105

Folhas Caidas - Almeida Garrett

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Poesias belíssimas

Citation preview

  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem comoo simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer usocomercial do presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nossosite: LeLivros.link ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • Folhas CadasAlmeida Garrett

    Projecto Adamastor

  • Ficha Tcnica

    Ttulo: Folhas Cadas

    Autor: Almeida Garrett

    Data Original de Publicao: 1853

    Data de Publicao do eBook: 2013

    Capa: Ana Ferreira

    Imagem de Capa: A Wooded Path in the Autumn, de Hans Andersen Brendekilde

    Reviso: Ricardo Loureno

    ISBN: 978-989-8698-14-8

    Esta obra foi revista segundo o Acordo Ortogrfico de 1945, com base no texto disponvel no Wikisource e na ediodigitalizada pela Biblioteca Nacional de Portugal.

    Este trabalho foi licenciado com uma Licena Creative Commons Atribuio-CompartilhaIgual 3.0 No Adaptada.

  • ndice

    Advertncia

    LIVRO PRIMEIRO

    I. Ignoto Deo

    II. Adeus!

    III. Quando eu sonhava

    IV. Aquela noite!

    V. O anjo cado

    VI. O lbum

    VII. Saudades

    VIII. Este inferno de amar

    IX. Destino

    X. Gozo e dor

    XI. Perfume da rosa

    XII. Rosa sem espinhos

  • XIII. Rosa plida

    XIV. Flor de ventura

    XV. Bela damor

    XVI. Os cinco sentidos

    XVII. Rosa e lrio

    XVIII. Coquette dos prados

    XIX. Cascais

    XX. Estes stios!

    XXI. No te amo

    XXII. No s tu

    XXIII. Beleza

    XXIV. Anjo s

    XXV. Vbora

    LIVRO SEGUNDO

    I. Barca bela

  • II. A coroa

    III. Sina

    IV. Ai, Helena!

    V. The rose a sigh

    V. A rosa um suspiro

    VI. Retrato

    VII. Lucinda

    VIII. As duas rosas

    IX. Voz e aroma

    X. Seus aromas

    XI. A Dlia

    XII. A jovem americana

    XIII. Adeus, me!

    XIV. Ave, Maria

    XV. Os exilados

  • XVI. Preito

    XVII. No lumiar

    XVIII. A um amigo

    XIX. Os lusadas

    XIX. La lusiada

    XX. O Tejo

    XX. Il Tago

    XXI. Cano da donzela finlandesa

    XXI. Eyton runo suomalaisen

    XXI. Carmen fenicae puellae

    TRADUES LITERAIS

    I. Alleman

    II. Inglesa

    III. Latina

    IV. Francesa

  • NOTAS

  • Advertncia [1]

    Antes que venha o Inverno e disperse ao vento essas folhas de poesia que por a caram,vamos escolher uma ou outra que valha a pena conservar, ainda que no seja seno paramemria.

    A outros versos chamei eu j as ltimas recordaes de minha vida potica. Enganei opblico, mas de boa-f, porque me enganei primeiro a mim. Protestos de poetas que sempreesto a dizer adeus ao mundo, e morrem abraados com o louro s vezes imaginrio,porque ningum os coroa.

    Eu pouco mais tinha de vinte anos quando publiquei certo poema, e jurei que eram osltimos versos que fazia. Que juramentos!

    Se dos meus se rirem, tm razo; mas saibam que eu tambm primeiro me ri deles. Poeta naPrimavera, no Estio e no Outono da vida, hei-de s-lo no Inverno, se l chegar, e hei-de s-loem tudo. Mas dantes cuidava que no, e nisso ia o erro.

    Os cantos que formam esta pequena coleco pertencem todos a uma poca de vida ntimae recolhida que nada tem com as minhas outras coleces.

    Essas mais ou menos mostram o poeta que canta diante do pblico. Das Folhas Cadasningum tal dir, ou bem pouco entende de estilos e modos de cantar.

    No sei se so bons ou maus estes versos; sei que gosto mais deles do que nenhuns outrosque fizesse. Porqu? impossvel diz-lo, mas verdade. E como nada so por ele nem paraele, provvel que o pblico sinta bem diversamente do autor. Que importa?

    Apesar de sempre se dizer e escrever h cem mil anos o contrrio, parece-me que o melhore o mais recto juiz que pode ter um escritor, ele prprio, quando o no cega o amor-prprio.Eu sei que tenho os olhos abertos, ao menos agora.

    Custa-lhe a uma pessoa, como custava ao Tasso, e ainda sem ser Tasso, a queimar os seusversos, que so seus filhos; mas o sentimento paterno no impede de ver os defeitos dascrianas.

    Enfim, eu no queimo estes. Consagrei-os ignoto deo. E o deus que os inspirou que osaniquile se quiser: no me julgo com direito de o fazer eu.

    Ainda assim, no ignoto deo no imaginem alguma divindade meia velada com cendaltransparente, que o devoto est morrendo que lhe caia para que todos a vejam bem clara. Omeu deus desconhecido realmente aquele misterioso, oculto e no definido sentimentodalma que a leva s aspiraes de uma felicidade ideal, o sonho de oiro do poeta.

    Imaginao que porventura se no realiza nunca. E da quem sabe? A culpa talvez dapalavra, que abstracta de mais. Sade, riqueza, misria, pobreza, e ainda coisas maismateriais, como o frio e o calor, no so seno estados comparativos, aproximativos. Aoinfinito no se chega, porque deixava de o ser em se chegando a ele.

    Logo o poeta louco, porque aspira sempre ao impossvel. No sei. Essa uma disputao

  • mais longa.Mas sei que as presentes Folhas Cadas representam o estado dalma do poeta nas

    variadas, incertas e vacilantes oscilaes do esprito que, tendendo ao seu fim nico, a possedo Ideal, ora pensa t-lo alcanado, ora estar a ponto de chegar a ele ora ri amargamenteporque reconhece o seu engano ora se desespera de raiva impotente por sua credulidadev.

    Deixai-o passar, gente do mundo, devotos do poder, da riqueza, do mando, ou da glria.Ele no entende bem disso, e vs no entendeis nada dele.

    Deixai-o passar, porque ele vai onde vs no ides; vai, ainda que zombeis dele, que ocalunieis, que o assassineis. Vai, porque esprito, e vs sois matria.

    E vs morrereis, ele no. Ou s morrer dele aquilo em que se pareceu e se uniu convosco.E essa falta, que a mesma de Ado, tambm ser punida com a morte.

    Mas no triunfeis, porque a morte no passa do corpo, que tudo em vs, e nada ou quasenada no poeta.

    Janeiro 1853

    [1] Do autor na primeira edio.

  • FOLHAS CADAS

    LIVRO PRIMEIRO

  • I.

    IGNOTO DEOD. D. D.

    Creio em ti, Deus: a f vivaDe minha alma a ti se eleva.s: o que s no sei. DerivaMeu ser do teu: luz... e treva,Em que indistintas! se envolveEste esprito agitado,De ti vem, a ti devolve.O Nada, a que foi roubadoPelo sopro criadorTudo o mais, o h-de tragar.S vive de eterno ardorO que est sempre a aspirarAo infinito donde veio.Beleza s tu, luz s tu,Verdade s tu s. No creioSeno em ti; o olho nuDo homem no v na terraMais que a dvida, a incerteza,A forma que engana e erra.Essncia! a real beleza,O puro amor o prazerQue no fatiga e no gasta...S por ti os pode verO que inspirado se afasta,Ignoto Deus, das ronceiras,Vulgares turbas: despidosDas coisas vs e grosseirasSua alma, razo, sentidos,

    A ti se do, em ti vida,E por ti vida tm. Eu, consagradoA teu altar, me prosto e a combatidaExistncia aqui ponho, aqui votadoFica este livro confisso sinceraDa alma que a ti voou e em ti s spera.

  • II.

    ADEUS!

    Adeus! para sempre adeus!Vai-te, oh! vai-te, que nesta horaSinto a justia dos cusEsmagar-me a alma que chora.Choro porque no te amei,Choro o amor que me tiveste;O que eu perco, bem no sei,Mas tu... tu nada perdeste:Que este mau corao meuNos secretos escaninhosTem venenos to daninhosQue o seu poder s sei eu.

    Oh! vai... para sempre adeus!Vai, que h justia nos cus.Sinto gerar na peonhaDo ulcerado coraoEssa vbora medonhaQue por seu fatal condoH-de rasg-lo ao nascer:H-de sim, sers vingada,E o meu castigo h-de serCime de ver-te amada,Remorso de te perder.

    Vai-te, oh! vai-te, longe, embora,Que sou eu capaz agoraDe te amar. Ai! se eu te amasse!V se no rido pragalDeste peito se ateasseDe amor o incndio fatal!Mais negro e feio no infernoNo chameja o fogo eterno.

  • Que sim? Que antes isso? Ai, triste!No sabes o que pediste.No te bastou suportarO cepo-rei; impacienteTu ousas a deus tentarPedindo-lhe o rei-serpente!

    E cuidas amar-me ainda?Enganas-te: morta, finda,Dissipada a iluso.Do meigo azul de teus olhosTanta lgrima verteste,Tanto esse orvalho celesteDerramado o viste em voNesta seara de abrolhos,Que a fonte secou. AgoraAmars... sim, hs-de amar,Amar deves... Muito embora...Oh! mas noutro hs-de sonharOs sonhos de oiro encantadosQue o mundo chamou amores.

    E eu rprobo... eu se o verei?Se em meus olhos encovadosDer a luz de teus ardores...Se com ela cegarei?Se o nada dessas mentirasMe entrar pelo vo da vida...Se, ao ver que feliz deliras,Tambm eu sonhar... Perdida,Perdida sers perdida.

    Oh! vai-te, vai, longe, embora!Que te lembre sempre e agoraQue no te amei nunca... ai! no;E que pude a sangue-frio,Covarde, infame, vilo,Gozar-te mentir sem brio,Sem alma, sem d, sem pejo,Cometendo em cada beijoUm crime... Ai! triste, no chores,No chores, anjo do cu,Que o desonrado sou eu.

  • Perdoar-me tu?... No mereo.A imundo cerdo vorazEssas prolas de preoNo as deites: capazDe as desprezar na torpezaDe sua bruta natureza.Irada, te h-de admirar,Despeitosa, respeitar,Mas indulgente... Oh! o perdo perdido no vilo,Que de ti h-de zombar.

