizagem.

A intenção deste estudo não é inverter o papel dos jogos e transformá-los em

“educadores”, mas sim compreender de que forma é possível aliar este divertimento com

a aprendizagem, utilizando de sua linguagem para auxiliar o ensino de história, seja como

analogia ou, como se pretende mostrar neste trabalho, o aprendizado de termos e

conceitos.

Desse modo, pretende-se entender de que maneira estes jogos podem ser utilizados

no ensino de história. É visto que o videogame e os jogos digitais estão amplamente

presentes em nossa sociedade, e compreendê-los e utilizá-los como método de ensino,

pode ser um ganho para o ensino. Relacionando o presente com o passado, e se

utilizando dos bens culturais utilizados para explicar os fatos atuais, é possível fazer uma

contextualização a partir destes jogos, que podem mostrar ao seu jogador uma nova

realidade, fazendo com que consiga entender o conteúdo do jogo e, assim, relacionar o

conhecimento adquirido no jogo com a disciplina de História.

Visto isso, é necessário um aprofundamento desta questão, especialmente na

questão do ensino, pois grande parte dos estudantes utilizam estes jogos em seu lazer e

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uma correlação com a História pode fazer com que o ensino seja melhor passado ao

estudantes, visto que ele/ela poderá compreender melhor o conteúdo, pois estará

relacionado a uma lógica que ele/ela já conhece.

Desta maneira, é preciso entender de que maneira a linguagem do videogame pode

ser utilizada em sala de aula. Quais são as correlações possíveis dos jogos digitais com

os conteúdos de História? Para se responder a estes questionamentos, é preciso

compreender de que modo os jogos digitais podem ser utilizados no ensino de História,

assim como fazer o uso de um jogo específico para fazer correlações com os conteúdos e

temas da disciplina de História, analisando assim de que modo se é possível utilizá-lo

como uma ferramenta de ensino.

Certeau (2002) escreve sobre o modo como a interpretação é crucial na hora de se

ler a história. O autor analisa que, na cultura ocidental, o que vale é o que está escrito. É

necessário a essa cultura passar o que está na história para o papel, e, a partir dessa

passagem, a historiografia começa a interpretar esta história como nova, como uma

ruptura com o antigo, ou seja, “a história moderna ocidental começa efetivamente com a

diferenciação entre o presente e o passado” (CERTEAU, 2002, p. 14).

Ao verificar isso, podemos interpretar e relacionar os jogos digitais com períodos e

fatos históricos, que estão sendo interpretados agora, no presente. Desse modo, vemos

que, de certa forma, esses jogos são modos de interpretarmos o passado por meio da

visão do presente, mas, como estão sendo construídos agora e têm como objetivo um

entretenimento, acabam passando uma sensação de que esta história pode ainda ser

observada nos dias de hoje e que ainda faz sentido, pois caso não pudesse ser percebida

hoje, não seria colocada em um jogo comercial, já que seria sem sentido. Portanto, estes

games acabam por mostrar não apenas a história, mas o modo como nos relacionamos

com ela no tempo presente.

Estes jogos são consumidos por um público cada vez maior, e e grande parte dos

alunos do ensino médio os conhecem, por isso entender de que modo estes jogos podem

ser utilizados no ensino é importante para aproximar o ensino de História do aluno,

melhorando a compreensão do estudante no tema a ser estudado, além de ser uma boa

opção para ampliar as opções de se trabalhar a memória histórica.

No entanto, existe uma discussão quanto as influências negativas que o videogame

exerce, com muitos o considerando maléfico aos jovens, por viciar e fazê-los não pensar

nos estudos, mas apenas no jogo. Talvez até este problema possa ser melhor trabalhado

com o uso destas mídias na escola, já que pode fazer com que o aluno veja o seu jogo

com outros olhos e possa passar a interpretar a história que está vivenciando.

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Desse modo, é possível entender que o videogame tem uma abertura para ser

utilizado no ensino, de modo que possa auxiliar os professores na elaboração das aulas,

fazendo com que o aluno faça parte de seu aprendizado. Também se pode verificar que é

necessário entender essas novas mídias, pois elas estão presentes no mundo dos

adolescentes, e se for possível utilizá-la na sala de aula, só irá contribuir na didática de

qualquer disciplina.

Também podemos observar que estes jogos podem ser entendidos como uma

ponte entre o presente e o passado, fazendo com que o aluno consiga perceber não só a

história por trás daquele game, mas que também possa ver que esta interpretação da

história é sobre o ponto de vista do presente e que a presença da história interpretada

pelo jogo não está ali por acaso, mas que faz parte de uma crítica relacionada ao

presente.

Para realizar esta pesquisa, foi realizada uma análise para saber como o jogo

Chrono Trigger consegue se inserir nos conteúdos abordados. O jogo conta a história de

Crono, um jovem destemido que se envolve em uma viagem no tempo junto com seus

amigos. Com esse mote, o jogo passa por várias épocas diferentes – que podem ser

relacionadas com vários conteúdos.

A proposta dessa pesquisa é apresentar este jogo como uma ferramenta para que

o aluno compreenda a noção de tempo e temporalidade presentes na história e, por meio

dele, fazer uma análise dessas questões nas aulas de História. No texto foram

destacadas algumas ideias sobre a noção de tempo, que podem ser observadas no jogo,

fazendo assim uma análise desta mídia de modo a mostrar de que maneira poderia ser

usada no ensino de História.

Como foi dito inicialmente, apenas o garoto que está jogando seu game sabe a

emoção de ser protagonista de uma aventura e se emocionar, mesmo sabendo que

aquela aventura é ficcional. Obviamente que jogar não é o mesmo que experimentar na

vida real, mas o videogame proporciona uma simulação mais próxima do real do que

qualquer outra mídia já pôde fazer. As experiências podem ser pessoais e serem apenas

completamente entendidas ao se jogar o jogo, mas o que se pretende mostrar aqui são

as possibilidades de ter este jogo como uma ferramenta importante para um ensino mais

colaborativo e interativo, levando esta experiência única para o campo da educação.

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1 O videogame e a cultura

1.1 O jogo e a cultura

O jogo pode ser entendido como um elemento pré-cultural, visto que é possível

identificar elementos lúdicos até mesmo em animais. Podemos perceber que esta

atividade está mais presente na vida humana do que simplesmente como modo de

entreter, pois também observar-se que a ludicidade não é necessariamente o oposto da

seriedade, mas que também contém elementos que vão além do divertimento.

Essa análise foi feita por Huizinga (1996), que coloca a ludicidade como um dos

elementos culturais mais importantes do homem, juntamente com o raciocínio e a

fabricação de objetos, cunhando assim o termo Homo Ludens. Huizinga (1996) chega a

essa conclusão ao analisar a etimologia das palavras que envolviam os jogos em

diferentes culturas e no modo como os rituais civis e religiosos contêm elementos de

ludicidade e como podem ser entendidos como um elemento cultural.

Para o autor, o jogo nada mais é do que uma interação voluntária dotado de regras

próprias e que tem um fim em si mesmo. A interação que Huizinga (1996) cita vai além da

interação entre as pessoas, e pode ser entendida como a relação do jogador com o

passatempo em que ele está inserido. O fato de ser voluntário também mostra um

elemento interessante, pois nos coloca o questionamento do “por que jogar?”, ficando

claro que nem a criança nem o adulto são obrigados a participar do jogo, mas o fazem

pelo prazer proporcionado pela atividade. Desse modo, o autor chega à conclusão de que

essa atividade pode ser vista como uma atividade livre e que pode emular a “vida real”.

Chegamos assim à primeira das características fundamentais do jogo: o fato de ser livre, de ser ele próprio liberdade. Uma segunda característica, intimamente ligada à primeira, é que o jogo não é vida “corrente” nem vida “real”. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida “real” para uma esfera temporária de atividade com orientação própria. (HUIZINGA, 1996, p. 11)

O jogador, ao entrar em um jogo, tem uma expectativa de entretenimento (com

exceção dos que são caracterizados como rituais ou religiosos) que o jogo em si irá

proporcionar. É por meio da interação com o jogo que a pessoa irá conseguir satisfazer

essa expectativa, seja com outras pessoas ou não. Essa relação do jogador com o que

está jogando e com os outros jogadores pode ser vista também como um modo de

interação social ainda mais abrangente, isso porque o jogo tem um tempo específico e o

jogador tem outro tempo, porém esses tempos ficam interligados a partir do momento em

que há uma interação entre os jogadores. Essas trocas de informações acabam por criar

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uma comunidade entre aqueles jogadores e apreciadores do jogo, sendo esta

comunidade um novo “mundo” onde é possível vivenciar aquela situação do jogo

novamente, não no mesmo papel de protagonista Certeau (1994) em seu livro, “A

invenção do cotidiano”, fala sobre como o jogo em si pode ser visto como um modo de se

entender o processo pelo qual a memória coletiva foi sendo desenvolvida.

A esses jogos correspondem os relatos de partidas. Fala-se sobre o jogo de baralho do outro dia à noite [...] Essas histórias representam uma sucessão de combinações entre todas aquelas possibilitadas pela organização sincrônica de um espaço, de regras, dados etc. São as projeções paradigmáticas de uma opção entre esses possíveis – opção correspondente a uma efetuação (ou enunciação) particular. Como o relatório sobre um jogo de bridge ou a reprodução de uma partida de xadrez no Le Monde, poderiam ser quantificadas, ou seja, tornar visível o fato de que cada acontecimento é uma aplicação singular do quadro formal. Mas jogando de novo uma partida, relatando-a, essas histórias registram ao mesmo tempo regras e lances. Memorizadas bem como memorizáveis, são repertórios de esquemas de ação entre parceiros. Com a sedução aí introduzida pelo elemento surpresa, esses memorandos ensinam táticas possíveis em um sistema (social) dado. (CERTEAU, 1994, p. 84)

Desse modo, podemos concluir que o jogo, além de ser uma parte da cultura,

também pode ser entendido como uma espécie de narrativa das relações sociais

presentes nele. As regras, os procedimentos e o próprio relato mostram que o jogo não é

algo estático, mas que apresenta uma possibilidade de entendimento e utilização que vai

além da sua parte lúdica. Apesar de ter um fim em si, pode ter esse fim modificado, de

acordo com o que se pensa sobre ele e com qual resultado se pretende ter de seu

processo, com sua interação.

Essa interação está muito presente nos jogos eletrônicos, e talvez até mais do que

nos jogos tradicionais. No livro “O desenvolvimento do raciocínio na era da eletrônica”,

Greenfield (1988) discute o porquê do videogame ser uma mídia mais atraente para as

crianças das décadas pós 1980. Para a autora, a resposta está no modo como ocorre a

interação com os jogos eletrônicos.

É possível que, antes do advento dos videogames, a geração criada na era do cinema e da televisão, se encontrasse num dilema: o meio mais ativo de expressão, a escrita, não possuía a qualidade do dinamismo visual. A televisão tinha dinamismo, mas impedia a participação do espectador. Os videogames são o primeiro meio que combina dinamismo visual com uma participação ativa por parte da criança. (GREENFIELD, 1988, p. 88).

A autora continua analisando sobre o que faria com que os games fossem mais

atraentes do que jogos tradicionais. A resposta encontrada por Greenfield (1988) é de que

são os efeitos sonoros e de dinamismo que fazem com que os videogames tenham

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preferência quanto a outros meios. A autora cita uma série de entrevistas que fez com

crianças de 8 a 14 anos para saber sobre o porquê da preferência pelos jogos eletrônicos.

As respostas mostraram que é a interação que faz com que o videogame seja preferido.

Em uma das respostas, uma entrevistada disse “na TV a gente não pode dizer 'atira

agora' ou, com o Popeye, 'coma espinafre agora'”. Essas frases mostram que a

possibilidade de controle, mesmo que dentro de regras pré-estabelecidas, faz com que

essa atividade se transforme num poderoso elemento de divertimento ou de qualquer

outro fim que se pretenda.

No livro “Jogos eletrônicos: 50 anos de interação e diversão”, Gularte (2010) cita

Ludwig Wittgenstein para mostrar que o jogo não tem uma única definição, mas que

depende do modo como os jogadores e os espectadores compreendem a atividade. De

certa forma, há várias definições que irão depender do local onde ele está sendo

praticado, por quem está sendo praticado e por quem está sendo visto, mostrando, assim,

que o jogo pode ser visto como “atividades coletivas que geram reações humanas”

(GULARTE, 2010, p. 18). Desse modo, o jogo se insere na sociedade não apenas com

um objetivo, mas com vários, dependendo do que se quer com essa atividade.

Jogos, à medida que são considerados como atividades sociais, também se misturam com o trabalho e a arte. Podem ser remunerados, a partir do momento que um jogador de futebol, por exemplo, se profissionaliza e acaba entendendo seu papel como trabalhador. Podem atingir também um valor cultural mais intrínseco, como, por exemplo, a beleza plástica de uma patinação no gelo, na qual o público tem mais afinidade com a delicadeza e a sutileza dos movimentos e praticamente desconhece as regras de pontuação e dificuldade de execução das manobras. (GULARTE, 2010, p. 18)

Pode-se observar, assim, que o jogo tem um valor subjetivo, que depende de como

a pessoa se relaciona com a atividade. É possível se entender, também, que há uma

interação constante entre o jogador, o jogo e, quando tiver, os demais jogadores. O que

também não foge a essa interação é que, apesar de haver regras, estas podem ser

moldadas de acordo com a vontade dos jogadores em manipulá-las em seu favor, muitas

vezes enganando o adversário ou se utilizando de falhas nessas regras para favorecê-lo

ou para melhorar o jogo ao seu gosto.

Essas mobilidades nas regras só ocorrem porque o jogo é algo “vivo”, não

funcionando sempre do mesmo jeito. Um jogo, por mais que seja jogado com as mesmas

regras, nunca será o mesmo. Esse elemento nos mostra que o jogo não é um elemento

isolado nas atividades humanas, mas que pode ser entendido e visto como um modo de

demonstração de culturalidade, que não é necessariamente contrastante com a ideia de

seriedade. O que pode ser visto é que, na verdade, mesmo as situações consideradas

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mais “sérias” tomam um caráter lúdico, mostrando que essa ideia é mais presente em

nossas atividades do que só para o entretenimento.

Mesmo as atividades que visam à satisfação imediata das necessidades vitais, como, por exemplo, a caça, tendem a assumir nas sociedades primitivas uma forma lúdica. A vida social reveste-se de formas suprabiológicas [sic], que lhe conferem uma dignidade superior sob a forma de jogo, e é através deste último que a sociedade exprime sua interpretação da vida e do mundo. Não queremos com isso dizer que o jogo se transforma em cultura, e sim que em suas fases mais primitivas a cultura possui um caráter lúdico, que ela processa segundo as formas e no ambiente do jogo. (HUIZINGA, 1996, p. 53)

Dessa forma, é possível verificar que o jogo, pelo menos sua ideia, estava presente

na cultura humana primitiva, formando, assim, um modo de se entender o mundo em que

se vive como se fosse um grande jogo, com regras a serem seguidas, mas também

podendo-se moldá-las, sem, no entanto, quebrá-las totalmente.. Assim, chega-se à

conclusão de que “a civilização se tornou mais séria devido ao fato de atribuir ao jogo

apenas um lugar secundário” (HUIZINGA, 1996, p. 85).

No entando, isso não impediu que esse caráter lúdico ainda possa ser visto na

sociedade moderna, mesmo porque o jogo e a competição têm uma função cultural

marcante em nossa sociedade, seja para o divertimento ou pela emoção e tensão

envolvidas quando se joga. Dessa maneira, é verificado que, mesmo que tenha havido

essa separação do “sério” com o “não sério”, a ludicidade não desapareceu e o jogo não

deixou de ser um elemento cultural. Os elementos lúdicos estão presentes na nossa vida

social em vários níveis, mostrando que jogo e cultura continuam se relacionando.

O espírito da competição lúdica, enquanto impulso social, é mais antigo que a cultura, e a própria vida está toda penetrada por ele, como por um verdadeiro fermento. O ritual teve origem no jogo sagrado, a poesia nasceu no jogo e dele se nutriu, a música e a dança eram puro jogo. O saber e a filosofia encontraram expressão em palavras e formas derivadas das competições religiosas. As regras da guerra e as convenções da vida aristocrática eram baseadas em modelos lúdicos. Daí se conclui necessariamente que em suas fases primitivas a cultura é um jogo. Não quer dizer que ela nasça do jogo, como recém-nascido se separa do corpo da mãe. Ela surge no jogo, e enquanto jogo, para nunca mais perder esse caráter. (HUIZINGA, 1996, p. 193)

Pode-se observar que o jogo pode ser descrito como uma relação entre pessoas

em busca de um objetivo. Esse objetivo pode ser diverso e diferente para cada jogador e

para cada local onde é praticado. O jogo pode ser para divertimento, mas pode-se

também se utilizar da ideia para rituais ou situações sociais, e os objetivos a serem

atingidos por estes jogos também será diverso. Para cada jogador há uma expectativa e

um propósito para se jogar, mesmo que seja um “simples” divertimento, afinal, a própria

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ideia de diversão é subjetiva. A noção de uma regra moldável, que não pode ser

transposta, mas pode ser utilizada por cada um dos jogadores da maneira que melhor lhe

for útil, transformam o jogo em uma atividade extremamente interativa e de possibilidades

inúmeras, dependendo do fim que se pretende dar aquela atividade.

No livro “Game on: jogos eletrônicos na escola e na vida da geração @”, Moita

(2007) também fala sobre essa noção a partir de Huizinga (1996), colocando o jogo como

um elemento da cultura humana. Moita também analisa a ideia de Roger Caillois, que

caracteriza os jogos em quatro modalidades, comparando com jogos eletrônicos atuais:

agon, presente nos jogos de competição, a rivalidade é o centro deste tipo de jogo, como,

por exemplo, Counter-Strike1, em que há uma competição entre duas equipes; alea, jogo

que tem como elemento principal a sorte e tem como exemplo The Sims2, já que o jogo é

regido pelas ações de seus participantes; mimicry, jogo que tem a imaginação e a

encenação como elementos centrais, como Second Life; e a ilinx, modalidade que tem

como finalidade a busca de um transe que rompa com a realidade, por exemplo games do

gênero massively multiplayer – estilo de jogo eletrônico totalmente on-line – contando

com, normalmente, milhares de jogadores simultâneos em partidas que podem durar

meses e envolvem horas e horas de ação intensa e contínua, como o caso do RPG3.

