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FOTOGRAFIA-EXPRESSO: a fotografia entre o documental e a arte contempornea
Evelyse Lins Horn1
Resumo Essa pesquisa sobre a fotografia entre a arte contempornea e o documental. O texto tem suas bases tericas por meio da aproximao de reflexes sobre a fotografia documental e a arte contempornea, utilizando o autor Andr Rouill como fonte principal de pesquisa, entre outros. Palavras-chave: fotografia-expresso, fotografia documental, arte contempornea.
Uma breve passagem pelo tema
A pesquisa aqui proposta surge como forma de responder a inquietaes acerca da
produo da fotografia contempornea. O projeto tem por objetivo falar sobre a imagem
como experincia visual e da fotografia-expresso que se situa entre a arte contempornea e
o documental.
Esse estudo visa busca do conceito dessa nova categoria fotogrfica chamada de
fotografia-expresso, que surgiu a partir das transformaes sofridas na fotografia
documental.
A fotografia documental teve seu apogeu com o trmino da II guerra mundial,
momento em que o mundo estava a procura de novos valores e que a modernidade que se
anunciava, foi acolhida como promessa de um futuro melhor. Foi a poca que as grandes
1 Premiada atravs do XI Prmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia na categoria de Produo de conhecimento por meio de apoio ao pensamento crtico e terico no campo da fotografia. Mestranda em Comunicao pela Universidade Federal do Cear e Coordenadora do grupo de estudos do Ifoto. E-mail: lyse_horn@hotmail.com.
revistas ilustradas detinham a quase exclusividade da difuso da informao visual, e os
reprteres fotogrficos tinham a misso de colet-las pelo mundo todo.
Intimamente ligada a sociedade industrial, aos seus valores, aos seus paradigmas
tcnicos, econmicos, fsicos, perceptivos e tericos, a fotografia entrou em crise. Nascida
na era do ferro e do carvo, responde mal s condies da sociedade da informao. A
fotografia, como resposta, transformou-se e estendeu-se em direes inditas. Teceu
ligaes renovadas com a arte, os procedimentos culturais sucederam amplamente os usos
prticos, e, sobretudo, a fotografia documental cedeu amplo lugar fotografia-expresso.
A expresso da fotografia na sociedade humana como um todo eminente tanto
como registro documental quanto artstico. Tal fato est provavelmente ligado,
filosoficamente, ao mundo de idias perfeitas a que todos, consciente ou
inconscientemente, buscamos. A fotografia seria o simulacro mais prximo desta idia de
representao visual que gera verossimilhana direta com o objeto fotografado.
Enquanto uma pintura jamais pode ser outra coisa seno uma interpretao seletiva,
a foto pode ser uma transparncia ou constatao. Porm apesar da presuno de
veracidade, que confere autoridade, interesse e seduo a todas as fotos, a obra que os
fotgrafos produzem no constitui uma exceo genrica ao comrcio usualmente nebuloso
entre arte e verdade. Devemos lembrar, portanto que a imagem no representa o real e sim
uma semelhana com a realidade.
H imagens que desfrutam de autoridade e influenciam opinies. Tais imagens so
de fato capazes de usurpar a realidade, ainda sendo imagens. Algumas expresses
contemporneas demonstram preocupao quanto possibilidade da imagem estar tomando
o lugar do mundo real. uma volta caverna de Plato2, a imagem verdadeira na medida
em que se assemelha a algo real, e falsa por ser apenas uma semelhana.
2 Aluso a Alegoria da Caverna de Plato.
Ao decidir que aspecto deve ter uma imagem, ao preferir uma exposio outra, os
fotgrafos geram padres em seus temas. Embora em certo sentido a cmera, de fato
capture a realidade e no apenas a interprete, as fotos so uma interpretao do olhar de um
artista e dizem um pouco de como esse artista v sua imagem. A fotografia democratiza
todas as experincias visuais, traduzindo-as em imagens.
A crise da fotografia-documento
A fotografia documental, alm de difusora de informaes, tambm provedora de
prazer esttico e formadora de opinio. Apresento aqui reflexes sobre suas caractersticas
e mudanas de modo a contribuir para a ampliao de possibilidades expressivas no campo
da comunicao e das artes e a idia de fotografia-expresso nos leva para um possvel
caminho na fotografia contempornea.
Para Margarita Ledo chamamos de documento algo que portador de uma
informao. Apesar da insistncia de alguns em confudir a fotografia com o objeto
representado, a fotografia documental pretende representar o real ou design-lo. Podemos
dizer que ela parte de um referente real, e possui alguma relao com esse referente. Ela
composta de estilos e tcnicas expressivas e elaboradas pelo realismo, com a inteno de ter
semelhana com o natural e registrar a percepo do mundo e de acontecimentos diversos
pelo fotografo em diferentes momentos.