    Vai, vai... para sempre adeus!Para sempre aos olhos meusSumido seja o claroDe tua divina estrela.Faltam-me olhos e razoPara a ver, para entend-la:Alta est no firmamentoDemais, e demais belaPara o baixo pensamentoCom que em m hora a fitei;Falso e vil o encantamentoCom que a luz lhe fascinei.Que volte a sua belezaDo azul do cu pureza,E que a mim me deixe aquiNas trevas em que nasci,Trevas negras, densas, feias,Como negro este aleijoDonde me vem sangue s veias,Este que foi corao,Este que amar-te no sabePorque s terra e no cabeNele uma ideia dos cus...Oh! vai, vai; deixa-me, adeus!

  • III.

    QUANDO EU SONHAVA

    Quando eu sonhava, era assimQue nos meus sonhos a via;E era assim que me fugia,Apenas eu despertava,Essa imagem fugidiaQue nunca pude alcanar.Agora que estou desperto,Agora a vejo fixar...Para qu? Quando era vaga,Uma ideia, um pensamento,Um raio de estrela incertoNo imenso firmamento,Uma quimera, um vo sonho,Eu sonhava mas vivia:Prazer no sabia o que era,Mas dor, no na conhecia..............................................

  • IV.

    AQUELA NOITE!

    Era a noite da loucura,Da seduo, do prazer,Que em sua mantilha escuraCostuma tanta ventura,Tantas glrias esconder.Os felizes... e ai! so tantos!... Eu por tantos os contava!Eu que o sinal de meus prantosDo aflito rosto lavava Os felizes presunososIam nos coches ruidososCorrendo aos sales doiradosDe mil fogos alumiados,Donde em torrentes saaA clamorosa harmoniaQue festa, ao prazer tangia.

    Eu sentia esse rudoComo o confuso bramarDe um mar ao longe movidoQue praia vem rebentar:E disse comigo: Vamos,Os lutos dalma dispamos, festa hei-de ir tambm eu!

    E fui: e a noite era bela,Mas no vi a minha estrelaQue eu sempre via no cu:Cobriu-a de espesso vuAlguma nuvem a ela,Ou era que j vendadoMe levava o negro fadoOnde a vida me perdeu?

  • Fui; meu rosto macerado,A funda melancoliaQue todo o meu ser revia,Qual o atade levadoA egpcio festim, dizia: Como vs fui eu tambm;Folgai, que a morte a vem!Dizia-o, sim, meu semblante,Que, onde eu chegava, o prazerCessava no mesmo instante;E o lbio, que ia a dizerDouras de amor, gelava;E o riso, que ia a nascerNa face linda, expirava.Era eu e a morte em mim,Que s ela espanta assim!

    Quantas mulheres to belasbrias de amor e desejos,Quantas vi saltar-lhe os beijosDa boca ardente e lasciva!E eu, que ia chegar-me a elas...Para logo a fronte esquivaDe recatos se envolviaE, toda pudor, tremia.

    Quantas o seio anelante,Nu, ardente e palpitanteAndavam como entregando cobia mal desperta,Gasta j e desdenhosa,Dos que as estavam mirandoCom vaga luneta incertaQue diz: Aquela formosa,No se me dava de a ter.E esta? s baronesa,Vale menos que a duquesa:No sei a qual atender.

  • E a isto chamam prazer!A grande ventura esta?Vale a pena vir festaE vale a pena viver.Como ento quis tristuraDo meu viver isolado!Fique-se embora a ventura,Que eu quero ser desgraado.

    Levantei alto a cabea,Senti-me crescer e a frenteDesanuviar-se contenteDo feio negrume espessoQue assustava aquela gente.Logo os sorrisos caamPara o meu lado tambm;J como um dos seus me viam,Que em mim no viam ningum.Eu, de olhos desencantados,A elas, como as eu via!Meus entusiasmos passados,Oh! como eu deles me ria!

    Frio o sarcasmo saaDe meus lbios descorados,E sem d e sem pudorA todas falei de amor...Do amor bruto, degradanteQue no seio palpitante,Na espdua nua se acende...Amor lascivo que ofende,Que faz corar... Elas riamE oh que no, no se ofendiam!

  • Mas a orquestra bradou alta: Festa, festa! e salta, salta!Os seus guizos delirantesSacode louca a Folia...Adeus, requebros de amantes!Suspiros, quem nos ouvia?As palavras meias ditas,Meias nos olhos escritas,Voavam todas perdidasDispersas, rotas no ar;Que se foram almas, vidas,Tudo se foi a valsar.

    Quem esta que mais voltasGira, gira sem cessar?Como as roupas leves, soltas,Areas leva a ondularEm torno forma graciosa,To flexvel, to airosa,To fina! Agora parou,E tranquila se assentou.Que rosto! Em linhas severasSe lhe desenha o profil;E a cabea, to gentil,Como se fora deverasA rainha dessa gente,Como a levanta insolente!

    Vive Deus! que ela... aquela,A que eu vi na tal janela,E que triste me sorriaQuando passando me viaTo pasmado a olhar para ela.A mesma melancoliaNos olhos tristes de luzOblqua, viva mas fria;A mesma alta intelignciaQue da face lhe transluz;E a mesma altiva impacinciaQue de tudo, tudo cansa,De tudo o que foi, que ,E na erma vida s vO raio da vaga esprana.

  • Pois isto sim que mulher,Disse eu e aqui h que ver.J vinha a plida auroraAnunciando a manh fria,E eu falava e eu ouviaO que at quela horaNunca disse, nunca ouvi...Toda a memria perdiDas palavras proferidas...No eram destas sabidas,Nem quais eram no no sei...Sei que a vida era outra em mim,Que era outro ser o meu ser,Que uma alma nova me acheiQue eu bem sabia no ter.

    E da? Da, a histriaNo deixou outra memriaDessa noite de loucura,De seduo, de prazer...Que os segredos da venturaNo so para se dizer.

  • V.

    O ANJO CADO

    Era um anjo de DeusQue se perdera dos cusE terra a terra voava.A seta que lhe acertavaPartira de arco traidor,Porque as penas que levavaNo eram penas de amor.

    O anjo caiu ferido,E se viu aos ps rendidoDo tirano caador.De asa morta e sem splendorO triste, peregrinandoPor estes vales de dor,Andou gemendo e chorando.

    Vi-o eu, o anjo dos cus,O abandonado de Deus,Vi-o, nessa tropeliaQue o mundo chama alegria,Vi-o a taa do prazerPr ao lbio que tremia...E s lgrimas beber.

    Ningum mais na terra o via,Era eu s que o conhecia...Eu que j no posso amar!Quem no havia de salvar?Eu, que numa sepulturaMe fora vivo enterrar?Loucura! ai, cega loucura!

  • Mas entre os anjos dos cusFaltava um anjo ao seu Deus;E remi-lo e resgat-loDaquela infmia salv-loS fora de amor podia.Quem desse amor h-de am-lo,Se ningum o conhecia?

    Eu s. E eu morto, eu descrido,Eu tive o arrojo atrevidoDe amar um anjo sem luz.Cravei-a eu nessa cruzMinha alma que renascia,Que toda em sua alma pus.E o meu ser se dividia,

    Porque ele outra alma no tinha,Outra alma seno a minha...Tarde, ai! tarde o conheci,Porque eu o meu ser perdi,E ele vida no volveu...Mas da morte que eu morriTambm o infeliz morreu.

  • VI.

    O LBUM

    Minha Jlia, um conselho de amigo;Deixa em branco este livro gentil:Uma s das memrias da vidaVale a pena guardar, entre mil.

    E essa nalma em silncio gravadaPelas mos do mistrio h-de ser;Que no tem lngua humana palavras,No tem letra que a possa escrever.

    Por mais belo e variado que sejaDe uma vida o tecido matiz,Um s fio da tela bordada,Um s fio h-de ser o feliz.

    Tudo o mais iluso, mentira,Brilho falso que um tempo seduz,Que se apaga, que morre, que nadaQuando o sol verdadeiro reluz.

    De que serve guardar monumentosDos enganos que a esprana forjou?Vos reflexos de um sol que tardavaOu vs sombras de um sol que passou!

    Cr-me, Jlia: mil vezes na vidaEu coa minha ventura sonhei;E uma s, dentre tantas, o juro,Uma s com verdade a encontrei.

    Essa entrou-me pela alma to firme,To segura por dentro a fechou,Que o passado fugiu da memria,Do porvir nem desejo ficou.

    Toma pois, Jlia bela, o conselho:Deixa em branco este livro gentil,Que as memrias da vida so nada,E uma s se conserva entre mil.

  • VII.

    SAUDADES

    Leva este ramo, Pepita,De saudades portuguesas; flor nossa, e to bonitaNo na h noutras devesas.

    Seu perfume no seduz,No tem variado matiz,Vive sombra, foge luz,As glrias damor no diz;

    Mas na modesta belezaDe sua melancolia to suave a tristeza,Inspira tal simpatia!...

    E tem um dote esta florQue de outra igual se no diz:No perde vio ou frescorQuando a tiram da raiz.

    Antes mais e mais floresceCom tudo o que as outras mata;At s vezes mais cresceNa terra que mais ingrata.

    S tem um cruel seno,Que te no devo esconder:Plantada no corao,Toda outra flor faz morrer.

    E, se o quebra e despedaaCom as razes mofinas,Mais ela tem brilho e graa, como a flor das runas.

    No, Pepita, no ta dou...Fiz mal em dar-te essa flor,Que eu sei o que me custouTrat-la com tanto amor.

  • VIII.

    ESTE INFERNO DE AMAR

    Este inferno de amar como eu amo! Quem mo ps aqui nalma... quem foi?Esta chama que alenta e consome,Que a vida e que a vida destri Como que se veio a atear,Quando ai quando se h-de ela apagar?

    Eu no sei, no me lembra: o passado,A outra vida que dantes viviEra um sonho talvez... foi um sonho Em que paz to serena a dormi!Oh! que doce era aquele sonhar ...Quem me veio, ai de mim! despertar?

    S me lembra que um dia formosoEu passei... dava o sol tanta luz!E os meus olhos, que vagos giravam,Em seus olhos ardentes os pus.Que fez ela? eu que fiz? No no sei;Mas nessa hora a viver comecei...

  • IX.

    DESTINO

    Quem disse estrela o caminhoQue ela h-de seguir no cu?A fabricar o seu ninhoComo que a ave aprendeu?Quem diz planta: Florece!E ao mudo verme que teceSua mortalha de sedaOs fios quem lhos enreda?

    Ensinou algum abelhaQue no prado anda a zumbirSe flor branca ou vermelhaO seu mel h-de ir pedir?Que eras tu meu ser, querida,Teus olhos a minha vida,Teu amor todo o meu bem...Ai! no mo disse ningum.