Desse modo, podemos verificar que os jogos eletrônicos têm os mesmos

elementos e se enquadram nas mesmas classificações dos mais tradicionais, também

podendo ser entendidos e estudados como elementos culturais em que se é possível ter

um entendimento do tempo em que eles se inserem e em como os seus jogadores se

relacionam com eles.

Com o desenvolvimento da tecnologia ao longo dos anos, essa interação pôde ser

cada vez mais intensa, fazendo com que o jogador pudesse “viver” e ser uma parte

integrante de seu entretenimento. O aparecimento do vídeo fez com que em pouco tempo

fosse possível ligar os jogos em uma interface mais interativa, ou seja, o videogame. As

mesmas características presentes nos jogos descritos por Huizinga (1996) podem ser

encontradas no videogame. A mesma interação do jogo com o jogador que existe em

outros jogos pode ser visto no videogame, já que cada game cria seu próprio “mundo” e

1 Jogo de tiro em primeira pessoa, popular no início da década de 2000, jogado principalmente em lan

houses. 2 Jogo de simulação de vida real, em que o jogador assume a vida de um personagem, dando-o

comandos para fazer tudo, desde necessidades básicas até a que emprego escolher ou com quem casar.

3 Role Playing Game, baseado no jogo de tabuleiro em que há uma história contada por um narrador e os jogadores são personagens dessa história. No videogame, jogos de RPG são mais centrados na história e o jogador tem que selecionar ataques ou defesas entre jogadas “aprendidas” pelo seu personagem durante o jogo.

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“todos eles são mundos temporários dentro do mundo habitual, dedicados à pratica de

uma atividade especial” (HUIZINGA, 1996, p. 13). A diferença presente no videogame é

que o mundo criado é realmente “um novo mundo”, visto que é uma realidade digital, ou

seja, este mundo realmente não faz parte do “mundo real”. Sua única ligação com o real

são os hardwares4 utilizados para emulá-los, tornando a experiência do jogador de

videogame mais intensa e direta, já que a existência de todo o mundo virtual do jogo

depende única e exclusivamente do jogador, diferente dos outros jogos que se utilizam do

mundo real para emular sua prática.

Quanto mais a tecnologia foi sendo melhorada, mais o entretenimento foi sendo

sofisticado, e cada vez mais o mundo virtual foi se tornando parte integrante em nossa

“vida real”. Jenkins (2009), em seu livro “Cultura da Convergência”, explora de que modo

a tecnologia está fazendo com que haja cada vez mais interação entre as pessoas e

como isso está mudando nossas relações. Cada vez mais há uma participação das

pessoas em dividir informações sobre produtos e bens culturais, e essa mudança está

transformando nossos paradigmas sobre diversos temas.

A inteligência coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de poder midiático. Estamos aprendendo a usar esse poder em nossas interações diárias dentro da cultura de convergência. Neste momento, estamos usando esse poder coletivo principalmente para fins recreativos, mas em breve estaremos aplicando essas habilidades a propósitos mais “sérios”. (JENKINS, 2009, p. 30)

Jenkins (2009) vai além ao afirmar que essa convergência está começando a

mudar o funcionamento das religiões, do direito, da política, da publicidade, do setor

militar e da educação. Uma parte dessa convergência de mídias e informações tem a ver

com o videogame e o modo como ele está presente nesse cenário e como pode ser

responsável por uma mudança nessas relações – principalmente na educação, que é o

objetivo deste trabalho.

Em sua tese de doutorado, Cláudio Lúcio Mendes (2004), explora de que forma o

jogo está presente nos modos de relacionamento entre as pessoas, desde as relações

mais cotidianas até os governos. Mendes (2004) fala sobre o modo como os games se

encaixam em nossa sociedade, estando presentes em vários níveis. Mesmo que haja

ainda um debate sobre os efeitos positivos e negativos, é imperativo se entender que eles

estão presentes em nossa cultura atual.

4 Unidade eletrônica que contém os processadores e a memória dos equipamentos responsáveis por

rodar qualquer mídia.

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São artefatos tecno-culturais que estão envolvidos com o consumo, com o marketing, com a educação, com a escola, com a internet, com a mídia, com os computadores, com as tecnologias da informática, com o nosso cotidiano, com as nossas vidas. E, em suma, conosco, seres humanos. São essas relações com nós mesmos que mais me interessam. Para analisá-las, entendo que os jogos eletrônicos formam um campo estratégico para a constituição de sujeitos de uma certa espécie: o sujeito-jogador. (MENDES, 2004, p. 21)

A cultura da convergência que vivemos hoje está mais propensa a entender e a

utilizar as mudanças tecnológicas com fins diversos. O videogame, nesse cenário, se

torna um instrumento importante, isso porque, como um jogo ele ajuda a encenar uma

realidade, fazendo, assim, um recorte no tempo e, por ser um meio eletrônico, a interação

e a convergência que ele permite se mostra maior. Moita (2003) mostra como o

videogame pode ser visto como um jogo que se encaixa na cultura de convergência e que

permite novas possibilidades de uso.

Os games, embora com algumas semelhanças, em sua elaboração, com jogos tradicionais, permitem, para além da possibilidade de simulação, de movimento, de efeitos sonoros em sua utilização corriqueira, uma interação com uma nova linguagem, oriunda do surgimento e do desenvolvimento das tecnologias digitais, da transformação do computador em aparato de comunicação e da convergência das mídias. Proporciona, assim, novas formas de sentir, pensar, agir e interagir. (MOITA, 2003, p. 12)

Dessa forma, o que se pode entender é que os jogos foram e ainda são parte da

cultura humana, muito mais presentes do que no papel de divertimento. E mesmo os

feitos unicamente para o entretenimento têm elementos culturais que podem ser

observados, ou eles próprios criam novos. Sendo assim, Huizinga (1996) mostra que

nenhuma sociedade é “livre” desse elemento lúdico e que mesmo o jogo não deve ser

visto como algo fora da “seriedade” ou como algo à parte, mas como um elemento

integrante da cultura.

Chegamos portanto, através de um caminho tortuoso, à seguinte conclusão: a verdadeira civilização não pode existir sem um certo elemento lúdico, porque a civilização implica a limitação e o domínio de si próprio, a capacidade de não tomar suas próprias tendências pelo fim último da humanidade, compreendendo que se está encerrado dentro de certos limites livremente aceites. (HUIZINGA, 1996, p. 234)

Huizinga (1996) completa dizendo que o jogo não pode ser visto com uma visão de

moralidade. Ele não é bom ou ruim, ele é o fim a que se destina. Na atual sociedade em

que vivemos, onde a convergência e a interação com os meios eletrônicos é cada vez

mais presente e crescente, podemos verificar a presença dos mesmos elementos lúdicos.

Verificamos que a evolução da tecnologia do videogame, por exemplo, foi sendo cada vez

mais focada numa interação maior com seu jogador. Os videogames se desenvolveram

18

como um aparelho para trazer um entretenimento que fosse acessível a todos os

públicos, no entanto, é possível observar que esses games têm elementos que vão além

do entretenimento e que podem ser utilizados como um meio de transformar o modo

como, por exemplo, praticamos o método de ensino.

1.2 A história do videogame

Em 1947, Thomas T. Goldsmith Jr. e Estle Ray Mann patentearam um instrumento

chamado “dispositivo de diversão de raios catódicos”, um aparelho que permitia uma

interação em um dispositivo eletrônico. Em 1952, Alexander S. Douglas criou uma espécie

de jogo da velha para computador, o OXO, e em 1958, William Higinbotham criou o Tennis

for two, um osciloscópio que foi modificado para parecer um jogo de tênis, onde uma

“bola” passava de um lado para outro da tela (GULARTE, 2010, p. 41).

Mesmo esses jogos sendo considerados jogos eletrônicos, eles não conseguiram

alcançar muito sucesso ou longevidade, isso porque os computadores eram muito

maiores do que os atuais, dificultando a produção em série desses jogos e porque foram

feitos apenas para apresentações. O jogo considerado como marco dos jogos eletrônicos

foi Spacewar!, criado em 1962 por Steve Russell e Wayne Wiitanen's, feito para testar os

computadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Mesmo não sendo

comercializado, o Spacewar! fez grande sucesso, e logo os jogos digitais começaram a

receber mais investimentos para que pudessem chegar à população geral (GULARTE,

2010, p. 42).

Todavia, o primeiro jogo a ser de fato comercializado só surgiu na década de 1970.

Em 1971, Nolan Bushnell e Ted Dabney criaram a Atari, uma empresa que começou a

desenvolver jogos digitais para serem comercializados. O grande sucesso da empresa foi

o Pong, lançado em 1972 e que vendeu cerca de 10 mil unidades de máquinas, sendo o

primeiro sucesso de vendas da história dos games. Pong era um chamado arcade, tipo de

videogame que se popularizou com o nome de fliperama no Brasil. O jogo era bem

parecido com o Tennis for two, mas com uma interface melhorada. Para conseguir vender

esses jogos, as empresas desenvolveram os arcades, que poderiam ser vendidos a

empresas que venderiam fichas para que as pessoas jogassem os jogos instalados no

computador. Com isso, grande parte dos games começaram a serem produzidos para

estes meios, na chamada “era de ouro dos arcades” (1978-1986). Os principais jogos

desse período foram o Space Invaders, Pac Man e Asteroids (GULARTE, 2010, p. 45).

Esse período foi marcado por uma grande agitação quanto ao efeito dos jogos nos

19

jovens. Muitas pessoas se mostravam preocupadas com o modo como os jovens se

relacionavam com os locais onde eram vendidos esses jogos, nos fliperamas. Greenfield

(1988) analisa isso mostrando que os temores eram sem sentido, pois, em pesquisas

feitas, foi mostrado que na época os jovens ficavam pouco tempo nos fliperamas e

gastavam pouco dinheiro. Um fato curioso era que, quanto melhor fosse o jogador, mais

tempo ele ficava jogando, isso porque uma ficha dava direito a jogar até que o jogador

perdesse. Ainda analisando esse período, Greenfield (1988) chega à conclusão de que os

fliperamas nada mais eram do que ponto de encontro para os jovens.

De fato, cerca da metade dos garotos jogavam menos da metade do tempo em que ficavam no fliperama. O resto do tempo eles dedicavam a contatos sociais. Os fliperamas, tal como a sorveteria de antigamente, propiciavam um local de encontro, muito mais do que um local de jogo compulsivo. (GREENFIELD, 1988, p. 85)

Nessa época, os jogos de videogame eram muito mais jogados fora de casa, em

lojas que tinham vários fliperamas que emulavam um jogo específico. Logo foi visto que

esse tipo de entretenimento tinha uma possibilidade de ser mais caseiro e de rivalizar com

as outras mídias como cinema e TV, mas que era necessário uma mudança. Na série de

TV “A era do videogame” é falado sobre isso.

A era de ouro do fliperama aconteceu no final dos anos 1970 e início dos 1980 com o insaciável Pac-Man e Space Invaders. O videogame permitia que o jogador controla-se sua própria experiência digital, mas para esta nova forma de entretenimento durar, os designers de games precisavam daquilo que o cinema e a TV já dominavam: uma história. (VIDEOGAME, 2007)

Sendo assim, foi necessária à indústria do videogame uma adaptação de sua

estrutura de jogo, pois era preciso fazer com que os jogos não fossem somente

constituídos de linhas e gráficos, mas que também contassem uma história. O sucesso de

Star Wars de George Lucas, fez com que houvesse um pensamento diferente do modo

como o entretenimento poderia ser entendido, e esta mudança chegou ao mundo dos

games também (VIDEOGAME, 2007). Pode-se perceber aqui que a cultura da

convergência – proposta por Jenkins (2009) e explicada anteriormente – também está

presente na história do videogame e no modo como ocorreu sua evolução.

A linguagem cinematográfica se via necessária para que o jogo pudesse prender a

atenção de seu jogador. Os gráficos e a interatividade começaram a não ser suficiente

para chamar a atenção para os jogos eletrônicos, faltava uma narrativa aliada a esta

jogabilidade. No artigo “O uso da linguagem cinematográfica nos jogos eletrônicos como

20

elemento narrativo”, Battaiola, Martins e Barbosa (2008) mostram como esta hipermídia5

transformou os jogos de videogame.

Contudo, deve-se levar em consideração que o uso da hipermídia, (e por consequência da linguagem cinematográfica) nos games, só foi possível graças ao avanço tecnológico da década de 90. O aumento gradual do armazenamento de dados e de processamento resultou em maior qualidade de reprodução gráfica e sonora nos meios digitais. Hoje, os games compreendem gráficos cada vez mais próximos da realidade e o cinema tem provado ser um bom referencial para essa nova mídia de comunicação, tanto no modo de representar como desenvolver histórias. (BATTAIOLA, MARTINS & BARBOSA, 2008)

Para se entender o como esta ideia do personagem e do foco na história ficou

dominante na indústria, é preciso olhar o desenvolvimento dos games no decorrer do

tempo e o contexto histórico em que se encontravam. Foi na década de 1970 que

surgiram os primeiros consoles, máquinas de videogame portáteis, que poderiam ser

vendidos para as pessoas utilizarem em casa. A Atari logo começou a lançar o Pong

nessa versão, assim como várias outras empresas surgiram oferecendo novos consoles

no mercado. Os computadores utilizados nesses videogames eram bem limitados e com

poucas linhas de definição, mas para época foi uma revolução em termos de

entretenimento. Os jogos digitais logo se tornaram tão populares quanto a televisão.

Muitos consoles tinham jogos “na memória”, o que significa que precisavam apenas da

máquina para jogar, já muitos outros tinham seus jogos vendidos separadamente em um

“cartucho”, que nada mais é do que uma mídia que rodava o jogo.

Com o sucesso da Atari, várias empresas se lançaram no mercado de games e

logo os preços dos consoles começaram a despencar, isso porque muitas lojas já não

tinham mais espaço para a quantidade de consoles lançados no mercado. A Atari havia

lançado em 1977 o Atari 2600, que fez bastante sucesso, mas a grande concorrência com

outras empresas, a competição com os microcomputadores – que já se tornavam mais

acessíveis e faziam outras funções fora jogar – e a pouca diversidade e criatividade dos

jogos fez com que ocorresse o chamado “crash dos videogames de 1983”. Como a

maioria dos consoles emulava apenas “clones” do Pong, praticamente todas as empresas

faliram. Empresas como Magnavox e Coleco fecharam sua divisão de games e a maioria

das desenvolvedoras de jogos para o Atari 2600 faliu. Para se ter ideia do caos instalado,

um jogo que era vendido por US$ 75,00 foi negociado até por US$ 5,00, tamanha foi a

falta de procura (GULARTE, 2010, p. 69).

A Atari resolveu focar seus esforços no mercado de microcomputadores,

5 Entendido aqui como a combinação dos elementos textuais, sonoros e visuais dentro de um espaço

virtual não linear.

21

entendendo que a era do videogame havia se acabado, no entanto outras empresas não

pensaram assim e continuaram apostando no mercado de games. No final da década de

1980, a Guerra Fria estava no fim, e a geração que tanto questionava o sistema político e

econômico estava agora mais disposta a comprar as coisas feitas por este sistema, e uma

delas era o entretenimento, que o videogame oferecia de uma maneira mais interativa e

envolvente. Porém, a indústria precisava mudar, pois jogos como o Pong já não

respondiam aos anseios dos jogadores. Era necessário incrementar os jogos

(VIDEOGAME, 2007).

Essa mudança aconteceu no Japão. A Nintendo, empresa que fabricava

brinquedos e baralhos, começou a se interessar pelo videogame, mas via que era

necessário um novo tipo de jogo, em que o jogador pudesse de fato viver uma história.

Foi com esse intuito que foi desenvolvido o jogo Donkey Kong, em que havia um herói,

Jumpman, que precisava salvar uma princesa das mãos de um gorila gigante (em uma

referência clara ao filme King Kong).

Foi na década de 80, marcado com o lançamento de Donkey Kong da Nintendo, que a narrativa passou a atuar com mais força dentro dos games. A criação de personagens que conseguiam despertar a atenção e emoção do público estava ligada não apenas com sua forma estética, mas com os ambientes fantásticos que estavam sendo criados e as ações que os personagens realizavam. (BATTAIOLA, MARTINS & BARBOSA, 2008)

Logo foi visto que este herói não era suficiente, que só o personagem não era o

bastante, mas que era preciso colocá-lo em uma história, e foi com esta intenção que foi

criado Super Mario Bros, criando assim o primeiro personagem de videogame a ter uma

popularidade tão alta quanto personagens de outras mídias, como o Mickey Mouse da

Disney (VIDEOGAME, 2007).

Para emular esses novos jogos, também era necessário uma tecnologia melhor e

mais avançada. Nos EUA, é criada a Sierra, que decidiu investir em jogos de computador.

Naquela época (década de 1980), os micros eram muito raros e mais usados em

escritórios, por isso a ideia de utilizar o computador para lazer não era bem aceita. No

entanto, a Sierra desenvolveu o jogo Mistery House, um jogo muito mais intelectual, pois

era necessário um trabalho de investigação para conseguir terminar o jogo, ou seja, era

um jogo considerado mais adulto. O jogo vendeu 10 mil cópias, o que foi um grande

recorde, considerando que o número de micros no país não era tão maior do que isso

(VIDEOGAME, 2007).