A fotografia-documento beneficiava-se da sua proximidade com o mundo e suas
relaes com a modernidade. No fim do milnio essas duas caractersticas deixaram de ser
vantajosas, as crenas modernas revelaram seus limites, e o mundo tornou-se muito mais
complexo. O regime de verdade mudou, e a verdade do documento no era a verdade da
expresso. Outras imagens e outras tecnologias aparecem. Ocorre uma fuso da fotografia
com as redes digitais e os conceitos de imagem mudam.
Segundo Andr Rouill a uma fotografia-documento que compreende uma
expresso, englobando um acontecimento, embora no o represente, pode ser chamada de
fotografia-expresso (Rouill, 2009:137). A fotografia documental tinha a funo de ser
uma fotografia-designao, e tinha seu lugar em um mundo de substancias, de coisas e de
corpos. A fotografia-expresso age sobre o conjunto das atividades, em um mundo de
acontecimentos, com redes digitais e informaes em tempo real. O trabalho dos
fotgrafos-expressivos envolve originalidade e criatividade, situando-se sempre no limite
entre a razo e a emoo.
Esses fotgrafos tecem, sob forma de imagens, comentrios sobre o mundo
presente, resultado de uma posio participativa e gosto pessoal. Eles se propem a
descrever, comparar, conotar, persuadir, alm de inferir valores em objetos e fatos,
assumindo a funo de observar certas convenes, codificar seus trabalhos e convert-los
em produto de comunicao. O modo de expresso de cada fotgrafo pode interferir no
grau de intensidade do carter documental ou artstico do trabalho: seja de forma
determinante, como fizeram os fotgrafos do incio do sculo XX, ou de maneira mais
amena, como preferem fazer alguns fotgrafos de geraes mais recentes.
A partir dos anos 1930, a fotografia documental mostra-se humanista. A fotografia
humanista era em seus temas, assim como em suas formas, impulsionada pela perspectiva
de um mundo melhor. Mas a fotografia humanista de Robert Doisneau, Henri Cartier
Bresson, ou ento Sebastio Salgado, retraiu-se fortemente, dando lugar a uma fotografia
humanitria, surgida com o inusitado aumento dos excludos.
Do humanismo ao humanitrio ocorreu uma verdadeira inverso do contedo das
imagens. Aos temas humanistas de trabalho, amor e amizade, vieram os humanitrios de
sofrimento, penria e doena. Alguns fotgrafos considerados humanistas eram na verdade
humanitrios, como Diane Arbus que buscava captar distrbios fsicos e psicolgicos.
Segundo Susan Sontag:
As fotos de Diane Arbus transmitem a mensagem anti-humanista, cujo impacto perturbador as pessoas de boa vontade, na dcada de 1970, queriam avidamente sentir, do mesmo modo como, na dcada de 1950, desejavam ser consoladas e distradas por um humanismo sentimental (Sontag, 2004:45).
Arbus foi alm da fronteira da fotografia humanitria tendo alguns trabalhos com
caractersticas da arte contempornea vistas no Dadasmo. Ela fez uma exposio no Museu
de Arte Contempornea de Nova York em 1972, com 112 fotos tiradas de tipos grotescos
parecidos, com roupas degradantes, tiradas em ambientes desoladores.
A relao do espontneo e do construdo sempre esteve presente na histria da
fotografia documental. Henri Cartier-Bresson publica em 1952 O instante decisivo3 em
1952, no momento em que o mundo traumatizado pela guerra est procura de novos
valores, e em que a modernidade, que se anuncia, acolhida como a promessa de um futuro
melhor. Nesse livro ele defende o conceito de instante decisivo, segundo o qual, para obter
uma boa imagem, o fotgrafo deveria, em uma frao de segundo, organizar precisamente
sua forma e contedo, ele poderia passar o dia inteiro esperando pelo momento da
fotografia ideal. Jacques Aumont nos fala de um instante pregnante que seria ...o melhor
instante, o mais significativo, mais tpico, mais pregnante... (Aumont, 2004:81). O
declnio da fotografia documento est relacionado e condicionado ao aprimoramento
tecnolgico. Segundo Rouill:
Da mesma maneira que, durante muito tempo, (a fotografia) foi concebida como um fator de progresso industrial e cientfico, como a ferramenta por excelncia da informao e fiana da verdade, como um meio de dominar o mundo. Existe um mundo, na verdade infinito mas bem real, acessvel, cognoscvel, dominvel pelos meios modernos, fotografia em primeiro lugar. Essa a crena que ainda prevalece nos anos 1950 e que progressivamente vai diminuindo. J antes de 1970, os principais setores econmicos substituram a fotografia por imagens em tecnologias muito mais sofisticadas, incomparavelmente mais rpidas (Ro