    Como a abelha corre ao prado,Como no cu gira a estrela,Como a todo o ente o seu fadoPor instinto se revela,Eu no teu seio divinoVim cumprir o meu destino...Vim, que em ti s sei viver,S por ti posso morrer.

  • X.

    GOZO E DOR

    Se estou contente, querida,Com esta imensa ternuraDe que me enche o teu amor? No. Ai! no; falta-me a vida,Sucumbe-me a alma ventura:O excesso de gozo dor.

    Di-me alma, sim; e a tristezaVaga, inerte e sem motivo,No corao me poisou,Absorto em tua beleza,No sei se morro ou se vivo,Porque a vida me parou.

    que no h ser bastantePara este gozar sem fimQue me inunda o corao.Tremo dele, e deliranteSinto que se exaure em mimOu a vida ou a razo.

  • XI.

    PERFUME DA ROSA

    Quem bebe, rosa, o perfumeQue de teu seio respira?Um anjo, um silfo? Ou que numeCom esse aroma delira?

    Qual o deus que, namorado,De seu trono te ajoelha,E esse nctar encantadoBebe oculto, humilde abelha?

    Ningum? Mentiste: essa frenteEm languidez inclinada,Quem ta ps assim pendente?Dize, rosa namorada.

    E a cor de prpura vivaComo assim te desmaiou?E essa palidez lascivaNas folhas quem ta pintou?

    Os espinhos que to durosTinhas na rama lustrosa,Com que magos esconjurosTos desarmaram, rosa?

    E porqu, na hstia sentidaTremes tanto ao pr do sol?Porque escutas to rendidaO canto do rouxinol?

    Que eu no ouvi um suspiroSussurrar-te na folhagem?Nas guas desse retiroNo espreitei a tua imagem?

    No a vi aflita, ansiada... Era de prazer ou dor? Mentiste, rosa, s amada,E tu tambm tu amas, flor.

  • Mas ai! se no for um numeO que em teu seio delira,H-de mat-lo o perfumeQue nesse aroma respira.

  • XII.

    ROSA SEM ESPINHOS

    Para todos tens carinhos,A ningum mostras rigor!Que rosa s tu sem espinhos?Ai, que no te entendo, flor!

    Se a borboleta vaidosaA desdm te vai beijar,O mais que lhe fazes, rosa, sorrir e corar.

    E quando a sonsa da abelha,To modesta em seu zumbir,Te diz: rosa vermelha,Bem me podes acudir:

    Deixa do clix divinoUma gota s libar...Deixa, nctar peregrino,Mel que eu no sei fabricar...

    Tu de lstima rendida,De maldita compaixo,Tu splica atrevidaSabes tu dizer que no?

    Tanta lstima e carinhos,Tanto d, nenhum rigor!s rosa e no tens espinhos!Ai! que no te entendo, flor.

  • XIII.

    ROSA PLIDA

    Rosa plida, em meu seioVem, querida, sem receioEsconder a aflita cor.Ai! a minha pobre rosa!Cuida que menos formosaPorque desbotou de amor.

    Pois sim... quando livre, ao vento,Solta de alma e pensamento,Forte de tua iseno,Tinhas na folha incendidaO sangue, o calor e a vidaQue ora tens no corao.

    Mas no eras, no, mais bela,Coitada, coitada dela,A minha rosa gentil!Coravam-na ento desejos,Desmaiam-na agora os beijos...Vales mais mil vezes, mil.

    Inveja das outras flores!Inveja de qu, amores?Tu, que vieste dos cus,Comparar tua belezas filhas da natureza!Rosa, no tentes a Deus.

    E vergonha!... de qu, vida?Vergonha de ser querida,Vergonha de ser feliz!Porqu?... porqu em teu semblanteA plida cor da amanteA minha ventura diz?

  • Pois quando eras to vermelhaNo vinha zango e abelhaEm torno de ti zumbir?No ouvias entre as floresHistrias dos mil amoresQue no tinhas, repetir?

    Que ho-de eles dizer agora?Que pendente e de quem chora o teu lnguido olhar?Que a tez fina e delicadaFoi, de ser muito beijada,Que te veio a desbotar?

    Deixa-os: plida ou corada,Ou isenta ou namorada,Que brilhe no prado flor,Que fulja no cu estrela,Ainda ditosa e belaSe lhe do s um amor.

    Ai! deixa-os, e no meu seioVem, querida, sem receioVem a frente reclinar.Que plida ests, que linda!Oh! quanto mais te amo aindaDs que te fiz desbotar.

  • XIV.

    FLOR DE VENTURA

    A flor de venturaQue amor me entregou,To bela e to puraJamais a criou:

    No brota na selvaDe inculto vigor,No cresce entre a relvaDe virgem frescor;

    Jardins de culturaNo pode habitarA flor de venturaQue amor me quis dar.

    Semente divinaQue veio dos cus;S nalma germinaAo sopro de Deus.

    To alva e mimosaNo h outra flor;Uns longes de rosaLhe avivam a cor;

    E o aroma... Ai! delrioSuave e sem fim! a rosa, o lrio, o nardo, o jasmim;

    um filtro que apura,Que exalta o viver,E em doce torturaFaz de nsias morrer.

    Ai! morrer... que sorteBendita de amor!Que me leve a morteBeijando-te, flor.

  • XV.

    BELA DAMOR

    Pois essa luz cintilanteQue brilha no teu semblanteDonde lhe vem o splendor?No sentes no peito a chamaQue aos meus suspiros se inflamaE toda reluz de amor?

    Pois a celeste fragrnciaQue te sentes exalar,Pois, dize, a ingnua elegnciaCom que te vs ondular,Como se baloia a florNa primavera em verdor,Dize, dize: a naturezaPode dar tal gentileza?Quem ta deu seno amor?

    V-te a esse espelho, querida,Ai! v-te por tua vida,E diz se h no cu estrela,Diz-me se h no prado florQue Deus fizesse to belaComo te faz meu amor.

  • XVI.

    OS CINCO SENTIDOS

    So belas bem o sei, essas estrelas,Mil cores divinais tm essas flores;Mas eu no tenho, amor, olhos para elas:

    Em toda a naturezaNo vejo outra belezaSeno a ti a ti!

    Divina ai! sim, ser a voz que afinaSaudosa na ramagem densa, umbrosa.Ser; mas eu do rouxinol que trina

    No oio a melodia,Nem sinto outra harmoniaSeno a ti a ti!

    Respira naura que entre as flores gira,Celeste incenso de perfume agreste.Sei... no sinto: minha alma no aspira,

    No percebe, no tomaSeno o doce aromaQue vem de ti de ti!

    Formosos so os pomos saborosos, um mimo de nctar o racimo:E eu tenho fome e sede... sequiosos,

    Famintos meus desejosEsto... mas de beijos, s de ti de ti!

    Macia deve a relva luzidiaDo leito ser por certo em que me deito.Mas quem, ao p de ti, quem poderia

    Sentir outras carcias,Tocar noutras delciasSeno em ti em ti!

  • A ti! ai, a ti s os meus sentidosTodos num confundidos,Sentem, ouvem, respiram;Em ti, por ti deliram.Em ti a minha sorte,A minha vida em ti;E quando venha a morte,Ser morrer por ti.

  • XVII.

    ROSA E LRIO

    A rosa formosa;Bem sei.

    Porque lhe chamam florDamor,No sei.

    A flor,Bem de amor

    o lrio;Tem mel no aroma, dor

    Na corO lrio.

    Se o cheiro fagueiroNa rosa,

    Se de beleza morPrimorA rosa,

    No lrioO martrioQue meu

    Pintado vejo: corE ardor o meu.

    A rosa formosa,Bem sei...

    E ser de outros florDamor...No sei.

  • XVIII.

    COQUETTE DOS PRADOS

    Coquette dos prados,A rosa uma florQue inspira e no senteO encanto damor.

    De prpura a vestemOs raios do sol;Suspiram por elaAis do rouxinol:

    E as galas que trajaNo as agradece,E o amor que acendeNo o reconhece.

    Coquette dos pradosRosa, linda flor,Porqu, se o no sentes,Inspiras amor?

  • XIX.

    CASCAIS

    Acabava ali a terraNos derradeiros rochedos,A deserta rida serraPor entre os negros penedosS deixa viver mesquinhoTriste pinheiro maninho.

    E os ventos despregadosSopravam rijos na rama,E os cus turvos, anuviados,O mar que incessante brama...Tudo ali era bravezaDe selvagem natureza.

    A, na quebra do monte,Entre uns juncos mal medrados,Seco o rio, seca a fonte,Ervas e matos queimados,A nessa bruta serra,A foi um cu na terra.

    Ali ss no mundo, ss,Santo Deus! como vivemos!Como ramos tudo nsE de nada mais soubemos!Como nos folgava a vidaDe tudo o mais esquecida!

    Que longos beijos sem fim,Que falar dos olhos mudo!Como ela vivia em mim,Como eu tinha nela tudo,Minha alma em sua razo,Meu sangue em seu corao!

  • Os anjos aqueles diasContaram na eternidade:Que essas horas fugidias,Sculos na intensidade,Por milnios marca DeusQuando as d aos que so seus.

    Ai! sim foi a tragos largos,Longos, fundos que a bebiDo prazer a taa: amargosDepois... depois os sentiOs travos que ela deixou...Mas como eu ningum gozou.

    Ningum: que preciso amarComo eu amei ser amadoComo eu fui; dar, e tomarDo outro ser a quem se h dado,Toda a razo, toda a vidaQue em ns se anula perdida.

    Ai, ai! que pesados anosTardios depois vieram!Oh, que fatais desenganos,Ramo a ramo, a desfizeramA minha choa na serra,L onde se acaba a terra!

    Se o visse... no quero v-loAquele stio encantado;Certo estou no conhec-lo,To outro estar mudado,Mudado como eu, como ela,Que a vejo sem conhec-la!

    Inda ali acaba a terra,Mas j o cu no comea;Que aquela viso da serraSumiu-se na treva espessa,E deixou nua a brutezaDessa agreste natureza.

  • XX.

    ESTES STIOS!