Então, viu-se que o mercado de games não estava morto, muito pelo contrário,

mas era necessário desenvolver a tecnologia e os jogos para que alcançassem um

22

público maior. Foi isso que a Nintendo fez, lançando no Japão o Famicon (família), com o

intuito de alcançar um entretenimento familiar e fazer o videogame disputar espaço com a

TV e o videocassete. No entanto, quando foi vender para os EUA, os publicitários da

empresa decidiram mudar o nome para Nintendo Enterteinment System (NES, ou, como

ficou conhecido aqui no Brasil, Nintendinho), pois, em pesquisas, foi visto que o nome de

“família” para o videogame não seria bem recebido na América. O NES era um console

mais desenvolvido, que aplicava todo o desenvolvimento computacional feito no período.

No Japão também, a Sega, outra empresa do segmento, lançou o Master System, e

começou a procurar mercado em outros países que a Nintendo não alcançava, como

países europeus e latino-americanos (VIDEOGAME, 2007).

O desenvolvimento de jogos e de tecnologia para os games só aumentava no

decorrer dos anos, e a Nintendo e a Sega eram as principais empresas de consoles,

enquanto muitas outras empresas começavam a surgir para desenvolver jogos para essas

máquinas. As inovações não paravam de surgir, mas logo se viu que a limitação dos

consoles era prejudicial para o desenvolvimento dos games, pois os consoles dessa

geração eram de apenas 8 bits6, logo se viu necessário a produção de um novo sistema

computacional. Além disso, os jogadores começaram a exigir jogos mais desenvolvidos.

Jogos de fases em que o jogador só precisa ir da esquerda para a direita enfrentando

vários inimigos já não eram suficientes. A criação do personagem e a colocação dele

numa história foram essenciais, mas agora, mais do que isso, os games precisavam criar

uma empatia com o seu jogador (VIDEOGAME, 2007).

O jogo que “inaugurou” esse novo modelo de jogos foi o “The Legend of Zelda”. O

jogo foi baseado na infância de seu criador, que passava suas tardes em cavernas

próximas a sua cidade. Lá ele começou a pensar em um mundo imaginário e quando

começou a desenvolver o jogo aplicou esse mundo imaginário nele. A história do jogo é a

luta de Link em resgatar não somente a princesa Zelda, mas também de salvar seu

mundo. A diferença de Link para Mario é que o personagem que o jogador controla, evolui

durante o jogo Ele inicia a jornada fraco e sem saber quase nada e é por meio do modo

como o jogador o controla que Link vai evoluindo até conseguir salvar sua comunidade.

De fato foi um dos primeiros jogos em que “era possível chorar, ter emoção jogando”

(VIDEOGAME, 2007). Com isso, as empresas começaram a focar cada vez mais em

histórias mais desenvolvidas, mas sem deixar de lado os outros tipos de jogos.

6 Um bit é uma unidade binária, podendo ser 0 ou 1 (verdadeiro ou falso), com esses números é feita toda

a programação de qualquer computador. Os termos 8 bits, 16 bits, 32 bits, 64 bits e assim por diante, dizem respeito a quantidade de informação que o computador pode ser programado para processar.

23

Com a queda do muro de Berlim em 1989, o aumento da globalização cultural e o

início da utilização da internet, o videogame também começa a alcançar um público maior

e começa a competir com outras mídias mais tradicionais, por isso era preciso uma

melhora nos jogos, em sua narrativa e jogabilidade. A diferença principal do videogame

com outras mídias era justamente a jogabilidade. Não adiantava ter uma excelente

história com bons personagens se o modo de jogar não era agradável, ou seja, o desafio

da indústria era criar um jogo tão chamativo quanto um blockbuster, mas em que a

pessoa não fosse apenas um espectador passivo, mas que fizesse parte da ação, de uma

forma simples, mas em uma história complexa.

A Sega logo viu o que precisava ser feito e saiu na frente da Nintendo, lançando o

Mega Drive (Genesis, nos EUA), um console de 16 bits – o dobro de poder de

processamento dos consoles anteriores –, além de lançar um jogo mais ligado com a

geração da época. O jogo era Sonic: The Hedgehog, que colocava como herói um porco-

espinho com forma humana, que mais parecia um anti-herói, apesar de lutar para salvar a

floresta das garras do vilão Robotinik. Não só a história e o personagem eram diferentes,

a jogabilidade mudou muito. Sonic era um jogo em que o mais importante era a

velocidade, um jogo que havia mais interatividade do personagem com o ambiente que

está jogando (VIDEOGAME, 2007).

A Nintendo começava a perder mercado, e viu que era necessário lançar um novo

console, então, em 1991, lança o Super Nintendo. O Snes (como ficou conhecido) logo

se tornou um dos consoles mais vendidos da história até hoje, inaugurando, assim, uma

nova era para os videogames: alcançar um status cultural e mercadológico que ainda não

havia atingido.

Junto com o Snes, a Nintendo lançou o jogo “Super Mario World”, jogo que

rivalizava com Sonic, criando assim uma das rivalidades mais antigas do mundo dos

games. Super Mario World contava com o mesmo carisma do personagem Mario, mas

agora com uma interação maior, com o cenário e com “mundos” que o jogador precisava

explorar para zerar o jogo, além de várias fases secretas, o que fazia com que o jogador

tivesse mais desafios. Gularte (2010) fala sobre Super Mario World, mostrando toda a sua

complexidade.

24

Super Mario World era um jogo tão grande de se explorar que o cartucho continha uma bateria, permitindo que o jogador salvasse o andamento do seu jogo. Super Mario World tinha 96 fases e utilizava recursos novos de jogabilidade, personagens companheiros como Yoshi, o dinossauro, que ajudavam Mario em sua busca para novamente salvar a princesa Toadstool das garras do terrível réptil Koopa. Com o novo controle do Super Nintendo, o jogador tinha dez opções de botões, inclusive com botões nas laterais do controle, que passaram a ser chamados de L e R (left e right). Esse novo padrão de botões serviu de referência para muitos consoles modernos. (GULARTE, 2010, p. 75)

Sobre a questão da jogabilidade, é necessário se entender o que o termo

realmente significa, e talvez os jogos do Mario sejam os melhores para explicar tal termo.

Assim como Serguei Eisenstein mostrou que a edição era a linguagem do cinema, para

Schenkel (2010) a linguagem do videogame é a jogabilidade. Independente dos gráficos e

outras questões técnicas, é o modo de jogar que faz com que um jogo seja bom ou ruim.

A experiência de controlar o personagem é tão calibrada que, de certa forma, deturpa as avaliações mais técnicas. A sensação de realização em cumprir etapas, desvendar pequenos quebra-cabeças, coletar itens – todas ideias velhas – gera a deturpação. Mario é a melhor imagem para explicar o termo “jogabilidade”, única qualidade que realmente diferencia os videogames de qualquer outra forma narrativa. O termo ainda é confuso para a maioria das pessoas, que prefere insinuar que é “coisa de criança”. O fato, porém, é que “jogabilidade” é a mais moderna forma de narrativa. (SCHENKEL, 2010)

Essa jogabilidade é bem presente nos jogos a partir deste período. Fases que vão

aumentando de dificuldade ou personagens que vão “evoluindo” estão sempre presentes

nos jogos. Uma ideia criada também nessa geração é a de fases secretas, que fazia com

que o jogo tivesse mais atrativos.

Também é com estes consoles que começam a surgir no mercado jogos de RPG

para videogames, como Chrono Triger – jogo que será analisado neste trabalho. Nesses

jogos, a história é o centro, e é necessário evoluir os personagens para que eles ganhem

novos poderes e habilidades. Diferente dos jogos de ação direta, para se jogar os RPGs é

preciso escolher os ataques ou defesas a serem feitos quando se encontra um adversário

e não apenas apertar os botões. Também é de extrema importância ter atenção à história

que está sendo contada para que o jogador saiba o que fazer na continuação do jogo,

mostrando assim que os jogos começaram a ser cada vez mais complexos e que exigiam

mais raciocínio por parte dos gamers7. Aranha (2004) analisa estes novos jogos que

surgem em RPG, mostrando que seu enfoque era a inserção do jogador na trama do jogo,

assim como os RPGs de tabuleiro.

7 Nome dado a jogadores de videogame.

25

O novo estilo de jogo proposto com Zelda, estabeleceria o espaço para a versão eletrônica do RPG (Role-playing Game). Adaptava para o veículo eletrônico, o conceito de jogo que começou a ser divulgado nos Estados Unidos, no início dos anos 70. Tratava-se de uma evolução dos jogos de guerra (wargames) enormemente influenciada pela literatura de J. R. R. Tolkien e que, nos anos 80, espalhou-se velozmente por numerosos países. A dinâmica deste gênero importava na construção de uma narrativa a partir da “inserção” do jogador na trama que vai se desvelando, formando a linha narrativa. Normalmente […] os temas exploravam mundos fantásticos de fantasia medieval. O papel do software seria o de substituição da figura do agente que coordena o processo de realização do jogo propondo uma história e aplicação das regras, viabilizando a ação entre os jogadores e a construção da narrativa, através de um gesto autoral coletivo. (ARANHA, 2004, p. 51)

Outros jogos do período ficaram famosos por sua dificuldade, complexidade ou boa

jogabilidade, como Prince of Persia, Mega Man e Super Metroid, jogo que trouxe uma

mulher como protagonista, um dos pioneiros nesse quesito. Esses jogos tinham histórias

que podiam ser relacionadas com o mundo real. Jogos de esporte e corrida de carros

também fizeram sucesso, como International Super Star Soccer e TopGear, assim como

jogos de lutas, como “Street Fighter” e “Mortal Kombat”.

Essa chamada quarta geração de consoles foi a mais popular de todas e atingiu o

mundo todo. O sucesso comercial que os jogos conseguiam também fizeram com que o

mercado de jogos digitais ficasse cada vez mais atrativo para investimentos, o que só fez

com que houvesse um desenvolvimento tecnológico cada vez maior. O público

interessado em games também começou a aumentar consideravelmente. Todo esse

desenvolvimento fez com que o medo de que houvesse um novo crash, como o de 1983,

fosse grande, por isso as empresas desenvolvedoras de jogos começaram a apostar em

franquias e no desenvolvimento artístico dos jogos, explorando ao máximo a capacidade

computacional dos consoles (GULARTE, 2010, p. 77).

O desenvolvimento tecnológico fez com que os jogos tivessem gráficos cada vez

melhores, o que obrigou as empresas a criarem novos consoles. A quinta geração de

consoles tinha 32 e 64 bits, e foi decisiva para o futuro dos games. A Nintendo fez uma

aliança com a Sony no início da década de 1990 para o desenvolvimento de mídias de

jogos em CDs, mas por brigas contratuais acabaram rompendo a parceria. Ao invés de

procurar uma nova parceria, a Sony decidiu lançar seu próprio console. Em 1994 foi

apresentado o PlayStation, criado pela empresa de aparelhos eletrônicos japonesa. Era

um console que utilizava CDs e não cartuchos para armazenagem dos jogos, o que

revolucionou o mercado de games.

A Sega lançou seu “console de CD”, o Sega Saturn, também em 1994. Já a

Nintendo achou que a ideia de CDs não iria vingar e decidiu apostar nos cartuchos ainda

26

e, em 1996, lançou o Nintendo 64. Em 1998, a Sega ainda lançou o Dreamcast mas as

baixas vendas tanto deste quanto do Saturn fizeram com que a empresa se retirasse do

mercado de consoles, enquanto que o PlayStation8 superou o Nintendo 649.Jogos como

Tomb Raider, Mario 64, 007 Golden Eye, Winning Eleven, Gran Turismo e Tony Hawks,

fazem parte dessa fase.

Essas novas tecnologias empregadas no videogame fizeram com que os jogos

fossem mais desenvolvidos, com ambientes a serem explorados e possibilitando

interações e experiências personalizadas. Jogos como Grand Theft Auto faziam com que

os jogadores tentassem coisas que não tentariam na vida real, como roubar carros,

enfrentar a polícia ou cometer outros crimes. Esses jogos começaram a ser alvo de

protesto contra os games, fazendo com que fossem criadas classificações etárias para os

jogos. Com toda a tecnologia envolvida nos games, e com os gamers exigindo jogos cada

vez mais interativos, os jogos eletrônicos começaram a ser cada vez mais

cinematográficos, com a diferença de que o jogador não simplesmente vê o herói, mas

pode vivê-lo. O jogador pode ser tornar ídolo do esporte, um lutador de classe mundial ou

qualquer outra coisa que o jogo possibilitasse e que a imaginação do jogador permitisse,

mostrando que “sendo os jogos capazes ou não de fazer chorar, o videogame continua

sendo uma mídia poderosa, afinal, de que outra forma uma pessoa pode se tornar herói

com um apertar de botão?” (VIDEOGAME, 2007).

Em 2000, a Sony lançou o PlayStation 2, a Nintendo o GameCube (com mídia em

CD) e uma nova empresa entrou no mercado, a norte-americana Microsoft, que produzia

apenas softwares até o momento e era uma das maiores empresas do mundo. O console

da Microsoft era o Xbox, lançado em 2001, fazendo com que os norte-americanos

voltassem ao mercado de consoles depois de tantos anos. Estes formam a chamada

sexta geração de consoles.

A sétima geração teve as mesmas empresas disputando o mercado. Em 2005, a

8 A principal diferença entre cartucho e CD era o armazenamento. Enquanto o cartucho armazenava 16mb, o CD conseguia armazenar até 650mb, consequentemente os gráficos e jogos eram mais complexos e a qualidade de áudio superior. Os jogos desenvolvidos para o PlayStation eram mais sofisticados e envolventes, e tinham questões mais maduras e complexas, como o Final Fantasy, que falava de morte, honra e outros tópicos mais filosóficos. Outros jogos de sucesso foram Gran Turismo, Tony Hawks Pro Skater, Resident Evil e Winning Eleven, uma das franquias de jogo eletrônico de futebol que rivaliza com a série FIFA. O console foi um sucesso, vendendo de 1994 a 1997, 16 milhões de unidades (GULARTE, 2010) 9 Foram por dois motivos principais que a Sony venceu a Nintendo nesse período. O primeiro foi a mídia, o CD era mais barato e possibilitava uma armazenagem maior e mais eficiente dos jogos, enquanto que os cartuchos eram caros. A segunda razão foi porque a Nintendo não permitia que outras empresas fizessem jogos para o seu console, diferentemente da Sony, que liberou seu console para qualquer empresa que quisesse fazer jogos para ele. Por conta disso, os jogos do Nintendo 64 eram caros e poucos, fazendo com que a Nintendo repensasse seu modo de produção.

27

Microsoft lançou o Xbox 360 e em 2006 a Sony criou o PlayStation 3. Os dois consoles

são os mais atuais das companhias e utilizam os mais rápidos processadores disponíveis

para jogos no mercado, explorando ao máximo os jogos desenvolvidos para eles. Para

gamers mais veteranos, estes são os consoles preferidos, pois emulam os melhores

gráficos possíveis de seus jogos. Alguns jogos de sucesso são Halo, Mass Efect,

Assassin's Creed, Batman: Arkaham City, Uncharted e Call of Duty.

Porém, a Nintendo resolveu focar seus esforços não nos gamers, mas sim

naqueles que ainda não eram jogadores de videogame, sendo assim lançou o Nintendo

Wii em 2006. O console revolucionou o modo como se jogava videogame, isso porque a

máquina tem um sensor de movimentos que faz com que quando o jogador se mova,

execute um movimento no jogo. Um jogo de tênis, por exemplo, pode ser jogado sem que

se tenha que apertar botões, mas simplesmente movendo as mãos com o controle

simulando raquetadas. O jogo principal desse console é o Wii Sports.

A aposta da Nintendo deu certo, pois muitas pessoas jogaram videogame pela

primeira vez com um Wii, console criado para um público que não era gamer. O sensor de

movimentos logo chamou a atenção da concorrência e a Microsoft criou o kinect, lançado

para Xbox 360 em 2010. O kinect é mais avançado que o sistema do Wii, pois não

necessita de nenhum controle, o próprio corpo do jogador é o joystick10, assim como

qualquer coisa que for apresentada para o console (um skate, por exemplo). Tanto o

kinect quanto o Wii (e posteriormente o Wii Fit) fizeram com que os videogames fossem

jogados por públicos diferentes e alcançassem uma parcela ainda maior da população,

atingindo, assim, vários extratos sociais e estando cada vez mais presente no cotidiano

das pessoas.

No campo histórico, um marco importante foi a criação do Museu do Videogame na

cidade de Berlim, Alemanha. A cidade de São Paulo também tem um projeto para

inaugurar um museu sobre os jogos digitais, que tem expectativa de ser o maior acervo

de games do mundo (SP VAI). Além disso, todo ano, desde 1995, ocorre a Eletronic

Entertainment Expo (E3) em Los Angeles, exposição na qual são apresentados novos

jogos e distribuído prêmios em várias categorias. Também em Los Angeles ocorre, desde

2004, o Video Game Awards, que premia os melhores jogos produzidos no ano. Na última

edição, em 2011, foi inaugurado o “Video Game Hall of Fame” com a franquia “The

Legend of Zelda” sendo o primeiro game a ser incluso.

10 Controle do videogame

28

1.2.1 Videogame em outras mídias

O objetivo de entreter através do videogame fez com que várias empresas se

lançassem no mercado em busca de um público para seus consoles, assim como várias

outras empresas para venderem seus jogos neste mercado. No entanto, os jogos digitais

não estão presentes apenas nos consoles, pois outras mídias também emulam jogos,

fazendo com que um público ainda maior seja adepto dos jogos digitais.

Desde a Sierra, o computador se tornou um dos principais meios de jogar os

games. Sejam jogos iguais aos dos consoles ou jogos específicos para computadores.

Por terem processadores muito melhores do que os consoles, os computadores têm

gráficos muito mais definidos e permitem uma jogabilidade diferente. Em 1992, o jogo

Wolfenstein 3D foi lançado para computadores, sendo o primeiro jogo a ter um gráfico em

três dimensões (VIDEOGAME, 2007).

Jogos de estratégia, como Age of Empires, no qual o gamer escolhe uma

civilização e faz com que ela se desenvolva, foram sempre muito presentes no mundo dos

games para PC. Não só jogos de estratégia, mas também jogos de simulação, como

Flight Simulator, simulador de pilotagem de avião; Sim City, jogo em que é possível

construir e administrar uma cidade; e o jogo mais vendido de todos os tempos, The Sims,

simulador de relações humanas, levando os games a um novo nível, o da recriação do

mundo real. Em “The Sims”, é possível ao jogador viver uma nova vida, em que ele pode

ter um emprego diferente, uma família diferente e atitudes diferentes, sem sofrer nenhuma

consequência na vida real. Esses jogos começaram a ter um impacto grande em várias

áreas e profissões.

Além do PC, outros meios foram sendo utilizados para jogar games. Desde 1989,

quando a Nintendo lançou o GameBoy, havia uma vontade da indústria dos games em

trazer os jogos para um ambiente mais pessoal e em meios móveis. Um dos jogos mais

famosos do GameBoy foi Pokémon, que tinha várias versões. Videogames móveis foram

sendo lançados pela Nintendo e outras tentativas foram feitas, como o N-Gage, da Nokia,

que não teve sucesso. O último lançamento da Nintendo foi o Nintendo 3DS, em 2011,

que emula jogos em 3 dimensões em qualquer local. Com ele, o jogador pode usar o

mundo real para emular os seus jogos, fazendo com que o videogame de fato invada a

realidade. Já a Sony rivaliza com o PlayStation Vita, lançado em 2012.

A internet também disseminou vários jogos ao redor do mundo. Jogos simples são

lançados quase que diariamente e viram febre graças às redes sociais. Todos estes

modos de se jogar, e todas as plataformas presentes, mostram que os games estão muito

29

presentes em nosso cotidiano e que a quantidade de jogadores é muito grande. Existe um

site feito exclusivamente para a “postagem” de novos jogos, chamado Kongregate.com,

uma espécie de YouTube de jogos. Hoje também é possível se fazer um download de um

programa emulador dos consoles antigos e instalar no computador, usando arquivos

chamados ROMs (read only memory – memória apenas de leitura) para rodar jogos de

vários consoles antigos em um único computador.

Outro modo de se jogar é por meio do jogo on-line. Com a disseminação do uso da

internet e do videogame, várias pessoas começaram a jogar com outras pessoas de

vários locais no mundo, o termo usado para designar esses jogos é massively multiplayer

on-line (jogo on-line para várias pessoas, ou MMO na sigla em inglês). O primeiro jogo on-

line criado foi Mud 1, em 1978, uma espécie de RPG jogado por várias pessoas em

diferentes lugares conectadas pela internet, exclusivamente textual. Em 1991, foi criado o

jogo Nevermind Nights um dos primeiros MMOs com gráficos, mas que só podia ser

jogado por assinantes da America On-Line (AOL). Logo foi visto as possibilidades de

interatividade destes jogos, e foi lançado o jogo Ultima on-line, que era aberto a qualquer

pessoa que pagasse a mensalidade do servidor, e não apenas a assinantes da AOL. O

jogo tinha como base um mundo chamado Britânia, que era parecido com a Grã-Bretanha

medieval. Parecido com esse jogo, em 1997, foi lançado Tibia, que ainda é bastante

jogado, inclusive no Brasil. Em 1999, foi criado o primeiro MMO a fazer um grande

sucesso: Everquest, jogo no qual era possível ao jogador escolher um personagem dentre

várias raças diferentes para seguir em sua aventura pessoal.

Em pouco tempo, o jogo começou a ser usado por milhares de pessoas, que se

conheciam virtualmente e criavam novas relações sociais, realizando as atividades do

jogo e atividades sociais. Porém, os jogos on-line tiveram seu ápice a partir da década de

2000, com vários jogos sendo lançados exclusivamente para serem jogados com várias

pessoas pela internet. Em 2004, foi lançado World of Warcraft (WoW), que até hoje faz

um grande sucesso. Existem hoje no mundo mais de sete milhões de pessoas

cadastradas no jogo. O interessante em WoW é que o mundo criado para o jogo continua

existindo, mesmo que alguns personagens não estejam jogando, ou seja, o jogo existe

independente se há poucas ou muitas pessoas logadas, diferente de jogos de console ou

PC que não sejam on-line, em que o mundo do jogo só existe quando o jogador liga o seu

aparelho. Ao jogador é possível escolher um personagem de uma das quatro raças

presentes (humanos, elfos, mortos-vivos e orcs) que dividem o mesmo planeta e estão

em uma guerra pelo seu domínio (VIDEOGAME, 2007).

Como é necessária uma grande dedicação do jogador para evoluir seu

30

personagem, há algumas críticas a estes jogos, pois muitas pessoas param suas vidas

reais para “viver” a vida de seu personagem. Para Zanolla (2010) e Greenfield (1988),

ocorreram muitas transformações na mente dos jovens com o videogame e é necessário

haver um controle maior por parte dos pais, principalmente. No entanto, outros teóricos

discordam, não negando que existem exageros (como caso de pessoas que morrem ao

ficarem dias na frente do computador), mas mostram que a grande maioria das pessoas

que jogam on-line aprendem a organizar a comunidade e desenvolvem mais relações

sociais, isso porque o mundo em que eles estão é todo feito pelos próprios jogadores,

logo é necessário que eles aprendam com suas próprias emoções e experiências o

melhor modo de viver aquela vida. Tapscott (2010) e Veen e Vrakking (2009) acreditam

que essas mudanças estão transformando a forma como nos relacionamos para uma

maneira mais colaborativa e participativa. Além disso, alega-se que o que ocorreu nada

mais foi do que uma troca de tempo gasto da TV para os jogos (VIDEOGAME, 2007).

Com o surgimento das lan houses, outro jogo se popularizou: Counter Strike. Esse

jogo também contava com gráficos simples e tinha um objetivo direto: vencer o outro time

e uma batalha bélica, que envolvia estratégia e habilidade. Outros exemplos de jogos de

grande participação são o Second Life (SL) com seus 9 milhões de usuários. Na verdade

SL é um jogo social, pois não há objetivos ou evolução de personagens, nem sequer uma

história, como o próprio nome sugere, é uma segunda vida na qual seus assinantes vivem

e que podem fazer o que quiserem, encarando sempre as consequências. Hoje várias

empresas têm “sedes” no SL, vendendo produtos para os avatares das pessoas, pagos

com dinheiro real, assim como são feitos negócios no mundo real dentro do SL, com

reuniões e outras atividades sendo realizadas dentro dessa comunidade virtual

(VIDEOGAME, 2007)

Logo, quase todos os jogos para PC começaram a ter seus modos on-line, fazendo

assim com que esse tipo de jogo fosse cada vez mais comum. Com isso, os gamers

deixaram de jogar apenas contra o computador e passaram a desafiar pessoas reais, que

podiam morar em outros países ou continentes, conectando o mundo em torno de um

jogo de videogame.

Para poder ser jogador de WOW é necessário comprar o CD do jogo e pagar uma

mensalidade. Dentro do jogo tudo é comprável, com uma moeda que vale apenas dentro

do jogo, mas, como há milhões de pessoas jogando, o comércio no mundo real também é

movimentado. No livro Crash: uma breve história da economia, de Alexandre Versignassi,

é contado que várias empresas começaram a contratar jovens para jogar WOW por várias

horas por dia para que pudessem juntar moedas do jogo e vender para outros jogadores

31

no mundo real (VERSIGNASSI, 2011, p. 47). Nesse universo, podemos perceber que é

possível fazer uma análise de como esses jogos influenciam seus jogadores e como essa

influência pode ser utilizada pelas mais diversas áreas do conhecimento.

1.3 O videogame na sociedade de rede

A sociedade está cada vez mais interligada em várias mídias, como foi visto

anteriormente com Jenkins (2009). As mídias hoje tendem a convergir, assim como as

próprias pessoas, que cada vez mais se comunicam e colaboram umas com as outras. No

documentário Us now, esse tema é tratado de forma a mostrar como essa interação está

mudando o modo como nos relacionamos com nós mesmo e com outras instituições. Clay

Shirky diz no documentário que hoje “mais pessoas dizem mais coisas para mais pessoas

do que em qualquer outro período da história e isso está aumentando muito” (US NOW,

2010). Shirky também diz que esta sociedade de rede está cada vez mais colaborativa e

produtiva, hoje o consumidor da mídia também é produtor de conteúdo.

Essas mudanças estão acontecendo cada vez mais rápido e é perceptível que

nesta sociedade estamos cada vez mais conectados, ou seja, em rede. No livro A cauda

longa, Anderson (2006) discute de que maneira esta sociedade está cada vez mais

integrada e acabou criando um novo universo. O autor mostra que cada vez mais o nosso

mercado de consumo está se transformando, “estamos evoluindo de um mercado de

massa para uma nova forma de cultura de nicho, que se define agora não pela geografia,

mas pelos pontos em comum” (ANDERSON, 2006, p. 38). Os produtos culturais hoje não

são produzidos verticalmente, com uma empresa desenvolvendo um produto e pessoas

consumindo, nem a informação está mais assim, com uma grande mídia definindo o que é

notícia. O que está acontecendo é uma mudança no modo como a produção e o consumo

de informações e produtos está ocorrendo.

A consequência de tudo isso é que estamos deixando de ser apenas consumidores passivos para passar a atuar como produtores ativos. E o estamos fazendo por puro amor pela coisa (a palavra “amador” vem do latim amator, “amante”). Blogs amadores estão disputando a atenção do público com a grande mídia, em que as pequenas bandas estão lançando músicas sem selo de gravadora e em que os colegas consumidores dominam as avaliações on-line de produtos e serviços, é como se a configuração básica da produção tivesse mudado de “Conquiste o direito de fazê-lo” para “O que está impedindo de fazer?”. (ANDERSON, 2006, p. 61)

Essa visão mostra que as pessoas estão cada vez mais dispostas a serem as

produtoras e a colaborarem umas com as outras de modo a obter melhores produtos ou

32

bens. No documentário Us Now, é mostrado vários casos em que a colaboração de

pessoas que não se conhecem pessoalmente desenvolveram produtos em que todos se

beneficiavam, desde os exemplos mais comuns, como a Wikipédia e os softwares livres,

até a exemplos mais elaborados, como o caso de um site que fazia empréstimo de

dinheiro entre os seus membros e a história do Ebbsfleet United, time que foi comprado

por um grupo de pessoas para administrá-lo. Mas as mudanças também acontecem em

pequenas situações e atitudes, como Anderson (2006) analisa ao falar sobre o modo

como nos relacionamos com essas novas ferramentas, sempre tentando individualizar as

experiências de modo a criar algo mais parecido com nossos gostos e não com o da

maioria.

Todo mundo com esses fones brancos no ouvido está ouvindo o que é na verdade suas emissoras de rádio exclusivas, sem comerciais. A cultura deslocou-se do que antes era a mania de seguir as multidões até o topo dos gráficos para a busca efetiva do próprio estilo e para a exploração das trilhas que se afastam da tendência dominante, onde se depara com a relativa obscuridade e com o retorno aos clássicos. (ANDERSON, 2006, p. 35)

Esse ambiente de colaboração e individualização pode parecer antagônico, mas na

verdade estes dois movimentos se completam. Se antes havia poucos canais de televisão

ou emissoras de rádio que transmitiam informações, hoje qualquer pessoa pode ser um

meio de comunicação, bastando para isso ter acesso à internet ou qualquer outra

ferramenta de conexão. As interações em torno de objetivos em comum se tornaram mais

constantes e pessoas com gostos parecidos puderam se comunicar e dividir ou até

mesmo produzir bens culturais do seu gosto.

Em uma palestra feita em Curitiba, Shirky (2010) falou sobre isso ao contar a

história de uma menina da Tailândia que havia postado uma foto de um tanque nas ruas

de Bangkok, capital do país, em seu blog. Acontece que aquela foto era a única fonte que

havia sobre o golpe de estado que ocorreria no país no dia seguinte. Em questão de

minutos o blog recebeu milhões de acessos e poucas horas depois a mídia tradicional

noticiava o fato, que já havia acontecido. Claramente a menina acabou dando um furo de

notícia simplesmente por ter acesso a estas tecnologias. Alguns dias depois, quando as

pessoas mais acessavam seu blog e perguntavam sobre o golpe, ela postou uma nova

foto, de seu novo celular da Hello Kitty. As pessoas ficaram revoltadas, pois queriam saber

sobre o golpe, no que ela respondeu que aquele blog era o espaço dela, e se ela achava

mais interessante seu novo celular do que o golpe, era uma decisão dela e que ninguém

deveria questionar. O caso serve para ilustrar o modo como a informação está sendo

construída. As pessoas postam, comentam e conversam sobre assuntos dos mais

33

variados, sem se preocupar se isso vai atingir milhões de pessoas, mas sim se a

informação que ela está passando é relevante para ela.

Essa atividade de selecionar e categorizar o que é ou não importante, utilizando as

novas tecnologias, está criando o que alguns teóricos chamam de inteligência coletiva,

que já foi tratado brevemente neste trabalho. As pessoas hoje têm várias fontes de

informações, e cada vez mais têm que selecionar o que elas acham importantes. No livro

A hora da geração digital, Tapscoot (2010) fala sobre isso.

Pense no impacto ambiente midiático rico e interativo dessa geração. Quando eu era criança e morava numa cidade pequena, havia três canais de televisão, uma pequena biblioteca, um jornal e poucas revistas que me interessavam. A juventude de hoje nos Estados Unidos tem acesso a mais de duzentos canais de tevê a cabo, 5.500 revistas, 10.500 estações de rádio e quarenta bilhões de páginas na internet […] Essa geração inundada de informação, e o fato de ter aprendido a acessar, selecionar, categorizar e lembrar de tudo isso aumentou sua inteligência. (TAPSCOOT, 2010, p. 43)

O local onde essas experiências ocorrem é o ciberespaço, local onde essas trocas

podem acontecer de maneira livre. Lévy (1999), em seu livro Cibercultura, fala como esse

ambiente está catalizando essas experiências. É nesse espaço que essas trocas e

interações ocorrem e por isso seu uso acaba auxiliando no desenvolvimento dessa nova

maneira de se produzir e consumir produtos e bens culturais.

Além disso, nos casos em que processos de inteligência coletiva desenvolvem-se de forma eficaz graças ao ciberespaço, um de seus principais efeitos é o de acelerar cada vez mais o ritmo da alteração tecno-social, o que torna ainda mais necessária a participação ativa na cibercultura, se não quisermos ficar para trás, e tende a excluir de maneira mais radical ainda aqueles que não entraram no ciclo positivo da alteração, de sua compreensão e apropriação. (LÉVY, 1999, p. 30)

O autor vai além ao mostrar que esse espaço não está apenas nos auxiliando e

criando novas perspectivas, mas que também está ampliando nossas próprias funções

cognitivas como a “memória (banco de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de

todos os tipos), imaginação (simulações), percepções (sensores digitais, telepresença,

realidades virtuais), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos

complexos)” (LÉVY, 1999, p. 157).

É nesse ambiente que o videogame está inserido, como mais uma ferramenta de

interação e que está amplificando nossas funções cognitivas, de maneira cada vez mais

ampla. Como foi visto anteriormente, o videogame se desenvolveu de modo a se tornar

mais interativo e de um modo que pudesse dar uma experiência mais individual para seus

jogadores. Tapscoot (2010) levanta essa questão ao apresentar estudos que mostram o

videogame como uma das ferramentas que amplificam e auxiliam nessa inteligência

34

coletiva.

Jogar videogames on-line faz bem à sua mente, segundo Steven Johnson, autor de Surpreendente! – A televisão e o videogame nos tornam mais inteligentes: “Os videogames forçam você a decidir, escolher, priorizar”. Alguns dos pensadores mais importantes nesse campo concordam. Quando James Gee, professor e linguista teórico, começou a jogar videogames aos sessenta anos de idade, percebeu que tinha de pensar de outra maneira. Para ser bom em um videogame, você precisa adquirir habilidades cruciais para qualquer experiência de aprendizado, tais como entender princípios de planejamento, realizar escolhas, praticar e descobrir. (TAPSCOTT, 2010, p. 128)

Essa característica do videogame de colocar o jogador no poder, fazendo com que

possa tomar decisões diversas e ver seus resultados na tela, chamava atenção desde o

início da indústria de games11. Logo começou a se ver o videogame como um modo de

criar experiências individuais que poderiam ser utilizadas de várias maneiras

(VIDEOGAME, 2007).

Os jogos começaram, a partir dos anos 1990, a serem mais voltados a essas

características, colocando o jogador como um definidor do que deve acontecer. O

contexto histórico era propício ao surgimento dessa nova forma de entretenimento. Com o

fim da guerra fria, as pessoas começaram a ter uma visão diferente do mundo, onde não

existia mais a dualidade que existiu por tanto tempo. As percepções de mundo

começaram a mudar e uma nova geração de jovens, ansiosos por mudanças e críticos de

sua sociedade, começou a surgir: é a chamada “geração X”. Essa geração nasceu e foi

criada com os videogames já como um meio de entretenimento, além também de ser um

meio de compreensão do mundo em que viviam. Jogos como Sim City, onde o jogador

administrava uma cidade, ou Civilization, jogo no qual o jogador se coloca como o criador

de um grande império que deve sobreviver ao tempo, e Populos e Black and White, jogos

em que o jogador é literalmente um deus, que define o que as pessoas vão fazer; fizeram

com que os seus jogadores conseguissem entender a complexidade das relações

políticas e, principalmente, as relações de causa e efeito, ou seja, toda ação do jogador

tinha uma consequência no sucesso ou não de sua sociedade, civilização ou cidade, além

de mostrar um pouco sobre a moralidade do jogador, afinal dependia apenas do jogador

se o deus criado seria bom ou ruim, se a cidade seria mais ou menos excludente e se o

império criado seria mais pacífico ou belicista (VIDEOGAME, 2007).

Esse exemplo nos mostra como o videogame está inserido de forma intensa nessa

sociedade de rede, contribuindo para o que Jenkins (2009) chama de inteligência coletiva.