    Olha bem estes stios queridos,V-os bem neste olhar derradeiro...Ai! o negro dos montes erguidos,Ai! o verde do triste pinheiro!Que saudades que deles teremos...Que saudade! ai, amor, que saudade!Pois no sentes, neste ar que bebemos,No acre cheiro da agreste ramagem,Estar-se alma a tragar liberdadeE a crescer de inocncia e vigor!Oh! aqui, aqui s se engrinaldaDa pureza da rosa selvagem,E contente aqui s vive Amor.O ar queimado das salas lhe escaldaDe suas asas o nveo candor,E na frente arrugada lhe crestaA inocncia infantil do pudor.E oh! deixar tais delcias como esta!E trocar este cu de venturaPelo inferno da escrava cidade!Vender alma e razo impostura,Ir saudar a mentira em sua corte,Ajoelhar em seu trono vaidade,Ter de rir nas angstias da morte,Chamar vida ao terror da verdade...Ai! no, no... nossa vida acabou,Nossa vida aqui toda ficou.Diz-lhe adeus neste olhar derradeiro,Dize sombra dos montes erguidos,Dize-o ao verde do triste pinheiro,Dize-o a todos os stios queridosDesta ruda, feroz soledade,Paraso onde livres vivemos...Oh! saudades que dele teremos,Que saudade! ai, amor, que saudade!

  • XXI.

    NO TE AMO

    No te amo, quero-te: o amar vem dalma.E eu nalma tenho a calma,A calma do jazigo.Ai! no te amo, no.

    No te amo, quero-te: o amor vida.E a vida nem sentidaA trago eu j comigo.Ai! no te amo, no.

    Ai! no te amo, no; e s te queroDe um querer bruto e feroQue o sangue me devora,No chega ao corao.

    No te amo. s bela; e eu no te amo, bela.Quem ama a aziaga estrelaQue lhe luz na m horaDa sua perdio?

    E quero-te, e no te amo, que forado,De mau feitio azadoEste indigno furor.Mas oh! no te amo, no.

    E infame sou, porque te quero; e tantoQue de mim tenho espanto,De ti medo e terror...Mas amar!... no te amo, no.

  • XXII.

    NO S TU

    Era assim, tinha esse olhar,A mesma graa, o mesmo ar,Corava da mesma cor,Aquela viso que eu viQuando eu sonhava de amor,Quando em sonhos me perdi.

    Toda assim; o porte altivo,O semblante pensativo,E uma suave tristezaQue por toda ela desciaComo um vu que lhe envolvia,Que lhe adoava a beleza.

    Era assim; o seu falar,Ingnuo e quase vulgar,Tinha o poder da razoQue penetra, no seduz;No era fogo, era luzQue mandava ao corao.

    Nos olhos tinha esse lume,No seio o mesmo perfume,Um cheiro a rosas celestes,Rosas brancas, puras, finas,Viosas como boninas,Singelas sem ser agrestes.

    Mas no s tu... ai! no s:Toda a iluso se desfez.No s aquela que eu vi,No s a mesma viso,Que essa tinha corao,Tinha, que eu bem lho senti.

  • XXIII.

    BELEZA

    Vem do amor a Beleza,Como a luz vem da chama. lei da natureza:Queres ser bela? ama.

    Formas de encantar,Na tela o pincelAs pode pintar;No bronze o burilAs sabe gravar;E esttua gentilFazer o cinzelDa pedra mais dura...

    Mas Beleza isso? No; s formosura.

    Sorrindo entre doresAo filho que adoraInda antes de o ver, Qual sorri a auroraChorando nas floresQue esto por nascer

    A me a mais bela das obras de Deus.Se ela ama! O mais puro do fogo dos cusLhe ateia essa chama de luz cristalina:

    a luz divinaQue nunca mudou, luz... a BelezaEm toda a purezaQue Deus a criou.

  • XXIV.

    ANJO S

    Anjo s tu, que esse poderJamais o teve mulher,Jamais o h-de ter em mim.Anjo s, que me dominaTeu ser o meu ser sem fim;Minha razo insolenteAo teu capricho se inclina,E minha alma forte, ardente,Que nenhum jugo respeita,Covardemente sujeitaAnda humilde a teu poder.Anjo s tu, no s mulher.

    Anjo s. Mas que anjo s tu?Em tua frente anuviadaNo vejo a croa nevadaDas alvas rosas do cu.Em teu seio ardente e nuNo vejo ondear o vuCom que o sfrego pudorVela os mistrios damor.Teus olhos tm negra a cor,Cor de noite sem estrela;A chama vivaz e bela,Mas luz no tem. Que anjo s tu?Em nome de quem vieste?Paz ou guerra me trouxesteDe Jeov ou Belzebu?

  • No respondes e em teus braosCom frenticos abraosMe tens apertado, estreito!...Isto que me cai no peitoQue foi?... Lgrima? Escaldou-meQueima, abrasa, ulcera... Dou-me,Dou-me a ti, anjo maldito,Que este ardor que me devora j fogo de precito,Fogo eterno, que em m horaTrouxeste de l... De donde?Em que mistrios se escondeTeu fatal, estranho ser!Anjo s tu ou s mulher?

  • XXV.

    VBORA

    Como a vbora gerado,No corao se formouEste amor amaldioadoQue nascena o espedaou.

    Para ele nascer morri;E em meu cadver nutrido,Foi a vida que eu perdiA vida que tem vivido.

  • FOLHAS CADAS

    LIVRO SEGUNDO

  • I.

    BARCA BELA

    Pescador da barca bela,Onde vs pescar com ela,

    Que to bela, pescador?

    No vs que a ltima estrelaNo cu nublado se vela?

    Colhe a vela, pescador!

    Deita o lano com cautela,Que a sereia canta bela...

    Mas cautela, pescador!

    No se enrede a rede nela,Que perdido remo e vela

    S de v-la, pescador.

    Pescador da barca bela,Inda tempo, foge dela,

    Foge dela, pescador!

  • II.

    A COROA

    Bem sei que toda de floresEssa coroa damoresQue na frente vais cingir.Mas coroa reinado;E a posto mais arriscadoNo se pode hoje subir.

    Nesses reinos populososOs vassalos revoltososTarde ou cedo do a lei.Quem h-de conter, dom-los,Se so tantos os vassalosE um s o pobre do rei?

    No vejo, rainha bela,Para fugir essa estrelaQue os reis persegue sem d,Mais que um meio falo srio: pr limites ao imprioE ter um vassalo s.

  • III.

    SINA

    Por todas quantas estrelasTem o cu que possam mais,Pelas flores virginaisDe que se croam donzelas,Pelas lgrimas singelasQue o primeiro amor derrama,Por aquela etrea chamaQue a mo de Deus acendeuE que na terra alumiaQuanto h na terra do cu!Por tudo quanto eu queriaQuando eu sabia querer,E por tudo quanto eu criaQuando me era dado crer!Bem fadada seja a vidaQue por estas folhas brancas [2]Sua histria h-de escrever!Que as dores lhe venham mancasE com asas o prazer!

    Esta sina que lhe dou,Bruxa no na adivinhou,Nem duende ma ensinou:

    Li-a eu por meu condoEm seus olhos inocentes,Transparentes transparentesAt dentro ao corao.

    [2] As folhas do lbum em que se escreveram estes versos.

  • IV.

    AI, HELENA!

    Ai, Helena! de amante e de esposoJ o nome te faz suspirar,J tua alma singela pressenteEsse fogo de amor deliciosoQue primeiro nos faz palpitar!...Oh! no vs, donzelinha inocente,No te vs a esse engano entregar: amor que te ilude e te mente, amor que te h-de matar!

    Quando o sol nestes montes desertosDeixa a luz derradeira apagar,Com as trevas da noite que espantaVm os anjos do inferno encobertosA sua vtima incauta afagar.Doce a voz que adormece e quebranta,Mas a mo do traidor... faz gelar.Treme, foge do amor que te encanta, amor que te h-de matar.

  • V.

    THE ROSE A SIGH[3]

    If this delicious, grateful flower,Which blows but for a little hour,Should to the sight so lovely be,As from its fragrance seems to me,A sigh must then its colour show,For that is the softest joy I know.And sure the rose is like a sigh,Borne just to soothe and then to die.

    [3] By a young lady born blind.

  • V.

    A ROSA UM SUSPIRO[4]

    Se esta flor to bela e pura,Que apenas uma hora dura,Tem pintado no matizO que o seu perfume diz,Por certo na linda corMostra um suspiro damor:Dos que eu chego a conhecer este o maior prazer.E a rosa como um suspiroH-de ser; bem se discorre:Tem na vida o mesmo giro, um gosto que nasce e morre.

    [4] Por uma menina cega de nascena.

  • VI.

    RETRATO(NUM LBUM)

    Ah! despreza o meu retratoQue lhe eu queria aqui pr!Tem medo que lhe desfeieO seu livro de primor?Pois saiba que por despiqueEu sei tambm ser pintor:Coesta pena por pincel,E a tinta do meu tinteiro,Vou fazer o seu retratoAqui j de corpo inteiro.

    Vamos a isto. SentadaNa cadeira moyen-ge,O cabelo en chtelaines,As mangas soltas. o traje.

    Em longas pregas negrasCaia o veludo e arraste;De si com desdm rgioCom o pezinho o afaste...

    Nessa atitude! Est bem:Agora mais um jeitinho;A airosa cabea a um ladoE o lindo p no banquinho.

    Aqui esto os contornos, so estes,Nem Daguerre lhos tira melhor.Este o ar, esta a pose, eu lho juro,E o trajar que lhe fica melhor.

    Vamos agora ao difcil:Tirar feio por feio;Entend-las, que o ponto,E dar-lhe a justa expresso.

  • Os olhos so cor da noite,Da noite em seu comear,Quando inda jovem, incerta,E o dia vem de acabar;

    Tm uma luz que vai longe,Que faz gosto de queimar: uma espcie de lumeQue serve s de abrasar.

    Na boca h um sorriso amvel.Amvel ... mas queriaSaber se todo bondadeOu se meio zombaria.

    Ningum mo diz? O retratoIncompleto ficar,Que nestas duas feiesTodo o ser, toda a alma est.

    Pois fiel como um espelho tudo o que nele fiz,E o que lhe falta que muito,Tambm o espelho o no diz.

  • VII.

    LUCINDA

    Ergue a frente, lrio,Ergue a branca frente!O astro do delrioJ surgiu no oriente.

    Vs, o sol ardenteL caiu no mar;A frente pendenteErgue a respirar!

    Alvo o luar,Teu alvor no cresta;A hora de gozar,De viver esta.

    Longa foi a sesta,Longo o teu dormir;Ergue a branca testa,Tempo de surgir!

    J se abre a sorrirTua boca linda...Despertar, sentirOu sonhar ainda?

    Sonho que no findaSer o teu sonhar,Se a dormir, Lucinda,Te sentes amar.

  • VIII.