11 Para se ter ideia, as Forças Armadas dos EUA procuraram a Atari nos anos 1980, para ajudá-los a produzir simuladores para treinamento, tudo por conta do jogo BatlleZone, que foi um dos primeiros jogos 3D a se ter notícia (dando apenas a perspectiva de 3 dimensões).

35

Jenkins fala no documentário A era do videogame que os jogos de videogame

começaram a mudar de produtos para experiências. A inteligência artificial acontece na

mente do jogador, se ele acha que o jogo é inteligente o jogo vai ser inteligente, por isso

que essa “geração X”, ou segunda geração de jogadores de videogame, começaram a

achar os jogos “fáceis”, pois estes eram programados dentro de um pequeno contexto de

história e a interação não era tão grande, já que o jogo deveria reagir ao que o jogador

faz e não ao que foi programado. Por isso, esses jogos, que proporcionavam uma

experiência mais pessoal, começaram a ter mais sucesso, alcançando a terceira geração

de jogadores, que já viam o videogame como parte de sua cultura e como uma forma de

expressão. Na procura de sua identidade, jogar era uma forma de contestar e de

expressar o que se pensava. (VIDEOGAME, 2007)

Muito antes das redes sociais, os videogames haviam se tornado uma mídia que

democratizava a criatividade, colocando o poder nas mãos do jogador. Era uma mídia

maleável, que as pessoas podiam controlar. Esse controle da tecnologia é justamente o

que se faz hoje com todas as demais ferramentas, em que as pessoas querem

personalizar suas experiências, desde blogs até jogos eletrônicos. Um exemplo para

mostrar isso foram os ataques de 11 de setembro. Enquanto o cinema preferiu se

distanciar de filmes de terrorismo, os jogos eletrônicos abordaram esse tema em demasia.

O jogo 9/11 survivor, por exemplo, colocava o jogador na situação de uma pessoa no

WTC no dia do ataque. O jogo mostrava a sensação de impotência que as pessoas

devem ter sentido no prédio em chamas, fazendo os jogadores terem a mesma

experiência e refletirem sobre os acontecimentos. Outros jogos têm sido voltados para

questões sociais, como Darfur is dying, onde o jogador vive a vida de uma pessoa em

Darfur, no Sudão, que tem que buscar água, comida e outros suplementos e ainda fugir

dos rebeldes que tentam matá-lo. O objetivo do jogo é colocar o jogador naquela situação

para que desperte uma empatia e para que as pessoas prestem atenção no problema e

tentem achar soluções, assim como tentam achar no jogo (VIDEOGAME, 2007). Pierre

Lévy (1999) diz que nesse mundo virtual é possível pensar em várias possibilidades, e é

necessário pensar em quais ferramentas utilizar e com que intuito. Esse mundo vai além

do entretenimento, ele atinge vários outros objetivos que não são apenas de entreter ou

informar.

Um mundo virtual, no sentido amplo, é um universo de possíveis, calculáveis a partir de um modelo digital. Ao interagir com o mundo virtual, os usuários o exploram e o atualizam simultaneamente. Quando as interações podem enriquecer ou modificar o modelo, o mundo virtual torna-se um vetor de inteligência e criação coletiva. (LÉVY, 1999, p. 75)

36

A sociedade em rede cria, assim, uma colaboração que amplia nossas interações

para se alcançar um objetivo, seja vencer um jogo ou organizar protestos. Castells (2000)

analisa as mudanças ocorridas nas últimas décadas do século XX, mostrando que as

novas tecnologias não afastaram as pessoas, mas ofereceram novas ferramentas para

uma interação maior e sem fugir da sua localidade. Essas mudanças mostram que “tanto

o espaço quanto o tempo estão sendo transformados sob o efeito combinado do

paradigma da tecnologia da informação e das formas e processos sociais induzidos pelo

processo atual de transformação histórica” (CASTELLS, 200, p. 403). Essa transformação

da ideia de tempo e espaço faz com que as interações sejam mais dinâmicas e não

necessariamente isolando as pessoas, que acabam por colaborar mais umas com as

outras, como o exemplo usado pelo autor ao falar sobre sistemas de telecomunicações.

Supunha-se que a comunicação eletrônica domiciliar induziria o declínio de formas urbanas densas e diminuiria a interação social localizada espacialmente. No entanto, o primeiro sistema de comunicação mediada por computadores difundido para a massa, o Minitel12 francês descrito no capítulo anterior, originou-se na década de [19]80 em um ambiente urbano intenso, cuja vitalidade e interação por contato pessoal não foram abaladas pelo novo meio de comunicação. Na verdade, os estudantes franceses usavam o Minitel para organizar manifestações de rua contra o governo. (CASTELLS, 200, p. 404)

Por ter sido criado nesta sociedade de rede, o videogame tem uma mobilidade

maior do que as outras mídias de se adaptar nesta cultura de convergência e em

desenvolver uma inteligência coletiva. Um exemplo disso é quanto ao incentivo que a

indústria de games dá aos seus consumidores em produzir conteúdos para os jogos.

Enquanto a indústria fonográfica processa seus consumidores, a do videogame capacita

os seus para elaborar e compartilhar conteúdos, pois é visto que se as pessoas gostam

de uma coisa elas fazem de tudo pra dar apoio. Um exemplo disso é o jogo The Sims, em

que as pessoas podem criar objetos no jogo, com ferramentas para modificações. Para a

empresa, Eletronic Arts, isso é bom, porque eles não poderiam fazer o montante de

roupas e objetos que os jogadores fazem, distribuindo para todos os jogadores, como se

fosse um tipo de software livre, onde é possível fazer algumas mudanças e distribuí-las

(VIDEOGAME, 2007).

Outro exemplo de como os jogos acabam se relacionando com outras mídias é o

machinima, uma espécie de filme feito com diálogos de jogos. Um dos primeiros e mais

conhecidos é Red vs Blue, um machinima feito por jogadores a partir do jogo Halo da

Microsoft. Ao invés de processar os produtores do jogo por uso de imagem, a Microsoft

12 Um sistema de videotextos projetados em 1978 pela Companhia Telefônica Francesa e introduzida no

mercado em 1984, após anos de experimentos localizados (CASTELLS, 200, p. 367).

37

apoiou a iniciativa (VIDEOGAME, 2007).

Essas interações com as mídias é algo que está presente no cotidiano dessa nova

geração. A convergência de mídias e de conteúdos, a criação de novos produtos e a

interação com várias pessoas ao mesmo tempo é algo característico da sociedade em

rede que vivemos, mais uma vez mostrando um exemplo prático da ideia de Jenkins

(2009). No livro Homo Zappiens: educando na era digital, os autores Veen e Vrakking

(2009) discutem o papel dessas novas mídias nessa nova geração. Com tantas fontes de

informação, essa geração tem a disposição várias ferramentas para analisar o mundo em

que vivem e se expressarem.

Sendo os primeiros seres digitais, cresceram em um mundo onde a informação e a comunicação estão disponíveis a quase todas as pessoas e podem ser usadas de maneira ativa. As crianças hoje passam horas de seu dia assistindo à televisão, jogando no computador e conversando nas salas de bate-papo. Ao fazê-lo, elas processam quantidades enormes de informação por meio de uma grande variedade de tecnologias e meios. (VEEN, VRAKKING, 2009, p. 29)

Essas informações que estão disponíveis também são analisadas e interpretadas

pelas pessoas que a consomem e hoje é possível que todas as pessoas possam exprimir

sua opinião por meio de várias mídias. O que acontece é que hoje, como Shirky (2011)

coloca, as pessoas estão se dedicando mais a distribuir e compartilhar informações,

pensamentos e ações, de modo a atingir objetivos em comum.

As pessoas que perguntam “Onde eles encontram tempo?”, referindo-se aos que trabalham na Wikipédia, não compreendem como todo aquele projeto é minúsculo em relação ao tempo livre coletivo que todos possuímos. Algo que torna a era atual notável é que podemos agora tratar o tempo livre como um bem social geral que pode ser aplicado a grandes projetos criados coletivamente, em vez de um conjunto de minutos individuais a serem aproveitados por uma pessoa de cada vez. (SHIRKY, 2011, p. 15)

Com isso, pode-se concluir que a atual sociedade de rede nos faz estar mais

conectados com o que acontece com o mundo e também mais propensos a nos

manifestarmos quanto aos problemas, sejam eles coletivos ou individuais. O videogame

se mostra inserido nessa cultura, muito por ter sido criado nesse ambiente, e também se

coloca como um meio de expressão dessa geração. O que é possível concluir também é

que a utilização dessa ferramenta pode ser muito mais aproveitada não apenas para o

entretenimento, mas também para outros fins.

38

2. O uso do videogame no ensino de História

2.1 O videogame e a educação

A atual sociedade de rede em que vivemos nos permite ter acesso a

conhecimentos antes fechados em livros ou restritos apenas à academia. Também

construiu ferramentas que possibilitam a comunicação entre várias pessoas mundo afora,

trocando experiências e permitindo que absolutamente todas as pessoas conectadas

possam se expressar e dividir gostos.

No entanto, apesar dessa interatividade estar cada vez mais constante em nosso

dia a dia, a educação parece estar ainda presa a dogmas antigos e modelos educacionais

propostos em diferentes contextos históricos. Robinson (2010) faz essa crítica ao analisar

o modelo de educação que temos hoje e o mundo em que vivemos. Segundo Robinson

(2010), a escola hoje não prepara para o mundo que a criança irá viver daqui a cinco

anos, porque está fundada em princípios que eram válidos há vários anos, mas que hoje

já não fazem mais sentido.

O problema é que eles tentam ligar o futuro com aquilo que fizeram no passado. É um meio de alienar milhões de crianças que não veem nenhum propósito em ir para a escola. […] O problema é que o atual sistema foi desenhado, concebido e estruturado para uma época diferente. Foi concebido sobre a cultura intelectual do iluminismo e sob as circunstâncias econômicas da Revolução Industrial. (ROBINSON, 2010)

Robinson (2010) continua sua análise dizendo que esse sistema faz com que seja

definida uma característica para a inteligência, que é a capacidade de raciocínios

dedutivos e conhecimento dos clássicos, o que faz com que, se olharmos atentamente, o

mundo seja dividido entre pessoas inteligentes e não inteligentes. As pessoas inteligentes

vão para a academia e as não inteligentes ficam frustradas por não se encaixarem no

primeiro grupo. Essa classificação feita por este sistema acabou julgando muitas pessoas

sem que suas habilidades potenciais fossem de fato desenvolvidas (ROBINSON, 2010).

Tapscott (2010) faz uma análise parecida com a de Robinson (2010). Para ele, este atual

sistema de educação não faz mais sentido no contexto em que vivemos, e é preciso se

pensar em novos meios para o aprendizado.

Os jovens da Geração Internet cresceram em um ambiente digital e estão vivendo no século XXI, mas o sistema educacional em muitos lugares está pelo menos cem anos atrasado. O modelo de educação que ainda prevalece hoje foi projetado para a Era Industrial. É centrado no professor, que dá uma aula padronizada, unidirecional. O aluno, trabalhando sozinho, deve absorver o conteúdo ministrado pelo professor. Isso pode ter sido bom para a economia de produção em massa, mas não funciona mais para os desafios da economia digital, ou para a mente da Geração Internet. (TAPSCOTT, 2010, p. 149)

39

Hoje em dia está havendo uma quebra nesse paradigma. As crianças de hoje não

veem mais propósito nesse sistema e acabam agindo por conta própria para se

expressarem e desenvolverem suas habilidades. Robinson (2010) faz uma crítica ao uso

de Ritalina para adolescentes considerados hiperativos, pois ele considera que as

crianças de hoje “estão vivendo no mais intenso e estimulante período da história da

Terra, recebem informações que chamam sua atenção em todas as plataformas”

(ROBINSON, 2010). Com isso, o que Robinson (2010) propõe é que a educação não

afaste estas ferramentas da sala de aula, mas que, pelo contrário, estimule as crianças a

utilizarem elas ao máximo, para poderem se expressar e desenvolver suas habilidades.

Foi visto no primeiro capítulo que o jogo é mais do que um elemento de

entretenimento, mas que também faz parte da cultura e pode ter um fim diferente do que

a diversão. Também foi visto que o videogame se insere nesta sociedade de rede como

uma ferramenta de expressão dos jovens e também como um instrumento que amplia a

inteligência cognitiva dos seus jogadores, ao colocá-los em situações que é necessário

pensar em diversas alternativas e fazer a tática da tentativa e erro.

O que pretendo mostrar aqui é de que maneira o videogame se encaixa como um

instrumento possível de ser utilizado em sala de aula, como um método de melhorar a

educação. Em Videogame: educação e cultura, Zanolla (2010) utiliza a definição dada por

Adorno sobre o papel da educação e em que medida ela está inserida na cultura.

A seguir, assumindo o risco, gostaria de apresentar a minha concepção inicial de educação. Evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o direito de modelar pessoas a partir do seu exterior; mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a produção de uma consciência verdadeira. Isto seria inclusive da maior importância política; sua ideia, se permitido assim dizer, é uma exigência política. Isto é: uma democracia com o dever de não apenas funcionar, mas operar conforme seu, demanda pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva só pode ser imaginada enquanto uma sociedade de que é emancipado. (ADORNO apud ZANOLLA, 2010, p. 119)

Dessa maneira, Zanolla (2010) mostra que para Adorno a formação difere da

informação, pois enquanto a segunda é apenas a transmissão de mensagens, a primeira

demanda uma reflexão, sendo assim, a educação pressupõe pensar e se transforma

numa maneira de emancipação do sujeito. Para isso, é necessário experimentar, para que

se possa não apenas memorizar um conteúdo, mas também criticá-lo e relacioná-lo com

a realidade.

Essa característica apontada por Adorno, mostra que a educação se vê mais

voltada para a experimentação do que para a transmissão de conteúdo. O que se verifica

hoje em dia, é que o modelo de educação está cada vez mais questionado e sem ligação

40

com aqueles que o utilizam, no caso os alunos, isso porque a sociedade está baseada na

utilização de ferramentas que exploram as experiências individuais enquanto o modelo

educacional se baseia na transmissão de conteúdo ou, como Robinson (2010) afirma, o

modelo educacional não está conectado ao estilo de vida de seu público. Lévy (1999) fala

sobre isso colocando como uma questão a ser discutida. Com esses novos suportes,

surgem novos pensamentos sobre avaliações ou modos de se ensinar, e se é necessário

levar isso em conta no momento de se examinar qualquer modelo educacional.

Como manter as práticas pedagógicas atualizadas com esses novos processos de transação de conhecimento? Não se trata aqui de usar as tecnologias a qualquer custo, mas sim de acompanhar consciente e deliberadamente uma mudança de civilização que questiona profundamente as formas institucionais, as mentalidades e a cultura dos sistemas educacionais tradicionais e sobretudo os papéis de professor e de aluno. (LÉVY, 1999, p. 172)

Esse modelo mais colaborativo é o que já existe em vários ambientes. O sistema

educacional de hoje, como explica Robinson (2010), dá uma sensação de que deve haver

uma resposta certa para cada questão, não abrindo possibilidade para debates. No

videogame, por exemplo, essa visão não faz sentido, pois há várias possibilidades de se

chegar a um objetivo e frequentemente é necessário aprender os modos como se chegar

ao objetivo e contar com colaborações de várias pessoas ou personagens. Essa

característica faz com que o ambiente eletrônico seja uma sala de aula, pois permite um

aprendizado em que haja uma interatividade maior. Para o jogador de videogame,

aprender os objetivos do jogo é algo desafiador e divertido, e ele tenta cumprir essa

dificuldade voluntariamente, de modo a tentar várias possibilidades para conseguir vencer

no jogo.

John Seely Brown, diretor emérito do Xerox Park e professor visitante da Universidade do Sul da Califórnia, argumenta que jogos como o World of Warcraft causam um impacto positivo no aprendizado. “Ao contrário da educação adquirida por meio de livros, palestras e aulas, o que acontece em videogames com um número maciço de jogadores on-line é o que chamamos de aprendizado acidental”, diz. “É aprender a ser – uma consequência natural da adaptação a uma nova cultura – em vez de aprender a respeito de alguma coisa. Enquanto o aprendizado tradicional se baseia na execução de desafios cuidadosamente graduados, o aprendizado acidental depende do fracasso. Ambientes virtuais são plataformas seguras para tentativa e erro. A chance do fracasso é alta, mas o custo é baixo e as lições aprendidas são imediatas”. (TAPSCOTT, 2010, p. 128)

Esse aprendizado acidental, em que o aluno vive o que ele está aprendendo, é um

aspecto importante na ideia de se associar videogame com a educação. Para se ter êxito

no jogo, é necessário estar atento a diversos fatores como a história do jogo, dados

presentes na tela, comandos a serem executados e como desempenhar esses comandos

41

no joystick. Todas essas tarefas têm que ser feitas simultaneamente e em pouco tempo.

Essa habilidade pode ser observada em vários aspectos dessa atual geração. Veen e

Vrakking analisam a utilidade dessa característica na educação, nomeando as pessoas

que vivem nessa geração como Homo Zappiens, pessoas que buscam mais

interatividade e diversidade em suas tarefas cotidianas – e não seria diferente com o

aprendizado.