    AS DUAS ROSAS

    Sobre se era mais formosaA vermelha ou branca rosa,Ardeu sculos a guerra

    Em Inglaterra.

    Paz entre as duas, jamais!Reinar ambas as rivais,Tambm no; e uma ceder

    Como h-de ser?

    Faltei eu l na InglaterraPara acabar com a guerra.Ei-las aqui bem iguais,

    Mas no rivais.

    Atei-as em lao estreito:Que artista fui, com que jeito!E oh! que lindas so, que amores

    As minhas flores!

    Diro que cpia; bem sei:Que todo inteiro o roubeiMeu pensamento brilhante

    Do teu semblante...

    Ser. Mas se to beloQue lhe dem esse modelo,Do meu quadro, na verdade,

    Tenho vaidade.

  • IX.

    VOZ E AROMA

    A brisa vaga no prado,Perfume nem voz no tem;Quem canta o ramo agitado,O aroma da flor que vem.

    A mim, tornem-me essas floresQue uma a uma eu vi murchar,Restituam-me os verdoresAos ramos que eu vi secar...

    E em torrentes de harmoniaMinha alma se exalar,Esta alma que muda e friaNem sabe se existe j.

  • X.

    SEUS OLHOS

    Seus olhos se eu sei pintarO que os meus olhos cegou No tinham luz de brilhar,Era chama de queimar;E o fogo que a ateouVivaz, eterno, divino,Como facho do Destino.

    Divino, eterno! e suaveAo mesmo tempo: mas graveE de to fatal poder,Que, um s momento que a vi,Queimar toda a alma senti...Nem ficou mais de meu ser,Seno a cinza em que ardi.

  • XI.

    A DLIA

    Cuidas tu que a rosa chora,Que tamanha a sua dor,Quando, j passada a aurora,O sol, ardente de amor,Com seus beijos a devora? Feche virgneo pudorO que inda boto agoraE amanh h-de ser flor;Mas ela rosa nesta hora,Rosa no aroma e na cor.

    Para amanh o prazerDeixe o que amanh viver.Hoje, Dlia, nossa a vida;Amanh... o que h-de ser?A hora de amor perdidaQuem sabe se h-de volver?No desperdices, querida,A duvidar e a sofrerO que mal gasto da vidaQuando o no gasta o prazer.

  • XII.

    A JOVEM AMERICANA

    Donde que te eu vi, donzela,E o que eras tu nesta vidaQuando no tinhas vestidaA forma de virgem belaQue ora te vejo trajar?

    Estrela foste no cu,Serias no prado flor?Ou, no difano splendorDe que ris faz o seu vu,Estavas, Silfa, a bordar?

    No houve poeta aindaQue te no visse e cantasse,Mulher que no te invejasse,Nem pintor que a face lindaTe no fosse copiar.

    Sculos tens. E ah!... j seiQuem s, quem foste e hs-de ser:Bem te eu estava a conhecerQuando primeiro te olheiSem te poder estranhar.

    Com Deus e coa LiberdadeDe nossas terras fugisteQuando perdidos nos viste,E te foste soledade.Do Novo Mundo acoitar.

    Pois que ora piedosa vensE nos sentes ressurgir,Oh! no tornes a fugir,Que melhor ptria no tensNem que mais te saiba amar.

  • Teu natal celebraremosHoje e sempre: teus amigosSomos na lealdade antigos,E no ardor novos seremos,No desvelo em te adorar:

    Porque tu s o IdealDa s beleza do Bem;No s estranha a ningum,E de ti s foge o malQue te no pode encarar.

  • XIII.

    ADEUS, ME!

    Adeus, me! adeus, querida,Que eu j no posso coa vida,E os anjos chamam por mim.Adeus, me, adeus!... Assim,Junta os teus lbios aos meus,E recebe o ltimo adeusNeste suspiro... No chores,No chores: aquelas doresJ sinto acalmar em mim.Adeus, me, adeus!... Assim,Junta os teus lbios aos meus...Um beijo um ltimo... Adeus!

    E o corpo desanimadoNo colo da me caa;E ela o corpo... s pesado,S mais pesado o sentia!No se lamenta, no chora,E quase a sorrir, dizia: Que tem este filho agora,Que tanto pesa? No posso...E uma a uma, osso por osso,Com a mo trmula tentaAs mozinhas descarnadas,As faces cavas, mirradas,A testa inda morna e lenta. Que febre, que febre! diz;E em tudo pensa a infeliz,Tudo que h mau lhe ocorreu,Tudo menos que morreu.

  • Como nos gelos do norteO sono traidor da morteEngana o desfalecidoQue imagina adormecer,Assim cansado, esvadoDe to longo padecer,J no h no coraoDa me fora de sentir;No tem j lume a razoSeno s para a iludir.

    Acorda, me desgraada,Que tempo de despertar!Anda ver a ea armada,As luzes que ardem no altar.Ouves? a rouca toadaDos padres a salmear?...Vamos, que a hora chegada, tempo de o amortalhar.

    E os anjos cantavam:Aleluia!

    E os santos clamavam:Hosana!

    Ao triste cantar da terraResponde o cantar do cu;Todos lhe bradam: Morreu!E a todos o ouvido cerra.

    E os sinos a tocar,E os padres a rezar,E ela ainda a acalentarNos braos o filho morto,Que j no tem mais conforto,Mais sossego neste mundoQue o jazigo hmido e fundoOnde h-de ir a sepultar.

  • Levai, anjos de Deus,Levai essa dor aos cus.Com a alma do inocenteAos ps do Juiz ClementeA fique a santa dorRogando Eterna BondadeQue estenda a imensa piedadeA quantos pecam damor.

  • XIV.

    AVE, MARIA

    Maria, doce me dos desvalidos,A ti clamo, a ti brado!

    A ti sobem, senhora, os meus gemidos,A ti o hino sagrado

    Do corao de um pai voa, Maria,Pela filha inocente.

    Com sua dbil voz que balbucia,Piedosa me clemente,

    Ela j sabe, erguendo as mos tenrinhas,Pedir ao Pai dos cus

    O po de cada dia. As preces minhasComo iro ao meu Deus,

    Ao meu Deus que teu filho e tens nos braos,Se tu, me de piedade,

    Me no tomas por teu? Oh! rompe os laosDa velha humanidade;

    Despe de mim todo outro pensamentoE v teno da terra;

    Outra glria, outro amor, outro contentoDe minha alma desterra.

    Me, oh! me, salva o filho que te imploraPela filha querida.

    De mais tenho vivido, e s agoraSei o preo da vida,

    Desta vida, to mal gasta e prezadaPorque minha s era...

    Salva-a, que a um santo amor est votada,Nele se regenera.

  • XV.

    OS EXILADOS SENHORA ROSSI-CACCIA[5]

    Eles tristes, das praias do desterro,Os olhos longos e arrasados de guaEstendem para aqui... Cravado o ferroDa saudade tm nalma; e negra mgoaA que lhes rala os coraes aflitos, a maior da vida so proscritos.Dor como outra no h, a dor que os mata!Dizer eu: Essa terra minha... minha,Que nasci nela, que a servi, a ingrata!Que lhe dei... dei por ela quanto tinha,Sangue, vida, sade, os bens da sorte...E ela, por galardo, me entrega morte!

    Morte lenta e cruel a de Ugolino![6]Bem lhes quiseram dar...

    Mas no ser assim: sopro divinoDe bondade e nobrezaNo o pode apagar

    Nos coraes da gente portuguesaEsse rancor de fera

    Que em almas negras, negro e vil impera.

    Tu, gnio da Harmonia,Tu solta a voz em que triunfa a glria,

    Com que suspira amor!Bela dentusiasmo e de fervor,Ergue-te, Rossi, tua voz nos guia:

    A tua voz divinaHoje um eco imortal deixa na histria.

    Inda no mar dEginaSoa o hino dAlceu;E atravessaram sculosOs cantos de Tirteu.Mais poderosa e vlidaA tua voz ser;A tua voz etrea,Tua voz no morrer.

  • Ns no templo da ptria penduramosEsta croa singela

    Que de mirto e de rosas entranamosPara essa fronte bela:

    Aqui, de voto, ficar pendente,E um culto de saudadeAqui, perenemente,

    Lhe daremos no altar da Liberdade.

    [5] Cantando em um baile de subscrio que se deu em Lisboa em 29 de Maro de 1845 a favor dos que nesse ano estavamemigrados por fugir s perseguies do Governo.

    [6] Foi morto fome com os filhos.

  • XVI.

    PREITO

    lei do tempo, Senhora,Que ningum domine agoraE todos queiram reinar.Quanto vale nesta horaUm vassalo bem sujeito,Leal de homenage e preitoE fcil de governar?

    Pois o tal sou eu, Senhora:E aqui juro e firmo agoraQue a um desptico reinarMe rendo todo nesta hora,Que a liberdade sujeito...No a reis! outro meu preito:Anjos me ho-de governar.

  • XVII.

    NO LUMIAR

  • Era um dia de Abril; a primaveraMostrava apenas seu virgneo seioEntre a folhagem tenra; no vencera,De todo, o sol o misterioso enleioDa nvoa rara e fina que estenderaA manh sobre as flores; o gorjeioDas aves inda tmido e infantil...

    Era um dia de Abril.E ns amos lentos passeandoDe vergel em vergel, no descuidadoSossego dalma que se est lembrando

    Das lutas do passado,Das vagas incertezas do porvir.E eu no cansava de admirar, de ouvir,Porque era grande, um grande homem deverasAquele duque ali maior ainda,Ali no seu Lumiar, entre as sincerasBelezas desse parque, entre essas flores,A qual mais bela e de mais longe vinda

    Esmaltar de mil coresBosque, jardim, e as relvas to mimosas,To suaves ao p muito h cansadoDe pisar alcatifas ambiciosas,De tropear no perigoso estrado

    Das vaidades da terra.E o velho duque, o velho homem dEstado,

    Ao falar dessa guerraDistante e das paixes da humanidade,

    Sorria maliciosoDaquele sorrir fino sem maldade,Que to seu era, que, entre desdenhosoE benvolo, a quanto lhe saaDos lbios dava um cunho de nobreza,

    De razo superior.E ento como ele a amava e lhe queriaA esta pobre terra portuguesa!Velha tinha a razo, velha a experincia,

    Jovem s esse amor.

  • To jovem, que inda cria, inda esperava,Inda tinha a f viva da inocncia!...

    Eu, na fora da vida,Tristemente de mim me envergonhava. Passevamos assim, e em reflectidaMeditao tranquila descuidadosamos ss, j sem falar, descendoPor entre os velhos olmos to copados,Quando sentimos para ns crescendoRumor de vozes finas que zumbiaComo enxame de abelhas entre as flores,E vimos, qual Diana entre os menoresAstros do cu, a forma que se erguia,Sobre todas gentil, dessa estrangeiraQue se esperava ali. Perfeita, inteiraNo velho amvel renasceu a vidaE a graa fcil. Cuidei ver o antigoO nobre Portugal que ressurgia

    No venerado amigo;E na formosa dama que sorria,

    O gnio da subida,Rara e fina elegncia que a nobreza,O gosto, o amor do Belo, o instinto da ArteRene e faz irmos em toda a parte;

    Que afere a grandezaPela medida s dos pensamentos,Do stilo de viver, dos sentimentos,Tudo o mais como ftil desprezando.

    Pensei que a saudar o velho ilustreEm seus ltimos dias

    E a despedir-se, at Deus sabe quando,De nossas praias tristes e sombrias,Vinha esse gnio... Tristes e sombrias,Que o sol lhe foge, lhe esmorece o lustre,E onde tudo o que alto vai baixando...

    O triste, o que no tem j sol que o aqueaSou eu talvez que, mngua de f, sintoO crebro gelar-me na cabeaPorque no corao o fogo extinto.

    Ele no era assim,Ou, sabia fingir melhor do que eu!

  • Como o nobre corcel que envelheceuNas guerras, ao sentir o ureo telimE as armas sobre o dorso descarnado,Remoa o garbo, em juvenil meneio

    Franja de espuma o freio,E honra os brases da casa em que foi nado.

    Nunca me h-de esquecer aquele dia!Nem os olhos, as falas, e a sinceraAdmirao da bela dama inglesa

    Por tudo quanto via;O fruto, a flor, o aroma, o sol que os gera,E esta vivaz, veemente natureza,

    Toda de fogo e luz,Que ama incessante, que de amar no cansa,

    E contnua produzNos frutos o prazer, na flor a esprana.

    Ali as naes todas se juntaram,Ali as vrias lnguas se falaram;

    A Europa convidadaVeio ao festim no ao festim, ao preito.Vassalagem rendida foi prestada

    Ao talento, beleza,A quanto nalma infunde amor, respeito,Porque deveras grande: que a grandeza

    Os homens no a do;Pe-na por sua moNaqueles que so seus,Nos que escolheu s Deus.

    Oh! minha pobre terra, que saudadesDaquele dia! Como se me apertaO corao no peito coas vaidades,Coas misrias que a vejo andar alerta, solta apregoando-se! Na intriga,Na traio, na calnia forte a liga, fraca em tudo o mais...

  • Tu, sossegadoDescansa no sepulcro; e cerra, cerraBem os olhos, amigo venerado,No vejas o que vai por nossa terra.Eu fecho os meus, para trazer mais viva

    Na memria a tua imagemE a dessa bela Inglesa que se esquiva

    De ns entre a folhagemDos bosques de Partnope. Cansado,

    Fito nesta miragemOs olhos dalma, enquanto que arrastado,

    Vai o tardio pPor este que inda ,

    Que cedo no ser, bem cedo em mal!O velho Portugal.[7]

    [7] Estes versos foram inspirados pela visita da celebrada Mrs. Northon quinta do Lumiar, onde o falecido duque dePalmela reuniu, para a festejar, alguns poucos amigos escolhidos. Foi nos ltimos tempos de sua vida. Mrs. Northon resideactualmente em Npoles, a Partnope de que fala o texto.

  • XVIII.

    A UM AMIGO

    Fiel ao costume antigo,Trago ao meu jovem amigoVersos prprios deste dia.E que de os ver to singelos,To simples como eu, no riaQualquer os far mais belos,Ningum to dalma os faria.

    Que sobre a flor de seus anosSoprem tarde os desenganos;Que em torno os bafeje amor,Amor da esposa querida,Prolongando a doce vidaFruto que suceda flor.

    Recebe este voto, amigo,Que eu, fiel ao uso antigo,Quis trazer-te neste diaEm poucos versos singelos.Qualquer os far mais belos,Ningum to dalma os faria.

  • XIX.

    OS LUSADASEPLOGO DE PAGGI.[8]

    I.Coa doce voz o cisne lusitanoAssim as prprias feras abrandava;Mas nem o Tejo. de seu canto ufano,Nem as ingratas Tgides tocava:De seu mpio destino desumanoNunca as iras fatais, nunca domava;Nem achou entre os seus humanidadeQuem moveria as pedras piedade.

    II.Ingrata ptria, o engenho sublimadoDigno de um capitlio em Roma antiga,Tu no o ergueste desse baixo estadoEm que s por tua glria se afadiga!O engenho que te inveja malogradoToda a nao de mritos amiga,Tu na vida em misrias o deixaste,E em leito vil fome o assassinaste!

    III.Vai! Sua glria mais hoje a maravilhaDas gentes, porque mais o perseguiste;Morre o teu nome quando o seu mais brilha,Despojam dele a tua lngua triste;Ibria o adoptou, Frana o perfilha,Britnia o quer; e agora eterno existe,Que num e noutro itlico idiomaEntre os seus vates o coloca Roma.

  • IV.Tu fica-te cos ossos desonradosQue te acusam de ingrata ao cu e terra;Seu sprito, esse vai onde prezadosSo virtude e talento, e onde mpia guerraStulto o poder no faz aos mais honrados:Mais de outros j que teu, j no se encerraNum canto do orbe sua altiva fama,Que Augusto a ampara e um Alexandre a aclama.

    V.L onde surge de alto monte, e brilhaSobre a escolhida grei de Deus a estrela,E igual quela antiga maravilhaQue os reis guiou a Deus, sobre os reis vela,L onde ao mrito o poder se humilha,Beija a paz da justia a face bela,E de ilustre carvalho sombra amenaDescansa Roma no velar de Sena.[9]

    VI.L vai, minha obra, o desta luz roubadaTu leva ptria musa esses primores;Em fala ignota estava sepultada,Raios de estranho sol so seus fulgores.Vai, vivers: tambm com luz furtadaDeu vida Prometeu. Se mais no fores,Sers reflexo de beleza, lustre,E de eterno splendor mula ilustre.[10]

    [8] Paggi esteve muitos anos em Lisboa, e aqui publicou duas edies da sua traduo dOs Lusadas, que, se no tem ovalor potico da de Nervi, nem a fidelidade da de Briccolani, todavia muito aprecivel. Este eplogo foi tirado da segundaedio de 1659 que a mais correcta, conservando-se-lhe a prpria ortografia.

    [9] Cidade do gro-ducado de Toscana, ptria do papa Alexandre VII, a quem a verso dOs Lusadas foi dedicada.

    [10] Publicando-se a primeira vez esta traduo dos versos de Paggi no 2. nmero do vol. II do jornal A Semana, apareceucom uma introduo, da qual julgamos dever extractar alguns pargrafos:

    Um nome ilustre e portugus, germanado pela inspirao e pelas tradies ptrias com a glria de Cames, associa-se hoje nobre desafronta que um estrangeiro soube, h sculo e meio, escrever no fim dOs Lusadas em honra das esquecidascinzas de Cames. O estrangeiro foi Carlos Antnio Paggi, que na sua traduo italiana dOs Lusadas acrescentou, comoeplogo, seis formosas estrofes em honra do poeta que a Ptria, ou antes a corte do seu tempo, votara humiliao e indigncia. O nome glorioso na histria contempornea das nossas letras o de Almeida Garrett, que em belssimos versosportugueses trasladou a elegia melanclica com que o italiano Paggi apostrofou a indiferena, ou o desprezo que foram em vida

  • de Cames a tena mais avultada que os poderosos lhe destinaram no seu livro de mercs.

    Quem gravou mais estes versos na loisa de Cames, quem lhe refrescou as cinzas com mais esta saudade, foi o poeta, queresume no seu nome, como num trao conciso, toda uma regenerao literria, o poeta que marca no estdio das letras umrepoiso ameno depois do servilismo ou da inanio da poesia nacional; o mesmo que celebrou Cames em versos ungidos desentimento e de saudade ntima; aquele que interrogou os Portugueses sobre o lugar onde jaziam os ossos do maior gnio danossa terra; foi o prprio que em Portugal, onde s a opulncia tem monumentos, e a nulidade esttuas, levantou o maisclamoroso brado a favor daquela pobre ossada, perdida, profanada, pisada talvez sacrilegamente pelos filhos degenerados dumaptria envilecida; foi aquele mesmo que rematou tambm um dos seus mais graciosos e sentidos poemas, com esta apstrofe,temerosa e solene, j tantas vezes citada por nacionais e estrangeiros:

    Onde jaz, Portugueses, o moimento

    Que do imortal cantor as cinzas guarda?

    Homenagem tardia lhe pagastes

    No sepulcro sequer? Raa dingratos!

  • XIX

    LA LUSIADAEPILOGO DI PAGGI.

    I.Cotal cantava il lusitano cignoMolcendo con sue voce anco le fere,Non che lamato patrio Tago el Migno,E le del canto suo Tagide altere:Che pur del suo destino empio e malignoNon puote unqua addolcir lire severe;Non trovando fra suoi humanitadeQuei chi scelsi avria mossi anco a pietade.

    II.Potesti, ingrata patria, un spirto degnoDun campidoglio in una Roma antica,Non sollevar da basso stato, indegnoDi cui fi per te gloria ogni fatica?Un spirto che tinvidia al maggior segnoOgni altra nazion di mer ti amica,Veder soffristi vivo egro e scontentoEd in vil letto di disagio spento!

    III.Ma vanne pur che, quanto iniqua, austeraFusti con lui, tanto fra laltre gentiSorger la sua gloria ove tua pera,Fino a caciarne i tuoi nativi accenti.Adotteranlo la nazione ibera,La franca, use adottar spirti eminenti,Langla: ed ambe le italiche favelleVorran che viva fra suoi poeti anchelle.

  • IV.Tienti pur lossa inonorate ancoraChe taccusan dingrata anco sepulte;Che lo spirto di lui, gia di te fuoraNon errar, ne fien sue pene inulte;Vedrailo accolto ove virtu sonora:Gia piu daltri che tuo, fra le piu culteGenti del orbe, e maturar sua spemeSotto un Augusto e un Alessandro insieme.