A consequência é que as multitarefas são uma habilidade fundamental para a aprendizagem porque permitem que os alunos concentrem-se no que é importante, em qualquer momento dado, pela capacidade de gerenciar múltiplos níveis de atenção. Se esse raciocínio tem sentido, podemos então desenvolvê-lo ainda mais. Imagine uma criança que vem para uma sala de aula em que o professor é a única fonte de informação. Da perspectiva da criança, essa sala de aula é um ambiente em que as informações são extremamente pobres. Só há uma fonte de informação a ouvir e, além disso, essa fonte de informação é de caráter obrigatório. […] O ensino tradicional de sala de aula restringe de maneira muito forte o número de fontes de informação e de tarefas, mantendo as crianças fora do controle de que informação ou tarefa deve ser escolhida – um método de ensino que é altamente artificial para o Homo Zappiens e, como consequência, contraproducente para a aprendizagem. (VEEN, VRAKKING, 2009, p. 59)

A crítica dos autores é quanto ao modo como se é feito o ensino. Em todo o

restante das relações, as pessoas têm contato com uma infinita rede de ferramentas que

os conecta ao mundo de forma interativa, no entanto, a escola parece fugir disso. As

novas mídias que estimulam as pessoas e dinamizam o mercado estão ainda por fora do

mundo escolar. No entanto, é preciso se ter cuidado ao inserir essas tecnologias no

ensino. Como já foi dito anteriormente, o papel do professor nesse processo não é o de

apenas repassar o conhecimento, e muito menos é esse o papel que as novas

tecnologias têm que assumir. Aranha (2006) fala sobre a importância da individualização

do conhecimento e do papel do professor como um mediador do conteúdo, e, com isso, o

papel dos jogos eletrônicos não é o de mostrar o conteúdo, mas sim de dar subsídios

para o aluno interpretar e articular o seu conhecimento.

É importante ter em mente na elaboração de jogos eletrônicos com fins educativos que o mesmo não pode ser visto apenas pelo paradigma da emissão e recepção direta (por via de mão única), visto que este paradigma já se tornou obsoleto. O processo de produção do conhecimento não é ahistórico [sic] e imutável, como já foi visto em dado momento pelo princípio do didatismo. Seu declínio teve início com a ascensão da percepção de o indivíduo reage aos conteúdos a ele expostos rearticulando-os, interpretando-os e os re-significando. Neste momento, aprender passa a ser visto como um gesto de aquisição de conteúdo e domínio de uma técnica de aprendizagem cabendo ao emissor (professor) não mais o papel de “repetidor” mas de facilitador do saber. (ARANHA, 2006, p. 106)

O autor continua a análise afirmando que o processo de aprendizagem deve se

focar mais na constituição do sujeito, como um indivíduo social e político, por isso os

jogos utilizados em educação não devem ser vistos como “banco de dados”, mas sim

42

como uma ferramenta para exploração de conhecimentos. Lévy (1998) também faz uma

análise semelhante, ao dizer que “a utilização multiforme dos computadores para o ensino

está se propagando na escola, na casa, na formação profissional e contínua. Essa

utilização carrega em si uma redefinição da função docente e de novos modos de acesso

aos conhecimentos” (LÉVY, 1998, p. 29). O autor ainda diz que esse modelo de

aprendizado permite ao aluno acesso a uma experiência de simulação, que o faz ter um

conhecimento prático de determinadas situações.

Aqui se pode pensar que essas simulações podem estar no campo da ficção.

Segundo Certeau (2010), a ficção é vista na historiografia como aquilo que é errôneo, e

que cabe a história diferenciar o que é fato e o que são apenas histórias. Cria-se assim

uma divisão entre o real e a ficção. No entanto, essa ficção pode não ser apenas uma

história a ser comprovada, mas um modo de se extrair novas possibilidades de

entendimentos.

Desligadas de sua função epifânica de representar as coisas, essas linguagens formais dão lugar, em suas aplicações, a cenários cuja pertinência se refere não mais ao que eles exprimem, mas ao que, por seu intermédio, se torna possível. Eis uma nova espécie de ficção: artefato científico, ela não se julga pelo real que, supostamente, lhe faz falta, mas pelo que ela permite fazer e transformar. (CERTEAU, 2010, p. 47)

Desse modo, a ficção pode ser usada como uma correlação ou como outro modo

de se entender determinado período. Certeau (2002) também mostra que a história é

construída com os olhos do presente, logo, tentamos entender o nosso tempo olhando

para o passado a fim de encontrar as respostas para perguntas contemporâneas.

No passado, do qual se distingue, ele faz uma triagem entre o que poder ser 'compreendido' e o que deve ser esquecido para obter a representação de uma inteligibilidade presente. Porém, aquilo que esta nova compreensão do passado considera como não pertinente – dejeto criado pela seleção dos materiais, permanece negligenciado por uma explicação – apesar de tudo retorna nas franjas do discurso ou nas suas falhas: 'resistências', 'sobrevivências' ou atrasos perturbam, discretamente, a perfeita ordenação de um 'progresso' ou de um sistema de interpretação. (CERTEAU, 2002, p. 16)

A ficção também não deixa de estar inserida nessa análise. Uma história é contada

por uma razão e esta precisa ser entendida pelos seus ouvintes, espectadores ou

jogadores e, para isso, ela tem que ter um sentido ligado ao tempo presente. O jogo é um

elemento cultural que se insere no tempo em que se encontra e os jogos eletrônicos

conseguem se comunicar com o atual tempo de uma maneira mais interativa, utilizando

justamente a ficção, proporcionando ao seu jogador uma experiência ligada ao

pensamento dele sobre o mundo. Simular estar na pele de um soldado da Segunda

43

Guerra, por exemplo, é uma experiência que vai além da história ficcional contada, tem

ligação também com o período atual e com a expectativa do jogador quanto a querer viver

aquela situação, que também não é a mesma coisa de estar vivenciando aquela

experiência no mundo real. Por isso, o videogame está ligado àeducação e à história, não

como um modo de repassar conteúdos, mas sim como uma ferramenta que permite criar

novas situações para cenários já vistos, permitindo, assim, uma experiência de imersão

que se utiliza da ficção para criar um novo conhecimento.

O videogame, apesar de fazer parte de um mercado global e ter vários jogos com

milhões de unidades vendidas, ainda permanece como uma experiência individual, o que

causa certa contradição. Isso acontece justamente por conta da linguagem que o

videogame utiliza, que é focada na experiência do jogador quanto ao jogo. Mesmo que

milhões de pessoas joguem o mesmo jogo, é possível que poucas relatem as mesmas

experiências, assim como é possível que muitas joguem fases não jogadas por outras

pessoas. Outro ponto interessante dos jogos eletrônicos é que não é possível falar sobre

uma fase específica para alguém, é preciso que se jogue para se chegar àquela

determinada fase e para entender do que se está falando, ou seja, é preciso jogar para se

entender o jogo.

A ideia parece óbvia, mas o que se pretende dizer com isso é que o jogo é uma

experiência mais do que a própria história. Poderia ser dito que no jogo Warcraft, por

exemplo, é necessário explorar as minas de ouro para conseguir novos itens, mas isso

seria apenas uma informação. Ao jogar, a pessoa se conecta ao mundo do jogo e percebe

que realmente é preciso explorar as minas, mas também entende o porquê da exploração

e consegue até descobrir novas maneiras de explorar sem ser vítima de seus inimigos,

além de descobrir que é necessário executar vários comandos ao mesmo tempo para

garantir a exploração. Desse modo, como Arruda (2011) diz, o “acesso às diferentes

mídias digitais criam novas relações com os saberes, novas maneiras de interpretar o

mundo e, por que não, novas formas de aprendizagem e de construção do saber

histórico” (ARRUDA, 2011, p. 288).

Segundo Sid Meier, no documentário A era do videogame, “estamos começando a

entender as possibilidades do videogame” isso porque é uma mídia nova e que ainda tem

muito a ser estudada. O que podemos perceber é que essa nova mídia está cada vez

mais presente no cotidiano das pessoas e que as mudanças tecnológicas são cada vez

mais constantes, portanto é preciso se entender qual é o espaço dessas novas mídias na

sociedade e na cultura e de que modo podem ser melhor utilizadas. A evolução do

videogame mostra que essa tecnologia está cada vez mais inserida na vida desta atual

44

geração.

A combinação de belas paisagens tridimensionais, técnicas avançadas de narrativa e a oportunidade de permitir que o usuário seja o autor de sua própria experiência, ajudaram o videogame a se tornar a forma dominante de entretenimento em todo o mundo e é uma mídia que só vai melhorar no futuro […] Cada estágio da evolução aproximou os jogadores do sonho lúcido que o videogame se tornou hoje, primeiro a interface precisou evoluir para nos jogar dentro da experiência depois os personagens nasceram para nos manter envolvidos com essa interface em seguida esse mundo precisou crescer ao nosso redor para que pudéssemos sentir as possibilidades da mídia a essência do jogo teve que nos perturbar e despertar nossa imaginação ao mesmo tempo. (VIDEOGAME, 2007)

Por ter essas características, muitas profissões já se utilizam dos jogos eletrônicos

para treino. As forças armadas utilizam jogos de guerra para treinar seus soldados, pilotos

de automobilismo e de aviões utilizam simuladores para melhorar sua performance,

policiais também fazem uso de jogos eletrônicos para aprender novas táticas. Além

dessas profissões que se utilizam de simuladores, outras usam as qualidades presentes

nos jogos para melhorarem o rendimento dos funcionários. Em um estudo de 2007, foi

constatado que médicos que jogavam videogame erravam menos e completavam testes e

simulações em menos tempo. Outro exemplo é de uma rede de hotéis que usou um jogo

de videogame para treinar seus funcionários para que estes atendecem melhor os

clientes. E ainda um jogo em que o jogador tinha que convencer uma modelo a fazer

topless que foi reformulado para vendedores treinarem suas habilidades de

convencimento (QUE PROFISSÕES, 2011).

Aqui podemos novamente voltar à discussão do entretenimento. Obviamente que o

objetivo principal do jogo eletrônico é o divertimento, mas, como foi visto com Huizinga

(1996), o jogo tem características que vão além do divertimento e não é diferente com o

videogame. Não se trata de inverter o sentido do jogo, mas sim de criar um novo fim para

que ele possa ser utilizado na educação. Aranha (2004) mostra que esta mídia é hoje

mais do que um objeto de divertimento.

Ao mapear o trajeto da tecnologia dos Jogos Eletrônicos, foi possível evidenciar as múltiplas ações que imbuíram o dispositivo, cada vez mais, com elementos que o ocupavam com a função de transmissor de informações, articulando-as na construção de uma significação, de uma mensagem. Deste modo, evidenciou-se o modo como os Jogos Eletrônicos vieram assumindo funções de mediação que nos habilita compreender tais jogos como sistemas comunicativos, os quais ganham mais ênfase quando são finalmente ligados por meio de redes de computadores, estabelecendo a conexão de milhares de usuários em um mesmo espaço virtual, trocando mensagens, estabelecendo conversações e dinâmicas através destes jogos. (ARANHA, 2004. p. 61)

Com isso pode-se concluir que o videogame se tornou um meio de comunicação e

uma ferramenta importante na atual sociedade, que pode e é utilizada como um meio de

45

expressão pelos seus usuários, mais do que a transmissão de informações, é necessário

se entender e pensar sobre um jogo para jogá-lo, o que pode ser utilizado como uma

ferramenta educacional, mas não como um substituto ou como uma evolução da

educação. É preciso entender que o objetivo principal desses jogos é ser vendido,

portanto o que se propõe aqui é mostrar uma nova alternativa a essa linguagem para que

esta seja usada como um acessório no processo educacional.

2.2 Jogos digitais no ensino de História

Uma das características principais do videogame é a de permitir que o jogador

participe de uma experiência interativa com o conteúdo que o jogo apresenta. Sendo

assim, o videogame mostra-se como uma boa ferramenta para auxiliar o professor nas

aulas de História para melhorar a compreensão dos alunos.

A utilização do videogame em sala de aula pode ser uma forma de melhorar a

compreensão dos alunos sobre os aspectos históricos que envolvem os mais variados

temas tratados na disciplina de História. Mais do que mostrar um fato isolado, ou ser

utilizado para auxiliar no ensino de um assunto específico, os jogos digitais têm um

potencial de mostrar ao aluno conceitos que estão presentes em todo o estudo da

história. Jogos que falem especificamente sobre estes períodos históricos e feitos

especialmente para esse propósito seriam ideais, mas tais jogos ainda não existem, por

isso é necessário fazer uma análise de jogos já criados para avaliar a potencialidade que

cada um tem de ser utilizado como ferramenta pedagógica.

Um exemplo de como esse tipo de atividade pode ser levada é o que se pretende

mostrar neste trabalho. O jogo Chrono Trigger, desenvolvido para o Super Nintendo em

1995, é um bom exemplo de como fazer com que os alunos possam ser inseridos nessas

questões mais abrangentes que envolvem a história, fazendo-os compreender melhor

certos aspectos da disciplina.

Esse jogo foi escolhido por poder ser relacionado não apenas com um, mas com

vários períodos históricos. O jogo foi um grande sucesso na época de lançamento e até

hoje conta com muitos fãs. Não é um game de ação direta, mas sim de RPG, o que

permite ao jogador uma maior interação na história do jogo.

Chrono Trigger tem início com a mãe do protagonista, Crono, o acordando para ir

para a Feira do Milênio no ano 1.000 A.D., onde sua amiga, Lucca, irá apresentar sua

nova invenção: um aparelho de teletransporte. O jogador pode interagir à vontade pelo

mapa do jogo, até chegar à feira. Lá, Crono encontra Marle, que é a princesa do Reino de

46

Guardia (fato que ele ainda desconhece). Quando eles vão testar a máquina de Lucca,

algo dá errado e Marle, que havia se voluntariado para testar o teletransporte, acaba

desaparecendo.

Crono e Lucca vão atrás dela e descobrem que a máquina criou um buraco de

minhoca e levou Marle para o passado, no ano de 600 A.D. Nesse período, chamado de

“Middle Ages” (Idade Média), está ocorrendo uma luta entre duas raças existentes

naquele Reino: os humanos e os místicos. Os místicos são comandados por Magus, que

utiliza magia para tentar vencer os humanos e despertar Lavos13. Eles conseguem

resgatar Marle com a ajuda de um guerreiro chamado Frog, que foi transformado em sapo

por Magus.

Eles retornam a 1.000 A.D., mas, quando chegam em casa, Crono é acusado de

ter sequestrado Marle e é julgado e condenado. Com a ajuda de Lucca e Marle, Crono

foge da cadeia e entra em um buraco de minhoca que vai até o ano de 2.300 A.D. Lá eles

descobrem que o mundo foi destruído por Lavos e que as poucas pessoas que restaram

vivem em péssimas condições. Nessa época, eles também encontram Robô, que resolve

acompanhá-los em sua jornada.

Ao descobrirem o futuro terrível que aguarda seu planeta, eles decidem usar as

viagens no tempo para encontrar e destruir Lavos, antes que ele destrua o mundo. Na

hora de voltar para seu tempo definitivamente, acabam chegando a um lugar conhecido

como “Fim do tempo”, um lugar de onde eles podem ir para qualquer época.

Com a vontade de descobrir o que ocasionou o problema que os espera no futuro,

eles acabam indo para vários períodos históricos de seu mundo. Junto com vários outros

aliados, eles vão tentar descobrir o que é Lavos e como pará-lo. Como o jogo é um RPG,

é necessário que o jogador não apenas jogue, mas também conheça a história do mundo

de Crono para poder tomar as melhores decisões. No “Fim do tempo”, o jogador pode

escolher por onde quer começar sua jornada. Há uma linha certa de como zerar o jogo,

mas o jogador também tem liberdade de poder fazer seu próprio caminho, desde que no

final atinja ao objetivo, que é destruir Lavos.

A primeira época em que vão após descobrir o que ocorreu com o mundo no futuro é

novamente para 600 A.D., já que acham que Magus é o responsável por Lavos. Para

conseguir vencê-lo, eles têm que convencer Frog a se juntar a eles, mas para isso

precisam consertar sua espada. Para isso, têm que voltar até a pré-história do planeta, no

13 Lavos é um ser alienígena que chega ao planeta de Crono na pré-história. Ele se alimenta de DNA e fica

escondido na superfície do planeta se alimentando até que chegue o momento de sair, destruir o planeta e lançar seus descendentes para povoar outros planetas.

47

ano de 65.000.000 B.C., onde há uma pedra rara da qual é feita a espada. Nesse período,

encontram a guerreira Ayla, líder de seu grupo na luta contra os Reptites. É nesse período

também que Lavos chega ao planeta, ainda em estágio de incubação. Após várias

batalhas, ao derrotarem Magus, é descoberto que ele não era o responsável por despertar

a ameaça que iria varrer o planeta milênios depois e os personagens acabam indo para o

ano de 12.000 B.C.

Nesse período, eles encontram o Reino de Zeal, comandado pela Rainha de Zeal.

Esse reino se utiliza da energia emanada por Lavos para se sustentar, e foi nesta época

que os humanos desenvolveram o poder de utilizar magia. Com uma energia infinita e

poderes mágicos, a Rainha domina o planeta de forma absoluta e eleva seus castelos,

fazendo-os flutuar sobre o planeta, para ser imune a terremotos e outras catástrofes,

enquanto o restante da população vive na superfície, sem acesso a magia ou ao

conhecimento. Ao descobrir que Crono e seus amigos estão nesse período, a Rainha os

bane da época e fecha os portais.

Para retornar a 12.000 B.C., eles têm que ir até 2.300 A.D. para adquirir uma

máquina do tempo. Após a Rainha de Zeal usar Lavos por tanto tempo, ele acaba

despertando e, na linha de tempo de Magus, destrói o Reino, mas muitos sábios são

enviados a outros tempos, caso de Magus e Gaspar, que “construiu” o “fim do tempo”.

Como Crono e seus amigos estão nesse tempo, eles acabam tentando derrotar

Lavos e a Rainha de Zeal, mas não conseguem e Crono acaba morrendo. Após a

destruição de Zeal, os personagens acordam em um vilarejo e descobrem que Magus, na

verdade, era filho da Rainha de Zeal, e que havia sido mandado até 600 A.D., e lá

pretendia despertar Lavos para matá-lo, vingando-se assim da morte da irmã, Schala.

Nessa parte, o jogador pode escolher entre matar Magus ou convidá-lo a se juntar ao

grupo.

Para recuperar Crono, o jogador deve adquirir alguns itens, entre eles a “Chrono

Trigger”, e resolver alguns enigmas até conseguir ressuscitá-lo. Após isso, os

personagens têm mais alguns desafios até que conseguem chegar novamente em 12.000

B.C., em que enfrentam a Rainha de Zeal e Lavos. Após derrotar os dois, o jogador é

apresentado a um final, que varia de acordo com as escolhas feitas ao longo do jogo.