    V.La ve ad illuminar da eccelso monteAstro di Dio, leletta gregia, sorge,Che al par di quel che ad inchinar la fronteCondussi i regi a Dio, i regi scorge,La dove il merto abbatte sforzi ed onte,La giustizia la pace il labro porge,E di quercia Feretria lombre amenaRiposa Roma al vigilar di Siena,

    VI.Or la vanne, opra, ed le patrie muse,Quasi terzo cristal le luci rendiChe sotto ignoto dir sepolte e chiuseDa sol che altrove splende or furi e prendi.Vanne, e qual gia Prometteo anima infuseCon le luci non sue, tu vita attendi:Spechio del altrui bello, emulo industreE deterno splendor riflesso illustre.

  • XX.

    O TEJOAO SENHOR VISCONDE DE ALMEIDA GARRETT

    PELO CONDE DE CAMBURZANO

    Nessas margens risonhas do TejoNo h som que no cante de amor;Em suas ondas azuis o lampejoDas estrelas, no albor, se espelhou.

    Essa terra produz a violetaAo primeiro sorrir da manh,Vago Zfiro a flor indiscreta,Sussurrando, lascivo beijou.

    loquaz este bosque sombrio,Cheio ainda do canto dos bardos;Aqui Tempe, aqui o Mnalo frio,E o Meandro que os cisnes produz.

    Oio uns ecos de mgica liraPela noite ir ao longo da praia...Quem esse to fero que a giraE do dia desdenha da luz?

    Cato [11] s a este no domaQuem a terra fez muda a seu mando; Cato a infmia de RomaNa sua frente jamais no pesou.

    Como geme alva pomba ferida,Assim Mrope [12] geme e lamenta;Soam trompas guerreira alarida,E a alegria ao seu peito voltou.

    Nas cumeadas de Hermnio [13] nevosas,Que dos hrridos gelos se croam,V a aurora coberta de rosasDe beleza em que pompa surgiu!

  • Na hstea dbil as tenras florinhasVo o puro rocio bebendo,Cada gota do cu, nas ervinhas,Rica prola ardente luziu.

    Mas o Gnio do monte, que horrendoEntre as sombras impera da noite,Bate as asas, j foge e fremendoNo profundo do mar mergulhou

    Repentino l surge um guerreiro,Torvo o cenho, a armadura de ferro... Viriato... a seus ps o primeiro! Calca as guias que o mundo adorou.

    Da caverna que os ossos lhe encerraSurde a voz... Inclinai as cabeasAnte o livre que impvido terra Ou morrer ou salv-la jurou...

    Emudece a harpa. O nome adoradoDa sua Jlia [14] as Drades cantem!Sobre a fronte ao poeta sagradoFebo prprio os seus loiros poisou.

    [11] Alude tragdia Cato do Sr. Garrett.

    [12] Alude tragdia Mrope do Sr. Garrett.

    [13] Do mesmo modo alude Caverna de Viriato, publicada ultimamente nas Flores sem Fruto, com a traduo francesapor Mademoiselle de Flaugergues.

    [14] Alude igualmente ode ou cano II do livro primeiro Flores sem Fruto.

  • XX.

    IL TAGOAL SIGNOR VISCONTE DE ALMEIDA GARRETT

    DAL CONTE DI CAMBURZANO

    Sule sponde ridenti del TagoDice ogni eco canzone damore;In que flutti dazzuro s vagoOgni stella al mattin s spechi.

    Quella terra produce la violaAl primiezo dell alba sorriso,Zefiretto che lene trasvolaSusurrando quel fiore baci.

    Son loquaci le brune foreste,Piene ancora del canto de bardi;Quivi Tempe, qu Menalo agreste,El Meandro che i cigni nutr.

    Odo un suono di magica liraLungo il lido siull umida sera...Chi colui che s fiero a saggiraE disdegna la luce del di?

    Egli Cato, lui solo non domaChi la terra f muta suoi cenni;Egli Cato, linfamia di RomaSul suo capo giammai non pes.

    Come gemon le bianche colombe,Cosi Merope piange e lamenta;Ma improviso squillare di trombeAlta gioja in suo cuore vers.

    Su le cime dErminio nevose,Cui fan glorridi ghiacci corona,Ve laurora cosparsa di roseQual fa pompa di rara belt!

  • I fioretti sul gracile steloVan bevendo la pura rugiada,Ogni stilla caduta dal cieloFra lerbette una perla si fa.

    Ma lo Spirto del monte, che orrendoTiene impero fra lombre di notte,Bate lali, gia fugge e fremendoNel profondo dei mari piomb.

    Un guerriero repente si desta,Torvo il ciglio, rachiuso nellarme, Viriato... un vessillo calpestaChe tremante la terra mir.

    Dallo speco che lossa ne serraUna voce si parte tinchina A colui che la libera terraO far salva o perire giur...

    Tace larpa... Di Giulia ripetaOgni Driade il nome soave!...Su la fronte del sacro poetaFebo istesso lalloro pos.

  • XXI.

    CANO DA DONZELA FINLANDESA

    Oh! se o meu Bem me volver,Se quem dantes via, eu vejoTraga ele a boca a escorrerDe lobo em sangue, lha beijo;E a mo vou-lha apertar,Cobras lha andem a enroscar.Ah! se o vento alma tivera,Lngua o ar da primavera,Fora a sua voz bastante:Novas levara e trouxeraEntre um e outro amante.Desprezo finos guisados,Deixo ao cura os assados;S quero amar, ser constanteA quem o vero me deuE o inverno afez a ser meu.[15]

    [15] O original fencio ou finlands.

    Esta pequena Runa, cano em metro rnico, considerada no Norte como um desses raros exemplares da literaturaprimitiva dos povos, que a caracterizam. Como tal tem sido traduzida em muitas lnguas com o auxlio das verses literais, quepara isso se publicaram em Estocolmo.

    Por este modo se fez a portuguesa: e creio ser a primeira que aparece nas lnguas do Sul. Dou com ela as verses todas,poticas e literais, que me chegaram mo. Muito aproveitaria ao estudo das lnguas e literaturas da Europa se os nossosliteratos se dessem com o mesmo empenho ao estudo das runas e sagas do Norte com que ali se do ao das nossas xcaras esolaus.

  • XXI.

    EYTON RUNO SUOMALAISEN

    Jos mun tuttuii tulisi,Ennen nhtyni nkyisi,Sillen suuta suikkajaisin;Jos olis suu suden weress;Sillen ktt kppjisin,Jospa krme kmmen-pss.Olisko tuuli mielellisn,Ahawainen kielellisn:Sanan toisi, sanan weisi,Sanan liian liikuttaisi,Kahden kaunihin wlill.Ennen heitn herkku-ruuat,Paistit pappilan unohdan,Ennenkun heitn herttaseni.Kesn kestyteltyni,Talwen taiwuteltuani.

  • XXI.

    CARMEN FENICAE PUELLAE

    Ille si meus veniret,Visus ante si veniret;Illitum lupi cruoreOs libenter oscularer;Si ter implicaret anguis,At manum manu tenerem.Si qua mens adesset austro,Si qua lingua veris aurae;Ferret aura, ferret auster,Et referret usque verba,Nuntians, amanti amantis.Nil moror dapes opimas,Presbiter nihil quod assat,Dum mihi meum reservem,Quem mihi subegit aestas,Bruma quem dedit domandum.

    A. HednerPraepositus Ydriensis

  • TRADUES LITERAIS

  • I.

    ALLEMAN

    Oh! wenn mein Geliebter kommen wrde,Der frher gesehene, wenn er erschiene (erscheinen wrde):Segleich wrde ich einen Kuss auf seinen Mund drcken,Auch wenn er (der Mund) mit Wolfsblut besudelt wre!Seine Hand wrde ich zugleich auch warm (berzlich) fassen,Wenn auch eine Schlanqe sich um seine Finger schlngelt!Ach! wenn der Wind Verstand htte,Der frische Lenzeshauche, wenn er einer Sprache mchtig wre:Ein Wort wrde er hinbringen, ein Wort wrde er zurctbringen;Mit Nachrichten wrde er schnell eilenZwischen zwei Liebenden. Lieber verschmhe ich die kostbarsten Speisen,Vergesse lieber den Braten auf des Priesters Tische,Als dass ich meines Herzens Geliebten verlasse,Den, welchen ich im Sommer mir ergeben machte,Den, welchen ich in Winter (an mich) befestigte.

  • II.

    INGLESA

    Oh! if my beloved would come,The before seen, if he would appear;Instantly I should press a kiss on his mouth,Even though it (the mouth) were stained with the blood of a wolf.His hand I should at the same time warmly (cordially) seize,Even though a snake wound round his fingers!Oh! if the wind had understanding,The fresh zephyrs of the spring, if they were capable of speech:A word they would bring hither, a word they would return,With intelligence they would quickly hastenBetween two lovers. I should sooner give up the nicest dishes,Forget rather the roast meat on the priests tableThan I forsake my dear beloved,Him, whom in the summer I made attached to me,Him, whom in the winter I captivated.

  • III.

    LATINA

    O, si ille familiaris meus veniret,Antea visus mihi appareret!Statim ei os porrigerem,Etiamsi esset (os) lupi cruore maculatum.Manum ejus calide premerem,Etiamsi anguis digitos cingeret.O! si ventus esset mente praeditus,Si flamen veris alacre linguae esset potens;Verbum huc ferret, verbum referret,Nuntium vicissim motu ageretInter duos amantes. Rejiciam potius lautissimas cupedias,Quin carnis assae de mensa presbyteri obliviscar,Quam meum ex corde amatum deseram;Quem aestate mihi deditum reddidi,Quem hieme satis mansuefeci.

  • IV.

    FRANCESA

    Ah! si mon bien-aim voulait venir,Celui que je voyais jadis, voult-il reparatre!A linstant je presserais un baiser sur sa bouche,Si mme elle tait tache de sang de loup.Je saisirais ardemment sa mainQuand mme un serpent ft roul autour de ses doigts.Oh! si le vent avait de la raison,La frache haleine du printemps, si elle savait une langue;Elle irait chercher un mot, un mot elle rapporterait;Vite elle se hterait avec des nouvellesEntre deux amants. Plutt je me passerais des mets les plus dlicats,Joublierais plutt le rti sur la table du pasteur,Que je nabandonne le chri de mon coeur,Celui quen t je mattachai,Celui que jenchanai pendant lhiver.

  • Notas

    Nota A

    Coquette dos pradosA palavra coquette no portuguesa. Mas no h remdio seno aceit-la e dar-lhe a carta

    de naturalizao desde que a coisa se aforou tanto entre ns.

    Nota B

    Voz e aromaParece-me, e quero confess-lo, que estes versos so uma reminiscncia de Lamartine.

    Nota C

    No LumiarTinha prometido estes versos sobre a visita de Mrs. Northon ao Lumiar, h trs para quatro

    anos, ao nosso comum amigo S. de L. Perdoe-me ele se to tarde cumpro a minha promessa. Dezembro, 1851.