Existem outras maneiras de zerar o jogo, sendo possível, inclusive, ir direto ao “dia de

Lavos” (dia no qual ele destrói o planeta, em 1.999 A.D.) sem passar por todas as outras

aventuras, dependendo apenas de como o jogador quiser jogar.

Dessa forma, o jogo apresenta uma história rica e cheia de detalhes e imersões,

podendo o jogador-aluno experimentar novas formas de interação com personagens e

48

histórias que podem ser analisadas na disciplina de História. Obviamente que se deve

levar em conta que o objetivo do jogo não é educar, mas sim vender entretenimento, mas,

como foi visto anteriormente, é possível se dar um novo fim a função desse jogo,

dependendo do modo como é trabalhada essa mídia. Desse modo, pretende-se entender

de que maneira esses jogos podem ser utilizados no ensino de História. É visto que o

videogame e os jogos digitais estão amplamente presentes em nossa sociedade e

compreendê-los para utilizá-los como método de ensino, pode ser vantajoso. No artigo Os

jogos para computador e o ensino de História: Diálogos possíveis, os autores, Cristiani

Silva e Antonio Celso Mafra Jr., falam sobre a utilização dessas mídias em sala de aula

como uma forma de ampliar o ensino.

Seria desejável que os professores e professoras de História fizessem uso de representações da História no espaço extra-escolar, das memórias construídas em diferentes lugares, para, não apenas ampliar as perspectivas do ensino de História na escola, mas, a partir daí atuar no sentido de que crianças e jovens sintam-se pertencentes a este mundo virtual e, ao mesmo tempo real, de passados e presentes recompostos, de disputas e de conflitos. (SILVA e MAFRA JR., 2008)

Relacionando o presente com o passado, e se utilizando dos bens culturais utilizados

para explicar os fatos atuais, é possível fazer uma contextualização a partir desses jogos,

que podem mostrar ao seu jogador uma nova concepção da história, fazendo com que se

consiga entender o conteúdo do jogo e, assim, relacionar o conhecimento já adquirido

com o jogo na disciplina de História.

Pode-se observar que esses jogos são consumidos por um público cada vez maior, e

que seu conhecimento entre os alunos do ensino médio é grande, por isso entender de

que modo esses jogos podem ser utilizados no ensino é importante para aproximar esse

ensino de História do aluno, melhorando a compreensão do estudante no tema a ser

estudado. A utilização dessa linguagem como um modo de auxiliar o ensino, pode fazer

com que o aluno tenha uma compreensão melhor sobre a própria ciência histórica, e não

apenas em um assunto, utilizando o jogo apenas como analogia. É possível, a partir da

ideia de se colocar o jogo como um elemento que permite uma experiência individual,

mostrar ao aluno toda a concepção histórica que o professor muitas vezes não consegue

expressar ao passar o conteúdo. Silva e Mafra Jr. (2008) mostram que a abrangência

maior desses jogos nos últimos anos, faz com que essa mídia possa contribuir para

melhorar as concepções de memória e história.

49

Acreditamos que os jogos de computador consumidos por crianças, jovens e adultos de diferentes classes sociais nos últimos dez anos – sobretudo com o maior acesso da população brasileira a rede mundial de computadores – certamente também contribuem para fixar sentidos sobre determinadas memórias e sobre a História. Nesse sentido, devem ser entendidos e pensados como possibilidades de se problematizar a memória no ensino de História, e, no limite, a construção da consciência histórica. (SILVA e MAFRA JR., 2008)

Pode-se verificar, com uma análise empírica, que é através da jogabilidade que o

gamer acaba aprendendo o conteúdo do jogo. Diferente de outras mídias, onde as

pessoas são apenas espectadoras passivas, no videogame quem faz a história seguir é o

jogador, sem ele não há jogo. Por isso, seria interessante explorar essa característica dos

jogos, para auxiliar no ensino da disciplina.

Ora, é preciso que os educadores reconheçam os repertórios de práticas sociais nas quais os educandos costumam se envolver, e o consumo de jogos eletrônicos interativos é uma destas práticas, para poderem interpelar precisamente o indivíduo que se educa, e não um “educando” abstrato, ou seja, é preciso que o educador atenda prioritariamente o ser humano que se está educando, acima de sua relação com os conteúdos das ciências que professa. Os componentes curriculares existem em função dos sujeitos em individuação, em função da inserção destes indivíduos na atualidade das sociedades que os envolvem, e não estes em função daqueles. (AMARAL, 2008)

Desse modo, é possível concluir que o videogame tem uma abertura para ser

utilizado no ensino, de modo que possa auxiliar os professores na elaboração das aulas,

fazendo com que o aluno faça parte de seu aprendizado. Também se pode verificar que é

necessário entender essas novas mídias, pois elas estão presentes no mundo dos

adolescentes, e se for possível utilizá-las na sala de aula só irão ajudar na didática de

qualquer disciplina.

Também podemos observar que esses jogos podem ser entendidos como uma ponte

entre o presente e o passado, fazendo com que o aluno consiga perceber não só a

história por trás daquele game, mas que também possa ver que essa interpretação da

história é sobre o ponto de vista do presente e que a presença da história interpretada

pelo jogo não está ali por acaso, mas que faz parte de uma crítica relacionada ao

presente.

É claro que essa experiência pode ser sentida em outros meios. A sensação

estética que permeia todas as artes, e nos deixam plenamente vivos, é sentida em todos

os meios. Quando alguém lê um livro também desenvolve sua imaginação, assim como

no cinema é necessária uma imersão do espectador no filme, fazendo com que cada

pessoa tenha uma experiência diferente, mas todas essas mídias têm um meio para

causar esse efeito no seu espectador, que é a narrativa. Já o videogame tem um meio

diferente, que é a jogabilidade, como foi mostrado por Schenkel (2010). Se um jogo tiver

50

ótimos gráficos e uma excelente história, mas uma péssima jogabilidade, não fará tanto

sucesso e não causará reação no jogador.

A jogabilidade é o que permite ao jogador se sentir parte integrante da história, não

imaginar-se como, mas ser de fato parte da história, não um personagem, mas ele

mesmo (muitas vezes com a roupagem do personagem também). Essa experiência faz

com que o videogame tenha uma especificidade única, que faz com que seja uma mídia

com um grande potencial de uso para entreter e possivelmente também para ensinar.

Ao fazer seu jogador se sentir parte integrante do jogo, o videogame faz com que a

inserção na história do jogo seja quase que absoluta, fazendo com que o gamer viva no

mundo virtual e tome ações que o façam chegar ao objetivo final, que diverge

dependendo do jogo. Essa pode ser uma ferramenta importante no momento de se

passar o conhecimento. Colocando o conhecimento a ser passado como o objetivo do

jogo, ou mostrando de que modo o objetivo está relacionado com um conteúdo, pode ser

um meio de se utilizar de forma satisfatória essa ferramenta na educação.

Como sendo parte das novas tecnologias, o videogame também pode ser visto

como um instrumento de colaboração, fazendo com que o ensino não seja apenas visto

como uma relação de “professor ensinando e aluno aprendendo”, mas também uma

relação em que o próprio aluno possa ser parte integrante de seu próprio ensino e que

possa também colaborar com o ensino de seus colegas, partilhando experiências e

discutindo problemas. As tecnologias da informação atual mostram que nossa sociedade

como um todo está se transformando desse modo, como explicam Veen e Vrakking

(2009), mostrando que a educação também pode tomar esse rumo.

As tecnologias da informação e da comunicação mudarão de maneira profunda o modo como aprendemos, da mesma forma que a sociedade como um todo, que caminha para uma economia de conhecimento intenso e criativo. Nessa sociedade, o conhecimento será distribuído e descontínuo, em redes técnicas e humanas. Para os aprendizes, a criação do conhecimento será uma questão de agregação mais do que de memorização. Esse fato em si da distribuição e da descontinuidade do conhecimento leva-nos a pensar que os sistemas de educação mudarão e que os professores serão desafiados, como profissionais, a contribuir para a implementação de tais mudanças. (VEEN e VRAKKING, p. 124, 2009)

O jogo escolhido para se fazer esta análise neste trabalho, Chrono Trigger”, pode

também ser enquadrado nessa característica. Com a questão do tempo sendo

constantemente abordada no game, o jogo se mostra como um bom exemplo de como

trabalhar com a noção de tempo e de transformações ocorridas ao longo da história, sem

mostrar a ideia de que a disciplina mostre apenas a sucessão de fatos, mas sim uma

ligação existente entre os vários períodos históricos.

51

Na história do jogo, os personagens têm um objetivo final e para isso, precisam

entender as causas daquele problema, e de que maneira ele pode ser solucionado,

investigando a história de seu planeta de modo a descobrir fatos que lhes auxiliem na

compreensão das ações que eles precisam tomar. Mais do que isso, o jogador descobre

esses fatos e, a partir do conhecimento adquirido no jogo, é possível utilizá-lo na

disciplina de História, para que o aluno compreenda que a passagem do tempo e os

acontecimentos não são divididos em períodos, mas que há uma estrutura temporal que

pode ser estudada para se compreender um determinado fato.

Além disso, o jogo também tem elementos que podem ser melhor abordados pelo

professor, como a construção da memória e das mudanças nos períodos temporais

visitados. No jogo, os personagens só interagem com aquilo que lhes auxiliem em seu

objetivo, mas é possível explorar mais o game. Desse modo, é possível trabalhar o modo

como as mudanças aconteceram no decorrer da história do planeta de Crono, trazendo a

mesma análise feita ao mundo real e para ser discutido na disciplina de História. Como

explica Rago (2003), ao citar Foucault, os problemas presentes acabam se utilizando do

passado para explicá-los e resolvê-los.

Como ele mesmo diz [Foucault], sua relação com a História é estabelecida a partir de um problema que se coloca no presente, para a resolução do qual necessita voltar ao passado, mas também aqui é de uma nova relação com o passado que se trata: um passado não mais visto com origem embrionária, como germe a partir do qual tudo evolui num “tempo homogêneo e vazio”, mesmo que definido “dialeticamente”, mas nietzscheanamente falando, como “origem baixa”, lugar do acontecimento, da emergência em sua singularidade, a partir da disputa de forças em conflito. (RAGO, 2003, p. 41)

Esse tipo de análise histórica pode ser melhor explorada com o uso do Crono

Trigger e da linguagem presente no jogo. O desvelamento do passado em busca de uma

resposta a um problema do futuro (no caso do jogo) é a síntese do jogo, e colocar o aluno

para que ele mesmo experimente isso, pode fazer com que a compreensão dele na

análise da história seja melhorada e ampliada.

Esse tipo de visão da história é chamada por Siman (2003) de história-problema, a

qual ele mostra como sendo um modo de se ver a história não como uma sucessão de

fatos do passado para o futuro, mas sim como um modo de se dialogar com diversos

tempos a fim de se chegar a uma conclusão sobre um problema presente.

52

A história-problema, diferentemente da história tradicional, visa à elaboração de um exame analítico de um problema, ou de questões que podem se apresentar em diferentes períodos. Assim, enquanto na perspectiva tradicional a explicação histórica obedece à lógica da narração – onde o antes explica o depois – a história-problema procura compreender e explicar problemas e questões oriundos do presente, a partir da formulação de hipóteses conceituais, o que exige um diálogo com diferentes temporalidades. Ou seja, o objeto central da história deixa de ser o estudo do passado para ser o estudo da relação entre o presente e o passado, nas suas relações de continuidades e mudanças. (SIMAN, 2003, p. 114)

A questão que se coloca no momento é qual o papel do jogo nessa análise. Chrono

Trigger é um jogo que lida muito com essa história-problema, não que ele tenha sido

criado para isso, mas é possível ter essa leitura ao se jogar. Como foi dito anteriormente,

só é possível se ter uma análise perfeita do jogo ao se jogá-lo, ou seja, a experiência só

acontece no momento em que a pessoa se torna um jogador, por isso a explicação sobre

o modo como esse jogo pode ser utilizado se limita a uma relação da história do jogo com

as teorias propostas para serem trabalhadas em sala pelo professor.

Os ressentimentos, que são presentes no decorrer da história como algo que

sempre utiliza o passado para justificar ações presentes, também são mostrados no jogo.

Na história, o mundo em que Crono vive é habitado por duas raças: os humanos e os

místicos. Estes tentaram exterminar os humanos cerca de 400 anos antes, sob a

liderança de um vilão chamado Magus, que, segundo o que se acreditava, teria tentado

despertar Lavos, na “Idade Média” deles.

Em uma parte do jogo, Crono e seus amigos acabam aparecendo dentro do

armário de uma casa de místicos, que não são hostis a eles, mas os avisam que por

aqueles lados muitas pessoas não gostam de humanos, pois ainda têm ressentimentos

quanto ao episódio de séculos atrás, mas o dono da casa fala “isso foi há muitos anos,

devemos deixar isso no passado”. A prova de que muitas pessoas naquela vila realmente

não gostam de humanos é mostrada mais além, quando se vai até um mercado da vila e

os preços são absurdamente altos para os humanos. Essa ideia de que muitas pessoas

ainda se utilizam de um passado para justificar um ódio, pode ser mostrado através do

jogo e utilizado pelo professor em sala de aula para, por exemplo, explicar os

ressentimentos presentes na época pré Primeira Guerra e em vários outros momentos da

nossa história.

Pode-se entender que a memória é parte essencial na trama do jogo. A

manipulação do que se passou é o que motiva, por exemplo, que Lavos seja despertado

mesmo tendo passado mais de mil anos desde que Magus tentou fazer isso para destruir

os humanos. Crono e seus amigos tentam, a partir do conhecimento disso, tentar salvar a

história que eles conhecem, coletando informações e intervindo onde podem para

53

resolver esse problema.

Como Bosi (1994) diz em seu artigo, “o tempo reversível é, portanto, uma

construção da percepção e da memória: supõe o tempo como sequência, mas o suprime

enquanto sujeito vive a simultaneidade […] A memória vive do tempo que passou e,

dialeticamente, o supera” (BOSI, 1994, p. 27). Essa superação do tempo passado é

mostrada no jogo na “Feira do Milênio”, que é o primeiro lugar onde Crono vai. A festa é

feita para reafirmar as conquistas daquela civilização, que ao mesmo tempo festeja a

vitória sobre Magus há 400 anos, assim como para os místicos toda a comemoração só

faz com se relembrem da derrota e sintam mais remorso, mesmo que aquilo não tenha

acontecido com eles. Isso mostra que, como é explicado por Siman (2003), o tempo

histórico é uma construção que se utiliza de um passado escolhido para explicar o

presente e mostrá-lo como diferente do passado ou como uma continuidade dele.

O tempo histórico é produto das ações, relações e formas de pensar dos homens e essas ações variam ao longo do tempo cronológico. Em cada tempo histórico – ou em cada presente – coexistem relações de continuidade e de rupturas com o passado, bem como perspectivas diferenciadas do futuro. Assim, as mudanças e permanências que acontecem num determinado tempo não se explicam pelo que aconteceu num tempo cronológico imediatamente anterior; no entanto, não podemos prescindir da cronologia para construir demarcações dos processos históricos. (SIMAN, 2003, p. 111)

Desse modo, podemos ver que a questão da memória também pode ser trabalhada

com Chrono Trigger, ao se fazer uma leitura mais atenta do jogo. Obviamente que, para o

jogador-aluno, essa percepção passe até despercebida, mas a ideia de que isso existe vai

fazer parte da experiência dele como jogador. É essa troca de informações e de

conhecimentos entre ele e o professor que acabam por construir um conhecimento mais

colaborativo.

Outra mostra de como se trabalhar com a questão do tempo no jogo está na

própria dinâmica dele. Para resolver o problema que Lavos representa, os personagens

têm que sair em buscas atrás de itens, outros personagens e informações que não estão

necessariamente em uma linha cronológica. Desse modo, podemos ver que o jogo

constrói uma linha cronológica própria que, apesar de ter uma linha na história original

pré-definida, é possível que essa linha seja diferente para cada jogador.

Sendo assim, é possível que o aluno experimente uma nova forma de observar a

história, sem que ela seja uma sequência de fatos que ele deva memorizar e repetir na

prova, mas sim uma investigação feita para se resolver questões presentes (ou futuras,

no caso do jogo). Sobre esse aspecto, Rago (2003) fala sobre uma visão histórica em que

não se priorizaria os acontecimentos lineares, mas sim uma construção história

54

multitemporal.

Ao se problematizar a produção do conhecimento histórico, as representações do tempo, do passado e da ciência com que operamos, um novo conceito de temporalidade se tornou possível: não mais o de um tempo definido aprioristicamente, em que o historiador inscreveria os acontecimentos, como num filme linear; mas o tempo da experiência, do acontecimento em sua singularidade, o que torna possível perceber que há diferença na repetição e que trabalhamos com a multitemporalidade, ao invés de restringirmo-nos a uma temporalidade única. (RAGO, 2003, p. 28)

Essa construção histórica pode ser uma forma de inserir o aluno em uma

concepção de história diferente daquela proposta em grande parte dos livros didáticos,

em que a história é segmentada em períodos que parecem não ter relação entre eles.

Exemplificando, ao invés de ensinar o imperialismo do século XIX em um bimestre e a

Guerra da Bósnia em outro, é possível ao professor conectar esses dois tópicos

juntamente com a Primeira Guerra e a própria Guerra Fria, fazendo, assim, com que o

aluno tenha um panorama geral do que aconteceu e que não pareça que os

acontecimentos são desligados nem que são sequenciais. Para um aluno que teve uma

experiência imersiva de estar presente e atuante em uma história que o faz ver a história

de uma maneira diferente, seria mais fácil desconstruir os acontecimentos e trabalhar de

uma maneira mais multitemporal, mostrando que o tempo vivido, como Siman (2003)

explica, são múltiplos e têm significados diferentes de acordo com a leitura que se faça,

ao jogar e relatar a experiência do jogo, o aluno pode verificar isso de uma maneira mais

precisa.