    Nota D

    O TejoO Sr. Conde de Camburzano, secretrio da Legao de Sardenha em Lisboa, foi aqui mui

    pouco conhecido da nossa sociedade, nem o seria com vantagem, porque danar e jogar, jogare danar, de Vero e de Inverno, nossa ocupao exclusiva e nica, no podia ser a de umhomem de forte pensar e de veemente sentir.

    Manda-lhe aqui estas saudades um dos poucos portugueses que tiveram a fortuna de oconhecer.

    Nota E

    Deixo ao cura os seus assadosEste pequeno poema foi-me enviado de Estocolmo pelo ilustre literato o Sr. Zetterquist,

  • com as tradues poticas e literais que publico juntamente com o texto, e que me servirampara fazer a traduo portuguesa que com tanta instncia me pediram. Veio tudo acompanhadoda seguinte explicao em francs, que aqui ponho textualmente tambm para melhoresclarecimento do assunto:

    REMARQUES DIVERSES SUR CETTE RUNA FINOISE [16]

    Ce petit pome, que lon peut appeler une rminiscence de ltat dinnocence primitive des

    peuples et des langues, fut compos il y a peut-tre quelques sicles, par une jeune paysannefinoise. Comme le chant lindique, elle parait avoir en un amaut auquel elle avait donn soncoeur et son premier amour, mais qui, plus tard, pour une cause quelconque, labandonna,malgr les promesses de mariage quil avait jures sa fiance. Une circonstance pareille najamais t et ne sera jamais rien dextraordinaire: cest, nonobstant, le thme de ce chant sisimple. Simple, il est vrai; mais il ne manque pas pour cela doriginalit, ni mme de posie,pareil en cela, du reste, tous les vieux et sublimes chants nationaux du Nord. Je pourraismme cet gard soutenir sans exagration que celui qui nous occupe est lun des plus beauxproduits de la posie populaire. O trouver, par exemple, une pense plus sublime que cellede la seconde stance, o cette Sapho, quoique ntant pourtant pas de Lesbos, donne souslinspiration du moment, lessor aux brlants sentiments de son coeur: Oh! si le vent taitdou de raison, et la fraiche haleine du printemps, si elle savait une langue: ils porteraientalors un mot damour et le rapporteraient entre deux amants. Mais que lon noublie pasnon plus que cest lamour, chez cette pote toute dinspiration naturelle, ne et grandie dansun pays de forts couvertes de neiges et de glaces, qui lui a mis sur les lvres ces parolesdune si douce posie. Quant la 3me ou dernire stance, il me semble aussi ncessaire dyfixer lattention plus spciale du lecteur. On pourrait, par aventure, regarder comme uneespce dtranget les expressions suivantes: Plutt je me passerais des mets les plusdlicats, joublierais plutt le rti sur la table du pasteur, que je nabandonne le chri demon coeur. Pour celui qui ne connat pas les particularits caractristiques des paysansfinlandais, et leur apprciation des choses, une image ou un objet concret pareilan rti sur latable du pasteur, pourrait paratre quelque chose dtonnant en posie: mais cette pense oncette image ne prsente par contre rien dtonnant, lorsque lon est initi la vie nationale dela Finlande, et surtout, si lon sait quelle profonde vnration les paysans finois avaient jadispour leur prte, pour leur instituteur religieux; mais outre cette saint vnration, qui touchaitpresque une adoration mystique, ils donnaient ses biens matriels un valeur et leurmontraient un respect non moins grands. La jeune fille, inspire par le dieu de lamour,naurait donc voulu pour les friandises les plus recherches au monde, pas mme pour les metsles plus dlicats que la table du pasteur pt offrir, se dpartir de lobjet aim. Cette stropherenferme aussi, en consquence, une pense tout aussi raisonnable que belle. Et quoique cepetit morceau lyrique soit un modle de style simple et naturel, il ne se fait, on vient de le voir,pas moins remarquer par un sentiment ardent, par sa force, et surtout par de ces images hardiescomme des potes plus exercs et plus instruits on cherchent en vain.

    Jose dans tous les cas esprer quon ne nimputera raisonnablement pas blme, davoir,

  • comme base de mon entreprise, choisi de prfrence ce simple chant antique, au lieu deprendre un morceau moderne dune autre tendance. Un original de caractre religieux, naurait,par exemple, indubitablement pas convenu; dautant plus que comme il sagit ici dobtenir leplus grand nombre possible de traductions, non seulement en langues crites mais encore enidiomes provinciaux, le morceau que jai choisi me parat plus que toute autre propre conduire ce rsultat.

    Si jen viens maintenant au but mme de mon travail, je crois pouvoir dclarer ce sujet,qu tous gards, une collection polyglotte semblable doit indubitablement tre fortintressante pour les personnes possdant des connaissances philologiques plus ou moinsgrandes, et surtout pour celles qui soccupent de linguistique compare. Un rsultat pareildpend naturellement de la fidlit, de lexactitude qui sera apporte chaque traduction. Lonne doit, en consquence, pas considrer cette entreprise comme une affaire de curiosit, nicomme un simple amusement, mais comme un travail utile, autant que possible, pour lhistoiregnrale des langues.

    Sous le point de vue de la runion dun si grand nombre de traductions, tant en dialectesquen langues crites mortes et vivantes, elles seront ranges en ordre systmatique bas surleurs origines et leurs affinits. Le nombre didiomes dont cette carte philologique secomposera, dpendra naturellement de la quantit de traductions que jobtiendrai. Cependant,me fondant sur la bienveillance dont jai dj t lobjet pendant le cours de quelques annes,jose esprer que la collection se composera denviron 200 ou 300 idiomes, dont je possdedj un nombre assez considrable. Cet ouvrage sera encore augment de quelques appendicesde musique, et dune introduction philologico-historique. Ensuite, les traductions seront autantque possible imprimes avec les caractres particuliers chaque langue.

    Enfin, que lon me permette dajouter au sujet de cette Runa finoise, quavant moi dj,diverses personnes lont remarque avec intrt; je dois nommer entrautres le Conseillerdtat sudois S. E. Mr. A. F. de Skjoldebrand, lequel publia en 1810 Stockolm unemagnifique collection de gravures sur la Sude, la Finlande et la Laponie, suivie dunedescription en langue franaise, et portant le titre de Voyage pittoresque au Cap Nord. LaRuna que jai choisie se trouve dans cet ouvrage, tant en original, quen traduction franaise enprose. Lauteur y annonce quelle lui fut communique par Fr. Mich. Fransen (alors professeur lAcadmie dAbo) comme un des meilleurs chantillons de la posie runique finoise, et lundes plus propres montrer quel riche degr la nation finoise possde linspiration potique.Mais la langue finoise est aussi sous le point de vue grammatical singulirement flexible, elleest surtout fort mlodieuse, ce qui lui donne une certaine ressemblance avec le Grec antique.

    A peu prs vers le mme temps que louvrage de Mr. de Skjoldebrand, apparut en anglais,dun certain Joseph Arcebi, une description de Voyage en Sude, en Finlande et en Laponie,dans laquelle se trouve aussi la mme Runa, en traduction anglaise, faite toutefois assezlibrement. Cette description de Voyage, fort intressante, a t traduite en franais et enallemand. Mais ces deux auteurs ne sont pas les seuls: le clbre pote allemand Goethe a faitaussi de ce chant une traduction imprime dans ses: Poetische und Prosaische Werke.

  • QUELQUES INDICATIONS PARTICULIRES POUR LES TRADUCTEURS DE CE CHANT 1. MM. les traducteurs voudront bien suivre, aussi fidlement que possible, lune des trois

    traductions verbales ci-dessous. 2. Quant aux idiomes dans lesquels il serait difficile et peut-tre mme impossible de faire des traductions en vers, lon devra, dans un tel cas, se contenterde les faire en prose, plutt que de nen point faire du tout. Je dsire toutefois que cestraductions soient en vers blancs (non-rims), comme les trois traductions verbales. 3. Si letraducteur voulait communiquer quelques explications grammaticales sous forme de notes,elles seraient reues avec la plus grande reconnaissance. 4. De mme, si quelquun voulait secharger, en cas que ce ft possible, de procurer de la musique lune des traductions, ce seraitune chose que je dsirerais volontiers. 5. MM. les traducteurs sont pris dcrire leurstraductions aussi distinctement que possible, pour viter les fautes typographiques quipourraient syglisser. 6. Lon ne doit pas oublier de traduire le titre: Chant dune jeunepaysanne finoise. 7. Chaque traducteur voudra bien signer sa traduction.

    G. G. ZETTERQUIST

    [16] Runa est un mot finois qui signifie Chanson. Les plus anciens caractres des peuples germaniques et scandinaves,quils employaient surtout dans le style lapidaire, portent, comme lon sait, le nom de Runes, do le terme Runographie pourdsigner ce genre dcriture.

  • Almeida Garrett (1799-1854)

    Imaginar sonhar, dorme e repousa a vida no entretanto; sentir viver activamente, cansa-a econsome-a.

    CapaTtuloFicha TcnicandiceAdvertnciaLIVRO PRIMEIROI. Ignoto DeoII. Adeus!III. Quando eu sonhavaIV. Aquela noite!V. O anjo cadoVI. O lbumVII. SaudadesVIII. Este inferno de amarIX. DestinoX. Gozo e dorXI. Perfume da rosaXII. Rosa sem espinhosXIII. Rosa plidaXIV. Flor de venturaXV. Bela damorXVI. Os cinco sentidosXVII. Rosa e lrioXVIII. Coquette dos pradosXIX. CascaisXX. Estes stios!XXI. No te amoXXII. No s tuXXIII. BelezaXXIV. Anjo sXXV. Vbora

    LIVRO SEGUNDOI. Barca belaII. A coroaIII. SinaIV. Ai, Helena!V. The rose a sighV. A rosa um suspiroVI. RetratoVII. LucindaVIII. As duas rosasIX. Voz e aromaX. Seus olhosXI. A DliaXII. A jovem americanaXIII. Adeus, me!XIV. Ave, MariaXV. Os exiladosXVI. PreitoXVII. No lumiarXVIII. A um amigoXIX. Os lusadasXIX. La lusiadaXX. O TejoXX. Il TagoXXI. Cano da donzela finlandesaXXI. Eyton Runo SuomalaisenXXI. Carmen Fenicae Puellae

    TRADUES LITERAISI. AllemanII. InglesaIII. LatinaIV. Francesa

    NotasContracapa