O tempo vivido tem a sua lógica, ritmos e durações próprios. A lógica do tempo vivido não se conforma numa cronologia e tampouco é a mesma do “tempo marcado pleos que detêm o poder de marcá-los”. Os tempos vividos, além de múltiplos, entrelaçam aspectos econômico-políticos e sociais que costumeiramente são apresentados de maneira isolada. Várias histórias se acotovelam no tempo: múltiplas memórias construídas nas relações entre os homens e mulheres que vão formando sua identidade de classe; homens e mulheres que narram a sua experiência de luta, de dominação, de transgressão e de sobrevivência. (SIMAN, 2003, p. 117)

Essa noção do tempo como algo não linear, pode ser usado pelo professor como

um modo de o aluno perceber a história de um modo diferente, mostrando que é

necessário se entender os eventos passados para conseguir responder as questões

presentes e que nem sempre essas respostas vão estar de uma maneira linear ou no

modo como estão divididos nos livros. Como Rago (2003) e Siman (2003) mostram, os

acontecimentos estão sendo vividos e experimentados em várias temporalidades

simultâneas, estando ligados ao passado, ao presente e, também, influenciando o futuro,

o que é bem representado no jogo.

A brincadeira que se faz no jogo de viajar no tempo, nada mais é do que uma

55

investigação do passado para se entender e, no caso do jogo, mudar o passado. Tentar

entender o que ocorreu no passado precisamente é “o objetivo maior da pesquisa

histórica, a certeza de que se poderia pisar em solo firme, a legitimização (sic) da História

como ciência, luta pela qual grande parte do século XIX se bateu” (RAGO, 2003, p. 36), e

essa legitimação pode ser vista no jogo. Diferente da vida real, em que é necessário

achar evidências do passado, analisá-las com uma teoria e produzir o conhecimento

histórico, no jogo é possível que o próprio jogador veja e seja um agente dos

acontecimentos históricos, podendo, assim, mostrar ao aluno o modo como se constitui o

tempo histórico, pois, mesmo que todos estejam jogando o mesmo jogo, é possível que

haja leituras diferentes da história central bem como dos personagens, já que o jogador

pode escolher quais personagens irão fazer parte da jornada dele.

O jogo pode, assim, auxiliar o aluno no momento de analisar a história e de ver que

os acontecimentos não estão isolados no tempo, mas que fazem parte de uma estrutura

temporal que é construída ao longo da história. Ao colocar o aluno em uma experiência

pessoal em que ele consegue perceber isso, faz com que ele possa ter mais ferramentas

para compreender e para observar que “a história não é mais um discurso 'objetivo' e

acabado, onde o antes, cronologicamente situado, explica o que vem depois.” (SIMAN,

2003, p. 113). Sendo assim, o videogame, e no caso específico, Chrono Trigger, estaria

auxiliando o aluno a ter uma visão de uma história mais complexa, que é necessário,

como explica Miranda (2003), ao dizer que é preciso que o aluno consiga entender o

tempo além da sua realidade para que possa compreender melhor a própria história.

Pelo exposto até aqui, é possível perceber a complexidade inerente ao que deva ser um trabalho de educação histórica que permita ao aluno desenvolver sua capacidade de compreender o tempo para além do seu presente imediato. Para o aluno, sair do presente significa se descentrar, deixar de tomar seus valores e parâmetros de julgamento, para analisar outras realidades e outras culturas. A história é, portanto, a disciplina que potencializa, como poucas outras, tal movimento de descentração. No entanto, tal aquisição só se dará em função de uma internalização efetiva dos conceitos e categorias inerentes à compreensão do tempo e se seu ensino não tiver como parâmetro curricular a busca de uma cultura histórica, aqui entendida como erudição, o que não significa, no entanto que ela não deva existir. (MIRANDA, 2003, p. 201)

Todavia, Miranda (2003) continua sua explicação mostrando que o modelo escolar

de hoje não permite essa compreensão ao aluno, pois o modo como o ensino está

proposto constrói uma síntese do processo histórico, generalizando os acontecimentos e

não permitindo assim ao aluno uma análise mais complexa do processo histórico. O

videogame, com jogos como Chrono Trigger, pode ser uma ferramenta útil para uma

mudança nesse panorama, ao inserir um modo de ensino diferente, onde o conhecimento

56

é construído e não imposto e que o próprio aluno colabora com seu próprio ensino.

Como já foi visto antes, é a experiência que diferencia o videogame de outras

mídias. É essa característica que permite a ele poder ser inserido na sala de aula como

um modo de complementar o ensino de História, mostrando, assim, uma nova maneira de

se compartilhar e construir o conhecimento. No caso de Chrono Trigger, seu auxílio pode

ser visto como um modo de ajudar o aluno não apenas a fazer analogias a conteúdos

específicos, mas a conseguir compreender melhor a construção do conhecimento

histórico, que poder ser diferente, de acordo com as fontes e objetivos pretendidos,

mostrando que há uma gama de possibilidades de se entender a passagem do tempo e o

modo como os acontecimentos ocorreram. Como Siman (2003) diz, a história pode ser

composta de várias marcações e modos de interpretá-las.

Existe uma polifonia de eventos e de modos de vivê-los e pensá-los que pode demarcar o passar do tempo, instituindo novos marcos referenciais ou, ainda, configurando sentidos diferentes às mesmas datas. Incluir novas possibilidades de instruir outras “marcações do tempo” vem de par com a expansão dos objetos e métodos de produção do conhecimento histórico. (SIMAN, 2003, p. 114)

Continuando, Siman (2003) ainda mostra que as transformações ocorridas no

decorrer do tempo, podem estar presentes de maneiras diferentes nas memórias

individuais e coletivas, que podem fazer com que haja novas maneiras de se ver ou

entender os eventos. Essa análise pode ser observada no jogo também. Ao jogador, é

permitido conversar com várias pessoas que vivem nos vilarejos visitados. Ao se

interrogar essas pessoas, o jogador-aluno pode descobrir novas dicas para responder

seus questionamentos ou também pode encontrar novos objetivos e decidir de que

maneira irá lidar com aquilo. Como vários jogadores-alunos irão jogar ao mesmo tempo, é

possível que haja uma grande diferença na compreensão que cada um terá da história,

pois muitos podem não conversar com as pessoas, outros podem conversar com uns e

não com outros, também há a possibilidade de alguns jogadores não seguirem a linha

principal do jogo ou mesmo de não saberem que alguns personagens do jogo têm

informações “escondidas” e que é preciso perguntar várias vezes para o mesmo

personagem até que revele o que é necessário saber.

A ideia de continuidade temporal e de multitemporalidade pode ser trabalhada

também através da figura de Lavos. A criatura que chegou ao planeta na pré-história e,

milhões de anos mais tarde, desperta para destruir o local e lançar seus descendentes, é

o elemento que une toda a história do Reino de Guardia. No período “Antiquity”, quando a

Rainha de Zeal o utiliza para obter energia (e fase final do jogo), as transformações

sociais ocorridas ali e potencializadas por Lavos podem ser melhor exploradas. Nesse

57

período, o Reino de Zeal era grandioso e cheio de sábios, mas após Lavos os destruir,

diversas mudanças ocorreram, e essas mudanças fizeram com que aquele conhecimento

se perdesse. Lavos acabou por ser um agente transformador na história do planeta,

mesmo antes de chegar a sua maturidade.

Além dessas diferenciações que podem causar diferentes avaliações e

interpretações, também é possível haver diferentes experiências de acordo com os

personagens escolhidos pelo jogador-aluno. No decorrer do jogo, é possível ao jogador

controlar sete personagens, mas só é possível andar com três deles, sendo que um

sempre tem que ser o Crono. Além de Crono, há Marle e Lucca, que são do mesmo

tempo, mas os outros três personagens são de tempos diferentes. Frog e Magus (que até

certa parte é um dos vilões) são da “Idade Média”, Robô é do futuro e Ayla é da pré-

história. Sendo assim, cada um dos personagens vai ter conversas diferentes e

percepções diferentes quanto a história, e são estss diferentes percepções que fazem

com que cada experiência seja diferente. Mesmo entre os personagens do mesmo tempo

há uma diferença, pois, se Crono e Lucca são amigos de infância, Marle é uma princesa,

que vive uma realidade diferente da deles e, portanto, terá uma visão de mundo diferente.

Confrontar essas diferentes percepções em aula pode fazer com que cada jogador-aluno

possa perceber sua experiência como única e como uma parte da conhecimento geral

que todos os alunos têm como objetivo ter no final da aula, fazendo, assim, com que o

ensino seja de fato colaborativo.

A própria história dos personagens pode ser usada, pois cada um deles tem

características diferentes. A própria ideia de participar de uma jornada para resolver um

problema que só vai ocorrer o futuro pode ser analisada. Robô, por exemplo, que vive em

um tempo em que Lavos já destruiu o planeta, tem motivações diferentes de Ayla, que

viveu quando Lavos chegou ao planeta. Mesmo sendo de tempos diferentes, os

personagens têm motivações iguais – isso pode ser melhor explorado em uma aula. Ayla,

por exemplo, é uma líder em seu tempo, mas é visto que mulheres na pré-história real

não desempenhavam este papel. Para quem escolher Ayla como um dos personagens, tal

informação vai ser absorvida de uma maneira diferente de quem não a escolheu, pois a

relação será outra.

As mudanças que ocorrem nos tempos históricos também podem ser melhor

trabalhadas. Na “Feira do Milênio” é tocada uma música que é dita como pré-histórica e

quando os personagens vão até a pré-história se deparam com aquela música. Essa ideia

de passagem do tempo e das continuidades, nesse caso cultural, pode ser outra questão

abordada, assim como outras, tais como transformações no modo de falar, pensamento

58

da população e outras mudanças que podem ser observadas quando se avança ou

retorna no tempo.

A analogia direta também pode ser utilizada com Chrono Trigger. Os tempos que

são descritos no jogo têm relação com os tempos reais, como, por exemplo, a “Midlle

Ages” (600 A.D.) e “Antiquity” (12.000 B.C.). É possível trabalhar com os alunos de que

modo os tempos do jogo são parecidos ou diferentes com os reais, assim como relacionar

passagens do jogo com conteúdos da disciplina. O jogo tem várias referências a

mitologias e personagens históricos e culturais, por isso explorar essa vertente pode ser

uma boa opção. Um exemplo é na pré-história. Enquanto em todos os outros períodos do

jogo é possível comprar itens com o dinheiro do jogo, no período pré-histórico só é

possível fazer escambo, é preciso achar itens que possam interessar aos donos dos

produtos, para que assim façam a troca. Ao se ver isso, é possível comparar com as

relações econômicas em períodos mais antigos ou em outras sociedades. Essa é uma

tarefa que pode ser interessante, pois cada jogador-aluno terá uma experiência única,

então é possível que várias analogias surjam de vários alunos diferentes, quanto mais se

jogue. Obviamente é também necessário que o professor faça uma triagem das

informações, para que algumas informações que existam no jogo não sejam levadas

como verdadeiras sendo cópias da realidade.

O caso da Rainha de Zeal talvez seja um bom exemplo de como fazer uma

analogia. A tirania da Rainha só ocorreu por conta de um grande desenvolvimento

tecnológico e místico, que fez com que ela pudesse subjugar a população e até mesmo

fazer seu reino flutuar acima da superfície. A ambição por poder e instituição de um

governo mais autoritário, ações feitas pela Rainha, são presentes em vários períodos

históricos, por isso o exemplo dela pode ser usado, já que o aluno experimentou os

efeitos de um regime do tipo, sendo necessário ao professor fazer as correções

apropriadas para que não haja mal entendidos por parte dos alunos.

No entanto, a aplicação desse tipo de ensino pode encontrar algumas barreiras

técnicas. Uma delas diz respeito ao local onde será jogado este jogo. Apesar de todas as

escolas públicas terem hoje computadores e de o jogo poder ser emulado em qualquer

computador, a reserva dos laboratórios para a prática pode ser problemática, além de que

pode não haver um computador para cada aluno, fazendo com que alguns tenham que

dividir, o que pode ser prejudicial para a experiência pessoal.

Outro problema é o tempo disponível para a prática. Como não são todos os alunos

que têm computador em casa, a atividade deve ser feita na escola e, com isso, é

necessário que o professor dedique um tempo de sua aula para a prática e um outro

59

tempo para a discussão e análise do que foi jogado, para que não seja algo considerado

como apenas uma fuga. Cabe a cada professor designar o tempo que se ache necessário

para a elaboração dessa atividade, levando em conta que, como o que se mostrou aqui

foi o uso do jogo para além da analogia, mas também como modo de o aluno

compreender a ciência histórica, e levando em conta que cada aluno terá um tempo

diferente para zerar o jogo, é preciso que esta atividade não seja elaborada em um mês

ou em apenas um semestre, mas que seja levada pelo ano letivo, tendo possivelmente

uma resposta mais relevante no ano seguinte a aplicação da atividade.

Um terceiro problema que se apresenta é quanto aos próprios alunos. Apesar de o

videogame ser muito popular, especialmente nos últimos anos, muitos alunos podem não

gostar de jogar, o que pode gerar alguns desconfortos para o professor. A possibilidade de

se ter uma experiência única e uma mudança no modo como se vê a disciplina, uma

abordagem diferente daquela proposta de se memorizar e copiar, pode ser um incentivo a

mais para que se haja uma adesão total dos alunos.

A aversão que pode existir quanto ao uso do videogame como uma ferramenta de

ensino também pode existir, dependendo do colégio em que isso for ser utilizado.

Portanto, cabe ao professor fundamentar a atividade de forma a não haver dúvidas de

que o uso do jogo é para fins de ensino e não de entretenimento.

Apesar disso, Chrono Trigger mostra-se um bom jogo para se utilizar nas aulas de

História, pois utiliza as características que fazem do uso do videogame em sala de aula

importante, tais como a experiência individual e o ensino colaborativo e não impositivo,

aliado a um enredo que possibilita ao aluno, através do auxílio do professor, analisar a

história de um modo diferente daquele proposto usualmente, de uma maneira, que como

foi expressa aqui, pode ser mais proveitosa ao desenvolvimento do conhecimento

histórico para o alunos, especialmente no que diz respeito a noção de tempo.

60

Conclusão

Foi visto neste trabalho que é possível a utilização de jogos digitais em sala de aula

para conseguir fazer com que o aluno tenha um novo ponto de vista sobre questões

históricas importantes, no caso do jogo escolhido, sobre o tempo. Foram mostradas as

relações possíveis de se fazer do jogo com algumas noções de tempo trabalhadas com

alguns textos citados.

A ideia de se trabalhar com games surgiu já há algum tempo, pois via a

necessidade de se melhorar o modo como o ensino de História é feito, não apenas

trazendo uma nova tecnologia em sala, mas para melhorar o modo como se é explicado e

entendido termos e concepções dentro da disciplina.

Obviamente que esta análise é ainda muito parcial, e está sendo exposta aqui para

mostrar, com alguns exemplos, que é possível utilizar-se dessas mídias para ensinar a

história e não apenas como um suporte para “inovar” as aulas. Muitos outros exemplos

podem ser tirados desse jogo e de dezenas de outros lançados nos últimos anos ou mais

antigos, e cabe ao professor fazer a releitura dessas mídias e fazer com que os próprios

alunos perceberem isso nas histórias dessas animações.

Outro fator que me levou a pensar no videogame como uma ferramenta de ensino

foi o fato de ser um jogador desde muito pequeno e há muito tempo ter percebido no jogo

um entretenimento diferente daqueles proporcionados por outras mídias. O fato de

controlar seu divertimento, faz com que a experiência de jogar videogame seja única e

essa diferença poderia ser utilizada em outras áreas.

Como foi visto, o jogo é um elemento cultural e o videogame é um destes

elementos culturais de nossa realidade presente. É visto que, apesar de novas

tecnologias surgirem nos últimos anos, mudando até o modo como nos relacionamos, a

escola continua com as mesmas técnicas e ferramentas de ensino usadas em épocas

diferentes, em sociedades diferentes.

A ideia de se usar o game foi também para mostrar que é possível haver uma

quebra desse paradigma, trazendo um pouco do modo como esta sociedade de rede está

organizada para dentro da sala de aula, de modo fundamentado. O que se mostrou aqui

foi uma forma de fazer com que o jogo entre em sala de aula na disciplina de História de

uma maneira a auxiliar no ensino e fazê-lo mais completo.

Dessa forma, pode-se concluir que este estudo é uma forma de se entender o uso

do videogame na história. A ideia de se usar Chrono Trigger foi por conta desse jogo

permitir uma interação muito maior com sua história e por tratar da questão do tempo e da

61

memória, fazendo o aluno estar presente em uma história que mostra que os fatos

históricos não estão isolados e que podem, mesmo estando muito distantes na linha do

tempo, ser parte de uma estrutura que reflete mesmo depois de anos do acontecimento.

A experiência que seria possível com o uso desse jogo faria com que as aulas

fossem mais colaborativas e participativas, visto que cada um teria uma percepção

diferente do jogo e poderia contribuir para a formação de um conhecimento que não

estaria pronto e disponibilizado pelo professor, mas que faria parte de uma rede de fatos e

versões que juntos compõe o conhecimento histórico.

Não foi objetivo do estudo rever o modo como a educação está sendo feita hoje ou

propor um novo sistema educacional, mas apenas demonstrar que é possível se pensar

em novas maneiras de se ensinar com as tecnologias do tempo presente sem prejudicar o

ensino em si. Fica claro também que é preciso que o professor que for aplicar estas

técnicas tenha compreensão do que se pretende fazer com esta atividade, para que não

seja vista como algo isolado, mas sim integrante do processo de ensino.

Assim sendo, a ideia do trabalho foi tratar o videogame como uma possibilidade de

utilização como ferramenta educacional, levando todas as suas características que o

fazem ser uma das mídias mais procuradas para diversão para a área da educação, mais

especificamente para o ensino de História, habilitando, assim, uma nova visão do modo

como se é construído o conhecimento histórico. Se o jogo pode fazer um garoto ou garota

se emocionar e se envolver, há grandes chances de poder fazê-lo aprender.

62

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